Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Recife
Julho
2011
CLEONARDO MAURICIO JUNIOR
Recife
Julho
2011
Aos meus pais,
vida e voz
Agradecimentos
Aos meus pais: A quem dediquei este trabalho. E aos quais devo eterna gratidão por
terem me apoiado quando cometi a boa loucura de deixar o curso de Economia e o
trabalho de bancário para fazer Ciências Sociais.
À Gabriela Máxima: Privada de muitos dos momentos que seriam só nossos para que
eu conseguisse terminar esta monografia.
Aos docentes: Maria Eduarda, José Luiz Ratton e Mísia Reesink, decisivos na minha
formação.
Muito Obrigado!
Sumário
Introdução......................................................................................................................01
Conclusões.....................................................................................................................88
Referências
Bibliográficas.................................................................................................................95
Introdução
mediação entre os homens e o sagrado. A partir de então todo crente, de posse das
escrituras, estaria apto a construir uma relação com o divino por si só, não
podia ser alcançado somente através da instituição, por meio do trabalho de seus
Estes não são mais requeridos como meios de acesso à divindade, muito menos
tomados como objeto de culto e veneração. A santidade passa a ser um alvo buscado
por todos: Não há santos protestantes, porque todos os crentes são santos.
líderes são intitulados bispos, como Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de
hierarquia, tanto em relação aos fiéis quanto em relação aos pastores comuns, ou seja,
aqueles que não são líderes denominacionais, não possuem exposição na mídia, nem
1
A atuação destes líderes nos leva a pensar, também, num retorno à intermediação
entre os leigos e a divindade. Fica difícil perceber, muitas vezes, a exata proveniência
das “bênçãos” alcançadas pelos fiéis: Se do próprio Deus, ou do líder carismático, seu
munidos de uma autoridade maior que os seus próprios líderes religiosos locais e de
Pretendo analisar, então, como tais líderes foram alçados a esta posição de
proeminência em relação aos demais pastores e crentes normais numa e como tal
sociedade de espetáculo, entendendo ser este o (único) fator responsável pela ascensão
alcançada por este fenômeno. Enfatizo, apenas, não podermos negar ao que acontece
no interior dos cultos pentecostais, as soluções que estes oferecem aos fiéis que o
diga respeito. É lá que o antropólogo deve estar. E só estando lá, assim entendo, pode-
2
se chegar a um bom entendimento do fenômeno. Entender a ascensão dos líderes
pentecostal como um todo. Neste ponto também predomina uma supervalorização das
esferas das relações sociais e institucionais no entendimento deste evento. Quero trazer
pares. É entre eles, pregador e ouvintes, que se constrói uma interação de onde o
primeiro sai num patamar acima na estratificação carismática. Não se pode, portanto,
analisar apenas uma ponta da interação. A isto me propus neste trabalho, acreditando
estar contribuindo para preencher uma lacuna nos estudos concernentes à análise dos
fenômeno oposto, o da possessão. Uma análise da cultura pentecostal (sim eles têm
cultura!) também brota destas conversas. Ignorá-la seria afirmar que a performance do
líder carismático acontece no vácuo. Sem compreendê-la não seria possível dar um
O trabalho de campo
3
Assembléia de Deus, líder pentecostal em grande evidência atualmente, direcionando
ao campo por ele abrangido as perguntas que tinha em mente. Primeiro, realizei
protagonizado por Malafaia, contando ainda com a presença de outros pastores ligados
gravei suas mensagens, duas no total, e elaborei meu primeiro diário de campo. Outra
oportunidade para ouvir o Pastor Silas Malafaia, cuja igreja se localiza no Rio de
Janeiro, no bairro da Penha, se deu em 16 de Junho deste ano, na ocasião de sua vinda
entanto, esta não aparece de forma direta no trabalho, tendo sido usado como forma de
controlar as conclusões por mim levantadas pela análise, que nesta altura já havia sido
Era preciso ainda analisar a instituição na qual o pastor Silas Malafaia estava
inserido. Passei a freqüentar, então, a partir do mês de Abril até Junho deste ano, os
cultos de duas filiais da ADVEC em Recife: A filial “Boa Viagem”, como disse, sede
deste período. Apenas duas delas em “Boa Viagem”. Verifiquei a dinâmica dos cultos,
debrucei-me sobre a relação entre os membros de cada filial com seus respectivos
4
culto e, ao seu final, permanecia por um tempo conversando com os “irmãos” no
entrevistados ao longo do trabalho, mas algumas informações precisam ser ditas desde
já. Das cinco entrevistas realizadas, quatro foram com fiéis da Assembléia de Deus
(AD) e uma com Jurandir, membro de uma igreja Batista tradicional e que, além de ter
ido ao Congresso no qual realizei trabalho de campo, possui livros e DVDs do pastor
Silas Malafaia na televisão. Luciano foi o único a responder que, além de não ter ido
seguida de vários pastores que vão se alternando no estúdio trazendo, cada um, uma
pequena reflexão. Já o segundo, o principal, dedica mais tempo à exibição das prédicas
5
de Silas Malafaia e se encerra com o próprio pastor no estúdio, trazendo uma reflexão
antigas do Pr. Malafaia, bem como acompanhar sua agenda e conhecer a programação
com o que acontecia nos cultos que freqüentei em Recife. Percorri também as redes
pessoalmente servido como controle não aparecendo de forma direta no trabalho. Para
dos websites (que também não aparecem no trabalho de forma direta), contribuiu para
6
Os capítulos
Deus, explicando porque a chamo de a Igreja dos “ministérios”. Uma seção é dedicada
Bourdieu e Csordas nos levarão a dissociar o carisma das qualidades pessoais do líder
trajetória pessoal, grande motivo para fosse atraído por este projeto, exerce um papel
7
no campo definindo o que é estranho, e o que é familiar, e as conseqüências disto para
o meu trabalho.
observação participante dos cultos por mim freqüentados. Veremos como esta cultura
opera para formar seus ícones, os líderes carismáticos. Mostrarei ainda como o pastor
performa seu carisma enquanto constrói sua autoridade na interação face a face com
seus ouvintes. Para isso, analisarei a mensagem do pastor Silas Malafaia proferida por
queda do Espírito Santo descrita no livro bíblico de Atos dos Apóstolos, qualquer
protestantes? Por que eles são considerados mais “cheios do Espírito Santo” do que os
outros? E o que significa ser “cheio do Espírito Santo”? Poderíamos esboçar como se
autoridade em meio aos que deveriam ser seus pares? Responder estas perguntas é o
8
O movimento, a igreja, o pastor e o ministério
Neste capítulo pretendo apresentar o Pastor Silas Malafaia, sua igreja e seu
descritas por. Ricardo Mariano (2005), para depois contrapô-las, sobretudo o que ele
no campo. O mesmo será feito com o que Paul Freston (1994) apresenta como
etapas, ou ondas, se usarmos o termo criado por Paul Freston (1994). São elas: O
justificativa para a distinção entre primeira e segunda onda, já que não há diferenças
proselitistas.
9
A terceira onda, o neopentecostalismo, tem início na segunda metade dos anos
1970, cresce e se fortalece nos anos 1980 e 1990 e tem como representante maior, e
Não significa somente a intensificação dos rituais de exorcismo, mas a criação de uma
numa guerra cósmica entre Deus e o Diabo pelo domínio da humanidade. Segundo, a
que o crente está destinado a ser próspero e feliz neste mundo. Isto gera um
estendendo sua atuação para diversas áreas da esfera econômica como a indústria
2005).
Ricardo Mariano (2005) ainda chama a atenção para um fenômeno que ele intitula
Assembléia de Deus. É esta instituição que será o foco de nossas atenções a partir de
agora, onde, segundo este autor, já se nota toda sorte de apropriação de doutrinas e
A Assembléia de Deus
quero ressaltar desde já que não pretendo reconstruir aqui uma história desta
instituição. Meu objetivo é apenas mostrar que não se pode falar da AD sem levar em
“ministérios”1, ou seja, por redes de igrejas que possuem, cada uma delas, seus
regionais, tendo algumas delas, também, alcance nacional, podendo ou não estarem
1
Coloco aqui o termo “ministério” entre aspas significando o conjunto de igrejas sob uma
liderança comum para diferenciar do uso do mesmo termo que farei mais a frente. Optei por
manter o mesmo termo para designar coisas diferentes, pois é desta maneira que os próprios
fiéis se utilizam dele.
11
(MARIANO, 2005, p. 24). Paul Freston (1994), para resumir o que ele entende ser a
onde a igreja luterana era a religião estatal, possuindo, por isso mesmo, uma alta
e caudilhesca, encontrado nesta igreja. Por ser extremamente descentralizada nas suas
AD, formadores, a cada cisão, de novos “ministérios” com seus respectivos novos
um número de filiais que não mais cabia dentro de um órgão a que fosse subordinado,
é o maior exemplo elencado por Freston para afirmar que este modelo de governança
adquiriu gráfica e editora próprias confirmando, para Freston, que a AD estaria “cada
vez mais fora de sintonia com a moderna sociedade urbana” (p. 88). A questão dos
“usos e costumes” também seria motivo de uma crise na AD, já que, para este autor,
muitos adeptos estariam trocando de denominação por não mais desejarem se adequar
religiosas “na medida em que consegue atingir cada vez mais os diferentes grupos que
como fator de expansão. Era da formação de novas denominações que ele estava
falando. Há uma característica peculiar dos rachas na AD: deles não se originam novas
redes, oriundas das cisões, como denominações independentes que preferiram manter o
que a diversificação oriunda das cisões se deram, dentre outras coisas, para atender às
2
Em sua obra Almeida divide a expansão pentecostal nas suas dimensões institucional, das
relações sociais, e simbólica. Utilizo-me aqui apenas da primeira.
13
demandas de relaxamento nos costumes. Mariano mostra que a ruptura com o
nas práticas da AD desde 1989, época do grande racha. Para ele a igreja tem se
quando das acaloradas discussões para decidir se o uso da TV era apropriado para a
2005).
constatações de Freston (1994) vimos que a crise no modelo da AD, detectada pelo
último, lá atrás, não se confirmou ao longo do tempo. Pelo contrário, foi justamente
sociais que a AD manteve a sua posição como a maior igreja pentecostal do Brasil,
prometendo neste ano dar prova de sua grandiosidade com mobilizações de cunho
religioso nunca antes vistas no país para comemorar o seu centenário. Além da crise no
modelo gestor da AD, bem como a sangria nas fileiras da igreja devido ao seu rigor
ascético citados por Freston não terem se confirmado ao longo do tempo, outras
à erudição, precisam ser revistas, o que nos leva a entender que o ethos sueco-
nordestino, imputado por este autor à AD, não mais condiz com a realidade desta
14
instituição. O próprio autor já cita no seu texto instituições como a CGADB e a CPAD
assembleiano, o que se nos anos subsequentes à sua fundação foi uma realidade, logo
liderado desde 1998 pelo Pastor Ailton José Alves, que já foi terceiro secretário e,
com templos sempre pintados nas cores cinza e azul, está espalhada por Pernambuco,
3
A maioria das informações aqui descritas vem de conversas informais com fiéis destes
“ministérios”, do site oficial da CGADB e de comunidades virtuais conduzidas pelos membros
destas igrejas na rede mundial de computadores.
15
todas as noites apresenta um programa na emissora de rádio pertencente ao seu
“ministério”, a Rádio Boas Novas (AM 580). O “Campo do Recife” mantém a rigidez
Deus que estamos acostumados a ver: Os homens sempre se dirigindo aos cultos
trajando terno e gravata, as mulheres sempre usando longos cabelos soltos ou presos
do Reino de Deus), formando, pela grandiosidade dos dois templos vizinhos, o que
Recife” foi demonstrada nas últimas eleições para deputado estadual e federal. Pela
primeira vez a igreja teria oficializado representantes na política estadual. Seus dois
candidatos foram eleitos: Pastor Eurico, deputado federal, com 185.870 votos foi o
quinto mais votado. Presbítero Adalto, deputado estadual, com 120.175 votos foi o
que aquela era uma candidatura da Assembléia de Deus. A aquisição, desde 1999, de
uma rádio e a campanha eleitoral para deputados federal e estadual realizados por este
16
Contrapondo-se ao “Campo do Recife”, e aqui falo em contraposição no sentido
de um “ministério” com dimensões semelhantes a este, mas que possui uma maior
também por todo o estado de Pernambuco com suas igrejas sempre pintadas de verde,
pastor Roberto José dos Santos, que atualmente exerce, a nível nacional, o cargo de
podem freqüentar os cultos, no caso das mulheres, usando calça, brincos e maquiagem.
