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Cidadania

e Inclusão Social

FABAPAR
F A C U L D A D E S B A T I S TA D O P A R A N Á
Alan de Macedo Simões

Cidadania e Inclusão Social


2a ed.

Curitiba
2021
© Os direitos de autoria e patrimônio são reservados ao(s) autor(es) da obra e às Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR). É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta
obra sem autorização da FABAPAR.

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ


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Gerência Acadêmica – Jaziel Guerreiro Martins
Gerência Administrativa – Jader Menezes Teruel
Coordenação dos Bacharelados em Teologia – Margareth Souza da Silva
Coordenação Adjunta do Bacharelado em Teologia EAD – Janete Maria de Oliveira
Autoria do Material –Alan de Macedo Simões

Coordenação Editorial – Thiago Alves Faria


Coordenação de Produção – Murilo de Oliveira Rufino
Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Educacional – Elen Priscila Ribeiro Barbosa
Revisão – Edilene Honorato da Silva Arnas
Design Instrucional – Elen Priscila Ribeiro Barbosa
Design Gráfico e Diagramação – Thiago Alves Faria
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
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Sumário
1. Introdução – O Surgimento do Pensamento Social...................8
1.1 Biografia de Aristóteles.......................................................................................... 8

1.2 O Liceu......................................................................................................................... 12

1.3 Morte............................................................................................................................ 13

1.4 Sobre a Obra Política e o Pensamento Social................................................13

Síntese do Capítulo...........................................................................15
2. François Marie Arouet – Voltaire.................................................17
2.1 Iluminismo.................................................................................................................. 18

2.2 Ideias de Voltaire...................................................................................................... 19

2.3 Últimos Anos............................................................................................................. 20

2.4 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão......................................24

3. Olympe de Gouges........................................................................28
3.1 Olympe na Política................................................................................................... 30

3.2 Olympe e a Revolução Francesa........................................................................33

Síntese do Capítulo...........................................................................38
4. As Ações Sociais na Prática, no Estado Moderno......................41
4.1 Otto Von Bismarck e a Previdência Social......................................................41

4.2 A Previdência Social no Mundo........................................................................... 46


5. Epitácio Pessoa............................................................................50
5.1 Formação................................................................................................................... 50

5.2 Carreira Política......................................................................................................... 51

5.3 Presidente da República........................................................................................ 53

5.4 Política Econômica.................................................................................................. 53

5.5 A Sucessão e a Revolta do Forte de Copacabana.......................................54

5.6 Epitácio Pessoa e a Atenção Social..................................................................56

6. Martin Luther King........................................................................64


6.1 Biografia de Martin Luther King.......................................................................... 65

6.2 Políticas Afirmativas e o Negro na Sociedade Brasileira...........................69

7. Ulysses Guimarães.......................................................................73
7.1 Regime Militar........................................................................................................... 74

7.2 Diretas Já.................................................................................................................... 76

7.3 A Promulgação da Carta Magna........................................................................80

7.4 Títulos da Constituição de 1988......................................................................... 83

7.5 Divisão dos Poderes (Sistema de Freios e Contrapesos).........................85

7.6 Hans Kelsen e a Doutrina Principiológica do Direito...................................87

Síntese do Capítulo...........................................................................90
Referências........................................................................................91
1. Introdução – O Surgimento do
Pensamento Social
1. Introdução – O Surgimento do
Pensamento Social
A Disciplina de Cidadania e Inclusão Social tem o foco em
compreender o processo moderno de valorização do cidadão. Na
elaboração deste estudo, foi realizado um recorte histórico e de conteúdo.
Dessa forma, a ideia aqui não é esgotar toda a compreensão, mas trazer-
lhe, dentro dos limites de tempo e espaço, daquilo que se compreende ser
o básico necessário sobre o tema.
Ao estudar as disciplinas de introdução ao conhecimento e as
disciplinas básicas de filosofia, bem como os conteúdos de história,
sociologia e filosofia do Ensino Médio, a Grécia Clássica sempre é evocada.
Não será diferente aqui.
Mas, antes, faz-se necessário explanar a metodologia proposta
para esta disciplina. Uma disciplina que foca no cidadão não poderia estar
centrada em outro foco que não o indivíduo.
Por isso, a metodologia adotada aqui será um tanto distinta das
demais disciplinas. Como as pessoas são diferentes e aprendem de um
modo diferente. Você não deixará de ver os conteúdos da disciplina, mas
passará pela biografia de pessoas icônicas nos temas abordados.
Por isso, a cada um dos seis capítulos deste livro, será trazida a
biografia de um ou mais personagens e, a partir dela, exposto o conteúdo
que se pretende abordar.

1.1 Biografia de Aristóteles


Se a proposta é conhecermos biografias, a primeira biografia a ser
apresentada é a de Aristóteles. Aristóteles (384-322 a.C.) foi um importante
filósofo grego. Um dos pensadores com maior influência na cultura
ocidental. Foi discípulo do filósofo Platão.

Elaborou um sistema filosófico que abordou sobre praticamente


todos os assuntos existentes, como a geometria, física, metafísica, botânica,
zoologia, astronomia, medicina, psicologia, ética, drama, poesia, retórica,
matemática e principalmente lógica, tendo uma grande produção literária.

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FIGURA 1 – Busto de Aristóteles

Legenda: DESCONHECIDO. Busto de


Aristóteles, cerca de 330 AEC (sendo que o
manto em alabastro é uma adição posterior
na obra). Escultura em Mármore, cópia
romana de uma escultura de Lísipo. Museo
nazionale romano di palazzo Altemps.

#pracegover: Escultura em mármore,


de um homem de idade mediana, barba
encaracolada e cabelos curtos penteados
para frente, usando uma túnica romana.

Aristóteles nasce na Macedônia, em 384 a.C., seu pai era médico


do rei Amintas III, e, em função de seu amplo acesso à corte, recebe uma
forte formação intelectual disponível na época.

1.1.1 Aristóteles e Platão


Ademais de ter forte formação intelectual, sua capacidade foi um
permanente destaque. Já aos 17 anos, vai à Atenas, estudar na “Academia”
de Platão. Por seu peculiar desempenho e sua prodigiosa capacidade
cognitiva, torna-se aluno predileto do mestre.

É atribuída a Platão a frase que demonstra isso: "Minha Academia


se compõe de duas partes: o corpo dos alunos e o cérebro de Aristóteles".

Contudo, Aristóteles estabelece uma sustentação própria, em


algumas áreas revendo as posições de Platão, em outras aprofundando e,
ainda, modificando as doutrinas de seu mestre. Demonstrando, assim, que
não dava continuidade aos pensamentos de Platão, mas que respeitava
seu professor mantendo seu pensamento independente.

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Dica

A filosofia de Aristóteles caminhou por diversas áreas. É preciso


ponderar que, à época, não se fazia uma secção específica como hoje.
Os ensinamentos se davam em modo pleno e intertextual, por isso,
dialoga sobre A Natureza de Deus (Metafísica) Do Homem (Ética) e
do Estado (Política). Em sua visão, Deus não é o Criador, mas exerce o
papel circunstancial de Força Motriz do Universo.

Sustenta, a respeito do homem, que sua busca seria pela felicidade. Tal
virtude seria alcançada, tão somente, por fazer o bem a outrem. É em
função desse desejo de felicidade, que passa pela necessária presença
do outro, que o homem aceitaria ser um ser social. Como todos estão
nessa corrida atrás da felicidade e ela depende do outro, a Ética e a
Política são naturais elementos reguladores do convívio. O Estado tem a
função de agir como um indivíduo, ou seja, de proporcionar a felicidade
ao próximo. Essa é a razão pela qual Aristóteles é veemente ao condenar
os regimes ditatoriais, pois considera-os como sendo a manifestação
da felicidade do indivíduo dominante e não o olhar à necessidade do
próximo. Do mesmo modo, a forma de governo mais adequada é a que
“permite a cada homem exercitar sua melhor habilidade e viver o mais
agradavelmente seus dias”.

Em suma, seus pensamentos distinguem-se bastante. Enquanto


Platão defendia um mundo das ideias, um mundo sensível e imaginário,
Aristóteles defendia ser possível adquirir conhecimento a partir do próprio
mundo em que vivemos.

A morte de Platão, em 347 a.C., cria a grande cisma na trajetória de


Aristóteles. Ele já estava há vinte anos dentro da Academia, inicialmente
como discípulo, depois como professor. Sua frustração veio quando foi
rejeitado por ser estrangeiro (é preciso lembrar que a configuração grega
era de cidades-estados, ou seja, nasce na Macedônia, sob a cultura
helênica, mas estrangeiro.

Tal decepção o leva a deixar Atenas e vai a Atarneus, na Ásia Menor.


Herminias, seu antigo colega e filósofo político, o guarnece com o cargo de
conselheiro de estado. Casa-se com Pítia, filha adotiva de Herminias, mas
entra em desentendimento com o colega em função do seu pensamento

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em relação ao Estado e seus ideais de justiça. Na mesma época, o Império
Persa invade a região, Herminias é crucificado e Aristóteles volta ao status
de estrangeiro.

1.1.2 Aristóteles e Alexandre, o Grande


Se a questão se dava pelo local de nascimento, Aristóteles volta à
Macedônia e é chamado por Filipe II para ser tutor de seu filho Alexandre,
haja vista que o rei desejava que seu sucessor tivesse um forte aporte
filosófico em sua formação. Aristóteles realiza essa função por quatro
anos, quando então Alexandre parte para conquistar o mundo. Aristóteles
permanece na corte e segue sendo uma referência intelectual.

FIGURA 2 – Aristóteles e Alexandre

Legenda: LAPLANTES, Charles. Aristóteles e Alexandre, 1866.

#pracegover: Pintura de Alexandre, o Grande, diante do filósofo Aristóteles. Ambos


sentados um de frente para o outro, usando vestimentas típicas da Grécia Antiga,
Alexandre usa uma coroa. A representação indica que Aristóteles estava ensinando
Alexandre, com um papel em sua mão esquerda e a mão direita erguida para frente
acima de seus olhos; talvez explicando algum pensamento, enquanto isso, Alexandre
está concentrado olhando para o filósofo.

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1.2 O Liceu
Já que ser estrangeiro foi o grande empecilho em sua vida, Aristóteles
retorna para Atenas. Lá, junto a Licio (templo dedicado ao deus Apolo),
Aristóteles funda uma escola, que, pela localização, passa a se chamar
Liceu. Além dos cursos estruturados, para os discípulos, Aristóteles fazia
palestras, aulas públicas para o povo em geral, o que gerava afluxo de
pessoas ao Liceu.

É considerado o pai de várias ciências, seus escritos são mais


próximos de uma enciclopédia que de teses. É considerado o pai da Lógica,
vez que representa a estrutura do pensamento humano. Esse mesmo
estudo faz com que lhe seja atribuída a origem da psicologia. Considerado
também a forma de expressão, é chamado de pai da Moral. Também é Pai
da Biologia, já que sistemática a distinção dos seres vivos. Também lhe é
atribuída a origem da Retórica, por ser o primeiro a demonstrar a arte de
escrever com eficiência.

FIGURA 3 – Aristóteles e Alexandre

Legenda: SPANGENBERG, Gustav Adolph. A escola de Aristóteles, 1883-1888. Afresco.


#pracegover: Pintura representando a escola de Aristóteles, com homens de diferentes
perfis, usando vestimentas da Grécia Antiga, conversando entre si, lendo e fazendo
anotações em pergaminhos de papel.

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1.3 Morte
Assim como sua vida, a morte de Aristóteles foi um tanto conturbada.
Alexandre, o Grande morre e começa uma grande perseguição à corte de
Alexandre e a seus apoiadores começa a ocorrer.

Na iminência de ser preso e, possivelmente executado, foge, pois


acreditava que a racionalidade voltaria e sua posição seria restaurada.
No autoexílio, acaba adoecendo e, desiludido em não receber o apoio dos
atenienses, decide seguir seu mestre Sócrates e pôr fim à vida com uma
taça de cicuta. Aristóteles morre em Cálcide, na Eubéia. Deixa uma carta
de testamento em que determina a libertação de seus escravos. Foi essa
a primeira carta de alforria formal da história.

1.4 Sobre a Obra Política e o Pensamento Social


Nesta obra, Aristóteles sustenta que a cidade é, dentre todos os
agrupamentos humanos, a mais importante comunidade política em vista
de algum bem, a “vida boa” (Pol., I, I, 1252a).

Porém, a cidade é um ajuntamento sobre uma permanente tensão,


sendo necessária a existência do poder coercitivo da lei. Ela que dá forma
à ideia de cidadão, independente do regime. A lei traz e garante a liberdade,
que é a essência de todos os demais direitos do cidadão.

A cidadania está diretamente ligada à “vida boa”, uma vez que, como
Aristóteles afirma, apenas pode ser cidadão o ser humano virtuoso (Pol.,
III, I, 1276b) e aí se estabelece uma dialética, porque Aristóteles reconhece
que somente o humano virtuoso deveria ser livre, mas sabe que nem
todos na cidade são virtuosos, portanto, nem todos seriam merecedores
dessa liberdade.

Nisso, Aristóteles buscou, então, definir o que seja cidadão, ele


afirma que a cidadania não deriva do local de domicílio em determinado
lugar, já que residentes estrangeiros e escravos tem domicílio, mesmo
não sendo cidadãos. Cidadão, seria aquele que possuísse o direito de
administrar justiça e exercer funções pública (Pol., III, I, 1275a, 1275b).

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E aqui é interessante parar, antes de dar o passo para a definição de
cidadão, compreender o processo de criação de uma lei. Toda lei surge
(ou deveria surgir) a partir de um costume, sobre o qual a maioria das
pessoas pratica. A partir do momento em que cada um dos cidadãos
internaliza o costume, naturalmente o cidadão (aqui como sinônimo de
homem público), normatiza esse costume, impondo as penalizações
e respostas coercitivas ao que não respeita determinado costume.
Evidentemente, alguns costumes não são regulamentados, o hábito de
esperar em uma fila, por exemplo, não tem lei que a determine, mas é
uma norma socialmente acatada. Outras, como a sinalização de trânsito,
ainda que possa se chamar de modo diferente, (sinal, sinaleiro, semáforo,
sinaleira ou farol ou ainda outro regionalismo qualquer), todos sabem o
que deve ser feito na luz vermelha, na amarela e na verde. No Brasil, diz-se
que há leis que pegam e outras que não pegam, essa é a razão, quando
há a criação de imposições legais que não refletem o costume e não
conseguem criar um novo costume, o desrespeito à norma imposta é tão
genérico que a lei perde sua efetividade.

Evidentemente, Aristóteles não fala do Brasil, mas, em função do


costume, não se levanta a um dos poucos costumes gerais das cidades-
estados gregas de que atribuía apenas aos oriundos daquela cidade
como sendo cidadãos. Dessa forma, pela definição aristotélica, somente
seria cidadão o indivíduo nascido naquela cidade. Como o sistema de
organização grego era de cidades-estados, ao trocar de cidade, o indivíduo
perderia a condição de cidadão. Evidentemente, os condenados nascidos
na cidade, perderiam temporariamente (pelo período da pena) o exercício
da cidadania, mas permanecia sendo cidadão. Já o estrangeiro, por mais
talentoso que fosse, não conseguiria alçar a condição de cidadão.

Saiba Mais

A cidadania é, para Aristóteles, o pleno exercício do direito do cidadão.

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Essa é a razão pela qual Aristóteles, estrangeiro na terra de Platão,
não ensinava em sala de aula (seria inaceitável um estrangeiro ensinar).
Aristóteles ministrava no operipatos (passeio em grego), um pátio
interno e, em função disso, seus ensinamentos ficam conhecidos como
peripatética.

Desse modo, em resumo, a política é o exercício da vida pública, a


gestão da polis, tudo o que afetaria além do cidadão, a coletividade. Ao
passo em que a cidadania é, para Aristóteles, o pleno exercício do direito
do cidadão. Esse conceito, ainda que introdutório, é um conceito que ainda
é válido e será o conceito que ainda se emprega hoje. O que muda, então,
desde Aristóteles até hoje, é o conceito de cidadão.

Síntese do Capítulo
Neste capítulo vimos a importância de Aristóteles na História, assim
como as relações e relevância de seus escritos e obras. Ele fundou sua
própria escola, chamando-a “Liceu”, e sua figura é ainda relevante para
os dias atuais diante de suas obras, conceitos e escritos sobre política,
cidadania e poder público.

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2. François Marie Arouet – Voltaire
2. François Marie Arouet – Voltaire
FIGURA 4 – Élémens da Filosofia de Neuton

Legenda: VOLTAIRE. Élémens da Filosofia de Neuton.


Londres, 1738. Grafite.

#pracegover: Perfil de Voltaire em grafite. Homem de


cabelos compridos e vestimentas típicas da Europa do
século XVII.

François Marie Arouet usava o pseudônimo literário de Voltaire, (1694-


1778). Foi um filósofo e escritor francês, um dos grandes representantes
do Movimento Iluminista na França. Sua produção literária está voltada a
Ensaios, Poemas, Dramas e também trazia muitos tratados de história. É um
dos fundadores de um movimento chamado “História Nova”, em que fatos
históricos conhecidos são usados como pano de fundo para a criação de
personagens literários que, historicamente teriam uma importância menor,
mas que seriam testemunhas do ocorrido. Evidentemente não é de Voltaire
essa construção, mas isso pode ser visto no filme Titanic, em que a história
de dois personagens fictícios, uma moça (Rose – Kate Winslet) e de um
rapaz (Jack – Leonardo DiCaprio) é contada usando de pano de fundo um
acidente marítimo e um naufrágio, ou, aos adidos da literatura, a história de
Jean Valjean e de Fantine é contada tendo por fundo a Revolução Francesa,
na obra Os Miseráveis de Victor Hugo.

