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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO

HENRIQUE GUIMARÃES COUTINHO

OS CONSELHOS DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO


FUNDEB E A GESTÃO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO: UM ESTUDO EM
MUNICÍPIOS NORDESTINOS

Recife
2015
HENRIQUE GUIMARÃES COUTINHO

OS CONSELHOS DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO


FUNDEB E A GESTÃO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO: UM ESTUDO EM
MUNICÍPIOS NORDESTINOS

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em
Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Janete Lins de
Azevedo

Recife
2015
HENRIQUE GUIMARÃES COUTINHO

OS CONSELHOS DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO


FUNDEB E A GESTÃO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO: UM ESTUDO EM
MUNICÍPIOS NORDESTINOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Doutor em Educação.

Aprovada em: 11/05/2015.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Janete Maria Lins de Azevedo (Orientadora)
Universidade Federal de Pernambuco

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury (Examinador Externo)
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Macedo Gomes
(Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco

_______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana de Fátima Pereira de Sousa Abranches (Examinador
Externo)
Fundação Joaquim Nabuco

___________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Félix dos Santos (Examinador Externo)
Universidade Federal de Pernambuco
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Ana, pelo exemplo de vida e toda dedicação e amor ao longo
de mais 47 anos de convivência. A Silvana, minha esposa, amiga, parceira de todas
as horas, agradeço por toda força, companheirismo, paciência e amor dispensados
durante este processo de doutoramento. Vítor e Clara, meus filhos, que apesar da
pouca idade, tantos exemplos e lições de vida me deram e continuam a me dar a
cada dia.

Ao amigo e pai, Francisco (Memena), parceiro sempre presente em todas as


horas da minha vida. À Raísa, Ramon, Pedro e Sávio que presenciaram e torceram
pelo sucesso desta longa caminhada, obrigado por tudo. Não podia, nesta hora,
esquecer-me de duas pessoas que já estão em outro plano: meu irmão Rodrigo (in
memoriam) que tão cedo partiu e minha avó Ninon (in memoriam) e que certamente
de algum lugar me deram força.

À minha orientadora Janete Lins de Azevedo que além da competência, dos


ensinamentos, da disponibilidade e da paciência, conduziu este processo de
doutoramento com muita gentileza, atenção e dedicação.

Aos amigos e parceiros de anos de trajetória pessoal, acadêmica e


profissional Flávio Cireno, Jorge Alexandre Neves, Denílson Bandeira Coelho,
Maximiliano Carneiro da Cunha e Andiara Lopes.

Aos Professores e Professoras que fazem parte deste Programa de Pós-


Graduação em Educação e que muito contribuíram para minha formação
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGEE Teoria da Agenda Global Estruturada da Educação

ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação

ANPED Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CACS Conselho de Acompanhamento e Controle Social

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEMC Teoria da Cultura Educacional Mundial Comum

CF Constituição Federal

CNT Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

CONAE Conferência Nacional de Educação

CONED Congresso Nacional de Educação

DRU Desvinculação de Receitas da União

EC Emenda Constitucional

EJA Educação de Jovens e Adultos

FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

FHC Fernando Henrique Cardoso

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FNDEP Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública

FPE Fundo de Participação dos Estados

FPM Fundo de Participação dos Municípios

FUNDAJ Fundação Joaquim Nabuco


FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e


Valorização do Magistério

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada

IPI-Exp Imposto sobre Produtos Industrializados Proporcional às Exportações

IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores

ITCMD Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação

ITR Imposto Territorial Rural

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

MEC Ministério da Educação

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONG Organização Não Governamental

PAR Plano de Ações Articuladas

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PEQ Programa Estadual de Qualificação Profissional

PIB Produto Interno Bruto

PME Plano Municipal de Educação

PNE Plano Nacional de Educação

SME Secretaria Municipal de Educação


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Trabalhos Distribuídos por Área de Conhecimento ................................. 20


Quadro 2 - Estratégias e Procedimentos Metodológicos dos Estudos ...................... 21
Quadro 3 - Natureza e Objetivos dos Trabalhos Disponíveis na BDTD .................... 21
Quadro 4 - Competências das Esferas de Governo na Educação ............................ 60
Quadro 5 - Metas do PNE (2014-2024)..................................................................... 67
Quadro 6 - Educação e Financiamento na Constituição 1988 .................................. 99
Quadro 7 - Composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do
Fundef (CACS) ..................................................................................... 127
Quadro 8 - Composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do
Fundeb ................................................................................................. 130
Quadro 9 - Fundef e Fundeb: composição, funcionamento e estruturação dos
conselhos. ............................................................................................ 132
Quadro 10 - Distribuição do Número de Questionários Aplicados .......................... 145
Quadro 11 - Aplicação da Análise de Conteúdo...................................................... 149
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Características sócio-demográficas e educacionais dos estados


nordestinos ............................................................................................. 140
Tabela 2 - Caracterização dos Municípios .............................................................. 148
Tabela 3 - Nível de Escolaridade dos Secretários de Educação Pesquisados ....... 152
Tabela 4 - Nível de escolaridade dos Conselheiros do Fundeb Pesquisados ......... 153
Tabela 5 - Declaração dos conselheiros sobre o modo como passaram a integrar o
conselho ................................................................................................. 154
Tabela 6 - Segmento que exerce a presidência do conselho, segundo a declaração
dos conselheiros..................................................................................... 155
Tabela 7 - Declaração dos pesquisados sobre a posse, ou não de recursos próprios
por parte do Conselho. ........................................................................... 157
Tabela 8 - Autonomia que os pesquisados declararam ter o município em relação à
aplicação dos recursos do Fundeb ......................................................... 158
Tabela 9 - Nível de Autonomia que os secretários declararam ter o município em
relação às diretrizes e recursos do Fundeb ............................................ 158
Tabela 10 - Percentual do Fundeb gasto com o pagamento dos profissionais da
educação no município, segundo que os secretários e conselheiros ..... 159
Tabela 11 - Percepção dos entrevistados sobre o valor dos recursos do Fundeb para
financiar as despesas municipais com educação ................................... 160
Tabela 12 - Frequência com que ocorre a articulação entre o conselho e a SME
segundo os sujeitos pesquisados ........................................................... 160
Tabela 13 - Frequência com que os conselhos do Fundeb são convocados pela SME
para discutir a educação segundo os sujeitos pesquisados. .................. 161
Tabela 14 - Acompanhamento e fiscalização dos recursos do Fundeb .................. 164
Tabela 15 - Declaração dos pesquisados sobre o nível de controle dos recursos do
Fundeb por parte do conselho ................................................................ 165
Tabela 16 - Frequência dos conselheiros às reuniões do conselho ........................ 166
Tabela 17 - Informação dos conselheiros sobre a sua influência nas decisões do
conselho de acordo com o segmento a que pertencem ......................... 167
Tabela 18 - Dificuldades em compreender documentações do conselho segundo a
visão dos conselheiros ........................................................................... 168
Tabela 19 - Estratégias declaradas pelos pesquisados que a SME utiliza para decidir
como aplicar os Recursos do Fundeb. ................................................... 171
Tabela 20 - Distribuição dos segmentos presentes nos conselhos em relação ao
vínculo empregatício de cada conselheiro ............................................. 190
RESUMO

Esta tese discutiu gestão municipal, participação social e financiamento da educação


no contexto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb considerando o contexto
brasileiro de regime federalista cooperativo. A ideia central da pesquisa foi analisar
em que medida a gestão educacional de municípios nordestinos possui autonomia
sobre os recursos do Fundeb para atender suas próprias demandas locais e qual o
papel dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social como parte importante
do conjunto de esferas responsáveis pela participação da sociedade neste processo.
O trabalho apresenta uma discussão teórica primeiramente trata da relação entre
Estado e Sociedade Civil considerando as concepções de contrato social e
regulação. Em seguida faz uma discussão sobre o federalismo cooperativo no Brasil
no âmbito da descentralização das políticas educacionais. Trata do financiamento
educacional no Brasil desde as iniciativas do tempo colonial, passando pelas
diversas Constituições Federais até chegar ao Fundeb. Finaliza a parte teórica
discutindo gestão democrática, participação da sociedade e conselhos como
estruturas singulares e contraditórias, por fazerem parte da gestão ao mesmo tempo
em que funcionam como canais de fiscalização da sociedade. A pesquisa de campo
apresentou duas etapas: quantitativa e qualitativa. A primeira etapa, utilizando uma
amostra representativa, aplicou questionários em 382 municípios nordestinos com
secretários de educação e conselheiros do Fundeb. A segunda etapa promoveu
entrevistas abertas em profundidade com os secretários de educação e os
conselheiros representantes da sociedade em dois municípios, uma capital e uma
cidade de pequeno porte dentro de um mesmo estado do Nordeste. Os resultados
mostraram que a gestão educacional local apresenta autonomia parcial em relação à
aplicação dos recursos do fundo por conta das suas limitações financeiras impostas
pela estrutura de arrecadação da federação brasileira. Em relação à participação
social os dados mostraram que existe a presença dos segmentos nas atividades,
mas com suas ações participativas limitadas por diversos fatores internos e externos
ao conselho. A conclusão do trabalho é que os municípios possuem autonomia
administrativa, mas comprometida pela falta de condições financeiras para atender
suas próprias demandas locais. Existe uma dependência exagerada em relação aos
recursos do Fundeb, que em grande parte dos municípios são insuficientes para
cobrir os gastos educacionais. Os conselhos atuam mais como instituições
legitimadoras das ações da administração municipal do que como esferas de
acompanhamento e fiscalização dos recursos do fundo.

Palavras - chave: Educação. Financiamento. Federalismo. Gestão educacional.


Participação.
ABSTRACT

The current thesis discussed municipal management, social participation and social
funding in the context of the Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb considering the
Brazilian cooperative federalist regime context. The main research idea consisted in
analyzing to what extend the educational management of the Brazilian Northeastern
municipalities possesses autonomy over the Fundeb resources to meet their own
local demands and what the role of the Counselors as an important part of the set of
spheres responsible for the participation of society in such process. The current work
presents a theoretical discussion that addresses first the relation between State and
Civil Society considering the conceptions of social contract and regulation. Next, a
discussion about the Brazilian cooperative federalism within the decentralization of
educational policies framework is presented. This work also deals with the
educational funding in Brazil since initiatives of the colonial period, through several
Constituencies Federalists until reaching the Fundeb. It concludes the theoretical part
by discussing democratic management, social participation and councils as singular
and contradictory structures, for being part of the management while working as
society supervisory channels. The field research was divided into two steps:
quantitative and qualitative. The first step, by using a representative sample, applied
questionnaires in 382 Northeastern municipalities to education secretaries and
directors of Fundeb. The second step promoted open interviews with the education
secretaries and the representatives counselors of society in two municipalities: a
capital city and a small town in a same Brazilian Northeast State. The results showed
that the local educational management presents partial autonomy in relation to the
application of the Fund's resources on behalf of its financial limitations imposed by
the revenue structure of the Brazilian federation. Regarding social participation, the
data showed that there is the presence of the segments in the activities, but with their
participatory activities limited by several internal and external factors to the council.
The work concludes that the municipalities have autonomy, but compromised by lack
of financial resources to meet their own local needs. There is an over-reliance on
Fundeb resources, which in most municipalities are insufficient to cover educational
expenses. The councils act more as legitimizing institutions of the actions of
municipal administration than as an accompaniment and supervision of the fund's
resources spheres.

Keywords: education, funding, federalism, educational management, participation.


RESUMEN

En esta tesis se analiza la gestión municipal, la participación social y el


financiamiento de la educación en el contexto del Fondo para el Desarrollo de la
Educación Básica y de mejora de Profesionales de la Educación - Fundeb teniendo
en cuenta el contexto brasileño de régimen federalista cooperativa. La idea central
de la investigación fue analizar el grado en el que la gestión educativa municipios del
noreste tienen autonomía sobre los recursos Fundeb para satisfacer sus propias
necesidades locales y el papel de los Consejos de Supervisión y Control Social
como una parte importante del conjunto de esferas encargadas de participación de
la sociedad en este proceso. El artículo presenta una teóricas discusión trata
principalmente de la relación entre Estado y sociedad civil teniendo en cuenta los
conceptos de contrato y de regulación social. Lo siguiente es una discusión del
federalismo cooperativo en Brasil como parte de la descentralización de las políticas
educativas. Es iniciativas educativas de financiación en Brasil desde la época
colonial, a través de las diversas Constituciones federales para llegar a la Fundeb.
Finaliza la parte teórica de discutir la gestión democrática, la participación social y el
asesoramiento como estructuras naturales y contradictorias, por ser parte de la
gestión, al mismo tiempo actuar como canales de control de la sociedad. La
investigación de campo presenta dos etapas: cuantitativos y cualitativos. El primer
paso, utilizando una muestra representativa, cuestionarios aplica en 382 municipios
del noreste con secretarios de educación y directores de Fundeb. La segunda etapa
promovió entrevistas abiertas con los secretarios de educación y representantes de
asesores de la Sociedad en dos ciudades, una capital y un pequeño pueblo en el
mismo estado en el noreste. Los resultados mostraron que la gestión educativa local
tiene autonomía parcial en relación con la aplicación de los recursos del Fondo en
nombre de sus limitaciones financieras impuestas por la estructura de ingresos de la
federación brasileña. Sobre la participación social datos mostraron que existe la
presencia de los segmentos en las actividades, pero con sus actividades
participativas limitadas por varios factores internos y externos a la junta. La
conclusión es que los municipios tienen autonomía, pero comprometida por la falta
de recursos financieros para satisfacer sus propias necesidades locales. Hay un
exceso de confianza en los recursos Fundeb, que en la mayoría de los municipios
son insuficientes para cubrir los gastos de educación. Los consejos actúan más
como una legitimación de las instituciones de las acciones de la administración
municipal que como las bolas de acompañamiento y supervisión de los recursos del
fondo.
Palabras - clave: educación, finanzas, el federalismo, la participación de la gestión
educativa.
SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
2. POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: ESTADO E SOCIEDADE ............... 27
2.1 ESTADO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO COMPLEXA ................................ 27
2.2 ESTADO, REGULAÇÃO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS ............................... 39
3. FEDERALISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E REGIME DE COLABORAÇÃO NO
BRASIL CONTEMPORÂNEO .................................................................................. 51
3.1 FEDERALISMO BRASILEIRO: ORIGENS E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO. . 53
3.2 FEDERALISMO COOPERATIVO NA EDUCAÇÃO: PRINCÍPIOS E DESAFIOS
............................................................................................................................... 61
3.3 DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O QUADRO
BRASILEIRO RECENTE ....................................................................................... 73
4. OS CAMINHOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM
RESGATE HISTÓRICO DOS TEMPOS DA COLÔNIA ATÉ OS DIAS ATUAIS. ..... 85
4.1 EDUCAÇÃO E FINANCIAMENTO NO BRASIL COLONIAL ............................ 88
4.2 FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO E AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.89
4.3 FUNDOS PÚBLICOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: O FUNDEF E FUNDEB
............................................................................................................................. 102
5. OS CONSELHOS DO FUNDEB E A GESTÃO DEMOCRÁTICA:
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM XEQUE ................................................................... 111
5.1 CONSELHOS GESTORES NO BRASIL: ORIGENS E PROCESSOS
HISTÓRICOS ....................................................................................................... 120
5.2 CONSELHOS DO FUNDEB: CARACTERÍSTICAS, AVANÇOS E LIMITAÇÕES
............................................................................................................................. 126
6. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA ........................................ 137
6.1 O CAMPO ...................................................................................................... 140
6.2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ............................................................. 141
6.2.1. ESTRATÉGIAS QUANTITATIVAS ......................................................... 142
6.2.2 ESTRATÉGIAS QUALITATIVAS ............................................................. 145
7. A GESTÃO DO FUNDEB E A PARTICIPAÇÃO EM MUNICÍPIOS
NORDESTINOS ...................................................................................................... 151
7.1 PERFIL DOS ATORES .................................................................................. 151
7.2 AUTONOMIA DA GESTÃO EDUCACIONAL E DOS CONSELHOS DO
FUNDEB .............................................................................................................. 155
7.3 GESTÃO DA EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E CONSELHOS DO FUNDEB 163
8. O FUNDEB NO MOVIMENTO DA GESTÃO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO ..... 173
8.1 AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA GESTÃO DO
FUNDEB .............................................................................................................. 174
8.2 AS CONTRADITÓRIAS RELAÇÕES: O CONSELHO E A SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, O MUNICÍPIO E O GOVERNO FEDERAL. ......... 181
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 193
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 199
APÊNDICE I ......................................................................................................... 211
APÊNDICE II ........................................................................................................ 213
15

1 INTRODUÇÃO

Esta tese se propõe a discutir as relações entre gestão municipal e


financiamento da educação abordando a atuação dos Conselhos de
Acompanhamento e Controle Social (Cacs) do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – Fundeb, no Nordeste.
A Constituição Federal de 1988 alçou os municípios brasileiros à condição de
entes federativos, o que ampliou significativamente nossa federação1. Assim
governos municipais ganharam autonomia administrativa e financeira para orientar
suas ações de acordo com necessidades da sua população.
Daí pra frente o Brasil assumiu um modelo de regime federativo com
colaboração entre entes federados ao estabelecer cooperação, divisão e
compartilhamento de atribuições em função de objetivos comuns regulados por
normas nacionais. Mas, por outro lado, não se pode ignorar a crescente influência
da União em relação ao regime fiscal e tributário do país, proporcionando um
ambiente de desequilíbrio de poder permeado por conflitos entre as esferas
governamentais.
Na prática, o país apresenta um sistema federalista desequilibrado e com
intensa movimentação dos governos subnacionais em busca de se fortalecerem
politicamente frente à esfera federal para conquistar maior poder de barganha por
mais recursos. Essa movimentação geralmente termina por promover disputas
competitivas que se mostram bastante nocivas e fratricidas entre os entes
subnacionais (ABRÚCIO, 2006).
Quando falamos em federalismo estamos nos referindo a uma determinada
organização de Estado e por isso se torna necessário uma reflexão mais cuidadosa
sobre o que é uma federação. Este conceito é sinônimo de contrato entre União e
estados membros, formando uma unidade política. Cada membro tem alguma
autonomia em relação à autoridade soberana da federação, ou seja, essa condição
autônoma dos entes não pode ferir a soberania da União e isto demanda um estado
de direito com papeis, atribuições, limites e responsabilidades de cada esfera de
governo claramente definidas.
1
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a Federação brasileira
contém 5.570 Municípios, 26 Estados e um Distrito Federal. Dados para 2013.
16

Em relação à educação, desde os primórdios da República até os dias de


hoje, pode-se verificar que a presença do federalismo foi uma constante, em maior
ou menor escala, a depender do momento político e/ou do tipo de governo, mas
percebe-se também que foi se criando um pensamento ou mesmo uma espécie de
“cultura” na qual a União deve ser a principal responsável pela condução das
diretrizes da educação (CURY, 2010).
O nosso federalismo é do tipo cooperativo, onde União e demais entes
federados compartilham, em regime de colaboração, as diversas atribuições e
competências que devem ser articuladas e executadas de forma harmônica. Em
relação à educação isto está claramente definido na própria Carta Constitucional de
1988 em seu Artigo 2112:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime


de colaboração seus sistemas de ensino”.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,


financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios;

2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação


infantil.

3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino


fundamental e médio.

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito


Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar
a universalização do ensino obrigatório.

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

A realidade brasileira se mostrou um pouco mais complexa e conflituosa por


que a esfera federal, por apresentar melhores condições técnicas e financeiras em
relação aos demais entes federados, de forma centralizadora, concentrou
praticamente todo planejamento estratégico das políticas educacionais. Para as
unidades subnacionais federados restou a opção em aderir aos programas nacionais

2
Considerando todas as alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais N°14/1996; N°
53/2006 e N° 59/2009.
17

para não perderem o acesso aos repasses dos recursos federais. Este quadro
sinaliza para uma relação muito mais caracterizada por processos de submissão do
que propriamente de cooperação entre unidades federativas e União, mostrando o
quanto existe de tensões e disputas neste campo.
A escolha do Fundeb como objeto de estudo se deu porque, além deste
programa ser elaborado na esfera federal para financiar a educação básica nos
estados e municípios da federação em regime de colaboração, também exigiu dos
municípios algumas contrapartidas como, por exemplo, a criação e manutenção dos
Conselhos de Acompanhamento e Controle Social – Cacs para funcionar como
instâncias fiscalizadoras responsáveis pela participação da sociedade no controle da
aplicação dos recursos da educação no nível local, que mostram o caráter de
cooperação entre esferas governamentais deste programa de financiamento da
educação.
O Fundeb veio para substituir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, em 2007, com
previsão para durar até 2020. Foi constituído por uma cota única de alguns impostos
estaduais e federais pertencentes às esferas subnacionais. Hoje é composto por
20% das receitas descritas: Fundo de Participação dos Estados – FPE; Fundo de
Participação dos Municípios – FPM; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS; Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às
exportações– IPI-Exp; Desoneração das Exportações (LC nº 87/96); Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD; Imposto sobre Propriedade de
Veículos Automotores – IPVA e cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural-ITR
devida aos municípios.
É importante ressaltar que, em unidades subnacionais que não atingirem a
arrecadação necessária para garantir o valor mínimo nacional definido para o custo
aluno/ano, haverá aporte de recursos federais, como complementação da União. A
definição dos valores a serem investidos nas esferas federativas é determinada pelo
número de alunos matriculados na educação básica, com base no censo escolar do
ano anterior.
A construção desta tese apresenta três pilares: o primeiro de natureza
pessoal que tem sua origem nas diversas experiências acadêmicas que vivenciei a
partir da entrada no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pernambuco em 1997. Hoje, em minha memória este momento se constituiu como o
18

marco inicial do meu interesse direto e mais organizado pelas relações sociopolíticas
no Brasil recente e posteriormente, pela educação como dimensão social cujas
características podem explicar os limites, avanços e possibilidades para a
construção de uma sociedade mais igualitária e mais justa.
Em 2001, dei continuidade à trajetória acadêmica ingressando no Mestrado
de Ciência Política do PPGCP/ UFPE ao mesmo tempo em que também passei a
atuar como pesquisador do Núcleo de Opinião e Políticas Públicas (NEPPU). Isto
me permitiu participar de diversas pesquisas de avaliação de políticas sociais e,
também, ingressar em cursos de formação como o Programa de Treinamento
Intensivo em Metodologia Quantitativa para Ciências Humanas, oferecido pela
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais/UFMG e Fundação Ford em Junho/julho de 2001 e do The Vilmar Faria
Fellowship in Quantitative Analysis & Public Policy na University of Texas at Austin
(USA), em 2002.
Em 2003, voltei para o Brasil e retomo minhas atividades no programa de
Ciência Política/ UFPE e concluo o mestrado com a dissertação que tratou do Papel
das Comissões Municipais de Emprego no Acompanhamento da Aplicação dos
Recursos do Programa de Qualificação Profissional em Pernambuco – PEQ/FAT
aprovada em dezembro deste mesmo ano.
No ano de 2006, prestei concurso para a Fundação Joaquim Nabuco, onde
ingressei em 2007 como pesquisador na Coordenação Geral de Estudos
Educacionais e passei a me dedicar às pesquisas de avaliação de programas
educacionais. Entre as quais destaco: (1) Avaliação dos Conselhos do Fundef na
Região Metropolitana do Recife; (2) Transmissibilidade Intergeracional da Pobreza:
visões e percepções; (3) Avaliação do Programa de Ações Articuladas – PAR em
municípios do Nordeste; (4) Avaliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb) em
Municípios Nordestinos; (5) Avaliação dos Impactos do Programa Bolsa Família no
Nordeste.
Esta trajetória acadêmica aproximou-me naturalmente do campo das
avaliações de políticas educacionais, especialmente sobre financiamento, gestão e
participação social na educação.
O segundo pilar, de caráter mais político, se justifica pela importância da
temática do federalismo brasileiro em relação ao financiamento da educação no
19

contexto do regime de colaboração, em um momento em que há uma visível


demanda, por parte de diversos segmentos governamentais e da sociedade civil,
para uma discussão ampla sobre as relações do Pacto Federativo no Brasil a partir
da revisão dos papeis e atribuições dos entes federados.
A tese faz uma abordagem detalhada sobre a autonomia da administração
municipal em relação à esfera federal numa perspectiva de articulação com o
conselho do Fundeb como esfera institucional responsável pela participação da
sociedade no acompanhamento e fiscalização de recursos públicos como indicador
de democracia na gestão pública. O trabalho analisa estas questões à luz de teorias
estruturantes do campo educacional e a partir da visão e percepção dos principais
atores envolvidos na gestão educacional local (secretários de educação e
representantes de pais e de alunos no conselho do Fundeb).
O interesse principal está concentrado em verificar em que medida existe de
fato autonomia na administração municipal em relação à aplicação dos recursos do
Fundeb e se isto vem contemplando às demandas da realidade local, a partir de
articulação com o Conselho de Acompanhamento e Controle Social que, além de
fazer parte da gestão da educação, é a esfera institucional responsável pela
participação da sociedade na fiscalização da alocação dos recursos educacionais.
Por último, a partir de um levantamento sobre a produção acadêmica do
financiamento da educação contextualizamos o nosso estudo frente ao que já foi
produzido recentemente nesta área no âmbito dos programas de pós-graduação no
Brasil. Foram identificadas teses e dissertações que trataram do financiamento da
educação por meio do Fundeb disponíveis na Biblioteca Digital de Teses e
3
Dissertações (BDTD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). Considerando que este fundo começou a funcionar em 2007,
estabelecemos um recorte para a pesquisa entre os anos de 2008 e 2013.
Este levantamento teve o objetivo de apresentar um quadro geral para situar
o leitor sobre o que foi pesquisado nos últimos anos sobre esta temática, nos
programas de pós-graduação para estabelecer as principais diferenças desta tese
em relação ao que já foi produzido.

3
A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que integra os sistemas de
informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa brasileiras, e
também estimula o registro e a publicação em meio eletrônico. A BDTD foi desenvolvida no âmbito
do programa da Biblioteca Digital Brasileira, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP).
20

Encontramos na BDTD, 24 estudos contendo a palavra Fundeb nos títulos,


sendo 14 dissertações e 10 teses de doutorado. Em relação aos programas de pós-
graduação, a área de educação se mostrou hegemônica com 75% dos estudos
(distribuídos em 50% de dissertações e 50% teses). Em seguida vieram os
programas de economia com 12,5% dos trabalhos. O restante abriga as áreas das
ciências sociais, administração e direito com 12,5% dos estudos realizados. O
quadro abaixo mostra esta distribuição.

Quadro 1 - Trabalhos Distribuídos por Área de Conhecimento


Tipo Área %
Administração 7,1
Ciências Sociais 7,1
Direito 7,1
Dissertação
Economia 14,3
Educação 64,3
Total 100,0
Economia 10,0
Tese Educação 90,0
Total 100,0
Fonte: elaboração própria/ dados da BDTD. Dados primários disponíveis em: http://bdtd.ibict.br

O quadro mostra que 90% das teses sobre financiamento da educação fazem
parte de programas de educação enquanto que os 10% restantes são de programas
de economia. Em relação às dissertações, 64% estão vinculadas a programas de
educação, 14% aos de economia e o restante se distribui entre os de administração,
ciências sociais e direito, com aproximadamente 7% cada um.
Também foram analisados alguns aspectos relacionados às principais
estratégias de pesquisa utilizadas para o levantamento, coleta e análise dos dados
empíricos com o intuito compreendermos melhor a construção recente do campo de
pesquisa do Fundeb enquanto política de financiamento da educação no Brasil.
Neste sentido, a grande maioria dos estudos apresentou estratégias e
procedimentos metodológicos baseados em análises de dados secundários
disponibilizados em meios oficiais (sites, documentos, legislação, relatórios,
estatísticas e dados financeiros) e entrevistas com gestores, diretores, professores,
conselheiros, entre outros. O quadro abaixo mostra este cenário:
21

Quadro 2 - Estratégias e Procedimentos Metodológicos dos Estudos


Estratégias e Procedimentos %
(a) Análise de documento e leis (b) Revisão bibliográfica
33,3
(c) Utilização de entrevistas.
(a) Análise de documentos e leis (b) Revisão bibliográfica. 16,7
(a) Análise de documentos e leis (b) Análise de dados financeiros
50,0
(c) Revisão bibliográfica.
Total 100,0
Fonte: elaboração própria/ dados da BDTD Dados primários disponíveis em: http://bdtd.ibict.br

Em razão das características singulares da área educacional, em geral, os


trabalhos utilizaram combinações de procedimentos metodológicos para dar conta
da coleta e análise de dados empíricos. Todos os trabalhos utilizaram revisão
bibliográfica como estratégia inicial e 50% dos casos utilizaram dados secundários
financeiros e análise documental. Já 33% utilizaram revisão bibliográfica, análise
documental e aplicação de entrevistas semiestruturadas e abertas. Enquanto 16%
fizeram uso de análise documental e revisão bibliográfica. Isto mostra que, em
estudos educacionais, o ideal é a utilização de métodos de pesquisa conjugados
para, juntos, possam dar conta de toda complexidade do campo.
O quadro abaixo mostra a natureza e objetivos dos trabalhos já desenvolvidos
sobre o Fundeb. Estudos comparativos entre o Fundeb e Fundef, impactos e efeitos
do Fundeb na educação local e estudos de caso em municípios aparecem com 25%
dos casos cada. Comparação do Fundeb em municípios diferentes apresentou
quase 17% dos casos e transição do Fundef para o Fundeb 8% dos casos.

Quadro 3 - Natureza e Objetivos dos Trabalhos Disponíveis na BDTD


Natureza/Objetivo %
Estudo comparativo entre Fundef e o Fundeb 25,0
Estudo comparativo entre municípios 16,7
Estudo de caso utilizando um Município. 25,0
Impactos e Efeitos do Fundeb na Educação 25,0
Transição do Fundef para o Fundeb 8,3
Total 100,0
Fonte: elaboração própria/ dados da BDTD Dados primários disponíveis em: http://bdtd.ibict.br

A partir da exposição dos quadros, vamos descrever os principais aspectos e


objetivos de alguns dos principais estudos acessados. Desta forma vamos tratar dos
22

principais trabalhos desenvolvidos nos últimos cinco anos para construir uma visão
mais ampla sobre o campo de pesquisas sobre financiamento da educação.
Os trabalhos de Martins (2009) e Araújo (2007) discutiram o financiamento da
educação por meio de fundos e estabelecem uma comparação entre o Fundef e o
Fundeb, suas diferenças, similaridades e avanços. Martins (2009) buscou
compreender a questão do financiamento da educação básica a partir dos anos
1990 no chamado Pós-Constituição de 1988. O estudo foi focado no Fundeb em
comparação com o Fundef, para sob esta perspectiva, analisar se este fundo tinha
as condições necessárias para garantir, num contexto de cooperação federativa, o
financiamento da educação básica com justiça e equidade.
Araújo (2007) analisou a política de financiamento da educação do primeiro
governo Lula (2003-2006) comparando com os pressupostos teóricos- conceituais
utilizados durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com o
objetivo de identificar, na criação do Fundeb, as principais rupturas e continuidades
em relação ao Fundef.
Os dois estudos chegam a conclusões parecidas sobre o Fundeb mostrando
que a partir da experiência do Fundef foram registrados diversos avanços relevantes
tanto no campo do regime de colaboração entre os entes federado como em
aspectos mais voltados para a estruturação e funcionamento do fundo como um
todo como a resolução do problema da complementação da união, o combate às
distorções existentes na atuação e funcionamento dos Conselhos de
Acompanhamento e Controle Sociais (Cacs).
Outros trabalhos caminharam na mesma direção, como Borges (2007) e
Amorim (2010) que analisaram comparativamente o Fundef e o Fundeb em relação
aos impactos financeiros e os repasses de recursos entre os entes federados.
Destacaram que, apesar da elevação das transferências de recursos a partir do
Fundeb, não se pode considerar isto como um crescimento suficiente no
investimento para atender às metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação -
PNE.
O trabalho de Carvalho (2012) promoveu uma discussão comparativa sobre a
política de financiamento da educação por meio dos fundos (Fundef e Fundeb) na
perspectiva de compreender os impactos sobre a valorização da carreira docente no
estado do Pará. Já o estudo de Sousa (2009) desenvolve uma comparação entre
Fundef e Fundeb no município de Fortaleza buscando compreender os principais
23

impactos e os impasses estabelecidos por essas políticas em relação à valorização


do magistério.
Em outra perspectiva teórico-metodológica se encontram os trabalhos de
Sampaio (2012); Gomes (2011); Miranda (2010); Lima (2009) e Umann (2008) que
desenvolveram estudos de caso em municípios do sudeste para compreender os
principais efeitos do Fundeb na educação local. Para isto se utilizaram de diversas
fontes de dados como: documentos oficiais, leis e legislações, relatórios técnicos,
sites, dados financeiros e educacionais, atas de reuniões dos conselhos do Fundeb,
entrevistas com gestores educacionais, conselheiros, diretores e professores das
redes municipais. Os esforços se concentraram basicamente sobre a compreensão
dos efeitos do fundo sobre a qualidade da educação local.
O trabalho de Cabral (2009) em dois municípios de Mato Grosso (Campo
Grande e Chapadão do Sul) tratou da atuação dos conselhos em relação à
fiscalização e acompanhamento da gestão e alocação dos recursos do Fundeb
nestas duas localidades. Por outro lado Santos (2010) comparou dois municípios do
Rio de janeiro (Duque de Caxias e Nova Iguaçu) ao abordar o financiamento da
educação analisando a transição do Fundef para o Fundeb no contexto da eficiência
e efetividade dos gastos em educação. Pereira (2010) foi pela mesma linha, mas
focou sua análise sobre os primeiros resultados do Fundeb em João Pessoa (PB) e
Cabedelo (PB) comparando os impactos do fundo na educação em cada um destes
municípios.
Este levantamento da produção recente sobre financiamento da educação
mostra que nossa proposta se difere do que foi produzido até hoje sobre
financiamento da educação, porque trata prioritariamente da questão da autonomia
da gestão educacional em articulação com o papel do conselho do Fundeb.

Nossa questão de pesquisa consistiu em verificar se, em municípios do


Nordeste, a gestão municipal da educação, representada pelos gestores
educacionais e membros do Conselho do Fundeb, detêm autonomia sobre a
aplicação dos recursos do fundo considerando suas próprias configurações locais e
o papel dos Cacs como parte importante do conjunto de esferas institucionais
responsáveis pela participação da sociedade no acompanhamento e fiscalização
dos gastos educacionais nas esferas municipais.
24

O objetivo geral da tese foi analisar em que medida o governo municipal, no


que se refere à aplicação dos recursos do Fundeb, consegue exercer plenamente
sua condição de entre federativo autônomo e, também, identificar qual o papel do
conselho neste processo como parte integrante da gestão educacional e esfera
institucional responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sociedade sobre
os gastos com educação no município.
A definição das estratégias e procedimentos metodológicos leva em
consideração a complexidade e as especificidades do campo das políticas
educacionais caracterizado por tensões e conflitos. Portanto as escolhas
metodológicas estão pautadas por questões que dizem respeito ao uso das
correntes qualitativas e quantitativa que, em geral, são tratadas como estratégias
antagônicas e excludentes dentro de uma pesquisa científica. Mas no nosso trabalho
estas duas vertentes são utilizadas conjuntamente numa perspectiva de
complementaridade.
A cobertura adequada dos diversos fenômenos sociais exige a adoção de
vários métodos e da coleta de diversos tipos de dados, ou seja, o investigador pode
lançar mão de uma espécie de pluralismo metodológico se realmente pretende
desenvolver uma compreensão mais aproximada com a complexidade dos
acontecimentos da realidade. Diante disto pode-se concluir que o antagonismo entre
as correntes qualitativas e quantitativas se mostra como algo possível de ser
superado com o propósito de melhorar as condições para a produção do
conhecimento nas ciências sociais e especialmente na área da educação (BAUER;
GASKELL, 2002).
Diante destes argumentos, desenvolvemos uma proposta de estudo que
contemplou estratégias e procedimentos qualitativos e quantitativos na coleta e
análise dos dados de campo. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: a
primeira de natureza quantitativa abrangeu, através de uma amostra aleatória
representativa, 382 municípios nos nove estados nordestinos respeitando seus
critérios de proporcionalidade entre eles em relação à população, tamanho da rede
pública, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB e Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM4. Foram aplicados questionários

4
Mais detalhes sobre o plano amostral no 6º capítulo da tese.
25

específicos para os secretários de educação e para os conselheiros membros do


Fundeb, todos como integrantes da gestão dos recursos do fundo.
Em seguida, realizamos a etapa qualitativa em dois municípios, sendo uma
capital e uma cidade de pequeno porte, ambos no mesmo estado. Nestes
municípios foram utilizadas entrevistas abertas com roteiro para secretários de
educação e membros do conselho do Fundeb representantes da sociedade. A ideia
foi comparar as respostas dos entrevistados nos dois municípios para ampliar a
análise das questões de pesquisa propostas pelo estudo.
Utilizamos a análise de conteúdo para compreender a percepção dos
gestores e conselheiros sobre o Fundeb e as ações de acompanhamento e
fiscalização da aplicação dos recursos na educação municipal.
Os dados apontam um cenário de autonomia parcial da administração
municipal uma vez que os secretários de educação têm controle sobre sua própria
gestão, mas não dispõem de recursos próprios suficientes para ficarem menos
submissos à União por conta da dependência dos repasses federais. Quanto ao
conselho do Fundeb, em geral, sofre interferências significativas da gestão municipal
justamente por que ainda se encontra bastante dependente do governo municipal
para financiá-lo e fornecer a estrutura necessária ao seu funcionamento. A
participação da sociedade apareceu mais na forma de presença dos segmentos
sociais, do que materializada na atuação mais efetiva e participativa, capaz de
acompanhar e fiscalizar a gestão com independência.
Os dados mostraram ainda que, em sua maioria, os conselhos atuam como
esferas legitimadoras das ações da gestão municipal. Foram encontradas muitas
dificuldades por parte dos conselheiros para atuar de forma eficaz por conta do
pouco conhecimento sobre a legislação, dados financeiros e orçamentários, da
ausência de formação específica para a função, além do fato dos conselhos do
Fundeb estarem, atualmente, ocupados por servidores da administração municipal.
Ou seja, o estudo revelou que os conselheiros dos municípios nordestinos
são, em sua maioria, servidores municipais (especialmente professores da Rede).
Só não foi possível identificar há uma intenção do poder local em controlar com mais
facilidade esta esfera participativa nomeando aliados ou se, na verdade, existe uma
acomodação por conta das dificuldades em promover participação social que leva a
secretaria de educação optar por uma solução mais fácil que seria indicar servidores
municipais para compor o conselho.
26

O trabalho apresenta a seguinte estruturação: o segundo capítulo apresenta a


discussão sobre a relação entre Estado e sociedade no contexto do contrato social e
da regulação. Abordamos em linhas gerais as principais correntes teóricas que
tratam desta questão desde a formação do Estado Moderno até a realidade
contemporânea dos dias atuais incluindo o caso brasileiro.
O terceiro capítulo trata do sistema federalista brasileiro, contemplando suas
bases constitucionais, suas tipologias e características. Também discute a
descentralização das políticas educacionais e o regime de colaboração como base
de relações político-administrativas entre os entes federados em relação ao
financiamento da educação básica.
O quarto discute diretamente o financiamento educacional no Brasil;
revisitando sua trajetória desde os tempos da colônia, passando pelo império, até as
Constituições Federais, mostrando como foi tratado e suas principais características
enquanto estrutura regulatória ao longo da história brasileira. Posteriormente
fazemos uma análise comparativa entre os fundos de contábeis de financiamento
(Fundef e Fundeb) implementados no País a partir da última Carta Constitucional de
1988, estabelecendo suas principais similaridades, diferenças e contribuições à
educação brasileira de forma geral.
O quinto capítulo discute a relação da gestão democrática na educação e o
papel dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS). Consideramos
estes espaços como estruturas singulares e contraditórias, porque fazem parte da
gestão local ao mesmo tempo em que funcionam como canais de fiscalização.
O sexto detalha os percursos metodológicos e as escolhas das estratégias de
coleta e análise dos dados. O sétimo capítulo traz um panorama geral dos
municípios nordestinos em relação à gestão da educação e do funcionamento dos
conselhos do Fundeb com um recorte sobre autonomia e participação social a partir
da análise dos dados da etapa quantitativa. O oitavo capítulo analisa os
depoimentos dos secretários municipais de educação e dos dois conselheiros
representantes dos pais de alunos nos municípios pesquisados para tratar das
percepções dos entrevistados sobre a autonomia da gestão educacional em
articulação com o conselho do Fundeb. E por fim, no nono capítulo, apresentamos
as considerações finais.
27

2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: ESTADO E SOCIEDADE

Introdução

Neste trabalho analiso o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da


Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb - em
relação à gestão dos seus recursos articulada à participação social nos Conselhos
de Acompanhamento e Controle Social – Cacs - nos municípios do Nordeste. Foco
duas categorias importantes que se articulam e influenciam diretamente a execução
de qualquer política ou programa educacional: Estado e sociedade civil.
Baseado em texto de Azevedo (1997), consideramos que políticas
educacionais são compreendidas como produtos diretos da ação estatal enquanto
intervenção na sociedade. Estas políticas estão atreladas a determinadas estruturas
de poder, permeadas por conflitos e tensões de natureza local e global por parte de
um conjunto de atores e instituições.
Ao priorizar esta perspectiva para a compreensão das políticas educacionais
e suas implicações na história recente do Brasil, é preciso levantar algumas
reflexões acerca de determinadas correntes analíticas que tratam das relações entre
Estado e sociedade no contexto da educação. Recorremos, então, a algumas
vertentes teóricas que ajudam a desvelar as relações entre a sociedade e o Estado,
considerando suas fronteiras, tensões e conflitos.

2.1 ESTADO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO COMPLEXA

Quando pensamos no Estado precisamos refletir sobre os limites entre o


público e o privado, uma vez que seu papel e atribuições repercutem diretamente
sobre a vida dos indivíduos, contemplando dimensões econômicas, políticas e
sociais. Esta discussão realça o constrangimento que uma dimensão causa na
outra, já que uma esfera pode atuar no sentido de constranger a outra e assim
ganhar mais espaço. Quando se aumenta o espaço público, ao mesmo tempo e na
mesma proporção, se diminui o privado (e vice-versa), forjando os modelos de
Estado Nacionais.
28

O Estado Nacional, no pensamento clássico5, tem sua origem na saída do


homem da sua condição natural de liberdade total em direção a uma vida em
sociedade, onde as relações entre os sujeitos necessitam de uma força institucional
regulatória que seja capaz de determinar e articular o conjunto de normas e leis
próprias do convívio social.
Em seu texto clássico, O Leviatã, Thomas Hobbes defende que o Estado é a
instituição responsável pela regulação e organização das relações humanas por
conta do caráter da condição natural dos homens que os impele na busca da
realização dos seus desejos de qualquer maneira, individualmente, de forma violenta
e egoísta, com atitudes passionais (RIBEIRO, 2006)
Hobbes considera que a natureza humana é a mesma com as pessoas livres
e iguais, sendo esta igualdade responsável pela origem do que ele denominou de
“guerra de todos contra todos”, onde a lei do mais forte impera nas relações entre os
indivíduos. Segundo o autor, isto ocorre porque um indivíduo não sabe ao certo o
que o outro deseja ou fará, e, pressupondo provável atitude agressiva, justifica de
forma razoável, que cada um ataque o outro como preservação da própria vida ou
realização dos próprios desejos, na lógica do mais forte suplantando o mais fraco.
A igualdade, neste contexto, é o fator responsável por levar os homens à
guerra contra seus semelhantes e por conduzi-los a lutar pelos seus próprios
interesses individuais em detrimento de um bem comum. Imprescindível a superação
desse estado de natureza para que a sociedade possa conviver em paz e se
desenvolver na direção da preservação da propriedade privada. O caminho para isto
passaria, necessariamente, pela instauração de um poder maior, capaz de deter
todos os instintos naturais e egoístas dos seres humanos e assim organizar e
mediar relações sociais, utilizando quando necessário, a força (RIBEIRO, 2006).
A paz só seria viável quando todo homem livre renunciasse a liberdade sobre
si próprio e passasse a obedecer às leis, normas e regras determinadas por este
poder supremo, denominado Estado, por um pacto de submissão materializado
através de um contrato social; os indivíduos abririam mão da sua liberdade total,
característica do estado de natureza selvagem, para delegar àquela instituição
política (materializada na figura do governante soberano), o poder de deliberar sobre
seus destinos enquanto sujeitos sociais.

5
Discussão baseada nos textos de Ribeiro (2006); Mello (2006); Sadek (2006) e Nascimento (2006)
29

Essa situação se tornou possível mediante a criação da sociedade política,


com normas e regras que contivessem a violência natural dos homens e, em troca
da sua liberdade, oferecesse proteção contra os inimigos (externos e internos), além
de preservar a propriedade privada.
Vale ressaltar que nesta concepção de Estado é terminantemente vedada aos
indivíduos, a renúncia ao pacto de forma unilateral, justamente porque ele foi
estabelecido perante outro indivíduo e em favor de um terceiro, no caso o Estado.
Isso mostra o caráter de submissão inerente ao modelo, o que impede a
possibilidade de quebra do contrato social. Essa premissa foi responsável pela
sustentação de muitos Estados absolutistas, principalmente porque desconsiderava
as liberdades individuais e não dava espaço a vozes que questionassem o poder do
soberano. A existência do Estado hobesiano fica justificada pelo contrato social
formado entre os indivíduos e o soberano, com a função principal de controlar a
natureza selvagem do ser humano, e, através do monopólio do uso da força,
resolver todos os problemas da sociedade como um todo (RIBEIRO, 2006).
Por outro lado, John Locke vê esse Estado a partir de uma perspectiva um
pouco diferente, mas que também parte de um contrato social, que, como em
Hobbes, considera a saída do homem livre do seu estado natural seu ponto de
partida. Porém, diferentemente do modelo hobbesiano, o estado de natureza em
Locke não é caracterizado pela guerra de todos contra todos, mas sim por uma
situação de relativa paz que está sujeita a tensões e conflitos próprios das relações
entre seres humanos que precisariam da mediação e regulação de uma força
institucional maior para evitar a situação de guerra intensa e generalizada.
Neste caso, o poder também se encontra atrelado à proteção da propriedade
privada, que, por sua vez, estaria diretamente relacionada com a capacidade de
trabalho de cada sujeito; ou seja, cada homem só poderia ser proprietário daquelas
terras cultivadas com o esforço do seu próprio trabalho, sem admitir o acúmulo de
áreas produtivas.
A partir do surgimento da moeda e do lucro, que juntos proporcionam
acumulação de bens e riquezas, a igualdade entre os homens livres foi se
esfacelando, e por isto se fez necessária, ainda mais, a presença de um poder
institucionalizado e legitimado pelo contrato social com consentimento entre as
partes. Este pacto seria capaz de garantir a transição do estado natural do homem
para a vida social. Esta perspectiva se diferencia do modelo hobbesiano porque o
30

contrato celebrado entre as partes, não obriga os homens a renunciarem aos seus
direitos considerados inalienáveis como: a vida, a liberdade civil e a propriedade.
O contrato em Locke era operado pelo consenso - e não pela submissão - e
fazia com que os homens renunciassem apenas à sua autodefesa e à justiça
individual (aquela realizada com as próprias mãos), garantindo a preservação dos
seus direitos universais e assegurando que, em caso de quebra contratual por parte
do poder estatal (violando ou desvirtuando o que foi celebrado), os indivíduos teriam
o direito de resistir e/ou se rebelar contra esta ação.
Este modelo foi forjado sobre relações compactuadas entre governados e
governantes, onde o poder estatal tinha o dever de garantir a segurança, a justiça, a
propriedade e o bem-estar dos governados em troca da sua liberdade. Estes
indivíduos seriam os únicos que poderiam dizer se o poder concedido estaria sendo
ou não utilizado de forma adequada para salvaguardar seus próprios direitos
inalienáveis; caso contrário, o contrato ficaria passível de ser rompido (MELLO,
2006).
Os escritos de Nicolau Maquiavel definem o Estado como “todos os governos
que tiveram e têm autoridade sobre os homens, e são repúblicas ou principados”.
Este autor dedicou-se substancialmente a discutir a manutenção do poder e as
justificativas para a defesa do Estado absolutista, onde o príncipe era considerado
como o poder supremo, responsável direto pelo sucesso ou fracasso da manutenção
deste regime. Maquiavel descreve as várias formas de governo, mas, foca-se nos
principados onde aborda seus mínimos detalhes para desenvolver seus principais
argumentos para a manutenção do poder.
Importante observar que a grande preocupação dele esteve voltada para um
tratado que estabeleceu estratégias e táticas específicas para a manutenção do
poder do príncipe em Estados absolutistas, mas que influenciou os demais regimes
ou formas de governo. Maquiavel examinou cuidadosamente as diversas questões
relacionadas à conquista, consolidação e manutenção do poder. Discutiu a
legitimação dos governos, o papel da religião, as forças, as instituições e atores
necessários para se garantir a manutenção do governo. E mais: características e
qualidades mais relevantes que um governante deve possuir e que podem levar à
sua rejeição ou louvação.
O Estado sempre deveria agir no sentido de preservar os bens e a honra dos
seus cidadãos/súditos, evitando que os mesmos passem a viver insatisfeitos ou com
31

