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FABAPAR
F A C U L D A D E S B A T I S TA D O P A R A N Á
Júlio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero
Pastoral e Sociedade
1a ed.
Curitiba
2021
© Os direitos de autoria e patrimônio são reservados ao(s) autor(es) da obra e às Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR). É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta
obra sem autorização da FABAPAR.
Atenção:
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Sumário
Apresentação do professor............................................................6
Prefácio............................................................................................7
1. Uma Visão Bíblica da Vida Social..............................................10
Introdução.......................................................................................................................... 10
1.3 Fraternidade............................................................................................................... 22
Síntese do capítulo.........................................................................28
Referências .....................................................................................29
2. Uma Visão Teórica da Vida Social.............................................31
Introdução.......................................................................................................................... 31
2.2 Família.......................................................................................................................... 43
2.3 Economia.................................................................................................................... 46
2.4 Estado.......................................................................................................................... 52
2.5 Cultura.......................................................................................................................... 54
Síntese do capítulo.........................................................................59
Referências .....................................................................................61
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Apresentação do professor
Júlio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero é bacharel em Teologia
pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Mestre e doutor em
Teologia pelas Faculdades EST. Pastor jubilado da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil. Professor e coordenador de pós-graduação na
Faculdade Teológica de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente
do Brasil (Fatipi) e coordenador do Mestrado em Teologia da Faculdade
Teológica Sul-Americana. Autor de vários livros e artigos, começou
sua carreira teológica em 1980 atuando como professor, palestrante e
participante de movimentos sociais eclesiais e laicos. É casado e tem
cinco filhos e dois netos. Sua esposa, Glauci, é artista plástica.
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Prefácio
Embora aparentemente simples, o tema Pastoral e Sociedade é
desafiador. Parece simples porque todos nós vivemos em uma sociedade
e sabemos como nos comportar como membros dessa sociedade.
Aprendemos, no dia a dia, como usar meios de transporte, como procurar
emprego, como usar equipamentos elétricos e eletrônicos, como nos
relacionar com outras pessoas etc. Como igreja local, estamos situados
em um lugar social. Somos igreja em uma sociedade. Para nós, no dia
a dia, a sociedade não é o gigantesco mundo em que vivemos, mas é o
bairro, a vila, o local de trabalho etc.
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levar em conta a interação com o clamor das pessoas que sofrem. Teologia
não é mera ciência. É parte integrante da espiritualidade e do ministério.
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1. Uma Visão Bíblica
da Vida Social
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Introdução
A Bíblia é reconhecida por nós, cristãs e cristãos, como a Palavra
escrita de Deus para guiar nossas vidas. Por isso, ao pensarmos a ação
pastoral na sociedade, nosso ponto de partida terá de ser a Escritura,
onde encontramos testemunhos, exemplos, princípios e conteúdos que
nos ajudarão a viver e praticar nosso ministério com fidelidade a Deus e
de modo relevante para nossa sociedade.
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• o Deuteronômio não deve ser entendido como uma lei, mas como
um discurso teológico que serve de base para a elaboração das
normas da vida em sociedade;
• não sendo lei, no sentido do Direito Positivo da atualidade,
o Deuteronômio deve ser interpretado como uma resposta
teológica aos conflitos sociais, políticos e culturais de seu tempo;
• o Deuteronômio deve ser lido como um programa de
restauração da aliança como fidelidade: “o Deuteronômio é,
como Alt o reconheceu, um programa para o futuro, o programa
de um movimento de restauração que, através de pregação e
exortação, propõe uma tradição revitalizada na esperança de
persuadir os israelitas fiéis a se separarem daqueles israelitas
infiéis que ameaçavam a sociedade com a desintegração
interna” (MARTÍNEZ, 1994, p. 177).
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o seu fim. Pede-se, porém, que aquele que possui terras e prospera
seja solidário ao seu irmão que não conseguiu sucesso e, assim, não
pode sustentar sua família. No mundo atual, separamos a economia
das relações pessoais. Temos até um ditado que diz “amigos, amigos;
negócios à parte”. Para o antigo Israel não era assim.
