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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

Don Hernando Ixtlilxochitl II, o conquistador de México-Tenochtitlan: a conquista do México


sob outro ângulo (1519-1521)

LINHA DE PESQUISA: Relações de Poder, Linguagens e História Intelectual

Projeto apresentado à Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ como requisito
para a inscrição no Mestrado Acadêmico em
História.

2023
INTRODUÇÃO
Delimitação do objeto e problema de pesquisa: Primeiramente, o tema da pesquisa consiste
nas interpretações históricas acerca de um personagem indígena aliado aos espanhóis na
conquista de México-Tenochtitlan. Sendo assim, a delimitação do objeto é o estudo das
narrativas e silenciamentos sobre Ixtlilxochitl II em diferentes fontes históricas, com ênfase
no Códice Ramírez (1987) e nas duas Obras Históricas de Don Hernando Alva Ixtlilxochitl
(1891 e 1892), a fim de identificar, a partir disso, diferentes interpretações e abordagens sobre
a conquista do México entre 1519 e 1521, com destaque para o papel dos indígenas nesse
processo.
Para se chegar a esse objeto, foi necessário pensar nos seguintes problemas: De que
forma Ixtlilxochitl II é representado em diferentes relatos coloniais? Por que este personagem
é pouco abordado pela historiografia ao longo de todos esses séculos, mesmo sendo retratado
em algumas crônicas como peça importante da conquista?
Esses problemas floresceram ao ler a obra “Relatos astecas da conquista” (2019) de
Georges Baudot e Tzvetan Todorov, no qual traduziram e divulgaram trechos do Códice
Ramírez, uma crônica do século XVI que retrata Ixtlilxochitl II como o principal articulador
da conquista, o cabeça do plano de tomada de México-Tenochtitlan junto a Hernán Cortés. A
ênfase na participação deste personagem e sua proximidade com o líder espanhol trazem uma
descrição do processo de “conquista dos astecas” que destoa em relação às fontes usualmente
utilizadas para descrever este evento histórico.
Este ponto de vista particular sobre a conquista, no entanto, não despertou a atenção
de historiadores para este personagem. Quando se faz um levantamento bibliográfico sobre
estudos acerca de Ixtlilxochitl II, encontram-se mais obras que estudam seu tataraneto,
Fernando Alva Ixtlilxochitl (1568-1648), que foi um importante cronista do século XVII
sobre a história chichimeca. Embora o cronista cite as ações de seu tataravô durante a
conquista, o que é mais estudado por historiadores é a contribuição historiográfica do cronista,
a análise sobre os seus textos, a legitimação dos texcocanos durante o período colonial, entre
outros, mas não o personagem de Hernando Ixtlilxochitl II em si.
Debate historiográfico: Ciente do fato de que não há estudos focados no personagem
histórico, nos concentraremos nos debates historiográficos sobre as três fontes principais do
trabalho e o processo de conquista do México (1521).
O primeiro contato que obtive acerca do personagem foi na obra citada acima, de
Baudot e Todorov (2019). Os pesquisadores, com uma proposta inspirada em Miguel León-
Portilla, que publicou a obra “A Visão dos Vencidos: A tragédia da conquista narrada pelos
astecas” (1987) - na qual reuniu diversos relatos astecas sobre a conquista, mas sem uma
análise mais aprofundada dos trechos -, trouxeram o aspecto mais analítico, diferente da obra
do mexicano. Com isso, foi a partir da leitura do capítulo do livro que fala sobre o Códice
Ramírez que se tornou perceptível a importância de Ixtlilxochitl para a conquista. De acordo
com os relatos, Hernando Ixtlilxochitl era filho do grande rei de Texcoco em anos anteriores à
chegada dos espanhóis, mas seu irmão Cacamatzin que assumiu o trono quando seu pai
morreu. Cacamatzin era protegido de Montezuma, líder de México-Tenochtitlan. Isso fez com
que Ixtlilxochitl se revoltasse contra Montezuma e se aliasse aos espanhóis, tornando-se
cristão muito rapidamente. Com raiva de seu tio Montezuma, Ixtlilxochitl mantinha o
controle do norte do reino de Texcoco como dissidente (2019, p. 261). A afirmativa de que
Ixtlilxochitl era filho de Nezahualpilli - rei de Texcoco - e que não sucedeu diretamente o pai
aparece também nas obras do padre dominicano Diego Durán (1880, p. 495-499) e de
Hernando Alva Ixtlilxochitl (1892, p. 327-334)1.