21 de novembro de 1694 foi o dia do nascimento de Voltaire, em Paris,


França. De uma família burguesa da capital francesa, estudou no Collège
Louis-le Grand, em Paris, conhecida como uma das mais importantes

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instituições de ensino da França, instituição essa que funciona até hoje,
na 123 Rue Saint-Jacques. Por mais que tenha iniciado, não chegou a
terminar o curso de Direito.

2.1 Iluminismo
Voltaire frequentou a Société du Temple, clube que reunia libertinos
e livres pensadores. Nessa época, os avanços na área da economia,
cultural e ciência levaram à crença de que o destino da humanidade era
o progresso e que a revolução estava muito além da retirada do poder
das mãos do monarca. Essa fase sedimentou uma expressão do que se
chamou de Ancien Régime. Esse termo tem sua utilização na Revolução
Francesa e o responsável pela sedimentação da expressão foi Alexis
de Tocqueville, autor do ensaio O Antigo Regime e a Revolução. Dessa
obra, surge o trecho: "a Revolução Francesa batizou aquilo que aboliu" (la
Révolution française a baptisé ce qu'elle a aboli). (TOCQUEVILLE, 1856).

Frase de Voltaire: A política tem a sua fonte na perversidade e não na


grandeza do espírito humano.

O termo, em si, não era encarado de forma pejorativa, os monarquistas


o tinham com uma certa nostalgia, a ideia de uma sociedade perfeita.
Talleyrand chegou a dizer que "os que não conheceram o Antigo Regime
nunca poderão saber o que era a doçura de viver" (ceux qui n'ont pas connu
l'Ancien Régime ne pourront jamais savoir ce qu'était la douceur de vivre).
(SVOBODA, 2021)

Seja apreciável ou não o antigo regime se caracterizava pelo


absolutismo pleno, ao ponto de Luis XVI pronunciar L'État c'est moi (O
Estado sou Eu). Não ocorre apenas na França, mas em toda a Europa e
vai ser alterado no decorrer da história. De tal forma que hoje apenas o
Vaticano permanece como Estado em que a palavra do monarca pode
sobrepor e contrarias as leis vigentes.

A queda do Ancien Régime traz, também, o anticlericalismo. Não


se trata de um combate à fé, mas um combate ao poder econômico e

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político da igreja. Evidentemente há pensadores iluministas ateus, alguns
combatentes do cristianismo e da fé, mas há também defensores da
fé, como Diderot. Em suma, o iluminismo não tem a fé como base de
sua doutrina e, suas proximidades e afastamentos são tão-somente,
manifestações pessoais de cada pensador.

Voltaire, de origem burguesa, criticava com fervor o absolutismo,


a nobreza e a Igreja, elementos base do Ancien Régime. Por ter escrito
versos desrespeitosos dirigidos ao rei Luís XIV recebeu como resposta a
reclusão na Bastilha em 1717. Quando libertado, foi exilado em Chátenay.

Sustentava que o Estado e a Igreja deveriam existir para apoiar o


cidadão, sendo a base da sociedade para permitir-lhe viver seus sonhos
pessoais, sendo por natureza livre. Voltaire foi um combativo escritor.

Frase de Voltaire: Escrevo-vos uma longa carta porque não tenho tempo
de a escrever breve.

Em 1718 escreveu a tragédia “Édipo”, com o pseudônimo de Voltaire,


uma versão do clássico grego. Essa obra lhe abriu as portas do mundo
literário. Nela, ele retoma o mito grego, escolhendo precisamente um
personagem que olha para si, apaixona-se por si e morre (literalmente)
em função de olhar para si, uma obra que, hoje é vista como marca de
crítica ao pensar o Soberano. Em 1726, em um desentendimento com o
Cavaleiro Rohan, foi novamente preso. Depois de cinco meses na cadeia,
foi exilado na Inglaterra onde permaneceu até 1729.

2.2 Ideias de Voltaire


Em que pese a dureza do exílio, o fato de ter ido à Inglaterra
proporcionou a Voltaire o contato com as ideias de John Locke, tendo
também recebido forte influência pelo regime de governo parlamentar, que
foi instituído ali ao final da Revolução Gloriosa de 1688. Diferentemente da
França, a Inglaterra não eliminou a monarquia, restringindo-a. É então que
Voltaire inicia sua defesa de que todas as nações europeias deveriam
adotar a tolerância religiosa e a monarquia constitucional inglesa.

19
Sua obra Édipo demonstrava que Voltaire condenava o Absolutismo.
Passou a defender a ideia de que a Monarquia deveria ser assessorada por
filósofos, e juntos eles deveriam realizar reformas seguindo os interesses
da sociedade. Embora afirmasse que “todo homem tem o direito de
acreditar ser igual aos outros homens”.

Um dos princípios iluministas mais defendidos por Voltaire foi a


liberdade, tanto política quanto de expressão. Mesmo sendo crítico da
Igreja, não era ateu e sim deísta – crença de que Deus está presente na
natureza, logo, presente também no homem, uma vez que nela se encontra
o homem, sendo possível para este descobrir Deus por meio da razão, pois
ela guia o homem a sabedoria, de acordo com o pensamento de Voltaire.

Saiba Mais

Após publicar “Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas”, em 1734, livro


este em que o autor compara a liberdade inglesa e o atraso francês
absolutista clerical e obsoleto, Voltaire é condenado e tem uma nova
fuga, acabando por ser acolhido por dez anos no castelo de Cirey em
Lorena pela marquesa du Châtelet.

2.3 Últimos Anos


Passados dez anos de sua reclusão no castelo de Cirey, Voltaire volta
a Paris. Em 1746 é eleito para a Academia Francesa, sendo apresentado à
corte pela Madame Pompadour. Em 1749, aceitou o convite de Frederico II
o Grande, da Prússia, para viver na corte de Potsdam. Em 1753, depois de
se desentender com o rei, retirou-se para uma casa perto de Genebra. Em
1778, viajou para Paris, quando veio a falecer no dia 30 de maio de 1778.

Frase de Voltaire: Aproximo-me suavemente do momento em que os


filósofos e os imbecis têm o mesmo destino.

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FIGURA 6 – Túmulo de Voltaire
Legenda: Túmulo de Voltaire, no Pantheón de Paris,
datando do ano 1791. Artista autor da escultura
desconhecido. Imagem disponível em: <https://www.
viajoteca.com/uma-visita-ao-pantheon-em-paris/>

#pracegover: Túmulo e Estátua de Voltaire na cripta


do Panteão. Voltaire em pé, usando uma longa túnica,
feição sorridente. Na mão esquerda segura folhas de
anotação e na mão direita algo usado como caneta.

Como visto, o Absolutismo é o ponto


alto (e final) do conceito de Estado que foi
externado na introdução sobre Aristóteles.
Dessa forma, o novo regime, icônico após a
Revolução Francesa, traz um mundo novo, em
que o indivíduo passa a ter direitos pessoais,
alguns personalíssimos. Ao mesmo tempo, o
Estado passa a ser o garantidor do exercício
desses direitos. Não é mais o indivíduo que existe para o Estado, mas o
Estado que existe para o cidadão.

Ou seja, a revolução aqui é total, a mudança de ótica, não há a extinção


do Estado, mas a completa mudança da razão pela qual ele existe. As
repúblicas (do latim res pública ou coisa do povo) e o regime democrático
(δήμος (demos: povo) + κράτος (cratos: poder, Estado) são a demonstração
disso. Ou seja, o regime em que o poder emana do povo e em nome dele é
exercido. Aqui, Voltaire e os demais iluministas trazem o novo conceito, em
que o indivíduo começará a ter o protagonismo na história.

Isso muda a perspectiva em todas as áreas. Nas artes, por exemplo,


isso tem o seu reflexo, o cidadão comum começa a ser retratado. Antes,
apenas personalidades eram retratadas, sejam grandes personagens da
política, da mitologia ou da história. A partir do Iluminismo, os indivíduos
comuns passam a ser retratados nas pinturas, na escultura e nos
personagens da literatura.

Evidentemente essa não é a primeira assistência prestada pelo


Estado. Era comum desde a época da República Romana, o fisiologismo,
ou seja, a assistência mínima para o indivíduo, ou seja, uma assistência

21
para que este não morra de fome. A política assistencialista romana ficou
conhecida como Panem et circenses (Pão e circo). Há, inclusive, uma
frase que é atribuída à Maria Antonieta, na autobiografia de Rousseau.

Saiba Mais

A frase em questão, atribuída à Maria Antonieta, porém sem citar seu


nome, diz respeito a uma vez em que, segundo o autor, Rousseau foi
comprar um pão para acompanhar um pouco de vinho. Enquanto estava
na padaria, Rousseau teve a impressão de estar vestindo-se demasiado
elegantemente para ir a uma padaria comum, o que o fez lembrar das
palavras de uma “grande princesa”. Conforme as palavras transcritas
em seu “Livro 6”:

Enfin je me rappelai le pis-aller d’une grande princesse à qui l’on disait


que les paysans n’avaient pas de pain, et qui répondit: Qu’ils mangent de
la brioche.

(Finalmente eu me lembrei do expediente de uma grande princesa a


quem foi dito que os camponeses não tinham pão, e que respondeu:
Que eles comam brioche.)

Em que pese Rousseau não dar nome à “grande princesa” e o livro


“Confissões” não é considerado uma autobiografia estritamente factual.
Essa frase seria o reflexo da política de assistencialismo. Isso não é
cidadania, nem mesmo inclusão social. Ao mesmo tempo em que os
serviços realizados pelas Santas Casas e instituições religiosas em todo
o tempo na história de sua existência, nas mais distintas denominações.

Mas esta disciplina não trata de assistência social, mas de


possibilidade do exercício da cidadania (conceito que já foi externado) e
a inclusão social, conceito que será tratado mais à frente. Desse modo,
é preciso pontuar e diferenciar claramente. Assistência social é só um
primeiro passo na busca da cidadania. Assistência social (fornecer
alimentação, segurança e saúde) é o trato mínimo para que a pessoa
mantenha a sua condição humana, o que o direito consagrou como
Princípio da Dignidade humana. Isso ocorre a todos, seja ao estrangeiro,
seja ao nacional, seja ao homem livre, seja ao criminoso condenado.

22
Evidentemente, a assistência social é um passo para a cidadania
e, em uma sociedade em que nada disso for oferecido, é melhor a
assistência que nada. Mas o pleno exercício da cidadania não se encerra aí.
É justamente na busca desse protagonismo do indivíduo que os recortes
foram estabelecidos e as personalidades aqui apresentadas mostram
esses pontos. Perceba que a história não se constrói sozinho, por isso,
sempre haverá outros personagens dos mesmos momentos históricos
e também podem haver outros lugares e fatos que corroborarão ao seu
estudo. Dentro do Iluminismo, de forma muito genérica, pode-se destacar:

John Locke (1632-1704) participou da Revolução Gloriosa da


Inglaterra, em 1688. Este contato com a Revolução deu-lhe muita
capacidade de influenciar o pensamento de Voltaire. Locke é um dos
autores das teorias do direito à vida, à liberdade e à propriedade como
principais direitos naturais do homem e maiores que o direito do monarca.
Sustenta, também, que para um governo ser considerado válido, seria
necessário um contrato entre governados e governantes, sendo estes
obrigados a respeitar os direitos inerentes do homem.

Montesquieu (1689-1755) é o responsável por elaborar a separação


dos poderes do Estado em Executivo, Legislativo e Judiciário sendo
iguais em poder e de ações distintas, reduzindo assim o poder soberano
do monarca, já que, para Montesquieu, cada poder deveria ser ocupado
por pessoas diferentes, sendo independentes, mas com funções de
fiscalização entre si. Aponta, também, três formas possíveis de governo:
despótico, monárquico e republicano.

Frase de Montesquieu: As repúblicas acabam pelo luxo; as monarquias,


pela pobreza.

Rousseau (1712-1778) caminha em direção diversa no pensamento


dos iluministas. Suas bases e seus pressupostos são distintos e,
portanto, chega a resultados distintos, especialmente quando se trata
de propriedade privada. O autor defendia que a propriedade privada dá
origem à desigualdade social, à concorrência, à inveja, e aos conflitos.
Em “O contrato Social”, afirma que a vontade geral dos cidadãos é o que

23
legitima o governo que tem por função única regular essas tensões e
manter a igualdade e a liberdade que a natureza fornece ao homem.

Frase de Rosseau: A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade


deprava-o e torna-o miserável.

2.4 Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é o texto originário
dos Estados Gerais, resultado formal da Revolução Francesa. Em que
pese não ter sido a primeira declaração de direitos que coloca o indivíduo
como detentores de direitos maiores que os do Estado, é considerada a
mais excelente das declarações iniciais, tendo em consideração que seus
16 artigos conseguiriam fazer uma abrangência profunda desses direitos.
Foi precedida pela Declaração da Virgínia, que só foi instituída em 1776,
pela Declaração de Independência dos Estados Unidos. A Declaração
Francesa, considerada a excelência das declarações, serviu de inspiração,
como fonte principal, para que os povos lutassem por seus direitos
Seu processo de elaboração começa em 11 de agosto de 1789,
sendo aprovada no mesmo mês, quinze dias depois. Durante esse
período, foram propostos vários projetos. Ganham destaque os nomes,
na elaboração desses princípios, La Fayette e Mirabeu.
A Declaração reitera os direitos de primeira geração (relativos à
vida e ao trabalho). Juntamente com a Constituição Americana, esta e
a declaração francesa se referem aos direitos individuais e políticos,
impondo limites ao poder estatal, baseados na ideia de liberdade. Ambos
textos seguem sendo referencial, sendo a Constituição Americana,
inclusive, ainda em vigor.
O preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz:
Os representantes do povo francês constituídos em Assembleia
Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou
o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das
desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolveram
expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis
e sagrados do homem...

24
Isso demonstra que a Assembleia sabia da necessidade dessa
declaração e que este texto entraria para a história. Segundo Georges
Lefebvre (1958) apud Bobbio (1992, p. 85): “proclamando a liberdade, a
igualdade e a soberania popular, a Declaração foi o atestado de óbito do
Antigo Regime, destruído pela Revolução”.

Nas palavras do historiador inglês Eric Hobsbawn (2003, p. 91):


Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica
de privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de uma
sociedade democrática e igualitária. “Os homens nascem e
vivem livres e iguais perante as leis”, dizia seu primeiro artigo;
mas ela também prevê a existência de distinções sociais, ainda
que “somente no terreno da utilidade comum”. A propriedade
privada era um direito natural sagrado, inalienável e inviolável.

O artigo primeiro da declaração diz: “os homens nascem e


permanecem livres e iguais em direitos”. Essa afirmação se complementa
no artigo segundo, que declara que direitos são esses: “o objetivo de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis
ao homem”, tais como a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão. É dessa forma que a liberdade, igualdade e
fraternidade, a máxima da Revolução Francesa, são efetivados em um
documento oficial.

Sustenta ainda que “o princípio de toda a soberania reside


essencialmente na nação”. É importante perceber que isso tira o foco de um
soberano, in persona, dando ao povo, que deve participar pessoalmente,
ou através de seus representantes.

A Declaração prevê, também, os conflitos de direitos, vez que coloca


a liberdade só no artigo quarto, colocando como o “poder fazer tudo o
que não prejudique outrem” e que não seja proibido em lei, a fim de evitar
que outros sejam prejudicados. Essa liberdade individual é aliançada
com a liberdade de expressão e de pensamento. O artigo onze diz: “a
livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais
preciosos do homem; portanto, todo o homem deve poder falar, escrever,
imprimir livremente, salvo em casos de abuso dessa liberdade [...]”.
A sociedade advinda de um regime totalitário naturalmente
expressaria o direito de resistência. Ele surge quando os direitos essenciais

25
são ameaçados, ou seja, quando surge uma ameaça ou sinais de violação
à liberdade, propriedade ou à segurança, que são direitos primários.
As ideias de Rosseau sobre a propriedade privada não prosperam e
o texto acaba firmando a ideia dos demais contratualistas, já que o texto
considera a propriedade como sendo um “direito inviolável e sagrado,
ninguém pode ser dela privado, a menos que seja de utilidade pública
legalmente constatada e sob condição de justa e prévia indenização”.
Sobre a Declaração, em seu livro, Noberto Bobbio descreve que:
A Declaração, desde então até hoje, foi submetida a duas críticas
recorrentes e opostas: foi acusada de excessiva abstratividade
pelos reacionários e conservadores em geral; e de excessiva
ligação com os interesses de uma classe particular, por Marx e
pela esquerda em geral. (BOBIO, 1992, p. 97)

Evidentemente, o texto não agrada a todos, nem na época, nem


posteriormente. Uma das principais críticas se refere ao fato de ele
trazer muitos princípios abstratos, princípios que dependem de uma
hermenêutica jurídica para chegarem a uma prática e uma subsunção
a um fato. São axiomas, pensamentos, princípios e pensamentos que
podem ser vagos, contraditórios, insuficientes e ou inalcançáveis.
Posteriormente, Karl Marx também criticará o texto ao afirmar
que trazem direitos burgueses, egoístas e impraticáveis por todos os
homens. Diz ainda que os direitos não se referem apenas ao campo da
justiça, mas que possuem reflexo político. Ou seja, não basta haver um
texto prevendo-os, é preciso haver uma conjuntura estatal e social que
venha a estabelecer condições para que todos os indivíduso possam
empertigar-se na busca de seus direitos, sejam eles fornecidos ou
conquistados. Cristica também que é necessário um campo ideal para
que possam ser postos em prática, pois, enquanto houver indivíduos
vivendo na exclusão, nada adiantaria os direitos humanos.
Evidentemente o texto não é perfeito e o progresso social natural
do mundo fazem com que haja textos posteriores mais densos e mais
efetivos, contudo, é preciso compreender que um texto originário, inicial, tem
naturais dificuldades e, portanto, o texto tem pontos avançadíssimos, que
provocaram um salto de pensamento e social inimagináveis anteriormente.

