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Cidades para

BRINCAR e
SENTAR
Uma mudança de
perspectiva para o
espaço público

Bernhard Meyer
Stefanie Zimmermann
Cidades para
BRINCAR e
SENTAR
Uma mudança de
perspectiva para o
espaço público

Bernhard Meyer
Stefanie Zimmermann

Tradução: Gehrard Brodt

Brasil
2020

Iniciativa Realização
Todos os direitos autorais estão reservados a
Cidades para brincar e sentar:
Bernhard Meyer, Alemanha, 2020
Os direitos de publicação no Brasil estão uma mudança de perspectiva
reservados ao Instituto Alana, São Paulo para o espaço público
Bernhard Meyer
1ª edição. Ano 2020, São Paulo
Stefanie Zimmermann

Tradução

Sumário
Gehrard Brodt

ALANA Coordenação
Laís Fleury
Presidente
Ana Lucia Villela Coordenação editorial
Regina Cury e Tatiana Cyro Costa (Alemanha)
Vice-presidentes
Alfredo Villela Filho e Marcos Nisti Projeto gráfico, diagramação e ilustrações
Anelise Stumpf
CEO 6 Prefácio
Marcos Nisti Revisão editorial
Laura Leal e William Nunes
Diretora de Gestão de Pessoas e Recursos 10 Introdução. Como um projeto para a cidade começa?
Lilian Okada Revisão técnica
Diana Pallares Silva, Gabriela Callejas, Laís Fleury, Paula
INSTITUTO ALANA Mendonça, Raquel Franzim, Tatiana Cyro Costa e Thaís 13 As vantagens de uma cidade sem barreiras
Oliveira Chita
Diretoras-executivas 14 Capítulo 1. A reconquista do espaço público
Carolina Pasquali e Isabella Henriques Revisão e preparação de originais
Carolina Tarrío e Thaís Oliveira Chita
29 Capítulo 2. Espaços e riscos
Fotos
Acervo pessoal Prof. Bernhard Meyer
41 Capítulo 3. Mudanças de perspectiva
Programa Criança e Natureza Fabian Schumacher (fotografie-schumacher.de)
Holger Hill (holgerhill.com)
Coordenadora
Viviane Tiezzi, BIGRS 46 Capítulo 4. Aprendizagem democrática
Laís Fleury
55 Capítulo 5. As perspectivas singulares de crianças e idosos
Pesquisadora
Maria Isabel Amando de Barros Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 67 Capítulo 6. Cidade para brincar
Assessora Pedagógica
Meyer, Bernhard
Paula Mendonça Cidades para brincar e sentar [livro eletrônico] :
uma mudança de perspectiva para o espaço público /
85 Capítulo 7. Cidade para sentar
Ponto Focal na Alemanha Bernhard Meyer, Stefanie Zimmermann ; [tradução
Gerhard Brodt]. -- 1. ed. -- SÃO PAULO : Instituto
Tatiana Cyro Costa Alana, 2020. 94 Capítulo 8. Uma cidade para quem precisa de mais tempo
PDF
Assessoras de Comunicação
Carolina Tarrío e Raika Julie Moises
Título original: Cities
ISBN 978-65-88653-01-2
104 Autores
Assessora de Articulação e Mobilização 1. Cultura - Políticas públicas 2. Infância -
Thaís Oliveira Chita
Conduta de vida 3. Espaços públicos 4. Espaços 106 Referências bibliográficas
urbanos 5. Mobilidade urbana 6. Planejamento urbano
7. Revitalização 8. Urbanismo I. Zimmermann,
Assessora Editorial Stefanie. II. Título.
Regina Cury
20-48446 CDD-711.4
Assistente Administrativo Índices para catálogo sistemático:
Marlon Silva de Sousa
1. Espaços públicos : Revitalização : Cidade e
cultura : Urbanismo 711.4
Estagiários
Ana Clara Dias e Guilherme França Anastácio Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
brincando nas ruas das grandes cida- pequena cidade reconhecida como Ci-
des, frequentando parques e praças dade para Brincar. O título se deve ao
esforço em recuperar seus espaços pú-
Prefácio durante a sua rotina semanal, ou sim-
plesmente caminhando. blicos para serem mais atraentes para
as crianças e passíveis de serem per-
Como proporcionar a todas elas experi- corridos de forma autônoma pelos pe-
ências lúdicas, seguras e autônomas nas quenos cidadãos. Essa iniciativa foi ide-
cidades? Precisamos pensar em espa- alizada pelo Prof. Bernard Meyer, quem
ços para além das áreas estanques que criou esse conceito, e nos levou para
temos lhes oferecido. Muitos adultos visitar instalações conhecidas como
acreditam que as praças e os parquinhos “companheiros de caminho”, objetos
Como criar cidades mais amigáveis são a chave para as crianças brincarem brincantes dispostos a cada 300m. A
e verdes para todas as crianças? Essa e encontrarem os amigos, mas e os de- ideia é que esses objetos sejam parte
pergunta tem norteado muitas das mais espaços da cidade? O educador e constituinte dos trajetos, compreen-
ações e estudos do programa Criança empreendedor social Tião Rocha diz que dendo a forma como as crianças ex-
e Natureza. Hoje, podemos nos consi- não devemos tirar as crianças da rua, e perimentam a cidade e tornando os
derar uma sociedade majoritariamente sim devolver as ruas às crianças. percursos mais atrativos para que elas
urbana. Mas a urbanização das cidades
desejem andar a pé e passem mais
brasileiras, por vários motivos, resultou Como forma de contribuir com a am-
tempo ao ar livre.
em uma forma de ocupação do espaço pliação do conhecimento e mostrar ex-
que privilegia o ambiente privado em periências de modelos e cidades que Constatei que as crianças brincam não
detrimento da convivência em espaços oferecem boa qualidade de vida para as apenas nos espaços especificamente
públicos, que reduziu as áreas verdes crianças, o programa Criança e Nature- construídos para para esse fim, mas em
e priorizou as ruas apenas para a pas- za, do Instituto Alana, organiza missões toda a geografia percorrida por elas.
“Companheiros de caminho”: objetos não con-
sagem dos carros. A rapidez e a inten- vencionais, que rompem a monotonia dos trajetos
técnicas à Alemanha. Trata-se de viagens Pontos de ônibus, terrenos baldios e os
sidade desse processo causaram mu- de estudos especialmente desenhadas diferentes trajetos urbanos podem ser
danças drásticas em nossa organização para gestores públicos e profissionais espaços mais atrativos, que as estimu-
social, em nossa saúde e na nossa rela- ção, resulta em um estilo de vida mais comprometidos com a qualidade de lem a dominar os próprios caminhos
ção com a cultura e com a natureza. sedentário, que nos empurra para a vida das crianças e com a garantia de sua e percorrê-los mesmo sem o conforto
esfera privada, e impacta diretamente presença no espaço público. dos veículos automotores.
Um processo sistêmico que pouco va- o modo de viver das infâncias nas ci-
loriza o desfrute da vida do lado de dades. Todas as crianças anseiam por Em 2019, durante a realização da mis- O Prof. Bernard Meyer, com o tempo,
fora, e que tem os veículos automoto- liberdade e experiência. Entretanto, é são técnica, visitamos uma iniciativa percebeu que vários objetos da Cida-
res como a principal forma de locomo- cada vez mais raro encontrar crianças muito inspiradora em Griesheim, uma de para Brincar eram também utiliza-

Cidades para brincar e sentar 6 Prefácio Cidades para brincar e sentar 7 Prefácio
dos por pessoas idosas ou com mo- rotas relevantes para as crianças, ma- do que ninguém, têm conhecimento as crianças é uma cidade boa para todo
bilidade reduzida. Isso o levou a olhar peadas por elas, que resultaram, em das melhores adaptações ou transfor- mundo. Quem não gostaria de viver em
os caminhos da cidade sob uma ótica Griesheim, na escolha de 100 locais mações para que plenamente exerçam uma cidade bonita, acessível para todos,
mais inclusiva, com oportunidades para a instalação de objetos de brincar seus direitos de ir, vir, ocupar, expres- facilitadora de vínculos entre os seres hu-
para brincar, sentar e descansar. Dessa e de 145 oportunidades para a perma- sar-se e participar da cidade. manos e entre outros seres vivos, gene-
forma, Griesheim tornou-se, além de nência no espaço público pelos idosos rosa em sua oferta de espaços públicos
uma Cidade para Brincar, também uma ou pessoas com mobilidade reduzida. Cada município constrói sua própria e ambientes de convívio?
Cidade para Sentar. história, e não pretendemos oferecer
São mudanças simples que, amparadas receitas, mas inspiração para políticas Esse é o nosso convite: advogarmos,
Nosso desejo de divulgar essas boas em pesquisas e documentação, con- públicas que consideramos possíveis juntos, por espaços mais amplos, mais
práticas foi a principal motivação para a sistem em manter algo quando é bom, de serem adaptadas e replicadas no lúdicos, naturais, e por tempo e liberda-
tradução desta publicação, cuja inten- mudar algo que está atrapalhando e Brasil, por exigirem, prioritariamente, de para usufruí-los na vida das crianças
ção é descrever um processo de requa- causando desconforto, e adicionar algo a escuta das crianças, uma ressignifica- de todas as idades, de zero a 100 anos.
lificação do espaço público que exigiu, para que o que existe possa se tornar ção do olhar para o espaço público, e
ainda melhor. É possível fazer isso em .
prioritariamente, a ressignificação do a possibilidade de qualificá-lo com pe-
olhar, sob a perspectiva dos que pre- qualquer lugar, em qualquer contexto. quenas intervenções. Laís Fleury
cisam de mais tempo para se mover e
Sabemos que a experiência retratada Assim, como diz o pensador italiano Coordenadora do programa
têm interesse em interagir e desfrutar
ocorre na realidade alemã, bastante Francesco Tonucci, uma cidade boa para Criança e Natureza, do Instituto Alana
da cidade como espaço lúdico, seguro
distinta da brasileira. Nesse sentido,
e de convívio.
sempre que possível, contextualiza-
A tradução da publicação é, para o pro- mos e mostramos exemplos locais,
grama, a oportunidade de difundir um em quadros que foram incluídos ao
estudo de caso que possa ser útil, rea- longo da publicação. Importante res-
lizável com relativo baixo custo e adap- saltar também que, apesar de o livro
tável a cada realidade. não trazer as perspectivas da pessoa
com deficiência, acreditamos no poder
Ela apresenta um passo a passo do da cidade, e também de todas as pes-
processo de retomada do espaço pú- soas, em eliminar as barreiras que im-
blico nas cidades de Griesheim e Brühl, pedem qualquer cidadão e cidadã de
levando em conta a participação e os ocupá-las e desfrutá-las. Para tanto, as
interesses de quem tem sua mobilida- políticas devem ser construídas com a
de reduzida. O texto detalha as etapas intensa participação de todas as pesso-
do planejamento e a identificação de as, sem ou com deficiência. Elas, mais

Cidades para brincar e sentar 8 Prefácio Cidades para brincar e sentar 9 Prefácio
Mudamos para a nossa casa, em qual seria a alternativa. Assim, em 1994,
Griesheim, em 1980. Nossos filhos, To- realizamos a primeira excursão explora-
bias e Stefanie, tinham, então, 7 e 9 anos tória da cidade com crianças.
Introdução de idade. Eles quiseram conhecer os
Após esse percurso, uma nova forma
parquinhos da cidade. Nesse momento,
aproveitei para documentar suas expe- participativa de trazer à tona o conhe-

Como um projeto riências e as compartilhei com o prefei-


to. Seguiu-se então um convite para par-
cimento advindo da experiência das
crianças teve início. Em 2008, com um

para a cidade começa? ticiparmos de uma reunião da comissão


de assuntos sociais da cidade, à qual
novo processo, foi possível, pela primei-
ra vez, desenvolver de forma consisten-
apresentamos diversas sugestões de te “caminhos do brincar”, com sinaliza-
melhorias. Na época, infelizmente, isso ções, objetos brincantes e mobiliário
não gerou um resultado tão lisonjeiro. urbano. Para além dos locais tradicionais
para as crianças (os parquinhos), foram
Voltamos para casa com a sensação es- escolhidos outros 100 espaços, na rua,
quisita de sermos vistos como “demoli- que enviavam uma mensagem explíci-
dores” de uma estrutura estabelecida. ta: crianças são bem-vindas aqui! Assim,
Éramos novos na cidade e ainda tínha- em 8 de setembro de 2009, Griesheim
mos ousado apresentar críticas partin- foi reconhecida como a primeira Cida-
do do ponto de vista de uma criança! de para Brincar da Alemanha.
Isso, definitivamente, não estava em
voga na época. Durante umas férias de outono, no ano
seguinte, parti em nova exploração,
Passaram-se anos. Assumiu um novo dessa vez com minhas netas, Anna-So-
prefeito, Norbert Lebe. Li no jornal que phia, de 9 anos, e Sarah-Maria, de 7
ele queria introduzir uma hora de con- anos. Qual seria o veredito da segun-
sulta e conversa com crianças em sua da geração sobre a cidade? Visitamos
gestão. Aconselhei-o a não fazê-lo. Avi- dez parques infantis para a faixa etária
sei que, uma vez que as crianças viriam delas: três foram avaliados como “ex-
acompanhadas da mãe, pai ou respon- celentes”, cinco eram “muito bons” e
sável, rapidamente se daria ali uma co- dois “bons”. Anna-Sophia comentou:
municação entre os adultos, enquanto “Eu não esperava tantos parquinhos,
as crianças ficariam mais interessadas no tão bonitos. E nada estava quebrado ou
pote de balas. O prefeito me perguntou sujo”. Sarah-Maria acrescentou: “Dese-

Cidades para brincar e sentar 10 Prefácio Cidades para brincar e sentar 11 Como um projeto para a cidade começa?
jo às outras crianças que os seus pais e feitos contrários. Nessas horas, foi pre- As vantagens de uma cidade sem barreiras
suas mães vão com elas visitar todos os ciso apoiar-se em outros colaboradores
lugares. Vale a pena”. Trata-se de um re- e contar com o incentivo que um olhar
sultado significativamente diferente do externo traz, como uma matéria no jor- Uma Cidade para Brincar e Sentar pode
obtido quase 30 anos antes, com meus nal ou uma visita de uma delegação de ser entendida como parte do conceito
filhos. Vê-se que os parques infantis não outra cidade que valoriza os avanços de “cidade sem barreiras”, ancorado nas
são uma questão menor em Griesheim. conquistados. Até que, a certa altura, recomendações da ONU: “O ambien-
tudo caminhou sozinho. A chave está te construído deve ser concebido de
E que os objetos brincantes, nas ruas,
em mudar o tom de cobrança para com modo a poder ser utilizado por todas as
tornam os caminhos entre a casa e os
o poder público, de “você tem de fazer pessoas. Todos os edifícios públicos de-
parquinhos ainda mais atraentes.
tal coisa” para “eu tenho uma sugestão, vem ser acessíveis, sem quaisquer impe-
Com o tempo, percebemos que vários uma opinião.” E começar, mesmo que dimentos particulares”.
objetos da Cidade para Brincar tam- de modo localizado. Reflexivo e cons-
As pessoas que de algum modo têm
bém eram utilizados por pessoas ido- trutivo. Como diz o poeta alemão Erich Assento desenhado para descanso de curta
sua mobilidade reduzida conseguem, duração na Cidade para Sentar
sas, ou com mobilidade reduzida, para Kästner: “Somente o que começa pode
assim, participar da vida diária de uma
parar e descansar um pouco. Isso nos chegar a um bom fim”. Comece! haverá
forma mais autônoma e durante mais
levou a olhar os caminhos sob essa um tempo em que a atenção mundial se dispensando o conforto de automóveis.
tempo, sem precisar de adaptação in-
perspectiva, e resultou na instalação de voltará para isso. Isso contribui para o desenvolvimento
dividual ou assistência especial. Com
mobiliário urbano adicional. A ideia era delas, ao mesmo tempo que melhora
Bernhard Meyer pontos para o descanso espalhados pe-
a de uma cidade que não apresentasse a cidade, uma vez que há o ganho am-
los caminhos, uma muleta, um andador,
barreiras, na qual as pessoas pudes- biental da não utilização do automóvel
ou uma bengala podem ser dispensa-
sem ter uma vida mais autônoma. Em e que a presença das crianças no espa-
dos. E essa mobilidade mantém a vita-
15 de agosto de 2015, Griesheim tor- ço público se amplia.
lidade por mais tempo. Nesse sentido,
nou-se também a primeira Cidade para
a Cidade para Sentar é vista como uma A implementação desses dois concei-
Sentar da Alemanha.
medida preventiva, uma vez que pesso- tos, de uma cidade que oferece possibi-
Lá nos anos 1980, ninguém estava à es- as que de outra forma ficariam em casa, lidades para se sentar e brincar, permite
pera de que todo esse processo aconte- estão aptas a desfrutá-la. que as crianças e pessoas com mobili-
cesse. A ocasião familiar da mudança, a dade reduzida participem da vida social
Por outro lado, criar rotas seguras para a
carta ao prefeito, o comentário a respei- de maneira equitativa. Torna-se, e con-
escola, com pontos de passagem defi-
to da hora de consulta com crianças... tinua a ser, atrativo mover-se de forma
nidos e objetos atraentes pelo caminho,
Foram essas iniciativas diligentes que independente.
dá maior motivação às crianças para do-
desencadearam as mudanças. Claro minarem por conta própria os trajetos,
Pausa para brincar sobre o “companheiro de
que nem sempre foi fácil, já houve pre- caminho” chamado “drippler” Stefanie Zimmermann

Cidades para brincar e sentar 12 Como um projeto para a cidade começa? Cidades para brincar e sentar 13 As vantagens de uma cidade sem barreiras
É evidente que, décadas atrás, mui-
tas situações referentes ao uso do es-
paço público e à nossa vida urbana
Capítulo 1 eram bem diferentes. O que buscamos
mostrar com esta publicação é que o
espaço público para crianças, idosos1
A reconquista do e pessoas com mobilidade reduzida
transformou-se lentamente e, de forma

espaço público quase despercebida, desapareceram


qualidades que atualmente estão ga-
nhando nova importância. O que antes
era algo natural sucumbiu. Os passeios
exploratórios com as crianças por cida-
des alemãs, na década de 1990, que
podem ser considerados a preconcep- Falta de muros baixos diminui as
possibilidades de brincar e descansar
ção das Cidades para Brincar e Sentar,
além de suas implementações em si,
mostram a importância da função des- Estudantes de arquitetura aprendem
se elo perdido. que não existem apenas espaços pú-
blicos e privados, mas também espa-
Por exemplo, os muros baixos que se- ços semipúblicos. Essas áreas, atribu-
paravam as residências das calçadas, íveis a terrenos particulares por um
que convidavam as crianças a andarem lado e, por outro, usadas por pes-
sobre eles e os idosos a descansarem soas que não moram ali, são chama-
um pouco, deixaram de existir. De for- das “áreas de transição” e funcionam
ma gradual, no decorrer dos anos, fo- como um “amortecedor” diante de
ram sendo substituídos por muros mais diferentes reivindicações de usos pela
altos, mudando o cenário de algo que população. Mas, com o espaço priva-
tornava os caminhos mais divertidos do ganhando cada vez mais priorida-
para as crianças e oferecia um ponto de sobre o público, muitas das áreas
de apoio aos idosos. de transição foram desconsideradas
no planejamento urbano. Hoje, esses
interesses se chocam com frequência,
1
No Brasil, considera-se pessoas de 60 anos ou
mais, segundo o Estatuto do Idoso. diretamente nessa fronteira.

