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V SEPEGE – de 02 A 04 de maio de 2012 – Programa de Pós-Graduação em

Geografia Física/FFLCH/USP

TRANSPORTE DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA DA QUEIMA DA CANA-DE-


AÇÚCAR NO ESTADO DE SÃO PAULO1

Thiago Souza SILVEIRA


Aluno do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física
Universidade de São Paulo
thiagosousilveira@usp.br

Resumo

As políticas públicas ambientais estão cada vez mais em discussão,


seja pelos ambientalistas, pelos políticos, pela academia e mesmo pela
sociedade. É, de fato, um assunto estratégico para a qualidade de vida do ser
humano através da regulação de muitas das nossas atividades cotidianas,
como a regulação de emissões de poluentes veiculares e industriais na
atmosfera, nas águas continentais e marítimas. As queimadas de plantações
de cana-de-açúcar no estado de São Paulo constituem outro exemplo de como
as atividades humanas podem contribui para o aumento da poluição
atmosférica. A diferença do rigor e das regras que se atribuem ao campo e à
cidade deve estar em proporção e crescer em compasso entre os dois
ambientes. Entendendo que há um entrelaçamento social e ambiental com
influência mútua entre os dois espaços aparentemente distintos, pretende-se
nesta pesquisa verificar como ocorre o transporte dos poluentes emitidos pelas
queimas de cana-de-açúcar no interior do estado de São Paulo e, qual a
consequente influência na composição química-gasosa e de partículas na
atmosfera na Região Metropolitana de São Paulo e adjacências, em diferentes
condições atmosféricas. Os resultados desta pesquisa devem prover
informações mais precisas sobre a dispersão de poluentes, com potencial para
direcionar ações específicas nas políticas públicas ambientais municipais e

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Projeto de pesquisa em andamento. Aluno Ingressante em Jul/2011 com orientação da Prof. Dra.
Maira Elisa Siqueira Silva.

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estaduais. Para alcançar tais resultados serão usadas técnicas de


sensoriamento remoto, como as informações sobre foco de queimada, a
modelagem atmosférica e dados oficiais observados.

Introdução
Com o surgimento das grandes cidades no Brasil a partir de meados
do século XIX e com o processo industrial que o país sofreu ao longo da
primeira metade do século XX, houve a formação de grandes Regiões
Metropolitanas, como as de São Paulo e do Rio de Janeiro. A qualidade do ar
nas cidades tem piorado devido a atividades tipicamente urbanas. A partir de
1972, com a Conferência de Estocolmo, a sociedade passou a se preocupar
mais com a emissão dos poluentes.
Com o aumento da conscientização sobre os prejuízos causados pela
poluição ambiental, a sociedade passou a fazer mais pressão sobre seus
administradores, o que resultou na criação de legislação ambiental específica.
A resolução CONAMA 003/90, que classifica e padroniza a poluição referente à
qualidade do ar, principalmente no espaço urbano, é um exemplo de legislação
criada com o fim de prover maior qualidade de vida principalmente para
crianças, idosos e desnutridos, grupos mais suscetíveis à poluição atmosférica
(ZANCUL, 1999; RIBEIRO et al., 2010; ARBEX, 2001).
O estado de São Paulo é historicamente o maior produtor de cana-de-
açúcar do país, segundo o Min. da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(2009). Hoje, apresenta cerca de 20% da área do estado plantada com essa
cultura (INPE, 2012), colocando o Brasil entre os maiores produtores
sucroalcooleiros (Figura 1). O estado de São Paulo apresenta expansão da
produção de cana no decorrer dos últimos anos, tal como visto na Figura 2.
Tais aspectos dão importância à pesquisa.

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Figura 1: Série histórica da produtividade dos países produtores de cana-de-


açúcar, em kg/ha. Fonte: Anuário Estatístico da Agroenergia (2009).

Figura 2: Área (ha) cultivada com cana-de-açúcar no estado de São Paulo,


2003-2011. Fonte: CANASAT/INPE (2012).

