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PRECONCEITO

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PRECONCEITO
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Copyright © 2018 Flávio Duncan

Edição.......................................Flávio Duncan
Capa..........................................Flávio Duncan
Diagramação e Programação
Visual.............................Editora Book express.
Fotos de Capa.....................Juliana Fontenelle
Maquiagens.........................Diego Brum
Produção.............................Douglas Duncan
Revisão..... Ed. Book Express e Flávio Duncan
Editoração Eletrônica......Editora Book Express

PRECONCEITO
POR FLÁVIO DUNCAN

ISBN: 978-85-8218-447-9

Fica vetada a reprodução total ou parcial da


presente obra, sem prévia autorização por
escrito pelo autor, a quem detém os direitos
autorais pela criação da mesma.

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira


responsabilidade do autor.
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sanados em edições revistas e atualizadas
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“O que me preocupa, não é o grito dos maus,
mas o silêncio dos bons”.
(Martin Luther King)

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Aproveite e leia também:

Diários do Meio Fio – Fruto da primeira


grande pesquisa e mapeamento para
angariar indicadores a respeito de
pessoas em situação de rua, a obra
disponível em Português, retrata casos
e depoimentos de pessoas que
moravam nas ruas, explicando cada
caso minuciosamente e a forma como
essas pessoas permanecem nessa triste
situação.

Pescador de ideias – Manual simples e


de linguagem acessível que ensina e
motiva a escrever projetos sociais de
forma roteirizada.

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Como fazer projetos e captar
recursos – A presente obra retrata
de forma clara, maneiras objetivas
de captar recursos para execução de
suas ideias e pôr em prática projetos
pessoais, de sua empresa ou
instituições voltadas ao Terceiro
Setor.

Preconceito – Aclamadíssimo pelo


público e publicado em outras línguas,
a presente obra se tornou uma das
mais importantes ferramentas de
combate ao preconceito e discursos de
ódio, contextualizando historicamente
estas tristes realidades e trazendo
depoimentos de reais de pessoas que
vivenciam esses dilemas
cotidianamente.

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Alguns dos depoimentos que a presente obra
retrata em seu conteúdo, (a pedido de algumas
vítimas), tiveram seus nomes mantidos sob
sigilo, adotando-se pseudônimos diante de
suas histórias, resguardando a dor e os
traumas daquilo que sofreram, respeitando
seus sentimentos e suas condições
psicológicas. Suas narrativas foram
preservadas, no entanto o autor utilizou de
licença poética para organizar, contextualizar e
roteirizar as narrativas e sentimentos contidos
nos depoimentos oferecidos dentro dos temas
propostos.

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AGRADECIMENTOS

Talvez por uma questão até mesmo de


sobrevivência e afirmação, viver em sociedade
seja muito mais do que uma arte de pontos e
contrapontos, direitos e obrigações, erros e
acertos. É uma questão básica de
posicionamento, ética, crença e
principalmente, de respeito ao próximo. É
escolher diariamente as batalhas que
queremos travar.
Dito isso, é impossível que não nos remetamos
ao fato de que em alguma fase de nossas
vidas, é chegado o momento em que temos
que acreditar em nós mesmos e ignorar o juízo
que o outro fará a seu respeito, até porque
desgasta menos acreditar em si próprio do que
travar duelos com o mundo ao seu redor,
provando sua verdade; Seu valor é atribuído a
você mesmo, por aquilo que você acredita. A
verdade, é que o conceito que alguém tem de
você, só é valido se for utilizado de forma
construtiva, a ponto de lhe favorecer,
possibilitando algum tipo de evolução ou
melhoria de algum “defeito”.
Ao pensar nisso, gosto de lembrar de uma frase
atribuída popularmente, ao apresentador
brasileiro Jô Soares, que me influenciou por
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grande parte dos momentos mais difíceis que
vivi. “Aprendi que não devo me importar com
comentários que não vão mudar minha vida”.
(mas agradeço a todos eles que me feriram,
porque de alguma forma me fortaleceram e me
impulsionaram a me tornar quem sou).
Assim, seria impossível começar um texto de
agradecimento em mais uma obra literária, sem
fazer menção até mesmo aos encontros
negativos patrocinados por dissabores da vida
cotidiana. Foram esses encontros que me
empurraram a caminhar na direção contrária e
me tornaram melhor de alguma forma, me
posicionando, avaliando, empoderando e
crescendo.
Desde muito cedo, resolvi que eu daria sentido
a difícil jornada que chamamos de vida, de
forma que pudesse construir algo que
realmente valesse a pena e fizesse diferença
no mundo ao meu redor. Decidido isso, trilhar o
caminho em militância por igualdade e
desenvolvimento social, não foi e já era sabido
que não seria fácil.
Hoje passados alguns anos, tenho plena
certeza de que pior seria, transpassa-lo sem as
pessoas especiais, com as quais fui
presenteado ao longo de todo esse processo.

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É neste momento que me dou conta do quão
sortudo sempre fui.
Em todas as obras que escrevo, tenho o
carinho de fazer alguma referência a amigos e
a verdadeiros anjos, com os quais acabei
esbarrando ao longo dos anos. Desta forma,
acredito que pessoas especiais merecem
tratamento especial em nossas vidas.
Assim, com todo carinho que seja possível
expressar, dedico a presente obra a: Douglas
Duncan, companheiro e fiel escudeiro de uma
vida inteira, Thonia Cardoso, Carol Borges,
Luciana Gomes e Andreza Andrezzo os
corações maiores que nós mesmos, Dyene
Galantini, o exemplo de uma vida, Márcia
Helena o maior orgulho que um filho poderia
ter, Letícia Fátima a melhor mãe que a vida
poderia ter me oferecido, Patrícia Bahia,
Yasmin Ribeiro, Ysabelle Ribeiro, João Pedro
Ribeiro, Arenaldo Nogueira, Jorge Luiz Matias,
Rafael Ribeiro, André Ramos, Fernanda
Moura, Flávia Julião, Marcos Melo, Viviane
Melo, Eli Marques, Pablo Marques, Leonardo
Marques, Bernardo Marques, Luciana Lima,
Sandra Regina, Gabi Trintini, Márcia
Magalhães, Caroline Borges, Daniel Xisto,
Carina Duarte, Márcio Guimarães, Sandro
Codorniz, Simone Codorniz, Berg Flores, Júlia
Marchi, Evandro Fontoura, Jorge Lopes Matias,
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Celia e Nair Matias, Priscila Carilo, Paula Nilo,
Ana Maria Lopes, Nildo Melquiades, Mariana
Portugal, Jessica Souza, Vanessa Toledo,
Silvio Cid, Viviane Toledo, Michele Telise, Jairo
Ribeiro, Ronaldo Mil, Rafael Rafick, Julie Alves,
Sandra Neves, Arminda e Patrícia Nery, Igor
Igarashi, Luciana Salgado, Lucina Beser,
Philippe Cassano, Bruno Cassano, Cláudio
Antônio Moura, Antônio Beser, Luiz Alberto
Gomes, Genimar Couto (in memorian), Wilane
Ouriques, Gesse Costa, Davi e Lívia Costa,
Fernanda Moren, Nailda Ribeiro, Eliane
Barbosa, Ediléia Pereira, Walcyr Junior,
Cristiane Brusdzenski, Deusa Guimarães,
Neide Lopes, Maria Muniz, Victor Hugo, Talia
Sobreira, André Gabeh, Luiz Lima, Marcela
Buzelin, Alexandra Melo, Caroline Alves, Denise
Ribeiro, Estevan Raya, Renata Magalhães,
Claudialice Cavalcante, Alexandre Henderson,
Leonardo Cândido, Eliane Benício, Nayla
Mohamad, Victor Hugo Almeida, Nanno
Santanna, Benício Garbazza, Caroline Cruz,
Bianca Bonanno, Ingrid Bicudo, Gabriela Bicudo,
Cássia Bicudo, Patrícia Boueri, Ana Carolina (in
memorian), Melissa Pires, Júnior Pires, Alan
Pires, Michele Pires, Sérgio Menezes, Antônio R.
de Freitas, Bianca Mendes, Michele Andrade,
Edna Martins, Elizandro Jarley, Marcos Oliveira,
Angela Longo, Aretha Oliveira, Tânia Baptista,
Patrícia Baptista, Tânia Bastos, Silvina Baptista,

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Maria Helena Albuquerque, Fátima Nascimento,
Beatriz Souza, Selma Vidal, Daniela Nascimento,
Luis Sousa, Camila Bottecchia, Ana Maria Lopes,
Paulo Botelho, Mariana Botelho, Ilda Botelho,
Maria Emília do Nascimento, Lucilia Rosa do
Nascimento, Cris Torquetti, Carina Duarte,
Thaiza Dias, Erika Sarmento, Fábio Bello, Breno
Farias, Guilherme Manier, Rhaysa Moura,
Andréa Silva, Maria Anita Alvarenga, Gal
Marques, Júlia Rosa do Nascimento (in
memorian), Camila Batista, Rayta Camarda, Naiá
Camarda, Thuilla Camarda, Flávia Braz, Ellen
Barroso, Fernanda Coutinho, Suelem Alves,
Cristina Pinheiro, Katrinne Carneiro, Debora de
Barros, Patrícia Vilches, Joaquim Calcado,
Gynna Mello, Iva Maria Carvalhaes, Marcela
Liboryo, Arethuza Dória, Natália Pinheiro, Bruna
Ildefonso, Janete Alves, Russeau Marques,
Junior Marques, Cidicley Marques, Chair
Marques, Valentina Duncan, Felícia Duncan,
Meia-Noite Duncan, Zélia Vaz, Kathe Fernandes,
Thomaz Julião, Breno Araújo, Luciano Ase
Cabuçu, Aimée Pinheiro, Elizangela Araujo,
Daniela Moreira, Maria Cristina Almeida, Hélio
Ribeiro, Enid Moura, Jorcelina Amaro, Deolinda
Amaro e Manoel Braga (in memorian) os
bálsamos de todos os dias e a todos aqueles que
comungam pelos ideais de um mundo melhor e
de uma sociedade mais justa.

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Para Eli Bahia, com todo amor que há nessa e
em outras vidas...

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PRÓLOGO

Escrever é a oportunidade de emprestar seus


sentidos a outras pessoas, é entender da forma
que se sente, sentir da maneira que se ouve,
ou enxergar o gosto que as coisas tem, de
forma peculiar e traduzida, sob a nossa ótica.
Não quero e nunca quis ter a razão sobre
nada. Na verdade, talvez não ter a razão
sobre coisa alguma, seja o verdadeiro
sentido de entender a vida.
Acredito que trazer temas, como preconceito e
intolerância as pautas, seja salutar, seja uma
poderosa ferramenta para contribuir na difícil
missão de construir um mundo melhor e que
contemple uma sociedade mais justa.
Principalmente, levando-se em consideração
os dias em que temos vivido, já que
tendenciosamente, acabamos julgando tudo ao
nosso redor a partir apenas das experiências
que vivemos, sem levar em consideração a
realidade alheia e o que o outro viveu. Essa
parece ser uma tendência do mundo moderno.
Isso é bem nítido se pensarmos nas redes
sociais, na quantidade de pessoas com má
formação e níveis comprometidos de instrução,
que se digladiam por seguidores e pelos postos
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de: “digital influencers”, falando asneiras sem
tamanho e apoiando candidatos a cargos
políticos e eletivos, com discursos piores ainda.
Falar sem informação, propagar posições
embasados na superficialidade de
conhecimento, é tão grave quanto apoiar a
discursos de ódio, ou enfraquecer o
empoderamento conquistado por grupos
subjugados e segregados. Na minha visão, tem
peso tão grave, quanto criticar temas, como:
apropriação cultural, sem ser negro, sem viver
a realidade do negro e sem compreender as
suas questões e a contextualização da difícil
realidade que vivem todos os dias em diversos
lugares do mundo.
Além disso, o estímulo para escrever sobre
este tema, foi perceber a normalidade com
reproduzimos frases discriminatórias, sem
perceber o peso que isso causa a forma como
pode afetar a vida de outras pessoas.
Há quem diga que de uns anos pra cá,
mudamos nosso posicionamento, vendo
problema em frases inocentes, nos apegado a
coisas “sem importância”. Eu particularmente
entendo que aos poucos estamos ampliando a
consciência sobre nossos atos e isso implica
em mudar, inclusive conceitos e discursos.

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A coisa fica ainda mais preocupante, quando
percebemos representantes políticos com
discursos segregadores e discriminatórios,
encarando com naturalidade por grande parte
da população no mundo todo.
Temos encarado com naturalidade, discursos
emblemáticos, que segregam minorias agimos
com naturalidade, sobre a violência que
milhares de pessoas sofrem todos os dias sem
nos estarrecer e perceber que estamos
enfermos. É preciso refletir.
A sociedade adoeceu e parece ter ficado presa
a uma nuvem terraria, que a deixa cada vez
mais cega, intolerante, revolta e intransigente.
Precisamos entender, que a cura talvez esteja
na forma como estamos receptivos a olhar para
o outro, a ouvir, absorver, tentar entender,
argumentar e quando convencidos,
humildemente aprender, soltando-nos das
amarras comuns a crítica alinhada ao
conhecimento superficial sobre diferentes
temas, nos pondo no lugar que talvez não seja
tão confortável e bem mais distante de nosso
próprio umbigo.
Precisamos falar sim, sobre nosso papel diante
da: intolerância, preconceito, racismo,
homofobia, bullying, discursos de ódio e tantas
outras mazelas sociais, fruto do preconceito
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desenfreado, que ironicamente caminha lado a
lado com nossa evolução.
Apresentar propostas, construir caminhos
amparados pelo ponderamento, talvez seja um
dos caminhos ou nossa única alternativa para
construção de um mundo melhor.
Nesse sentido, independente dos temas que
costumo abordar ou interagir, acredito que o
peso da responsabilidade se torne cada vez
maior, diante da expectativa que os leitores
possuem depois do lançamento de outros
trabalhos publicados. Ainda assim, cá estamos.
Missão cumprida mais uma vez!
Espero que a presente obra possa de alguma
forma contribuir na jornada de cada um de
meus leitores na busca por um mundo melhor,
nos fazendo entender de uma vez por todas,
que essa mudança só é possível a partir de nós
mesmos, num pequeno e profundo ato de
reflexão e discussão sobre nossos atos,
posicionamentos e atitudes diante da vida e
principalmente, de nosso semelhante.
Com votos de que possamos juntos construir
um mundo melhor e uma sociedade cada vez
mais justa, com carinho;
Flávio Duncan

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Nota Sobre o Autor

Com um público fiel que o acompanha nas


redes, Flávio Duncan, desde os 18 anos de
idade é um empreendedor social que dedica
sua vida a este legado. Indicado ao “Nobel
Peace Prize 2012” (O Prêmio Nobel da Paz)
após realização e financiamento do primeiro
mapeamento e pesquisa realizada em
atendimento a população em situação de rua,
denunciando epidemias de Crack no Brasil,
Flávio é reconhecido internacionalmente por
ser o mais jovem indicado da história da
premiação representando seu país,
acumulando indicações ao Prêmio John F.
Murray, na Universidade de Iwoa (EUA), que
elege pessoas no mundo inteiro, que se
destacam na utilização da comunicação, como
ferramenta estratégica para agregar valor à
sociedade.

Administrador por formação, o músico Flávio


Duncan, é autor de outras obras. Seu primeiro
trabalho, foi o livro paradidático intitulado:
“Pescador de Ideias”, que ensina emotiva a
criação de projetos sociais. Sua segunda obra,
“Diários do Meio Fio”, retrata depoimentos de
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pessoas em situação de rua, fruto de uma
pesquisa realizada pelo próprio autor. Músico,
formado em administração e especialista em
logística aplicada, Duncan é um dos escritores
da safra moderna, com perfil polivalente, que
consegue atingir a diferentes tipos de público
com suas obras e linguagem acessível.
Referência no terceiro setor, Duncan acumula
indicações a prêmios de grande renome;
Indicado por diversas vezes ao Prêmio de
Direitos Humanos, concedido pelo Governo
Federal brasileiro, é Responsável pela
implantação de dezenas de projetos, em
especial, em atenção ao combate à miséria em
comunidades com deficiência de atendimento
pelos poderes governamentais, criando portas
de saída para perfis de dependência de
Programas sociais.

Estima-se que através do verdadeiro legado


idealizado por Duncan, quase 50.000 famílias
tenham sido beneficiadas por seus projetos,
apenas nos últimos três anos. Numa
composição familiar de 5 pessoas por família,
cerca de 250.000 pessoas tiveram a
possibilidade de mudar de vida, a partir de seu
trabalho, entre 2015 a 2018.

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Sobre a definição de preconceito e
discursos de ódio:

Preconceito por si só, é uma palavra


autoexplicativa. É o significado daquilo que
geralmente nos foi transmitido através de
conceitos sem reflexão ou embasamento
prévio, repassados culturalmente pelos nichos
sociais, culturais e/ou familiares que nos
encontramos inseridos, através da criação que
obtivemos, do local onde nascemos ou até
mesmo do nível de instrução e de
esclarecimento que possuímos diante de
determinadas questões.
É importante que percebamos, que todos nós
temos preconceitos e que é extremamente
impossível que pensemos sobre
absolutamente tudo ao nosso redor. Há coisas
que infelizmente nos são passadas e
acabamos realizando de forma mecânica e
instintiva.
O problema é quando o preconceito passa a
influenciar negativamente sobre a vida de
outras pessoas, discriminando, diminuindo e
cerceando direitos. A coisa passa a ser ainda
mais grave, quando o conceito que se tem
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sobre determinado tema, passa a ser verdade
absoluta e imposta sobre a vida alheia.
Inflamando-se com argumentos de
embasamento de crença, religiosidade,
posicionamento político ou simplesmente
intolerância, o que infelizmente propicia o
fomento a discursos de ódio e práticas
abusivas.
Alguns sociólogos classificam em seus artigos,
discursos de ódio, como uma espécie de
ferramenta punitiva, utilizada para
promover a repressão daquilo que não se
aceita, muitas vezes em função de um
preconceito, promovido pelo ciclo sem fim da
crença na verdade absoluta e injustificada
daquilo que se assimilou.
Na maioria das vezes, esse tipo de mensagem
promove insultos e perseguições, com a
finalidade de justificar a privação de direitos de
determinado grupo.
Entendido isto, historicamente, podemos
exemplificar a famosa passagem histórica, ao
final da segunda Guerra Mundial, inclusive
citada por diversos historiadores, quando após
a derrota da Alemanha Nazista, foi possível
compreender de forma clara, o projeto de
dominação que se baseava na exclusão de
grupos de seres humanos considerados:
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“diferentes”. Após esse período, surgiu a
preocupação mundial de criar mecanismos e
legislações que de alguma forma, pudessem
conter essas ideias, que ficaram conhecidas no
mundo inteiro, como: “discursos de ódio”.
O mundo passava a ver a luta contra a
incitação ao ódio e a violência, como
responsabilidade coletiva. Assim, começando a
pensar no monitoramento e na criação de leis
que pudessem coibir essas atitudes,
investigando ataques de violência,
promovendo o fim dessas práticas.