26
3. Olympe de Gouges
3. Olympe de Gouges
Olympe de Gouges é o pseudônimo de Marie Gouze, nascida em
1748, em Montauban, no sul da França. Seu pai era um açougueiro e sua
mãe serviçal. Em que pese ter uma origem extremamente humilde e sem
nenhuma ligação com a nobreza, ela se torna uma das personagens mais
importantes da Revolução Francesa. Casa-se cedo, aos 16 anos, com
Louis Aubry, com quem teve um único filho, Pierre. Após apenas um ano
de casada, seu marido morre e em 1770, Marie Gouze muda-se para Paris
com o filho pequeno para viver junto da irmã mais velha. A mãe idosa
permanece vivendo em Montauban e Marie constantemente enviada um
suporte financeiro à ela. Foi em 1773, residindo já em Paris, que adotou o
pseudônimo Olympe de Gouges, mesmo tendo publicado alguns escritos
com assinatura “Marie-Olympe”.

FIGURA 7 – Olympe de Gouges

Legenda: Olympe de Gouges (1748-


1793) por Alexandre Kucharski. Marie-
Olympe de Gouges. Pastel atribuída a
Alexandre Kucharski (cerca de 1787)
Coleção Particular. Direitos reservados.
Disponível em Wikimedia Commos sob
o diretório https://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Olympe_de_Gouges.png

#pracegover: Perfil de Olympe de Gouges,


mulher de traços finos e pele branca,
cabelos brancos presos em um penteado.
Uma echarpe sobre os ombros.

O Marquês de Pompignan, Jean-Jacques LeFranc, apadrinhou


Olympe de Gouges, que desconfiava ser ele seu pai biológico, sendo ela
fruto de um relacionamento extraconjugal de sua mão. Ele foi cuidado
pelo avô de Olympe, e sua mãe, Anne-Olympe Mouisset, era afilhada do
Marquês, essa proximidade e essas afinidades é que levantavam tais
suspeitas, inclusive porque o Marquês assistiu-a com recursos financeiros

28
sistematicamente. Ela nunca foi oficialmente reconhecida por ele, fato que
pode ter inspirado alguns de seus ideais políticos, uma vez que também
lutava pelos direitos dos filhos ilegítimos, sustentando que eles teriam
os mesmos direitos que filhos legítimos e reconhecidos. Seus escritos
eram controversos à época, já que defendiam relações sexuais fora do
casamento e o divórcio.

Desde sua precoce viuvez, Olympe de Gouges não casou-se


novamente, mantendo um longo relacionamento com Jacques Biétrix de
Rozières. Ele forneceu meios para que ela subsistisse, num contexto em que
uma mulher que fosse sustentada por um homem que não era seu marido era
taxada de cortesã, uma verdadeira prostituta de luxo. Ela também conheceu
mentes célebres das Letras da época, tais como Voltaire, Rousseau, Louis
Sébastien Mercier, Bernardin de Saint-Pierre, Marquês de Condorcet e
Benjamin Franklin, quando circulou pelos grandes salões literários.

Curiosidade

Em 2014, a Editora Record publicou uma obra com a biografia de Olympe


de Gouges em quadrinhos, por Catel & Bocquet.

Na França da época, estava em vigor uma lei que proibia a publicação


de qualquer obra por uma mulher sem consentimento de seu marido.
Acredita-se que este seja um dos principais motivos que Olympe nunca
tenha se casado com Jacques, já que a relação entre eles era pública,
notória, sabida por todo, mas nunca oficializada. Um paradoxo surge em
seu texto áureo, em que não se pode afirmar se a afirmação é originária em
protesto à situação da mulher ou realmente uma posição pessoal, já que ela
afirma que o “casamento é o túmulo da confiança e do amor”, argumento
presente em sua mais célebre obra, a Déclaration des droits de la femme
et de la citoyenne (Declaração dos direitos das mulheres e dos cidadãos).

Por ser voz em um tempo em que esses temas não eram debatidos
e a sociedade era extremamente patriarcal e conservadora, o pensamento
de Olympe de Gouges toma ressonância como inovador e é considerado
relevante até hoje, na história da França e principalmente, do feminismo.

29
3.1 Olympe na Política
Em uma tentativa de manutenção da monarquia, houve a
convocação da Assembleia dos Estados Gerais, em que nobres, membros
do clero e do terceiro estado receberam o convite para realizarem parte
das reformas governamentais, com vista a acalmar as revoltas ocorrentes
em todo o país e estabelecer um governo fixo, ainda que com a cessão de
alguns poderes, tal qual a Revolução Gloriosa, na Inglaterra.

Olympe de Gouges tinha 40 anos e participou ativamente.


Posteriormente, mesmo diante do insucesso dos Estados Gerais, manteve
sua luta pelos direitos dos Sains Culottes, até seu trágico fim.

Em seu discurso, Olympe de Gouges defendia a abolição


da escravatura, emancipação feminina, amor livre, construção de
maternidades para mães solteiras e de orfanatos, criação de um teatro
dedicado à atuação feminina na dramaturgia, oficinas nacionais para
desempregados e lares para os sem-teto do país.

Para além de seus textos políticos e manifestos, que eram


bastante difundidos, Olympe também se valia da dramaturgia, escrevendo
peças abolicionistas. Porém, os comediantes franceses da época não
as aceitaram muito bem, uma vez que para exercerem sua arte, eles
dependiam do patrocínio de fidalgos, que eram também senhores de
escravos. Sendo assim, tudo o que Olympe conseguiu, a priori, era que
suas peças fossem lidas na Comédie Française, sendo encenadas muito
depois de terem sido escritas.

Não apenas a temática restringia as encenações. Havia também o


fato de o teatro neste período ficar sob o controle do governo. Justamente
em função de tantas restrições, Olympe de Gouges criou sua própria trupe.
Seu filho Pierre Aubry era um dos atores. Itinerante, a trupe representava
peças em Paris e região. Por tratar de temas libertários em suas atuações,
seu nome figura na Liste des Hommes courageux qui ont plaidé la cause
des malheureux Noirs (Lista de homens corajosos que defenderam a
causa dos negros infelizes) de Abade Gregório, 1808. Foi apenas com o
início da Revolução Francesa que conseguiram mais autônoma, e enfim
suas peças foram representadas ao público.

30
Sua forte influência política, proximidade com os Girondinos e sua
obra Les trois urnes ou le salut de la patrie causaram sua prisão em 1793,
momento em que os Jacobinos dominavam a França e buscavam eliminar
seus antigos apoiadores. Ideologicamente não coadunava das mesmas
ideias de igualdade e liberdade defendida pelos Girondinos, mas estes
a permitiam falar. Os Girondinos defendiam uma igualdade literalmente
entre os homens, excluindo o sexo feminino, o que para ela não constituía
uma igualdade real. Foi por esta razão que seus manifestos passaram a
favorecer a inclusão feminina na Revolução, até mesmo com armas, na
construção de um novo governo.

Frase de Olympe de Gouges: O homem escravo redobrou suas forças ao


apelar à mulher para romper-lhe as correntes. Mas, uma vez em liberdade,
foi injusto com sua companheira.

Em função do asseveramento Jacobino, passa a atacar os


principais expoentes do partido Jacobino, responsáveis pela instauração
do Reino do Terror em 1792 em resposta à série de levantes contra os
Jacobinos. Olympe de Gouges acusava dois homens, Jean-Paul Marat e
Maximilien Robespierre, de terem sido os principais responsáveis pelos
massacres que mataram cerca de 2.000 pessoas, em setembro de 1793,.
Outra acusação que Olympe fazia em diversos escritos era a de que os
Jacobinos aspiravam, o que resultou em uma denúncia ao Clube dos
Jacobinos. A perseguição Jacobina, conhecida como Reino do Terror,
vitimou aproximadamente dezessete mil pessoas, estimadamente; a
maioria sentenciadas à guilhotina, e todas por razões políticas.

Em março de 1793, os Jacobinos emitiram uma lei que permitia a


prisão de pessoas que escrevessem manifestos em defesa dos princípios
republicanos, precisamente o que Olympe fazia em Le Trois Urnes ou Le Salut
de la Patrie, obra de caráter federalista e girondino. Evidentemente, a lei não
foi escrita exclusivamente para perseguir Olympe, mas é fruto de todo um
movimento que surgia em contraposição em recrudescimento jacobino.

No mesmo dia em que o texto fi publicado, Os Montagnards prenderam


Olympe de Gouges, que foi julgada no final da tarde. Mesmo presa, ela foi
capaz de enviar seus dois últimos escritos (Olympe de Gouges au Tribunal

31
révolutionnaire e Une patriote persécutée), de maneira clandestina, para
fora da prisão. Nos dois textos, exerce sua defesa das acusações postas.

Porém, em 2 de novembro de 1793, executaram seus companheiros


girondinos e Olympe foi interrogada sem a presença de um advogado.
Oitiva que resultou em sua condenação à pena de morte. Restava-lhe
apenas apelar para a declaração de estar grávida, para conter sua pena.
Entretanto, um de seus acusadores determinou que era uma declaração
falsa, ou seja, ele determinou que ela não estava grávida. Pouco antes de
sua execução, ela escreveu sua última carta a seu filho.

No dia seguinte, 3 de novembro, Olympe de Gouges foi guilhotinada


aos 45 anos de idade. Como última manifestação, atribui-se a ela a frase:
“Filhos da Pátria, vocês vingarão minha morte”. Como pena por ter gilhotinado
mulheres grávidas, além de cometer outros crimes, seu carrasco, Antoine
Fouquier-Tinville, foi condenado à morte, em 1795. O Reino do Terror durou
até o ano seguinte, quando os Jacobinos foram depostos.

Frase de Olympe de Gouges: Se uma mulher pode ir à forca, então, também


pode ir à tribuna.

Olympe de Gouges permanece na memória e na política francesa.


Em 2004, quando foram escolhidas as próximas personalidades da
História Francesa que entrariam no Panthéon (mausoléu em que as
grandes personalidades intelectuais francesas são sepultadas), seu nome
foi apontado. Até então apenas duas mulheres, Sophie Berthelot (esposa
de Marcelin Berthelot e sepultada a pedido dele, em reconhecimento ao
apoio que prestou à carreira dele) e Marie Curie (primeira mulher laureada
com um Prêmio Nobel, sendo a primeira pessoa a receber este prêmio
duas vezes, além de ser a única mulher a conquistar tal feita, e primeira
mulher a ser sepultada no Panthéon por méritos próprios). Dentre outros
nomes, foram indicados os nomes de duas mulheres conhecidas por
combaterem o nazismo no período da Segunda Grande Guerra Mundial,
tendo seus nomes aprovador para inclusão no Pantheón. São elas
Germaine Tillion e Geneviève de Gaulle-Anthonioz.

32
O nome de Olympe de Gouge foi levantado, considerando seus
esforços pelos direitos das mulheres, dos filhos ilegítimos e dos negros.
Porém, não foi escolhida, e as razões para isso acredita-se que sejam por
suas obras defenderem princípios que vão de encontro ao que defende o
forte movimento de costumes patriarcais. Assim, para evitar uma reação
popular conservadora no momento de instabilidade que vivia a França,
considerou-se que suas obras eram contrárias a todos os costumes
patriarcais tanto de seu século quanto do século XXI. E, ainda que seu
nome fosse, aprovado, o enterro seria cerimonial apenas, considerando
que é desconhecido o paradeiro de seus restos mortais.

Para fugir da guilhotina, seu filho Pierre Aubry a renegou. Por esta razão
não pôde reclamar o corpo de sua mãe, que deve ter sido destinado à uma vala
comum, juntamente com grande parte das vítimas de guilhotina da época.

Símbolo do feminismo, também vista como encarnação perfeita


dos ideais humanistas do século das luzes, Olympe de Gouges foi mais
uma vítima infeliz do Terror (TORRES, 2014).

3.2 Olympe e a Revolução Francesa


O lema da Revolução Francesa era a colocação de três princípios,
em um triângulo equilátero, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A escolha
da forma geométrica não é aleatória. O triângulo equilátero possui os
três lados iguais e os três ângulos com a mesma medida. Da mesma
forma, os três princípios deveriam ser colocados igualmente no mesmo
patamar, sem haver privilégio de nenhum deles e sendo-lhes exercidos
de forma mitigada. Ou seja, a Igualdade deve ser pensada de tal forma
que não diminuirá a Liberdade, ao mesmo modo que a Igualdade deve
ser verificada ao fim, não no começo, porque não é preciso começar com
igualdade, mas terminar com igualdade.

Isso em qualquer combinação de princípios. O indivíduo teria a


liberdade de, por exemplo, usufruir como quisesse de seus bens, mas não
pode dispor de todos os seus bens, precisa contribuir (os impostos são
um desses sistemas) para que todos alcancem a igualdade.

33
A igualdade pleiteada por Olympe é, justamente, nesse sentido, de
que todos sejam tratados em igualdade, inclusive as mulheres. É preciso
notar que seus manifestos buscavam a plena igualdade, respeitadas
as particularidades de cada um. Olympe está em um campo fértil, uma
sociedade que está se reinventando, saindo do ancien regime. Para
compreender sua obra, é preciso compreender sua contemporaneidade
com Voltaire (capítulo anterior). Não é um juízo de ponderação um ser
melhor que o outro, mas de perceber o valor dado a um discurso e a outro,
qual foi tomado em consideração e qual não.

Olympe, portanto, busca a inclusão plena da mulher em uma


sociedade que tinha a igualdade como mote. Embora sua força seja
empregada especialmente à mulher, não foi só a ela, mas na denúncia da
escravidão e na busca de uma efetiva igualdade. Em que pese ser contra
o status quo, não tenta desconstruir ou atacar a imagem do homem, mas
sim a imagem da opressão. Sua crítica é social, não de gênero.

Por isso, seria muito importante ler a Declaração de Direitos do


Homem e do Cidadão e a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã.
O primeiro é resultado da construção revolucionária francesa, o segundo
é a proposta de Olympe de Gouges. Numa leitura comparativa, é possível
perceber a proposta e a pertinência do pensamento dela. Ao mesmo
tempo, o texto revolucionário deve ser visto pela ótica de Gouges, ou seja,
pela leitura que ela faz do primeiro, compreendendo ser-lhe necessário
atribuir um complemento, ou no mínimo, uma nova forma de leitura.

Olympe sequer é a primeira pessoa a avaliar a mulher com olhos


igualitários. Elas têm um papel circunstancial no ministério de Jesus e
na igreja primitiva. A própria prática do batismo é inclusiva, enquanto a
circuncisão é, por óbvio, adstrita aos homens. Há os que sustentem que a
prática do batismo advém do mikveh (Levítico 11:36), mas seus usos são
completamente distintos. Ao mesmo tempo em que a luta pela igualdade
de gênero, por sua própria natureza, é conflituosa, é transformadora nas
suas ambições. As mulheres lutam contra oposições institucionalizadas.
Elas estão a confrontar religiões, culturas e tradições que defender
defendem os privilégios de homens. É preciso compreender o caráter
libertário de Jesus e sua mensagem.

34
A luta pela igualdade da mulher encontra sérias resistências,
especialmente dos poderes institucionalizados e que, em verdade,
assume dois pontos que precisam ser distintos. A luta pela inclusão
social e igualdade de tratamento deve ser respeitada e incentivada, a
face combativa, de exaltação de um lado em detrimento de outro deve
ser evitada (seja a exaltação do dominante ou a exaltação do dominado).
Portanto, é preciso olhar exatamente mais de perto para as tentativas de
integrar e enfraquecer as reivindicações das mulheres como a de uma
sociedade inclusiva, onde as pessoas, e especialmente as mulheres,
podem falar o que pensam e viver as suas escolhas.

FIGURA 5 – As cidadãs de Paris entregando suas joias à Convenção


Nacional

Legenda: As cidadãs de Paris entregando suas joias à Convenção Nacional, 7 de setembro


de 1789, c.1795 (c / guache no cartão), Lesueur Brothers, (século XVIII) / Museu da
Cidade de Paris, Museu Carnavalet, Paris, França / Arquivo Charmet / The Bridgeman Art.

#pracegover: Uma reunião de vários homens, representando a Convenção Nacional.


Mulheres no centro da sala com vestidos claros entregando alegremente suas joias a dois
senhores. Representação das Cidadãs de Paris, esposas de artistas e de comerciantes
fazem a doação de suas joias à Convenção Nacional.

35
A situação indigna pela qual as mulheres do século XVIII eram
submetidas pode ser vista em diversos trechos de A Vindication of the Rights
of Woman, Wollstonecraft. O texto critica pesadamente o pensamento de
Jean-Jacques Rousseau. Tem-se em Emílio ou Da Educação uma proposta
de uma maneira radical de educação, em que Emílio seria um ser puro,
bom naturalmente e capaz de sobrepor adversidades, mantendo a fé em
seus instintos. Mas esse processo educacional é completamente distinto
do proposto para a futura esposa de Emílio, Sophie. Rousseau sugeria que
Sophie, para ser uma boa esposa, deveria ser treinada, quase adestrada,
para controlar seus impulsos. Sustenta que a boa esposa mantém um
estado permanente de dependência do marido, apresentando-se sempre
altiva, recatada, disposta a atender o marido e contida no seu trato. O
autor escreve em Emílio:
A coisa mais desejada em uma mulher é a delicadeza; formada
para obedecer a uma criatura tão imperfeita quanto o homem
(...) ela deve aprender desde cedo a se submeter à injustiça e a
sofrer os erros impostos a ela pelo seu marido sem reclamar.”
(ROUSSEAU, 2004, p. 76).

