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As linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores “pioneiros” nos


estudos sobre violência, crime e justiça criminal no Brasil (1970-2018)

Article · April 2020


DOI: 10.17666/bib9110-2020

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2 202

4 authors:

Rochele Fachinetto Lígia Mori Madeira


Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Jania Aquino Leonardo Geliski


Universidade Federal do Ceará Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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DOI: 10.17666/bib9110-2020

As linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores “pioneiros” nos


estudos sobre violência, crime e justiça criminal no Brasil (1970-2018)

Rochele Fellini FachinettoI


Lígia Mori MadeiraII
Jania Perla Diógenes de AquinoIII
Leonardo GeliskiII

Introdução em livros, que inaugurou e tanto contribuiu


para a formação desse campo de estudos.
O campo de estudos sobre a violência, É também bastante significativa a elabo-
crime e justiça criminal1 no Brasil tem se con- ração de balanços temáticos nessa área, que
figurado por uma expressiva e dinâmica pro- começaram a ser produzidos ainda na déca-
dução, sobretudo a partir do final da década da de 1990, retomando pesquisas realizadas
de 1990. O número de teses e dissertações a partir de 1970, evidenciando o potencial
nessa área tem sido crescente, como mos- reflexivo desse campo de estudos e a “tensa
tram pesquisas realizadas no banco de Teses e pluralidade teórica e metodológica”, aponta-
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoa- da por Ratton (2018, p. 7) como traço cons-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) tituinte e estruturador da área. Nesse cenário,
(FBSP, 2009; Campos; Alvarez, 2017), bem marcado não apenas por intensa produção
como tem se mostrado significativa a produ- acadêmica sobre os temas da violência, crime
ção de artigos científicos em revistas Qualis A e justiça criminal, mas também pelo expres-
e B – para além de uma tradicional produção sivo trabalho analítico e interpretativo, con-

1 A própria forma de nomear esse campo de estudos tem sido objeto de reflexão e discussão em balanços anteriores,
considerada uma questão controversa (Lima; Ratton, 2011, p. 11) pela diversidade de temas e objetos de análise,
que incorporam tanto os fenômenos da violência e da criminalidade quanto as instituições do sistema de justiça
criminal, os temas de direitos humanos e as políticas públicas de segurança. Para fins deste artigo, utilizaremos
a expressão violência, crime e justiça criminal, de forma a tornar mais fluida a leitura, mas endossamos que ela
não abarca a complexidade e a diversidade da área. Manteremos a menção a outras expressões apenas quando elas
forem utilizadas por outros autores.

I
Departamento de Sociologia e Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul – Porto Alegre (RS), Brasil. E-mail: rocheleff@gmail.com
II
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre (RS),
Brasil. E-mails: ligiamorimadeira@gmail.com; geliski.leonardo@gmail.com
III
Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará –
Fortaleza (CE), Brasil. E-mail: perladiogenes@gmail.com
Recebido em: 02/04/2019. Aprovado em: 01/07/2019.

BIB, São Paulo, n. 91, 2020 (publicada em fevereiro de 2020) pp. 1-39. 1
substanciado nos diversos balanços e revisões Em um segundo momento, mapeamos
produzidos nessa área de estudos, situamos o as linhagens de descendência acadêmica
desafio deste artigo. Por considerarmos que dos pesquisadores “pioneiros”, procurando
os balanços apresentam elementos suficientes compreender como se deu o processo de for-
para caracterizar a produção bibliográfica da mação das novas gerações de pesquisadores.
área nos seus diferentes períodos, procuramos A escolha dos pioneiros teve como referên-
inovar por caminhos que até então não fo- cia principal a obra organizada por Renato
ram explorados, partindo dos pesquisadores Sérgio de Lima e José Luiz Ratton, As Ci-
pioneiros da área para reconstruir as gerações ências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre
de pesquisadores seguintes, mapeando seus crime, violência e direitos humanos no Brasil,
orientandos e os orientandos subsequentes, publicada em 2011. Por meio de entrevistas
e elucidando uma rede que abrange quatro e obituários, o livro reconstrói as trajetórias
gerações no âmbito de suas linhagens de des- intelectuais de pesquisadores que “desde
cendência acadêmica. Para tanto, delineamos a década de 1970/80 construíram uma re-
dois percursos: em um primeiro momento, flexão sistemática e permanente, voltada,
analisamos os próprios balanços já elabora- prioritariamente, para as questões sobre vio-
dos, por entendermos que se trata de uma lência, criminalidade, organizações policiais
produção muito rica e densa, que sistematiza e do sistema de justiça e políticas públicas
uma ampla diversidade da produção (em li- de segurança”2 (Lima; Ratton, 2011, p. 11).
vros, capítulos, artigos, teses e dissertações), Da mesma forma, nos diversos balanços ana-
com múltiplos desenhos e objetos de análise lisados neste artigo, esses pesquisadores são
(que contemplam as temáticas trabalhadas, recorrentemente referenciados como precur-
os referenciais teórico-metodológicos ado- sores desse campo de estudos, reforçando,
tados, os aspectos biográficos dos pioneiros portanto, nossa seleção.
e as dimensões institucionais da produção), Linhagens do pensamento é tema abor-
percorrendo um recorte temporal que abar- dado tanto nos estudos da sociologia dos
ca desde a década de 1970 até trabalhos pu- intelectuais (Passiani, 2018) como na lite-
blicados em 2018 (BIB, 2017). Essa análise ratura sobre pensamento político (Brandão,
buscou sistematizar as principais contribui- 2010). Os conceitos de linhagens e de gera-
ções dessas revisões e balanços, identificando ções abordados nesses estudos adotam como
tensões e questões que permanecem em aber- premissa que o compartilhamento teórico
to, demonstrando também o quanto a temá- e temporal de correntes ou conjunturas de
tica da violência, crime e justiça criminal no atuação dos pensadores e dos pesquisado-
Brasil pode se mostrar cíclica e dependente res permite pensar no estabelecimento de
dos contextos político e social. famílias intelectuais, bem como analisar a

2 Os(as) pioneiros(as) cujas trajetórias foram reconstruídas na obra são: Michel Misse, Julita Lemgruber, Paulo Sér-
gio Pinheiro, Alba Zaluar, Roberto Kant de Lima, Sérgio Adorno, Luciano de Oliveira, Luiz Eduardo Soares, Ma-
ria Stela Grossi Porto, César Barreira, José Vicente Tavares dos Santos, Luiz Antônio Machado da Silva, Gláucio
Soares, Cláudio Beato, Edmundo Campos Coelho (in memoriam) e Antônio Luiz Paixão (in memoriam) (Lima,
Ratton, 2011). Ao todo, são 16 pioneiros cujas trajetórias foram reconstruídas na obra organizada por Lima e
Ratton (2011). Entretanto, para este trabalho, são analisadas 14 linhagens, considerando que não fizeram parte da
base de dados os pioneiros Antônio Luiz Paixão e Julita Lemgruber, pois não possuem orientandos de Doutorado
registrados na Plataforma Lattes.

2
constituição, a circulação e a continuidade contingência) a fim de conhecer os ciclos de
de ideias. Assim, aliamos as tradições dos formação e as características das linhagens
estudos sobre o estado da arte desse cam- (geral e individualmente).
po, que mapeou os pioneiros nessa área de Destacamos que o mapeamento pro-
pesquisa, com o conceito de linhagens en- posto neste artigo não pretende ser uma
tendido como processo de formação de pes- análise exaustiva do campo de estudos sobre
quisadores a partir das orientações em cursos violência, crime e justiça criminal no Brasil.
de doutoramento. O exame das linhagens Trata-se, antes, de uma seleção que busca
dos pioneiros dos estudos sobre violência, compreender a ampliação do campo e al-
crime e justiça criminal considerou o apren- guns aspectos sobre a configuração das novas
dizado da pós-graduação como um aspecto gerações de pesquisadores a partir desses pre-
importante na trajetória dos pesquisadores e cursores. O campo de estudos sobre violên-
um espaço no qual a orientação se constitui cia, crime e justiça criminal no país é mais
como mecanismo de difusão de ideias, prá- amplo do que o recorte aqui efetuado, tendo
ticas e interesses comuns de pesquisa, o que em vista que há pesquisadores e estudiosos,
não implica, necessariamente, uma afinidade mesmo alguns que se tornaram referências
temática ou filiação teórica aos orientadores. fundamentais na formação de novas gera-
Entendendo cada pioneiro como cons- ções e já com longa trajetória nesse campo
tituidor de uma linhagem nesse campo de de estudos, que não derivam das linhagens
estudos, mapeamos quais foram seus orien- dos pioneiros e, por isso, não estão incluí-
tandos com doutorado concluído (denomi- dos em nossa seleção. É também importante
nados primeira descendência de formação enfatizar que nosso mapeamento teve como
acadêmica) e, subsequentemente, os orien- foco a formação de indivíduos e não a sua
tandos desses orientandos (denominados produção. Portanto, nem todos os pesqui-
segunda descendência), construindo até a sadores formados nas linhagens analisadas
terceira descendência de pesquisadores que produziram trabalhos na área da violência e
derivam dessas linhagens. A coleta dos dados da criminalidade.
foi baseada na pesquisa dos currículos ­Lattes3
de 14 pioneiros e de seus orientandos. As in-
formações extraídas foram: nome; gênero; Um balanço dos balanços: análise dos
orientador; linhagem e geração (ascendência levantamentos de pesquisas sobre
a partir dos pioneiros); ano de defesa da tese; violência, crime e sistema de justiça
área do curso; instituição; tipo de institui- criminal no Brasil (1993-2018)
ção (privada, pública ou internacional); e
dados do local da instituição (país; estado e Nesta seção, analisamos os principais
região – no caso de ser sediada no Brasil). balanços produzidos pela área, conforme
Para descrever esses dados, adotamos os ins- sintetizado no Quadro 1.4 O primeiro ba-
trumentos de estatística descritiva (tabela de lanço no campo de estudos sobre violência,

3 Dados abertos para consulta pública.


4 Uma obra fundamental nesse campo de estudos é Crime, Polícia e Justiça no Brasil, organizada por Lima, Ratton
e Azevedo (2014). O livro constitui uma sistematização das principais abordagens e focos temáticos dos estudos
sobre a área no país. Entretanto, como não constitui propriamente um balanço no sentido dos outros trabalhos
que aqui foram analisados, ela não foi incorporada em nossa análise.

3
Quadro 1 – Balanços analisados da área da violência,
crime e justiça criminal no Brasil (1993-2018).
Ano de Recorte
N Autor(es) Enfoque/Unidade de análise
publicação temporal/análise
Artigos científicos, livros, capítulos de livros,
1 Sérgio Adorno 1993 1978-1993 relatórios de pesquisa, dissertações e teses de
Doutorado.

Artigos, livros e capítulos de livros.


2 Alba Zaluar 1999 A partir de 1970
Contagem de temas e subtemas.

Dados do Diretório de
Roberto Kant de Lima, Grupos de Pesquisa do CNPq.
3 Michel Misse e Ana 2000 1970-2000 Grupos de linhas de pesquisa da área
Paula Miranda Pesquisa bibliográfica na
área das Ciências Sociais.

Balanços preliminares dos estudos acadêmicos


A partir do
4 Fernando Salla 2006 sobre prisões nas Ciências Sociais. Reflexão
século XIX
sobre perfil de produção.

Teses e dissertações
disponíveis na Plataforma CAPES.
Renato Sérgio de Lima
5 2009 1983-2006 Dados do Diretório de
(Relatório FBSP) Grupos de Pesquisa do CNPq.
Questionário e entrevistas com pesquisadores.

Fóruns e encontros anuais (Associação


Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
César Barreira e Sérgio Ciências Sociais — Anpocs, Sociedade
6 2010 2000-2010 Brasileira de Sociologia
Adorno
SBS, ABA, ABCP, ISA). Diretório de Grupos
de Pesquisa do CNPq; currículos Lattes.

Reconstrução das trajetórias dos pioneiros


Renato Sérgio de Lima e
7 2011 A partir de 1970 nos estudos sobre violência, crime e Direitos
José Luiz Ratton
Humanos no Brasil (entrevistas).

Temas e áreas de pesquisa em violência.


Peter Imbusch, Michel
8 2011 A partir de 1980 Trajetórias históricas da
Misse, Fernando Carrión
violência na América Latina.

José Vicente Tavares dos Produção latino-americana, livros (foco da


9 2016 A partir de 2000
Santos e César Barreira análise), capítulos e artigos científicos.