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Contextualizando o preconceito no Mundo,
tomando o Nazismo como passagem
histórica:

Seria impossível falar sobre o tema que é


retratado na presente obra, sem nos
ampararmos em fatos históricos,
contextualizando o preconceito no mundo,
exemplificando de forma clara, aproximando o
leitor da realidade.
É obvio que talvez necessitaríamos de outras
obras e muito mais espaço para tratarmos de
forma mais abrangente, sobre grande parte dos
acontecimentos históricos em que percebamos
a maneira como o preconceito se desencadeia,
ampliando nossa percepção para essa
realidade, observando que o preconceito não é
algo novo ou fruto de uma discussão da
sociedade moderna.
Tentando ser o mais objetivo possível, sem que
saíssemos do nosso foco de discussão,
precisei me ater a um momento histórico
específico, escolhendo uma passagem para
contextualizar, fazendo com que o leitor possa
absorver sob meu ponto de vista a tratativa
sobre esse tema. Desta forma, há que se falar
a respeito do Nazismo e de passagens

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históricas que tangem a segunda guerra
mundial.
Para encerrar oficialmente a Primeira Guerra
Mundial, (1914 a 1918), a Alemanha foi forçada
a assumir os custos do conflito. Assim, em
1919 assinando o Tratado de Versalles. Com
isso, o país perderia 13% do território nacional,
75% de suas reservas de ferro, 26% de suas
reservas de carvão, além de todas as suas
colônias.
Ficou claro, que a incapacidade da sociedade
alemã em aceitar a derrota e as reparações que
eram necessárias a partir desse tratado,
deixaram caminho livre para disseminação de
discursos de ódio e preconceito, fazendo com
que em paralelo, houvesse um crescimento de
ideias nacionalistas, onde o “Nazismo”, termo
oriundo da criação do Partido: “Nazi”,
abreviação de Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische
Deutsche Arbeiterpartei, em alemão), fosse o
veículo de expressão mais extremista desses
ideais.
Esses ideais nacionalistas, não eram, nem
nunca foram novidade na Alemanha. Desde o
século IXX, vários líderes alemães,
fomentavam um ardente nacionalismo entre o
povo, dando origem a identidade germânica.
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Amparado pelo descontentamento com as
reparações financeiras geradas e com a crise
que a Alemanha passou a viver, onde o índice
de desemprego ultrapassava a 30%, Adolf
Hitler, com grande poder de convencimento e
conhecido por grande carisma na época,
seguiu esses ideais nacionalistas, vendo
através dessa situação uma oportunidade.
Dessa forma, Hitler conseguiu chegar ao poder
em 1933, com promessas de políticas de
incentivo a indústria, baseada na produção de
bens de consumo e melhoria na qualidade de
vida das classes menos favorecidas, que eram
profundamente afetadas, pela situação difícil
econômica que a Alemanha vivia na época.
Assim surgiu, por exemplo, o Volkswagen
(“carro do povo”), conhecido na época no
Brasil, pelo automóvel: “Fusca”.
Nesse contexto, a sociedade Alemã já não via
com grande contentamento o regime
democrático, tendo em vista que culpavam os
governantes anteriores, responsabilizando-os
pelas condições humilhantes impostas pelo
tratado de Versalhes.
Dessa forma, o regime democrático já não
tinha muito apoio da população, que sofria com
os problemas econômicos que enfrentavam.
Os nazistas, se aproveitaram disso, para
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convencer a população de que a democracia
era altamente desestabilizadora e viram em
Hitler, a possibilidade de tomar as rédeas e
estabilizar o país, estabelecendo a ordem.
Aliado a isso, Hitler se valeu do antissemitismo
(aversão aos semitas, em especial aos
Judeus), enraizado a anos na Europa.
A cristandade medieval, havia fomentado mitos
e conceitos de que os Judeus eram aliados do
demônio, que não tinham pátria e que
possuíam um intento velado de dominar o
mundo. Esses conceitos discriminatórios,
foram adaptados aos propósitos de Hitler,
durante o regime nazista, deixando de ter
caráter religioso, passando a ter caráter de
preconceito racial, afirmando a imutabilidade
racial do povo judeu, como “degradantes”, sem
possibilidade alguma de reversão, em função
de sua raça, sua natureza biológica.
No início, a população Alemã não se sentia
ameaçada diante das atrocidades cometidas e
até se sentiam seguros, auxiliando na
perseguição ao povo judeu.
A política nazista não inspirava medo, mas
confiança, fazendo com que todos
colaborassem com a perseguição a judeus e
comunistas.

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Com o passar do tempo, a coisa foi ficando
cada vez mais séria, estabelecendo práticas
cada vez piores de perseguição e extermínio.
Isso tudo, com direito a propagandas do regime
nazista, que ensinavam a confinar, torturar e
matar judeus e outras raças, considerando:
“parasitárias”, “degradantes” e ameaçadoras,
tão comuns quanto exterminar ratos ou
bactérias, movidos pelo antissemitismo,
acreditando que isso era justo, correto e
necessário para preservação da sociedade
alemã e contribuição para um mundo melhor.

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A importância da ONU e de Instituições que
promovam a garantia de direitos e o
combate ao Preconceito no mundo:
A ONU - Organização das Nações Unidas, é
uma organização internacional com o objetivo
de facilitar a cooperação em termos de direito
e segurança internacional, desenvolvimento
econômico, progresso social, direitos humanos
e da paz mundial.
A II Guerra Mundial, devastou dezenas de
países e tomou a vida de milhões de pessoas.
Isso desencadeou no mundo inteiro o
sentimento de que seria necessário encontrar
uma forma de manter a paz entre os países. No
entanto a ideia de criar a ONU, não surgiu de
uma hora para outra.
Com intenção de impedir outro conflito daquela
magnitude, após a segunda Guerra Mundial,
em 24 de outubro de 1945, em substituição à
Liga das Nações Unidas foi estabelecida com
51 estados-membros, formalizando a fundação
da ONU.
Atualmente, com a adesão de 193 países, foi
possível estabelecer o crescimento político e a
força da ONU no mundo. Com isso, seus
objetivos também cresceram e agora ela se
dedica a manter a segurança no planeta,
construir relações amigáveis entre as nações,
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promover progresso social, desenvolvimento
humano, melhores condições de vida, proteção
e garantia de direitos.
Assim, estabeleceu-se o Conselho de
Segurança, um órgão da ONU, basicamente
responsável pela paz e segurança
internacionais.
Formado por 15 membros, dentre eles, cinco
permanentes, que possuem o direito a veto –
Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França
e China – e dez membros não-permanentes,
eleitos pela Assembleia Geral por dois anos.
Nesse sentido, amparada por todo o contexto
histórico de violência e desrespeito a vida,
promovido pelo preconceito, a ONU, entende
que o preconceito restringe direitos, fomenta no
mundo inteiro campanhas de esclarecimento e
conscientização, além do financiamento e
auxílio a centenas de projetos que possam
empoderar e fomentar a garantia de direitos,
aliados no combate ao preconceito,
segregação social e discriminação.

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Biologicamente o cérebro precisa
categorizar aquilo que ele identifica:
Uma das atividades mais espontâneas que
nossa mente faz, é identificar e categorizar
aquilo que ela identifica de imediato. Isso
acaba acontecendo, porque o cérebro não dá
conta de processar todas as informações e
estímulos que estão presentes num ambiente.
Assim, ele busca estratégias para categorizar e
classificar conceitos, imagens e vários pontos
de contato com o mundo ao nosso redor.

Falando sobre preconceito e seu contexto


Psicológico
Há quem diga que o preconceito é genético e
que por uma questão de sobrevivência, o ser
humano tenha tendência em favorecer o grupo
em que está inserido em detrimento de outros,
fazendo sentido que por sobrevivência,
déssemos prioridade e maior valor aqueles que
se parecessem conosco e partilhassem das
mesmas crenças, hábitos e até mesmo
aparência. Fazendo com que nos
identificássemos desta forma, agrupando,
acolhendo, unindo grupos seguimentados,
partilhando hábitos sociais em prol da
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preservação e proteção do nicho em que
estamos inseridos.
Talvez isso pudesse fazer sentido a milhares
de anos atrás, quando a sobrevivência humana
fosse um dilema diário. Eu particularmente, não
concordo com este tipo de argumento, tendo
em vista que a vida moderna e a beleza do
planeta em que vivemos, se caracteriza
exatamente pela diversidade que o mundo
contem.
A verdade, é que no mundo moderno, não
existe justificativa para segregar, diminuir,
desvalorizar um grupo, apenas pela opinião
que você, exclusivamente você e o grupo de
seu convívio, tem a respeito. Não no mundo
onde a informação é tão dinamizada,
pulverizada a todo momento e o conhecimento
tão disponível e conectado o tempo inteiro.
Evidentemente, o homem por si, tem tendência
a reprodução de comportamento, agindo como
os outros agem.
Desta maneira, acredito que o preconceito é
sim, conforme foi falado anteriormente,
transmitido a cada um de nós culturalmente,
pelos grupos sociais, culturais ou familiares em
que estamos inseridos, através de valores
assimilados, da criação que obtivemos, do local
onde nascemos, ou até mesmo do nível de
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instrução, religioso, comportamental e de
esclarecimento que possuímos diante de
determinadas questões;
Partindo-se desta linha de raciocínio, podemos
entender como determinados grupos que não
tem convívio, com alguns seguimentos da
sociedade, podem por exemplo se achar com
direito de opinar, tolher comportamentos, ou
querer ditar regra sobre outras pessoas, sem
que tenham o mínimo de entendimento,
proximidade, ou convívio com a natureza
dessas pessoas ou do seguimento social em
que estejam inseridos.
A situação nos fica cada vez mais clara, se
tomarmos como exemplo os religiosos que
tentam tratar homossexualidade como doença,
reprimindo, discriminando e demonizando a
orientação sexual alheia. A mesma coisa é
perceptível nas pessoas de pele clara, oriundas
de camadas sociais abastadas e favorecidas
da sociedade que acreditam que os negros
vivem nos dias atuais em igualdade de
condições.
Seria impossível tratarmos sobre este tema,
sem uma abordagem ainda que superficial sob
o prisma psicológico em função do preconceito.
Assim, preliminarmente, há que se falar a
respeito do que significa o fenômeno: “Atitude”.
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A atitude humana, se caracteriza por ser um
sistema relativamente estável de organização
de experiências e comportamentos
relacionados com um objeto ou evento
particular. Esta, se compõe através de três
pilares básicos:
1 - A cognição – Toda atitude é realizada em
função ou em prol de algum objeto. Seja ele
abstrato, em referência a uma pessoa, a uma
instituição, um grupo ou uma vontade.
2 - O afeto – O valor que atribuímos ao objeto.
Seja ele negativo ou positivo, refere-se ao
sentimento que aquilo nos provoca. Objetos
com valoração positiva, obviamente nos
provocam sentimentos positivos em função de
determinado fim, ou vice e versa, quando
negativos.
3 - O comportamento - A predisposição em
pensar, sentir e conduzir-se. É a consequência
do sentimento que se tem em função do objeto,
a atitude por si. Na grande maioria das vezes,
sentimentos positivos em prol de determinado
objeto, nos levam a aproximação e negativos,
nos levam a nos esquivar, repelir, escapar.
O preconceito por si só, se caracteriza por ser
difuso e observa-se na grande maioria das
vezes, que a intensidade aplicada ao
preconceito, tenta se justificar a todo momento.
PRECONCEITO
35
Há uma espécie de busca incansável para se
obter legitimidade diante do ato praticado.
Entendido isto, observamos que o
preconceito assim como a atitude, se
fundamenta quase sempre num tripé,
composto de: crença, sentimento e
tendência comportamental empregada
diante de algo.
Alguns autores acreditam que eventualmente,
a pessoa preconceituosa, possui
personalidade reprimida ou autoritária, fazendo
com que seja natural a adoção do
comportamento hostil a quem de alguma forma
simbolize a quebra de normas e seguimentos
sociais, desrespeitando o que acreditam que
seja o senso comum e regras sociais atribuídas
a determinado grupo que os aceita.
A mesma lógica se aplica aos comportamentos
ou pensamentos em que estejam inseridos em
conformidade de padrões.
Desta maneira, invariavelmente o preconceito
também é atribuído ao fator cognitivo, a
pressão pela busca de conformidade, da
aceitação diante de enquadramentos e de
padrões adotados por determinado nicho
social em que o indivíduo esteja inserido e
se sinta confortável.

PRECONCEITO
36
Assim, há que se perceber, que o preconceito
tem relação direta com estereótipos, é a
identificação e não aceitação de diferenças
de determinado grupo, se baseando na
característica, no estereótipo para avaliar o
outro e adotar comportamento (ato)
discriminatório.

O comportamento discriminatório contra si


próprio e contra determinado grupo que se
assemelha a própria pessoa
preconceituosa:

O comportamento discriminatório, fruto do


preconceito, pode ser adotado em referência a
alguém, que de alguma forma simbolize a
quebra desses padrões, assimilados como
enquadramento diante do senso comum, ou
ainda simbolize o risco que se possa correr,
pela não aceitação.
Há casos em que observamos que isso pode
se desencadear contra si mesmo, nos casos
em que a impossibilidade de se ver diferente
dos padrões estabelecidos, resultem em atos
punitivos contra a própria pessoa
preconceituosa, em negação, ou perseguição a
diferentes grupos que na verdade
PRECONCEITO
37
assemelham-se a ela mesma, em
característica. Destoando socialmente do
grupo em que estejam inseridos.
Isto se torna claro, se tomamos como exemplo:
os casos de homens homossexuais, que por
questões religiosas e pela temeridade em não
serem aceitos pelo grupo em que estão
inseridos, não aceitam sua orientação sexual,
caindo em negação, sendo capazes de atos
punitivos contra si, ou perseguindo
homossexuais com atos discriminatórios,
chegando ao cúmulo de nutrir falsos
relacionamentos heterossexuais, levando uma
vida infeliz, traindo a pessoa com quem se
relaciona apenas por aceitação e
enquadramento daquilo que acreditam ser
aceito diante do senso comum.

PRECONCEITO
38
O Preconceito na Literatura e na arte:

Acredito que seria hipocrisia, escrever um livro


a respeito deste tema, sem citar o triste
contexto histórico em que a literatura mundial
se enquadra, no que tange ao preconceito.
A arte por si só, sempre foi instrumento de
transformação social e com ele,
indubitavelmente, também foi reflexo da
sociedade. Com ela, infelizmente, suas
mazelas também são aparentes. Muitas obras
e autores, inclusive de grande renome mundial,
retrataram em suas publicações, trechos
absurdamente preconceituosos.
Shakespeare por exemplo, não gostava de
judeus e de mulheres. Isso fica muito claro,
quando observamos que expressava
abertamente nas suas peças o preconceito
comum sobre judeus. Pasmem, mesmo sem
nenhum registro, onde tenha cruzado com um
único judeu durante sua vida.
Por sua vez, talvez reflexo cultural da época em
que viveu, as mulheres também foram vítimas
de preconceito em alguns trechos de suas
obras, vistas sempre como: traiçoeiras ou
fracas. Em Hamlet, por exemplo, é possível
observar em uma de suas célebres frases,
PRECONCEITO
39
onde lê-se: “Fraqueza, teu nome é mulher.” o
subjugamento do sexo feminino.
Monteiro Lobato, talvez seja um dos escritores
brasileiros, campeões em trechos que narram
claramente o preconceito racial. É
estarrecedor. Em o “Presidente Negro”, o
escritor defendeu a esterilização de negros
para que a “raça” desaparecesse. Pior ainda, é
encontrarmos termos como: “Macaca de
carvão”, em referência a cor da pele, na obra:
“Caçadas de Pedrinho”. O escritor se tornou
clichê para retratar os preconceitos da época
em que viveu e já foi citado por diversos
veículos de informação. Inclusive em outras
obras literárias.
Luis Ferdinand Céline, ilustre escritor,
conhecido por seus romances nas décadas de
1930 e 1940, recebeu diversos prêmios e era
considerado gênio nas altas rodas sociais,
apoiando nazistas e publicando obras
antissemitas.
Tolstói, tinha uma visão curiosa a respeito da
mulher. Nas obras: Guerra e Paz, Anna
Karenina, O diabo e Felicidade conjugal,
percebe-se o quanto são impregnadas por
facetas moralistas e absolutamente
preconceituosas, atribuindo sob

PRECONCEITO
40
responsabilidade da mulher a culpa por todas
as mazelas.
Se fizermos uma rápida busca em nossa
memória, as famosas marchinhas de carnaval,
uma festa tão libertária e mundialmente
famosa, traz consigo em sua história no Brasil,
o peso do preconceito, impresso em suas
rimas, contendo bordões como: “Maria
Sapatão”, fazendo alusão a uma mulher
lésbica, ou: “olha a cabeleira do Zezé”, fazendo
menção a sua orientação sexual, num claro
traço de homofobia, presente em suas
composições.
Há quem justifique que isso ocorria com mais
veemência a anos atrás e que a coisa é
completamente diferente nos dias de hoje, mas
acredite, não é.
Se pararmos para observar, isso é gritante e
está cada vez mais presente em nosso
cotidiano, inclusive na teledramaturgia. O modo
como as novelas brasileiras tratam as
personagens negras, reflete o que muitos
estudiosos já denominam, como: “preconceito
a brasileira”. Uma espécie de preconceito sutil,
velado, um preconceito disfarçado, talvez pela
vergonha de ser preconceito, pelo medo da
crítica advinda da pequena parcela da

PRECONCEITO
41
sociedade que hoje já se encontra em
militância sobre essas questões.
Isso se traduz, claramente, na criação de
papéis interpretados por atores negros soltos
na trama, sem base familiar, sem uma história.
Isso ocorre tanto no cinema, quanto na
televisão, cada vez mais presente nas séries e
novelas.
A coisa fica mais clara, quando observamos os
tipos mais comuns de personagens negras,
como: a negra fogosa, com a
hiperssexualização da mulher, como objeto de
desejo, a mulher negra doméstica, que
normalmente se fundamenta em três
características principais: o da empregada
sensual, que vive seduzindo o patrão tentando
enganar a patroa, o da mulher servil que é
quase que escravizada pelo bem estar dos
patrões, ou da caricata empregada, enxerida e
fofoqueira, disposta a qualquer coisa para
saber em primeira mão sobre tudo que
acontece na casa dos patrões e repassar
adiante.
Entre os tipos mais comuns, há ainda o papel
do “malandro”, o “safadão”, atribuído a
personagens negros, que vem de alguma
comunidade e representam o famoso “jeitinho
brasileiro”, dando o ar de esperteza, mudando
PRECONCEITO
42
os rumos e as regras da trama, com ações
levianas e até com práticas ilegais.
Não é difícil ainda, resgatarmos na memória, os
papéis das negras pobres, batalhadoras, que
vivem o dilema de viver o amor impossível
entre o ricaço branco, que se apaixona pela
mulher negra, (normalmente pobre e sem
condições, que tenta conquistar seu lugar ao
sol, (e na trama), com o dilema sobre o
romance entre diferentes classes sociais, como
se apenas isso pudesse atestar seu valor
diante da sociedade.
Ao expressarem conceitos preconceituosos,
ainda que de forma não tão explícita, a arte em
suas diferentes vertentes, acaba reforçando o
preconceito na sociedade e enfraquecendo
ações afirmativas que buscam a
conscientização das pessoas.

