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O ÉTHOS EM RELATÓRIOS DE CENSURA LITERÁRIA DA ÚLTIMA DITADURA


NA ARGENTINA

Chapter · July 2021

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Nicolás Chiavarino Maria Vitale


Universidad de Buenos Aires Universidad de Buenos Aires
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comparative study of two discourse communities View project

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O ÉTHOS EM RELATÓRIOS DE CENSURA LITERÁRIA DA ÚLTIMA
DITADURA NA ARGENTINA

María Alejandra Vitale & Nicolás Chiavarino


Universidade de Buenos Aires

Tradução: Raquel da Silva Ortega


Universidade Estadual de Santa Cruz

Introdução

Os recentes processos de recuperação, desconfidencialização e abertura dos


denominados “arquivos da repressão” (DA SILVA CATELA & JELIN, 2002),
entendidos em termos gerais como fundos documentais produzidos por instâncias
repressoras legais ou ilegais das forças de segurança (KAHAN, 2007), não forneceram –
até o momento- muito lugar ao estudo do controle, da vigilância e da censura sobre o
campo literário desenvolvido pelos grupos que produziram estes documentos. Estes
processos foram analisados em relação a regimes ditatoriais, no caso do Brasil através
dos documentos de proibição livresca encontrados nos arquivos do Departamento
Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) (CARNEIRO, 1997) e, na Argentina,
mediante as pesquisas referentes ao plano sistemático de controle cultural durante a
última ditadura militar (1976-1983) a partir do descobrimento no ano 2000 do “Arquivo
Banade” (GOCIOL & INVERNIZZI, 2002) e das atas da editora Eudeba
(INVERNIZZI, 2005).
No arquivo da Direção de Inteligência da Polícia da Província de Buenos Aires
(DIPBA)1 se destaca a preservação de Relatórios de inteligência da Assessoria Literária
do Departamento de Coordenação de Antecedentes da Secretaria de Inteligência do
Estado (SIDE), que foram objeto de uma primeira abordagem, desde o campo
historiográfico, do controle exercido por especialistas sobre as ciências sociais e o
campo cultural argentino (FUNES, 2007a, 2007b, 2008). No entanto, o estudo a partir
da análise do discurso destes informes foi iniciado pelo nosso grupo de pesquisa, que
indaga no acervo documental da DIPBA não apenas na censura à literatura


1
A DIPBA foi criada em 1956 e dissolvida em 1998, por decisão do Ministério de Segurança e Justiça da
Província de Buenos Aires. O edifício onde funcionou e seu arquivo foram cedidos em 2000 à Comissão
Nacional Provincial pela Memória e em 2003 foi aberto para consulta pública.
(CHIAVARINO, 2014, 2016), mas também às artes do espetáculo (BETTENDORFF,
2015, 2016) e examina –entre outros eixos- a vigilância sobre grupos político9s e/ou
armados (VITALE & BETTENDORF, 2016)2.
Nos mencionados Relatórios de inteligência da Assessoria Literária do
Departamento de Coordenação de Antecedentes da Secretaria de Inteligência do Estado
sobressai um documento breve, “Normas e procedimentos a seguir com publicações
proibidas por decreto do Poder Executivo Nacional”, que, com data de seis de janeiro de
1978, esclarece na margem superior seu caráter “estritamente confidencial e secreto”.
Foi enviado como memorando pelo Chefe da Delegação Capital Federal da Direção
Geral de Inteligência da Polícia da Província de Buenos Aires (DGIPBA) e dirigido ao
Diretor Geral de Informações desse organismo.3 Nesse texto, fruto das “conversas”
(como ele mesmo afirma) entre aquela delegação, o Departamento de Assuntos Policiais
do Ministério do Interior e a Assessoria Letrada da Secretaria de Inteligência do Estado
(SIDE), são sinalizadas as características, as funções específicas e as limitações em
torno da proibição de publicações no âmbito do Terrorismo de Estado exercido durante
a última ditadura militar. Não é necessária uma leitura muito atenta para advertir neste
documento as pistas de um desacordo: o texto instala em um terreno indeterminado,
diante da ausência de normas, o destino tanto das publicações proibidas quanto dos seus
vendedores, editores e escritores, e comenta a formação de uma comissão cuja missão
será “efetuar uma análise a fim de ditar as normas a seguir no futuro”. Do mesmo modo,
as “Normas...” se encarregam de restringir o campo de atuação da Secretaria de
Inteligência do Estado:

[A] Secretaria de Inteligência de Estado se limita apenas a classificar o


material bibliográfico, a “a ingressar” ou “a egressar” no país via Alfândega.
Sua participação direta ocorre nos casos em que as publicações observadas se
encontram nas instalações da Alfândega Nacional, concedendo 60 dias para
que as mesmas sejam devolvidas a sua origem.
Mais adiante, entre suas “conclusões”, essa limitação é confirmada ao afirmar
que “a SIDE é apenas um Órgão de assessoria e que não determina em nenhum
momento a conduta a seguir nestes casos”.