Marcelo Campos e Periódicos científicos classificados como


10 2017 2000-2016
Marcos Cesar Alvarez Qualis A1 pela área de Sociologia.

Periódicos A1 e A2 da área de
Ludmila Ribeiro e Alex Sociologia da CAPES (crime e violência).
11 2018 2000-2017
Niche Teixeira
Análise das metodologias.

Continua...

4
Quadro 1 – Continuação.
Ano de Recorte
N Autor(es) Enfoque/Unidade de análise
publicação temporal/análise
Artigos nacionais A1, A2 ou B1 (Ciências
Arthur Trindade Sociais).
12 Maranhão Costa e 2018 2000-2016
Renato Sérgio de Lima Debate sobre pesquisas com uso de estatísticas
oficiais.
Jania Perla Diógenes Teses e dissertações com abordagem
13 2018 2000-2017
Aquino e Daniel Hirata etnográfica — crime
Análise de balanços anteriores.
Jacqueline Muniz,
14 Haydée Caruso e Felipe 2018 2000-2017 Periódicos A1, A2, B1, B2 em Antropologia,
Freitas Sociologia e Ciência Política (e alguns artigos
internacionais) (estudos policiais)
Revisão bibliográfica de artigos publicados
Rodrigo Ghiringhelli em revistas A1 e A2 das áreas de Sociologia e
15 de Azevedo e Jacqueline 2018 2012-2017 Antropologia (Qualis CAPES)
Sinhoretto Teses de Doutorado (CAPES) (justiça
criminal).
Teses e dissertações disponíveis nos
repositórios
Luiz Cláudio Lourenço e
16 2018 1997-2017 institucionais dos PPGs em Sociologia,
Marcos César Alvarez
Antropologia, Ciência Política e Ciências
Sociais (estudos sobre prisão).
CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; SBS: Sociedade Brasileira de
Sociologia; CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; ABA: Associação Brasileira
de Antropologia; ABCP: Associação Brasileira de Ciência Política; ISA: International Sociological Association;
PPGs: Programas de Pós-Graduação.

crime e justiça criminal no Brasil foi elabo- cial e a herança do regime autoritário nas
rado por Sérgio Adorno em 1993. No artigo, formas de exercício do poder estatal e nas
o autor, que é um dos pioneiros desse cam- políticas de segurança.
po de estudos no país, analisa a produção O autor subdivide os estudos em qua-
científica sobre a criminalidade no Brasil a tro categorias, considerando seus enfoques
partir da década de 1970, com base em um teóricos. Um primeiro conjunto de estudos
amplo levantamento de artigos científicos, destacaria o movimento da criminalidade,
livros e capítulos, relatórios de pesquisa, dis- tendências e características das práticas de-
sertações de mestrado e teses de doutorado. lituosas, ocorrências policiais que apresenta-
­Adorno (1993, p. 3) identifica uma mudan- vam crescimento ou retração e quais seriam
ça nas abordagens, até então centradas em as possíveis causas ou fatores explicativos
uma perspectiva jurídica e da legislação pe- (Adorno, 1993, p. 3). Um segundo grupo
nal, para análises sociológicas que buscavam concentraria suas análises no perfil social dos
articular o recrudescimento da violência, o delinquentes, evidenciando o fenômeno da
modelo de desenvolvimento econômico-so- seletividade penal, dado que eram recruta-

5
dos entre grupos de trabalhadores urbanos buscavam inclusão social das classes sociais
de baixa renda, não diferindo do perfil so- oprimidas. Por outro, viam os pobres inse-
cial da população pobre. A terceira catego- ridos nas manifestações de violência, seja
ria estaria relacionada à organização social como atores, seja como vítimas. Realizando
do crime sob a perspectiva do delinquente. um mapeamento de artigos, livros e capítu-
Esse conjunto de trabalhos dedicou-se a aná- los publicados e a contagem de temas e sub-
lises sobre a identidade dos delinquentes, temas, Zaluar (1999) verifica a hegemonia
considerados a partir da dicotomia trabalha- do paradigma marxista e da criminologia
dor × bandido, elaborada por Alba Zaluar crítica, com predomínio da questão institu-
(apudAdorno, 1993, p. 4-5), bem como os cional. Ela chama a atenção também para a
tipos de criminosos e de organizações crimi- influência de Foucault e os dispositivos de
nais, associando-as ao modelo de organiza- poder, de produção de verdade e disciplina,
ção empresarial. Um quarto grupo de traba- permitindo uma combinação Marx e Fou-
lhos dedicou-se à análise das políticas penais. cault para explicar mecanismos de poder
Muitos desses trabalhos evidenciavam as estatal, especialmente da polícia e da prisão
tensões que perpassavam o período da dita- nas obras de Sérgio Adorno, Kant de Lima
dura civil militar, o processo de redemocra- e Michel Misse. Outra vertente centrava-se
tização da sociedade brasileira, bem como o no liberalismo político e sua preocupação
período de recrudescimento dos fenômenos com a construção da nação e da cidadania
da violência urbana no país, sobretudo com via processo de democratização e os desafios
relação ao respeito às normas constitucionais impostos a ela pela violência urbana e difusa
como fundamento para o exercício do poder (Adorno, Caldeira, Oliveira, Paixão, Pinhei-
do Estado. É  nesse sentido que as conclu- ro, Velho, Zaluar), apontando os percalços
sões desse primeiro balanço apontam para a do processo civilizatório – inversão da teoria
necessidade de uma nova racionalidade jurí- do homem cordial, diagnóstico do caráter da
dica, capaz de consolidar uma efetiva justiça sociedade brasileira em uma perspectiva cul-
social – racionalidade, subjacente ao direito turalista (Benevides, Cardia, Caldeira, Ma-
de punir, que pudesse produzir um deslo- chado da Silva, Paoli, Soares, Velho, Vargas,
camento do valor à liberdade para o valor à Zaluar). Tensões entre as práticas cotidianas
vida (Adorno, 1993). do sistema de justiça penal (polícia e sistema
Em 1999, Alba Zaluar produz o balan- penal) e o contraste com o sistema normati-
ço “Violência e crime”. Para analisar debates vo legal; o predomínio da explicação socio-
dos 25 anos anteriores, ela explora a rela- lógica dicotômica: dominação, exploração
ção entre os campos intelectual e político. capitalista, segregação racial e exclusão (Gui-
­Também observando as mudanças políticas, marães, Carvalho, Oliven, Kowarick, Misse,
sociais e econômicas ocorridas no Brasil en- Zaluar); e uma visão dicotômica da polícia,
tre o período autoritário, a redemocratização ora como órgão repressor a serviço das clas-
e seu primeiro ciclo político, Alba (1999) ses dominantes, ora como prestadora de ser-
sustenta que a postura do cientista social viços, mesmo às classes populares, marcam a
como intelectual orgânico marca a constitui- produção no período. Zaluar (1999) aponta
ção de um campo de estudos sobre violência, cinco temas sempre presentes na literatura:
crime e seus paradoxos. Isto é, as pesquisas • a reflexão sobre o que é violência e seus
seriam marcadas por dilemas: por um lado, múltiplos significados e planos;

6
• imagens e representações sociais do cri- • delinquência e criminalidade violenta;
me e da violência e o medo da popu- • polícia e sistema de justiça criminal;
lação; • políticas públicas de segurança;
• contar as vítimas e os crimes; • violência urbana: imagens práticas e dis-
• explicações para o aumento da violência curso.
e da criminalidade;
• o problema social da criminalidade Para explorar mais as discussões dos tra-
como tema de política pública. balhos sobre delinquência e criminalidade
violenta, que corresponde à maioria dos tra-
Um ano após o levantamento de Alba balhos examinados, eles apresentam alguns
Zaluar, Roberto Kant de Lima, Michel Misse subitens, tais como:
e Ana Paula Miranda (2000) realizaram novo • delinquência infantojuvenil e a catego-
balanço, dessa vez traçando um quadro geral ria menor;
dos pesquisadores da área. Os autores assina- • aumento da criminalidade urbana, mu-
lavam que as temáticas da violência, crimina- danças de padrão e perfil social dos acu-
lidade, segurança pública e justiça criminal já sados e seus efeitos de violência;
apresentavam produção regular e ganhavam • a questão do crime organizado e do trá-
relevância nos debates, seja pela crescente fico de drogas.
compreensão de sua complexidade e interes-
se público, seja pelo acúmulo de interpreta- Mais abrangente que os anteriores, esse
ções de materiais que veiculam. A ­ nalisando levantamento realizado por Kant de Lima,
os bancos de dados do CNPq, eles destacam Misse e Miranda (2000) trabalha com gran-
que no ano 2000 já se verificava em todo o de quantidade de pesquisas e os autores se
país cerca de 450 pesquisadores registrados empenham em identificar e discutir traba-
nos diretórios de pesquisa do CNPq, in- lhos desenvolvidos fora da região.
cluídos no setor de atividades de “segurança Em 2006, Fernando Salla empreende
pública e criminalidade”. E ­ ntre eles, mais da um levantamento específico sobre o campo
metade seriam sociólogos, cientistas políticos dos estudos prisionais no Brasil, ressaltando
e antropólogos. Segundo os autores, naque- que, durante o século XIX e nas primeiras
le período já se identificavam 41 grupos de décadas do século XX, questões relacionadas
pesquisa nas temáticas relacionadas à vio- a prisões despertavam o interesse apenas de
lência e crime, representando cerca de 10% pesquisadores do direito e da medicina, em
dos grupos de pesquisa em ciências sociais. sua vertente criminológica. Os primeiros es-
­Embora assinalem que metade dos pesquisa- tudos sobre a temática nas ciências sociais do
dores e grupos de pesquisa na temática esti- país datam dos anos de 1970, mas teria sido
vessem na Região Sudeste, especialmente nos apenas a partir da crise na segurança pública,
estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os nos anos de 1980, bem como das discussões
autores também destacam a presença signifi- relacionadas à abertura democrática, que
cativa de grupos de pesquisa nas demais re- pesquisadores teriam sido atraídos para a te-
giões do país, apontando para a nacionaliza- mática. Nos anos de 1990, a discussão sobre
ção dessa temática, o que não ocorria antes de prisão se consolidaria, embora a quantida-
1995, sendo possível observar, no argumento de de trabalhos fosse modesta e apenas te-
dos autores, as seguintes divisões temáticas: nha aumentado significativamente nos anos

7
2000. O autor destaca as temáticas da edu- te, tais como “crime organizado” e tráfico
cação nas prisões, das dinâmicas das relações de drogas, tensão entre direitos humanos e
entre encarcerados, das atuações de assisten- políticas de segurança, punição e controle
tes sociais e agentes penitenciários, da saúde social, e impunidade e funcionamento do
mental nas prisões, das mulheres detentas, sistema judicial. Trabalhos sobre violência
dos programas de trabalhos dos internos e doméstica, violência nas relações de gênero,
levantamentos históricos sobre as prisões. conflitos interpessoais, violência nas escolas,
Em 2009, quase duas décadas depois violência nas ruas, assim como os clássicos
do primeiro balanço (Adorno, 1993), o Fó- estudos sobre violência durante a ditadura
rum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e seus reflexos, marcariam essa produção.
buscou mapear conexões teóricas e meto- A participação dos pesquisadores no debate
dológicas da produção em torno dos temas público também seria uma marca do perío-
da violência e da segurança pública com as do, concomitantemente com esforços dos
políticas públicas da área nos anos de 1990 governos federal e estaduais em melhorar a
e 2000. O corpus do artigo abrangeu teses qualidade das estatísticas oficiais, motivados
e dissertações produzidas até abril de 2007, em muito por pressões sociais e da comu-
chegando a identificar 2.044 trabalhos, nidade acadêmica. Apesar desses avanços,
além de terem realizado entrevistas com os autores ressaltam dificuldades persisten-
pesquisadores da área para compreender pa- tes, relacionadas às tensas relações entre os
péis e representações existentes no campo de produtores de conhecimento e os atores do
estudos da segurança pública. A análise do policy making da segurança pública e justiça
material revelou que a produção brasileira criminal, à dificuldade de formulação e im-
de estudos sobre violência e crime urbano plementação de ações efetivas, à carência de
ainda era tímida, demandando continuida- dados quanto ao custo dessas ações, à mul-
de de esforços, exploração de novos temas tifatorialidade das causas da violência, que
e fomento. As temáticas mais recorrentes acaba contribuindo para dificultar a ação
eram modalidades de violência; perfis de sobre tendências de crescimento da crimi-
agressores e vítimas; evolução do crime; ca- nalidade. Os autores concluem que existe
racterísticas da organização social do crime um aparente paradoxo: enquanto há gran-
e da violência; meios e modos empregados de produção acadêmica, há baixa adesão de
nas ações criminais; relações entre medo, referenciais técnicos ou metodológicos na
insegurança e violência, mídia e violência, formulação das políticas públicas da área, o
violência e situação social e desigualdade que revela dificuldades de estabelecer canais
social. De acordo com o balanço produzi- entre a produção e as políticas.
do pelo FBSP (2009), há ênfase recente no Em 2010, no volume reservado à socio-
estudo de políticas públicas de segurança e logia da coleção “Horizontes das Ciências
justiça criminal, estrutura e funcionamen- Sociais no Brasil”, publicado pela Anpocs,
to das agências encarregadas de controlar o Barreira e Adorno (2010) empreendem uma
crime, desempenho dos operadores técnicos análise diacrônica da violência e dos confli-
e não técnicos do direito na aplicação das tos sociais no país, dos anos de 1960 a 2010.
leis penais com foco no desempenho dos Eles também discutem a incidência da vio-
agentes policiais. Eles destacam que novos lência no pensamento social e na sociologia
temas vêm sendo incorporados ao deba- política na formação do Brasil moderno,