Os homens não precisam, todos eles, usarem terno e gravata, indumentária que, no
caso dos obreiros, diáconos, evangelistas e pastores não pode ser dispensada. A
advindas de seu ethos sueco-nordestino não mais condiz com a realidade, pois falha a
enxergar uma homogeneidade que não existe nesta instituição. Ao longo de sua
instituição “guarda-chuva”, que abriga sob o mesmo título o que poderíamos entender
Ainda que estas redes mantenham o elo que as definem como Assembléias de Deus, e
17
não me refiro só ao nome, mas a ênfase nos dons espirituais e no poder de Deus ainda
atuante nos dias de hoje (o que também as definem como sendo pentecostais), é mais
do Recife, por exemplo, que mantém com rigor, como vimos, a dinâmica do
pentecostalismo histórico no que diz respeito aos costumes, não enfatiza a pregação da
flexibilização do ascetismo de rejeição do mundo que pode ser vista neste “ministério”
Ricardo Mariano poderia encontrar mais elementos para confirmar a sua hipótese de
que cresceu a ponto de ter filiais, mais de 90, espalhadas por todo o país, pretendendo,
segundo seu site oficial, inaugurar 250 novas igrejas nos próximos cinco anos. Pouco
antes de rachar com a CGADB, o líder do então “ministério” Penha, o Pastor Silas
Malafaia, muda o nome de sua igreja para “Vitória em Cristo”, mesmo nome de sua
18
associação promotora de eventos evangelísticos e congressos, e do seu programa de
televisão. Em Pernambuco, a ADVEC possui sete filiais, o que mostra, ainda, sua
Campo do Recife e Abreu e Lima. Seu templo sede no estado se encontra no bairro de
Pernambuco.
uma cosmologia dual baseada no confronto entre o Deus e o diabo, ao ponto, por
ADVEC Caxangá, que, ao ser interpelado por uma visitante questionando se poderia
entrar no templo trajando calça jeans, responde que ali “não tem esse problema como
abaixo:
19
É nos Cultos da Vitória que se pode perceber com mais intensidade a pregação
campanha onde o crente deve comparecer, no mínimo, sete semanas a fim de alcançar
sua “benção”. No culto da Filial Caxangá, em Recife, são lidas cartas dos fiéis que
agradecem as vitórias, que vão de “portas de emprego abertas”, passando por carros
comprados, cujas chaves são levadas para serem “consagradas”, até casas reformadas,
sempre com aplausos e a repetição do bordão “A vitória do irmão é nossa vitória” após
Durante o mês que freqüentei os cultos da filial Caxangá era o livro do Apocalipse que
estava sendo estudado. Uma apostila elaborada pelo próprio pastor era disponibilizada
para os fiéis que acompanhavam atentamente os slides apresentados pelo seu líder
além de uma preocupação com uma exegese bíblica, durante as prédicas, mais próxima
da encontrada nas igrejas protestantes históricas, fator praticamente ausente nas igrejas
neopentecostais como se pode ver, por exemplo, nas pregações dos pastores da IURD
clássico.
20
Silas Malafaia
desta denominação deste Março de 2010, quando ainda se chamava AD Penha. Logo
após assumir a presidência um mês após o falecimento de seu sogro, o Pr. José Santos,
que esteve à frente deste “ministério” por 46 anos, Malafaia mudou, como vimos, o
nome desta rede de igrejas para “Vitória em Cristo” e rompeu com a CGADB.
Conhecido o líder evangélico que mais vende CDs, DVDs e livros de suas pregações,
a ser transmitido para os EUA, Europa, Oriente Médio e Ásia. Com isso, de acordo
200 países. Silas Malafaia também está inserido numa rede internacional de pastores.
ADVEC em Boca Raton nos EUA, atesta sua parceria com pastores e ministérios
Malafaia apresenta ainda um perfil distinto da maioria dos líderes pentecostais por
deixar perceptível nas suas pregações seu nível de instrução, tanto no que diz respeito
ao seu conhecimento teológico quanto sua formação, nos seus dizeres, “secular”, em
Psicologia. Seu maior destaque, porém, no plano nacional tem sido sua atuação na
21
frente evangélica que combate a implantação da PL 122, projeto de lei que versa sobre
Silas Malafaia o líder evangélico com maior atuação no espaço público brasileiro nos
últimos anos.
inauguração de um templo em Curitiba com capacidade para 3.000 pessoas, agora sede
4
Aqui, para contrapor à utilização anterior do termo, ministério vem sem aspas, sendo
utilizado pelos fiéis quase como sinônimo de vocação, ou missão que transcende o
denominacionalismo. Cada crente deve, então, procurar seu ministério. Os ministérios
organizados, como os de música (Ministério Diante do Trono, Ministério Toque no Altar, etc),
teriam um propósito de, sem fazerem referência à instituição a qual estão vinculadas, se é que
estão vinculadas a alguma, perpetuarem as „boas novas‟ de uma forma específica, neste caso,
através do louvor.
5
Ao digitar a URL ministeriosilasmalafaia.com.br no browser, você será direcionado ao site
da Associação Vitória em Cristo.
22
pertencem. No caso do pastor Silas Malafaia, é o seu ministério que coordena o
programa de televisão por ele protagonizado e que, além disso, organiza os eventos
nacionais também por ele conduzidos, como o Congresso Pentecostal Brasileiro Fogo
Para entendermos como estes ministérios funcionam faço aqui um paralelo com
hibridização com estes”, ou seja, a communitas só pode ser apreendida por alguma de
suas relações coma estrutura. É aí que Turner apresenta a sua tipologia das
6
Reesink (2007) em “Turner, Weber e o Vidente: reflexões sobre a institucionalização de uma
aparição mariana” faz uma comparação entre os conceitos de carisma, communitas e
efervescência coletiva. A leitura deste artigo ajudou-me a entender o ministério como um tipo
de communitas, no meu caso, entre instituições.
23
pode ser entendida como uma organização em busca de modelos utópicos de
24
O caráter coletivo do carisma
de o carisma ser performado pelo líder carismático, e pelos fiéis, nos momentos de
carisma. A discussão sobre o conceito de carisma tem como resultado a ênfase no seu
aspecto social, pois os principais autores que se inseriram nesta discussão o fizeram
Weber, que o entendia como qualidade pessoal do líder carismático (1999, 2000).
Pierre Bourdieu (2007) sobre o tema. Não satisfeito com as conclusões de Bourdieu,
por considerar que ele cai no extremo objetivista após criticar o que chama de
Csordas (1997) para o debate. Com eles acredito resolvermos o problema de dissociar
25
corroborar com a consolidação do caráter coletivo do carisma, recuperando várias de
o contrário de toda economia ordenada e jamais é, para seus portadores, uma fonte de
ganhos privados. Em suma, apesar de viver neste mundo, o carisma não vive dele
revoluciona os preceitos da dominação tradicional por meios técnicos, “de fora para
7
Segundo a primeira definição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, metanóia
significa mudança essencial de pensamento ou de caráter.
26
a principal característica das mudanças impostas pelo carisma, enquanto que a
ignorando o teor de “idéia” das mudanças. (p. 328). Assim, para Weber, o carisma é,
as normas da tradição impondo uma sujeição íntima ao nunca visto, ao invés de,
uma vez por Weber quando este fala sobre sua rotinização. Antes, Weber esclarece que
amorfa com falta de estrutura, sendo, ao contrário, uma formação social com estrutura
carisma acaba por ser subvertida pelo domínio do cotidiano, sobretudo aos interesses
Para Weber, então, o carisma seria um elemento puramente pessoal (id., 1999, p. 303),
reconhecer essa qualidade em virtude da vocação do líder e das provas de seu carisma.
Pierre Bourdieu (2007) faz uma crítica ao conceito de carisma trabalhado por Weber
dizendo que este autor se equivoca ao considerar o líder carismático como portador de
religião como reflexo direto das condições econômicas e sociais, Weber teria caido no
Bourdieu quer ressaltar que é das relações recíprocas entre profetas, sacerdotes e leigos
que se deve retirar o entendimento do carisma. Ainda mais, a lógica das interações
entre estes agentes deve ser subordinada à estrutura das relações objetivas entre as
posições que tais agentes ocupam, para utilizar um importante termo bourdiano, no
posições distribuídas no campo8 e não entre os indivíduos per si. Tais posições são
“capital social” (ORTIZ, 1983, p. 19, 21). Assim, os indivíduos não poderiam definir a
8
O “campo” é o “espaço onde as posições dos agentes se encontram a priori fixadas”,
configurando-se como “o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno
de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (ORTIZ, 1983, p. 19)
28
pela desapropriação dos bens religiosos dos excluídos deste corpo, os leigos. Para ele,
sociais e, portanto, não poderia fugir de sua função política: representar, legitimar e
numa posição social determinada, legitimando tanto a posição das classes dominantes,
obrigado, para fazer frente ao capital detido por esta, a realizar a acumulação inicial do
capital religioso. É neste âmbito que se deve entender o carisma em Bourdieu, como
sendo o capital religioso por excelência do profeta. O carisma não seria, então, fruto de
isso, Bourdieu quer afastar completamente a idéia de que o carisma seja uma
carisma vistos até aqui. Bourdieu, como já disse, critica Weber por cair no
acúmulo de capital social (CAMPOS, 2011), o que reduz o fenômeno religioso a uma
mera reprodução das estruturas sociais, que serviria tão somente para justificar a
proposto por Bourdieu. É necessário observar ainda, antes de partirmos para explanar a
teoria do Carisma de Csordas, que um olhar mais detido ao trabalho de Weber pode
nos livrar de uma visão simplista de seu trabalho quanto ao carisma. Vejamos: Se há a
carisma pode preencher tanto a pessoa do líder quanto estar presente numa instituição,
sucumbe às necessidades econômicas do grupo, revela-se mais uma vez sua esfera
9
É indispensável dizer que considerado o pastor, líder carismático, um profeta no sentido
weberiano do termo. Apesar deste se localizar numa instituição, como o sacerdote, ele propõe
uma nova maneira de se vivenciar as escrituras bem no estilo “está escrito, mas eu vos digo”
conforme explicitado por Weber.
30
social, não somente de qualidade individual estrita. Csordas (1997), além de aceitar
algumas das premissas que elaborei acima, ainda que enfatizando o carisma em Weber
mudança central no modo de pensar (metanóia), de dentro para fora, aos que se
análise que faz do carisma Weber vai além das questões pessoais, permanece uma
construir uma teoria retórica do carisma baseada na performance e entende que para
isso o lócus do carisma e seu modo de operação precisam ser melhor entendidos. Para
performance ritual.
imediato, um postulado:
31
Weber ter dito o primeiro tem causado problemas intermináveis para a teoria do carisma
10
(CSORDAS, 1997, p.136, tradução nossa).
Para desfazer este engano, superar os problemas por ele trazidos e definir o lócus
autores que ainda o consideram uma qualidade pessoal, afirmando que mesmo neles já
Csordas, que o carisma não está tanto na personalidade do líder quanto na percepção
dos seus seguidores. É possível derivar destes autores que o carisma não é “legitimado
reconhecimento dos seguidores que traz o carisma à existência” (p. 137, tradução
CSORDAS, 1997), ser atribuído não só a seres humanos, também é importante para
denominar o carisma como sendo uma qualidade, já que, segundo o próprio Shills, “ele
existe somente na medida em que é „imputado‟ ou „atribuído‟ às entidades que ele lista
(ações, imagens, relações sociais, assim como a pessoas que o utilizam ou agem nos
seus termos), ainda que a entidade seja uma personalidade „expansiva‟” (p. 138,
10 “To say that charisma is perceived as residing in an individual personality is data; to accept
this as an empirical phenomenon is an instance of misplaced concreteness. It should make all
the difference in the world to refer to the „quality of an individual‟ as distinct from a „quality
imputed to an individual‟, and the fact that Weber said the former has caused endless trouble
for the theory of charisma” (CSORDAS, 1997, p.136)
11 “merely legitimated in the recognition of followers, as it was for Weber; it is only the
followers‟ recognition that bring charisma into existence in the first place” (p. 137).
32
tradução nossa) 12. Isto reforça o entendimento do carisma como uma relação. O mais
importante em tal relação é que ela não se reduz a um mero reconhecimento passivo,
pelo contrário, é ativa, na medida em que atribui e imputa carisma (Csordas, 1997).
carisma ser entendido como separável das pessoas, à medida que poderia habitar em
objetos ou instituições, Csordas insiste que para este autor clássico o carisma continua
carisma é uma “‟des-personalização‟, mas que ainda pressupõe um lócus pessoal onde
do líder”14 (idem).
carisma pode estar em qualquer lugar, desde imputado ao líder carismático, até nas
instituições, passando pela relação atribuidora de carisma entre líder e seguidor, por
que não dizer que o carisma estaria, como fez Sapir em relação à cultura, “entre os
12
“it exists only insofar as it is „imputed‟ or „attributed‟ to the entities He lists (acts, images,
social relations, as well as in persons Who use or act in terms of them), even when the entity is
an „expansive personality‟” (p. 138).
13
“„depersonalization‟ that presumes a personal locus to begin with” (p.138).