Em alguns trechos traduzidos e publicados do Códice Ramírez por Baudot e Todorov,
é relatado de forma muito enfática as ações de Ixtlilxochitl. Citando o Códice, narra-se que a
ideia de conquistar o México-Tenochtitlan foi do príncipe texcocano e que “Cortés aprovou
esse plano e assim foi feito, de modo que, na conquista desta cidade, sempre foi dom
Hernando que teve a iniciativa.” (2019, p. 284). Além disso, foi Don Hernando Ixtlilxochitl
que tomou o Templo Mayor e arrancou a cabeça do ídolo principal, dizendo que era um falso
deus, vencendo a guerra contra os mexicas ao lado dos espanhóis (BAUDOT; TODOROV,
2019, p. 284-285).
Sobre o Códice Ramírez, Baudot e Todorov explicam que a obra não tem uma autoria
definida e que, segundo José Fernando Ramírez - o homem que encontrou o manuscrito no
século XIX - o livro seria escrito por um indígena. Contudo, os autores não se aprofundam na
questão. Entretanto, há uma grande discussão em torno da autoria do Códice, inclusive se ele
é original ou uma cópia de outro documento. Discussão essa que a autora Alejandra Dávila
Montoya (2005) discorre muito bem em sua tese de licenciatura.
Em sua pesquisa, a autora mostra ao menos 13 estudos sobre a origem e autoria do
Códice (2005, p. 54-60). As discussões se resumem em provar que o Códice foi escrito pelo
padre jesuíta Juan de Tovar e se é ou não cópia da obra de Diego Durán e do Manuscrito
Tovar. A maioria das análises chegam à conclusão de que a obra é de autoria de Juan de
Tovar, inclusive a própria autora concorda com essa tese. Para defender sua hipótese, ela se

1 Enquanto Durán não estabelece uma data da morte de Nezahualpilli, Hernando Alva Ixtlilxochitl afirma que o
rei de Texcoco morreu em 1515.
baseia nessas discussões e também na análise das obras, que considera em sua essência iguais
(2005, p. 52). A autora considera as duas obras como duas versões da mesma história, pois
Juan de Tovar recebeu a responsabilidade, a pedido do vice-rei do México, Martín Enríquez,
entre os anos de 1576 e 1577 “para que elaborara una relación sobre la historia de los reinos
de México, Acolhuacán y Tlacopan, sobre la cual nos dice el propio Tovar en una carta
enviada a José de Acosta” (2005, p. 35). Tovar realizou o pedido e criou uma obra, que deu
origem à Primera Relación de Tovar, enviada para a Espanha em 1578, sem deixar cópias no
México. A partir daí, a obra nunca mais foi encontrada. Após isso, sabe-se que Tovar
entregou a José de Acosta outro escrito, pois os jesuítas trocaram cartas, contendo dúvidas de
Acosta e respostas de Tovar. Em uma delas, Tovar diz que recebeu ajuda de sábios do
México, de Texcoco e de Tulla para decifrar documentos indígenas. Além disso, ele fala que
se inspirou em uma obra de um padre dominicano para escrever sua nova relação, já que a
primeira se perdeu com o Doctor Portillo na viagem para a Espanha (MONTOYA, 2005, p.
89).
Outra prova que temos de que Tovar escreveu outra obra, é porque um escrito seu foi
incorporado na obra "A História Natural y Moral de las Índias" de Acosta, publicada em 1590
(2005, p. 37 e 46). Segundo Montoya (2005) e Leal (1953), essa Segunda Relación de Tovar
teve cópia deixada no México, que após muitos anos foi encontrada por José Fernando
Ramírez. De acordo com Montoya, a versão enviada a Acosta foi parar na Inglaterra, na qual
foi publicada pela primeira vez por Thomas Phillipps em 1860 (2005, p. 49). Sendo assim,
tanto Montoya quanto Leal consideram o Manuscrito Tovar e o Códice Ramírez como versões
da mesma história, escritas por Juan de Tovar.