8
mostrando que em tais debates a violência nizada por Renato Sérgio de Lima e José
costuma ser apresentada como recurso de Luiz Ratton, na qual acessamos narrativas
poder social e político, sem ser abordada pessoais daqueles considerados “pioneiros”
como problemática específica. Os autores desses estudos. Os organizadores do livro
dialogam, ainda, com os levantamentos e os afirmam que a nomeação desse campo de
balanços da produção em ciências sociais no estudos é controversa, pela diversidade te-
Brasil referentes à violência e ao crime até mática e teórica que o compõe, e que a es-
então elaborados, elencando “as primeiras li- colha daqueles considerados “pioneiros” le-
nhas de investigação sociológica, os temas de vou em conta a construção de uma reflexão
maior repercussão, as conclusões de maior sistemática e permanente desde as décadas
impacto no debate acadêmico e público” de 1970 e 1980 sobre violência, crimina-
(Barreira; Adorno, 2010, p. 311). Os auto- lidade, organizações policiais e do sistema
res concluem que os estudos da década atu- de justiça e políticas públicas de segurança
al dão prosseguimento a linhas de pesquisa (Lima; Ratton, 2011, p. 11). Embora não
iniciadas em decênios anteriores, destacando constitua um balanço dos estudos na área,
temas e tendências na agenda de investiga- a obra permite-nos conhecer a trajetória dos
ção no Brasil. Entre eles, estão estudos que “pioneiros”, suas áreas de formação, vincu-
abordam mudanças no perfil da criminali- lações teóricas, contribuições metodológicas
dade e da violência, especialmente aquelas e teóricas, a construção e a constituição de
“organizadas”, envolvendo tanto pessoas po- grupos de pesquisa, em um período marca-
bres como indivíduos procedentes de classes do pela institucionalização dos programas
médias e altas; novas configurações urbanas e de pós-graduação no Brasil. Alguns temas
suas relações com a informalidade e os mer- perpassam quase todas as entrevistas, como
cados ilegais; variadas abordagens e enfoques o papel das universidades, sua relação com as
analíticos dos estudos dos homicídios; cons- políticas públicas e instituições de seguran-
tituição de diferentes coletivos criminais, ça pública, disputas em torno das noções de
tais como quadrilhas, gangues, grupos de segurança pública e segurança cidadã, pos-
extermínio; impasses e contradições relacio- sibilitando-nos compreender a constituição
nados ao controle democrático da violência; desse campo e algumas controvérsias e dis-
atuação repressora do Estado e suas relações putas que o atravessam. Se alguns pioneiros
com as políticas de segurança pública; desa- defendem a articulação desse campo com o
fios das instituições policiais; participação da das políticas públicas, outros enfatizam a ne-
sociedade nas políticas públicas de seguran- cessária autonomia da universidade perante
ça; novas formas de conflitualidades e sua os governos. Sobre vinculações teóricas, em-
administração pelo Estado e outros agentes; bora seja possível identificar a influência de
novas dinâmicas da punição; e o crescimento diversos autores5 e suas recorrentes citações
do encarceramento e seus desdobramentos. pelas gerações que os sucederam, as entrevis-
Outra obra analisada foi As Ciências tas não demonstram adesões a abordagens
Sociais e os Pioneiros nos estudos sobre crime, ou correntes de pensamento, configuradas
violência e direitos humanos no Brasil, orga- em “identidades teóricas” dentro do campo,

5 Destaque para algumas referências mencionadas: Max Weber, Emile Durkheim, Norbert Elias, Howard Becker,
Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Hannah Arendt, David Garland.

9
sendo possível perceber um ecletismo teóri- acerca da violência e da segurança cidadã na
co, mobilizado para compreender múltiplos América Latina, analisando a produção entre
e complexos fenômenos. Esse argumento 2000 e 2016 contemplando livros, capítulos
corrobora nosso entendimento sobre a mo- de livros e artigos científicos. Os autores des-
bilização da noção de linhagem, consideran- tacam o papel relevante do Conselho Latino-
do-se que não podemos pensar em afiliações -Americano de Ciências Sociais (CLACSO)
teóricas ou temáticas a partir dos pioneiros, na produção expressiva de pesquisas, estudos
pela complexidade e pela multiplicidade e publicações nos temas da violência e con-
dos fenômenos analisados dentro de uma trole do crime na região. Segundo Santos e
mesma linhagem, que acaba recorrendo a Barreira (2016), podem-se resumir as últi-
abordagens teórico-metodológicas muito di- mas duas décadas de produção sociológica
versas. Conforme concluíram Lima e Ratton na América Latina em um mapa cognitivo,
(2011, p. 12), o que se observa nos últimos em que se identifica, por um lado, a análise
20 anos é a consolidação de olhares próprios da “violência difusa”, predominantemente
das ciências sociais sobre o tema da violência uma violência urbana, manifesta no crescen-
e da criminalidade, bem como a formação de te número de homicídios, em países como
novas gerações de pesquisadores. Brasil, Colômbia, Venezuela, Honduras
Também em 2011, Peter Imbusch, Mi- e México; e, por outro, uma espessa “con-
chel Misse e Fernando Carrión publicaram flitualidade social”, manifesta em diversas
um balanço sobre as pesquisas em violência sociedades do continente (Santos; Barreira,
no continente latino-americano intitulado 2016, p. 15). Com base na análise da pro-
Violence research in Latin America and the dução considerada, Santos e Barreira (2016,
Caribbean: a literature review. Nesse traba- p. 25-30) apontam que as contribuições ori-
lho, os autores abordam a problemática da ginais da sociologia na América Latina po-
violência na região, apontando as altas taxas dem ser indicadas por dois conceitos: a vio-
de homicídios e a variedade de modalidades lência difusa e a segurança cidadã. Por um
e formas, tais como gangues juvenis, violên- lado, uma microfísica da violência perpassa
cia doméstica, tráfico de drogas, lavagem o tecido social e evidencia uma multiplici-
de dinheiro, movimentos de guerrilha, es- dade de conflitualidades e relações de poder;
quadrões da morte, terrorismo e ditaduras, por outro lado, a disseminação de experiên-
levantes e revoluções violentas, entre outras, cias inovadoras – no que se refere a políticas
que fazem do continente um dos mais vio- públicas de segurança e mesmo à articulação
lentos do mundo. Diferenciando as cate- entre universidades, pesquisadores e agentes
gorias de violência em social, econômica, da segurança pública, como a própria cria-
política e institucional, os autores apontam ção do FBSP, em 2006 – configuram algu-
a relação destas com as altíssimas desigualda- mas possibilidades para a construção de uma
des e exclusão social que acometem os países, segurança cidadã.
com fraca legitimidade dos Estados no mo- Em 2017, Marcelo Campos e Marcos
nopólio da violência, déficits no rule of law Alvarez publicaram o balanço Políticas pú-
e extensa corrupção policial, somadas a uma blicas de segurança, violência e punição no
cultura da violência. Brasil (2000-2016), que parte da análise de
Santos e Barreira (2016) também pro- periódicos acadêmicos classificados como
põem um olhar para o campo intelectual Qualis A pela área de sociologia na CAPES.

10
Eles atribuem a intensificação e a difusão da O balanço dos periódicos Qualis A1 na
área a duas razões principais: a produção de área revelou crescimento significativo, sobre-
revistas especializadas na temática e a multi- tudo a partir de 2008, de autores vinculados
plicação de pesquisas financiadas pelo gover- às principais universidades públicas brasi-
no federal no período analisado. As pesqui- leiras, sendo prevalecente a produção do
sas na temática inicialmente fomentadas por Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
recursos externos passaram a ser financiadas Gerais), do Rio Grande do Sul e do Distri-
por agências e órgãos públicos, o que acar- to Federal, coincidindo com as origens dos
retou alterações temáticas, incrementando, estudos pioneiros da temática. Ao analisar
segundo os autores, os estudos sobre políti- a produção por estado, os autores demons-
cas públicas de segurança. Campos e Alvarez tram a preponderância de trabalhos oriun-
(2017) problematizam se houve mudança ou dos dos pesquisadores apresentados como
inflexão nessa literatura; quais as principais “pioneiros” por Lima e Ratton ou de seus
perspectivas analíticas da atualidade; como afiliados. A concentração de mais da metade
se distribuem as temáticas e como se divide a da produção publicada em revistas Qualis A
produção por região do Brasil. Os autores di- no Sudeste convive com o aumento progres-
videm a produção em três linhas principais: sivo da diversidade regional. Os autores assi-
• estudos sobre políticas públicas de segu- nalam a trajetória desses estudos desenvolvi-
rança; dos a partir dos anos 1970/1980 no Sudeste,
• estudos sobre violência e sociabilidades; consolidados em grupos e linhas de pesquisa
• investigações no âmbito de uma socio- nos anos de 1990 que, a partir de 2000, ex-
logia da punição. pandem-se e se diversificam regionalmente.
A Revista Brasileira de Informação Biblio-
Os autores sustentam uma preponde- gráfica em Ciências Sociais (BIB) dedicou seu
rância da temática das políticas públicas de número 84 exclusivamente às temáticas do
segurança e suas análises sobre fluxo, jus- crime, polícia, sistema de justiça e prisional.
tiça criminal, administração institucional Organizado por José Luiz Ratton, o volume
de conflitos, polícia, reforma da justiça, se- foi composto de uma introdução e seis ar-
gurança privada, segurança pública, deter- tigos que desenvolvem balanços abordando
minantes da criminalidade, prevenção ao eixos específicos das temáticas menciona-
crime e política criminal, estatísticas crimi- das. Na introdução, Ratton (2018) assinala
nais, oportunidades do crime e violência de que, além de atualizar temas já abordados,
gênero. Para eles, há outras duas temáticas os textos apresentam investigações mais den-
interconectadas criticamente com a ques- sas sobre áreas menos exploradas nas revisões
tão da violência: os estudos sobre violência bibliográficas anteriores. Os aspectos meto-
e sociabilidades (incluem performances, re- dológicos das pesquisas na área são objeto de
presentações sociais e práticas da violência, análise de três artigos. O primeiro deles, es-
ilegalismos urbanos, sociabilidades violentas, crito por Ludmila Ribeiro e Alex Niche Tei-
igualmente conectados aos temas de organi- xeira (2018), analisa as metodologias utiliza-
zação e sociabilidade dos grupos criminosos, das nos trabalhos com base em uma pesquisa
dos subalternos nas margens e do tráfico de nos periódicos classificados como A1 e A2
drogas) e os estudos sobre sociologia da pu- pela área de Sociologia da CAPES. Os  au-
nição e das prisões. tores indicam que a maioria significativa