ódio. Este provável desprezo se materializaria a partir de determinadas


características indesejáveis a um bom governante como, por exemplo, ser volúvel,
superficial, pusilânime ou indeciso; entre as boas qualidades, que ajudam e
fortalecem a manutenção do poder, estariam: força, coragem e firmeza (SADEK,
2006).
Já na visão de Rousseau, o contrato social está mais próximo das
perspectivas democráticas ao defender que o homem, ao se libertar do estado
natural, deve receber em troca sua liberdade civil, atrelada e legitimada pela
soberania da sociedade sobre o Estado. A elaboração do conjunto de leis e normas
que orientam as relações sociais é de responsabilidade do povo, que tem como
dever seguir e obedecer às leis que ele mesmo construiu e, que por isto,
proporcionam a autonomia necessária para sua própria liberdade. Obedecer às leis
formuladas pelo próprio conjunto de sujeitos sociais consistiria num ato de liberdade
para o povo. (NASCIMENTO, 2006)
Uma sociedade só poderia ser considerada livre quando desenvolvesse as
condições necessárias para elaborar suas próprias leis - com igualdade entre os
diversos sujeitos e atores sociais - para, logo em seguida, submeter-se a elas. Esse
movimento representa um processo de submissão à deliberação de si própria
(sociedade), somada a de cada indivíduo; ambas as partes integrariam o poder
soberano que, em outras palavras, seria o poder do próprio povo. Esta construção
representaria a submissão a uma Vontade Geral, e não apenas a de uma pessoa ou
de determinado conjunto de indivíduos.
Um ponto importante para Rousseau está relacionado à definição do governo
como o corpo administrativo do Estado, responsável pela operação do conjunto da
máquina política com garantia ao acesso de todos, em condições de igualdade, aos
bens públicos. Neste sentido, o governo deveria atuar como um organismo
administrativo que proporcionasse igualdade para os indivíduos, legitimando o
regime político, agindo a serviço do soberano (Estado), mas sempre limitado pelo
poder supremo do povo.
Portanto, um governo não pode agir como se fosse um ente autônomo ou
voltado para si; precisa, sempre, estar a serviço do povo. Em Rousseau as formas
de governo (monarquia, aristocracia ou democracia) não têm tanta importância, em
relação ao Estado, já que são consideradas como reflexos/resultados de
32

determinadas conjunturas específicas de cada país e de seu tempo histórico; o


importante é que o governo, não importa o regime político, esteja a serviço do povo.
Sempre pode existir o risco da degeneração porque a Vontade Geral é
constantemente alvo das várias vontades particulares, e, desta forma, não seria
incomum o governo sofrer tentativas para subverter essa ordem, com o objetivo do
individual/privado tornar-se maior que o próprio Estado e, consequentemente, não
servir à coletividade, e sim, aos muitos interesses particulares. (NASCIMENTO,
2006)
Um dos instrumentos em defesa da Vontade Geral, contra interesses
particulares, poderia ser a participação pela representação. Ocorre que, por
considerar a vontade um bem inalienável, Rousseau não admitia a possibilidade de
que alguém representasse a vontade de outra pessoa, porque isto, certamente,
geraria sobreposição de vontades (do representante e do representado); assim, a
vontade de quem delegou deixaria de existir, prevalecendo só a de quem
representa.
Apesar de não admitir a representação no nível da soberania do poder
máximo do povo e da Vontade Geral, Rousseau reconhecia a necessidade desta no
nível do governo; isso porque, diferentemente da democracia grega clássica, em
Estados modernos não seria possível utilizar as mesmas práticas da Grécia antiga
(como as famosas reuniões dos cidadãos na Àgora) para discutir e decidir os rumos
da política e da nação. Ele sugere que os governos necessitam de constante
vigilância (controle), justamente por estarem sempre vulneráveis às muitas vontades
particulares e, consequentemente, tenderem à degeneração e apropriação do
Estado.
São necessárias representações, que devem ser escolhidas para exercerem
o papel de fiscalizar o governo em nome do conjunto da sociedade. No entanto,
Rousseau alerta que estas representações precisam de vigilância redobrada por
parte daqueles que lhes delegaram tal tarefa, para não degenerarem e, desta forma,
fazer valer às vontades particulares dos representantes em detrimento da Vontade
Geral.
Este pensamento é reproduzido num momento histórico em que surgiu a
preocupação com a participação da sociedade na fiscalização das atitudes e ações
dos seus representantes, impedindo-os de ficarem livres para agir de acordo com
seus próprios interesses. A grande questão está em como desenvolver estratégias e
33

mecanismos para promover cultura participativa entre os segmentos da sociedade


civil, capazes de mantê-la acompanhando e fiscalizando ativamente seus
representantes. (NASCIMENTO, 2006).
Essa “participação” - como fator capaz de salvaguardar os interesses privados
e garantir bons governos - já era considerada por Rousseau (1978) como
instrumento dos cidadãos de fato (àqueles que defendiam o bem comum) para o
exercício do controle sobre as ações governamentais, nesta época, principalmente
através das suas representações. Por outro lado, observa-se em Tocqueville, que a
participação seria uma forma de proteger o sistema democrático daquilo que foi
denominado por este autor como “tirania da maioria” que poderia vir a representar
uma ameaça real sobre minorias governadas e sem defesa.
A participação, neste contexto, estaria mais associada ao agir político de cada
indivíduo, que poderia ser capaz de representar uma forma de controle dos cidadãos
sobre seus governantes, possibilitando a diminuição da distância entre Estado e
sociedade. A conscientização levaria a um interesse prático de solucionar problemas
comuns e atuar no espaço público, deixando de lado interesses egoístas inerentes à
vida privada. Observa-se uma convergência entre estes autores: “O processo
participativo é considerado por ambos como fundamental para manter abertas as
chances de, respectivamente, criar ou salvaguardar a liberdade e se alcançar o bem
comum”. (FREY, 2000, p. 56)
Rousseau (1978) se preocupou em tratar o conceito da Vontade Geral como
uma legítima representação do bem comum, afastando-a de visões de valorização
dos interesses e de vontades individuais e privadas. Evidenciou sua preocupação
com o incipiente modelo burguês/capitalista que se disseminava rapidamente
naqueles tempos de intenso desenvolvimento de atividades comerciais e industriais,
permeado pela visão de mundo de natureza mais individualista que desvalorizava e
se contrapunha aos diversos interesses e demandas de origens comunitárias.
De acordo com Frey (2000, p. 84) essa preocupação também é latente em
Tocqueville que
(...) previu a difusão do individualismo moderno, que conduziria ao
isolamento social dos homens e a atitudes alheias à virtude cívica e ao
engajamento público, devido ao economicismo e ao consumismo que vêm
acompanhando o crescente bem-estar privado usufruído pela grande massa
da população.
34

A participação política de homens com espírito cívico se caracterizaria como


um fator de garantia do ideal de liberdade, sem desconsiderar que isto está atrelado
à presença do Estado de direito, com leis que orientem o agir social e determinem
ao conjunto da sociedade seus direitos e obrigações no âmbito das relações sociais.
O objetivo central desta esfera política deve ser o de coordenar o conjunto de
ações/relações entre sujeitos e o restante das instituições sociais (incluindo o próprio
Estado e os contratos estabelecidos entre indivíduos, agentes econômicos e
sociedade política). Para isto se materializar precisa-se de uma estrutura jurídica
reconhecida e legitimada socialmente. (BOBBIO, 1985)
Estes pensadores refletem diretamente as perspectivas e desafios do Estado
Nação diante de uma incipiente sociedade burguesa capitalista, ávida por mais
espaço e poder, utilizando como instrumento de legitimação e organização jurídico-
institucional, o contrato social regendo as relações entre Estado e sociedade. Tudo
dentro de um eminente sistema capitalista que apresentava e defendia a
propriedade privada como principal valor a ser preservado.
É importante ressaltar que a articulação entre Estado e sociedade, conforme
preconizado por Hobbes, Locke e Rousseau, mudou bastante com o advento do
capitalismo moderno. A visão da organização política como pilar central da base
social que englobava e determinava suas diversas instituições perdeu força diante
do advento e consolidação das sociedades burguesas contemporâneas. Este tipo de
sociedade assume um novo papel em relação ao Estado, agora num mundo
capitalista ainda mais globalizado.
Quando nos referimos ao Estado e à sociedade organizada, no contexto do
capitalismo contemporâneo, observamos que esta última dimensão geralmente se
encontra conceitualmente situada num campo oposto ao da primeira, abrindo
espaço para uma visão dialética entre elas. A organização da sociedade civil pode
ser entendida como a capacidade histórica de determinados segmentos de uma
sociedade assumir formas conscientes e políticas de organização, e, sobretudo, de
consciência da desigualdade dos seus interesses e dos seus espaços, onde a
organização social dos segmentos “desarticulados” se volta para a defesa dos seus
próprios interesses, numa arena de conflitos com outras organizações sociais e
políticas mais coesas e organizadas, como o próprio Estado. (DEMO, 1988)
O termo “sociedade civil” tem sua origem na oposição entre esfera política e
esfera não política e comumente é visto como um campo não regulado pelo Estado.
35

Essa visão dicotômica é de certa forma, restrita por desconsiderar que o Estado está
inserido no contexto da sociedade como instituição encarregada das normas, regras
e diretrizes que balizam a vida social, além de ser responsável também pela ordem
social e provisão de serviços públicos. (BOBBIO, 1985)
Isto dentro de uma perspectiva de campo de disputa entre diversas forças e
interesses sem perder de vista a idéia de que a existência de um Estado exige a
presença da sociedade e vice-versa. Com isto vamos considerar sociedade civil
como o lugar onde se desenvolvem os diversos conflitos e demandas de natureza
social, econômica, religiosa e ideológica, entre outras, nas quais as instituições
políticas atuam e mediam as disputas das diversas forças sociais. É na sociedade
civil que as demandas sociais são forjadas (inputs) e direcionadas para a sociedade
política (outputs). (COUTINHO, 2011)
O papel do Estado no mundo contemporâneo assume uma posição ainda
mais complexa que traz elementos novos à discussão. Vamos utilizar duas visões
concorrentes de estrutura social que influenciaram significativamente o pensamento
político e social até os dias atuais: o Marxismo e o Funcionalismo. Não temos a
pretensão de aprofundar a discussão a respeito destas vertentes teóricas, mas sim
pontuar ligeiramente alguns pontos e visões que consideramos relevantes para a
discussão das relações entre Estado e Sociedade.
O marxismo trata de duas dimensões que explicam a organização social e
suas relações: a estrutura (base econômica) e a superestrutura (normas jurídicas,
religião, comportamentos e organizações sociais e políticas, bases ética, filosófica e
moral que dão forma ao sistema ideológico).
O Estado se situa nesta última dimensão, visto que a primeira é composta
pela produção, organização econômica e relações de produção (forças produtivas e
agentes econômicos). A dimensão econômica aparece como base determinante da
superestrutura, mas, admitindo a existência de um fluxo de influências nos dois
sentidos entre as duas esferas; em última instância, sempre a estrutura econômica
determinaria as demais dimensões da sociedade num ambiente de tensões, conflitos
e lutas de classe.
Marx se preocupava fundamentalmente, com a mudança na ordem social
capitalista, processo que se desenvolve por meio de conflitos materializados pela
luta de classes geradas a partir das próprias contradições do sistema capitalista.
Essa corrente se mostra importante porque, se por um lado não deu muita ênfase a
36

estudos sobre políticas sociais (temática bastante incomum naquela época), por
outro, se preocupou de forma intensa com a origem das desigualdades, a partir da
dominação das elites econômicas sobre as demais classes sociais, considerando a
educação como um dos principais instrumentos de luta para a libertação das classes
proletárias.
Em outro extremo situa-se a perspectiva funcionalista que explica as relações
sociais através do equilíbrio da sociedade baseado em subsistemas6 que se
comportam de forma interdependente com o objetivo de garantir a conservação da
ordem social. A dimensão cultural age como força determinante das demais esferas
da sociedade porque é nela que se encontram os instrumentos e mecanismos
ideológicos voltados para a adesão aos valores e normas sociais necessárias para
garantir a sustentação da ordem social vigente. Estes valores e normas devem ser
absorvidos pelos indivíduos através dos processos de socialização, sendo a
educação parte fundamental do processo de transmissão e internalização cultural.
A partir destas duas correntes, diversos autores desenvolvem análises do
mundo contemporâneo globalizado buscando compreender as novas relações entre
a estrutura social e o aparelho estatal. Azevedo (1997) através da Teoria dos
Sistemas trata das relações entre Estado e sociedade através da articulação entre
demanda social e resposta estatal (input x output). Para isto, entende que as
instituições políticas atuam no sentido de responder às diversas demandas geradas
pelas necessidades da sociedade. Estas respostas se materializam por meio de
decisões (ou não decisões) que atingem todo o escopo social.
Acredita-se, porém, que novas demandas podem surgir em função da própria
maneira e do tempo que o Estado leva para respondê-las, inclusive considerando a
possibilidade de sobrecarga ou acúmulo de demandas, em função de uma possível
ineficiência ou incapacidade das próprias instituições políticas darem conta das
reivindicações sociais. Enfim, a própria dinâmica das ações estatais podem gerar
novas demandas/reivindicações para o Estado.
Fica claro que as relações entre Estado e sociedade, na contemporaneidade,
adquirem sentido diferente porque esta instituição política passa a ser compreendida
como parte integrante da estrutura social, ao mesmo tempo em que é responsável
pela segurança, manutenção da ordem social e provisão de bens e serviços públicos

6
Ver Bobbio (1985, p. 62) patter-maintenance, goal-attainment, adaption, integration
37

para a população. Para suprir este conjunto de demandas é necessário que


detenha, de forma exclusiva, o monopólio sobre o uso da força para defender e fazer
valer os interesses de todo o restante da sociedade. (ANDRADE, 2013)
Para avançar mais ainda na compreensão das relações entre Estado,
sociedade e estrutura econômica, no mundo capitalista globalizado, destacamos
duas correntes relevantes: a Teoria Neoliberal e a Teoria Liberal Moderna da
Cidadania. Vamos traçar, também em linhas gerais, os principais aspectos destas
correntes de pensamento, com o objetivo de estabelecer um panorama que traga as
principais visões delas sobre a posição e atribuições do Estado em relação à
estrutura social no âmbito das políticas sociais.
A Teoria Neoliberal defende que ações estatais devem ficar limitadas à
provisão de bens públicos essenciais, organização do sistema jurídico e manutenção
da ordem social. O mercado é o encarregado de mediar e regular as demais
dimensões, ficando responsável, inclusive, pela promoção do bem estar social com
a estruturação da distribuição e do acesso aos recursos econômicos e aos bens de
consumo. É importante observar como nesta vertente, o bem estar social fica
limitado ao acesso e consumo de bens privados, deixando de considerar aspectos
fundamentais como cidadania, justiça e igualdade.
O conceito de neoliberalismo adotado neste estudo se refere a um conjunto
de ideias políticas e econômicas que defendem a ausência do Estado na economia,
com total liberdade nas transações comerciais para garantir o crescimento
econômico e o desenvolvimento social de um país. Os defensores do neoliberalismo
acreditam que o Estado é o principal responsável pelos problemas de funcionamento
do mercado livre, porque o seu grande tamanho, pouca mobilidade e atividades
diversas, constrangem a atuação dos diversos agentes econômicos. Defendem
pouca intervenção do Estado no mercado de trabalho, políticas de privatizações,
livre circulação de capitais internacionais com ênfase na abertura total da economia,
adoção de medidas contra o protecionismo econômico, racionalização dos impostos
e tributos, assim como redução de preços e salários. (AZEVEDO, 1997)
O liberalismo clássico foi a corrente hegemônica desde os primórdios do
capitalismo até o início do século XX onde perde força com a crise de 1929 que
resultou no advento do Estado de Bem Estar Social ou Welfare State7 como modo

7
Ver: MEDEIROS, Marcelo. A Trajetória do Welfare State no Brasil: Papel Redistributivo das Políticas
Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990. Texto para Discussão n° 852. IPEA, 2001
38

de organização estatal voltada para o desenvolvimento social como base de


sustentação da economia. Ou seja, o Estado seria o principal organizador destas
duas esferas, além de agir para garantir serviços públicos e proteção à população;
ganhou ainda mais terreno com a inclusão do conceito de cidadania, propagado
após a queda dos regimes totalitários na Europa. Associou-se à ideia de que
indivíduos são dotados de direitos sociais e o Estado tem a obrigação de provê-los.
Os direitos sociais conferem serviços de educação, saúde, seguridade e lazer. É
também conhecido como Estado Providência ou Estado Social.
Com o esgotamento do Estado Providência durante a crise do mundo
capitalista de 1973, o Neoliberalismo, que, por sinal, guarda muitas semelhanças
com o Liberalismo Clássico, de certa forma se reinventa e surge com uma nova
roupagem, agora, num mundo ainda mais globalizado que impõe limites à atuação
do Estado para que o mercado - e os diversos agentes econômicos - possam agir
cada vez mais livremente.
Defensores do neoliberalismo utilizam o argumento de que a intervenção
estatal tende a gerar desequilíbrio na ordem social e econômica, e apontam o
mercado como a esfera mais capacitada para conduzir os diversos processos de
regulação sobre capital e trabalho. Usam a lógica de que o respeito à individualidade
e à liberdade dos indivíduos sempre deve prevalecer sobre questões coletivas. Para
os adeptos deste modelo, as políticas sociais funcionariam como agentes inibidores
da liberdade e da livre iniciativa dos cidadãos.
Por outro lado, a Teoria Liberal Moderna da Cidadania traz novos elementos à
discussão sobre Estado, sociedade e capitalismo, introduzindo questões como: bem
estar das pessoas e igualdade de oportunidades, como pré-requisitos da vida social
e que deveriam servir como diretrizes para a condução da ação estatal. Essa visão
retoma a discussão na defesa das ações estatais em questões relacionadas ao
combate à desigualdade e à pobreza, se contrapondo à corrente neoliberal que
coloca o mercado como principal agente regulador das forças sociais. (AZEVEDO,
1997)
A lógica de que a responsabilidade da mediação das ações que visam o bem
estar comum é de responsabilidade do poder estatal, é retomada dentro da agenda
pública. Este movimento traz de volta argumentos em defesa do Estado como
provedor de políticas sociais e mediador da luta pela diminuição da desigualdade
social e bem estar da população.
39

Essa vertente se aproxima de algumas influências como é o caso da


Abordagem Pluralista, no que diz respeito às diversas articulações entre sociedade e
Estado na disputa pelos bens públicos, num cenário de escassez de recursos, com
grupos sociais agindo no mercado político em busca das melhores oportunidades.
Estas articulações são materializadas pela participação representativa no sistema
político (legislativo) ou mesmo por pressão de grupos sociais organizados. Desta
forma, grupos com maior capacidade de organização e articulação, teriam melhores
condições de participação no mercado político e conseguiriam atingir seus objetivos
com mais eficiência.
Encontramos aproximações também com a Abordagem Socialdemocrata que
defende proteção social como ação prioritária do Estado para garantia do bem estar
da população com a oferta dos padrões mínimos de renda, saúde, educação,
moradia, segurança e alimentação. (AZEVEDO, 1997).

2.2 ESTADO, REGULAÇÃO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Em relação às políticas educacionais, o Brasil se apresenta como um Estado


federalista e descentralizador com regime de colaboração entre seus entes
federados. Assim, é imprescindível discutirmos o modelo de regulação que dá
sustentação a essas relações. Quando se descentraliza políticas e/ou programas em
qualquer área social é necessário uma estrutura normativa que defina claramente
papeis, atribuições e competências de cada esfera administrativa.
Escolhemos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb - como um exemplo de
regulação federal na educação, porque estabelece as competências e
responsabilidades de cada ente federado: em relação às etapas e modalidades do
ensino ofertado à população; recursos destinados às esferas administrativas; e
patamares mínimos de gastos para o pagamento dos profissionais da educação, de
manutenção e desenvolvimento do ensino. O Fundo funciona, não só como
instrumento de financiamento da educação, mas também como ferramenta
regulatória sobre os demais entes federados ao exigir transparência, participação e
controle social sobre os repasses financeiros como contrapartidas ao recebimento
dos recursos federais.
40

Para entendermos melhor a questão da regulação da educação brasileira nas


últimas décadas, vamos realizar um breve resgate da discussão histórico-conceitual
sobre o termo regulação no contexto do Estado e, especificamente, da educação.
Comumente o termo regulação é equivocadamente utilizado no lugar de intervenção,
processo que caracterizou fortemente a ação estatal antes da crise do capitalismo
no mundo do final dos anos sessenta.
O conceito de regulação tem sua gênese nos campos da física e da biologia e
posteriormente migrou para a sociologia funcionalista que o empregou como um
conjunto de medidas institucionais utilizado nas sociedades para garantir a ordem e
o equilíbrio social; ou, melhor; trata-se de práticas responsáveis pela manutenção e
reprodução dos sistemas econômicos e sociais hegemônicos naquele dado
momento8. (AZEVEDO e GOMES, 2009).
Uma questão muito importante se refere à Escola da Regulação, de tradição
francesa, que, com base em postulados marxistas, utiliza este conceito para explicar
os mecanismos voltados para a superação das crises cíclicas do capitalismo. É
neste sentido que se reconhece a regulação como mecanismo que mantém e
reproduz o sistema capitalista, mas, neste caso, considerando todos os conflitos,
contradições e tensões características inerentes às sociedades de classe.
Essa vertente teórica admite três etapas no processo de construção da
regulação no contexto de uma sociedade capitalista: (1) a acumulação, (2) as formas
institucionais de estruturas e (3) o modo de regulação. A primeira dimensão consiste
no conjunto de fatores que permitem por certo tempo, o equilíbrio das condições de
acumulação capitalista; já a segunda, se refere a como as formas estruturais ou
institucionais de um Estado, num determinado contexto de sociedade, se articulam e
produzem um determinado modelo de acumulação capitalista que, por
consequência, refletirá sobre a terceira etapa que é o modelo de regulação
propriamente dito. (OLIVEIRA, 2009)
A regulação não deve compreendida como um mecanismo desenvolvido para
solucionar conflitos sociais, mas sim como uma forma de administrar e mediar esses

8
O conceito de regulação não deve ser confundido com o de intervenção que se refere a medidas
excepcionais que quebram temporariamente a autonomia de determinado ente federativo, nas
hipóteses previstas na Constituição Federal de 1988 em seu Artigo N° 34. Trata-se de mecanismo
utilizado para assegurar a permanência do pacto federativo, ou seja, para impedir a tentativa de
secessão (princípio da indissociabilidade do pacto federativo). A intervenção é uma exceção, pois
em regra todos os entes federativos são dotados de autonomia como garante o Artigo 18 da CF.
(CURY, 2011)
41

conflitos de modo que as relações sejam reproduzidas de acordo com o momento


histórico, econômico, social e cultural de determinada sociedade. Desta forma, o
modelo de regulação é diretamente relacionado com as condições históricas,
econômicas e sociais.
Podemos considerar que a regulação também é tomada como uma das
formas de intervenção do Estado na vida das pessoas, se fazendo presente através
de ações, regras e normas; tanto no ambiente das instituições sociais propriamente
ditas, como também nas pessoas individualmente, configurando o “habitus
incorporado” no sentido elaborado por Pierre Bourdieu como um conjunto de
elementos que dá suporte e legitimidade legal às práticas sociais prevalecentes,
mas que, ao mesmo tempo, também precisa da legitimação do campo onde estão
inseridos, como por exemplo, acontece no campo educacional.
O habitus de Bourdieu consiste num sistema aberto de disposições, ações e
percepções que indivíduos adquirem com o tempo em suas experiências sociais
(tanto na dimensão material, corpórea, quanto simbólica e cultural, entre outras); vai,
no entanto, além dos próprios indivíduos, no que diz respeito às estruturas
relacionais nas quais se encontram inseridos, possibilitando a compreensão tanto de
sua posição num campo, quanto seu conjunto de capitais.
Desta forma o autor pretende superar a dicotomia entre objetivismo (no caso,
preponderância das estruturas sociais sobre as ações do sujeito) e subjetivismo
(primazia da ação do sujeito em relação às determinações sociais nas ciências
humanas). O habitus de cada sujeito é forjado através da sua posição social que lhe
permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações, traduzindo estilos de vida,
julgamentos políticos, morais, estéticos, além de se constituir num meio de ação que
permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas. (BOURDIEU, 2004)
Assim, a regulação vai depender do campo ou o projeto de sociedade em
curso de um determinado momento histórico e suas matrizes teóricas na qual está
inserida. Como sabemos, existem múltiplas correntes que convivem dentro de um
mesmo momento histórico, e por isso não é incomum testemunhar tensões,
disputas, conflitos e consensos que marcam as sociedades de classe no contexto
dos regimes democráticos, justamente em face dessa diversidade de pensamentos
e interesses. Não é raro, portanto, se ouvir discurso voltado para a necessidade de
se desregular a economia e, ao mesmo tempo, de se defender a regulação da
42

política educacional numa perspectiva de respeito aos padrões federalistas,


envolvendo proposições de descentralização na oferta dos serviços educacionais.
Isto mostra que podem existir disputas e tensões que revelam os diversos
interesses em relação às políticas educacionais, uma vez que estas envolvem
setores governamentais, segmentos da sociedade e causas privadas (entre outros);
o jogo de forças se move em torno de conflitos e/ou consensos sobre a ação do
Estado, buscando garantir a hegemonia de interesses setoriais sobre o
planejamento e formulação das políticas educacionais. As formas de regulação
refletem diretamente sobre a (re) organização do Estado nacional nas últimas
décadas, em conjugação com as mudanças operadas nas sociedades capitalistas e
nos seus processos produtivos, a partir do contexto da globalização e da
internacionalização dos mercados que impuseram outras lógicas de atuação do
Estado nas sociedades9. (OLIVEIRA, 2009)
Sintetizando o que foi discutido até aqui, consideramos que a regulação -
pode apresentar diversas formas, modalidades e orientações políticas - e funcionar
como matriz de mecanismos institucionais voltados para legitimar a ação estatal na
provisão, oferta e, principalmente, no controle dos serviços públicos. Historicamente
se constitui em instrumento de reprodução nas sociedades. Neste sentido, as
práticas regulatórias materializam as relações entre Estado, mercado e sociedade
por meio de instituições jurídico-normativas.
Em tal contexto, a regulação da educação produz novas formas de
financiamento, gestão e controle de recursos, assim como soluções técnicas e
políticas para o enfrentamento dos problemas encontrados no campo. Com fortes
tendências neoliberais, justificam determinados padrões para a política educacional,
ao apontar como causa central dos problemas que afetam os processos educativos
a ineficiência administrativa e a falta de racionalização no emprego de recursos
(DOURADO, 2007).
A educação deve ser encarada como um desafio importante para a
compreensão da regulação, justamente por apresentar uma grande diversidade em
relação às suas práticas e à natureza das instituições envolvidas com os processos
educativos. Isto exige uma percepção sobre a associação intrínseca entre o projeto

9
Não é intenção do nosso estudo, aprofundar o debate sobre o conjunto destas mudanças, mas é
bom lembrar a importância delas na redefinição de vários papeis e ações, em função do modelo
vigente de regulação e dos projetos de sociedade predominantes.
43

de educação e o modelo de regulação de uma dada sociedade. As práticas


educativas são responsáveis, em grande parte, pelos processos de reprodução
social, constituindo dispositivo essencial para a construção e desenvolvimento de
modelos regulatórios.
Quando vamos discutir a regulação no contexto da globalização, devemos
considerar que não existe uma forma uniforme deste fenômeno interferir no nível
local; na verdade ela age em tempos distintos e produz efeitos diversos em
localidades diferentes. A globalização se insere nos contextos locais, mas não acaba
com eles; o que ocorre é o surgimento de novas formas de identidades,
comportamentos e expressões culturais locais, agora inseridas e conectadas com o
contexto global mais amplo. Segundo Ball (2001, p.102):

“A criação das políticas nacionais é inevitavelmente, um processo de


‘bricolagem’; um constante processo de empréstimo e cópias de fragmentos
e partes de ideias de outros contextos, de uso e melhoria das abordagens
locais já tentadas e testadas, de teorias canibalizadoras, de investigação, de
adoção de tendências e modas, e, por vezes, de investimentos em tudo
aquilo que possa a vir funcionar”.

É importante considerar a regulação no âmbito da crise do Estado


Providência e no contexto da globalização, fenômeno que é insistentemente utilizado
como fonte de argumentos e explicação para quase tudo na sociedade atual. Foi a
partir desta crise que surgiram diversas experiências regulatórias denominadas
quase mercados educacionais que se estabeleceram, principalmente, em alguns
países desenvolvidos (Reino Unido, EUA, Nova Zelândia, Austrália) sob o
argumento de que seria preciso suprir as falhas do Estado, e o caminho seria a
transferência dos serviços públicos para o mercado ou a adoção de determinadas
práticas empresariais para determinadas instituições públicas como as escolas.
A discussão desta crise não pode simplesmente ficar circunscrita ao embate
Estado x mercado, uma vez que é necessário considerar outras dimensões: tipo de
Estado, novas formas da regulação e novos papéis da sociedade civil. A discussão
da experiência dos quase mercados, na educação, vislumbra a lógica da livre
escolha por parte das famílias, a partir de incentivos de mercado e/ou do Estado,
dentro de uma perspectiva de inversão no processo de educação, já que este passa,
neste modelo, a ser regido pela procura e não mais pela oferta de vagas.
As famílias teriam liberdade de escolher onde colocar seus filhos, de acordo
com a qualidade do ensino ofertado e da estrutura escolar, criando assim uma
44

concorrência pelas melhores escolas; estas se veriam na condição também de


buscarem os melhores alunos, possibilitando o aumento das desigualdades de
oportunidades educacionais. (BARROSO, 2003)
Isto influenciou de forma intensa duas perspectivas de políticas educacionais:
a primeira, que segue os preceitos neoliberais, com a adoção da lógica de mercado
na administração escolar; sempre em busca de metas de desempenho, avaliação e
indicadores objetivos de aprendizagem, numa perspectiva de formar mão de obra
especializada e cidadãos clientes/consumidores, de acordo com as necessidades do
mercado atendendo demandas específicas. Esta tendência contou com forte apoio
de agências multilaterais internacionais através de fontes de empréstimos e
financiamentos para países adeptos desse modelo.
A segunda estava mais preocupada em oferecer educação voltada para a
conquista de cidadania e buscava as condições necessárias para equilibrar a oferta
de ensino público - em função de melhorias efetivas na vida das pessoas - para
garantir aos diversos segmentos sociais acesso às suas necessidades básicas.
É importante ressaltar que estas duas perspectivas são concorrentes em
alguns aspectos fundamentais; se diferenciam em função de contextos sociais,
políticos, econômicos, históricos e culturais. Mas, ao mesmo tempo, apresentam
algumas premissas importantes em comum, como: descentralização, participação,
autonomia, gestão gerencial, etc.. (BARROSO, 2003 e BALL, 2001).
Para avançarmos, é necessário discutirmos os efeitos da globalização sobre
as políticas educacionais, tratando de duas vertentes teóricas que possuem pontos
em comum, ao mesmo tempo em que apresentam princípios básicos divergentes em
relação ao atual momento da gestão educacional no Brasil.
A primeira corrente em questão é a Teoria da Cultura Educacional Mundial
Comum (CEMC), onde a educação e suas categorias curriculares são explicadas por
modelos e estruturas supranacionais de atuação global, em detrimento de
explicações de caráter local. Já a segunda, a Teoria da Agenda Global Estruturada
para a Educação (AGEE), explica a relação entre a globalização e a educação,
defendendo que a reprodução do capitalismo é considerada como força motriz do
modelo globalizante, mas que os efeitos produzidos são mediados substancialmente
pelo poder e pelos interesses locais. (DALE, 2004)
A diferenciação dessas teorias se dá basicamente sobre o projeto de
sociedade e consequentemente a visão desta sobre o Estado. A primeira corrente
45

globalizante (CEMC) defende que a estrutura estatal é moldada e determinada por


organizações multilaterais e supranacionais, legitimadas politicamente dentro da
perspectiva de reprodução e reinvenção do capital. Assume que as políticas
educacionais podem ser encaradas como adaptações a valores e culturas globais,
refletindo suas perspectivas políticas e econômicas.
Este autor compara categorias curriculares que apresentam diversos padrões
em comum e que foram encontradas em países distintos em vários aspectos
(culturais, econômicos, sociais e políticos) - demonstrando que estas categorias e os
sistemas educativos podem ser submetidos a uma lógica institucional global de
natureza homogeneizante que determina valores, comportamentos e ideologias que
se impõem às instâncias locais.
A segunda perspectiva de disseminação da globalização (AGEE) se baseia
num conjunto de estratégias voltadas para a manutenção, organização e reprodução
do modelo econômico capitalista, numa perspectiva global, onde Estados Nacionais
aderem ao modelo por pressão econômica, mas, ao mesmo tempo, são
influenciados por diversos interesses, de caráter interno, voltados para as questões
locais. Portanto, se admite a existência de influências concorrentes - de caráter
externo e interno - atuando e disputando a hegemonia sobre as ações do Estado, o
que se assemelha com o quadro atual brasileiro.
Por isto, os que compartilham da visão da AGEE, buscam compreender os
impactos da globalização a partir das estruturas e instâncias supranacionais, sem
perder de vista e nem desconsiderar os fatores e interesses internos que atuam e
mediam essas relações entre o global e o local em relação à educação e, portando,
não podem ter suas ações desprezadas. A cultura global é vista como uma série de
princípios, ações, definições e objetivos construídos em todo o planeta com
influências determinantes sobre os projetos de sociedades; porém, não se pode
desconsiderar a existência e ação daquelas instâncias de poder local que atuam
sobre esses processos, criando e processando diversas releituras sobre os
fenômenos culturais em função dos seus próprios interesses. (DALE, 2004)
Devemos considerar outro importante aspecto, no que se diz respeito às
relações entre forças globais e locais, destacando que estes fenômenos não
ocorrem da mesma forma, ao mesmo tempo e com a mesma intensidade nos
diversos Estados Nacionais. É importante percebemos que o conjunto de políticas
educacionais de um Estado Nacional é produto de uma extensa rede de relações de
46

disputas entre influências globais e os diversos atores e instituições locais, onde


ambos atuam no sentido de defender seus próprios interesses. (BARROSO, 2003)
Observamos que as reformas ocorridas nos últimos trinta anos na
administração pública, especialmente nos países membros da OCDE 10, buscaram
adotar modelos voltados para a hegemonia dos mercados, introduzindo medidas de
desempenho e produtividade como as metas que modificam a própria lógicas de
ação estatal ao promover uma espécie de re-regulação do setor público,
estabelecendo novos e rigorosos mecanismos de controle sobre os Estados
Nacionais. (BALL, 2001)
Nos anos 1990, ganha espaço na administração pública brasileira o conceito
do gerencialismo, que traz diversas diretrizes de mercado como matriz de orientação
da oferta de educação pública, baseado em eficiência, eficácia e agilidade na
gestão, (em busca de melhoria do gasto educacional em busca de desempenho e
resultados das escolas e dos seus alunos). Estas perspectivas se transformam em
parâmetros orientados para justificar as mudanças operadas nos paradigmas da
ação estatal, deixando-se de lado a lógica de Estado Provedor para se adotar o
paradigma de Estado Regulador/Avaliador.
Estas iniciativas, no caso brasileiro, foram introduzidas com mais ênfase
durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002). Mas os governos
subsequentes não abandonaram por completo essa lógica, ao contrário, mantiveram
algumas de suas premissas, mantendo a educação atrelada à eficiência dos gastos
para a obtenção de resultados e aumento no desempenho das redes de ensino e
dos alunos.
A educação, de uma forma geral, ficou mais voltada para atender às
demandas do mercado de trabalho e do consumo, do que em formar cidadãos. Essa
vertente neoliberal deixou raízes profundas fincadas na administração pública
brasileira e até hoje produz efeitos significativos sobre a gestão da educação e os
programas educacionais.
Um exemplo disto é a perspectiva concorrencial entre as escolas públicas,
adotada utilizada em alguns estados da federação. No caso de Pernambuco, se
constitui numa uma meta pactuada entre governo de estado e os gestores das
unidades de ensino, chamada de Bônus do Desenvolvimento Educacional- BDE,

10
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
47

tendo como referência o Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco


(Idepe) criado em 2008. Os professores recebem acréscimos salariais em função do
desempenho dos seus alunos em testes e avaliações promovidas pela secretaria de
educação estadual que servem como base para a construção do Idepe.
Isto, além de acarretar competição entre as escolas, provoca disputa sobre os
melhores alunos com o objetivo de obterem índices mais elevados e assim receber
mais recursos. Uma evidência de que a educação brasileira ainda sofre influências
significativas do neoliberalismo, materializadas pelo gerencialismo, ao aderir a essa
perspectiva de quase mercado11.
Nos últimos anos as políticas educacionais acompanharam essa orientação,
com a introdução destas e de outras medidas, como o custo mínimo aluno, as
avaliações estandardizadas como critério de desempenho das gestões escolares, e
o repasse de recursos baseado em critérios quantitativos. E ainda: número de
alunos matriculados nas redes locais, adoção de conceitos e perspectivas gerenciais
na gestão escolar, importação de conceitos da administração de empresas como
metas, eficiência e eficácia de processos e de desempenho, entre outros.
A lógica adotada neste período desprezou diversas lutas, discussões e
propostas travadas historicamente durante décadas em defesa da democratização e
da qualidade na educação pública para a construção da cidadania. No entanto, o
que se viu, em geral, foram medidas tomadas em função de demandas geradas a
partir das organizações multilaterais, moldadas em preceitos neoliberais e vendidas
à sociedade como os caminhos a serem percorridos para trazer desenvolvimento ao
Brasil.
Não por acaso, no período dos governos FHC (1995-2002) a gestão da
educação esteve voltada para o cumprimento de metas quantitativas definidas, em
conjunto com agências multilaterais voltadas quase que exclusivamente para a
universalização do ensino fundamental (quando se atingiu 97% de ocupação nesse
nível de ensino no início dos anos 2000), sem maiores preocupações com a
democratização da educação e, consequentemente, com a qualidade do ensino
ofertado à população brasileira.

11
O gerencialismo consiste na administração educacional voltada para resultados. Sobre este
assunto ver BRESSER-PEREIRA, L. C. Do Estado patrimonial ao gerencial. In: Pinheiro, Wilheim e
Sachs (Orgs.), Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia. Das Letras, 2001.
48

O governo daquela época elegeu uma única etapa de ensino como prioridade
e buscou dar acesso aos jovens entre 07 e 14 anos, sem, no entanto, procurar
desenvolver estratégias que garantisse a permanência deles na escola, conteúdos
adequados, democratizar a gestão educacional e priorizar a qualidade do ensino;
além de ter deixado de fora uma parcela considerável do universo dos alunos do
ensino público (educação infantil e todo o ensino médio).
O que se viu como resultado foi o aprofundamento das desigualdades, e que
as medidas adotadas nesta época se mostraram insuficientes e incapazes de
combater problemas históricos da educação como a distorção idade/série, a
permanência do aluno no sistema de ensino (gerando evasão), além de não
conseguir melhorar a qualidade da aprendizagem dentro de uma perspectiva
excludente já que o ensino fundamental era contemplado com recursos do fundo de
participação (Fundef). Difícil acreditar que ao deixar de fora os demais níveis e
modalidades, o governo desta época estivesse preocupado em atender os anseios e
demandas da população.
Com o início dos governos de Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003/2010) algumas
diretrizes importantes começaram a ser modificadas com o objetivo de corrigir a
priorização excessiva no ensino fundamental adotada na gestão FHC e ampliar o
financiamento da educação por meio de fundos públicos para todas as etapas e
modalidades educacionais. Assim, ganharam destaque na agenda do novo governo:
discussões sobre aumento do financiamento para toda a educação básica e
melhoria das condições de participação da sociedade para proporcionar melhores
condições de se alcançar a democratização das gestões educacionais em esferas
locais.
Essas discussões, antes de qualquer coisa, visavam desenvolver medidas no
sentido de se aperfeiçoar os mecanismos de repasses de recursos, ao mesmo
tempo em que promoveriam melhorias na participação social e, consequentemente,
no controle da sociedade sobre a alocação dos gastos com educação,
principalmente nas esferas locais. O objetivo era garantir mais equilíbrio e equidade
entre as unidades subnacionais visando eminente substituição do Fundef pelo
Fundeb que se consolidou em 2007.
Como a educação está diretamente vinculada ao marco regulatório, e que por
sua vez é articulado diretamente com o projeto de sociedade, podemos inferir que
no Brasil, a regulação está associada fortemente ao modelo de Federalismo e de um
49

tipo de descentralização de políticas educacionais. A regulação, no caso brasileiro,


entre outras formas, se expressou a partir da CF/88 por meio do regime de
colaboração entre as esferas de governo (municípios, estados e União) e pelo
financiamento através de fundos públicos de distribuição de recursos. Esse modelo
permitiu a redistribuição dos recursos entre as unidades subnacionais de forma mais
equitativa, porém, repassando integralmente às obrigações e responsabilidades
sobre a oferta de educação pública e gratuita à população, para as esferas
subnacionais.
Este fenômeno está contextualizado dentro de uma reforma na educação que
introduziu o modelo de descentralização administrativa, financeira e pedagógica, sob
o argumento de que proporcionaria mais democratização nos processos educativos
e mais racionalização na gestão educacional. Isto porque atores locais teriam maior
proximidade e capacidade de mobilização, articulação e, consequentemente, de
participação na esfera municipal do que na federal mais centralizada e insulada
burocraticamente. (ARRETCHE, 2004)
A operacionalização desta regulação dependeria, diretamente, da inserção de
mecanismos de transparência sobre os recursos da educação e na melhoria das
condições de participação da sociedade local em esferas fiscalizadoras e decisórias
institucionalizadas; no caso, os conselhos do Fundeb.
A simples existência desses conselhos, apesar de se constituir em
importante avanço, não conseguiu garantir participação social efetiva; faltaram
ações e mecanismos voltados para facilitar e/ou incentivar essa participação como
condição fundamental para o exercício do controle da sociedade sobre gastos e
ações da educação, na esfera local, trazendo mais democratização para a gestão
educacional. (OLIVEIRA, 2001)
Daí nossa preocupação em verificar se as gestões educacionais em
municípios nordestinos possuem autonomia suficiente para promover as ações
necessárias, no sentido de buscar a melhoria da qualidade do ensino ofertado à
população; isto, considerando as especificidades de cada municipalidade, e em
articulação com os diversos segmentos sociais locais por intermédio das
representações dos conselhos do Fundeb.
O município brasileiro faz parte da Federação como ente autônomo. É preciso
que a sua gestão educacional esteja de acordo com tal condição de autonomia para
que seja possível orientar suas ações para as configurações e especificidades da
50

sociedade local. Fundamental analisar a relação entre a autonomia da gestão


(incluindo o conselho) e a participação da sociedade local em relação aos seus
anseios e necessidades específicas.
Consideramos que a gestão da educação é corresponsável pela participação
da sociedade no âmbito dos conselhos; ela precisa ter uma postura ativa na
promoção de estratégias que tragam incentivos para que os segmentos
representativos dos Cacs, não só reconheçam a importância da participação social
para a melhoria da qualidade da educação como um todo, como também possam
atuar efetivamente nas atividades relacionadas ao cotidiano do conselho do Fundeb.
No próximo capítulo discutimos o sistema federalista brasileiro, contemplando
suas bases constitucionais, suas tipologias e características. Abordamos também a
descentralização das políticas educacionais e d regime de colaboração como a base
de relações político-administrativas dos entes federados em relação ao
financiamento da educação básica.
51

3 FEDERALISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E REGIME DE COLABORAÇÃO NO


BRASIL CONTEMPORÂNEO

Introdução

Este capítulo tem como objetivo principal discutir o federalismo brasileiro no


contexto da descentralização das políticas educacionais com regime de
colaboração, e que, no caso específico do nosso trabalho, trata das relações entre
União e municípios. Esta seção estabelece, também, um quadro mais geral que
aborda a regulação da educação em escala global, com o objetivo de situar o
momento atual do Brasil diante das demandas, exigências e interferências externas,
que conflitam com diversos interesses internos de caráter local.
Partimos da premissa de que o Estado brasileiro possui regime e
organicidade próprios, que se articulam em torno de suas instituições sociais e
políticas para ofertar determinados serviços públicos, entre eles, a educação 12. A
estrutura da formação organizacional do Estado brasileiro encontra-se no Artigo 1º
da CF/88: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de
Direito [...]”.
Em função do artigo supracitado, devemos compreender o Brasil como um
Estado republicano, democrático e organizado sob a forma federativa. A partir dessa
visão, vamos tratar do caminho percorrido pelo federalismo na história recente do
país e seus impactos sobre a educação, incluindo as implicações sobre o regime de
colaboração entre o Governo Federal e municípios.
Sobre a Constituição Federal /1988 e o modelo de Federalismo Cooperativo
Cury (2010, p. 158) afirma:

“A Constituição faz uma escolha por um regime normativo e político, plural e


descentralizado onde se cruzam novos mecanismos de participação social

12
O desenho jurídico da política educacional brasileira está estabelecido na Constituição Federal de
1988 que eleva a educação como direito social e define os responsáveis pela sua garantia (Estado
e família); no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069 de 13 de julho de 1990), na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei de Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996); na
Emenda Constitucional 14/1996, na Emenda Constitucional 53/2006; na Emenda Constitucional
59/2009 que serão tratadas adiante.
52

com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos


políticos capazes de tomar decisões. Por isso mesmo, a cooperação exige
entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a
abertura de novas arenas públicas de deliberação e mesmo decisão. A
insistência na cooperação, a divisão de atribuições, assinalação de
objetivos comuns com normas nacionais gerais indicam que, nessa
Constituição, a acepção de sistema se dá como sistema federativo por
colaboração tanto quanto de Estado Democrático de Direito”.

Podemos enxergar com mais clareza que o federalismo brasileiro se encontra


diretamente associado à descentralização e ao regime de colaboração. Com isto
surgem alguns questionamentos que serão tratados neste capítulo para que seja
possível estabelecer uma visão mais ampla sobre este fenômeno: de que forma a
descentralização das políticas educacionais têm impactado sobre a oferta do ensino
nas municipalidades? Como as relações de colaboração entre entes federados
estão sendo articuladas? Como os entes federados se comportam em relação à
autonomia da gestão municipal e a descentralização da oferta de ensino?
Nosso trabalho se preocupa diretamente com a gestão da educação nas
municipalidades, em articulação cooperativa com a Esfera Federal no âmbito de
políticas educacionais. Portanto foi feita uma discussão preocupada com as relações
federativas de cooperação que União e municípios desenvolvem em função da
oferta de ensino básico para a população. Isto encontra respaldo em Araújo (2013,
p.27) que afirma:

“O debate e a produção acadêmica sobre a municipalização parecem


desconsiderar a questão federativa, naturalizando-a, e, como qualquer outra
construção social, a federação é uma construção histórica que tem estreita
relação com o município como instituição política”.

Segundo esta autora, a produção acadêmica tem se concentrado sobre os


movimentos de mais (ou menos) centralização e/ou descentralização em relação às
trajetórias das políticas educacionais no Brasil, ressaltando que isto não poderia, de
maneira alguma, ser dissociado da questão do federalismo.
Consideramos que se ter mais - ou menos - centralização, e/ou
descentralização, está relacionado diretamente ao federalismo enquanto
organização do Estado que deve ser compreendido como variável explicativa desses
movimentos.
Importante frisar que não se deve reduzir a discussão das políticas
educacionais à existência de mais ou menos centralização e/ou descentralização,
53

sem considerar o contexto do federalismo e a organização das articulações entre as


esferas governamentais como resultados dos processos centralizadores e/ou
descentralizadores. É preciso compreender o federalismo como um dos alicerces da
organização estatal Brasileira que articula os entes federados em relação à oferta de
educação à população.

3.1 FEDERALISMO BRASILEIRO: ORIGENS E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO.

O federalismo, do ponto de vista semântico, se origina no latim foedus-eris


que significa contrato, união ou pacto. Desta forma entende-se o conceito de
federalismo como uma união pactuada por contrato de unidades territoriais com
autonomia para finalidades comuns, organizando-se sobre uma base política e
territorial caracterizada por dupla autonomia: (1) a dos entes subnacionais,
direcionada para a gestão das questões políticas e econômicas locais e (2) a do
governo central ou federal, voltada para a representação dos interesses de toda a
população da federação. (ARAÚJO, 2013)
Em relação à autonomia das unidades subnacionais é importante observar
que ela não é ilimitada, uma vez que, para a existência do sistema, é preciso que
exista um compartilhamento da soberania nacional entre os entes federados. Desta
forma, de acordo com Cury (2010, p.152)

“No regime federado, só há um Estado Soberano cujas unidades federadas


subnacionais (estados) gozam de autonomia dentro dos limites
jurisdicionais atribuídos e especificados. Daí que tais subunidades não são
nem nações independentes e nem unidades somente administrativas”.

O federalismo pressupõe a existência de um contrato estabelecido13 entre as


esferas governamentais que estabeleça competências, atribuições e
compartilhamento dos poderes que delimitam a atuação de cada unidade da
federação em relação à oferta dos serviços públicos, assim como na gestão das
unidades subnacionais para que não exista superposição de competências e
atribuições, nem conflitos de poder entre os entes federativos. O sistema federalista

13
Para Araújo (2013, p. 73) a ideia original vem do federalismo norte-americano que , por sua vez,
deriva diretamente das teorias contratualistas de Hobbes e Locke que surgiram muito mais com o
objetivo de resolver os problemas de dispersão dos estados confederados, do que defender a
ampliação da participação política dos cidadãos.
54

se caracteriza pela divisão de poderes, atribuições e competências entre as esferas


administrativas delimitadas legalmente. (CURY, 2010).
Essa relação é um pouco controversa por conta da linha tênue entre os limites
das atribuições e competências dos entes federados, como a autonomia em relação
à Esfera Federal. Desta forma, não se deve pensar que as esferas subnacionais
estão totalmente subordinadas ou a mercê dos interesses da União, ao mesmo
tempo em que não se pode, também, considerar que estas esferas são plenamente
autônomas.
Na verdade existe um leque de relações/articulações de interdependência
entre as unidades subnacionais e a Esfera Federal que proporciona, em muitos
casos, o surgimento de um campo com processos repletos de tensões,
ambiguidades e controvérsias, que precisam ser considerados na análise deste
contexto.
Para ilustrar a situação descrita acima, vamos focar o caso brasileiro onde a
maior parte das esferas subnacionais depende diretamente dos repasses de
recursos federais para manter suas estruturas de políticas e ofertas de serviços
públicos. Isto compromete significativamente a autonomia destas instâncias
administrativas. Mas, ao mesmo tempo, não se pode desconsiderar o poder que os
prefeitos e governadores possuem para pressionar a União e fazer valer seus
interesses em troca de apoio às políticas e aos projetos federais14. Para Almeida
(1995, p.96):

“[...] um federalismo ideal caracteriza-se não pela descentralização, que


supõe uma autoridade central que descentralize ou recentralize poderes e
atribuições, mas, sim pela não centralização, ou seja, a existência de
poderes difusos em que o governo nacional disponha de poder para muitas
decisões, mas que não controle todas elas, configurando um compromisso
entre difusão e concentração de poder político”.

O federalismo, de uma forma geral, pode assumir algumas variações


em função do contexto histórico e do desenho que determina as atribuições e
competências de cada ente federado, que culmina com a forma de organização das

14
O que se encontra em jogo aqui é que num contexto de poderes difusos como cita Cury (2010),
mesmo no caso brasileiro onde a Esfera Federal detém mais poder, estrutura e autonomia ainda se
vê obrigada a negociar politicamente com as esferas subnacionais sobre várias questões e/ou
decisões. Ou seja, não consegue capitalizar totalmente o uso do seu poder e nem governar de
forma impositiva, sem a anuência, apoio ou cooptação dessas unidades subnacionais.
55

relações entre estas esferas governamentais. Destacamos, de acordo com Araújo


(2013, p. 35), três tipologias de federalismo:

“[...] as variações de contexto histórico do federalismo concorreram para


muitas flexibilizações conceituais, de maneira que é possível identificar três
matrizes, segundo o nível das relações intergovernamentais entre os entes
federados: o federalismo dual, modelo original dessa forma de organização
político-administrativa, elaborado e implementado nos Estados Unidos; o
federalismo centralizado em que as unidades subnacionais são agentes
administrativos do governo central, como na Venezuela, na Áustria e na
Índia; e o federalismo cooperativo em que os entes federados e o governo
nacional têm ação conjunta e capacidade de autogoverno como na
Alemanha.”

O tipo de relações estabelecidas entre os entes federados, no que se refere


às capacidades e competências para governar, é que determinam a gestão e
execução das políticas sociais, e, também, se serão estruturadas em torno de
desenhos centralizados ou descentralizados.
Neste sentido, se torna precipitada uma associação inequívoca, que
comumente é feita, entre federalismo e descentralização, porque, como foi
observado, é possível à coexistência de federalismo com políticas públicas
centralizadas. É o caso de refletirmos com mais cautela sobre o contexto brasileiro.
Quando pensamos em políticas educacionais no Brasil, mesmo reconhecendo
a existência de espaços reservados à participação da sociedade nos processos de
fiscalização e acompanhamento, podemos nos questionar em relação ao
planejamento e formulação porque, a participação do conjunto dos segmentos
sociais nesta fase de construção da política educacional, até agora, não se mostrou
satisfatória. Consideramos que existe um razoável grau de centralização em relação
ao planejamento e a formulação, uma vez que os processos de tomada de decisão
das políticas educacionais, geralmente, ficam mais concentrados na Esfera Federal.
Por isto se torna importante compreendermos conceitualmente cada uma das
tipologias: o federalismo dual, original dos Estados Unidos (onde é praticado de
forma mais representativa), se caracteriza pela duplicidade de autonomia, uma vez
que cada Estado da federação é soberano na visão dos seus habitantes. Porém, no
olhar da Esfera Federal, este mesmo Estado é um ente subordinado a ela; existe um
compartilhamento de atribuições, competências e poderes entre a Esfera Federal e
as locais.
O federalismo centralizado se caracteriza pela concentração de poderes na
Esfera Federal que, por sua vez, controla as unidades subnacionais para
56

funcionarem como instâncias administrativas que representam o governo nacional


nas localidades.
E, por último, o federalismo cooperativo, que é caracterizado por um conjunto
de ações compartilhadas entre as esferas federadas (federal, estadual e municipal)
em relação às competências e atribuições governamentais e na oferta de serviços
públicos, entre eles, a educação. (ARAÚJO, 2013)
A origem do federalismo brasileiro está vinculada diretamente à Proclamação
da República em 1889 e a promulgação da primeira Constituição Republicana em
1891, onde a centralização político-administrativa do Estado Imperial dá lugar a uma
Federação como nova organização estatal no país. A partir daí, podemos observar
diversos movimentos, ao longo da história política do Brasil, que proporcionaram
mais ou menos centralização e/ou descentralização na organização político-
administrativa do Estado a depender do contexto histórico e político.
Tivemos momentos de retração da democracia, momentos de regimes
autoritários e momentos de retomada, com ampliação da democracia, que foram
determinantes para a configuração do desenho atual do federalismo e da
organização político-administrativa do país.
Nosso trabalho não tem como objetivo abordar detalhadamente cada um
desses momentos e suas características político-sociais, mas, é importante
destacarmos que estes podem ser separados em dois grandes blocos: o primeiro se
reporta aos períodos entre 1930/1934; 1937/1945 e 1964/1985 como momentos
históricos com forte centralização política, fiscal e administrativa, caracterizando um
desenho de federalismo centrípeto no país. Não é por coincidência que esses
períodos foram marcados por governos fortes, autoritários e centralizadores; o
segundo remete aos períodos entre: 1934/1937; 1946/1964 e 1988 em diante, até os
dias atuais, como momentos delimitados por um federalismo mais cooperativo,
dando mais autonomia aos entes federados juntamente com mais descentralização
fiscal e político-administrativa. (CURY, 2010)
Vale ressaltar que na década de 1980, no Brasil, com a retomada
democrática e a promulgação da Carta Constitucional de 1988, assistimos a adoção
de um modelo de federalismo cooperativo que, mesmo antes de ser consolidado,
sofria uma reconfiguração bastante aguda já na primeira metade da década
seguinte. Particularmente, no primeiro governo FHC (1995-1998), foram promovidas
57

mudanças no desenho e estabelecidas novas correlações de forças entre as


instâncias federativas.
A União introduziu diversos mecanismos de controle e regulação, que
comprometem fortemente a autonomia das esferas subnacionais porque concentrou,
nela própria, a maior parte da arrecadação tributária e passou a deter ainda mais
poder.
Estados federativos e municípios ficaram em condição de submissão por
conta da grande dependência de repasses federais para cumprirem com suas
obrigações constitucionais. Interessante lembrar que os recursos federais, em sua
maioria, advêm de impostos que são cobrados sobre a sociedade e o mercado que
se situam (as pessoas vivem, trabalham e consomem) em municípios.
A adoção do modelo de federalismo cooperativo pela CF/1988 provocou
sérios abalos na arrecadação federal e no seu poder sobre as demais esferas
governamentais. Com isso, nos anos 1990, notadamente durante os governos FHC
(1995-2002), surgiram movimentos no sentido de redefinir, unilateralmente, esse
desenho de cooperação teve como objetivo concentrar mais recursos e poder na
União para aumentar o controle sobre as demais unidades subnacionais. Isto gerou
mais regulação e desequilíbrio fiscal, repercutindo na autonomia das unidades
subnacionais com reflexos até os dias atuais. Para Vasquez (2010, p. 104):

“O novo arranjo federativo introduziu mecanismos de regulação e


coordenação federativa sobre as esferas subnacionais como a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Desvinculação de Receitas da União
(DRU) e também promoveu reformas no financiamento das políticas sociais
através da vinculação de recursos e de transferências condicionadas ao
gasto em áreas consideradas prioritárias”.

