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Ciberlinguagem e a Realidade

Valesca Teatini Lobo


Mestranda em Comunicação
Universidade Católica de Brasília

Dez/08
Ciberlinguagem e a Realidade

Valesca Teatini Lobo


Mestranda em Comunicação
Universidade Católica de Brasília

Resumo:
A linguagem como criadora de realidades assume um papel fundamental no contexto da cibercultura. É
a partir da língua que aprendemos a perceber a realidade que nos cerca. Ou as realidades. As novas
tecnologias e o desenvolvimento do ciberespaço têm provocado diversas mudanças sociais e nas formas
de comunicação. Portanto, a linguagem desenvolvida no ambiente do ciberespaço produz uma nova
realidade e é ao mesmo tempo criada por ela.

Palavras-chave:
Linguagem. Realidade. Ciberespaço. Ciberlinguagem.

1. A língua e a realidade: um passeio por Vilém Flusser.

De acordo com Vilém Flusser (2004), a língua é a nossa realidade, e também cria a realidade. É
por meio de nossos sentidos que recebemos e percebemos as palavras. E é através do que o autor
chamou de intelecto, que ocorre o entendimento, a percepção da realidade. “Ele (o intelecto) consiste
de palavras, as compreende, as modifica, as reorganiza e as transporta ao espírito, o qual possivelmente
as ultrapassa.” (FLUSSER, 2004, p.47). Portanto, o intelecto possui a função de apreender e interpretar,
através da língua, das palavras, o que vem a ser a realidade para cada um dos indivíduos. A partir daí,
“as palavras organizadas, as frases, os pensamentos, começam a ser expelidos, expressos pelo intelecto
na direção dos sentidos.” (Ibid., p.48). Percebe-se, portanto, um caminho de mão dupla que inicia e
termina nos sentidos.

Para Flusser a realidade é criada pela língua que falamos. Ou pelas línguas. Percebemos a
realidade através do intelecto, que recebe palavras ou dados brutos do ambiente e as interpreta, as
compreende. Assim sendo, a língua falada interfere na construção da realidade, o que nos dá a entender
que a tradução de uma mensagem não permite entender com total fidelidade a intenção do autor.

Dentro de cada língua é possível distinguir tipos de palavras, que podem ser classificados de
acordo com seu significado. A divisão clássica das palavras (substantivo, adjetivo, preposição, conjunção
e verbo) pressupõe a existência de uma verdade absoluta. Como se a realidade expressa em uma frase,
através desta hierarquia, fosse única, a verdadeira, e que o contrário seria considerado falso e ilusório.
“Que esta pressuposição é insustentável, provam-no as línguas como o chinês, cuja estrutura torna
impossível a distinção entre substantivos, verbos, etc.” (Ibid., p.42). Parece razoável concordar com
Flusser, que o fato desta distinção não ocorrer na língua chinesa não a torna irreal.

Este autor nos guia ao entendimento de que a verdade e a realidade só podem ser concebidas
dentro de uma relatividade. “A verdade relativa é, portanto, uma qualidade puramente formal e
lingüística das frases, resultado das regras da língua.”, e, sendo assim, não existe a verdade única: “A
verdade absoluta, se existe, não é articulável, portanto não é compreensível.” (Ibid., p.45).

É possível alegar que, quando expressamos nossos sentimentos, trata-se do nosso intelecto
interpretando dados e palavras a respeito de uma determinada situação, da forma mais adequada às
regras de nossa língua. Trata-se da correspondência correta entre frases e realidade, dentro da língua
falada. A nossa versão da realidade.

2. A noosfera e as zonas climáticas da língua.

Se partirmos do princípio de que línguas criam realidades, podemos afirmar que o mundo é um
mosaico de realidades que se encontram e desencontram, se chocam e/ou se misturam, dentro de um
movimento contínuo: ora construindo, ora desconstruindo alguma realidade. De acordo com o
pensamento de Morin, nossa realização cultural, ou a realização dos intelectos de Flusser, contribui para
a formação da noosfera (originalmente elaborada por Theillard de Chardin), um ambiente onde valores,
crenças e normas “ganham vida” e tornam-se “entidades feitas de substância espiritual e dotadas de
certa existência”. (MORIN, 1991, p. 139). A partir de nossa cultura surge “*...+ um universo onde os
nossos espíritos habitam.” (Ibid., p. 140). Para Morin, estes “seres de espírito” possuem certa autonomia
e adquirem força própria, podendo perdurar durante séculos.