Cidades para brincar e sentar 14 Prefácio Cidades para brincar e sentar 15 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
Perderam-se também as escadas nas seguida, desciam pulando, pisando o veis para o espaço público. As funções tornando a pessoa que queira ou pre-
entradas das casas, que antes podiam menor número possível de degraus. das áreas são cada vez mais segrega- cise descansar um obstáculo e, conse-
ser acessadas por quem passava pela das, e existe uma regulamentação para quentemente, um elemento “perturba-
calçada. As crianças subiam, aprecia- Outra qualidade perdida diz respeito a utilização de cada uma, cujo cum- dor” para a cidade. O espaço público
vam uma vista diferente do alto e, em ao rigor na definição dos usos possí- primento é controlado. Existem ainda transformou-se em rota de transporte
percepções e padrões de mobiliário e passagem para os trabalhadores, de
urbano que dão a ideia de que o único carro ou a pé. Quem se locomove so-
lugar para uma pessoa idosa se sentar mente com objetivos profissionais não
pela cidade é um banco. No entanto, conhece mais a perspectiva de usufruir
a essência de qualquer apropriação o espaço público com tempo. Com o
do espaço consiste no fato de nós atual modo de vida urbano, perde-se
mesmos definimos para que serve ou a consciência em relação à qualidade
o que significa algo. A internalização de permanência que oferece a chance
desses mecanismos reguladores e a de a pessoa se tornar parte de uma re-
solidificação de padrões, muitas vezes alidade específica da rua, criando um
atrapalham as decisões de organiza- vínculo com ela. Possibilidades de ex-
ção daquele espaço. A ambivalência periências típicas e únicas, atribuíam a
não é vista como uma oportunidade, cada rua um perfil inconfundível, crian-
mas como um erro a ser corrigido no do uma identidade. Isso está cada vez
espaço público. mais sendo considerado como uma
experiência de infância. E, já na idade
Da mesma forma, hoje são raros os pi- avançada, quando as pessoas come-
2,00 m 0,75 m ≥ 1,20 m sos de calçadas feitos com placas qua- çam a mudar de ritmo, a desacelerar,
(0,50 m) dradas, em tons claros e escuros que, ficam surpresas ao perceber que tudo
antigamente, convidavam as crianças a isso não é mais possível.
Leito carroçável Vagas de Calçada saltarem de uma para outra. Brincadei-
Geralmente, fazemos essa constatação
estacionamento ras como pular amarelinha eram reali-
em planos urbanísticos. Para veículos,
zadas nesse tipo de pavimento. O piso
são previstos dois cenários: 1. Movi-
intertravado, aplicado cada vez mais no
Faixa de serviço (onde mento de A para B – dirigir. Para isso, ga-
colocam-se placas, pos-
espaço público, tornou-se um impedi-
nham sua própria pista; 2. Permanência
Na distribuição de tes, mobiliário etc.) mento às brincadeiras de rua.
espaços, que tal pensar – estacionar. Então, ganham suas pró-
em áreas para pedestres prias vagas de estacionamento. Apenas
Espaços de convivência também fo-
poderem parar e
descansar? ram, aos poucos, deixando de existir, um cenário é previsto para as pessoas:

Cidades para brincar e sentar 16 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 17 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
o movimento de A para B, ou seja, an- A identificação particular que as pesso- Uma lista de possíveis experiências
dar. Para tanto, ganham uma calçada as fazem de cada lugar vem sendo per-
Mapa interno
no espaço da rua, na perspectiva das
de 1,50m de largura2. A rua, como local dida, assim como a orientação a partir crianças, revela o aspecto sensitivo e
de permanência para as pessoas, não é dessas características observadas por A partir das imagens vindas das expe- estético desse processo. Em uma das
levada em consideração. A sinalização elas - “depois de tal árvore ou fissura de riências no entorno, compomos um minhas primeiras pesquisas realizadas
uniforme e a orientação para os sen- uma calçada, sei que falta tanto tempo “mapa interno”. Para isso, são utilizados na cidade de Griesheim (1), estímulos
tidos das pistas enfatizam o caráter da até chegar ao ponto que preciso” - isso itens exclusivos, inconfundíveis e espe- óticos (42,5%) são mencionados com
rua apenas como uma via de transporte. é eliminado, restando apenas atraves- mais frequência, como espionar uma
cíficos para a criança, com os quais ela
sar a distância entre A e B. Chamamos janela de porão. Subir e descer uma
se orienta. Um projeto de rua uniforme,
essa identificação de “mapa interno”. rampa compõem o segundo estímulo
As crianças se orientam a partir de
sem pontos de referência com caracte-
elementos específicos, que precisam rísticas singulares, contribui para a falta (35%), como incentivo para movimen-
estar no seu raio de visão, que é tos. Em terceiro, aparecem cenários
de orientação. Embora até os adultos
diferente daquele do adulto
tenham a mesma sensação em con- que despertam curiosidade e prome-
juntos habitacionais de prédios altos e tem experiências (22,5%), como exami-
padronizados, isso não é evidente em nar o Sperrmüll pelo caminho, que são
outras áreas residenciais. Para eles, a resíduos de valor e de grande dimen-
diversidade do desenho das fachadas são, como móveis ou restos deles. Ex-
fornece uma imagem individual. Mas periências referentes ao tato ocupam a
as crianças não enxergam isso. Um ca- quarta posição (20%): raspar a mão em
17’9’’ uma cerca enquanto se está passando
minho onde nada se apresenta para
50º
elas, no qual não podem tocar, pular, por ela. Nas posições finais, encon-
70º
se divertir, onde não se relacionam, tram-se experiências acústicas (7,5%) e
95 cm
pode ser, além de confuso, entediante. olfativas (5%). Cheirar flores e balançar
a tampa de uma caixa de correio encai-
10’ O número crescente de carros vem xam-se nessa categoria. Das 142 ruas
15’
25’ 25’ tomando o espaço da rua dedicado examinadas, 35 (24,6%) não possuíam
aos pedestres. Os terrenos e edifícios nenhuma dessas qualidades de expe-
também se fecham cada vez mais para riência. A maioria das ruas, 84 (59,2%),
as ruas, com cercas e muros que limi- oferece de um a dois itens nesse senti-
2
Nas cidades brasileiras, a largura da calçada é definida de pessoas que deve estar desobstruída – , é de tam o olhar de dentro para fora e de do. Ruas com uma variedade maior de
em função da norma NBR9050 Acessibilidade a 1,50m, sendo que o mínimo admissível é 1,20m. Os
edificações, mobiliário, espaços e equipamentos municípios definem a largura mínima dos passeios fora para dentro. As crianças, além de itens, com qualidade de experiências,
urbanos, da Associação Brasileira de Normas de acordo com essas diretrizes, e as dimensões não possuírem uma visão geral do seu foram encontradas apenas 23 vezes
Técnicas (ABNT). De acordo com ela, a “faixa livre” exigidas podem variar de acordo com o tipo de via
recomendada – parte da calçada usada para fluxo ou bairro em que a calçada está. entorno, estão tendo menos insights. (16,2%), sendo 13 ruas com três es-

Cidades para brincar e sentar 18 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 19 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
tímulos; oito ruas com quatro, e duas rijo, como local de retiro ou como local
ruas com cinco. para ficar por um certo tempo (3)”. Há
A rua é para todo mundo
mais de 40 anos, ela enfatizou que es-
Johan Galtung, sociólogo norueguês, sas pequenas áreas fazem parte de um
denomina violência estrutural aquela sistema de espaço livre. “Elas são inter-
para a qual não é possível identificar o ligadas por caminhos e formam a es-
ator (2). Essa violência difusa é exerci- trutura do território do brincar para um
da sobre as crianças devido à falta de grupo de crianças”.
visão geral, de opções de permanên-
cia, de orientação e de estímulo. Mas A redução da rua às funções de cir-
isso não é percebido pela maioria dos culação de motoristas, ciclistas e pe-
adultos, já que eles vivenciam o espa- destres ignora as necessidades de
crianças, idosos e pessoas com mobi- Intervenção
ço público desde uma ótica e interes- temporária realizada
ses diferentes. lidade reduzida. Dessa maneira, lhes em São Paulo que,
é retirada, sem reflexão, a base para em vez de priorizar
os veículos, valoriza
O que para adultos se apresenta como os processos de apropriação, de de- a mobilidade a pé
“visão geral” é, na perspectiva de uma cisão e de comunicação que desen- de crianças no
criança de 70 a 90 cm de altura, um ca- volvem e sustentam a vida. Se o espa- entorno escolar

minho único com um final imprevisível. ço da rua não possui essa qualidade,
O infinito, para elas, começa a partir de esses grupos evitam cada vez mais
10 m. Quando essa distância se con- ficar em frente à porta de casa. Uma Criado para melhorar a mobilidade dos estudantes do bairro faz o trajeto
clui, resta um novo infinito uniforme. rua com tráfego intenso, que coloca a em áreas escolares, o Programa Rota de casa para a escola a pé.
Por isso, é compreensível quando, de vida em risco, resulta em uma espécie
Escolar Segura teve seu projeto piloto
repente, um chiclete grudado na calça- de “privação da liberdade”: um espa- Utilizando materiais de baixo custo e
implantado no Conjunto Habitacional
da se torna interessante. ço com latente hostilidade à vida, que fácil remoção, como tintas, cavaletes e
José Bonifácio - Setor 4, em Itaquera,
não conhece a transição entre privado plantas, foram realizadas melhorias nas
A cientista Inge Thomas apontou, já em na Zona Leste da cidade de São Paulo,
e público, nem espaços de descanso ruas e interseções para tornar a circu-
1979, que até as áreas de recreação pe- em maio de 2018 (4). A região foi es- lação de pedestres mais segura. Para
e de livre uso. A falta de avaliações
quenas (ou de dimensões reduzidas) colhida por seu adensamento popu- conhecer os caminhos mais usados, foi
de impacto durante o planejamento
são importantes. “Em um sistema de e a predominância de soluções nor- lacional e pela grande quantidade de realizada uma pesquisa com motoris-
espaços abertos de brincar na cidade, mativas geralmente impedem como escolas que concentra. Ali, segundo tas de transporte escolar, professores,
todas as áreas contam, mesmo aquelas urbanistas e tomadores de decisão, levantamento da Companhia de En- diretores, pais, mães ou responsáveis e
com apenas alguns metros quadrados, percebam que a qualidade de vida genharia de Tráfego (CET), quase 70% as próprias crianças e adolescentes.
pois podem ser usadas como esconde- do entorno está sendo perdida.

Cidades para brincar e sentar 20 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 21 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
A área do piloto foi delimitada, e várias incentivou um maior cuidado para com A população será, no futuro, significati-
alterações foram previstas: a implanta- as crianças e adolescentes, além de vamente mais velha do que é agora: as
ção de rotatória com avanço de pas- uma percepção geral da importância projeções para o Brasil estimam que,
seio, chicana3 (5), lombadas, 21 novas da educação para o trânsito. em 2043, um quarto da população terá
faixas de travessias, seis faixas de pe- mais de 60 anos. Hoje, esse número é
destres com canteiro central de apoio, Realizado pela prefeitura de São Paulo, de 28 milhões de pessoas, o que repre-
semáforos para pedestres e alteração o projeto contou com a parceria da Ini- senta 13% da população (8). Por isso,
de circulação de algumas vias próxi- ciativa Bloomberg para Segurança Glo- nessa discussão, o número crescente
mas às escolas, além de melhorias na bal no Trânsito e Iniciativa Global de de idosos recebe mais atenção do que
sinalização de embarque e desembar- Desenho de Ruas (NACTO-GDCI), do a queda dos números de jovens.
que de veículos escolares.
Instituto de Políticas de Transporte & Para o espaço público, no entanto, a
Observou-se um aumento no respeito Desenvolvimento (ITDP) e do Fatec Ita- mudança demográfica não deve ser
à sinalização e mudanças de compor- quera. Mais detalhes, acesse o vídeo: vista como uma questão de quantida-
tamento: a transformação do ambiente https://vimeo.com/291131844 (6). de, mas de qualidade, que afeta aque-
Bancos circulares proporcionam poucas
les que se deslocam a pé, não importa
experiências de troca entre as pessoas
se, futuramente, haverá menos ou mais
pessoas nessas condições.

Mudanças demográficas
Quem não encontra regularmente (pela sombra e proteção da planta) e Raio de exploração
com outras pessoas no espaço públi- direcionados para fora. A disposição
co, possui apenas uma noção abstra- circular deles permite que as pessoas Imigração ou emigração, taxa de nata-
ta de “comunicação”. Um exemplo: olhem para fora, para longe e, no má- lidade, mortalidade. Esses são os três Em assessoria a municípios alemães,
bancos colocados ao redor de árvores ximo duas pessoas, sentadas ao lado fatores centrais para o desenvolvimen- o que foi percebido é que as crianças
uma da outra, conseguem se ver, o que to demográfico. A gradual mudança classificam as ruas nem como particu-
resulta numa situação de baixo valor estrutural que o acompanha, transfor- larmente boas, nem como ruins. São,
como experiência. A perda gradual das ma visivelmente as sociedades. Devido acima de tudo, chatas. Em 2000, um
qualidades do espaço e a sua redução à tendência de cada vez mais países dos estudos apontou que 52% de 1.036
3
A chicana é um desvio artificial que leva a uma
redução na largura da via. Chicanas podem ser funcional levaram a consequências terem uma maior expectativa de vida crianças em idade escolar considera-
úteis em vias retas localizadas em longas quadras
para evitar que veículos possam tomar maiores
que hoje se mostram evidentes. Isso da população urbana, e um declínio si- vam as ruas geralmente entediantes.
velocidades, já que os impedem fisicamente. Pontos afeta as pessoas que têm outro ritmo multâneo da taxa de natalidade, a por- Em outra pesquisa, já em 2016, com
de ônibus ou até locais de estacionamento de
bicicletas costumam ser usados nas chicanas para de mobilidade: crianças, idosos e pes- centagem de idosos está aumentando 117 alunos, essa porcentagem alcan-
melhor aproveitamento dos espaços. soas com mobilidade reduzida. em comparação à quota de jovens (7). çou 61%. Esses resultados não surpre-

Cidades para brincar e sentar 22 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 23 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
endem, se levarmos em consideração ampliação, também não corresponde
que os caminhos percorridos por elas a uma realidade em que essa expansão Crianças confinadas
estão entre duas paredes – as da casa e ocorre inicialmente de forma muito rá-
as do carro – e ainda complementados pida porque, nos anos iniciais, os adul- Diversas pesquisas demonstram que as Fazer algumas tarefas para a família -
por pavimentos “monótonos”. tos assumem as funções de transporte crianças são prisioneiras em suas pró- como pequenas compras ou consertos
para espaços remotos que, no entanto, prias casas e perderam significativamen- em lojas - era um hábito muito comum.
permanecem isolados e desconectados te a liberdade de se movimentar com No entanto, hoje, duas em cada três
entre si, como ilhas de experiência. autonomia pela vizinhança onde moram. crianças de 10 anos nunca foram sozi-
Em uma única geração, a partir dos anos nhas a uma loja ou a um parque (11). A
Assim que as crianças começam a ex- 1970, o raio de ação das crianças - a área pesquisa Good Childhood Inquiry, ide-
plorar seu mundo de maneira indepen- à volta da sua casa que podem frequentar alizada pela Children’s Society (2007),
dente, porque são física, psicológica e sem supervisão - diminuiu quase 90% (9). revelou que quase metade dos adultos
socialmente capazes de fazê-lo, seu raio avaliam que uma criança deve ter no
de movimentos diminui drasticamente. Em 1971, 80% das crianças entre 7 e 8 mínimo 14 anos para poder sair de casa
A maneira como a nova expansão ocor- anos de idade iam caminhando para sem supervisão - um número muito di-
re depende, em grande parte, da ava- a escola, muitas vezes sozinhas ou ferente de apenas uma geração atrás.
liação dos pais, mães e/ou responsáveis acompanhadas de seus colegas. Ape-
sobre o potencial de risco. Esse proces- nas duas décadas mais tarde, a situa- Se a maioria das crianças, atualmen-
so nem sempre foi assim, mas tornou-se ção mudou completamente: menos de te, não está autorizada sequer a andar
resultado de uma realidade criada por 10% tinham essa rotina - e quase todos pela própria rua onde mora, as chan-
adultos, que provoca isolamento. faziam o percurso supervisionados pe- ces de elas explorarem o mundo natu-
los seus pais (10). ral sozinhas são mais remotas ainda.
Ocorre que a constatação técnica é
Nos anos iniciais, os adultos assumem o uma coisa, e a consciência política, ou-
transporte para espaços remotos
tra. Em 1994, defendi com certa ironia
o padrão de rodovias nas ruas residen-
Me referi ao “pedestre parado” como Empurrados
elemento do trânsito: “A rua não é ape-
Parece ser fato consumado em estudos ciais. “Assim, como existem acostamen- para a vida privada
relevantes que o raio de ação dimi- tos ao longo da rodovia para carros, nas uma via de tráfego, mas também
nui com o aumento da idade. Pessoas seja por condições precárias de rodar um lugar para ficar, permanecer. Ser
ou por outras questões, também deve pedestre sempre sugere um movimen- A literatura sobre como se vive na
idosas tendem a permanecer mais em
haver áreas de descanso nas ruas resi- to. Mas há também a pessoa que fica velhice mostra que a moradia está se
suas casas e nos arredores imediatos.
denciais, para que uma pessoa possa parada no espaço da rua. Também pre- tornando, cada vez mais, o centro da
O clichê da criança em crescimento, cujo parar e descansar sem se tornar um ele- cisamos de ‘vagas de estacionamento vida dos idosos. Ao mesmo tempo, o
raio de exploração está em constante mento perturbador (12).” para pessoas (13).’” raio de ação, no sentido espacial, é re-

