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(https://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/qual-e-a-diferenca-entre-pornografia-e-erotismo/)
Por *Sérgio Rodrigues* - Atualizado em 31 jul 2020, 04h53 - Publicado em 2 dez 2013, 13h24
“Tenho duas dúvidas em uma. De onde vem a palavra pornografia? E qual a diferença entre pornografia e erotismo?”
(Isaías Marques)
O Elixir do pajé
Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré
dizendo: "Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra vos chama
feroz aimoré",
- assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co'o pé:
- Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com gentileza?"
Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitando ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!
Vassouras terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou...
Do site http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/quem.htm,
QUEM É: Glauco Mattoso é poeta, ficcionista, ensaísta e articulista em diversas mídias. Pseudônimo de
Pedro José Ferreira da Silva (paulistano de 1951), o nome artístico trocadilha com "glaucomatoso"
(portador de glaucoma, doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até a cegueira
total em 1995), além de aludir a Gregório de Matos, de quem é herdeiro na sátira política e na crítica de
costumes.
Após cursar biblioteconomia (na Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e letras vernáculas
(na USP), ainda nos anos 70, participou, entre os chamados "poetas marginais", da resistência cultural à
ditadura militar, época em que, residindo temporariamente no Rio, editou o fanzine poético-panfletário
Jornal DoBrasil (trocadilho com o Jornal do Brasil e com o formato dobrável do folheto satírico) e
começou a colaborar em diversos órgãos da imprensa alternativa, como Lampião (tablóide gay) e Pasquim
(tablóide humorístico), além de periódicos literários como o SUPLEMENTO DA TRIBUNA e as revistas
ESCRITA, INÉDITOS e FICÇÃO.
Durante a década de 80 e o início dos 90 continuou militando no periodismo contracultural, desde a
HQ (gibis CHICLETE COM BANANA, TRALHA, MIL PERIGOS) até a música (revistas SOMTRÊS,
TOP ROCK), além de colaborar na grande imprensa (crítica literária no JORNAL DA TARDE, ensaios
na STATUS e na AROUND), e publicou vários volumes de poesia e prosa.
Na década de 90, com a perda da visão, abandonou a criação de cunho gráfico (poesia concreta,
quadrinhos) para dedicar-se à letra de música e à produção fonográfica, associado ao selo independente
Rotten Records.
Com o advento da internet e da computação sonora, voltou, na virada do século, a produzir poesia
escrita e textos virtuais, seja em livros, seja em seu sítio pessoal ou em diversas revistas eletrônicas (A
ARTE DA PALAVRA, BLOCOS ON LINE, FRAUDE, VELOTROL) e impressas (CAROS AMIGOS,
OUTRACOISA). Jamais deixou, entretanto, de explorar temas polêmicos, transgressivos ou politicamente
incorretos (violência, repugnância, humilhação, discriminação) que lhe alimentam a reputação de "poeta
maldito" e lhe inscrevem o nome na linhagem dos autores fesceninos e submundanos, como Bocage,
Aretino, Apollinaire ou Genet.
Em colaboração com o professor Jorge Schwartz (da USP) traduziu a obra inaugural de Jorge Luis
Borges, trabalho que lhes valeu um prêmio Jabuti em 1999. Nesse terreno bilíngüe GM tem-se dedicado a
outros autores latino-americanos, como Salvador Novo e Severo Sarduy, e tem sido traduzido por colegas
argentinos, mexicanos e chilenos.
Segundo Pedro Ulysses Campos, "A poesia de Glauco Mattoso pode ser dividida, cronologica e
formalmente, em duas fases distintas: a primeira seria chamada de FASE VISUAL, enquanto o poeta
praticava um experimentalismo paródico de diversas tendências contemporâneas, desde o modernismo até
o underground, passando, principalmente, pelo concretismo, o que privilegiava o aspecto gráfico do
poema; a segunda fase seria chamada de FASE CEGA, quando o autor, já privado da visão, abandona os
processos artesanais, tais como o concretismo dactilográfico, e passa a compor sonetos e glosas, onde o
rigor da métrica, da rima e do ritmo funciona como alicerce mnemônico para uma releitura dos velhos
temas mattosianos (a fealdade, a sujidade, a maldade, o vício, o trauma, o estigma), reaproveitando
técnicas barrocas e concretistas (paronomásia, aliteração, eufonia e cacofonia dos ecos verbais) de mistura
com o calão e o coloquialismo que sempre caracterizaram o estilo híbrido do autor. A fase visual vai da
década de 70 até o final dos anos 80; a fase cega abre-se em 1999, com a publicação dos primeiros livros de
sonetos."