Considerando as discussões acerca do Códice Ramírez, temos em mãos como fontes
principais do trabalho obras escritas por dois autores considerados mestiços, já que tanto Juan
de Tovar quanto Hernando Alva Ixtlilxochitl são filhos de mãe indígena ou mestiça com pai
espanhol, nascidos no México e que entraram em contato direto com as culturas indígenas
locais.
Como dito anteriormente, estudos focados no personagem aliado a Cortés não foram
encontrados até o momento. O mais próximo disso que podemos citar é um dos mais recentes
livros de Matthew Restall (2019). Esse trabalho tem como objetivo seguir uma linha
interpretativa da conquista diferente da historiografia tradicional, que considera Cortés como
o maior personagem político e militar da conquista. A partir disso, o autor desconstrói essas
narrativas e mostra a atuação dos indígenas no processo de conquista do México-Tenochtitlan
(RESTALL, 2019; KALIL, 2021). Nessa perspectiva, Restall, analisando Fernando de Alva
Ixtlilxochitl, mostra o protagonismo do príncipe de Texcoco. Contudo, sua obra não tem
como foco central o personagem. Entretanto, o autor pontua muito bem que Ixtlilxochitl é
ignorado pela historiografia, que atribui a Cortés a vitória da conquista e coloca os
tlaxcaltecas como os maiores aliados dos espanhóis. Além disso, ele aponta que os relatos do
bisneto do príncipe de Texcoco são conhecidos apenas nos círculos acadêmicos e em geral
são ignorados por conta de seu viés, já que ele narra a conquista a partir dos feitos de seu
tataravô (RESTALL, 2019, p. 307 do pdf).
Para além de Restall, existe o artigo de Clementina Battock e Sergio Ángel Vásquez
Galicia (2022) “El protagonismo de Tetzcoco en la Conquista a través del lente de Fernando
de Alva Ixtlilxóchitl”, no qual analisam as narrativas do cronista tataraneto do antigo príncipe
de Texcoco, e, nesse ínterim, fazem menções ao personagem aliado aos espanhóis, na
perspectiva de que o cronista utilizou a figura do parente para legitimar o poder da cidade no
contexto colonial.
Em 2015, a parte principal que trata da conquista do México na obra de Don Hernando
Alva Ixtlilxochitl foi traduzida para o inglês pelos pesquisadores Amber Brian, Bradley Benton
e Pablo García Loaeza. Por mais que o objetivo do livro não seja uma análise do cronista, no
epílogo os autores refletem sobre como o príncipe de Texcoco não aparece muito em outros
arquivos, e que, além disso, ele foi considerado como traidor da pátria durante o século XIX
(p. 105-106).
Dito isto, também temos o trabalho de Yukitaka Inoue Okuba (2007), em que,
analisando os escritos do cronista, o autor chega à conclusão de que ele perpetrou uma
história providencialista, na qual interpretou o mito criador dos astecas e associou o deus
criador asteca ao Deus cristão, mostrando a superioridade religiosa dos texcocanos, já
preparados para o cristianismo mesmo antes da conquista (p. 63-64). Entretanto, o autor
também não alisa o príncipe de Texcoco, já que esse não é seu objetivo com o artigo.
Tratando-se do processo da conquista, sabemos que espanhóis chegaram ao México
liderados por Cortés em 1519, com o objetivo de conquistar as terras encontradas no Novo
Mundo. Mas, a tomada de Tenochtitlan só terminou de fato em 1521, após lutas constantes
entre espanhóis e indígenas. Diante disso, Cortés recebeu ajuda de diversos povos que se
tornaram inimigos do tlatoani Montezuma, pois a cidade de México-Tenochtitlan era a mais
forte da Tríplice Aliança asteca, formada por Tenochtitlan, Texcoco e Tlacopan. Alguns dos
principais povos a se aliar a Cortés foram os tlaxcaltecas e os texcocanos, como exemplo
disso temos o nosso personagem Ixtlilxochitl.