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sido destruída pelos assírios no VIII século a.C.) e de Judá após o fim do
reino de Judá (tomado pelos babilônios no VI século a.C.) – vigiei (juízo)
e vigiarei (restauração). Na segunda seção, o Senhor anuncia uma nova
mentalidade sobre o pecado e a culpa – cada um morrerá pela sua própria
iniquidade – rompendo com a forma tradicional de incluir os filhos e netos
na culpa dos pais/avós (quando um fazendeiro ficava endividado, por
exemplo, suas filhas e seus filhos poderiam ser escravizados para abater
a dívida), mentalidade que permitia, na prática, isentar os pais poderosos
de castigo (note, por exemplo, que é o filho de Davi com Bateseba que
morre, ao invés do pecador Davi, e isso é atribuído pelo escritor ao juízo de
Deus). Na terceira seção, temos um dos textos mais famosos do Antigo
Testamento para os cristãos: o anúncio da nova aliança. Vejamos, então,
o texto e sua teologia.
29 Nesses dias não mais se dirá: Os pais comeram uvas verdes,
e os dentes dos filhos se embotaram. 30 Cada pessoa, porém,
será morta como consequência de seu próprio delito. Cada
pessoa que comer uvas verdes terá seus dentes embotados. 31
Aproximam-se dias – oráculo de YHWH – em que firmarei com
a casa de Israel e com a casa de Judá uma nova aliança. 32
Não será como a aliança que fiz com seus pais, no dia em que
os tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito. Eles traíram
minha aliança enquanto eu ainda era esposo entre eles; oráculo
de YHWH. 33 Esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel
depois desses dias – oráculo de YHWH – gravarei a minha
instrução em suas entranhas e no seu coração as escreverei;
então eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 34 Não
ensinará mais cada um ao seu vizinho, nem cada um ao seu
irmão, exortando: Conhece a YHWH. Cada pessoa me conhecerá,
da mais insignificante até a mais poderosa – oráculo de YHWH.
Perdoarei o seu delito e de seu pecado não mais me lembrarei.
(Jr 31,29-34)
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1.3 Fraternidade
Vamos, agora, fazer uma incursão do Antigo ao Novo Testamento.
Jesus interpretou a Torá (ensino ou, como se traduz comumente, lei) com
base na noção de fraternidade, explicada por ele por meio do mandamento
do amor ao próximo. Esse mandamento é encontrado em Mt 22,39, Mc
12,33, Lc 10,27 e usado também por Paulo em Rm 13,9-10 e Gl 5,14. Sua
origem está em Lv 19,18: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os
filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou
YHWH”. Nos Sinóticos, o contexto literário é o das disputas de Jesus
contra saduceus e fariseus. Após encerrar uma disputa com os saduceus
a respeito da ressurreição, Jesus é questionado por um escriba fariseu
a respeito do “maior mandamento” – ou seja, o fariseu queria saber se
Jesus era um bom intérprete da Torá. A resposta de Jesus foi direta ao
ponto e não deixou ao fariseu alternativa para replicar:
Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os
saduceus, reuniram-se em conselho. E um deles, intérprete da
Lei, experimentando-o, lhe perguntou: Mestre, qual é o grande
mandamento na Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor,
teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o
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o mundo, torna-se sal sem sabor, não prestando para nada. Tenhamos
compaixão de todas as pessoas. Anunciemos o Evangelho de Jesus
Cristo e a boa notícia de que Deus pode mudar a vida das pessoas.
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Síntese do capítulo
Neste capítulo conversamos sobre alguns dos princípios e conceitos
bíblicos fundamentais para a vida em sociedade de acordo com a vontade
de Deus. Com base no conceito de aliança como parceria entre pessoas
mutuamente fiéis, vimos que Israel desenvolveu suas práticas e conceitos
de direito e justiça a fim de restaurar a liberdade e a justiça perdidas
por causa do pecado. Aprendemos que quando a justiça e o direito
imperam na sociedade, a economia deixa de ser um sistema autônomo
de acumulação e lucro e se torna um sistema no qual a igualdade social
é o valor mais importante. Para que a economia seja solidária, porém, é
preciso que o laço entre as pessoas e instituições na sociedade seja o da
fraternidade e não o da competição ou da conquista. Fraternidade, uma
relação baseada na fidelidade, depende da solidariedade social cuja fonte
é o respeito à diferença e a ética da alteridade.