PRECONCEITO
43
A intolerância nos dias de hoje:
Não tolerar, não aceitar a existência, baseado
em algum tipo de conceito ou argumento
político, racial, religioso, estético, ou seja lá de
qual natureza for, já é tratado mundialmente,
como um dos principais elementos
dificultadores em busca da paz global.
Infelizmente, no mundo moderno, é comum
observarmos nos jornais, notícias de
agressões ou homicídios em função da falta de
tolerância diante do que fuja da “aceitação da
maioria”.
A sociedade moderna não tem tolerância com
aquilo que seja incomum. Independente do
argumento utilizado para o embasamento.

Preconceito no mundo:
A verdade é que infelizmente, não há projeto,
instituição ou solução mágica que possa mudar
o preconceito de uma hora pra outra.
Principalmente no mundo tão plural em que
vivemos, que antagonicamente, apesar de ser
tão diverso e ter isso a seu favor, nos

PRECONCEITO
44
desarmando para esse tipo de “chaga social”,
também traz consigo problemas multifatoriais,
ou seja, que tenham diferentes motivos para
existir.
O preconceito sempre existiu como base na
sociedade e muitas relações das mais variadas
formas e naturezas, infelizmente foram
construídas, tendo o preconceito como
alicerce, afinizando, agrupando, identificando
grupos, comportamentos, ideologias e
sentimentos.
Se pararmos por um segundo para refletir, a
concepção de que a natureza por si só, em sua
seleção natural em busca da sobrevivência e
da vida na terra, exclui os mais fracos, quando
adotamos a máxima de que: “só os mais fortes
sobrevivem”, perceberemos que o preconceito
faz parte da vida humana desde os primórdios.
Ainda amparados por esse prisma e sob essa
concepção, acreditar que só os mais férteis, os
mais belos, os mais fortes, os mais preparados,
os mais hábeis ou “escolhidos” na seleção
natural pela vida, já é uma forma de exclusão.
Há quem diga que o preconceito é fruto do
medo humano daquilo que não se conhece,
daquilo que de alguma forma causa estranheza
ou não se sabe tudo absolutamente a respeito.

PRECONCEITO
45
Particularmente eu acredito no contrário.
Preconceito é fruto daquilo que conhecemos
sim, (ou que achamos conhecer), só que
superficialmente, ou que nos foi passado
culturalmente, de forma que consideremos
como verdade absoluta o conceito limitado
sobre alguém ou alguma questão.
O temor na verdade não é pelo desconhecido
e sim pelo contraditório diante daquilo que se
assimilou ou pelo medo de destoar do senso
comum do grupo ou da cultura em que se está
inserido e afinizou entendimento sobre
determinado tema. Tem valoração ligada a
relação individual que cada um atribui a si e a
forma como se está posicionado socialmente.
É preciso desmistificar essa ideia de que
preconceito seja medo do desconhecido e
assumirmos de uma vez por todas, que ele é
fruto do conceito limitado, superficial, do
entendimento e valor que se tem e se atribui a
determinada coisa, situação ou alguém, em
que consideramos como verdade; E sim,
preconceito também está ligado a vaidade
humana e a necessidade de aceitação.
Historicamente, percebemos que o mundo
muda o tempo inteiro. Mudam suas vítimas,
mudam os conceitos, as convenções sobre
determinado tema, mudam os significados e o
PRECONCEITO
46
valor que atribuímos a tudo e nos são
repassados geração após geração, mas não
mudamos a forma como se estabelecem, o
mundo por si só, de que fazem parte e as
regras do jogo que lhe são atribuídos.
O preconceito faz parte da natureza humana e
está presente na vida do homem, desde que o
mundo é mundo. O problema são os efeitos
que eles causam e a forma como afetam a vida
das pessoas. Talvez não seja possível
exterminar os preconceitos do mundo, mas
seja possível amenizar seus efeitos e o
sofrimento que ele causa na sociedade por
todo o planeta.
Pensando sobre alguns dados e até sobre
alguns fatos que ocorreram em decorrência do
preconceito, isso me remete a uma matéria lida
a algum tempo atrás, onde narrava que um
casal gay, fora açoitado com 80 (oitenta)
chibatadas, na província de Aceh, na
Indonésia.
Embora a homossexualidade não fosse
considerada crime na Indonésia, o governo de
Aceh, um território indonésio, localizado na ilha
de Sumatra, costuma punir aqueles que são
denunciados por relações homoafetivas.
O problema maior, foi perceber que cerca de
cem mil pessoas assistiram o momento da
PRECONCEITO
47
tortura, filmando com seus aparelhos de
celulares, enquanto os dois homens, um com
20 e outro 23 anos, eram chicoteados.
Ensandecida e completamente fora de
controle, a população que assistia, pedia para
que os homossexuais fossem açoitados cada
vez mais fortes.
O que eu acho cada vez mais grave, é a reação
em cadeia, caracterizada por um ódio
descabido, a partir do preconceito, levando ao
sofrimento de milhares de pessoas pelo mundo
a fora.
Ainda falando sobre o preconceito contra
homossexuais, quando pensamos neste tema
mundo a fora, é comum nos remetermos a
Rússia, por exemplo.
O Governo Russo, alimenta a intolerância e
homofobia no país declaradamente. Canais
estatais, retratam homossexuais, como
pervertidos, agentes infiltrados e doentes.
Gays, lésbicas, bissexuais e transexuais
sofrem constante perseguição, agressões e
humilhações no país. Ainda que em 1993 a
homossexualidade tenha sido
descriminalizada, a situação só piorou desde
que a chamada “lei de propaganda gay” foi
aprovada pelos legisladores locais em 2013. A
norma proíbe a distribuição para menores de
PRECONCEITO
48
idade de conteúdos que defendam os
“LGBTQIA+” ou equiparem relacionamentos
heterossexuais a homossexuais em igualdade
de direitos e obrigações.
No Brasil, em fevereiro de 2017, houve um
caso que me chocou absurdamente. Uma
travesti, conhecida como Dandara dos Santos,
na cidade de Bom Jesus em Fortaleza, foi
assassinada por espancamento, com golpes
de enxadas, pedras e pauladas, enquanto
vídeos eram filmados a partir de celulares pela
população local e foram compartilhados nas
redes sociais, batendo recordes de
visualização. Até quando podemos aceitar que
isso seja normal? Qual o crime dessa pessoa?
Ir de encontro ao preconceito da sociedade em
que vivia.
A homossexualidade é considerada crime em
71 países e em 7 deles há previsão legal de
pena de morte. O problema é perceber que
estas pessoas estão fadadas ao extermínio,
com ou sem previsão legal, inclusive no Brasil,
que hoje é considerado o país que mais mata
homossexuais no mundo.
Outro fato importante é o crescente preconceito
contra doenças crônicas, por exemplo. Há
relatos científicos, que identificaram o México,
como país, onde teria surgido a gripe: “H1N1”,
PRECONCEITO
49
também conhecida como: “Influenza A”, que se
espalhou pelo mundo a alguns anos atrás. O
fato é que isso fez com que os mexicanos,
fossem vistos com receio, desconfiança e
reserva, durante muito tempo. O mesmo ocorre
em relação a pacientes com câncer, HIV e
tantas outras doenças, que são excluídos,
segregados em vários locais do mundo. Há
inclusive, relatos de pessoas que tiveram suas
roupas e utensílios separados pela própria
família.
Excluir as pessoas enfermas e doentes, não
acolhendo-as ao grupo em que se está
inserido, funciona para muitas pessoas como
uma espécie de “bálsamo psicológico”,
confortando a ilusão e fantasia, que desta
forma serão sadios e que estando afastados,
estarão imunes, mesmo que as doenças em
questão não sejam diretamente contagiosas.
Segregar e excluir essas pessoas, faz com que
a doença que tenha sido diagnosticada, passe
a ser incorporada a identidade da própria
pessoa, fazendo com que sejam constantes
comorbidades psicológicas e estejam cada vez
mais presentes, impondo barreiras e danos as
vezes irreparáveis, resultando em depressão,
isolamento social, distúrbios de humor, além de
sintomas físicos mais facilmente identificados,
como: obesidade, emagrecimento, fadiga e
PRECONCEITO
50
muitos outros, prejudicando seu tratamento,
potencializando sintomas, baixando imunidade
e capacidade de recuperação, adesão e
continuidade de tratamentos.
Se concentrarmos nossa atenção sobre a
máxima de que “ser mulher não é tarefa para
amadores” e tomarmos como exemplo os
dados divulgados pela OMS (Organização
Mundial da Saúde), perceberemos que a
situação do preconceito, detrimento de valor e
violência que as mulheres sofrem no mundo é
cada vez mais alarmante. Estima-se que 35%
das mulheres em todo o mundo já tenham
sofrido qualquer violência físico e/ou sexual
praticada por parceiro íntimo ou violência
sexual por um não-parceiro em algum
momento de suas vidas. Isso se torna cada vez
pior, quando observamos que estudos retratam
as mulheres e meninas, representam cerca de
70% das vítimas de tráfico humano no mundo.
Na União Europeia, uma em cada 10 mulheres,
relataram ter sofrido assédio pela internet,
incluindo ter recebido de forma indesejada
mensagens via SMS ou e-mails
explícitos, sexualmente ofensivos. Enquanto
no Brasil, cerca de 20% das mulheres
agredidas, vítimas de violência doméstica,
relatam terem sido vítimas de violência em pelo
menos 5 (cinco) vezes no decorrer de suas
PRECONCEITO
51
vidas. Isso é preocupante se observarmos o
impacto econômico que isso causa
socialmente. No mundo inteiro, os custos
sociais e econômicos da violência contra as
mulheres são enormes e têm efeito direto sobre
todas as classes sociais. Vítimas, as mulheres
sofrem vários tipos de incapacidade, sendo
transitórias ou permanentes em relação ao
trabalho, como: perda de salários, isolamento
social, falta de participação nas atividades
regulares, além de limitação da capacidade de
cuidar de si mesmas, dos filhos e de outros
membros de suas famílias;
Ainda falando sobre o Brasil, politicamente,
percebemos candidatos a cargos eletivos, de
grande importância, que tem discursos em
detrimento ao valor da mulher na sociedade, do
negro, índio e tantos outros, declarando
inclusive serem a favor de crimes de tortura e
extermínio de minorias.
Acrescidos a estes discursos, a coisa se
inflama, quando percebemos ainda que a
intolerância religiosa, com grupamentos
partidários e coligações que tentam impugnar a
prática de religiões evangélicas, coibindo a
existência e o direito religioso de outras
religiões é cada vez maior.

PRECONCEITO
52
Perceber que isso é considerado normal,
aceitável e plausível, com adesão a grande
parte da sociedade que se manifesta
euforicamente em favor dessas pessoas, nos
levam a perceber a importância da publicação
de obras como esta, que de alguma forma
possam fomentar a reflexão sobre a conduta
humana e sobre esses temas pelo mundo a
fora.

PRECONCEITO
53
TIPOS MAIS FREQUENTES DE
PRECONCEITO:

Preconceito Racial:

Associado à etnia, raça, características e aos


aspectos físicos. O racismo pode ocorrer entre
pessoas de diferentes aspectos de cor de pele,
sendo mais comum a abordagem sobre este
tema, falando entre brancos e negros.

Falando sobre este tipo de preconceito, há que


se falar na diferença de significados entre:
Preconceito, Discriminação e Racismo.
Essas três palavras, permeiam os discursos a
respeito do preconceito racial e tem diferenças
de significado. São elas:

Preconceito – Conforme já descrevemos


anteriormente, é a opinião formada
antecipadamente, sem maior ponderação ou
conhecimento dos fatos, através de dados
absorvidos superficialmente, dando origem a
um pré-julgamento;

PRECONCEITO
54
Discriminação - Separar, reprimir, distinguir,
estabelecer diferenças, segregar; apartar,
separar pessoas consideradas diferentes;

Racismo - Teoria que sustenta a superioridade


de uma raça em relação a outra. Defende a
segregação racial e até mesmo a extinção de
determinadas raças.
Entendidas essas diferenças, e atentos ao
significado do preconceito racial, precisamos
nos ater também, ao fato de que, infelizmente,
pouco se fala do preconceito com pessoas de
“pele vermelha”, o preconceito contra os índios.

No mundo inteiro, existem cerca de 370


milhões de pessoas indígenas, no entanto,
apenas em 2007, depois de décadas de
discussão, os povos indígenas conquistaram o
reconhecimento junto a ONU, sobre a
“Declaração dos Direitos dos Povos
Indígenas”, sendo posteriormente adotada pelo
Brasil e outros países. Infelizmente, a pobreza
e o preconceito, marcam a condição de vida
deste povo. Falta de alimentos, desmatamento,
avanço das cidades para as matas, são alguns
dos motivos que obrigam esses povos
tradicionais a migrarem para áreas urbanas.

Apesar do anseio pela busca de melhores


condições de vida nas cidades, a maioria dos
PRECONCEITO
55
índios encontra-se em situação de pobreza e
possuem grande dificuldade para conseguir um
emprego, sendo obrigados a viver apenas do
artesanato.

Em contrapartida, vivem sobre o dilema de


migrar para as cidades sem ocultar suas
referências culturais e sua ancestralidade, sob
pena de serem segregados.

Viver em centros urbanos, sem acesso a


empregos, políticas de inclusão social e resistir
a discriminação diária que sofrem, perdendo
cada vez mais espaço dentro de suas reservas,
é a realidade vivida pelos povos indígenas no
Brasil e em muitos lugares do mundo.

Ainda falando sobre preconceito racial, um dos


temas centrais da presente obra, é importante
dizer que é considerado crime em vários
países. No Brasil, o racismo tem sido um
grande problema, desde os primórdios da
colonização escravocrata, implantada pelos
portugueses, colonizadores do país. Diversas
instituições realizam mapeamentos no mundo
inteiro, com indicadores que tem a finalidade de
acompanhar o tema. Pesquisas publicadas no
ano de 2011, trouxeram dados ainda mais
alarmantes. Cerca de 63,7% dos brasileiros
consideram que a raça interfere na qualidade
de vida dos cidadãos.

PRECONCEITO
56
Para avaliar os indicadores da pesquisa, foram
entrevistados cerca de 15 mil pessoas em
ambos os sexos, os indicadores sinalizam, que
a diferença entre a vida dos brancos e de não
brancos é evidente no trabalho (71%), em
questões relacionadas à justiça e à polícia
(68,3%) e em relações sociais (65%).

Em diversos países do mundo, o


termo: “apartheid social”, tem sido utilizado
para descrever aspectos alarmantes a respeito
de desigualdade econômica. Entre eles, o
Brasil, país que figura como tema de nossa
observação para a publicação da presente
obra, traça um paralelo com a separação de
brancos e negros na sociedade sul-africana,
sob o regime do apartheid.

O resultado da pesquisa, elaborada em 2008,


sinaliza ainda, que de forma antagônica, a
população negra compõe mais da metade da
população brasileira. No entanto,
os negros elegeram não mais do que 8% dos
representantes escolhidos, que candidataram-
se a cargos eletivos, nas eleições do país.
Ainda nos amparando em dados reais, de
acordo com dados arrecadados da Pesquisa
Mensal do Emprego, do ano de 2015, os
trabalhadores negros ganharam, em média,
59,2% do rendimento que as pessoas brancas
ganham, o que também pode ser explicado

PRECONCEITO
57
pela diferença de educação, oportunidade e
divisão de classes entre esses dois grupos.
O IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, divulgou dados preocupantes. O
percentual de negros assassinados no Brasil, é
132% maior que os homicídios de pessoas
brancas; Com uma rápida pesquisa nos canais
de busca em internet, é possível observarmos
indicadores dos mais estarrecedores de
dezenas de instituições com grande
credibilidade. Economicamente falando,
daqueles que ganham menos de um salário
mínimo, cerca de 63% são negros/pardos e
34% são de cor branca. Dos brasileiros mais
abastados e economicamente estáveis,
apenas 11% são negros/pardos e 85% são
brancos.
No ano de 2000, ainda segundo dados
angariados pelo IPEA, cerca 93% dos
entrevistados reconheceram que
existe preconceito racial no Brasil, mas 87%
dos entrevistados afirmaram que mesmo assim
nunca sentiram tal discriminação. Isto indica
que os brasileiros reconhecem que há
desigualdade racial, mas o preconceito não é
uma questão atual, mas algo remanescente da
escravidão e período colonial. De acordo com
Um relatório divulgado pela ONU em 2014, o
Brasil ainda é um país absolutamente racista.
Com base em dados coletados no final do ano
de 2013, os indicadores apontavam, que os
PRECONCEITO
58
negros do país são os que mais são
assassinados, os que têm menor escolaridade,
menores salários, menor acesso ao sistema de
saúde e os que morrem mais cedo.
Além disso, também fazem parte do grupo
populacional, que mais está presente no
sistema prisional e o que menos ocupa postos
nos governos. Isto em diferentes escalas,
sejam municipais, estaduais ou federais.
Segundo o relatório, o desemprego entre os
afro-brasileiros é 50% superior ao restante da
sociedade, enquanto a renda é metade da
registrada entre a população branca.
Para quem acredita que tudo isso não passe de
dados irreais, as taxas que visam avaliar os
níveis de analfabetismo no Brasil, são duas
vezes superior ao registrado entre o restante
dos habitantes. Além disso, apesar de fazerem
parte de mais de 50% da população
(entre pretos e pardos), os negros
representam apenas 20% da produção
do produto interno bruto (PIB) do país.
Em grandes cidades, onde a diversidade
cultural (em tese), é maior, os índices de
violência e agressão contra pessoas negras,
principalmente em comunidades, bairros e
bolsões de pobreza, estes dados são ainda
mais assustadores. A violência policial contra
os negros e o racismo institucionalizado são
apontados em diversos relatórios oferecidos

PRECONCEITO
59
pelas Nações Unidas e são tema de
discussões a muitos anos.
A ONU- Organização das Nações Unidas,
declara explicitamente, que: "O uso da força e
da violência para o controle do crime passou a
ser aceito pela sociedade como um todo
porque é perpetuado contra um setor da
sociedade cujas vidas não são consideradas
como tão valiosas", obviamente, fruto do
preconceito, do valor e subjugamento que a
população negra sofre por todos esses anos.
Infelizmente, chamado mito, a: "democracia
racial" foi apontada por dezenas de
organizações internacionais, como um
impedimento para superar o racismo no país e
grave elemento dificultador pela conquista de
uma sociedade mais justa. Infelizmente, a
terminologia é frequentemente alvo de políticos
conservadores, que utilizando discursos de
efeito moral e em militância própria e partidária,
se aproveitam para desacreditar ações
afirmativas realizadas em todo país. A ONU
alerta em diferentes fóruns de discussão, que a
negação da sociedade brasileira, da existência
do racismo ainda continua sendo uma barreira
à Justiça, que se vê de mãos atadas diante do
problema que se agrava a cada dia, acrescido
de casos de extrema desigualdade e violência
em todo o país.