2
Trata-se dos projetos de pesquisa UBACyT “Os Arquivos da Direção Geral de Informações (DGI) da
Província de Santa Fe e da Direção de Inteligência da Polícia da Província de Buenos Aires (DIPBA). Um
estudo comparativo de duas comunidades discursivas”, financiado pela Universidade de Buenos Aires, e
do projeto PICT-2015- 3712 “A comunidade discursiva do Arquivo da Direção de Inteligência da Polícia
da Província de Buenos Aires (DIPBA), financiado pela Agência Nacional de Pesquisa Científica e
Tecnológica.
3
O documento faz parte do prontuário 17753 da Mesa Referência do arquivo da ex Direção de
Inteligência da Polícia da Província de Buenos Aires (DIPBA).
Confidencialização” e “assessoria” são, então, de acordo com este documento, as
funções atribuídas a SIDE no âmbito do controle político-ideológico exercido sobre o
material bibliográfico durante a última ditadura. De fato, este organismo, através de
uma das suas dependências, a “Assessoria Letrada”, do Departamento de Coordenação
de Antecedentes, se encarregou durante este período de elaborar relatórios detalhados
(de caráter “estritamente confidencial e secreto”) sobre um grande número de
publicações, a fim de contribuir na diferenciação entre aquelas que deveriam ser
proibidas frente a outras cuja distribuição, ao não apresentar elementos contrários,
podiam ser autorizadas. Tratou-se, em definitiva, de uma tarefa argumentativa, cuja
função era obter a adesão do seu público (formado por funcionários do Poder Executivo
Nacional) à tese proposta em relação ao futuro das respectivas publicações avaliadas em
cada relatório.
A designação das funções de quem fazia parte dessa dependência nos termos de
“assessoria” e “classificação”, por outra parte, contribui para atenuar sua condição de
censores, isto é, de “funcionários encarregados de vigiar a palavra impressa”
(DARNTON, 2014, p. 10) que exercem este controle a partir de uma perspectiva
política e ideológica e dentro do âmbito institucional do Estado, cujo monopólio do
poder eles estão encarregados de proteger4.
De fato, se a censura estatal está formada por diferentes papéis, manifestações e
documentos de acordo com os diferentes contextos nos quais é exercida, entendemos
que os relatórios elaborados pela “Assessoria Letrada” da SIDE e os agentes
encarregados de elaborá-los foram o centro da atividade censora durante o período da
última ditadura na Argentina.
O propósito deste trabalho é, assim, caracterizar o éthos que os integrantes da
“Assessoria Letrada” constroem em seus relatórios como meio de persuasão para que os
leitores-funcionários do Poder Executivo aderissem, como explicamos antes, à sua
classificação das obras literárias e à sua recomendação de decretar ou não a sua
proibição. Como meio de prova (ARISTÓTELES, 1999), esse éthos cumpriu um papel
fundamental já que tornou possível uma apresentação própria eficaz, que envolveu
características como a expertise, a concórdia, a competência e o compromisso com


4
Seguimos aqui uma concepção restrita da censura, como “essencialmente política” e “exercida pelo
Estado” (DARNTON, 2014, p. 235). A partir de uma perspectiva mais ampla, com a apresentada por
PORTOLÉS (2016, p. 43), “qualquer pessoa ou grupo pode ser censora se atuar como tal, isto é, se
impedir ou tentar impedir que outra pessoa comunique algo ou a alguém por considerá-lo um ato
ameaçador para uma ideologia”.
certos valores, a fim de obter a adesão à tese proposta em torno da obra literária
escrutada.
Tendo como quadro teórico geral as propostas de AMOSSY (2000, 2010) e de
MAINGUENEAU (1999, 2002, 2009, 2010) sobre o éthos, descreveremos a seguir as
diferentes facetas da imagem de si dos censores da SIDE em um corpus conformado
pelos Relatórios de inteligência da Assessoria Literária do Departamento de
Coordenação de Antecedentes da Secretaria de Inteligência do Estado (SIDE),
preservados no Arquivo DIPBA, Mesa Referência, Prontuários 17518 e 17753. Quanto
à metodologia, consideraremos nos documentos analisados, em especial, o plano
genérico-enunciativo (MAINGUENEAU, 2009; KERBRAT-ORECCHIONI, 1997),
incluída a heterogeneidade enunciativa (AUTHIER-REVUZ, 1980, 1984, 1995) e o
plano retórico (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1989).

1 Expertise e profissionalismo: a dimensão burocrático-administrativa

Um primeiro componente a considerar no éthos apresentados nos relatórios de


censura literária corresponde à necessidade de manifestar certa expertise no que diz
respeito aos aspectos legais e burocrático-administrativos próprios do controle cultural.
Neste ponto, o enunciador projeto uma imagem de si competente através de um éthos
discursivo mostrado,5 que contribui na sua constituição como garantia do seu enunciado
em uma negociação com o éthos pré-discursivo6 vinculado com os requerimentos
específicos do gênero instituído7 fortemente codificado que o enquadra. O gênero exige
um éthos seguro e formado do censor que possa expor a ideologia que supostamente
está presente na obra sem medo de errar e alheio aos riscos da subjetividade.


5
Para MAINGUENEAU (1999, 2002, 2009, 2010), o éthos mostrado corresponde ao que O. Ducrot
denomina o locutor como tal, o sujeito da enunciação; este é um éthos implícito, uma imagem que surge a
partir de vários indicadores, no texto escrito, verbais, e na oralidade multimodais, porque são tanto
verbais, paraverbais como não verbais. O éthos dito, no entanto, corresponde ao que Ducrot chama o
locutor como , que é o sujeito do enunciado, o locutor como ser o personagem do mundo. Trata-se dos
casos nos quais o locutor se auto representa explicitamente com certas qualidades.
6
MAINGUENEAU (1999, 2002, 2009, 2010) chama éthos pré-discursivo as representações do orador
que domina o público antes mesmo de tomar a palavra e denomina de éthos discursivo a imagem do
orador construída pelo próprio discurso. Amossy sinaliza que a imagem que o orador projeta em seu
discurso faz uso de dados sociais anteriores e da imagem que o público tem dele, para que o éthos
discursivo seja orientado a ratificar, ou, ao contrário, a modificar o éthos pré-discursivo, que prefere
chamar de prévio.
7
MAINGUENEAU (2009) classifica os gêneros como instituídos quando eles têm altamente
convencionalizadas suas condições sócio históricas, especialmente a finalidade, o status dos interventores
legítimos e sua organização textual
Seguindo a perspectiva de AMOSSY (2000, 2010), que nos convida a pensar o
éthos a partir das formas nas quais se manifestam as marcas da subjetividade no
enunciado, os relatórios tendem a apresentar uma ausência de marcas dêiticas, um
apagamento da subjetividade por meio do uso de formas impessoais de falar e de
modalidades que apontam para o categórico e não deixam lugar a dúvidas ou a
possibilidades. Do mesmo modo, o éthos especialista que observamos nos relatórios
está fundamentado sobre a presença de uma “língua de madeira” (AMOSSY &
HERSCHBERG-PIERROT, 2001) própria da comunidade discursiva enfocada na
vigilância político-ideológica, que inclui fórmulas estereotipadas e um léxico
especializado8 com os quais conseguem adequar-se às exigências do gênero quanto ao
âmbito burocrático-administrativo no qual estão inscritos e a comunidade de quem
participou da repressão político-ideológica sobre o campo cultural.
Outro aspecto que deve ser considerado para caracterizar este éthos
especializado consiste na adequação à organização textual rígida apresentada nos
relatórios, a qual se unem uma escrita através de parágrafos breves e precisos e
descrições detalhadas das obras avaliadas para dar forma a uma enunciação categórica e
firme que siga a rotina esperada na cena genérica dos relatórios.9
Estes elementos são encontrados principalmente nos primeis itens destes
documentos: o primeiro, “Apreciação”, inscreve a avaliação em função de quatro
fórmulas (F) cristalizadas que determinam se a publicação em questão “carece” (F1),
“contém algumas referências marxistas” (“com” ou “sem permissão de circulação”, de
acordo com as fórmulas F2 ou F3) ou “propicia a difusão de ideologias, doutrinas ou
sistemas políticos, econômicos ou sociais marxistas tendentes a derrogar os princípios
sustentados pela nossa Constituição Nacional” (F4). Seguem-se itens intitulados
“Atitudes ou expressões de positivas ou de apologia, adesão e/ou afirmação a” e
“Atitudes negativas ou de detração e/ou crítica a”, que são complementados com

