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BETHENCOURT, Francisco.

História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália –


Séculos XV – XIX. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
A inquisição espanhola (1478) e portuguesa (1536) tem independência de ação em
relação a cúria romana
Vai da península ibérica, itálica até os territórios ultramarinos
Analisar os atos dos tribunais da fé em diferentes contextos em sua longa duração
4 vetores de análise do autor: ritos (atos ordenados e repetitivos) e etiquetas, formas de
organização, modelos de ação, sistemas de representação, as diferentes configurações
dos tribunais no espaço e no tempo
Modelos de ação como: visitas aos distritos, navios, bibliotecas, livrarias e tipografias...
perseguição das vítimas e etc e é o campo de ação mais estudado
Modelos de representação – estudo da heráldica inscrita nas pedras de armas, nos
estandartes, nos selos, nos éditos da fé e noutros suportes; conflito de simbolismos, etc
- Estudo comparado e de longa duração, bem como diferentes escalas de análise, do
micro ao macro dos efeitos políticos e sociais da ação inquisitorial, das diferentes
configurações dos tribunais, das formas de recepção/apropriação destes pela população
e pelos outros poderes (p. 16)
CAPÍTULO 1 – A FUNDAÇÃO
Exit sincerae devotionis affectus – Assinado pelo papa Sisto IV em 1478, redigida por
consequência da petição dos reis católicos, essa bula reproduziria os argumentos régios
sobre a difusão das crenças e dos ritos de judeus convertidos ao cristianismo em Castela
e Aragão
- Autorizava os reis a nomear três inquisidores (entre os prelados, religiosos ou clérigos
seculares com mais de quarenta anos, bacharéis ou mestres em teologia, licenciados ou
doutores em direito canônico) para cada uma das cidades ou dioceses dos reinos. (p. 17)
- A jurisdição tradicional dos bispos em matéria de perseguição das heresias estava
reservada ao papa, agora a nomeação, a revogação e a substituição dos inquisidores (p.
17)
- Ruptura com a tradição medieval, agora os príncipes detêm o processo de nomeação
dos inquisidores
- Estabelecimento em Sevilha
Ritos da fundação espanhola: a entrada dos inquisidores na cidade (assinalada com um
“recebimento” a uma légua de distância, numa clara transposição, menos solene, das
cerimônias de entrada dos reis ou dos bispos, a apresentação dos diplomas de
estabelecimento da Inquisição às autoridades locais (reunidas expressamente para a
ocasião); a recepção da Inquisição pela cidade, numa cerimônia que compreendia
procissão e missa. (p. 19)
- O juramento dos inquisidores depois da nomeação, o sermão na missa de apresentação
pública, o juramento das autoridades e da população, prometendo apoiar a atividade
inquisitorial e rejeitar os hereges (p. 19)
- Detenção de centenas de acusados durante o primeiro mês de atividade, entre os quais
se encontravam os cristãos-novos mais poderosos da cidade (ricos e influentes),
provocou um efeito de pânico testemunhado pela fuga de milhares de pessoas para as
terras senhoriais e para o estrangeiro (Portugal, Itália, Norte África). (p. 19)
Os inquisidores tiveram de publicar uma ordem por causa do recenseamento dos
“conversos” refugiados em seus territórios, a detenção dos acusados e a sua entrega ao
tribunal, sob pena de excomunhão, confisco de bens, perda de dignidades e de cargos.
- Imposição sua jurisdição aos antigos privilégios senhoriais; (p. 19)
- O fluxo de presos foi de tal maneira importante que as instalações do convento San
Pablo, onde estava sediado o tribunal se revelaram demasiado pequenas, tendo sido
transferidos os inquisidores e os presos para o castelo de Triana – movimento carregado
de significado simbólico, os inquisidores fizeram construir um cadafalso para a exceção
dos hereges condenados – o “tablado”-, comportando quatro grandes estátuas de gesso
onde eram colocadas as vítimas. (p. 20)
- Caráter arbitrário (parcial) do tribunal, o segredo do processo e a injustiça do confisco
dos bens, que excluía de herança os filhos inocentes, reduzindo à miséria as famílias dos
condenados (p. 20)
- O juramento das autoridades garantia à fé católica, a perseguição e a denúncia de todos
os hereges, independente do seu estado (condição); a respectiva exclusão dos cargos
públicos e funções de justiça (p. 20)
- Carlos V, os reis católicos
- A coroa obteve da cúria romana a delegação ao inquisidor-geral do poder de examinar
todos os recursos de última instância
- O segredo do processo, o confisco de bens e a inabilitação dos herdeiros condenados,
tendo o tribunal estabelecido mecanismos de autocontrole – regulamentos internos,
visitas de inspeção e administração centralizada – que lhes permitiam apresentar uma
fachada séria (p. 21)