A queima da plantação de cana-de-açúcar antes da colheita provoca a


emissão de material particulado e gases para a atmosfera. A expansão da área
plantada aumenta ainda mais este problema. A área plantada com cana no
estado de São Paulo passou de três milhões de hectares, em 2003, para cinco
milhões, em 2011 (CANASAT/INPE, 2012). Isso certamente traz impacto na
atmosfera, principalmente, na época de colheita. Segundo BARROCAS (apud
Comissão Técnica de Cana-de-Açúcar da Secretaria de Agricultura do Estado
de São Paulo, 2001), grande parte da cana plantada é queimada antes do corte
(em 1997 e 1998, foi queimado o equivalente a 92,8% do que foi colhido). Ou
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seja, quase 300 milhões de toneladas de cana foram queimadas, segundo o


Anuário Estatístico da Agroenergia (2009).
A liberação de gases poluentes e material particulado em Ribeirão
Preto, Piracicaba, Araraquara e Pirassununga, dentre outras localidades,
prejudicam a população local (BARROCAS, 2001; PEREIRA, 2007; FREITAS,
2005). Havendo condições atmosféricas favoráveis, a fuligem pode ser
transportada pelo vento e afetar a qualidade do ar em outros sítios, tal como já
visto em outros países como Alemanha, Dinamarca, Reino Unido, etc (PARK,
1987; ROOS, 1998).
Com o intuito de melhor monitorar as emissões de poluentes para a
atmosfera e, permitir o controle das concentrações na atmosfera, uma rede de
estações de qualidade do ar, coordenada pela CETESB – Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambiental, foi implantada, nas últimas décadas, no
estado de São Paulo. Por outro lado, desde 1999 foram instalados sensores de
satélites, como o MODIS nos satélites Terra e Aqua (2002) da NOAA (National
Oceanic and Atmospheric Administration), para a estimativa da fumaça
poluente na atmosfera. O reconhecimento da área plantada é feito, por
exemplo, via imagens do satélite LANDSAT (KOFFLER, 1983). Assim, as
estações da CETESB detectam localmente a quantidade de poluição na
atmosfera, enquanto os sensores dos satélites detectam a poluição
remotamente, com resolução espacial específica de 500 até 250 metros.
Técnicas de simulação das concentrações gasosas e de material particulado
elaboradas por modelos atmosféricos, simulando e prevendo a trajetória da
pluma de poluentes, auxiliam os órgãos administrativos competentes no
controle da poluição que, pautados por legislação específica, podem identificar
as fontes poluidoras e elaborar sistemas de alerta para a população.

O Brasil, em um esforço grande de seus cientistas, contribuiu para o


desenvolvimento de um modelo próprio de previsão de tempo e do transporte
de gases de queimadas, o CCATT-BRAMS (Coupled Chemistry Aerosol and
Tracer Transport model to the Brazilian developments on the Regional
Atmospheric Modeling), colocando o país dentre os pioneiros nessa tecnologia,
dominada por poucas nações (CPTEC-INPE, 2011).
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Justificativa
O estado de São Paulo detém várias características que o definem
como região importante relacionadas ao objetivo desse estudo: ser o estado
com maior população, com a maior área urbana, por nele situar-se a principal
cidade da América Latina, por ser o estado mais rico da Federação e ter um
dos maiores valores de PIB do mundo, por exemplo. Ao mesmo tempo, São
Paulo é o maior produtor de milho e frutas do país, com grandes áreas de
plantio e parte da produção voltada para o exterior (IBGE, 2010).
Com o processo de queima da cana, a concentração local de material
particulado triplica (MATSUDA, 2009) e a temperatura da labareda pode chegar
a 800° (BARROCAS, 2001), ejetando fumaça e fuligem a grandes alturas. O
conhecimento associado do escoamento atmosférico e de sua composição
química em áreas de queimada, assim como indicativos sobre a qualidade do
ar em áreas mais afastadas, fundamentam e justificam o estudo científico uma
vez que representam um estudo sistêmico em que vários subsistemas naturais
e antrópicos estão relacionados (SOTCHAVA,1977).

Objetivo
O objetivo dessa pesquisa é verificar o grau de contribuição de
poluentes atmosféricos originados pela queima de canaviais do interior do
estado de São Paulo para a poluição do ar na Região Metropolitana de São
Paulo e adjacências, em condições atmosféricas distintas.

Plano de Trabalho
O desenvolvimento da pesquisa pode ser dividido em algumas etapas.
Elas estão encadeadas, porém sua execução requer o cumprimento quase
individual de cada uma das tarefas.

Primeira Etapa
Instalação do modelo atmosférico CCATT-BRAMS para posterior
realização de simulações da concentração de poluentes;

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Elaboração de rodadas testes para a compreensão dos procedimentos


necessários em cada simulação;
Levantamento de dados históricos de queimadas de cana no estado de
São Paulo e verificação dos períodos mais críticos em relação à
poluição atmosférica. Este levantamento tem como objetivo dar suporte
à definição do período de tempo a ser estudado. Busca em fontes como
jornais e revistas, ou mesmo em artigos científicos, de matérias sobre a
poluição atmosférica causada por eventos específicos de queimada.