A resposta de Mary Wollstonecraft a isso é clara e sincera: “Que


disparate!” (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 175). A contestação da autora
não versa apenas com Rosseau, mas também com todos aqueles que,
de alguma forma, insistiam que mulheres são inferiores intelectualmente.
Wollstonecraft (2006, p. 175) deixa clara a consciência da inferioridade
física da mulher, mas marca que as “virtudes [de homens e mulheres]
devem ser da mesma qualidade, se não do mesmo grau, ou a virtude é
uma ideia relativa”. Em Emílio, Rosseau advoga uma separação radical
entre os gêneros no processo educativo, defesa fundamentada no
pensamento de que a base para uma comunidade moral e ética seria a
mulher atendendo aos deveres domésticos e da maternidade, enquanto o
homem executa as funções racionais e intelectuais, tudo funcionando em
uma relação perfeita.

Frase de Mary Wollstonecraft: Deixe a mulher compartilhar dos direitos e


ela exaltará as virtudes do homem.

36
A defesa de Rousseau, então, era a de que as mulheres deveriam
receber uma educação que as tornassem em serviçais, sendo delicadas,
e agradáveis, subservientes e dedicadas a servir seu marido, já que o
homem estaria ocupado com os afazeres racionais.

Importante marcar também que em A Vindication of the Rights of


Woman surge uma mudança de pensamento no que tange o princípio
de igualdade de gênero no casamento. Neste manifesto a família é
apresentada como microcosmo da organização política. Nela, o homem, a
princípio, teria uma posição que alegoricamente equivaleria ao “monarca”
ao qual a mulher deveria total obediência. Essa posição de Rosseau,
por óbvio, é rechaçada, Mary Wollstonecraft apresenta essa questão da
seguinte forma:
Os muitos sempre foram escravizados pelos poucos; e monstros
(...) já tiranizaram milhares de seus irmãos. Por que então homens
de maiores talentos se submeteram a tamanha degradação?
Pois não é universalmente sabido que reis, vistos coletivamente,
sempre foram inferiores, em habilidades e virtude, ao mesmo
número de homens retirados das massas - e ainda assim, não
são eles ainda tratados com um grau de reverência que é um
insulto à razão? (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 185).

Essa luta pela igualdade de tratamento em nada demonstrava haver


a necessidade de mesmas funções, apenas o combate à hierarquia, sendo
que não há superior ou submisso, mas que, na verdade, há distinções
de natureza e ambos em confluência para o bem comum. A própria
Wollstonecraft resume este conceito: “Eu amo o homem como meu
companheiro; mas seu cetro, real ou usurpado, não se estende a mim.”
(WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 184).

O século XVIII apresentou uma profunda ruptura nas bases do


pensamento ocidental. É a primeira vez que o indivíduo passa a ter voz
frente ao Estado e, por correspondência lógica, a mulher passa a ter voz
e opinião na relação. É por isso que nesse período se inicia uma maior
discussão sobre o papel social das mulheres. E, como toda discussão,
há resistências, distorções, embates e contradições em todas as áreas.
O progresso chegou à civilização europeia. Naturalmente, uma revisão
dos paradigmas estabelecidos, trazendo, naturalmente, um espaço para

37
mais igualdade de gêneros. No século XVIII, com autores como William
Alexander, Mary Astell, Catharine Macaulay e a própria Mary Wollstonecraft,
finalmente as mulheres começariam a levantar tais questionamentos.

É importante ressaltar que a pauta da igualdade de gênero sendo


utilizada como conceituação política sem conteúdo é um risco para a
causa política que tenta fazer o povo acreditar que há uma distribuição
de poder, acesso e privilégio, de modo que todos saem ganhando, felizes
e sem grandes desafios. Para a inclusão social, a pauta é a inclusão de
todas as mulheres, não apenas um grupo seleto delas.

Dessa forma, o desafio é começar a teorizar e idealizar uma


mudança efetivamente transformacional, não apenas uma inclusão de um
aspecto da vida, seja econômico, social ou político. . A metanóia, a mudança
de mente, é a essência da mensagem da cruz e da necessidade humana.

Síntese do Capítulo
Até este momento, foram vistos ideários e visionários. Os pensadores
apontados não conseguiram plenamente efetuar políticas ou medidas de
implementação. Ou seja, Aristóteles, Voltaire e Olympe de Gouges tem seu
valor inequívoco. Mas não conseguiram uma efetividade em tornar seus
ideais em verdade.

O pensamento é importante, mas não conseguiram colocar em prática


na totalidade. Mas é preciso notar que há um espaço entre as coisas sensíveis
e as coisas do mundo das ideias. Evidentemente, algumas coisas que são
mais físicas, são mais fáceis de perceber. Mas, usando o pensamento
Socrático do mundo das ideias, os objetos e o que exista no mundo físico é
transitório. Enquanto as coisas do mundo das ideias são permanentes.

Nesse ponto, sobre essa ótica, é comum que os estudantes pensem


que, então, Deus, por ser eterno, existiria apenas no mundo das ideias.
Não, Deus não é uma ideia abstrata e hipotética, Deus é espírito (João
4:24). A questão aqui é compreender dois pontos essenciais, os textos
trazidos e os vindouros.

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Aristóteles sustentou que a vida em sociedade demandava atitudes
políticas, na essência, de pólis mesmo. Ou seja, para viver em sociedade
é preciso pensar na sociedade e no papel individual contributivo da
sociedade, já que ela é a força-motriz de nosso arranjo, crescimento e
força. A coletividade se torna mais importante que o indivíduo, porque
uma sociedade forte protege o indivíduo.

Ao passo que Voltaire e seus contemporâneos, perceberão e


sustentarão que essa força defendida por Aristóteles não estava errada,
mas foi se estabelecendo um poder público cada vez mais forte até o ponto
em que chega a esquecer do indivíduo e, por isso, passam a defender uma
correção, em que não defendem o desaparecimento do Estado, mas a
volta a um estado que proteja o indivíduo e lhe possibilite a existência digna
e tenha espaço para a iniciativa privada, sendo as conquistas de cada um
fruto do seu esforço e crescimento pessoal, e não mais os privilégios de
berço por nascer na imutável classe privilegiada. Resultado disso, foi-lhe
apresentada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Ao mesmo tempo, se levanta uma questão, de olhar o indivíduo


em suas individualidades, portanto, a mulher não poderia ser olhada do
mesmo modo, porque suas individualidades não seriam contempladas
com aquele texto. Esta é a razão pela qual Olympe de Gouges levanta
a sua voz e recebe uma resposta, como visto, uma resposta que não a
esperada, mas sua voz não ficou silente, produziu algum efeito.

É importante perceber que os pensadores apontados, ainda que não


consigam a plena formação e implantação de suas ideias, conseguiram
externar as injustiças e mudanças sociais que entendiam serem
necessárias na sociedade em que estavam inseridos.

Por isso, o falar é uma demonstração de que aquele assunto,


aquela demanda, chegou a ouvidos sensíveis, ouvidos que dão guarida
àquela demanda. Ainda que não se efetivem, que forças externas não
permitam a sua concretização. A anunciação já mostra a existência de
uma necessidade e, falar sobre, a partir disso, leva ao passo da mudança.

39
4. As Ações Sociais na Prática,
no Estado Moderno
4. As Ações Sociais na Prática, no Estado
Moderno
Até este momento, temos vistos ideários e visionários. Os
pensadores apontados não conseguiram plenamente efetuar políticas
ou medidas de implementação. Ou seja, Aristóteles, Voltaire e Olympe de
Gouges tem seu valor inequívoco. Mas não conseguiram uma efetividade
em tornar seus ideais em verdade.

4.1 Otto Von Bismarck e a Previdência Social


Otto von Bismarck marcará um novo passo neste estudo, o da
prática estabelecida. A partir de agora, a análise acontece com o foco no
que foi implantado. Como já foi dito, até esse momento histórico, como
citado o Panem et circenses, as assistências das Santa Casas, Casas de
Misericórdia, das Igrejas e da até o famoso episódio dos brioches, o que
se vê é a assistência ao famérico. Ao mesmo tempo, é difícil separar o que
era política de Estado e o que era assistência religiosa. Isso porque era
difícil limitar onde era o Estado e onde era a Igreja.

O braço social e assistencial do Estado, até então, era a Igreja e a


igreja se valia do Estado para conseguir seus meios de subsistência e
de manutenção de sua estrutura e de suas ações sociais. Mesmo que
houvesse efetiva determinação legal para isso, como em 1601 na Inglaterra,
com a “Poor Relief Act”, com cunho assistencialista, também conhecida
como “Lei de Amparo aos Pobres” visando através de contribuição
obrigatória prestar auxílio aos indigentes. É com Bismarck que o Estado
cria um programa de previdência social estatal, que será analisado em
sequência, visando de modo público e político cuidar dos beneficiários.

41
FIGURA 8 – Otto Von Bismarck

Legenda: BRADY, M. Count Otto Von Bismarck,


1860 – 1865. Fotogravura. Foto disponível em:
https://www.gettyimages.pt/fotos/otto-von-bis-
marck?mediatype=photography&phrase=ot-
to%20von%20bismarck&sort=mostpopular.
Acesso em: 27 de jul. 2020.

#pracegover: Perfil de Otto Von Bismark,


usando vestes de um militar do exército
prussiano e semblante sério.

Otto von Bismarck, militar e político prussiano, nasceu em 1815,


em Schönhausen. Seu grande legado é a unificação dos estados alemães
e construiu os alicerces do Segundo Império Alemão que durou de 1871
a 1918. Ficou conhecido como “Chanceler de Ferro” devido sua política
implacável contra seus adversários.

Otto von Bismarck nasceu numa família de Junkers, os chamados


ricos proprietários de terras. Com a intenção de ser diplomata estudou
Direito nas Universidades de Göttigen e na Universidade Humbolt, em
Berlim. Entrou na política através dos círculos conservadores e foi
embaixador da Prússia junto ao Império Russo e à França. Em 1862, o rei
da Prússia, William I, o nomeia primeiro-ministro e Bismarck se dedica a
forjar a unificação dos estados germânicos.

O termo alemão Realpolitik designava uma corrente política europeia


do século XIX. A Realpolitik ou realismo político, se baseia no princípio
que a política deveria estar isenta de princípios ideológicos e morais, uma
das razões pelas quais ele busca um distanciamento da igreja nacional
alemã, ainda que mantenha sua existência oficial. O fim político de um
Estado é garantir sua própria paz e ordem, nem que para isso seja preciso
fazer a guerra. Longe de serem contraditórias ou inovadoras, estas ideias
já tinham sido expressadas no século XV, por Nicolau Maquiavel em seu
livro “O Príncipe”.

42
Bismarck desconfiava das ideias liberais do seu tempo como
sufrágio universal, maior poder de decisões ao Parlamento e liberdade de
imprensa. Por isso, praticava o que se denominou Realpolitik. Uma das
frases que sintetiza bem sua personalidade política é “A liberdade é um
luxo a que nem todos se podem permitir.” Desta maneira, ao ser nomeado
primeiro-ministro, Bismarck dissolve o Parlamento, decreta censura aos
jornais e começa a promover a unificação alemã a “ferro e sangue”.

Frase de Bismarck: “A política não se faz com discursos, festas populares


e canções; ela faz-se apenas com sangue e ferro.”.

4.1.1 Unificação Alemã


Coexistiam duas ideias para unificar os 39 estados alemães. O primeiro
era defendido pela Áustria, a Grande Alemanha, que reuniria também vários
povos do Império Austríaco como húngaros, eslovacos e tchecos.

A segunda seria a ideia de “Pequena Alemanha”. Esta proposta


consistia em reunir apenas os estados de língua alemã, sob domínio do
rei prussiano, e sem a participação do Império Austríaco.

Nesta época, a Confederação da Alemanha do Norte, promovia a


unificação de suas alfândegas e da moeda através do Zollverein. Esta
política consistia na eliminação de taxas e moedas diferenciadas de cada
pequeno estado alemão para uma só aduana e moeda.

Frase de Bismarck: “Consegui governar com a corrente dos acontecimentos;


não consegui, porém, dirigi-la.”

43
FIGURA 9 – Mapa da Confederação Alemã 1815-1866

FONTE: Putzger - Historischer Weltatlas, 89ª edição, 1965.

#pracegover: A imagem mostra a impressão de um mapa da Confederação Alemã de


1815 – 1866, com seus respectivos limites e divisões internas.

4.1.2 Guerras
Para convencer os estados alemães a se juntar ao projeto prussiano,
Bismarck recorre à propaganda política de caráter bélico. Sempre insistia
nos “valores militares” alemães em detrimento dos valores artísticos ou
humanísticos, por exemplo. Desta maneira, provoca sucessivamente
guerras com a Dinamarca, a Áustria e a França. Estes conflitos
desenvolvem a crescente indústria pesada alemã transformando-a na
melhor do mundo.

A integração territorial foi promovida por meio da construção de


estradas de ferro, que tinham a função de escoar matérias-primas (como
o ferro) e produtos diversos de uma região para outra. O exército prussiano

44
recebeu grandes investimentos para desenvolver novas armas e melhorar os
demais equipamentos utilizados pela infantaria. A Prússia estava preparada
para levar a cabo a sua estratégia de pressionar o Império Austríaco e os
demais Estados menores de cultura germânica a cederem à unificação.

A primeira estratégia foi empregada em 1863, quando Frederico


VII, da Dinamarca, morreu e houve um impasse sobre a sucessão dos
ducados de Schleswig-Holstein. Esses ducados ficavam nos domínios
germânicos e Bismarck pressionou a Áustria para que entrasse, com
a Prússia, em guerra contra a Dinamarca. Em 1865, os ducados foram
anexados à Prússia, começando assim o processo de expansão. Mais
tarde, a própria Áustria passou a ser o alvo dos prussianos, em razão das
várias discordâncias a respeito do projeto de unificação. Em 1866, na
Batalha de Sadowa, a Prússia venceu as forças austríacas e anexou muitos
de seus territórios, formando a chamada Confederação da Alemanha, um
protótipo do que seria o II Reich.

Frase de Bismarck: “Há ocasiões em que devemos governar livremente e


ocasiões em que devemos governar com mão de ditador. Tudo se alterna.”.

Em 1870, o poderoso exército prussiano, aliado aos Estados alemães


já anexados, enfrentou um de seus inimigos mais poderosos, o Império
Francês, comandado por Napoleão III. Tinha início assim a Guerra Franco-
Pussiana, da qual os franceses sofreram uma derrota esmagadora. Um
dos resultados dessa guerra foi a anexação da região da Alsácia-Lorena,
que pertenceria à Alemanha até o fim da Primeira Guerra Mundial. Outro
resultado importante foi a aclamação de Guilherme I como imperador da
Alemanha no Palácio de Versalhes, na França.

O valoroso exército prussiano foi a essência da glória do governo


de Bismarck. Evidentemente, ele era um visionário, conseguia planejar e
vislumbrar o resultado de seus planos, mas era a mão forte de seu exército
que tornou realidade os seus ideais. Bismarck não esqueceu deles.

A guerra contra a França foi, sem dúvida, a mais importante. O


Segundo Império Alemão foi proclamado em pleno Palácio de Versalhes,

45
a França condenada a pagar indenizações e entregar importantes regiões
ricas em carvão.

Apesar de a vitória alemã ser incontestável, isto provocaria um forte


sentimento anti-germânico nos franceses, que culminaria na Primeira
Guerra Mundial.

Frase de Bismarck: “Quem toma conta da carteira tem o poder.”.

4.1.3 Fim de Carreira


Por seus serviços prestados ao Reino da Prússia e ao Império
Alemão, Otto von Bismarck foi agraciado com títulos nobiliárquicos de
conde, príncipe e duque. Durante o reinado de William I, Bismarck gozava
de toda confiança do monarca. No entanto, após o falecimento deste
e a ascensão do herdeiro, William II, em 1888, as políticas de Bismarck
entraram em choque com o novo soberano.

O chanceler é forçado a se demitir em 1890 e se recolhe em sua


propriedade rural. Ali, escreveria suas memórias, “Pensamentos e
reminiscências”, que seriam publicadas após seu falecimento em 1898.

Frase de Bismarck: “A história é um simples pedaço de papel impresso; o


principal, ainda, é fazer história, e não escrevê-la.”.

4.2 A Previdência Social no Mundo


Em 1883, na Prússia atual Alemanha, surge o primeiro sistema de
seguridade social, a sociedade vivia um período de grande progresso
industrial e de conflitos ideológicos com as ideias socialistas, como
se verifica na biografia dele. Bismarck estabeleceu leis de proteção a
certo grupo determinado de trabalhadores, contra os riscos sociais. O
financiamento se dava através da cobrança obrigatória de quotas para
os segurados e os empregados o papel do Estado, neste momento, era

46
de regulador. Esse modelo excluía grande parte da população ao acesso
à proteção social pois quem não contribuía não tinha direito a nenhum
benefício. Sua função era indenizatória compensava parcialmente o
indivíduo em caso de desemprego e redução de salário. Esse sistema
abrangia os riscos sociais tais como: seguro doença, proteção contra
acidentes, seguro contra invalidez e velhice.
Verdade que tal medida era uma medida foi bastante inovadora e
trouxe à Bismarck muita popularidade e aceitação da população, ainda
que tenha tido pouca efetividade. E a pouca efetividade se deve porque
a aposentadoria seria concedida aos 65 anos, mas a expectativa de vida
da população era de 45, semelhante a lei abolicionista do sexagenário,
no Brasil. Essa é, historicamente, a medida consagrada como início do
sistema de previdência social.
No campo da previdência privada, há relatos que a American Express
já oferecia planos desde 1875. Consta também que em 1882, a Ferrovia
Baltimore e Ohio introduzira seu primeiro plano de aposentadoria, financiado
com contribuições de empregadores e dos próprios trabalhadores. Fico
com o pioneirismo alemão por sua abrangência e pelo maior número de
relatos referindo Bismarck como precursor moderno da aposentadoria.
Bismarck também sistematiza um sistema de aposentadoria dos
oficiais do exército e da marinha (a força aérea alemã foi criada apenas
em 1910). Contudo, o oficialato era ocupado, quase em sua totalidade, por
membros das famílias mais abastadas e tradicionais.
“Aqueles que estão incapacitados para trabalhar por idade ou
invalidez têm o direito de serem cuidados pelo Estado”, disse Bismarck
em discurso na ocasião. Seus críticos lhe indicaram que a medida era
“socialista”. O nobre prussiano retrucou: “Pode chamar de socialista ou do
nome que quiser. Não estou nem aí”.
Bismarck, conhecido como “o chanceler de ferro”, não era um
filantropo, nem estava preocupado com o bem-estar de seus cidadãos.
Mas temia as revoltas sociais que afetavam a Europa. Dessa forma,
tomou a medida, inédita na época. Essa foi a primeira vez na história do
planeta que um Estado determinou que pagaria uma mensalidade para as
pessoas que vivessem acima de determinada faixa etária.

