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solução do mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres desta grande
síntese são:
1. Observação fiel da natureza - Platão, idealista, rejeitara a experiência como fonte de conhecimento
certo. Aristóteles, mais positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas teorias, buscando
na realidade um apoio sólido às suas mais elevadas especulações metafísicas.
2. Rigor no método - Depois de estudas as leis do pensamento, o processo dedutivo e indutivo aplica-os,
com rara habilidade, em todas as suas obras, substituindo à linguagem imaginosa e figurada de Platão,
em estilo lapidar e conciso e criando uma terminologia filosófica de precisão admirável. Pode
considerar-se como o autor da metodologia e tecnologia científicas. Geralmente, no estudo de uma
questão, Aristóteles procede por partes: a) começa a definir-lhe o objeto; b) passa a enumerar-lhes as
soluções históricas; c) propõe depois as dúvidas; d) indica, em seguida, a própria solução; e) refuta, por
último, as sentenças contrárias.
3. Unidade do conjunto - Sua vasta obra filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira
síntese. Todas as partes se compõem, se correspondem, se confirmam.
O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES
"Mestre dos que sabem", assim se lhe refere Dante na Divina Comédia. Com Platão, Aristóteles criou o
núcleo propulsionador de toda a filosofia posterior. Mais realista do que o seu professor, Aristóteles
percorre todos os caminhos do saber: da biologia à metafísica, da psicologia à retórica, da lógica à
política, da ética à poesia. Impossível resumir a fecundidade do seu pensamento em todas as áreas.
Apenas algumas ideias. A obra Aristotélica só se integra na cultura filosófica europeia da Idade Média,
através dos árabes, no século XIII, quando é conhecida a versão (orientalizada) de Averróis, o seu mais
importante comentarista. Depois, S. Tomás de Aquino vai incorporar muitos passos das suas teses no
pensamento cristão.
A teoria das causas. O conhecimento é o conhecimento das causas - a causa material (aquilo de que uma
coisa é feita), a causa formal (aquilo que faz com que uma coisa seja o que é), a causa eficiente (a que
transforma a matéria) e a causa final (o objectivo com que a coisa é feita). Todas pressupõem uma causa
primeira, uma causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade, que é a realidade suprema, a
substância plena que determina o movimento e a unidade do universo. Mas para Aristóteles a divindade
não tem a faculdade da criação do mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã que vai dar à
divindade o poder da Criação.
Aristóteles opõe-se, frequentemente, a Platão e à sua teoria das Ideias. Para o estagirita não é possível
pensar uma coisa sem lhe atribuir uma substância, uma quantidade, uma qualidade, uma actividade,
uma passividade, uma posição no tempo e no espaço, etc. Há duas espécies de Ser: os verdadeiros, que
subsistem por si e os acidentes. Quando se morre, a matéria fica; a forma, o que caracteriza as
qualidades particulares das coisas, desaparece. Os objectos sensíveis são constituídos pelo princípio da
perfeição (o acto), são enquanto são e pelo princípio da imperfeição (a potência), através do qual se lhes
permite a aquisição de novas perfeições. O acto explica a unidade do ser, a potência, a multiplicidade e
a mudança.
Aristóteles é o criador da biologia. A sua observação da natureza, sem dispor dos mais elementares
meios de investigação (o microscópio, por exemplo), apesar de ter hoje um valor quase só histórico não
deixa de ser extraordinária. O que mais o interessava era a natureza viva. A ele se deve a origem da
linguagem técnica das ciências e o princípio da sua sistematização e organização. Tudo se move e existe
em círculos concêntricos, tendente a um fim. Todas as coisas se separam em função do lugar próprio
que ocupam, determinado pela natureza. Enquanto Platão age no plano das ideias, usando só a razão e
mal reparando nas transformações da natureza, Aristóteles interessa-se por estas e pelos processos
físicos. Não deixando de se apoiar na razão, o filho de Nicómaco usa também os sentidos. Para Platão a
realidade é o que pensamos.Para Aristóteles é também o que percepcionamos ou sentimos. O que
vemos na natureza - diz Platão - é o reflexo do que existe no mundo das ideias, ou seja, na alma dos
homens. Aristóteles dirá: o que está na alma do homem é apenas o reflexo dos objectos da natureza, a
razão está vazia enquanto não sentimos nada. Daí a diferença de estilos: Platão é poético, Aristóteles é
pormenorizado, preferindo porém, o fragmento ao detalhe. Chegaram até nós 47 textos do fundador do
Liceu, provavelmente inacabados por serem apontamentos para as lições.