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Referências
COHEN, Richard A. Foreword. In: LEVINAS, E. Otherwise than being,
or, Beyond essence. Pittsburgh: Duquesne University Press, 1998. p.
XII-XXXIII.
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2. Uma Visão Teórica
da Vida Social
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Introdução
No capítulo anterior estudamos alguns dos conceitos teológicos
que formaram a visão de sociedade no Antigo Testamento. Vimos que
esses conceitos não são descritivos, mas normativos. Ou seja, a Escritura
não é um livro de ciência que descreve como as coisas são, mas uma
biblioteca teológica, que apresenta as coisas como deveriam ser para que
Deus seja glorificado pela humanidade e por toda a criação.
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suas obras mais recentes. Fica, aqui, o convite para pesquisar outras
formas de teoria social, se desejar. 7
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2.1.1. O Mundo-da-Vida
Habermas descreveu o mundo-da-vida como composto de três
subestruturas, as quais denominou de cultura, sociedade e personalidade ou
[...] paradigmas culturais, ordens legítimas e estruturas
pessoais – como formas condensadas dos (e sedimentos
depositados pelos) seguintes processos que operam através
da acção comunicativa: entendimento, coordenação da acção e
socialização. (HABERMAS, 2002, p. 138)8
8 O livro foi editado em Portugal, por isso a palavra ação é grafada de modo diferente.
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Essas interpretações ruins, por sua vez, dão base para formas
inadequadas de normatização da vida em sociedade, de modo que a
solidariedade que deveria existir entre marido e mulher se transforma em
dominação da mulher pelo marido. Um dos frutos dessa relação violenta
é a alteração patológica da autoidentidade de mulheres – a experiência
mostra que mulheres vítimas de violência por seus maridos tendem a
desenvolver baixa autoestima, sentem-se culpadas, não reconhecem o
seu direito de não sofrer violência e, muitas vezes, não conseguem se
afastar do marido violento. Por fim, a fé religiosa, que deveria ajudar
homens e mulheres a praticar o amor mútuo, acaba se tornando uma
fonte de legitimação de atos não amorosos ou, na linguagem cristã,
pecaminosos.
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Componentes
estruturais
Dimensões de
Cultura Sociedade Personalidade Religiosidade
avaliação
Processos
reprodutivos
Crise na orien- Crise de Raciona-
Reprodução Perda de Crise de
tação e na sentido e lidade do
cultural sentido legitimação
educação esperança conhecimento
Crise da
Integração Solidariedade
identidade Anomia Alienação Intolerância
social dos membros
coletiva
Ruptura da Fuga da Psicopatolo- Conflitos Responsabili-
Socialização
tradição motivação gias religiosos dade pessoal
Ausência
Ruptura da da norma- Fundamen- Confiabilidade
Tradição Hipocrisia
tradição tividade talismos interacional
tradicional
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Componentes
estruturais
Cultura Sociedade Personalidade Religiosidade
Processos
reprodutivos
Reprodução de Transmissão,
Transmissão, Renovação do
conhecimento crítica,
Reprodução crítica, aquisição conhecimento
relevante para aquisição de
cultural de conhecimento efetivo para a
a educação em conhecimento
cultural legitimação
geral do sagrado
Coordenação
Imunização de
Imunização de um das ações via Reprodução
um estoque
Integração estoque central pretensões de de padrões de
central de
social de orientações validade inter- membresia
orientações
valorativas subjetivamente social
religiosas
reconhecidas
Internalização de Construção da Diálogo
Socialização Enculturação
valores identidade religioso
Testemunho
pessoal
Internalização de Desenvolvi-
Tradição “Enreligiosização”
crenças mento da fé
Doutrinas e
teologias
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É claro que a sociologia não pode ser vista como o remédio para
os males sociais, mas ela pode ser útil na busca de soluções viáveis.