47
Até esse momento as pessoas precisavam trabalhar até morrer. Não
se aposentavam. Os que haviam tido uma série de circunstâncias favoráveis,
conseguiam juntar dinheiro e com isso sobreviviam até falecer. Os demais
precisavam ser sustentados por seus filhos (se os tivessem) ou parentes.
Essa é a razão pela qual, inclusive, tradicionalmente as famílias possuíam
uma elevada prole. Ter muitos filhos nessa época trazia duas possibilidades,
a primeira era que aumentavam as probabilidades de mais de um filho chegar
à idade adulta e a segunda, o “custo” de sustento dos pais poderia ser dividido
e assim garantir uma vida um pouco mais digna a todos.
É a partir de tal iniciativa que outros países também adotam como
política de Estado a preocupação de criação de um sistema que seja
solidário e contributivo, ou seja, que as pessoas economicamente ativas
contribuam em um sistema que assista a sociedade como um todo e,
também, garanta-lhes a assistência no futuro.

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5. Epitácio Pessoa
5. Epitácio Pessoa
Epitácio Pessoa (1865-1942) foi um político brasileiro, Presidente da
República do Brasil entre 28 de julho de 1919 e 15 de novembro de 1922.

Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro, Paraíba,


em 23 de maio de 1865. Oriundo de uma família de latifundiários, perdeu
os pais ainda com sete anos, que faleceram vítimas da varíola. Sua criação
foi legada ao tio Henrique Pereira de Lucena, futuro Barão de Lucena e
Governador de Pernambuco. Obviamente, o Barão foi responsável pela
introdução de Epitácio no campo da política.

FIGURA 10 – Epitácio Pessoa

Legenda: Foto retrato de Epitácio Pessoa,


Disponível em: https://www.gov.br/
planalto/pt-br/conheca-a-presidencia/
acervo/galeria-de-presidentes/epitacio-
lindolfo-da-silva-pessoa/view. Acesso
em: 28 de jul. 2020.

#Pracegover: Foto de Epitácio. Homem


sério de postura alinhada e usando terno.

5.1 Formação
Epitácio Pessoa estudou no Ginásio Pernambucano e diplomou-se
em Direito pela Faculdade de Direito do Recife em 1886, esta faculdade,
juntamente com a do Largo São Francisco em São Paulo, é a mais antiga
e mais tradicional do Brasil, sendo fundada pelo próprio Imperador Dom

50
Pedro I. Com apenas um ano de graduado, foi nomeado promotor público
na cidade do Cabo. Decidido a exercer a promotoria em Minas Gerais
ou em São Paulo, em 1889, pediu demissão e solicitou, através de seu
tio, uma audiência com o Imperador Dom Pedro II. Partiu para o Rio de
Janeiro, chegando dois dias antes da Proclamação da República.

5.2 Carreira Política


Diante dessa reviravolta, retorna à Paraíba em dezembro do mesmo
ano. Assume, por poucos meses, o cargo de secretário-geral do Estado
e em seguida elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte de 1890 a
1891. Quando muda-se, então ao Rio de Janeiro, capital da República.

Ao fim do mandato, foi nomeado Ministro da Justiça pelo Presidente


Campos Sales. Em seu trabalho ministerial, ocupou uma posição central
no governo, foi encarregado de executar a “política dos governadores”,
uma política de troca mútua de favores entre os governantes estaduais
(oligarquias) e o governo federal. O governo de Campos Sales foi bastante
conturbado em função da severa crise econômica que se abateu,
especialmente por alta inflação e uma séria renegociação com credores
ingleses. O governo de Campos Sales foi extremamente impopular e
ao deixar a presidência, foi vaiado do Palácio até a estação ferroviária.
Tratava-se de um período complexo, de estabilização da República e
poderes econômicos do antigo regime sendo sobrepostos por novos.
Epitáfio teve um papel significativo no governo.

Entre seus atos, retomou o projeto do código civil, parado desde o


tempo da monarquia, e o encaminhou ao Congresso Nacional em menos
de três anos. Em 1902, Epitácio Pessoa foi nomeado ministro do Supremo
Tribunal Federal, permanecendo no cargo até 1912, quando se aposentou
por motivo de saúde, alegando uma séria lesão nas costas, que o impedia
de comparecer aos julgamentos.

Aposentado, retorna à Paraíba. Mas na eleição seguinte, é eleito


como senador, cargo que exerceu plenamente. Em 1919, foi nomeado
delegado do Brasil na Conferência de Versalhes. Este detalhe é crucial
nesta disciplina.

51
FIGURA 11 – Conferência de Paz em Versalhes – França

Legenda: ORPEN, William. The Signing of Peace in The Hall of Mirrors. 1919. 1 Óleo
sobre tela. Colorido, 1524mm x 1270mm, Versailles – França, Coleção do museu IWM
London. Disponível em: https://www.iwm.org.uk/collections/item/object/20780. Acesso
em: 03 de ago. 2020.

#Pracegover: Representação dos diplomatas e dignitários das nações aliadas na galeria


dos espelhos, no Palácio de Versalhes.

52
5.3 Presidente da República
Em 1918, Rodrigues Alves foi eleito, pela segunda vez, Presidente da
República, mas não pôde assumir o cargo, pois adoeceu e faleceu em 18 de
janeiro de 1919. Ele falece de uma anemia decorrente da gripe espanhola.
Seu Vice-Presidente, Delfim Moreira, assume o mandato e, como previa a
Constituição da época e de hoje, o presidente em exercício deveria convocar
novas eleições. Epitácio ainda se encontrava em Paris, por ocasião do
Tratado de Versalhes, mesmo assim seu nome entra na disputa.

Realizada nova eleição, Epitácio Pessoa saiu vitorioso pelo Partido


Republicano, concorrendo com Rui Barbosa, que teve o apoio do Partido
Liberal. Além de ser curioso o fato de ser eleito sem estar no país, sua
eleição interrompeu a sequência de candidatos oriundos dos Estados de
São Paulo e de Minas Gerais, que ocorria, na República Velha, pelo que
ficou conhecido como política do café-com-leite.

Epitácio Pessoa tomou posse na presidência em 28 de julho de


1919. Pouco depois de assumir, teve que sufocar um levante no interior
da Bahia, daqueles que não aceitaram a derrota de Rui Barbosa, este foi o
primeiro dos desafios que enfrentou em seu mandato.

5.4 Política Econômica


Seu governo foi marcado por diversas crises, muitas delas fruto do
pós-guerra e da conjuntura que o mundo vivia então, inclusive tais fatores
foram essenciais para o surgimento da II guerra Mundial posteriormente.
Dentre essas crises, do ponto de vista nacional, destaca-se o aumento da
inflação, que obrigou o presidente a se recusar a ceder aumentos salariais,
gerando greve geral dos operários; negou também o aumento do soldo
militar, indispondo-se com o Exército, essa indisposição agravou-se ainda
mais com a nomeação de civis para ministro da Guerra e para a Marinha.

Epitácio Pessoa adquiriu empréstimos com os Estados Unidos que


foram utilizados na política de valorização do café, na instalação de uma
usina siderúrgica e na construção de açudes e ferrovias no Nordeste.
Autoritário e enérgico, em 17 de janeiro de 1921, para abafar a voz da

53
oposição, Epitácio Pessoa assinou a “lei da repressão ao anarquismo”,
conseguindo reprimir as revoltas operárias que proliferavam pelo mundo
todo, inflamados pela Revolução Russa, de 1917.

5.5 A Sucessão e a Revolta do Forte de


Copacabana
Como a situação com os militares já não era boa e o cenário
econômico e social não ajudava, a sucessão foi conturbada. O último ano
do governo de Epitácio Pessoa foi marcado pela agitação da campanha
presidencial, entre o mineiro Artur Bernardes e o ex-presidente Nilo
Peçanha (o primeiro presidente negro do Brasil). A campanha eleitoral
tornou-se violenta a partir do momento em que o Correio da Manhã
publicou algumas cartas nas quais eram feitas referências injuriosas ao
Exército e ataques à moral do marechal Hermes da Fonseca, que apoiava
Nilo Peçanha, candidato da oposição.

As cartas eram falsas e a autoria foi atribuída a Arthur Bernardes,


candidato da situação, que alegou inocência. O marechal Hermes fez um
pronunciamento político em nome do Exército e, por isso, foi preso por ordem
do presidente Epitácio, era o início de uma luta armada. No dia 5 de julho de
1922, explodiu a primeira revolta tenentista do Brasil: a Revolta do Forte de
Copacabana, sob a liderança do capitão Euclides da Fonseca, filho de Hermes.

Curiosidade

No dia 5 de julho, o Forte de Copacabana foi bombardeado fortemente


a mando do governo. Euclides Hermes da Fonseca e Siqueira Campos
receberam um telefonema do Ministro da Guerra, solicitando a rendição
dos militares. Dos 301 militares que estavam no forte, renderam-se 272.
O capitão Euclides Hermes saiu do forte para negociar com o Ministro
da Guerra, e acabou sendo preso. Os que permaneceram no forte sob o
comando do tenente Siqueira Campos não bombardearam a cidade, como
o plano inicial, mas saíram em marcha pela Av. Atlântica, porém alguns
militares abandonaram a revolta e restaram apenas 18 militares. No fim da
marcha, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes ficaram feridos
além de dois soldados, o restante morreu em combate desigual.

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FIGURA 12 – Tenentes em marcha

Legenda: COUTO, Zenóbio, publicada no jornal “O Malho”, com os tenentes e o civil na


orla de Copacabana. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/nesta-data/levante-
dos-18-do-forte-de-copacabana/. Acesso em: 28 de jul. 2020.
#Pracegover: Militares e civil revoltosos, marchando na orla de Copacabana.

Em 15 de novembro de 1922, assume o seu sucessor Artur


Bernardes. Ao deixar a presidência, Epitácio Pessoa assumiu o cargo de
juiz na Corte Internacional de Haia, na Holanda, onde permaneceu até
1930, quando ocorre a Revolução no Brasil.

Em 1928, indicou o sobrinho João Pessoa para o governo da Paraíba


e, mais tarde, apoiou-o na decisão de romper com a política oficial e compor
junto com Getúlio Vargas a Aliança Liberal, na disputa presidencial de
1930. João Pessoa, governador da Paraíba e candidato a vice-presidente,
foi assassinado na Confeitaria Glória, no Recife. Esse fato, obviamente,
interfere na campanha presidencial. Julio Prestes acaba sendo eleito, em
uma eleição bastante contestada e disso, somado ao assassinato, ocorre
a Revolução de 30, que torna Getúlio Vargas presidente por um processo
não democrático. Contudo, a autoria da morte de João Pessoa não foi
atribuída a Julio Prestes, mas ao governador da Paraíba, João Suassuna,
pai do escritor Ariano Suassuna. João Suassuna é assassinado três
meses após esse fato. A saúde de Epitácio pessoa sofreu grande abalo
com o assassinato de seu sobrinho, João Pessoa, no dia 26 de julho de
1930, o que o faz deixar a corte internacional e retornar ao Brasil, quando
entra em um processo de ostracismo. Seus últimos anos de vida foram
de afastamento de todo cenário político, mesmo sendo ele um natural
apoiador de Getúlio. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de fevereiro de
1942, em decorrência do mal de Parkinson.

55
5.6 Epitácio Pessoa e a Atenção Social
A grande e relevante participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial,
com os pracinhas da Força Aérea Brasileira e da Força Expedicionária
Brasileira, é inegável. Os brasileiros conseguiram feitos na Itália que outros
exércitos maiores e mais equipados não lograram. Mas, o Tratado de
Versalhes é o tratado assinado para e pelo fim da Primeira Guerra.

O Brasil assina, em função da Convenção de Haia, um tratado de


neutralidade. Esse tratado segue durante grande parte do conflito e isso
permitiu ao Brasil manter suas exportações, especialmente de café. A
neutralidade é mantida até que navios brasileiros (basicamente carregados
justamente com café) foram afundados por submarinos alemães, alguns
desses naufrágios, inclusive, com a morte de marinheiros mercantes. O
Brasil, então, confisca navios alemães que se encontravam em portos
nacionais e os integram à Marinha brasileira.

Devido a esses ataques, em 26 de outubro de 1917, o Brasil declara


guerra à Alemanha, cuja atuação principal foi de logística e apoio aos
aliados. Realizou o patrulhamento do Atlântico Sul e seus navios foram
integrados à esquadra britânica. Além disso, enviou uma missão médica
que atuou em hospitais de campanha, um contingente de sargentos e
oficiais para combaterem ao lado do exército francês e aviadores do
Exército e da Marinha, que se integraram às tropas da Royal Air Force bretã.

56
FIGURA 13 – Manchete do jornal “A Época”

Legenda: Manchete do jornal “A Época”, do Rio de Janeiro, que em 26 de outubro de


1917 anunciava a entrada do Brasil na I Guerra Mundial, após o torpedeamento do navio
mercante nacional Macau pelo submarino alemão U-93

#Pracegover: Foto do jornal “A Época” do ano 1917 com título “O Brasil na Grande Guerra”.

Em que pese sua pontual participação e, normalmente, em apoio a


outras forças armadas, o Brasil é chamado à Conferência de Versalhes,
por ocasião do fim do conflito. Epitácio Pessoa é eleito presidente do
Brasil enquanto ainda se encontrava na França, fato único na história. Ele
concorre com Rui Barbosa.

No Tratado de Versalhes, os países derrotados, especialmente a


Alemanha, são obrigados a indenizar os prejuízos ocorridos aos países
vencedores, como dito, o Brasil teria direito em função de seus navios
afundados. Mas há um detalhe importante que interfere na política social
do país, era necessário que houvesse um plano de previdência e assistência
social para que os países tivessem direito a receber tal indenização.

Mesmo sendo república e não tendo mais uma religião oficial, o


Brasil não tinha um grande sistema de assistência social. Como toda
história católica portuguesa e espanhola, as primeiras Santas Casas de
Misericórdia são ligadas a instituições religiosas. Brás Cubas, fidalgo
português que governou a Capitania de São Vicente, funda a primeira
Santa Casa, em Santos-SP.

57
Sobre o projeto de previdência, o que havia era o Plano dos Oficiais
da Armada (Marinha), criada em 1793 por Dom João VI, que garantia
aos oficiais da Marinha, quando mortos em combate, uma pensão e um
enterro custeado pela Força.
A população que tivesse condições poderia, desde 1830, contratar
empresas privadas, como a Sociedade Animadora da Corporação dos
Ourives. Basicamente essas empresas forneciam o que hoje é conhecido
como os Planos de Previdência. Em 1835, uma empresa chamada de
Montepio da Economia dos Servidores do Estado, que hoje ainda atua e
se chama Mongeral, faz o primeiro plano de previdência.
É por ocasião do cumprimento do tratado de Versalhes que o Estado
brasileiro começa a, efetivamente, implementar um plano de previdência
e proteção social e de respeito às leis trabalhistas. O primeiro plano
estado era de aposentadoria e pensões dos ferroviários. A segunda lei
era para a marinha mercante e para os marinheiros fluviais. Os planos
eram comuns, um desconto de 3% do salário dos servidores, 1% da renda
bruta dessas empresas e 1% que era repassado pelo governo sobre o que
essas empresas recolhiam a título de impostos. Perceba que até esse
ponto, o trabalhador assistido era o que deixava a sua casa (ferroviários,
marinheiros civis e militares).
Em 1928, cria-se o plano para os comerciários e, com a chegada
da década de 1930 e o processo de industrialização de Getúlio Vargas,
com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, é reunida
a grande variedade de leis trabalhistas (por isso que a reunião das leis
trabalhistas de clamada da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É
assim que se consolidam as leis trabalhistas e sistemas de assistência
social, em que não apenas as pensões e aposentadorias eram regidas,
mas todo o sistema de assistência social. Primeiro reunido em torno do
INPS, depois INAMPS e atualmente o INSS.
É dessa forma que se estabelecem as primeiras políticas públicas
de assistência à população brasileira que estejam além do fisiologismo.
O sistema é pensado, assim, de forma mista, envolvendo o custeio
pela população (pessoas físicas), pela iniciativa privada (empresas e
companhias) e pelo poder público (pelo estado que repassa recursos
arrecadados em impostos e tributos).

58
Todo esse grupo de ações, principiada pelo atendimento social,
passando ao Sistema de Previdência Social e demais ações são chamadas
de Ações Afirmativas. O debate público a respeito das ações afirmativas
no Brasil tem sido marcado por cinco dilemas e tensões.

Curiosidade

Como exemplo, há dezenas de ações judiciais propostas contra cotas


para afrodescendentes em universidades (ver, como ilustração, TRF1 –
AC2006.33.00.002978-0/BA e AMS 2003.33.00.007199-9/BA, TRF4 – AC
2005.70.00.013067-9), bem como a ação direta de inconstitucionalidade
n. 2.858, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal pela Confederação
dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) contra leis estaduais que
instituíram cotas no Estado do Rio de Janeiro. A mídia tem explorado muito
esse tema, com diversos artigos publicados (ver clipping da SEPPIR para
artigos da mídia privada, e o site da Radiobrás para a cobertura oficial).