PRECONCEITO
60
Preconceito Social:

Associado à classe social e definido


pelo status social de determinados indivíduos.
Baseado no poder aquisitivo e padrão de vida
dos indivíduos, sendo classificado basicamente
em: ricos e pobres. No entanto, entre eles,
ainda existem diversos grupos sociais, desde
milionários ou pessoas consideradas
miseráveis (mais pobres, com menor poder
aquisitivo). O que é mais singular neste tipo de
preconceito, é que o preconceito social, pode
ocorrer entre pessoas do mesmo grupo social.

A coisa fica muito clara, quando observamos a


associação de crimes ou marginalização de
classes mais pobres pelas mais abastadas,
atribuindo-lhes a culpa por questões de
violência por exemplo, o que infelizmente tem
sido muito comum em discursos de políticos e
candidatos a cargos eletivos em diversos
lugares do mundo.

Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão, já


definia a sociedade capitalista, de forma que
estivesse dividida em dois grupos mais
facilmente identificados: a burguesia (com
PRECONCEITO
61
maior poder aquisitivo) e o proletariado (com
menor poder aquisitivo), onde percebe-se que
um deles é o grupo dominante e o outro o
dominado, fator que determina a diferença
social ou a luta de classes.

Com isso, o status, a posição social é um


conceito que está intimamente relacionado
com o preconceito social de forma que define a
posição social do indivíduo na estrutura da
sociedade e diretamente ligada aos bens e
poder aquisitivo que se possui
.
Gerando intolerância humana, atribuindo valor
a quem possui mais recurso, o preconceito
social tem gerado cada vez mais discussão,
tendo em vista que como consequência, tem
gerado cada vez mais violência, intolerância,
segregação, e dificuldade de garantia para
condições de acesso a uma vida digna.

Preconceito Cultural:

Associado ao etnocentrismo e a xenofobia,


este tipo de preconceito, é uma conduta que
vem se disseminando de forma crescente entre
as mais diversas camadas da sociedade.
Advindo da discriminação de uma pessoa pela
sua origem, com associações pejorativas
quanto a cultura e/ou localidade de onde ela se
origina. Tem relação direta, com a aceitação,

PRECONCEITO
62
por parte de outros, de uma visão deturpada de
determinada cultura.

Considerando que o etnocentrismo se define


basicamente, quando algum indivíduo,
considera seus hábitos e condutas, como
superiores aos de outras culturas, esses
elementos são ainda mais agravantes, quando
associados a xenofobia, que determina à
aversão aos estrangeiros e pessoas advindas
de outras localidades. Surgindo (geralmente),
por diversos fatores históricos, culturais e
religiosos.

Preconceito Linguístico:

A língua é dinâmica, mutável e por que não


dizer: flexível, tendo em vista que este sempre
em constante desenvolvimento, se adaptando
a cada um de nós, falantes.

O Preconceito linguístico é a discriminação


existente entre os falantes de um mesmo
idioma, que desconsideram o respeito pelas
variações linguísticas, como sotaques,
regionalismos, dialetos, gírias e demais
diferenças da fala de determinado grupo,
atribuindo aos seus falantes, qualquer forma
de julgamento depreciativo e pejorativo, contra
o modo como alguém fala, principalmente pelo
fato da fala conter: características regionais,
PRECONCEITO
63
culturais, históricas, ou sociais que influenciam
ou podem vir a determinar, sua estruturação
linguística.

No Brasil, infelizmente, é comum notarmos


preconceito linguístico entre as diversas
regiões do país e seus sotaques.

Preconceito Religioso:

Está associado à religião e suas diferentes


práticas. Sendo desenvolvido pela intolerância
religiosa, ocorre quando os indivíduos não
aceitam a diversidade religiosa e atribuem
determinados juízos de valor sobre outras
crenças, quase sempre, sem fundamentação.

Publicar um livro que fale sobre preconceito


religioso e que também será distribuído no
Brasil, talvez seja um teste de coragem.

Oficialmente, sendo um país de religião


católica, curiosamente, é onde se percebe
antagônicas práticas ao que é pregado pelo
próprio cristianismo. Com agrupamentos
evangélicos das mais variadas denominações
e vertentes, que se amontoam, apoiando-se
politicamente, com a finalidade de formar
bancadas políticas partidárias, concorrentes a
cargos eletivos em várias esferas e em
militância religiosa, seus representantes,
PRECONCEITO
64
idealizam uma falsa espécie de controle
comportamental, com a finalidade de realizar
ações, fiscalizar e formular leis que possam
obrigar a sociedade a aderir a suas práticas,
conceitos e dogmas aceitos por suas igrejas,
excluindo homossexuais, lésbicas e toda sorte
de grupos que se oponham aos ensinamentos
que consideram como sagrados.

Deixou-se de pensar no bem coletivo, em


que os candidatos a cargos eletivos
deveriam pensar, desconsiderando-se
completamente o bem da população e a
governança para este fim. Pensasse única e
exclusivamente nos interesses de grupos
separatistas e segregadores, o que
curiosamente, é avesso as práticas pregadas
pelo próprio cristianismo, que deu origem ao
seguimento religioso em questão.

Em contrapartida e obviamente de maneira não


generalizada, líderes religiosos de outras
vertentes, inclusive alguns de religiões de
matriz africana, tentam se unir de forma
desordenada, agrupando pequenos e
descontrolados grupos de representatividade,
com intuito de autopromoção e militância em
favorecimento próprio, ao invés da luta pelo
direito a liberdade religiosa e combate a
intolerância.

PRECONCEITO
65
Ainda fruto do preconceito religioso, além de
intolerância religiosa, é possível observarmos
preconceito e julgamento depreciativo de
práticas dentro dos mesmos grupos que se
dividem internamente, adotando abordagens
pejorativas, discursos que menosprezam
adeptos as mesmas vertentes religiosas,
porém com origens e tradições distintas. O que
ao invés de valorização da cultura, pluralidade
e liberdade de crença, segrega, pune,
desempodera e principalmente: desune.

Em relação ao restante do mundo, quando


falamos sobre preconceito e
consequentemente a respeito de intolerância
religiosa, a primeira ideia que nos surge a
cabeça, são as questões que envolvem o
Oriente Médio que tem ceifado centenas de
vidas. Depois da II Guerra Mundial, a ONU deu
talvez um dos mais importantes passos a
caminho do desenvolvimento e liberdade
religiosa. Adotou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que trazia a discussão do
“respeito universal e observância dos direitos
humanos e liberdades fundamentais para todo
o planeta; Obviamente, sem distinção de
raça, sexo, língua ou religião”. Em 1999, um
encontro promovido por líderes religiosos do
mundo inteiro, deu origem ao: “Apelo Espiritual
de Genebra”. O documento que repercutiu
mundialmente, trazia o apelo para que a

PRECONCEITO
66
religião não fosse mais usada para justificar a
violência.

Com o decorrer dos anos, muitas tentativas de


garantir a liberdade religiosa foram realizadas
no mundo inteiro, mas infelizmente, grande
parte dos conflitos que hoje acontecem no
mundo ainda envolve crenças e doutrinas, que
se misturam a uma complexa rede de fatores
políticos, econômicos, raciais e étnicos.

Infelizmente, entre suas motivações, o


preconceito e a intolerância religiosa são os
motivos principais que originaram esses
conflitos. Os que causaram maior repercussão
em função da destruição que trouxeram e
trazem como consequência, são os Judeus e
Mulçumanos em Israel, no Afeganistão os
radicalistas fundamentais, muçulmanos e não
muçulmanos, os cristãos e mulçumanos na
Nigéria, os Xiitas e Sunitas no Iraque, no
Sudão, os Muçulmanos e não Muçulmanos, na
Tailândia entre os Budistas e Muçulmanos e
infelizmente, muitos outros espalhados por
outras localidades e tem promovido ataques de
violência e desrespeito a vida na terra.

Preconceito Sexual: Se caracteriza pela


discriminação em função da orientação sexual.
Associado as preferências sexuais de cada
indivíduo, por exemplo a homofobia ou
heterofobia. Assim, o primeiro trata-se do
PRECONCEITO
67
preconceito desenvolvido sobre as pessoas
que possuam relações homoafetivas, ou seja,
entre pessoas do mesmo sexo. Já a
heterofobia é o preconceito de pessoas que
apresentam hostilidade entre as relações
heterossexuais, ou seja, entre pessoas de
sexos opostos.

Transfobia – Transfobia se caracteriza por


definição, como uma série de atitudes e
sentimentos negativos em relação a pessoas
transexuais, travestis e transgêneros.

Assim, seria impossível abordar este tema,


sem explicar o que significa e a diferença entre
as vítimas deste tipo de preconceito, bem como
algumas questões que se fazem pertinentes.

Sim, precisamos ser didáticos explicando


minuciosamente este trecho, para que de
alguma forma, possamos contribuir de uma vez
por todas para a difusão de informação de
forma correta.

Sexo biológico: É o sexo determinado pelos


genitais, sistema reprodutor, cromossomas e
hormônios com os quais cada pessoa nasce.
Determinando biologicamente, o sexo que
determinado indivíduo nasceu, fisicamente.

PRECONCEITO
68
O que é identidade de gênero? É a forma
como a pessoa se vê. Na maioria das vezes, a
pessoa pode se identificar, com o sexo
biológico que nasceu, mas também existem
aqueles que nascem biologicamente com sexo
masculino, mas de identificam como sendo do
sexo feminino, ou vice e versa. Aqueles que se
identificam com o sexo biológico que
nasceram, são chamados: Cisgêneros.

Há ainda, os Gêneros neutros, também


conhecidos como: agêneros, que não se
definem através de um gênero, sem identidade
definida.

Assim, ainda falando sobre identidade de


gênero, aqui abordaremos apenas os mais
comuns, para que não fujamos do foco da obra,
desta maneira, temos ainda:

Gênero fluido:
Pessoas que se identificam com aspectos
sociais de mais de um gênero em momentos
diversos de suas vidas, como em fases que ao
transcorrer, fazem sentido de uma forma ou de
outra, sentindo-se identificado como mulher, ou
na fase seguinte, identificado como homem,
por exemplo.

O termo: Transgênero, que funciona como um


verdadeiro leque de opções e comumente são
tratados pela mídia, para abordar a pessoas
PRECONCEITO
69
que não se identificam com seu gênero, e que
abrange de forma geral, a todas as pessoas
que não se identificam com o gênero que lhes
foi designado ao nascer.

Em meio as pessoas pertencentes a


comunidade:“Trans”, é possível encontrarmos
ainda outras identidades como: "transexual",
que frequentemente, se refere a uma pessoa
que passou pela transição de gênero de
maneira física, através de cirurgia de
confirmação de gênero para adequação dos
genitais e de tratamento hormonal, ou o termo
"travesti", que veste-se e se expressa como
sendo do sexo oposto ao biológico, mas que
não passou por cirurgias de redesignação
sexual, alterando os genitais. Os dois termos
podem designar pessoas transgênero.

Falando sobre a terminologia travesti, existem


os: “Crossdressers”, termo que designa uma
forma de expressão de gênero variada,
caracterizada por um indivíduo que se veste
com roupas associadas, socialmente, a um
gênero diferente do seu. A prática não tem em
nada a ver com a orientação sexual. Um
homem: “crossdresser” pode ser hétero, por
exemplo e sentir atração sexual por mulheres.

“Drag Queen”, diferente do: “Crossdresser”,


caracteriza uma expressão artística.
Normalmente, ele é associado aos
PRECONCEITO
70
homens que usam roupas do gênero feminino
para uma performance, podendo ocorrer da
forma contrária, com mulheres, que se vestem
de homens, também para realizar
performances e expressões artísticas, sendo
também conhecidas como: “Drag kings”.
Entendidas estas terminologias, temos
ainda:

Não-binários: Pessoas que não são


identificadas em sua totalidade como homem,
ou como mulher. Podendo utilizar este termo
para si, independentemente de sua identidade
específica, ou caso não se sintam confortáveis
e definam seu gênero de forma mais
específica, como sendo mulher, ou homem.

Homem não-binário: Uma pessoa não-binária


que não necessariamente se lê como homem.
acha que o conceito “homem” não seja útil para
sua identidade. Não necessariamente usam o
artigo “o” ou o pronome “ele” como referência.

Mulher não-binária: Uma pessoa não-binária


que não acha que o conceito de feminilidade
seja útil para sua identidade. Não
necessariamente usam o artigo “a” ou o
pronome “ela” como referência.

Demigênero: Pessoa que se identifica como


parte de um gênero. O demigênero pode ser

PRECONCEITO
71
toda a identidade de gênero que a pessoa tem,
ou apenas parte dela.

Andrógino: Um gênero que é a mescla dos


gêneros homem e mulher. Normalmente,
apresenta características, traços ou
comportamento imprecisos, entre masculino e
feminino.

Transfeminino: Pessoa do sexo biológico


masculino, que possui uma identidade
relacionada à feminilidade. Mulheres trans
binárias também podem se dizer
transfemininas.

Transmasculino: Pessoa do sexo biológico


feminino, que possui uma identidade
relacionada à masculinidade. Homens trans
binários também podem se dizer
transmasculinos.

Transneutro: Pessoa que possui uma


identidade e/ou apresentação relacionada à
neutralidade ou a ser de um gênero neutro.

Intergênero: Um gênero influenciado ou


informado por intersexualidade. Apenas para
pessoas intersexo. Uma pessoa nasce com
uma anatomia reprodutiva ou sexual que não
se encaixa na definição típica de sexo feminino
ou masculino. Uma pessoa pode nascer com
uma aparência exterior feminina mas com
PRECONCEITO
72
anatomia interior maioritariamente masculina.
Ou nascer com genitais que se situam com
características entre o sexo biológico, feminino
e o masculino.

Entendidas as diferentes nomenclaturas e as


diferenças básicas, entre: pessoas trans,
identidade de gênero, travestis, cisgêneros,
binários, não binários e todas as suas
pluralidades, acredito que possamos entender
de forma mais clara, que não só a transfobia,
mas que a falta de informação, também seja
capaz de ferir e se tornar um elemento
dificultador para o empoderamento e o
conhecimento, bem como no combate ao
preconceito.

Homofobia: Seu significado literal, é


caracterizado através da rejeição ou aversão,
repugnância, medo, ódio, preconceito que
pessoas, nutrem contra: lésbicas, bissexuais e
transexuais a homossexuais e à
homossexualidade. Etimologicamente, ao
analisarmos a palavra "homofobia",
percebemos que ela é composta por dois
termos distintos, com os quais, podemos nos
ater, para identificar de forma mais clara seu
significado. O termo: “homo”, prefixo de
homossexual, unido, ao termo grego: “phobos”,
que significa "medo", "aversão" ou "fobia".

PRECONCEITO
73
Falando sobre homossexualidade, em
decorrência da absorção de conteúdo para
embasar a presente obra, se faz necessário
desmistificar algumas afirmações
preconceituosas, deixando claros alguns
posicionamentos a respeito deste tema. São
eles:

1- Drogas, doenças, pedofilia e promiscuidade


não definem pessoas homossexuais e não tem
ligação alguma com a definição deste tema.

2- Todo produto cultural, tem um fundo de


reflexão social. Desta forma, um beijo gay em
novelas, um livro gay, uma peça, uma música,
ou qualquer tipo de material não influenciará
ninguém a ser homossexual.

3- Gays não escolhem ser gays, não se tornam


gays, não deixam de ser gays, ou aceitam sua
realidade ou se condicionam a uma vida
velada. Desta forma, com toda certeza você
pode conviver com pessoas gays sem saber
que essa seja sua orientação sexual.

Esclarecidos estes pontos, temos:

Curiosamente, entre os anos de 1948 e 1990,


a homossexualidade era chamada de:
“Homossexualismo”, adotando o sufixo “ismo”,
atribuído a doenças e patologias

PRECONCEITO
74
diagnosticadas, por ser erroneamente,
considerado um transtorno mental.

Preconceito no próprio meio homossexual:


Antagonicamente, o próprio meio
homossexual, talvez seja um dos mais
preconceituosos, com isso, possuindo diversos
grupos que se unem em função da segregação
e exclusão que sofrem no próprio meio. Gays
afeminados, gordos, bissexuais, lésbicas
masculinizadas, homossexuais com
preferencias sexuais declaradas como:
passivos, são alguns destes exemplos.

Porque artistas afeminados ou travestidos


têm representatividade e tanta importância
para o meio LGBTQIA+ na sociedade?