O cenário nos dias hoje, do ponto de vista jurídico e institucional, (amparado


na CF/88) traz um modelo de Federalismo Cooperativo com suas competências
comuns e concorrentes descritas nos Artigos 23 e 24 da Constituição Federal.
Nosso modelo assumiu um desenho próprio ao se afastar dos desenhos de
federalismo centrífugo e centrípeto, e adotar um tipo cooperativo -sob a
denominação de regime articulado de colaboração recíproca- descentralizado, com
funções privativas, comuns e concorrentes entre os entes federativos. (CURY,
2010).
58

Podemos afirmar que as mudanças político-administrativas dos anos 1990


configuraram-se mais como movimentos de desconcentração de políticas sociais,
incluindo-se neste escopo a oferta de educação, do que propriamente de
descentralização, uma vez que a Esfera Federal repassou para as unidades
subnacionais as responsabilidades sobre a execução das políticas sociais.
Entretanto, a Federação continuou com o controle sobre o planejamento e
formulação, garantindo o poder decisório sobre as diretrizes estratégicas dessas
políticas, caracterizando-se, no limite, como um processo centralizador.
Aos estados da Federação, e municípios, restou como alternativa a adesão
direta a programas federais, uma vez que foram desenvolvidas estratégias políticas
e econômicas que vincularam diretamente os repasses de recursos por pare da
União com condicionalidades impostas no sentido de atender às exigências das
agências multilaterais como o Fundo Monetário Internacional - FMI, Banco
Interamericano de Desenvolvimento - BID e Banco Mundial.
Isto no sentido de promover processos de “adesão” dessas unidades
subnacionais aos programas sociais federais, que, por sua vez, impunham como
contrapartidas, entre outras coisas: privatizações e/ou terceirizações de serviços
públicos; enxugamento da máquina estatal e demissões de servidores públicos para,
em troca, poderem ter acesso às linhas federais e internacionais de crédito.
(ARRETCHE, 1999)
Claro que esses movimentos também tiveram aspectos positivos para a
gestão pública brasileira ao responsabilizar gestores locais pela oferta direta dos
programas sociais e exigir, como contrapartidas, responsabilidade financeira,
transparência e participação da sociedade.
Isso levou os governos municipais a organizarem suas próprias gestões
administrativas e a estruturarem as instâncias participativas responsáveis pelo
controle e fiscalização direta da sociedade sobre a aplicação dos recursos
repassados pela União. Foi colocada para esferas subnacionais, a lógica da gestão
democrática com participação social, como algo necessário para o contexto das
políticas sociais.
Mesmo assim o quadro atual em relação à educação15 no Brasil, ainda,
aponta para uma hegemonia federal sobre o poder decisório na formulação e

15
A educação, neste contexto, se remete à definição desenvolvida por Cury (2010, p.159): “A
educação, dever do Estado, é um direito social da cidadania posto de tal modo que cada indivíduo
59

planejamento de políticas educacionais, ou seja; a tomada de decisão permanece


concentrada/ centralizada nas mãos da Esfera Federal. Isto força os demais entes
federados a ficarem numa situação de fragilidade/submissão e sempre a mercê das
diretrizes políticas e econômicas da União, sob pena de não acessarem os repasses
em caso de descumprimento das diretrizes federais. Esse cenário confirma o quanto
existe de contradição e tensão no campo das políticas educacionais. (ARRETCHE,
2002)
Pensando de forma prática sobre a realidade atual do Brasil: qual governo
municipal poderia abrir mão dos recursos do Fundeb, por exemplo, por discordar de
algumas das diretrizes dessa política ou por pleitear autonomia plena sobre a
alocação de recursos da educação? Diante desse cenário político-administrativo as
esferas subnacionais são conduzidas ou mesmo “forçadas” a aderir aos programas
federais sem, no entanto, terem voz, tanto no planejamento como na formulação,
além de autonomia plena sobre os processos de execução dessas políticas.
Desta forma a descentralização brasileira se materializa mais em relação à
transferência de responsabilidades na execução e oferta dos serviços públicos, sem,
no entanto, dar espaço à participação efetiva das esferas subnacionais nas tomadas
de decisão relacionadas ao planejamento das políticas educacionais.
A legislação brasileira no contexto do atual arranjo federativo brasileiro define
as atribuições de cada ente federado em relação às suas obrigações sobre a oferta
de ensino público. Cabe à União o financiamento do ensino superior e das escolas
técnicas federais, além de atuar nas ações de suplemento e redistribuição de
recursos da educação em favor das unidades subnacionais por meio dos repasses
financeiros aos Estados da federação, Distrito Federal e municípios.
Em relação aos estados da Federação e o Distrito Federal a CF/1988
determina que os mesmos devam atuar na oferta de ensino fundamental e médio,
porém a LDB/1996 especifica que os estados devem atuar, prioritariamente, no
ensino médio e colaborar com os municípios na oferta de ensino fundamental. Em
relação aos municípios, a CF/1988 determina que os mesmos fiquem responsáveis
pela oferta de ensino fundamental e pela educação infantil.

possa se autogovernar como um ente dotado de liberdade e ser capaz de participar como cidadão
consciente e crítico de uma sociedade de pessoas livres e iguais e ter acesso aos seus bens
sociais.”
60

A LDB/1996 os impediu de atuar em outras etapas e modalidades de ensino,


se não tiverem atendido plenamente suas atribuições sobre o ensino de sua
competência. O quadro a seguir mostra as competências de cada ente federado em
relação às suas responsabilidades sobre a oferta de ensino no Brasil em todas as
etapas e modalidades. (SOUSA, 2000)
Quadro 4 - Competências das Esferas de Governo na Educação
Esfera Competências

União CF de 1988 – “A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,


financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”.
(CF de 1988, Tít. VIII, Cap. III, Seção I, artigo 211, § 1o)
LDB – A União incumbir-se-á de:
I – elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, o
Distrito Federal e os municípios;
II – “organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema
federal de ensino e o dos territórios”;
III – prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento
prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva.
(Lei no 9.394, de 1996, Tít. III artigo 9o)
LDB – “O Sistema Federal de ensino compreende:
I – as instituições de ensino mantidas pela União;
II – as instituições de educação superior, criadas e mantidas pela iniciativa privada;
III – os órgãos federais de educação. (Lei no 9.394, de 1996, Tít. IV, artigo 16)
LDB – “Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos
suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação
superior por ela mantidas”. (Lei no 9.394, de 1996; Tít. V, Cap. IV, artigo 55)
A União, de acordo com o § 3o da EC n o 14/1996, complementará os recursos do
Fundef sempre que, em cada estado e no DF, seu valor por aluno não alcançar o
mínimo definido nacionalmente.
Estados
Estados CF de 1988 – “Os Estados e DF atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
médio”. (CF de 1988, Tít. VIII, Cap. III, Seção I, Artigo 211, § 3o)
LDB – “Os Estados incumbir-se-ão de:
II – definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das
responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos
financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; (...)
VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, ensino médio. (Tít.
IV, artigo 10)
LDB – “Os sistemas de ensino dos Estados e do DF compreendem:
I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual
e pelo DF;
II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;
III – as instituições de ensino fundamental e médio, criadas e mantidas, pela iniciativa
privada;
IV – os órgãos de educação estaduais e do DF, respectivamente. (Tít. IV, artigo 17)
A forma de distribuição do Fundef/Fundeb entre os estados e seus municípios será
proporcional ao número de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino. (Lei
no 9.424/1996, artigo 2o)
Municípios CF de 1988 – “Os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil”. (CF de 1988, Tít. VIII, Cap. III, Seção I, artigo 211, § 2o)
CF de 1988 – Compete ao Município – “Manter, com a cooperação técnica e
61

financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino


fundamental”. (Artigo 30, VI, Cap. IV)
LDB – “Os municípios incumbir-se-ão de:
I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus
sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos
Estados; (...)
V – oferecer à educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o
ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente
quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de
competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela
Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. (Tít. IV, artigo 11)
LDB – “Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I – as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo
Poder Público municipal;
II – as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada;
III – os órgãos municipais de educação. (Tít. IV, artigo 18)

Fonte: CASTRO e DUARTE (2008)

3.2 FEDERALISMO COOPERATIVO NA EDUCAÇÃO: PRINCÍPIOS E DESAFIOS

O federalismo cooperativo na educação está contemplado pelo Artigo 211 da


Constituição Federal de 1988: “a União, os Estados e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino.” Fica facilmente perceptível que o
Brasil desenvolveu um regime de colaboração entre 27 estados da Federação, 5.570
municípios e a União. Foi gerado um quadro de relações interinstitucionais
complexas, que exige uma engenharia bastante complicada para a coordenação
político-administrativa eficaz e que produza resultados para a população.
O regime de colaboração é característico de Estados regidos pelos princípios
do modelo de federação, o qual comporta entes federados mantendo relações
caracterizadas pela ausência de subordinação e de hierarquias entre as esferas
governamentais no exercício do poder político. Neste caso optamos em utilizar no
estudo o conceito de federação desenvolvido por Cury (2010, p.152):

“Federação é uma União de membros federados que formam uma só


entidade soberana: o Estado Nacional. No regime federal, só há um Estado
Soberano cujas unidades federadas subnacionais (estados) gozam de
autonomia dentro dos limites jurisdicionais atribuídos e especificados. Daí
que tais subunidades não são nem nações independentes e nem unidades
somente administrativas”.
62

Como já foi dito, a CF/ 1988 alçou os municípios à condição de entes


federados, ampliando consideravelmente a federação brasileira16 e aumentando o
desafio de coordenação articulada por conta do grande número dos entes federados
e da grande extensão territorial do país (que ainda por cima é caracterizada por
grandes desigualdades de natureza sociopolítica). Desta forma Cury (2010, p. 158)
alerta para o desafio da coordenação federativa com descentralização de políticas
sociais afirmando que a CF/1988:

“[...] recusou tanto o federalismo centrífugo como também o centrípeto e


adotou um modelo de federalismo cooperativo sob a denominação de
regime articulado de colaboração, descentralizado, com funções privativas,
comuns e concorrentes entre os entes federativos”. [...] além de fazer uma
escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado onde
se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo
institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes
de tomar decisões. “Por isso mesmo, a cooperação exige entendimento
mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de
novas arenas públicas de deliberação e mesmo de decisão”.

A CF/1988 conduziu o Brasil na direção de um modelo federativo com regime


de colaboração, uma vez que previu a cooperação, divisão e compartilhamento de
atribuições em função de objetivos comuns regulados por normas nacionais gerais.
Por outro lado, é fato que se observou uma crescente interferência da União
sobre o regime fiscal e tributário brasileiro gerando muitas tensões, conflitos e
incertezas entre as esferas federativas em relação ao campo das competências e
atribuições, tanto sobre o planejamento como também na oferta de ensino público.
Para viabilizar essas relações federativas no Brasil foi preciso definição das
competências e atribuições de cada ente federado sobre o conjunto dos serviços
educacionais. E, no contexto das negociações, com disputas, conflitos e tensões, a
realidade mostra claramente, um desequilíbrio de forças em favor da União.
Justamente por esta esfera deter a maior parte dos recursos financeiros gerados
com a arrecadação fiscal; além de ter, reconhecidamente, melhores condições
técnicas e administrativas para fazer valer seus interesses em relação às demais
unidades federativas.
Diante desta preponderância do poder federal, os demais entes federados
terminam disputando entre si as melhores condições de negociação com a União,
com o objetivo de conseguir mais recursos ou acesso aos projetos e programas
16
De acordo com dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a Federação
abrange 5.570 Municípios, 26 Estados e um Distrito Federal.
63

desenvolvidos na Esfera Federal, gerando um cenário de competição, ao invés de


cooperação, em favor da Federação como um todo.
É preciso se discutir mais profundamente as delimitações, possibilidades e
atribuições das esferas federadas diante do que é efetivamente um regime de
colaboração. Só assim se poderia determinar, de forma mais transparente, as
competências de cada ente federado no contexto do planejamento e oferta de
serviços educacionais, com mais equilíbrio e com a participação das unidades
subnacionais da Federação.
Reafirmamos que a União apresenta melhores condições técnicas, estruturais
e financeiras para a condução do planejamento e da formulação das políticas
públicas educacionais, mas também, não podemos ignorar o fato de que essa esfera
pouco conhece a respeito das inúmeras especificidades e configurações
sociopolíticas encontradas em cada município da Federação.
Por isso mesmo, a participação das unidades federativas no processo de
construção dos programas educacionais se torna muito importante. São essas
esferas governamentais que possuem mais proximidade e consequentemente mais
conhecimento e propriedade sobre as principais demandas e necessidades de nível
local, podendo contemplar a grande diversidade e desigualdade encontradas em
municípios brasileiros. (MELO, 2003).
Como exemplo importante de instrumento de coordenação federativa na
educação, registramos os Planos Nacionais de Educação (PNE’s) exigidos a partir
da CF/1988 e da LDB/1996 que determinam meios, metas e fins a serem
alcançados pela educação brasileira.
Esses planos são coordenados pela União com a participação, não só dos
representantes das esferas subnacionais, como também de diversas instituições
educacionais importantes como: Anped, Anpae, Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública (FNDEP) e as Universidades, sempre atuantes e comprometidas com
o desenvolvimento e a qualidade da educação brasileira. É factível se construir um
regime de colaboração mais equilibrado e participativo, trazendo para a arena de
discussão sobre planejamento e formulação de políticas educacionais, as principais
entidades e representantes de instituições comprometidas com a educação no
Brasil.
Isto se tornou viável porque, após os processos de redemocratização, foram
criados muitos mecanismos de participação e instrumentos de políticas educativas.
64

Programas, como o Fundeb e o Fundef são mecanismos de colaboração e


participação, além do novo PNE e o Sistema Nacional de Educação a ser criado
como obrigação da lei deste plano decenal para 2014 -2024. (DOURADO, 2007)
O primeiro PNE (2001-2010) após a redemocratização do Brasil surgiu como
exigência da CF/1988, que em seu Artigo 214, estabeleceu o Plano Nacional de
Educação, de duração plurianual, e, também, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) Lei N° 9.394/96, determinando que a União, no prazo de
um ano, a partir da sua publicação, deverá encaminhar para o Congresso Nacional o
Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes.
Em outra frente de lutas, setores organizados da sociedade civil, como
entidades sindicais e estudantis, associações acadêmicas e científicas entre outros,
promoveram dois Congressos Nacionais de Educação e, também, diversos
seminários e encontros por todo Brasil em busca de uma proposta da sociedade
para o plano. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) exerceu um
papel de destaque na condução desse plano, que ficou conhecido como o PNE da
Sociedade Brasileira.
Este plano da sociedade materializou-se no Projeto de Lei N° 4.155/98
protocolado em fevereiro de 1998, sendo o primeiro projeto de lei sobre o assunto.
Só dois anos depois, o Ministério da Educação encaminhou o projeto do Executivo,
elaborado pelo INEP que tramitou como Apêndice ao PNE da Sociedade Brasileira,
sob o N° 4.173/98. O PNE foi aprovado em 14/06/2000 sobre três eixos: (1) a
educação como direito individual; (2) a educação como fator de desenvolvimento
econômico e social; (3) a educação como meio de combate à pobreza. Ainda de
acordo com o PNE, os objetivos gerais da educação seriam: a elevação global do
nível de educação da população; a melhoria da qualidade do ensino em todos os
níveis; a redução das desigualdades sociais e regionais, no tocante ao acesso e à
permanência na educação pública, e a democratização da gestão do ensino público.
(AGUIAR, 2010)
Muitas críticas foram feitas por entidades de peso da educação, como a
ANPED: pelo curto prazo para a discussão do processo que não contemplou -como
deveria- a participação ampla dos diversos setores da sociedade civil; sobrecarrega
de responsabilidades de estados e municípios sobre a maior parte dos níveis e
etapas educacionais; e porque poupava a União de contribuir, como deveria,
desequilibrando os princípios de federalismo de cooperação.
65

O texto aprovado trouxe consigo marcas das diversas tensões e conflitos


ocorridos ao longo do processo de tramitação, especialmente, quando se tratava da
aplicação de recursos para garantir o alcance das metas. Não se pode deixar de
reconhecer que os objetivos e metas do PNE aprovado, mesmo considerando suas
limitações, incorporaram algumas demandas históricas da educação. Aprovado o
Plano Nacional de Educação, agora caberia aos governos estaduais e municipais se
articularem com a União para colocar em prática a operacionalização do Plano.
Isto não ocorreu na dimensão esperada, haja vista diversos problemas como:
grande quantidade de metas, a falta de estratégias para o seu cumprimento e o fato
de que muitas delas não eram mensuráveis. Esses detalhes dificultaram por demais
o processo.
Destaque para as dificuldades de articulação entre os entes federados, por
conta do desequilíbrio técnico, estrutural e financeiro entre as esferas
governamentais, associadas às grandes desigualdades socioeconômicas e políticas
do Brasil. O Governo FHC vetou nove das metas do PNE e, curiosamente, entre
elas estava àquela que foi proposta pelo próprio poder executivo e que destinava 7%
do Produto Interno Bruto para a educação (o PNE da sociedade tinha proposto 10%
do PIB para a educação).
É claro que também ocorreram avanços (só o cumprimento constitucional em
elaborar e aprovar um plano decenal para educação pode ser considerado um
grande passo para a educação brasileira) temos de reconhecer; mas não na
dimensão esperada e necessária para que o País diminuísse os baixos indicadores
educacionais e ao mesmo tempo melhorasse a qualidade do ensino oferecido à
população17.
Antes de abordarmos o segundo PNE é preciso falar da EC N°
59/2009, que traz importantes alterações para a educação no Artigo N°3, § 3º em
sua nova redação. Diz o texto: “a distribuição dos recursos públicos assegurará
prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere
à universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano
nacional de educação."
A alteração mais substancial em relação ao financiamento se dá no novo
texto do Artigo N° 214, especialmente no item VI. Vejamos a redação completa: “A

17
Sobre avaliação do PNE (2001 a 2011) ver Aguiar (2010)
66

lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo


de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir
diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas federativas que conduzam a I - erradicação do analfabetismo; II -
universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV -
formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do
País; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto”. Este último item consegue colocar na
Constituição do País, finalmente, a vinculação do financiamento da educação ao
PIB, com percentual ainda por ser definido.
O segundo PNE (2011-2020) foi aprovado, tardiamente, em 25/06/2014
através da Lei nº 13.005, sancionado pela Presidência da República para vigorar no
decênio 2014-2024 e traz importantes avanços em relação ao seu antecessor. O
MEC -Ministério da Educação- norteou a elaboração da proposta de novo PNE
baseado nas seguintes premissas:
a) Universalização da educação básica pública, por meio do acesso e permanência
na instituição educacional;
b) Expansão da oferta da educação superior, sobretudo a pública, por meio da
ampliação do acesso e permanência na instituição educacional;
c) Garantia de padrão de qualidade em todas as instituições de ensino, por meio do
domínio de saberes, habilidades e atitudes necessários ao desenvolvimento do
cidadão, bem como da oferta dos insumos próprios a cada nível, etapa e modalidade
do ensino;
d) Gratuidade do ensino para o estudante em qualquer nível, etapa ou modalidade
da educação, nos estabelecimentos públicos oficiais;
e) Gestão democrática da educação e controle social da educação;
f) Respeito e atendimento às diversidades étnicas, religiosas, econômicas e
culturais;
g) Excelência na formação e na valorização dos profissionais da educação;
h) Financiamento público das instituições públicas.

Entre os avanços mais importantes deste PNE, salientamos a


preocupação em associar metas estabelecidas com estratégias a serem
desenvolvidas para cumprimento das referidas metas. Isto, visando não cometer os
erros do plano antecessor, que pecou ao definir uma quantidade imensa de metas,
que além de nem sempre serem passiveis de mensuração, não possuíam
estratégias necessárias para serem alcançadas. Neste plano, ao contrário do
67

anterior, cada meta estabelecida estava vinculada às suas próprias estratégias,


imprescindíveis ao cumprimento da mesma durante a vigência do próprio PNE.
Podemos afirmar que este plano atual se mostrou mais racional, enxuto e
alinhado com as demandas nacionais e por isto mesmo conseguiu avanços
importantes há muito tempo reclamados pelo campo educacional, como por
exemplo, a vinculação progressiva do PIB para o financiamento da educação, até
atingir o patamar de 10% em 2024. Neste ponto não se pode esquecer a importância
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE)18 e da Conferência
Nacional de Educação (CONAE) de 201019 na construção deste plano, e em
especial, na defesa da vinculação de 10% do PIB para o financiamento da educação
brasileira.

Pelo texto aprovado, o governo se compromete a investir pelo menos 7% do


PIB na área, nos primeiros cinco anos de vigência do PNE, e 10% ao final de dez
anos como descrito na meta N° 20 do quadro abaixo. Atendendo assim, às diversas
lutas e bandeiras históricas de diversas entidades, segmentos, universidades,
intelectuais, professores e da sociedade.
Quadro 5 - Metas do PNE (2014-2024)
Metas
Meta 1 - universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5
(cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender,no
mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste
PNE

Meta 2 - Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14
(quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam
essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

Meta 3 - Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17
(dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas
no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento)
Meta 4 – Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação
básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino,
com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes,
escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados
Meta 5 - Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino

18
Sobre CNDE ver: http://www.campanhaeducacao.org.br/
19
Sobre a CONAE (2010) ver: documento final disponível em: http://conae.mec.gov.br
68

fundamental.
Meta 6 - Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas
públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos ( as) da
educação básica.
Meta 7 - Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB:
Nível/ano 2015 2017 2019 2021
Fund.(inicial) 5,2 5,5 5,7 6,0
Fund.(final) 4,7 5,0 5,2 5,5
Médio 4,3 4,7 5,0 5,2
Meta 8 - Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo
a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as
populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento)
mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não-negros declarados à Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
Meta 9 - Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5%
(noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE,
erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo
funcional.
Meta 10 - Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e
adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional.
Meta 11 - Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a
qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público.
Meta 12 - Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a
taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos,
assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas
matrículas, no segmento público
Meta 13 - Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do
corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e
cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta ecinco por cento) doutores
Meta 14 - Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a
atingir a titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores.
Meta 15 - Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos
profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do Artigo 61 da Lei N° 9.394, de
20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica
possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de
conhecimento em que atuam.
Meta 16 - Formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da
educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais
da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades,
demandas e contextualizações dos sistemas de ensino
Meta 17 - Valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de
forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade
equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE.
Meta 18 - Assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as)
profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano
de Carreira dos (as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial
nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do Artigo 206 da Constituição
Federal.
69

Meta 19 - Assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática
da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à
comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo re- cursos e apoio técnico da União
para tanto
Meta 20 - Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o
patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5° (quinto) ano de vigência
desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.

Fonte: http://fne.mec.gov.br

O segundo PNE foi encarado pelo MEC como uma oportunidade para
impulsionar avanços em relação ao plano anterior e esta expectativa é materializada
20
no documento “O PNE 2011-2020: Metas e Estratégias” que explica
detalhadamente os processos da sua construção afirmando que:

“A formulação de vinte metas multidimensionais – acompanhadas das


respectivas estratégias de implementação – permitirá que a sociedade
tenha clareza das reivindicações a serem opostas ao Poder Público. A fim
de que o PNE não redunde em uma carta de boas intenções incapaz de
manter a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação, é
preciso associar a cada uma das metas uma série de estratégias a serem
implementadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Municípios em regime de colaboração”. (Brasil/MEC, 2011).

Porém, é importante observar que os problemas da educação brasileira não


se resumem ao financiamento. A gestão educacional também se constitui como um
grande desafio, uma vez que atualmente predomina a desarticulação entre os entes
federados dificultando o estabelecimento de ações coordenadas e cooperativas,
além do compartilhamento das responsabilidades constitucionais.
O novo PNE (2014-2024) deve priorizar a articulação do Sistema Nacional de
Educação (SNE), tendo como objetivo central garantir direitos básicos de cidadania
por meio da ação do Estado em relação ao acesso universal à educação de
qualidade e de igualdade de oportunidades para todos. Assim está mais que clara a
necessidade de aprimoramento do Regime de Colaboração Federativa; para que
seja possível se alcançar com maior eficiência, controle e fiscalização, as condições
desejáveis para o acompanhamento adequado da aplicação dos recursos da
educação por parte das esferas locais, em articulação com a União. Pode-se inferir
que este é um dos grandes desafios do novo plano. (CURY, 2011)
Os gestores educacionais não podem ficar limitados ao simples
gerenciamento dos recursos educacionais, muitas vezes submissos a um ordenador

20
Disponível em http://fne.mec.gov.br/images/pdf/notas_tecnicas_pne_2011_2020.pdf
70

de despesas da área financeira como o secretário de finanças. Estes governantes


precisam ter um papel ativo na discussão, planejamento e deliberação dos
programas educacionais, que por sua vez devem estar voltados para atender as
demandas da população, alinhados com as especificidades de cada localidade.
Os secretários municipais de educação, obrigatoriamente, precisam ter voz
ativa sobre a discussão das políticas e programas educacionais prioritárias, sobre o
financiamento e execução para que a qualidade da educação possa melhorar nos
municípios brasileiros. (DOURADO e AMARAL, 2011).
Quando observamos as relações entre regime de colaboração e
financiamento da educação por meio de fundos públicos, como é o caso de Fundeb,
notamos que a participação ativa de esferas subnacionais ainda é tímida diante da
hegemonia federal no que se diz respeito ao planejamento e formulação dos
programas e políticas educacionais.
Grande parte dos municípios assumiu uma postura de receber e aplicar de
forma quase automática os recursos repassados pela União, e se limitar apenas a
gerenciar o gasto em função de normas e percentuais definidos nacionalmente e
que inibem ações de iniciativa municipal. Pouco espaço sobrou para que estas
esferas subnacionais pudessem criar condições próprias no sentido de definir, a
partir de suas próprias demandas, onde e como os recursos deveriam ser aplicados.
Observamos que parte considerável destes municípios brasileiros carece de
oferta de ensino com qualidade; um dos motivos associados a este cenário pode
estar relacionado com o fato destas esferas ainda terem pouca autonomia para gerir
suas próprias redes de ensino.
Em muitos casos, os municípios se limitam a repassar os recursos -de acordo
com os critérios estabelecidos nacionalmente pelo Fundeb- apenas para a
manutenção dos seus sistemas de ensino. Boa parte dos municípios brasileiros não
possui as condições técnicas e administrativas adequadas para planejar e gerir seus
próprios sistemas de ensino, dependendo de ajuda técnica, do MEC e dos governos
estaduais, e de certa forma se acomodando ao puro gerenciamento dos recursos,
mostrando o quanto o campo educacional brasileiro é contraditório. (MELO, 2003)
Alguns estudos (ARRETCHE, 2002; DAVIES, 2006; GUIMARÃES 2009)
mostraram como boa parte dos municípios brasileiros (muitos localizados no
Nordeste) não detinha condições institucionais necessárias (por não possuírem
burocracias suficientemente profissionalizadas e qualificadas), para suprir as
71

demandas institucionais e sociais exigidas para o planejamento e a condução de


diversos programas sociais, mesmo contando com o apoio do Governo Federal.
Além disto, a maior parte destes municípios também não apresenta condições
econômicas suficientes para a geração de receitas próprias que garantissem sua
subsistência; por isso ficam ainda mais suscetíveis a ingerências e aos interesses de
elites locais. Estamos nos referindo, principalmente, aqueles 89% de municípios
brasileiros que têm menos de 50.000 habitantes e detém 34% da população
brasileira.
O argumento da desconcentração de competências na oferta de ensino
básico ganhou força já que, desde os tempos do Fundef, os municípios assumiram
esse serviço sem possuírem autonomia fiscal e orçamentária necessárias para
poderem investir na melhoria e na qualidade das suas burocracias, e com isto
exercer suas responsabilidades (em condições mais adequadas para atender às
necessidades e demandas educacionais da população). (MELO, 2003)
O Estado brasileiro apresenta algumas características históricas que muito
contribuem para dificultar os processos de coordenação articulada entre os entes
federados, assim como também a consolidação de práticas democráticas no
exercício da administração pública que traga uma aproximação maior entre a gestão
administrativa e as demandas da sociedade.
Entre elas encontramos as fortes práticas de concentração de poder na
Esfera Federal (centralismo) fazendo que este nível de governo se sobreponha
sobre os demais entes federados, principalmente no que se diz respeito aos
processos decisórios de políticas sociais. Esta centralização decisória na União,
historicamente, vem de longa data no Brasil. De acordo com Sorj (2001, p.17):

“A autonomia do Governo Federal está enraizada em suas origens


coloniais, na medida em que representava um poder externo que pairava
acima dos interesses locais, em sua continuidade histórica (ao contrário do
que ocorreu na América espanhola, por não haver sofrido qualquer ruptura
ou desorganização devido à inexistência de guerras de independência), e
na amplitude do espaço físico brasileiro e heterogeneidade de suas regiões
e elites locais, frente às quais atuava como árbitro”.

Diretamente associado a este centralismo, destacamos também a face


patrimonialista do Estado brasileiro como um dos fatores mais nocivos e perenes
que corroem as iniciativas que buscam trazer mais democratização nas ações e
práticas da administração pública em todos os níveis de governo.
72

O patrimonialismo se constitui numa apropriação privada (indevida) por parte


de agentes públicos e/ou do mercado dos recursos do Estado. No caso brasileiro,
sua existência vem desde os tempos da colonização portuguesa, passando pelo
império e república, resultando num Estado dissociado da grande maioria da
população, dominado pelas elites econômicas e políticas em defesa de seus
próprios interesses.
O moderno patrimonialismo brasileiro tem base urbana e se caracteriza
fortemente pelas relações nebulosas entre os interesses dos grupos privados
dominantes e o interesse público da sociedade, num ambiente de extrema
desigualdade social. (SORJ, 2001).
Esta face centralizadora e patrimonialista explica, em parte, porque o
federalismo brasileiro ainda não conseguiu atingir as condições necessárias para
desenvolver efetivamente a coordenação articulada adequada entre os entes
federados - necessária para produzir os efeitos esperados (e desejados) sobre a
qualidade dos serviços educacionais ofertados à população. Isto acontece,
justamente, porque ainda não se conseguiu superar problemas estruturais como a
baixa articulação e o desequilíbrio nas relações entre os entes federados,
principalmente no que diz respeito às suas competências, atribuições e maior
equilíbrio na arrecadação fiscal.
As unidades subnacionais assumiram a oferta direta dos serviços
educacionais sem que fosse feita a reorganização necessária do sistema de
arrecadação tributária no sentido de proporcionar mais autonomia e qualidade, nas
administrações municipais. Houve uma transferência da oferta direta de educação
para as administrações subnacionais sem que a contrapartida fiscal e financeira
fosse suficiente para cobrir as demandas contrariando o modelo federativo. Para
Cury, 2010, p.159:

“A república Federativa adota um tipo de Estado em que há tanto um


autogoverno (concentração) e um governo compartilhado (difusão). Pode-se
dizer que o caráter federativo de um Estado nacional se concentra em um
pólo central de poder e, ao mesmo tempo, difunde-se pela autonomia dos
seus membros que possuem competências próprias.”

Algumas iniciativas importantes são merecedoras de registro porque foram


responsáveis por tentativas de superação destas adversidades, em busca da
melhoria da qualidade dos sistemas educacionais públicos no Brasil como é o caso
dos fundos de financiamento da educação, Fundef e, atualmente o Fundeb.
73

A política de fundos é um exemplo importante de reorganização da


distribuição dos recursos da educação, na tentativa de se consolidar as relações
federativas de colaboração entre a União e as esferas subnacionais. Pecou em
relação à demasiada centralização decisória na Esfera Federal (os fundos foram
definidos e elaborados pela União) onde os demais entes federados, para aderir,
precisavam cumprir determinadas condições para acesso aos recursos dos fundos,
entre elas assumir toda responsabilidade sobre a oferta de ensino fundamental. “o
fundo só não rendeu mais em termos de redução de disparidades regionais porque a
União não cumpriu sua parte legalmente expressa, no financiamento”. (CURY, 2010,
p.156)

3.3 DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O QUADRO


BRASILEIRO RECENTE

O conceito de “descentralização” é polissêmico e pode variar acordo com as


orientações político-administrativas que amparam as ações governamentais. Desta
forma pela definição de Abrúcio (2006, p.78):

“[...] descentralização é um processo nitidamente político, circunscrito a um


Estado nacional, que resulta da transferência (ou conquista) efetiva a
governos subnacionais, que: (a) adquirem autonomia para escolher seus
governantes e legisladores; (b) para comandar diretamente sua
administração; (c) para elaborar uma legislação referente às competências
que lhe cabem; e por fim (d) para cuidar da sua estrutura tributária e
financeira”.

É possível identificar alguns processos que são comumente confundidos com


a descentralização por apresentarem algumas características similares, mas que
não atendem ao conjunto total de especificidades do conceito como: (1) a delegação
de funções por parte da esfera de governo a órgãos ou instituições estatais para
exercerem, com alguma autonomia, determinadas funções ou desenvolver ações e
(2) a desconcentração de funções que opera por meio do repasse de atribuições de
uma esfera governamental para outra. Esses processos podem ser encarados como
parte de uma política descentralizadora, porém, quando adotados de forma isolada,
não podem ser caracterizados como descentralização. (GOHN, 2007)
Partindo de uma perspectiva histórica, é possível afirmar que a formação dos
Estados Modernos foi caracterizada pelo crescente fortalecimento do poder central
74

com a intenção de preservar sua indivisibilidade. Qualquer menção a alguma


posição de descentralização, sempre era vista como algo negativo e
desestabilizador do poder soberano e da autonomia.
Essa visão de Estado Nacional forte alcançou grande visibilidade, no século
XX, com o fortalecimento do Estado de Bem Estar Social (Welfare State) nos
Estados Unidos e grande parte da Europa. Este modelo foi responsável pelo resgate
do desenvolvimento econômico e social na Europa que se encontrava devastada
pela 2ª guerra mundial.
Ocorre que, paradoxalmente, esta consolidação do Estado do Bem Estar
Social, é vista também, como um dos pontos de partida para o início de movimentos
de descentralização na gestão de políticas sociais; isto porque, o modelo de Estado
Provedor era muito centralizado, mas, ao se expandir, terminou por promover
movimentos reivindicatórios por parte da sociedade carente de ações e programas
sociais.
Com a crise aguda do Petróleo - na década de 1970 - e a chegada ao poder
de governantes conservadores - no início dos anos 1980 - tanto nos Estados Unidos
como na Europa (Ronald Reagan nos EUA 1981-1989 e Margaret Thatcher na
Inglaterra 1979-1990), este modelo estatal é colocado em xeque, marcando, de
forma emblemática, o início de uma política feroz de combate ao Estado Provedor.
Foi assumida, claramente, a opção pelo neoliberalismo de desenvolvimento e
organização das instituições político-administrativas, tendo o mercado como agente
mediador e regulador da sociedade.
O “Estado Providência” foi escolhido como principal culpado pela crise, faltava
agora se achar um salvador e para isto foi “eleito” o neoliberalismo que tinha como
símbolos o Estado mínimo e o mercado, que deveriam funcionar como agentes
regulatórios (e como redenção) das forças produtivas e sociais.
Foi uma reação conservadora, que trouxe a ideia de Estado mínimo e não
intervenção estatal, em prol da liberdade individual e da competição entre os
agentes econômicos, como forma de prosperidade econômica. A única forma de
regulação aceitável era aquela feita pelas forças do mercado.
Ao Estado caberia garantir a ordem e a legalidade, além de concentrar seu
papel executivo nos serviços mínimos necessários: policiamento, forças armadas,
poderes executivo, legislativo e judiciário etc. Abrindo mão, portanto, de toda e
qualquer forma de atuação econômica direta, como é o caso das empresas estatais.
75

A concepção de Estado mínimo surge como reação ao padrão de acumulação


vigente durante grande parte do século XX, em que o poder estatal financiava não
só a acumulação do capital, mas também a reprodução da força de trabalho por
meio das diversas políticas sociais. (SILVA JR., 2002)
Desta forma foi preciso achar um culpado para a crise que se avultava sobre
os países capitalistas; e nesta busca, além de se culpar o próprio Estado Nacional,
se passou também para a defesa dos postulados neoliberais na orientação das
ações públicas e estatais; ou seja, Estado reduzido e o mercado livre regulando as
relações sociais com privatizações e enxugamento da máquina estatal, entre tantas
outras medidas que vieram a ser tomadas para “solucionar” a crise do capitalismo.
Quando pensamos em termos de Brasil observamos que este modelo chega
com muita força no início dos anos 1990 a partir da chegada de Fernando Collor de
Melo à Presidência da República (1990-1992) e se consolida fortemente no contexto
da administração pública brasileira nos governos Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002).
O governo FHC assumiu o modelo neoliberal como organizador da
administração pública e levou o País a assistir a responsabilização do aparato
estatal por quase tudo que havia de errado para justificar a adoção de medidas
como: privatização, demissões de servidores públicos, ajustes no orçamento,
enxugamento da máquina pública, interrupção de concursos públicos, adoção do
controle do gasto público como instrumento de combate à inflação, mercantilização
dos serviços públicos, terceirizações, entre outras, como redentoras do nosso país.
Iniciativas que se mostraram, com o passar do tempo, pouco eficientes e/ou
incapazes de melhorar a oferta dos serviços públicos e diminuir às desigualdades
sociais. O mercado também não se mostrou eficiente na medida em que não
conseguiu garantir a produtividade, sustentar o nível de empregos e melhorar os
salários; neste ponto a “mão invisível” sentiu falta do “braço forte” do Estado.
Como se sabe, tal modelo, de uma forma ou de outra, foi adotado em vários
países, indiscriminadamente, como a solução para a crise do capital nos anos
1980/1990. Isto impactou diretamente sobre os alicerces do Estado brasileiro e,
consequentemente, na gestão pública, principalmente no que diz respeito à
condução de políticas sociais.
Foi neste período que estas matrizes neoliberais foram aprofundadas e
alçadas à condição norteadoras das ações administrativas e das políticas e/ou
76

programas governamentais, refletindo significativamente no campo da educação


como um todo, e com repercussões significativas até os dias de hoje.
O governo brasileiro vendeu a ideia de que era necessário atacar o próprio
aparato estatal e diminuir seu tamanho, como solução para uma crise de proporções
globais, que se propagava rapidamente fora do país e que estava intrinsecamente
ligada a um esgotamento do próprio sistema capitalista.
O discurso da descentralização, no Brasil, ganhou força justamente porque foi
difundido como solução para esta crise do capital, em associação direta com
democratização da gestão pública. Isto a partir de um fortalecimento do federalismo,
que dava a entender que descentralizar significaria democratizar, fortalecer os
demais entes federados e trazer maior eficiência, eficácia, efetividade21 sobre os
gastos sociais, além de promover a participação da sociedade no controle e
fiscalização sobre a alocação destes recursos exigindo, como contrapartida das
esferas subnacionais, mais transparência sobre os gastos com os serviços públicos.
(ABRÚCIO, 2006)
A ideia, em favor da descentralização, é de que a proximidade entre os
governos subnacionais e os cidadãos proporcionaria melhores condições de controle
social com participação da sociedade no acompanhamento dos gastos públicos, por
meio de canais institucionais como os conselhos gestores.
Acontece que o Brasil ainda tinha muito por avançar do ponto de vista
sociopolítico e no amadurecimento democrático da sociedade para combater às
grandes desigualdades sociais. Logo se percebeu que apenas transferir
responsabilidades, pela oferta de serviços públicos, não seria suficiente para que os
mesmos atingissem patamares aceitáveis de acesso e qualidade para satisfazer
necessidades da população brasileira.
Setores do governo pensaram, ao transferir a responsabilidade da oferta dos
serviços públicos para estados e municípios, aproximaria os programas sociais dos
seus beneficiários. Nesta perspectiva, acreditavam que essa aproximação facilitaria
a operacionalização dos processos administrativos e contribuiria para o
aperfeiçoamento dos resultados. A União - na verdade - queria ficar livre da provisão
e execução direta dos serviços públicos e o caminho mais confortável - naquele
momento - era adotar mecanismos de repasses desses serviços para as esferas

21
Sobre eficiência, eficácia e efetividade das políticas sociais ver Gohn, 2007.
77

subnacionais, financiando, por meio da redistribuição da arrecadação dos diversos


impostos e, ainda, se livrando dos custos políticos de ofertar serviços de baixa
qualidade. (ARRETCHE, 2004)
Essa lógica pode até ter algum sentido, porém se desconsiderou, por
exemplo, as grandes desigualdades regionais e sociais; a fragilidade institucional
das burocracias locais (em especial as dos pequenos municípios); a pouca tradição
da população em participar e acompanhar as políticas sociais no País; a baixa
escolaridade da maioria da população; os custos de oportunidade do cidadão em
participar do acompanhamento da gestão local das políticas sociais e a pouca
familiaridade da sociedade brasileira com o regime democrático recém-instaurado.
A preocupação central do Governo Federal, na época, foi com a reforma do
Estado e com a reformulação das políticas e programas sociais, a partir das
diretrizes das organizações multilaterais (Banco Mundial, FMI, BID, entre outras).
Essas instituições impuseram medidas e práticas neoliberais para a gestão pública
aos países em desenvolvimento e o Brasil não fugiu destas orientações, sobretudo a
partir do governo Fernando Collor (1991/1992), quando foram dados os primeiros
passos em direção da reforma administrativa do Estado que foi consolidada no
período FHC (1995/2002).
Foram criadas expectativas demasiadamente positivas a respeito dos
desdobramentos da descentralização no contexto do federalismo brasileiro. É
importante lembrar que, mesmo sob o discurso da ampliação da descentralização
das políticas educacionais, no contexto da CF/1988, a Esfera Federal manteve em
seu poder o controle sobre decisões estratégicas e planejamento das ações dessas
políticas, sob algumas diretrizes de gestão inspiradas em premissas neoliberais. A
descentralização no Brasil, na maioria dos casos, se restringiu a repasses de
recursos, serviços e transferência de responsabilidades sobre a execução de
programas definidos de forma centralizada pela União, na maioria das vezes, em
função dos seus próprios interesses. (REZENDE, 2000; DINIZ, 2001).
Ainda em relação ao período dos governos FHC, Azevedo (2002, p. 54)
esclarece:
“[...] a descentralização é difundida como um poderoso mecanismo para
corrigir as desigualdades educacionais, por meio da otimização dos gastos
públicos. Apesar de os postulados democráticos serem recorrentemente
reafirmados, estes se apresentam como justificativas da transferência de
competências da esfera central do poder para as locais, respaldadas em
78

orientações neoliberais, com o objetivo de redução do Estado as suas


funções mínimas”.

A descentralização que foi propagada como resultado do resgate do


federalismo e o caminho necessário para a consolidação da democracia no País, na
verdade, se mostrou como uma estratégia de desconcentração da execução e oferta
de programas sociais por parte da União. Esse movimento em relação à educação
se mostrou como uma estratégia do Governo Federal para consolidar, de uma vez
por todas, o repasse da oferta de ensino básico (fundamental e médio) para as
esferas subnacionais, aliviando desta maneira, sua responsabilidade em atuar
diretamente nesta etapa da educação.
É fato que a descentralização se desenvolveu no contexto de retomada do
federalismo a partir do fim do regime militar autoritário (1964-1985), mas, é
importante frisar que esse regime no Brasil foi erguido de forma assimétrica entre os
entes federados. Não existiu equidade em relação à distribuição de recursos
arrecadados sobre tributos e impostos, e consequentemente faltou equilíbrio
também na divisão do poder sobre o planejamento e a formulação das políticas e
programas sociais. (ARRETCHE, 1999)
Em relação à educação, o que se viu na prática foi o fortalecimento do poder
federal sobre os demais entes federados e o aumento das transferências de
atribuições sobre a execução das políticas e programas educacionais. A
descentralização terminou por sobrecarregar as esferas subnacionais
(principalmente municípios) que foram “convidadas a aderir” às diretrizes
determinadas pela União, no sentido de se tornarem responsáveis pela oferta direta
dos serviços educacionais recebendo repasses federais relativos aos recursos da
educação e linhas de crédito para investimentos disponibilizados pela União.
No caso brasileiro o modelo de descentralização das políticas sociais se
propôs a atender a cinco pré-condições: (1) construção de um pacto nacional; (2)
combate às desigualdades regionais; (3) montagem de boas estruturas
administrativas no plano nacional; (4) democratização dos governos locais e (5)
criação de um ambiente intergovernamental positivo. (ABRÚCIO, 2006).
É preciso atentar que havia a necessidade de se articular um ambiente
político que diminuísse os conflitos entre as esferas de governo para diminuir os
riscos do modelo de descentralização naufragar por conta de determinadas disputas
79

em torno do poder político e fiscal. A descentralização foi encarada como sinônimo


de democratização da gestão pública, em face do amplo período que o Brasil esteve
sob o jugo do regime autoritário, mas é preciso ter uma boa dose de cautela ao
associar de forma inequívoca estes dois fenômenos. (ABRÚCIO, 2006).
Com o modelo descentralizador na gestão pública, veio também a Lei de
Responsabilidade Fiscal22 que forçou as esferas governamentais a adequarem seus
gastos à sua própria capacidade de arrecadação, fazendo com que suas gestões
locais adquirissem uma postura responsável sobre os gastos públicos.
Os governantes locais, a partir desta lei, não poderiam mais comprometer
suas finanças com excesso de gastos -com pessoal e com a máquina pública- por
que foram obrigados a obedecer aos percentuais orçamentários destinados para
este fim pela LRF/1996, trazendo mais racionalização para os gastos públicos e
equilíbrio fiscal.
Este modelo de descentralização exige grande articulação federativa para ser
posto em prática e para isto é imprescindível que a administração pública ofereça
condições institucionais adequadas e estabilidade jurídica para a burocracia
governamental, como instrumentos para a implementação deste modelo. É fato que
isso não ocorreu nos governos Sarney (1985-1989), Collor (1990-1992) e Itamar
(1992-1994) que se caracterizaram por muitas instabilidades políticas, constantes
mudanças de ministros e modificações nas diretrizes das políticas públicas.
No primeiro governo FHC (1995-1999) as condições políticas foram mais
favoráveis e deram estabilidade burocrática e equilíbrio fiscal necessário para
garantir a agenda da descentralização em ritmo acelerado. Com isto houve uma
grande adesão por parte das esferas subnacionais aos diversos programas federais.
Estados e municípios tiveram que se adaptar às exigências -para sanear suas
dívidas e aumentar sua capacidade de endividamento- enxugando seus gastos

22
Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada para fiscalizar os gastos das administrações públicas das
três esferas (federal, estadual e municipal), responsabilizando os governantes pelo equilíbrio fiscal
das suas administrações e objetiva, ainda, cumprir o disposto no Artigo 30 da Emenda
Constitucional N° 19, de 4 de junho 1998 através da a Lei Complementar N° 101/2000 onde visa
estabelecer normas de finanças públicas, em todas as esferas de governo, voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal, (como mostra em seu Artigo 1º,seus parágrafos e incisos)
incluindo a dívida Pública externa e interna, a concessão de garantias pelas entidades públicas, a
emissão e o resgate de títulos da dívida pública, bem como os orçamentos, todos previstos no
Capítulo II do Título VI da Constituição Federal.
80

públicos como única maneira de conseguirem ter acesso a novos financiamentos e


renegociações de dívidas junto ao tesouro nacional23.
A descentralização ainda contribuiu para o amadurecimento de instituições
políticas locais ao incentivar a participação da sociedade civil organizada em
processos de acompanhamento e fiscalização dos programas sociais. Também
trouxe, para agenda governamental, questões para serem discutidas nas esferas
locais como: cidadania, participação, desigualdade, exclusão social e qualidade na
educação. (ARRETCHE, 2002)
Em relação à agenda educacional, especificamente, a descentralização
fortaleceu a inserção das discussões sobre gestão democrática, controle social e
participação da sociedade, como canais importantes para se alcançar mais
qualidade no ensino oferecido e assim elevar a aprendizagem dos estudantes.
Apesar de existirem argumentos desfavoráveis, é importante considerar estas
observações como contribuições para os ajustes necessários ao aprimoramento do
modelo de gestão democrática na educação com participação da sociedade, e não
como fonte de defesa de gestões centralizadoras.
Muitas dessas críticas ou reservas à descentralização estão diretamente
associadas ao quadro em que o federalismo brasileiro foi erguido com grande
desequilíbrio em relação à distribuição da arrecadação fiscal, das competências e
das atribuições dos entes federados. Isto veio a comprometer, significativamente, a
autonomia das unidades subnacionais que terminaram ficando demasiadamente
dependentes das articulações e interesses da Esfera Federal que, por ficar com a
maior parte da arrecadação de impostos e tributos, determinava os caminhos e
diretrizes das políticas e programas sociais com grande poder sobre os governantes
subnacionais.
Complementando esta discussão observamos que a grande parte dos
municípios brasileiros ainda não apresentava (e não apresenta) condições de gerar
suas próprias receitas, de modo a garantir seus investimentos e gastos com
manutenção da estrutura municipal. Além disto, se mostram, ainda hoje, bastantes
vulneráveis a interferências externas, sendo mais passiveis de sucumbirem às

23
Os estados e municípios, para cobrir seus desequilíbrios financeiros, tomavam dinheiro emprestado
aos antigos bancos estaduais tendo o Governo Federal como avalista e assim conseguiam pagar
suas contas e fazer investimentos o que aumentava a dívida pública sem qualquer controle. Com a
adoção da LRF/2000 e a privatização dos bancos estaduais a fonte inesgotável de recursos se
esvaziou. (ARRETCHE, 1999)
81

influencias das elites locais justamente por não possuírem instituições consolidadas
e burocracias suficientemente profissionalizadas, principalmente àqueles com
menos de 50.000 habitantes (89% do total de municípios).
O problema também consiste nas condições em que estes municípios são
administrados. Normalmente caracterizados por gestões precárias, com pouco
profissionalismo, clientelismo, nepotismo, ausência de transparência e baixo controle
sobre os gastos públicos, além de pouca participação da sociedade no
acompanhamento das políticas sociais.
É viável afirmar que no conjunto de explicações sobre implementação da
descentralização no Brasil existiram variáveis políticas representadas pela
necessidade do Governo Federal em repassar a oferta direta de serviços públicos
para estados federativos e municípios, uma vez que ele próprio encontrava
dificuldades para financiar e operacionalizar os programas sociais ao mesmo tempo.
Também existiram variáveis de caráter social com a retomada da
democratização, que recolocou a sociedade civil numa posição de ator importante
no processo decisório, passando a reivindicar mais participação no
acompanhamento e fiscalização de programas sociais. E, por fim, podemos
considerar a existência de variáveis econômicas resultantes da crise do modelo
Estado do Bem Estar Social com a internacionalização da economia.
Devemos considerar outras barreiras que geraram efeitos perversos para a
efetivação da descentralização no Brasil como falta de definição de competências
entre as esferas governamentais, permeabilidade acentuada das burocracias locais
em relação ao poder econômico e político dos vários interesses locais e pouca ou
nenhuma estrutura de accountability24. Nos municípios, as esferas responsáveis pelo
controle e pela publicização dos fatos (poder legislativo, poder judiciário, imprensa,
entre outros) também se mostram mais suscetíveis às pressões locais do que os
seus correlatos nacionais. (MELO, 1996)
A descentralização, no Brasil, também esteve associada ao processo de
redemocratização consolidado ao final dos anos 1980 com a promulgação da CF/88.
O processo de retomada democrática representou um considerável avanço para a

24
Entende-se neste estudo accountability como a obrigação de membros de um órgão administrativo
ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados e a própria
sociedade civil organizada por força de mecanismos legais e legitimados juridicamente. (LUBAMBO
e COELHO,2005)
82

consolidação do federalismo e da descentralização, com grande repercussão sobre


os programas educacionais, que passaram a contar com instâncias plurais de
participação que abrigam setores governamentais e da sociedade civil como é o
caso dos conselhos que compõem o campo educacional.
Para que o processo de descentralização nos anos 1990 fosse consolidado -
como instrumento efetivo de democratização em relação à oferta de serviços
públicos - foi preciso ir além de mera redefinição de competências sobre
arrecadação fiscal nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e
competência para ofertar os serviços públicos.
O governo FHC (1995-2002) montou uma agenda de incentivos com o
objetivo de induzir (na prática obrigar) a adesão dos governos locais aos programas
sociais descentralizados e, consequentemente, assumirem sozinhos, e diretamente,
as responsabilidades na oferta destes serviços; especialmente nas áreas de
educação e saúde, mediante os repasses de recursos federais.
Como contrapartida a este esforço, estes governos subnacionais conseguiram
obter acesso com mais facilidade a financiamentos e empréstimos, além de terem
possibilidade da obtenção de ganhos eleitorais por conta da oferta direta de alguns
destes serviços essenciais como é o caso da educação.
É preciso observar que as principais variáveis do processo de adesão à
descentralização de políticas e programas sociais dependiam diretamente da
vontade política do governo central, no sentido de cooptar governos locais, ou seja;
existem áreas em que o interesse do governo central era maior e, em cima disto, ele
criou estratégias e regras mais objetivas capazes de viabilizar as adesões no tempo
necessário e em função dos seus próprios objetivos. (ARRETCHE, 1999). Para
ilustrar isto recorremos a Melo (1996, p. 56) que afirma:

“É possível que em função da natureza política (a coalizão de partidos que


sustenta determinado governo) da base de apoio ao poder executivo, a
descentralização pode seguir duas vertentes: uma que prioriza os ganhos
de eficiência e redução da máquina pública quando a coalizão que dá
sustentação ao governo é formada por liberais e conservadores. E outra
que focaliza a diretriz de democratização da gestão e do controle social,
neste caso quando a coalizão é formada por partidos de esquerda e sociais
democratas.”