8
Entre as seis características próprias de uma comunidade discursiva proposta por Swales (1990), a
quinta se refere precisamente à aquisição de um léxico especializado, que envolve abreviações, acrônimos
e uma terminologia altamente técnica que são específicas a uma comunidade determinada. O uso deste
léxico implica, de acordo com Swales, em uma comunicação efetiva entre especialistas. A partir da nossa
perspectiva, essa terminologia implica, nos relatórios de censura literária, na projeção de uma imagem de
si por parte do censor que sinaliza o profissionalismo, a expertise e a adequação à dimensão burocrático-
administrativa requerida pela situação de comunicação.
9
Maingueneau (2002, 2009, 2010) aprofunda o vínculo entre a construção do éthos e os tipos e os
gêneros discursivos ao propor a noção de cena de enunciação. Esta cena de enunciação é pensada em três
cenas: a) a cena englobante, que integra o texto a um tipo de discurso, no nosso caso, o discurso da
inteligência; b) a cena genérica, que é um contrato ligado a um gênero ou subgênero, aqui, o relatório de
inteligência; c) a cenografia, que é a cena de fala que o texto pressupõe e que deve estar validada pela
própria enunciação, como, veremos no nosso corpus, o ensaio crítico ou a resenha bibliográfica.
sintagmas nominais nos quais o censor se apresenta com um leitor especialista capaz de
extrair das obras, de forma objetiva e precisa, o posicionamento delas em termos
político-ideológico. No relatório sobre o volume de poemas Dar la cara, do escritor
panamenho Manuel Orestes Nieto, entre as “Atitudes ou expressões de positiva...”
encontramos os sintagmas “A luta dos negros”, “A libertação da América Latina e “As
tribos primitivas”, enquanto que as “Atitudes negativas...” estão compostas de
sequências como “A ‘usurpação’ do canal do Panamá”, “A guerra do Vietnã”, “O
imperialismo norte-americano”, “A sociedade capitalista”, entre outras.
O último item apresentado nos relatórios, “Conclusões”, compreende por um
lado uma análise das publicações avaliadas, na qual predomina um uso recorrente de
formas impessoais de falar, entre elas através do pronome “se”, assim como também a
presença de modalidades categóricas através das quais o censor se apresenta seguro em
relação às suas afirmações. Estas marcas são especialmente evidentes nos parágrafos
que finalizam esta seção, que retomam a “Apreciação” do primeiro item, tal como
observamos nos relatórios dedicados aos volumes de contos Barcos de papel, de Álvaro
Yunque e Cuentos, de Francisco Coloane:

Em atenção a que a presente publicação lesa os valores sustentados pela


nossa Constituição Nacional, propõe-se a apresentação de referência, ficando
por sua vez incluída nas disposições da Lei 20.840. (Relatório sobre Barcos
de papel, de A. Yunque)10
Por tudo que foi mencionado, considera-se que o primeiro livro atenta contra
os princípios sustentados pela nossa Constituição Nacional, estando em
consequência enquadrado nas disposições estabelecidas pelos Artigos 1 e 2
da Lei 20840, pelo que se propõe a classificação expressa no ponto (A).
(Relatório sobre Cuentos, de F. Coloane)11
O uso nesses casos da forma passiva do pronome “se” que anula o caráter
argumentativo do agente,12 tal como observamos no verbo “propõe-se” e “considera-
se”, mostra este apagamento das marcas de subjetividade. Do mesmo modo, a presença


10
En atención a que la presente publicación lesiona los valores sustentados por nuestra Constitución
Nacional, se propone la apreciación de referencia, quedando a su vez incluida en las disposiciones de la
Ley 20.840. (Informe sobre Barcos de papel de A. Yunque)
11
Por todo lo mencionado, se considera que el presente libro atenta contra los principios sustentados por
nuestra Constitución Nacional, estando en consecuencia encuadrado en las disposiciones establecidas por
los Artículos 1 y 2 de la Ley 20840, por lo que se propone la calificación expresada en el punto (A).
(Informe sobre Cuentos de F. Coloane)
12
Recordemos que “se” apresenta uma polivalência funcional, que inclui os usos como intransitizador,
impessoal e passivo, entre outros. Entendemos que nos nossos exemplos encabeçados pelo verbo
“propõe-se”, encontramo-nos diante deste último caso, já que supõem a presença de um agente que
aparece implícito. Para o nosso propósito, é importante destacar o caráter despersonalizador deste uso de
“se” acompanhado de um verbo na terceira pessoa. Sobre os usos do pronome “se” e da “passiva com se”
na gramática do espanhol, consulte Di Tullio (2007, p. 178-179) e Manacorda de Rosetti (1984).
neste último parágrafo de afirmações taxativas que apontam ao categórico nos verbos de
ação (“atenta”, “lesa”) cujos agentes são as publicações avaliadas, permite observar as
características próprias de um éthos seguro que projeta uma corporalidade firme e
determinada, sem indícios de dúvida ou possibilidade de erro nas apreciações
fornecidas.
Nas citações se destacam, no entanto, a dêixis pessoal de primeira pessoa do
plural em “nossa Constituição nacional”, marca de subjetividade que inclui o
enunciador em um coletivo maior, “nós, os argentinos”,13 que legitima a prática da
censura como uma defesa da Constituição diante das obras literárias que atentariam
contra ela14.