Após a conquista espanhola, diversos descendentes das nobrezas indígenas tiveram
destaque na sociedade colonial, seja participando da administração das regiões, casando com
espanhóis ou trabalhando nos órgãos governamentais. A partir disso, percebemos que o
processo de conquista e colonização da Mesoamérica não foi construído de forma linear e
somente por mãos espanholas, mas também pela participação indígena, criando um evento
complexo e coberto de nuances. Contudo, por muitos séculos a interpretação da história da
conquista se concentrou em dar ênfase central aos feitos europeus e destacando uma certa
inferioridade dos nativos em relação à cultura, religião e tecnologia espanhola.
A esse respeito, Luís Guilherme Kalil e Luiz Estevam de O. Fernandes (2019) e
Eduardo Natalino dos Santos (2023) fazem um balanço geral e uma análise sobre as
interpretações historiográficas da conquista ao longo dos anos, com destaque a partir do
século XIX. De acordo com os autores, mesmo com as mudanças apresentadas na
historiografia, algumas concepções ainda são percebidas em muitas obras, tais como os
binômios de civilizado e bárbaro, ou mesmo uma visão negativa dos europeus e uma otimista
dos indígenas.
Segundo Kalil e Fernandes, no século XIX o historiador William H. Prescott deu
início a uma história da conquista na qual preconizou os espanhóis em detrimento dos
indígenas, além de não considerar o estudo de fontes nativas em seu trabalho. Sendo assim,
mesmo sua pesquisa tendo influência até os dias atuais, sua obra foi muito criticada,
principalmente pelos mexicanos.
A partir da segunda metade do século XIX, o México passava por um período de
consolidação do estado nacional e se voltou ao passado indígena e colonial para legitimar uma
política contemporânea. Para isso, utilizaram-se de fontes nativas e criaram uma vilificação da
imagem de Cortés, ao mesmo tempo em que exaltavam a figura de Cuauhtémoc, o último
imperador asteca, que lutou contra os espanhóis (2019, p. 76-78).
Já na segunda metade do século XX, surge uma historiografia baseada na conquista
como um trauma para as culturas indígenas e para a História da América. De acordo com
esses historiadores, tendo como expoente Miguel Léon-Portilla, a visão dos indígenas -
tratado como os vencidos - era necessária de ser recuperada através das fontes nativas.
Entretanto, fixou-se uma concepção entre conquistadores e conquistados, novamente um
binômio, de uma perspectiva otimista em relação ao mundo pré-colombiano e o contrário para
os eventos posteriores à Conquista. Para Portilla, a interpretação do evento histórico se
apresenta como um aspecto total de ruptura de um mundo para o outro. Mundo este do qual
não havia como recuperar o glorioso passado asteca, que fora dominado pelos espanhóis. De
acordo com Natalino (2023), essa concepção histórica levada a cabo por Portilla valorizou
uma perspectiva em que os indígenas foram aculturados, logo, que foram assimilados por
completo pelos espanhóis. Além disso, essa interpretação não evidencia as atuações indígenas
durante a conquista (p. 32-33).
A partir da década de 1980, Tzvetan Todorov tornou-se uma grande influência nos
estudos sobre América, mesmo que essa não tenha sido sua intenção, já que nas primeiras
páginas de seu livro o autor deixa evidente que sua análise se concentra na questão da
alteridade e da construção do outro e que ele se importa mais com o presente. Para explicar a
questão do outro ele usa o exemplo da Conquista da América, mais precisamente a percepção
dos espanhóis sobre os indígenas durante o século XVI. Dessa forma, o semiólogo buscou na
História da Conquista entender as relações de comunicação entre os espanhóis e os indígenas,
chegando a conclusão que os espanhóis foram vencedores pois eram modernos, astutos e
manipuladores, principalmente Cortés, o símbolo de inteligência e estrategista militar e
político (2003). Embora sua pesquisa seja influente até os dias atuais, Todorov recebeu muitas
críticas pelo aspecto eurocêntrico de sua obra, na qual afirmou a inferioridade dos indígenas
frente aos espanhóis (KALIL; FERNANDES, 2019, p. 88).