Cidades para brincar e sentar 24 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 25 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
duzido. Constata-se, em geral, que os Em relação ao espaço público, interes- var as pessoas a habitar esses espaços,
idosos estão mais focados em suas ca- sa menos a atividade em si do que os por meio de iluminação adequada e
sas e arredores imediatos. Autores asso- aspectos que atrapalham a execução equipamentos cuidados e desenhados
ciam essa redução do raio ao aumento dessa atividade. As limitações físicas a partir da escuta e das necessidades
da idade, com ênfase particular na sus- pessoais são rapidamente identifica- dos usuários, eles se tornam mais segu-
cetibilidade para doenças e na debi- das como a razão pela qual o raio de ros (18). Esse é o conceito fundamental
lidade. Distingue-se entre o “externo”, ação é reduzido. E a proporção do po- de uma cidade viva: espaços ocupados
atribuído a pessoas de 65 a 79 anos, e tencial de impedimento no espaço ex- tendem a diminuir a sensação de inse-
o “interno”, conferido a pessoas de 80 a terno é desconsiderado. gurança das pessoas.
94 anos de idade (14) (15) (16) (17).
Muitas vezes, o comportamento do
Há um comportamento muito comum usuário não é levado em conta no pro-
das pessoas quando vão sair de casa, so- jeto do espaço público, ele se torna
bretudo as mais idosas: elas se pergun- uma reação ao ambiente construído. Rua como espaço
tam se recursos pessoais – seu corpo, No entanto, tentamos buscar razões
sua resistência física etc. – são suficientes de ordem individual para entender o
Segundo Rönnebeck, passaram-se, no
comportamento das pessoas neles. As
máximo, 200 anos entre a percepção
Idosos: sua autonomia na cidade depende de condições socioespaciais são frequen-
como o espaço os acolhe
de que a rua consiste em uma “sequên-
temente aceitas como inalteráveis, e cia de pátios de entrada”4 em frente às
a sua real ou potencial influência no casas, e a avaliação de que o termo rua
para encarar as exigências do trajeto e comportamento das pessoas não é significa “uma pista técnica de locomo-
do espaço a ser visitado. É quase um ri- adequadamente respeitada. ção ou uma via de circulação” (19). Ao
tual de preparo para a saída. Nesse mo-
mesmo tempo, a rua representa a his-
mento, experiências anteriores, condi- Entre os obstáculos objetivos, há tam-
tória da separação entre comunicação
ções próprias e do espaço público estão bém avaliações individuais que se re-
pública e privada. Embora o espaço da
relacionadas entre si. Ocorre uma espé- fletem, por exemplo, no sentimento
rua fosse público, tornou-se, como mos-
cie de mensuração para determinar se, e da segurança pessoal. Nesse contex-
tra o termo “pátio de entrada”, uma área
em que medida, a realização do objetivo to, predomina a discussão sobre vio-
adicional para interesses privados com
está em risco. Se o resultado for incerto lência e criminalidade. A sensação de
ou se forem levantados muitos impedi- insegurança, aspecto geralmente liga-
mentos, isso poderá levar a estratégias do à criminalidade, é acentuada pela
de substituição. Por exemplo: quem ausência de pessoas em determinado 4
Expressão usada por Thomas Rönnebeck
pode realizar as tarefas por mim? Eu re- espaço ou equipamento público. Estu- (Rönnebeck, 1971) que, aproximada à realidade
Elementos lúdicos quebram a monotonia brasileira, seria equivalente ao jardim ou quintal em
e ajudam crianças a ser orientarem almente preciso disso? dos mostram que, se conseguimos le- frente à casa.

Cidades para brincar e sentar 26 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 27 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
tarefas domésticas, espaço para brincar, do, como o plebeu, o morador de rua
festas e reuniões. A rua tinha uso públi- e o vagabundo (20).
co e privado ao mesmo tempo.

A industrialização, acompanhada pela


Enquanto antigamente a rua era carac-
terizada pela interligação do público
Capítulo 2
divisão do trabalho, pela separação de e do privado, hoje há uma separação
funções e pela centralização de insta-
lações, trouxe não apenas uma separa-
cada vez mais abrupta entre as duas
esferas. Já em 1993, Antje Flade rela- Espaços e
ção entre moradia e lugar de trabalho,
mas também um aumento do trânsito
tou estudos finlandeses e espanhóis
que mostraram o desaparecimento de riscos
de pessoas e bens. As ruas, cada vez espaços do brincar, como pontos de
mais entendidas em sua função apenas encontro para certos grupos específi-
como meio para o transporte, perde- cos, devido à exploração do mercado
ram suas funções complementares, até imobiliário (21).
então existentes. O uso público e a res-
ponsabilidade privada desmoronaram.

Apesar da supressão de seu caráter


multifuncional, apesar da separação
da comunicação pública e privada, a
rua continua tendo um efeito socia-
lizante. Como ponto de transbordo
para o fluxo de veículos, bens e mer-
cadorias, ela é, por um lado, definida e
acessada por interesses econômicos.
Por outro lado, possui espaços ocio-
sos, prontos para serem ocupados.
Jürgen Zinnecker ressalta que crian-
ças e jovens assumem dois papéis
nesse espaço: o de cidadão comum,
como comprador, consumidor e par-
ticipante do trânsito, e o de persona-
gem histórico reprimido e desaprova-

Cidades para brincar e sentar 28 Capítulo 1 . Retomada do espaço público Cidades para brincar e sentar 29 Capítulo 2 . Espaços e riscos
A noção de espaço público não é algo da dessa forma, ela pode vivenciar
dado ou facilmente compreendido ao sua socialização mais ativamente,
Direito à cidade
longo das nossas vidas. Herlth e Stroh- especialmente se a posição a ela
meier apontam que, ao lidar com seu concedida permitir uma certa liber- Uma referência brasileira fundamen- bana (27): “Compartilhamos uma visão
mundo de experiências, o aprendizado dade no desenvolvimento do com- tal para essa discussão é o Estatuto da de cidades para todos e todas, aludin-
para a criança só é possível se as cir- portamento” (24). Cidade, criado em 2001, pela Lei fede- do ao uso e ao gozo igualitários de ci-
cunstâncias forem comunicadas social- ral de n.º 10.257 (26), que “estabelece dades e assentamentos humanos, com
mente (22). Pouco a pouco, os ambien- • As crianças devem ter a possibili- normas de ordem pública e interesse vistas a promover a inclusão e a asse-
tes físico e social se refletem em sua dade de apropriar-se de lugares, social que regulam o uso da proprieda- gurar que todos os habitantes, das ge-
estrutura psicológica. Nesse processo, ou seja, de construir relações com o de urbana em prol do bem coletivo, da rações presentes e futuras, sem discri-
segundo Trescher, é importante que a ambiente, atribuindo-lhe um cunho segurança e do bem-estar dos cidadãos, minação de qualquer ordem, possam
estrutura externa transmita objetivida- próprio e participando ativamente bem como do equilíbrio ambiental.” habitar e produzir cidades e assenta-
de e segurança, o que contribui para a de sua mudança. mentos humanos justos, seguros, sau-
estabilidade do indivíduo, tornando-se Já no âmbito global, o conceito de dáveis, acessíveis física e economica-
Se, no entanto, a estrutura externa for “direito à cidade”, o pensar a cidade a
parte da sua estrutura interna (23). As- mente, resilientes e sustentáveis para
desaparecendo, de acordo com Tres- partir e em função das pessoas, foi dis-
sim, desenvolve-se uma abordagem re- fomentar a prosperidade e a qualidade
cher, aquelas crianças cujos sistemas cutido durante a Habitat III – Conferên- de vida para todos e todas. Registramos
flexiva com o ambiente. Porém, a quali-
de regulação interna encontram-se ins- cia das Nações Unidas sobre Moradia os esforços empenhados por alguns
dade dessa da conexão é colocada em
táveis estão em risco (25). e Desenvolvimento Urbano, da Orga- governos nacionais e locais no sentido
xeque quando ocorre uma expansão
em pontos ilhados – “ilhamento” (per- nização das Nações Unidas (ONU), em de integrar essa visão, conhecida como
A falta de parâmetros da criança ou do
da da experiência integrada) ou um re- 2016, em Quito (Equador). E incluído ‘direito à cidade’, em suas legislações,
conhecimento de ordens pré-existentes
cuo gradativo à casa – “confinamento” no documento final Nova Agenda Ur- declarações políticas e estatutos.”
(por exemplo, das regras de uso estabe-
(redução de experiência). lecidas em um parquinho) e o seu dese-
jo de apropriar-se do espaço, tendem a
A redução da experiência e a limitação
fazer com que ela crie suas próprias re-
de experiências integradas têm impacto
gras. Quando participam das decisões O território público é caracterizado Stea (28) e Brower (29). Com isso, no
retroativo na socialização das crianças.
sobre os usos dos espaços públicos, pela liberdade de acesso, por um entanto, atravessa-se a fronteira que
Os estudos de De Lauwe, em 1977, mos-
ajudando a definir as determinações de lado, e por restrições de comporta- entende o território apenas como um
tram a importância de dois processos:
utilização, a escolha dos mobiliários e mento, por outro. Opções de acesso espaço físico. Ele é, ao mesmo tempo,
• O ambiente deve possibilitar a suas disposições, as crianças, além de e ação, controle social e segurança físico e social.
leitura da sociedade, para que a ampliarem seu repertório, sentem-se de permanência emergem como ca-
criança possa situar-se em seu am- engajadas no sentido da criação das re- racterísticas, se levarmos em conside- O trabalho pioneiro da pesquisa alemã
biente social e familiar. “Assegura- gras e tendem a não transgredi-las. ração os aspectos mencionados por de socialização de Muchow/Muchow

Cidades para brincar e sentar 30 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 31 Capítulo 2 . Espaços e riscos
(30) já enfatizava isso ao estabelecer Território como A partir do apartamento ou da casa, e Do ponto de vista de uma pessoa adul-
uma distinção entre o espaço: da rua residencial, o espaço das crian- ta, isso parece lógico, uma vez que ela
desenvolvimento infantil ças vai se propagando em raios. Em própria viu sua liberdade aumentar con-
• Onde a criança vive (quadro atribu- geral, os raios centrais tomam a forma forme seu desenvolvimento. “Você ain-
ído de oportunidades); da é pequeno demais para isso”, eram,
de anel e são estreitamente interligados
Essencialmente, identificamos três mo-
ao redor da área de moradia, enquanto e em certa medida ainda são, estereóti-
• Que a criança experimenta (experi- delos que abordam o aspecto territorial
ências reais); os raios periféricos irradiam de maneira pos relacionados às crianças.
do desenvolvimento infantil: o de cres-
cimento concêntrico, o de ilhas aditivas mais rarefeita e, geralmente, conectam-
Essa associação ao crescimento era algo
• Que a criança vivencia (comporta- e o de “enclausuramento”. -se mais soltos com o centro. Essa ex-
mento de uso real). quase absoluto e ficou evidente não
tensão concêntrica é mencionada tam-
apenas com os estudos de Harms, em
bém por Pfeil (33). Ao redor do centro,
Com o desenvolvimento da abordagem Berlim (35), no qual foram registradas,
1. Modelo de crescimento concêntrico da área íntima da família, encontra-se o
social-ecológica, Bronfenbrenner (31) entre outras informações, críticas empí-
primeiro anel, o mundo do bairro e dos
mostra que, no processo de socialização, ricas ao modelo de zonas. “Ignorou-se”
prédios e casas. O segundo, resulta do
um papel importante é atribuído não também que, dez anos antes, Bahrdt já
campo de ação da mãe. E um terceiro
apenas às possibilidades espaciais en- Município havia apontado que, nos entornos, de-
constrói-se por meio dos parentes, de
contradas, mas também aos pais, mães Rua terminadas áreas que ele chama de “zo-
conhecidos e de destinos de passeios.
e/ou responsáveis que propiciam o aces- nas cinzas” ou “buracos” (36), continua-
so a elas. Ele os vê influenciados pelo O conceito “home-range”, de Van Vliet vam inexploradas. Todavia, a seleção e
ambiente de tal forma que isso ecoa em Apartamento os espaços vazios abalam a previsibili-
(34), estabelece como base lugares que
ou casa
suas atitudes e em seu comportamento a criança pode procurar sozinha e sem dade de um desenvolvimento, suspen-
em relação aos filhos. Proibições, deter- pedir permissão. A disponibilidade deles dem os ritos de iniciação das crianças e
minações, apoio e solicitações refletem aumenta com a idade e com o seu cresci- tornam-se relevantes para o risco.
um ambiente experimentado e social- mento, promovendo, assim, esse desen-
mente transmitido pelos adultos. Isso volvimento. Especialmente os arredores
contrasta com a visão da criança que de casa, como playgrounds e instituições
teve outras experiências ou nenhuma de atendimento ao público infantil, pro-
que possa ser comparada. Ela vai apren- Muchow/Muchow (32) partiram do prin- porcionam às crianças autonomia e inde-
dendo, reconhecendo que o espaço físi- cípio de unidade inseparável entre as pendência, além de novas experiências.
co é transmitido e controlado socialmen- pessoas e o ambiente. Eles examinaram
te. Dessa forma, cria-se, no decorrer do o espaço de ação de alunos de diferen- Essas percepções consolidaram-se na
processo da socialização, uma diferença tes tipos de escolas e elaboraram, a par- Europa porque correspondiam social-
entre o quadro atribuído de oportunida- tir do aumento do espaço de circulação, mente a uma ideologia de progresso Espaços que estimulam desafios, com risco
des e o real comportamento de uso. um modelo de crescimento em esferas. moldada pelo crescimento das cidades. controlado, são benéficos para as crianças

Cidades para brincar e sentar 32 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 33 Capítulo 2 . Espaços e riscos
2. Modelo de ilhas aditivas racos”. A decisão sobre quando quais mente na companhia de um adulto. As
ilhas são visitadas depende dos inte- capacidades físicas e socialmente ad-
resses dos adultos. quiridas não podem ser colocadas em
uso no ato de andar de bicicleta, por
Centro Centro No entanto, assim que a criança é fi-
da cidade juvenil exemplo. O estoque de “experiências
sicamente capaz de se mover de for- ilhadas” vai crescendo. Mas a adição
ma independente, o espaço da expe- das partes não compõe um todo. As
Amigos riência diminui drasticamente. Como ilhas geralmente permanecem desco-
antes, as ilhas podem ser visitadas so- nectadas entre si.
Ilha de
Parentes moradia Escola

Lanchonete 3. Modelo de “confinamento”


dos alunos

Discoteca Cursos
Amigos

A classificação social também se re- Uma imagem de mundo que se expan-


Clube Parentes
flete nas experiências individuais de de lenta e continuamente, de acordo
crianças que permanecem desconec- com a idade da criança e o aumento Ilha de
moradia
tadas entre si. De acordo com o “mo- de sua autonomia, com exceção de al-
delo de ilhamento” de Zeiher (37), a guns momentos de excursões e de fé-
apropriação das ilhas ocorre indepen- rias, não faz sentido sob o ponto de vis-
dentemente da localização e distância ta das ilhas aditivas. Enquanto a criança
Escola
reais, dentro de um espaço total. “O não puder se mover de forma indepen- de música Escola
espaço vital não é um segmento do dente ou apenas for capaz de explorar
mundo espacial real, mas consiste em pequenos raios, ela é transportada
partes singulares e separadas que se para muitas “ilhas” de experiência e,
encontram espalhadas, como ilhas em portanto, conhece um grande número Jürgen Zinnecker aponta para um de- biente de vida das crianças é deslocado
um espaço total maior, que é desco- de locais não interligados e não des- senvolvimento no sentido contrário, para espaços protegidos, separados do
nhecido como um todo ou pelo menos cobertos por ela. O carro, como meio que limita os espaços de ação de uma ambiente natural, delimitados por locais
não tem importância.” de transporte, cria “zonas cinzas” e “bu- maneira qualitativamente nova. “O am- de ação e por outras faixas etárias (38).”

Cidades para brincar e sentar 34 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 35 Capítulo 2 . Espaços e riscos
Origem social
Período Cidade de muros
1800 1900 1990
Família O apontamento de Jürgen Zinnecker Ela afirma que a segregação social e
Infância caseira Infância caseira Infância caseira nos remete aos “enclaves fortificados” espacial cria “padrões de diferenciação
classe alta
Família (40) termo cunhado pela antropóloga social e de separação, revela os princí-
Infância voltada à rua Combinação rua/casa Infância caseira brasileira Teresa Caldeira como instru- pios que estruturam a vida pública e
classe média
Família mento do padrão de segregação social indica como os grupos sociais se inter-
Infância voltada à rua Infância voltada à rua Infância caseira e espacial no ambiente urbano. Para ela, -relacionam no espaço da cidade.” Dos
classe operária
Desenvolvimento histórico do recuo à casa (Zinnecker 1980, 152)
são “espaços privatizados, fechados e anos 1980 para cá, transformações na
monitorados para residência, consumo, capital paulistana, foco do livro de sua
Esse processo ocorre no contexto da vertida, pode-se afirmar que, quanto lazer e trabalho”. A autora acredita que autoria Cidade de muros: crime, segre-
urbanização e industrialização. Pro- mais imprevisível o espaço da rua se essa condição está transformando sig- gação e cidadania em São Paulo, ge-
cura-se “isolar as ações sociais umas apresenta, mais forte será a tendên- nificativamente a vida e os espaços pú- raram uma proximidade de moradias
das outras com a ajuda de fortifica- cia ao “confinamento”. Dessa forma, blicos, pois em cidades fragmentadas entre diferentes classes sociais. Porém,
ções permanentes e, dessa maneira, o modelo de ilhas aditivas e o pro- por eles, “é difícil manter os princípios elas se mantêm separadas por “muros
criar áreas de ação mais estáveis e cesso de “confinamento” podem ser de acessibilidade e livre circulação que e tecnologias de segurança, e as pesso-
mais previsíveis (39).” De forma in- relacionados. estão entre os valores mais importantes as tendem a não circular ou interagir em
das cidades modernas.” áreas comuns.”

Riscos como frutas maduras e exuberantes. Não há


ninguém ao redor para impedi-la de
oportunidades
catá-las. Basta subir na árvore e já es-
tará pronta para realizar seu desejo.
Diante da diminuição de experiências Algumas crianças evitam esse desafio,
adquiridas pela criança nos espaços, a outras o enfrentam mesmo sem êxito.
tendência é os adultos criarem maior Elas podem escorregar, cair, arranhar a
aversão ao risco e, por consequência, pele, mas também alcançam seu obje-
aumentarem a necessidade de controle tivo. Apenas o enfrentamento pesso-
da vivência da criança no espaço. al do risco provoca uma sensação de
orgulho na criança. São essas peque-
Consideremos esta situação: a crian- nas “vitórias” que mais tarde cons-
Muros altos separam o espaço privado do público, gerando segregação e insegurança nas ruas ça está em frente a uma árvore com truirão a sua estrutura da memória.