2 Éthos e cenografia: o censor como crítico literário

Junto com o éthos discursivo seguro e especializado comentado no item anterior,


os relatórios de censura literária apresentam outra projeção da imagem de si do censor
que está integrado com aquele. Enquanto o primeiro está fundamentado, entre os
elementos que integram a cena da enunciação dos relatórios, tanto sobre a cena
englobante como sobre a cena genérica, este outro reúne, no segmento intitulado
“Conclusões”, características prototípicas e representações atribuídas à figura do
intelectual e, mais especificamente, do crítico literário, validadas graças a presença de
uma cenografia diretamente vinculada com elas e habilitada, por sua vez, ao próprio
éthos. Assim como os relatórios supõem a necessidade de que os censores manifestem
uma certa expertise em relação aos aspectos legais e burocrático-administrativos
próprios do controle cultural, a adesão do público está formada também sobre a base de
uma apresentação de si que manifeste um saber próprio do campo cultural e
especificamente literário. Este saber habilita o assessor literário da SIDE como leitor
capaz de “ler as entrelinhas”, criticamente, com o objetivo de discernir o
posicionamento ideológico-político que estaria encoberto na obra avaliada.
Este éthos discursivo mostrado associado à figura do crítico literário favorece a
presença de formas de subjetividade na linguagem, em especial de lexemas valorativos

13
Segundo Kerbrat-Orecchioni (1997, p. 52), trata-se do conteúdo do pronome “nós” que integra a
primeira, a segunda e a terceira pessoa, correspondente ao esquema “eu + tu + você”.
14
Poderia ser paradoxal que em plena ditadura militar, que violou a Constituição, os assessores literários
da SIDE se amparassem na mesma para recomendar a censura de uma obra literária. No entanto, é
compreensível se consideramos uma relação interdiscursiva com o tópico “As forças armadas defendem a
Constituição”, utilizado pelos militares para legitimar o golpe de Estado de 1976 diante das supostas
violações da mesma por parte do governo derrocado. Sobre este tópico, ver Vitale (2015).
que apontam a uma avaliação estética das obras literárias. Estes elementos valorativos
próprios da cenografia associada com o ensaio crítico ou a resenha bibliográfica se
tornam visíveis nos primeiros parágrafos de suas “Conclusões”, e tomam em numerosas
ocasiões a forma de uma concessão retórica (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA,
1989). São os casos em que o censor avalia a obra e o seu autor a partir de lexemas
axiológicos positivos para ser em seguida objetos da condenação político-ideológica,
oferecendo deste modo uma imagem de si que, junto com as atribuições do saber e da
capacidade leitora próprias da figura do crítico literário, apontam a afirmar as virtudes
do “jogo limpo”, a retidão, a imparcialidade e a objetividade.15 O censor se apresenta
como aquele que não apenas pode ler nas entrelinhas e compreender os elementos
ideológicos que se mostram de forma sub-reptícia nas obras literárias sem ler – diferente
do “leitor comum” dessas publicações – arrastado por eles, mas que também é capaz de
apreciar a beleza estética, a maestria literária presente nas obras e na poética dos seus
autores. Observamos estes elementos nos relatórios sobre os volumes de contos Las
raíces de la ira, do colombiano Carlos Bastiles Padilla e os incluídos em Un elefante
ocupa mucho espacio, da argentina Elsa Bornemann, classificados nos relatórios como
“sem permissão de circulação” em função do seu conteúdo ideológico:

“Las raíces de la ira” inclui 22 narrativas curtas, sobre fatos, cenários,


personagens, situações que transcorrem em um povoado costeiro “Puerto
Ventura”, imaginário lugar que poderíamos situar em qualquer país
americano. Os contos aqui reunidos, fora do valor literário que possam
conter, mostram o seu autor como possuidor de um estilo muito pessoal,
conciso e sumamente rico no uso de metáforas. (Relatório sobre Las raíces
de la ira)16
A presente publicação inclui quinze contos escritos por Elsa Bornemann,
destinados ao público infantil. Todos eles são narrativas breves, ágeis, onde
se misturam humor, ação, fantasia. (Relatório sobre Un elefante ocupa mucho
espacio, de Elsa Bornemann)17


15
Lembremos a função que Perelman & Olbrechts-Tyteca (1989, p. 737-738) outorgam à figura retórica
da permissio ou concessão: “A concepção se opõe, principalmente, aos perigos que permitem o excesso;
expressa o fato de que está reservada uma acolhida favorável alguns argumentos do adversário ou
pretensamente próprios. Limitando as pretensões, abandonando certas teses, renunciando diferentes
argumentos, o orador pode fortalecer sua postura, fazer com que seja mais fácil de defender e, ao mesmo
tempo, dar provas, no debate, de jogo limpo e de objetividade”.
16
“Las raíces de la ira” incluye 22 narraciones cortas, sobre hechos, escenarios, personajes, situaciones
que transcurren en un pueblo costero “Puerto Ventura”, imaginario lugar que podríamos ubicar en
cualquier país americano. Los cuentos aquí reunidos, fuera del valor literario que pudieran contener,
muestran a su autor como poseedor de un estilo muy personal, conciso y sumamente rico en la utilización
de metáforas. (Informe sobre Las raíces de la ira)
17
La presente publicación incluye quince cuentos escritos por Elsa Bornemann, destinados al público
infantil. Todos ellos son narraciones breves, ágiles, donde se mezcla el humor, la acción, la fantasía.
(Informe sobre Un elefante ocupa mucho espacio de Elsa Bornemann)
Como vemos, estes parágrafos apresentam diferentes adjetivos avaliativos
axiológicos positivos que classificam tanto as obras literárias quanto a poética oferecida
pelos autores: eles marcam a presença da subjetividade do censor na elaboração dos
relatórios, nos que inscreve seus valores sob a figura de um leitor capaz de julgar
esteticamente as obras literárias. Trata-se de uma terminologia própria da cenografia
que o segmento “Conclusões” possibilita, mais próxima do ensaio crítico ou da resenha
bibliográfica e distante do caráter estritamente burocrático-administrativo que tínhamos
observado em outros fragmentos da configuração textual.
A corporalidade que os censores projetam através destes lexemas valorativos
positivos é a que corresponde ao repouso e ao prazer da leitura das obras literárias, de
quem é capaz de valorizá-las e apreciá-las em sua dimensão estética. Por sua parte, em
combinação com a imagem de si especializada, segura e objetiva de acordo com o
caráter burocrático-administrativo dos relatórios, este éthos vinculado com a figura do
crítico literário outorga ao censor a imagem da concórdia, ao mesmo tempo em que
contribui para apresentar suas avaliações no terreno político-ideológico – contrárias nos
exemplos observados para a permissão de circulação das publicações – como suscitadas
no âmbito de uma leitura cômoda e prazerosa, alheia a uma predisposição negativa em
relação a elas.