A idéia de noosfera nos remete ao globo, idealizado por Flusser, caracterizado por ele como o
estudo fisiológico da língua. Esta esfera está dividida em trópicos onde se localizam as zonas climáticas
da língua. Dividida ao meio pelo “equador da realidade”, acolhe no hemisfério norte o trópico da
conversação, evoluindo para o da poesia, o da oração e culmina no pólo do “nada” criador, já não mais
articulável. Na direção oposta, do centro para o sul, os trópicos que vão se interpondo são a “conversa
fiada”, a “salada de palavras”, o balbuciar até atingir o ponto mais negativo do globo, o “nada” que não
cria ou ainda não articulado.

Esta imagem de um globo envolto por uma “atmosfera da língua”, a noosfera, serve para
contemplar suas potencialidades e permite-nos perceber o poder criador da língua. A conversação e a
conversa fiada, separadas por uma tênue linha, têm finalidades opostas. A primeira com um sentido
criador progressivo, onde podemos tomar como exemplo a abstração científica. Já a segunda, tem como
objetivos seduzir e enganar, como é o caso da política, ou distrair e mascarar como é o caso da fofoca.
Da conversação evolui-se para a poesia e sua força criadora, mágica. A oração ultrapassa a poesia
utilizando-se de instrumentos mais fervorosos, podendo então alcançar o topo, o sublime, o não
alcançável, o logos de Heráclito. Neste cenário, é possível entender que a evolução da língua permite
sua liberdade, pois a poesia se liberta das regras e cria matéria prima para a conversação.

3. Pós-Modernidade e o mosaico de identidades.

Considerando que o intelecto gera subsídio para o abastecimento da noosfera, é possível


afirmar que o intelecto pós-moderno permitiu um adensamento desta esfera composta por idéias,
mitos, espíritos, devido a uma multiplicidade de identidades, que emergem da condição pós-moderna. A
pós-modernidade “*...+ vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um
conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando certo grau de ceticismo, em relação à
objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de
identidades.” (EAGLETON, p. 7, 1998).

Um tema polêmico, a questão da pós-modernidade é amplamente discutida, sem, no entanto


alcançar um consenso. Mas é certo que está relacionada ao grande número de informações circulantes
e seu impacto na condição de vida da sociedade. “[...] não se pode imaginar a chamada sociedade pós-
moderna, (pós-industrial) sem a presença maciça de informações ou a intervenção constante dos meios
de comunicação de massa na vida pessoal e social.” (BERTOLDI, 2001).
A visão de que a realidade verdadeira não é possível, mas sim um conjunto de realidades,
ratificada por Flusser, provoca uma sensação de vertigem, um deslocamento, em que o indivíduo perde
a noção do que é real. Esta vertigem gera também um destroncamento da noção de identidade. O
homem pós-moderno não possui identidade única, fixa, imutável, e sim várias camadas que se
complementam e adquirem formas diversas, de acordo com o ambiente ou grupo ao qual se
apresentam. O mosaico de identidades pertencentes a um mesmo indivíduo interage com outros
mosaicos contribuindo para a formação de uma densa massa de intelectos em conversação. Para Flusser
(2004), o intelecto em conversação é um intelecto realizado que, dessa forma, enriquece a língua,
propagando-a para o futuro, conservando e aumentando o território da realidade.

É importante ponderar que, ao difundir-se para o futuro, a língua passa por processos de
modificação, no sentido de adequar-se às formas presentes de comunicação. Neste sentido, o
ciberespaço, “*...+ novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”
(LÉVY, 2000, p.17), pode ser considerado um locus característico da pós-modernidade. É neste ambiente
que se desenvolvem, mais do que nunca (dentro do período em que se tem registro), as potencialidades
da língua.
4. Ciberespaço.

O desenvolvimento do ciberespaço, outro atributo dos tempos pós-modernos, também


contribuiu para o inchaço da noosfera, atualizando as subjetividades que se encontravam em seu estado
virtual. Mesmo nos dias de hoje, em um mundo dominado pela informática, o intelecto desempenha
um papel fundamental para a construção da realidade, pois ainda é um “*...+ elo imprescindível entre o
dado e o cérebro eletrônico *...+” (FLUSSER, 2004, p. 39).