O primeiro dilema atém-se à discussão acerca da “igualdade


formal versus igualdade material”. Argumentam os opositores das
ações afirmativas que seriam elas atentatórias ao princípio da igualdade
formal, reduzido à fórmula “todos são iguais perante a lei”, na medida em
que instituiriam medidas discriminatórias. Como já exposto, as ações
afirmativas orientam-se pelo valor da igualdade material, substantiva. Por
isso, seria possível ler essa igualdade como sinônimo de equidade.

Uma segunda tensão envolve o antagonismo “políticas universalistas


versus políticas focadas”. Isto é, para os críticos das ações afirmativas,
estas demandariam políticas focadas, favoráveis a determinados grupos
socialmente vulneráveis, o que fragilizaria a adoção das políticas universalistas.
A resposta a essa crítica é que nada impediria a adoção de políticas
universalistas combinadas com políticas focadas. Além disso, estudos e
pesquisas demonstram que a mera adoção de políticas universalistas não
tem sido capaz de reduzir as desigualdades raciais, que se mantêm em
padrões absolutamente estáveis ao longo de sucessivas gerações.

Uma terceira crítica apresentada concerne aos beneficiários


das políticas afirmativas, considerando os critérios “classe social” e

59
“raça/etnia”. Aqui a tensão envolve, de um lado, o branco pobre, e, de
outro, o afrodescendente de classe média. Ora, a complexa realidade
brasileira vê-se marcada por um alarmante quadro de exclusão social e
discriminação como termos interligados a compor um ciclo vicioso, em
que a exclusão implica discriminação e a discriminação implica exclusão.
Outra tensão diz respeito ao argumento de que as ações afirmativas
gerariam a “racialização” da sociedade brasileira, com a separação
crescente entre brancos e afrodescendentes, acirrando as hostilidades
raciais. Quanto a esse argumento, cabe ponderar que, se “raça” e “etnia”
sempre foram critérios utilizados para exclusão de afrodescendentes no
Brasil, sejam agora utilizados, ao revés, para a sua necessária inclusão.
Um quinto dilema, especificamente no que se refere às cotas para
afrodescendentes em universidades, atém-se à autonomia universitária e à
meritocracia, que restariam ameaçadas pela imposição de cotas. Contudo,
o impacto das cotas não seria apenas reduzido ao binômio inclusão/
exclusão, mas também permitiria o alcance de um objetivo louvável e
legítimo no plano acadêmico – que é a riqueza decorrente da diversidade.
As cotas fariam com que as universidades brasileiras deixassem de ser
territórios brancos, com a crescente inserção de afrodescendentes, com
suas crenças e culturas, o que em muito contribuiria para uma formação
discente aberta à diversidade e pluralidade.

Curiosidade
Em 2007, os irmãos gêmeos Alex e Alan prestaram vestibular na
Universidade de Brasília (UnB). Ambos optaram pelo sistema de cotas
raciais que reservava, à época, 20% de suas vagas a afrodescendentes e
pardos. Ambos tiraram foto no mesmo dia e local. Alan foi considerado
pardo, portanto, com direito à cota, Alex foi considerado branco, sem
direito à cota. Eles são gêmeos idênticos, ou seja, univitelinos, fruto
do mesmo óvulo e do mesmo espermatozoide que, no processo
de gestação, dividiu-se em dois fetos. Portanto, são geneticamente
idênticos. São filhos de um homem negro e de uma mulher branca.
Essa questão, que se pode notar, repercutiu significativamente na mídia
e demonstra a necessidade de estabelecimento de regras mais claras
para a implantação de tais políticas.

60
Dados do IPEA revelam que menos de 2% dos estudantes
afrodescendentes estão em universidades públicas ou privadas. Isso faz com
que as universidades sejam territórios brancos. A universidade é um espaço
de poder, já que o diploma pode ser um passaporte para ascensão social.
É fundamental democratizar o poder e, para isso, há que se democratizar o
acesso ao poder, vale dizer, o acesso ao passaporte universitário.

O debate público das ações afirmativas tem ensejado, de um lado,


aqueles que argumentam constituírem elas uma violação de direitos, e, de
outro lado, os que advogam serem elas uma possibilidade jurídica ou mesmo
um direito. A respeito, note-se que o anteprojeto de Convenção Interamericana
contra o Racismo e toda forma de Discriminação e Intolerância, proposto pelo
Brasil no âmbito da OEA, estabelece o direito à discriminação positiva, bem
como o dever dos Estados de adotar medidas ou políticas públicas de ação
afirmativa e de estimular a sua adoção no âmbito privado.

Por fim, em um país em que os afrodescendentes são 64% dos


pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA)1, em que no Índice de
Desenvolvimento Humano geral (IDH, 2000) figura em 74º lugar, mas que,
sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afrodescendente
o indica na 108ª posição (enquanto o IDH relativo à população branca
o indica na 43ª posição) (PAIXÃO, 2000, sem paginação), faz-se
essencial a adoção de ações afirmativas em benefício da população
afrodescendente, em especial nas áreas da educação e do trabalho.
Note-se que, de acordo com o International Development Bank (Banco
Internacional de Desenvolvimento), há aproximadamente 190 milhões de
afrodescendentes nas Américas, correspondendo a 25% da população da
região, que enfrenta um legado histórico de exclusão social, desigualdade
estrutural e grave discriminação.

Considerando as especificidades do Brasil, que é o segundo país


do mundo com o maior contingente populacional afrodescendente (45%
da população brasileira, perdendo apenas para a Nigéria), tendo sido,
contudo, o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, faz-se

1 “Ipea afirma que racismo só será combatido com política específica”, Folha de S.
Paulo, p. A6, 8 jul. 2001.

61
urgente a aplicação de medidas eficazes para romper com o legado
histórico de exclusão étnico-racial e com as desigualdades estruturantes
que compõem a realidade brasileira.

Se no início este texto acentuava que os direitos humanos não são


um dado, mas um construído, enfatiza-se agora que as violações a estes
direitos também o são. Isto é, as violações, as exclusões, as discriminações,
as intolerâncias, os racismos, as injustiças raciais são um construído
histórico, a ser urgentemente desconstruído, sendo emergencial a adoção
de medidas emancipatórias para transformar este legado de exclusão
étnico-racial e compor uma nova realidade.

Destacam-se, nesse sentido, as palavras de Abdias do Nascimento,


ao apontar para a necessidade da inclusão do povo afro-brasileiro,
um povo que luta duramente há cinco séculos no país, desde os seus
primórdios, em favor dos direitos humanos. É o povo cujos direitos
humanos foram mais brutalmente agredidos ao longo da história do país:
o povo que durante séculos não mereceu nem o reconhecimento de sua
própria condição humana.

A implementação do direito à igualdade racial há de ser um imperativo


ético-político-social capaz de enfrentar o legado discriminatório que tem
negado à metade da população brasileira o pleno exercício de seus direitos
e liberdades fundamentais.

62
6. Martin Luther King
6. Martin Luther King
Martin Luther King Jr. (1929-1968) foi um pastor batista americano.
Ficou conhecido por ser um dos principais líderes negros na luta contra a
discriminação racial nos Estados Unidos. Sua ênfase era na obtenção de
salários dignos e mais postos de trabalho para a população negra. Além
disso, defendeu os direitos das mulheres e foi contra a Guerra do Vietnã.
Morre assassinado em meio a esta luta.

FIGURA 14 – Pr. Martin Luther King Jr.

Legenda: CRAVENS, Don. King descreve estratégias para o boicote aos ônibus em
Montgomery, no Alabama. Disponível em: https://edition.cnn.com/interactive/2018/04/
us/martin-luther-king-jr-cnnphotos/. Acesso em: 03 de ago. 2020.

#Pracegover: Martin Luther King falando a um pequeno grupo de pessoas em um


púlpito.

64
6.1 Biografia de Martin Luther King
Martin Luther King Jr. nasceu em Atlanta, que é a capital do estado
da Geórgia. A cidade fica localizada no principal centro cultural, econômico
e político do país e é a nona zona mais populosa. É nesse contexto que
Dr. King cresce, é educado. Tanto seu avô como seu pai eram pastores da
igreja batista, e Martin resolveu seguir por este caminho. Graduou-se em
sociologia na “Morehouse College”, em 1948, Martin Luther King continuou
seus estudos no Seminário Teológico Crozer, em 1951. Posteriormente,
em 1955, fez doutorado em Teologia Sistemática pela Universidade de
Boston, cidade ao norte e ocasião na qual conheceu sua futura esposa,
Coretta Scott King, com quem teve quatro filhos.

A cidade de Atlanta, sul, de tradição escravocrata, ainda tinha um


ambiente de cultura e leis de segregação. Por isso, em toda a sua infância
e e adolescência, Dr. King estava em um ambiente em que a política
segregacionista imperava. Essa luta e essa temática sempre foram
presentes em seu ministério, sendo ele um ativista dentro do movimento
negro que lutava pela igualdade civil entre negros e brancos.

Após seus estudos teológicos, King serviu como pastor numa igreja
em Montgomery, no estado de Alabama. Integrou a “Associação Nacional
para o Progresso das Pessoas de Cor” (NAACP, na sigla em inglês). É
preciso perceber que o Dr. King cresceu e conviveu em um ambiente de
profunda segregação, o sul americano, mas começa sua atividade de
modo significativo quando vai ao norte, a Boston, cuja cultura era distinta.
Evidentemente não há como afirmar se a luta é resultado de uma consciência
que se adquiriu apenas ao conhecer a situação ao norte ou se sua ida ao
norte motivou a ver um mundo mais igualitário. Evidentemente, não havia
um ambiente perfeito ao norte, mas era, indubitavelmente mais brando.

Dentre a série de movimentos realizados, um dos mais impactante


socialmente foi em 1955, o boicote aos ônibus da cidade de Montgomery.
O ato de protesto começou em função do caso Rosa Parks, mulher
negra que foi presa ao negar-se a ceder seu lugar a um homem branco
no ônibus. O boicote durou 382 dias e foi vitorioso, quando a Suprema
Corte Americana declarou ilegal a discriminação racial em transportes

65
Frase de Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o
silêncio dos bons.”

públicos. Durante este tempo, King foi preso, sua casa bombardeada e
sofreu diversos atentados. Este não foi o seu único ato, Dr. King foi um
dos fundadores da “Conferência da Liderança Cristã do Sul” (SCLC, na
sigla em inglês), de 1957, sendo seu primeiro presidente, mantendo-
se na presidência até sua morte. A princípio, a CLCS era integrada por
comunidades negras ligadas às igrejas batistas.

6.1.1 Morte de Martin Luther King


Martin Luther King Jr. foi morto no dia 4 de abril de 1968, em
Memphis, quando se preparava para mais uma marcha civil. Ele estava
na sacada do quarto simples que dividia com outros líderes quando foi
alvejado por tiros. Ainda permanece a dúvida sobre a real autoria deste
crime, posto que King era odiado por grupos racistas espalhados pelo Sul
dos Estados Unidos. Nunca houve um condenado e a investigação do
crime foi bastante polêmica, já que pairam várias suspeitas de fraudes e
encobertamentos.

Martin foi homenageado postumamente com a “Medalha


Presidencial da Liberdade”, em 1977, e a “Medalha de Ouro” do Congresso
americano, em 2004. As duas maiores condecorações que podem ser
dadas a um civil. Além disso, em 1986, foi estabelecido o Dia de Martin
Luther King Jr. como feriado federal dos Estados Unidos. Este é o único
feriado federal americano em homenagem a uma pessoa do séc XX.

6.1.2 Luther King e a Estratégia de Não Violência


A estratégia de luta usada foi o método da não violência e a pregação
de amor ao próximo, inspiradas nas ideias cristãs. Praticava, também, a
desobediência civil, método utilizado por Mahatma Gandhi durante a
independência da Índia. Ambas atitudes, que em essência caracterizam
uma luta pacífica, marcaram a biografia de Luther King. Isso provocou a ira

66
das autoridades e grupos racistas como a Ku Klux Klan, que atacavam com
violência seus partidários e o próprio King. Também encontrou resistência
entre outros grupos de ativistas negros que usavam métodos e/ou
discursos violentos como os “Panteras Negras” e o muçulmano Malcon-X.

6.1.3 Discurso: Eu Tenho um Sonho


Dentre as várias manifestações pacíficas, ocorridas por todo o país,
a mais importante foi a “Marcha sobre Washington”, em 1963. Nela, 250
mil pessoas de todos os lugares do país se dirigiram à capital e, nesta
data, vários outros líderes, que também organizavam manifestações,
assomaram-se. Personagens como Rosa Parks e a artista Josephine
Baker foram alguns desses. Neste momento fez o célebre discurso Eu
tenho um sonho (I have a dream) com o seguinte conteúdo:

Dica

Recomenda-se ao aluno que assista ao discurso completo de Martin


Luther King: Eu tenho um sonho (I have a dream) legendado em
português, na plataforma YouTube.

Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e


frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho
profundamente enraizado no sonho americano. Tenho um
sonho que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro
significado da sua crença: “Consideramos estas verdades
como evidentes por si mesmas, que todos os homens são
criados iguais”. Tenho um sonho que um dia nas montanhas
rubras da Geórgia os filhos de antigos escravos e os filhos de
antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da
fraternidade. Tenho um sonho que um dia o estado do Mississípi,
um estado deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da
opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um
dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele,
mas pela qualidade do seu caráter.

67
Tenho um sonho, hoje. Tenho um sonho que um dia o estado
de Alabama, com os seus racistas malignos, cujos lábios do
governador atualmente pronunciam palavras de recusa, seja
transformado numa condição onde pequenos rapazes negros, e
moças negras, possam dar-se as mãos com outros pequenos
rapazes brancos, e moças brancas, caminhando juntos, lado a
lado, como irmãos e irmãs. (NSC TOTAL, 2013, SP).
Em que pese a disciplina estar caminhando para compreender o
sistema brasileiro, a biografia do Pr. Martin Luther King não poderia passar
incólume. Sua luta é recente e ainda há pontos a serem conquistados
nos Estado Unidos. Evidentemente, a luta americana possui similitudes e
distanciamentos da cultura brasileira.

Curiosidade

Curiosidades sobre Martin Luther King


Seu nome legal ao nascer era “Michael King”.
Martin foi o homem mais jovem a receber o “Prêmio Nobel da Paz”, em
1964.
Foi detido 20 vezes e atacado outras 4, sempre por ter denunciado
alguma injustiça contra afrodescendentes.
James Earl Ray, suposto assassino de Martin Luther King Jr., confessou
o crime, mas, logo depois, repudiou sua confissão.

Martin Luther King assume uma posição de luta pacífica, mas,


principalmente, de união com pessoas diferentes. Inclusive pessoas que
professavam outra fé. Dr. King, como era conhecido, tinha por foco atender
uma necessidade, perceber um grupo excluído, do qual ele conhecia a dor.
Sua trajetória é icônica e incomum. Em busca de sua resposta caminhou
pelos Estados Unidos, conversou com pessoas importantes, autoridades,
mas não deixou de estar com as pessoas comuns.

É preciso entender o sistema americano para compreender a luta


por ele travada. Como o nome do país já indica, são Estados Unidos. Esse
nome não é à toa. Cada Estado tem uma autonomia muito maior que
os estados brasileiros. O Brasil é uma República Federativa, portanto, o

68
sistema emana da Federação, da União Federal. No caso estadunidense,
não é assim. Um exemplo simples, há estados em que há pena de
morte, outros não (com uma variação de aplicação das mais variadas).
Há estados em que há restrições quanto à bebida alcoólica, outros não.
Em Utah, estado de origem e de grande presença e influência mórmon, é
proibido o consumo de bebidas alcoólicas em qualquer lugar que não na
própria residência. Na Flórida, seu consumo na rua é permitido.

Dr. King nasce em um estado e em um contexto que lhe favorecia,


consegue acesso ao Ensino Superior, possuía direitos civis e respeito social.
Isso não era o padrão geral, havia estados ainda mais liberais e avançados
que a Geórgia, ao mesmo tempo em que havia estados com restrições
seríssimas. A segregação nos Estados Unidos não era mais forte ou mais
fraca que no Brasil, é distinta. Na cultura americana, há marcação cultural
de raças, mesmo havendo igualdade de direitos, há distinções culturais.
Produtos de beleza, canais de televisão, marcas de roupas, modelos de
carros, todos pensados exclusivamente para os negros. Há bairros negros,
não mais por imposição, mas por agregação cultural.

Essa distinção não ocorre tanto na sociedade brasileira, aqui a


identidade não é tão clara nestes tão amplos aspectos. Observando o
debate brasileiro atual sobre relações raciais, é notório o reconhecimento
de desigualdades entre grupos sociais no acesso a bens e serviços, mas
esse discurso se estremece quando se trata de raça.

6.2 Políticas Afirmativas e o Negro na Sociedade


Brasileira
Mas, tentar entender esse porque é caminhar em um campo
pantanoso. São as condições desfavoráveis da população negra, na
verdade, consequência da pobreza em que vivem? Porque se for isso,
a questão não é a negritude, mas a condição social. O que muda toda
a vertente política necessária para a reversão do quadro. Ou, em vez de
adotar políticas universais, seriam necessárias políticas direcionadas a
grupos raciais específicos? E, assim, responde-se à questão: Há racismo
no Brasil? Há um problema especificamente racial no país?