Você já parou pra pensar porque artistas


travestidos de mulher, afeminados ou com
perucas e maquiagens cada vez mais exóticas
tem grande importância na sociedade?

Em tempos em que o ideário conservador


ganha força a cada dia, ditando regras,
comportamentos e atitudes punitivas a toda
pessoa com características consideradas “fora
do senso comum”, aos poucos, também vai
tirando cada vez mais a força e o espaço
conquistado a duras penas por mulheres,
marginalizando a todo tempo a população
LGBT.
PRECONCEITO
75
Desta forma, ser autêntico e não ter medo de
mostrar quem é, sua voz, seu jeito de se vestir,
do que gosta, que o mundo deve respeitar a
diversidade e o direito que cada um tem de ser
o que é, faz completa diferença na vida de
milhares de pessoas.

Imagine o que é pra um jovem gay por


exemplo, em fase de formação, acostumado a
ser humilhado, ouvindo piadas, passando por
atitudes discriminatórias, que passa a se odiar
em função de toda a repressão que vive, ligar
a TV e assistir uma: “Drag Queen” cantando,
um artista homossexual travestido, afeminado,
ou sem definição e sem o menor problema
quanto a isso, falando sobre seu trabalho.

É a prova de que existe lugar pra ele no mundo


e que não há nada de errado em ser o que ele
é. Enxergar e ser visto é extremamente
necessário. Fundamental quando se está em
fase de formação de caráter e personalidade.

Ele não vai se tornar gay, porque está vendo


um gay, ele já nasceu assim. Ele só vai
perceber que não está sozinho no mundo, que
não há nada de negativo em ser diferente.
Representatividade de que tanto se fala, serve
pra isso, pra representar, como o próprio nome
diz, o espaço que cada um tem, dentro de um
mundo que é naturalmente plural.
PRECONCEITO
76
Porque as paradas Gays (ou Paradas do
Orgulho LGBT) e eventos que celebrem a
diversidade são tão importantes?

Impossível escrever um livro a respeito de


preconceito, sem explicar o motivo das paradas
Gays e de eventos que celebrem a diversidade
serem tão importantes.

Nesse sentido, se torna imprescindível dizer


que homossexuais, bissexuais, ou transexuais
não desejam privilégios, mas igualdade,
garantias e equiparação de direitos. Entendido
isto, temos:

Até os anos 60, o termo mais próximo da


diversidade de gênero, era algo como:
“terceiro-gênero” ou “homossexualismo”,
terminologia que conforme já explicado em
trechos anteriores, foi alterado, abolindo-se o
sufixo: “ismo”, afastando a ideia de patologia e
doença. Durante este tempo, esses termos não
eram aceitos pela sociedade (até hoje não é),
mas o fato é que em função da falta de
informação e preconceito, a coisa era muito
pior.

Apenas em meados dos anos 70, o termo:


“gay”, acompanhado pelo termo: “lésbica”,
passou a ter importância e aceitação pelos
ativistas. Nesse momento, já acompanhados
PRECONCEITO
77
por mulheres que também militavam em favor
de sua identificação e respeito.

Essa época, ficou conhecida, como revolução


sexual, por um grupo de pessoas ter desafiado
a perspectiva social, o tradicionalismo
comportamental e o ideário conservador da
sociedade, relacionados a sexualidade e as
relações humanas.

Dentro desse contexto histórico, em 1969,


aconteceu a primeira passeata gay, contra uma
investida policial realizada num bar, que n
época era um local bem conhecido e com
muitos frequentadores. Isso impeliu as pessoas
a um movimento de reflexão, sobre o valor de
seus direitos como cidadãos. Até esse
momento, (e ainda nos dias de hoje), ser gay
ou lésbica, tinha conotação negativa e
cerceava direitos de milhares de pessoas em
função do preconceito que sofriam.

A ação, durou cerca de quatro dias, com


resistência dos seus membros, mesmo diante
de todo aparato policial que havia sido
convocado. Essa ação, tornou-se um ato
político, que no ano seguinte foi relembrado,
agregando mais de 10 mil pessoas,
reafirmando seus direitos, criando um marco e
a tradição da parada gay.

PRECONCEITO
78
No Brasil a primeira parada gay, só foi realizada
em 1997. Essa demora, é facilmente
entendida, por todos os entraves políticos e
sociais que o país viveu, no período da ditadura
militar e suas consequências.

Todos os anos, as paradas gays, tem um tema,


fazendo com que esses atos de afirmação e
porque não dizer, de garantia de direitos,
funcione como uma alavanca, impulsionando a
reflexão, principalmente no país onde
contraditoriamente, não seja considerado um
local tolerante e seja conhecido por ser o lugar
onde mais matam gays no mundo inteiro.

Figurando como o evento que mais traz turistas


ao Brasil, perdendo apenas para o Carnaval, as
paradas Gays atraem turistas do mundo inteiro,
aquecendo a economia local e gerando
centenas de empregos diretos e indiretos.

Além de um evento político, que reivindica


direitos básicos e equiparidade, eventos como
esse são também importantes, por impactarem
a um grande número de pessoas com
informação de que ser gay, não é doença, que
bissexualidade, não é sinônimo de indecisão e
que ser transexual, não é diagnóstico de que
se possua problemas psicológicos. Além é
claro, de reforçar os ideais, de que todos
devem ser respeitados pelo Estado e que a
diversidade deve ser respeitada por todos.
PRECONCEITO
79
Muitas pessoas contra-argumentam
negativamente a respeito das paradas do
orgulho LGBT, como eventos em que se
promova apenas a falta de pudor e bagunça.
Como em qualquer evento de grande porte, até
mesmo como as festividades de carnaval por
exemplo, estamos sujeitos a todo tipo de
conduta, principalmente quando lidamos com
públicos diferentes em festas comemorativas
desse porte, envolvendo música bebida,
alegria e um público tão plural, de diferentes
realidades, classes e idades. Não há nada
nesses eventos que não se assemelhe a outros
do mesmo porte. O que não há de se esquecer,
é que diferentemente de outros
acontecimentos, as paradas de orgulho LGBT
são eventos de importância sóciopolítica,
socioideológica, afirmativas, empoderadoras,
representativas e acima de tudo, representam
a pluralidade social, diversidade e garantia de
direitos e equiparação na luta por uma
sociedade mais justa.

PRECONCEITO
80
A polêmica sobre o kit gay no Brasil:

Ao final de 2011, um material desenvolvido


através do programa chamado: “Escola sem
homofobia”, de formação sobre questões de
gênero e sexualidade, foi alvo de críticas em
setores conservadores e teve a veiculação
suspensa pela presidência da República no
Brasil.

No ano de 2004, o Governo Federal brasileiro,


lançou o programa: “Brasil sem homofobia”.
Através de uma espécie de convênio que seria
firmado entre um fundo destinado a educação
no país, havia sido elaborado um material que
pudesse ser distribuído para instituições do
Brasil inteiro, levando a possiblidade de
informação e discussões a respeito do tema a
crianças a partir de 11 anos de idade.

O fato, é que no ano de 2011, quando o


material estava pronto para distribuição,
setores conservadores e bancadas religiosas
presentes no Senado Federal, iniciaram uma
espécie de campanha contra o material,
chamando-o de “kit-gay”.

Amparados por ideários conservadores e até


religiosos, esses grupos alegavam que o
material seria responsável pelo incentivo a
“homossexualidade e promiscuidade”,
agregando inclusive o sufixo “ismo”, ao termo
PRECONCEITO
81
homossexualidade, dando-lhe caráter de
patologia clínica, considerando como doença.
Além disso, elencavam o mesmo significado de
promiscuidade a homossexualidade.

Infelizmente, com a pressão sofrida, o governo


vetou o projeto e consequentemente a
distribuição do material, fazendo com que 4
anos de trabalho, acrescidos de investimento
de 1,9 milhões de reais fossem desperdiçados.

Os “kits”, possuíam nada mais do que vídeos,


boletins informativos e material de discussão,
com intuito de combater o preconceito,
violência e práticas de “bullying” contra o
público LGBT nas escolas.

Dividido em basicamente três capítulos


(subdivididos em tópicos) e dois anexos com
sugestões didáticas de como utilizar os
materiais em vídeo, ao final de cada tópico, os
autores propunham dinâmicas sobre o assunto,
de forma que pudessem ser trabalhadas em
sala de aula e em paralelo, nas dinâmicas de
formação de professores.

O fato é que ter disponível um material como


esse nas escolas seria um avanço muito
grande. Ao que parece, desde 1997, os
parâmetros curriculares nacionais, adotados
pelo sistema educacional no Brasil não eram
atualizados a respeito destes temas e eram os
PRECONCEITO
82
únicos documentos que tratavam de
sexualidade, mas o faziam de forma muito
superficial, enquanto o material desenvolvido
para distribuição, traria uma abordagem atual e
prática, que precisa ser trabalhada nas
escolas, de acordo com as realidades que
vivenciam nos dias de hoje.

Além disso, o material trazia abordagens


importantes e tinha como um dos objetivos
principais, desconstruir conceitos equivocados
a respeito da identidade de gênero e orientação
sexual.

O material que está disponível na internet para


consulta teve o critério de abordar os temas sob
o ponto de vista biológico e sociohistórico,
mostrando como a construção de identidades e
papéis sociais associados ao sexo de cada
indivíduo estão presentes nas escolas e na
realidade cotidiana dos alunos, abordando a
essas questões de forma natural.

O fato e que em 2004, a UNESCO realizou uma


pesquisa, que trazia indicadores alarmantes a
respeito da homofobia e bullying nas escolas.

A partir desses dados foi possível perceber que


cerca de 93,5% dos alunos entrevistados
tinham preconceito em relação a gênero e mais
de um quarto dos estudantes declarava que
não gostaria de ter amigos homossexuais.
PRECONCEITO
83
Nesse sentido, o combate a violência,
intolerância e bullying nas escolas, além de
preocupante, se fazia extremamente
necessário.

Infelizmente, a partir da pressão realizada


através das bancadas compostas por líderes
religiosos e evangélicos, agregados a setores
conservadores da sociedade brasileira, o
projeto foi vetado e a distribuição do material
cancelada, trazendo com consequência grande
desperdício de dinheiro público, sob a
justificativa preconceituosa de que o material
poderia induzir a homossexualidade nas
escolas.

PRECONCEITO
84
Sobre os temas que tangem ao preconceito
e permeiam os discursos sobre o
importante papel de transformação e o
grande valor da mulher na sociedade:

Acredito que conhecimento liberta, nos solta


das amarras, tira de nossos olhos a venda do
preconceito. Assim, acredito que antes de
falar mais a fundo dos próximos tópicos,
talvez seja necessário fazermos um breve
resumo dos significados e distinções entre
as terminologias: Misoginia, Machismo,
Sexismo e Feminismo, principalmente,
porque como dito anteriormente, estão
presentes nos discursos que tangem aos
preconceitos cometidos contra a figura
feminina e tenho percebido uma grande
confusão a respeito do significado destes
temas.

Misoginia – Caracteriza-se pelo sentimento de


repulsa, ou aversão a mulheres. Ao longo da
história, a luta de mulheres, para equiparação
de direitos, é marcada por tragédias e atos de
resistência e sobrevivência. O enfrentamento
de questões de violência contra a mulher,
contem dados crescentes e estarrecedores no
mundo inteiro.

O combate a violência doméstica, a promoção


de igualdade de direitos e autonomia
PRECONCEITO
85
financeira, tornou-se um dos maiores desafios
do mundo moderno. Além da violência, a falta
de políticas públicas que fomentem a
equiparação de oportunidades, abre a cada
dia, um lastro cada vez maior, no mercado de
trabalho entre homens e mulheres.

Uma pesquisa promovida pelo Ibope


Inteligência, no Brasil ofereceu dados
preocupantes. O contexto de mulheres em
relação ao mercado de trabalho, quando
comparado aos homens, é absolutamente
desigual. Dos entrevistados, a cada 10
pessoas ouvidas, 6 sem emprego, são
mulheres. Estatisticamente, observou-se que
apenas na cidade de São Paulo, no Brasil, mais
de um milhão de mulheres encontram-se
desempregadas e sem perspectiva de
mudança.

O preconceito e a discriminação,
historicamente, sempre foram as bases da
violência contra mulher, já que fazem parte de
um sistema sociohistórico, que as condicionou
a uma posição hierarquicamente inferior e sem
garantias dos mesmos direitos entre homens e
mulheres. Isso se torna cada vez mais
aparente, se observarmos a distinção de
políticas salariais e diferentes remunerações
entre homens e mulheres que ocupam os
mesmos cargos em milhares de empresas
espalhadas pelo mundo.
PRECONCEITO
86
Machismo – Obviamente, derivado da palavra
“macho”, se caracteriza pela supervalorização
das características, físicas, posturais,
comportamentais, culturais e masculinas,
atribuídas ao homem. É importante nos
atermos ao prisma, de que o machismo não é
apenas o preconceito que descrimina o
homem, mas nesse contexto, também os
homossexuais, metrossexuais e tudo aquilo
que se possa remeter ao universo feminino, de
forma pejorativa e com menor valor atribuído.

Eu entendo o machismo como um misto de


sexismo (quando se atribui mais valor a um
sexo do que o outro), acrescido de misoginia,
com certo grau de aversão e repulsa pelo
universo feminino.

Ao contrário do que muita gente confunde, o


machismo não é, nem nunca foi o contrário de
feminismo. O Machismo segrega, atribui menor
valor, critica e subjuga o universo feminino,
enquanto o feminismo busca a equiparação de
direitos a mulher e ao universo feminino.

Sexismo - Preconceito sobre o sexo, sobre o


gênero de determinada pessoa. Pode ser
atribuído a ambos os sexos, no entanto é
comumente observado em relação e
detrimento do sexo feminino. Exemplo: “Mulher
no volante, perigo constante.”

PRECONCEITO
87
Feminismo- É importante falar sobre o
feminismo, no sentido de afastar a confusão
que algumas pessoas fazem entre esta
terminologia, conforme citado anteriormente. É
um movimento filosófico, cultural, político,
empoderador, que visa garantir e equiparar
direitos iguais entre todos os sexos. Na
verdade, ao contrário do que se pensa, o
feminismo não tem oposto. Ainda que não seja
um tipo de preconceito, falar sobre este tema é
primordial, com a finalidade de afastar de vez
qualquer tipo de confusão que se possa fazer
nesse sentido.

Xenofobia – Aversão por pessoas distantes do


meio em que se vive, estrangeiros, que são
oriundos de diferentes culturas, países e
localidades. O curioso sobre este tema, é que
ele é muito peculiar. Pode ser considerado
patologia clínica, ou preconceito.

É considerada como doença, quando se pode


diagnosticar um medo excessivo e extrema
angústia que se transforma em desequilíbrio.
Normalmente, quando diagnosticado como
patologia, advém de pessoas que passaram
por situações traumáticas em determinadas
localidades, ou grupos de pessoas advindas de
determinado local, que através do trauma
sofrido, desencadeiam desequilíbrio ou até
mesmo síndromes de pânico.
PRECONCEITO
88
Já nos casos de preconceito, é caracterizado
por formas de discriminação contra etnias,
diferentes culturas ou crenças.

É importante dizermos, que nem sempre a


resistência a diferentes culturas ou pessoas
advindas de territórios e culturas diferentes
pode ser considerado xenofobia, há que se
levar em consideração, conflitos ideológicos ou
choques culturais, que podem ser comuns
entre pessoas de territórios e culturas
diferentes.

Antissemitismo – Preconceito, ódio ou


atitudes discriminatórias em relação ao povo
judeu. Muito presente em diversas passagens
históricas, infelizmente ao longo do tempo,
percebe-se que este tipo de preconceito é um
crescente corrente no mundo. Em sua forma
mais extrema, atribui aos judeus, valorização
inferior, se manifestando de diversas formas.
Desde expressões individuais de ódio, a
violentos ataques em massa.

Mas porque tanto ódio? Em: “A Respeito dos


Judeus,” Mark Twain meditou sobre o ódio
pelos Judeus, fazendo menção a sua
persistência, e por outro lado, pondera: “…Os
Judeus constituem senão um por cento da raça
humana. …Adequadamente, raramente se
devia ouvir falar do Judeu, mas ouvimos falar
PRECONCEITO
89
dele, e sempre ouvimos falar dele. …O Egípcio,
o Babilónio e o Persa se levantaram,
preencheram o planeta de som e esplendor e
então esvaeceram no material dos sonhos e
faleceram; o Grego e o Romano se seguiram e
fizeram um amplo alarido e eles
desapareceram.

Outras pessoas nasceram e seguraram sua


tocha no alto durante um tempo, mas ela se
extinguiu… O Judeu viu todos eles, os venceu
a todos e está agora como sempre foi, não
exibindo decadência, enfermidades da idade,
enfraquecimento de suas partes, nem
abrandamento de suas energias… Todas as
coisas são mortais menos o Judeu; todas as
outras forças passam, mas ele sempre
permanece. Qual é o segredo de sua
imortalidade?”. O fato, é que historicamente, é
possível observar a triste perseguição ao povo
judeu, de Faraó a Hitler. A literatura nos mostra,
que odiados, amados, idolatrados, vistos com
receio ou preconceito, este povo sempre foi
tratado de forma diferente, vivendo os
extremos entre o amor e a admiração, ao ódio
e desprezo.

PRECONCEITO
90
Preconceito quanto Aparência:

Aqui, não abordo nenhum conceito inerente a


área médica/psicológica a respeito deste tema.
A narrativa apresentada, é meramente
explicativa, tomando como base a absorção de
conteúdo, tangente a minha formação e
percepção enquanto estudioso a respeito deste
tema. No entanto, não estranho será a
exposição de terminologias técnicas e
explicativas, com mero intuito de explicar de
forma clara o nexo para identificação do tema
apresentado. Acredito que este seja o tema
central desta obra, porque afinal de contas,
podemos observar com clareza, que em algum
momento, este tipo de preconceito, é capaz de
permear todos os outros citados anteriormente
e os que virão a seguir, seja magro, gordo,
negro, baixo, alto, seja lá em que parâmetro se
possa encaixar, poderemos diagnosticar sua
presença.

É a base da diferença, a primeira característica


daquilo que nos foge ao senso comum, que cai
em desacordo com o que estamos
acostumados a viver, que nos causa receio.