11
dos textos examinados recorre a métodos de res a avaliar a polícia, indicando o que deve
pesquisa qualitativa, sobretudo à entrevista, ser modificado ou o que funciona, tirando o
e consideram a predominância dos estudos foco de questões analíticas e do debate acadê-
qualitativos como indício de certa inabilida- mico. Tendo como objeto de análise o sistema
de dos pesquisadores brasileiros com meto- de justiça criminal na perspectiva da sociolo-
dologias quantitativas robustas para coleta e gia e da antropologia, Rodrigo Ghiringhelli
análise de dados (Ribeiro; Teixeira, 2018). de Azevedo e Jacqueline Sinhoretto (2018)
O debate sobre métodos também é explora- argumentam que as pesquisas recentes sobre
do no texto de Jania Aquino e Daniel Hirata a justiça brasileira observam a persistência
(2018), que assinalam a relevância das etno- da tradição inquisitorial nessa instituição, a
grafias e da teoria etnográfica nas pesquisas adesão esporádica à agenda dos direitos hu-
que abordam o crime e seus agentes. O tex- manos e a interferência de moralidades que
to argumenta que levar a sério a perspectiva reproduz assimetrias de gênero e classe nas
nativa permite ao etnógrafo superar termi- instâncias da justiça criminal. Os autores res-
nologias jurídicas e normatividades exter- saltam que esforços inovadores não têm con-
nas aos contextos das pesquisas, resultando seguido desencadear mudanças substantivas
no refinamento de conceitos e abordagens. na justiça ou conduzi-la em uma direção de-
O artigo de Arthur Trindade M. Costa e Re- mocratizante. Por fim, Luiz Lourenço e Mar-
nato Lima (2018), por sua vez, afirma que o cos Alvarez (2018) elaboram um balanço dos
principal entrave metodológico aos estudos estudos sobre prisões e chamam a atenção
sobre criminalidade e violência no país está para o aumento do interesse nessa subárea de
relacionado à ausência de dados estatísticos pesquisa, particularmente as “gangues pri-
padronizados em nível nacional. A inexis- sionais”, suas relações com a administração
tência de séries históricas sobre ocorrências pública e seus impactos internos e externos
criminais, a escassez de pesquisas de vitimi- às prisões. Os autores apontam o incremen-
zação e as informações precárias referentes ao to das pesquisas sobre a relação eventual de
sistema de justiça constituiriam limitações políticas prisionais com discursos punitivos e
à elaboração de estudos quantitativos mais sobre as próprias políticas. A baixa densidade
abrangentes e confiáveis, convertendo-se em de estudos comparados com outros países é
obstáculos à avaliação de políticas públicas percebida pelos autores como indicador de
de segurança. O sistema de justiça criminal é baixa internacionalização dos estudos prisio-
tema de aprofundamento dos demais artigos. nais no Brasil.
Jacqueline Muniz, Haydée Caruso e Felipe Uma tentativa de síntese dessa produ-
Freitas (2018) fazem um balanço dos estudos ção revela que os primeiros balanços (Ador-
policiais na área, ressaltando dois traços da no, 1993; Zaluar, 1999; Kant et al., 2000)
produção analisada: um certo compromisso demonstravam a preocupação inicial dos
com a noção de “cultura policial”, compro- pesquisadores com a conjuntura da transição
metendo especificidades de cada pesquisa, e democrática e o legado autoritário deixado.
a ênfase em uma ciência social dos problemas Chama a atenção o processo de reconstitui-
policiais ou aplicada à polícia, sem avançar ção da trajetória da área partindo dos estu-
para pesquisas compreensivas. Para os auto- dos associados ao direito que migraram para
res, fragilidades na instituição e necessidade a sociologia, tendo como marco do desen-
de reformas acabam por levar os pesquisado- volvimento os processos de institucionali-

12
zação de grupos de pesquisa, o aumento do conceito de segurança cidadã. Aliado a essas
número de pesquisadores e a diversificação análises do estado da arte, os balanços apon-
de temas com foco específico nessa temáti- tam para o papel central dos pesquisadores
ca. O campo que inicia tratando de práticas “pioneiros” (Lima; Ratton, 2011) na forma-
criminosas e perfil de delinquentes passa por ção e na institucionalização desse campo de
uma diversificação de agenda, voltando-se ao estudos, e para sua relevância na capacidade
Estado como objeto de pesquisa tanto como de formação de grande número de pesquisa-
instituição quanto como ator no exercício dores, constituindo extensas redes de pesqui-
do controle do crime e implementador de sa ao longo de 40 anos.
políticas públicas de segurança. Outra preo-
cupação central dizia respeito ao tipo de
criminalidade encontrada no contexto pós- Análises das linhagens de descendência
-redemocratização, suas causas e suas formas acadêmica com base nos pioneiros no
de organização. Os balanços produzidos nas campo de estudos da violência, crime e
duas últimas décadas demonstram a perma- justiça criminal no Brasil
nência das grandes temáticas e a necessária
atualização temática em decorrência tanto Esta seção focaliza a produção dos “pio-
do desvelamento de violências acometen- neiros” e mapeia seus orientandos e os orien-
do grupos vulneráveis quanto da expansão tandos subsequentes, elucidando uma rede
de políticas públicas e do gasto social no de quatro gerações de pesquisadores no âm-
contexto latino-americano. Destacam-se o bito de suas linhagens de descendência aca-
aprimoramento metodológico nos trabalhos dêmica. A análise contempla variáveis como
do campo e a preocupação com o funciona- gênero, áreas e instituições de formação, tra-
mento e a performance do sistema de justiça zendo contribuições para a compreensão da
criminal. Sobressaem nesse debate o enfoque expansão desse campo de estudos no Brasil.
da segurança enquanto política pública e a O Gráfico 1 ilustra o tamanho de cada
preocupação com a operacionalização de um uma das linhagens de descendência oriun-

Gráfico 1 – Distribuição de indivíduos formados por linhagens.


Número de indivíduos
0 20 40 60 80 100 120
Luiz Eduardo Bento de Mello Soares 98
Sérgio Franca Adorno de Abreu 85
César Barreira 80
Luiz Antônio Machado da Silva 73
José Vicente Tavares dos Santos 44
Maria Stela Grossi Porto
Linhagens

38
Edmundo Campos Coelho 33
Alba Maria Zaluar 32
Roberto Kant de Lima 28
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro 23
Michel Misse 22
Gláucio Ary Dillon Soares 16
Cláudio Chaves Beato Filho 13
José Luciano Gois de Oliveira 6

13
das de cada um dos pesquisadores pioneiros dos anos 1980 e perduram até hoje. A se-
no que se refere ao número de orientandos. gunda linhagem mais antiga é a do Professor
Há presença de pesquisadores com idades e Edmundo Campos, cuja morte prematura
trajetórias variadas e tempos de orientação deixou um intervalo entre as orientações
diversos, o que se reflete na grande diferença realizadas por ele (iniciadas no começo de
entre os números de orientandos por linha- 1980 e concluídas ao final dos anos 1990)
gem. O tamanho dessas redes não tem qual- e as orientações de seus orientandos, que co-
quer pretensão de aferir quantitativamente meçaram no início de 2000 e continuam até
o trabalho e a produção de cada um desses hoje. Os demais pioneiros têm uma história
pesquisadores, e sim é importante para com- de formação de pesquisadores que se iniciou
preender as ramificações da formação de no- por volta dos anos 1990: Sérgio Adorno,
vas descendências de pesquisadores com base Gláucio Soares e Alba Zaluar são os primei-
nos pioneiros nos estudos sobre violência, ros dessa geração, seguidos por Paulo Sérgio
crime e justiça criminal no Brasil. O Gráfico Pinheiro, Maria Stela Grossi Porto e Luiz
2 indica a distribuição das linhagens e suas Eduardo Soares, e, mais ao final da década,
descendências acadêmicas de orientação. por José Vicente Tavares dos Santos e César
O Gráfico 3 apresenta a projeção das descen- Barreira. Há outro grupo de pioneiros cujas
dências acadêmicas das linhagens dos pionei- orientações iniciam em meados da década de
ros ao longo do tempo, considerando a data 2000 (Cláudio Beato, Michel Misse e Rober-
de defesa da tese de doutorado do primeiro to Kant de Lima). Estes são os pesquisadores
orientando até a última defesa registrada. da primeira descendência acadêmica que, no
Nele, conseguimos perceber a longevidade gráfico, aparecem na cor laranja.
da linhagem formada a partir da orientação A segunda descendência de formação
do professor Luiz Antônio Machado da Sil- acadêmica, composta das orientações reali-
va, cujas orientações iniciaram no começo zadas pelos orientandos de Doutorado dos

Gráfico 2 – Distribuição de indivíduos nas linhagens (total das orientações).


Número de indivíduos
0 20 40 60 80 100 120
Luiz Bento de Mello Soares 1 16 76 5
Sérgio Franca Adorno de Abreu 1 28 48 8
César Barreira 1 35 44
Linhagem de formação

Luiz Antônio Machado da Silva 1 34 33 5


José Vicente Tavares dos Santos 1 29 14
Maria Stela Grossi Porto 1 12 11 14
Edmundo Campos Coelho 17 25
Alba Maria Zaluar 1 15 9 7
Roberto Kant de Lima 1 24 3
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro 1 8 13 1
Michel Misse 1 19 2
Gláucio Ary Dillon Soares 1 8 7
Cláudio Chaves Beato Filho 1 11 1
José Luciano Gois de Oliveira 15

Pioneiros 1ª descendência 2ª descendência 3ª descendência

14
pioneiros Alba Zaluar, Luiz Antônio Macha- primeiras orientações a partir do início da
do da Silva, Maria Stela Grossi Porto, Sérgio última década (Cláudio Beato, Gláucio Soa-
Adorno, Edmundo Campos Coelho, Luiz res, José Vicente Tavares dos Santos). Por fim,
Eduardo Soares, Paulo Sérgio Pinheiro e Cé- orientandos de Michel Misse e Roberto Kant
sar Barreira, começa entre o início e o meio da de Lima, que também constituem a segun-
década de 2000. Um segundo grupo de orien- da descendência, terminaram suas primeiras
tandos de segunda descendência finaliza suas orientações nos dois últimos anos (Gráfico 4).

Gráfico 3 – Duração da primeira descendência


acadêmica por linhagens dos pioneiros (disposição temporal).
Alba Maria Zaluar
César Barreira
Cláudio Chaves Beato Filho
Edmundo Campos Coelho
1ª descendência acadêmica

Gláucio Ary Dillon Soares


José Luciano Gois de Oliveira
José Vicente Tavares dos Santos
Luiz Antônio Machado da Silva
Luiz Eduardo Bento de Mello Soares
Maria Stela Grossi Porto
Michel Misse
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro
Roberto Kant de Lima
Sérgio Franca Adorno de Abreu
1991

1994

1997

2000

2003

2006

2009

2012

2015

2018
Ano de defesa da tese de Doutorado

Gráfico 4 – Duração da terceira descendência acadêmica


por linhagens dos pioneiros (disposição temporal).
Alba Maria Zaluar
2ª descendência acadêmica

Cláudio Chaves Beato Filho


Gláucio Ary Dillon Soares
Luiz Antônio Machado da Silva
Maria Stela Grossi Porto
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro
Sérgio Franca Adorno de Abreu
2000

2005

2010

2015

Ano de defesa da tese de Doutorado

15
Dada a trajetória ainda relativamente e a capacidade e o potencial de formação
recente da área, a formação de doutores de de recursos humanos na área (Gráfico 6).
terceira descendência das linhagens ainda é Uma  possível correspondência entre a for-
incipiente (Gráfico 5): Alba Zaluar se destaca mação desses doutores com a produção bi-
como tendo a quarta geração mais antiga de bliográfica descrita pelos diferentes balanços
pesquisadores em violência, crime e justiça revela o mesmo boom ocorrido entre a pro-
criminal, seguida por Maria Stela Grossi Por- dução de doutores e de publicações a partir
to, ambas em meados da década de 2000, e dos anos 2000, como destacado no balanço
Luiz Antônio Machado da Silva, Luiz Eduar- realizado por Campos e Alvarez (2017).
do Soares, Sérgio Adorno e Paulo Sérgio Pi- A análise das linhagens de pesquisado-
nheiro, mais recentemente (a partir de 2013). res também revela questões de gênero muito
Os gráficos anteriores ilustram melhor interessantes. Em primeiro lugar, chama a
o tamanho dessa grande rede de pesquisa- atenção que entre os 14 pioneiros conside-
dores agora distribuídos em descendências rados no nosso recorte há duas mulheres, as
de formação, que chega a 591 pesquisado- professoras Alba Zaluar e Maria Stela Grossi
res considerando-se a origem das linhagens Porto. Cabe destacar que, entre os 16 pionei-
com os pioneiros:6 a primeira descendência, ros mencionados no início do texto, encon-
os orientandos dos pioneiros; a segunda, tra-se também a professora Julita Lemgru-
os orientandos dos primeiros orientandos; ber, que é uma referência fundamental nesse
e assim sucessivamente. É possível verificar campo de estudos; porém, como já mencio-
o crescimento dessa rede de pesquisadores namos, ela não foi incluída na nossa seleção

Gráfico 5 – Duração da terceira descendência acadêmica


por linhagens dos pioneiros (disposição temporal).
Alba Maria Zaluar
3ª descendência acadêmica

Luiz Antônio Machado da Silva

Luiz Bento de Mello Soares

Maria Stela Grossi Porto

Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro

Sérgio Franca Adorno de Abreu


2005

2007

2009

2011

2013

2015

2017

Ano de defesa da tese de Doutorado

6 Há dois casos que fogem a esse padrão: Michel Misse e Cláudio Beato são considerados pioneiros e foram orien-
tados também por pioneiros, respectivamente, Luiz Antônio Machado da Silva e Edmundo Campos Coelho.
Nesse caso, Michel Misse e Cláudio Beato seriam considerados pesquisadores formados na primeira descendência,
mas buscando evitar um duplo registro, eles foram considerados apenas pioneiros, portanto, pesquisadores de
origem de suas respectivas linhagens de formação.