Os historiadores brasileiros citam ao menos três grandes críticas a Todorov. A
primeira, de Keith Windschuttle, considera que o relativismo cultural e a importância que
Todorov dá aos signos minimizam aspectos mais importantes da conquista, como o militar, o
político, o tecnológico, além das doenças. A segunda, de Héctor Hernan Bruit, inverte os
argumentos de Todorov, mostrando que foram os espanhóis os enganados pelos indígenas. E
por último, a historiadora Inga Clendinnen acredita que a análise do semiólogo é carregada de
pressupostos presentes também em Prescott, que considera os indígenas inferiores
intelectualmente em relação aos espanhóis (2019, p. 89).
Sob outro ângulo, Kalil e Fernandes apontam que em estudos recentes, como os de
Matthew Restall, embasados em uma corrente que emergiu nos anos 1990, chamada de “nova
historiografia da Conquista”, os pesquisadores trazem diferentes perspectivas acerca do
evento histórico. Diante disso, em contraponto à análise de Todorov (2003), Matthew Restall
em Los siete mitos de la conquista española (2006) desconstrói, através da análise de diversas
fontes - códices indígenas, relatos, crônicas espanholas e até filmes - a concepção de que os
espanhóis eram superiores aos indígenas, seja em quantidade de homens, tecnologias e até no
quesito da comunicação. Segundo Restall, criou-se um mito sobre a comunicação, mito esse
disseminado por Todorov. De acordo com o autor, a análise de fontes espanholas e indígenas
mostram versões diferentes dos fatos ocorridos, demonstrando que não necessariamente essas
culturas diferentes se entenderam de forma plena, como proposto por Todorov, no qual Cortés
compreendeu e manipulou os signos dos nativos, conseguindo sair vitorioso (RESTALL,
2006).
No texto de Todorov é citado o fato de que os espanhóis fizeram alianças com
indígenas, por exemplo os tlaxcaltecas, para conquistar Tenochtitlan. Contudo, segundo o
autor, isso se deu tanto porque os indígenas consideraram Cortés um mal menor, já que
Montezuma cobrava impostos e dominava outras cidades, quanto porque Cortés conseguiu
manipular as informações a favor de seus desejos. Já na visão de Restall, os indígenas
manipularam Cortés a favor de seus objetivos de vencer outros povos. Além disso, o autor
aponta que os espanhóis receberam a participação de escravos negros na luta contra
Tenochtitlán (2006, p. 81-106).
A pluralidade de personagens, como indígenas e negros, têm seus espaços nas novas
abordagens, mostrando a complexidade do processo e indo em contrapartida às perspectivas
que incorporavam em seus estudos pontos de vista que afirmavam o fim da cultura e poder
dos nativos na América. Como exemplo desta corrente temos o livro Indian Conquistadors
(2007), que representaria “uma virada completa de foco, no qual a Conquista passa a ser vista
como um evento majoritariamente indígena.” (2019, p. 94). Contudo, vale ressaltar que
mesmo esse livro sendo um marco nas novas abordagens sobre a História da Conquista, o
personagem Ixtlilxochitl II não é analisado como um dos protagonistas do evento histórico,
ainda que seu tataraneto, o cronista Hernando Alva Ixtlilxochitl, seja mencionado
(MATTHEW; OUDIJK, 2007).