Em relação à educação houve, na verdade, uma desconcentração dos


serviços de oferta de ensino básico, num processo de imposição do Governo
83

Nacional, sem que os demais entes federados tivessem voz ou participassem das
diretrizes gerais do processo.
A partir da década de 1990 o sistema de ensino público básico passou por
uma série de reestruturações e redefinições. A Esfera Federal, em relação ao ensino
básico, passou a atuar exclusivamente no planejamento, regulação e avaliação dos
programas e políticas, com os demais entes federados ficando incumbidos de ofertar
o ensino (estados da federação com ensino médio e municípios ensino
fundamental).
Em 2003, com a chegada de Luís Inácio “Lula” da Silva à Presidência da
República, houve um resgate de muitas das ideias e premissas do Estado
Providência que geraram mais investimentos em políticas e programas sociais para
combater e diminuir os índices de pobreza. No entanto, vale ressaltar, que os
investimentos em políticas sociais ainda se mostraram insuficientes, além de se
misturarem com os fortes resquícios da lógica neoliberal adotada desde os anos
1990 na gestão pública, onde gastos em políticas sociais eram vistos como entraves
ao desenvolvimento do País e não como investimentos com retornos econômicos e
sociais relevantes. (DRAIBE e RIESCO, 2011)
A prática do Poder Federal - de decidir e agir unilateralmente em relação ao
planejamento, execução e fiscalização dos programas sociais - começa a regredir
uma vez que diversos segmentos organizados da sociedade civil passaram a
participar da definição da agenda social.
A União se aproximou mais das demais unidades subnacionais, sem, no
entanto, abrir mão do protagonismo no planejamento e formulação dos programas
sociais. As municipalidades foram forçadas a se organizar, no sentido de criar
condições necessárias para receber os recursos repassados pela Esfera Federal e
executar as políticas educacionais.
Isto seguiu uma tendência internacional, onde Estados Nacionais se viram
diante de diversas demandas sociais por mais políticas e/ou programas para atenuar
os efeitos da crise do capitalismo em escala global. Crise esta que pôs em xeque os
defensores do modelo neoliberal, que, neste momento, mostrava dificuldades
significativas para atender as crescentes demandas da sociedade. Como não
poderia deixar de ser, esse modelo começa a se exaurir de forma visível,
principalmente com o aumento da crise econômica que abalou fortemente as
84

estruturas do mundo capitalista na primeira década do século XXI. (DRAIBE e


RIESCO 2011; KERSTENETZKY, 2006 e 2011)
No capítulo a seguir discutiremos financiamento educacional no Brasil;
revisitando sua trajetória desde os tempos da colônia, passando pelo império, até as
Constituições Federais, mostrando como foi tratado e suas principais características
enquanto estrutura regulatória ao longo da história brasileira. Posteriormente
fazemos uma análise comparativa entre os fundos de contábeis de financiamento
(Fundef e Fundeb) implementados no País a partir da última Carta Constitucional de
1988, estabelecendo suas principais similaridades, diferenças e contribuições à
educação brasileira de forma geral.
85

4 OS CAMINHOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM


RESGATE HISTÓRICO DOS TEMPOS DA COLÔNIA ATÉ OS DIAS ATUAIS.

Introdução

Este capítulo discute o financiamento da educação e descreve como essa


prática se desenvolveu e foi tratada dentro dos marcos regulatórios legais ao longo
da história do Brasil. A ideia foi contextualizar o atual modelo de financiamento da
educação brasileira, que hoje é baseado no modelo de vinculação de recursos da
educação e fundos contábeis como é o caso do Fundeb.
Essa temática se encontra situada no debate sobre políticas educacionais e
relações federativas no Brasil, seus processos e articulações entre esferas
governamentais. Por isso é importante destacar que, ao longo do século passado, o
Brasil apresentou algumas formas de arranjos federativos em governos autoritários
como também em democráticos. Neste período o País passou por cinco
Constituições que foram responsáveis por estabelecer as regras para a convivência
federativa na nação. Por isso a importância em se compreender o federalismo
brasileiro sob o prisma do constitucionalismo. (SOUZA, 2006)
Para descrever historicamente o caminho percorrido pelo financiamento da
educação no Brasil, começamos por algumas iniciativas que partiram da coroa
portuguesa -ainda no período colonial- para posteriormente nos debruçarmos sobre
os textos constitucionais promulgados ao longo da história do País, com o objetivo
de construir um quadro mais completo do financiamento da educação no país.
O interesse da academia pelas pesquisas sobre financiamento da educação
no Brasil, no período anterior aos anos 1990, é considerado como tímido em relação
à importância da temática. As fontes de financiamento da educação só adquirem
interesse mais sistemático da academia com os fundos de financiamento nos anos
1990 a partir do surgimento do Fundef.
Assim o financiamento da educação no Brasil passou a ser objeto mais
frequente nas agendas das pesquisas educacionais justamente por que emergiram
questões importantes sobre qual a melhor forma ou mecanismo de financiamento,
como incluir todas as etapas e as modalidades educacionais, quais os principais
mecanismos de distribuição de recursos, a vinculação de recursos do tesouro. Estas
86

tensões e contradições, que foram surgindo a partir do Fundef, serviram de ponto de


partida para o debate sobre seu substituto: o Fundeb.
Neste capítulo vamos desenvolver uma descrição mais detalhada desta
temática. Para isto fizemos uma revisão dos trabalhos de Santos (2010), Menezes
(2005), Leite (2000), Vieira (2008) e Fávero (2005) justamente por que tratam sobre
o campo do financiamento da educação no contexto do Estado brasileiro, abordando
o conjunto de normas e regras constitucionais e analisando os caminhos históricos e
conceituais do financiamento da educação no Brasil. Portando, vamos contextualizar
o atual modelo de financiamento adotado no País na segunda metade dos anos
1990 (Fundef) que foi substituído, já no atual século, pelo Fundeb.
Na maior parte da história do Brasil, a educação não esteve presente como
deveria no conjunto das obrigações e deveres essenciais do Estado para com a
sociedade. A ausência, ou a pouca importância dada em diversos momentos da
história política e social brasileira, mostra que o projeto de nação pretendido pelas
elites brasileiras, nunca priorizou a educação como viés de inclusão social e
ferramenta de combate às desigualdades.
A melhoria geral dos padrões e condições da educação se constitui como um
dos principais fatores (talvez o mais importante) no combate à desigualdade social e
à pobreza, por permitir um maior leque de oportunidades às pessoas que se
encontram nessa condição. Acreditamos que melhorando o nível de escolarização,
não só se incrementa, por consequência, a renda das pessoas ou as oportunidades
de mercado, mas também (e talvez principalmente) porque a educação com
qualidade tem o poder de conduzir a população, de uma forma geral, em direção a
melhores condições reais de vida, incluindo nisto o aspecto político dos indivíduos
em sociedade. (MENEZES, 2005)
Isto impacta, de forma contundente, sobre a qualidade da vida cotidiana das
pessoas em relação a diversos setores da vida social como lazer, cultura, trabalho e
cidadania. Um país - para se considerar desenvolvido - precisa necessariamente
oferecer educação com qualidade à sua população, como fator de comprometimento
do Estado com o desenvolvimento do país e com a vida dos seus cidadãos.
Como já foi dito antes, a educação durante boa parte do nosso processo
histórico quase sempre esteve relegada a um plano secundário dentro dos
interesses e prioridades do Estado brasileiro que sempre esteve mais voltado para
87

os interesses de elites econômicas e políticas, muitas vezes se mantendo distante


das demandas sociais.
O combate às grandes desigualdades sociais e à pobreza, durante muito
tempo (e governos), não esteve entre as prioridades reais do poder público. O
Estado brasileiro foi erguido dentro do processo de desenvolvimento do capitalismo,
sob as premissas liberais com um forte teor patrimonialista25, ou seja, não foi
montado para servir à grande maioria da população, e sim a uma pequena parte
dominante. Portanto era de se esperar que a educação da população não estivesse
entre as prioridades dos governos; e por conta disto, se constata a pouca atenção
que foi dada à educação e seu financiamento na maior parte da história do Estado
Brasileiro.
Dentro deste contexto é possível identificar três momentos do financiamento
da educação no Brasil, cada qual apresentando, pelo menos, uma condição
específica e peculiar. O primeiro é iniciado com a chegada dos jesuítas ao País em
1549 e se estende até a sua expulsão em 1759 pelos portugueses. Este momento
se caracteriza pela total omissão do Estado (representado pela coroa) que delegou
àquela ordem religiosa a concessão sobre escolas públicas, se ausentando por
completo do financiamento.
O segundo começa com a expulsão dos jesuítas e se estende até o fim da
República Velha, em 1930; é marcado por tentativas de se buscar fontes autônomas
de financiamento e delegação da oferta de educação aos estados e municípios,
(deixando a educação por conta das dotações orçamentárias destas esferas
administrativas, mostrando mais uma vez, a omissão e ausência do Governo Federal
em relação à educação).
E, por fim, o terceiro momento, que começa de verdade com a promulgação
da Constituição de 1934 e vem até os dias de hoje, com a vinculação constitucional
de recursos separando percentuais mínimos obrigatórios para a educação (isto só
foi consolidado com a Carta Constitucional de 1988) todos oriundos do tesouro
nacional. (MENEZES, 2005)
Vamos descrever, historicamente, alguns dos aspectos mais importantes que
envolvem os caminhos percorridos pelo financiamento da educação -a partir das
Constituições Federais- visando destacar algumas posições e situações que

25
Sobre Patrimonialismo ver Sorj (2001).
88

consideramos relevantes em função das ações do Estado Federal frente à educação


no Brasil. Desta forma vamos descrever, em cada Constituição, os principais
aspectos sobre financiamento da educação.
Antes, porém, vamos resumir algumas das iniciativas para financiar a
educação no Brasil durante o período colonial, reafirmando que o objetivo desta
seção não é realizar um resgate exaustivo da temática, mais sim trabalhar com
algumas das medidas mais relevantes em relação ao financiamento educacional.

4.1 EDUCAÇÃO E FINANCIAMENTO NO BRASIL COLONIAL

O Brasil já demonstrava que não dava à atenção necessária à educação


desde o período colonial, sempre com investimentos insuficientes e escassez de
recursos, situação que perdura até aos dias de hoje. A comprovação disto é que
ainda hoje essa luta por mais investimentos e recursos se encontra presente entre
as principais reivindicações dos que militam no campo educacional e que defendem
a melhoria do ensino a partir de uma concepção de educação inclusiva com
qualidade como o principal vetor do desenvolvimento social.
Podemos elencar as parcas iniciativas da Coroa Portuguesa no sentido de
proporcionar financiamento para algumas poucas ações educativas a partir da
chegada dos jesuítas ao País na metade do Século XVII. Ressaltando, no entanto,
que nunca houve neste período, maiores preocupações com a inclusão,
universalidade ou qualidade.
Registramos alguns financiamentos pontuais para determinadas iniciativas de
educação por parte dessa vertente religiosa que estava mais preocupada em
catequizar (em função dos seus próprios interesses religiosos que também
continham forte teor econômico e político).
A educação no Brasil começou oficialmente com a chegada dos jesuítas ao
País com o aval da Coroa de Portugal. O primeiro registro de financiamento em
terras brasileiras se deu com o Colégio da Bahia, situado em Salvador-BA, que
recebia subsídio oficial para seu funcionamento, isto em meados de 1564.
Santos (2010) ressalta que durante muito tempo não se teve registros de
outras iniciativas de relevância, com exceção da criação da primeira instituição de
ensino superior, mais de um século depois: a Escola de Artilharia e Arquitetura
Militar no Rio de Janeiro em 1699.
89

Durante dois séculos os jesuítas, além de comandarem a educação na


Colônia Portuguesa, acumularam riquezas por conta de diversos privilégios
concedidos pelo Rei de Portugal (terras, gado, fazendas) sob a justificativa de
autofinanciar a educação. Em meados de 1759, a concessão dada pela Coroa
Portuguesa se encerra e os jesuítas são expulsos do Brasil pelo Marquês de
Pombal. Os motivos não foram de ordem pedagógica, como se alegou na época,
mas sim associados às questões econômicas e políticas.
Mesmo com a expulsão dos jesuítas, pouco muda em relação à educação e
seu financiamento; são observadas apenas algumas iniciativas em com recursos do
tesouro. A primeira é o Alvará Régio de junho de 1759 que coloca a educação sob a
responsabilidade da Corte Portuguesa, excluindo as demais instituições religiosas
que haviam permanecido no país, mas que não avança nem relação ao
financiamento e nem ao aumento da oferta de vagas para a população. (SANTOS,
2010)
A segunda iniciativa importante remonta ao ano de 1772, e foi denominada de
Carta Régia, que criou o subsídio literário que era destinado ao pagamento dos
mestres nomeados pelo governo e tinha como fonte os impostos sobre vinhos e
bebidas “espirituosas”.
Em 1816 há registros de um fundo criado por negociantes para atender a
algumas ações educativas no Brasil. No entanto, por se tratar de uma iniciativa
específica, de um determinado grupo social, não se tem registros de qualquer
planejamento, nem se sabe se essas ações estavam a serviço dos interesses de
instituições e pessoas ligadas a esse grupo.
Não podem ser, portanto, classificadas como ações públicas de financiamento
da educação. Em resumo: podemos considerar que durante o período colonial
praticamente não se observou financiamento público para a educação. E
considerando que nesta época a escravidão era a base da força produtiva brasileira
era de se esperar que a educação ficasse fora do alcance desta maioria
populacional. (SANTOS, 2010).

4.2 FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO E AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.

Esta seção descreve as principais iniciativas do Estado Brasileiro, no que se


refere à educação, no contexto das Cartas Constitucionais, com o objetivo de
90

mostrar o lugar do seu financiamento no conjunto de normas de cada Constituição


Federal. Para isto, utilizamos os trabalhos de Leite (2000); Fávero (2005), Vieira
(2008) e Santos (2010). Lembrando, como já foi dito antes, que não é pretensão
deste estudo fazer uma revisão exaustiva de todos os pontos relativos à educação,
mas sim abordar apenas os que dizem respeito ao financiamento e algumas
questões correlatas a ele.
A primeira Constituição do Brasil, promulgada em seguida à Independência
de Portugal, em 1824, ficou marcada pela adoção de quatro poderes: legislativo,
executivo, judiciário e o moderador, que garantia e mantinha a concentração de
poder nas mãos da realeza.
Em relação à educação, já existiam registros de discussão sobre ensino
gratuito com os salários dos professores sendo bancados pelo tesouro nacional,
mas é importante que se diga que a oferta de ensino gratuito seria exclusivamente
no nível primário. O título 8°, Artigo 179, XXXII diz: A instrução primária é gratuita
para todos os cidadãos e no seguinte XXXIII afirma: A Constituição garante colégios
e Universidades, onde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e
Artes. Mas não se refere ao financiamento, pelo menos diretamente.
Em 1834, através de Ato Adicional, é determinado que a responsabilidade
pela oferta e manutenção do ensino primário e secundário seja das províncias, mas
com a competência normativa do Governo Central. Já se observa, nesse
movimento, uma descentralização da oferta de educação e uma caminhada em
direção ao federalismo educacional no País. Logo em seguida foi promulgada uma
lei que transferiu para as províncias a obrigação de promover a educação pública,
assim como de criar e manter os estabelecimentos próprios e necessários ao
cumprimento desta lei. (CURY, 2010)
Nesta época, os recursos para a oferta de ensino público eram escassos em
todas as esferas no nível federal uma vez que todos dependiam dos repasses da
Coroa para se manterem. Na educação, a situação ainda se agravava mais pela
falta de professores qualificados para desempenhar suas funções, desenhando um
quadro indesejável que, de certa forma, perdura até os dias de hoje em boa parte do
território nacional. (LEITE, 2000)
Alguns problemas referentes àquela época são bem familiares para os que se
dedicam a estudar o campo educacional no Brasil nos dias de hoje. Por exemplo:
deficiência no número de escolas; falta ou precariedade nas estruturas das escolas,
91

carência de material didático, professores não qualificados, falta de professores,


falta de escolas de formação de professores, baixos salários para os profissionais da
educação, falta de envolvimento e de participação da sociedade nos processos
educativos, altos índices de pobreza da população dificultando o acesso ao ensino,
distanciamento das províncias em relação ao Governo Central dificultando a
articulação entre estes níveis de governo.
Alguns destes problemas permanecem e são latentes até os dias de hoje,
resultantes do pouco investimento e da pouca atenção que a educação
historicamente obteve dos governantes no Brasil.
Importante lembrar algumas tentativas de implantação de financiamentos da
educação pública voltados para atender uma parcela mínima da população (por isso
foram consideradas tímidas diante da realidade do País) quando o Brasil ainda se
encontrava imerso na economia escravocrata e patriarcal dos senhores de engenho
e dos grandes proprietários de terras que dominavam politicamente as províncias e
a economia local.
A educação não era nem de longe prioridade no País, mas, mesmo assim, em
1835 foi fundada a primeira Escola de Formação de Professores em Niterói (RJ) e
em 1837 a Coroa funda o Colégio Pedro II, ambos mantidos pelo Governo Central.
Ocorreram duas tentativas de reforma da educação durante a vigência da
Carta Constitucional de 1824: a primeira denominada Reforma Couto Ferraz, que
introduziu a inspeção escolar em todos os estabelecimentos de ensino (particulares
e públicos) criando critérios para nomeação, demissão e vantagens aos professores
que até então inexistiam. A segunda -denominada de Reforma Leôncio de Carvalho-
buscou dar mais liberdade ao ensino e criou a obrigatoriedade do ensino primário e
do auxílio por parte do Governo Central para a criação de mais escolas normais nas
províncias. Estas reformas pouco avançaram e não tiveram grandes repercussões
ou efeitos na educação para a maior parte da população da época. (SANTOS, 2010)
Logo após a proclamação da república em 1889, pela primeira vez, a
educação ganha um espaço próprio, ainda tímido, dentro da máquina federal com a
criação do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos por meio do
decreto N˚346 / 1890. Mesmo dividindo espaço com as comunicações, esse
ministério ficou sob a responsabilidade de Benjamin Constant, com a reforma que
promoveu o ensino leigo nas escolas brasileiras, que até então era marcado por um
92

forte teor religioso, por conta da influência da Igreja católica durante o período
monarquista.
Percebe-se que não há referência sobre financiamento da educação nos
demais níveis de ensino ou menção de onde viriam os recursos para as despesas
com o ensino primário, citando apenas que seriam oriundos do tesouro, sem
especificar percentuais ou valores a serem aplicados na educação.
A Constituição de 1891 praticamente ignorou a educação e a relegou a um
plano secundário em relação ao projeto de nação pretendido. Na verdade a
educação aparece na Secção II da Declaração dos Direitos, no Artigo 72 § 6°: Será
leigo o ensino ministrado nos Estabelecimentos Públicos.
E foi tratada como condicionalidade para o cidadão ter o direito a voto,
estabelecendo aí uma contradição já que, por um lado a educação é praticamente
esquecida pela Carta Constitucional, mas por outro é tratada como a principal
condição para o cidadão participar da vida política do País. Apenas em meados
de1924 -com o surgimento do movimento renovador liderado por Anísio Teixeira,
Fernando de Azevedo e Lourenço Filho- é que a discussão sobre o ensino público
adquire maior relevância na sociedade, com a Escola Nova pregando que a nação
como um todo assumisse a reconstrução da sociedade através da escola pública
obrigatória e gratuita. (LEITE, 2000)
A Constituição 1934 finalmente trata da questão do financiamento da
educação, ao buscar reorganizar o regime democrático no País para tentar atingir
condições mais dignas com mais justiça social e bem estar para a população. Com
isto a educação não poderia continuar relegada a planos secundários dentro do
contexto do desenvolvimento da sociedade, período em que a economia inicia um
novo ciclo: o da substituição de Importação que substituiu o ciclo agroexportador
dominante desde a colônia.
O Brasil entra numa nova fase de industrialização com a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder, revogando a Constituição de 1891. Esse novo governo buscou
efetivar a industrialização do País; privilegiando as indústrias nacionais, adotando
novas leis voltadas para a regulamentação do mercado de trabalho, estabelecendo
medidas protecionistas, substituição de mão de obra estrangeira por nacional e
investimentos em infraestrutura. Assim, neste período, a indústria nacional cresceu
significativamente, porém ficando restrita às grandes cidades do Sudeste, gerando
quadro de grandes desigualdades regionais.
93

A mão de obra industrial era formada quase toda no eixo Rio/São Paulo.
Algumas condições internas e externas influenciaram este movimento: o grande
êxodo rural devido à crise do café, com aumento da população urbana que foi
constituir um mercado consumidor e mão de obra; a redução das importações e o
aumento das exportações em função da crise a partir da 2ª Guerra Mundial, que
favoreceu o desenvolvimento industrial, livre de concorrência estrangeira.
As reivindicações do Movimento Renovador da Educação foram consideradas
fundamentais para a elaboração da Constituição de 1934. Medidas como a
obrigatoriedade do financiamento da educação por meio da aplicação de recursos
públicos oriundos do tesouro, determinação de percentuais mínimos a serem
aplicados pela União, estados da federação e municípios na educação e a criação
de fundos especiais de educação foram grandes inovações para aquela época.
(FÁVERO, 2005)
Destacamos alguns artigos desta Carta Constitucional como avanços
significativos que tiveram repercussões no campo educacional décadas depois. O
primeiro se trata do Artigo 149 que diz: “a educação é direito de todos e deve ser
ministrada pela família e pelos poderes públicos”. O segundo destaque é o Artigo
150 que determina que as diretrizes da educação nacional fiquem sob a
responsabilidade da União. Em terceiro, tem o Artigo 151 que dizia: respeitando as
diretrizes da União, o Distrito Federal e os estados da Federação teriam
competência para organizar e manter seus próprios sistemas educativos. Em
paralelo foram criados os Conselhos Estaduais de educação em consonância com o
Conselho Nacional de Educação.
Em relação ao financiamento da educação, encontramos a questão da
vinculação orçamentária destinando recursos do tesouro exclusivamente para serem
aplicados em gastos educacionais. O Artigo 156 diz: a União e os Municípios
aplicarão nunca menos que dez por cento, e os Estados nunca menos que vinte por
cento da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos
sistemas educacionais. E, por último, encontramos a criação de fundos específicos
para educação no Artigo 157: A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão
parte de seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de
educação.
Determinava que os recursos viessem das sobras de dotações
orçamentárias, doações e percentagens sobre produto de vendas de terras públicas,
94

taxas especiais para a aplicação exclusiva em obras educativas determinadas em


lei. Por outro lado é bom lembrar que esta Constituição durou apenas três anos já
que foi revogada pelo Estado Novo (golpe promovido por Getúlio Vargas em 1937).
Mesmo com alguns avanços constitucionais não houve tempo suficiente para
combater alguns dos principais problemas da educação no Brasil; ou seja, nem com
a vinculação de recursos e a criação de um Ministério da Educação, foi possível se
reverter, ao menos em parte, a realidade educacional e social do país. (FÁVERO,
2005).
A Constituição de 1937 esteve a serviço de um Estado Nacional forte e
centralizado, promoveu algumas reformas sociais e econômicas, mas em relação à
educação se mostrou bastante conservadora. Isto porque deixou de tratar
importantes conquistas, como o financiamento da educação e suas fontes de
recursos, por exemplo. De forma autoritária e discriminatória reserva aos mais
pobres o ensino profissional através do Artigo 129: O ensino vocacional e
profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o
primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando
institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos
Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
E no Artigo 130 retira do texto a obrigatoriedade de escola pública gratuita a
todos os jovens: o ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porem não
exclui o dever dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da
matrícula, será exigida aos que alegarem, ou notoriamente não puderam alegar
escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.
Era necessário comprovar a condição de pobreza para frequentar uma escola
pública gratuitamente, lembrando que estas classificações, geralmente, são
construídas através de índices controversos, ainda mais naquela época, que
terminam prejudicando boa parcela da população, além de criar mais um mecanismo
discriminatório entre as classes sociais. (SANTOS, 2010)
A Constituição de 1946 revogou por completo a anterior e tratou a educação
de uma maneira mais cuidadosa ao promover algumas conquistas importantes no
texto final, isto em comparação com as suas antecessoras.
É importante ressaltar que essa constituição foi elaborada no pós-guerra e ao
fim do período autoritário do Estado Novo, ou seja, num ambiente interno e externo
que demandava por democracia, justiça social e liberdade. Este ambiente, com
95

certeza, influenciou a elaboração do texto e facilitou a inserção de avanços


importantes para o campo educacional. Destacamos alguns pontos como o Artigo 5º,
item XV, letra D, que em relação à educação diz: compete à União legislar sobre as
diretrizes e bases da educação nacional.
Foi definida a competência pela legislação e planejamento da educação.
Outro avanço relevante consta no Artigo 166: a educação é um direito de todos e
será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos
ideias de solidariedade humana.
Este mesmo artigo traz alguns os princípios básicos como (1) O ensino
primário é obrigatório e será dado em língua nacional; (2) As empresas industriais,
comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a
manter o ensino primário gratuito para seus servidores e filhos destes e (3) As
empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação,
aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer,
respeitados os direitos dos professores.
Porém, é possível verificar que a educação ainda só é gratuita para todos no
ensino primário. Os demais níveis, os posteriores, ficaram a depender da
comprovação da falta de recursos para pagar pela educação, mostrando certa
contradição em relação ao artigo 166 que fala educação como direito de todos.
Apesar de deixar de avançar mais, em relação ao acesso à educação publica
para todas as classes sociais, esta Carta Constitucional retoma a questão do
financiamento com recursos vinculados ao orçamento no Artigo 169: Anualmente a
União aplicará nunca menos que dez por cento, os Estados e o Distrito Federal
nunca menos que vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção
e desenvolvimento do ensino. (SANTOS, 2010)
E ainda promoveu um movimento descentralizador na educação ao permitir
no Artigo 171, que Estados e o Distrito Federal tivessem o direito de organizar seus
sistemas de ensino. Com esta descentralização de recursos da educação, diversos
planos estaduais de educação são postos em prática e viabilizam a criação de
instituições voltadas para a formação do trabalho e para a alfabetização de maiores
de dez anos.
Ainda no contexto desta Constituição, após treze anos de disputas entre
defensores da escola pública universalizada e interesses privatistas, em 1961 entra
em vigor a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024); e em 1962
96

passa a vigorar o primeiro Plano Nacional de Educação, elaborado pelo Conselho


Nacional de Educação, o qual decidia a aplicação e a metodologia de distribuição do
Fundo Nacional.
O plano trouxe alguns avanços como: (1) Metas Educacionais com a
constituição dos Fundos Nacionais; (2) Metas Quantitativas de matrículas nas
etapas de ensino e (3) Metas Qualitativas de ensino, incluindo diplomação de
professor, jornada de seis horas diárias em atividades escolares. (SANTOS, 2010,
p.37)
Em 1967, em pleno regime autoritário e de exceção, o projeto para o País
estava voltado quase que exclusivamente para a expansão da economia. No
período conhecido como os tempos do desenvolvimentismo e do chamado “milagre
econômico brasileiro”, passa a vigorar uma Constituição nova, onde o ensino básico
fica em segundo plano e o Estado privilegia a expansão do ensino superior privado e
da pós-graduação.
Vários retrocessos são observados com a adoção do novo texto constitucional
como: as retiradas da vinculação de receitas para o financiamento da educação e a
garantia ao direito à educação gratuita e pública apenas para os brasileiros na faixa
de idade de sete a quatorze anos (Artigo 168).
Este artigo, além de criar um critério etário que ignorou os problemas relativos
às distorções idade/série existentes em todo o território nacional, (dificultando ainda
mais o acesso para os favorecidos que têm maiores dificuldades para frequentar à
escola), também manteve o critério de classe social para o acesso ao ensino gratuito
após o ensino fundamental.
Em 1971, durante o governo Médici (caracterizado pela violência e
intolerância contra os que defendiam a retomada da democracia), surgiu a Lei 5.962
que concedia aos municípios a restauração de tributos e órgãos, Fundos e
despesas. O Artigo 59 determinava em seu parágrafo único: “os municípios
destinarão à educação e à cultura um mínimo de 20% (vinte por cento) das
transferências que lhe couberem no Fundo de Participação, na forma que vier
estabelecida em ato do poder executivo”.
Esta Carta Constitucional ainda sofre diversas alterações até chegar a
Emenda Calmon de (EC N°24/1983) que retoma o modelo de vinculação de
recursos orçamentários para serem gastos com educação ao inserir em seu texto:
anualmente, a União aplicará nunca menos que treze por cento e os Estados, o
97

Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita


resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
De certa forma, no ocaso do regime militar e já se vislumbrando uma abertura
democrática, o governo da época reconhece que o financiamento da educação exige
e necessita da vinculação orçamentária a fim de garantir minimamente a
manutenção e desenvolvimento do ensino público no País. Neste sentido, observa-
se o reconhecimento no texto constitucional da importância do financiamento com
vinculação de recursos orçamentários para gastos com educação no Brasil e
consequentemente, a obrigação do Estado em garantir este direito. (SANTOS, 2010)
A Carta Constitucional de 1988 ficou conhecida como “A Constituição Cidadã”
e representou a retomada democrática resultante de lutas intensas e demandas
oriundas da mobilização de diversos segmentos sociais como: associações
comunitárias, sindicatos e confederações de trabalhadores, entidades de classe,
setores progressistas da igreja, e muitas outras entidades comprometidas com a
democracia e a liberdade no Brasil.
A educação conheceu avanços nunca vistos em outras assembléias
constituintes que significaram uma reconstrução do campo educacional no Brasil.
Isto foi realizado, em grande parte, a partir do resgate de algumas importantes
bandeiras históricas.
Entre elas, destacam-se as propostas de Anísio Teixeira, que foram
resgatadas, defendidas e debatidas na Constituição de 1988, e se materializaram
em conquistas relevantes para toda a sociedade em relação à educação inclusiva,
gratuita, de qualidade e pública. Porém é importante observar que nesta época o
Brasil estava discutindo ainda uma agenda de avanços propostos em meados da
década de 1920. (LIMA et AL, 2005)
A obrigatoriedade da gratuidade na educação pública para todos os
brasileiros, incluída na CF/88, foi o princípio social básico na busca por igualdade
para todos os cidadãos -de qualquer classe social e condição- primordial para se
avançar no combate às grandes desigualdades sociais existentes até hoje em nosso
País.
A confirmação da vinculação orçamentária do financiamento educacional, nos
três níveis de governo, consolida a descentralização dos recursos educacionais no
contexto de um Estado Federalista (lembrando que, no texto final da Carta de 1988
os municípios foram alçados à condição de entes federados).
98

Também termina por confirmar a defesa de importantes premissas defendidas


para o campo educacional: gestão democrática, regime de colaboração e educação
inclusiva com qualidade. Isto criou a expectativa de que era possível se garantir
ensino público, gratuito e de qualidade para os todos os cidadãos brasileiros como
caminho para o desenvolvimento. Para Cabral (2009, p.17):

“A constituição Federal de 1988 estabeleceu que a educação é um direito


social e definiu que os responsáveis pelo seu provimento são o Estado e a
família com a colaboração da sociedade. Para resguardar o direito à
educação, o Estado estabeleceu a estrutura e as fontes de financiamento.
Ao determinar a vinculação de recursos para a educação, a CF de 1988
garantiu os mínimos orçamentários para Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino (MDE), que são 18% (dezoito por cento) da receita da União e 25%
(vinte e cinco por cento) das receitas dos Estados, Distrito Federal e
Municípios, resultantes de impostos e transferências. Embora a ideia de
fundos para a educação não seja nova ela é a junção de três políticas: a de
vinculação de tributos para a manutenção e desenvolvimento do ensino
(MDE); a de suplementação de recursos da União para Estados e
Municípios, a fim de superar desequilíbrios regionais; e a de equidade na
distribuição dos recursos da educação, considerando as demandas das
diversas redes públicas nas etapas e modalidades de ensino”.

Vamos abordar avanços importantes referentes à educação, contidos no texto


Constitucional de 1988 inspirados em lutas históricas iniciadas pelos membros do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Mais de 50 anos depois,
finalmente, o Brasil começava a colocar em prática algumas dessas bandeiras
educacionais.
Assim destacamos os Artigos constitucionais 205, 206, 208, 211 e 212 para
mostrar estes avanços em relação ao financiamento da educação, que traz junto
questões fundamentais como: gestão democrática, regulação, controle social e
participação da sociedade.
O Artigo 205 estabeleceu a educação como “direito de todos e dever do
Estado e da família, que será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
No texto, Estado e família possuem deveres com a educação, porém, o
primeiro deve ser considerado como principal responsável pela oferta e provimento
de educação, até porque em alguns casos pode ocorrer falta ou omissão da família.
99

Também fala em colaboração da sociedade como algo importante no processo e no


desenvolvimento do cidadão como paradigmas da sociedade democrática.
O quadro abaixo descreve os principais pontos dos Artigos 206, 208, 211 e
212 que tratam de importantes conquistas na educação em relação ao
financiamento, gestão democrática, regime de colaboração, controle social e
participação da sociedade contemplando também as alterações realizadas por meio
de Emendas Constitucionais (EC) ao longo dos anos. (CABRAL, 2009)
Quadro 6 - Educação e Financiamento na Constituição 1988
Artigo 206. O ensino Artigo 208. O dever Artigo 211. A União, Artigo 212. A União
será ministrado com base do Estado com a os Estados, o Distrito aplicará, anualmente,
nos seguintes princípios: educação será Federal e os nunca menos de
efetivado mediante a Municípios dezoito, e os Estados,
garantia de: organizarão em o Distrito Federal e os
regime de Municípios vinte e
colaboração seus cinco por cento, no
sistemas de ensino. mínimo, da receita
resultante de
impostos,
compreendida a
proveniente de
transferências, na
manutenção e
desenvolvimento do
ensino.
I - igualdade de I - educação básica § 1º - A União § 1º - A parcela da
condições para o acesso obrigatória e gratuita organizará o sistema arrecadação de
e permanência na escola; dos 4 (quatro) aos 17 federal de ensino e o impostos transferida
(dezessete) anos de dos Territórios, pela União aos
idade, assegurada financiará as Estados, ao Distrito
inclusive sua oferta instituições de ensino Federal e aos
gratuita para todos os públicas federais e Municípios, ou pelos
que a ela não tiveram exercerá, em matéria Estados aos
acesso na idade educacional, função respectivos
3
própria. redistributiva e Municípios, não é
supletiva, de forma a considerada, para
garantir equalização efeito do cálculo
de oportunidades previsto neste artigo,
educacionais e padrão receita do governo
mínimo de qualidade que a transferir.
do ensino mediante
assistência técnica e
financeira aos
Estados, ao Distrito
Federal e aos
1
Municípios.
II - liberdade de aprender, II - progressiva § 2º - Os Municípios § 2º - Para efeito do
ensinar, pesquisar e universalização do atuarão cumprimento do
divulgar o pensamento, a ensino médio gratuito. prioritariamente no disposto no "caput"
2
arte e o saber. ensino fundamental e deste artigo, serão
1
na educação infantil. considerados os
sistemas de ensino
federal, estadual e
municipal e os
recursos aplicados na
100

forma do Artigo 213.


III - pluralismo de ideias e III - atendimento § 3º Os Estados e o § 3º A distribuição dos
de concepções educacional Distrito Federal recursos públicos
pedagógicas, e especializado aos atuarão assegurará prioridade
coexistência de portadores de prioritariamente no ao atendimento das
instituições públicas e deficiência, ensino fundamental e necessidades do
1
privadas de ensino; preferencialmente na médio. ensino obrigatório, no
rede regular de que se refere a
ensino; universalização,
garantia de padrão de
qualidade e equidade,
nos termos do plano
nacional de educação.
3

IV - gratuidade do ensino IV - educação infantil, § 4º Na organização § 4º - Os programas


público em em creche e pré- de seus sistemas de suplementares de
estabelecimentos oficiais; escola, às crianças ensino, a União, os alimentação e
até 5 (cinco) anos de Estados, o Distrito assistência à saúde
2
idade. Federal e os previstos no Artigo
Municípios definirão 208, VII, serão
formas de financiados com
colaboração, de modo recursos provenientes
a assegurar a de contribuições
universalização do sociais e outros
3
ensino obrigatório. recursos
orçamentários.
V - valorização dos V - acesso aos níveis § 5º A educação § 5º A educação
profissionais da educação mais elevados do básica pública básica pública terá
escolar, garantidos, na ensino, da pesquisa e atenderá como fonte adicional
forma da lei, planos de da criação artística, prioritariamente ao de financiamento a
2
carreira, com ingresso segundo a capacidade ensino regular. contribuição social do
exclusivamente por de cada um; salário-educação,
concurso público de recolhida pelas
provas e títulos, aos das empresas na forma da
2 2
redes públicas. lei.
VI - gestão democrática VI - oferta de ensino
do ensino público, na noturno regular,
forma da lei; adequado às
condições do
educando;
VII - garantia de padrão VII - atendimento ao
de qualidade. educando, em todas
as etapas da
educação básica, por
meio de programas
suplementares de
material didático-
escolar, transporte,
alimentação e
3
assistência à saúde.

Quadro 3.1: Fonte: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, Senado, 1998.

Códigos das alterações por meio das Emendas Constitucionais:


1- Redação alterada pela EC de Nº 14/1996.
2-Redação alterada pela EC de Nº 53/2006.
3- Redação alterada pela EC de Nº 59/2009.
101

O texto constitucional de 1988 recebeu algumas modificações por meio de


Emendas Constitucionais (EC) entre as quais destacamos a N˚ 14/ 1996 que criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF).
Ao final deste mesmo ano foi publicada em 20 de dezembro de 1996 a Lei Nº
26
9.394 que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional (LDB/96)
definindo as responsabilidades das esferas de governo sobre as etapas e
modalidades de ensino, assim como a organização do fundo de financiamento dos
recursos para o pagamento dos professores e para as despesas com manutenção e
desenvolvimento do ensino e em seguida no dia 24/12/1996 foi promulgada a Lei Nº
9.424 que regulamentou o Fundef27.
Dez anos depois temos a EC Nº 53/2006 que criou o substituto do Fundef, o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamentado pela Lei Nº
28
11.494/2007 .
A Emenda Constitucional Nº 59/2009 propôs importantes mudanças em
relação ao ensino obrigatório e gratuito que, passa a ser dos quatro aos dezessete
anos de idade, a ser implementado progressivamente, até 2016, obedecendo aos
termos do Plano Nacional de Educação (PNE) e com apoio técnico e financeiro da
União.
Avançou ainda mais ao alterar o artigo 214, que passa a exigir, por meio de
lei federal, um PNE de duração decenal, com o objetivo de articular o Sistema
Nacional de Educação (SNE) em regime de colaboração, além de definir: diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e
desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades.
Exigiu também o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos
em educação como proporção do produto interno bruto. É inegável que esta EC se
constitui como um avanço em direção à estruturação da educação no Brasil através
de instrumentos de planejamento, estabelecimento de metas e fonte de recursos
constitucionais vinculadas ao PIB nacional e a vinculação do PNE a criação de um
Sistema Nacional de Educação ainda por ser discutido.

26
Informações sobre a LDB/96 disponíveis em http://www.planalto.gov.br
27
Detalhado na seção seguinte.
28
Detalhado na seção seguinte.
102

4.3 FUNDOS PÚBLICOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: O FUNDEF E FUNDEB

O Fundef foi criado por meio da EC N°14/96 e regulamentado pela Lei N°


9.424/96 e pelo Decreto Lei 2.264/97. Fundos públicos são formados por recursos
oriundos de pagamentos de impostos, contribuições e taxas estabelecidas pela
legislação podendo estar direcionadas para o campo social e/ou econômico.
Em geral esses fundos são utilizados para financiar programas direcionados
para a área social (educação, saúde, segurança, assistência, etc.) e também para o
setor econômico, oferecendo subsídios que visam estimular a capacidade produtiva
em setores estratégicos como agricultura e/ou indústria e até mesmo servir como
instrumentos para subsidiar juros e/ou empréstimos. (SOUSA, 2009)
O Fundef foi criado com vigência de 10 anos onde a aplicação dos seus
recursos foi dividida entre de 60% (no mínimo) para capacitação e remuneração dos
professores e profissionais da educação e 40% para a manutenção do ensino. O
Fundef era um fundo público estadual de natureza contábil29 composto por 15% dos
recursos provenientes de impostos e repasses (FPE; FPM; ICMS, IPI-Exp;
Ressarcimento pela Desoneração das Exportações – Lei complementar 87/96 1996
– Lei Kandir)30.
O Fundef serviu como mudança nas transferências federais para esferas
subnacionais e como principal mecanismo de repasses de recursos entre União,
estados da Federação e municípios. Utilizava o número de alunos matriculados nas
redes de ensino público como principal critério para estabelecer o valor a ser
recebido pelas esferas subnacionais. Este mecanismo se constituiu como uma
importante modificação na relação regulatória entre Governo Federal e as demais
unidades subnacionais por que definiu as responsabilidades de cada esfera
governamental sobre as etapas e modalidades de ensino e, ainda, estabeleceu as
condicionalidades necessárias para o recebimento dos repasses de recursos.
(GUIMARÃES, 2009)

29
A natureza estadual do Fundef é por que este fundo foi constituído no âmbito de cada estado; de
natureza contábil por atrelar-se apenas à alocação e redistribuição de recursos.
30
FPE: Fundo de Participação dos Estados, FPM: Fundo de Participação dos Municípios, ICMS:
imposto sobre circulação de mercadorias, IPI-Exp. : imposto sobre produtos industrializados
referentes aos produtos exportados e os recursos a titulo de compensação financeira, pela perda de
receitas decorrentes da desoneração de exportações, de que trata a Lei Complementar de número
87/96, conhecida como Lei Kandir.
103

A relação entre número de alunos matriculados e repasse de recursos


provocou uma ‘obrigação’ para os entes federados partirem em busca de aumentar
o número de alunos frequentando efetivamente à escola, além de ‘forçar’
investimentos direcionados para as condições de acesso e manutenção desses
alunos, porém se verificou também, em determinadas localidades, tentativas de
“inchamento” das redes com o objetivo de obter mais recursos do fundo. (SOUZA,
2005)
O Fundef foi reconhecido como um dos principais responsáveis pelo
processo de municipalização do ensino fundamental ao fim dos anos 1990 e foi
considerado, à época, como uma inovação institucional na gestão da educação, por
conta do seu caráter redistributivo dos recursos e seu poder regulatório, já que não
foi registrado nenhum incremento significativo aos recursos já existentes para a área
educacional.
Esta redistribuição foi concretizada e operacionalizada politicamente por meio
de uma engenhosa estrutura de incentivos que visava garantir a adesão dos entes
federados com o objetivo de se atingir à universalização do ensino fundamental no
Brasil com mais agilidade. Foram também criados mecanismos de transparência e
controle- como a conta única e os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social
(Cacs)- que contavam com a participação de segmentos do governo municipal, dos
diretores e professores das escolas públicas municipais, servidores e técnicos da
educação e dos pais de alunos, representando a sociedade civil. Funcionavam como
condicionalidades para o recebimento dos recursos do fundo por parte esferas
subnacionais.
Por outro lado, o Fundef foi muito criticado por diversos estudiosos e
especialistas pela focalização no ensino fundamental em detrimento às demais
etapas e modalidades educacionais, num claro e grave erro de concepção, já que a
educação deve ser compreendida e concebida na sua totalidade.
O bom desempenho de um nível depende dos anteriores, o que significa que
a política educacional deve considerar todos os níveis e modalidades de ensino (da
educação infantil até a pós-graduação) para poder alcançar os patamares desejados
de qualidade.
Houve críticas também no que se refere ao financiamento, porque o fundo
não trouxe novos recursos para o sistema, de modo que o avanço se restringiu na
melhoria e racionalização de recursos já existentes. Em relação a este contexto
104

Davies (2006, p. 757) faz um importante alerta de que a Esfera Federal deixou de
cumprir com grande parte das suas contrapartidas de recursos sob sua
responsabilidade e afirma:

“[...] o Governo Federal, FHC a Lula, não cumpriu o artigo da lei do Fundef
(n.9.424) que estabelece o critério de cálculo do valor mínimo nacional, que
serviria de base para o cálculo da complementação federal. Essa
irregularidade, reconhecida no relatório do GT criado pelo MEC em 2003,
significou que ele deixou de contribuir com mais de R$ 12,7 bilhões de 1998
a 2002. Como essa irregularidade continuou de 2003 a 2006, a dívida do
Governo Federal com o Fundef, tendo em vista a Lei n. 9.424, alcançará o
valor em torno de R$ 30 bilhões até o final de 2006”.

Mesmo considerando que a União não cumpriu com a sua parte, em relação à
suplementação de recursos, o Fundef conseguiu avançar sobre a diminuição das
desigualdades educacionais, notadamente em pequenos municípios do Norte e
Nordeste, em sua maioria pobre e com estruturas educacionais deficientes, ao
minimizar as precárias condições de trabalho e os baixos salários dos professores,
além de proporcionar um pouco mais de equidade na distribuição dos recursos nas
cinco regiões do País. O programa conseguiu cumprir, em parte, seu papel em
relação ao objetivo de combater e diminuir as desigualdades educacionais no Brasil.
Porém, é importante ressaltar que estes avanços se mostraram insuficientes
para se conquistar as melhorias necessárias para o aumento da qualidade da
educação no Brasil. O viés neoliberal, largamente adotado durante os governos FHC
(1995-2002), levou os programas educacionais a priorizarem o acesso ao ensino
fundamental, em detrimento da qualidade e da aprendizagem, assim como, também,
da permanência dos estudantes no sistema educacional.
Era como se a educação, neste período, fosse restrita ao ensino fundamental,
já que educação infantil e o ensino médio foram colocados em segundo plano. E
para melhorar a gestão escolar bastaria apenas introduzir determinados conceitos e
práticas, importados da administração gerencial, que priorizavam objetivamente o
estabelecimento e alcance de resultados mensurados quantitativamente. O governo
queria a escola como uma empresa, avaliando o ensino como um produto passível
de ser medido por testes padronizados que resultavam em indicadores de eficácia e
eficiência.
Os problemas educacionais nesta época foram olhados e atacados de forma
parcial, refletindo diretamente na qualidade da aprendizagem e consequentemente
no desempenho dos estudantes. O Fundef foi insuficiente, como estratégia e
105

instrumento de combate ao leque de problemas históricos da educação brasileira.


Por conta disto, com o advento do primeiro governo Lula (2003-2007) começou a se
discutir as bases do novo modelo de financiamento para substituir este fundo.
O Fundef seguiu rigorosamente a cartilha das organizações multilaterais
(Banco Mundial, BID, FMI, etc.) ao priorizar a universalização das matrículas do
ensino fundamental, e quanto a isto não se pode contestar seu sucesso já que, de
acordo com dados do INEP/2002, conseguiu atingir o patamar de 97% de alunos
matriculados no país. Mas, não podemos deixar de considerar que, ao priorizar
metas quantitativas de universalização, pecou em relação à qualidade do ensino e
da aprendizagem, que foi esquecida e/ou relegada a um plano inferior, além de ser
demasiadamente excludente por se restringir a uma única etapa de ensino excluindo
as demais etapas e modalidades. Essa lógica foi alvo de duras críticas por parte de
diversos segmentos e estudiosos do campo educacional. De acordo com Militão
(2011):

“Em que pese à variedade de críticas ao FUNDEF, três tornaram-se


consenso entre os estudiosos: (1) concentração de recursos no ensino
fundamental em detrimento das outras etapas e modalidades de ensino que
compõem a educação básica; (2) ausência de dinheiro “novo” para o
sistema educacional brasileiro como um todo; e (3) ínfima – e ilegal –
contribuição da União para o Fundo”. (MILITÂO, 2011, p. 128)
Desta forma diversos setores comprometidos com a luta por educação de
qualidade, conseguiram mais espaço para discutir, reivindicar e exigir a inclusão dos
demais níveis e modalidades de ensino no âmbito dos recursos do novo fundo, além
de garantir ainda mais transparência com melhores condições de participação da
sociedade justamente por que este foi reconhecidamente um dos pontos falhos do
Fundef. Para Martins (2011, p.41):

“O Fundef, inicialmente criou dois mecanismos de transparência: as contas


únicas e os conselhos de acompanhamento e controle social. A conta única
foi o grande mecanismo de transparência. Os conselhos, que constituíam
uma aposta do legislador na participação da cidadania, enfrentaram em
muitos casos obstáculos referentes à conduta patrimonialista, como a
nomeação de membros pelos chefes de executivo, frequentemente
conjugues e parentes da elite dirigente local, ao invés da eleição pelos
pares, indicação dos presidentes e ameaças veladas aos membros
efetivamente fiscalizadores, alguns dos auaís funcionalmente dependentes
da administração (professores e funcionários).”