Identificado, é elemento determinante para o


aceite. Seja lá qual for o motivo, desde a
maneira como alguém se veste, a forma como
anda, o jeito como fala, o lugar de onde vem, o
modo como se porta, lá está ele.
PRECONCEITO
91
Presente, desde as empresas que não
contratam pessoas que possuem tatuagens, as
pessoas que tem estilos exóticos, ao bullying
sofrido na mais tenra idade, a linha entre o
“bem e o mal” e a tênue teia que sustenta a
diferença entre senso comum e discrepância,
capaz de despertar no outro a admiração ou a
repugnância pela forma como o identificou,
como lhe aparenta.

Aparência tem relação direta com a identidade.


Tanto com a identidade que temos, quanto a
identidade que construímos e desejamos
passar ao resto do mundo.

Entendido isso, podemos facilmente perceber


que a imagem de cada um de nós, é associada
a um grande número de representações, que
agrupam valores.

Assim, com base nessas características que


resultam em variáveis medidas de grau, valor e
significado, partimos para o processo de
construção de identidade, que mesclada a um
processo de aprendizagem cultural e
interações sociais, determinam os valores que
destinamos a aparência.

Dentro desse contexto de valorização e


interação social, a sociedade possui padrões
cada vez mais exigentes e efêmeros. O que é
belo e valorizado hoje, talvez não seja amanhã.
PRECONCEITO
92
A busca por essa aceitação e pela constante
construção de valor a imagem, faz com que
existam cada vez mais fobias e colapsos
sociais.

Desde a antiguidade, a associação da beleza


ao sagrado, ao forte, ao iluminado, nos faz
entender o desenvolvimento de valores e o
desprezo pelo que é considerado feio. O
homem por si só, sempre quis se aproximar de
Deus e com isso, daquilo que lhe parecesse
belo.

Platão já se arriscava a atribuir valor a beleza,


quando assumia que o belo, era bom, puro e
verdadeiro.

Ainda citando passagens históricas, é possível


observarmos a efemeridade da beleza e a
diferença de valores que atribuímos a
aparência, quando percebemos o valor da
simetria humana na Grécia antiga, ou a
perseguição dos traços de beleza na idade
média, onde aparência não era importante por
ser considerada pecaminosa. A mulher devota,
de alma pura, casta, com lábios pequenos e
cabelos louros eram as mais belas, por não
chamar atenção e não induzir ao desejo e ao
pecado.

Com as diferentes atribuições de valor, que


nascem a cada dia, outros tipos de preconceito
PRECONCEITO
93
quanto a aparência, são cada vez mais visíveis
na sociedade moderna.

Gordofobia – Caracterizada por atitudes de


desprezo ou desvalorização da pessoa gorda.
Enquanto injúria racial e violência contra a
mulher são consideradas crime em diversos
lugares do mundo, o preconceito com pessoas
gordas e acima do peso, não apenas são
observados com normalidade, como
encorajado socialmente. Inclusive por órgãos
de saúde pública e campanhas de publicidade.

Ainda falando sobre os valores que são


construídos através da interação social, ao
pensar sobre o tema da gordofobia, lembrei
também da interação religiosa, que elege a
gula, como um pecado capital. Desta forma,
uma fraqueza e representação do fracasso
moral de alguém incapaz de conter o pecado,
impresso no excesso de curvas do corpo e com
isso a não aceitação.

Em contrapartida, o jejum é uma prática


constantemente valorizada, que é atribuída a
força de vontade, valor espiritual em detrimento
do corpo e é comum em diversos seguimentos
religiosos.

Com academias lotadas em busca do corpo


perfeito, ser gordo virou sinônimo de fracasso,
ingerência de sua saúde, falta de retidão e
PRECONCEITO
94
desenvolvimento espiritual e sinônimo de
feiura.

Etnocentrismo – Menosprezar, atribuir menor


valor a alguém em função de padrões culturais
próprios, como: “certo” ou “errado”, “feio” ou
“bonito”, “normal” ou “anormal”, ditando regras
ao comportamento alheio, tomando seus
próprios parâmetros como única referência
aceitável, desqualificando o outro. É uma
generalização de julgamentos subjetivos, feitos
em relação a um determinado grupo, impondo-
lhe posição inferior, ou de incapacidade. Isso
se torna cada vez mais claro, quando
observamos as máximas populares: “tal pai, tal
filho”; “só podia ser mulher” “bahiano é
preguiçoso”; “serviço de negro” e coisas do
tipo.

Pensando ainda sobre esse tema, é possível


observar este tipo de preconceito quando se
percebe a tentativa de estereotipar genética ou
biologicamente, determinados grupos,
impondo-lhes menor valor. Isso fica cada vez
mais claro, quando observamos que
antigamente, mais precisamente até o início do
século XX, a justificativa para que mulheres
não pudessem votar, se embasava na crença
de que elas possuíam um cérebro menor e
menos desenvolvido do que o dos homens.

PRECONCEITO
95
Nesse sentido e olhando sobre o prisma
religioso, não podemos deixar de falar da
perseguição sofrida no Brasil, das religiões de
Matriz Africana, como Candomblé e Umbanda,
por alguns grupos evangélicos, impondo-lhes e
atribuindo-lhes posição também
menosprezada.

A coisa fica cada vez mais grave, quando o


sacrifício animal, presente em algumas crenças
afro-brasileiras tem sido perseguido e
considerado sinônimo de barbárie, por
praticantes de outros credos, que não possuem
nenhum tipo de proximidade ou intimidade com
as origens destes cultos.

Ainda sem nenhum tipo de propriedade para


falar a respeito, desconsideram o fato de que
trata-se, simplesmente de uma forma
específica para que os adeptos desta religião,
entrem em contato com o divino e afinizem
energia, com seus deuses, nesses casos, os
orixás. Além de sacrificados, partes específicas
da carne dos animais, servem de alimento para
as pessoas que comungam da crença e dos
ritos, num ato de celebração a vida e ao
alimento oferecido pela natureza.

Além do consumo de carne animal ser uma


prática comum no mundo inteiro, outras
religiões pregam formas diversificadas de
contato com o divino e inclusive também
PRECONCEITO
96
adotam o sacrifício de animais. No entanto, as
religiões de matriz africana, sofrem
constantemente perseguição, tendo seus
rituais classificados (em sua maioria por
vertentes evangélicas), como: “errados”,
“bárbaros”, ou como “feitiçaria”. Em
contrapartida, há relatos de centenas de casos
de agressão praticada contra seus adeptos,
acusados levianamente de culto ao demônio,
com suas casas de culto depredadas,
invadidas e destruídas.

Preconceito com idade, Discriminação


etária, generacional, etaísmo, idadismo ou
ainda etarismo – Quando a discriminação
contra determinados grupos de pessoas, tem
sua forma justificada a partir de suas idades.
Embora o etarismo, se caracterize por não ter
uma faixa etária determinada ou definida,
comumente, ocorre em relação a duas faixas
etárias específicas. Contra a Terceira idade,
quando lhes são atribuídos rótulos em
detrimento da pessoa humana, classificando-
os como: fracos, lentos, burros, ultrapassados,
dependentes e etc. Pode ocorrer de forma mais
corriqueira, também em relação a
adolescentes, podendo também ser chamado
de “adultismo”, atribuindo-lhes menor valor em
função de justificativas como: inexperiência,
imaturidade, infantilidade, insubordinação,
irresponsabilidade, etc.
PRECONCEITO
97
Nativismo – O preconceito chamado nativismo
é praticado contra grupos específicos de
emigrantes de um determinado país, que se
encontram em determinado território de forma
que lhe sejam atribuídos menor valor,
segregação e discriminação. Ao contrário de
outras formas de preconceito, há casos em que
esta prática é encorajada e mantida por alguns
governos e entidades públicas de forma a que
sejam negados serviços de saúde, emprego e
outros serviços, fazendo-lhes distinção.

Preconceito contra pessoa com Deficiência:


Talvez um dos elementos mais preocupantes
e principais dificultadores para inclusão social
das pessoas com deficiência, este tipo de
preconceito transcorre pela sociedade de
forma velada.
Isso se torna cada vez mais claro, quando
percebemos a contratação de pessoas com
deficiência por empresas, apenas para atender
aos regimes de cotas, ou ainda para reforçar
imagens e posicionamentos de comunicação
responsáveis no mercado em que atuam, para
funções simples, geralmente desprezadas por
outros profissionais.

PRECONCEITO
98
O preconceito com relação a pessoas com
deficiência quase sempre, vem imbuído de um
profundo e velado sentimento de negação a
respeito da capacidade que o indivíduo possa
ter.
Neste contexto, a pessoa com deficiência de
locomoção é aquela que dará trabalho para se
adaptar e se locomover nos espaços comuns,
enquanto antagonicamente, os espaços
comuns não sejam em sua maioria adaptados
ou inclusivos de forma que se possa minorizar
as diferenças e possíveis dificuldades a esse
respeito. A pessoa com deficiência auditiva,
será sempre rotulada, como aquela que terá
dificuldade em ouvir e se comunicar e o mesmo
ocorre com a pessoa com deficiência visual.
Desta forma a sociedade, cada vez mais se
aproxima da negação, da exclusão e se afasta
da inclusão dessas pessoas, atribuindo-lhes
uma triste realidade separatista, marginalizada,
excludente e discriminada.
Em contrapartida, há ainda os que por
ignorância acreditam que a pessoa com
deficiência quer ou necessite de regalias, que
para a integração dessas pessoas no mercado
formal de trabalho e sua inclusão social, seja
necessário tratamento diferenciado, quando na
verdade o prisma deve ser outro. A mudança
PRECONCEITO
99
nas políticas de inclusão e atendimento não
são ferramentas de fomento a regalias ou
diferença e sim, na equiparação de
oportunidades, na garantia dos mesmos
direitos e em alternativas que possam
contribuir para uma vida com mais qualidade e
função social.
Preconceito contra Ex-presidiários:
Acredito que não seja novidade pra ninguém
que em muitos países do mundo, dentre eles,
infelizmente o Brasil, possuem um sistema
prisional falido, que ao invés de ressocializar as
pessoas que cometeram crimes e reinseri-los a
sociedade, os fazem viver realidades extremas
pela sobrevivência dos presídios, fazendo com
que saiam do sistema prisional, em situação
muito pior do que na época em que foram
presos e cometeram seus delitos.
O fato é que essa realidade não muda muito,
quando conseguem retornar ao convívio social
em liberdade. A falta de perspectiva e
possibilidade de ressocialização, deficiência de
formação e inserção no mercado formal de
trabalho, acompanhada de elos familiares
completamente enfraquecidos e do estigma do
preconceito por ser um ex-detento, não abre
muitas portas, gerando um efeito colateral em
massa, que cada vez mais só abre caminho
PRECONCEITO
100
para reincidência de práticas ilícitas,
fornecendo um número cada vez maior de mão
de obra para o crime, numa sociedade
excludente.
Deixar o passado de crimes pra trás, levar uma
vida honesta, se reinventar, apagando as
marcas do passado, num país como o Brasil,
vai muito além do que o que está escrito no
papel, ou das críticas de quem não sabe o que
é viver a realidade do sistema prisional
brasileiro. É fato de que todo aquele que pratica
algum tipo de crime, precisa pagar pelo que
cometeu. O intuito da presente obra, não tem
intenção alguma de aliviar, vitimizar ou
amenizar a prática ilícita de nenhum bandido,
assassino, ou seja lá o crime que se tenha
cometido. No entanto, depois de paga a sua
“dívida” com a sociedade, depois do
cumprimento da pena, com crime sentenciado,
julgado com punição devidamente cumprida,
não há caminho de volta.
Não há possibilidade de reconstrução. Não no
Brasil, sem uma boa parcela de sorte, fé e força
de vontade. Com a completa ausência de
políticas públicas eficazes de reinserção social,
se antes a sociedade era excludente, agora ela
é execrável e preconceituosa.

PRECONCEITO
101
Preconceito contra dependentes químicos
e/ou adictos e alcoólicos – Embora
considerada doença pela Organização Mundial
de saúde, a dependência é considerada
fraqueza de caráter, degradação moral e
normalmente dá origem a termos cada vez
mais pejorativo a suas vítimas. Critica-se,
aponta-se, faz-se piadas, chacotas, apelidos
chulos, sem critério, respeito, ou
contextualização da realidade que estas
pessoas enfrentam;
O preconceito e marginalização dessas
pessoas prejudica absurdamente o tratamento.
Além disso, há casos de negação, onde as
vítimas relutam em buscar ajuda, demorando
muito tempo para aderir aos tratamentos.
O preconceito também faz as famílias dessas
pessoas, reféns da vergonha, perante vizinhos,
parentes e amigos, quando precisam assumir
que vivem essa realidade.

PRECONCEITO
102
A diferença entre preconceito e estereótipo:

Vivemos num mundo absurdamente


preconceituoso, diante de todos os temas
apresentados na presente obra, dados
históricos, denominações, elucidações,
depoimentos e apanhados técnicos, podemos
chegar a conclusão de que preconceito, além
de superficial, seja a visão espontânea que se
tem, da realidade social e se caracteriza pelo
conhecimento subjetivo a respeito de
determinado tema.
Nesse sentido, se torna cada vez mais
necessário falarmos a respeito da diferença
entre preconceito e estereótipo, pois durante
a pesquisa para realização da presente obra,
percebi uma certa confusão a esse respeito,
empregando inclusive o termo: “preconceito”,
onde talvez não haja. Sobrecarregando
discursos inflamados, enfraquecendo um rumo
coerente para uma discussão coerente sobre
este tema.
Estereótipo, diferentemente de preconceito, é
uma representação compartilhada, podendo
ser verdadeira, ou não.
A coisa fica complicada, quando observamos
que a discriminação, terminologia também
PRECONCEITO
103
presente nas discussões a esse respeito, se
confunde ainda mais, alinhada aos termos
anteriormente explicados.
Discriminar, conforme já fora abordado, é
categorizar de forma negativa, atribuindo a algo
ou alguém, menor ou detrimento de valor. É
inclusive uma ação violadora de direitos.

PRECONCEITO
104
Depoimentos vivenciais

A seguir, a presente obra traz a narrativa de


casos de preconceito, vivenciados, por suas
vítimas. A pedido dos próprios entrevistados,
nem todas as pessoas que contribuíram com
seus depoimentos para a presente obra,
possuem suas identidades reveladas.

PRECONCEITO
105
“Triste época! é mais fácil desintegrar
um átomo, do que um preconceito”.

(Albert Einstein)

PRECONCEITO
106
O dia em que aprendi que ser pobre e
estudar era motivo de agressão
– J.P.C. de Oliveira 28 anos

Nós nunca fomos pessoas ricas, acredito que


tão pouco transparecêssemos de alguma
forma que éramos miseráveis ou coisa do tipo.
Talvez minhas roupas fossem até de alguma
forma simples em função da grande maioria
das crianças, mas aquela altura, aos doze anos
de idade, eu jamais teria despertado a
percepção para imaginar uma coisa assim, ou
que minhas roupas provocassem algum tipo de
reação negativa nas crianças ao meu redor.
Lembro-me como se fosse hoje. Meus pais
sempre nos criaram (eu e minha irmã), como
muita dificuldade, mas na medida do possível,
não nos faltava nada. Nossa vida era de certa
forma confortável e eu lembro de ter vivido uma
infância muito feliz.
Com o passar dos anos, fui demonstrando
certa dificuldade em algumas matérias na
escola. Entre elas, a matemática, parecia ser
um grande dilema familiar, já que nem eu nem
minha irmã, demonstrávamos grande aptidão
para a coisa. Preocupada com meu
desenvolvimento, minha mãe comentou com
PRECONCEITO
107
algumas vizinhas próximas a respeito da ideia
de recorrer ao auxílio de alguém que pudesse
oferecer aulas de reforço escolar.
Após muita pesquisa e diversas indicações
positivas, chegamos a uma senhora que
morava relativamente perto de minha casa e
que oferecia esse tipo de auxílio, cobrando por
um valor que talvez não fosse tão acessível
para nossa realidade. Mesmo assim, meus pais
sempre pensaram muito no meu
desenvolvimento e acreditaram que recorrer ao
auxílio das aulas, seria muito importante para
minha formação.
Assim foi feito. Lembro que minha mãe se
preocupou com coisas básicas, como cadernos
e um pequeno material que pudesse me deixar
confortável para comparecer as aulas.
Devidamente munida de canetas, lápis e toda
sorte de material escolar, era chegado o tão
esperado primeiro dia da primeira aula. Lembro
da ansiedade que tomou conta de mim por toda
aquela semana. Afinal, uma coisa assim, era
um verdadeiro evento para uma criança na
idade que eu tinha e conhecer novos
amiguinhos era motivo de felicidade para
qualquer um que vivesse aqueles dias. De
banho tomado, prendedor nos cabelos
combinando com a roupa e uma mochila nas
costas, lá fomos eu e minha mãe para o
PRECONCEITO
108
reforço. A matemática parecia já não ser um
problema, mas motivo de sorte pelo evento.
Chegando ao local, havia uma sala, com cerca
de 8 crianças, todas nivelando em idade
comigo na época. A professora que nos
recepcionou, me orientou a me despedir de
minha mãe, apontando amavelmente um local
para onde eu me sentasse na sala. Antes de
iniciarmos, a professora orientou para que cada
um de nós, nos apresentássemos, contando a
escola de onde vinhamos e localidade onde
morávamos. Percebi que eu talvez fosse uma
das únicas estudantes de colégio público e que
talvez morasse numa localidade menos
privilegiada do bairro. Ainda assim, aquilo
pouco importava pra mim aquela altura.
Devidamente apresentados, como era de se
esperar, no decorrer da aula, comecei a
demonstrar certa dificuldade em alguns
conteúdos da matéria, precisando da
intervenção e do auxílio da professora, para
que pudesse acompanhar o conteúdo.
Num determinado momento da aula, a
professora sugere um trabalho em dupla,
sugerindo que cada um de nós, se
aproximasse, formando duplas, para realização
do trabalho.
Em uma rápida olhada ao meu redor, percebi
uma menina linda, de cabelos presos com uma
PRECONCEITO
109
fita cor de rosa, apoiando-se num caderno da
“Hello Kit”. Naquele momento, todos os outros
alunos já haviam formado suas duplas e
restávamos apenas nós duas. Me aproximei
com um sorriso largo estampado na face e
disse:
- Posso fazer com você?
- Não quero me sentar ao seu lado...
- Porque?
A menina calou-se e não me olhava mais, até
que sendo as únicas distantes, a atenção da
professora se voltou contra nós.
- Meninas, porque não se sentam juntas para
fazer o trabalho?
- Porque eu não quero (respondeu a menina).
- Mas qual o motivo? (insistiu a professora).
Naquele momento, eu mantinha o mesmo
sorriso preso ao meu rosto, olhando fixamente
para a menina, com intuito de conquista-la de
alguma forma e talvez, simpaticamente,
reverter aquela situação que eu não entendia
por nada...
Ironicamente e inocentemente, foi com um
sorriso estampado no rosto, que talvez eu
tenha recebido um dos mais doloridos golpes
PRECONCEITO
110
travestido de preconceito que eu poderia
receber, já naquela idade.
- Não quero me sentar ao lado dela por vários
motivos, porque ela é pobre, pode roubar
minhas coisas, vem de uma escola pública e é
feia.
O silêncio manteve-se na sala por alguns
segundos, até que sem reação, todos fomos
surpreendidos por gargalhadas dos alunos que
assistiam o que ocorria na sala de aula e
rapidamente um coro uníssono se formou ao
meu redor, dizendo:
- Pobretona, Pobretona, Pobretona...
Obviamente a professora interviu, no entanto
semanas se passaram e eu fui convivendo com
apelidos dos mais variados, como: Macaca,
Mendiga, Pobretona e Monstra. Sei que talvez
as pessoas não alcancem a forma como isso
me feriu naquela época, ou não imaginem a
angustia de viver sendo chamada por nomes
assim. Os meses se passaram, eu aprendi a
conviver e venci minhas dificuldades com a
matemática, no entanto as dificuldades com o
racismo e o preconceito, essas infelizmente só
estavam começando e eu preciso conviver e
vencê-las por todos os dias da minha vida,
desde então.