Um estudável "glossário mattosiano" incluiria necessariamente algumas características de sua obra,
identificadas e rotuladas pelo próprio GM:
DATILOGRAFFITI: Assim o autor designa a linguagem chula dos grafitos de banheiro
transportada para o papel através da máquina de escrever, esta empregada também como ferramenta de
poesia visual — processo que resultou na diagramação artesanal das páginas do JORNAL DOBRABIL,
cujos ícones alfabéticos, caricaturando "fontes" ou "famílias" tipográficas, foram batizados por Augusto
de Campos como "dactylogrammas".
COPROFAGIA: Assim o autor designa sua estratégia literária na época em que editava o JORNAL
DOBRABIL, ou seja, uma releitura escatológica da "antropofagia" de Oswald de Andrade. A concepção
de GM foi explicada, no livro MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR, nestes termos: "uma proposta
estética que credenciava meu trabalho, a COPROFAGIA. Fiz a apologia da merda em prosa & verso, de
cabo a rabo. Na prática eu queria dizer pra mim mesmo e pros outros: 'Se no meio dos poucos bons tem
tanta gente fazendo merda e se autopromovendo ou sendo promovida, por que eu não posso fazer a dita
propriamente dita e justificá-la?'. A justificativa era a teoria da ANTROPOFAGIA oswaldiana. Já que a
nossa cultura (individual & coletiva) seria uma devoração da cultura alheia, bem que podia haver uma
nova devoração dos detritos ou dejetos dessa digestão. Uma reciclagem ou recuperação daquilo que já foi
consumido e assimilado, ou seja, uma sátira, uma paródia, um plágio descarado ou uma citação apócrifa.
Essa postura 'intertextual' agradou a crítica, e cheguei a ser qualificado como um 'enfant terrible' de
Oswald de Andrade." Quem qualificou foi o professor Jorge Schwartz, num ensaio sobre o JORNAL
DOBRABIL. Segundo outro professor, Steven Butterman, doutorado nos Estados Unidos com uma tese
sobre GM, "Mattoso's preoccupations begin where Oswald's end: if the anthropophagist has eaten
somebody, our cannibal will undoubtedly experience a bowel movement."
PODORASTIA: Assim o autor designa sua obsessiva atração pelo pé masculino como objeto sexual
e estético, ou antes, antiestético, já que se trata de pés grandes ou chatos, sujos ou malcheirosos. No livro
MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR e em centenas de poemas GM faz referências a termos
específicos para o fetichismo dos pés, mas particularmente no soneto "Ensaístico" cunha o qualificativo
"podorasta" que ser-lhe-ia aplicável, bem como o adjetivo "podosmófilo", que aparece no soneto
"Bizarro". Confira os referidos poemas acessando os tópicos "Erotismo e pornografia" e "Forma e
conteúdo" no TEMÁRIO MATTOSIANO:
PORNOSIANISMO: Assim o autor designa, na poesia, o apuro formal como suporte do impuro
conteúdo, ou, como diria o folclorista Miguel de Barros Toledo, a avacalhação do soneto camoniano,
lapidado na forma e dilapidado no fundo, este "mais imundo que a putaria de Bocage". Segundo o
professor Butterman, "Once again, Mattoso picks up where Bocage left off."
XIBUNGUISMO: Assim o autor designa a temática recorrentemente autoflagelatória que adota ao
glosar motes correntes ou desentranhados por ele mesmo de versos alheios. Sendo o glosismo, em sua
vertente mais fescenina (apelidada "poesia de bordel"), um gênero tão tradicional quanto a poesia de
cordel, que não comporta inovações na forma, GM introduz-lhe a inovação na voz poética, que encarna
um inusitado papel de anti-herói. No dizer de Barros Toledo, GM envenena a glosa "com sua visão
negativa da cegueira e sua descarada inclinação para a inferioridade assumida (contrariando todas as
tendências a dignificar os desfavorecidos) e, o que é pior, desafiando o mais arraigado dos valores que
honram a reputação de cantadores e cordelistas: a virilidade (apelidada, no caso, de 'cabramachismo').