Lembrando que este quadro descrito esteve em boa parte dos municípios
brasileiros e por isto muitos segmentos defensores da qualidade na educação
passaram a encampar ainda mais intensamente a inclusão, com transparência nos
106

gastos e maior participação da sociedade, num contexto de educação com


qualidade. Educação voltada para a construção da cidadania, apoiado pelo primeiro
governo Lula (2003-2007). Essa postura resgatou bandeiras e lutas históricas que
compartilhavam da visão de priorizar políticas sociais como o caminho mais seguro
para o desenvolvimento do País como um todo.
Assim, diversos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos
com o campo educacional e críticos das diretrizes adotadas nos governos FHC
(1995-2002) ganharam mais espaço e conseguiram participar mais efetivamente das
discussões sobre a ampliação do financiamento da educação, numa perspectiva de
inclusão de todo ensino básico e da inserção da qualidade como objetivo a ser
perseguido pelos programas educacionais.
Estes movimentos resgataram a luta que já vinha sendo travada desde 1994
com a assinatura do Pacto pela Educação31 nos anos de 1996 e 1997 onde diversos
setores da sociedade civil, entidades educacionais e alguns parlamentares
progressistas e comprometidos com o campo educacional se uniram para construir o
Plano Nacional de Educação - Proposta da Sociedade Brasileira32.
Este documento, consolidado na plenária de encerramento do segundo
Congresso Nacional de Educação (II CONED), apresentou os resultados das
discussões realizadas nas diferentes instâncias organizativas e participativas de
diversos eventos em todo País, sintetizando as discussões de mesas redondas,
conferências, apresentação de trabalhos e comunicações e, principalmente,
plenárias temáticas e na plenária final.
Este esforço inédito contou com a presença de diversos setores organizados
da sociedade civil (através de suas entidades científicas, acadêmicas, sindicais,
estudantis, de âmbito nacional e local) e de parcela da sociedade política
representada, sobretudo, por algumas representações de gestões municipais e
alguns parlamentares do Congresso Nacional. Toda essa movimentação de luta em

31
Este pacto de 1994 foi subscrito pelo então ministro da Educação, Murílio Hingel, e pelos
presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), José Carlos de Almeida;
do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), Marcos José de Castro Guerra; da
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Maria Helena Guimarães; do
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE), Iara Sílvia Wortmann, e da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE), Horácio Francisco dos Reis Filho.
Fonte: http://portal.mec.gov.br/arquivos/Bk_pde/piso.html
32
Sobre Plano Nacional de Educação - Proposta da Sociedade Brasileira - consultar:
http://www.adusp.org.br/files/PNE/pnebra.pdf
107

defesa da educação brasileira foi em vão por que a Presidência da República vetou
integralmente o PNE da sociedade.
Em meados de 2004, com o início das discussões sobre o Fundeb, a luta em
defesa da inclusão de todos os níveis, etapas e modalidades do ensino básico ao
financiamento da educação, novamente retorna para a agenda governamental
incorporando todos os segmentos da população (pré - escola ao ensino médio) sem
distinção.
Os principais objetivos do novo fundo foram voltados para combater, de forma
mais eficaz, às grandes desigualdades educacionais existentes entre as diversas
regiões do Brasil e promover melhorias nas condições de acesso e permanência os
estudantes nas redes públicas em todas as etapas e modalidades com ensino de
qualidade. (MARTINS, 2011)
O Fundeb trouxe em seu desenho diversas medidas de correção para
suprimir algumas distorções do Fundef para proporcionar mais equidade na
distribuição dos recursos, diminuir desigualdades regionais e melhorar a qualidade
da educação como um todo. Para Davies (2006), o debate sobre a política nacional
de educação tomou um novo rumo já no início do primeiro governo Lula (2003-
2007):
“Houve uma compreensão de que uma política nacional de atenção à
educação básica teria que passar necessariamente por uma atuação mais
incisiva do Poder Central, isto é, da União, com a constituição de um fundo
que viesse a financiar todos os níveis, etapas e modalidade de ensino
anterior ao ensino superior. Essas são as premissas que nortearam a
proposição do Fundeb” Davies (2006, p. 03).

Desta forma, em 2005, como parte da Proposta de Emenda Constitucional


(PEC) número 415, foi encaminhado pelo Governo Federal para apreciação
definitiva do Congresso Nacional, o texto de criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb) que viria substituir o Fundef em 2007. Foi criado pela Emenda
Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei Nº 11.494/2007 e pelo Decreto
Nº 6.253/2007.
Este fundo criado para durar quatorze anos33 ampliou a base do
financiamento da educação, contemplando a educação infantil, o ensino médio a

33
Definido para o Período- 2007-2020 – com implantação em 1º de janeiro de 2007. Fonte:
http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb
108

Educação de Jovens e Adultos (EJA), ou seja, todos os níveis, etapas e


modalidades de ensino anteriores ao nível superior. Ainda não foi dessa vez que
todas as etapas e modalidades de ensino foram contempladas conjuntamente, mas
é inegável que existiu um grande avanço, visto que apenas o ensino superior
permaneceu de fora do fundo.
Como já foi dito o Fundeb é constituído por uma cota única de impostos
estaduais e municipais pertencentes às esferas subnacionais e foi implantado de
forma gradual, alcançando o percentual definitivo de 20% no terceiro ano. A
proposta deste fundo difere do seu antecessor- Fundef - no que diz respeito aos
impostos que o compõem, visto que a base de contribuição foi ampliada (de acordo
com a Lei N° 11.494 de 20 de junho de 2007 da Presidência da República).
Atualmente é composto por 20% das receitas listadas a seguir: Fundo de
Participação dos Estados – FPE; Fundo de Participação dos Municípios – FPM;
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; Imposto sobre
Produtos Industrializados, proporcional às exportações– IPIexp; Desoneração das
Exportações (LC nº 87/96); Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações –
ITCMD; Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA e cota parte de
50% do Imposto Territorial Rural-ITR devida aos municípios.
Vale lembrar mais uma vez que onde a arrecadação não for suficiente para
garantir o valor mínimo nacional por aluno ao ano, haverá o aporte de recursos
federais, a título de complementação da União. O valor dos investimentos é definido
em função do número de alunos matriculados na educação básica nas unidades
subnacionais, com base no censo escolar do ano anterior.
Adiantamos que o acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a
transferência e a aplicação dos recursos do programa são feitos por conselhos
criados especificamente para esse fim e que devem ser estruturados e financiados
pelos demais entes federados como contrapartida ao repasse dos recursos34.
Contudo, é preciso adotar certa cautela em relação ao otimismo sobre o
aumento dos recursos porque, ao mesmo tempo em que foi ampliada a base de
contribuição, também foram incluídas as demais etapas, modalidades e níveis da
educação que não eram contempladas pelo fundo anterior e que agora passaram a
contar com estes recursos. (DAVIES, 2008).

34
Isto será tratado com mais detalhes no próximo capítulo desta tese.
109

A Emenda 59/2009 amplia as responsabilidades e os gastos dos entes


federados com educação ao determinar: (a) em seu Artigo 1º que os incisos I e VII
do Artigo 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes
alterações: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os
que a ela não tiveram acesso na idade própria; VII - atendimento ao educando, em
todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (b) Em seu
Artigo 3º que o § 3º do Artigo 212 da Constituição Federal passe a vigorar com a
seguinte redação: “a distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao
atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere à
universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do Plano
Nacional de Educação”.
É inegável que estas novas (e necessárias) responsabilidades trazem como
consequência o aumento do gasto com educação, em esferas locais, levando muitos
municípios a terem dificuldades em relação à gestão dos recursos do Fundo, que,
em muitos casos, se apresentam como insuficientes para cobrir as despesas
educacionais.
Precisamos considerar que o fundo ainda vai sentir os efeitos da meta N° 20
do Plano Nacional de Educação (2014-2024) recém-aprovado em junho de 2014,
que assegurou a ampliação do investimento público em educação para atingir dez
por cento (10%) do PIB ao final da década. Isto, justamente por que a distribuição
dos seus recursos é calculada em função do número de matrículas efetuadas em
cada nível ou modalidade de ensino nos municípios e estados da federação,
levando-se em conta a responsabilidade constitucional de cada ente federado e sua
obrigação com a oferta de ensino da educação básica. Isto significa que as
matrículas a serem consideradas para o cálculo dos recursos e serem repassados
aos municípios são àquelas que se referem à sua responsabilidade, no caso
educação infantil e ensino fundamental.
Desta forma estes níveis educacionais ficam de fora do cálculo dos recursos
direcionados aos estados da Federação por que não são de sua responsabilidade
(conta para o cálculo apenas as matriculas do ensino médio). Mesmo que um estado
federativo oferte ensino fundamental ou educação infantil, as matrículas desses dois
110

níveis não contarão para o cálculo dos recursos que terá direito a receber do fundo
por não estarem sob sua responsabilidade. (BRASIL, 2007)
O Fundeb, apesar de ter avançado bastante, ainda apresenta fragilidades,
algumas herdadas do seu antecessor, visto que foram trazidos poucos recursos
novos para o sistema educacional como um todo.
O fundo redistribui 20% de grande parte dos recursos que já são
constitucionalmente vinculados à educação, entre os governos estaduais e
prefeituras, com base no número de matrículas na educação básica. Isto significa
que alguns governos serão beneficiados, mas outros perderão; sobretudo se não
houver complementação federal porque representa a entrada de dinheiro “novo”
para a educação.
É bom ressaltar que para o município receba essa complementação é preciso
que cumpra as exigências de transparência na gestão dos recursos abrindo suas
contas e comprovando a necessidade da complementação da União. Em síntese; o
governo local precisa cumprir com esta contrapartida para poder obter os recursos
complementares da União. Isto é um mecanismo regulatório que força o governo
local a agir com clareza e responsabilidade sobre os gastos educacionais. Porém
grande parte dos municípios não consegue (ou não quer) cumprir com essa
condicionalidade e por isso fica sem acesso aos recursos referentes à
complementação da União. (CRUZ, 2012)
Vamos discutir, no capítulo seguinte, a questão da relação da gestão
democrática na educação e o papel dos Conselhos de Acompanhamento e Controle
Social (CACS). Consideramos estes espaços como estruturas singulares e, também
contraditórias, porque fazem parte da gestão local ao mesmo tempo em que
funcionam/servem como canais de fiscalização, por meio da participação social, no
sentido de garantir maior controle da sociedade sobre os recursos da educação em
esferas administrativas locais.
111

5 OS CONSELHOS DO FUNDEB E A GESTÃO DEMOCRÁTICA: PARTICIPAÇÃO


SOCIAL EM XEQUE

Introdução

Na história recente do Brasil destacamos dois períodos importantes e distintos


a respeito da organização e condução das políticas educacionais: o primeiro,
durante os governos FHC (1995-2002), se caracterizou fortemente pelas orientações
neoliberais ao colocar os paradigmas do mercado como norteadores da
administração pública. Os agentes econômicos foram alçados à condição de
“instrumentos capazes de levar o País a alcançar as transformações sociais
desejadas” mudando a vida das pessoas com a melhoria do acesso aos bens de
consumo.
Nesta época algumas medidas importantes foram tomadas visando incentivar
mais democratização e participação na gestão educacional. Mas insuficientes diante
da lógica neoliberal, ainda por cima num momento de recessão econômica onde a
maior parte da população tinha enormes dificuldades em dispor de serviços públicos
de qualidade, não é por acaso que a qualidade na educação ficou num plano
secundário entre as prioridades do governo daquela época.
O segundo período teve início com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao
governo promovendo um redirecionamento das ações do Estado em relação ao seu
papel e responsabilidade sobre os problemas nacionais em função das diversas
demandas sociais e econômicas emergentes (e urgentes).
A partir daí, a agenda social adquire força e também passa a fazer parte das
principais prioridades do novo governo, levando a gestão das políticas sociais a um
alinhamento mais próximo com a Teoria Liberal Moderna da Cidadania com
influências da Abordagem Socialdemocrata.
Questões emergentes e históricas, como políticas de transferência de renda,
enfretamento da fome, e mudança nos serviços de educação e saúde deficientes e
sem qualidade (e dignidade) entram na ordem de prioridades governamentais. Não
podemos ignorar que diretrizes e práticas neoliberais deixaram raízes profundas no
Estado brasileiro e ainda dominam grande parte do cenário internacional, ou seja,
não houve ruptura no governo Lula (2003-2010) com este modelo, mas sim uma
112

‘acomodação’ das diversas forças e interesses, aliada ao redirecionamento das


ações estatais, agora mais voltadas para o social e, especificamente, para as
camadas mais vulneráveis da população historicamente excluídas.
Vale salientar que a gestão pública brasileira ainda hoje se encontra
influenciada por diversas orientações neoliberais. Assim, questões como
democracia, controle social, participação da sociedade e transparência na gestão da
educação, passaram a ter maior importância e protagonismo na agenda
governamental, mas ainda com influências significativas do neoliberalismo.
(AMORIM, 2006)
É possível observar nos dias atuais que estes processos estão
intrinsecamente associados à redefinição do papel do Estado diante do contexto de
globalização econômica, fortemente influenciada pelas diretrizes neoliberais. Isso,
ao mesmo tempo em que diversos movimentos (de natureza local) reivindicam mais
participação e democracia, ganham visibilidade, pressionam os governantes por
mais espaço em arenas decisórias e no acompanhamento e fiscalização de
programas educacionais. (OLIVEIRA, 2006)
Um aspecto muito importante a ser levado em consideração ainda hoje, que
foi trazido pela globalização, e se refere ao novo perfil do mercado de trabalho que
passou a exigir, cada vez mais das pessoas, escolaridade básica e capacidades
voltadas para: desenvolver múltiplas tarefas, adaptação às novas tecnologias,
treinabilidade, criatividade e comunicação. Isto fez com que as ações
governamentais priorizassem novas formas e mecanismos de gestão educacional,
conduzindo as práticas educativas para o fornecimento da mão de obra demandada
pelo mundo do trabalho (educação voltada ao tecnicismo).
Ainda no contexto das influências neoliberais, as ações governamentais para
a educação se voltaram para reformas administrativas focadas na ‘otimização’ do
gasto público em busca de mais eficiência e eficácia das gestões educacionais, ao
mesmo tempo em que priorizava o desempenho das redes ao invés da
aprendizagem dos estudantes.
Diante deste cenário Cabral Neto e Castro (2011 p. 747) afirmam que:

“A reforma educacional em curso no Brasil insere-se na lógica desse


processo de adaptação da força de trabalho às novas exigências do capital,
ao mesmo tempo em que se articula com a necessidade de redefinição do
papel do Estado, o qual deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social (por meio da redução de seu papel
113

intervencionista), para se fortalecer na função de promotor e regulador


desse desenvolvimento”.

Não é difícil perceber diversas mudanças na gestão da educação brasileira,


nos últimos vinte anos. Foram operadas reformas no sentido de descentralizar a
oferta de ensino básico para as esferas subnacionais que praticamente excluíram a
intervenção direta do poder central; ao mesmo tempo, promoveram seu papel de
Estado regulador e avaliador, em relação ao desempenho das redes educacionais
locais.
Contraditoriamente também foram promovidos movimentos em direção ao
incremento de mais democracia na gestão educacional, com a criação de esferas
institucionais participativas responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização da
sociedade sobre a aplicação dos recursos educacionais (ex. conselhos do Fundeb).
Nestes movimentos contraditórios se encontram inseridas duas das mais
importantes concepções que se articulam e atuam de forma interdependente: gestão
democrática e participação social. São dimensões responsáveis pela presença dos
segmentos sociais no acompanhamento e fiscalização das gestões educacionais
locais (articulados com as representações dos setores governamentais e das
entidades de classe). A presença delas funciona como indicador de exercício de
democracia na educação.
A gestão democrática da educação está legitimada juridicamente na CF/88. O
Artigo 205 trata da inserção da participação da sociedade no campo educacional
afirmando que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. O Artigo 206 determina os princípios sob os quais o
ensino público deve ser ofertado à população, constando entre eles a gestão
democrática no inciso VI.
A Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) também assegurou a concepção de gestão
democrática tratando dos princípios e fins da educação nacional no Artigo 2° que diz
“a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. No Artigo 3º inciso VII determina que “a educação deverá primar pela
114

gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos


sistemas de ensino”, ou seja, não se trata de uma estratégia a ser escolhida ou não
pela gestão educacional, mas sim de uma obrigação constitucional por parte do
Estado em seus três níveis (federal, estadual e municipal).
E, por fim, no Artigo 14 consolida essa concepção ao determinar a
participação dos segmentos sociais no processo determinando que: os sistemas de
ensino definam as normas da gestão democrática do ensino público na educação
básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes
Objetivamente, três fatores são tomados como pilares da gestão
35
democrática na educação: (a) participação da sociedade, (b) transparência nas
ações educativas e na alocação de recursos, (c) descentralização administrativa.
No contexto deste tripé de sustentação, também são identificadas algumas
iniciativas relacionadas às formas e procedimentos de condução das ações
educativas no nível local que indicam gestão democrática como: processos de
escolha de diretores e de representantes para os diversos conselhos da educação, a
presença de projeto político pedagógico elaborado com participação da sociedade,
avaliação da escola, professores, alunos, etc.
A gestão democrática, tanto do ponto de vista pedagógico como em relação
aos aspectos jurídicos, deve estar presente em todas as etapas e modalidades de
ensino. Neste contexto Guimarães (2009, p.33), ao tratar da questão nas
municipalidades, afirma:

“gestão democrática consiste na incorporação da sociedade civil de maneira


autônoma em todo processo decisório. Essa autonomia se expressa por
meio de uma atuação independente do poder executivo municipal, com real
possibilidade de deliberar sobre as questões em pauta. Sem perder de vista
que a sociedade civil pode ter também uma atuação cooperativa, ou seja,
ser um parceiro do poder público. [...] para que uma gestão seja
caracterizada como efetivamente democrática, não basta apenas que a
sociedade civil discuta e participe dos conselhos. É fundamental que a
sociedade civil consiga fazer com que os conselhos sejam arenas

35
A gestão para Cury (2002) do ponto de vista etimológico e semântico se refere a um modo de
administrar determinada realidade e se caracteriza fundamentalmente pela comunicação,
envolvimento coletivo e diálogo, ou seja, é democrática em sua própria essência.
115

efetivamente decisórias das políticas públicas. Nesse sentido, faz-se


necessário romper com velhas práticas políticas, explorando ao máximo as
potencialidades desse novo formato institucional”.

No Brasil existe certo “consenso” sobre a importância da participação social


sobre o acompanhamento e fiscalização dos programas educacionais. Porém, esta
atividade precisa ser organizada e legitimada, tanto jurídica como socialmente; ou
seja, precisa de amparo legal e reconhecimento da sociedade civil e dos governos.
No caso do campo educacional, os canais pensados para a concretização
desses movimentos são os conselhos gestores, criados especificamente com o
objetivo de viabilizar a participação da sociedade e que funcionam como espaços de
discussão, deliberação, acompanhamento e fiscalização dos programas e recursos
educacionais. (GONH, 2004)
Porém é preciso diferenciar a participação social da popular com o objetivo de
delimitar conceitualmente o que estamos discutindo. A participação popular atua e
se organiza de forma mais independente, espontânea e autônoma em relação ao
poder público. É mais ligada à atuação política de grupos populares articulados com
movimentos sociais, associações de moradores, sindicatos, etc. na defesa de
causas e reivindicações sociais e trabalhistas.
Este modalidade de participação corresponde a formas mais diretas de se
fazer ouvir se organizando, principalmente, através de ocupações, marchas,
protestos, lutas comunitárias entre outras. Apesar de muitas vezes buscarem o
diálogo pontual com o poder público, estas formas de mobilização não agem
segundo regras e regulamentos próprios dos programas governamentais.
Por outro lado, a participação social opera em espaços institucionalizados
(conferências, conselhos, ouvidorias, audiências públicas etc.) híbridos que
funcionam como instâncias democráticas responsáveis pela organização das
diversas formas de representações de diversos segmentos da sociedade civil e
esferas governamentais.
Assim ela é compreendida, tanto como categoria quanto como conceito
político, por gestores públicos e pelos segmentos sociais que dela fazem parte. Essa
forma de atuação da sociedade civil organizada é fundamental para o controle, a
fiscalização e acompanhamento das políticas públicas, bem como para o exercício
do diálogo entre os governos e a sociedade civil. (GADOTTI, 2014)
116

Estes movimentos participativos são encontrados em várias dimensões do


campo educacional, que vão desde o ambiente escolar até a esfera da gestão
educacional e seus programas. Neste sentido podemos citar como esferas
institucionalizadas responsáveis por operar a participação social na educação:
conselhos escolares, da merenda escolar, conselhos municipais de educação e os
conselhos do Fundeb, como estruturas jurídicas reconhecidas socialmente pelos
próprios governos locais e pela sociedade como espaços de discussão, deliberação
e fiscalização das ações governamentais e de programas educacionais. (DAVIES,
2006)
A discussão da educação no Brasil pós-constituinte de 1988, passa
necessariamente pela participação da sociedade civil que, por sua vez, é
compreendida como uma variável central para a existência de gestão democrática,
com transparência e controle da sociedade sobre recursos e programas
educacionais, mais especificamente em esferas locais.
A participação social pode ser definida em função da posição que
determinados grupos sociais ocupam em relação à execução dos programas
educacionais. Neste sentido Gohn (2007, p.26) distingue três formas de
participação:
“A presencial – forma menos intensa e marginal, com comportamentos
receptivos e passivos; A ativação – na qual indivíduos desenvolvem uma
série de atividades delegadas a eles de forma permanente e A participação
(propriamente dita) – termo reservado para situações em que o indivíduo
contribui direta ou indiretamente para uma decisão política”.

A discussão sobre participação também traz questionamentos sobre a


necessidade da ampliação do empowerment36 dos diversos grupos sociais
considerados como alvo de programas educacionais, formados, em sua grande
maioria, por populações excluídas, em situação de vulnerabilidade social que se
apresentam com poucas condições de participação efetiva.
O empowerment (ou empoderamento) se constitui, basicamente, em ações
específicas desenvolvidas para criação e fortalecimento de algumas condições
básicas favoráveis ao desenvolvimento de mecanismos que promovem o exercício

36
Empowerment ou empoderamento pode ser compreendido de acordo com Melo (2003) como: “o
processo de fortalecimento dos recursos e das capacidades dos setores pobres e excluídos para
participar ativamente do processo decisório e das implementações de decisões públicas que
afetam suas vidas”.
117

da participação do indivíduo e o capacita a estabelecer suas próprias prioridades e


escolhas.
Alguns autores como Melo (2003); Lubambo e Coelho, 2005; e Lubambo,
Coelho e Melo (2006) comprovaram que o empoderamento de comunidades pobres
com grande vulnerabilidade social tem efeitos positivos e significativos sobre a
fiscalização dos gastos públicos, uma vez que ao gerar mais participação, controle
social e transparência nos processos de execução de programas sociais, propiciam
também maior efetividade na relação entre demandas da sociedade e respostas
governamentais.
Esses movimentos podem possibilitar o resgate de segmentos expressivos
da população que em grande parte dos municípios se encontram excluídos dos
processos decisórios (no máximo, essas comunidades são vistas como público-alvo
de políticas passivas e/ou assistencialistas) e também garantir espaço em instâncias
deliberativas e fiscalizadoras, como são os conselhos. Desta forma, esses grupos
podem ter suas vozes ouvidas e, ainda, exercerem influências sobre determinadas
ações de seu interesse no âmbito dos governos locais.
É importante destacar que a participação para ser efetiva, qualitativa e
democrática, necessita de alguns princípios básicos como: transparência, simetria
de informações entre as esferas governamentais e sociais, formação e qualificação
dos membros dos conselhos gestores, comunicação e publicização dos resultados
das reuniões. (LUBAMBO e COELHO, 2005).
No Brasil, a gestão educacional em esferas locais comumente apresenta
burocracias frágeis e vulneráveis frente às várias influências de interesses locais
ligados às famílias tradicionais e grupos políticos que lutam incessantemente para
garantir a manutenção do seu poder e influência sobre a política local. Esses grupos
quase sempre agem no sentido de cooptar e, em seguida, controlar as lideranças
políticas locais, geralmente se utilizando do poder econômico, para garantir o
controle sobre os espaços públicos em função de seus interesses privados.
A realidade sociopolítica local também pode ser influenciada pela presença de
outros atores que apresentam visibilidade a partir do crescimento dos espaços
urbanos e trazem outras formas de participação que extrapolam o espaço tradicional
como, por exemplo: sindicatos, associações comunitárias, ONGs, pastorais da terra,
partidos políticos, etc. Diante disto Gohn (2007, p. 67) afirma:
118

“O poder local foi redefinido como sinônimo de força social organizada como
forma de participação da população, na direção do que tem sido
denominado ‘empowerment’ ou empoderamento da comunidade, isto é, a
capacidade de gerar processos de desenvolvimento auto-sustentável com a
mediação de agentes externos, principalmente de ONGs do Terceiro Setor”.

O governo local também sofre influências destes agentes externos e se vê


‘forçado” a desenvolver parcerias. O que antes era visto como resultado de
iniciativas puramente de natureza estatal-pública também passa a ser consequência
de conflitos e lutas de segmentos da sociedade civil associados a outros atores
sociais não necessariamente de caráter local. Desta forma, no sentido de
contextualizar essa discussão Gohn, (2007, p. 56) destaca:

“A ampliação da esfera pública, por parte de setores organizados da


sociedade civil em luta pela construção de suas identidades, e os efeitos
das reformas que configuraram novo papel para o Estado na sua relação
com a sociedade criaram os elementos para a constituição de um novo
conceito na ciência política: o de governança”.

Conceitualmente, a governança se refere à necessidade dos governos


nacionais por conta dos efeitos causados pelo rápido avanço dos diversos
processos de globalização, em organizar seu planejamento e ações considerando as
exigências de todo um conjunto de atores e instituições plurais que representam
interesses diversos (outras esferas estatais, agentes econômicos privados,
organizações multilaterais, ONGs, etc.), para viabilizar a vinda de mais recursos e de
cooperação técnica para a execução de políticas públicas.
É importante não confundir o conceito de governança com o de
governabilidade. A governabilidade diz respeito às condições de legalidade de um
determinado governo para atentar às transformações necessárias, enquanto que
governança está relacionada à capacidade de colocar as condições da
governabilidade em ação. A governança refere-se ao modo como a autoridade é
exercida no gerenciamento dos recursos do país em direção ao desenvolvimento.
Está associada ao modus operandi das políticas governamentais - que inclui, dentre
outras, questões ligadas ao formato político-institucional dos processos decisórios, à
definição do mix apropriado do público/privado nas políticas, à participação e
descentralização, aos mecanismos de financiamento das políticas e ao alcance
global dos programas (MELO, 1995; SANTOS, 1997).
119

Para governar, é preciso se inserir no novo contexto internacional formado por


diversas coalizões e/ou blocos econômicos; e, só assim, a governança de forma
cooperada, poder ver seus interesses negociados e preservados num ambiente
internacional de extrema competição por recursos econômicos.
A governança local é uma adaptação deste conceito maior que enfoca a
governabilidade atrelada a todo um conjunto de atores sociais, instituições e agentes
econômicos e interesses, que se encontram fora do aparato político-institucional
municipal e/ou que extrapolam este espaço. Por isto, cada vez mais é preciso
considerar as idéias de gestão compartilhada e/ou corresponsabilizada entre o poder
municipal, sociedade e diversos atores e instituições sociais.
A governança está associada a governos participativos, de natureza
democrática, que garantam voz aos diversos segmentos sociais em suas esferas
decisórias, no sentido de ampliação da esfera pública e considerando os possíveis
(e certos) conflitos e consensos. Porém, não se pode desprezar a existência, neste
mesmo espaço, de diversos interesses de natureza privada que se associam
fortemente às elites locais ultrapassando com frequência as barreiras do interesse
público, e se apropriando, de forma patrimonialista37 , de bens e recursos públicos.
(GOHN, 2007).
Ela também exige participação colaborativa de instituições de caráter nacional
e/ou estadual, como: poderes judiciário e legislativo, além dos veículos de imprensa
em geral, ONGs, sindicatos, associações diversas. Todos voltados para auxiliar a
fiscalização dos gestores locais e garantir transparência das informações públicas
contribuindo para a diminuição das possibilidades da inserção das elites locais em
defesa de seus próprios interesses no tecido institucional municipal. Sobre o
princípio participativo em espaços públicos Mehedff (2002, p. 203) afirma que:

O princípio da participação faz parte do desenho, da implementação e


avaliação das políticas públicas, em geral, e das políticas sociais, em
particular. No entanto, essas formas de participação não implicam que os
interesses privados e coorporativos se apropriam de espaços públicos.
Significa, isso sim, que temos que ampliar os espaços públicos, isto é
aqueles espaços onde a presença dos interesses privados e legítimos
estabelece negociações para alcançar o bem público”.

O empoderamento de comunidades excluídas pode apresentar três níveis ou


etapas de influências sobre os governos locais: a primeira promove consultas aos

37
Sobre patrimonialismo ver Sorj (2001)
120

grupos sociais excluídos acerca das políticas e leva suas demandas ao poder
municipal.
A segunda se volta para a construção de mecanismos inclusivos de acesso
às tomadas de decisões para propiciar uma melhora efetiva na capacidade de
acompanhamento e fiscalização da sociedade sobre as diversas ações
governamentais.
E, por fim, a terceira e última busca programar e desenvolver mecanismos
efetivos de ‘accountability’ no sentido de buscar um estágio de amadurecimento
sociopolítico que possa proporcionar a inserção direta dos próprios grupos no
contexto da gestão dos programas e assim promover fiscalização e controle da
sociedade sobre as ações dos governos locais. Por isto se torna importante
compreendermos melhor essas esferas participativas em relação ao contexto da sua
criação e desenvolvimento ao longo da história recente do Brasil. (DAVIES, 2006 e
GUIMARÃES, 2009)

5.1 CONSELHOS GESTORES NO BRASIL: ORIGENS E PROCESSOS


HISTÓRICOS

A análise do caso brasileiro precisa levar em consideração a realidade de um


País que ficou imerso, durante mais de vinte anos, numa ditadura militar38, onde os
espaços de participação da sociedade civil foram suprimidos e compulsoriamente
ocupados pela burocracia estatal, por meio de instituições oficiais opressivas e
autoritárias, a serviço de um de governo antidemocrático e distante das demandas
da sociedade em geral.
O início do processo de redemocratização - no fim na década de 1970 - foi
marcado pela participação de diversos setores sociais, partidos políticos, entidades
de classe, que representavam os anseios da população em prol da volta da
democracia ao Brasil, em intensas lutas e movimentos reivindicando liberdade e o
fim do regime autoritário.
Estas lutas por anistia aos perseguidos políticos do regime e pela volta das
eleições livres e diretas, em todos os níveis de governo, foram emblemáticas neste

38
O Regime Militar durou 21 anos, iniciado com o Golpe de 31/03/ 1964 e encerrado oficialmente
em 15/01/1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral composto por
deputados e senadores do Congresso Nacional.
121

processo de mobilização da sociedade brasileira. Envolveu diversos setores


organizados, marcando o retorno em definitivo da redemocratização em 1985, com a
eleição de Tancredo Neves para Presidência da República. Neste contexto surgiram
vários movimentos de reivindicação da participação dos segmentos sociais no
conjunto das políticas públicas necessárias ao desenvolvimento da Nação.
Os conselhos gestores entraram de forma significativa na agenda pública a
partir da experiência participativa de conselhos populares ligados aos movimentos
sociais nas décadas de 1970/1980, e que tiveram papel fundamental no processo de
redemocratização, justamente por proporcionar, (ainda que de maneira tímida, por
comportar apenas alguns setores sociais mais organizados e politizados), a volta da
participação da sociedade civil nos processos de discussão sobre a agenda pública.
Estes conselhos eram vinculados diretamente aos diversos setores
organizados da sociedade civil, que lutaram pela volta da democracia e funcionaram
como canais de reivindicação para dar voz aos diversos segmentos sociais.
A retomada da democracia fez com que alguns desses setores reclamassem
e lutassem por mais espaços participativos e democráticos. Importante ressaltar, que
estes conselhos populares possuíam um caráter reivindicativo e de pressão sobre
governos e órgãos da administração pública, mas não tinham o poder de deliberar
e/ou fiscalizar ações estatais, por serem ligados exclusivamente aos movimentos
sociais.
Faltava ainda a institucionalização jurídica e reconhecimento da sua
legitimidade para que estes canais participativos passassem a fazer parte da gestão
das políticas e programas sociais. (ARRETCHE, 1999)
Podemos identificar três tipos de conselhos: (1) aqueles criados (e
controlados) diretamente pelo poder executivo com o objetivo de estabelecer uma
mediação direta com segmentos organizados da sociedade; (2) os populares ligados
aos movimentos sociais organizados voltados para a conquista de espaços de
participação popular (através de mobilização e pressão) e (3) os conselhos gestores
institucionalizados e reconhecidos juridicamente criados por lei e responsáveis pela
participação da sociedade civil juntamente com segmentos governamentais no
acompanhamento e fiscalização dos programas sociais. (GOHN, 2007)
Este último modelo foi adotado, a partir da Constituição Federal de 1988, para
atuar como canais institucionais de participação social no âmbito das políticas
públicas contemplando as demandas por mais participação e controle da sociedade
122

civil sobre os programas sociais. Em alguns casos funcionam, inclusive, como


fatores de condicionalidade para o recebimento dos recursos e repasses federais,
como o Fundeb, por exemplo.
Suas estruturas e composição são alinhadas com as especificidades de cada
área social e voltadas para garantir a participação dos representantes do governo e
da sociedade civil organizada. Essas esferas funcionam como arenas decisórias e
fiscalizadoras, onde representantes do Estado e da sociedade interagem, discutem e
deliberam, num ambiente repleto de conflitos, tensões e consensos a respeito do
acompanhamento, fiscalização e controle sobre os programas sociais e alocação
dos seus recursos. (GONH, 2007). Segundo Teixeira (2004, p.692): “Na atualidade,
a constituição de conselhos tem sido percebida como a abertura de espaços
públicos, de participação da sociedade civil, caracterizando a ampliação do processo
de democratização da sociedade”
A composição dos conselhos gestores varia de acordo com a área e o
programa; ou seja, os representantes da sociedade são escolhidos de acordo com
os segmentos envolvidos em cada área temática. Os conselhos de educação,
assistência social, saúde e comissões de empregos, têm suas composições
estabelecidas e estruturadas em função das suas especificidades, mas sempre
contemplando os representantes do poder público e dos diversos setores sociais
envolvidos com a área temática
Os atuais conselhos gestores são considerados como instituições mais
evoluídas, do ponto de vista político-institucional, em relação aos seus correlatos
populares que contavam com representantes ligados exclusivamente à sociedade
civil organizada, e sua força participativa consistia apenas em movimentos
puramente reivindicatórios sustentadas por “grupos de pressão” 39.
Os conselhos atuais possuem existência jurídica e reconhecimento legal do
Estado, têm assento garantido nas arenas decisórias e legitimação da sociedade.
Possui desenho institucional, atribuições pré-definidas, estatuto/regimento - para
escolher e definir o número de seus membros - e dirigentes, além do período pelo
qual responderão pelo conselho. As suas reuniões são de caráter periódico e são
registradas através de atas oficiais. (ARRETCHE, 1999).

39
Entendam-se como grupos organizados, voltados e capazes de exercerem pressões sistemáticas
e objetivas sobre as três esferas de governo .(GOHN, 2007).
123

Estas esferas participativas foram criadas na CF/1988 para garantir a


participação da sociedade nas políticas sociais, mas vários estudos (MELO, 1996;
ARRETCHE, 1999 e 2004; DAVIES, 2006 e GUIMARÃES, 2009) mostraram que isto
não foi suficiente, uma vez que tanto a gestão pública local como a sociedade civil
ainda não se encontravam preparadas para utilizar e ocupar adequadamente estes
canais participativos.
Estes estudos citados acima mostraram que a gestão e os conselhos não
estavam atuando com autonomia e de forma articulada, muito pelo contrário; em
muitas localidades, o poder local buscava se apropriar e/ou tutelar os espaços dos
conselhos com o objetivo de deixá-los a mercê dos seus próprios interesses. Além
disto, também registraram que a baixa tradição de participação da sociedade
brasileira associada aos baixos indicadores de escolaridade da população em geral,
juntos, fazem com que as pessoas não tenham a noção exata da importância de
participar e acompanhar as ações do governo municipal e os programas sociais fora
de períodos eleitorais e não se interessem por este processo.
Nosso estudo se debruça sobre a questão da autonomia da gestão
educacional e dos conselhos do Fundeb, justamente com o objetivo de identificar se
houve melhora em relação à articulação entre estas duas esferas administrativas e
se a sociedade participa de forma mais efetiva nestes espaços de acompanhamento
e fiscalização da aplicação dos recursos do fundo, como pressuposto e indicativo de
presença de democracia na gestão da educação local.
Os conselhos gestores, de uma forma geral, surgiram como uma novidade
positiva dentro da agenda política e social brasileira, mas por outro lado, por conta
da grande dimensão e das significativas desigualdades regionais explícitas e/ou
latentes do nosso País, assumiram formas bastante desiguais em relação ao seu
papel, configuração e atribuições.
As especificidades e configurações locais, num País com grandes
desigualdades econômicas e sociais em todas as regiões com seus 5.570
municípios, podem influenciar e/ou serem influenciadas de várias formas diferentes
pelo conjunto de ações sociopolíticas próprias das esferas municipais. Em função
disto, precisamos considerar que um determinado programa educacional pode
apresentar resultados e efeitos diversos em função das condições políticas e sociais
onde foi executado.
124

Os conselhos também podem contribuir funcionando como canais de inclusão


de comunidades e/ou grupos sociais, normalmente excluídos dos processos de
participação e, ainda, servir como indutores da cultura democrática na gestão
municipal. Mas, por outro lado, também podem ser objeto de cooptação por parte de
determinadas elites locais interessadas na desmobilização dos movimentos sociais
organizados, isso tudo em função de interesses do poder político e econômico local.
(DOMBROWSKI, 2008; LUCHMANN, 2008)
Vários problemas já foram identificados, associados e listados às grandes
dificuldades encontradas para a participação da sociedade em esferas municipais,
entre eles a pouca familiaridade do brasileiro com processos participativos, o custo
de oportunidade dos cidadãos para participar, a ausência da qualificação e/ou
formação adequadas para o exercício das atividades, a falta de transparência das
gestões públicas locais, a cooptação dos conselhos pelos interesses locais, as
deficiências nas estruturas de pessoal e física dos conselhos, a falta de recursos
próprios, entre tantas são apontadas por especialistas e estudiosos como obstáculos
a serem superados que ainda funcionam como barreiras que comprometem os
efeitos positivos esperados para a educação básica. (MELO, 2003; LUBAMBO e
COELHO, 2005).
A baixa participação social também pode ser associada à pouca tradição
cívica da nossa sociedade, que além de não ter vivido muitas experiências
participativas, ainda se encontra bastante carente de incentivos voltados para as
pessoas participarem da vida política e social do País mais ativamente e não só
durante processos eleitorais, como ainda hoje é comum.
Como exemplo, citamos os resultados do estudo sobre Conselhos do Fundef
em Municípios da Região Metropolitana do Recife, mostrando que, mesmo entre os
conselheiros, apenas 25% deles também eram ligados a associações, partidos
políticos e/ou entidades representativas de classe. É importante observar que
mesmo participando de diversos encontros, atividades e reuniões próprias de
esferas participativas municipais, os conselheiros ainda assim apresentaram
percentuais modestos de participação em outras atividades associativas.
(GUIMARÃES e COUTINHO, 2007)
A relação entre participação e associativismo é vista como um importante
vetor de democracia. Grupos sociais que apresentam índices elevados de
associação a entidades representativas e/ou partidos políticos tendem a participar
125

mais ativamente dos processos da vida política e social das suas comunidades e,
por consequência proporcionam um ambiente mais favorável ou confortável para o
exercício efetivo da democracia. (PATEMAN, 1992).
Outro grande obstáculo identificado a ser enfrentado se refere ao custo de
oportunidade dos representantes do conselho para participar das reuniões e
fiscalização. Na verdade existe uma assimetria sobre este custo entre os
representantes do governo, que têm as atividades do conselho inseridas entre suas
obrigações profissionais e dentro da sua carga horária de trabalho, e os demais
representantes dos outros segmentos sociais que lidam com uma realidade bem
diferente, uma vez que precisam encontrar horários e/ou alternativas após seus
expedientes de trabalho para estarem presentes nas reuniões e/ou demais
atividades dos conselhos.
Em muitos casos ainda são obrigados a arcarem com os custos financeiros
de transporte e alimentação. Assim, facilmente se constata que existe uma
desigualdade considerável entre membros do governo e da sociedade para
participar, com estes últimos tendo que arcar um custo de oportunidade bem mais
elevado. (DAVIES, 2006)
Alguns estudos identificaram dificuldades relacionadas com a baixa
qualificação ou formação inadequada dos membros para o desenvolvimento das
atividades e atribuições do conselho e pouca estrutura (pessoal, física e financeira)
mostrando o quanto estas esferas participativas e democráticas funcionam de forma
inadequada, e/ou improvisada, em boa parte de municípios pelo Brasil. Existe
também uma preocupação excessiva sobre aspectos relacionados à organização
burocrática e a rotina administrativa destas esferas em detrimento, até certo descaso
mesmo em relação à importância política desta esfera participativa responsável pela
presença da sociedade nos processos decisórios e de acompanhamento e
fiscalização da aplicação dos recursos do fundo. Estes descasos por boa parte das
gestões municipais brasileiras não combinam com expectativas geradas em torno do
papel dos conselhos e seus efeitos positivos sobre a qualidade dos programas
sociais. (TATAGIBA, 2005; DOMBROWSKI, 2008; LUCHMANN, 2008).
Nosso estudo trata de algumas destas questões e confirma que diversos
problemas, como a questão da qualificação adequada para o desenvolvimento das
atividades, não comparecimento às reuniões e falta de comprometimento dos
conselheiros, são impeditivos para um melhor funcionamento do conselho. Isto
126

independente do porte ou tamanho do município. Identificamos outros problemas


significativos em relação ao funcionamento dos conselhos em articulação com a
gestão educacional local, que serão devidamente abordados no capítulo 6 que traz
as análises dos dados coletados.

5.2 CONSELHOS DO FUNDEB: CARACTERÍSTICAS, AVANÇOS E LIMITAÇÕES

Nesta seção revisitamos o debate sobre atuação e funcionamento dos


conselhos gestores do Fundef, uma vez que o Fundeb foi planejado para avançar e
superar os problemas apresentados pelo seu antecessor, para depois discutir o
fundo atual. Pudemos contextualizar, de forma sucinta, alguns dos principais pontos
relativos à criação e desenvolvimento dos conselhos Fundef, para em seguida
discutir as principais características, avanços e limitações do seu sucessor - Fundeb.
Os conselhos do Fundef foram estruturados para dar conta dos processos de
acompanhamento e fiscalização dos recursos da educação e estão presentes em
todas esferas de governo (federal, estadual e municipal).
Estas instâncias foram colocadas como fatores de condicionalidade para que
esferas subnacionais (leia-se estados da federação e municípios) pudessem receber
os recursos do fundo. Neste sentido os entes federados subnacionais se viram
forçados a criar, estruturar e manter um Conselho de Acompanhamento e Controle
Social (Cacs), responsável pelo acompanhamento e fiscalização dos recursos e
composto pelos segmentos determinados em lei com a participação da sociedade,
como ação de contrapartida para o recebimento dos recursos federais. O quadro
abaixo mostra essa composição dos conselhos nas três esferas de governo e as
representações obrigatórias:
127

Quadro 7 - Composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social


do Fundef (CACS)
REPRESENTANTES NA REPRESENTANTES NA REPRESENTANTES NA
ESFERA FEDERAL ESFERA ESTADUAL ESFERA MUNICIPAL
( mínimo de seis membros) (mínimo de sete membros) (mínimo de quatro membros)

a) O Poder Executivo Federal; a) O Poder Executivo Estadual; a) A Secretaria Municipal de


Educação ou órgão equivalente;
b) O Conselho Nacional de Educação; b) Os Poderes Executivos
Municipais; b) Os professores e os diretores das
c) O Conselho Nacional de Secretários escolas públicas do ensino
de Estado da Educação - CONSED; c) O Conselho Estadual de fundamental;
Educação;
d) A Confederação Nacional dos c) Os pais de alunos;
Trabalhadores em Educação – CNTE; d) Os pais de alunos e professores
das escolas públicas do ensino d) Os servidores das escolas
e) A União Nacional dos Dirigentes fundamental; públicas do ensino fundamental;
Municipais de Educação - UNDIME;
e) A seccional da União Nacional dos
f) Os pais de alunos e professores das Dirigentes Municipais de
escolas públicas do ensino Educação - UNDIME; Artigo4º, § 3º Integrarão ainda os
fundamental; conselhos municipais, onde houver
f) A seccional da Confederação representantes do respectivo Conselho
Nacional dos Trabalhadores em Municipal de Educação.
Educação - CNTE;

g) A delegacia regional do Ministério


da Educação e do Desporto -
MEC;

OBS 1:Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996 – Dispõe sobre o Fundef. Artigo 4º O acompanhamento e o controle social
sobre a repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo serão exercidos, junto aos respectivos governos, no
âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por Conselhos a serem instituídos em cada esfera no
prazo de cento e oitenta dias a contar da vigência desta Lei. § 1º Os Conselhos serão constituídos, de acordo com norma de
cada esfera editada para esse fim:

OBS 2:O inciso III refere-se ao Distrito Federal da seguinte forma: no Distrito Federal, por no mínimo cinco membros, sendo as
representações as previstas no inciso II, salvo as indicadas nas alíneas b, e, e g. Ou seja, o conselho no DF será constituído
por no mínimo 4 membros, representando respectivamente: a) o Poder Executivo Estadual; b) o Conselho Estadual de
Educação; c) os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino fundamental; d) a seccional da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)

Algumas mudanças importantes ocorreram nas relações entre os três níveis


de governo, principalmente entre União e municípios, que se viram obrigados a
assumir a responsabilidade direta pela oferta de vagas no ensino fundamental diante
da convocação a participar diretamente do financiamento da educação pública em
parceria com o Governo Federal. (ARRETCHE, 1999)
O grande desafio das esferas municipais consistia em estruturar seus próprios
conselhos de acompanhamento e controle social e enfrentar o desafio de promover
a participação da sociedade como determinava a Lei 9.424/96.
Quando se fala nestes conselhos não é raro se associar à participação da
sociedade, no âmbito dessas instituições, como um fator de garantia do controle
social sobre a alocação dos recursos e de existência de gestão democrática no nível
local.
128

Porém, é preciso ter um pouco de cautela com esse tipo de raciocínio por
conta de diversas dificuldades que mostraram que esta associação não funciona de
forma tão inequívoca assim. Concordamos que os Cacs se constituíram num
importante avanço em direção de gestão democrática na educação, com mais
participação social, mas também sofreram por conta de obstáculos associados a
algumas especificidades bem próprias da realidade brasileira.
A respeito da composição, funcionamento e atuação dos conselhos do
Fundef, destacamos algumas deficiências ou brechas no desenho institucional que
contribuíram para que seus objetivos não fossem concretizados como esperado.
Em primeiro lugar a recomendação de paridade entre representantes do
poder público e sociedade civil, como fator de equilíbrio de forças, foi
desconsiderada em grande parte dos conselhos, até por que a lei fala em número
mínimo de participantes, sem, no entanto, determinar o número máximo e a
distribuição, por segmentos, dos membros.
Com esta brecha muitos governantes locais viram a oportunidade para
“inchar” o conselho com membros do executivo, provocando um desequilíbrio de
forças entre os segmentos e obtendo mais facilidade para controlar suas ações. A
ausência de paridade nas representações, com predominância dos representantes
do governo em relação aos demais segmentos, gerou um desequilíbrio de forças e
uma consequente hegemonia da representação do governo.
O resultado foi uma espécie de “tutela” do governo local, ainda mais reforçada
pelo fato de que, em muitos casos, a presidência dos conselhos era exercida
diretamente pelo próprio secretário de educação ou por um representante seu
vinculado ao executivo municipal. Isso causou uma situação indesejável porque a
principal atribuição do conselho é a fiscalização e acompanhamento dos gastos da
própria secretaria municipal de educação. (GUIMARÃES e COUTINHO, 2007)
Em segundo lugar a precariedade das condições estruturais dos conselhos
como também a (falta de) qualificação e formação adequada dos seus membros
para o exercício efetivo de suas atribuições.
Vários estudos mostraram que em geral faltava aos conselheiros,
especialmente àqueles que representavam a sociedade civil, formação específica
para lidar com as especificidades orçamentárias, planilhas financeiras e as muitas
legislações que envolvem a fiscalização e transferências de recursos, além de
acompanhar as ações do executivo frente ao uso dos recursos do fundo. E ao
129

mesmo tempo não contar com o apoio destes mesmos governos municipais para
melhorar ou modificar essa situação. (MENDONÇA, 2001; DAVIES, 2006;
GUIMARAES, 2009).
Cabe, neste contexto, refletirmos também sobre o uso indiscriminado do
termo Sociedade Civil no campo educacional, especialmente a respeito de
participação social em conselhos da educação, visto que, na maioria das vezes,
esse segmento é tratado de forma uniforme e/ou homogênea, como se fosse uma
categoria única, desconsiderando toda a diversidade de atores, agentes e interesses
que a integram, além das consideráveis desigualdades entre as regiões e municípios
da Federação que fragmentam ainda mais as dimensões da sociedade no Brasil.
As interrogações aqui são: será que representantes da sociedade civil teriam
condições suficientes para representar toda essa diversidade contida no segmento
“sociedade”? Será que, na verdade, iriam se dedicar a representar seus próprios
interesses, ao invés de se aterem às demandas de toda a sociedade? O que se
questiona aqui é: há possibilidade de alguém dar conta de toda essa gama de
contradições, diversidades e desigualdades existentes no âmbito da sociedade?
É no mínimo complexo se exigir uma série de conhecimentos e experiências
que dificilmente encontramos numa só pessoa. Nesta lógica de raciocínio a
participação ficaria bastante comprometida em função de que a defesa dos
interesses de alguns segmentos sociais se sobressairia em relação aos interesses
de tantos outros mais vulneráveis socialmente. (LUCHMANN, 2008)
No caso da educação a questão da participação apresenta um desafio ainda
mais complexo em relação à representação de pais de alunos (que na prática
representa a sociedade civil) por se constituir numa categoria bastante heterogênea
e difusa, que abriga vários segmentos sociais ao mesmo tempo. Outro problema é
que, em sua grande maioria, não possuem organização associativa, porque esses
setores não se comportam como categorias organizadas socialmente, o que traz
grandes dificuldades em se estabelecer estratégias democráticas para a escolha das
suas representações. (DAVIES, 2006; GUIMARÂES, 2009).
O Fundeb apresentou mudanças expressivas quando comparando com seu
antecessor, ao ampliar o espaço reservado aos segmentos da sociedade civil
incluindo representantes dos alunos do ensino básico.
O desenho do fundo também se preocupou em inserir membros do conselho
municipal de educação e do conselho tutelar (se existirem no município) por se
130

constituírem como instituições que precisam estar articuladas com a educação local
e consequentemente podem contribuir para a fiscalização e controle da sociedade
sobre o destino dos seus recursos em seu município.
Outra medida importante foi vetar a possibilidade do poder governamental
local inserir representações de outros segmentos ou aumentar, quantitativamente, a
representação do executivo no conselho.
A nova lei estabelece criteriosamente quem deve participar do conselho e o
número de representantes de cada segmento, obedecendo a critérios de paridade
para os membros do conselho.
Essas medidas visaram o fortalecimento da atuação desses conselhos, mas
não quer dizer que as interferências foram eliminadas totalmente. O quadro abaixo
nos mostra a composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do
Fundeb em cada esfera federativa.