Cidades para brincar e sentar 36 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 37 Capítulo 2 . Espaços e riscos
por meio da experiência pessoal ou direcionadas apenas para bens insufi- esteja seguro no carro. O componente
porque o conhecimento nos foi social- cientes. Em outras palavras: a ocorrên- de risco que esse motorista representa
mente transmitido. Nesse sentido, de- cia de necessidades é sempre um sinal com seu veículo e seu estilo de condu-
SAIBA MAIS vem ser vistos como parte integrante de que os objetos em questão se torna- ção não é considerado. Esse detalhe
do processo de civilização. ram exíguos, ou melhor, cria-se uma es- só entra na consciência – e só em rela-
Acesse os vídeos do programa cassez artificial. Considerando os riscos ção aos outros participantes do trânsi-
Criança e Natureza sobre esse tema: De uma perspectiva adulta, no entanto, e as ameaças crescentes que existem na to – quando o filho caminha sozinho no
a percepção de que um risco também sociedade, a segurança está se tornan- espaço da rua. É aqui que a incerteza
Quando o risco vale a pena pode ter um efeito produtivo foi per- do escassa, o que cria a necessidade de e o risco falam mais alto, e estratégias
https://criancaenatureza.org.br/ dida. Situações ameaçadoras de risco “obtê-la para qualquer ameaça”. Mas se radicais parecem ser as únicas formas
acervo/quando-o-risco-vale-pena/ nuclear e ecológico, discutidas todos os isso não for uma questão de confiança seguras para lidar com o problema.
A criança que se sente capaz dias, por exemplo, tomam por completo pessoal dos pais, mães e responsáveis
nossa atenção. Debate-se sobre as suas Adultos dizem: “Você fica em casa”, “É
https://criancaenatureza.org.br/ em relação às ruas e aos playgrounds,
extensões, razões e o grau de urgência. muito perigoso”, “Eu vou com você”, “É
acervo/crianca-que-se-sente-capaz/ nem das habilidades pessoais da crian-
Quanto mais forte for a sensação de muito perigoso você ir sozinho.” Alertas
ça, o olhar para detectar perigos se tor-
Play Free e educação sobre segurança no trânsi-
que estamos perto de uma catástrofe, na treinado e a desconfiança aumenta.
https://criancaenatureza.org.br/ to são importantes, mas também criam
mais aumenta o anseio por seguran-
acervo/play-free/ Não é possível conciliar o risco infantil sentimentos de incerteza. A tentativa
ça. Esquece-se o fato de que também
que surge com a curiosidade e a apro- de adaptar pais, mães e/ou responsá-
é possível crescer lidando com os ris-
priação da criança (e, às vezes, também veis e filhos ao tráfego, em vez de oca-
cos de suas próprias ações.
se apresenta como uma interação entre sionar o contrário, muitas vezes contri-
Se seguirmos o raciocínio de Luhmann Mas, por que as pessoas hoje querem medo e prazer) e o risco sentido pelos bui ainda mais para o confinamento.
(41), que define o risco como um pe- que a segurança seja dada, e não a adultos, visto que as perspectivas são O apartamento ou a casa como o último
rigo ou uma ameaça que a própria pensam como algo a ser conquistado muito diferentes. lugar seguro em um mundo inseguro.
pessoa cria por meio de suas ações, por meio de uma intervenção? Por que
o risco é inerente a todas as ações. A essa exigência de haver garantia de Um playground ou uma rua sem movi-
probabilidade do fracasso, portanto, 100% de segurança no caminho para mentação não apresentam riscos por
permanece, mas há uma tentativa de um playground para que a criança pos- si, se analisados como espaços físicos.
minimizá-la cada vez mais. Os riscos sa sair sozinha de casa? E se fosse es- Se esses locais eventualmente repre-
representam uma categoria de perigos colhido um outro caminho até lá? sentam uma ameaça, depende da for-
residuais, que se perpetuam apesar de ma como são analisados. A perspecti-
todos os esforços para garantir a segu- Em 1988, Reimer Gronemeyer (42) va decide. Quem conduz o carro, com
rança. Ponderar possíveis perigos pres- apontou para uma conexão entre escas- seu filho dentro, em alta velocidade,
supõe que nós os conhecemos, seja sez e necessidade: as necessidades são por uma rua residencial, acredita que

Cidades para brincar e sentar 38 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 39 Capítulo 2 .. Espaços
Espaços ee riscos
riscos
Adultos no centro
Em estudos sobre a antropologia da não sabe menos, sabe outra coisa” (43). Capítulo 3
criança, Clarice Cohn aponta para con- Isso quer dizer que os significados ela-
cepções construídas ao longo da his- borados pelas crianças são qualitativa-
tória que consideram as crianças como
seres incompletos, treinando para a vida
mente diferentes daqueles concebidos
pelos adultos, sem por isso serem me-
Mudanças de
adulta, que necessitam adquirir compe-
tências e formar sua personalidade so-
nos elaborados, errados ou parciais.
perspectiva
cial. Elas demonstram uma percepção Crianças, por exemplo, se engajam ati-
negativa sobre a criança, pois exaltam vamente na constituição de laços afeti-
aquilo que ela não tem e ainda precisa vos e de relações sociais em todos os
formar, e não o que a criança já é. Nessa espaços pelos quais circulam, criando
visão, a infância seria uma fase de vida não apenas um senso de pertencimento
transitória e preparatória, um vir a ser com os mesmos, mas ressignificando-os
para uma vida adulta, essa sim, uma fase a partir de sua própria perspectiva.
plena de sentidos e direitos. O adulto-
É preciso entender ainda “que as crian-
centrismo é uma perspectiva que tem o
ças não ´ganham´ ou ´herdam´ simples-
adulto como centro em uma sociedade.
mente uma posição no sistema de re-
Sua valorização, em detrimento do reco-
lações sociais e de parentesco” (44). É
nhecimento da criança como sujeito de
necessário assumir que elas não são
direitos em fase peculiar de desenvolvi-
“adultos em miniatura” ou alguém que
mento, pode resultar em uma situação
treina para a vida adulta. Onde quer que
na qual, socialmente, crianças tenham
esteja, a criança interage ativamente
menos direitos, menos conhecimento e
com os adultos, com as outras crianças,
menos espaço que os adultos.
com o mundo, formulando significados
A antropologia da criança a entende próprios e produzindo conhecimentos
como produtora de cultura e não como e práticas culturais. Por isso, devem ser
um espaço vazio a ser preenchido. “A di- respeitadas como sujeitos de direitos e
ferença entre as crianças e os adultos não ouvidas substancialmente em sua for-
é quantitativa, mas qualitativa. A criança ma autônoma de olhar para o mundo.

Cidades para brincar e sentar 40 Capítulo 2 . Espaços e riscos Cidades para brincar e sentar 41 Capítulo 1 . A reconquista do espaço público
Coloquialmente, afirmamos que todas Aqueles que tomam decisões sobre o ficativo. Política e planejamento ocor-
as situações possuem, pelo menos, rem a partir de uma visão geral e, nor-
Nós não éramos assim
espaço público, e o modificam de for-
dois lados. E, para obter-se uma pers- ma sucessiva, são homens e mulheres malmente, são realizados por pessoas
pectiva, é preciso ter um ponto de par- profissionalmente ativos, que podem não afetadas diretamente. Experiências Não é de surpreender que as perspec-
tida. No entanto, não é possível ver, ao considerar as experiências das crianças únicas e deduções próprias são usadas tivas das pessoas em relação às mes-
mesmo tempo, os dois lados de uma apenas de forma ilusória. Suas próprias como recurso auxiliar. Uma mudança de mas circunstâncias mudem no decorrer
posição. Dependendo do ponto de vis- memórias da infância não são mais rele- perspectiva é, por isso, imprescindível. do tempo. Experiências do passado,
ta adotado, é exposta uma visão sub- vantes para o planejamento e, normal- interesses atuais em transformação e
jetiva de uma pessoa em relação a um Entretanto, sabemos que ela não
mente, suas capacidades de adotar a expectativas diferentes para o futuro in-
assunto. Por isso, é provável que haja pode ser promovida tão facilmente,
perspectiva da criança estão enviesadas fluenciam essas mudanças. Para alguns
conflito ou competição entre as pers- visto que os outros componentes da profissionais, isso inicialmente mostra-
segundo sua própria história de vida.
pectivas. Na arquitetura, a alteração de perspectiva original de planejadores -se relevante como parte da individuali-
Por fim, a visão particular do espaço pú-
perspectiva se dá por meio da mudan- ainda existem e continuam atuantes. dade de cada um. Porém, eles também
blico contida na perspectiva das pesso-
ça de papel, quando se faz um “dese- Colocar-se antecipadamente no lugar passam por esse processo de mudan-
as com mobilidade reduzida, idosos e
nho de observação” (desenhar como do outro, o que podemos entender ça: foram crianças, adolescentes e po-
crianças, não faz parte do conjunto de
algo é visto) para um “desenho do pro- como empatia, não inclui o abandono dem ser pais, mães ou responsáveis por
experiências dos planejadores.
jeto” (desenhar como representação da própria visão em prol da de outros, crianças. Um padrão de entendimento
de um projeto, levando em considera- Torna-se evidente que essas pesso- apenas mostra a disposição para que é formado a partir de suas experiências,
ção as questões legais envolvidas no as, que não são representadas por al- ambas estejam lado a lado. interesses e expectativas para o futuro,
planejamento). guém, precisam disponibilizar seus o que pode ser um aspecto facilitador,
Trata-se, então, de um processo de
conhecimentos, suas expertises. Como mas contém também todos os compo-
O protagonista muda, assim, sua po- aprendizagem no qual o conhecimen-
especialistas em suas próprias vivên- nentes para um caminho inadequado.
sição no espaço físico ou assume uma to da outra visão é admitido. Sendo as-
cias, elas devem ser levadas em con- Isso mostra-se particularmente difícil
posição de pensamento diferente. Mas sideração. Em seus relatos, sempre há sim, não podemos ainda falar de uma
nos momentos de transição e de mu-
a mudança também pode estar rela- importantes mensagens: manter algo mudança, mas de abertura a novas
dança de status que experimentamos
cionada ao objeto de interesse, que quando é bom; mudar porque está perspectivas. Aprender com as pes-
ao longo da vida, que contém momen-
se move fisicamente para uma outra atrapalhando, bloqueando ou causan- soas diretamente afetadas, enxergar
tos do antigo e do novo, desconheci-
posição ou é enxergado de maneira do desconforto, e adicionar algo para o bairro do ponto de vista delas, en-
dos: na passagem de jovem a adulto,
diferente. Uma é complementada pela que o que existe possa se tornar ainda tender o que é importante para elas.
de estudante a trabalhador profissional,
outra. A troca é obtida por meio da pró- melhor. Não devemos perguntar por Obviamente, essa mudança diverge
de trabalhador ativo à aposentadoria.
pria mudança ou da inclusão do ponto desejos, mas por experiências. de um diagnóstico caracterizado pela
de vista do outro. Uma mudança de segmentação, pela separação das par- No nível subjetivo, pode-se observar
perspectiva, aparentemente, resulta A perspectiva das pessoas diretamente tes. Valoriza-se a variedade das coisas uma separação dos lados bons e ruins
em uma qualidade diferente. afetadas desempenha um papel signi- e dos significados. da infância. Enquanto as partes positi-

Cidades para brincar e sentar 42 Capítulo 3 . Mudanças de perspectiva Cidades para brincar e sentar 43 Capítulo 3 . Mudanças de perspectiva
vas são integradas na identidade do eu,
os lados ruins são desmembrados para
Transições na vida cotidiana
a imagem alheia. A imagem alheia é de-
senvolvida em contraste com a identi- As transições podem ser consideradas
dade do eu. No entanto, esse processo sociais ou biográficas. Revela-se como
ocorre sem reflexão, inconscientemen- ponto principal que o antigo não é mais
te. No nível estrutural, apenas a proje-
seguro e o novo ainda não é seguro.
ção de parte da perspectiva para o ser
Por consequência, rotinas são ameaça-
criança pode ser detectada. Pode-se
das e os tipos de espaços, ruas, habi-
observar uma ênfase nas experiências
tações, com as quais a vida cotidiana
perturbadoras das crianças de hoje e
foi construída naturalmente, tornam-se
a negação das “transgressões de nor-
questionáveis.
mas” que o próprio indivíduo realizou
quando era criança. A idealização rígida Um tema central de análise trata do mo- Crianças aprendem quando confrontadas a desafios, e podem correr riscos controlados
e penetrante das imagens da infância -
mento das transições psicossociais na
“Nós não éramos assim” - está fixada à
adolescência e na idade adulta. Nelas, infância5 como uma amostra da capaci- ses dos seus desenvolvimentos históri-
norma e dificulta o despertar da curiosi-
novos momentos são vivenciados, trans- dade da criança de passar por outros cos, nas quais as estruturas sociais con-
dade sobre as ideias das crianças hoje.
tornos ocorrem e características da per- contextos socioambientais. E descon- vencionais continuam a funcionar e,
A disposição de procurar por outras
sonalidade tornam-se visíveis. Na outra tinuidades também podem ser vistas
perspectivas e associá-las às próprias, ao mesmo tempo, são liberadas novas
ponta da vida, ocorre a chegada à apo- como oportunidade. Transições ligadas
pressupõe a abertura para aprender e estruturas que se desenvolvem ou já
sentadoria, em que o papel predominan- ao ciclo de vida ou a estações do ano
correr riscos, levando em conta que o se desenvolveram de acordo com uma
resultado também pode ser o abando- te da profissão desaparece. Na trajetória são frequentemente celebradas com ri- lógica histórica diferente das conven-
no da própria perspectiva inicial. da sociedade agrícola para a industrial, tuais. Mas também faz parte do repertó-
cionais. “As sociedades em transição,
por exemplo, notam-se mudanças de- rio de comportamentos humanos evitar
portanto, apresentam estruturas inde-
mográficas, mas também sociais, insti- e adiar a solução de problemas, como as
tucionais e políticas. As mudanças a elas cisas”, constataram Böhnisch/Schefold,
transições graduais do comportamento
associadas representam um desafio para em 1985 (46). Isso mostra que a mu-
“normal” para o vício, por exemplo.
famílias e instituições de ensino, no sen- dança de perspectiva, e a adoção de
tido de lidar com as descontinuidades Sociedades de transição representam, outra, é típica de situações de transição
que ocorrem nessas fases. de acordo com as ciências sociais, fa- biográficas e estruturais.

Bronfenbrenner e Schmidt-Denter/
Manz (45) consideram o enfrentamento No Brasil, corresponde à etapa educação infantil
É preciso estar atento às necessidades e 5

curiosidades das crianças de hoje da transição da família para o jardim de que está dentro do nível educação básica.

Cidades para brincar e sentar 44 Capítulo 3 . Mudanças de perspectiva Cidades para brincar e sentar 45 Capítulo 3 . Mudanças de perspectiva
A forma exata como se dá o processo zagem democrática não está apenas em
de aprendizagem ainda não é cienti- risco, ele simplesmente não acontece.
ficamente comprovada. O que sabe-
Capítulo 4 mos, atualmente, é que o volume de Se, no entanto, levarmos o contexto so-
cial em consideração, ou seja, a forma
literatura sobre esse tema não é mui-
to extenso. Podemos estabelecer um de aprendizagem socialmente transmi-

Aprendizagem consenso mínimo de que a aprendi-


zagem é definida como uma transfor-
tida, a questão do controle pelo sujei-
to se tornará o ponto central. Assim, a

democrática mação relativamente permanente do


comportamento, e de seus potenciais,
aprendizagem institucionalizada, como
a praticada em muitas escolas e insti-
diferenciando-se de uma mudança tuições de ensino, não parece ser um
temporária. Ela ocorre por meio da campo adequado para que ela se de-
prática. A aprendizagem poderia, en- senvolva, visto que o indivíduo é indu-
tão, ser democrática? zido ou forçado a aprender, em grande
parte, por metas de ensino, em meio a
A orientação subjetiva desempenha um padrões curriculares que não corres-
papel importante. Enquanto o próprio pondem à realidade daquele sujeito,
sujeito controlar o quê, quando, onde e daquela comunidade, aos contextos
como aprender, o processo de aprendi- em que os grupos estão inseridos.

Educação que só ocorre no plural


Uma experiência de ensino-aprendiza- sem substituídos por grupos de interes-
gem democrática reconhecida interna- ses nos quais as crianças desenvolveriam
cionalmente é a da Escola da Ponte6, projetos de pesquisas. Os temas, suge-
em São Tomé de Negrelos, Portugal. Na
década de 1970, José Pacheco, criador
e ex-diretor da instituição, propôs que 6
https://www.escolabasicadaponte.pt. Acesso em:
classes, séries, disciplinas e provas fos- 17 de agosto de 2020.

Cidades para brincar e sentar 46 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática Cidades para brincar e sentar 47 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática
ridos pelos estudantes, impulsionariam bairro educador, cada pessoa tem um Em 1973, Paulo Freire (47) cunhou a
sua aprendizagem. A criação coletiva de cinzel na mão para ajudar a esculpir o concepção da educação “bancária”
regras de convivência, de uso do tempo outro, e se deixar também esculpir pelo como uma crítica ao modelo tradicional,
e dos espaços físicos, e também do pla- outro”, diz Braz Nogueira, ex-diretor da reprodutivista e opressor de aprendi-
nejamento escolar, se tornaram práticas escola. A possibilidade de educar fora zagem. Nele o professor “deposita” ou
importantes para assegurar os pilares de de espaços institucionalizados, foi uma “transfere” conteúdos para seus alunos,
ensino da liberdade responsável, solida- das percepções que animou também como se eles fossem recipientes vazios,
riedade, autonomia e cidadania. o antropólogo e educador Tião Rocha considerando-os como quase “coisas”,
a criar o Centro Popular de Cultura e “enchendo-os de comunicados” geran-
Inspiradas na Escola da Ponte, outras Desenvolvimento (CPCD)8, há mais de do um “falso saber”, pois desconsidera Uma educação libertadora pressupõe a
escolas passaram a seguir esses pre- 30 anos. Fundado em 1984, em Belo as experiências de vida dos alunos, a construção coletiva de conhecimento
ceitos. No Brasil, a direção da EMEF Horizonte (MG), o Centro é uma insti- dialogicidade9 como essência da edu-
Presidente Campos Salles, de Helió- tuição de aprendizagem com a missão cação. Freire defendia uma educação não como uma realidade estática, mas
polis, Zona Sul de São Paulo, resolveu de promover a educação popular e libertadora, baseada na construção co- como uma realidade em processo, em
derrubar as paredes das salas de aula o desenvolvimento comunitário sus- letiva do conhecimento, no potencial transformação (49).”
formando grandes “salões” com mesas tentável, a partir da cultura dos “sabe- transformador por meio da conscienti-
nas quais os alunos passaram a estudar res, quereres e fazeres” de um deter- zação de suas relações com o mundo. A democracia pode até tornar-se um
agrupados, independentemente da minado grupo social. Seus projetos Enxergava a aprendizagem como um objeto de aprendizagem nas institui-
série. Outra proposta foi fundir a esco- estimulam relações dialógicas nas processo contínuo, no qual se muda ções, mas isso não é o mesmo que uma
la com a comunidade, de tal forma que comunidades, para que estas sejam tanto o sujeito, quanto seu ambiente. aprendizagem democrática. A pergun-
cada beco, cada casa, cada instituição protagonistas de suas próprias histó- De acordo com Freire, os alunos devem ta que aqui se faz é: por que não a
parceira formasse parte do seu ecossis- rias, o que Rocha chama de “empodi- se conscientizar para “entender, de for- praticamos, numa política voltada
tema de aprendizagem. Considerada a mento”, em vez de empoderamento, ma crítica, a maneira como eles existem para, pelas e com as crianças? O con-
maior favela de São Paulo, com 200 mil num processo que busca evidenciar a no mundo no qual e com o qual se en- trário, e infelizmente ainda acontece
habitantes, Heliópolis é hoje reconhe- potência das pessoas em transforma- contram. Eles aprendem a ver o mundo em muitos lugares e esferas públicas e
cida internacionalmente como “Bairro rem suas próprias realidades. O foco privadas, é que as crianças acabam tor-
Educador”7, e tem a escola como cen- de atuação do CPCD são cidades com nando-se objetos de políticas até bem-
tro de liderança na comunidade. “No menos de 50 mil habitantes. -intencionadas de pessoas adultas,
9
Dialogicidade é uma das categorias da ação mas que estão apartadas da percepção
educativa freiriana, que implica na análise das
motivações às atitudes do outro, com a perspectiva de mundo das crianças, ou seja, não há
de restaurar um diálogo, fazendo um exercício de o mesmo peso para as diferentes ex-
7
Heliópolis Bairro Educador – Documentário: 8
http://www.cpcd.org.br/ Acesso em: 27 de agosto compreensão das razões dele. Quando nos diz
https://youtu.be/YFZmtO7Z2Y0. Acesso em: 26 de de 2020. “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si periências, nem os mesmos direitos de
mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados
agosto de 2020.
pelo mundo”, Freire amplia, então, nossa visão de
influência. Os direitos das crianças não
diálogo (48). são respeitados.

