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RESUMO
Introdução:
A série vestígios da natureza, da artista Cristina Medeiros, cuja produção faz parte
da coletiva concha, em exposição na pinacoteca da UFPB, se situa nesse território
limítrofe que envolve arte, política, meio ambiente, denúncia social; levanta
importantes questões acerca de um tema recorrente nos debates internacionais, e
que hoje, principalmente no contexto brasileiro, mostra-se como uma questão de
grande atualidade e pertinência: “até onde e de que maneira a ação predatória do
homem deixa vestígios na natureza?” — diz a artista. Seu trabalho é um registro
dessa sensação de ausência; de incredulidade ante algo que se desfigura e deixa de
ser bem diante de nossos olhos — e ao qual aparenta que nada podemos fazer a
respeito.
Nessa série a artista opta pelo uso de cores fortes, carregados de uma materialidade
decorrente da consistência pesada da tinta. Isso confere ao trabalho um aspecto
radicalmente gestual e agressivo que dialoga diretamente com o processo de
laceração e desaparecimento dos biomas naturais. Esse rastro de destruição, ao
qual a artista se refere por vestígios, é um testemunho da ação predatória do ser
humano que não mede os impactos ambientais na busca de lucro e benefícios
econômicos a curto prazo.
Uma das grandes influências destacadas pela autora é o artista Frans Kracjberg,
polonês radicado no brasil e cuja obra é marcada pelo ativismo ambiental e pela
reavaliação dos nossos valores humanos para um convívio harmonioso com a
natureza. Produzindo em contato direto com o meio natural, o artista utilizava
materiais como troncos e restos de queimadas em suas obras, construindo um
diálogo poético voltado a conscientização do homem em relação as suas ações,
tanto como agente causador de mudanças como elemento constituinte do mundo
em que vive. Nesse sentido sua arte ultrapassava as fronteiras locais, posicionando-
se como um internacionalista, sua luta assumia um caráter planetário e atemporal,
dizendo respeito enquanto nossa própria condição enquanto seres humanos.
A busca por alternativas, portanto faz-se necessária. Esforços vem sendo feito em
direção a práticas como o manejo florestal sustentável, prática que apesar de não
ser tão economicamente atrativa aos setores interessados, revela importantes
benefícios sociais de uma forma geral, além disso é necessário um aumento na
fiscalização, além de iniciativas do próprio mercado na busca de práticas
sustentáveis para que haja a possibilidade de mudanças em relação a esses
problemas.
A obra intitulada “III” faz parte de um triplico, onde as duas anteriores trazem
consigo uma trajetória numerológica de início, meio e fim. Na obra “I”, sugere-
se a reflexão sobre o apagamento histórico das mulheres, onde a artista ao
deparar-se com um livro nomeado “Grandes Personagens da História
Universal” que apresentava apenas homens,utiliza-se de um estilete para
estraçalhar o título e ao abrir o livro nos deparamos com um segundo livro,
cravado nas folhas, com lâminas e que ao tirá-lo encontra-se as palavras
“Sangue, Ferro e Fogo” e um prego enferrujado junto a estas, manchadas de
vermelho, evidenciando a conquista dos homens sobre o sangue das mulheres
ao longo dos séculos. A obra que recebeu o título de “II”, seria o meio que
refere-se ao apagamento e repressão das descobertas sexuais das mulheres.
Uma gaveta é posta a disposição do telespectador e possui abaixo de seu
fecho um recorte de dicionário da palavra “clitóris” que é descrito da seguinte
forma: “Clitóris s.m. (Anat.) Protuberância erétil situada na parte superior da
vulva. (Do grego kleitorís)” dando um aspecto reducionista. A gaveta ao ser
puxada traz o intuito da sensação de descobrimento e o dicionario da Língua
Portuguesa serve como suporte. A última obra, nomeada de “III”, seria o fim e
ao debruçarmos o olhar sobre ela nos deparamos com um livro que possui
suas páginas coladas e este está pintado de preto. O aspecto fúnebre torna-se
evidenciado pelas pinceladas duras e marcadas por manuseios violentos, ao
lado direito, em letras pequenas e vermelhas lemos a palavra “morta”. O
suporte encontra-se despedaçado e o livro traz em sua capa quatro buracos
que podem ser lidos como tiros, ao lado alguns fósforos dentro de uma
pequena caixa fazendo referência a perseguição politica, abaixo, escrito em
vermelho, um local e uma data, “Rio de Janeiro, 14/03/18” que refere-se ao
assassinato de Marielly Franco, vereadora do Rio de Janeiro, mulher, negra e
lésbica, seu assassinato teve motivações politicas.
Seguindo por essa perspectiva, a obra apresenta uma visão de mundo, que
envolve a denúncia em relação ao apagamento de feitos históricos de
mulheres, repressão sexual e feminicídio. O trabalho “III” possui uma denúncia
politica em relação ao assassinato de Marielly Franco. Isso pode nos levar a
uma outra reflexão, em torno do contexto que Marielly estava inserida. Em seu
livro “Problemas de Gênero: Femininismo e subversão da identidade”, Butler
aponta:
O gênero é construído socialmente, e Butler afirma que esse conceito não pode
ser universalizante pois existem fatores que diferem as diversas vivências de
mulheres. Podemos por assim dizer, ao destacar que Marielly Franco era uma
mulher e que além de mulher ela era uma mulher negra e lésbica traz
diferentes modos de luta para conseguir seus direitos e que as agressões
sofridas por ela eram diferentes de outras mulheres.
Duas das três obras que compõem o "Tríptico tirado de uma notícia de jornal"
de Mayara Ismael estão em exposição na mostra, é um trabalho de pintura
sobre colagem de cédulas de cem bolívares picotadas, que foram retiradas de
circulação pelo governo VEnezuelano de Nicolás Maduro no ano de 2016 sob a
justificativa de combater uma “guerra econômica” que estaria sendo travada
por máfias colombianas envolvidas com tráfico de moeda internacional com a
intenção de desestabilizar a já frágil economia venezuelana.
I.
II.
bloco de madeira (45 cm x 35 cm), livro (23 cm x 16 cm), tinta acrílica, cola branca,
pregos, caixa de fósforos, palito de fósforo queimado.
Cristina Medeiros
BOURRIAUD, Nicolas. Estetica Relacional. 2. ed. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2008.
143 p. Cecilia Beceyro y Sergio Delgado.
PIVA, Márcia Helena Girardi. Frans Krajcberg: a identidade brasileira revelada através do
olhar para a natureza. Revista Estúdio, Artistas sobre outras obras. 2016.
REDAÇÃO. Mulheres negras são mortas duas vezes mais do que brancas. 2015.
Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/mulheres-negras-sao-mortas-duas-
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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.