Dessa forma, em perspectiva parecida, Natalino em seu artigo de 2014, tem como
objetivo mostrar que a conquista de Tenochtitlan não foi uma conquista apenas espanhola,
mas também indígena e que, além disso, ela não terminou com a tomada da cidade, já que
lideranças indígenas continuaram tendo relevância local e muitas etnias não se renderam ao
jugo espanhol (p. 225). O autor argumenta que após a tomada de México-Tenochtitlan e a
implementação do governo da Nova Espanha, descendentes de Montezuma eram nomeados
governadores das regiões. Esses índios ganharam privilégios da Coroa alegando que foram
importantes para a conquista territorial e para a implantação do cristianismo. Por fim, o autor
encerra seu artigo defendendo a nova historiografia da conquista, construída nos últimos anos,
pois ela não coloca espanhóis e indígenas em concepções engessadas, já que busca entender
as complexidades dessas relações culturais, políticas e militares entre os povos dos dois lados
do Atlântico (2014, p. 230-231).
Em seu mais recente artigo (2023), no qual também faz um balanço e uma análise
historiográfica sobre a História da Conquista, Natalino considera que a historiografia
hegemônica concentra o protagonismo em Cortés, mas que desde os anos 80 os estudos da
corrente etnohistórica e história indígena têm focado na análise de questões locais da América
e nas pesquisas sobre o declínio populacional indígena por conta das doenças. Segundo o
autor, o declínio populacional dos nativos foi de fato o que levou a conquista política dos
espanhóis, não a suposta superioridade técnica e intelectual dos europeus.
Justificativa: Diante disso, a proposta de pesquisa se justifica pela falta de estudos sobre o
personagem Ixtlilxochitl II, príncipe de Texcoco, que se aliou aos espanhóis durante a
conquista do México-Tenochtitlan, e que, segundo o Códice Ramírez e as obras de seu
tataraneto Hernando de Alva Ixtlilxochitl, cronista do século XVII, o personagem foi peça-
chave para a derrota de Montezuma e seus aliados. Além disso, é importante que novas
abordagens sobre a conquista sejam pesquisadas, principalmente no Brasil, onde esses estudos
têm se intensificado nos últimos anos, mas a maioria da produção acadêmica sobre o tema se
concentra em idiomas como o espanhol e o inglês. Sendo assim, o trabalho busca contribuir
para um estudo acerca da construção do personagem Ixtlilxochitl II, mostrando a
multiplicidade de narrativas e personagens da conquista. Porém, mais do que tratar do
personagem, a relevância do tema se insere nas recentes perspectivas historiográficas de
combate ao silenciamento de sujeitos que não são europeus na construção da História de
nosso continente. Dessa forma, figuras indígenas como Ixtlilxochitl ganham notoriedade na
historiografia.
OBJETIVOS:
● Analisar a partir de crônicas e cartas dos séculos XVI-XVII as narrativas acerca de
Ixtlilxochitl II;
● Analisar e comparar as semelhanças e diferenças nessas narrativas;
● Evidenciar a importância de Ixtlilxochitl II para a conquista do México-Tenochtitlan
através das fontes.
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E FONTES: Para esta pesquisa, se
faz importante a base teórica e conceitual dos textos "Silenciando o passado: poder e a
produção da história" (2016) de Michel-Rolph Trouillot, a teoria da representação presente
nas obras de Roger Chartier (1991; 2002) e no texto “O espelho de Heródoto: ensaio sobre a
representação do outro” (1999) de François Hartog, para embasar conceitos que serão
trabalhados durante a pesquisa, como de representação, narrativas e silenciamentos, na análise
da construção do personagem indígena do século XVI através das fontes. Trouillot (2016),
Chartier (1991; 2002) e Hartog (1999) fazem análises em comum, no sentido de que pensam a
construção da imagem, identidade, memória e discursos sobre personagens ou grupos sociais
a partir de outros indivíduos. Com base em Trouillot, nos debruçaremos principalmente no
conceito silenciamento, pensando em como Ixtlilxochitl teve seu passado silenciado na
historiografia. Com Chartier e Hartog, tomaremos como referência o conceito de
representação, analisando como Ixtlilxochitl foi concebido nas fontes. Seja no quesito das
fontes diferenciá-lo de outros personagens, ou mesmo na construção da identidade do outro,
dos grupos e de quem escreveu os relatos. Diante disso, estaremos refletindo nos impactos
dessas representações e silenciamentos para a História da Conquista.