Cidades para brincar e sentar 48 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática Cidades para brincar e sentar 49 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática
Educação como direito Dimensões da política • Polity quer dizer estruturas políticas,
por exemplo, conselhos infantis.
Abrange discussão e consentimen-
O artigo 53 do Estatuto da Criança e que a educação da criança deve estar A política é uma ciência ligada à ges- to. Expressa a dimensão formal, onde
do Adolescente (ECA), Lei Federal nº orientada no sentido de: tão, à administração de cidades, es- tudo ocorre institucionalmente.
8.069 /1990 (50), diz: “A criança e o tados e nações, e que naturalmente
• Desenvolver a personalidade, as ap- • Politics retrata os processos políti-
adolescente têm direito à educação10, trata de interesses. Ideias particula-
tidões e a capacidade mental e física cos, por exemplo, o desejo de criar
visando ao pleno desenvolvimento de res de uma pessoa ou grupo para a
da criança em todo seu potencial; uma rua para brincar. Representa a
sua pessoa, preparo para o exercício da construção das condições sociais, que
dimensão processual, onde confli-
cidadania e qualificação para o traba- • Imbuir na criança o respeito aos qualquer pessoa pode desenvolver
tos e imposição se destacam.
lho, assegurando-se lhes: I - igualdade direitos humanos e às liberdades e formular, baseada em argumentos
de condições para o acesso e perma- fundamentais, bem como aos prin- racionais, emocionais, religiosos ou Quando falamos de uma política volta-
nência na escola; II - direito de ser res- cípios consagrados na Carta das Na- outras fontes de percepção, podem da à infância, precisamos nos questio-
peitado por seus educadores; III - di- ções Unidas; emergir. E, por meio de um processo nar se queremos dizer aquela praticada
de negociação, tais propostas e dese- para, pelas e com as crianças. A partir
reito de contestar critérios avaliativos,
• Imbuir na criança o respeito por jos tornam-se regras sociais vinculan- dessas três dimensões citadas, propu-
podendo recorrer às instâncias escola- seus pais, sua própria identidade tes para todos. Grupos com interesses semos um exercício na tabela a seguir.
res superiores”. Em âmbito internacio- cultural, seu idioma e seus valo- diversos conduzem políticas, dentro
nal, essa dimensão ganha mais contor- res, pelos valores nacionais do país e fora de organizações, por meio de
nos com a Convenção sobre os Direitos em que reside, do país de origem, argumentos e ações direcionadas ao
da Criança (51) que, em seu artigo 20, quando for o caso, e das civilizações alcance de seus objetivos.
afirma: “os Estados Partes reconhecem diferentes da sua;
Na literatura, como afirma Beyme em
• Preparar a criança para assumir uma 1987 (52), frequentemente são men-
vida responsável em uma sociedade cionadas essas três dimensões – poli-
livre, com espírito de entendimento, cy, polity e politics – para definir, com
10
A Constituição brasileira, em seu Artigo 227, paz, tolerância, igualdade de gênero maior precisão, o conceito de política.
declara que “é dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança, ao adolescente e amizade entre todos os povos, gru-
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito pos étnicos, nacionais e religiosos, e • Policy diz respeito ao conteúdo políti-
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, populações autóctones; co, por exemplo, às regras aplicadas
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e em playgrounds. Trata-se de uma ma-
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, • Imbuir na criança o respeito pelo téria normativa. Reflete a dimensão
violência, crueldade e opressão”. meio ambiente.” na qual se lida com a atribuição e o
processamento de problemas. O professor Meyer com as crianças: escuta atenta

Cidades para brincar e sentar 50 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática Cidades para brincar e sentar 51 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática
não se deve parar por aí. Fazer-se de pe- que o processo de aprendizagem possa
Política para Política pelas Política com
as crianças crianças as crianças queno ainda não é suficiente, tendo em ser iniciado. E, para que a comunicação
vista que as lacunas acabam sendo pre- seja bem-sucedida, um lado deve forne-
Policy Os adultos querem As crianças Os adultos mostram enchidas pelo conhecimento “de cima”, cer seu conhecimento de perspectiva,
melhorar a refletem sobre curiosidade
pela visão geral particular do adulto. É ao qual o outro lado reage com seu co-
infraestrutura, o que suas experiências e disposição
beneficia também as e identificam para aprender, necessário uma mudança de perspectiva. nhecimento técnico. Isso não pode ser
crianças. necessidades de incentivando alcançado por meio de uma ou duas
manutenção ou de as crianças a se reuniões ou conversas, mas em um
mudança. expressarem. A armadilha do “O que você quer?”
processo. Aliás, mais que isso, velhos
Polity As propostas de As crianças atuam Os adultos ouvem Se os ambientes urbanos não tivessem hábitos têm de ser substituídos por
políticas são discutidas em fóruns, conselhos as crianças em mudado para o estado atual, não have- novos. O próximo capítulo fala especi-
nas comissões e nos infantis ou são audiências e ria necessidade de se pensar na atra- ficamente sobre a experiência nas cida-
conselhos. consultadas. aprendem com elas. tividade de playgrounds e caminhos. des alemãs de Griesheim e Brühl, mos-
Politics Os adultos abordam As crianças Os adultos constroem Quando focamos em perguntas como: trando que havia uma disposição para
desejos que lhes foram se articulam diálogos com as “O que você quer?”, perdemos a opor-
uma mudança generalizada. Os prefei-
trazidos. publicamente. crianças. tunidade de ampliar o uso dos espaços,
tos escolheram um caminho consistente
as experiências das crianças e seu de-
de transformação urbana que não visa a
senvolvimento, e acabamos caindo na
soluções isoladas: eles tinham em vista
Sempre que adultos – mesmo que bem suas memórias de infância, só que as opção de brinquedos prontos, que são
o município como um todo.
intencionados – procurarem dialogar condições de vida mudaram. As per- monólitos com funções únicas. Se ex-
com crianças, ou seja, quando estabe- cepções de mundo correm o risco de plorarmos, com métodos adequados, Aprender significa, nesse contexto,
lecerem um canal de comunicação, de divergir enquanto pais, mães e respon- o que elas querem “fazer” ali, podemos que haja uma disposição para perce-
escuta, é importante que estejam aten- sáveis, educadores e gestores públicos chegar a interpretações mais respeito-
ber que a situação atual pode ser man-
tos a três possíveis situações: não atualizarem suas perspectivas com sas, reais e inovadoras sobre os movi-
tida, modificada e complementada ao
base na atual leitura das crianças. mentos delas. Por exemplo: “quero me
mesmo tempo. É preciso, portanto,
esconder”, “pular”, “escorregar”.
possibilitar margens de manobra, ou
A armadilha da memória
A armadilha da diminuição seja, nem tudo precisa ficar do jeito
Apenas lembrar-se de como era em que está, mas também não há necessi-
nossa época não é suficiente. É preci- É possível que alguns adultos tenham dade de mudar tudo totalmente.
Motivação para aprender
so reconhecer um “atraso do tempo”, percebido que o mundo é diferente
visto que muitos adultos preservaram quando visto sob a perspectiva da altu- As nossas experiências, até o momen-
uma realidade baseada no passado. ra da criança, ou seja, desde baixo. Esse Antes de tudo, é necessária a motivação to, demonstram que se deve tomar cui-
É natural que os adultos recorram a é um importante ponto de partida, mas da comunidade para aprender, a fim de dado com alguns atores:

Cidades para brincar e sentar 52 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática Cidades para brincar e sentar 53 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática
• Planejadores/as urbanos que dese- mento da perspectiva delas, dos ado-
jam, antes de tudo, um mundo or- lescentes, dos idosos e das pessoas
denado e definido; com mobilidade reduzida precisa ser

• Pedagogos/as obcecados em edu-


seriamente levado em consideração. Capítulo 5
Suas vivências devem ser incluídas de
car para a criatividade; fato no planejamento e organização de
• Pais, mães e/ou responsáveis que ambientes privados, de bairros, das ad-
ministrações públicas. Assim como os
As perspectivas
têm dificuldades de se abrirem ao
pensamento próprio de seus filhos grupos profissionais desenvolvem seu
conhecimento técnico, os moradores
singulares
e de seus próprios pais;

• Administrações que desejam segu-


de uma área residencial, por exemplo,
também acumulam suas experiências.
de crianças
rança a qualquer custo; E, como pedestres, conhecem pano-
ramas que motoristas e ciclistas não
e idosos
• Engenheiros/as civis, instaladores acessam, não percebem.
de caixas postais e de cabos, cuida-
dores de áreas verdes para os quais
não existem impactos ou colabora-
ção fora de sua profissão;

• Políticos que não querem ver nas


crianças aliadas do presente e
do futuro.

Há urgência para que os espaços livres


ainda restantes nas cidades sejam as-
segurados, que os perdidos sejam re-
cuperados e que novos sejam criados.
Portanto, os espaços de convivência e
de permanência existentes, além de to-
dos os outros potenciais de um municí-
pio, devem ser registrados, avaliados e
e deve-se definir soluções para que os
tornemos facilmente acessíveis e ami-
gáveis às crianças. Por isso, o conheci-

Cidades para brincar e sentar 54 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática Cidades para brincar e sentar 55 Capítulo 4 . Aprendizagem democrática
Ficou evidente que um pré-requisito im- atribuídas notas positivas para os seguin- das calçadas estreitas, devido a car- terço (35%) desejou melhorias. Uma
portante para a mudança consiste em tes elementos: amontoados de areia nos ros estacionados e às lixeiras. Lugares proporção semelhante surgiu em rela-
explorar o conhecimento contido nas canteiros de obras, poças de água no de pouca visibilidade formaram um ção à qualidade das ruas: pouco mais
perspectivas de crianças e idosos. Como playground, observação de animais nos segundo grupo de críticas. Por fim, de um terço (39%) se pronunciou po-
isso pode ser feito? O foco deve estar tanques de peixes, um grande buraco houve reclamações sobre carros pas- sitivamente, quase um terço (28%) de
nas experiências adquiridas na vida co- no campo, um trailer quebrado que vi- sando em alta velocidade. Mudanças forma negativa e um terço (33%) pediu
tidiana. Apresentaremos, a seguir, o pro- rou residência, um porão visto como foram requeridas principalmente nos que mudanças fossem feitas.
cedimento, as vivências e os resultados uma caverna, a calha que se transfor- playgrounds. Criticaram a altura do
do trabalho realizado em duas cidades mou em um posto de gasolina, flores, assento do balanço e caixas de areia Em Griesheim, três anos depois, 87%
na Alemanha que, em área, correspon- cascalhos, arbustos que servem como muito pequenas. das solicitações foram atendidas, 4%
dem a bairros de uma cidade grande. esconderijos, muro e um caixote de flo- ainda estavam em andamento e 9% fo-
res para se equilibrar em cima, escadas/ A qualidade dos playgrounds, de inte- ram rejeitadas.
superfícies inclinadas para subir e des- resse principal para as crianças, foi con-
siderada positiva por um terço (34%) O que é importante para as crianças?
cer, portão para balançar, passagem se-
O exemplo de Griesheim creta em buracos de uma cerca viva, o dos entrevistados, enquanto 31% os Uma imagem diferenciada emerge com
jorrar da água de um chafariz. avaliaram de forma negativa. Um outro uma avaliação específica por idade:

Griesheim é uma cidade com quase


Algumas poucas observações ne-
30 mil habitantes, situada na região de
gativas fizeram referência a fezes de
Rhein-Main, perto das cidades de Darm-
cães nos caminhos, cães fazendo Idade (anos)
stadt e Frankfurt, no Estado de Hesse. Em
xixi na caixa de areia e lixo nas ruas.
Griesheim, novas áreas residenciais e 2-5 6 7 8 9 10
A maioria delas trata principalmente
ofertas para famílias resultaram em um Brincar de pega-pega X
aumento constante das taxas de cres- Escorregar X X
cimento populacional. Griesheim tor- Brincar no monte de areia X X X
nou-se a maior cidade de seu distrito. Brincar com água X X X X
Saltar por cima de valas X X X X X
Em 1994, foi realizado o primeiro pas-
Brincar de balanço X X X X
seio exploratório com as crianças pela
Jogar futebol X
cidade de Griesheim (53). Ele teve como
Construir barracas X X X
foco, sobretudo, os caminhos percorri-
Subir em árvores X X X X X
dos por elas. Foram testadas tanto a atra-
Brincar de esconde-esconde X X X
tividade dos trajetos quanto a segurança
Andar de patins X X
ao atravessar as ruas. Numa análise da Carros e lixeiras nas calçadas foram
documentação dessa atividade, foram apontados como empecilhos para caminhar
Jogar pingue-pongue X X

Cidades para brincar e sentar 56 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 57 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos
idosos se tornaram visíveis, e isso resul- para esse objetivo. Nessa questão, os
tou na instalação adicional de mobiliá-
Etapas de planejamento11 pais, as mães e responsáveis também
rios urbanos. Em 15 de agosto de 2015, foram convidados a dar sua contribui-
Griesheim tornou-se também a primeira Fase 1 - Início do processo ção. Os resultados foram registrados
Cidade para Sentar da Alemanha. de pesquisa individualmente, para cada criança,
em um mapa da cidade ou do bairro.
Nessa fase, instituições escolares, igre- As instituições participaram também,
jas, associações de moradores, institui- registrando, no mesmo mapa, locais e
O exemplo de Brühl ções de idosos e grupos comunitários caminhos percorridos a pé pelos gru-
foram informados sobre o projeto e pos de crianças.
solicitou-se o apoio de todos. Levando
A placa inclui o título: Cidade para Brincar Brühl é uma cidade de 46 mil habitantes,
em consideração as peculiaridades de Os alunos do ensino fundamental I re-
no Estado da Renânia do Norte-Vestefá-
cada local e condições gerais, os pra- ceberam um questionário como lição
lia. Faz parte da região de Rhein-Ruhr,
zos foram acordados e os materiais de casa. Distinguimos crianças de 1ª e
Após essa experiência, um novo proces- uma área metropolitana com quase 10
para a aquisição do conhecimento de 2ª séries e de 3ª e 4ª séries13.
so participativo foi iniciado, em 2008, milhões de pessoas. Graças aos caste-
perspectivas foram entregues.
para trazer à tona o conhecimento advin- los Augustusburg e Falkenlust, declara-
do da vivência das crianças. Pela primei- dos Patrimônio da Humanidade, é um
ra vez no país, um projeto de desenvol- dos destinos turísticos mais importan-
vimento consistente de caminhos para tes da Renânia. Além do centro, fazem Fase 2 - Pesquisa e documentação
brincar foi finalizado com sucesso. E, ao parte do município seis outros bairros,
Perguntamos às crianças do último
lado dos lugares apropriados já exis- alguns com estruturas rurais.
ano da educação infantil pré-escolar
tentes para crianças, outros 100 foram
As experiências de Griesheim forma- (jardins de infância)12, a quais lugares,
criados, no espaço da rua, trazendo uma
ram o pano de fundo para a decisão fora das suas residências, costumam
mensagem objetiva: aqui, as crianças
de também escutar as crianças sobre ir a pé, sozinhas ou acompanhadas
são bem-vindas. Em 8 de setembro de
seus caminhos em Brühl. A intenção por adultos, e quais caminhos utilizam
2009, Griesheim tornou-se a primeira Ci-
dade para Brincar da Alemanha. era desenvolver paralelamente os
processos para tornar-se uma Cidade
Com o passar do tempo, percebeu-se para Brincar e Sentar. Em um primeiro A pesquisa e o mapeamento tiveram a
que vários objetos da Cidade para Brin- passo, em 2017 e 2018, foi elaborado 11
Todas as etapas descritas foram exclusivamente participação ativa das crianças
car também eram utilizados por pessoas o conceito para o centro da cidade e, executadas em realidades de cidades alemãs,
sendo necessárias adaptações aos contextos dos
idosas. As experiências da Cidade para em seguida, em 2018 e 2019, foram municípios brasileiros.
Brincar formaram a base para um pro- estabelecidos os planos de ação para 12
No Brasil, corresponde à etapa educação infantil, 13
No Brasil, corresponde à etapa ensino fundamental,
cesso no qual os lugares e caminhos dos os outros seis bairros. que está dentro do nível educação básica. que está dentro do nível educação básica.

Cidades para brincar e sentar 58 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 59 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos
ciona sua letra pessoal ao número
A cidade para brincar que corresponde aos lugares que
frequenta. Pode ser que um lugar
Mapeando os percursos das crianças
O emoji triste: acho meus caminhos, (número) seja frequentado por vá-
em sua maioria, desagradáveis. De- rias crianças (letras);
sagradável quer dizer: chatos, monó-
tonos, às vezes tenho medo de andar • Marca-se, também, o mapa e o car-
taz com o nome da classe. Dobra-se
por lá, não gosto de andar por lá.
Pesquisa de alunos em • Em seguida, cada criança preenche, tudo em formato A4 e coloca-se em
sala de aula (1ª e 2ª séries) no formulário, os campos dos luga- • Após essa explicação, um emoji um envelope;
res visitados com os números cor- deve ser marcado;
• Junta-se ao envelope os formulá-
• Preparação: pendurar o mapa do respondentes;
• Por fim, cada criança indica, em rios das crianças para entregar tudo
bairro/cidade e separar um flipchart
• Por fim, há três emojis à disposição seu formulário, gênero, série e adi- na secretaria.
com folhas brancas;
de cada criança:
• Marcar as residências das crianças
no mapa grande e atribuir, a cada
criança, uma letra do alfabeto; Minha letra
no mapa: 1ª série
• Cada criança escreve sua letra na O emoji sorridente: acho meus ca-
folha A4 no quadrado de cima; minhos em sua maioria agradáveis.
Menina? Menino? 2ª série
Agradável quer dizer: não chatos,
• Coleta-se os lugares visitados a pé, diversificados, não tenho medo de
a partir da residência. Anota-se os
andar por lá, gosto de andar por lá.
lugares na folha do flipchart. Se hou- Os números dos lugares visitados por mim:
ver vários lugares do mesmo tipo,
por exemplo, playgrounds, é preci-
so fornecer explicações adicionais
para diferenciá-los, para que todos, O emoji neutro: a maioria dos
individualmente, possam ser inseri- meus caminhos não é nem agradá-
dos no mapa. Ao final, enumera-se vel, nem desagradável. As experi-
todos os lugares citados; ências são mistas.