14
“to denominalize or deentify charisma, and at the same time to decenter it from the
personality of the leader” (p.138).
15
“among participants in a religious movement” (p. 139, itálico no original)
33
específicos e nos significados que eles abstraem destas interações”16 (idem, tradução
nossa). Adotando esta premissa, Csordas, finalmente nos entrega seu conceito de
carisma definindo-o como “um modo particular de eficácia interpessoal: não uma
141).
Para esclarecer o que Csordas quer dizer ao enfatizar o caráter retórico do carisma,
vamos a alguns exemplos de lideranças carismáticas que ele dá em seu texto, neste
CSORDAS, 1997) para dizer que, apesar de Savonarola parecer transpirar carisma
como uma qualidade pessoal, era na eficácia performativa do que ele dizia onde
dramatizado e espetacularizado (p. 148). Segundo Sennet, ele era um performer para
sua audiência. Também é importante dizer que Savonarola inspirava seus ouvintes a
performar os discursos por ele proferidos: ““Ele os inspirava ao teatro; se não estivesse
lá, ou se não pudesse demostrar sua Graça, os membros da multidão seriam como
16
“in the interactions of specific individuals and the meanings they abstract from those
interactions” (p.139)
17
Para Csordas, o self é a capacidade de se engajar e se orientar no mundo, caracterizada por
esforço e reflexividade. São através dos processos do self que os aspectos do mundo são
tematizados, tendo como resultado a objetificação do self como uma “pessoa” com uma
identidade ou um conjunto de identidades culturais (CSORDAS, 1994).
18
“a particular mode of interpersonal efficacy: not a quality, but a collective, performative,
intersubjective self process (p. 141)”
34
atores com linhas para ler num palco sem luzes”19 (p. 148, tradução nossa), ou seja, na
No segundo exemplo dado por Csordas, o movimento católico Jamaa do Zaire, são três
tipos de linguagem ritual que trazem o carisma à tona. Um deles, o ritual mawazo
Csordas, o cargo cult dos Kanakas da Nova Guiné. O que possibilita a emergência de
para que isto aconteça é a relação orgânica e dialética entre a figura carismática e o
performance coletiva do que é dito, ou seja, seu lócus está na articulação coletiva dos
35
Kanaka Csordas vê que “a retórica da linguagem ritual é novamente, o meio pelo qual
salientar, no entanto, que esta performance coletiva não acontece num vácuo: O
carisma brota da performance do que se diz, mas do que é dito em comunhão, o que só
religiosa, tal como a crença na interpretação dos sonhos vista nos dois últimos
disponíveis nos sistemas simbólicos dos movimentos religiosos que o carisma vem à
tona.
Weber, parece-me que Csordas, para defender sua visão fenomenológica do carisma,
subestima as contribuições que Durkheim pode trazer ao debate. A meu ver, Csordas
carismáticos e alega que estes só fizeram esta escolha por Durkheim porque se
depararam em seus trabalhos com movimentos sem liderança definida. Parece que para
Csordas tal escolha seria precipitada, um caminho mais fácil, porém, equivocado e
conclui que não seria necessário utilizar-se de Durkheim para entender [nem mesmo]
22
“the rhetoric of ritual language is, again, also the means by wich the charismatic figure is
imbued with charisma” (p. 149
36
transpormos a explanação de Durkheim sobre o totem como emblema do clã
pentecostal.
É sabido que para Durkheim a religião é coisa eminentemente social. Sua hipótese do
Religiosa (2008). Aqui Durkheim explica que a religião trata das coisas do sagrado em
generalizações a respeito da religião em sentido mais amplo, por esta ser, segundo ele,
a religião mais primitiva de todas. Durkheim declara que é a sociedade (no caso do
religião. O deus ou princípio totêmico, a força anônima e impessoal que perpassa todos
substância imaterial, essa energia difusa, único objeto do culto” (idem, p. 248)
23
Estas coisas sagradas do totemismo são (1) o emblema, (2) o animal ou vegetal em si que
servem de totem e (3) os membros do clã. “As representações simbólicas do totem são mais
sagradas que o totem em si... Por último nessa hierarquia do sagrado vêm os membros do clã”.
37
Mas se o deus do clã não é outra coisa senão o próprio clã, só que representada para as
Deus de uma sociedade não é senão a própria sociedade, como se deu essa
Segundo Durkheim, a sociedade tem tudo o que é preciso para fazê-lo, porque é para
os seus membros o que um deus é para os seus fiéis. Primeiro, como um deus, é poder
exigindo que nos tornemos seus servidores. Fazemos isso porque ela está investida de
autoridade moral, ou seja, é “objeto de autêntico respeito” (p. 261), na medida em que
sociedade, também como um deus, é força que eleva o indivíduo acima de si mesmo.
Não se constitui apenas como autoridade, mas como força sobre a qual se apóia a
nossa força. Durkheim mostra que “o homem que obedeceu ao seu deus e que, por essa
razão, acredita tê-lo consigo, enfrenta o mundo com confiança e com o sentimento de
Enquanto Durkheim explica as maneiras pelas quais a sociedade suscita nos indivíduos
como resultado das formas que a própria comunidade pentecostal suscitaria em seus
propriedade algumas pessoas que passam a se tornar objeto de autêntico respeito. É por
puramente privados não poderiam atingir” (p. 262). Ao ser um ponto onde tais
representações convergem, a pessoa é envolvida por uma energia física que se torna
imanente à idéia que temos dela (p. 261). Resumindo, segundo Durkheim “é a
sociedade que fala pela boca daqueles que a afirmam em nossa presença; é a ela que
escutamos ao ouvi-los e a voz de todos tem tonalidade que a de um só não poderia ter”
(p. 262).
Em segundo lugar, para ser força sobre a qual se apóia a nossa força, a sociedade
não poderia nos ser totalmente exterior. Durkheim esclarece que ela não nos move
através delas, é preciso que ela penetre e se organize em nós; torna-se assim parte do
nosso ser e, por essa razão, o educa e o faz crescer“ (p. 264). E, para Durkheim, há
do próprio Durkheim, nas “assembléias animadas por uma paixão comum”, que o
carisma é compartilhado e internalizado nos que se colocam sob seu raio de atuação.
Nestas ocasiões “nos tornamos suscetíveis a atos e sentimentos que não seriamos
podemos perceber a altura a que tínhamos sido elevados acima de nós mesmos”
atitude do homem que fala a uma multidão”, atrelando o que chama de sua
39
grandiloqüência ao fato deste conseguir “entrar em comunhão” com os que os escuta.
ele sente em si como que uma pletora anormal de forças que o ultrapassam e que tendem
a se difundir fora dele; às vezes, ele tem até a impressão de estar dominado por força
moral que o ultrapassa e da qual é apenas intérprete... Ora, esse aumento excepcional de
forças é bem real: vem-lhe do próprio grupo a que se dirige. Os sentimentos que
provoca pela sua palavra voltam para ele, aumentados, ampliados, e nessa medida
reforçam o seu próprio sentimento. As energias passionais que ele desperta ecoam nele e
aumentam o seu tom vital. Já não é simples indivíduo que fala, é grupo encarnado e
personificado (DURKHEIM, p. 264, 265, grifos meus)
signo, porque, segundo Durkheim, “a coisa em si [ou seja, a própria sociedade], devido
organização, é difícil de ser abarcada pelo pensamento” (p. 275). Por ser uma entidade
abstrata, não poderíamos ver nela a origem dos fortes sentimentos que
experimentamos, com isso teríamos que relacioná-los a algum objeto concreto cuja
realidade sentimos vivamente (DURKHEIM, 2008). “Se a própria coisa... não pode
servir de ligação com as impressões sentidas, ainda que seja ela que as tenha
provocado, é o signo que assume então o seu lugar; é sobre ele que transportamos as
emoções que ela suscita. É ele que é amado, temido, respeitado; é a ele que as pessoas
se sacrificam” (p. 275). As impressões que o clã desperta nas consciências individuais
recaem sobre o emblema do totem porque é ele, não o clã, nem mesmo o animal ou
vegetal escolhido para totem, que o primitivo vê à sua volta. São as múltiplas imagens
do totem que “se oferecem aos seus sentidos”, repetem-se por toda parte, estão “no
“o ponto para o qual convergem todos os olhares”. (DURKHEIM, 2008, p. 275, 276).
O emblema do totem não só torna mais claro o sentimento que a sociedade tem de si
mesma. Durkheim esclarece que “ele serve para constituir este sentimento; é, ele
40
próprio, um dos seus elementos constitutivos” (p. 287). Para que se estabeleça um
comum, é preciso, pois, que os sinais que o manifestam venham fundir-se em uma só e
única resultante” (p. 287). Sem os símbolos os sentimentos sociais só poderiam ter
Podemos entender, seguindo Durkheim ainda, que a força suscitada pela comunidade
pentecostal encontra no líder carismático o seu emblema24. Ele seria o objeto concreto
carismáticas. É ele quem está no centro da cena, o ponto para o qual todos os olhares
material que torna mais perceptível a unidade social. Nos termos durkheimianos, ele
carisma se localiza. E o que seriam tais recursos retóricos senão elementos presentes
24
Esta idéia foi desenvolvida pela professora Roberta Campos numas das reuniões reservadas
à discussão da bibliografia concernente ao seu projeto financiado pelo CNPQ, “Textualidade e
Oralidade da Bíblia”, do qual faço parte como pesquisador de iniciação científica voluntário.
41
Durkheim podemos ver que o líder carismático é o emblema da cultura pentecostal, é
em Csordas que podemos saber como isto acontece: como já visto, na performance do
como ela necessita ser performada pelos crentes ordinários, um dos focos do último
capítulo deste trabalho. O que chamo de “cultura pentecostal”, termo que usarei a
no intuito de se provar como preenchido pelo Espírito Santo. É a partir daí, como
capítulo será especificamente o trato dos mecanismos pelos quais o líder constrói sua
referido congresso.
42
Um interregno metodológico. “Sozinho” numa casa de shows “deserta”: a relação
entre estranhamento e familiaridade e o papel da subjetividade na construção do
conhecimento antropológico.
Imagine o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia tropical
próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha que o trouxe afastar-se no mar até
desaparecer de vista... você não tem nada para fazer a não ser iniciar
imediatamente seu trabalho etnográfico. Suponhamos, além disso, que você seja
um principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém que o
possa auxiliar... Imagine-se entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou
acompanhado de seu guia branco... (MALINOWISKI, 1976)
Foi exatamente este trecho da introdução dos Argonautas que lembrei ao entrar
naquela casa de shows lotada, não para a apresentação de algum grupo, cantor ou
cantora musical de sucesso (se bem que fosse haver muita música naquela noite ainda),
mas para ver de perto o Pr. Silas Malafaia conduzindo o 8º Congresso de Avivamento
espinha do grande Malinowski ao se ver sozinho naquela praia deserta sem ter nada
para fazer a não ser começar sua etnografia, suponho, para espantar rapidamente o
desejo de desistir e fugir dali. Eu estava sozinho, mas não tinha sido levado por uma
lancha, lá cheguei dirigindo o carro do meu pai. Não estava em uma praia deserta, ou
entrando numa aldeia, mas na maior casa de shows do estado. Também não precisei de
guia branco algum, pois podia entender perfeitamente o português que ali se falava,
mas mesmo assim, como consta no meu diário de campo elaborado naquela noite,
sentia-me “acuado, fora de lugar, sentado no canto fazendo anotações, sem coragem
precisava supor ser um principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem
ninguém que pudesse me auxiliar, pois esta era exatamente a descrição fiel de minha
situação (ainda sou principiante, porém já posso contar esta experiência). Restava-me
43
apenas, como eu supunha ter sido a estratégia de Malinowski, começar a fazer alguma
coisa antes que eu cedesse às súplicas de minha consciência para que saísse de lá,
afinal, eu não precisava esperar outro barco vir me buscar, era só pegar o carro e ir
embora. Ainda que decidido a dar início ao que eu entendia ser o trabalho etnográfico
propriamente dito (gravar, anotar, observar), permanecendo assustado com todo aquele
novo mundo a explorar, não procedi como havia planejado: não elaborar de imediato o
diário de campo, deixar aquela primeira noite apenas para observar e gravar minhas
Morri de vergonha de tirar o gravador e começar a falar nele: todos iriam ficar
olhando” (Diário de Campo, 15/10/2010). Estava ali para analisar a performance do Pr.
Silas Malafaia durante a mensagem que ele daria aos congressistas e pretendo, através
Do familiar e do estranho
Roberto Da Matta (1978), em seu já clássico artigo sobre o trabalho de campo, diz
que tornar-se antropólogo é aprender a fazer uma dupla tarefa: transformar o exótico
25
A técnica de gravar o diário de campo foi registrada primeiramente por Adjair Alves na sua
tese “O rap é uma guerra e eu sou gladiador: um estudo etnográfico sobre práticas sociais dos
jovens happers e suas representações sobre violência e criminalidade”, PPGA-UFPE, 2009.