Para além desses conceitos, a metodologia da pesquisa levará em conta as
considerações sobre como trabalhar com crônicas, cartas e relatos coloniais, seja de
espanhóis, indígenas, mestiços, castizos e criollos. A metodologia de análise das fontes se
baseará nos textos “A crônica colonial como gênero de documento histórico” (2006) de Luiz
Estevam de O. Fernandes e Anderson R. Reis, “Historiografía y separatismo étnico: el
problema de la distinción entre fuentes indígenas y fuentes españolas” de Danna L. Rojo
(2007) e “Crónicas indígenas: una reconsideración sobre la historiografía novohispana
temprana” de Yukitaka Inoue Okubo (2007). Todos esses autores trabalham com a ideia de
que os documentos produzidos durante o período colonial não tinham como objetivo maior
relatar a verdade, mas que tratavam-se muitas vezes de reivindicar benesses ou justificar a
conquista através de um caráter teleológico ou divino, seja para escritores espanhóis ou
indígenas. Além disso, Rojo (2007) e Okubo (2007) discutem a importância de ir além do que
determinar fontes históricas em categorias de tradição “espanhola”, “indígena” ou “mestiça”.
Os autores mostram que é necessário analisar as obras levando em conta o contexto histórico,
político e cultural que os escritores se inserem, já que não somente o idioma escrito ou o local
de nascimento de um indivíduo determina sua identidade. Dessa forma, a história pensada
entre conquistadores e conquistados não faz sentido. É a partir dessas ferramentas
metodológicas que nos debruçaremos sobre as fontes.
A metodologia empregada será a análise e comparação das narrativas de crônicas e
cartas dos séculos XVI e XVII e a discussão de bibliografias sobre o tema da conquista da
América, não com o intuito de se chegar a uma “verdade” sobre o evento, mas entender como
se dá a construção de diferentes personagens frente ao processo de conquista, seja através da
enunciação ou do silêncio.
A pesquisa tem três fontes principais. A primeira é o Códice Ramírez (1987), pois
apresenta uma narrativa sobre Ixtlilxochitl descritiva durante a conquista, colocando-o como o
“cabeça” do plano de tomada do México, enquanto Hernán Cortés é praticamente guiado pelo
texcocano. A segunda e a terceira fonte são Obras históricas de Don Hernando Alva
Ixtlilxochitl. Tomo I: Relaciones (1891) e Obras históricas de Don Hernando Alva
Ixtlilxochitl. Tomo II: Historia Chichimeca (1892) de Hernando Alva Ixtlilxochitl, tataraneto
de Ixtlilxochitl II, que exalta os feitos de seu antepassado. A escolha dessas três fontes
principais se justifica pelo fato do personagem ser mais citado nelas do que nas outras fontes.
As fontes usadas para comparar as narrativas acerca do nativo com as fontes principais
são: Historia de las Indias de Nueva España e Islas de Tierra Firme: Tomo II (1880) de
Diego Durán, Historia Natural y Moral de Las Indias (2008), de José de Acosta, A conquista
do México (2008) de Hernán Cortés e Historia General de Las Cosas de Nueva España
(1999) de Fray Bernardino de Sahagún.
A quarta e a quinta fonte são essenciais para o trabalho, pois há indícios de que esses
três escritos têm muitas relações entre si, inclusive alguns autores acreditam que o Códice
Ramírez foi baseado - ou até copiado - da obra de Durán e, posteriormente, enviado para José
de Acosta, que talvez tenha se baseado no Códice Ramírez para escrever sua crônica. A sexta
fonte se faz importante para analisar o silenciamento de Ixtlilxochitl, pois o personagem
praticamente não é mencionado ao longo das cartas de Cortés. A última, mas não menos
importante, é também uma fonte escrita por um religioso católico. Acreditamos em sua
importância para o trabalho pois o livro contém muitas informações da visão indígena sobre a
conquista, já que Sahagún escreveu a obra em duas partes com o auxílio de seus alunos
indígenas e anciões: uma em nahua, na língua nativa de vários povos da América do Norte e
Central e uma parte em espanhol.
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