Cidades para brincar e sentar 60 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 61 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos
Pesquisa de alunos como
lição de casa (3ª e 4ª séries):

O emoji neutro: a maioria dos


• Devem ser abordados apenas lu-
meus caminhos não é nem agradá-
gares visitados a pé, e os caminhos
vel, nem desagradável. As experi- 1
percorridos para chegar até eles.
ências são mescladas.
• Você receberá um mapa da cidade;

• Marque o lugar de sua residência 2


com um círculo no mapa;

• Na folha adicional, anote os lugares


que você visita a pé; O emoji triste: acho meus caminhos, 3
em sua maioria, desagradáveis. De-
• Registre esses lugares com os nú-
sagradável quer dizer: chatos, monó-
meros correspondentes no mapa;
tonos, às vezes tenho medo de andar 4
• Conecte sua residência com os nú- por lá, não gosto de andar por lá.
meros no mapa, marcando as ruas
por onde costuma andar; • Marque o emoji apropriado;
5
• Adicione um sinal (não seu nome)
• Por fim, há três emojis à sua disposi-
ao mapa e à folha extra para mos-
ção com os seguintes significados:
trar que essas duas folhas formam
um conjunto; 6
• Entregue as duas folhas à sua pro-
fessora/ao seu professor.
O emoji sorridente: acho meus ca- 7
minhos, em sua maioria, agradáveis.
Agradável quer dizer: não chatos,
diversificados, não tenho medo de
8
andar por lá, gosto de andar por lá.

Cidades para brincar e sentar 62 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 63 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos
Pesquisa de 3ª e 4ª séries como lição de casa
A cidade para brincar e sentar
Para conhecer de fato os caminhos per- se uma caça ao tesouro. Ao atravessar Juntando os caminhos das crianças aos de
corridos pelas crianças, elas receberam uma rua, deveriam marcar uma cruz na idosos e pessoas com mobilidade reduzida
giz escolar colorido. Cada série ganhou calçada de um lado, e depois do outro.
uma cor diferente. No dia da pesquisa, Quando chegassem em casa, deveriam
as crianças foram enviadas para casa em pintar um grande círculo na rua. Tentamos mapear lugares aos quais os ram compactados em uma única ima-
horários diferentes, de tal modo que as idosos e pessoas com alguma dificul- gem completa.
aulas terminaram em um horário deter- Depois que todas as crianças haviam dade de mobilidade, mesmo que tem-
porária – por exemplo, fraturas causa- Ao criar um mapa que mostra os locais
minado para cada série. Antes, as crian- partido da escola, funcionárias e fun-
das por algum acidente –, vão a pé. e os caminhos percorridos por, pelo
ças foram instruídas pelas professoras cionários da prefeitura as seguiram,
menos, cinco pessoas, a rede de cami-
de cada turma que, naquele dia, deve- transferindo as marcações para um
• Primeiro, marque sua residência nhos dos pedestres ganha destaque:
riam percorrer o caminho de sempre, mapa. Com base nesses mapas, foi com um círculo no mapa; tanto os caminhos comuns a crianças e
ainda que não fosse o mesmo propos- construído o reconhecimento sobre as idosos, quanto aqueles utilizados ape-
to por seus pais. No caminho, deveriam rotas escolares dos alunos do ensino • Depois, registre os locais visitados nas por uma faixa etária.
marcar o percurso com giz, como se fos- fundamental. a pé. Atribua um número para cada
lugar. Adicione, na área livre ao
lado, uma descrição do lugar, por
exemplo, 1 = farmácia; Fase 4 - Identificação dos recursos

• Por fim, depois de especificar da- Uma visita aos caminhos das crianças
dos relativos à sua pessoa, marque e dos idosos foi realizada para verifi-
no mapa o caminho que percorre car as condições do espaço em relação
da sua residência até o destino. a oportunidades para o descanso e o
brincar (não a existência de brinquedos
propriamente ditos, mas sim de poten-
ciais elementos para o brincar: desní-
Fase 3 - Criação de uma
veis que convidem a saltar, muretas que
imagem completa
convidem a se equilibrar, experiências
Os resultados da pesquisa com crian- sensoriais visuais ou olfativas etc.) e, por
ças, do mapeamento das rotas escola- outro lado, para tornar visíveis as barrei-
res e o mapeamento dos idosos e de ras físicas. No caso das crianças, consi-
Crianças demarcam seus trajetos com giz: análise de atratividade e segurança dos caminhos pessoas com mobilidade reduzida fo- dera-se a oferta de elementos existen-

Cidades para brincar e sentar 64 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 65 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos
tes e, no dos idosos, as possibilidades • Alocação dos objetos, consideran-
para o descanso, como lugares para se do o espaço requisitado/disponí-
sentar. É importante fazer uma verifica- vel, além da mistura de modelos
ção com as autoridades e avaliar regula- padrão e de peças únicas; Capítulo 6
mentações locais em relação a eventu-
ais restrições (propriedade/segurança • Consideração de características
pública). Realizar uma documentação
fotográfica é fundamental nessa etapa.
funcionais para o uso por todas as
gerações.
Cidade para
brincar
Fase 5 - Conexão e otimização Fase 6 - Tomada de decisão
Após avaliação dos resultados, as se- e implementação pela
guintes atividades podem ser iniciadas: gestão pública

• Elaboração de um mapa no qual os Começa então o processo detalhado


locais escolhidos para a instalação em escala, que resultou, em Griesheim,
de objetos são inseridos; por exemplo, na escolha de 100 locais
para a instalação de objetos de brincar.
• Pesquisa de projetos e objetos em
Para os idosos, foram identificadas 145
outras cidades;
oportunidades para a permanência no
• Compilação preliminar e seleção dos espaço público. Em Brühl, o resultado
objetos para o brincar ou o descanso; foi o seguinte:

Objetos Objetos
Instalações
Ruas Cidade para Cidade para Ambos Existentes
novas
Brincar Sentar
Centro 41 116 96 35 69 178
Bairros 79 313 70 157 59 481

Cidades para brincar e sentar 66 Capítulo 5 . As perspectivas singulares de crianças e idosos Cidades para brincar e sentar 67 Capítulo 6 . Cidade para brincar
Como vimos em Etapas do planejamen- Projeto: Cidade para Brincar Griesheim 2008
to, no capítulo anterior, os locais e cami-
Participantes
nhos relevantes para as crianças foram Em que rua você mora?

explorados por meio da observação, de Em Griesheim, 1.036 crianças, ou seja,


questionários e do mapeamento reali- quase todas as crianças do ensino fun- Para onde você vai a pé? Por favor, anote os nomes das ruas.
zado por elas. A rotas mais percorridas damental I, participaram das entrevistas Você pode marcar várias opções.
foram analisadas, principalmente em e do mapeamento dos caminhos esco-
relação às áreas livres remanescentes, e lares. Já em Brühl, 838 crianças em ida- Escola Ginásio
os resultados foram discutidos com to- de escolar e 317 crianças do jardim de
Amigos
dos os órgãos competentes relaciona- infância foram entrevistadas, enquanto
dos à gestão da cidade. 1.265 estiveram no levantamento. Piscina pública
(ao ar livre/coberta)
Playground
Centro esportivo
Igreja TUS
Qualidades Católica Victoria
Evangélica St. Stephan
Outras
Havia em Griesheim: Sobre as ruas de Brühl: Outros caminhos

Tiveram boas
de votos positivos, Tiveram boas
experiências
37% dos quais 167 36% experiências 54% no centro da
fundamentados nos bairros
cidade Como você avalia os caminhos que percorre a pé?
(marcar apenas um emoji)
de votos neutros Não acharam Não acharam
52% nada de nada de espe-
57,5% especial 30% cial no centro
nos bairros da cidade
de votos negativos,
7% dos quais 76 Em geral atraentes Em geral chatos Em geral desagradáveis
fundamentados Consideram
Consideraram
as ruas ruins as ruas ruins
6,5% 11% no centro da Por que marcou esse emoji?
nos bairros
4% indecisos cidade

Obrigado por suas respostas.

Cidades para brincar e sentar 68 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 69 Capítulo 6 . Cidade para brincar
… por causa da estética: 14% ... por causa de outras pessoas: 13%

• porque há coisas bonitas para ver, • chato porque ando sozinho


porque o caminho é bastante verde

… por causa das condições: 6%

• poucos carros, porque o caminho é


bem iluminado, brincar com as coi-
Os motivos pelos quais as Acontecimentos, estado das vias Os caminhos
sas por onde estou passando
rotas foram classificadas e medo do trânsito intenso são
positivamente foram os … por causa da própria vida: 4% as principais críticas negativas: Em Griesheim, foram analisados, ini-
seguintes: cialmente, somente os caminhos per-
• porque o exercício é saudável, por-
que fico ligado corridos pelas crianças. Mesmo con-
* Outras pessoas, sentimentos, desco-
... por causa de acontecimentos: 33% siderando todas as ruas relevantes,
bertas e estética são os motivos mais
apenas aquelas mencionadas por cin-
citados da avaliação positiva • cocô de cachorro, cachorros sol- co ou mais crianças foram mapeadas.
tos, canteiros de obras (forçando
a mudança de lado da rua), latas O mapa a seguir mostra, em vermelho,
… por causa das outras pessoas: 37% de lixo, sacos de lixo no caminho ao mesmo tempo as rotas importantes
e especiais para as crianças. Esses ca-
… por causa dos sentimentos: 23% ... por causa do caminho em si: 32% minhos foram analisados em relação
ao espaço disponível e preparados
• andar com outras pessoas, sen- • cinza e chato, escuro (falta de ilu-
minação), estranho, assustador, para elas. Mais de 100 possibilidades
tir-se protegido no caminho,
barulhento, porque nada acon- foram descobertas e verificadas pela
porque o conheço bem
tece, porque só dá para ver a rua administração da cidade.
… por causa das descobertas: 16%
... devido ao trânsito: 20% Além das oportunidades que só se reve-
• porque há muito para ver, va- lam para quem tem ideia do que é uma
riedade, novidades, olhar nos • muitos carros (especialmente cidade para brincar, o próprio espaço da
quintais, olhar para dentro das caminhões), carros que passam rua oferece sugestões. Isso inclui muros
casas, ver o que as pessoas es- muito perto, carros que não pa- baixos, pedras, pequenas escadas etc.
tão fazendo, poças d’água, co- ram nas faixas de pedestres, os O resultado desse processo de pesqui-
Escadas e relevos diferentes são atraentes
lher castanhas para as crianças semáforos fecham rápido demais sa também está refletido no mapa.

Cidades para brincar e sentar 70 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 71 Capítulo 6 . Cidade para brincar
nstraße
bert-St
ch-Eberaße

ße

ße
straße
Pfu Pfu
ngs ngs

t-Staße
täd täd
ter ter

DonaDona
Sterngasse
Str Str

Companheiros
aße aße

ustraustra
Sterngasse Ruas de brincar
Spielwege
gasse traße

Projekt: Bespielbare Stadt


Ster n Flughafens

ße ße
Spielwege
Bestand
Ster n
gasse Objeto já existente de caminho

Prof. Bernhard Meyer


Bestand
Objeto a ser
Priorität A

Spielwege

Priorität A

Priorität B

Stand: Juni 2008


Parques

Lindenstr
g
Südrin

Bestand
implantado na fase 1
Priorität
Priorität A

Lindenstr
g B
Südrin

O brinquedo está profundamente en-

ße
Objeto a ser
acessíveis
Priorität B

aße aße
Projekt: Bespielbare Stadt

r-Stra
Prof. Bernhard Meyer
Projekt: Bespielbare
Stand: Juni 2008
implantado na fase 2
Stadt raizado na memória da maioria das

chne
Prof. Bernhard Meyer
pessoas. Por esse motivo, o playground
-Leus
Stand: Juni 2008
Projeto Cidade Brincante Escorregadores, trepa-trepas, camas
lm Dona
ustra
ße
se tornou o local exclusivo para crian-
Prof. Bernhard Meyer
he

elásticas e balanços que acomodam


W il

Jahns
tr aße
Data: junho de 2008 ças. Mas existem também ofertas de
diversão ao longo dos caminhos que cadeiras de rodas, pistas de cami-
e
r aß

g
nhada sensoriais, rampas de treino

Südrin
elas percorrem, como os muros baixos.
est
eth

Alterações no espaço da rua podem de marcha semelhantes às utilizadas


Go

Haydnstraße ser feitas com: pelas clínicas de fisioterapia, painéis


interativos para crianças com defi-
• Materiais naturais (pedras, troncos ciência visual. Esses são alguns dos
t raße
uss-S
The
odo
r-He
Sterngasse
de árvore); brinquedos oferecidos por parques
Lindenstraße
Lindenstraße
acessíveis de cidades brasileiras. Vá-
• Mudanças no pavimento (campos
rios foram planejados e construídos
Eichendorffstr.

.
Elbestraße
Freil
iggra
th Str para jogos, faixas laterais no caminho);
pela iniciativa ALPAPATO (Anna Lau-
• Objetos industriais. ra Parques Para Todos), organização
Friedrich-Ebert-Staße
de referência nacional que também
Esses objetos não são brinquedos no doa parques infantis acessíveis a
Hofmanstraße
sentido convencional. Demos a eles crianças com mobilidade reduzida,
o nome de “companheiros de cami-
gasse

alterações sensoriais e intelectuais.


aße
nho”. Eles interrompem a monotonia
Stern

tr
er S
ung
st ädt A ideia é que elas “tenham a oportu-
ng

Pf
do trajeto, entendido como chato por nidade de brincar de forma segura e
Nordri

ß e
r Stra
Fran
kfur te muitas crianças, mas não representam ampliar experiências motoras, cogni-
lugares para ficar. A ideia é fazer um tivas e sensoriais, favorecendo a me-
uso temporário mesmo. lhora da autoestima e promovendo
a acessibilidade social.” Os parques
atendem a todas as crianças, com ou
B 26

Cidades para brincar e sentar 72 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 73 Capítulo 6 . Cidade para brincar
Materiais naturais Mudanças no pavimento
sem deficiência. O primeiro deles foi
inaugurado em 2014, na unidade da Objetos elaborados com troncos, pe- Onde o caminho não se mostra largo o
Associação de Assistência à Crian- dras e mesmo elementos naturais, suficiente para a colocação de objetos,
ça Deficiente (AACD) no Parque da como desníveis ou elevações de terre- o piso pode ser alterado. Nesse caso,
Mooca, Zona Leste de São Paulo. Ou- no, córregos ou cursos d’água, são vis- foram inseridas placas de 3 m de com-
tras cidades que receberam parques tos pelas crianças como oportunidades primento e 1 m de largura com linhas
doados pela iniciativa foram Pelotas de brincadeira e as ajudam a se orien- para as quais não há regras. Os blocos
(RS), Tubarão (SC), Araraquara (SP), tar no espaço. do piso intertravado podem ser tro-
Quando não há espaço para objetos, o piso
cados por aqueles com pigmentação
Cascavel (PR), Natal (RN) e Recife serve de elemento lúdico
em amarelo. E, por fim, em pisos mais
(PE). Rodolfo Fischer, idealizador da
lisos, como calçadas de cimento ou
ALPAPATO, junto com sua compa-
placas largas, pode-se usar material
nheira, Claudia Petlik, participaram
termoplástico para fazer alterações. É
da Missão Técnica Criança e Natu-
ideal para superfícies que não tenham Objetos industriais
reza, em 2017, organizada pelo Ins-
saliências e que sejam contínuas, para
tituto Alana, para conhecer a cidade
que a durabilidade não fique muito É importante definir, de acordo com
de Freiburg, na Alemanha, referência
comprometida. as regulamentações locais, a distância
mundial em planejamento susten-
Companheiros de caminho elaborados com mínima que os elementos devem guar-
tável e considerada amigável para troncos: a diversão é se equilibrar
dar da rua, e também a altura confiá-
crianças. Existem outras opções de
vel desses elementos para, em caso de
parques acessíveis, como o Parque
queda das crianças, não ocorrerem fe-
Santos Dumont (São José dos Cam-
rimentos sérios.
pos, SP), o Parque Lagoa do Taqua-
ral (Campinas, SP), o Parque Vitória A altura máxima de queda14 de todos os
Régia – Projeto LIA (Bauru, SP) e, em objetos é inferior a 60 cm. Por isso, não
Ribeirão Preto, também no Estado de
São Paulo, podem ser encontrados
vários que fazem parte do Projeto 14
A NBR16.071, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas, define “altura de queda livre” como
Duda Nalini. “distância vertical máxima entre a parte claramente
destinada ao suporte do corpo e a superfície de
impacto situada abaixo.” https://www.abntcatalogo.
As pedras medem, no máximo, 60 cm de Blocos coloridos criam oportunidades para com.br/norma.aspx?ID=91116. Acesso em: 9 de
altura e permitem usos variados brincadeiras agosto de 2020.