69
As políticas de ação afirmativa vão provocar muita resistência,
vez que se inserem, exatamente, no sistema estabelecido contestando
conflitam não apenas a meritocracia. Elas provocam a reflexão sobre o
valor de povo com famílias completamente miscigenadas convive sob uma
aparente harmonia racial e com um sistema legal que não faz qualquer
discriminação racial. As leis de segregação no Brasil são, todas, extintas a
mais de um século e não há oficialmente, nenhum brasileiro vivo que seja
anterior à Lei Áurea (1888). Dessa forma, aparentemente, todos estariam em
pé de igualdade no país. Bem como, de modo genérico, todos os brasileiros
tem algum parente, ascendente ou colateral, miscigenado. Não é incomum
ouvir que todo brasileiro tem um “pé na senzala”. Essa expressão vem da
obra, Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre e influenciou essa imagem
positiva do brasileiro sem uma raça específica. A essência da sua reflexão
era tentar responder uma questão central: Como poderiam existir diferentes
raças em um país tão densamente miscigenado?

Olhando novamente para o ambiente americano, vê-se uma clara


distinção, até mesmo cultural. Há programas de televisão, indústria de
cosméticos, de moda, de acessórios de veículos, de publicidade para
cada segmento, o que não acontece no Brasil. Florestan Fernandes
busca revisar a situação brasileira e estabelecer um novo paradigma às
relações raciais brasileiras. Em A integração do negro na sociedade de
classes (1965), Fernandes aponta que o racismo no Brasil é estrutural e
contesta nossa imaginada democracia racial; aliás, coloca esse fator de
uma pretensa igualdade como um dos principais empecilhos de ação,
porque indica uma falsa realidade e isso contribui para inviabilizar sua
própria efetivação. Desde o fim do sistema escravagista, a ordem racial
permaneceu intacta, estabelecendo-se “uma espécie de composição
entre o passado e o presente, entre a sociedade de castas e a sociedade
de classes” (FERNANDES, 1978, p. 248), tudo de modo informal, não
havendo leis para isso, mas versando, tão somente, sobre a mentalidade,
o comportamento, a organização das relações sociais e as desigualdades
entre brancos e negros.

Mas é preciso entender que, nesse direcionamento, a miscigenação


não é algo louvável, porque ela coloca o indivíduo em um vácuo de não
pertencimento a lugar nenhum, nem ao meio do caminho. O mestiço, nesta

70
visão, carregaria apenas as desvantagens, porque ele tem um pouco do
dominante, não podendo se valer da posição de subjugado, mas ele não é
tão puro quanto a elite.

E, justamente por não haver um racismo claro e ele não possuir


uma identidade, fica em um ambiente que não se encaixa em nenhum
dos escalões. E, por não haver esse caráter identitário, deixa-se de lado
a conversa sobre o assunto, usando-se uma generalidade, de que todos
são iguais e, portanto, nessa lógica, não haveria racismo. Levantar uma
discussão sobre racismo seria levantar uma bandeira vazia e que se
colocaria em oposição a quem o brasileiro efetivamente é, por isso, não
seria necessário debater essa temática.

A igualdade vem, textualmente, com a Constituição de 1988. Ela


provoca uma mudança gritante na sociedade brasileira. Ela é conhecida
como a Constituição Cidadã porque, pela primeira vez, traz o foco não no
Estado, mas no cidadão. A partir de 1988, mais importante que o processo
de redemocratização é a mudança no escopo que ocorre. Isso porque já
havia democracia e eleições antes, no Brasil, mas nunca se tinha vivido
um estado com foco no cidadão.

É por esta razão que o estudo conduzirá a analisar, na próxima aula,


a biografia do grande responsável pela Constituição e o novo sistema por
ela abarcado.

71
7. Ulysses Guimarães
7. Ulysses Guimarães
Ulysses Silveira Guimarães (1916-1992), muito conhecido
como Dr. Ulysses, foi um político brasileiro, um dos protagonistas da
redemocratização do Brasil. Mais de uma vez foi candidato à presidência,
todavia, nunca foi eleito. Foi presidente do MDB, que posteriormente
passou a se chamar PMDB (único partido de oposição durante o Regime
Militar) e foi o presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988.

Ulysses Silveira Guimarães nasceu em Rio Claro, São Paulo, no dia 6


de outubro de 1916. Seu pai era o coletor federal Ataliba Silveira Guimarães
e sua mãe a professora Amélia Correia Fontes Guimarães. Cursou Ciências
Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
uma das mais tradicionais do país, formando-se em 1940. Durante seu tempo
na academia, foi vice-presidente da União Nacional de Estudantes (UNE).

Pertencer a esta instituição, à época, propiciava uma grandíssima


repercussão e uma posição de grande destaque político, em que pese, inclusive
pela situação do Brasil em Estado de Guerra Declarada (II Guerra Mundial),
haver uma série de restrições de eleições e atuares políticos, inclusive porque
o Brasil tinha um sistema totalitário, encabeçado por Getúlio Vargas.

Em 1945, ingressou no Partido Social Democrático (PSD), onde


permaneceu até sua extinção, em 1965, quando do reestabelecimento de
mais um sistema totalitário. Em 1946, foi eleito deputado à Assembleia
Constituinte, Constituição essa que estabelecia a Quarta República,
também conhecida como República Populista e era baseada no liberalismo
presente no mundo pós-guerra. Em 1950, foi eleito deputado federal
por São Paulo e seguiu sendo reeleito por oito mandatos consecutivos,
permanecendo no cargo até 1995. A Assembleia Constituinte de 1988 foi
composta pelos deputados e senadores correntes, ou seja, aqueles que
naturalmente foram eleitos para tais cargos, dentre os quais, o Dr. Ulysses.
Sua atuação, desde o primeiro mandato, foi de bastante destaque. Ainda
no primeiro mandato, foi membro da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) que investigou o jornal Última Hora de Samuel Wainer, fundado para
dar cobertura ao governo do presidente Getúlio Vargas. As investigações
provocaram um profundo movimento político de oposição e culminou
com o suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954.

73
Em 1961, ocorreu a renúncia do presidente Jânio Quadros, com,
então, apenas oito meses de mandato. À época, os vice-presidentes eram
eleitos em voto separado do presidente. O mundo vivia em plena Guerra
Fria e o vice-presidente eleito era João Goulart, que tinha explícitas relações
com os países não alinhados, comunistas. Em função disso, instalou-se
uma grave crise no Brasil. O congresso exige uma declaração de João
Goulart (que estava na China no dia da renúncia de Jânio Quadros) em que
se oporia ao comunismo, o que é recusado por ele. Diante da crise, Ulysses
Guimarães votou a favor da Emenda Constitucional nº 4 que instituiu o
parlamentarismo no país. O novo sistema garantiu a posse do vice João
Goulart na presidência, tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro.
Durante o governo de João Goulart, foi Ministro da Indústria e Comércio, no
gabinete do primeiro ministro Tancredo Neves. Em 1962, com a remoção
de Tancredo Neves da posição de Primeiro Ministro, exonerou-se do cargo,
junto com todo o gabinete e retornou à Câmara Federal.

7.1 Regime Militar


No dia 31 de março de 1964 um golpe militar afastou o presidente
João Goulart. A princípio, Ulysses Guimarães esteve ao lado dos apoiadores
da deposição do presidente, votando inclusive a favor do Presidente
Castelo Branco na eleição indireta, mas logo depois entrou em atrito
com o regime militar. O Ato Institucional nº 2 de 21 de outubro de 1965
extinguiu todos os partidos políticos existentes até então, instaurando o
bipartidarismo no país, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido
de apoio aos militares e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
tornando-se um dos principais opositores da ditadura militar instalada no
país, mesmo assim, não teve seus direitos políticos cassados. Em 1971,
foi nomeado presidente do MDB.

Em 1973, o MDB propôs o seu nome a candidato à presidência


da República no Colégio Eleitoral, o colegiado responsável por eleger
indiretamente o presidente. Evidentemente não foi eleito, mas tornou-se
um símbolo de resistência ao regime militar. A eleição indireta aconteceu
em 15 de janeiro de 1974 deu a vitória ao general Ernesto Geisel. Em
novembro deste mesmo ano, Dr. Ulysses foi reeleito deputado federal pela

74
sétima vez consecutiva. O MDB elegeu 15 senadores nas 21 vagas e 165
vagas entre os 364 deputados federais, dessa forma, eram a maioria em
todo o congresso.

Nessa legislatura, o MDB se recusou a aprovar a reforma do


judiciário enviada pelo presidente Geisel e, por ser maioria, o projeto
não foi aprovado e como retaliação foi decretado “pacote de abril”, que
estabelecia a eleição indireta para governadores, recesso do Congresso
e um senador por estado. O líder do MDB na Câmara, Alencar Furtado,
teve seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por 10 anos.
Ulysses Guimarães foi acusado de desobediência à legislação eleitoral,
mas seus direitos políticos não foram cassados.

Em 1978, foi revogado o AI-5 e foi aprovada nova lei de Segurança


Nacional. O MDB aprovou os nomes do general Euler Bentes e do senador
Paulo Brossard para presidente e vice-presidente da República, mas por via
indireta foi eleito o general João Baptista Figueiredo e Aureliano Chaves. O
Presidente Figueiredo prometeu a abertura democrática, com a ênfase de
um general de cavalaria que ao ser perguntado o que faria se alguém se
opusesse à sucessão democrática ele respondeu: “Eu prendo e arrebento”.
Ulysses foi mais uma vez reeleito para o senado. Em 1979, aprovada a Lei
da Anistia, todos que tinham sido punidos por crimes políticos tem suas
penalidades canceladas e, aos exilados, é permitido o reingresso no Brasil.
Acaba o bipartidarismo e o MDB se torna PMDB. Surgem cinco partidos
políticos e Ulysses é eleito presidente do PMDB.

Curiosidade

Em 1978, cerca de 400 soldados tentaram impedir a ida de Ulysses a


um comício em Salvador. Ele passa pelos guardas, vai ao palanque e
diz: “Soldados da minha pátria. Enquanto ouvíamos as vozes livres que
aqui se pronunciaram, ouvíamos o ladrar dos cães lá fora. O ladrar, essa
manifestação zoológica, é do arbítrio, do autoritarismo que haveremos
de vencer. Meus amigos, foi uma violência estúpida, inútil e imbecil.
Saibam que baioneta não é voto e cachorro não é urna.”

75
FIGURA 15 – Ulysses Guimarães foi ameaçado com armas e cachorros

Legenda: Foto de Luciano Andrade, em 13 de maio de 1978, tentando ingressar no palco


para o comício e sendo impedido por soldados armados e com cães. Disponível em:
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/galeria/foto-ulysses-contra-os-caes-
ditadura-militar-historia.phtml. Acesso em: 28 de jul. 2020.

#Pracegover: Soldado fazendo sinal para Ulysses Guimarães parar, com demais soldados
em volta.

7.2 Diretas Já
Em 1982, o movimento pelo voto direto começa a tomar força.
Começam a surgir em uma série de cidades comícios e passeatas com o
slogan “diretas já”, Curitiba é considerado o palco inicial desse movimento.
Ulysses Guimarães, presidente do PMDB convocou uma reunião com
todos os presidentes estaduais do partido. Alvaro Dias, presidente no
Paraná, organizou, em 12 de janeiro de 1984. Cerca de quarenta mil
pessoas se reuniram na Boca Maldita (região central da cidade) em um
grande comício. O então prefeito Maurício Fruet declarou que essa foi “a
maior concentração política da história da cidade”.

Todo esse movimento culminou em uma proposta, chamada de


Ementa Dante de Oliveira. Dante de Oliveira era o deputado que propôs a
Emenda Constitucional que determinada que o voto voltaria a ser direto.

76
Essa proposta de Emenda, que seria a grandiosidade da virada do Sistema,
foi rejeitada. Então, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito
presidente pelo Congresso Nacional. Em que pese ser um avanço, não foi.
Esperado porque foi eleito por voto indireto.

Sua posse estava marcada para o dia 15 de março, mas na noite do dia
14, Tancredo foi internado às pressas em um hospital em Brasília. Sarney foi
empossado interinamente na presidência. Uma série de boletins médicos
desencontrados são publicados e, em 21 de abril de 1985, Tancredo morre,
oficialmente de uma hemorragia oriunda de uma diverticulite.

As eleições não eram unificadas, por isso, em novembro haveria


eleições para governador e o PMDB conseguiu eleger todos os
governadores, menos o de Sergipe. Na eleição de deputados, Ulysses
Guimarães foi eleito presidente da Assembleia Constituinte. O trabalho
começa com afinco, até que em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição
brasileira foi promulgada.

As eleições diretas chegam com o fim do governo Sarney e em


1989, Ulysses foi escolhido pelo PMDB como candidato, mas obteve
6% dos votos. No segundo turno, Fernando Collor foi eleito presidente,
concorrendo com Lula. Em 1990, Ulysses foi reeleito deputado federal. Em
1992, trabalhou na CPI para apurar as denúncias contra Collor. O então
presidente se referiu a Ulysses Guimarães como “velho senil”. No momento
do voto, já havia a aprovação, mesmo assim, Ulysses vota declarando
somente “sim”, momento em que o Plenário cessa espontaneamente a
votação por longos quaro minutos em aplauso. Em 29 de setembro, foi
decretado o impeachment de Collor, sendo substituído por Itamar Franco.

Ulysses Guimarães morreu em um acidente de helicóptero no dia 12


de outubro de 1992. Seu corpo nunca foi encontrado.

A Constituição de 1988, ainda em vigor, teve sua criação, elaboração


e aprovação encabeçadas pelo Dr. Ulysses, como era conhecido. O modelo
adotado é o principiológico, no qual o texto não traz tão somente os fatos
a serem por ela analisados, mas princípios, termos abertos para que eles
determinem a caminhada da sociedade. O princípio é uma lente, uma
ótica que faz com que a leitura de todo o novo ordenamento jurídico.

77
Curiosidade

“A civilização é a longa e fascinante história da libertação do homem. A


liberdade é o roteiro da civilização. Toda invenção é triunfo da libertação
humana. Com a roda, o homem começou a libertar-se do espaço e do
tempo; com a agricultura, do nomadismo e da fome: com a medicina,
da doença; com a casa, a roupa e o fogo, das intempéries, do frio e das
feras: com a escola, da ignorância; com a sociedade, da solidão; com a
imprensa, o rádio e a televisão; da informação; com a democracia, dos
tiranos.” (CORREIO BRAZILIENSE, 2018, sem paginação)

A nova Constituição Brasileira vem para propiciar e reflexo de um


novo país. Essa é uma simbiose curiosa, porque a Assembleia Nacional
Constituinte tem o poder originário, ou seja, a Assembleia Nacional
Constituinte tem total poder para construir uma nova Constituição sem
necessidade de obedecer a qualquer regra ou qualquer pressuposto. O
Brasil escolheu o sistema de eleger um parlamento para isso, há outras
constituições criadas por uma comissão de pensadores, professores
e homens probos, destinados exclusivamente a esse fim. No caso do
Brasil, foi escolhido o sistema que pelos próprios políticos eleitos. A
Constituição manteve uma série de pontos anteriores, retomou pontos de
constituições antigas. Alterou a divisão administrativa do país que passou
a ter 26 estados federados e um distrito federal. Mas, a circunstancial
mudança foi o sistema estabelecido, que é o de princípios, baseado no
sistema proposto por Hans Kelsen.

78
Curiosidade

Outros importantes avanços da Constituição:


• Instituição de eleições majoritárias em dois turnos caso nenhum
candidato consiga atingir a maioria dos votos válidos;
• Implementação do SUS, o Sistema Único de Saúde do Brasil;
• Voto facultativo para cidadãos de 16 e 17 anos, maiores de 70 anos e
cidadãos analfabetos;
• Maior autonomia dos municípios;
• Estabelecimento da função social da propriedade privada urbana;
• Garantia da demarcação de terras indígenas;
• Proibição de comercialização de sangue e seus derivados;
• Leis de proteção ao meio ambiente;
• Garantia de aposentadoria para trabalhadores rurais sem precisarem
necessariamente ter contribuído com o INSS;
• Fim da censura a emissoras de rádio e TV, filmes, peças de teatro,
jornais e revistas etc.

A Constituição principiológica traz, em seu conteúdo, determinações


abertas que demandam interpretação e aplicação. Isso se aplica inclusive a
todas as leis e regulamentos anteriores. Toda a legislação existente passa
a ter uma nova significação e nova interpretação. Esse papel de determinar
a correta interpretação, é atribuído ao Supremo Tribunal Federal.

Ao mesmo tempo, a Constituição Brasileira de 1988 resultou sendo


longa, tratando de temas incomuns para uma Constituição. O fato de
ser principiológica faz com que possa ser reinterpretada de tempos em
tempos, a ideia de que, assim, acompanharia as alterações sociais.

79
7.3 A Promulgação da Carta Magna
A fim de apresentar o momento e a emoção do Dr Ulysses na
Promulgação da Constituição, aqui há trechos do discurso do pai da
Constituição no momento do nascimento dela. Ulysses Guimarães
externou o recebimento do novo Brasil nos termos de um discurso
inflamado; pensado, preciso e assertivo; mas tomado de emoção.

Suas palavras, em áudio e texto estão acessíveis e aqui estão alguns


fragmentos:
[...] Dois de fevereiro de 1987. Ecoam nesta sala as reivindicações
das ruas. A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação
vai mudar. São palavras constantes do discurso de posse como
presidente da Assembléia (sic) Nacional Constituinte. (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, S/D, sem paginação).

Nessa colocação, o Dr. Ulysses demonstra que o poder e a


incumbência não os colocam como autoridade, mas como servidores,
como devedores de uma nobre função, mas não mais do que isso. Fazer
o “Querer mudar” e o “Dever mudar” é a ação esperada dos Constituintes.
Hoje. 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação
mudou. (Aplausos). A Constituição mudou na sua elaboração,
mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a
federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E é só
cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora,
tem hospital e remédio, lazer quando descansa. (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, S/D, sem paginação).