Sob orientação da Prof (a) Roberta Campos.
44
distante sociologicamente, e geograficamente, e tentavam compreender os enigmas
momento presente,
quando a disciplina se volta para a nossa própria sociedade, num movimento semelhante
a um auto-exorcismo, pois já não se trata mais de depositar no selvagem africano ou
melanésio o mundo de práticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar, mas de
descobri-las em nós, nas nossas instituições, na nossa prática política e religiosa. O
problema é, então, o de tirar a capa de membro de uma classe e de um grupo social
específico para poder – como etnólogo – estranhar alguma regra social familiar e assim
descobrir (...) o exótico no que está petrificado dentro de nós (...) (DA MATTA, 1978, p.
28).
relação aos adeptos do protestantismo pentecostal antes de entrar sozinho naquela casa
de shows “deserta”.
qual havia rachado com a convenção tradicional (batista brasileira) pelo fato de uma
parte de seus líderes terem passado pelo que chamaram de renovação espiritual. O
grupo que havia fundado a comunidade da qual participava saiu de uma igreja batista
tradicional na cidade de Camaragibe, a primeira a surgir ali, para abrir outra, ligada à
ala renovada dos batistas. Devido à formação tradicional dos fundadores, práticas
ainda que fossem incentivados, não eram centrais na liturgia da nova congregação. Isto
possibilitou a convivência entre grupos que iam dos mais aos menos “avivados” no
seio da mesma comunidade, o que faz com que eu a classifique como tendo uma
45
do grupo mais próximo das práticas tradicionais. Aos 14 anos me converti justamente
renovada, igreja. Alguns anos depois, aos 18, fiz o mesmo caminho: saí da igreja
tradicional e busquei a congregação que havia passado pelo “avivamento”, mesmo sem
saber ao certo o que isto significava. O que realmente procurava era uma liturgia
Cheguei à igreja renovada quando esta possuía 13 anos de existência, já sendo, a esta
música, teatro, dei aula na escola bíblica dominical, até tornar-me líder dos
momento da pregação era o mais sublime de todos para mim. Ficava entorpecido com
o efeito que a mensagem deixava nas pessoas. Imputavam a mim o dom da palavra:
cheguei a ser várias vezes o pregador no culto principal da igreja, que possuía, nesta
época, em torno de 3.000 membros. Escolhi para estudar, ratificando minha posição
Missão Integral, que podem ser classificados como integrantes da versão protestante da
teologia da libertação católica. Esta trajetória, as escolhas e os grupos aos quais aderi
46
para o curso de Ciências Sociais, deixei a igreja e o curso de Teologia. Não desejava
que se reunia para “bater panelas”, ou seja, fazer muito barulho desnecessário sem
verificar que as impressões em mim arraigadas desde o tempo em que era um “nativo”
denuncia. Não devia esperar nada diferente disto já que o ingresso custa R$ 40,00”
compostos por pobres, fáceis de serem ludibriados. A estética também foi um motivo
desfilavam o tempo inteiro pelo salão. Como relatei no meu diário vi que “algumas
mulheres têm seus trajes de acordo com as pentecostais tradicionais, mas várias usam
de que “as pessoas são mais bonitas do que eu pensei que seria” (Diário de Campo,
até. Entendo que o meu maior motivo de estranhamento foi ter percebido que eu
poderia estar ali, não como pesquisador, mas como um deles, não fossem minhas
escolhas. Estar lá me fez passar pelo processo que Da Matta (1978) afirma ser um
47
encontro com o que a própria cultura do pesquisador reveste de bizarro. Foi por meio
de apreensões cognitivas (citando Da Matta ainda), através da via intelectual, que pude
desfazer a imagem que tinha dos pentecostais, construída por mim desde os tempos da
Esta relação imbricada entre “familiar” e “estranho” é relatada por Maria Laura
Da Matta e Viveiros de Castro, mas analisar tais noções nesta autora serve para
Viveiros de Castro, o centro espírita onde realizava sua pesquisa lhe era “familiar”
porque se localizava num bairro que remetia à sua infância. E “estranho” ao ser o
responsável por mudar a configuração daquele lugar que ela conhecia anteriormente
como um supermercado, onde brincava quando criança com as cores das latas
empilhadas pelos corredores, sem falar em todo o segredo, e o medo, que ronda esta
religião, para aqueles que, obviamente, não a conhecem. Para ela, estar ali era
120). É aí onde está a diferença das noções levantadas por estes autores trabalhadas até
xamã (termos utilizados por Roberto Da Matta para definir o tipo de protagonista de
“objeto”, situação que também aconteceu no meu próprio trabalho de campo. Focando
48
na questão da familiaridade, comparando minha experiência com a da autora, soava
“familiar”, para mim, falar dos pentecostais, tecer comentários sobre quão
as pessoas lhe eram “estranhas”. Para mim, as pessoas me eram familiares (pelo menos
achava que era até estranhá-las), afinal, elas foram, durante muito tempo, o principal
do que aconteceu com Maria Laura Viveiros de Castro. Ter me deparado com um
grupo oriundo das camadas médias urbanas no momento do meu trabalho de campo
antropólogo. Perceber que não havia entre nós, à primeira vista, fronteiras
queria fazê-lo), ver-me caber ali, podendo ser amigo daquelas pessoas as quais eu
Tal des-conhecer foi completado ao verificar que estava enganado quanto às minhas
concepções anteriores, e que havia ficado, poderia dizer, encantado pela estética das
familiar em exótico, descobrir o exótico no que está petrificado dentro de nós, foi,
49
como vários outros autores, e o próprio Da Matta, já o disseram, um processo mais
Pastor Malafaia realizaria naquela noite e verificar como sua posição de superioridade
espiritual em relação aos demais é construída na interação com os fiéis, face a face.
de uma prédica, nos meus termos, bem realizada. Tornar a mensagem o centro de uma
pesquisa científica e entendê-la como fazendo parte de uma ideologia linguística26 que
a abrangia e de uma dramatização do carisma por parte de quem a realizava não seria
tarefa fácil, mesmo que o pastor fosse alguém a quem, na minha época de pregador, eu
não admirasse tanto. Eu precisava fazer o que Roberto Da Matta (1978) chamou de a
viagem do xamã, para dentro de mim mesmo, a fim de poder transformar o familiar em
ao realizar sua pesquisa no seio do movimento social do qual era ativa militante, o
movimento pelo parto humanizado, serve para iluminar um pouco do que acontecera
comigo. Não pretendo equiparar nossas experiências, pois não fazia minha pesquisa
26
Robbins diz que a ideologia lingüística, termo usado pioneiramente pelos antropólogos do
Cristianismo, “refere-se às idéias compartilhadas pelas pessoas sobre a natureza da linguagem,
como ela funciona, e como as pessoas devem usá-la. Ideologias da linguagem variam muito
entre os grupos, e formam componentes cruciais da visão que as pessoas possuem, não só
sobre comunicação, mas também sobre a natureza da pessoa, ação e moralidade” (ROBBINS,
2010, p. 13).
50
dentro do meu próprio grupo, o que só aconteceria, ainda que dele não faça mais parte,
questionamento da autora sempre foi “como estranhar o que me era tão familiar?” e eu
precisava fazer esta pergunta a mim mesmo, ainda que, diferente dela, não mais
convivesse com este familiar. Se bem que eu nutria (ainda nutro?) a esperança de num
tratar não mais de desencantar as almas dos meus leitores, mas de voltar a encantar a
vida de alguns. Rememorar e recolocar as lentes da teoria foi a estratégia utilizada por
mim para analisar a performance do Pr. Malafaia para que, ao invés de fazer uma
científico ocidental, não só nas ciências naturais, mas também nas ciências humanas. O
51
Oliveira (RCO) (1995) nos mostra como Durkheim, nas suas Regras do Método
disciplina então nascente. Durkheim visa, esclarece RCO, eliminar tudo aquilo que
seja variável na análise dos fatos sociais. Quanto mais fixidez no objeto a ser estudado,
o conhecimento objetivo. RCO nos mostra que, para Durkheim, devem-se estudar os
Tendo o que ele chama de cientismo se solidificado na sociologia, RCO diz como a
saber o que pode estar em seu lugar quando – e somente quando – dele escaparem
52
realidades tangíveis por qualquer outra realidade que não seja metódica” (OLIVEIRA,
no sentido de que a própria escolha dos assuntos a serem pesquisados está inserida no
não fica claro como ela atua na construção do conhecimento. E era justamente esta
questão que me angustiava enquanto entrava naquela casa de shows onde passaria pelo
postura que deveria assumir no trabalho de campo, mas ficava em aberto ainda, e
relação entre o pastor e os fiéis como sendo produtora de carisma e possuía algumas
conquistar meu objetivo. Sabia, como diz Maria Laura Viveiros de Castro (2003), que
entre minha cultura e a dos meus pesquisados, como diz José Guilherme Magnani
(2009), iluminasse os elementos que eu buscava, fazendo com que, conforme disse
cultura. Preencher os “resíduos” entre minha teoria e a teoria dos nativos, conforme
53
também eram meus objetivos. Mas como exatamente faria isso na prática? Deixaria
(CAVALCANTI, 2003) fizessem seu trabalho? Ficaria ali sentado no meio daquelas
tempo construímos, aquilo que o método não consegue dar conta. O papel das emoções
emoções, na medida em que estas não são simples respostas instintivas a situações ou
observação, já que observar não é apenas inferir, mas é uma atividade de seleção e
Não haveria outra forma mais intensa das emoções entrarem em cena na construção
como “afinal, quem sou eu mesmo?”, “o que significa minha própria cultura?”. A
54
subjetividade é entendida como constituidora do processo de conhecimento na medida
em que conhecemos porque sentimos, assim como Loring Danforth, cita Grossi, só
dois irmãos pensei em meu próprio irmão e chorei. A distância entre eu mesmo e o
que passei entre uma igreja e outra. Comparei imediatamente a situação com a que
desleal. Fiz, sim, amigos na faculdade, havia, também, competição naquela outra
novamente diante dos meus olhos, era a solidariedade mútua. Pude presenciar o que foi
momentos, o carisma parece estar muito mais na congregação do que no pastor. Este
55
subjetividade, constituída na lembrança de minhas amizades, apreendeu, compreendeu,
“ver” o carisma “reaching me out” (me alcançando), como diria Simon Coleman
(2009), se lesse o trecho do meu diário de campo que se refere justamente a este
momento: “As pessoas todas juntas, cantando e batendo palmas. Não há como não se
Sherry Ortner (2007). Para compreendê-las, num outro grupo, é preciso um “mergulho
subjetividade deve ser entendida, nos dizeres de Da Matta (1978) , como um “dado
sistemático da situação”, e como nos diz, mais uma vez, Miriam Pillar Grossi (1997),
com nós mesmos. Se Heráclito diz que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio,
56
pois nem o rio, nem nós seremos os mesmos, participar deste rito de passagem que é a
sendo uma ponte entre duas culturas, se é sempre ponte, transição, sem pertencimento
57
Da cultura ao ícone pentecostal27
pelo carisma, sendo justamente na consecução desta busca que o carisma circula e,
urgência pelo preenchimento com o Espírito Santo, porque, na minha concepção, é ela
pentecostais: aqueles que chegaram ao patamar mais elevado, quase inalcançável pelo
posto que todos são santos. Só depois mostrarei, baseando-me na mensagem de Silas
58
realizar a performance do carisma, no intuito de construir, e, principalmente, manter,
sua autoridade carismática nas interações face a face com a comunidade de fiéis.
Conhecimento e Poder
Para Ari Pedro Oro (2009, 2010), que realizou trabalho de campo no Breakthrough,
força do carisma pessoal” dos promotores do evento que funciona como atrativo para
presentes, um objetivo seria acrescido: “apre (e) ender parte desse carisma [dos líderes
tanto anotam, gravam, fotografam, compram livros e DVDs do encontro. Ainda mais,
Oro percebe que estes líderes em menor escala compareceriam ao evento nutrindo o
2010, p. 44).
Joel Robbins (2009), por sua vez, afirma que os fiéis vão às igrejas pentecostais em
busca de interações rituais bem sucedidas, ou seja, utilizando-se do termo proposto por
globalização é serem bem sucedidas como instituições numa época em que estas,
59
destas igrejas proporcionarem interações rituais produtoras de energia emocional, alvo
interação até encontrá-la, criando o que ele chama de uma cadeia de interações rituais
escala, o que atrai os crentes, para Robbins, são as experiências extáticas encontradas
em Oro está restrita aos líderes menores, para todos os fiéis pentecostais. Uma
sugestão que já está implícita em Campos (2011) quando sugere que os fiéis também
querem o carisma para si. Nas conversas com os fiéis percebemos que cada crente é
incentivado a procurar, buscar (!), sua vocação, seu ministério. Quando perguntados se
líderes.