16
em razão de não possuir orientandos de dou- De modo a pensar sobre os possíveis
torados registrados no seu currículo Lattes. efeitos de uma produção em violência e cri-
A primeira descendência de pesquisadores dá me feita por mulheres, é interessante reto-
um salto, chegando a praticamente igualar o mar o balanço realizado pelo FBSP (2009)
número de doutores e doutoras formados(as) e a inauguração dos estudos de gênero na
pela origem das linhagens, tendo na descen- área (Corrêa, 2001; Heilborn; Sorj, 1999).
dência seguinte as doutoras superando os ­Esses  dados corroboram, em alguma medi-
doutores (muito embora o ainda reduzido da, alguns dados apresentados no já mencio-
número de doutores formados). Uma análise nado balanço realizado pelo FBSP (2009),
de gênero do número total de pesquisadores que analisou a produção do campo da vio-
revela a preponderância de mulheres com lência e segurança pública no período com-
doutorado na área, chegando a 51% do to- preendido entre 1983 e 2006, a partir do
tal de 591 pesquisadores que fazem parte da levantamento no Banco de Teses e Disserta-
nossa seleção (Gráfico 7). ções da CAPES. A pesquisa, que foi realizada

Gráfico 6 – Distribuição de indivíduos nas descendências (total).


350
300 286
Número de indivíduos

251
250
200
150
100
50 40
14
0
Pioneiro(a) 1ª descendência 2ª descendência 3ª descendência
da linhagem acadêmica acadêmica acadêmica

Gráfico 7 – Distribuição de homens e mulheres nas descendências (total).


%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Pioneiro(a) da linhagem 12 2

1ª descendência acadêmica 137 114

2ª descendência acadêmica 118 168

3ª descendência acadêmica 17 23

Total 284 307

Masculino Feminino

17
por meio de busca de determinadas palavras- tema. Uma possibilidade de explicação para
-chave, identificou um total de 8.205 teses essa diferença em relação aos nossos achados
e dissertações sobre a temática da violência é que nosso recorte foi distinto, não tratan-
e da segurança pública (FBSP, 2009, p. 21) do da produção, mas da formação de novos
e, desse total, 4.387 autores eram do gênero pesquisadores a partir dos pioneiros, o que
feminino, o que corresponde a um percen- pode ter excluído essa influência dos pes-
tual de 53,5%, e 3.760 autores do gênero quisadores do Direito. Embora os recortes
masculino, perfazendo 45,8% (FBSP, 2009, temporais e os desenhos das pesquisas sejam
p. 29) – em 58 casos não foi informado o distintos, ambos revelam que as mulheres es-
gênero do autor. Em contrapartida, o estudo tão assumindo preponderância nesse espaço
identificou que, em relação aos orientadores, de produção.
prevalece o gênero masculino, com 57,7%, A distribuição de gênero em cada uma
o que é justificado, no trabalho, em função das linhagens varia consideravelmente, con-
da influência da produção do direito sobre o forme demonstra o Gráfico 8. Das 14 linha-

Gráfico 8 – Distribuição por gênero de indivíduos nas linhagens (total de gerações).


Número de indivíduos

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Alba Maria Zaluar 7 25

César Barreira 44 36

Cláudio Chaves Beato Filho 10 3

Edmundo Campos Coelho 17 16

Gláucio Ary Dillon Soares 8 8

José Luciano Gois de Oliveira 3 3


Linhagens

José Vicente Tavares dos Santos 22 22

Luiz Antônio Machado da Silva 36 37

Luiz Bento de Mello Soares 44 54

Maria Stela Grossi Porto 20 18

Michel Misse 14 8

Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro 17 6

Roberto Kant de Lima 11 17

Sérgio Franca Adorno de Abreu 31 54

Total 284 307

Masculino Feminino

18
gens investigadas, em oito há proximidade quase 60 pessoas, caindo um pouco nos dois
entre o número de pesquisadores dos gê- últimos anos. Em relação às diferenças de
neros masculino e feminino. Nos opostos, gênero, interessante notar que desde 2010 o
encontramos a linhagem da professora Alba número de doutoras tem sido sempre supe-
Zaluar, com quase 80% de pesquisadores do rior ao número de doutores formados, apesar
gênero feminino, seguida pelos professores da pequena diferença encontrada por ano.
Sérgio Adorno e Kant de Lima, com mais O Gráfico 10 apresenta as áreas de for-
de 60% de pesquisadores do gênero femini- mação de cada linhagem, considerando-se a
no; pelos professores Cláudio Beato e Paulo área do programa de pós-graduação onde foi
Sérgio Pinheiro, com mais de 70%; e Michel defendido o doutorado. É importante enfa-
Misse, com pouco mais de 60% de pesquisa- tizar, antes de apresentar os dados relativos
dores do gênero masculino. à formação das linhagens e suas respectivas
Apesar das diferenças apontadas an- descendências, que em todas elas há pesqui-
teriormente, a análise da distribuição dos sadores que estão formando novos pesquisa-
indivíduos por ano de formação e gênero dores e, portanto, os números aqui apresenta-
demonstra certa equivalência, conforme o dos constituem mais uma fotografia de como
Gráfico 9. A área começa timidamente ainda se apresenta, nesse momento, cada uma das
na década de 1960, mantendo-se com baixa descendências no que se refere às áreas de for-
capacidade de formação até meados dos anos mação, o que certamente irá se alterar com
1990, quando então supera uma dezena de o passar do tempo, com a formação de no-
orientandos por ano em 1997. Dez anos vos pesquisadores. Com relação à origem das
depois aumenta o número de doutores para linhagens, percebe-se predominância da área
mais de duas dezenas e, a partir daí, o nú- de sociologia na formação, representando
mero de pesquisadores doutores aumenta até nove dos 14 pioneiros, seguida pela antropo-

Gráfico 9 – Distribuição dos indivíduos por ano de formação e gênero.


70
60 58 57
49 47
50
41
40 34
29
30 24 24 24 23
21
20 18 18 20
13 13 11 13
10 8
10 4 3 2 3 4 5
1 1 1 1 1 1 2 1 3 3
0
1965
1971
1976
1979
1982
1983
1984
1986
1987
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018

Total 1 1 1 1 1 1 2 1 3 4 3 2 3 4 5 10 8 13 13 3 11 13 18 18 20 24 21 24 24 23 34 49 47 58 57 41 29
Masculino 1 1 1 1 0 1 1 1 2 2 3 2 0 2 2 9 3 5 7 2 7 7 6 11 9 8 10 13 11 8 15 23 23 27 26 19 15
Feminino 0 0 0 0 1 0 1 0 1 2 0 0 3 2 3 1 5 8 6 1 4 6 12 7 11 16 11 11 13 15 19 26 24 31 31 22 14
Ano de defesa da tese

Total Masculino Feminino

19
Gráfico 10 – Campo de formação das descendências (total).
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Pioneiros

1ª descendência

2ª descendência

3ª descendência

Administração Administração de Empresas


Administração Pública Agronomia Tropical
Antropologia | Antropologia Social Artes Visuais
Ciência da Informação Ciência Política
Ciência Política e Sociologia Ciências Criminais
Ciências do Ambiente Ciências Jurídicas e Sociais | Direito
Ciências Sociais Desenvolvimento Regional e Urbano
Educação Engenharia de Produção
Estudos Comparados sobre as Américas Estudos Políticos
Geografia História | História Social
Letras e Ciências Humanas Inter-Humanitas Planejamento Urbano e Regional
Política Internacional Política Social
Política Social e Direitos Humanos Políticas Públicas
Políticas Públicas e Transformação Social Psicologia
Relações Internacionais Saúde Coletiva
Saúde da Criança e do Adolescente Saúde Pública
Sociedade e Cultura na Amazônia Sociologia
Sociologia e Antropologia Sociologia e Política | Sociologia política
Sustentabilidade na Amazônia Urbanismo

20
logia, com dois pesquisadores, e pelas áreas terceiro, agrupando-se as áreas de direito,
de ciência política, ciências sociais e estudos com 15 pesquisadores, ciências jurídicas e
políticos, cada uma com um pesquisador. sociais, com nove, e ciências criminais, com
Na  primeira descendência, de um total de três, temos 27 pesquisadores, ampliando para
251  pesquisadores, a sociologia mantém-se quase 10% a formação em direito nessa des-
como área predominante de formação, cor- cendência, de um total de 286 pesquisadores
respondendo a 158 pesquisadores, seguida formados. Pela primeira vez aparece a área da
pela área de sociologia e antropologia, com educação, que ocupa a quarta posição, com
24; pela antropologia, com 18; e pela ciência 21 pesquisadores. Em quinto lugar, temos as
política, com 17. Um dos debates que per- áreas da saúde coletiva, com dez pesquisado-
passam alguns dos balanços analisados neste res, e da saúde pública, com oito que, juntas,
artigo se deve à representatividade da área do totalizam 18 pesquisadores. Cabe mencionar
direito na formação dos pesquisadores e os ainda, a título de maior detalhamento, outras
possíveis desdobramentos da inserção dessa e áreas novas que surgem a partir da segunda
mesmo de outras áreas na composição desse descendência, tais como história e história
campo de estudos. Pelo levantamento realiza- social, com 13 pesquisadores; políticas pú-
do, já na primeira descendência são formados blicas, também com 13 pesquisadores; ur-
os primeiros pesquisadores na área do direito banismo e planejamento urbano, com cinco;
e das ciências jurídicas e sociais, com 13 pes- administração e administração de empresas,
quisadores, correspondendo a 5% dos pes- com quatro; geografia, com quatro; e, por
quisadores dessa geração, um percentual ain- fim, duas áreas de programas de pós-gra-
da baixo se comparado à formação na área das duação do Amazonas: Sustentabilidade na
ciências sociais. Cabe ainda um destaque para Amazônia, com seis pesquisadores, e Socie-
o surgimento da área de saúde coletiva, com dade e Cultura na Amazônia, com sete pes-
12 pesquisadores formados e, em área afim, quisadores. Com relação à quarta geração,
um pesquisador na área de saúde da criança que apresenta ainda um número baixo de
e do adolescente.Na segunda descendência, doutorados concluídos, se a compararmos
observa-se expressiva ampliação dos campos às demais descendências  –  levando-se em
de formação dos pesquisadores, incorporan- consideração o fator temporal e os diferentes
do outras áreas para além das já menciona- períodos das defesas7 –, observamos que, até
das saúde coletiva, ciências sociais aplicadas, esse momento, as áreas de formação com nú-
ciências humanas e, nessas temáticas, uma meros mais expressivos são a administração,
ampla diversificação das áreas, tais como his- com nove pesquisadores, e a educação, com
tória, geografia, psicologia, educação, entre sete, seguidas pela saúde coletiva, com seis;
outras. Com relação às áreas mais expressivas, estudos comparados sobre as américas, com
observa-se que as ciências sociais aparecem cinco; e política social, também com cinco
como área predominante, com 72 pesquisa- pesquisadores. As áreas de direito e artes vi-
dores formados; seguida pela sociologia que, suais aparecem com três pesquisadores cada
até então, ocupava a primeira posição; e, em uma. Mesmo considerando que seria precoce

7 É importante considerar que há períodos distintos de defesa em cada descendência e, especificamente em relação
à terceira descendência, percebe-se que há concentração das defesas dos trabalhos nos anos mais recentes: dos
40 doutorados concluídos, dez deles foram até 2012 e trinta, nos últimos seis anos.