Erros, incorrecções, falhas, terá cometido Aristóteles. Alguns são célebres. Na zoologia, por exemplo,
considera que o homem tinha oito pares de costelas, não reconhece os ossos do crânio humano (três
para o homem, um, circular, para a mulher), supõe que as artérias estão cheias de ar (como, aliás,
supunham os médicos gregos), pensa que o homem tem um só pulmão. Não esqueçamos: Aristóteles
classificou e descreveu cerca de quinhentas espécies animais, das quais cinquenta terá dissecado - mas
nunca dissecou um ser humano.
A grandeza genial da sua obra não pode ser questionada por tão raros erros, frutos da época - mais de
2000 anos antes de nós.
O MESTRE, O DISCÍPULO
Aristóteles, apesar do seu aspecto elegante, requintado, barba rapada e cabelo cortado, é o provinciano
na grande urbe, centro e farol do Mundo. Tem dificuldades na língua do povo com quem se acotovela
nas ruas. Ninguém o conhece. A cidade é poeirenta, o ar sufocante, húmido, respira-se mal. Fala-se
muito depressa, usam-se expressões que Aristóteles não decifra. Além do mais cicia, quase gagueja, a
voz é branda, fraca, tímida. Nunca será um orador, mas um leitor. Na Academia descobrem que é de
fora. Da Macedónia? Sim, nasci lá, responde Aristóteles, prudentemente, como se quisesse que o facto
fosse despiciendo, ocasional. Para ele, a prudência é uma virtude que será fundamental na sua ética.
Recomendará sempre: prevejam-se as saídas possíveis, imaginem-se as consequências, avaliem-se as
dificuldades - antes da decisão.
Está em Atenas. Isso é o que importa. A noroeste, fora das portas da cidade, fica a escola de Platão, um
velho ginásio sob a protecção do herói Hecadémio. Não se entra na Academia para tirar um curso de xis
anos. Entra-se, sai-se, fica-se o tempo que se quiser. Não há carreiras, exames, cursos com limites. Vai-
se para aprender, para ensinar. Uma palavra elogiosa do mestre, um estímulo, é o bastante. Platão há-
de dizer que Aristóteles é o melhor dos seus alunos, a Inteligência, o Cérebro, o Espírito puro. Por isso, o
jovem macedónio ficará vinte anos na Academia, estudando, encarregando-se de disciplinas, ensinando.
Ao contrário de Platão que despreza o rumor, o diz-se diz-se, a opinião, o que se ouve, a doxa,
Aristóteles dar-lhe-á sempre atenção, muitas vezes para a avaliar a contrario ou dela extrair o que é
verosímil.
Não será só quanto à doxa que se manifestará o desacordo com Platão, mais velho do que ele quarenta
e três anos. Esse desacordo, todavia, jamais será conflito ou oposição violenta. Até ao último dos seus
dias, Aristóteles será pró-platónico, mesmo divergindo. Uma frase que se lhe atribui, embora não
formulada exactamente desta forma: "amigo de Platão, mas mais amigo da verdade".
Diógenes de Laércio, seu biógrafo, não muito fiel nem muito admirador, conta inúmeras histórias e
frases de Aristóteles. Qual a diferença entre os sábios e os ignorantes? A que há entre os vivos e os
mortos. O que envelhece mais depressa? A gratidão. Que é a esperança? O sonho de um homem
acordado. Que é um amigo? Uma só alma em dois corpos. Que comportamento devemos ter para com
os amigos? Como gostaríamos que se comportassem connosco. A um fala-barato que pedia desculpa
por o ter incomodado respondeu: não tem importância, não estive a ouvi-lo. Alguém o censurou por dar
esmola a um vadio: não dei ao indivíduo, dei ao homem.
Quando Aristóteles completa trinta e sete anos, Platão morre. Espeusipo, filósofo e professor medíocre
que virá a sucumbir de morte sinistra, devorado pelos piolhos, sobrinho de Platão e ateniense dos
quatro costados, será, por testamento, o novo director da Academia.
É provável que Aristóteles se tenha enfurecido. Ele, o Espírito puro, preterido por um insignificante! Não
suporta a afronta.
Ásia. Em Assos, o seu amigo Hermias (que também passara pela Academia) eunuco e escravo liberto,
rico, poderoso, amigo da filosofia, é, agora o tirano. Aristóteles parte para lá, a fim de fundar uma
escola.
O segundo exílio. Atenas fica para trás. Uma memória viva, uma experiência vivida que Aristóteles sonha
repetir. E repetirá.