29
O próprio Luciano forneceu a informação da hierarquia dos ministérios na AD. A pessoa
começa como “auxiliar de lista interna”, passando pelos cargos de “auxiliar de lista externa”,
“diácono” ou “obreiro”, depois evangelista, até chegar a pastor.
60
Em segundo lugar, deve-se esclarecer que, no meu entender, o fiel vai buscar no
emocional, segundo Robbins, o que Oro, por sua vez, chama de força sagrada). Para
tanto, submeto a uma única rubrica, o carisma, o que estes dois autores entendem
como sendo atrativos diferentes do culto pentecostal. Isto porque a busca do poder
(êxtase, força sagrada) não se separa da busca do conhecimento, o qual, para ser
10 convertido, deixa isso bem claro quando, perguntado sobre se concorda com a
exigência de cursos de teologia para que os crentes exerçam o pastorado, diz preferir a
“unção” de Deus: “Entre a teologia e a unção, receba a unção. Porque a teologia sem
unção não sobrevive. A unção sem a teologia sobrevive”. Diante disso, reforço a
declaração feita no início deste capítulo: a cultura pentecostal precisa ser entendida,
Mas como se dá esta busca generalizada pelo carisma? Ela se concretiza num
circulação verbal onde cada crente, tendo armanezado, internalizado, o carisma em seu
30
Traduzo por “estender-se” o termo “reaching out”, usado por Coleman (2000, 2006, 2009).
Significa um princípio formador da identidade do crente, que deve estender-se até, ou alcançar,
61
de “dar uma palavra”, “abençoar” ou “profetizar sobre a vida do seu irmão”. Para
Ele nos mostra que os pentecostais “percebem as palavras sagradas como ponto-
chave para sua fé” (COLEMAN, 2006, p. 163, tradução nossa)31. Quando se refere a
palavras sagradas, Coleman não está falando do uso de termos específicos, os quais em
si mesmos teriam algum tipo de eficácia. O que este autor descreve é uma atitude
de que palavras inspiradas são investidas por uma eficácia performativa, através da
qual aquilo que se fala se manifesta no mundo material”32 (COLEMAN, 2006, p. 167,
tradução nossa). Ou seja, na confissão positiva as palavras não apenas descrevem, mas
criam a realidade, abolindo as distinções entre o real e o metafórico. Sendo assim, “não
só a Bíblia é vista como uma fonte de verdade objetiva, mas as palavras de um falante
inspirado também podem ser consideradas como verdade encarnada”33 (p. 167,
tradução nossa).
os outros, contribuindo para a formação de seus selves carismáticos. Sempre que utilizar o
verbo „estender‟ no sentido do conceito elaborado por Coleman, colocarei entre parênteses,
logo em seguida, o termo em inglês.
31
Conservative Protestants perceive sacred words as key to their faith (COLEMAN, 2006, p.
163).
32
The notion that inspired words gain a form of performative efficacy whereby that wich one
speaks is manifested in the material world (COLEMAN, 2006, p. 167).
33
Not only is the Bible seen as a source of objective truth, but the words of an inspired speaker
can also be regarded as truth incarnate (p. 167).
62
da palavra entre os pentecostais. Nadja fala que, antes de se converter, havia se
envolvido com um rapaz que “tinha feito coisas erradas na cidade de Camaragibe”,
Certo dia eu cheguei pra visitar esse rapaz e tinha muitas literaturas (folhetos contendo
versículos bíblicos distribuídos nos momentos de evangelização) na cela. Um [outro]
rapaz (o responsável por colar as literaturas nas paredes da cela) tinha sido solto e ele
(o homem com quem se relacionara) tinha ido pra lá... E tinha várias literaturas. E eu
comecei a ler. Eu lembro nitidamente que eu comecei a ler aquelas literaturas... lendo,
lendo, lendo, lendo... Aí eu disse assim: Olha Deus, se tudo isso aí é verdade, se o que
está escrito aí é verdade, se eu presto pra ser uma crente, ainda disse assim... se tu tirar
ele daqui, mesmo que eu não tenha que ficar com ele, eu vou te servir. E eu disse isso
num domingo. Na quinta-feira chegou um juiz aqui em Camaragibe. E esse juiz ele veio
pra substituir um [outro] juiz que tinha saído. Ele veio [e] assinou o habeas-corpus. Só
trabalhou aqui em Camaragibe terça, quarta, quinta e sexta... E (voltando a falar do
homem preso, com o qual havia se relacionado) ele saiu. Quando ele saiu do Aníbal
Bruno o cunhado dele disse: Nadja, vamos buscar. Eu fui com o advogado e a gente foi
buscar no presídio. Quando eu estava na porta do presídio que vi ele saindo, tinha três
carros esperando por ele, porque tinha que sair do presídio e ir embora, porque o fato
repercutiu muito aqui em Camaragibe. A pessoa (contra quem o rapaz preso tinha feito
‘coisas erradas’) era bem conhecida e ele tinha que sair de Pernambuco. Quando eu ia
saindo, nesse dia era dia de ciclo de oração no presídio Anibal Bruno e tinha um grupo
de irmãos do outro lado da avenida. Nisso quando eu saí da porta do Aníbal Bruno que
ele (o rapaz antes preso, agora liberto) pegou na minha mão, aí um homem do outro
lado, um irmão, gritou: - Moça, moça. Aí eu olhei. [O irmão disse:] - Deus está
mandando lhe dizer que você presta. Nunca vou esquecer.
Vê-se que a leitura dos versículos bíblicos nas literaturas coladas na parede da cela
não foi suficiente para suscitar uma experiência suficientemente significativa para
Nadja. O contato anterior com a palavra escrita, lida nas literaturas encontradas na
palavra escrita na fala do „irmão‟ que gritou em sua direção. Não quero eliminar o
significância deste momento, já que foi em segredo que Nadja questionou se “prestava
para ser crente” para, depois, ver o mesmo termo ser utilizado por um desconhecido. O
colocadas em circulação a fim de serem ativadas. E falar, como fez o „irmão‟ que
63
gritou “você presta”, é a principal maneira para converter a palavra de sua forma fixa,
tradução nossa).
segmento que relegou a bíblia, ou, como eles se referem, a Palavra, ao segundo plano.
34
The cultivation of orality in an otherwise literate context implies a self-conscious reaction
against the fixity of the written word while retaining the textualist‟s concern for reliable,
unchanging “knowledge” (COLEMAN, 2006, p.168-169)
35
O que chamo de identidade carismática, Coleman intitula de habitus carismático. Para ele,
quatro práticas formam este habitus: Internalização, Externalização, Dramatização e
Localização da Narrativa. Falaremos de todas neste capítulo.
64
Para Coleman, a Internalização se refere ao fato de que “os fiéis não consideram
não se reduz ao aspecto metafórico, pelo contrário, ela é entendida como um fenômeno
físico. É o que verificamos quando Nadja cita o momento da mensagem como “o que
alimenta a alma”. “O que me alimenta, no meu caso, é a palavra”, diz ela. Luciano diz
que “é [isto] justamente o que alimenta a alma de um ser humano: a palavra”. Neste
representação, que anda e fala, deste poder” (COLEMAN, 2000, p. 128, tradução
nossa)37.
pessoa pode ser “cheia do Espírito Santo”, ele conta a história abaixo, retirada
romano e ainda não convertido, num episódio que envolve Pedro, o apóstolo, “rende-
Cornélio não era um homem convertido, mas Deus o que fez, se revelou através de um
anjo. O anjo desceu, entregou a mensagem pra ele e naquele momento disse o anjo:
Manda chamar a Pedro, que se encontra na cidade de Jope, ele tem uma mensagem de
Deus para você. Então o que aconteceu: Cornélio imediatamente chamou os
trabalhadores e foi buscar a pessoa de Pedro, e Pedro se deslocou até a casa de Cornélio.
Chegou lá Pedro ministrou a palavra e, naquele momento, diz a Bíblia que o Espírito
Santo, ele caiu sobre Cornélio e toda a sua família e ambos foram cheios do Espírito
36
Believers do not regard themselves as interpreting the bible or inspired sermons, but
receiving them (COLEMAN, 2000, p. 127)
37
… the text is embodied in the person, who becomes a walking, talking representation of its
power (COLEMAN, 2000, p. 128)
38
Livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 10
65
Santo. Ali já estava a evidência do Pentecostes39... A Palavra fez com que ele recebesse
o Espírito Santo.
para atingir os mesmos resultados por eles alcançados pela reprodução de suas
verbal, mas é necessário que esta linguagem seja, em primeiro lugar, internalizada, e é
a Palavra, exclusivamente a Palavra, que deve ser internalizada, o que nos coloca
diante de um tipo de oralidade que depende da palavra escrita para operar. Como disse
Luciano: “A Palavra fez com que ele recebesse o Espírito Santo”. Se a forma de
linguagem, não se pode dizer que o abandona, pois as dramatizações, histórias, causos
e referências são retirados das páginas da Bíblia, ou seja, a linguagem tem que vir da
bíblicos, guardados para serem utilizados nos momentos oportunos. Porém, nas
39
O Pentecostes é o momento descrito no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2, em que o
Espírito Santo desce sobre as pessoas. É daí que se origina o termo pentecostalismo.
66
programação oficial, quanto as conversas informais levadas pelos crentes na frente do
templo, antes e depois do culto, pode-se depreender qual seria o principal meio (pelo o
menos o mais relatado) de ser “cheio do Espírito Santo”: Através da fala inspirada de
comuns.
Nadja, mais uma vez, nos auxilia a entender como se dá esta abertura do self à
linguagem. Ela relata um episódio onde teria de passar por uma cirurgia. Internada um
dia antes de sofrer a intervenção cirúrgica, combina de passar este dia “louvando e
conversando sobre a palavra” com uma colega crente que havia conhecido no dia
levada pelo filho, e a esposa dele, para ser internada, fica sabendo que não poderia
ficar no quarto junto com sua mais nova “irmã” e, lamentando, dirige-se ao quarto
onde ficaria para, segundo ela, só depois entender qual seria o “propósito de Deus”
Quando eu botei o pé no quarto eu disse bom dia, quando eu olhei pra senhora que
estava deitada, o Espírito Santo de Deus falou ao meu coração: „Ela precisa de você, a
outra não. Ela precisa de você. ‟ Naquele momento eu comecei a chorar porque foi
muito forte. Aí eu já fui pedindo perdão a Deus... Senhor, me perdoe, me desculpe. Eu
disse bom dia, eu já fui dando bom dia, eu tava com meu filho e minha nora. „Quem vai
ser minha companheira de quarto?‟ Ela falou bem fraquinho. Eu disse: „Sou eu‟. Um dia
antes um irmão disse assim: Olhe Nadja, você vai ser usada naquele hospital e se você
não tiver palavras pra dizer, diga só que Jesus é bom. Quando eu entrei que olhei, ela
tava com uma imagem (de santo) bem grande ao lado da cama e um terço na mão. Eu
percebi que ela era bem católica e eu aprendi muito a respeitar. Não sou de agredir
porque eu creio que essa obra quem faz é o Espírito Santo. Eu disse: Jesus, como é que
eu vou falar pra essa mulher. Me lembrei logo da palavra do irmão („diga só que Jesus é
bom’) . De repente o meu filho saiu, e minha nora, e eu fiquei só com ela e a filha dela.
E ela começou a passar mal, uma meia hora depois ela começou a passar mal... Ela tava
com uma sonda no nariz. E a filha dela ligando para o [outro] filho dela que vinha e
dizendo: „Ela só ta esperando você pra sedar. Ela chamou por você a noite todinha‟. E
ela começou passando mal, passando mal e a filha chamava, chamava na cigarra e o
67
médico não vinha. Aí a filha saiu pra chamar o médico. Saiu correndo pelo corredor e
eu fiquei com ela. Na hora o Senhor falou: „Segura na mão dela‟. E eu segurei. Não
tinha nem trocado de roupa ainda, não tinha botado a roupa do hospital. Segurei na mão
dela, aí vi o nome dela [na placa acima da cama]. [Então, eu disse:] „D. Maria José,
Jesus é bom. Me lembrei [das palavras do irmão] e comecei: „Jesus é bom, Jesus é bom,
chame por ele, chame por ele, D. Maria José, que ele está aqui. Vamos chamar por Ele,
porque Ele é bom‟. Aí comecei falando do amor de Deus: „Ele te ama, te ama‟. E de
repente ela olhou pra mim e começou a dizer: „Jesus, ela está dizendo que tu és bom. Tu
és bom, tu és bom. E a gente começou a glorificar o nome do Senhor. Eu comecei a orar
com ela, exaltando só o nome do Senhor. Quando a filha chegou com o médico ela já
estava calma. O médico examinou e foi embora.
aparece por completo. Nadja primeiro recebe do „irmão‟ o que deve ser dito no
momento oportuno: “Jesus é bom”. Armazenada “em seu espírito”, a palavra alcança
nossa)40. É o instante em que Nadja, como diria Coleman, passando a fé aos outros
(passing faith on others, p.131), segura as mãos de dona Maria José e movimenta o
“Jesus é bom”, antes recebido, na direção do mais novo recipiente deste interminável
Inserir-se nesta cadeia de circulação verbal não é uma opção disponibilizada aos
requisito compulsório para quem está inserido na cultura pentecostal. Todos são
40
The Word can be made to „live‟ as signs of language are externalised from the speaker and
turned into physical signs of the presence of sacred Power (COLEMAN, 2000, p.131)
68
impelidos a falar e não é raro ver nos cultos as admoestações para que as pessoas
deixem a timidez de lado. Há uma recomendação explícita para que todos se tornem
profetas uns para os outros. “Crescer na fé”, então, implica saber o que dizer, como
dizer e esperar as reações certas. Nos dois relatos que transcreverei abaixo podemos
Um dia desses eu estava no Detran. Tinha uma moça que vinha com uma bagagem, mas
muito triste o jeito dela. Muito triste. Deus falou ao meu coração: “Dê uma palavra pra
ela”. Eu disse: “Meu Deus, como é que eu vou falar com ela? Não conheço a moça”.