Que o repertório dos repentistas nunca se pejou de colocar em dúvida a masculinidade do adversário,
disso o cancioneiro abunda em exemplos. Mas colocar-se, na primeira pessoa, como vítima de abuso
sexual desde a infância, resignar-se diante da humilhação continuada e ainda alardear masoquisticamente
sua condição de agradado na degradação cumulativa do cego estuprado — isso é coisa inusitada na
cultura nordestina, rural ou urbana, árida ou polida."
BARROCKISMO: Assim o autor designa, no soneto, o aspecto mais abrangente envolvendo os
diversos contrastes formais e conteudísticos de sua caudalosa produção. Na análise do professor Pedro
Ulysses Campos, "Independentemente dos reflexos neobarrocos entre as literaturas latino-americanas,
GM tem sua própria interpretação do que seja uma estética barroca na poesia: conciliando o esmero
formal (com seus malabarismos léxicos, semânticos e fonéticos) e as transgressões temáticas da
contracultura, o poeta rotula de 'barrockismo' a transgênese de linguagens entre o underground e o
construtivismo estilístico. Não apenas no livro GELÉIA DE ROCOCÓ: SONETOS BARROCOS (1999),
mas em toda sua safra de sonetos, GM parafraseia ou relê procedimentos preciosistas que, ao
contrastarem com a vulgaridade da matéria trabalhada, desempenham uma das características mais
intrínsecas ao barroco: o paradoxo."
TRANSFICCIONISMO: Assim o autor designa, numa parcela de sua produção sonetística, a
paráfrase de contos alheios ou a releitura, em verso, de consagrados "plots" ficcionísticos. A maior parte
dos contos "sonetizados" por GM está reunida no livro CONTOS FAMILIARES: SONETOS
REQUENTADOS. Segundo Pedro Ulysses Campos, "Ao embarcar, com armas e bagagens, na aventura
de dar forma de soneto a contos, GM toma por 'mote' argumentos já tematizados por grandes nomes
internacionais, de Mishima a Maupassant, e alguns nacionais, de Machado de Assis a Lima Barreto.
Naturalmente é apenas a sugestão da trama o que serve de estopim para os versos mattosianos, pois aquilo
que o autor batiza de 'transficcionismo' pressupõe, a par da 'transcriação' poética, um desvio — senão
total redirecionamento — do percurso narrativo. Resta sempre, como de resto na própria prosa tomada
por fonte, a imprecisa impressão de que aquela história já foi lida algures."
DESUMANISMO: Assim o autor designa sua incursão, em prosa ou verso, nos terrenos mais
socialmente incômodos e politicamente incorretos, como a tortura, o trote estudantil, o seqüestro, a ultra-
violência entre territórios do rock ou entre torcidas do futebol — temas tratados com sarcasmo e humor
negro, mas sempre evidenciando o inconformismo diante das opressões e injustiças duma suposta
"civilização". No dizer de Pedro Ulysses Campos, GM pode ser considerado um poeta engajado, mas "é
personalíssimo na maneira de abordar as misérias humanas: em seu autodenominado 'desumanismo', põe
o dedo (sujo) na ferida e infecciona as chagas com a crueza e a crueldade do livre-pensador, tão libertino
quanto libertário."
Antologia
Soneto Assumido [509]
Mattoso, que nasceu deficiente,
ainda foi currado em plena infância:
lambeu com nojo o pé; chupou com ânsia
o pau; mijo engoliu, salgado e quente.
Escravo dos moleques, se ressente
do trauma e se tornou da intolerância
um nu e cru cantor, mesmo à distância,
enquanto a luz se apaga em sua lente.
Tortura, humilhação e o que se excreta
são temas que abordou, na mais castiça
e chula das linguagens, o antiesteta.
Merece o que o vaidoso não cobiça:
um título que, além de ser "poeta",
será "da crueldade" por justiça.