Encerramos nossa discussão sobre macroestruturas sociais. Cabe a
você refletir sobre a sua aplicação concreta na vida cotidiana. A seguir,
dedicaremos atenção a outros aspectos da teoria social.
2.2 Família
Diz o senso comum que a família é o esteio da sociedade, a unidade
básica da vida social. Essas afirmações não estão longe da verdade, mas
precisam ser qualificadas para que não sejam meros chavões. A primeira
qualificação a ser feita é o reconhecimento de que existem diferentes
tipos e formas de família. O tipo de família que o senso comum considera
o único é o que especialistas chamam de família nuclear – marido (pai),
esposa (mãe), filhos(as). Esse tipo de família é comum em ambientes
urbanos e industrializados, nos quais as condições socioeconômicas
demandam que os filhos e filhas, ao chegarem à idade adulta, saiam de
casa e constituam as suas próprias famílias nucleares. Mesmo nesses
ambientes urbanos industrializados, a família nuclear não é a forma
mais frequente. Nas classes média baixa e pobre, o tipo mais comum de
família é o que se pode chamar de família extensa – não só o casal e seus
filhos(as), mas também avós, tios, sobrinhos etc. Na mesma casa moram,
por assim dizer, várias famílias nucleares.11
11 Para conhecer melhor a história das formas e conceitos de família, você poderá
consultar: ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1981.
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Isso nos faz, então, refletir sobre o fato de que existem modelos
normativos de família e existem as famílias reais, que nem sempre se
adaptam ao modelo normativo. Por exemplo: hoje em dia há um grande
número de famílias compostas de casais que já tiveram relacionamentos
anteriores e terminaram em divórcio. Então, além dos parentes
consanguíneos, há também parentes “sociais” – novos irmãos e irmãs,
primas e primos etc. Existem famílias homoafetivas que podem, ou não,
adotar crianças e se organizar como famílias nucleares monogâmicas.
Existem experimentos de famílias poliamorosas, nas quais se acredita
que o relacionamento amoroso não precisa ser monogâmico, de modo
que cada cônjuge possui mais de um cônjuge (essas famílias são formas
contemporâneas da antiga poligamia). Essa pluralidade de modos de
família real gera, é claro, conflitos éticos e diferentes grupos sociais e
diferentes religiões tratam de modos diferentes essa realidade. Mesmo
entre as denominações cristãs (e até mesmo dentro de uma única
denominação) há diferentes modos éticos de entender e lidar com a
realidade plural dos modos contemporâneos de família.
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A realidade nos faz constatar que não podemos viver com uma
visão romântica da família, de uma família ideal em que tudo é harmonio-
so e maravilhoso. A realidade está muito distante disso. Especialmente
em nossos dias, quando o individualismo, o consumismo e o desejo de
acumulação e de competição dominam o cenário socioeconômico da
vida. Independentemente do tipo específico de família, seguindo o ponto
de vista dessa teoria social, hoje em dia o principal desafio social no tocan-
te à família é a superação dessas patologias e a construção de famílias
que efetivamente vivam em harmonia, amor e respeito mútuo. É claro
que a descrição sociológica não aborda a questão ética dos modelos de
família. Cabe às igrejas e aos cristãos em geral interpretar eticamente a
história dos modelos de família.
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2.3 Economia
Podemos descrever o neoliberalismo como um modo de
racionalidade que visa moldar tanto a conduta de governantes como a de
governados:
O neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política
econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente
uma racionalidade e, como tal, tende a estruturar e organizar não
apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos
governados. A racionalidade neoliberal tem como característica
principal a generalização da concorrência como norma de
conduta e da empresa como modelo de subjetivação. (DARDOT;
LAVAL, 2016, p. 16)
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a si mesmo, ele se torna quem ele é, quem ele precisa ser. Esta tese é
confirmada por Dardot, em uma das poucas vezes que ele trata do assunto:
“Para el proletario se trata finalmente, a través del hecho de consumir
cada vez más, de la posibilidad de convertirse él mismo en un capitalista”
(DARDOT; LAVAL, 2018, p. 215). Em outras palavras, a distinção radical
entre capitalista e trabalhador se dilui na nova subjetividade neoliberal,
pois o empregado passa a ver a si mesmo, antes de “empregado”, como
empresário de si mesmo, como uma espécie de capitalista.