Uma moça muito bem vestida. Eu fui e falei assim: “Moça, Eu não te conheço, mas tira
essa preocupação que isso que tu vais fazer Deus vai te dar uma vitória”. Ela fez: “Que
bom! Eu precisava tanto ouvir isso aí”. Eu disse: “Você vai sair vitoriosa nisso que você
vai fazer”.
Depois, a irmã Nadja compartilha mais uma de suas experiências. Ela relata:
Foi logo quando eu me converti. “Senhor, tu me usa? Tu vai me usar? Como é? “Eu
ficava me perguntando, sabe? E naquele dia eu saí. Quando eu sentei lá atrás no ônibus e
o Senhor me dava uma palavra pra eu dizer ao motorista, que Deus o amava e que ele
prestasse atenção, mas eu não disse, eu não dei conta, fiquei na minha pensando que era
coisa de minha cabeça, uma nova convertida. Aí de repente um rapaz veio com a
bicicleta e bateu no ônibus. O rapaz foi quem bateu no ônibus... O rapaz morreu...
Naquilo eu fiquei muito inquieta, botei pra chorar dentro do ônibus: „Meu Deus, me
perdoe, porque quando tu me dizia que era pra eu dizer pra ele prestar atenção... tudinho,
né. Aí nesse momento o motorista desceu, e o motorista tava „afastado‟ (não era mais
evangélico). Quando eu desci, aí eu peguei e falei pra ele aquilo que Deus tava falando
ao meu coração. Pedi perdão logo a Deus e pedi perdão a ele... Aí Deus começou a me
revelar algumas coisas da vida dele, que Jesus [o] amava e que tinha uma cadeira (um
emprego no setor administrativo) esperando por ele naquele lugar. Foi quando Deus
começou a falar. Aí ele (o motorista) [disse]: - „Eu sou afastado do evangelho. Quando
eu saí de casa hoje a minha esposa disse que eu ia ter um encontro com o Senhor‟. E
naquele momento, ali naquela agonia, naquela situação, ele se voltou pra Jesus.
Eliete tinha dúvidas quanto à melhor forma de se dirigir àquela desconhecida, mas
mesmo hesitando, vai até a moça e entrega a mensagem a ela reservada. Após fazê-lo e
descobrir que o alvo de sua profecia estava prestes a fazer o vestibular, a entrevistada
diz ter sido tomada por uma sensação de dever cumprido: “Fica admirado a pessoa que
69
recebeu e fica admirado a gente que falou: - Meu Deus, era isso mesmo que tu queria
que eu falasse”. Já a irmã Nadja não poderia ter “ficado na dela”. Esta opção não está
disponível ao crente pentecostal. Seu dever é falar e alcançar os outros (reaching out)
com o carisma. Nadja imputa ao fato de ainda ser nova convertida na ocasião, o
motivo de não ter discernido imediatamente que deveria entregar uma mensagem de
Deus ao motorista. Ela ainda possuía várias dúvidas, como se vê nas perguntas que dão
início à sua fala, em relação a como Deus a “usaria”. O evangelista Luciano explica
que o crente não está pronto desde sempre e precisa empreender um esforço espiritual
Senhor, diz nosso Evangelista, ele não é liberto totalmente... A Bíblia Sagrada, ela vai
nos orientando através dos ensinamentos e dos estudos, ela vai nos orientando cada dia
mais a gente se libertar daquilo que não agrada a Deus”. Coleman se utiliza do termo
armazenado no self do crente, ou seja, quando se é apto para compreender o que vem
de Deus e o que, como disse Nadja, é “coisa de minha cabeça”, que se alcança o selo
de homem ou mulher “cheio do Espírito Santo”. Aqueles que não falam, precisam
70
out) o carisma até os outros, servem de indicadores do sucesso espiritual dos fiéis,
pentecostal.
que afirmo ser baseada na busca generalizada pelo carisma. A possibilidade que se
própria dinâmica da cultura na qual eles estão inseridos, e que dela são ícones ou
tal carreira possua um topo. Porém, “se todos aspiram à santidade, apenas alguns
71
podem tornar-se os chamados grandes homens (e, mais raramente, grandes mulheres)
de Deus (COLEMAN, 2009, p. 419, tradução nossa)41 e chegar ao cume desta carreira.
(2009): aqueles, para mim, que foram bem sucedidos nesta busca generalizada pelo
líder carismático se encontra numa posição privilegiada dentro, ou, melhor, na origem
crente comum “dá uma palavra” ou “profetiza sobre a vida” de outrem, pode ser
considera ser sua missão engajando-se em interações com pessoas que estejam ao
alcance de suas mãos, seja, conforme os depoimentos aqui relatados, com uma
celebridade, por sua vez, o faz diante de uma platéia e no momento considerado como
culto público. O “grande homem de Deus” também não se limita às paredes da igreja
todos com sua mensagem através do rádio e televisão. A este propósito, Coleman
72
eventos itinerários ou de ter sua mensagem transmitida nacional e internacionalmente
pela mídia, como pré-requisito indispensável para que o líder carismático se eleve
esclareceu-se para mim o papel do culto na cultura pentecostal. Durante sua mensagem
proferia na ocasião, o pastor Neto, líder daquela igreja, classificou o culto público
culto como lugar para ser “cheio com o Espírito” se multiplica em momentos de
corpo pelos crentes pentecostais nos ajuda a compreender que o empoderamento entre
A confissão positiva pode se estender além do reino da linguagem falada para forma de
auto-apresentação que demonstra o empoderamento da pessoa fisicamente e
espiritualmente saudável, que vai desde a dança, passando pelo levantar das mãos, e até
mesmo o tremor durante os cultos, empregando um comportamento entusiástico em
circunstâncias aparentemente cotidianas (COLEMAN, 2006, p. 171, tradução nossa).42
42
“Positive Confession” can be extended beyond the realm of spoken language into form of
self-presentation that demonstrate the empowerment of the physically and spiritually healthy
person, ranging from dancing, raising the hands, and even quaking during services to
employing an enthusiastic demeanor in ostensibly everyday circumstances (COLEMAN, 2006,
p. 171)
73
Tanto nos cultos por mim assistidos nas filiais da ADVEC quanto no Congresso43, a
palmas das mãos para cima e com os olhos cerrados, numa nítida posição de
consistia na imagem que se dava mais constantemente aos olhos do observador. Era o
estes momentos pode acarretar no que, no meu entendimento, acontece com Joel
olhar, como aconteceu comigo, principalmente para a estética dos louvores e cânticos,
grande porte, tanto nas igrejas-sede quanto nas congregações, e, principalmente, ouvir
Coleman admite que “a linguagem não pode simplesmente ser dissociada das formas
43
A partir daqui, referir-me-ei ao Congresso de Avivamento Despertai somente com o termo
Congresso
74
sensoriais...” (COLEMAN, 2006, p. 167, 168, tradução nossa)44. O conceito de
embodiment, por ele utilizado, porém, mostra a Palavra como sendo “recebida”,
“ingerida” pelo corpo para ser colocada na já explicitada cadeia de circulação verbal.
Se o momento dos louvores, da música, pode nos induzir a uma ênfase exagerada na
dimensão corporal e sensorial, é preciso entender que os fiéis dançam certas músicas
que dizem certas coisas, ou melhor, as coisas certas, no sentido de que, as músicas, as
Bíblia. Além disso, o momento dos louvores ainda é visto como uma preparação para o
Eliete:
Deve-se, então, entender a pregação como o instante do culto para o qual convergem
todos os outros momentos, e o líder carismático como o ponto específico para o qual
convergem todos os olhares. Porque é aí, como diz Nadja, que “Deus usa o pregador
naquele momento pra falar, pra transmitir algo pra igreja, pra mim, né?”
ladeado por dois enormes telões, está montado na maior casa de shows da cidade.
44
“… the deployment of language cannot be divorced from sensual forms…” (COLEMAN,
2006, p. 167, 168)
75
Antes de tomar um assento, recolho o impecável material reservado aos congressistas
para o Congresso. Cada um deles tinha um stand específico para apresentar seus
enorme mapa-mundi estava marcado com pontos representando os países para os quais
expectativa do pastor começar sua mensagem. Procuro um lugar pra sentar ainda
“Olha ele ali!”, disse uma senhora sentada ao meu lado ao seu marido enquanto
apontava em direção a Silas Malafaia, que até então não havia aparecido. Outros
palmas antes que ele diga qualquer coisa. Eliete, nossa entrevistada, diz que isso se dá
porque
há pregadores e pregadores. Há pregadores que são tão usados por Deus que quando ele
chega, a igreja começa a dar „glória a Deus‟ logo. Glória a Deus! Quando vê o pastor
entrar, porque sabe que ele é usado por Deus. É porque todas as vezes que ele vem
pregar ele faz de uma maneira tão linda de pregar que ele atinge as pessoas.
A expectativa para que isto aconteça, ver o pastor ser “usado por Deus”, parece tão
densa que pode ser percebida na atmosfera do lugar. Antes de começar sua mensagem,
76
Malafaia apresenta alguns dos produtos que estarão sendo comercializados naqueles
dias: livros, Bíblias e Dvds. Avisa que as mensagens ali pregadas serão
disponibilizadas nos stands para venda, logo após suas realizações. Olha para quem
positivo e diz:
Eu quero trazer uma palavra pra você e a minha oração é que eu seja apenas instrumento
da vontade de Deus para a sua vida. Eu quero dizer pra você uma coisa que seja
profética para sua vida: Deus quer usar você para coisas grandiosas (gritos da platéia de
Glória a Deus e Aleluia)...
Anuncia o texto bíblico que servirá como base para toda sua prédica e continua:
... Então, Ezequiel 37, versículo um: (lendo) “Veio sobre mim a mão do Senhor e o
Senhor me levou em espírito e me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos”.
Há duas coisas aqui que eu quero considerar deste primeiro versículo: É que Deus
sempre vai nos levar ao lugar que ele quer nos usar. Então aprenda o seguinte: É Deus
que tá dirigindo a tua vida? Sim ou não? (platéia responde, sim). Se for Deus que está
dirigindo a tua vida, não fique preocupado com o aparente e com as circunstâncias. Deus
sempre vai te levar a um lugar, e te prepare, nesse lugar você vai ser usado para a glória
dEle (gritos da platéia de Glória a Deus e Aleluia)...
apresenta aqui como o maior deles e não se exime em elevar sua fala ao nível das
“coisas grandiosas”. Ao dizer com veemência que Deus usará o ouvinte “para a Glória
se entender melhor, ao presenciar este momento, o que Coleman afirma ser o instante
em que a “linguagem, ecoando da Bíblia, mas sendo também anunciada sob inspiração
45
“a language echoing that of the Bible, yet also enunciated under divine inspiration – emerges
from the body of the preacher but is also assimilated to the body of the listener…”
(COLEMAN, 2009, p. 430)
77
tão já discutido até aqui ciclo permanente de “ingestão”, e da subseqüente
externalização, da Palavra até o outro. É ele quem ativa, primeiramente e com mais
pentecostais.
É interessante apontar, também, que o fiel não ouve a Palavra que emerge do
“receber” a Palavra, ele também consiste em, ou melhor, exige, uma participação ativa.