3 Credibilidade e competência: o saber do censor

Analisamos aqui um aspecto da apresentação de si do censor que, apesar de estar


estreitamente vinculado com a cenografia própria do crítico literário, é resultado de uma
convergência entre ambas as dimensões do éthos que mencionamos. Trata-se do
deslocamento da imagem de si do censor em direção ao terreno do saber, que podemos
caracterizar como própria de um éthos da competência que leva a outorgar credibilidade
à sua fala18. Entendemos que nele confluem, por um lado, a expertise e a pretensão de
objetividade próprias da dimensão burocrático-administrativa, como também o


18
O concepto de éthos da competência é desenvolvido por Charaudeau (2005) no âmbito da análise do
discurso político. Baseado na possessão do saber e do saber fazer, este éthos (junto com o da seriedade e o
da virtude) confluem de acordo com este autor no que ele chama de um éthos da credibilidade, que
“consiste para o sujeito falante em determinar uma posição de verdade, de modo que possa ser levado a
sério” (CHARAUDEAU, 2005, p. 147). Da nossa perspectiva, a extrapolação deste conceito da análise do
discurso político em direção ao estudo de relatórios de inteligência dedicados à censura literária é útil
para compreender a construção por parte dos censores de uma imagem de sujeito crível na sua avaliação
político-ideológico das obras literárias, possível entre outras estratégias graças à projeção no seu discurso
de uma competência fundada sobre saberes e competências nos campos cultural e político.
posicionamento característico da figura do crítico literário, cujos saberes estão presentes
graças à cenografia por ela convocada.
Esta dimensão do éthos consiste na projeção de uma imagem de si que se
corresponde com um sujeito formado cultural e politicamente, cujos saberes o habilitam
a apresentar-se como leitor capaz de interpretar e ler nas entrelinhas os conteúdos
ideológicos que os textos literários estariam dissimulando ou escondendo, que é capaz
de discernir na sua leitura atenta e em função de seus conhecimentos os aspectos
perniciosos das obras sem ser arrastado por eles, imune frente àqueles elementos que, ao
contrário, sim afetam ao leitor comum, do qual procura distanciar-se e a quem, ao
mesmo tempo, propõe proteger. A construção de si mesmo como sujeito possuidor do
saber está presente nos relatórios sobre todo tipo de textos literários, e em certos casos
habilita um deslocamento para o terreno pedagógico e formativo.
Estreitamente vinculada com a cenografia própria da crítica literária que temos
observado, os censores exibem um saber acerca do campo literário que abarca tanto uma
competência em torno dos autores das obras que são avaliadas (suas biografias, seus
antecedentes, o lugar que ocupam no interior do sistema literário em seus respectivos
países, etc.), como também sobre gêneros e estilos que permitem realizar analogias que
contribuem para as suas avaliações. De fato, estes saberes que os censores introduzem
nos seus relatórios cumprem uma dupla função, já que atendem a estratégias retórico-
argumentativas como a analogia ou a inclusão da parte do todo, como também para
projetar uma imagem de si mesmo como leitor habitual, um éthos da competência
através de marcas que indicam uma certa formação no campo cultural e literário.
No relatório sobre a coleção de obras de Alexandr Grin intitulada Mundo
espléndido, o censor não apenas se apresenta como um conhecedor da literatura
soviética, como também se permite exibir seus saberes em torno da biografia e do estilo
do autor, do gênero da literatura de aventuras e do gênero cinematográfico do western,
que o habilitam a fazer analogias e caracterizações:

Estes contos são semelhantes a Jack London e Bret Gart (sic)19 e, algumas
vezes, também, aos filmes de far-west, com a inevitável luta dos honestos
contra os sem-vergonhas, mas, têm seu inconfundível estilo próprio, já que
Alexandr Grin era marinheiro profissional e aproveitava para a sua obra
literária suas próprias experiências de viagens pelo mundo, principalmente
pelos mares do sul.


19
O censor se refere aqui a Bret Harte (1836-1902), escritor norte-americano de romances de aventuras
na segunda metade do século XIX.
Em conclusão, as obras literárias de Grin constituem um fenômeno
excepcional na literatura soviética, sendo completamente alheios à
problemática política e social do seu país, apesar de ter alcançado o autor sua
maturidade nos anos de poder soviético, já que morreu em 1932. (Relatório
sobre Mundo espléndido de Alexandr Grin)20
Em alguns relatórios, em especial naqueles que propõem uma avaliação
“positiva” das publicações, os saberes sobre o campo literário projetados pelo censor
adquirem um caráter enciclopédico e servem para a qualificação formulada e costumam
ocupar quase a totalidade do segmento “Conclusões”:

Um dos romances do escritor e escritor de comédia russo de mediados do


século dezenove, N. Gogol (1809-1852), satírico da sociedade russa da sua
época, mundialmente conhecidos pelo seu romance “O inspetor geral”.
(Relatório sobre Tomo III “Romances” da Coleção de obras em seis tomos de
N. Gogol)21
Isto é um dos romances policiais do escritor inglês Conan Doyle, o mais
famoso representante do gênero policial na literatura, com seu personagem
do detetive genial Sherlock Holmes. (Relatório sobre Coleção de obras em
oito tomos, tomo VIII, “El descubrimiento de Raflz Joy”, de A. Conan
Doyle)22
Nestes fragmentos, a caracterização dos autores das obras avaliadas apresenta
fórmulas cristalizadas, frases feitas que funcionam como evidências inquestionáveis. Os
sintagmas “mundialmente conhecido pelo seu romance ‘El inspector’” e “o mais famoso
representante do gênero policial na literatura” são expressões que provêm de um saber
enciclopédico compartilhado. Ao resgatá-las no âmbito da situação de comunicação que
caracteriza os relatórios, o censor contribui para assumir um papel de saber e certa
competência no campo literário, mesmo quando suas afirmações venham de um
conhecimento convencional.
Assim como as “Conclusões” de alguns relatórios oferecem um éthos da
competência fundado sobre o saber acerca da literatura, este éthos também está baseado
em algumas ocasiões no desdobramento de conhecimentos referentes a doutrinas e