Quadro 8 - Composição dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social


do Fundeb
ESFERA FEDERAL ESFERA ESTADUAL ESFERA MUNICIPAL

a) até 4 (quatro) representantes a) 3 (três) representantes do a) 2 (dois) representantes do


do Ministério da Educação; Poder Executivo estadual, dos Poder Executivo Municipal, dos
quais pelo menos 1 (um) do quais pelo menos 1 (um) da
b) 1 (um) representante do órgão estadual responsável pela Secretaria Municipal de
Ministério da Fazenda; educação básica; Educação ou órgão educacional
c) 1 (um) representante do equivalente;
Ministério do Planejamento, b) 2 (dois) representantes dos
Orçamento e Gestão; Poderes Executivos Municipais; b) 1 (um) representante dos
d) 1 (um) representante do professores da educação básica
Conselho Nacional de Educação; c) 1 (um) representante do pública;
Conselho Estadual de Educação;
e) 1 (um) representante do c) 1 (um) representante dos
Conselho Nacional de diretores das escolas básicas
Secretários de Estado da d) 1 (um) representante da
seccional da União Nacional dos públicas;
Educação - CONSED;
Dirigentes Municipais de
f) 1 (um) representante da Educação - UNDIME; d) 1 (um) representante dos
Confederação Nacional dos servidores técnico-
Trabalhadores em Educação - administrativos das escolas
e) 1 (um) representante da
CNTE; básicas públicas;
seccional da Confederação
g) 1 (um) representante da União Nacional dos Trabalhadores em
Nacional dos Dirigentes Educação - CNTE; e) 2 (dois) representantes dos
Municipais de Educação - pais de alunos da educação
UNDIME; f) 2 (dois) representantes dos básica pública;
h) 2 (dois) representantes dos pais de alunos da educação
pais de alunos da educação básica pública; f) 2 (dois) representantes dos
básica pública; estudantes da educação básica
g) 2 (dois) representantes dos pública, um dos quais indicado
i) 2 (dois) representantes dos pela entidade de estudantes
estudantes da educação básica
estudantes da educação básica
pública, 1 (um) dos quais
131

pública, um dos quais indicado indicado pela entidade estadual secundaristas.


pela União Brasileira de de estudantes secundaristas;
Estudantes Secundaristas - o
Artigo24,§ 2 Integrarão ainda os
UBES; conselhos municipais dos
Fundos, quando houver, 1 (um)
representante do respectivo
Conselho Municipal de
Educação e 1 (um)
representante do Conselho
Tutelar a que se refere a Lei
o
n 8.069, de 13 de julho de 1990,
indicados por seus pares.
Fonte : Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 / Artigo 24 § 1o :

São perceptíveis as mudanças na composição do conselho do Fundeb,


voltada para fortalecer a participação da sociedade, por meio da inserção de mais
segmentos interessados e comprometidos com a qualidade da educação.
Isto, ao mesmo tempo em se busca limitar o leque de possibilidades de
captura ou tutela, por parte do poder municipal e/ou de grupos de interesses sobre
as atribuições e decisões do conselho ao estabelecer critérios de paridade entre os
membros do conselho.
Comparando as composições dos conselhos do Fundef e do Fundeb é
possível identificar os avanços conquistados neste último, como anteriormente já
nos referimos. Percebemos a necessidade de trazer para a discussão mais
informações sobre as diferenças entre os dois fundos, contemplando também o
modo de funcionamento destes conselhos (exercício da presidência e quem pode
participar), as atribuições, funcionamento e estruturação dessas instâncias de
acompanhamento e controle dos recursos da educação na esfera municipal.
Contribuindo para o debate Martins (2011, p.42) ainda acrescenta que:

“No caso específico dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social


(Cacs) do novo Fundo, o desenho foi aprimorado, para que os conselhos
fossem dotados de instrumentos de transparência e de controle social mais
eficazes e independentes da instância de poder sobre a qual exercessem
fiscalização (acesso a demonstrativos gerenciais, registros contábeis e
extratos bancários, possibilidade de requisição de documentos e de
convocação de secretários de educação, além de realização de visitas in
loco para verificar o andamento de obres e serviços, garantias aos
conselheiros empregados contra demissão sem justa causa, exoneração ou
atribuição de faltas).

Para compreender melhor essas mudanças o quadro a seguir ilustra as


principais diferenças entre os dois conselhos.
132

Quadro 9 - Fundef e Fundeb: composição, funcionamento e estruturação dos


conselhos.

FUNDEF – Lei nº 9.424/96 FUNDEB – Lei nº 11.494/07

Acréscimo das atribuições dos Artigo 1º Estabelecer normas destinadas a orientar


Conselhos, mediante a inclusão do §5º, e subsidiar a ação dos gestores públicos
no Artigo4º por força da Lei Nº10. responsáveis pelas atividades de criação,
composição, funcionamento e cadastramento dos
880/04:
CACS-FUNDEB, no âmbito da União, dos Estados,
Aos Conselhos incumbe acompanhar a do Distrito Federal e dos Municípios.
aplicação dos recursos federais Artigo 2º Os CACS-FUNDEB serão criados, no
transferidos à conta do Programa âmbito da União, por meio de ato legal do Ministro
Nacional de Apoio ao Transporte do de Estado da Educação e, no âmbito dos Estados,
Escolar - PNATE e do Programa de Distrito Federal e Municípios, pelo Chefe do
Apoio aos Sistemas de Ensino para respectivo Poder Executivo, de acordo com a
Constituição dos Estados e as Leis Orgânicas do
Atendimento à Educação de Jovens e
Distrito Federal e dos Municípios, observada a
Adultos e, ainda, receber e analisar as seguinte composição, por esfera governamental.
prestações de contas referentes a
esses Programas, formulando Ratifica o acréscimo das atribuições dos
pareceres conclusivos acerca da Conselhos, Artigo24,§13:
aplicação desses recursos e Aos conselhos incumbe, também, acompanhar a
encaminhando-os ao Fundo Nacional aplicação dos recursos federais transferidos à conta
de Desenvolvimento da Educação - do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do
FNDE. Escolar - PNATE e do Programa de Apoio aos
Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação
de Jovens e Adultos e, ainda, receber e analisar as
prestações de contas referentes a esses
Programas, formulando pareceres conclusivos
acerca da aplicação desses recursos e
encaminhando-os ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE.

Não delimita composição máxima dos Não delimita composição máxima dos conselhos.
conselhos e também não determina a Mas no Artigo 2º inciso IV determina que no âmbito
observância da paridade na distribuição municipal deverão ser 9 (nove) membros titulares,
das representações sendo: a) 2 (dois) representantes do Poder
Executivo Municipal, dos quais pelo menos 1 (um)
da Secretaria Municipal de Educação ou órgão
educacional equivalente; b) 1 (um) representante
dos professores da educação básica pública; c) 1
(um) representante dos diretores das escolas
básicas públicas; d) 1 (um) representante dos
servidores técnico-administrativos das escolas
básicas públicas; e) 2 (dois) representantes dos
pais de alunos da educação básica pública; f) 2
(dois) representantes dos estudantes da educação
básica pública, sendo 1 (um) indicado pela entidade
de estudantes secundaristas.

E ressalva que: § 1º A quantidade de membros do


Conselho do Fundeb estipulada nos incisos de I a
IV deste artigo poderá ser duplicada caso haja
133

necessidade, obedecida à proporcionalidade da


composição definida nesses incisos

Não dispõe de estrutura administrativa própria,


porém no Artigo 24,§ 10 a Lei incumbe o respectivo
Não dispõe de estrutura administrativa ente federativo de garantir infraestrutura e
própria, conforme Artigo 4º, § 4º condições materiais adequadas à execução plena
das competências dos conselhos e de oferecer ao
Ministério da Educação os dados cadastrais
relativos à criação e composição dos respectivos
conselhos.
Prazo para indicação dos membros substitutos:
Artigo24,§3º dispõe que os membros dos conselhos
Prazo para indicação dos membros serão indicados até 20 (vinte) dias antes do término
do mandato dos conselheiros anteriores:
substitutos: não se pronuncia a
I - pelos dirigentes dos órgãos federais, estaduais,
respeito. municipais e do Distrito Federal e das entidades de
classes organizadas, nos casos das
representações dessas instâncias;
II - nos casos dos representantes dos diretores,
pais de alunos e estudantes, pelo conjunto dos
estabelecimentos ou entidades de âmbito nacional,
estadual ou municipal, conforme o caso, em
processo eletivo organizado para esse fim, pelos
respectivos pares;
III - nos casos de representantes de professores e
servidores, pelas entidades sindicais da respectiva
categoria.

Impedimento em relação à composição dos


Conselhos
o
Impedimento em relação à composição Segundo o Artigo24,§ 5 são impedidos de integrar
os conselhos:
dos Conselhos: não se pronuncia a
I - cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, até
respeito. o
3 (terceiro) grau, do Presidente e do Vice-
Presidência dos Conselhos: não se Presidente da República, dos Ministros de Estado,
pronuncia a respeito. do Governador e do Vice-Governador, do Prefeito e
do Vice-Prefeito, e dos Secretários Estaduais,
Distritais ou Municipais;
II - tesoureiro, contador ou funcionário de empresa
de assessoria ou consultoria que prestem serviços
relacionados à administração ou controle interno
dos recursos do Fundo, bem como cônjuges,
o
parentes consanguíneos ou afins, até 3 (terceiro)
grau, desses profissionais;
III - estudantes que não sejam emancipados;
IV - pais de alunos que:
a) exerçam cargos ou funções públicas de livre
nomeação e exoneração no âmbito dos órgãos do
respectivo Poder Executivo gestor dos recursos; ou
b) prestem serviços terceirizados, no âmbito
dos Poderes Executivos em que atuam os
respectivos conselhos.
Presidência dos Conselhos
Impede que seja o representante do governo:
o
Artigo 24, § 6 o presidente do conselho será eleito
por seus pares em reunião do colegiado, sendo
impedido de ocupar a função o representante do
governo gestor dos recursos do Fundo no âmbito
134

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios.
Autonomia: Artigo24, § 7º a Lei determina atuação
Autonomia: não se pronuncia a com autonomia, sem vinculação ou subordinação
respeito. institucional ao Poder Executivo local e serão
renovados periodicamente ao final de cada
mandato dos seus membros.
Remuneração e proteção dos Conselheiros: não
prevê qualquer tipo de remuneração, porém no
Remuneração e proteção dos Artigo 24,§8º: II - é considerada atividade de
relevante interesse social;; III - assegura isenção da
Conselheiros: não prevê qualquer tipo
obrigatoriedade de testemunhar sobre informações
de remuneração – Artigo4º,§4º recebidas ou prestadas em razão do exercício de
suas atividades de conselheiro e sobre as pessoas
que lhes confiarem ou deles receberem
informações; IV - veda, quando os conselheiros
forem representantes de professores e diretores ou
de servidores das escolas públicas, no curso do
mandato:a) exoneração ou demissão do cargo ou
emprego sem justa causa ou transferência
involuntária do estabelecimento de ensino em que
atuam; b) atribuição de falta injustificada ao serviço
em função das atividades do conselho; c)
afastamento involuntário e injustificado da condição
de conselheiro antes do término do mandato para o
qual tenha sido designado; V - veda, quando os
conselheiros forem representantes de estudantes
em atividades do conselho, no curso do mandato,
atribuição de falta injustificada nas atividades
escolares.
Atividades que os Conselhos podem realizar com
vistas à efetividade das suas ações são
Atividades que os Conselhos podem especificadas no Artigo25:
realizar com vistas à efetividade das
suas ações: não especifica. I - apresentar ao Poder Legislativo local e aos
órgãos de controle interno e externo manifestação
formal acerca dos registros contábeis e dos
demonstrativos gerenciais do Fundo;

II - por decisão da maioria de seus membros,


convocar o Secretário de Educação competente ou
servidor equivalente para prestar esclarecimentos
acerca do fluxo de recursos e a execução das
despesas do Fundo, devendo a autoridade
convocada apresentar-se em prazo não superior a
30 (trinta) dias;

III - requisitar ao Poder Executivo cópia de


documentos referentes a:

a) licitação, empenho, liquidação e pagamento


de obras e serviços custeados com recursos do
Fundo;
b) folhas de pagamento dos profissionais da
educação, as quais deverão discriminar aqueles em
efetivo exercício na educação básica e indicar o
respectivo nível, modalidade ou tipo de
estabelecimento a que estejam vinculados;
c) documentos referentes aos convênios com
135

o
as instituições a que se refere o Artigo 8 desta Lei;
d) outros documentos necessários ao
desempenho de suas funções;
IV - realizar visitas e inspetorias in loco para
verificar:
a) o desenvolvimento regular de obras e
serviços efetuados nas instituições escolares com
recursos do Fundo;
b) a adequação do serviço de transporte
escolar;
c) a utilização em benefício do sistema de
ensino de bens adquiridos com recursos do Fundo.

Instrução da prestação de contas: não Instrução da prestação de contas: Artigo27,


se pronuncia a respeito. Parágrafo único
As prestações de contas serão instruídas com
parecer do conselho responsável, que deverá ser
apresentado ao Poder Executivo respectivo em até
30 (trinta) dias antes do vencimento do prazo para
a apresentação da prestação de contas prevista
no caput deste artigo.
Fonte: Ministério da Educação/ FNDE.

A própria lei 11.494/07 que criou o Fundeb tratou de colocar dispositivos


voltados para que os conselhos possam atuar com mais independência em relação
ao governo municipal associado a algumas condicionalidades para o exercício da
participação dos conselheiros.
É possível encontrar no texto desta lei algumas medidas importantes que
podem servir como indicadores de avanços em direção a mais democracia na
gestão educacional. Todavia, mesmo considerando estes avanços, não podemos
deixar de reconhecer que algumas limitações ainda persistem. Entre as medidas e
dispositivos da lei 11.494 destacamos:
(a) O veto à participação das seguintes categorias na composição dos conselhos:
(1) cônjuges e/ou parentes consanguíneos ou afins, até 3o (terceiro) grau, do
Presidente e do Vice-Presidente da República, dos Ministros de Estado, do
Governador e do Vice- Governador, do Prefeito e do Vice-Prefeito, e dos
Secretários Estaduais, Distritais ou Municipais; (2) tesoureiro, contador ou
funcionário de empresa de assessoria ou consultoria que prestem serviços
relacionados à administração ou controle interno dos recursos do Fundeb,
bem como cônjuges, parentes consanguíneos ou afins, até 3º (terceiro) grau,
desses profissionais; (3) estudantes que não sejam emancipados; (4) pais de
alunos que exerçam cargos ou funções públicas de livre nomeação e
exoneração no âmbito de órgãos do Poder Executivo e gestor de recursos; o
136

que prestem serviços terceirizados, no âmbito dos Poderes Executivos em


que atuam os respectivos Conselhos.

(b) O estabelecimento de restrições ao exercício da presidência do conselho


vedando os representantes do governo gestor dos recursos.

(c) A determinação do processo de escolha do presidente através de eleição


pelos seus pares.

(d) A garantia de autonomia jurídica dos conselhos em relação ao poder


executivo local e a determinação da renovação dos mandatos dos
conselheiros.

No capítulo a seguir vamos descrever nosso percurso metodológico e as


estratégias escolhidas para a coleta e análise de dados utilizados na pesquisa
empírica, detalhando os todos os passos executados na pesquisa.
137

6 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

Introdução

A pesquisa social é vista como algo desafiador para o pesquisador por conta
da sua inserção dentro do próprio objeto de estudo, ou seja, ele faz parte do
conjunto de fenômenos sociais que se articulam e atuam sobre a realidade
estudada.
É preciso se ter em mente durante o processo de pesquisa todos os cuidados
e recomendações necessários para que se possa alcançar uma aproximação, com a
imparcialidade possível, do sujeito-pesquisador em relação ao seu objeto.
Como a realidade se apresenta de forma bastante complexa e heterogênea, a
cobertura adequada dos diversos fenômenos sociais exige a adoção de vários
métodos, técnicas e da coleta de diversos tipos de dados, ou seja, o investigador
deve lançar mão de um pluralismo metodológico como condição fundamental para a
compreensão e interpretação da complexidade da realidade. (BAUER e GASKELL,
2002)
Desta forma, pensamos que o antagonismo tradicional entre correntes
qualitativas e quantitativas se mostra como algo a ser superado em busca das
condições adequadas para a produção do conhecimento nas ciências sociais, em
especial na área da educação. Isto porque em pesquisas de avaliação de políticas
educacionais, por exemplo, fica muito arriscado limitar a pesquisa a apenas uma
corrente metodológica (que nos dois casos apresenta vantagens e limitações) por
conta do risco de não se alcançar a compreensão adequada da complexidade dos
fenômenos existentes dentro e fora do âmbito da esfera educacional.
Assim, para uma melhor compreensão do objeto pesquisado, é interessante
considerar a combinação de técnicas qualitativas e quantitativas no desenho do
processo de pesquisa.
Acreditamos que esta combinação entre qualitativo e quantitativo se constitui
como uma opção viável e capaz de contribuir com o processo de pesquisa. Neste
sentido optamos pelo multi-métodos com foco por admitir a utilização articulada de
técnicas, instrumentos de coleta e escopo analítico das correntes qualitativas e
quantitativa.
138

“O que é necessário é uma visão mais holística do processo de pesquisa


social, para que ele possa incluir a definição e a revisão de um problema,
sua teorização, a coleta de dados, a análise dos dados e a apresentação
dos resultados. Dentro deste processo, diferentes metodologias têm
contribuições diversas a oferecer. Necessitamos de uma noção mais clara
das vantagens e desvantagens funcionais das diferentes correntes de
métodos, e dos diferentes métodos dentro de uma corrente. Bauer e
Gaskell”. (2002, p. 26)

É importante destacar que o desenho de uma pesquisa pode apresentar


quatro dimensões responsáveis pela descrição de todo o percurso metodológico,
além das possíveis combinações de diversos elementos contidos dentro de cada
uma delas. Isto é alvo de muitas controvérsias que precisamos enfrentar e superar
na construção de uma pesquisa com uso de multi-métodos40. (GUBA, 1994)
Essas dimensões relatadas contemplam (1) princípios do delineamento da
pesquisa (estudo de caso, amostragem, estudo comparativo, etc.), (2) geração dos
dados (entrevistas, questionários, observações, etc.), (3) análise dos dados
(modelagem estatística, análise estrutural, análise de conteúdo, etc.) e (4) interesse
do conhecimento (controle e predição, construção de consenso e emancipação e
41
“empoderamento”) . Para consubstanciar a relação entre as quatro dimensões
Bauer e Gaskell (2002, p.20) afirmam:

“defendemos a idéia de que todas as quatro dimensões devem ser vistas


como escolhas relativamente independentes no processo de pesquisa e que
a escolha qualitativa ou quantitativa é primariamente uma decisão sobre a
geração de dados e os métodos de análise, e só secundariamente uma
escolha sobre o delineamento das pesquisas ou de interesses do
conhecimento.”

Estes mesmos autores defendem que os estudos qualitativos há muito tempo


superaram a ordenação do tempo, rompendo com a tradição de pesquisa
exploratória caracterizada como não formalizada em relação aos estudos
quantitativos, isso não se sustenta mais hoje já que pesquisas qualitativas são
largamente utilizadas antes e depois de levantamentos amostrais. A combinação de
métodos nas avaliações de políticas educacionais se tornou cada vez mais comum.
A decisão de realizar um estudo multi-métodos ou qualiquantitativo se pautou
pelos nossos objetivos, e pensando nos dados gerados e na análise a ser realizada,
considerando quais métodos são mais adequados para dar conta da complexidade

40
Sobre essa concepção ver Guba (1994)
41
Ver Bauer e Gaskell (2002, p.19 tabela 1.1)
139

do campo educacional e da diversidade de atores que o compõem. Também foram


considerados os recursos disponíveis para o desenvolvimento da pesquisa
(humanos, físicos, logísticos, econômicos, etc.).
Neste ponto ressaltamos que a articulação com a Fundação Joaquim Nabuco
foi determinante para a escolha e realização da pesquisa multi-método com foco ou
estudo qualiquantitativo.
É importante esclarecer que esta parceria com a pesquisa de Avaliação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação – Fundeb realizada pela Fundação Joaquim Nabuco
em todo o Nordeste entre 2013 e 2014 contribuiu de forma decisiva para o
levantamento de dados de campo desta tese.
Esta articulação nos permitiu estudar o conjunto dos municípios nordestinos
como um todo e assim obter os resultados mais amplos desejados para a
compreensão do nosso problema de pesquisa. Neste contexto analisamos
amostralmente quatrocentos e um municípios em toda a Região Nordeste. Assim
conseguimos construir um diálogo analítico com os achados qualitativos e
quantitativos para enriquecer a compreensão dos resultados da pesquisa 42.
Participamos da pesquisa de avaliação da Fundaj na condição de
pesquisador, e como um dos coordenadores, assim foi possível, em comum acordo
com a Coordenação Geral de Estudos Educacionais (CGEE) desta casa, inserir as
questões da tese na coleta dos dados empíricos da citada avaliação.
É importante deixar claro que nossa tese não se trata de uma avaliação do
programa do Fundeb, e, neste aspecto, se diferencia do trabalho realizado pela
Fundaj, uma vez que as avaliações institucionais são norteadas por um conjunto de
procedimentos, valores, técnicas, objetivos com propostas de resultados e metas
bem diferentes, como já foi dito anteriormente, dos objetivos da nossa pesquisa. O
nosso estudo analisou apenas uma determinada face de um fenômeno mais amplo
do financiamento da educação (Fundeb) no Nordeste.

42
Porém é importante ressalvar que o estudo realizado pela Fundaj, com previsão para se encerrar
no final de 2015, se trata de uma avaliação do Fundeb que aborda os efeitos e impactos deste
programa sobre na educação nos municípios do Nordeste. Isto foi posto para destacar que esta
avaliação se difere dos objetivos da nossa tese tanto em relação às discussões teóricas como na
abordagem dos dados. Utilizamos os dados produzidos pela pesquisa da Fundaj (dados
secundários) com um recorte sobre autonomia e participação social inserindo questões em acordo
estabelecido com a coordenação da pesquisa da Fundaj.
140

6.1 O CAMPO

O estudo abrangeu 384 municípios nordestinos sendo dividido em duas


etapas: a primeira de natureza quantitativa consistiu na aplicação de questionários
semiestruturados com secretários de educação municipais e conselheiros em 382
municípios através de uma amostra aleatória estratificada proporcional
representativa para todo o Nordeste contemplando os nove estados da região, com
o objetivo de traçar um panorama geral da administração educacional incluindo os
conselhos do Fundeb com um recorte sobre gestão, autonomia e participação social
na educação.
A segunda etapa de caráter qualitativo contemplou dois municípios,
sendo uma capital e um de pequeno porte, dentro de um mesmo estado do
Nordeste, com a aplicação de entrevistas abertas com roteiro com secretários
municipais de educação e conselheiros representantes dos pais de alunos como os
representantes da sociedade civil no Cacs, com o objetivo de aprofundar alguns dos
achados da parte quantitativa com o intuito de compreender os mecanismos e a
dinâmica da autonomia e da participação no contexto da gestão educacional.
Antes, porém, é preciso reafirmar que os municípios do Nordeste são
caracterizados por grande heterogeneidade e diversidade de caráter social, político,
cultural, econômico e geográfico que agem de forma contínua e interdependente
sobre a realidade local com efeitos na gestão educacional.
A tabela a seguir mostra algumas das características demográficas,
educacionais e sociais da Região Nordeste como um todo para que o leitor possa se
familiarizar com algumas destas especificidades do nosso campo de estudo.
Tabela 1 - Características sócio-demográficas e educacionais dos estados
nordestinos
1 1 2 3 1
Estado População N˚Municípios N˚ Matrículas Repasses Fundeb IDHM

MA 6.850.884 217 1.073.358 4.854.932.365 0,639

PI 3.194.718 224 397.611 1.281.347.245 0,646

CE 8.842.791 184 1.043.958 3.364.954.603 0,682

RN 3.408.510 167 291.962 938.653.689 0,684

PB 3.943.885 223 355.597 1.214.696.052 0,658

PE 9.277.727 185 849.001 2.692.344.014 0,673


141

AL 3.321.730 102 423.522 1.338.762.561 0,631

SE 2.219.574 75 200.647 758.355.683 0,665

BA 15.126.371 417 1.714.498 5.553.932.656 0,660

Fonte: IBGE/ INEP/PNUD - 1. Dados 2010 / 2. Dados 2012 / 3. Dados 2013.

Observamos que o estado da Bahia é o mais populoso e possui a maior rede


municipal e recebe o maior volume de recursos, porém não apresenta o maior Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal. O ceará é o terceiro estado mais populoso
com o segundo maior IDHM da região, só ficando atrás do Rio Grande Norte que
aparece em primeiro lugar. O Estado de Alagoas apresenta o pior índice entre os
nove estados da região nordestina e Sergipe o menor número de matrículas na rede
municipal. O Maranhão é o segundo em volume de recursos do Fundeb, no entanto
apresenta o segundo pior IDMH.
Esta tabela mostra a grande heterogeneidade da região o que aumenta o
desafio de analisar regiões heterogêneas com um grande conjunto de configurações
próprias que atuam e interferem nos resultados dos programas sociais ainda mais
complexo.
Um dado interessante se refere a Pernambuco que, apesar de possuir uma
população maior que Maranhão e Ceará, apresentou um número menor de
matrículas no ensino fundamental público em relação aos dois.
Isso talvez esteja relacionado ao grande crescimento econômico dos últimos
dez anos em Pernambuco que pode ter proporcionado uma migração de alunos para
a rede privada.

6.2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

Estamos conscientes do desafio em se construir uma análise sobre gestões


da educação em localidades com realidades distintas e heterogêneas, distribuídas
ao longo de um vasto espaço geográfico que também é marcado por diversidades
sociais, econômicas e políticas.
Neste contexto optamos por desenvolver uma estratégia metodológica capaz
de proporcionar, num primeiro momento, uma compreensão mais geral dos
fenômenos sociopolíticos que cercam as gestões municipais da educação e os
recursos do Fundeb, para em seguida, a partir dos primeiros achados pudéssemos
142

construir a segunda etapa da pesquisa voltada para aprofundar as questões


relativas à gestão, autonomia e participação da sociedade no âmbito do Fundeb.
Desta forma desenvolvemos a pesquisa com duas matrizes metodológicas
distintas, uma quantitativa e outra qualitativa que apresentam procedimentos e
técnicas de coleta de dados distintas no que se diz respeito à natureza, amplitude do
campo, instrumentos e análises dos dados.
A primeira etapa do processo de pesquisa consistiu num estudo quantitativo
onde foram coletados dados em 382 municípios nordestinos por meio da aplicação
de questionários com os secretários municipais de educação e os membros dos
conselhos do Fundeb.
Em seguida foi realizada uma segunda etapa de pesquisa, agora utilizado
técnicas qualitativas através de entrevistas abertas com os secretários de educação
e dois conselheiros membros dos Cacs. A pesquisa foi em municípios do Nordeste,
um com mais de 500.000 habitantes / considerado de grande porte e outro com
menos de 50.000 habitantes / considerado de pequeno porte. Ambos localizados
num mesmo estado nordestino43.
A seguir vamos detalhar os passos de cada etapa da pesquisa para que o
leitor possa se inteirar dos procedimentos desenvolvidos nas coletas e análises dos
dados de campo. É importante ressaltar que optamos tanto nas entrevistas abertas
quanto na aplicação dos questionários semiestruturados pela abordagem individual
para que as respostas de um entrevistado não fossem ouvidas e pudessem
“influenciar ou contaminar” as respostas dos demais entrevistados. Desta forma
cada um foi ouvido separadamente.

6.2.1. ESTRATÉGIAS QUANTITATIVAS

Os procedimentos quantitativos foram construídos a partir de uma estratégia


de pesquisa interseccional que se caracteriza por ser realizada num momento único

43
O campo desta pesquisa foi realizado pela Fundação Joaquim Nabuco para a Pesquisa de
Avaliação do Fundeb em Municípios do Nordeste. Os dados desta tese foram extraídos deste
estudo (dados secundários) mediante acordo com a Coordenação Geral de Estudos Educacionais
que autorizou a inserção das questões específicas da tese nos instrumentos de coleta de dados.
Como membro da pesquisa e integrante da equipe responsável pelas estratégias de elaboração dos
instrumentos e da coleta de dados, foi possível inserir as questões específicas da tese nos
questionários e entrevistas para utilizar parte dos dados produzidos pela pesquisa da Fundaj como
fontes secundárias.
143

temporal e por meio de uma amostra probabilística representativa capaz de


descrever a população como um todo, considerando o erro calculado. Para a
operacionalização da coleta de dados empíricos foram elaborados dois tipos de
questionários44: (1) Secretários Municipais de Educação e (2) Conselheiros do
Fundeb. O segundo bloco contempla os segmentos representados no âmbito do
conselho: presidente ou vice; representante do governo; dos pais, dos alunos,
Os questionários continham questões, em sua grande maioria, qualitativas45
apresentando escalas nominais ou ordinais. Assim sendo, utilizamos como
estratégia central para a análise tabelas de frequências descritivas (absolutas e/ou
relativas) que são as mais indicadas para esse tipo de dados estatísticos. . (BABBIE,
1999)
O desenho amostral do estudo foi norteado por princípios probabilísticos, com
ponderação baseada no tamanho da população em cada município e cada estado
da região Nordeste para, em seguida, ser realizada uma estratificação por
conglomerados selecionados em um único estágio. Essa estratificação foi definida
em quatro conglomerados para cada estado nordestino com base em um fator
denominado “Nível Relativo de Desenvolvimento Educacional do Município”, que foi
gerado através da Análise Fatorial de Componentes Principais, com base em duas
46
variáveis, a saber: a) o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal referente
apenas à dimensão educacional (IDHM-ED) e; b) o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) referente apenas ao Ensino Fundamental I.
Assim, os conglomerados, para cada estado separadamente, foram: a) nível
alto de desenvolvimento educacional relativo; b) nível médio alto de
desenvolvimento educacional relativo; c) nível médio baixo de desenvolvimento
educacional relativo; d) nível baixo de desenvolvimento educacional relativo. As
amostras foram ponderadas pela população de cada estado da federação.

44
Ver Apêndice II
45
Do ponto de vista metodológico as variáveis qualitativas podem ser nominais ou se apresentarem
em escalas ordinais e podem ser mensuradas, tratadas e analisadas estatisticamente.
46
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores
de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de
0 a 1. O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global - longevidade, educação
e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de
indicadores nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no
IDHM são mais adequados para avaliar o desenvolvimento dos municípios brasileiros. Mais sobre
IDHM ver: http://www.pnud.org.br/IDH/IDHM.
144

O resultado deste processo é que de um universo de 1775 municípios


existentes no Nordeste extraímos uma amostra de 382 municípios (considerando,
ainda, um conjunto de municípios para possíveis necessidades de reposição, em
caso de recusa em participar da pesquisa, em um montante de, aproximadamente,
20% do tamanho da amostra original para cada conglomerado em cada um dos
estados).
Estatisticamente assumimos um nível de confiabilidade de 95%, tem-se que z
= 1,96, visto que a população dos municípios da qual foram extraídos os elementos
da amostra (N) é de 1.775 e, assumindo, ainda, que p = 0,5 e, portanto, q = 0,5
(valores tradicionalmente assumidos), tem-se que a margem de erro da estimação
(e) será de 0,043 ou 4,3%. Esse tamanho amostral permite a realização de
estimações com confiabilidade (de 95%) e precisão (margem de erro de 4,3%).
Foram aplicados questionários específicos em 382 municípios
nordestinos distribuídos entre os seguintes atores: (a) secretários municipal de
educação; (b) presidente ou vice de cada conselho; (c) representante do governo;
(c) representante de pais de alunos; (d) representante de alunos; (e) representante
de professores da educação básica; (f) representante de diretores de escolas; (g)
representante do Conselho Municipal*; (h) representante do Conselho tutelar**47.
A pesquisa priorizou: (a) secretário de educação, (b) representante do
governo, (c) representante dos pais de alunos; (d) representante dos alunos e (e)
presidente do conselho (ou o vice, em caso de ausência do titular). Esta estratégia
objetivou estabelecer um patamar mínimo de atores entrevistados, por conta da
dificuldade em juntar todos os conselheiros num mesmo lugar na mesma hora, e por
não ter garantia que em todos os municípios encontraríamos representações do
CME e do Conselho Tutelar.
Para a validação do município seria preciso entrevistar no mínimo estes cinco
atores prioritários citados acima, caso contrário seria utilizado outra cidade da lista
de substituições elaborada para a amostra. Essas análises estão focadas sobre a
dinâmica da gestão educacional associada à participação dos conselheiros do
Fundeb nos processos de demandas locais a respeito das suas próprias
configurações e especificidades. O quadro abaixo descreve os atores e a quantidade
de entrevistas realizadas nos municípios nordestinos.

47 * **
Caso o município apresentasse CME e/ou Conselho Tutelar .
145

Quadro 10 - Distribuição do Número de Questionários Aplicados


Ator N

Secretário Municipal 382

Presidente/ Vice Presidente 382

Conselheiros Membros 1930

Total de Questionários Aplicados 2694

Fonte: Elaboração Própria

Neste contexto, desenvolveremos no capítulo 7 as análises dos resultados


obtidos junto aos representantes dos governos locais e membros dos conselhos,
considerando cada uma dessas instâncias como parte integrante da gestão da
educação e responsáveis pela participação da sociedade no controle e
acompanhamento dos gastos dos recursos do Fundeb.
O conselho pode ser visto como um termômetro de participação social e,
também, de determinadas iniciativas do governo local para garantir que estes
setores da sociedade tenham voz ativa no processo de acompanhamento e
fiscalização da alocação dos recursos do Fundeb no atendimento das demandas
educacionais locais.
A ideia foi traçar um paralelo entre as respostas desses dois conjuntos de
atores (secretários e conselheiros) para uma análise comparativa das falas,
buscando uma compreensão mais abrangente dos processos de gestão da
educação nestas esferas. Com isto concluímos a nossa proposta metodológica com
a expectativa de contribuir para ampliar os horizontes e as perspectivas de
compreensão do campo educacional no Nordeste.

6.2.2 ESTRATÉGIAS QUALITATIVAS

A escolha destes procedimentos se justifica por conta da subjetividade


inerente às relações existentes entre a gestão educacional e atividades dos
conselhos do Fundeb considerando as diversas faces da participação da sociedade.
Decidimos que seria importante entender a visão sobre experiências e
vivências participativas dos atores envolvidos com os processos de gestão e de
146

acompanhamento e fiscalização dos recursos do fundo de forma mais ampla


considerando a subjetividade de seus depoimentos.
A ideia foi, a partir dos achados quantitativos, aprofundarmos as questões da
autonomia e participação da sociedade na administração da educação municipal
para compreender melhor as impressões e percepções dos secretários e
conselheiros acerca do seu próprio papel e suas responsabilidades nos processos
de gestão e participação social.
Ou seja, considerando as limitações dos dados quantitativos, buscamos
aprofundar as questões propostas no estudo para qualificar a análise dos nossos
achados e assim nos aproximarmos da realidade da gestão educacional em
municípios do Nordeste.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas individuais com
questões abertas seguindo um roteiro pré-estabelecido em função das discussões
teóricas. Esta estratégia foi escolhida justamente por permitir que o entrevistado
possa externar sua opinião e sua visão de uma forma mais aprofundada e com mais
liberdade em relação ao roteiro da entrevista ou como afirma Farr (1982): “a
entrevista qualitativa é uma técnica, ou método para estabelecer ou descobrir que
existem perspectivas, ou pontos de vista sobre os fatos, além daqueles da pessoa
que inicia a entrevista”.
Desta forma, esse método permitiu aos entrevistados mais liberdade para
desenvolver suas ideias e falas que podem ir além das concepções teórico-
metodológicas concebidas pelo pesquisador e materializadas nos instrumentos de
coleta.
Esta etapa priorizou questões mais flexíveis buscando possibilitar condições
para a reorganização e/ou ampliação das premissas teóricas com a liberdade dada
ao entrevistado para desenvolver sua visão sobre fatos, experiências ou fenômenos
vivenciados sem sentir-se tão engessado ou conduzido pelo conteúdo das questões
do estudo. Isto com o intuito de ajudar o enriquecimento das informações e dos
questionamentos à medida que as entrevistas foram sendo desenvolvidas.
Reconhecemos algumas das limitações deste método investigativo, e entre
elas (talvez a principal) a que diz respeito à construção das análises basicamente
em cima de respostas individuais dos entrevistados, que, por sua vez, se referem a
ações ocorridas em circunstâncias desconhecidas por parte do pesquisador.
147

Estas respostas podem estar sujeitas à omissão, deturpação ou mesmo má


interpretação dos fatos, fenômenos ou experiências vivenciadas em outros
momentos por parte do entrevistado, uma vez que ele pode omitir determinados
aspectos ou mesmo colocar uma lente destorcida que deturpe a visão sobre
determinados eventos ou situações.
Devemos considerar, também, a questão da memória do entrevistado e a sua
percepção sobre acontecimentos do passado que podem alterar sua visão e
consequentemente, a opinião, haja vista que quanto mais tempo se passa mais
facilmente detalhes são esquecidos ou distorcidos. Neste contexto, a tarefa do
pesquisador é bastante árdua e exige um grande conhecimento do objeto de estudo
e muito cuidado e rigor na elaboração dos instrumentos e nos processos de análise
dos dados de campo. (BAUER e GASKELL, 2000).
Porém, é importante ressaltar que estas limitações apontadas não podem ser
vistas como impedimentos ou como desvalorização ao uso do método, mas sim
como sinais de alerta ao pesquisador que devem ser considerados na utilização
desta ferramenta extremamente útil para a pesquisa qualitativa justamente por ser
uma ferramenta prática e operacional e que, ainda por cima, exige menos recursos
técnicos, estruturais e financeiros para ser posta em prática. (BECKER e GEER,
1997)
Neste sentido, selecionamos prioritariamente os seguintes atores envolvidos
com a gestão educacional: (1) gestor municipal da educação por ser responsável
pela condução da política educacional no nível local e pela articulação com a Esfera
Federal e (2) conselheiro representante dos pais de alunos que representam a
sociedade.
A preocupação principal do estudo, como já dito antes, consistiu em
compreender a dinâmica da gestão educacional em relação à aplicação dos
recursos do Fundeb, considerando suas configurações e especificidades, em dois
municípios do Nordeste. Os municípios selecionados se diferenciam nos tamanhos
da população, das redes de ensino público (números de alunos matriculados na pré-
escola e no ensino fundamental) e no IDHM.
A ideia em comparar um município grande (mais de 500.00 habitantes) com
outro pequeno (menos de 50.000 habitantes) foi fundamentada no objetivo de
identificar e analisar similaridades e diferenças entre dessas municipalidades em
relação aos recursos do Fundeb, observando a gestão educacional local em
148

articulação com a participação da sociedade. Esta lógica foi adotada por que os
valores destes recursos estão diretamente atrelados ao número de matrículas nas
redes municipais, que é diretamente correlacionado com o tamanho da população.
Neste caso, optamos em não utilizar a classificação clássica do IBGE que traz
a seguinte escala: municípios de pequeno porte até 10.000 habitantes; médio porte
até 20.000 habitantes e os de grande porte com mais de 50.000, justamente por que
a consideramos defasada e incompatível com a atual realidade sociopolítica do
Nordeste.
Pensando em capacidade institucional e na gestão escolar utilizamos critérios
que consideraram o IDEB e o IDHM-ED dos municípios para definir o sues portes. A
título de comparação é importante ressaltar que os municípios de grande porte no
Brasil representam 5% do total de localidades e detém 55% da população do país.
Já os municípios de pequeno porte representam 89% do total e detém quase 34%
da população.
A tabela abaixo traz as caracterizações dos municípios selecionados para o
estudo de campo. Os nomes dos municípios não serão revelados para manter a
garantia de anonimato dada aos entrevistados.

Tabela 2 - Caracterização dos Municípios


Município População IDEB IDHM IDHM-ED Matrículas

A Mais de 500.000 4,1 0, 721 0, 635 Mais de 40.000

B Menos de 50.000 3,5 0, 615 0, 475 Menos de 2.000

Fontes: IBGE/INEP/PNUD

No tratamento dos dados coletados utilizamos como método a análise de


conteúdo uma vez que essa técnica é adequada para dados qualitativos obtidos
através de entrevistas, documentações, observações participantes e informações de
estudos avaliativos.
“A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de
apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado
por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de
aplicação muito vasto: as comunicações”. (Bardin, 1977, p.33).

A análise de conteúdo permite a organização de um grande número de


informações coletadas num conjunto de categorias de conteúdo e sugere que o
conjunto de informações seja organizado em termos de ocorrências de conteúdo ou
149

categorias, possibilitando que as mesmas sejam classificadas e analisadas.


(BARDIN, 1977)
Ressaltamos que a análise de conteúdo pode ser considerada como um
instrumento único com diversas formas e possibilidades de técnicas de adaptáveis
em função do campo e do objeto de estudo. Moraes (1999, p.9) argumenta que:

“A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para


descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos.
Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas qualitativas e
quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma
compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura
comum.”

O estudo buscou interpretar os conteúdos objetivos e subjetivos das falas


dos entrevistados, selecionando elementos relacionados à autonomia da gestão,
democracia, participação da sociedade, fiscalização e controle sobre os recursos do
Fundeb, relacionando-os com seus respectivos contextos específicos. Estas
categorias tomaram por base os conceitos tratados de forma teórica, tal como
problematizados no presente estudo.
As categorias foram pensadas, resignificadas e reinterpretadas ao longo dos
processos de levantamento dos dados por conta da complexidade e diversidade dos
aspectos e valores envolvidos com a educação nas esferas locais. Utilizamos a
análise dos registros das observações realizadas no campo utilizando uma
adaptação da tabela que descreve os “Domínios possíveis da Aplicação da Análise
de Conteúdo”, sendo que, a partir desta referência, foi possível codificar e compor o
campo da pesquisa. (BARDIN, 1977). A análise dos dados empíricos obedeceu à
seguinte esquematização descrita abaixo:

Quadro 11 - Aplicação da Análise de Conteúdo


Quantidade de pessoas
Técnica Atores Entrevistados
implicadas na comunicação
Secretários Municipais de Educação
Comunicação dual (diálogo) Entrevista
eRepresentantes dos Pais de Alunos.
Adaptado da tabela: domínios possíveis da aplicação da análise de conteúdo Fonte: Bardin (1977, p. 36).

Desta forma consideramos que a pesquisa qualitativa nos permitiu aprofundar


e avançar sobre algumas das principais questões abordadas na etapa quantitativa
proporcionando uma visão mais completa e robusta de fenômenos que se
150

apresentam complexos e com diversas especificidades que tornam sua


compreensão um desafio de grande magnitude para o pesquisador
151

7 A GESTÃO DO FUNDEB E A PARTICIPAÇÃO EM MUNICÍPIOS NORDESTINOS

Introdução

Este capítulo traz as análises dos resultados quantitativos com objetivo de


disponibilizar para o leitor um panorama geral dos municípios nordestinos em
relação à gestão da educação, recursos do Fundeb e funcionamento dos Conselhos
de Acompanhamento e Controle Social deste fundo com um recorte sobre
autonomia e participação social.
Descrevemos e analisamos os principais achados da pesquisa obedecendo à
seguinte estrutura: (1) perfil de secretários municipais de educação e dos
conselheiros do Fundeb; (2) Autonomia e Articulação: gestão educacional e
conselhos do Fundeb; (3) Participação, Conselhos do Fundeb e Gestão da
Educação.
Focamos na descrição e análise do quadro geral dos municípios nordestinos
em relação à gestão dos recursos do Fundeb destacando o papel dos conselhos.

7.1 PERFIL DOS ATORES

Os dados mostraram que secretários de educação nordestinos têm idade


média de 46 anos. Em 68% dos casos são mulheres contra 32% de homens, uma
diferença considerável. Isto mostra que, neste caso específico da gestão
educacional, a predominância do sexo feminino no comando dos sistemas
educacionais pode ser considerada como um avanço, visto que pelos dados do
Censo 2010 /IBGE, as mulheres, mesmo sendo mais da metade da população do
país, ocupavam apenas 20% dos cargos de comando. A gestão pública da
educação no Nordeste quebrou esta tendência priorizando o sexo feminino no
comando da educação.
Em comparação com a escolarização média da população brasileira o nível
educacional dos secretários é bastante elevado como mostram os dados abaixo:
152

Tabela 3 - Nível de Escolaridade dos Secretários de Educação Pesquisados


Nível %
Médio completo 3,1
Superior incompleto 3,1
Superior Completo 30,1
Especialização 52,5
Mestrado 6,8
Doutorado 3,2
NR 1,0
Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

A escolarização dos gestores educacionais se mostrou elevada porque


apenas 6,2% dos entrevistados não possuíam nível superior. Mas o que nos chamou
atenção foi que 53% dos secretários de educação tinham especialização, 10%
mestrado e/ou doutorado com um somatório total de 63% dos entrevistados
apresentando algum tipo de pós-graduação.
Isto pode estar diretamente relacionado com a expansão do ensino superior e
da oferta de programas de pós-graduação para o interior que vem ocorrendo
sistematicamente no país, ainda que predominem cursos patrocinados por
instituições privadas, dentro de um processo de mercantilização desta etapa de
ensino, onde a maioria é de baixa qualidade. (NUNES, 2007)
Um dado importante diz respeito à vinculação empregatícia dos secretários de
educação já que 84% deles são servidores municipais e 64% são professores, ou
seja, pertecem diretamente ao campo educacional. Estão exercendo o cargo há 2,3
anos em média o que é um aspecto positivo, porque as gestões municipais foram
iniciadas em janeiro de 2013. Desta forma os dados mostram que os secretários
estão no governo desde seu início (mesmo considerando que alguns prefeitos foram
reeleitos), isto mostra uma baixa rotatividade o que é, em tese, algo bom para a
estabilidade da gestão educacional. Possuem uma idade média de 46,4 anos.
Com relação aos conselheiros a idade média observada foi de 40 anos, são
predominantemente mulheres com 71,5% dos casos contra 28,5% de homens e
possuem uma escolaridade média elevada em relação à população brasileira em
geral como mostra a tabela abaixo:
153

Tabela 4 - Nível de escolaridade dos Conselheiros do Fundeb Pesquisados


Nível de Escolaridade %
Fundamental Incompleto 3,6
Fundamental completo 2,0
Médio incompleto 4,4
Médio completo 17,4
Superior incompleto 9,7
Superior completo 27,0
Especialização 34,5
Mestrado 0,8
Doutorado 0,6
Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Os conselheiros com nível superior chegaram a 27% dos casos e os que com
especialização representaram 34,5% do total.
A soma destes percentuais chegou a mais de 61% de membros do conselho
com nível superior e/ou especialização confirmando Tatagiba (2005, p.209) que
afirma: “os conselheiros, no que se refere à renda, escolaridade e engajamento
político-partidário estão bem acima da média nacional”.
A grande maioria dos conselheiros do Fundeb em municípios nordestinos,
assim como os secretários de educação, possui vínculo empregatício com o serviço
público municipal. Os executivos municipais empregam 92,7% dos representantes
dos professores, 96% dos diretores de escola, 95% dos representantes do governo;
97% dos servidores de escola pública.
Estes percentuais eram esperados pela própria natureza da composição do
conselho, mas o que nos chamou mais atenção foi os percentuais dos segmentos
ligados à sociedade civil já que 63% dos representantes de pais de alunos, 92% dos
representantes do CME, 75% dos representantes do conselho tutelar e de forma até
surpreendente 29% dos representantes dos alunos pertecem aos quadros das
prefeituras municipais. Ou seja, existe uma inegável relação entre ser membro do
conselho do Fundeb e servidor municipal no Nordeste. Porém, é preciso levar em
consideração que em municípios pequenos as prefeituras são os maiores
empregadores, sobretudo na educação, com implicações que podem gerar
adversidades em relação à efetividade do controle social da política em análise e
também de outras. O fato é que nos deparamos diante de uma verdadeira ocupação
do espaço dos conselhos por funcionários públicos municipais.
154

Pode até haver interesse do governo local em indicar membros do serviço


público para ocupar as representações da sociedade no conselho ou talvez esteja
ocorrendo resistências das pessoas para assumir um mandato de conselheiro, e a
prefeitura simplesmente indique servidores que estão próximos e passíveis de
serem persuadidos mais facilmente a aceitarem, mas não podemos ignorar que
grande parte das pessoas, em pequenos municípios, são servidores municipais ou
terceirizados em prefeituras e isto, certamente, reflete na composição do conselho
do Fundeb.
Questionamos os entrevistados sobre a forma pela qual se tornaram
conselheiros e 53% afirmaram que foram eleitos pelos próprios segmentos enquanto
20% disseram que foram indicados diretamente pelo secretário de educação ou pelo
prefeito. De toda forma consideramos os resultados como um avanço em relação
aos resultados de outros estudos sobre fundos de financiamento da educação.
(DAVIES, 2006; GUIMARÃES, 2009).
Tabela 5 - Declaração dos conselheiros sobre o modo como passaram a
integrar o conselho
Forma de escolha %
Eleito pelo segmento que representa 53,0
Indicação do (a) Secretário (a) de Educação 15,5
Indicação do Prefeito 4,3
Indicação do segmento que representa 23,4
Outro 3,8
Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Esse cenário mostra avanços em relação à institucionalização e


democratização dos processos de escolha dos membros do conselho. Os dados
revelaram que a maioria dos conselheiros não foi indicada diretamente por
governantes locais, mas sim pelos seus segmentos. Estudos anteriores sobre o
Fundef revelaram uma realidade bem diferente onde a prática mais comum para se
tornar conselheiro era a indicação do governo municipal. (DAVIES, 2006;
GUIMARÃES e SILVA, 2007 e GUIMARÃES, 2009)
O avanço é perceptível no caso do Fundeb, mas ainda assim é preciso ter
cautela porque não é de todo improvável que existam manipulações ou pressões por
parte da gestão local sobre a formação da composição do conselho no sentido de
colocar pessoas de sua confiança para exercer esta atividade. Porém nossos dados
155

não permitem tal afirmação, apenas levantamos a hipótese para lembrar que não é
incomum elites políticas locais se utilizarem de estratégias pouco republicanas para
controlar espaços participativos.

7.2 AUTONOMIA DA GESTÃO EDUCACIONAL E DOS CONSELHOS DO


FUNDEB
Um dado para se refletir se refere aos representantes da sociedade civil, uma
vez que apenas 4,3% dos que exercem a presidência do conselho são pais e 0,5%
são alunos. Ou seja, menos de 5% dos presidentes de conselho não se vinculam
diretamente ao governo municipal. Isto revela discrepância entre este segmento
e os demais no exercício da presidência do conselho.
Tabela 6 - Segmento que exerce a presidência do conselho, segundo a
declaração dos conselheiros
Segmento %
O secretário (a) ou representante do Governo 5,3
Representante dos pais de alunos 4,3
Representante dos alunos 0,5
Representantes de outros conselhos municipais 5,2
Representante dos professores 28,6
Representante dos servidores da educação 7,2
Representante de diretores 27,3
Outro 2,7
NS/NR 19,0
Total 100,0

A questão do exercício da presidência nos revela um dado importante


referente à legislação atual do Fundeb que veta o exercício deste cargo a
conselheiros representantes do governo municipal e, no entanto, verificamos que
isto ainda ocorre em 5,3% dos municípios.
É preocupante observar que 19% conselheiros não souberam ou se
recusaram a responder quem exercia a presidência do conselho. Isto certamente
está relacionado com baixa participação ou mesmo ausência destes conselheiros no
exercício desta função.
Como os dados mostraram que não existe paridade no exercício da
presidência do conselho cabe refletir sobre a necessidade de se promover uma
espécie de rodízio entre os segmentos para a ocupação deste cargo para
156

contemplar e abrir oportunidades para todas as representações, tal como proposto


em outros estudos. (GUIMARÃES, 2009).
Achamos importante relatar algumas dificuldades encontradas em relação à
representação dos alunos no conselho do Fundeb. Como municípios são
responsáveis pelo ensino fundamental, surge um problema etário, já que a maioria
dos alunos desta etapa possui menos de dezoito anos e para exercer o mandato de
conselheiro é preciso ser maior de idade ou emancipado, algo raro na maior parte
das cidades. Diante disto muitas prefeituras recorrem aos seus alunos da EJA ou
estudantes do ensino médio da rede estadual para suprirem esta vaga.
Consideramos que esta estratégia aparentemente resolve a questão, mas ao
mesmo tempo também pode trazer novos problemas para esta representação
porque os estudantes da EJA estão numa outra faixa etária e grande parte deles
estuda no período noturno, desta forma podem não se sentirem motivados de forma
suficiente para participar das atividades do conselho e aqueles que pertencem ao
ensino médio se encontram distantes da realidade da rede municipal,
consequentemente, não fazem parte desta realidade ao ponto de acompanhar e
fiscalizar os recursos de um fundo destinado à rede municipal de ensino.
A autonomia é uma questão que exige uma reflexão a respeito da estrutura e
funcionamento do conselho do Fundeb. Pelo desenho jurídico do programa fica
muito difícil que não exista relação de dependência entre conselho e gestão da
educação municipal.
Basta observarmos o texto do Artigo 24, § 10 da Lei nº 11.494/2007 que
responsabiliza o executivo pelo fornecimento de toda a estrutura necessária para o
funcionamento deste órgão colegiado. Paradoxalmente neste mesmo Artigo consta
em seu § 7o: “Os conselhos dos Fundos atuarão com autonomia, sem vinculação ou
subordinação institucional ao Poder Executivo local e serão renovados
periodicamente ao final de cada mandato dos seus membros”. Fica complicado ter
autonomia para acompanhar e fiscalizar o executivo dependendo da cessão de
estrutura e recursos para o seu funcionamento sem reserva de recursos específica
no orçamento municipal para tais atividades.
Tal situação certamente atrela o funcionamento do conselho ao apoio (e boa
vontade) do governo municipal numa proporção elevada demais. Tanto é que os
dados revelaram que a grande maioria de secretários e conselheiros apontou a
ausência de recursos próprios e a dependência integral da vontade e/ou das
157

condições financeiras do executivo municipal para disponibilizar recursos para o


funcionamento e exercício das atribuições deste colegiado. Some-se a esta situação
o fato de que o local de funcionamento dos conselhos em 90% dos municípios fica
instalado na própria secretaria municipal de educação ou em espaço cedido pela
mesma.
A tabela abaixo mostra as informações obtidas dos secretários e conselheiros
sobre estes vínculos.
Tabela 7 - Declaração dos pesquisados sobre a posse, ou não de recursos
próprios por parte do Conselho.
Recursos Próprios
Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Sim 1,8 Sim 11,3
Não 97,0 Não 77,7
NS/NR 1,2 NS/NR 11,0
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Esses dados sugerem uma reflexão mais cuidadosa a respeito da autonomia


dos conselhos em relação às suas principais atividades para acompanhar e fiscalizar
a aplicação dos recursos do Fundeb por parte do executivo municipal.
Surgiram três questionamentos que colocam em xeque a condição de esfera
autônoma dos conselhos do Fundeb e precisam ser discutidos: (1) como proceder
no caso da prefeitura não disponibilizar recursos suficientes e/ou em tempo hábil
para o conselho poder exercer suas atribuições para verificar obras, reformas e
melhorias nas escolas? (2) ao depender financeiramente de recursos do governo,
sem que exista uma rubrica financeira específica para seu funcionamento e
exercício das suas atividades, o conselho não corre o risco de ficar demasiadamente
atrelado à gestão que ele mesmo deve fiscalizar? (3) ao funcionar, em sua grande
maioria, nas próprias secretarias de educação não torna os conselheiros mais
vulneráveis ou suscetíveis a possíveis ingerências ou interferências de agentes do
governo local?
Em seguida questionamos os dois grupos de entrevistados acerca da
autonomia da gestão educacional sobre a aplicação dos recursos do fundo de
acordo com as necessidades do município. As respostas mostraram que 63% dos
conselheiros e 67% dos secretários afirmaram que existe autonomia.
158

Porém 25% dos secretários e 21% dos conselheiros consideraram esta


autonomia como parcial, ou seja, têm a percepção dos limites existentes em seus
municípios em relação à aplicação dos recursos da educação. A tabela abaixo
descreve as respostas dos dois grupos:

Tabela 8 - Autonomia que os pesquisados declararam ter o município em


relação à aplicação dos recursos do Fundeb

Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Sim 67,3 Sim 63,5
Não 6,6 Não 11,5
Em parte 25,0 Em parte 21,0
NS/NR 1,0 NS/NR 4,0
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Não podemos tomar esses dados, advindos diretamente das respostas, como
a efetiva produção do conhecimento da realidade em estudo. Quando cotejamos os
dados acima com os contidos na tabela 9 incongruências aparecem. Isto, na medida
em que os secretários não afirmaram com tanta veemência o grau de autonomia que
seus municípios dispõem em relação à gestão das diretrizes e da aplicação dos
recursos do Fundeb.