21
qualquer consideração mais conclusiva acer- representatividade na formação não apenas
ca dessa descendência, sobretudo pelo ainda da ciência política, como também da própria
baixo número de concluintes, é interessante antropologia, que foram mais expressivas
observar que as áreas que despontam nesse entre os pioneiros. Até o momento, nenhu-
grupo são aquelas que, até então, não tinham ma dessas áreas aparece como formação de
tanta representatividade ou mesmo que, his- pesquisadores na terceira descendência, que
toricamente, tiveram pouco peso na forma- se destaca pela expressividade da grande área
ção das demais descendências. das ciências sociais aplicadas, com as áreas de
A análise das áreas de formação ao lon- administração e direito.8
go das quatro gerações possibilita identificar Outro aspecto relevante a destacar com
alguns movimentos interessantes. Em pri- base no contraste dos dados apresentados an-
meiro lugar, chama a atenção uma maior teriormente com o Gráfico 11 é que, se agru-
diversificação das áreas de formação ao longo parmos as áreas dos cursos às grandes áreas
das descendências acadêmicas, o que se tor- do conhecimento, observaremos que as ciên-
na mais expressivo na segunda. A sociologia cias humanas representam quase 80% da for-
constituiu-se como área predominante de mação desses pesquisadores. D ­ esdobrando a
formação entre os pioneiros e na primeira análise por descendência, é possível perceber
descendência, correspondendo, respectiva- não apenas a diversificação das áreas nas
mente, a 64,3 e 62,9%. Na segunda, torna- ciências humanas a partir da segunda des-
-se mais expressiva a formação em ciências cendência, como também o crescimento de
sociais, com percentual de 25,2% da forma- outras áreas das ciências sociais aplicadas e
ção nesse grupo, enquanto a sociologia passa das ciências da saúde. A saúde coletiva, por
para 17,1%. A antropologia, que correspon- exemplo, surge na primeira descendência
dia a 14,3% da formação dos pioneiros, passa com 4,8% do total da formação nessa des-
para 7,6% na primeira descendência e 1% na cendência, passando para 3,5% na segunda
segunda. Com relação à ciência política, ela e para 15% na terceira. A administração apa-
representa 7,1% da formação dos pioneiros, rece na segunda descendência, com 0,7% da
passando para 6,8% na primeira descendên- produção nesse grupo, passando para 22,5%
cia e 2,8% na segunda. Em balanço anterior, da formação na terceira descendência.
Ratton (2018) chamava atenção para os ter- Direito/ciências jurídicas e sociais aparecem
ritórios temáticos e disciplinares a serem des- na primeira descendência com 3,6% da
bravados em novas pesquisas, exemplifican- formação nessa descendência, subindo para
do com a área da ciência política, que possuía 8,4% na segunda e diminuindo para 7,5% na
uma produção menos pujante do que a So- terceira. Como já mencionado, o número de
ciologia e a Antropologia. Nosso estudo pos- concluintes na terceira descendência é ainda
sibilita identificar que há uma diminuição da baixo se comparado às demais. Entretanto, é

8 Cabe reiterar que, até o momento, a quarta geração de pesquisadores apresenta um número ainda bastante re-
duzido de concluintes. Por essa razão, os achados em relação a essa geração ainda figuram mais como possíveis
pistas que podem ou não se confirmar ao longo do tempo e que demandarão outros estudos a fim de verificar
a configuração desse grupo de pesquisadores. Nesse sentido, embora ela possa produzir uma certa distorção no
nosso estudo em relação às demais gerações nesse momento, optamos por mantê-la no escopo dos nossos dados
para evidenciar que, a partir dos pioneiros, na década de 1970, o campo de estudos em violência, crime e justiça
criminal conseguiu formar até a quarta geração de pesquisadores.

22
interessante observar se esse crescimento das O Gráfico 13 permite observar a distri-
ciências sociais e aplicadas vai se constituir buição das áreas de formação no total dos
como tendência ao longo dos anos para todo doutorados concluídos ao longo das linha-
o campo de estudos e não apenas para o re- gens. A sociologia desponta com o maior
corte com base nos pioneiros e nos possíveis número absoluto de pesquisadores formados
desdobramentos desse movimento na produ- (216 do total de 591), correspondendo a
ção, no que se refere a objetos de pesquisa e 36,5% da formação, considerando-se os pio-
perspectivas teórico-metodológicas, o que fu- neiros e suas três descendências acadêmicas.
turas análises poderão aprofundar. É possível Em segundo lugar, aparecem as ciências so-
considerar que essa diversificação das áreas de ciais, com 74 doutores (12,5% da formação),
formação das novas descendências expressa e, em terceiro, os cursos de ciências jurídicas
também uma diversificação das instituições e sociais e direito, com 36 pesquisadores
para onde vão os pesquisadores a partir da (6,1% da formação). Na sequência, com
sua formação (orientandos dos pioneiros), 28 pesquisadores, estão as áreas da educação
tendo em vista que a continuidade da forma- e da saúde coletiva que, se somadas à área
ção de recursos humanos a partir dessa des- de saúde pública, passam para 36 formados.
cendência não necessariamente se dá onde Em quinto lugar, aparecem as áreas de ciên-
esses pesquisadores se formaram. A seguir, cia política e sociologia e antropologia, cada
no Gráfico 12, podemos visualizar essa dis- uma com 26 pesquisadores; a antropologia e
tribuição também em cada descendência das a antropologia social, com 24 no total; e, ain-
linhagens, evidenciando essa diversificação da, a sociologia e política e a sociologia políti-
maior a partir da segunda descendência. ca, com 17 pesquisadores formados no total.

Gráfico 11 – Áreas dos programas.


1%
1% 0%
0%
1%

Ciências Humanas
6%
Ciências Sociais Aplicadas
11%
Ciências da Saúde

Ciências do Ambiente e Sustentabilidade

Linguística, Letras e Artes

Ciências Agrárias
80%
Ciências Exatas e da Terra

Engenharias

23
As demais áreas são numericamente menos Conforme indica nosso levantamento
expressivas; entretanto, ao considerarmos sua sintetizado na Figura 1, seis dos 14 pesqui-
distribuição nas diferentes descendências, sadores considerados pioneiros nas temáticas
percebemos que, na terceira descendência, da violência, crime e justiça criminal no Brasil
por exemplo, as áreas de administração, edu- tiveram suas formações, envolvendo gradu-
cação e saúde coletiva são as mais representa- ação, mestrado e doutorado, realizadas no
tivas da formação, até o momento. Os dados próprio país; outros quatro pioneiros tiveram
sobre áreas de formação corroboram outros parte de seus estudos realizados nos Estados
balanços analisados que também identifi- Unidos; três, na Europa (França); e um, no
cam a predominância das Ciências Sociais Canadá, indicando uma diversidade no que
na formação dos pesquisadores do campo da diz respeito a preferências teóricas e metodo-
violência e do crime (Kant de Lima; Misse; lógicas, bem como um notório cosmopolitis-
Miranda, 2000; FBSP, 2009). No caso deste mo nessa seara de pesquisa de análises no país.
artigo, que tem como ponto de partida os Dos pesquisadores que se formaram no Brasil,
pioneiros nos estudos sobre crime, violência três o fizeram em São Paulo, na Universidade
e direitos humanos no Brasil, é importante de São Paulo (USP), e três no Rio de Janei-
considerar que todos são oriundos da área ro, no Instituto Universitário de Pesquisas
das ciências sociais, o que também contribui do Rio de Janeiro (IUPERJ). Nosso levan-
para explicar essa concentração. tamento (Figura 2) demonstra que o Rio de
Os próximos mapas apresentarão a dis- Janeiro foi, de longe, o estado que mais for-
tribuição dos países e dos estados da forma- mou pesquisadores da primeira descendência,
ção dos pesquisadores das diferentes linha- apresentando um número pelo menos três
gens e suas descendências. vezes maior que São Paulo, o segundo colo-

Gráfico 12 – Descendências acadêmicas das linhagens por grande área do conhecimento.


%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Pioneiros

1ª descendência

2ª descendência

3ª descendência

Total

Ciências Humanas Ciências Sociais Aplicadas


Linguística, Letras e Artes Ciências Agrárias
Ciências Exatas e da Terra Engenharias
Ciências da Saúde Ciências do Ambiente e Sustentabilidade

24
Gráfico 13 – Campo de formação das descendências
acadêmicas das linhagens dos pioneiros (total).
0 50 100 150 200

Sociologia 216
Ciências Sociais 74
Ciências Jurídicas e Sociais | Direito 36
Educação 28
Saúde Coletiva 28
Ciência Política 26
Sociologia e Antropologia 26
Antropologia | Antropologia Social 24
Sociologia e Política | Sociologia Política 17
História | História Social 13
Políticas Públicas 13
Administração 11
Campo de formação das linhagens

Saúde Pública 8
Sociedade e Cultura na Amazônia 7
Sustentabilidade na Amazônia 6
Estudos Comparados sobre as Américas 5
Política Internacional 5
Política Social 5
Ciência Política e Sociologia 4
Geografia 4
Política Social e Direitos Humanos 4
Urbanismo 4
Agronomia Tropical 3
Artes Visuais 3
Ciências Criminais 3
Psicologia 3
Administração de Empresas 2
Ciências do Ambiente 2
Relações Internacionais 2
Administração Pública 1
Ciência da Informação 1
Desenvolvimento Regional e Urbano 1
Engenharia de Produção 1
Estudos Políticos 1
Letras e Ciências Humanas e Inter-Humanitas 1
Planejamento Urbano e Regional 1
Políticas Públicas e Transformação Social 1
Saúde da Criança e do Adolescente 1

25
Figura 1 – Países de formação dos pioneiros.

Canadá
1
3
Estados Unidos
da América
4

Brasil
6

Da plataforma Bing
© GeoNames, MSFT, Navteq, Wikipedia

Figura 2 – Países de formação dos pesquisadores da primeira descendência acadêmica.

35

Número de indivíduos
119

11

37
5 119

29
Da plataforma Bing
©GeoNames, MSFT, Navteq

26
cado, com 37 doutores. O estado do Ceará nistrando cursos, atraindo, com isso, outros
ocupa a terceira colocação, tendo formado 35 pesquisadores do Estado, de outros estados
pesquisadores da primeira descendência. Na do país e até de outros países. No  quadro
quarta colocação, encontra-se o Rio Gran- referente à formação da segunda descendên-
de do Sul, com 29 pesquisadores; seguido cia de pesquisadores (Figura 3), o estado de
de Brasília, com 12; Minas Gerais, com 11; São Paulo assume a primeira posição, tendo
e Pernambuco, com cinco. No período que formado 50 pesquisadores. No Rio de Janei-
corresponde à primeira descendência, três ro e em Minas Gerais, formaram-se 39; no
pesquisadores formaram-se fora do Brasil (um Amazonas, 18; no Maranhão, também 18;
nos Estados Unidos, um na França e um na no Rio Grande do Sul, 14; no Paraná, dez;
Itália). A posição ocupada pelo Rio de Janei- e na Bahia, nove. No  Distrito Federal, for-
ro parece ser explicada por ter sido uma das maram-se oito pesquisadores; no Ceará, sete;
primeiras cidades onde a questão da violência em Goiás, quatro; em Santa Catarina, tam-
passou a ser sentida como problema social, bém quatro; e no Pará, um. Tratando-se de
mobilizando análises de grande quantidade formações fora do país, um pesquisador teve
de pesquisadores – observamos que pelo me- formação na Alemanha (Leibniz) e outro na
nos cinco dos 13 pesquisadores identificados Espanha (Universitat Autonoma de Barce-
como pioneiros da Sociologia da Violência lona). Na  segunda descendência, verifica-se
estiveram nessa cidade engajados, desde os aumento no número de estados que passam
anos de 1980, desenvolvendo pesquisas, mi- a formar pesquisadores, decerto por terem

Figura 3 – Países de formação dos pesquisadores da segunda descendência acadêmica.