PRECONCEITO
111
Punida pela aparência
V.MS. -44 anos

Sou a filha mais nova de uma família de apenas


três pessoas. Minha mãe, eu e meu irmão mais
velho. Minha mãe trabalhava como diarista,
fazendo limpezas nas casas de outras
pessoas, meu irmão, na época com dezoito
anos, já havia conseguido se alistar no exército
militar. O sonho de quem é pobre, é
encaminhar os filhos desde cedo em alguma
coisa que possa ajudar no sustento de casa. O
pouco dinheiro que ele e minha mãe
conseguiam, era para nos dar o mínimo de
conforto que possuíamos e quase sempre era
todo gasto em alimentação; Somos moradores
de uma comunidade muito pobre e além do
trabalho que minha mãe tinha, ela ainda se
dedicava a pequenos serviços de manicure.
Restava eu, que aos 14 anos, era motivo de
grande preocupação para minha mãe e meu
irmão. A localidade onde morávamos era muito
violenta, comandada pelo tráfico de drogas e o
assédio a meninas na minha idade era muito
comum.
Minha rotina era bem regrada, indo da escola
pra casa e de casa pra escola. Meu sonho era
ser médica, o que para a realidade em que

PRECONCEITO
112
vivíamos, nas condições que tínhamos era
loucura sonhar com uma coisa assim...
Com o passar do tempo, meu corpo começou
a mudar, comecei a ter seios maiores, as
marcas de acne passaram a dar trégua e os
cabelos que viviam soltos por desleixo e
preguiça, na verdade pareciam adornar as
feições que começavam a desabrochar no
corpo que passava da transição de menina
para mulher.
Assim seguia meus dias, aplicada a minha
rotina, focada em meu propósito em estudar e
poder de alguma forma mudar a realidade em
que vivíamos, ajudando minha mãe e meu
irmão a terem uma condição melhor para nosso
sustento.
Tudo parecia correr bem, até que para minha
surpresa, no trajeto de casa para escola,
comecei a despertar o interesse dos “soldados
do tráfico”. Pessoas que viviam e trabalhavam
no tráfico do local onde eu morava. Mesmo
tentando me esquivar as coisas pareciam
piorar a cada dia. Recebia presentes em casa
e mesmo recusando, era assediada no trajeto
pra escola, tendo que mudar o caminho por
varias vezes, com a finalidade de passar
despercebida.

PRECONCEITO
113
O assédio era tanto, que passei a ser abordada
com ofertas das mais variadas, desde roupas,
dinheiro, tênis, relógios, celulares de ultima
geração e até cordões de ouro...
Infelizmente para meu azar, todo meu esforço
em fugir das investidas, parecia não surtir efeito
e quanto mais eu me esquivava, mais interesse
eu parecia despertar. Isso somando-se ao fato
de passar a maior parte do tempo sozinha, me
deixava cada vez mais vulnerável e
angustiada. O tempo foi passando e as coisas
piorando, até que eu passei a despertar a
atenção das mulheres que viviam do tráfico.
Meninas tão novas quanto eu, que mantinham
relacionamento com os traficantes e por sua
vez, temiam ser substituídas.
Passei a ter que fugir de vários problemas, da
violência do local onde eu morava, do interesse
dos traficantes que atuavam na localidade e do
preconceito que eu despertei nas meninas com
quem eles se relacionavam. Acompanhadas de
outras meninas, elas andavam pela
comunidade em grupos, ostentando jóias,
roupas caras e os mesmos telefones que eu
recusava.
Meses se passaram e com a adolescência,
minha vida parecia haver se tornado um
verdadeiro inferno. Mesmo caminhando a
PRECONCEITO
114
passos largos, tentando não ser percebida,
olhando fixamente para o chão, parecia que
tudo despertava o ódio dessas meninas em
relação a mim. Recebia ameaças, pedradas,
corria pelas vielas da localidade onde morava,
até que passei a ir cada vez menos a rua.
Passei a evitar sair de casa e ir menos a escola.
Meu sonho em me tornar médica, parecia cada
vez mais distante. Angustiada com a situação,
mas sem pode fazer muita coisa, minha mãe já
pensava em organizar (mesmo sem
condições), nossa mudança para outro lugar.
Em semana de provas na escola, eu não
poderia faltar, sem que isso me prejudicasse.
Já havia perdido tanto, perder um ano escolar
por ameaças seria mais um obstáculo em meu
caminho, até que decidi ir a escola. Aquele
talvez tenha sido o pior dia de minha vida. Na
volta pra casa, acabei encontrando três das
meninas que me perseguiam. Aos poucos, elas
começaram a gritar e fazer contato com outras
meninas pelo rádio que tinham preso a cintura
e dentro da comunidade, é símbolo de status e
poder.
Em poucos minutos eu já estava rodeada. Fui
cuspida, ganhei socos e pontapés nas costas,
puxões de cabelo e tapas no rosto, enquanto
algumas filmavam friamente com o celular nas
mãos. Tentei por várias fezes fugir, mas
PRECONCEITO
115
parecia impossível, até que uma delas, após
me bater sem piedade no rosto, grita para a
menina do lado e pede pra me imobilizar.
Presa no chão, meu cabelo era cortado pouco
a pouco, com cada mecha de cabelo que caía
em minhas pernas, eu sentia que parte de mim
ia embora. Talvez a inocência em achar que de
alguma forma eu poderia ter uma vida melhor,
ou a esperança de um dia mudar. Segundo os
gritos ao meu redor, eu estava pagando por
assediar o homem dos outros, por ser metida,
quando na verdade meu único pecado, era ter
sido diferente.

PRECONCEITO
116
Ora que melhora
P.P – 30 anos

Sempre fui da igreja. Minha família é


predominantemente evangélica. Me sentia
acolhido, era o ambiente em que eu fui
acostumado a viver e cresci. Com o passar dos
anos, fui amadurecendo e com isso, o corpo
que era apenas de um menino, se tornava aos
poucos, um corpo com formato e
características cada vez mais de um homem.
Assim, antes o que eram apenas atitudes
afeminadas de uma criança amparada pela
mãe e avós, num ciclo de criação
predominantemente de mulheres, acabou
transparecendo mais. Com isso, passei a ser
discriminado. Todos os dias eu era chamado
para conversas sem fim, ficava horas e horas
ouvindo que homossexualidade era coisa de
satanás e que ele se apossava das pessoas
com intuito de fazer os homens afeminados.
Ouvia e via discursos de preconceito,
recriminatórios, que falavam da vida das
pessoas como se fosse coisa comum e um
direito pertencente a todos, sem respeito algum
pelo que aquelas pessoas sentiam. No fundo
eu sabia que aquilo de alguma forma era
PRECONCEITO
117
errado, mas o medo de não ser aceito, o medo
de ser apontado, de ser excluído e de que no
fundo pudessem descobrir o que eu escondia
dentro de mim, me aterrorizava.
Viver desse jeito, era uma questão de
sobrevivência. Muitas coisas passavam pela
minha cabeça, meus familiares, meus amigos,
a vergonha de ser considerado uma aberração,
vivia em conflito pelo desejo que eu sentia, pela
tristeza e pelo tolhimento que eu causava a
mim mesmo todos os dias.
Com isso, eu cometia atrocidades das mais
variadas. Vivia em polêmicas nas redes
sociais, apontando e declarando guerra a
pessoas declaradamente assumidas como
homossexuais, fazia parte de grupos que
execravam homossexuais em nosso meio
religioso e principalmente, denunciava sem
piedade os homossexuais que eram pegos em
“pecado”, dentro de nossa comunidade e
convívio.
Ao mesmo tempo apontar, atacar e despejar
todo o ódio que eu sentia nas outras pessoas
que tinham a mesma orientação que eu,
funcionava quase, como uma transferência de
sentimentos. Era como se eu estivesse
atacando o “demônio” que existia em mim. O

PRECONCEITO
118
desejo e o verdadeiro eu, que se escondia
debaixo de tanto medo e preconceito.
Com o passar do tempo, fui me reprimindo
cada vez mais. Me tornei mestre na arte de
disfarçar a forma como eu era afeminado,
dando vazão a posturas, bordões e
comportamentos dignos de uma representação
televisiva, onde eu ensaiava todos os dias em
ser o machão e filho perfeito que toda família
evangélica deseja ter.
Chegada a adolescência, as cobranças por um
relacionamento dentro da religião começaram
a ocorrer. Evangélicos programam sua vida,
temendo aos ordenamentos da igreja muito
cedo. É comum, percebermos pessoas que se
casam com a primeira namorada e já investem
em noivados com as pessoas que conhecem
dentro da própria igreja. Talvez seja uma forma
de responder aos anseios do corpo e da idade,
sem que se torne uma pessoa promíscua ou
com comportamento reprovável pela igreja e
seus pastores.
Assim, tudo ia bem, evangélicos dificilmente
fazem sexo antes do casamento. Pelo menos
não de forma declarada. Há quem faça, e
muito, mas não revelam isso ou deixam que
isso seja descoberto. É preciso manter as
aparências de uma vida santa e aprovada pelo
PRECONCEITO
119
que pregamos. A moral, ainda que coletiva,
deve ser preservada acima de tudo, com isso,
as aparências se englobam nesse contexto.
Tudo corria bem, enquanto não havia sexo
envolvido. Eu e minha namorada, nos
tornamos noivos, éramos a resposta para tudo
aquilo que nossa igreja pregava. Ela com
sonhos de uma vida a dois, submissa ao
marido e eu, o varão que toda família espera
ter, sem que ninguém fizesse ideia de quanto
“pecado” existia dentro de mim.
Sempre achei que isso era coisa do diabo, ou
do inimigo, como dizem. Perdi as contas das
noites em claro, sob vigília e oração, pedindo a
Deus que afastasse de mim, quem eu
realmente era.
Enfim, o grande dia chegou. Me casei sob os
mandamentos de minha igreja, me tornei um
homem respeitado dentro de minha
comunidade. Era um soldado de cristo, um
bravo escudeiro de minha igreja, pregando
tudo que ela acredita como verdade absoluta.

Era um imponente e orgulhoso varão. Fazia


coisas das quais me envergonho. Execrava,
expunha, duelava com pessoas
declaradamente homossexuais, perseguia os
PRECONCEITO
120
adúlteros, os afeminados, os adolescentes que
provavelmente sofriam como eu sofri por tantos
anos, mas o que ninguém sabia, era que um
mês haviam de passado desde que havia me
casado, mas não conseguia me relacionar
sexualmente com minha esposa e o medo de
que isso viesse a tona, era cada vez maior.
Num dia após um culto, muito envolvido com as
questões internas de nossa comunidade e culto
religioso, fui conversar com um dos rapazes
que atuavam apoiando o mesmo seguimento
de jovens que eu auxiliava. Nos tornamos
amigos, confidentes e parceiros. Ele falava das
coisas da vida dele, dos momentos em que
estava vivendo dentro do casamento e eu me
senti a vontade para expor meus dilemas a
respeito de ainda não ter consumado meu
casamento.
O fato é que nos tornamos bons amigos e de
alguma forma eu me sentia atraído por ele.
Ficávamos horas conversando e louvando a
Deus, enquanto eu só conseguia pensar em
coisas completamente avessas. Pensava em
beija-lo, em abraça-lo e todo tipo de investida,
que na época era absolutamente reprovável,
tanto pra mim, quanto para minha comunidade.
Agora, além do problema de não conseguir
consumar meu casamento, eu tinha outro
PRECONCEITO
121
problema. Me sentia declaradamente atraído
por um homem. Orava muito para que isso não
fosse verdade, mas era fato que aquela altura
eu já estava apaixonado.
Tentei por diversas vezes manter relações com
minha esposa, até que comecei a me
concentrar nele, pensar no corpo e no toque
dele. Assim, fazer sexo com minha esposa,
deixou de ser um problema. Ninguém sabia,
mas na minha cabeça, eu nunca havia feito
nada com ela. Apenas com ele...
O tempo foi passando e o contato com o rapaz
foi ficando cada vez mais intenso. Fazíamos
retiros de casais, programas juntos e meu
amor, cada vez mais sufocante e escondido
dentro de mim. Numa de nossas jornadas, na
estrada, no caminho para casa, voltando de
uma comunidade em outra cidade, ele começa
a falar como o casamento dele não ia bem e no
quanto ele precisava aguentar os problemas
cotidianos que vivia, a ponto de sem perceber,
se fragilizar e começar a chorar.
Paramos o carro num acostamento, para que
ele se acalmasse, até que o abracei numa
tentativa de reconforta-lo. Sem que
percebêssemos, era tarde demais, estávamos
nos beijando.

PRECONCEITO
122
Ao mesmo tempo que isso aconteceu, caímos
em negação. No caminho de volta e nos dias
que se passaram a seguir não comentamos o
ocorrido e evitávamos ficar a sós.
Infelizmente, aqueles foram os piores dias das
vidas das pessoas que eu perseguia. Eu era
capaz de praticar atos cada vez mais cruéis,
expondo, humilhando e perseguindo a todos os
homossexuais que cruzavam meu caminho.
Embora essas sejam atitudes reprováveis, as
pessoas da minha igreja e os pastores que nos
conduziam, me consideravam como uma figura
exemplar. Eu só estava zelando pelos
ensinamentos e pela ordem em nossa
comunidade.
O tempo passou e outros encontros, ainda que
furtivos com outros homens acabaram
acontecendo. Embora eu os justificasse em
meu interior que isso era obra de satanás e
passasse noites em claro orando e dias
jejuando, o fato é que eu não podia conter isso
por muito tempo. Quanto mais tempo eu
reprimia, mais necessários, se tornavam esses
encontros.
O tempo passou, eu e minha esposa tivemos
dois filhos, me adonei das responsabilidade e
dificuldades que a vida apresentava, até que fui

PRECONCEITO
123
pego em pecado por um grupo de irmãos de
minha igreja.
Meus pastores e os mais próximos queriam
deixar o ocorrido em sigilo e culpavam o
demônio pelos meus atos. Afinal, tirar o peso
de quem eu era dos meus ombros e depositá-
los sobre o colo do demônio seria mais fácil.
Infelizmente, um dos homossexuais que eu
tanto perseguia, durante todos esses anos,
fazia parte do mesmo grupo e acabou tornando
público o que havia ocorrido. Passei de homem
respeitável a pecador em apenas um dia.
Tentamos de tudo. Desde encenações onde eu
acreditava estar endemoniado, me
contorcendo nos salões das igrejas a sessões
de oração por horas a fio.
Aquela altura, a depressão já havia feito parte
de mim e eu não tinha mais forças pra lutar
contra quem eu era. Decidi procurar ajuda
psicológica e hoje sou assumidamente gay.
Aprendi que isso não é uma escolha. Não se
pode escolher o que você é ou a forma como
você nasce, mas se pode escolher a forma
como nós administramos isso, sem causar mal
e sofrimento ao outro.
Minha família e meus filhos não falam comigo.
Fui banido, execrado... talvez seja de alguma
PRECONCEITO
124
forma reflexo de todo mal que eu causei a
tantas pessoas em nome da minha crença e
religião. Antes eu orava pra mudar, hoje eu oro
para que as pessoas que eu amo, mudem.