Cidades para brincar e sentar 74 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 75 Capítulo 6 . Cidade para brincar
se torna necessária uma proteção con- Tipo “estreito e longo”
tra quedas. A distância até a rua, nessas
experiências alemãs, nunca será inferior
Legislação
a 100 cm15. Em algumas instalações, na brasileira
área de impacto, em caso de queda,
deve haver cercas, cercas vivas bem
fechadas ou muros. Esses obstáculos No Brasil, de acordo com
não representam um perigo em si, pois o Decreto Federal nº
as crianças podem colidir, no máximo, 5.296/2004 (54), o desenho
Materiais simples, como troncos ou postes, e posicionamento de mo-
contra essas superfícies verticais. podem ser utilizados
biliário urbano em espaços
Existem basicamente dois tipos de ob- públicos deve garantir a
jeto: o “estreito e longo” e o “de ponto”. aproximação segura, o uso
A escolha de qual usar depende do es- por pessoas com deficiên-
paço disponível. Enquanto o do tipo es- cia e a circulação livre de
treito pode ser aplicado em caminhos barreiras, mantendo a “fai-
mais apertados, inclusive bem próximo xa livre” mínima no passeio,
a muros e limites de propriedades, o de acordo com a norma de
do tipo ponto deve ser instalado de acessibilidade da Associa-
forma ilhada e com mais espaço, já que Objetos com cores e desenho arrojado ção Brasileira de Normas
o seu acesso se dá, idealmente, a par- trazem alegria aos trajetos Técnicas (ABNT) - NBR9050
Sem ocupar muito espaço, os objetos criam
tir de todos os lados, e os movimentos oportunidades no caminho (55). Além disso, como se
que ele permite são, muitas vezes, de trata de equipamentos para
balanço e rotação. crianças, deve-se atentar à
norma NBR 16.071 (56) que
traz requisitos de seguran-
ça para o projeto, instala-
15
No Brasil, essa distância (até a rua, um muro ou
ção, manutenção, inspeção
outro mobiliário), de acordo ainda com a NBR e utilização desses objetos
16071, deveria ser de 1,50 m. Se houver dois
elementos lúdicos, deve-se somar as duas áreas de e espaços.
queda (como se cada um deles gerasse essa área de
1,50 ao redor), totalizando 3,0 m de distância. Tudo
isso para elementos de 1,50 de altura de queda, se
for maior essa distância também deve ser maior.12
No Brasil, corresponde à etapa educação infantil, Este objeto serve tanto para se equilibrar Não tem declives naturais? Sempre dá para
que está dentro do nível educação básica. como para sentar criar alguns!

Cidades para brincar e sentar 76 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 77 Capítulo 6 . Cidade para brincar
Tipo “de ponto” Caminhos Rua para brincar
para a escola por tempo limitado

De acordo com as rotas, e levando em Na realidade, o objetivo desejado –


conta os aspectos relacionados à pre- uma rua segura, na qual as crianças
cisão das informações e à segurança, possam brincar – é alcançado apenas
os pontos de travessia foram marcados de forma ainda muito restrita. Quase
Formas inusitadas chamam a por duas pedras simbólicas, embutidas não existem ruas para brincar na Ale-
atenção das crianças
no pavimento. A imagem abaixo é um manha, mas zonas de trânsito calmo
dos exemplos: indica a direção que a com algumas regras, como o limite
criança deve seguir quando ela atra- permitido de velocidade dos carros de
vessa a rua, aumentando assim a segu- 7 km/h e estacionamento somente em
rança do trajeto, uma vez que ela sabe lugares específicos. Por isso, foi cria-
de onde tem que partir e aonde che- do o conceito de “rua para brincar por
gar. As posições são verificadas a cada tempo limitado.”
dois ou três anos, por uma nova ação
Os objetos de ponto são usados para pular ou
realizada com o uso de giz. O primeiro passo foi determinar com
para se reclinar sobre eles para tomar fôlego
os órgãos competentes quais ruas po-
Com alturas diferentes, os objetos deriam ser vistas como apropriadas
servem a diferentes idades
para a implementação desse concei-
to, levando em consideração as condi-
ções locais. Também se estabeleceram
acordos com o o órgão municipal que
cuida da zeladoria de áreas públicas16.
Em seguida, o projeto foi apresentado
ao público.

16
No Brasil, corresponde ao órgão ou empresa
pública em nível municipal responsável pelo
Patamares com molas: Em uma parada breve, dá para subir, Marcações com pedras indicam os locais mais gerenciamento, operação e fiscalização do sistema
estímulo ao movimento descer e se pendurar seguros para as travessias viário da cidade.

Cidades para brincar e sentar 78 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 79 Capítulo 6 . Cidade para brincar
Inseguras para o brincar Após aproveitar a rua para brincar de
forma extensiva, as crianças a classifi-
os interesses das crianças mais velhas.
Isso porque, ao também usufruírem
caram, em avaliações subsequentes, do espaço, os adultos tentaram orga-
No Brasil, muitas ruas não podem ain- zação, resultam em grande número de como “legal” e “melhor do que antes”. nizá-lo com vários brinquedos que fi-
da ser consideradas seguras para o mortes no trânsito: em 2018, o número Elas não se limitaram apenas a alguns caram à disposição. Mas muitos que-
brincar. Por um lado, a infraestrutura de pedestres que vieram a óbito foi de lugares, mas ocuparam a rua inteira. As riam andar de bicicleta, skate, correr e,
é bastante precária em muitos mu- mais de 6 mil, de acordo com Ministé- crianças sentem a necessidade de se para isso, precisavam de espaço livre,
nicípios: calçadas estreitas, com ma- rio da Saúde (57). Existem, ainda, diver- espalhar sem perturbações, e seu de- sem nada previamente organizado. Os
nutenção insuficiente ou inexistente, sos outros desafios a vencer para trans- sejo de ocupar todo o espaço pôde ser adultos entenderam que não é neces-
escassez de faixas de pedestre e sina- formar as ruas em locais mais seguros percebido, por exemplo, nos desenhos sário criar um ambiente, bastando dei-
lização semafórica, iluminação pública e saudáveis para as crianças – e para de giz com os quais encheram a rua. O xá-lo livre para que as crianças façam
ruim, entre outros problemas. Segundo toda a população – como os altos índi- bloqueio da rua também teve um efei- suas escolhas de brincadeiras. O confli-
o Censo do IBGE de 2010, a presença ces de poluição atmosférica e sonora, to positivo para os contatos sociais en- to foi superado em um fechamento de
de calçadas no entorno de domicílios e a falta de segurança pessoal. Por isso, tre as crianças. Nos quintais ou dentro rua posterior.
do país é de apenas 69% — e somente é importante ressaltar que a instalação de casa, elas apenas se encontram em
4,7% delas são acessíveis. Essas carac- de elementos lúdicos deve vir sempre pequenos grupos ou em pares. Mais Ao longo do tempo, os interesses das
terísticas, somadas às altas velocidades acompanhada de outras melhorias que de vinte se reuniram na rua, inclusive crianças foram sendo negligenciados
ainda permitidas em muitas ruas, além garantam segurança, conforto e aces- de ruas próximas.
de outras questões, como o comporta- sibilidade nas calçadas e demais espa-
mento do condutor e a falta de fiscali- ços públicos. As crianças tinham sido afastadas da
rua pelos carros, mas a Ação Rua para
Brincar mostrou que elas ainda têm
ideias sobre como utilizá-la, caso a
oportunidade lhes seja oferecida. Des-
cobrimos que o bloqueio beneficiou
não apenas a elas. Moradores adultos
sentiram também o desejo de perma-
necer nela e a transformaram em uma
espécie de festa de rua: improvisaram
um churrasco, tomaram café e brin-
caram com as crianças. Porém, inicial- Meyer e crianças comemoram título: Griesheim,
mente, esse fato criou conflitos com a primeira Cidade para Brincar da Alemanha

As ruas também podem representar oportunidades de brincadeira e convívio para as pessoas

Cidades para brincar e sentar 80 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 81 Capítulo 6 . Cidade para brincar
Moderação de tráfego Ruas de lazer
Uma vez que as ruas são espaços pú- No Brasil, existe uma prática comum tos necessários. Saiba mais no site do
blicos, elas podem ser usadas para vá- em diversas cidades que são as “ruas programa Criança e Natureza: https://
rias atividades coletivas que envolvam de lazer”. Trata-se do fechamento de criancaenatureza.org.br/wp-content/
crianças, adolescentes, adultos e pes- ruas para o trânsito, aos domingos e fe- uploads/2018/10/ruas_de_lazer.pdf.
soas idosas. E, quando o desenho viário riados, para destiná-las ao brincar das Acesso em 30 de setembro de 2020.
contempla essa possibilidade, ele ga- crianças e a atividades ao ar livre, pro-
rante a segurança de todos os usuários. porcionando aprendizado, saúde, ami-
zade e alegria para crianças, adultos e
Especialistas do mundo todo indicam
idosos, e contribuindo para a evolução
que limitar as velocidades diminui con-
da vida comunitária.
sideravelmente o risco de morte em
acidentes de trânsito. A redução tam- A placa indica que, nessa rua, carros e
Para criar uma rua de lazer, os mem-
pessoas têm a mesma prioridade
bém contribui para o fomento da inte- bros da comunidade precisam estar
ração entre as pessoas nesse espaço. engajados, os órgãos públicos acessí-
O conceito de moderação de tráfego vidas. O termo tem sido adotado por veis aos indivíduos, e alguns cavaletes
(tráfego acalmado, acalmamento de várias cidades em todo o mundo. Ou- devem ser providenciados.
tráfego, traffic calming ou ainda ações tra referência nessa direção é da As-
moderadoras de tráfego) propõe al- sociação Nacional de Funcionários de Em algumas cidades, já existem leis e
terações no desenho viário que indu- Transporte Urbano (NACTO17, sigla em regras explícitas, basta apenas que a
zem a mudanças de comportamento inglês) que, em 2016, desenvolveu o comunidade se mostre interessada.
por parte dos condutores, como dirigir Guia Global de Desenho Viário (Glo- Em outras, é preciso garantir uma le- Para criar ruas de lazer, a comunidade precisa
com mais atenção, aumentando a se- bal Street Design Guide) (58) que traz gislação que defina os procedimen- estar engajada e se organizar
gurança de quem caminha, de quem diversas possibilidades de transforma-
pedala, de quem usa o transporte pú- ção das cidades a partir da priorização
blico e de quem dirige. de pedestres e ciclistas.

Um dos exemplos é o da Suécia, que


no planejamento do trânsito. A rua é atender às necessidades deles. Uma
criou a iniciativa “Visão Zero”, com o
basicamente “amiga do carro”. Ficou distribuição facilmente visível das áre-
lema de que nenhuma vida perdida no 17
Fundada em 1996, organização sem fins
lucrativos reúne mais de 40 cidades dos Estados evidente que os moradores encontra- as, estabelecida de acordo com as
trânsito é aceitável, e realizou um rede-
Unidos e Canadá. https://nacto.org/ Acesso em: 9 ram maneiras de impedir o trânsito, regras de tráfego, é ainda defendida
senho viário com o objetivo de salvar de agosto de 2020.
pelo menos por algumas tardes, para também no caso da mudança tempo-

Cidades para brincar e sentar 82 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 83 Capítulo 6 . Cidade para brincar
rária. Somente experiências mu-
darão as atitudes. Reivindicações
Passo a passo de uso permanecem. Ao que tudo
alemão indica, a mudança de perspectiva Capítulo 7
é algo que deve ser conquistado
aos poucos.
Indica-se uma tarde por semana à ad-
ministração municipal, que analisa se o
Cidade para
projeto pode ser implementado na rua
desejada. Verifica-se, também, se não
sentar
há outra solicitação para o mesmo dia.
Os candidatos recebem uma carta, na
qual as regras são descritas. No anexo,
há um cartaz informativo que deve ser
copiado e colado nas portas de todas
as casas da rua, no dia anterior à ação.
Por fim, um livreto com propostas para
brincadeiras de rua é anexado. No dia
da ação, a rua fica livre de carros a par-
tir das 12h (veículos de resgate podem
circular livremente). Nessa hora, o ar-
mazém municipal18 fornece cavaletes e
placas com o aviso “Entrada proibida”.
Coloca-se também uma placa adicio-
nal “Rua para brincar por tempo limita-
do”. Às 18h, os adultos retiram as bar-
reiras e as placas, reconduzindo a rua a
seu status anterior.

18
No Brasil, corresponde ao órgão ou
empresa pública em nível municipal
responsável pelo gerenciamento, operação
e fiscalização do sistema viário da cidade.

Cidades para brincar e sentar 84 Capítulo 6 . Cidade para brincar Cidades para brincar e sentar 85 Capítulo 7 . Cidade para sentar
ções de idosos, grupos de senhores, • O cuidado: “De vez em quando,
preciso resolver pequenas coisas na
Tipos de banco:
paróquias e comunidades de bairros
disponibilizaram suas vivências, como cidade e meu marido está comigo. Para ver a vida passar
a avaliação das próprias forças físicas, Aí, vejo que há poucas possibilida-
que se mostra o componente mais des para ele se sentar e descansar Deve ser projetado de tal forma que
importante: “É preciso administrar as um pouco.” uma permanência mais demorada
energias e, sabendo que ao longo do seja confortável. Para isso, as modela-
caminho não haverá nenhum lugar para • O aspecto econômico: “Quando gens do assento e do encosto são re-
você vai encontrar alguém na cida- levantes, assim como a presença de
descansar, já percebo que não terei a
de, você quer sentar e conversar. Há um apoio para o braço. Os critérios de
disposição necessária.”
os cafés, mas lá você sempre é obri- qualidade para novas compras de ban-
Com a idade, os caminhos percorridos gada a beber alguma coisa.” cos incluem:
são cada vez mais curtos, por causa da
Antes de sair de casa, a pessoa idosa • Altura do assento de 50 a 54 cm
limitação física. Além disso, experiên-
analisa as próprias condições e as do
cias de insegurança e o medo de tro-
trajeto. O resultado dessa avaliação • Borda do assento arredondada
peços durante a caminhada são mais
determinará se ela de fato sairá e qual
atribuídos à própria pessoa e menos às • Apoio para braço em cada assento
caminho escolherá. “As distâncias cos-
circunstâncias.
tumam ser longas demais para serem • Barra de pé (opcional: espaço para
Alguns objetos para brincar se mostraram
apropriados também para o descanso Há outros aspectos, ainda, que desem- percorridas sem pausas.” Esses “pon- um andador)
penham um importante papel no uso tos de pausa” necessários podem ser,
do espaço público para esse grupo: por exemplo, muros baixos. “Não pre-
O tronco de madeira que aparece na ciso necessariamente de um banco
foto acima, para se equilibrar, faz par- • A preocupação com a imagem: para recuperar o fôlego.”
te da Cidade para Brincar. Foi instala- “Muitas vezes, gostaria de me sen-
do ao lado de um caminho que leva a tar, mas dificilmente posso fazer isso No entanto, o termo usado por todos
um cemitério. Certo dia, o fato de três nos degraus em frente às lojas. O para denominar esses lugares de des-
senhoras se sentarem nele levantou que as pessoas iriam pensar?” canso, é banco. “Precisamos de mais
a questão sobre quais experiências, bancos”. Eles podem ser oferecidos
afinal, os pedestres idosos e pessoas • O aspecto social: “Às vezes, vejo com vários tipos e materiais, como os
com mobilidade reduzida vivenciam duas mulheres em frente à minha de plástico, de madeira etc. Contudo,
nas ruas. Em Griesheim, 300 pessoas casa, que costumam parar para um de acordo com as conclusões do es-
idosas participaram da pesquisa. Já bate-papo na esquina da rua. Para tudo, as necessidades de fato variam A altura e os encostos do banco importam
em Brühl, 155 participantes de institui- elas, um banco também seria ótimo.” conforme as diferentes funções: quando se vai passar mais tempo

Cidades para brincar e sentar 86 Capítulo 7 . Cidade para sentar Cidades para brincar e sentar 87 Capítulo 7 . Cidade para sentar
Para servir de Para sentar-se
ponto de encontro por tempo curto

A exigência principal não foca o con- Em Griesheim, foram instalados, no es-


forto, mas a oportunidade de sentar-se paço público, objetos brincantes com
durante um período de transição, não objetivo de uso não explicitamente de-
determinado com precisão. De qual- finido, e isso causou grande irritação. Ao
quer forma, o banco como ponto de contrário das crianças, que se apropria- Objeto em forma de animal: adotado e
encontro deve oferecer um conjunto ram deles e deram às coisas um signifi- cuidado pelos idosos
de assentos para várias pessoas, se- cado e um nome temporário, os adultos
jam eles arranjados em segmentos ou pediam explicações. Como foram insta-
em forma de um banco redondo. Esse lados dentro do conceito Cidade para
modelo deve permitir que um grupo Brincar, ficou pelo menos evidente que
de pessoas possa sentar-se e ter con- eram destinados às crianças. Porém, ob-
dições de se ajudar para levantar. Ao servou-se que certos objetos também
mesmo tempo, ele possibilita que di- foram adotados por adultos, principal-
ferentes formas de sentar sejam adota- mente idosos, como assentos ou pon-
das, conforme as necessidades. tos de apoio temporários. Cilindro com chanfro: permite sentar e
levantar sem dificuldade

Banco com espaço para entrada


de andador

Outros aspectos abordam menos o


objeto em si e mais a sua localização.
Os bancos devem ser colocados de tal
maneira que permitam a participação Escuta de idosos revela: “Bancos deveriam Objetos de uso não definido: As crianças brincam de Uso misto: para se apoiar e para
da vida social. ser mais altos, não tão baixos” adultos, no início, desconfiaram pula sela com este objeto sentar-se também

Cidades para brincar e sentar 88 Capítulo 7 . Cidade para sentar Cidades para brincar e sentar 89 Capítulo 7 . Cidade para sentar
A partir dessa experiência de uso, foram • Após a chuva, a água deve escorrer na falta de conhecimento/empatia em
desenvolvidos objetos adequados para rapidamente para permitir um pro- relação à perspectiva singular dos ido-
uma breve recuperação do cansaço: cesso de secagem em pouco tempo; sos, mas no fato de que o banco era
visto como o único mobiliário urbano
• O assento deve ser alto o suficien- • O objeto não deve necessitar de utilizado para permanecer no espaço
te para que uma pessoa possa le- manutenção. público. Faltavam outras referências.
vantar-se somente deslocando seu Os muros baixos e outros objetos para
peso. Para isso, o assento deve ser Uma revisão de todos os catálogos de
mobiliário urbano mostrou que não se sentar não eram considerados, e foi
levemente chanfrado; necessário incluí-los de volta no reper-
existiam objetos desse tipo. Porém, al-
tório dos participantes.
• O espaço necessário para o posi- gumas empresas se sentiram motiva-
cionamento na calçada deve ser das a desenvolver os assentos tempo-
pequeno; rários. O resultado foi este: Novos murinhos que se juntam
aos ainda existentes
Brühl

O aspecto inovador da Cidade para No decorrer da vida na cidade, escolhe-


Sentar consistiu na consideração das mos determinados lugares para frequen-
diferentes necessidades que surgem, tar, de acordo com nossas necessidades
de acordo com cada situação encontra- e interesses implícitos. Isso muda com
da. A demanda foi atendida, de forma a idade. Para os idosos, o que importa
insuficiente, pelos bancos existentes e é a estabilidade emocional na hora de
os objetos da Cidade para Brincar. Em se concentrar para realizar tal atividade
um primeiro passo, foram identificados externa. Ela é influenciada pelo objetivo
os caminhos e locais mais frequenta- que deve ser resolvido no destino. Mas,
dos pelos pedestres idosos e pessoas por outro lado, há sentimentos em rela-
com mobilidade reduzida. ção ao percurso, conforme as mudanças
externas e internas também. À época do
Após a verificação, eles foram exami- projeto na cidade de Griesheim, pes-
nados para uma possível instalação de soas que estavam em idade próxima à
assentos de curta permanência, pon- aposentadoria citaram alguns lugares
tos de encontro ou bancos para uma frequentados por elas e nos apontaram
Objetos com a funcionalidade de se sentar por pouco tempo, recuperar o fôlego e seguir em
estada mais longa. Os desafios dessa algumas das barreiras para seu acesso,
frente: qual deles usar depende do espaço disponível atividade não estavam tão centrados permanência e circulação.