20
Estos cuentos se asemejan a Jack London y Bret Gart (sic) y, algunas veces, también, a las películas del
far-west, con la inevitable lucha de los honestos contra los sinvergüenzas, pero, tienen su inconfundible
estilo propio, ya que Alexandr Grin era marinero profesional y aprovechaba para su obra literaria sus
propias experiencias de viajes por el mundo, sobre todo por los mares del sur.
En conclusión, las obras literarias de Grin constituyen un fenómeno excepcional en la literatura soviética,
siendo completamente ajenos a la problemática política y social de su país, a pesar de haber alcanzado el
autor su madurez en los años de poder soviético, ya que murió en 1932. (Informe sobre Mundo espléndido
de Alexandr Grin)
21
Una de las novelas del escritor y comediógrafo ruso de los mediados del siglo diecinueve, N. Gogol
(1809-1852), satírico de la sociedad rusa de su época, mundialmente conocido por su novela “El
inspector”. (Informe sobre Tomo III “Novelas” de Colección de obras en seis tomos de N. Gogol)
22
Esto es una de las novelas policiales del escritor inglés Conan Doyle, el más famoso representante del
género policial en la literatura, con su personaje del detective genial Sherlock Holmes. (Informe sobre
Colección de obras en ocho tomos, tomo VIII, “El descubrimiento de Raflz Joy”, de A. Conan Doyle)
acontecimentos no campo político e ideológico. A exposição destes saberes habilita as
avaliações sobre as obras literárias analisadas nos relatórios, ao incluí-las nos contextos
específicos ou no interior de um determinado sistema de pensamento. No relatório
dedicado à peça de teatro Pequeños animales abatidos, do escritor chileno Alejandro
Sieveking, o censor oferece seus saberes sobre o governo de Salvador Allende, que
conferem credibilidade às suas interpretações sobre os personagens e as situações da
obra em função desse contexto histórico e social, que de acordo com ele “não surgem da
simples leitura do texto”:

Através do desenvolvimento argumental há alusões ao processo chileno


durante o governo de Allende, a confiança na vitória na Unidade Popular, a
incidência negativa da “direita econômica”. Todos os elementos
mencionados, contribuintes a evidenciar o aspecto ideológico marxista que se
dá na obra, são acentuados pela inclusão na contracapa do livro, de um
comentário relativo ao momento clima e significação da trama.
Brinda-se neste uma interpretação a partir de uma óptica marxista,
diretamente destinada a condicionar a atitude do leitor comum designando
caracteres especiais aos personagens ou situações (exemplo textual) que não
surgem da simples leitura do texto. (Relatório sobre Pequeños animales
abatidos, de Alejandro Sieveking)23
Aqui, o censor se reveste de uma competência no terreno político e histórico que
contribui para projetar credibilidade à sua fala.
Este éthos da competência se desloca em certos momentos para o terreno
pedagógico e formativo, ao inscrever-se em um lugar de saber em função do qual pode
ler e compreender os “verdadeiros propósitos” dos autores em relação a seus leitores e
esclarecer desse modo, em cada caso, seus conteúdos dissimulados e encobertos.
Observamos esta dimensão da imagem de si dos censores no relatório sobre o volume
de contos infantis Barcos de papel, de Álvaro Yunque:

Apesar da obra não expressar um descarado posicionamento marxista, é clara


a mensagem encoberta –que não é captável pelo jovem leitor-, que cria as
bases como para que a criança vá “tomando consciência” da “falsidade do
nosso sistema de vida”.
Por ser o público infantil o destinatário desta obra e como a mesma não
contribui para a correta formação do indivíduo, ao mesmo tempo em que
favorece a posterior implantação ideológica marxista, recomenda-se que não


23
A través del desarrollo argumental existen alusiones al proceso chileno durante el gobierno de Allende,
la confianza en la victoria en la Unidad Popular, la incidencia negativa de la “derecha económica”. Todos
los elementos mencionados, contribuyentes a evidenciar el trasfondo ideológico marxista que se da en la
obra, se ven acentuados por la inclusión en la contratapa del libro, de un comentario relativo al momento
clima y significación de la trama.
Se brinda en este una interpretación desde una óptica marxista, directamente destinada a condicionar la
actitud del lector común asignando caracteres especiales a los personajes o situaciones (ejemplo textual)
que no surgen de la simple lectura del texto. (Informe sobre Pequeños animales abatidos de Alejandro
Sieveking)
seja utilizada como leitura recomendada nos colégios. (Relatório sobre
Barcos de papel, de Álvaro Yunque)24
Vemos aqui que os censores assumiram para a sua avaliação uma imagem de si
fundada em um compromisso e um conhecimento em relação à formação dos jovens.
Ao apresentar a si mesmo como conhecedor da “correta formação do indivíduo”, o
censor se mostra capaz de conceber aquilo que é oposto, que atenta contra eles, mesmo
quando suas mensagens e intenções se encontram encobertas.