18 1 18 7
1
Número de indivíduos
101
8
9

4
39

1 50
39
10

4
14
Da plataforma Bing
© GeoNames, MSFT, Navteq

27
constituído ou fortalecido linhas de pesquisa dades e institutos de pesquisa, fator relevante
referente à violência, crime e justiça criminal para atrair grande quantidade de estudantes
nos programas de pós-graduação desses esta- para seus cursos, laboratórios e orientações
dos – entre estes, o que mais se destacou foi acadêmicas, movimento que tem se mantido
Minas Gerais, que aparece na terceira posição, e intensificado nas descendências seguintes.
apresentando quase o quádruplo da quanti- Outro Estado de destaque que também figura
dade de pesquisadores formados na primeira em posições importantes em todas as descen-
descendência. Tratando-se da terceira descen- dências como um centro de formação de pes-
dência de pesquisadores da violência, crime e quisadores é São Paulo. Estados como Minas
justiça criminal (Figura 4), Brasília destaca-se Gerais, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernam-
e assume a primeira posição, tendo formado buco e Distrito Federal também têm ganhado
12 pesquisadores; seguida pelo Rio de Janeiro, protagonismo na primeira descendência ou
com 11; por Minas Gerais, com nove; pela nas descendências seguintes de pesquisadores,
Bahia, com sete; e por São Paulo, com um. geralmente decorrente da constituição de gru-
Na primeira e na terceira descendência de pos e laboratórios de pesquisa nas universida-
pesquisadores, o Rio de Janeiro aparece como des locais que vêm ganhando relevância na-
o principal local de formação, e na segunda cional. No que diz respeito às formações fora
descendência, em segundo lugar, atrás de São do Brasil, instituições acadêmicas localizadas
Paulo. Já na primeira geração de pesquisadores na Europa e nos Estados Unidos têm sido as
constituída dos pioneiros, observamos quatro mais procuradas por pesquisadores das linha-
deles atuando no Rio de Janeiro em universi- gens da temática em pauta.

Figura 4 – Países de formação dos pesquisadores da terceira descendência acadêmica.

Número de indivíduos
12
12

9
1

11
1

Da plataforma Bing
© GeoNames, MSFT, Navteq

28
Quando analisamos o perfil das univer- versidade Federal de Minas Gerais – UFMG
sidades que formam toda essa rede de pesqui- e Universidade Federal Fluminense  – UFF)
sadores doutores em violência, crime e justiça e do Ceará (Universidade Federal do Cea-
criminal no Brasil, percebemos a importância rá – UFC), do Distrito Federal (Universida-
da universidade pública brasileira, responsá- de de Brasília – UnB) e do Rio Grande do
vel pela formação de mais de 80% dos titu- Sul (Universidade Federal do Rio Grande
lados. A formação em universidades privadas do Sul – UFRGS). Posteriormente, outras
atinge apenas 16% do universo da pesquisa, universidades federais de outros Estados
enquanto universidades internacionais foram (Maranhão, Amazonas, Bahia) aparecem na
responsáveis pela titulação de 13% dos dou- formação de doutores, além de universidades
tores, entre eles, a maior parte dos pioneiros privadas, como as Pontifícias Universidades
(Gráfico 14). São as universidades públicas Católicas (PUCs). Entre as universidades
estaduais (USP e Universidade do Estado do internacionais, encontramos três universida-
Rio de Janeiro – UERJ) e federais (Univer- des estadunidenses (University of California,
sidade Federal do Rio de Janeiro  – UFRJ), University of Florida e Washington Univer-
seguidas pelo antigo I­UPERJ,9 da região sity in St. Louis), duas francesas (Université
Sudeste, as que mais formaram doutores em Paris 1 Panthéon-Sorbonne e Université Pa-
violência, crime e justiça criminal no Brasil ris X – Nanterre), uma canadense (Université
até o momento. Em segundo lugar, estão ou- de Montreal) e uma espanhola (Universitat
tras universidades federais do Sudeste (Uni- Autonoma de Barcelona) (Gráfico 15).

Gráfico 14 – Tipos de instituição de formação (total).


13; 2%

97; 17%

Universidade pública

Universidade privada

Universidade internacional

481; 81%

9 O antigo IUPERJ foi considerado uma instituição privada até 2010, quando passou a integrar a UERJ. Destaque
para o fato de que, do total de 97 indivíduos formados em instituições privadas, 45 correspondem ao antigo IU-
PERJ, o que representa 46,4% da formação em instituições de ensino Superior (IES) privadas.

29
Gráfico 15 – Instituições de formação dos indivíduos das linhagens*.
Número de indivíduos formados
0 10 20 30 40 50 60 70
Universidade de São Paulo 66
Universidade Federal do Rio de Janeiro 56
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 52
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro 45
Universidade Federal do Ceará 41
Universidade Federal Fluminense 41
Universidade Federal de Minas Gerais 36
Universidade de Brasília 31
Universidade Federal do Rio Grande do Sul 28
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 20
Universidade Federal do Amazonas 18
Universidade Federal do Maranhão 18
Universidade Federal da Bahia 14
Universidade Federal do Paraná 10
Universidade Federal de Lavras 9
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca 8
Universidade Estadual Paulista 8
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 7
Universidade Estadual de Campinas 7
Universidade Estadual do Norte Fluminense 7
Universidade Federal de Juiz de Fora 7
Universidade do Vale do Rio dos Sinos 6
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 5
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 5
Universidade Federal de Pernambuco 5
Universidade Católica de Pelotas 4
Universidade Federal de Goiás 4
Universidade Federal de Santa Catarina 4
Universidade Federal de São Carlos 4
Fundação Getulio Vargas | Rio 3
Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne 2
École des Hautes Études en Sciences Sociales 1
Fundação Oswaldo Cruz 1
Harvard University 1
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia 1
Leibniz Universität Hannover 1
The State University of New Jersey 1
Universidade Católica de Santos 1
Universidade de Urbino | Università degli Studi di Urbino 1
Universidade do Grande Rio 1
Universidade Estadual do Ceará 1
Universidade Federal de Campina Grande 1
Universidade Federal do Pará 1
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 1
Universidade Salvador 1
Universitat Autonoma de Barcelona 1
Université de Montreal 1
Université Paris X - Nanterre 1
University of California 1
University of Florida 1
Washington University in St. Louis 1
*O número total corresponde aos indivíduos formados por IES, não detalhando os PPGs de cada instituição. O Instituto
de Estudos Sociais e Políticos (IESP) formou três pesquisadores: um em Sociologia e dois em Ciência Política.

30
A análise do tipo de instituição de for- universidades privadas do Sudeste e do Rio
mação por linhagem revela esse quadro de Grande do Sul.
pioneiros cujo doutoramento foi feito, em O tipo de instituição onde esses pesqui-
sua maioria, em universidades internacio- sadores se formaram reflete aspectos e movi-
nais, sendo igual o número de pioneiros com mentos importantes da própria constituição
doutorado em universidades públicas ou e institucionalização das Ciências Sociais no
universidades privadas no Brasil. A primeira Brasil. A formação dos pioneiros do campo
e segunda descendências de linhagens tive- de estudos da violência, crime e justiça cri-
ram a formação prioritariamente em univer- minal no país se insere no período, identifi-
sidades públicas, caindo a um número quase cado por Hélgio Trindade (2012, p. 17), da
inexistente – o que efetivamente acontece na expansão das ciências sociais em decorrência
quarta geração – o doutoramento em univer- do desenvolvimento da pós-graduação e da
sidades internacionais. Nessa última descen- pesquisa nas universidades públicas, com a
dência, o número de doutores formados é criação das principais associações científicas
sete vezes menor, mantendo-se as diferenças da área, como a Anpocs, fundada em 1977.
entre universidades públicas e universidades Da mesma forma, o autor identifica:
privadas (Gráfico 16). O Gráfico 17 ilustra
bem esse quadro por universidade, estando Houve um incremento na internacionali-
a geração dos pioneiros representada nas zação das diversas áreas das ciências sociais,
universidades internacionais; a primeira des- na medida em que as agências de fomento,
cendência, nas universidades públicas e esta- a partir da década de 1970-1980, expandi-
duais do Sudeste e de estados como Brasília, ram suas políticas associadas à pós-gradua-
Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Sul; e a ção com a concessão de bolsas no exterior
segunda descendência, nas universidades pú- (mestrado, doutorado e pós-doutorado),
blicas de todos os Estados, em importantes além dos apoios da Fundação Ford, durante

Gráfico 16 – Número de indivíduos formados


por tipos de instituição de formação por geração.
%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Pioneiros 3 3 8

1ª descendência 205 43 3

2ª descendência 237 47 2

3ª descendência 36 4 0

Total 481 97 13

Universidade pública Universidade privada Universidade internacional

31
Gráfico 17 – Instituições de formação e descendência
(total de indivíduos titulados por universidade).
%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
École des Hautes Études en Sciences Sociales 1 0
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca 0 8 0
Fundação Getulio Vargas | Rio 0 3 0
Fundação Oswaldo Cruz 0 1 0
Harvard University 1 0
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia 0 1 0
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro 3 42 0
Leibniz Universität Hannover 0 1 0
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 0 7 0
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 0 5 0
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 0 18 2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 0 5 0
The State University of New Jersey 1 0
Universidade Católica de Pelotas 0 4 0
Universidade Católica de Santos 0 4
Universidade de Brasília 12 7 12
Universidade de São Paulo 3 35 28 0
Universidade de Urbino | Università degli Studi di Urbino 0 1 0
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 0 25 27 0
Universidade do Grande Rio 0 1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos 0 1 5 0
Universidade Estadual de Campinas 0 2 5 0
Universidade Estadual do Ceará 0 1 0
Universidade Estadual do Norte Fluminense 0 7 0
Universidade Estadual Paulista 0 8 0
Universidade Federal da Bahia 0 8 6
Universidade Federal de Campina Grande 0 1 0
Universidade Federal de Goiás 0 4 0
Universidade Federal de Juiz de Fora 0 7 0
Universidade Federal de Lavras 0 9
Universidade Federal de Minas Gerais 0 11 25 0
Universidade Federal de Pernambuco 0 5 0
Universidade Federal de Santa Catarina 0 4 0
Universidade Federal de São Carlos 0 4 0
Universidade Federal do Amazonas 0 18 0
Universidade Federal do Ceará 0 35 6 0
Universidade Federal do Maranhão 0 18 0
Universidade Federal do Pará 0 1 0
Universidade Federal do Paraná 0 10 0
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 0 1 0
Universidade Federal do Rio de Janeiro 0 28 25 3
Universidade Federal do Rio Grande do Sul 0
Universidade Federal Fluminense 24 12 5
Universidade Salvador 0 1
Universitat Autonoma de Barcelona 0 1 0
Université de Montreal 1 0
Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne 1 1 0
Université Paris X - Nanterre 1 0
University of California 1 0
University of Florida 0 1 0
Washington University in St. Louis 1 0
Pioneiros 1ª descendência 2ª descendência 3ª descendência

32
a ditadura militar, para o desenvolvimento tiça criminal no Brasil. Primeiramente, ana-
da ciência política e da antropologia social lisamos o estado da arte dessa literatura por
(Trindade, 2012, p. 27). meio da síntese de todos os balanços realiza-
dos ao longo da história da área. A segunda
Isso se expressa pelo fato de que a par- estratégia foi mapear as redes de descendência
ticipação internacional na formação desses acadêmica criadas com base nos pesquisado-
pesquisadores tem peso muito maior naque- res “pioneiros” (Lima; Ratton, 2011) em suas
les da geração dos pioneiros, que fazem seus relações de orientação ao longo de 40 anos.
doutoramentos fora do Brasil, o que acaba A literatura que reflete a produção da
influenciando fortemente os próprios deba- área da violência, crime e justiça criminal
tes e referenciais teórico-metodológicos que demonstra que se trata de um campo de es-
são mobilizados pelos pioneiros e se tornam tudos muito ativo – no que se refere a uma
constitutivos desse campo de estudos no crescente produção de artigos, livros, teses e
país. A influência da criminologia na for- dissertações – e também bastante reflexivo,
mação de alguns dos pioneiros constitui um em função dos balanços e revisões já realiza-
bom exemplo desse movimento, que pode- dos, que contemplam desde a constituição
mos identificar nas trajetórias reconstruídas dos primeiros estudos sobre o tema, na déca-
na obra de Lima e Ratton (2011). No livro, da de 1970, até os anos mais recentes.
muitos pioneiros relatam o contato que tive- Um aspecto importante a se destacar
ram com os debates criminológicos nas dife- em relação aos balanços da área é a recor-
rentes universidades internacionais onde se rência de alguns temas ao longo desses mais
formaram e como isso impactou na consti- de 40 anos desde o surgimento dos primei-
tuição desse campo no país. Se, por um lado, ros estudos, revelando uma continuidade
a internacionalização é um fenômeno mais nos padrões de atuação e gestão de um Es-
preponderante na origem das linhagens, é tado autoritário em contexto democrático.
também interessante perceber o movimento Para ilustrar: em 1993, Adorno concluía seu
de ampliação das universidades em âmbito texto retomando o argumento de Antônio
nacional verificado na segunda descendência Luiz Paixão, de 1988, de que “o nexo entre
de formação acadêmica. Esse movimento políticas públicas de segurança e justiça e a
pode estar relacionado ao contexto de polí- institucionalização da democracia repousa
ticas governamentais iniciado em 2003 com na legalidade enquanto fundamento da or-
o Programa de Apoio a Planos de Reestrutu- dem social” (Adorno, 1993, p. 8), expres-
ração e Expansão das Universidades Federais sando a importância do respeito às garantias
(REUNI), que teve como principal objetivo legais, aos direitos humanos, como forma de
ampliar o acesso e a permanência na educa- fortalecer o Estado Democrático de Direito
ção superior no Brasil. que, naquele contexto (1988), constituía-se.
Desde então, temas como autoritarismo, se-
letividade penal, discricionariedade e violên-
Considerações finais cia policial, desigualdades no acesso à justiça
com base em marcadores de classe, raça, gê-
O artigo buscou, com base em duas dife- nero, sexualidades e violações de direitos hu-
rentes estratégias, reconstituir a trajetória do manos nas prisões são recorrentes e parecem
campo de estudos em violência, crime e jus- ganhar ainda mais fôlego no contexto atual.