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2.4 Estado
Um dos pioneiros na descrição histórica e conceitual do
neoliberalismo foi Foucault, que dedicou um de seus cursos no Collège
de France a esse tema: Nascimento da Biopolítica (1978-1979). Foucault
estava interessado em dar continuidade a seus estudos da relação
entre poder e subjetivação, não só no dia a dia, mas também no modo
como os Estados se organizam e funcionam. Ele criou o conceito
governamentalidade, em um curso ministrado no ano anterior, mediante
o qual explicava o modo de funcionamento do Estado e das relações de
poder na vida cotidiana da sociedade:
Por esta palavra, “governamentalidade”, entendo o conjunto
constituído pelas instituições, os procedimentos, análises
e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer
essa forma bem específica, embora muito complexa, de
poder que tem como alvo principal a população, por principal
forma de saber a economia política e por instrumento teórico
essencial os dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por
“governamentalidade” entendo a tendência, a linha de força que,
em todo o Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito,
para a preeminência desse tipo de poder que podemos chamar
de ‘governo’ sobre todos os outros – soberania, disciplina
– e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma
série de aparelhos específicos de governo [e por outro lado],
o desenvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim, por
“governamentalidade” creio que se deveria entender o processo,
ou antes, o resultado do processo pela qual o Estado de justiça
da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado
administrativo, viu-se pouco a pouco “governamentalizado”.
(FOUCAULT, 2008a, p. 143-144)
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2.5 Cultura
Vamos encerrar este capítulo retomando o conceito de cultura já
abordado de maneira bem abstrata por Habermas em sua descrição
do mundo-da-vida, conforme vimos anteriormente. Agora é necessário
tornar mais concreta nossa compreensão da cultura, pois é por meio dela
que construímos a nossa identidade e diferenciamos nosso modo de viver
do modo de viver de outras sociedades. É por meio da cultura (mundo-da-
vida) que podemos resistir aos sistemas econômico e político. É na vida
cotidiana que o Evangelho deve ser vivido, e é nesse contexto de questões
que envolvem o Estado e o Mercado que a Igreja e seus membros são
chamados para serem agentes de transformação – como resposta ao
Reino de Deus.
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que a nossa cultura é superior à outra (não é à toa que quando viajamos
para fora de nossa terra, logo sentimos saudades!). Como o processo
de construção de alteridentidades ocorre na história dos povos, nós
somos afetados pelas centenas de anos em que se foram construindo as
alteridentidades do mundo atual14.
15 “A identidade não é uma essência; não é um dado ou um fato. [...] a identidade não
é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco é homogênea,
definitiva, acabada, idêntica, transcendental. [...] podemos dizer que a identidade é uma
construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A
identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade
está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas
de representação. A identidade tem estreitas conexões com relações de poder” (SILVA,
2000, p. 96s).
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Síntese do capítulo
Compreender a vida social contemporânea é, de fato, muito
complicado. Vivemos em um mundo muito complexo, com grandes
novidades tecnológicas, um sistema econômico desafiador, uma vida
política intensa e radicalizada em debates que nem sempre se tornam
ações práticas que viabilizem uma vida digna e livre para os cidadãos,
novas identidades religiosas e eclesiásticas que deixam qualquer cristã
ou cristão com dúvidas e questionamentos de grande porte. Como
afirmado na introdução, a visão aqui apresentada é uma das visões
teóricas possíveis e não tem a pretensão de ser a única e verdadeira
interpretação do mundo contemporâneo.
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Referências
AMARAL, Augusto Jobim do. Neoliberalismo e democracia que resta: uma
análise desde o caso brasileiro. Profanações, v. 5, n. 2, p. 129-146, 2018.
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