4 O compromisso dos censores

Um aspecto central que deve ser considerado na hora de caracterizar o controle


político-ideológico exercido sobre o campo cultural durante a última ditatura militar na
Argentina é a estrita delimitação que o regime militar propôs entre o “nosso”, isto é,
aquilo que compartilha os valores e os princípios propiciados pelo regime, e o “alheio”,
que atenta diretamente contra esses valores ou difunde ideias que possam ser
prejudiciais a eles. Esta diferença contribuiu para a projeção nos relatórios de um éthos
comprometido por parte dos censores literários, fundado sobre a adesão e a postura e os
valores preconizadas pelo discurso oficial, com o objetivo de apoiar a persuasão em
relação às avaliações nas obras literárias. Aprofundamo-nos aqui nos modos que os
censores estabelecem relações de reciprocidade e solidariedade com os seus leitores no
âmbito de uma comunidade imaginária orientada ao exercício do controle político-
ideológico.
Já observamos que apesar da tendência nos relatórios de evitar as marcas
dêiticas que expressem a subjetividade dos encarregados de elaborá-los, sua presença
surge no caso de “nossa Constituição”. Em outras ocasiões, delineia-se um “nós” que
integra enunciador e enunciatário em um coletivo de identificação fundado na adesão a
um conjunto de valores associados de forma imediata com a nação argentina. Os valores
que estes relatórios apresentam são próprios de uma construção ideológica que serviu
para legitimar o golpe de Estado realizado em 1976, denominada como o mito de la
nación católica (DI STEFANO & ZANATTA, 2000; VITALE, 2015). Este mito


24
Si bien la obra no expresa un desembozado planteo marxista, es claro el mensaje encubierto –que no es
captable por el joven lector-, que crea las bases como para que el niño vaya “tomando conciencia” de la
“falsedad de nuestro sistema de vida”.
Por ser el público infantil el destinatario de esta obra y en tanto la misma no contribuye a la correcta
formación del individuo, a la vez que favorece a la posterior implantación ideológica marxista, se
aconseja que no sea utilizada como lectura recomendada en los colegios. (Informe sobre Barcos de papel
de Álvaro Yunque)
promove uma união entre Estado e Igreja sob a forma de um Estado católico, como
também uma atribuição ao “ser argentino” de um caráter cristão, componentes que no
âmbito da última ditadura foram insistentemente formulados sob o sintagma “ocidental
e cristão”:

A insistência da imprensa escrita de 1976 no sintagma “ocidental e cristão”


refletiu a aliança interdiscursiva que estabeleceram com um discurso militar
que retomou como estratégia de legitimação da tomada do poder o mito da
nação católica, que em 1976 serviu, também, para legitimar as práticas
repressivas enquadradas no terrorismo de Estado. De fato, a Ata que
determina os propósitos e os objetivos básicos para o Processo de
Reorganização Nacional em dois objetivos básicos: “2) Vigência dos valores
da moral cristã, da tradição nacional e da dignidade do ser argentino” e “9)
Colocação internacional no mundo ocidental e cristão (...)” é possível
identificar com clareza este mito. (VITALE, 2015, p. 152)25
O controle e a censura também encontraram nesta construção ideológica um
aspecto da sua legitimidade durante este período. Efetivamente, as “Conclusões” de
alguns relatórios de inteligência destinados a essa prática apresentam a conformação de
um “nós” fundado sobre formulações desse mito, que serviu para que os censores
projetassem uma imagem de si como aderentes e salvaguardas desse conjunto de
valores passíveis de serem ameaçados, entre outros, pelos textos literários. Um exemplo
pode ser encontrado no já citado relatório sobre o livro de contos infantis Barcos de
papel, de Álvaro Yunque:

A publicação “Barcos de papel”, cujo autor é Arístides Gandolfi Herrero


(Álvaro Yunque) –conhecido militante do P.C. –, apresenta uma série de
contos curtos destinados ao público infantil. Todos eles são altamente
conflitivos, uma vez que questionam nossos valores fundamentais: família,
educação, religião.
Apresenta-se nos contos, consequente com a concepção marxista do autor, a
contradição pais-filhos, ricos-pobres, professores-alunos.
Todos os contos relatam fatos que ocorrem entre pessoas de classe baixa,
onde é mostrada a desorganização familiar produzida geralmente por pais
alcoólicos e “dominadores”, que castigam e vexam os seus filhos; que são
apresentados sempre como humildes e sacrificados do mesmo modo que a
figura materna, sempre abnegada e submissa. Cria-se através dessas imagens
uma distorção dos educandos no que diz respeito a um dos pilares básicos da
nossa sociedade […].
No último dos contos, intitulado “El árbol de navidad”, além de deixar
claramente apresentada antinomia ricos-pobres, (que em outro nível seria


25
La insistencia de la prensa escrita de 1976 en el sintagma “occidental y cristiano” dio cuenta de la
alianza interdiscursiva que entablaron con un discurso militar que retomó como estrategia de legitimación
de la toma del poder el mito de la nación católica, que en 1976 sirvió, también, para legitimar las
prácticas represivas encuadradas en el terrorismo de Estado. En efecto, el Acta que fija los propósitos y
los objetivos básicos para el Proceso de Reorganización Nacional en dos objetivos básicos: “2) Vigencia
de los valores de la moral cristiana, de la tradición nacional y de la dignidad del ser argentino” y “9)
Ubicación internacional en el mundo occidental y cristiano […]” se identifica con claridad dicho mito.
(VITALE, 2015, p. 152)
exploradores-explorados), ataca a religião católica, deixando a mensagem de
que os princípios sustentados pela nossa concepção religiosa de caridade,
amor ao próximo, justiça, generosidade, são deixados de lado tanto pelos
ministros de Deus na terra, quanto pelos seus seguidores, em especial aqueles
que possuem maiores recursos econômicos. (Relatório de Barcos de papel, de
Álvaro Yunque)26
A identificação dos censores com os valores preconizados pelo regime militar
ocorre aqui através da construção de um “nós” que oferece a formulação de alguns
componentes próprios do mito da nação católica, que contribuem para legitimar a
avaliação da obra literária oposta a esses valores compartilhados. A partir da tríade
“família, educação, religião”, que constituem “nossos valores fundamentais”, o relatório
constrói sua argumentação apresentando de forma separada cada um deles, de modo que
enquanto a família é “um dos pilares básicos da nossa sociedade”, a religião expressa
“nossa concepção religiosa de caridade, amor ao próximo, justiça, generosidade”.
Através dessa construção do “nós”, o censor investe em si mesmo esses valores cristãos
no âmbito de uma comunidade que integra, ao mesmo tempo, o seu público e a nação
argentina em seu conjunto.
Outro modo de criar uma imagem de si por parte dos censores baseada no
compromisso com o discurso oficial militar é detectado na presença de palavras e
sintagmas entre aspas, que – de acordo com AUTHIER-REVUZ (1980, 1984, 1995)-
constituem uma manifestação da heterogeneidade mostrada marcada.27 De fato, as aspas