Ao afirmar que o ciberespaço é derivado da conexão mundial de computadores em rede, Lévy


não se restringe aos elementos materiais ou à formação da rede. “O termo especifica não apenas a
infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que
ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.” (Ibid., p.17).

Após o surgimento dos primeiros computadores, em 1945, ainda não era possível prever a
quantidade e a qualidade das mudanças sociais que ocorreriam nos próximos anos. Para Lévy (Ibid.,
p.31), o movimento geral da virtualização da informação e da comunicação iniciou-se a partir da década
de 70, com o desenvolvimento e a comercialização do microprocessador. No início dos anos 90, as redes
de computadores já existentes uniram-se, formando uma grande rede através de uma “*...+ corrente
cultural espontânea e imprevisível *...+” (Ibid., p.32). Surge, então, o ciberespaço: “*...+ novo espaço de
comunicação, sociabilidade, de organização e de transação, mas também, novo mercado da informação
e do conhecimento.” (Ibid., p.32).

Ainda de acordo com este autor, vale argumentar que virtual é um estado “que existe apenas
em potência, não em ato” (2000, p.47). O oposto de virtual não seria então o real. Para Lévy, a realidade
pode se apresentar de duas formas: a virtual, que pode se concretizar, e a atual, que já se concretizou.
Ao transformar a informação em formato digital (através da codificação binária), pode-se armazená-la,
transmiti-la e reconstituí-la integralmente, em qualquer lugar do planeta, até mesmo, anos depois de
seu armazenamento inicial. Com o avanço tecnológico e o desenvolvimento da internet (principal
ferramenta disseminadora da cibercultura), é possível manter uma quantidade muito grande de
informações em seu estado virtual, até que um usuário da rede selecione aquela desejada, permitindo,
assim, sua atualização.

Dentro deste cenário, o comportamento do homem contemporâneo tem sido influenciado por
este novo espaço de comunicação. A ação de transmissão e recepção de informações conta, agora, com
uma nova instância: o poder de interferência em qualquer etapa do processo, desde a criação, produção
e envio dos dados até a alteração ou seleção dos mesmos por parte de diferentes receptores. Estes, por
sua vez, também podem contribuir com a criação, produção e envio desses dados, transformando o
ciberespaço e um ambiente criador e transformador de realidades.
5. Construção da identidade pela (ciber) linguagem.

Qualquer meio de comunicação, inclusive a mídia primária (nosso corpo) e a língua que
falamos, é capaz de moldar e alterar a forma como percebemos a realidade. E não apenas o aspecto
exterior da realidade, mas também a forma como nos percebemos. A internet oferece aos seus usuários
uma gama de possibilidades de comunicação, que parece dar origem a uma nova forma de expressão,
de concepção da realidade. A oportunidade de compartilhar opiniões e pensamentos na rede, de forma
tão abrangente, parece ter dado vazão à eterna procura do ser humano de se entender. É neste
ambiente que o homem tem tentado encontrar espaço para se compreender, encontrar semelhantes,
compartilhar, questionar, buscar respostas. Através da linguagem do ciberespaço, ou da ciberlinguagem,
o homem busca a construção de sua identidade, mesmo que fragmentada ou em mosaico, reflexo da
perda de referências na sociedade contemporânea.

Basta uma breve navegada no oceano de informações da internet para percebermos a


ciberlinguagem auxiliando na construção de identidades em mosaico, cada vez mais expostas,
escancaradas para os intelectos curiosos e ávidos por mais informação.

Ser pensante. Médico especialista em Medicina Interna e Endocrinologia, escritor,


músico, fotógrafo teórico, holoterapeuta e criador da terapia integral, leitor
contumaz de tudo que cai nas mãos, inventor de teorias sociais, antropólogo em
essência, membro do Corpo Clínico do Dr.Gate e Centro Geriátrico Vitalis, artista
plástico em desenvolvimento, atleta não praticante, futuro yogue, presidente da
Medic’Arte, The Brains Corporation, Editora SuperJazz7 e do selo musical Os Decibéis
Impossíveis, membro do Pigmeu Moral, degustador de chá de jasmim, comida
chinesa e sorvete de flocos, colecionador de girafas , colaborador do Núcleo para a
Excelência Humana da UFRGS, freqüentador de brechós, do Sarau Elétrico e da
Cidade Baixa, cultivador em potencial de bonsais, filósofo prático, fã dos Mutantes,
do Frank Jorge e do Luís Fernando Veríssimo, fiel ardoroso das Viagens Etéreas e
Psicodélicas Impressas no Éter Universal, namorado da Carol e editor do site
Simplicíssimo.