Tabela 9 - Nível de Autonomia que os secretários declararam ter o município


em relação às diretrizes e recursos do Fundeb

Grau de autonomia
%
Alto 42,9
Médio 46,3
Baixo 5,5
Inexistente 0,5
NS/NR 4,7
Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014

Neste sentido, a maior parte informou que o grau de autonomia era médio
(46,3%). É possível que se trate da insuficiência dos recursos para atender ás
demandas educacionais locais. Entretanto, um percentual significativo (42,9%)
159

considerou que o município possui alto grau de autonomia sobre a gestão do fundo.
É possível que estejamos diante da expressão das distintas realidades que
configuram os municípios nordestinos em relação ao Fundeb
Outro dado importante diz respeito ao pagamento dos docentes. Neste
sentido, 61% dos secretários e 52% dos conselheiros disseram que em seus
municípios são utilizados mais de 60% dos recursos do Fundeb para pagar os
profissionais da educação (tabela 10).
Essa informação pode ser encarada como um indicador de autonomia sobre a
aplicação dos recursos, uma vez que a gestão municipal redireciona os percentuais
de acordo com suas demandas como resultado das suas próprias configurações e
especificidades locais. Todavia, pode também indicar insuficiência de recursos para
que as municipalidades cumpram seus deveres para com a educação, conforme as
deliberações constitucionais, o que coloca o tipo de autonomia experienciada em
xeque. Neste sentido, ressaltamos que 15% dos secretários e 26% dos conselheiros
afirmaram que o município gasta 100% dos recursos do fundo para pagar seus
profissionais da educação reforçando que os repasses atuais não são suficientes
para dar conta das demandas educacionais locais.
Lembramos que no Artigo 22 da Lei N° 11.494/07 (Lei do Fundeb) é
determinado que pelo menos 60% dos recursos do Fundo sejam para esse fim e os
demais 40% para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

Tabela 10 - Percentual do Fundeb gasto com o pagamento dos profissionais da


educação no município, segundo que os secretários e conselheiros
Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Menos de 60% 4,0 Menos de 60% 4,0
Exatos 60% 35,0 Exatos 60% 45,0
Entre 61 e 80% 36,4 Entre 61 e 80% 21,0
Entre 81 e 99% 10,2 Entre 81 e 99% 4,6
100% 14,4 100% 26,4
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Os resultados da tabela 10 podem ser encarados como indicadores de


autonomia da gestão municipal sobre a aplicação dos recursos uma vez que os
percentuais podem ser redefinidos em função de demandas locais resultantes das
160

suas próprias configurações e especificidades, mas também ser reflexo da


insuficiência de repasses do Fundeb associada à incapacidade dos municípios em
gerar receitas próprias para compensar essa escassez de recursos do fundo como
já foi demostrado em outros estudos. (DAVIES, 2006).
Reforçando esta questão quase 15% dos secretários e 26% dos conselheiros
disseram que os seus municípios gastam 100% dos recursos do fundo só com o
pagamento dos profissionais da educação.
Estes resultados coincidiram com a insatisfação dos pesquisados em relação
ao montante de recursos do Fundeb destinados aos seus municípios. Apenas 7%
dos secretários e 17% dos conselheiros consideraram os recursos suficientes para
cobrir as despesas educacionais como mostra a tabela 11.

Tabela 11 - Percepção dos entrevistados sobre o valor dos recursos do


Fundeb para financiar as despesas municipais com educação
Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Sim 7,3 Sim 16,8
Não 79,1 Não 61,8
Em parte 12,3 Em parte 16,4
NS/NR 1,3 NS/NR 5,1
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Por outra parte, mais de a metade dos pesquisados (55% dos secretários e
51% dos conselheiros) consideraram existir articulação entre o Conselho e a
Secretaria Municipal de Educação - SME no sentido de participação no
acompanhamento da aplicação dos recursos do Fundo (Tabela 12).
Tabela 12 - Frequência com que ocorre a articulação entre o conselho e a SME
segundo os sujeitos pesquisados
Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Sempre 55,5 Sempre 51,1
Algumas vezes 32,2 Algumas vezes 26,1
Nunca 10,2 Nunca 15,9
NS/NR 1,0 NS/NR 7,0
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Todavia, não ficou evidente de que natureza é a articulação que grande parte
dos pesquisados afirmou existir entre o Conselho e o SME. Ao procurarmos
161

concretizar esta articulação em termos da presença dos conselhos nas discussões


sobre a educação nos municípios, observamos que 57% dos secretários afirmaram
que esta é uma prática que sempre acontece. Mas o percentual de conselheiros que
responderam “sempre” foi menor do que o dos secretários (39%). É preocupante a
disparidade entre as respostas do primeiro grupo em relação as do segundo,
sobretudo em relação aos índices dos afirmaram que nunca o conselho é chamado
para discutir a educação municipal. Enquanto 7% dos secretários disseram que isto
nunca acontece, a mesma resposta foi dada por quase 20% dos conselheiros
(tabela 13).
Ao ser a nossa preocupação de pesquisa investigar como está se dando a
participação dos conselhos do Fundeb na gestão municipal da educação, os dados
são indicativos que esta só ocorre em parte. Segundo Souza e Castro (2012) a
democratização da gestão está intrinsecamente associada à autonomia,
descentralização e a participação. Porém na prática se encontra diante de um
contexto ambíguo onde o discurso democrático esbarra em práticas e ações
gerencialistas que, em muitos casos, comprometem os princípios participativos e
autônomos necessários à sua existência.
A gestão democrática é parte integrante do processo de consolidação da
democracia na sociedade brasileira. Desta forma, na educação, para que ela ocorra
efetivamente é preciso que exista participação social em conselhos, processos
democráticos para a escolha dos dirigentes escolares, presença de projetos político-
pedagógicos e autonomia em todas as esferas governamentais. (PERONI, 2012).
Os resultados da pesquisa indicaram que estas práticas não são
predominantes na maior parte dos municípios pesquisados como mostram as
discordâncias entre os dois grupos de entrevistados na tabela abaixo.

Tabela 13 - Frequência com que os conselhos do Fundeb são convocados pela


SME para discutir a educação segundo os sujeitos pesquisados.
Secretários Conselheiros
Respostas % Respostas %
Sempre 57,0 Sempre 39,0
Algumas vezes 35,0 Algumas vezes 33,7
Nunca 7,0 Nunca 19,6
NS/NR 1,0 NS/NR 7,7
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.
162

Isto revela que existem discordâncias e contradições entre estes dois grupos
de entrevistados que pode indicar dificuldades em relação á compreensão sobre o
que é efetivamente gestão articulada com a participação do conselho nos processos
decisórios da educação municipal.
Porém quando questionados sobre a autonomia do conselho frente à gestão
de educação local, 92% dos secretários de educação afirmaram que os Cacs
atuavam com toda a autonomia necessária para o desempenho das suas atribuições
e 74% dos conselheiros afirmaram que não havia interferências do executivo
municipal em suas atividades. Uma diferença razoável entre os representantes do
governo municipal e os conselheiros. Ressaltando que 20% dos conselheiros
afirmaram que havia interferências e 7% não souberam responder.
Isto nos remete à discussão sobre dois tipos de autonomia educacional em
nível global: a decretada e a construída. A primeira conceituação se refere a uma
prática associada às diversas mudanças no papel do Estado especificamente no que
se diz respeito às transferências de funções educacionais da Esfera Federal para as
unidades subnacionais reconhecendo a sociedade local como parceira de uma
gestão da educação com autonomia. Porém ressalva que uma das principais
características deste tipo de gestão se baseia na possibilidade da gestão
educacional decidir sobre a aplicação dos recursos, mas orientada por parâmetros
definidos centralmente e cuja execução é controlada por um sistema de prestação
de contas à Esfera Federal, ou seja, se trata de autonomia parcial.
A autonomia construída vai além do conjunto de leis, normas e regras que
caracterizam a decretada já que leva em consideração o conjunto de dependências
e interdependências que os atores e instituições da comunidade escolar
desenvolvem entre si e com o meio sociopolítico. Assim a autonomia da gestão vem
de uma confluência de vários interesses (políticos, administrativos, profissionais e
pedagógicos) que necessitam de articulação para equilibrar as forças entre os
representantes dos diversos segmentos envolvidos (governo, profissionais da
educação, pais, alunos e sociedade civil). Para esta corrente não existe autonomia
decretada, mas sim um conjunto de normas e regras formais que regulam a
distribuição de poder, atribuições e competências entre as esferas governamentais.
(BARROSO, 1996)
Nossos dados revelaram uma realidade contraditória e ambígua na maior
parte dos municípios nordestinos uma vez que foi possível identificar características
163

associadas à autonomia decretada nos governos locais por conta da dependência


demasiada dos repasses da União que levam os municípios a seguirem as
orientações e diretrizes das políticas educacionais federais denotando a relação de
controle sobre os entes federados.
E por outro lado não podemos ignorar que a presença dos conselhos como
esferas participativas e de controle social podem representar autonomia construída,
mesmo considerando suas dificuldades e limitações, estas instituições são
resultantes de reivindicações e lutas da sociedade por mais espaço e voz nas
arenas decisórias das políticas educacionais e que funcionam como canais de
participação da sociedade civil. O desafio posto consiste em compreender em que
medida essa autonomia pende mais para uma vertente ou para outra, isto
considerando que dependerá diretamente das características e configurações
sociopolíticas de cada municipalidade.
Ou seja, em relação à atuação dos conselhos, podemos encontrar situações
em que ele seja tutelado ou controlado pelo governo local e assim funcionar mais
como instância legitimadora das ações desta esfera de governo ao mesmo tempo
em que também poderemos nos deparar com conselhos mais autônomos que atuem
com independência no acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos
do fundo por parte do executivo municipal.

7.3 GESTÃO DA EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E CONSELHOS DO FUNDEB

Como já foi dito antes a gestão da educação para ser democrática deve
apresentar como fundamentos principais: participação social, transparência e
descentralização administrativa. O objetivo central deste modelo consiste em
incorporar a sociedade civil aos processos decisórios com autonomia expressada
através de uma postura de independência em relação ao poder executivo municipal
e sem desconsiderar que este segmento também pode atuar cooperativamente
como parceiro do poder público.
Definir participação é uma tarefa complexa por que se trata de um conceito
polissêmico e bastante amplo, mas, de forma sintética podemos classificá-la como a
ação de indivíduos e/ou grupos com o objetivo de influenciar e defender seus
interesses em processos políticos no âmbito do Estado. Também de forma resumida
podemos apontar três vias de participação: (1) eleitoral que corresponde aos
164

processos eleitorais e partidários regidas pela Constituição Federal; (2) coorporativa


que defendem os interesses de organizações de categorias e associações de classe
e por fim a (3) organizacional que abrigam as organizações coletivas no âmbito da
sociedade civil nas articulações e interfaces com a esfera estatal. Nesta última
categoria se encontram organizações como os conselhos gestores, movimentos
sociais, orçamento participativo e ONGs48. (AVELAR, 2007)
Para que a participação seja efetiva é preciso que seja organizada e
legitimada jurídica e socialmente. No campo educacional os principais canais são os
conselhos gestores que devem funcionar democraticamente como espaços de
discussão, deliberação, acompanhamento e fiscalização dos programas
educacionais. (GOHN, 2004)
Foi perguntado aos secretários e conselheiros sobre o Plano Municipal de
Educação (PME) do município com o objetivo de verificar em que medida a gestão
educacional municipal se organiza para planejar estratégias e metas para suas
redes de ensino. As respostas coincidiram com 83% dos entrevistados nos dois
grupos afirmando que seus municípios possuíam PME instalado ou em elaboração.
Neste sentido pudemos inferir que os governos locais estão cuidando da
estruturação da educação e que os conselhos do Fundeb se encontram envolvidos
neste processo de planejamento educacional uma vez que mais de 70% dos
conselheiros confirmaram que esta esfera participou da elaboração do PME.
A tabela a seguir traz informações sobre o acompanhamento e fiscalização
por parte do conselho sobre os gastos da Secretaria Municipal de Educação (SME),
papel estabelecido pela legislação pertinente.
Tabela 14 - Acompanhamento e fiscalização dos recursos do Fundeb
Secretários Conselheiros
Resposta % Resposta %
Sim 81,4 Sim 67,2
Não 16,2 Não 25,3
NS/NR 2,4 NS/NR 7,4
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Os dados mostram que 81,4% dos secretários e 67,2% dos conselheiros


confirmaram que os conselhos atuam no acompanhamento e fiscalização dos

48
Atualmente se aceita uma quarta categorização que se refere aos meios digitais que permeiam e
se articulam com os outros três canais participativos. Possui uma grande importância pelo seu
alcance, poder de informação e persuasão. (AVELAR, 2007)
165

recursos do fundo. Porém, quando os dois grupos se referiram ao nível de controle


que este mesmo conselho exercia sobre os recursos aplicados, as respostas
variaram. Notamos que a maioria opta por uma espécie de zona de conforto em
suas respostas, fenômeno comum em questionários quantitativos quando o
entrevistado não tem certeza da resposta fornecida. (BABBIE, 1999)
Todavia, os dados aparentemente indicam que existe algum controle sobre os
gastos dos recursos do Fundeb na maior parte das municipalidades nordestinas
porque apenas 6,3% dos secretários e 3,8% dos conselheiros se referiram à
inexistência deste controle. (tabela 15)
Tabela 15 - Declaração dos pesquisados sobre o nível de controle dos
recursos do Fundeb por parte do conselho
Secretários Conselheiros
Nível % Nível %
Alto 23,6 Alto 24,8
Médio 51,6 Médio 51,2
Baixo 16,8 Baixo 14,3
Inexistente 6,3 Inexistente 3,8
NS/NR 1,8 NS/NR 5,9
Total 100,0 Total 100,0
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Outra convergência significativa entre as respostas dos respondentes quando


perguntados sobre a importância que ambos os grupos atribuem ao conselho para a
gestão da educação municipal: 88% dos gestores declararam “grande importância”
assim como 82% dos conselheiros.
Conforme informações dos conselheiros pesquisados, observamos que a
frequência às reuniões do conselho é um dado bastante significativo, o que, em
certa medida, é indicativo de algum tipo de participação. Do total, 54% afirmaram
que frequentaram todas as reuniões, enquanto 30% disseram que foram à maioria
delas (tabela 16). Ressaltamos que em 50% dos municípios as reuniões são
mensais, em 20% são bimensais e em 10% trimestrais. Consideramos estes
resultados positivos em relação a alguns estudos anteriores que mostraram uma
grande dificuldade para se promover as reuniões justamente pela ausência ou pouca
participação dos conselheiros. (DAVIES, 2006, GUIMÃRES e COUTINHO, 2007 e
GUIMARÃES, 2009).
166

Tabela 16 - Frequência dos conselheiros às reuniões do conselho


Frequência %

De todas 54,0

Da maioria 30,6

De algumas 12,4

Nunca participa 1,0

NS/NR 2,0

Total 100,0

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Todavia, é preciso qualificar este tipo de participação, pois nem sempre estar
presente significa ser capaz de influir nas decisões e consequentemente participar
de forma efetiva. Para sustentar esta afirmação relembramos a tipologia clássica de
participação social: a presencial que é tida como a forma mais passiva, menos
intensa e marginal; a ativação onde indivíduos exercem diversas atividades
delegadas e por fim a participação (propriamente dita) ou decisão onde o indivíduo
atua e contribui direta ou indiretamente para uma decisão política. (GOHN, 2007).
O Brasil vivenciou nos últimos 20 anos uma proliferação de novos espaços
participativos como o orçamento participativo e os conselhos gestores em geral. Isto
é considerado como um fenômeno fundamental para a consolidação democrática
brasileira porque ajuda a diminuir às desigualdades como também a combater
práticas patrimonialistas que favorecem a corrupção nos executivos municipais. Isto
pode ser encarado como um processo de “democratização da democracia” por meio
da inserção da sociedade civil nestes espaços institucionais participativos. Não é por
acaso que diversos governos locais buscam cooptar os conselhos na tentativa de
controlá-los e/ou dificultar suas atividades. (AVELAR, 2007)
Consideramos que os conselhos gestores representam um importante avanço
democrático, mesmo considerando os obstáculos que ainda hoje precisam ser
superados para a consolidação desta prática de gestão de políticas educacionais.
Por mais que os caminhos trilhados tenham apresentado interferências por parte de
diversos interesses pouco-republicanos e dificuldades impostas pelas próprias
configurações da sociedade brasileira, o fato é que incontestavelmente, eles fazem
parte do ambiente da administração pública brasileira de forma sólida e talvez
167

irrevogável, e propiciam aos segmentos da sociedade civil, mesmo que lentamente,


a oportunidade de aprender a “participar participando” da gestão municipal.
(AVRITZER, 2004)
Tanto é que os que se consideram com muita influência sobre o conselho são
diretores (64,6%), representantes do CME (61,8%) e professores (57,5%), ainda que
mostrem que os conselheiros, em geral, se percebem como tendo alguma influência
sobre as decisões do conselho (tabela 17).
Tabela 17 - Informação dos conselheiros sobre a sua influência nas decisões
do conselho de acordo com o segmento a que pertencem
Segmentos Nível de Influência

Nenhuma Pouca Muita NS/NR Total

Governo 4,2% 40,4% 53,5% 2,0% 100%

Professores 3,3% 37,1% 57,5% 2,0% 100%

Diretores 3,0% 30,5% 64,6% 1,9% 100%

Pais de Alunos 3,5% 43,4% 50,1% 3,0% 100%

Servidores 6,0% 43,3% 47,9% 2,8% 100%

Alunos 6,5% 54,8% 32,9% 5,8% 100%

CME 2,7% 33,2% 61,8% 2,3% 100%

Conselho Tutelar 9,0% 47,2% 41,7% 2,1% 100%

Outro 2,0% 41,4% 54,6% 2,0% 100%

NS/NR 2,5% 42,0% 50,6% 4,9% 100%

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.


Em seguida questionamos os conselheiros sobre qual seria os principais
problemas enfrentados pelo conselho para cumprir com suas atribuições e contribuir
com a melhoria da educação no município. Mesmo com os pesquisados, em sua
maioria, afirmando que poucos faltam às reuniões, mesmo assim estas faltas são
vistas como um problema para o exercício de suas atribuições por 27,3% dos
conselheiros. A este empecilho se alia a falta de compromisso, dificuldade citada por
18,3% dos pesquisados de conselheiros. Ainda foram citadas dificuldades em
relação à falta de capacitação dos conselheiros citada por 21% e deficiências de
infraestrutura citada por 12% dos conselheiros.
A questão da capacitação dos conselheiros deve ser encarada como um fator
importante frente ao conjunto de conhecimentos que um membro do conselho
168

precisa ter para o exercício pleno das suas atividades, ainda mais diante da
realidade de ausência de recursos próprios que impedem o investimento em
contratação de profissionais especializados para ajudar a suprir essas deficiências.
O conselho enquanto esfera participativa e de controle social deixa muito a desejar
em relação aos órgãos fiscalizadores oficiais (Tribunais de Contas, Ministério
Público, etc..) que contam em seus quadros com profissionais especializados para
auxiliar os trabalhos de fiscalização.
Elaboramos um “cruzamento” das variáveis ‘grau de dificuldade para
compreender as diversas documentações exigidas para as atividades dos
conselhos’ e ‘nível de escolaridade dos conselheiros’ e observamos que mesmo
entre os mais escolarizados os percentuais de dificuldades para compreender
documentos, legislação e planilhas é consideravelmente alto.

Tabela 18 - Dificuldades em compreender documentações do conselho


segundo a visão dos conselheiros
Escolaridade Fácil Difícil Muito Difícil Incompreensível NS/NR

Fundamental 25,0% 42,3% 12,5% 3,7% 16,5%


Ensino Médio 36,3% 40,3% 8,6% 2,3% 12,6%
Superior 37,2% 43,9% 8,8% 1,4% 8,6%
Pós-Graduação 39,1% 43,0% 9,0% 1,8% 7,1%

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Os dados mostram que mesmo entre os mais escolarizados existem


dificuldades consideráveis para dar conta da compreensão das planilhas financeiras,
das especificidades da legislação do fundo e dos meandros de um orçamento. Isto
implica que ainda é preciso se investir muito (e em várias frentes) para se alcançar
um patamar onde os conselhos possam atuar com estruturas apropriadas para o seu
funcionamento e contar com conselheiros aptos e com a formação condizente para o
desenvolvimento adequado das suas atribuições com autonomia.
O sistema representativo no Brasil é uma questão complexa, na medida em
que o exercício da participação ainda é um processo em aprendizagem, dado a
pouca tradição que temos da vigência de regime democrático. Tal como ocorre com
partidos políticos que pouco representam os interesses de segmentos ou grupos
sociais, o mesmo acontece com outras instâncias organizativas da sociedade, a
169

exemplo dos conselhos em investigação. É pelo processo representativo que os


representados delegam a seus representantes o poder de agir em seu nome e
decidir sobre as diversas questões da vida política, porém com freqüência os
representantes agem e decidem por conta própria sem levar em consideração a
vontade dos representados. (FERREIRA e BRAGA, 2009; PAIVA, BRAGA e
PIMENTEL JR, 2007)
Neste sentido, 38% dos conselheiros pesquisados declararam nunca se reunir
com os segmentos que lhes cabem representar no Conselho visando um tipo de
participação melhor qualificada e legítima. Do total, 25% declararam que se reúnem
com seus segmentos, e 37% que se reúnem algumas vezes. Se voltarmos a dados
já apresentados que dizem respeito ao modo de escolha das pessoas para
integrarem o conselho, compreende-se que ainda não há um enraizamento em
nossa sociedade de um modo mais proativo de participação nesses canais que
foram abertos nas últimas décadas visando o exercício do controle social das
políticas publicas.
Existem tensões e contradições latentes no atual debate atual sobre os
mecanismos de controle social, especificamente os conselhos, com posições
antagônicas. Entre elas destacamos: (1) Aqueles que defendem os conselhos como
principais espaços de ocupação por parte dos segmentos sociais na luta para a
conquista de mais poder decisório no âmbito das políticas sociais; (2) existem os
que propõem que essas esferas participativas, por serem facilmente capturadas e/ou
tuteladas pelos interesses locais, sejam desconsideradas ou redefinidas; (3) e
temos, ainda, os que julgam que tais espaços devem ser tensionados
constantemente para serem ainda mais ocupados pela sociedade civil organizada,
apesar de seus limites de atuação, numa conjuntura sociopolítica permeada por
conflitos, lutas e tentativas de cooptação por parte de interesses locais, em sua
maioria, não republicanos.
Ressaltamos que no espaço dos conselhos comumente se expressam
relações de forças existentes no conjunto da sociedade. Estas esferas não estão
acima da sociedade e, portanto, não são imunes a conflitos de interesses, cooptação
e disputas sobre a direção da política social, mesmo que isto não esteja claramente
explicitado. Deste modo não é incomum testemunhar situações onde conselhos
podem se constituir em instrumentos de legitimação, no sentido de dar uma
impressão de democracia, nas iniciativas do poder local para cooptar e/ou tutelar a
170

sociedade civil a serviço dos seus próprios interesses, fazendo com que ao invés de
controlar estas esferas passem a ser controladas. (BRAVO e CORREIA, 2012)
Assim dentro desta perspectiva, a prática de ouvir seus segmentos antes das
reuniões para ter conhecimento das demandas e reivindicações da comunidade,
como sinal de independência e democratização da representação nesta esfera
participativa ainda se mostrou aquém do desejado. As respostas mostraram que
25% deles se reúnem sempre, 37% algumas vezes e 38% nunca se reúnem com a
sociedade civil. Isto mostrou que ouvir à população para conhecer seus problemas e
levar suas demandas ao conselho com mais propriedade ainda é feito de forma
tímida e não se constitui como prática cotidiana no exercício da representação pela
maior parte dos conselheiros.
Em relação aos gestores, os dados revelaram que na hora de tomar decisões,
a articulação entre gestão e conselho não se faz tão presente assim na maior parte
dos municípios. Dentre os secretários 17,7% confirmaram que o conselho era
consultado e entre os conselheiros 19,7% fez o mesmo. O diálogo com o conselho
na hora de decidir sobre a aplicação dos recursos do fundo não se mostrou como
uma prática recorrente por parte do executivo municipal.
Quando perguntados sobre a participação direta da sociedade civil apareceu
grande uma discrepância nas respostas dos dois grupos de entrevistados. Enquanto
48% dos secretários afirmaram dialogar com este segmento para ajudar a decidir
sobre aplicação de recursos, apenas 23,8% dos conselheiros disseram ter
conhecimento destas iniciativas. E, diga-se de passagem, que reconhecemos que a
pesquisa não capturou como era feito esse diálogo (reuniões, plenárias, seminários,
etc.)
Estas diferenças também apareceram de forma significativa nas respostas em
relação ao executivo municipal decidir sozinho sobre o destino da aplicação dos
recursos do Fundeb. Para 11,5% esta era a prática adotada pela sua gestão
percentual bem abaixo dos 40,5% de conselheiros que afirmaram não existir
qualquer tipo de diálogo do executivo municipal com o conselho ou com a sociedade
civil.
Mesmo assim não podemos desconsiderar que parte significativa dos
respondentes confirmou que existe diálogo entre a SME com os conselhos e/ou
sociedade civil. Se pegarmos os somatórios das duas primeiras categorias da tabela
171

observamos 65,7% das respostas dos secretários e 43,5% dos conselheiros


mostram que esta iniciativa está presente em seus municípios.

Tabela 19 - Estratégias declaradas pelos pesquisados que a SME utiliza para


decidir como aplicar os Recursos do Fundeb.
Categorias
Secretários Conselheiros
Estratégias % %

Ouvindo a Sociedade 48,0 23,8


Dialogando com o Conselho 17,7 19,7
A Gestão decide por conta própria 11,5 40,0
Outros 8,6 11,0
NS/NR 14,2 5,5
Total 100% 100%
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Os dados mostraram que ainda existem muitas dificuldades em relação ao


funcionamento dos conselhos e sobre a atuação e papel dos conselheiros.
Acreditamos que precisam continuar a serem enfrentadas pelo conjunto de forças
sociais e políticas comprometidas com a educação em defesa do federalismo com
regime de colaboração que dão sustentação à gestão democrática da educação
para melhorar a qualidade do ensino ofertado nos municípios do Nordeste. O
Fundeb é um importante instrumento de consolidação desta luta, e seus conselhos,
como esferas participativas, que ainda mostram fragilidades na estrutura de
funcionamento e atuação dos seus membros, devem ser objeto de ações para
melhorar esta realidade e, também, de constante vigilância por parte de setores
sociais, governamentais e das instituições de controle.
Porém não podemos ignorar os diversos avanços capturados pelo estudo em
relação às praticas da gestão educacional e dos conselhos, principalmente se
comparado com o fundo antecessor – Fundef. É inegável que muita coisa mudou
para melhor em relação à participação da sociedade no acompanhamento e
fiscalização da gestão educacional que estão minando aos poucos velhas práticas
patrimonialistas e assistencialistas que estão perdendo espaço, ainda que
lentamente, sobre os processos de institucionalização dos mecanismos de repasses
e fortalecimento das esferas de controle e participação da sociedade, mesmo
considerando a presença desproporcional de servidores municipais ocupando as
172

vagas de outras representações e a hegemonia de professores sobre as demais


categorias nos espaços dos conselhos.
Mesmo assim consideramos que a cultura de participação dos segmentos
sociais nas políticas educacionais, aos poucos vai sendo absorvida e aceita pelos
gestores educacionais, indo além de reivindicações e reclamações difusas da
sociedade como um todo, para assumir uma condição institucional, através dos
conselhos, e de corresponsabilidade na gestão de recursos e políticas educacionais
nas esferas locais. A sociedade aos poucos vai ficando mais atuante no espaço das
decisões, acompanhamento e fiscalização dos recursos da educação. Assim
podemos, de acordo com os dados, concluir preliminarmente que, no executivo
municipal, existe autonomia sobre a aplicação dos recursos do Fundeb, porém isto
não quer dizer quer a gestão da educação tenha independência suficiente para
decidir sobre suas próprias políticas educacionais por que, em geral os municípios
nordestinos, se encontram numa situação de grande dependência de recursos
federais.
Em relação aos conselhos, os dados nos revelam que os segmentos sociais
estão presentes, porém muito mais por conta da necessidade do executivo municipal
em atender às exigências da Lei 11.494 (Artigos 24 e 25) do que, propriamente, por
iniciativas espontâneas da própria sociedade civil. Assim podemos concluir que a
participação social no âmbito dos conselhos do Fundeb, apesar dos avanços
registrados pela pesquisa em relação ao fundo antecessor, ainda se encontra muito
próxima e dependente da gestão educacional, mostrando que os conselheiros, de
forma geral, até por conta dos seus vínculos empregatícios com o executivo
municipal, se encontram demasiadamente próximos e suscetíveis de serem
influenciados pela secretaria de educação.
No próximo capitulo aprofundaremos as principais questões debatidas aqui
sobre gestão educacional, autonomia e participação nos conselhos do Fundeb com
as entrevistas em profundidade.
173

8 O FUNDEB NO MOVIMENTO DA GESTÃO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO

Neste capítulo analisamos os depoimentos dos secretários municipais de


educação e de conselheiros representantes dos pais de alunos em dois municípios
nordestinos, procurando apreender suas percepções sobre a autonomia da gestão
educacional em articulação com seus papeis e atribuições frente ao Conselho de
Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. Se os dados de ordem quantitativa
permitiram um panorama geral da gestão no Nordeste, neste capítulo buscamos
aprofundar e relacionar a percepção dos entrevistados com a realidade da qual nos
aproximamos no capítulo anterior.
De início, é oportuno lembrar que os dois municípios pesquisados se
diferenciam em diversos aspectos como: população, tamanho da rede municipal e
IDEB. Como já foi dito anteriormente, a ideia foi estudar uma cidade de grande porte
(A) com outra de menor (B)49 com o objetivo de identificar diferenças e similaridades
em relação à autonomia da gestão educacional e a participação da sociedade civil
no controle e acompanhamento do Fundeb.
Assim, criamos uma codificação específica para garantir o anonimato dos
entrevistados e identificar seus depoimentos no texto. Realizamos entrevistas com o
secretário de educação e dois conselheiros representantes dos pais (sociedade civil)
em cada município selecionado. Estes códigos são colocados ao final dos trechos
dos depoimentos citados50.
Neste estudo a autonomia se encontra vinculada à ideia de participação social
nos conselhos do Fundeb e de descentralização (desconcentração) de poder numa
perspectiva de independência, liberdade e/ou autossuficiência administrativa dos
entes federados.
Este conceito, em relação às municipalidades, pressupõe liberdade para
legislar e tomar decisões sem interferência das outras esferas governamentais. Isto
por que, na federação brasileira51, os municípios possuem as garantias

49
Município A - Grande (mais de 500.000 habitantes) Município B - Pequeno (menos de 50.000
habitantes)
50
Códigos dos atores entrevistados: Município A: Secretário de Educação - SEA, Conselheiro
Representante dos Pais de Alunos 1 - CRP1A e Conselheiro Representante dos Pais de Alunos 2 -
CRP2A. Município B: Secretário de Educação - SEB, CRP1B e CRP2B.
51
Em relação à gestão educacional a Constituição Federal de 1988 garante autonomia aos entes
federados em seu Artigo 8º: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em
174

constitucionais necessárias para estabelecer suas próprias agendas administrativas


e definir suas prioridades de governo.
A questão que se coloca é: se dentro do pacto federativo brasileiro estas
unidades subnacionais conseguem efetivamente atuar, do ponto de vista político,
como esferas administrativas autônomas, em relação às suas políticas educacionais.
(DUARTE, 2002; FERREIRA, 2004)
A participação é compreendida como experiências que proporcionam a
absorção de sentidos e significados aos indivíduos ou grupos sociais que os levam a
se tornar protagonistas da sua história. Assim, o debate sobre as transformações
sociais em democracias passa necessariamente pela participação social e política
dos indivíduos e pelas questões referentes à distribuição do poder nessas esferas
por meio da representação.
E para entender os sujeitos no exercício de uma ação participativa política,
atuando como protagonistas da sua história, é preciso considerar o projeto de
sociedade que os envolve que age sobre seus discursos e práticas. Destacamos
que os sujeitos se encontram envolvidos por uma rede de relações sociais,
econômicas, culturais e políticas que tem como mediador o Estado regulador.
(GOHN, 2005)

7.1 AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA GESTÃO DO


FUNDEB

Uma das evidências da pesquisa diz respeito à dependência do conselho em


relação à gestão local no sentido de que, para funcionar, ele precisa da estrutura
física da secretaria e de verbas para aquisição de material de escritório, passagens
para os conselheiros, etc. Isto ocorre porque os conselhos não possuem recursos
específicos reservados para suas atividades. Destacamos abaixo trechos dos
discursos que indicam esta situação de dependência.
[...] assim, ele não tem uma sede, outra. Mas tem
espaço, dentro da secretaria, destinado para o

regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino. § 1º Caberá à União a coordenação da


política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função
normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais § 2º Os sistemas
de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei. A CF de 1988 possibilitou aos
Municípios criarem seus próprios sistemas de ensino, dando aos mesmos autonomia “relativa” na
formulação de suas próprias políticas educacionais para educação Infantil e ensino fundamental.
175

conselho. Ele não tem ainda o recurso destinado para o


conselho. Mas o que eles precisam a gente tem
atendido. Inclusive até participação em eventos, quando
eles solicitam. (SEA)

Na verdade eles estão se organizando agora; então eu


acredito que estamos marchando para isso; para que
eles venham a ter, não sei se uma sede própria, mas
uma sala própria, um espaço próprio. Eles quando
precisam fazer as reuniões deles; eles solicitam aqui e
nós temos um auditório pequenininho que dá tranquilo
para eles usarem e fazem a reunião deles ali. (SEB)

Tá atrelado ao orçamento da própria secretaria. Então


quando a gente precisa a gente solicita deles. E
também... A gente depende da disponibilidade deles,
né? Não é a hora que a gente realmente quer. Não é
um orçamento real, né? Eles disponibilizam de acordo,
sei lá... (CRP1MA)

Os conteúdos discursivos mostram proximidade entre a estrutura do conselho


e a administração municipal, o que facilita relações de subordinação e/ou vinculação
excessiva entre as duas esferas que podem vir a comprometer, pelo menos em
parte, a autonomia dos conselheiros sobre o cumprimento das suas atribuições.
É importante ressaltar que a Lei 11.494/07 dá garantias jurídicas para que o
conselho do Fundeb não fique subordinado ao governo municipal. Suas decisões
devem ser tomadas de forma independente, em assembléia geral, registradas em
atas e/ou resoluções, de maneira a garantir que não haja interferência política em
suas deliberações.
Os conselheiros podem, sempre que julgarem necessário, apresentar ao
poder legislativo local e aos órgãos de controle interno e externo manifestações e/ou
denúncias formais sobre registros contábeis e demonstrativos gerenciais do Fundo.
Podem ainda convocar o secretário de educação para prestar esclarecimentos sobre
recursos e execução das despesas.
Isto mostra que, do ponto de vista legal, há garantias para o exercício da
autonomia. Mas, na prática, a dependência que tem o conselho da secretaria de
educação para funcionar, pode tolher esta autonomia.
Os dados advindos dos questionários indicam que a maior parte dos
secretários (92,4%) considera que os conselhos atuam com autonomia. O que, por
sua vez, é indicativo de que a dependência material das secretarias não é vista
176

como um empecilho à autonomia. No entanto, cabe questionar se é possível exercer


o controle e acompanhamento dos recursos utilizados pela gestão municipal quando
se é dependente dela.
Ao que tudo indica, há conselheiros que não têm clareza a respeito do que
seja o exercício da autonomia. No entanto, esta percepção não é comum a todos,
haja vista o contexto discursivo abaixo indicando a presença de práticas autoritárias
e conservadoras na gestão do Fundeb:

[...] tem autonomia, mas de acordo com quem tána


presidência, na coordenação, entendeu? De acordo
com quem tá participando mais à frente, em alguns
momentos se perde um pouco dessa autonomia,
entendeu? (...) Mas dependendo, por exemplo, do
secretário que tá lá naquela época. Tem todo esse
negócio político. (CRP1MA)

[...] Em boa parte, sim. Tem momento que não. [...]


Entendeu? Mas tem momento que a gente bate de
frente, muitas vezes é até... Momentos sim, outros
momentos, não. (CRP2MA)

Eu acho que sim. Até porque tem representação de todo


tipo: aluno, pais e funcionários... (CRP2MB)

O exercício da gestão democrática exige, dentre outras coisas, uma


articulação entre a sociedade civil e o governo (o que inclui o governo municipal) no
sentido da participação nas decisões, acompanhamento e controle do
desenvolvimento das políticas públicas (ABRANCHES e AZEVEDO, 2004). Isto
implica a incorporação de segmentos sociais organizados para atuarem com
autonomia nestes processos, e uma atuação dos seus representantes, de algum
modo, assentada e compartilhada com/na sociedade civil, na perspectiva da
democratização das ações do governo. Para tanto, a condição autônoma é requisito
para uma atuação que se mantenha relativamente independente em relação ao
poder executivo, o que não constitui tarefa fácil dado que a composição dos
conselhos gestores no Brasil, em geral, é híbrida (PEREIRA, 2007).
Porém, é importante ressaltar que a autonomia do conselho não exclui
parcerias e colaboração com o executivo municipal, ao contrario, isto faz parte do
papel e das atribuições desta esfera participativa. Neste caso o papel da sociedade
civil é fundamental para que estas esferas rompam com as antigas práticas e
177

possam servir como instrumentos de melhoria para a educação municipal.


(GUIMARÃES, 2009)
Se, por um lado, identificamos que a proximidade física entre conselho e
administração municipal pode comprometer o desenvolvimento das atividades dos
conselheiros, por outro, o modo pelo qual os membros assumem seus postos nos
parece que não tem por base vivências de processos participativos.
Aparentemente existem influências de dirigentes municipais e escolares sobre
a escolha dos membros que vão compor o conselho. Além disto, observamos que
parece não existir discussão sobre o papel dos conselheiros frente à gestão
educacional. Isto em nenhum momento foi mencionado nos depoimentos.
Os dados indicaram que, em muitos casos, as pessoas relutam para assumir
um mandato de conselheiro, e com isto a secretaria de educação age para
preencher as vagas disponíveis52. Situação que contraria a Lei 11.494/07 de criação
do Fundeb sobre a escolha dos membros do conselho.
Esta lei no seu Artigo 24, parágrafo 1, item IV define a composição do
conselho do Fundeb no município e no parágrafo terceiro estabelece critérios de
escolha.
[...] membros dos conselhos previstos no caput deste
artigo serão indicados até 20 (vinte) dias antes do
término do mandato dos conselheiros anteriores por: I-
dirigentes dos órgãos federais, estaduais, municipais e
do Distrito Federal e das entidades de classes
organizadas, nos casos das representações dessas
instâncias; II - nos casos dos representantes dos
diretores, pais de alunos e estudantes, pelo conjunto
dos estabelecimentos ou entidades de âmbito nacional,
estadual ou municipal, conforme o caso, em processo
eletivo organizado para esse fim, pelos respectivos
pares; III - nos casos de representantes de professores
e servidores, pelas entidades sindicais da respectiva
categoria.

Os contextos discursivos, como já citados anteriormente, mostram que a


escolha não tem respeitado a lei, dando-se por meio de artifícios que não envolvem
processos participativos. Indicam, igualmente, que não tem se considerado o papel
dos conselhos e, portanto, a sua importância para o alargamento dos espaços
democráticos. Os depoimentos abaixo ilustram estas observações:

52
Ver depoimento da SEB na página 199.
178

Foi feita uma reunião, onde foi perguntado quem


gostaria de participar, e tal. E eu me propus em fazer
parte. Então, não, não, foi lá, foi lá. Ele fez a pergunta
quem gostaria de representar. Quem teria até
disponibilidade. Lá na Prefeitura. Eles perguntaram.
Tinham alguns funcionários, e ele perguntou quem teria
disponibilidade. Foi no Conselho do FUNDEB, aí, teve o
sorteio... (CRP2MB)

É minha primeira vez, não é? Na primeira a gente fica


meio... a reunião assim... Quem me convidou pra vir pra
reunião foi a diretora da escola. Antes foi conselho dos
pais. Então no dia seguinte eu vim até aqui pra reunião.
No dia da reunião, me perguntaram se eu não queria
ficar com os pais, como conselheiro aqui do Fundeb.
Entendeu? Fazer parte, então eu aceitei. Me
convidaram... A diretora... Avalizou e indicou.
(CRP1MA)

Vale registrar que nos dois municípios, a que pertencem os entrevistados, os


processos de escolha de diretores ocorrem por indicação do governo, e não por
eleição direta. Ainda que a eleição direta para gestores de escolas não seja
suficiente para o exercício da gestão democrática, é, sem dúvida, um componente
importante para este exercício, como já foi demonstrado em alguns estudos (PARO,
1996; SILVA, 2006; ESQUINSANI, 2013). Desta forma, não é de estranhar o modo
de participação da gestão municipal na escolha dos membros do conselho.
Em geral, verificamos que existe preocupação por parte da gestão
educacional em preencher as vagas de conselheiros. A existência e funcionamento
do conselho, lembramos, é uma exigência imposta normativamente para que os
municípios recebam os repasses de recursos do Fundeb.
Assim, é preciso considerar o contraditório espaço em que se situam os
conselhos gestores. De um lado, suas raízes vêm das demandas sociais, dos anos
1980, por maior participação na definição e acompanhamento das políticas públicas,
o que lhes imprimiu o caráter de mecanismo de ampliação dos espaços decisórios e,
portanto, de democratização do Estado. (TABAGIBA, 2002). De outro, mas
interligadamente, sua existência como condicionalidade para que os entes federados
tenham acesso a determinados programas (caso do Fundeb), tem levado a que o
cumprimento da norma legal se sobreponha aos seus fins precípuos.
Já o pouco interesse das pessoas em participar, em face mesmo dos limites
impostos pela ausência de uma cultura participativa, pode trazer oportunamente o
alinhamento entre o conselho e o governo municipal, comprometendo a sua
179

autonomia. Neste sentido, os depoimentos demonstram que existem dificuldades


para achar pessoas na sociedade dispostas a participar, e, diante disto, a secretaria
de educação termina optando pela solução mais fácil indicando pessoas próximas,
que, por esta proximidade, podem ser mais suscetíveis a cooptação. Este quadro
pode levar o conselho a ficar mais alinhado aos interesses do grupo à frente da
administração municipal, reforçando as distâncias entre o governo e a sociedade
civil.
Tal situação reflete a presença de elementos da cultura cívica brasileira que
ajudam a sustentar essa falta de interesse da população em geral pela participação
cidadã. Não se pode negar que existem movimentos participativos no campo
educacional que vão desde o ambiente escolar até a gestão de recursos e
programas. Porém, ainda se faz necessário o enfrentamento de diversos e
resistentes obstáculos à participação social no país como um todo. (GOHN, 2005).
Entre eles temos a fragilidade burocrática da grande maioria dos municípios, ao que
se alia a continuidade, ainda, de um poder conservador que se manifesta, dentre
outras maneiras, em práticas autoritárias em suas formas de mando.
A pouca tradição cívica, no sentido da luta ou do exercício dos direitos de
cidadania de grandes contingentes da população brasileira (que sem dúvida se
encontra associada aos baixos índices de escolaridade de grande parte desta
mesma população) se expressa na ausência de uma cultura participativa, fato que
ainda se constitui como uma grande barreira para que haja a democratização do
Estado por meio da participação da sociedade nas decisões e no controle das
ações.
O conteúdo das falas dos gestores sugere a dificuldade em convencer as
pessoas a participarem, denotando pouca familiaridade com esta atividade. De fato,
no capítulo anterior mostramos que 63% dos representantes de pais de alunos e
30% dos representantes de alunos eram servidores da prefeitura, o que possibilita
quase a fusão do governo e da sociedade civil neste caso. Os conteúdos dos
depoimentos reforçam esta ideia já que os gestores mencionam “preparar mais as
pessoas para atuar”. Vejamos alguns depoimentos:

[...] acho que o principal é fazer com que cada um


entenda qual é o seu papel. Esse é o principal objetivo
nosso inclusive. Para que eles saibam exatamente o
que fazer porque não é fácil viu, eleger conselho; às
180

vezes a gente pede, "pelo amor de Deus, venha, se


candidate.", porque realmente as pessoas falam, "ah, eu
não tenho tempo. Eu não vou ganhar nada com isso." e
a gente fez um trabalho dessa vez de dizer, "não. Você
vai ganhar sim! Você vai saber, você vai fazer parte de
um momento histórico da “cidade B”. Porque a gente
está tratando muito a “cidade B” como, que a “cidade B”
está passando por um momento histórico de mudança,
de transparência total das coisas que estão
acontecendo. (SEB)

[...] eu quero ver como é que a gente vai conseguir


preparar o diretor pra ser o gestor. Nós estamos
começando já a fazer uma programação pra isso, mas a
participação dos pais, a comunidade, os alunos, ela
precisa ser mais bem preparada. (SEA)

Os desafios maiores são esses. Eu acho que não só


estruturar melhor o conselho, com relação à
infraestrutura, que é uma coisa que todos percebem,
mas principalmente preparar as pessoas para
desempenhar o papel muito bem e saberem da
importância dele. (SEA

Por outro lado, notamos alguma preocupação da administração municipal em


relação à participação. Neste sentido, os contextos discursivos abaixo indicam,
mesmo que sutilmente, uma percepção da importância da participação da sociedade
nas esferas participativas.

E é preciso que a gente entenda que tem que preparar


tanto os gestores das escolas, mas é a gestão
democrática, a gente precisa prepara melhor o
conselheiro. Pra que os pais que venham sempre no
conselho ele entenda qual é o papel dele ali. Ele não tá
ali porque ele é amigo do diretor da escola; ele não tá ali
pra ser cúmplice da direção, da gestão da escola; ele tá
ali pra olhar a escola pelo bom desempenho, pra formar
bem o seu filho. Isso é longo, é difícil, mas é pro bem.
(SEA)

[...] a gente percebe que existe a necessidade deles


(conselheiros) entenderem o que eles estão
representando; porque, geralmente, pelo menos era
isso que acontecia na anterior (gestão), que as pessoas
estavam ali, com exceção do presidente, às vezes, sem
saber, estão representando o quê?"o que eu estou
fazendo aqui?" [...] "me elegeram e eu estou aqui,
pronto.". E a gente não quer isso, a gente quer um
181

conselho bem atuante, que seja formado para isso.


(SEB)

O conteúdo desses contextos discursivos reflete bem um dos grandes


problemas da participação no Brasil ainda hoje, vinte e sete anos após a
promulgação da Constituição de 1988 que criou espaços participativos reservados
aos segmentos da sociedade para acompanhar e fiscalizar os programas sociais: a
pouca tradição democrática brasileira que dificulta a aproximação maior do cidadão
da vida política da sua comunidade e do próprio país. O exercício da democracia
para grande parte da população ainda está restrito aos processos eleitorais.

7.2 AS CONTRADITÓRIAS RELAÇÕES: O CONSELHO E A SECRETARIA


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, O MUNICÍPIO E O GOVERNO FEDERAL.

Se, por um lado, existe uma forte dependência do conselho em relação à


administração municipal, por outro, os secretários entrevistados deixam entrever nos
seus depoimentos que o percebem como possível parceiro na gestão da educação.
Todavia, como mostram os contextos discursivos, eles consideram limitado o modo
como os conselheiros desenvolvem o acompanhamento, controle e fiscalização das
ações relativas aos recursos do Fundeb no município. Expressões como “eu acho
que o conselho precisa ser mais proativo”; “o conselho pode participar mais”; “o
conselho é para ser parceiro da gestão” trazem subjacente este tipo de percepção.

Eu acho que o conselho precisa ser mais proativo.