26
La publicación “Barcos de papel” cuyo autor es Arístides Gandolfi Herrero (Álvaro Yunque) –
conocido militante del P.C. –, presenta una serie de cuentos cortos destinados al público infantil. Todos
ellos son altamente conflictivos, en tanto cuestionan nuestros valores fundamentales: familia, educación,
religión.
Se plantea en los cuentos, consecuente con la concepción marxista del autor la contradicción padres-hijos,
ricos-pobres, maestros-alumnos.
Todos los cuentos relatan hechos que ocurren entre gente de clase baja, donde se muestra la
desorganización familiar producida generalmente por padres alcohólicos y “dominantes”, que castigan y
vejan a sus hijos; a los que presenta siempre como humildes y sacrificados al igual que la figura materna,
siempre abnegada y sumisa. Se crea a través de estas imágenes una distorsión de los educandos en lo que
hace a uno de los pilares básicos de nuestra sociedad. […]
En el último de los cuentos titulado “El árbol de navidad” además de dejar claramente planteada la
antinomia ricos-pobres, (que a otro nivel sería explotadores-explotados), ataca la religión católica,
dejando el mensaje de que los principios sustentados por nuestra concepción religiosa de caridad, amor al
prójimo, justicia, generosidad, son dejados de lado tanto por los ministros de Dios en la tierra, como por
la grey, en especial aquellos que poseen mayores recursos económicos. (Informe sobre Barcos de papel
de Álvaro Yunque)
27
Authier-Revuz (1980, 1984, 1995) diferencia la heterogeneidad constitutiva de la heterogeneidad
mostrada. La primera se refiere al hecho de que en todo discurso hay siempre un Otro –presencia
permanente indicada/reconocida implícitamente-, que lo determina desde fuera del sujeto, que es más
hablado que hablante. La heterogeneidad mostrada, en cambio, es la inscripción del otro en el hilo del
discurso, mediante lo cual el sujeto hablante señala que una parte de su discurso no le pertenece. La
hipótesis de Authier-Revuz es que la heterogeneidad mostrada es un modo de negociación –obligado- con
la heterogeneidad constitutiva, que es necesario desconocer para poder enunciar un discurso. En efecto, al
delimitar y circunscribir la palabra del otro en el discurso, el sujeto presenta imaginariamente que el resto
expressam a distância em atitude de ataque de palavras usadas nas obras literárias
avaliadas e que conotam um universo ideológico inimigo. Como ilustração, observamos
estas aspas nos seguintes fragmentos: “detrata ao sistema ‘opressor imperialista norte-
americano’” (Relatório sobre Conversación con el último norteamericano, de Enrique
Cirules); “o autor, além de criticar duramente a política norte-americana e o
‘imperialismo conquistador e colonizador’”; “Faz uma defesa da guerra civil espanhola
contra o ‘verdugo’ Franco” (Relatório sobre Mi Hermano, Yuri de Valentin Gagarin).
Em todos esses casos, encontramos que a atitude de ataque em relação ao
discurso alheio está centrada em uma distância para lexemas ou sintagmas (muitos deles
cristalizados) próprios de posicionamentos comunistas ou latino-americanos, contra os
quais o enunciador se enfrenta. De fato, o censor manifesta de modo implícito através
dessa distância sua imagem de sujeito comprometido com a luta contra o comunismo e
os ideais latino-americanistas e anti norte-americanas, que contribui também para
reforçar sua identificação com os valores e doutrinas propiciados pelo regime ditatorial.

Considerações finais

A análise realizada dos relatórios de inteligência produzidos pelos assessores


literários da SIDE durante a última ditadura militar da Argentina nos permite constatar
que a censura como prática discursiva –inscrita em conjunturas históricas precisas e
concretas- é um processo complexo que envolve diferentes instâncias enunciativas e
uma dimensão argumentativa. De fato, aqueles censores produziram seus informes com
a finalidade de persuadir funcionários do Poder Executivo de decretar ou não a
proibição de certas obras literárias e para isso resultou fundamental a construção de um
certo éthos. O estudo empreendido permite afirmar que se tratou de um éthos híbrido
convergente (VITALE & MAIZELS, 2011), no sentido em que articularam diferentes
imagens de si orientadas para a mesma conclusão28. A expertise, o profissionalismo e a
competência em diferentes campos (burocrático-administrativo e cultura e literário,
como descrevemos), como também o compromisso, os valores e as crenças com os
quais os censores vestem sua própria enunciação tenderam à constituição de um corpo

del discurso le es propio. A su vez, la autora diferencia entre la heterogeneidad mostrada marcada, donde
las palabras propias y ajenas presentan fonteras nítidas, como en las comillas, y la heterogeneidad
mostrada no marcada, en la que los límites son más difusos.
28
Vitale & Maizels (2011) denominam ethos híbrido convergente os casos nos quais o discurso de um
orador constrói simultaneamente mais de uma imagem de si dominante e elas orientam para a mesma
conclusão; no éthos híbrido que classificam como não convergente estas imagens não orientam para a
mesma conclusão.
da comunidade imaginária daqueles que aderiram a um mesmo discurso a partir da
apropriação do éthos por parte do intérprete (MAINGUENEAU, 2002).
Em um presente problemático, em especial para o Brasil e para a Argentina, em
torno à memória das suas respectivas ditaduras29, os documentos neste trabalho
analisado são testemunho de uma barbárie cultural que, desde nosso próprio
compromisso acadêmico e político, motiva-nos a aprofundar em uma linha de
investigação que pretende, ao mesmo tempo em que aprofundar-se em um objeto de
estudo, manter viva a memória crítica de um dos períodos mais escuros da nossa região.

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29
Basta sinalizar que no Brasil, em 2016, o deputado Jair Bolsonaro dedicou seu voto favorável ao
impeachment contra Dilma Rousseff à memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador
durante o período ditatorial, e que na Argentina, em 2017, o Diretor Geral da Alfândega, Juan José
Gómez Centurión, no programa “Debo decir”, do canal América TV, negou que durante a última ditadura
houvesse um plano sistemático de desaparição de pessoas.
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