Rafael Luiz Reinehr – editor do site Simplíssimo – 2003

O livre arbítrio do autor, ao construir sua autobiografia dentro da sua versão de realidade,
imprime uma sensação de inconsistência. Ele utiliza uma série de características e qualidades, que até
pouco tempo, eram consideradas contraditórias. Hoje, porém, parecem não lhe tirar o crédito, nem
alterar seu caráter original.
FeRnAnDo BaRbOsA... oN tHe RoAd

De família do interior de Minas Gerais, precisamente Itabira, tive o privilégio de ser


gerado com amor, por uma grande mãe, num Belo Horizonte para apreciar. Sob o
signo de capricórnio, primeiro decanato de janeiro, nasci – a data pouco importa . O
que conta é que parece que já estou aqui há alguns milhares de anos – procurando a
cada dia o aperfeiçoamento para o bem viver, o bem estar, aliado ao prazer de ser
útil e poder servir. Do berço que não era de ouro, vem a grande herança que até
hoje procuro administrar com sabedoria – uma boa educação – embora, às vezes sou
colocado à prova. São nesses momentos que realmente crescemos do ponto de vista
evolutivo. Profissional da fotografia, utilizo-a também como instrumento de
crescimento interno e foi num desses clicks que me encontrei – encontrando
também com a própria natureza – de onde então brotou a inspiração para escrever
em fotos, contos, versos e prosa minha trajetória pelos caminhos da cultura.

Fernando Barbosa – fotógrafo - em seu Blog

Percebe-se, nos textos, a busca do ser humano por um “lugar” melhor e o uso da linguagem
para atingi-lo. Flusser (2004) afirmou que o “espírito”, a “intuição” dão sentido aos processos da língua.
O ciberespaço surge, destarte, como o ambiente propício à procura deste sentido, sua morada ideal.

Recentemente, em um programa Saia Justa, no meio de uma discussão sobre o


macho moderno, eu defendi a caça. Disse, basicamente que nós mulheres ganhamos
tanto espaço nas últimas décadas - espaços que foram, desde sempre, redutos dos
homens - e eles ficaram olhando perplexos enquanto avançávamos, esperando que
aquilo fosse apenas uma marola ao invés do grande movimento transformador de
hábitos que a coisa virou. E agora os pobres estão tontos sem ter onde manifestar
sua masculinidade, não têm boi pra laçar, não há duelos de morte, não se enfrenta
um javali para o sustento da família.[...]

Maitê Proença – em seu Blog

Além da busca já mencionada, há a percepção de uma realidade alterada, novas posições


sociais, novas informações, um novo jeito de apreender. A fala mais fluida e direta, a exposição, o
compartilhamento e o arrojo, são traços de destaque da ciberlinguagem.

Neste contexto, o ciberespaço torna-se um espaço adequado, menos burocrático, mais


democrático, para exibição de novos e variados pontos de vista. Portanto, a ciberlinguagem adquire um
papel fundamental na construção da sociedade contemporânea, no qual novas formas de expressão
exteriorizam as novas realidades e, ao mesmo tempo, ajudam a criá-las. A ciberlinguagem se apresenta
como a realidade da cibercultura, “um estilo de comunicação não-midiática por construção”. (LÉVY,
2000, p.224).
7. Referências.

BERTOLDI, Mª Tereza. Pós Modernidade: uma questão em aberto. Revista FAMECOS. Porto Alegre. nº
15, agosto 2001,quadrimestral. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/famecos/pos/revfamecos/15/a14v1n15.pdf > Acessado em: 30/11/2008.

EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Jorge Zahar, 1998.

FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo, SP: Herder, 1963.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Ed. 34, 2ª Ed., 2000.

MORIN, Edgar. O método IV: As idéias. Mem Martins: Europa-América, c1991.

PROENÇA, Maitê. Blog disponível em <http://www.maite.com.br/loader_blog.php.> Acessado em


06/12/2008.

SILVA, Fernando Barbosa. Blog disponível em <http://fernandobarbosaesilva.arteblog.com.br/home/>


Acessado em 04/12/2008.

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