Segunda Etapa
Levantamento dos principais municípios paulistas que produzem cana-
de-açúcar no estado de São Paulo;
Identificação de localidades com plantio de cana em que seja observada
queimada;
Diagnóstico mensal para focos de queimada durante um ano seco e
outro chuvoso no estado de São Paulo.
Terceira Etapa
Validação do modelo.
o Os dados atmosféricos devem ser validados com base no
conjunto de dados do Programa MERRA (Modern-Era
Retrospective Analysis for Research and Applications) da NASA,
dados com resolução espacial de 0,5 graus.
o Os dados de poluição atmosféricas simulados pelo CCATT-
BRAMS devem ser comparados aos dados de CO e CO 2 obtidos
pelos satélites Terra e Aqua.
o Os resultados das simulações realizadas com o modelo CCATT-
BRAMS devem ainda ser comparados com dados coletados pela
rede de monitoramento da CETESB.

Realização de simulações Controle e de Sensibilidade.


o O modelo será rodado duas vezes para cada período
selecionado: a primeira, como controle, com todas as condições

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normais de uso do solo e atmosfera, sem a ocorrência de


queimada de cana, e outra, com a emissão de poluentes devido à
ocorrência de queimada, que constitui o teste de sensibilidade do
modelo.
o A diferença entre as simulações obtidas pela rodada de
sensibilidade e controle proverá a concentração de poluentes
atmosféricos gerados pela queima de cana, em cada caso.

Materiais e Métodos
Para a realização dessa pesquisa é necessário o uso de técnicas de
geoprocessamento, sensoriamento remoto e de modelagem atmosférica.
O uso desses materiais inclui o levantamento de: áreas com plantação
de cana-de-açúcar no estado de São Paulo, de ocorrência de queimadas, da
concentração de gases e material particulado na atmosfera e o uso do modelo
de previsão de tempo CCATT-BRAMS. As áreas com plantação de cana serão
obtidas através do Projeto CANASAT; as concentrações de gases e material
particulado serão obtidas a partir dos dados coletados pelos satélites CBERS,
Aqua e Terra, por exemplo; as áreas de queima de cana serão obtidas com o
auxílio de imagens do sensor MODIS, colocado a bordo dos satélites Terra e
Aqua, e do sensor WFI e IRMSS, do satélite CBERS, que identificam os pontos
quentes na superfície terrestre. Estas informações são obtidas no site do
SERE/INPE (http://www.dsr.inpe.br/).
Alguns dados de entrada já se encontram em arquivos instalados
juntamente com o modelo, como os dados de solo, uso do solo (floresta,
cerrado, pasto, plantação, etc), topografia, taxas de consumo de biomassa e a
concentração de carbono emitido por cada tipo de uso do solo em caso de
incêndio. As atualizações dessas bases são feitas de forma automática pelo
modelo, uma vez que o local repositório de arquivos seja previamente
informado.
A resolução espacial do modelo será testada em busca do melhor
resultado. Serão testadas resoluções máximas de 30, 20 e 15 km. O domínio
espacial será definido como a área compreendida entre os meridianos 40° e

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53°W e os paralelos 15° e 27°S, área que inclui o estado de São Paulo. Como
se trata de um modelo regional, dados provenientes de um modelo global
devem ser fornecidos ao CCATT-BRAMS como condições de fronteira (CF) e
condição inicial (CI). Os dados do modelo Global do CPTEC devem ser
utilizados como condição de fronteira e como condição inicial.

Formas de Análise dos Resultados


A análise dos resultados acontecerá seguindo alguns passos no
decorrer da pesquisa. A simulação, como citado, será realizada com rodadas
testes, rodadas controle e de sensibilidade, excluindo e incluindo a emissão de
poluentes advindos das queimadas de cana.
Primeiramente far-se-á a descrição e comparação das diferenças entre
os resultados das simulações feitas pelo modelo e os dados observados
(MERRA, Terra e Aqua) para a validação do modelo. Esta análise deverá
incluir também os dados observados pela rede da CETESB. Dessa forma,
pode-se ter o controle da habilidade do modelo numérico para a região e o
período de tempo escolhidos.
Após essa fase, deve-se descrever e comparar as diferenças entre os
resultados obtidos nas simulações dos experimentos controle e de
sensibilidade, para os dois períodos previamente selecionados, podendo ser,
por exemplo, situações atmosféricas mais e menos instáveis.

Bibliografia

ARBEX, M. A., Avaliação dos Efeitos do Material Particulado Proveniente


da Queima da Plantação de Cana-de-Açúcar sobre a Morbidade
Respiratória na População de Araraquara-SP. Tese de Doutorado,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
BARROCAS, R., Estudo da Queimada de Cana-de-Açúcar em
Iracemápolis, SP: espacialidade, percepção e cognição ambiental.
Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

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