O inquisidor-geral nomeou novos inquisidores, que se instalaram no Palácio Real da
Aljaferia, símbolo da proteção dada ao tribunal pela Coroa, os responsáveis pelo
homicídio foram executados e esquartejados, o inquisidor assassinado tornou-se um
santo mártir (p. 22)
O poder central de Aragão deslocara-se recentemente para Castela, ciosas de suas
liberdades e de seus privilégios tradicionais, onde a posição da Inquisição era mais fraca
e contestada. (p. 22)
O “mártir” do inquisidor forneceu elemento que faltava à consagração do tribunal: o
sinal da aprovação divina.
Carlos V pediu ao papa Paulo III a realização de um inquérito sobre esses milagres para
obter a canonização do inquisidor. (p. 22)
- Até 1493, a Inquisição espanhola estabeleceu mais de quinze tribunais de distrito,
passando das periferias para as zonas centrais da península ibérica (p. 23)
O de Bernard Gui, escrito em 1324 (manual), coloca o juramento das autoridades
durante a cerimônia de publicação das sentenças, cerimônia que compreendia a
imposição de penitências e a concessão de indulgências. O Directorium Inquisitorum
(manual dos Inquisidores), de Nicolau Eymerich, escrito em 1379 e reeditado em 1503
(é o grande manual da inquisição)
1) apresentação das cartas de nomeação e de privilégio ao rei senhor
2) pedido de salvo conduto aos oficiais régios, exigindo a execução das ordens
inquisitoriais necessárias ao cumprimento de sua função, apresentação das cartas papais,
das cartas régias ao bispo da diocese e às autoridades locais
3) juramento pedido aos senhores de terras no sentido de perseguirem as heresias e
protegerem o inquisidor em suas funções (juramento entendido como facultativo,
dependendo da vontade do inquisidor e das condições locais, realização de um sermão
da Igreja principal do lugar (num domingo fora dos períodos da Quaresma e do
Advento), durante o sermão seria lida uma ordem de delação sobre crimes de heresia e
definindo um tempo de graça (um mês) para apresentação dos arrependidos. (p. 23-24)
Novidades da Inquisição espanhola
 Ritos de apresentação das cartas de nomeação, organização da missa de
publicação da inquisição (com procissão e hierarquização do espaço da Igreja),
no juramento obrigatório para as autoridades civis e nos éditos da fé
 Outro traço de ruptura com a prática medieval diz respeito à forma como o
primeiro inquisidor-geral começa a nomear os inquisidores imediatamente após
sua investidura, revogando os inquisidores papais que subsistiam nos territórios
da Coroa de Aragão. (p. 24)
Ritos de fundação da Inquisição em Portugal:
A bula de estabelecimento do tribunal Cum ad nihil magis, assinada pelo papa em 23 de
maio de 1536, nomeava três bispos (de Ceuta, de Coimbra, Lamego) como inquisidores-
gerais, concedendo ao rei d. João III a possibilidade de nomear um quarto
inquisidor-geral entre os bispos, religiosos ou clérigos seculares formados em teologia
ou direito canônico.
- Cerimônia, pregação de sermão da fé e a publicação do édito da graça, o cardeal
comprometeu-se a dar necessária atenção à ação inquisitorial
- A bula designava o judaísmo dos cristãos novos, o luteranismo, o judaísmo, o
islamismo como heréticas
- Encontramos aí a caracterização das cerimonias judaicas e islâmicas, Lutero como
herético, a incredulidade, a rejeição dos dogmas e dos sacramentos, da feitiçaria (p. 25)
- Expedição de uma carta ao rei em favor do Santo Ofício, dirigida a todos os infantes,
duques, marqueses, condes, regedores de justiça, corregedores, juízes, senhores de
terras, meirinhos, cavaleiros e vassalos, ordenando-lhes que executassem os pedidos do
inquisidor geral d. Diogo da Silva, respeitantes à perseguição dos hereges e à proteção
dos inquisidores (p. 25)
- O envolvimento do rei desde o início, assumindo a responsabilidade da criação do
tribunal e fazendo questão de estar presente na cerimonia de fundação da nova
instituição; ausência da cerimônia de apresentação da bula às autoridades civis (p. 25)
- Intervenção ativa do rei;
O tribunal português, criado cerca de 150 anos depois do tribunal espanhol, beneficiou-
se da experiência vizinha. (p. 25)
- 22 de junho – carta régia, d. Henrique, irmão do rei, era nomeado inquisidor-geral
(nomeação feita com o poder concedido pelo papa na bula de fundação da Inquisição
em Portugal)
- O arcebispo pronunciou-se imediatamente como inquisidor-geral, prometendo
executar o cargo e cumprir a jurisdição de que era investido segundo as disposições do
direito e a forma da bula. (p. 26)
O tribunal desenvolve uma certa autonomia de estratégia em relação à Coroa desde o
final da década de 1540, momento em que surgem as primeiras divergências políticas
entre o rei – a proposito principal ente as isenções de confisco de bens aos cristãos-
novos. (p. 27)

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