Talvez ele diga: ah, é porque a gente não tem
oportunidade... Eu acho que é uma iniciativa deles,
porque os conselhos têm autonomia, eles são parceiros;
quer dizer, eles têm toda uma definição política de
atuação, e ele é um órgão de apoio, e um órgão
também que pode contribuir na definição de políticas,
então eu penso que o conselho pode participar mais.
(SEA)

[...] então vai ser muito bom para a gente que o


conselho seja um conselho bastante ativo para ajudar. A
gente não quer um conselho que vai “escrachar” com a
gestão. Até a gente está trabalhando para que a gente
trabalhe em uma parceria porque o conselho é para
isso, para ser parceiro da gestão. (SEB)
182

Os gestores manifestam expectativas em relação a uma atuação mais


qualificada no futuro: “então vai ser muito bom para a gente que o conselho seja um
conselho bastante ativo para ajudar”; “ele é um órgão de apoio, e um órgão também
que pode contribuir na definição de políticas.”
Mas esta manifestação é uma parte da realidade haja vista o depoimento
abaixo:
[...] o conselho é um órgão que ajuda na gestão do
dinheiro, então porque brigar para que o município
feche as portas e não deixe mais eles entrarem? Porque
era isso que acontecia antes aqui no (município B), o
presidente do conselho batia de frente com a gestão e a
gestão fechava as portas. Ficava naquela briga e
ninguém ganhava com isso, só perdia. (SEB)

O conselho, como esfera participativa que é, pode contribuir com a gestão


educacional local no processo de acompanhamento das ações, mas não pode se
mesclar com a administração a ponto de bloquear suas ações fiscalizadoras.
No entanto, como indica os contextos discursivos antes referidos, certamente
que as precárias condições de organização da população levam o executivo
municipal, ele próprio, a determinar a forma de atuação e participação dos
conselheiros. É como se o gestor desejasse ensinar a cada conselheiro o que é ser
conselheiro.
Isto certamente se encontra relacionado com a exigência do município ter
conselho constituído para poder receber recursos do fundo, como antes
mencionado. Assim, parece que vai se criando uma realidade fruto das próprias
condições objetivas dos municípios. Os gestores, ao induzirem e influenciarem a
escolha dos conselheiros acabam por forjar um determinado modelo de conselho
que pode atuar mais como instância legitimadora das práticas da gestão municipal
do que como esferas de acompanhamento e fiscalização. Isto se aproxima daquilo
que Tatagiba (2005) chama de participação branda e não crítica, por conta da
despolitização destas esferas participativas.
Por outro lado, no município A (grande porte) os conselheiros citam
dificuldades e obstáculos criados pela própria gestão educacional para o
desenvolvimento de suas atividades de acompanhamento e fiscalização, que por
sinal não foram mencionadas em nenhum momento no depoimento da SEA. A
convivência não nos pareceu nem um pouco harmoniosa neste município, ao
contrario do que afirmou a gestão da educação.
183

Neste mesmo sentido, observamos outra forma de desvirtuamento do Cacs,


na medida em que há gestores que não consideram o importante papel de
articulação entre a sociedade civil e o governo na busca de democratização das
estruturas do Estado, tal como observamos na crítica sobre a atuação de
representantes sindicais neste processo. O depoimento abaixo exemplifica o
argumento:
A gente tem uma cultura de: - olha, tem que ir pro
conselho, tem que ir pro conselho, mas a gente tem que
saber o que é que a gente vai fazer no conselho. A
gente tem uma influência – não sei nos outros lugares –
muito forte do sindicato. Acho que não dá pra perceber,
mas todo o conselho – eu acho muito bom não ter
nenhum problema, ter um diálogo com eles – mas é a
visão sindical. E eu acho que a gente precisa ter um
sindicato fazendo a parte dele, cobrando, mas a parte
política do sindicato é muito mais voltada para a
questão da categoria (SEA)

Os depoimentos indicam também que a atuação dos conselhos pode estar


sendo desvirtuada por meios distintos, como a falta de colaboração por parte da
gestão municipal:
A gente pede o processo... Pede a prestação de contas
e não vem. Tem relatório, tem parecer, tem tudo, a
gente pede, envia o processo, mas eles não retornam. A
gente tá com essa dificuldade, entre conselho e
secretaria. Nos anos anteriores nós... a gente avaliava
os balancetes, pedia os processos. A gente do ano
passado pra cá não tá tendo esse acesso mais. Esse
ano mesmo não chegou nenhum, nenhuma prestação
de contas, eles não seguiram nem sequer as datas...
(CRP1MA)

E é uma dificuldade, nós chegamos em agosto, nenhum


dos ofícios que nós solicitamos em relação a isso,
chegou. Foram respondidos. Realmente até o ofício se
perdeu. A gente faz aqui como se fosse... Pessoalmente
a gente vai no gabinete, fala com um, fala com outro,
porque a gente chega aqui nos dias da reunião da
câmara do Fundeb, a gente fica apavorado, assim,
porque a gente perde tempo, vem, e os documentos
não chegam. Porque só avança se chegar os
documentos pra gente analisar. E é uma dificuldade
tremenda nessa secretaria. (CRP2MA)

O que pudemos observar no conjunto das entrevistas realizadas é que estas


cidades vivem experiências diferentes em relação à autonomia sobre o uso dos
184

recursos do Fundeb, mas se assemelham nos problemas referentes às dificuldades


da participação da sociedade. Apesar da autonomia não ter sido abordada de forma
direta pelos entrevistados, mesmo sendo tratada objetivamente nas entrevistas,
observamos que nas falas este conceito emergiu frequentemente, tanto em relação
à gestão da educação quanto aos conselhos do Fundeb.
Lembramos que um dos principais pilares da participação é a autonomia, sem
ela a ação de participar perde sua legitimidade e seu sentido. Por isto, nosso estudo
se preocupou em discutir este conceito tanto em relação à gestão educacional
quanto no âmbito do conselho do Fundeb para observar o quão autônomos são em
relação à gestão educacional local.
No primeiro caso o conceito de autonomia se refere à própria essência do
federalismo brasileiro caracterizado pela descentralização (desconcentração) de
poder numa perspectiva de independência, liberdade e/ou auto-suficiência
administrativa dos entes federados. Ou seja, nosso sistema federalista pressupõe
liberdade às unidades subnacionais para legislar e tomar decisões de gestão sem
interferências ou ingerências das demais esferas de governo, desde que não seja
desrespeitada a Constituição Federal e determinados marcos regulatórios dos
programas federais que são desenvolvidos nas esferas locais, normalmente por
adesão e no contexto do regime de colaboração federativa. (CURY, 2011)
No caso dos municípios pesquisados as relações entre o poder local e o
poder central fogem a estes parâmetros. Neste sentido os entrevistados associam
às dificuldades enfrentadas no cotidiano às relações federativas.

Eu tô há seis meses, aliás, nós assumimos aqui em


janeiro, começamos a tomar pé, eu tive que cancelar
uma licitação de reforma de escolas, destas escolas,
trinta estão em piores condições! É só você abrir o
jornal hoje, que vê. Nós estamos todos os dias nos
jornais. Eu tive que cancelar, tive realmente que revogar
esse processo licitatório, iniciado em 2011, terminou em
2012, e no final da gestão não foi repassado, não foi
empenhado, então consequentemente eu não fiz
empenho, porque o que tava colocado lá pra licitar não
atendia as necessidades das escolas; nós estamos
fazendo tudo de novo, e começar tudo de novo. (SEA)
Não vai resolver muito mais recursos pra educação,
como o povo tá na rua pedindo com os cartazes. Mais
dinheiro, mais recursos pra educação, mais recursos
pra saúde. Precisa mesmo, precisa. Tem que dar um
jeito na legislação, senão a gente não gasta! A
185

burocracia desse país, eu não posso continuar levando


oito, nove meses pra fazer uma licitação, gente! (SEB)

A dependência do conjunto de municípios em relação ao Governo Federal


para o cumprimento das suas obrigações constitucionais com a educação é bastante
forte. Os depoimentos exemplificam este grau de dependência:

[...] nós temos investimentos federais aqui, e eu diria


que setenta por cento dos recursos do município hoje é
federal. A gente inclui aí Fundeb, repasses. Mas eu
tenho dois grandes focos aqui: um é a educação infantil.
Porque se você não começar na base, não dá. Então
nós temos aí adesão aos programas como pró-infância,
nós estamos com vinte creches definidas, algumas já –
como essa que... é uma delas, uma das mais
adiantadas, mas desses programas estruturantes do
governo, a nossa prioridade, o nosso foco está sendo
na alfabetização na idade certa. (SEA)

[...] eu tenho programas como Mais Educação, que é


um programa assim, fantástico, tem ocupado muito as
crianças no contraturno, mas ele é, vamos dizer assim,
ele tem que contribuir para a criança se alfabetizar.
Porque na hora que ele mantém a criança no
contraturno, a hora que ele vem com arte, com cultura,
ele não é a escola em tempo integral, mas ele faz com
que a gente realmente estruture. Esse é nosso grande
objetivo, que hoje é uma meta nossa. Pra atingir a
alfabetização na idade certa. (SEA)

[...] e a gente tem o recurso do Fundeb que hoje, agora


o que eu lhe digo, as escolas, a gente encontra as
escolas totalmente detonadas e eu estou me segurando
por quê? Pelo PAR nós fizemos alguns projetos,
algumas ações de reforma, de construção, então não
adianta eu investir dinheiro, hoje, do Fundeb em
reformas se vai chegar pelo PAR. No começo do ano
que vem (SEB)

Até saindo um pouco do termo do conselho do Fundeb


e indo para o conselho da Merenda, hoje eu tenho o
conselho da merenda aqui no município bastante
atuante que vêm me ajudando muito. Eu acredito que a
contribuição do conselho do Fundeb é tão importante
quanto o da merenda. (SEB)

Contudo esta dependência também revela que existem ações articuladas


entre União e municípios no cumprimento das premissas constitucionais do regime
colaborativo.
186

Voltando à análise dos dados, no município “A” pudemos observar


concretamente a existência de autonomia administrativa, já que a secretaria de
educação desenvolve seu planejamento e ações prioritárias. Mas, ao mesmo tempo,
ficou evidente uma dependência considerável em relação aos repasses federais
para dar suporte às suas próprias ações administrativas. Desta forma, podemos
inferir que esta dependência financeira compromete a autonomia administrativa da
gestão, uma vez que as ações planejadas ficam atreladas ao montante dos
repasses federais. Ou seja, estamos falando de uma autonomia relativa que de certa
forma “engessa” o planejamento da secretaria municipal de educação.
Ressaltamos, ainda, que de acordo com a SEA, o valor dos recursos do
Fundeb é insuficiente para dar conta das demandas educacionais do município, já
que 100% do dinheiro é destinado ao pagamento de pessoal, ficando os gastos com
manutenção e desenvolvimento do ensino municipal (que deveria contar com 40%
do total de recursos) por conta do tesouro municipal. Como demonstrado no capítulo
anterior, 79% dos secretários de educação e 62% dos conselheiros afirmaram que o
atual repasse de recursos é insuficiente para garantir educação de qualidade nos
municípios.
Desta forma, é perceptível que falta autonomia financeira aos municípios
nordestinos para garantir autonomia administrativa plena, que é constitucionalmente
garantida no contexto do federalismo de cooperação.
No município “B” os relatos do secretário são no sentido de que os repasses
do Fundeb são suficientes para atender às necessidades da administração local. Ele
afirmou que a administração possui autonomia para planejar e definir as próprias
prioridades porque os recursos do fundo são suficientes para cobrir as necessidades
básicas do município e, ainda, garantir investimentos necessários para a
manutenção e desenvolvimento da oferta de ensino fundamental à população.

E aí eu digo a vocês, isso é gestão, então dinheiro só


rende se for bem gerido. Então eu não posso reclamar
que está faltando dinheiro, não está. Está certo? O
município está repassando 25% que dá uma boa. (...)
não é que vem pouco dinheiro não, vem muito dinheiro,
só que ninguém nunca abriu o cofre para mostrar para
vocês quanto dinheiro então é muito dinheiro, é dinheiro
que não é meu ou de você, é de todo mundo, é do
município e que todo mundo tem responsabilidade.
Então, eu sinceramente lhe digo, hoje eu não tenho o
que reclamar, tem dinheiro na conta. (SEB)
187

Mas, por outro lado, pudemos presenciar na cidade alguns problemas nas
estruturas físicas em duas das quatro escolas, além de dificuldades relacionadas ao
transporte escolar dos alunos da zona rural. Vimos também que duas escolas
diferentes funcionam no mesmo prédio, ou seja, a relação entre município e
recursos do Fundeb não se mostra tão harmoniosa assim quando observamos com
mais cuidado algumas nuances da realidade educacional local.
Segundo a administração municipal estes problemas seriam resolvidos com a
chegada de novos recursos federais oriundos do Plano de Ações Articuladas- PAR,
ou seja, a gestão não queria colocar dinheiro do Fundeb para sanar estes problemas
por que estavam chegando outros recursos. Partindo da premissa que isto é
verdadeiro estamos diante de um exemplo de cooperação articulada entre entes
federativos no sentido de utilizar recursos federais de forma mais racional como
mostra o depoimento:
[...] Então eu não posso reclamar que está faltando
dinheiro, não está. Está certo? O município está
repassando 25% que dá uma boa... e a gente tem o
recurso do Fundeb que hoje, agora o que eu lhe digo,
as escolas, a gente encontra as escolas totalmente
detonadas e eu estou me segurando por quê? Pelo PAR
nós fizemos alguns projetos, algumas ações de reforma,
de construção, então não adianta eu investir dinheiro,
hoje, do Fundeb em reformar se vai chegar. (SEB)

Ao que parece a condição de autonomia deste município “B” não se encontra


tão distante de “A” visto que existe grande dependência da Esfera Federal para
novos investimentos. O que ocorre é que o montante dos repasses do Fundeb é
suficiente para pagamento de pessoal e manutenção da estrutura existente, ao
contrário do que ocorre em “A” que dá apenas para o pagamento de pessoal da
educação. A impressão que fica é que mais uma vez nos deparamos com uma
situação de autonomia parcial, porém com colaboração federativa mais efetiva.

A participação social é um dos fundamentos da gestão democrática. Não


existe democracia sem que a sociedade civil esteja presente nas instituições
governamentais como canal que traz a população para participar das ações do
Estado.
188

A participação para ser legitimada e reconhecida precisa de


institucionalização e inclusão no arcabouço jurídico do Estado, bem como da
vontade política dos atores que participam dos processos. Os princípios da gestão
democrática e da participação da sociedade no campo educacional, como já
descritos antes, estão assegurados na Constituição Federal nos Artigos 205 e 206
da CF/88 e na LDB/96 nos Art. 03 e 14.
A participação da sociedade na educação se manifesta em estruturas de
representação com membros escolhidos por seus respectivos segmentos com a
incumbência de discutir, deliberar, acompanhar e fiscalizar programas e políticas
sociais. A gestão educacional democrática no Brasil passa necessariamente pela
participação social. (GOHN, 2005)
Em relação à participação, vale destacar que entre os conselheiros em geral a
ideia de participar se restringe apenas as suas atribuições de caráter normativo que
são mais voltadas para fiscalizar e se necessário, denunciar possíveis ações e/ou
aplicações indevidas dos recursos do Fundeb. Porém, ao analisarmos o discurso
dos entrevistados, também identificamos que, para eles, o ato de participar implica
em colaboração com a gestão local e contribuição para melhorar a educação do
município. Trata-se de uma das dimensões da participação que é importante. No
entanto, não se percebe nos conselheiros a apreensão do seu papel enquanto
representante da sociedade civil, num processo de democratização das ações do
Estado.
É poder realmente interferir, entende? Porque você
pode apenas fazer presença naquela reunião e não
interferir, não interagir, e não dar a sua opinião, não
contribuir de alguma forma. Então ‘pra’ mim participar é
realmente contribuir, entendeu, pra melhorias, visando
os alunos. (CRP1MA)

Na verdade, o contribuir é ver, como o pessoal licitado,


ver onde está sendo distribuído e se está sendo
distribuído justamente, entendeu? Para a escola onde
mais precisa, para não... Para que não haja, assim, no
popular, vamos dizer logo assim, um desvio injusto.
(CRP2MA)

[...] nós contribuímos assim... Nós cobramos, entendeu?


O que eles deveriam fazer, o dever, que eles não
cumprem. A gente cobra. Cobra, pressiona, sabe?
Chama pra reunião, dá prazos, leva pro ministério
público... Nossa contribuição realmente é cobrar. Que
na verdade era pra ser uma união, um ajudando o outro.
189

Mas pelo não cumprimento das ações deles, da


secretaria, a gente termina contribuindo mesmo,
cobrando todo mundo, contra a parede. É dessa forma.
(CRP2MA)

No entanto, há exceções. Ainda que não seja a maioria, encontramos


conselheiros que se colocam na perspectiva de representante da sociedade civil, o
que nos mostra, de todo modo, alguma evolução de uma participação qualificada
propiciada pela experiência dos conselhos, mostrando em alguns casos maior
politização. O contexto discursivo abaixo ilustra esta situação:

E a gente, a partir do momento que faz parte, que


representa aquele... seja o segmento dos pais ou
professor, a gente se torna até mais forte para cobrar,
entendeu? Fica mais... é, porque conhece, tem o
conhecimento, então, ali se fortalece para cobrar.
(CRP1MA)

No município “B” notamos, certamente pelo seu tamanho reduzido, mais


proximidade física e social entre os sujeitos. Trata-se de uma situação que pode
facilitar o acesso e, consequentemente, proporcionar mais diálogo entre gestores e
conselheiros, o que não ocorre em municípios de grande porte. O depoimento da
SEB comprova esta impressão:

Os presidentes de associações de bairros que estão


sempre aqui, eu sempre recebo, peço a eles que
sempre estejam rodando pelas escolas, pelas creches
para ver como as coisas funcionam, qual a visão deles
dessas coisas. (SEB)

Contudo, é preciso considerar que, em municípios pequenos, a prefeitura,


notadamente as secretarias de educação são responsáveis pela maioria dos
empregos. Dados já apresentados no capítulo 6 mostram que a maior parte dos
representantes dos pais são servidores municipais, bem como parte significativa dos
alunos. Na verdade, a grande maioria dos conselheiros são servidores públicos
municipais conforme mostra a tabela 20.
190

Tabela 20 - Distribuição dos segmentos presentes nos conselhos em relação


ao vínculo empregatício de cada conselheiro
Governo Governo Governo Iniciativa Sem Aposentado NS/NR Total
Segmentos
Municipal Estadual Federal Privada Vínculo
Governo 94,9% 2,8% 0,0% 0,8% 0,6% 0,4% 0,6% 100,0%
Professores 93,1% 6,1% 0,0% 0,0% 0,5% 0,0% 0,3% 100,0%
Diretores 95,9% 2,5% 0,8% 0,0% 0,3% 0,0% 0,5% 100,0%
Pais de 62,5% 2,4% 1,5% 3,5% 26,8% 0,9% 2,4% 100,0%
alunos
Servidores 97,7% 1,4% 0,0% 0,0% 0,5% 0,5% 0,0% 100,0%
de Escolas
Alunos 29,7% 1,9% 0,6% 5,2% 49,0% 2,0% 11,6% 100,0%
CME 91,9% 3,9% 0,0% 0,8% 2,3% 0,0% 1,2% 100,0%
Conselho 75,7% 3,5% 2,8% 2,1% 13,9% 0,7% 1,4% 100,0%
tutelar
Outros 90,8% 1,3% 0,0% 1,3% 3,3% 0,0% 3,3% 100,0%
NS/NR 91,4% 1,2% 2,5% 1,2% 2,5% 0,0% 1,2% 100,0%

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco/MEC – 2014.

Por outro lado, encontramos, entre os conselheiros, situações onde


percebemos que havia certo desconhecimento sobre as rotinas do conselho como
fica exemplificamos: “(...) e a gente fala sobre... sobre o dinheiro, sobre o transporte.
Deixa eu ver sobre o que mais..isso”. (CRP2MB); “(...) na verdade, eu participei só
uma vez, é por isso que eu estou assim [sem saber responder]”. (CPR1MB); “Eu não
sei. Porque, como é a primeira vez que eu participei de uma das reuniões não sei
informar (...)”. (CRP2MB).
Os dados indicam uma representação pouco qualificada que pode
comprometer a atuação dos conselheiros prejudicando a dinâmica das atividades do
conselho. Há dificuldades enfrentadas pelos conselheiros para compreender as
documentações, planilhas, legislações referentes ao conselho. Mas há diferenças
entre os próprios membros do conselho em relação ao conhecimento das suas
atribuições e da dinâmica burocrática peculiar ao Cacs, mostrando que este assume,
também, uma função educativa:

[...] antes de representar, eu era totalmente leiga, não


conhecia a realidade, da verba que entrava ou saía, que
era da escola, no caso, não é? Para educação. Se
estiver algo errado, eu tenho que ser atuante,
independentemente de quem esteja presente, ou quem
esteja sendo prejudicado. Mas se é em prol da
educação, se os recursos necessários para a educação,
a gente tem que questionar e brigar. (CRP1MA)
191

Notamos que nos Cacs existe uma preocupação preponderante, tanto dos
conselheiros como da própria gestão municipal, em dominar as rotinas técnico-
burocráticas. Percebemos uma tendência de não se considerar a dimensão política
desta atividade. O que queremos dizer é que, ao participar dos conselhos e de suas
diversas atividades, os conselheiros poderiam, no sentido pedagógico, mesmo,
aprender a participar participando da vida política e social da comunidade. Neste
sentido, concordamos com Gohn (2007, p.19) que associa participação com
compartilhamento de responsabilidades com a comunidade, esta, atuando, na
condição de parceira, mas se responsabilizando também pelas demais dimensões
deste processo.
Uma questão importante está relacionada ao custo de oportunidade dos
representantes da sociedade para participarem das atividades do conselho, tal como
surgiu nos depoimentos do município “A”. Os segmentos do governo, como já
citamos, têm mais facilidade em participar porque a atividade faz parte das suas
atribuições profissionais, além do que, na maioria das vezes, as reuniões ocorrem
em seu próprio local de trabalho, no caso, a prefeitura.
Já para os representantes da sociedade, o esforço é bem mais elevado
porque as reuniões são após o horário das suas atividades profissionais e eles ainda
precisam se deslocar para o local das reuniões (em muitos casos arcando com
gastos de passagem e alimentação). Isto envolve custos financeiros e pessoais bem
mais elevados que os dos representantes do governo, gerando uma assimetria em
relação ao esforço para estar presente nas atividades e reuniões, ou seja, no
mínimo é necessário que o executivo lance mão da utilização de verbas
ressarcitórias para minimizar as dificuldades dos representantes da sociedade civil,
isto por que a situação atual pode comprometer o interesse destes representantes
se fazerem presentes nas reuniões e demais atividades do conselho.
É provável que isto, muitas vezes, possa servir como empecilho e motivo de
resistência para membros da comunidade participar de conselhos. Não foi à toa que
isto apareceu nos depoimentos como uma das principais dificuldades enfrentadas
por eles para exercerem adequadamente suas funções, fenômeno observado em
outras pesquisas (DAVIES, 2006 e GOHN, 2007), o que denota muito pouca
evolução da sociedade civil no compartilhamento das ações do governo.
No capítulo anterior mostramos que o não comparecimento e a falta de
compromisso por parte dos membros do conselho foram apontados como os
192

principais problemas enfrentados para o seu funcionamento por 46% dos


entrevistados. Vale registrar que esta situação é mais recorrente em grandes
cidades, já que em municípios de pequeno porte, com população e dimensões mais
reduzidas, esta dificuldade não foi mencionada. Os depoimentos abaixo ilustram
estes cenários:
Olhe, é muito complicado. Porque tem muita gente que
não tem condição de pagar passagem, que não tem
mais ajuda, não tem mais. Tem de tudo daí. Todo o
material vem da secretaria. Não é vir uma verba
específica que a gente pudesse fazer um orçamento em
cima daquela verba e a gente trabalhar em cima
daquilo. Por exemplo, nós fazemos acompanhamento
de escola. Visitamos pra fazer um relatório da rede. Mas
nós não conseguimos avançar. Porque dependemos do
transporte, daí nunca tem transporte disponível. É a
questão dos conselheiros, alunos, pais, e nós, que
somos assalariados; (CRP1MA)

[...] a gente já colocou isso pra secretária. A


necessidade de voltar a ter ajuda de custo para os que
estão aqui na luta; e a questão do vale-transporte pra
esses conselheiros estarem mais presentes, não só no
pleno, mas também... Porque no pleno é... Tem que ter
acompanhamento. ... As que “tavam” caóticas, nós
vamos visitar, entendeu (CRP2MA)

A questão do custo de oportunidade dos conselheiros para participar das


atividades precisa estar presente na pauta de discussões para não aumentar o
desequilíbrio entre os segmentos para o desenvolvimento das atribuições do
conselho e prejudicar ainda mais a participação das representações da sociedade
nas diversas atividades de sua responsabilidade. Os depoimentos indicam, tal como
já constatado por Davies (2006) e Gohn (2007) em outras pesquisas, que a questão
do custo de oportunidade dos conselheiros para participar das atividades precisa
estar presente na pauta de discussões, para não aumentar mais ainda o
desequilíbrio entre a atuação dos segmentos do conselho.

Postas as questões suscitadas pelo desenvolvimento da pesquisa, em


seguida apresentamos nossas considerações finais.
193

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil ainda hoje apresenta grandes desigualdades regionais, econômicas,


sociais e políticas e, portanto, o campo educacional não poderia estar fora deste
contexto. Este cenário impõe desafios significativos ao Estado e a sociedade civil
para a consolidação do regime federalista cooperativo no campo educacional que
busca garantir democracia com educação inclusiva, emancipatória e de qualidade
para todos. É neste contexto que nosso objeto de estudo se encontra situado, e por isto
precisamos ter clareza de que a consolidação de uma gestão educacional democrática
ainda tem um longo caminho a percorrer e superando grandes desafios.
Precisamos caminhar em direção a uma educação democrática, inclusiva,
emancipatória e com qualidade capaz de garantir para a nossa população reais
possibilidades de ser protagonista da sua própria história e realizar escolhas com
liberdade e cidadania para diminuir as desigualdades sociais.
Com a ideia de entender melhor este contexto mais amplo em que se inserem
as práticas educativas e as políticas públicas de educação, iniciamos esta tese com
uma discussão sobre o Estado e a sociedade civil, suas interfaces, articulações e a
importância do papel de cada uma destas dimensões na construção do regime
federalista cooperativo brasileiro e as suas implicações sobre o campo educacional.
Em seguida, problematizamos a questão do financiamento da educação ao
longo da história do Brasil para situar o nosso objeto. Dependendo do momento
político observamos que o financiamento entrava e saia de pauta frequentemente, o
que identificamos na análise dos marcos regulatórios, principalmente nos textos
constitucionais que tiveram vigência nas distintas conjunturas, só vindo realmente a
se consolidar, inicialmente com a conhecida Emenda Calmon (já no ocaso do regime
militar) e mais concretamente na Constituição Federal de 1988.
Esta mesma Carta Constitucional dá as condições para a criação dos fundos
públicos de financiamento da educação. O Fundef em primeiro lugar que foi
focalizado no ensino fundamental e apresentou diversos problemas em relação à
participação da sociedade, mas não podemos deixar de reconhecer que existiram
alguns avanços importantes que abriram caminho para o seu sucessor, o Fundeb.
Este aprimorou diversos mecanismos para que a participação social pudesse
acontecer no sentido do seu acompanhamento e fiscalização. Além disto, ampliou o
financiamento para todos os níveis e modalidades de ensino que compõem a
194

educação básica. Mesmo assim, alguns problemas em relação à articulação da


gestão e a participação da sociedade ainda resistem e precisam ser enfrentados.
Procuramos apreender em que medida os governos municipais possuíam a
autonomia necessária para atuar, em articulação com os segmentos da sociedade
civil via conselhos do Fundeb, visando identificar se a aplicação dos seus recursos
realmente estava de acordo com as demandas locais. Para tanto, buscamos
desvelar como a gestão educacional se comportava em relação ao Fundeb e se
tinha como prática agir em articulação com a sociedade civil por meio do Cacs, na
gestão dos recursos do Fundeb. Tudo isto tendo por parâmetro as possibilidades da
existência de gestão democrática com transparência, independência, decisões
colegiadas, participação, impessoalidade, representatividade com compartilhamento
de atribuições e responsabilidades entre segmentos governamentais e sociais.
(CURY, 2002)
Os dados revelaram que secretários de educação e conselheiros do Fundeb
têm maior grau escolarização que a média nacional. Porém, o que seria algo
animador fica comprometido porque a maior parte deles é composta por servidores
do executivo municipal. Mesmo considerando que governos municipais são grandes
empregadores em cidades pequenas do Nordeste, sobretudo na área educacional,
não podemos desconsiderar que o espaço dos conselhos do Fundeb está tomado
por funcionários públicos. Tal torna-se um complicador para a participação da
sociedade na gestão da educação, a partir de um processo de compartilhamento de
poder. A pesquisa identificou que grande parte dos representantes da sociedade civil
nos conselhos pertencia aos quadros da prefeitura local.
Em relação à autonomia da gestão da educação, concluímos que ela existe
no campo administrativo, mas com a ressalva de que foram encontradas limitações
significativas por conta da forte dependência dos municípios em relação à União.
Devido às grandes dificuldades enfrentadas pela maior parte das administrações
locais para gerar recursos suficientes para custearem seus gastos educacionais
percebemos a existência de certa submissão das esferas locais em relação ao
Governo Federal. Neste sentido, a autonomia do executivo local fica comprometida
por esta falta de autossuficiência e nos deparamos com uma autonomia parcial
sobre a gestão da educação, que pode levar o executivo local se limitar a gerenciar
os repasses federais.
195

Os conselhos se apresentaram demasiadamente dependentes do executivo


municipal em relação à estrutura física e aos recursos financeiros necessários ao
seu funcionamento. Com isto a atuação dos conselheiros pode ficar comprometida,
ainda mais se acrescentarmos a isto o fato de que a maioria dos conselheiros
pertence aos quadros do serviço, no campo administrativo, público municipal. Em
todos os segmentos representados no conselho essa situação foi encontrada, à
exceção dos alunos, que mesmo assim ainda apresentam 30% dos seus
representantes com vínculo empregatício com o município.
Com relação à participação social identificamos a presença dos segmentos
sociais no espaço dos conselhos, porém ressaltamos que, quando pensamos em
movimentos participativos efetivos, entendemos que ainda existem muitas
dificuldades em relação à participação dos segmentos de uma forma em geral.
Estamos nos referindo a algumas barreiras que foram citadas pelos entrevistados
que se encontram relacionadas ao custo de oportunidade para que os segmentos da
sociedade exerçam suas atribuições por conta da falta de estrutura e de recursos
específicos destinados a estas atividades, o que não ocorre com representantes do
governo. Estes têm a participação no conselho incluída no conjunto de suas
obrigações profissionais.
Identificamos, também, problemas relativos ao conhecimento técnico que é
necessário para que conselheiros possam desenvolver suas atividades
adequadamente. Constatamos a inexistência de programas e/ou cursos de formação
ou capacitação técnica para eles, bem como a ausência de profissionais de apoio
para as diversas atividades do conselho. Além da ausência de condições materiais
para o seu funcionamento, detectamos também falta de interesse dos conselheiros
em participar das reuniões. Trata-se de problemas que precisam enfrentados em
conjunto pelas forças sociais e também pelas esferas governamentais.
Para que estes problemas não criem raízes ainda mais profundas na gestão
municipal, é preciso se investir mais na qualidade das representações (membros do
conselho),na transparência dos processos de escolha destes representantes e na
estrutura dos conselhos do Fundeb. Neste contexto a participação necessita ser
encarada, apesar de todas as dificuldades, como peça fundamental na engrenagem
do processo de consolidação da democratização na gestão educacional brasileira.
A criação de estratégias voltadas para facilitar e promover a participação dos
diversos segmentos sociais é muito importante para a ampliação da cultura
196

participativa no Brasil, bem como o estabelecimento de um exercício rotineiro de


diálogo entre governo e sociedade civil levando a uma ocupação natural nos
espaços participativos por representantes desta esfera.
Notamos um baixo interesse tanto entre conselheiros como nos gestores
sobre a questão da importância política da participação, como atividade essencial
que faz parte do conjunto de práticas democráticas no campo educacional. Sempre
que alguém falou em dificuldades para participar, estava se referindo basicamente
aos conhecimentos técnicos necessários para compreender documentos e planinhas
orçamentárias. Não foi dada a importância necessária para a questão do ato político
de participar no sentido de melhorar efetivamente as práticas democráticas na
gestão educacional e, consequentemente, a qualidade do ensino oferecido em
esferas locais.
O estudo mostrou a existência indicativos da gestão educacional em fazer do
conselho uma esfera institucional que legitime suas ações, afastando-o de suas
funções de acompanhamento e fiscalização sobre o uso dos recursos do fundo,
assim como da sua função política de trazer a sociedade civil para dentro dos
processos decisórios sobre o Fundeb. Ou seja, ao invés de esferas responsáveis
pela participação social como forma de democratizar a gestão e aplicação dos
recursos, muitos secretários ao que parece, preferem conselhos mais como
“parceiros e colaboradores” da gestão que atuem na legitimação das ações do
executivo para dar ares de gestão democrática ao município e assim atender as
premissas legais do regime federalista de colaboração. Isto pode explicar as
motivações do executivo local em influenciar, como mostraram os dados, na
indicação de membros do conselho.
Ficou claro que a secretaria municipal de educação se preocupa
fundamentalmente em preencher as vagas dos conselhos para que este possa
funcionar e assim atender às exigências legais para o recebimento dos repasses
federais. Não percebemos preocupação, pelo menos aparentemente, com a
participação com qualidade que aprimore os laços entre governo e sociedade civil
em defesa de melhorias efetivas na educação. O conselho, em boa parte dos
municípios, existe mais para atender os princípios legais de condicionalidade para
acesso aos recursos do fundo do que como esfera participativa capaz de alargar o
espaço democrático nas esferas locais, aproximando o executivo municipal dos
segmentos sociais.
197

Os conselhos precisam que suas práticas cotidianas se voltem mais para o


exercício da política, no sentido de estabelecer ações que busquem trazer para suas
discussões os conflitos (legítimos) da sociedade e promover discussões e
negociações públicas que tragam consensos e definições sobre a educação na
esfera municipal. As rotinas burocráticas que se restringem ao cumprimento da
legislação precisam dar lugar a esta agenda política para que estas esferas possam
realmente funcionar como instâncias democratizantes da gestão educacional.
Por outro lado, o estudo também mostrou alguns sinais de melhorias sobre as
práticas da gestão educacional e dos conselhos ao mostrar alguns avanços
importantes, sobretudo em relação ao fundo antecessor. Aos poucos, tradicionais
práticas patrimonialistas e assistencialistas estão perdendo espaço para processos
de institucionalização e democratização nos mecanismos de acompanhamento e
fiscalização dos recursos educacionais que estão fortalecendo as esferas de
controle e participação da sociedade. Isto não ocorreu à toa, a própria legislação do
Fundeb já se colocou no enfrentamento do patrimonialismo, nepotismo e controle
deste espaço por parte de interesses coorporativos representantes de elites locais.
O desenho institucional do Fundeb buscou barrar a ocupação dos conselhos pelos
interesses do poder local.
Os dados, ainda que sutilmente, mostraram indícios de que a participação de
segmentos sociais no âmbito da gestão dos programas educacionais vem, aos
poucos, sendo absorvida por governos e pela própria sociedade civil, e vai levando
as pessoas a assumirem um papel um pouco mais ativo e institucionalizado de
corresponsabilidade em relação à educação nas esferas locais.
Alguns poderão dizer que isto ainda é pouco diante da realidade sociopolítica
brasileira e do tamanho do desafio a ser enfrentado, mas consideramos como um
importante avanço para a consolidação da gestão democrática na educação.
Entendemos que o país ainda tem muito a avançar, porque nossa sociedade ainda
não dispõe das condições e dos meios necessários para exercer com toda plenitude
seu papel deliberativo e fiscalizador sobre as ações governamentais, pelo menos no
que se diz respeito aos recursos da educação. E os governos locais ainda não estão
preparados para respeitar e valorizar os espaços sociais participativos como forma
de melhorar a gestão como um todo, em especial a da educação.
O Fundeb, neste contexto, é considerado por nós como um importante
instrumento nesta luta de consolidação do federalismo cooperativo na busca por
198

mais democracia na gestão da educação incluindo a participação da sociedade.


Porém, carente de melhorias, ajustes e constante vigilância dos setores sociais,
governamentais e das instituições de controle.
Para concluir, consideramos que o país está avançando em relação à
consolidação da democracia no campo educacional por algumas razões
importantes. Não podemos desconsiderar o Brasil ainda está no recomeço da sua
trajetória democrática depois de um século permeado de golpes, ditaduras e
governos populistas (com poucas exceções). Afinal, estamos apenas com 25 anos
de democracia política interrupta, ou seja, estamos vivenciando na prática o
aprendizado das democráticas. Como exemplo, na última década, o país vivenciou
experiências importantes na articulação entre esferas governamentais e sociedade
civil em grandes discussões no campo educacional que trouxeram resultados
positivos como o próprio Fundeb e o novo PNE que conseguiu avançar bastante na
organização da articulação entre os entes federados mostrando que apesar do longo
caminho a ser percorrido, muito já se fez em direção ao amadurecimento político da
sociedade brasileira.
199

REFERÊNCIAS
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sociedade e "relações fecundas" nos conselhos gestores. Cad. CRH, Salvador, v.
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______.Sistema brasileiro de governança local: inovações institucionais e


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Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

SOUZA, Donaldo Bello. Reforma do Estado, Descentralização e Municipalização do


Ensino no Brasil: A Gestão Política dos Sistemas Públicos de Ensino Pós-LDB
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SOUZA, Donaldo Bello; CASTRO, Dora Fonseca. Gestão democrática da educação


sob perspectiva comparada Brasil-Portugal: entre a exigência legal e a
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TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no


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Paulo : Paz e Terra, 2002.

TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores de políticas públicas e democracia


participativa: aprofundando o debate. Revista de Sociologia e Política nº 25: 209-213
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TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia, 1962.

TREVISAN, Andrei Pittol e BELLEN, Hans Michel Van.Avaliação de políticas


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VIEIRA, Sofia Lerche. Desejos de reforma: legislação educacional no Brasil –


Império e República. BSB: Líder Livro, 2008.
211

APÊNDICE I
Entrevistas Qualitativas (Secretários Municipais; Representante dos Pais de Alunos )

Entrevista Tipo 1 – Secretários Municipais de Educação

Bloco I - Perfil

Data: __/__/201__ Município: _____________________________________


Idade:___ anos Período mandato: ________________
Nível de escolaridade: _________________
Graduado em________________________
Pós-graduação em____________________
Tempo de atuação como Secretário__________

Bloco II
01-Como funciona o conselho do Fundeb no município (apoio da SME, frequência e
temas das reuniões, segmentos representados); O conselho tem sede
própria?Recursos próprios?
02- O que você compreende por participação?
04-Na sua visão, quais os principais desafios da participação em relação aos
conselheiros do Fundeb? (representantes dos pais, dos alunos e do governo)
05- Em sua opinião, o conselho atua com autonomia? Explique
06- Em sua opinião, a participação de pais e alunos favorece/fortalece a educação?

Entrevista Tipo 2 – Representante dos Pais de Alunos

Bloco I - Perfil

Data: __/__/201__ Município: _____________________________________


Idade: ___ anos Período mandato: ___________
Segmento que representa: _______________________________________
Profissão: _____________________ Local de trabalho: ________________
Tempo como conselheiro: ( ) anos ( ) meses
Processo de escolha do presidente: ( ) indicação ( ) escolha ( ) eleição ( )
Foi presidente em outro conselho: ( ) sim ( ) não Qual?_______________
Participação em outras organizações: ( )sindicato ( )associação ( )outro
Nível de escolaridade: _________________ Graduado em ______________
Pós-graduação em _____________________________________________

Bloco II
212

01-Você poderia relatar como funciona o Conselho? (atividades/atribuições, tipo de


reuniões e assembleias, frequência e regularidade, segmentos representados,
temáticas debatidas)
02-Que condições o conselho dispõe para seu funcionamento?
03-Como foi a escolha do seu nome para conselheiro?
04-O que você compreende por participação?
05-Em sua opinião, a participação de pais e alunos fortalece o conselho?
06-O (a) senhor (a) poderia comentar a gestão da educação no seu município?
07-Em sua opinião, o conselho atua com autonomia? Explique
213

APÊNDICE II
Questionários aplicados a Secretários Municipais de Educação e Conselheiros do
Fundeb.

Questionário Tipo 1 - Secretários de Educação

Município Estado
1.Sexo [ ]masculino [ ]feminino

2.Idade:___________

3.Nível de escolaridade completo


[1] Fundamental [ 2] Médio [3 ] Superior [ 4] Especialização [5] Mestrado
[6 ] Doutorado
4. O município tem PME-Plano Municipal de Educação?

[1] Sim [3] Está em construção [8] NS


[2] Não [4] Sim, está sendo reformulado[97] NS [98] NR [99]NA
5. O Conselho do Fundeb participou ou (participa) da elaboração do PME?
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
6. Qual foi a forma de escolha do presidente do conselho do Fundeb?
[1] Eleito pelo Conselho
[2] Indicação do (a) Secretário (a) de Educação
[3] Indicação do Prefeito
[4] Indicação do segmento que representa
[5 ]Outro (especificar)________________ [97] NS [98] NR [99]NA
7. O conselho do FUNDEB tem recursos próprios?
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
8. Onde funciona o Conselho do Fundeb?
[1] Sede própria
[2] Na Secretaria de Educação
{3] Outro espaço cedido pela Secretaria de Educação
[5] Outro (especificar) __________________________________
[97] NS [98] NR [99]NA
214

9. Existe lei de criação do Conselho do Fundeb?


[1] sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
10. O Conselho do Fundeb possui Regimento Interno?
[1] Sim [2] Não [3] Sim, está sendo elaborado [4] Sim, está sendo revisado
[97] NS [98] NR [99]NA
11. Qual é a periodicidade das reuniões do Conselho do Fundeb?
[1] Semanal [3] Mensal [5] Trimestral [7] Sem frequência
[2] Quinzenal [4] Bimensal [6] Semestral [97] NS [98] NR [99]NA
12. A Secretaria de Educação disponibiliza os dados financeiros para conhecimento
do Conselho do Fundeb?
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
13. Com qual frequência o conselho recebe a prestação de contas dos gastos
realizados com recursos do Fundeb?

[1] Sempre [2] Algumas vezes [3] Nunca [97] NS [98] NR [99]NA
14 Na sua opinião o Conselho faz o acompanhamento dos gastos da Secretaria
Municipal de Educação?
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
15. Em sua opinião, o nível de controle que o conselho exerce sobre os recursos do
Fundeb é:

[1] Nenhum [2] Baixo [3] Médio [4] Alto [97] NS [98] NR [99]NA

16. O senhor tem conhecimento de ações para a promoção de capacitação técnica


dos membros do Conselho do Fundeb?
[1] Sim . [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
16.1 Quem foi o responsável direto por essas capacitações?
[1] A Secretaria Municipal de Educação
[2] O próprio Conselho do Fundeb
[3] O Secretaria Estadual de Educação
[4] O Ministério da Educação
[5] UNCME
[6] Outro. Qual?____________________
[97] NS [98] NR [99]NA
215

17. Como você avalia a importância do conselho Fundeb para a gestão da


Educação?

[1] Alta [2] Média [3] BaixA [4] Não tem importância [97] NS [98] NR [99]NA
18. O Sr poderia informar qual o percentual dos recursos do Fundeb que é gasto
com o pagamento dos profissionais da educação?_____________
19. O Sr considera que o valor recebido de recursos do Fundeb é suficiente para
cobrir às necessidades da educação no seu município?
[1] Sim [2] não [3] em parte [97] NS [98] NR [99]NA
20. Em sua opinião existe articulação entre a secretaria municipal de educação e o
conselho do Fundeb no que se diz respeito à forma como os recursos são
distribuídos?
[1] Sempre [2] Algumas vezes [3] Nunca [97] NS [98] NR [99]NA
21. O conselho do Fundeb é chamado/convocado pela secretaria de educação para
discutir as políticas municipais?
[1] Sempre [2] Algumas vezes [3] Nunca [97] NS [98] NR [99]NA
22. Em sua opinião o Conselho funciona de maneira democrática
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
23. Na sua opinião o Conselho do Fundeb exerce suas atribuições adequadamente?
[1] Sim [2] não [3] em parte (4) N/S
24. Em sua opinião o Conselho do Fundeb atua com a autonomia necessária para o
cumprimento das suas atribuições?
[1] Sim [2] não [3] em parte [97] NS [98] NR [99]NA
25.Em sua opinião o município tem autonomia para decidir onde, quanto e como vai
aplicar os recurso do Fundeb em função das suas demandas específicas?
[1] Sim [2] não [3] em parte [97] NS [98] NR [99]NA
26. Qual o nível de autonomia da gestão educacional do município em relação às
diretrizes do Fundeb e do Governo Federal:
[1] Alto [2] Médio [3] Baixo [4] inexistente [97] NS [98] NR [99]NA
27. A gestão municipal costuma ouvir a sociedade sobre suas ações, metas e
políticas educacionais?
[1] Sim [2] não (4) N/S [97] NS [98] NR [99]NA
28. Que estratégias esta gestão municipal utiliza para decidir como e onde alocar os
recursos do Fundeb? (múltiplas respostas)
[1] Chamando os principais segmentos sociais para dialogar
216

[2] ouvindo as demandas do Conselho do Fundeb


[3] Indo nas Comunidades para conversar com a população diretamente
[5] decide em reuniões com os secretários da pasta
[6] o prefeito decide sozinho
[7] o secretário de educação indica onde devem ser alocados os recursos
[8] outros: especifique
[97] NS [98] NR [99]N

Questionário Tipo 2 - Conselheiros

Município Estado

Nome do Entrevistado:

1.Sexo [ ]masculino [ ]feminino

2.Idade

Posição no conselho:

[ ] Presidente [ ] Vice- presidente [ ] conselheiro -membro

3.Nível de escolaridade completo

[1] Fundamental [ 2] Médio [3 ] Superior [ 4] Especialização [5] Mestrado


[6 ] Doutorado
7. Qual é o segmento social que representa no Conselho do Fundeb?
[ ] Governo (Prefeitura/Secretaria)
[ ] Professores
[ ] diretores das escolas públicas
[ ] Pais de alunos
[ ] Servidores das escolas públicas
[ ] Alunos
[ ]Conselho municipal da educação
[ ]Conselho tutelar
[ ] Outro(especificar)____________________

8. De que maneira se tornou conselheiro?


[ ] Eleito pelo segmento que representa
[ ] Indicação do (a) Secretário (a) de Educação
[ ] Indicação do Prefeito
[ ] Indicação do segmento que representa
Outro (especificar)________________ [97] NS [98] NR [99]NA
217

9. Há quanto tempo o senhor é conselheiro do Fundeb? (anotar em


meses)_________________

10. Já fez parte ou faz de outro tipo de instância participativa como sindicatos,
associações (bairro ou moradores), clubes (sociais ou desportivos), partidos políticos
entre outras?

[ ] Sim [ ] Não [97] NS [98] NR [99]NA


11. Neste momento, quem exerce a presidência do Conselho do Fundeb?
[ ] O Secretário (a) ou representante do Governo
[ ] Representante dos pais de alunos
[ ] Representante dos alunos
[ ] Representantes de outros conselhos municipais
[ ] Representante dos professores
[ ] Representante dos servidores da educação
[ ] Representante de Diretores
[ ] Outro (especificar):_____________________________
[97] NS [98] NR [99]NA
11. Você sabe como o presidente do conselho do Fundeb foi escolhido?
[1] Eleito pelo Conselho
[2] Indicação do (a) Secretário (a) de Educação
[3] Indicação do Prefeito
[4] Indicação do segmento que representa
Outro (especificar)________________ [97] NS [98] NR [99]NA
12. O conselho do Fundeb tem recursos próprios?

[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA


13. Onde funciona o Conselho do Fundeb?
[ 01] sede própria
[02] Na Secretaria de Educação
[3] outro espaço cedido pela Secretaria de Educação
[4] Outro (especificar) __________________________________
[97] NS [98] NR [99]NA

14. Existe lei de criação do Conselho?

[1] sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA


15. O Conselho possui Regimento Interno?
[1] Sim [2] Não [3] Sim, está sendo elaborado [4] Sim, está sendo revisado
[97] NS [98] NR [99]N
16. O município tem PME-Plano Municipal de Educação?
[1] Sim [3] Está em construção [8] NS
[2] Não [4] Sim, está sendo reformulado
218

17. O Conselho participa (ou participou) da elaboração do PME?


[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
18. Na sua avaliação, qual é o nível de influência que você exerce no Conselho do
Fundeb?
[1] Nenhuma influência [2] pouca Influência [3] Muita Influência [97] NS [98]
NR [99]NA
18. Você se reúne com o segmento que representa antes dos encontros do
conselho? (discutir os pontos da pauta)

[1] Sempre [2] Algumas vezes [3] Nunca [97] NS [98] NR [99]NA
19. Qual é a periodicidade das reuniões do Conselho do Fundeb?

[1] Semanal [3] Mensal [5] Trimestral [7] Sem frequência regular
[2] Quinzenal [4] Bimensal [6] Semestral [97] NS [98] NR [99]NA
20. Quando tem reunião do Conselho do Fundeb, o (a) Sr(a). Participa:

[1] De todas as reuniões


[2] Da maioria das reuniões
[3] De algumas reuniões
[5] Nunca participa das reuniões do Conselho
[97] NS [98] NR [99]NA
21 . O Conselho faz acompanhamento dos gastos da Secretaria regularmente?
[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]N
22. Já foi promovida alguma capacitação técnica para os membros do Conselho do
Fundeb?
[1] Sim . [2] Não [8] Não sabe [9] NR
23. Em sua opinião, a compreensão da documentação contábil é:

[1] Fácil [2] Difícil [3] Muito difícil [4] Incompreensível [97] NS [98] NR
[99]NA

24. Em sua opinião, o nível de controle que o conselho exerce sobre os recursos do
Fundeb é:
[1] Alto [2] Médio [3] Baixo [4] inexistente [97] NS [98] NR [99]NA
25. Em sua opinião qual a importância do conselho do Fundeb para a gestão da
educação municipal:
[1] muito importante [2] importante [3] pouco importante [4] sem importância
[97] NS [98] NR [99]NA
26. Você poderia informar que percentual dos recursos do Fundeb é gasto com o
pagamento dos profissionais da educação?____________________
[97] NS [98] NR [99]NA
219

27. Você considera que o valor recebido de recursos do Fundeb é suficiente para
cobrir às necessidades da educação no seu município [1] Sim [2] não [3] em parte
[97] NS [98] NR [99]NA
28. Em sua opinião existe articulação entre a secretaria municipal de educação e o
conselho do Fundeb no que se diz respeito à forma como os recursos do Fundeb
são distribuídos?

[1] Sim [2] não [97] NS [98] NR [99]NA


29. O conselho do Fundeb é chamado ou convocado pela secretaria de educação
para discutir as políticas municipais?

[1] Sempre [2] algumas vezes [3] Nunca [97] NS [98] NR [99]NA

30. Qual é o principal problema que o Conselho enfrenta para ter um melhor
funcionamento?

[1] O não comparecimento por parte de alguns conselheiros;


[2] Falta de compromisso por parte de alguns conselheiros

[3] Falta de uma remuneração para os conselheiros

[4] Falta de capacitação para os conselheiros (legislação educacional e as


atribuições do Conselho)

[5] O fato da Secretaria de Educação não respeitar as decisões do Conselho

[6] A falta de uma infraestrutura condizente com as suas funções (funcionário,


computador, impressora, sala de reuniões etc);

[7] O fato da Secretaria nem sempre disponibilizar as informações solicitadas pelo


Conselho.

[8] falta de participação da sociedade

[9] Outro?(especificar)__________________ [97] NS [98] NR [99]NA


31. Que segmento apresenta maior influência nas decisões do Conselho?

[1] representantes do Governo (Prefeitura/Secretaria)

[2 representantes dos profissionais da educação [97] NS [98] NR [99]N


[3 representantes dos Alunos
[4] representantes dos Pais de alunos
[5 representantes dos professores
[6]representantes dos diretores de escola
[7] CMT Conselho Tutelar
[ ] Outro____________________
220

32. Em sua opinião o Conselho funciona de maneira democrática


[1] Sim [2] Não [97] NS [98] NR [99]NA
33. O conselho acompanha a aplicação dos recursos do Fundeb no município:

[1] sempre [2] algumas [3]nunca [97] NS [98] NR [99]NA


34. Em sua opinião o município tem autonomia para decidir onde, quanto e como vai
aplicar os recursos do Fundeb?

[1] Sim [2] Não [3] Em parte [97] NS [98] NR [99]NA


35. em caso positivo qual o nível desta autonomia da gestão municipal da educação
em relação às diretrizes e normas do Fundeb:

[1] Alto [2] Médio [3] Baixo [4] inexistente [97] NS [98] NR [99]NA
36. Qual o grau de importância que você atribui ao Fundeb para a gestão da
educação municipal:

[1] Alto [2] Médio [3] Baixo [4] inexistente [97] NS [98] NR [99]NA
37. A gestão municipal costuma ouvir a sociedade sobre suas ações, metas e
políticas educacionais?
[1] Sim [2] não [97] NS [98] NR [99]NA
38. Que estratégias esta gestão municipal utiliza para decidir como e onde alocar os
recursos do Fundeb? (múltiplas respostas)
[1] Chamando os principais segmentos sociais para dialogar
[2] ouvindo as demandas do Conselho do Fundeb
[3] Indo nas Comunidades para conversar com a população diretamente
[5] decide em reuniões com os secretários da pasta
[6] o prefeito decide sozinho
[7] o secretário de educação indica onde devem ser alocados os recursos
[8] outros: especifique

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