As esperanças da mudança colocadas no introito são, agora,


respondidas com o texto constitucional. Aponta algumas mudanças
no Estado, mas demonstra que tais mudanças não se encerram no
Poder Público. Demonstra que essas mudanças chegam ao homem
comum, mas mesmo este homem comum não é simplesmente comum,
ele é um “homem cidadão”. E, não bastasse essa fundamentação de
homem cidadão, ele ainda define o que é ser cidadão, em um chamado
demonstrando que, enquanto ainda não houver o pleno exercício desses
direitos e liberdades, não está, ainda, no pleno exercício de sua cidadania.

80
Num país de 30 milhões, 401 mil analfabetos, afrontosos 25 por
cento da população, cabe advertir a cidadania começa com o
alfabeto. Chegamos, esperamos a Constituição como um vigia
espera a aurora.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com


amor, aplicação e sem medo. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, S/D,
sem paginação).

Ao analisar este trecho, percebe-se que há uma devolutiva, uma


colocação com a sensação do “dever cumprido”. Mas é um dever cumprido
que não resolve a situação, é cumprido sem medo, ou seja, com plena
liberdade, mas que ainda não conseguiu incluir a totalidade da população,
deixando um quarto deles em situação totalmente excluída da cidadania
invocada. Ou seja, demonstra que uma nova Constituição não é a solução,
é a ferramenta que pode possibilitar uma solução para uma sociedade
melhor, mais igualitária e mais cidadã.
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa
ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim.
Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.

Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o


caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do
Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a
cadeia, o exílio e o cemitério. [...] (CÂMARA DOS DEPUTADOS,
S/D, sem paginação).

Talvez como sinal de humildade, talvez como consciência da missão


que a Constituição tem, o Dr. Ulysses demonstra que sabe que a Constituição
não é perfeita, mas salienta que, por isso, é um texto vivo, moldável e que
deve ser alterado e moldado para alcançar sua razão de existir. Por isso é
enfático ao dizer que “Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.
A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos.
Do Presidente da República ao prefeito, do senador ao vereador.

A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República.


República suja pela corrupção impune toma nas mãos de
demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam.

Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o
primeiro mandamento da moral pública. Não é a Constituição
perfeita. Se fosse perfeita seria irreformável.

81
Ela própria com humildade e realismo admite ser emendada
dentro de cinco anos. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, S/D, sem
paginação).

Aqui, relembra o artigo 1º, que o Poder emana do Povo e em


nome dele deve ser exercido, desse modo, lembra que todo o poder
dado ao servidor público, na verdade, deve ser exercido com probidade
e buscando a moralidade. Demonstra que é intolerável a corrupção e
que seu combate deve ser constante e aguerrido. Lembra, também,
que a Constituição não é perfeita e, por isso, em cinco anos, deveria ser
realizada uma revisão, o que foi feito.
Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora,
será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados.

É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e


abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos,
escuros e ignorados da miséria. A socidedade sempre acaba
vencendo, mesmo ante a inércia ou o antagonismo do Estado.
[...] (CÂMARA DOS DEPUTADOS, S/D, sem paginação).

Mostra, ainda, que a sociedade deve valer-se mas não se satisfazer


com a Constituição. Ela é a ponteira, que abre a caminhada, não resultado
final. Dr. Ulysses chama a sociedade a empertigar-se e abrir o caminho, a
jornada não acontece pelo Estado, acontece apesar do Estado.
Foi a sociedade mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já
que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.

Termino com as palavras com que comecei esta fala.

A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.


A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da
sociedade rumo à mudança.

Que a promulgação seja o nosso grito.

Mudar para vencer. Muda Brasil.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS,


S/D, sem paginação).

Por fim, no trecho selecionado, mostra que a iniciativa, e o poder, vem


do povo. E, por isso, com o início propiciado pela nova Constituição, a Nação
não deve achar que mudou, mas que tem, finalmente, condição de mudar.

82
FIGURA 16 – Foto da sessão solene de promulgação da Constituição,
em 05 de outubro de 1988

Legenda: Arquivo Agência Brasil. Sessão de promulgação da Constituição em 05 de outubro


de 1988. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2018-10/promulgacao-da-
constituicao-federal-de-1988-1581318274-5. Acesso em: 03 de ago. 2020.

#Pracegover: Foto mostra governantes em torno de uma longa mesa comemorando a


promulgação da Constituição de 1988.

7.4 Títulos da Constituição de 1988


Como dito, a Constituição se propõe a abarcar e dar a proteção mais
elevada a um Estado aos temas mais amplos. Seus títulos são:
• Título I – Princípios Fundamentais
• Título II – Direitos e Garantias Fundamentais
• Título III – Organização do Estado
• Título IV – Organização dos Poderes
• Título V – Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
• Título VI – Tributação e Orçamento
• Título VII – Ordem Econômica e Financeira
• Título VIII – Ordem Social
• Título IX – Disposições Constitucionais Gerais

83
Uma série de mudanças ocorreram. No caso da separação de
poderes, formalmente, ela se manteve. A teoria da Separação dos Poderes,
desenvolvida por Montesquieu, traz a autonomia de cada Poder, sendo que,
entre eles, a existência deve ser respeitada por cada um dos outros poderes
e exercida com independência, mas sem sobrepor as competências do
outro. Ao mesmo tempo, em que há uma interdependência para que
um controle o outro e, dentro desta caminhada, a harmonia do Poder
Executivo, Legislativo e Judiciário são de igual valor e controlado pelos
outros poderes, sendo, assim, autônomos e complementares.

Saiba Mais

Montesquieu (O espírito das leis) nasceu no período do absolutismo


francês, governado pelo rei Luís XIV, em que o monarca tinha poderes
absolutos. A França vivia seus melhores momentos, pois era uma
potência ultramarina e o maior centro cultural da época. Graças ao
envolvimento em diversas guerras, que demandaram muitos gastos,
no final do século XVII a França começou a ter problemas de ordem
econômica. Com a morte do rei Luís XIV, assumiu o trono o rei Luís
XV, com apenas cinco anos de idade. Em seu governo, Luís XV trouxe
mais gastos à França, mostrando-se um péssimo governante, e com
isso promovendo o descontentamento da população francesa, o que
mais tarde provocou a Revolução Francesa. Foi nessa situação, aliado
ao surgimento da Monarquia constitucional Inglesa, que Montesquieu
começou a escrever sobre política.

A fase do iluminismo colocava em pauta o incentivo ao pensamento


livre, à crítica ao sistema vigente, o questionamento aos costumes.
Dentro dessa perspectiva, não havia espaço para uma monarquia
absolutista, comandada por um rei controlador de todas as coisas que
envolviam a vida francesa. A Revolução Francesa pôs um fim a esse
tipo de governo, promovendo, por meio da Assembleia Constituinte, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com base no lema
dos revolucionários de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

84
7.5 Divisão dos Poderes (Sistema de Freios e
Contrapesos)
Essa coexistência autônoma e complementar, é explicada pela
Teoria da Divisão de Poderes, também conhecida como Sistema de Freios
e Contrapesos. Ela foi consagrada pelo pensador francês Montesquieu na
obra O Espírito das leis, baseado nas obras Política, do filósofo Aristóteles, e
Segundo tratado do governo civil, de John Locke. Mas quem dá seu formato
no estado moderno é Hans Kelsen, aliançada com o sistema principiológico.

Montesquieu remete-se claramente à essas leituras e ao


pensamento desses, sistematizando como funcionaria esse processo. A
situação que Montesquieu observou, dos poderes totais concentrados na
mão do Soberano e, também, viveu a oportunidade de caminhar e não
apenas observar, mas atuar na construção da sociedade francesa pós
Revolução. Por isso, cria o sistema de freios e contrapesos, propiciando
a oportunidade de cada poder ser autônomo e exercer uma específica e
limitada função de intromissão nos poderes instituídos pelo outro.

Neste sistema, fez-se a seguinte divisão dos poderes do Estado:


Legislativo, Executivo e Judiciário.

• O poder Legislativo tem a função típica de legislar, criar leis e


fiscalizar a sua execução;
• O Executivo, administrar a coisa pública e executar as
determinações emanadas do Poder Legislativo;
• O Judiciário, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe
é posto, resultante de um conflito de interesses, seja na relação
do Poder Público com o povo, quando dos particulares entre si.
O sistema de freios e contrapesos é um pensado para conter os
abusos dos outros poderes para manter certo equilíbrio. Por isso, para a
detenção de um poder, é necessária a atuação do seu poder freio, mas com
a intermediação do Poder Contrapeso. Por exemplo, para o impeachment
do Presidente da República, representante do Poder Executivo, é necessária
a ação do Poder Legislativo, mas presidida pelo Poder Judiciário.

85
FIGURA 17 – Ilustração da interação entre os poderes

FREIOS E CONTRAPESOS
Da expressão em inglês “checks and balances”. É o sistema em que o Executivo,
o Legislativo e o Judiciário se controlam mutuamente para evitar abusos de poder.

EXECUTIVO
O presidente da República
tem o poder de vetar os
projetos de lei

JUDICIÁRIO LEGISLATIVO
Pode anular atos dos Julga o presidente da
demais poderes em casos de República e os ministros
inconstitucionalidade ou de do STF nos crimes de
ilegalidade responsabilidade

Legenda: Princípio da separação de poderes na corrente tripartite. Jusbrasil. Disponível


em: https://duduhvanin.jusbrasil.com.br/artigos/400382901/principio-da-separacao-de-
poderes-na-corrente-tripartite. Acesso em: 28 de jul. 2020.

#Pracegover: Imagem que apresenta um esquema para explicar a ideia de freios e


contrapesos. Título: Da expressão em inglês “checks and balances”. É o sistema em que
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário se controlam mutuamente para evitar abusos de
poder. Em seguida, apresentam-se três quadros e entre eles flechas indicando relação
mútua entre eles, formando um ciclo. O quadro executivo possui o texto: o presidente
da república tem o poder de vetar os projetos de lei. O quadro legislativo possui o texto:
julga o presidente da república e os ministros do STF nos crimes de responsabilidade.
O quadro judiciário possui o texto: pode anular atos dos demais poderes em casos de
inconstitucionalidades ou de ilegalidade.

Essa divisão é vigente no Brasil e em muitos países do mundo até hoje.


É um dos requisitos da caracterização do Estado Moderno e do Democrático
haver um sistema de controle dos detentores do poder. O sistema mais
comum é, justamente, esse. E sua grande vantagem é que a distribuição de
poderes garante total independência quando estes trabalhem dentro do que
cabe a cada um, contudo, nos desvios, a sanção, justamente por ser mista,
não recai somente a um dos poderes, sendo, assim, qualquer tentativa de
golpe antidemocrático ser mais difícil. Essa medida está consolidada pelo
artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789) e prevista no artigo 2º da nossa Constituição da República, sendo
divididas e especificadas as funções de cada poder.

86
Essa divisão é amplamente adotada no mundo. Sua configuração
é o que caracteriza o conhecido “Estado Moderno de Direito”. Está
consolidada no artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem
e do Cidadão de 1789 e na Constituição da República Brasileira, no artigo
2º. A Constituição, inclusive traz todo o sistema de freios e contrapesos
em seu texto, ao determinar os deveres típicos e atípicos de cada Poder.

7.6 Hans Kelsen e a Doutrina Principiológica do


Direito
O paradigma do Estado Laico se estabelece no Brasil. Então, a
análise passa à esfera constitucional. O viés de tal análise é em função da
organização do Estado Brasileiro. Hans Kelsen elaborou um estudo sobre
o sistema organizacional legal em que as leis estariam sob uma rígida
pirâmide hierárquica na qual a Constituição, chamada também de Carta
Magna, é a pedra angular, da qual emanam todas as normativas. O Brasil
adota como sistema jurídico a organização Kelseniana. Nas palavras do
próprio Hans Kelsen:
A Constituição é puro dever-ser, norma pura, não devendo buscar
seu fundamento na filosofia, na sociologia ou na política, mas na
própria ciência jurídica. Logo, é puro “dever-ser”. A Constituição
deve poder ser entendida no sentido: a) lógico-jurídico: norma
fundamental hipotética: fundamental porque é ela que nos dá
o fundamento da Constituição; hipotética porque essa norma
não é posta pelo Estado é apenas pressuposta. Sua base não
está no direito positivo ou posto, já que ela própria está no topo
do ordenamento; e b) jurídico-positivo: é aquela feita pelo poder
constituinte, constituição escrita, é a norma que fundamenta
todo o ordenamento jurídico. É algo que está no direito positivo,
no topo na pirâmide. A norma infraconstitucional deve observar
a norma superior e a Constituição, por consequência. Dessa
concepção nasce a ideia de supremacia formal constitucional
e controle de constitucionalidade, e de rigidez constitucional, ou
seja, necessidade de proteger a norma que dá validade a todo
o ordenamento. Nunca se pode entender o direito como fato
social, mas sim como norma, um sistema escalonado de normas
estruturais e dispostas hierarquicamente, em que a norma
fundamental fecha o ordenamento jurídico dando unidade ao
direito. (KELSEN, 2002, p. 217).

87
FIGURA 18 – Hans Kelsen

Legenda: Foto de Hans Kelsen. Reprodução. Disponível em: https://www.conjur.com.


br/2020-jun-18/toffoli-lembra-exemplo-austria-hans-kelsen. Acesso em: 28 de jul. 2020.

#Pracegover: Homem sério, de óculos e bigode, foto-retrato.

Destaca-se da fala de Kelsen sobre a Constituição que “ela está no


topo do ordenamento”. Por empregar as palavras topo e ordenamento,
demonstra que há uma hierarquia. Segue detalhando, então, tal hierarquia
em que a Constituição está no “topo da pirâmide” que não deve ser
encarada nos moldes egípcios de blocos de pedra, mas uma pirâmide de
cristal, como um prisma, que recebe a luz da justiça (emanada do povo,
segundo o preâmbulo da Constituição da República, de 1988) e decompõe
em diversas frentes; direitos fundamentais, direito civil, criminal, tributário,
administrativo, militar e qualquer outra área em que um fato jurídico ocorra
em solo brasileiro. Na visão, a norma infraconstitucional (inclusive a norma
constitucional derivada) deve passar pelo filtro da Constituição. Salienta,
ainda, que a Constituição tem supremacia sobre qualquer normativa.

Dessa forma, nas próprias palavras do criador do sistema, a


Constituição é a normativa mais alta do sistema e dela deve emanar
todo o arcabouço legal (leis, decretos, normas, portarias, resoluções,

88
instruções normativas, decisões administrativas, decisões judiciais,
sentenças, acórdãos, súmulas e qualquer outra norma, no sentido mais
amplo possível, abarcando, até mesmo, as decisões internas tomadas
em assembleia de uma igreja). Qualquer medida que fira a Constituição
nacional é natimorta, não devendo produzir qualquer efeito, e, quando
aplicada, seus efeitos devem ser revertidos; não bastasse isso, caso seja
impossível reverter o fato praticado amparado em norma inconstitucional,
deve-se indenizar o lesado.

Nessa vertente, os princípios são maiores que a própria lei ou


a Constituição e esta deve ser vista como o cume piramidal de onde
emana toda a interpretação jurídica adequada.

FIGURA 19 – Pirâmide de Kelsen

CONSTITUIÇÃO
FEDERAL

EMENDAS
CONSTITUCIONAIS;
TRATADOS
INTERNACIONAIS
SOBRE DIREITOS
HUMANOS

LEIS COMPLEMENTARES;
LEIS ORDINÁRIAS;
LEIS DELEGADAS;
DECRETOS LEGISLATIVOS;
RESOLUÇÕES;
MEDIDAS PROVISÓRIAS.

DECRETOS REGULARES

PORTARIAS

NORMAS INDIVIDUAIS

Legenda: Foto da pirâmide de Kelsen. Disponível em: https://direitoaojus.blogspot.


com/2017/07/piramide-de-kelsen.html. Acesso em: 28 de jul. 2020.

#Pracegover: Imagem com a hierarquia das leis, em formato de pirâmide, segundo a


proposta de Hans Kelsen.

89
Síntese do Capítulo
As três primeiras biografias vieram com o propósito do ideário, de
apresentar ideias que representariam formas mais justas de governar,
quer seja sobre um ponto (a questão da mulher, para Olympe de Gouges),
sobre mais de um ponto, como o cidadão e o trabalhador para Voltaire
e da sociedade como um todo. Na segunda parte da disciplina, as
biografias e os fatos escolhidos basearam-se não necessariamente na
originalidade do pensamento, mas da efetividade do pensamento. Ou seja,
a primeira preocupação era de trazer o pensamento. Na segunda parte
era demonstrar aqueles que conseguiram trazer à prática, à realidade,
algumas dessas ideias.

Evidentemente, é necessário compreender que há vários outros


nomes que poderiam ser apontados e vários outros fatos que podem
ser tão importantes quanto os aqui selecionados. O propósito nunca foi
o de esgotar o assunto nem dizer que, dessa forma, nada mais sobre a
cidadania e a inclusão social precisa ser analisado.

Mas é preciso notar que houve um avanço como sociedade, que


se está caminhando e há um caminho a vencer ainda. A provocação,
especialmente ao trazer as bases jurídico-administrativas, é no sentido
de dar as ferramentas para a efetividade real dos direitos assegurados na
Constituição Federal de 1988 e, cabe a cada um, em suas práxis pessoal
e ministerial, a busca da Justiça Social.

Expor teorias e o discurso de excluídos é uma estratégia mais fácil


de ser trabalhada. É válido dar voz ao grito dos excluídos, mas o ensino de
Jesus não apenas deu lugar e voz, mas mostrou o caminho. O “vá e não
peques mais”, recorrente em seus ensinos, é um norte para que, ao ouvir
o grito dos excluídos, demonstremos o caminho pelo qual devem andar e,
em específico, o caminho que o Estado oferece para o efetivo alcance de
uma sociedade mais igualitária e justa.

90
Referências
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