Essa participação vai além do ato de call and response, termo que designa o momento
O culto é individual. Você pode estar numa reunião e ali ser cheio do Espírito Santo
somente você. E por que somente você? ... Tanto pode você receber uma descarga do alto e
ser cheio do Espírito Santo, como pode dois, três ou até mais. Vai depender se realmente
aquela pessoa vai para cultuar, buscar realmente a presença de Deus, entendeu? ... Depende
muito de quantos na reunião estão realmente buscando a presença de Deus.
interação compreendida como sendo singular, ainda que este último esteja no meio de
46
a specifically charismatic construction of the sense of flow between saint and ordinary
believer… (COLEMAN, 2009, p. 430)
78
momento onde a “linguagem transcende os limites entre as pessoas na medida em que
ainda que, como vimos, numa menor escala, apre(e)ndendo-as com seu pastor. Para os
crentes, a relação com o pregador consiste num fluxo que combina a ingestão corporal
da linguagem que advém do pastor com uma relação de mímesis do carisma que ele
performa. Assim, podemos dizer que o líder carismático, além de emblema ou ícone da
interação ritual na qual o carisma vem à tona e é assimilado pelos fiéis, dando início à
exemplo de que “Deus sempre vai nos levar para o lugar que Ele quer nos usar”. Ele
diz:
... É assim que Deus fez com Abraão, meu amigo [ouvinte]... Sabe o que me impressiona na
chamada de Abraão?... Você sabe quando eu leio a chamada de Abraão, eu fico
impressionado quando Deus diz pra Abraão lá em Gênesis 12, vocês já conhecem o texto,
(recitando) “sai da tua casa, da tua parentela, vai para uma terra que eu te mostrarei, eu vou
fazer de você uma grande nação, vou abençoar os que te abençoarem, vou amaldiçoar os
que te amaldiçoarem e tu serás uma benção”...
Logo após apresentar a história de Abraão, Malafaia se insere na prática que Coleman
47
“… Language as transcending ... the boundaries between persons, as it moves - is
redistributed – from preacher to believer.” (COLEMAN, 2009, p. 431)
79
esclarecer o texto bíblico aos seus ouvintes. Ele justapõe sua própria história de vida à
sagradas:
... Imagina se Deus chegasse hoje pra mim e dissesse: - Silas, sai do Rio de Janeiro para
uma terra que eu te mostrarei. Eu diria: perfeitamente Senhor, pode me dizer o lugar que
eu to saindo. Deus dissesse: - Não, eu só mandei você sair. Você já parou pra notar o
que é que Deus fez com Abraão? Deus não disse o local. Não disse que era pro Norte,
que era pro Sul, que era pro Leste, Oeste. Se fosse eu, talvez dissesse: - Senhor, eu vou
sair por onde? Por exemplo, quem está no Rio de Janeiro: - Senhor, se eu for pro Norte
eu vou sair pro Espírito Santo, se eu for pro Sul, eu vou sair para São Paulo, se eu for
pra Oeste eu vou sair pra Minas Gerais, pra Leste eu vou ter que pegar um barco, porque
é mar. Mas, me diz aí. Deus dissesse: - Sai! (com ênfase) Sai por onde você quiser sair.
Deixa que eu vou te levar ao lugar certo (gritos). E Abraão, diz a bíblia, que saiu para
uma terra sem saber para onde ia, tá em Hebreus 11:8. Impressionante porque Deus
sempre vai nos levar ao lugar que ele quer nos usar...
Em outro trabalho, Coleman (2009) diz que o domínio deste modo de se justapor à
narrativa bíblica, ao mesmo tempo em que a esclarece, trazendo-a para mais perto do
speaker).
Para elevar-se acima de seus pares, porém, este tipo de justaposição entre sua
sua identidade na performance de seu carisma ao mesmo tempo em que instaura sua
autoridade acima dos crentes e pastores comuns. A questão posta como problemática é
que esta forma de indexicar sua própria autoridade realiza-se numa cultura onde é
do Espírito Santo”. Deve-se ficar claro, pelo menos no que diz respeito às declarações
públicas, que “o poder vem sempre de Deus”. Podemos verificar isto nos depoimentos
dos fieis entrevistados neste trabalho. Perguntados sobre quem seria o modelo para
suas respectivas vocações, todos foram unânimes em dizer que só Jesus Cristo pode ser
80
considerado um modelo a ser seguido. Percebe-se, então, que o limite entre instaurar
sua autoridade e ser visto como alguém que está se vangloriando é tênue para o líder
construírem um sentido para o mundo. Engelke salienta, porém, que “a clareza não é
sobretudo nos momentos em que tal ambigüidade é central para o desenrolar dos
eventos. Csordas (1997) e Coleman (2009) trazem sua contribuição ao debate para
algumas ações. O aplauso no momento de ovação aos líderes, por exemplo, segundo
conquistas e, ao mesmo tempo, um louvor a Deus, por “usar seu filho querido
deliberadamente pelos pentecostais. Por sua vez, Coleman afirma, ao analisar uma
48
“clarity is not always the end goal of religious practice” (ENGELKE, 2006, p. 64)
81
mensagem de Morris Cerullo, pastor americano precursor dos pastores midiáticos, que
o fiel é convidado a preencher esta lacuna a que Csordas se refere, e responder, para
Atuar no gap semiótico lançando aos fiéis perguntas não-ditas é o que faz Malafaia
campo, assim que me apercebi desta prática, do “jogo de ser ou não ser”. Ao mesmo
tempo em que diz querer “apenas ser instrumento de Deus” ele afirma ser profeta de
“coisas grandiosas” para seus ouvintes. Esta dinâmica perpassa toda sua prédica. Os
momentos em que Malafaia afirma mais fortemente sua posição de profeta se alternam
hora analisamos podemos perceber este “caminhar sobre a ambigüidade” com maior
intensidade.
Malafaia volta ao texto base de sua prédica (Ezequiel, capítulo 37) baseando-se
diretrizes para que os crentes possam mover-se do “vale” em direção ao lugar em que
49
“the exact provenance of the truth and revelation to wich Cerullo refers”: “Do they come
from him or from God?” (COLEMAN, 2009, p. 429)
82
Então, grave isso aqui: Primeiro: Não murmure. Não murmura, não. Deus sabe o que é
que ele tá fazendo. Não murmura, não. Segundo lugar: Não seja precipitado para querer
sair da rota que Deus quer te levar. Terceiro: Não fica desanimado com o que você tá
vivendo e vendo agora. Não desanima, não. Com o que você tá vivendo e com o que
você tá vendo. Agora, em quarto lugar: Te prepare, porque o lugar que Deus te levar
(aumentando o tom de voz) é lugar de VI – TÓ – RIA! (gritos)...
Depois, diz:
...Agora deixa eu falar uma coisa aqui, rapaz, que eu tô com vontade de falar porque
aqui tem um monte de pastor. E aqui também tem muita gente nova. Deus levou
Ezequiel pra onde, hein? (a platéia responde, ‘para um vale de ossos secos’). Pra um
vale o que? (a platéia responde, ‘de ossos secos’). (Malafaia corrige:) Sequíssimos.
Você pensa que você vai começar na montanha, meu filho? Tem um vale de ossos
sequíssimos te esperando. As pessoas pensam que vão começar por cima... sabe...
Entrou no ônibus agora e quer sentar no primeiro banco e na janela. An? Você entrou no
ônibus agora? Vai ficar pendurado lá na porta quase caindo. É o lugarzinho que tem pra
você, meu filho. O camarada chega agora... (dramatizando:) “Não, porque eu vou... eu
vou ter uma igreja de tanto. (dá uma gargalhada em tom de chacota:) Deixa eu rir de
você. Meu filho, primeiro tem um vale antes de Deus te colocar no topo da montanha.
Você vai ter que passar pelo vale. (aumentando o tom de voz) Não reclame, não. Deus
está te preparando no vale pra te levar aos lugares altos desta vida ou do ministério
(gritos de ‘Glória’ e ‘Aleluia’). Eu não conheço a história de um grande empresário, de
um grande homem da história que começou por cima. Se você conhecer um me conta.
Eu não conheço uma história, quer na vida material, quer na vida espiritual, alguém que
chegou na montanha, alguém que chegou no topo e começou no topo. Pode pegar a
história de qualquer um, seja no mundo espiritual ou no mundo secular (aumentando o
tom de voz:) pra chegar no topo passa pelo vale (gritos de ‘Glória’ e ‘Aleluia’)
Aqui, Silas Malafaia profetiza “do alto da montanha e deixa claro que antes de alguém
chegar ao lugar onde se vai ser “usado poderosamente”, antes de se estabelecer, como
ele, “no topo da montanha” é necessário, primeiro, “passar pelo vale de ossos secos” ,
diretrizes para que se possa deixar o “vale” e chegar ao topo, ele já trilhou este
caminho. Assim sendo, ele apresenta o tempo em que ainda estava no “vale”.:
Sabe como é que eu comecei na igreja? Batendo bumbo. Comecei batendo bumbo. E
meu sogro gostava de fazer todo domingo um desfile... Meu sogro gostava de fazer um
desfile da praça da penha à praça são Lucas... Um quilometro, um quilometro e meio,
sabe. A banda na frente, a igreja atrás e ele na frente da banda com a Bíblia. Três horas
da tarde de domingo. Era uma coisa linda. E pra azar meu, quando não tinha hino, quem
batia a marcha era o bumbo. E quem era o besta que tava lá? (imitando o som do bumbo
e gesticulando como se estivesse tocando:) Bum, bum, bum. Não tinha música
nenhuma, mas o bumbo funcionava (risos). Cansei de bater bumbo, rapaz. Você tá
pensando que eu comecei o que, por cima? Cansei de pregar de madrugada na zona sul
83
do rio de janeiro com meus colegas da igreja. Cansei de pregar dentro de ônibus,
distribuindo folheto dentro de ônibus, meu irmão. Cansei de fazer isso... Mas rapaz, a
gente começa em baixo. Ninguém começa pregando pra televisão, não. Ei, (aumentando
consideravelmente o tom de voz) tem um vale de ossos secos pra você se preparar. Mas
eu sou profeta de Deus. (gritando) Deus também tem uma montanha pra você subir e
conquistar (gritos)...
A carreira espiritual que o crente deve trilhar, e a hierarquia carismática que dela
advém, se esclarecem neste trecho. Se um dia ele se limitava a bater bumbo à frente do
séquito comandado pelo seu falecido sogro, o líder anterior da ADVEC, Malafaia
agora prega do alto de um palco, sua “montanha”, numa casa de shows lotada com
transmissão para dezenas de países. E é do alto de sua montanha que ele reúne
autoridade para profetizar aos seus ouvintes, afirmando a possibilidade de Deus fazer
com que eles alcancem, também, o sucesso na busca generalizada pelo carisma.
Malafaia continua
... O versículo 4 tem uma coisa interessante: (lendo) “Então lhe disse: Profetiza sobre
estes ossos e dize-lhes, Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor”. Meu irmão, olha que
coisa interessante: Quem é que tava com o profeta no vale? Quem? (a platéia responde,
Deus) E Deus manda o profeta? Aqui tem um princípio: Deus realiza a sua obra aqui na
terra através dos seus servos... Deus realiza aqui na terra os seus intentos através de
você, (e apontando aleatoriamente para pessoas da platéia) de você, de você, é de você.
Dá pra vocês dizerem pra dois três aí, olha: “É através de você. Através de você”
(gritos). É você o instrumento. Tem gente muito enganada... Você é o instrumento de
Deus, rapaz. É você. Não é outro, não.
passa pela sua habilidade em motivar seus ouvintes a serem profetas onde estiverem.
carismática. É isto o que faz Silas Malafaia acima: Exorta os fiéis a cumprirem seus
84
convicção que cada um deve ter, e buscar, de estar exatamente no lugar em que Deus o
colocou:
Aí eu aprendo um princípio que tá aqui nesse texto e que eu quero que você aguce o seu
ouvido: Se você está no lugar que Deus quer que você esteja. Se você está exatamente
no centro da vontade de Deus... agora vem uma palavra pra você... Se você está
exatamente no centro da vontade de Deus e se você está no lugar que Deus quer que
você esteja, seja esse lugar geográfico ou posicional, ou as duas coisas, (aos gritos),
neste lugar você tem autoridade profética ( gritos da platéia). É aqui o engano de muita
gente, meus amigos. Você quer profetizar numa área e num local e numa posição que
você não tem... [mas] Ei, psiu! Você não está no lugar que Deus quer que você esteja
pra fazer isso. Você não tem autoridade profética. O que eu vejo de gente quebrar a cara
nesse negócio. Você não tem autoridade profética. Você tá fora do lugar. Esse homem
aqui estava no lugar que Deus queria que ele estivesse (referindo-se a Ezequiel [?]). E
Deus disse [para Ezequiel]: “Você tem autoridade profética. Você tem legalidade
espiritual. O que é uma coisa muito importante, porque se você estiver fora do local que
Deus quer te usar, você não tem legalidade espiritual pra ser profeta neste local.
disposição fiel, mas ele precisa ter sua vida dirigida por Deus. Porém, não se diz quais
os sinais para ter essa certeza. A dúvida permanece na cabeça dos ouvintes. Esta
coisa que se tem certeza é que o emissor desta mensagem, por estar onde está, se
Logo em seguida o “jogo do ser ou não ser” é, mais uma vez, realizado. Primeiro
Agora olha o que é que diz o versiculo 5: (lendo) “Assim diz o Senhor Jeová a estes
ossos: „Eis que farei entrar em vós o Espírito e vivereis‟. Versículo 6: „E farei nervos
sobre vós e farei crescer carne sobre vós. E sobre vós estenderei pele e porei em vós o
Espírito e vivereis. E sabereis que Eu sou o Senhor‟”. Ezequiel quer operar tudo aquilo
através de quem? (platéia responde) – de Deus. - Não esquece isso não, meu filho.