33
A constante consideração do Estado, cuja que têm a ver com vários fatores, tais como
função precípua como promotor de políticas a trajetória dos pesquisadores, o período
públicas de segurança inúmeras vezes é subs- que separa a defesa da tese de Doutorado
tituída por uma atuação autoritária, perpe- e o início da orientação de novos douto-
tradora de violência, marcante em diferentes res. É  possível identificar a longevidade da
e recorrentes períodos da história brasileira, linhagem formada com base na orientação
é uma triste chave de leitura que parece não do professor Luiz Antônio Machado da Sil-
nos abandonar. Esse tema revela-se um dos va, cujas orientações começam no início dos
principais desafios não apenas a esse campo anos 1980 e perduram até hoje. Uma possí-
de estudos, mas às políticas públicas, às insti- vel correspondência entre a formação desses
tuições da justiça criminal e seus gestores, que doutores e a produção bibliográfica descrita
precisam pensar no autoritarismo como um pelos diferentes balanços revela o mesmo
continuum em todo esse período histórico. boom ocorrido entre a produção de doutores
A transformação da agenda de pesquisa e de publicações a partir dos anos 2000, con-
desse campo perpassa desde a análise de prá- forme Campos e Alvarez (2017).
ticas criminosas e perfil dos atores perpetra- Em relação às questões de gênero, o nú-
dores de violência e instituições de controle mero de mulheres doutoras quase se iguala ao
do crime, dos órgãos do sistema de justiça de doutores na primeira descendência e supe-
como polícia, justiça e prisões, passando por ra o de pesquisadores na segunda e na terceira
uma diversificação com a inclusão de temas descendência, bem como no total, que corres-
sobre violências relacionadas a grupos em si- ponde a 51% (307 doutoras e 284 doutores).
tuação de vulnerabilidade social, bem como Outro dado que foi possível identificar é que
destacando o papel de políticas públicas desde 2010 o número de mulheres se man-
como objeto e área de pesquisa, em muito tém superior ao de homens. Esse tema abre
sob o conceito de segurança cidadã. diversas possibilidades de aprofundamento.
A análise das linhagens com base nos A  distribuição de gênero desse campo de
pioneiros nos estudos sobre violência, crime produção também expressa certa correspon-
e justiça criminal no Brasil relevou um total dência com a composição de gênero na pós-
de 591 pesquisadores que estão distribuídos -graduação no Brasil, em que as mulheres são
em quatro gerações – considerando-se os maioria. De acordo com a CAPES, os dados
pioneiros a origem das linhagens –, mos- de 2016 apontam o total de 165.564  mu-
trando o significativo potencial de formação lheres matriculadas e tituladas em cursos de
de novas descendências de pesquisadores e a mestrado e doutorado, enquanto os homens
sua importância na constituição e na conso- somam 138.462. Por outro lado, há uma dis-
lidação desse campo de saber. A origem das tribuição bastante desigual no tocante às áreas
linhagens constitui-se, então, dos 14 pesqui- e aos cursos que frequentam, o que deman-
sadores pioneiros; a primeira descendência, daria uma correlação da proporção de gênero
dos seus orientandos (251 pesquisadores); a nas diferentes áreas do conhecimento com
segunda descendência, dos orientandos da aquelas que se mostram mais representativas
primeira (286 doutores); e, por fim, a tercei- nesse campo de estudos, que são as ciências
ra descendência, com 40 pesquisadores. humanas, ou, ainda, a possibilidade de apro-
As descendências vão se compondo com fundar se há diferenças nas temáticas traba-
base em temporalidades muito diferentes, lhadas com base nesse marcador.

34
Outro aspecto importante a conside- vão os pesquisadores a partir da primeira
rar é a própria inauguração dos estudos de descendência, tendo em vista que a conti-
gênero na área, a partir da década de 1980, nuidade da formação de recursos humanos
que, entre diversos temas, começam tam- a partir dos pioneiros não necessariamente
bém a analisar não apenas os fenômenos da se dá onde esses pesquisadores se formaram.
violência de gênero, mas as experiências e Para além dessa marca estrutural, os
as iniciativas de enfrentamento à violência balanços e a análise das linhagens permi-
que passam a ser criadas naquele contexto, tem sintetizar outros aspectos marcantes
tais como o SOS Mulher (Gregori, 1993), da produção (ou de sua carência) na área.
as Delegacias de Defesa da Mulher (San- ­Entre eles, chama a atenção, com base na lei-
tos, 1999; 2005; Brandão, 1998; Goldberg, tura de todos os balanços da área até o mo-
1985; Grossi, 1988) ou mesmo os estudos mento, que há relativamente poucos estudos
pioneiros sobre o sistema de justiça, tais que analisam a categoria raça ou a relação en-
como os de Mariza Corrêa (1981; 1983), tre a violência e os processos de racialização,
Ardaillon e Debert (1987), Pasinato (1998), o que é bastante intrigante tendo em vista
entre outros. Uma possibilidade, nesse caso, a configuração dos fenômenos de violência
seria a análise das temáticas dos trabalhos, letal no Brasil, bem como o racismo societal
desde os pioneiros, de modo a compreender e institucional que historicamente se perpe-
as possíveis influências dos estudos de gênero tua no país. Acreditamos que se os balanços
na distribuição de gênero dos pesquisadores. não avançam devidamente nessa temática, a
Com relação às áreas de formação, deve- estratégia de análise das linhagens pode sus-
-se destacar que, tendo nosso ponto de par- citar uma hipótese que precisa ser melhor ex-
tida nos pioneiros e que todos são oriundos plorada em outros estudos e/ou balanços: o
das ciências humanas, constitui por si só um fato de que essa invisibilidade também pode
elemento determinante também na forma- estar relacionada ao marcador raça dos pró-
ção das gerações subsequentes. Os dados que prios pesquisadores ou, ainda, que o debate
levantamos mostram que quase 80% dessa racial nesses estudos possa emergir com base
formação (considerando-se todas as descen- em outros recortes que não aquele que parte
dências) se concentra na área das ciências dos pioneiros.
humanas. Entretanto, quando desdobramos Os balanços demonstram também a
por gerações, podemos identificar alguns centralidade das publicações oriundas da
movimentos nessa grande área do conheci- Região Sudeste do país (São Paulo e Rio de
mento. Entre os pioneiros e a primeira des- Janeiro) – estados em que se concentram ge-
cendência, a formação fica mais concentrada ralmente as revistas mais bem avaliadas, com
nas ciências sociais (com predominância da a consequente reprodução de citações pro-
sociologia, depois antropologia e ciência po- duzidas nas revistas de pesquisa. As escolhas
lítica), e, na segunda descendência, há uma metodológicas dos balanços anteriores tam-
expressiva ampliação, seja no interior das bém têm essa característica. Nossa estratégia
ciências humanas, seja em outras áreas, tais de análise das linhagens permite conhecer
como ciências sociais aplicadas e ciências da e compreender, por um lado, que a maior
saúde. Essa diversificação das áreas de for- representatividade e circulação decorre da
mação das novas gerações expressa também concentração de pesquisadores. No entanto,
uma diversificação das instituições para onde é preciso considerar as mudanças mais re-

35
centes que tornam as temáticas, as publica- o campo de estudos em violência, crime e
ções e os pesquisadores oriundos das outras justiça criminal, é relevante perceber maior
regiões responsáveis pela diversificação desse diversificação das áreas a partir da segunda
campo de estudos. É interessante perceber, descendência, com maior participação das
por exemplo, que ocorre uma diversificação ciências sociais aplicadas, indicando a inser-
maior de áreas de formação a partir da se- ção dos novos pesquisadores. Observa‑se esse
gunda descendência, fenômeno que pode ou movimento no campo também com base
não se manter no caso da terceira descendên- nos recortes temáticos e nas abordagens te-
cia. Essa diversificação parece-nos também órico-metodológicas utilizadas. Uma grande
bastante relacionada ao próprio processo de preocupação com políticas públicas, eviden-
expansão das universidades pelo REUNI, ciada de maneira recorrente pelos balanços e
que propiciou a expansão de vagas e a cria- pela presença de cursos do campo de políti-
ção de novas universidades e cursos, algo que cas públicas, pode explicar essa diversificação
pode ser mais bem explorado em estudos fu- e contribuir com uma maior aplicação dos
turos. Entre as distintas áreas que compõem achados acadêmicos.

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Resumo

As linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores “pioneiros” nos estudos sobre violência, crime e justiça criminal
no Brasil (1970-2018)

O artigo mapeia e analisa as linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores considerados “pioneiros” nos
estudos sobre violência, crime e justiça criminal no Brasil no período de 1970 a 2018. São analisados os levantamentos
já produzidos das pesquisas que abordam essas temáticas e que caracterizam a produção bibliográfica da área nos seus
diferentes períodos, possibilitando demonstrar o alcance e a consolidação desse campo de estudos no país. O artigo fo-
caliza a formação dos “pioneiros” e mapeia uma rede de quatro gerações de pesquisadores no âmbito de suas linhagens
de descendência acadêmica, em uma análise que contempla aspectos de gênero, áreas de formação, países, regiões e
universidades de formação, trazendo contribuições para a compreensão da expansão desse campo de estudos no Brasil.

Palavras-chave: Linhagem acadêmica; Sociologia da violência; Crime; Justiça penal.

Abstract

Lineages of academic descendancy from the pioneers in the realm of sociological studies on violence, crime and criminal justice
in Brazil (1970-2018)

This article undertakes a mapping and an analysis of the academic descendant lineage of researchers considered “pio-
neers” in the area that studies violence, crime and criminal justice in Brazil from 1970 to 2018. It analyzes the existing
surveys of the researches on these themes that characterize the bibliographic production of the area in its different
periods, demonstrating the scope and the consolidation of this field of study in the country. The article focuses on the
formation of the “pioneers” and maps a network of four generations of researchers within their lineages of academic
descent, in an analysis that includes aspects of gender, areas of study, countries, regions and universities where people
studied, which helped to understand the expansion of this field of study in Brazil.

Keywords: academic lineage; sociology of violence; crime criminal justice.

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Resumé

Lignées de descendance académique des pionniers dans le domaine d’études sociologiques sur la violence, le crime et la justice
pénale au Brésil (1970-2018)

Cet article essaie de faire une cartographie et une analyse des lignées de descendance académiques des chercheurs
considérés comme des « pionniers » dans le champ qui étudie la violence, le crime et la justice pénale au Brésil de 1970
à 2018. On y analyse les enquêtes déjà produites dans les recherches qui abordent ces thèmes et qui caractérisent la
production bibliographique du domaine dans ses différentes périodes ; permettant de démontrer l’étendue et la con-
solidation de ce champ d’études dans le pays. L’article se concentre sur la formation des « pionniers » et cartographie
un réseau de quatre générations de chercheurs dans le cadre de leur lignée académique. L’analyse a inclus leur aspects
de genre, les domaines de formation, les pays, les régions et les universités où ils ont obtenu leur diplôme. Tout cela
contribue à comprendre l’expansion de ce domaine d’études au Brésil.

Mots-clés : lignées académiques; sociologie de la violence; crime; justice pénale.

© 2020 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS


Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

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