Cidades para brincar e sentar 90 Capítulo 7 . Cidade para sentar Cidades para brincar e sentar 91 Capítulo 7 . Cidade para sentar
Atenção necta Griesheim à cidade grande vizi- Vale a pena sair de casa somente para conforto às necessidades físicas das pes-
nha, Darmstadt. Existem, no total, seis comprar pãezinhos na padaria? Nem soas na terceira idade. Resta o horário
pontos, cuja altura da plataforma está supermercados, nem lojas de varejo estar em sintonia com o ritmo do dia da
A mudança tecnológica das institui- no mesmo nível do piso do bonde. Há oferecem assentos. Embora lojas de pessoa idosa, e a garantia de uma opor-
ções bancárias, nas quais, atualmente, bancos na maioria das paradas. Mesmo roupas estejam preparadas para acom- tunidade para chegar a um banheiro.
quase tudo é resolvido online, tem le- assim, a pressão do tempo causa um panhantes, o esforço para chegar à loja
vado cada vez menos pessoas às agên- impacto. É preciso manusear a máqui- não era considerado. E, logo após a en-
cias. Com isso, está ocorrendo uma na de bilhetes e, dependendo da lo- trada nela, a pessoas eram induzidas a
mudança de costumes. Esses clientes calização, correr para alcançar a porta externar o seu desejo de compra. Acessibilidade
mais antigos, mais idosos, habituados a de entrada a tempo. Existia um medo
um atendimento pessoal relativamente latente de que a porta se fechasse an-
Locais vinculados a atividades espor-
constante, demonstraram incômodo tes. Quanto à descida, a pessoa não se
com uma sensação de insegurança so-
Ansiedade tivas se tornaram cada vez menos fre-
arriscaria a levantar antes da parada do
quentados por pessoas com idade
bre as condições que encontrarão no bonde. Isso, por sua vez, resultou na
avançada. Seja para encontrar outras
local. Eles não sabiam se haveria ali preocupação de eventualmente não A ida a um consultório médico frequen-
ou para fazer exercícios direcionados
uma oportunidade para se sentar, des- chegar a tempo à porta, antes que ela temente é carregada de sentimentos
pela necessidade, é imprescindível
cansar e juntar forças, e essas preocu- se fechasse novamente. A viagem em de ansiedade. Ela pode ser gerada pe-
pações roubaram a sua atenção duran- que o caminho seja acessível.
si, portanto, já representou um proces- los possíveis resultados da consulta ou
te o caminho até lá. so que está mentalmente afetado por dos exames, causando preocupação e
incertezas. E, ainda, se o caminho en- desconforto à pessoa já ao longo do
tre a casa e a estação não suportasse caminho. Os assentos na sala de espe- Tempo de espera
uma avaliação positiva das condições, ra e a água mineral oferecida atendem
Insegurança a viagem de bonde seria excluída do as necessidades após a chegada. Mas
repertório da mobilidade. os pensamentos podem se tornar mais Os locais de encontro podem ser ao
As constantes mudanças nos serviços fortes do que o objetivo de estar ali. ar livre ou não, como apontados pelas
postais, no que se refere ao horário pessoas nessa fase da vida. O que cha-
de funcionamento, e à quantidade de mou a atenção foi a tolerância em rela-
Esforço ção ao tempo de espera: ela diminui.
clientes atendidos, tornaram-se tam-
Conforto Uma pessoa que chega atrasada exige
bém perturbadoras. Os idosos se per-
guntam: qual será o tamanho da fila A relação entre os caminhos a per- um esforço de espera das demais, sen-
de espera? Na prefeitura, pelo menos correr e a variedade de itens que po- Os bancos das igrejas e o silêncio nor- tido especialmente por aquelas que
há cadeiras nos corredores? Outro dem ser resolvidos em um só lugar malmente encontrado nelas, além da haviam saído de casa mais cedo, exata-
exemplo é a linha de bonde que co- tornou-se outro aspecto importante. perspectiva de suporte espiritual, trazem mente para evitar atrasos.

Cidades para brincar e sentar 92 Capítulo 7 . Cidade para sentar Cidades para brincar e sentar 93 Capítulo 7 . Cidade para sentar
Capítulo 8

Mobilidade para
quem precisa de
mais tempo

Brühl: mapa com os pontos em que há oportunidades para descanso

Em 2009, Griesheim foi reconhecida parquinhos, que são diferentes des-


como a primeira Cidade para Brincar e, ses objetos em relação à estética e aos
em 2015, se tornou também a primeira usos. Por isso os chamamos de “com-
Cidade para Sentar da Alemanha. En- panheiros de caminho”, como aponta-
quanto isso, Brühl pode ser considerado mos no Capítulo 6.
o primeiro município a desenvolver os
dois conceitos paralelamente. Ali, uma
das perguntas que mais ouvimos foi:
“Será que as pessoas usam aquilo?”
Os companheiros
de caminho são
Isso porque a maioria ainda tem como notados por quem
referência somente os brinquedos de precisa deles

Cidades para brincar e sentar 94 Capítulo 7 . Cidade para sentar Cidades para brincar e sentar 95 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo
O playground é um lugar de perma- movimenta em direção ao próximo. Por quem precisa deles. Outras pessoas
nência, para o qual a criança vai a fim isso, não se vê crianças que permane- não prestam atenção e, normalmente,
de usar as opções que lá existem. Isso, çam por lá. nem percebem os poucos minutos nos
porém, não se aplica aos objetos no quais são utilizados. Isso acaba levan-
espaço da rua. Eles configuram ofertas Na Cidade para Sentar, os assentos
do algumas pessoas à impressão sub-
ao longo do percurso que podem, mas para curta duração se destacam por
jetiva, equivocada, de que se trata de
não precisam, ser utilizadas para outros serem incomuns. Mas esses elemen-
objetos inúteis.
fins. Quem pula sobre o objeto azul, tos são notados e usados apenas por
disposto ao longo do caminho, logo se Uma pergunta levantada com frequên-
cia foi: “Afinal, os objetos são aceitos?”
Mais um modelo industrializado: serve para
se apoiar e seca rápido quando chove Como os 100 objetos lúdicos encontra-
dos nas ruas não receberam avaliação
individual, foram elaborados questio-
nários específicos para cada distrito
escolar. Primeiro, procuramos saber
quais deles foram percebidos. Isso de-
pende, por um lado, dos caminhos de
cada um, mas também da atenção que
lhes é dada.

Empresas se dispuseram a desenvolver Forma colorida: para testar o equilíbrio e Um total de 850 crianças preencheram
alguns modelos romper a monotonia
Banco com encosto: para uma os questionários. A taxa de percepção
estada mais longa dos objetos individuais foi de, no míni-
mo, 25% e, no máximo, 96%. Uma ava-
liação diferente entre meninas e me-
ninos não foi perceptível. A avaliação
positiva desse novo mobiliário foi de
74,5%. Uma posição intermediária am-
bivalente foi apresentada por 20,0%; já
4,3% pronunciaram-se de forma crítica
e 1,2% não emitiram opinião.

As pedras ao longo do muro permitem A escadaria com cara de banco serve Uma alteração no piso já serve para se Eis alguns comentários (avaliações pa-
brincar enquanto se segue o trajeto para brincar e sentar orientar e trazer uma surpresa recidas foram agrupadas):

Cidades para brincar e sentar 96 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo Cidades para brincar e sentar 97 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo
• Inventamos uma brincadeira e é sempre empolgante ver quem ganha.
• Sem esses brinquedos, não dá para brincar na rua.
• Assim o caminho para a escola não é só para andar.
• Eles são claramente visíveis nas ruas.
• Servem como decoração também.
• Acho os objetos engraçados. E bonitos. São divertidos. • Acho interessante descobrir sempre novos objetos para brincar.
• Bem legal. • Acho bom que o caminho fique mais bonito para as crianças.
• O caminho para a escola agora se tornou muito empolgante. • Eles são tão coloridos.
• Acho que a ideia é boa.
• Quando eu era mais novo, achava ótimo.
• Eles (os objetos) espalham bom humor.
• Eu gosto de estar lá.
• Nunca se sabe onde fica o próximo (objeto).
• Às vezes você brinca, e outras vezes não.
• Você pode brincar no caminho.
• É um bom passatempo, pois o caminho é chato. • Sou descolado, isso é coisa de criança.
• Se você está esperando por alguém, você pode brincar. • Eles atrapalham e eu não sou um bebê.
• Acho legal brincar de vez em quando, sem precisar ir ao parquinho. • Coisas infantis: não sou mais criança.
• Você pode fazer qualquer coisa nele. • Você não pode brincar por muito tempo sem perder a graça.
• Se alguém estiver cansado, pode se sentar neles. • É preciso construir mais e maiores brinquedos, com mais ação.
• Eu posso brincar com meus amigos nessas estações. • São muito poucos.
• Acho empolgante porque é feito para crianças. • Muitas vezes, não se sabe o que fazer lá.
• Acho que Griesheim construiu ótimas estações para brincar. • Eu não entendo para que servem.
• Devem continuar assim e construir mais coisas. • Às vezes você esquece o tempo brincando.
• Eu gostaria muito que continuasse assim. • Você perde tempo em vão.
• Eu acho muito bom, mas infelizmente ainda não há nada no meu caminho. • Eles roubam seu tempo.
• Dá para inventar muitas brincadeiras novas. • Leva uma eternidade descobrir para que servem.
• Nas pedras, dá para inventar muitas brincadeiras. • Sinto que eles não são brinquedos de verdade.

Cidades para brincar e sentar 98 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo Cidades para brincar e sentar 99 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo
Reconhecimento em quatro grupos. Depois, os “testado-
res de objetos” se reuniram na prefeitu-
forneceram informações concretas em
relação a uma ponte de blocos, cujos
público ra, onde foram recebidos pelo Primeiro cabos precisavam ser tensionados no-
Conselheiro Municipal, Rüdiger Mey. O vamente. Uma delas afirmou: “Quando
Prof. Bernhard Meyer, da Faculdade Pro- você pisa nela, a ponte toca o chão.”
Além da repercussão nas mídias testante de Darmstadt, criador da Cida-
locais, prêmios europeus, nacio- de para Brincar, e os representantes da A figura da foto abaixo, perto de uma
nais e regionais enfatizam o cará- administração da cidade de Griesheim casa de idosos, já passou por várias
ter especialmente inovador da Ci- também as acompanharam. Por fim, 16 tentativas de ser personalizada. Em al-
dade para Brincar e Sentar: ADAC crianças estavam de acordo: “Foi diverti- guns dias, os olhos e as sobrancelhas
2008 (1º lugar)/2009 (2º lugar), do, a maioria das coisas foi ótima.” são desenhados. O nariz e a boca tam-
Deutscher Spielraum-preis 2009, bém viram alvos de destaque frequen-
Lebendige Stadt 2009 (1º lugar), Objetos com os quais as crianças po- temente. E se houver um pequeno ar-
Deutschland Land der Ideen 2012, diam criar várias brincadeiras diferen- ranhão, um band-aid ajuda.
Demografischer Wandel Hessen tes foram avaliados de maneira muito
2013 (2º lugar), Der Deutsche Al- positiva. Também receberam boas no-
Este modelo, chamado Spica, foi bem
terspreis 2015 (4º lugar). tas os que exigiam habilidades ou po-
avaliado pelas crianças
diam ser usados por várias crianças ao
mesmo tempo, como o redemoinho
As crianças sugeriram colocar também,
“Spica”, o pavimento colorido nos ca-
ao lado da escola Friedrich-Ebert, pe-
Oficina Cidade minhos para a escola, o banco de de-
quenas pedras erráticas junto às gran-
graus na praça do cemitério ou o “Dri-
em Movimento ppler”, companheiro de caminho que
des, e pintá-las com diferentes cores. E
ainda pintar, na calçada, campos com
parece uma bola cortada ao meio.
números para jogos de amarelinha,
Algumas crianças, filhos de funcionários
onde existe um piso de placas.
da Universidade Técnica de Darmstadt, O acompanhante de caminho ganhou um
foram visitar Griesheim, durante uma Os “testadores de objetos” chegaram curativo: sinal de que foi bem recebido
colônia de férias organizada pela asso- à conclusão de que alguns objetos na
ciação “FamilienSinn” (sentido da famí- Cidade para Brincar só podem ser usa-
lia), de Darmstadt. Com idades entre 7 e dos por crianças de uma certa idade, Considerações finais
11 anos, elas participaram da Oficina de porque exigem força ou um certo ta-
pesquisa Cidade em Movimento, com a manho. Mas “quando você consegue As experiências de Griesheim e Brühl
intenção de testar os objetos da Cida- O pavimento colorido no caminho para
pular sobre todos os objetos azuis da reforçam a concepção de que, quan-
de para Brincar. Para isso, saíram às ruas a escola agradou aos mais novos fileira, pode dizer que cresceu”. Elas do as cidades são administradas para,

Cidades para brincar e sentar 100 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo Cidades para brincar e sentar 101 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo
pelas e com as crianças e pessoas com Descobrimos a conscientização desen- para a construção de uma sociedade
mobilidade reduzida, elas são excelen- volvendo a mudança de perspectivas mais justa, mais humana, mais demo-
tes para se viver em qualquer idade. como ponto central para a alteração de crática e, certamente, mais divertida.
No fundo, estamos falando de tempo e situações pré-estabelecidas. Da mes- Que possamos nos direcionar para as
escuta. O que é importante para esses ma maneira que alguns conseguem qualidades de desenvolvimento inte-
grupos? Se descobrirmos o que ambos expressar suas experiências, relacio- gral, ludicidade, respeito às condições
querem ou precisam “fazer” nos luga- nando-as ao conhecimento das pers- físicas, emocionais e à memória, todas
res - se “esconder”, “pular”, “escorregar”, pectivas, outros precisam despertar e elas de alguma forma representadas
“descansar” –, chegaremos a percep- querer ampliar suas próprias percep- nos “companheiros de caminhos.”
ções mais respeitosas, reais e inovado- ções. Somente a partir da ampliação
Se essas pequenas cidades na Alema-
ras. Por isso, o foco no que querem vi- Criar pontos de encontro promove autonomia das perspectivas, consegue-se criar
para as crianças e mais segurança para o bairro nha puderam aprender com o Brasil, a
venciar nos espaços, e não nos desejos, uma Cidade para Brincar e Sentar.
partir das concepções de Paulo Freire,
porque corremos os risco de colher res-
São explícitas as intenções de contri- esperamos que esta publicação seja
postas amplas demais – “brincar”, “um ele não há comunicação e sem comu-
buirmos para o aumento da mobilida- uma retribuição, e possa inspirar a mu-
caminho confortável” –, uma vez que nicação não pode haver uma “autêntica
de ativa, para a autonomia de crianças dança em muitas cidades brasileiras.
eles apontam o que poderia estar por educação (60).” Segundo ele, a edu-
vir, ou seja, um passo anterior às experi- cação nunca é neutra, ela é usada ou e idosos, para que haja mais tempo em
ências mais integrais de fato. como instrumento para a libertação do comunidade, usufruindo de um bem-
homem ou como instrumento para sua viver, proporcionando momentos de
Percebemos que, sem pesquisar indivi- pausa para que as crianças vivam suas
domesticação, seu adestramento para a
dualmente, nos afastamos da compre- infâncias a partir do que é espontâneo,
opressão (61) .
ensão das relações mais humanizadas, do que é sua essência, e para que co-
além de não realizar que o conhecimen- O que isso significa para o espaço pú- lham velhices saudáveis e altivas.
to só se desenvolve por meio da inven- blico, para a cidade? Para políticos lo-
ção e da reinvenção nesses encontros. É cais, administradores, professores? E As Cidades para Brincar e Sentar nos
preciso superar essa alienação para que para os habitantes da cidade? Como foi mostram que a abertura às mudanças
nossa humanidade mais genuína possa possível as cidades chegarem a tantas de perspectiva resulta numa qualida-
ser recuperada. A alternativa, para Frei- transformações e quem assim o quis? O de diferente das relações entre nós -
re, encontra-se na conscientização, ou espaço público, subtraído das crianças sociedade civil e governos - e com os
seja, no entendimento da própria situ- e dos adolescentes, dos que têm ne- espaços públicos. Os sentimentos de
ação de vida, da sua própria “leitura de cessidades especiais e dos idosos, dos pertencimento e vínculo de quem usa,
mundo” (59), com seus problemas e a pedestres, como pode ser recuperado? e o de respeito, satisfação e dever cum-
solução advinda da ação e reflexão. Por Quais riscos o espaço e o processo de prido de quem planeja uma cidade ou Recuperar o espaço público para as
isso, vivenciar o diálogo, visto que sem transformação representam? bairro, dizem muito sobre um caminho pessoas traz mais diversão

Cidades para brincar e sentar 102 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo Cidades para brincar e sentar 103 Capítulo 8 . Mobilidade para quem precisa de mais tempo
Bernhard Meyer, nascido em 1946, tra- Stefanie Zimmermann, nascida em
balhou até 2011 na Universidade Pro- 1971, familiarizou-se, desde a sua in-
testante de Ciências Aplicadas (Evan- fância, com a investigação dos espa-
gelische Hochschule) de Darmstadt, ços para crianças. A sua visão de mun-
no Departamento de Trabalho Social/ do desenvolveu-se primeiro a partir
Pedagogia Social. É assistente social e da perspectiva de uma criança e foi
pedagogo, e lecionou em áreas como depois complementada pelos conhe-
planejamento social, trabalho comuni- cimentos adquiridos em sua formação
tário, pedagogia para grupos de novas como arquiteta e mãe de quatro filhos.
tecnologias e de baixa renda. Há mais Durante seus estudos, o planejamento
de 30 anos, atua com espaços do brin- urbano fez parte da sua especialização
car para crianças e jovens, além de ci- e, na sua vida profissional, seu foco é a
Bernhard dades mais amigáveis para pessoas Stefanie “construção sem barreiras”, no sentido
que precisam de mais tempo (crianças, de criar cidades acessíveis para todos,
Meyer Zimmermann
pessoas com mobilidade reduzida e independentemente de idade ou con-
idosos). Está particularmente empenha- dição, um conceito que se chama “De-
do na participação desses grupos no sign para todos”.
desenvolvimento urbano sustentável.
Ele também aborda aspectos das ciên- stefaniemaria.zimmermann@t-online.de
cias sociais no uso de espaços públicos
e privados. Meyer assessorou diversos
municípios e implementou projetos em
mais de 70 cidades e bairros alemães.
Várias publicações sobre o tema refle-
tem essas experiências práticas. A mais
recente delas é o compêndio Mensch!
Stadt! (Cara! Cidade! em tradução livre,
disponível apenas em alemão).

bernhard.meyer@t-online.de

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Cidades para brincar e sentar 110 Referências bibliográficas


Iniciativa Realização

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