Porque enquanto é osso sequíssimo não dá pra ficar metido a besta, mas quando é um
grande exército, (dá uma risada) Ai meu Deus... Ei, ei, o tempo todo, o que vai ser feito,
é o Senhor que vai fazer através de você. Não fica metido a besta não que papai do céu
puxa o tapete... É a mão de Deus, é o favor de Deus, é o agir de Deus, (aumentando o
tom de voz) é a misericórdia de Deus, é a bondade de Deus, o que somos, o que temos, o
85
que fazemos. É Deus, é Deus. (num tom de voz ainda mais alto). A Ele a glória, a Ele a
honra, a Ele o louvor para sempre (gritos da platéia). Não se esquece não, hein (a
platéia irrompe em palmas)
Para depois construir sua posição de autoridade em comparação a outro pastor, que não
tem o nome revelado, mas que, para Malafaia, não tem o conhecimento suficiente da
Palavra e precisa, por isso, recorrer ao que ele define como manipulação:
Aí tem que fazer o fogo cair, aí meu irmão, aí começa uma coisa, que é uma das mais
horrorosas no nosso meio, chamada espírito de manipulação. Porque se alguém prega e
o fogo cai, não tem nenhum problema, eu sou pentecostal, eu gosto de ver o fogo de
Deus descer, eu gosto, mas não suporto ver forçação de barra, não suporto ver
manipulação,... Aí o cara vem e faz uma arruaça... Tem um amigo meu, que não vou
citar o nome por questão de ética... uma vez eu estava ouvindo ele pregar e... eu sabia
que ele tava pregando numa igreja e o culta tava sendo transmitido... e depois ele ia falar
comigo que ele ia comprar materiais na minha editora, e ele falou pra mim: - olha,
depois do culto eu te ligo pra gente marcar um encontro. E aí eu falei: ok. Aí eu tô
vendo o cara pregar. A pregação dele era assim... eu conheço onde ele foi pregar, tava
lotado, hiper-lotado, um grande congresso jovem, lotado de crente... E aí ele começou...
E eu estou ouvindo o cara... Meu irmão, não dava pra espremer, Jabes (Jabes de Alencar
é um dos pastores presentes no congresso) e sair duas frases [que prestassem] da
mensagem [dele]. Eu falei: - Jesus, faça com que ele não ligue pra mim, vai (risos da
platéia). Não deixa ele ligar pra mim hoje no final desse culto, porque não vai prestar.
Mas não deu outra, Jeová queria que ele ligasse (risos da platéia). Aí, quando foi lá pras
onze da noite [ele ligou]: - Malafaia, amanhã a gente vai se encontrar? Eu falei: Vamos.
E eu acabei de ver a palhaçada que tu fez aí na igreja (risos da platéia). Talvez se você
pedisse uma vaga pro Silvio Santos, ou na globo, ou na rede TV, ou na bandeirantes, sei
lá onde, te arrumavam. Rapaz não faz isso, não. Você é um camarada que tem tantas
mensagens, não faz isso não, rapaz. Toma vergonha. Isso é manipulação, rapaz. Não
faça isso. Pregue uma mensagem pro povo que vai edificar, que vai dar alguma coisa.
pastor. Justapor-se às narrativas bíblicas e performar seu carisma enquanto constrói sua
86
de seus ouvintes, que por sua vez, exercem neste momento derradeiro do ritual sua
postura mais ativa, ao mesmo tempo em que se percebe mais claramente a ingestão por
De pé, todos. (A platéia e levanta). Eu quero terminar sendo um profeta de Deus pra sua
vida... Eu queria ser profeta pra você. Se você quer receber uma palavra profética, você
que está me acompanhando pela TV e você que está aqui, eu gostaria que você
colocasse as suas mãos assim como eu estou fazendo (estende as mãos para o alto com
as palmas para cima)... Eu quero ser profeta de Deus pra você. Quando eu disser
“amém” eu gostaria que você, se você quiser e se você crê... Você fechasse as suas mãos
e fizesse uma declaração: “eu recebo”, “é pra mim”, “vai acontecer no nome de Jesus”.
Qualquer palavra que você quiser dar, e depois eu te dou um minuto só pra você
agradecer e adorar a Deus. Você está com as mãos pra frente? Então eu quero ser
profeta pra você, não importa quem você é, se você é membro, se você é obreiro, se
você é pastor, se é pobre, se é rico, se é empregado, ou se é patrão. Eu quero ser profeta
de Deus pra você. Então eu quero liberar uma palavra pra você que está aqui e [para
você] que está me assistindo. Grave! É uma pequena retrospectiva, mas é uma palavra
profética pra você. Grave: se você estiver no lugar que Deus quer que você esteja, se
você obedecer exatamente aquilo que Deus quer que você faça, você se prepare! Porque
Deus, através de você, vai fazer (aumentando o tom de voz) uma obra grandiosa que não
vai poder se contar. Receba essa palavra em nome de Jesus, Amém (gritos da platéia).
Dirigindo-se à saída nenhum deles parava de cantar: “Eu sei que a minha voz será a
voz de Deus, quando eu obedecer a sua voz”. Todos Santos. Mas uns mais que os
outros.
87
Conclusões
eleva acima de seus pares, o leitor já deve ter percebido que não hesitei em ir
depois, caminhos que pretendo seguir no objetivo de dar continuidade a este trabalho
que, por hora, pretende trazer uma pequena contribuição ao debate sobre o
para compreendermos que o carisma, mais do que acumulado (no sentido de capital
consolidar. Csordas e Durkheim (este é ignorado pelo primeiro, embora seja um autor
88
sendo o líder carismático, por sua vez, o emblema50 deste aparato simbólico contido
Seguindo o caminho aberto por Campos51 (2011), que em seus trabalhos mostra a
como através dos trabalhos de Coleman (2000, 2006, 2009), chego ao entendimento de
Nossos entrevistados, exceto Jurandir, o único não-pentecostal (o que para mim foi
para a consecução destes, buscar conhecimento e poder, ou seja, como vimos, carisma.
uma cadeia de circulação verbal onde cada crente, tendo internalizado em seu self o
carisma, procede com a sua externalização estendendo-o (reaching out) até o outro,
recebido por Nadja de um irmão na noite anterior ao ser internada no hospital, para
depois repassá-lo à sua companheira de quarto, serve como modelo para iluminar
como funcionaria esta cadeia. A busca pelo carisma não é uma opção ofertada ao
crente. Sua adesão a esta corrida pelo carisma é compulsória. De novo Nadja, que se
sentiu culpada por não externalizar a palavra que deveria ser dada ao motorista a fim
de evitar o acidente que estava por acontecer, pode nos ajudar a compreender o que
hora afirmo. A comunidade vê neste processo de circulação verbal, como diz Coleman
50
Este insight, de entender o líder carismático como emblema da cultura pentecostal foi
sugerido pela Prof(a). Roberta Campos numa reunião de pesquisa do seu projeto “Textualidade
e Oralidade da Bíblia”. Esta idéia tem sido mote das reuniões destinadas à revisão bibliográfica
no projeto.
51
Este trabalho só foi possível ser realizado não só devido aos seus artigos, mas ao projeto
coordenado pela Prof (a). Roberta Campos, financiado pelo CNPQ, “Textualidade e Oralidade
da Bíblia”, do qual sou voluntário.
89
(2006) acrescentando nesta cadeia a circulação do dinheiro em forma de dízimos e
como na leitura das cartas onde são apresentadas as “vitórias” nos cultos das quartas-
dá a estes momentos, geram o anseio nos membros de vivenciarem, eles também, suas
reconheça como pentecostal. Compartilhá-las é essencial para que, como tal, seja
reconhecido.
crente. A prática da confissão positiva eleva o que diz o falante inspirado ao mesmo
a oralidade e a Bíblia como texto escrito (a oralidade da Bíblia), haja vista que a fala
diante de uma exegese bíblica diferente, que coloca a dramatização oral no mesmo
patamar do texto escrito, pois dele se origina, já que precisa tê-lo incorporado
90
dramatiza o texto, usando-o como um script a ser seguido para que o mesmo resultado
seja obtido.
A busca generalizada pelo carisma tem os seus vencedores. Aqueles que atingiram
Como resultado desta cultura da corrida pelo carisma assentada na oralidade da Bíblia.
Os líderes carismáticos são tanto emblemas, quanto pedagogos desta cultura. Eles
Ele está acima, e na origem, da cadeia de circulação verbal, na medida em que oferece
momento principal do culto, para o qual todos os outros servem apenas de preparação.
E, também o faz em outro patamar, sendo o ponto para o qual convergem todos os
olhares não mais nas ruas ou nos hospitais, mas nos cultos públicos, em eventos
itinerantes que arrastam multidões, ou nos programas transmitidos pela mídia, assim
como Silas Malafaia no Congresso. O fiel recebe, para ele literalmente, (como vimos
fluxo é quase “perceptível” nos gestos, olhares e respostas, no estilo call and response,
de cada fiel, como relatei no capítulo anterior. Ao mesmo tempo, o ouvinte em busca
de carisma o mimetiza neste ritual pedagógico levado adiante pelo seu líder,
outro (reaching out), nos momentos semelhantes aos apresentados por mim
anteriormente.
Esta relação entre pastor e fiel, que envolve um fluxo de recepção e mímesis
91
deixada bem clara por Campos em seus trabalhos (2005, 2011). Seguindo os passos
desta autora, não estou negando a faceta da dominação carismática. No entanto, dirigi
minha preocupação, a todo o tempo, para entender como o profeta instaura sua
autoridade diante de seus pares. Deste entendimento se abre uma nova perspectiva à
carisma, são dominados pelos líderes carismáticos, que o monopolizam, como diria
configura como uma condição para que se entendam como pentecostais. Nadja, Eliete,
descritas no capítulo anterior, onde performaram seus próprios carismas. Além disso,
por sua vez, para ser bem sucedido, não pode reter carisma, pelo contrário, precisa
de suas instituições, sobretudo no que diz respeito ao alcance por elas obtido através da
mídia. A análise das interações rituais entre o pastor e os féis ilumina a esfera
92
Trazer o entendimento mais amplo do que chamei de economia do carisma não nos
impede, no entanto, de perceber que estes profetas são inseridos numa cultura onde
todos são “vencedores”, mas onde uns vencem mais que os outros. Esta estratificação
uma conexão direta com o Espírito Santo. Para se pregar “do alto da montanha”, como
fez Silas Malafaia, é indispensável ficar claro que as estrelas pentecostais, como tal,
não possuem luz própria. Ela vem Deus. A performance do carisma do líder, executada
ao mesmo tempo em que ele constrói sua autoridade, deve, portanto, se assentar na
Ezequiel e Abraão. Toda sua performance, como nos mostra Coleman (2009) , baseia-
conforme dito por Csordas (1997), agir sobre um gap semiótico, no ritmo que
denominei fazer parte de um “jogo de ser ou não ser”. Este “jogo” fica claro no
bumbo” até a conquista “do alto da montanha”, sem esquecer, no entanto, de dar a
aceitável pela cultura pentecostal. Entender dessa maneira os motivos pelos quais
constitutiva desta.
culto repleto de sons, símbolos e imagens que contribuem com a recepção da palavra,
atinge-se a mesma eficácia ritual? Pode-se dizer que há uma efervescência coletiva
94
Referências Bibliográficas
95
Berkeley, Los Angeles, University of California Press.
GROSSI, Miriam Pillar (1992). “Na busca do „outro‟ encontra-se a „si mesmo‟” In:
______ (org.). Trabalho de Campo & Subjetividade. Florianópolis: UFSC – Programa
de Pós-graduação em Antropologia Social.
96
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (1995). O Lugar (e em lugar) do Método. Série
Antropologia, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília. Brasília.
Disponível em: <http://vsites.unb.br/ics/dan/Serie190empdf.pdf >. Acesso em: 15 jan.
2011.
ORO, Ari Pedro (2010). “Reciben lo que Veniran a Buscar: Nação e poder num
encontro evangélico internacional, em Buenos Aires”. Religião e Sociedade, Rio de
Janeiro, 30 (1): 32-52.
ROBBINS, Joel (2009). “Pentecostal networks and the spirit of globalization: on the
social productivity of ritual forms”. Social Analysis, 53 (1): 55-66.
97
TURNER, Victor (1974). O Processo Ritual: Estrutura e Antiestrutura. Petrópolis,
Editora Vozes.
98