PRECONCEITO
125
Um dia da caça e outro do caçador
P. Meireles - 20 anos

Nunca fui de me importar muito com o que os


outros pensavam a meu respeito. Vim de uma
família com pai ausente, criado boa parte da
minha vida por minha mãe, minha referência
pra tudo, sempre foi o amor e o carinho que
ganhei dela.
Com o passar do tempo, me assumi gay pra
quem realmente importava. Ao contrário do que
se pensa, isso não é uma escolha. A gente
nasce assim. Meu raciocínio sempre foi meio
lógico em relação a dezenas de coisas,
inclusive sobre minha homossexualidade, que
nunca foi uma “opção sexual’, ou “condição”,
como a maior parte das pessoas faz questão
de dizer. Se eu nasci assim, porque esconder?
Seria como disfarçar que tenho dois braços,
que era capaz de falar ou que sou humano.
Falando do ponto de vista biológico e fisiológico
é até ridículo pensar nisso e no grande alvoroço
que essas coisas causam. ´Tudo não passa de
natureza humana.
Entendido isso, após assumir pra minha
família, os amigos foram os próximos. Assim,
com apoio da grande maioria (sim, infelizmente
é preciso citar a palavra apoio nos dias
PRECONCEITO
126
tenebrosos em que temos vivido), acho que
acabei ganhando confiança de quem eu era,
me empoderando e tendo a certeza de que não
havia nada de errado comigo.
Entender essas coisas e não ter vergonha de
quem você é, talvez tenha sido fruto da criação
que eu tive, de ter podido ter a sorte de ter uma
mãe que me amparasse e imprimisse toda a
força que ela trouxe em sua vida, em mim. Criar
um filho quase sozinha, no Brasil não é tarefa
pra amador.
Com o passar do tempo, cada vez mais seguro,
comecei a interagir mais com o meio, me
envolvia em militâncias, procurava estudar,
entender, e em consequência do que eu vivia,
absorvia muita coisa da cultura pop e gay;
Ouvia de tudo, lia de tudo, queria saber mais e
mais e isso começava aos poucos a imprimir
nos meus gostos por roupas, nos artistas que
eu admirava, na forma como eu me
posicionava nas redes sociais e fisicamente, no
convívio com a maior parte das pessoas que
interagia comigo.
Se empoderar, ao mesmo tempo que
demonstra força, admiração, infelizmente
também desperta descontentamento, raiva,
descontrole, nas pessoas que por preconceito
não aceitam quem você é e o estado de
PRECONCEITO
127
felicidade que você é capaz de transmitir. Ser
feliz com você mesmo, te deixa sereno, em
equilíbrio. Com isso, comecei a despertar o
descontentamento de algumas pessoas.
Desde que havia me assumido como gay,
nunca havia percebido que minha mãe poderia
de alguma forma se sentir vulnerável. O que eu
não sabia é que mesmo me apoiando, minha
mãe sentia medo. Medo pelo mundo em que
vivemos, pela forma como as pessoas me
recepcionariam, pela maneira como me
tratariam e principalmente, pelo meu bem-estar
e minha vida. Ser mãe de um homossexual, no
país que mais mata gays no mundo, talvez seja
mais do que angustiante.
Apesar disso, nunca havia percebido que
minha mãe se sentia fragilizada e preocupada
com isso. Sempre ouvia ela rezando antes de
dormir, pedindo a Deus pra me proteger em
cada passo, mas sempre achei que isso era
coisa normal, coisa de mãe que zela pelo filho;
Um dia, lembro-me bem. Amanhecemos em
casa, com a notícia no jornal de um amigo
próximo que fora agredido na rua por ser gay.
Ao que parece ele estava voltando de uma
festa e encontrou um grupo de pessoas que o
perseguiram e o espancaram, a ponto dele
precisar ser hospitalizado. Lendo essa notícia
PRECONCEITO
128
no café da manhã, enquanto eu me arrumava
pro curso, minha mãe discursava sem trégua,
alando dos perigos da vida de um homossexual
no Brasil e o quanto isso a preocupava. Nunca
vi minha mãe falar tanto daquele jeito.
Como sempre, as quintas-feiras, encontrava
minha mãe no trabalho, afim de que
voltássemos juntos pra casa na mesma
condução. Assim o fizemos.
Minha mãe envolvida com as notícias e
publicações nas redes, enquanto eu
caminhava ao seu lado, tranquilamente,
ouvindo música, arriscando discretos
movimentos de dança com os punhos,
enquanto caminhava.
Chegando no ônibus, dei espaço para que
minha mãe se sentasse, enquanto eu
continuava em minha saga, até o caminho de
casa, ouvindo música a toda altura, com os
fones presos aos ouvidos.
Sem perceber, ao fundo do ônibus em que
estávamos, um grupo de rapazes, me olhava
atentamente. Até que um deles começa a
esbravejar: “Gay tem que morrer”, o que foi
acompanhado em gritos do restante: “Depois
apanha na rua e não sabe porque”, “Vira
homem”.

PRECONCEITO
129
Sem que eu pudesse perceber e tivesse real
noção do que estava acontecendo, vi uma
senhora franzina, magra, de cabelos grisalhos,
cansada de um dia desgastante de trabalho se
transformar numa justiceira, digna de histórias
em quadrinhos. Essa pessoa era minha mãe.
Ela se levantou e aos gritos, discursava e
chamava atenção de todas as pessoas ao
redor, que nos acompanhavam na viagem,
expondo e repelindo a agressão que eu nem
sabia que estava sofrendo.
Aplaudida pela maioria das pessoas ao nosso
redor e apoiada pelo motorista que ordenava
que os rapazes descessem, caso contrário iria
chamar a polícia, os rapazes se viram
obrigados a descer do ônibus em silêncio.
Acho que nunca vou me esquecer desse dia. A
lição que levo comigo, é que: Nunca ameace
agredir alguém na rua, você não sabe se ele é
na verdade filho de uma heroína”.

PRECONCEITO
130
Diagnosticado pelo preconceito
A.C.L- 30 anos

A verdade é que nós não temos certeza de


muita coisa na vida, mas ter incerteza quanto
ao carinho das pessoas que te cercam, é algo
dilacerador. Pior ainda é imaginar que o
preconceito seja capaz de destruir laços tão
fortes e antigos, principalmente com seus
familiares e amigos.
Ninguém pode viver aterrorizado pela incerteza
de sentimentos em relação as pessoas que lhe
cercam. Talvez esse fosse um dos maiores
dilemas que eu estaria prestes a viver.
Fiz parte de um relacionamento homossexual
por alguns anos. Com todos os dilemas que os
relacionamentos homossexuais possuem e
todos os enfrentamentos diários necessários,
lá estávamos nós, firmes e ainda depois de
tanto tempo, nutrindo carinho um pelo outro.
Depois de tanto tempo envolvidos, dificilmente
passa pela sua cabeça que você irá se separar
daquela pessoa, principalmente, quando você
entende que o outro é passível de erros e
defeitos como qualquer um e com isso, passa
a relevar, perdoar, construir uma relação de

PRECONCEITO
131
admiração e carinho, pautada pelo exercício
diário se por no lugar de outra pessoa.
Infelizmente, passivos diante dos problemas da
vida humana e cotidiana, descobri algumas
traições e com isso, percebi que de uma hora
pra outra, a pessoa com quem havia construído
tanto, amadurecido e vivido, talvez nunca
tivesse existido da forma que eu imaginava.
Isso com toda certeza me desestruturou
emocionalmente, o que àquela altura era
compreensível. Desta forma, não havia outro
caminho, senão seguir em frente.
Lamentavelmente nos separamos. Cada um foi
pro seu lado e com o término, resolvi retornar
para a casa dos meus pais. A separação
realmente foi algo muito doloroso. Com a
separação, a pessoa com quem me relacionei,
cometeu atos abomináveis, fazia questão de
obtenção vantagens financeiras das formas
mais inescrupulosas, o que acabei cedendo,
querendo me desprender daquela situação.
Perdendo por um lado, mas ganhando a
liberdade, entendi que precisava me
reconstruir, me reinventar, procurar um rumo
sólido, que de alguma forma me desse
condições de ser outra pessoa.
Agora, menos vulnerável, menos inocente.
Havia sepultado ali de uma vez por todas, o
PRECONCEITO
132
mundo cor de rosa que eu ainda acreditava que
pudesse existir.
Meses se passaram e quando tudo parecia
estar bem, adoeci gravemente. Sentia-me
fraco, sem explicação, não conseguia fazer
absolutamente nada. Manchas surgiram pelo
meu corpo inteiro.
Começava ali minha peregrinação por médicos
e exames sem fim, tentando entender o que
estava acontecendo. Não demorou muito, até
que pudesse ter acesso ao diagnóstico. Tinha
sido infectado pelo vírus HIV.
Acho que ninguém consegue receber uma
notícia dessas com tranquilidade. Milhões de
coisas passam pela cabeça da gente, mas no
fundo, eu só pensava nas pessoas que eu
amava e no quanto eu gostaria de protege-los,
no quanto eu não queria que sofressem por
mim. Tentei de todas as formas manter
segredo, mas dado ao meu estado de saúde,
um dos médicos que me atendeu, que na
época era próximo a minha família e revelou
meu diagnostico sem meu consentimento.
Sei que o que ele havia feito era crime, mas
aquela altura, eu não importava com nada
disso. Eu só queria passar por essa situação da
melhor forma possível e planejar algum tipo de
acalento para as pessoas que eu amava.
PRECONCEITO
133
Afinal, na minha mente, meu enterro já estava
marcado para alguns meses à frente.
A notícia se espalhou como um verdadeiro
rastro de pólvora entre minha família, sem que
eu pudesse conter. Com isso, pude presenciar
dezenas de reações diferentes. Tristeza, medo,
repulsa, raiva e infelizmente, preconceito.
Muito preconceito. Ouvia sussurros e assuntos
ao meu redor, sem que eles soubessem, com
coisas do tipo: “Vamos lavar as roupas
separadas”, ou ainda: “Posso beber no mesmo
copo?”.
Cheguei ao cúmulo de passar por críticas de
pessoas próximas, entre elas uma conversa
entre minha irmã e meu cunhado, que não se
atentaram ao fato de que eu havia sido
contaminado dentro de um relacionamento
estável, com alguém que me traia sem
preservativo. Na conversa, eles me julgavam,
sem saber que eu os ouvia no cômodo ao lado,
levantando hipóteses através da máxima:
“Imagine o que ele não fez pra ter se
contaminado?”
Como misto de sentimentos e bombardeios
que sofri, me concentrei no tratamento e
emocionalmente, fui me fechando, levava uma
vida normal, mas ninguém sabia o quão ferido
eu estava por dentro e nem o que passava pela
PRECONCEITO
134
minha cabeça. Só quem passa pelo tratamento
das toxinas que todo o paciente de HIV precisa
tomar todos os dias, sabe o quanto é difícil. O
medo, a revolta, a dor pelo que havia ocorrido,
a angústia nunca mais foram embora. Ainda
assim, com o passar dos meses e com o
tratamento, a doença estabilizou, até que de
uma hora pra outra, fiquei indetectável.
Começava ali a reconstrução da minha saúde.
Com a divulgação do meu diagnóstico pelo
médico, sem meu consentimento, imaginei que
por uma questão de preservação, tudo
pudesse ficar entre as pessoas mais próximas,
mas isso não ocorreu. A verdade é que eu não
gostaria de ficar dando explicação ou sendo
apontado, passar pelas chancelas que você
precisa passar quando é diagnosticado por
uma doença sexualmente transmissível.
Tendenciosamente, as pessoas acham que
você fazia parte de algum tipo de clube de
promiscuidade, onde se justifica ser infectado
por algo assim.
Sem que eu pudesse escolher, minha mãe,
talvez por fragilidade, tornou meu diagnóstico
público para seu ciclo de amigos. Naquele
momento eu percebi que entrara em mais um
ciclo de punição e expiação. Tentando passar
por aquilo da melhor forma possível, tentei
PRECONCEITO
135
cada vez mais me focar no tratamento. Quanto
mais difícil a recuperação e o uso das toxinas,
mais eu cumpria os horários até que a
indetecção do vírus no meu corpo também
estabilizou.
Comecei a ter uma vida normal. Voltei a sair
com amigos, participar de festas, ter uma vida
social ativa e caminhar ladeira acima de onde
eu havia caído. Talvez numa tentativa de me
reconstruir mais uma vez. No entanto,
enquanto fisicamente tudo parecia estar bem,
emocionalmente eu estava destruído. O
sofrimento era silencioso, como uma navalha
que corta a gente todos os dias e você faz o
maior de todos os esforços para que não
percebam o quanto você grita e chora por
dentro.
Milhares de coisas passavam pela minha
cabeça. Boas e ruins, receios, angustias e
decepções. Parecia que enquanto eu tentava
buscar alternativas pra acalentar as pessoas
que eu amava, me recuperando com rapidez,
elas não viam o que eu estava vivendo. Não
lhes era possível se colocar em meu lugar.
O tempo passou e em meio a essa triste
jornada, perdi meus avós. A verdade é que
todas essas bombas emocionais pareciam
eclodir sem fim dentro de mim e todos os dias
PRECONCEITO
136
eu abria os olhos, pedindo a Deus que fizesse
a dor parar.
Acho que até hoje ninguém sabe o quanto eu
sofri. Nunca havia falado disso pra ninguém tão
abertamente, quanto agora nesse depoimento.
Alguns meses haviam se passado e com todo
o abalo emocional que eu estava vivendo, um
dia percebi que eu precisava me abrir com
alguém. Colocar uma parte do que eu estava
vivendo pra fora. Dos poucos amigos que me
restavam, uma delas, que era psicóloga
inclusive, me parecia o pontapé inicial pra que
eu pudesse procurar ajuda e tentar curar a
ferida que silenciosamente sangrava por
dentro.
Numa crise de choro, num momento de
fragilidade, contei a ela sobre o diagnóstico.
Sempre tentei ser um bom amigo, desses que
você realmente pode contar pra tudo o que
precisar. Mesmo tendo sido tão bom com ela,
aquela altura, já não esperava muita coisa do
ser humano. Imaginei que ela fosse me dar as
costas. Ao invés disso, ela fez o caminho
contrário. Se levantou em minha direção e me
abraçou. Até hoje eu paro e penso, que talvez
aquele tenha sido um dos melhores momentos
da minha vida.

PRECONCEITO
137
Ela disse que nada mudaria e que ela estaria
ali sempre, pro que eu precisasse. Me orientou
a buscar ajuda profissional e eu me senti
aliviado e comecei a ver que tinha jeito. Que
finalmente eu poderia reverter aquela dor.
Seria um longo caminho, mas ainda assim, um
rumo possível.
Algumas semanas se passaram e pra minha
surpresa, recebo uma mensagem no meu
celular. Era a namorada dessa amiga, dizendo
que minha amiga havia desabafado com ela a
respeito do meu diagnóstico e querendo
explicações das relações sexuais que eu havia
mantido anteriormente com um de seus
amigos. Mais uma vez, havia sido traído pelo
preconceito. Havia sido julgado
sorrateiramente e me via dando explicações de
uma relação passageira e realizada
obviamente com proteção.
Talvez a maioria das pessoas não entendam o
quanto isso é invasivo e humilhante, o quanto
foi dolorido e angustiante não poder me
defender. Dado o estado emocional que eu me
encontrava, lembro de termos discutido por
mensagens e estagnado contato.
Com isso, acabei me afastando de todo o ciclo
de amizades próximo a essa pessoa. Inclusive,
também fui criticado, virei pauta de resenhas e
PRECONCEITO
138
fui julgado, apontado e discriminado por muitos
deles.
O sofrimento foi muito grande, houve um longo
e difícil caminho a ser trilhado para que eu me
recuperasse do que eu havia sofrido, até que
percebi que a única pessoa capaz de me
preservar era eu mesmo.
Hoje, todas as pessoas que eu conto o que
houve, ficam estarrecidas, porque além de
maldade, houveram vários crimes relacionados
a tudo que eu vivi, mas a verdade é que já não
importa. Estou bem, sereno e dessa vez,
fortalecido.
O tempo passou, me recuperei emocional e
fisicamente, me tornei novamente estável e
independente. Conquistei minha vida, fiz novas
amizades, construí minha família, ascendi
profissionalmente. Acho que sou uma pessoa
de sorte. Busquei meu espaço, me casei e me
realizei em absolutamente tudo que eu
gostaria.
Os dias de sofrimento e preconceito, ficaram
pra trás. Na verdade, eu mal lembro...
Perdoei a todas essas pessoas e jamais farei
qualquer movimento judicial para reparação de
danos, embora não tenha esquecido. Com o
passar do tempo, é natural que a gente
PRECONCEITO
139
esqueça a dor, mas as cicatrizes, essas ficam
e te fazem evoluir. Quanto a eles, bem não sei
muita coisa. Acompanho quando publicam algo
nas redes sociais, tiram fotos dos pratos que
comem, de pacotes de viagens parceladas ou
me enviam currículos pedindo emprego.

PRECONCEITO
140
Preso pela intolerância religiosa, na porta
de um Banco:
J. F. M. – 33 anos

Sou adepto a uma religião de Matriz africana.


Sou iniciado no Ketu, um axé de tradição. Me
iniciei em minha religião, durante a vida adulta,
o que acredito, tenha sido muito mais difícil do
que se houvesse acontecido, enquanto eu era
menor.
Vencer todas as dificuldades comuns a vida de
quem cultua os deuses chamados: orixás, é
mais do que uma demonstração de fé. É uma
questão de resistência. Somos julgados,
apontados, humilhados e discriminados o
tempo inteiro.
Há casos inclusive de terreiros que são
expulsos dos locais onde se estabeleceram,
pessoas de nossa religião sendo espancadas,
oferendas sendo destruídas. Vivemos o tempo
inteiro entre a incerteza e a necessidade de
afirmação, para que tenhamos acesso ao mais
simples dos direitos. O direito a prática de
nossa fé;
Depois da iniciação, é natural que os iniciados,
passem por períodos longos de preceito. Isso
implica em dietas restritivas, no uso roupas

PRECONCEITO
141
claras, preservação e utilização de
paramentas, inclusive em locais púbicos.
Assim, cumprido o período de iniciação, eu
precisava aos poucos retomar a vida cotidiana
e meu trabalho.
Tudo parecia correr bem. Amanheci cedo e
disposto, fiz um pequeno lanche, realizei
minhas rezas aos meus orixás e fui ao banco.
Com tantos dias fora de casa, era necessário
pagar algumas contas.
Já na entrada do banco, haviam um grupo,
aparentemente de evangélicos, com panfletos
que faziam menção a salvação promovida por
seu Deus em suas igrejas.
Ao me avistar a distância, talvez pelas roupas
típicas que eu estivesse vestindo, uma senhora
educadamente veio em minha direção,
estendeu a mão e me ofereceu o papel. Eu
agradeci, timidamente, olhando para baixo, (o
que é natural durante o período de preceito,
pós iniciação) e continuei meu caminho, com a
finalidade de entrar no banco.
Ouvi rispidamente atrás de mim, uma
enxurrada de gritos, promovidos pela mesma
senhora que havia me oferecido tão
educadamente o papel. Desta vez, parecia
transtornada com a negativa para aceita-lo.
PRECONCEITO
142
Completamente fora de si e aos gritos de:
“queima satanás”, “sangue de Jesus tem
poder”, “em nome do sangue do cordeiro”, fingi
não ouvir e continuei meu caminho para entrar
no banco.
Já na entrada, depositei alguns objetos
pessoais antes de arriscar a entrada pela porta
para detecção de metais.
Ao entrar, percebi uma senhora caminhando na
direção oposta a minha, empurrando a porta,
que era giratória com grande violência,
desconsiderando que pudesse me machucar.
Logicamente, pela velocidade com que foi
girada, a porta travou.
Ficamos eu e a senhora presos na porta, como
um casal de hamisters, separados pelo vidro,
enquanto ela gritava: “Sai, sai, sai, sai do meu
caminho, eu ando com Jesus, satanás anda
sozinho.” Completamente sem reação e
desarvorado diante da vergonha que aquela
situação me causava, me encolhi, olhando para
a parte oposta ao vidro e esperei o segurança
destravar a porta, enquanto ela gritava cada
vez mais alto. O homem destravou, consegui
entrar no banco e lembro-me de ficar quieto,
olhando pra baixo, com vergonha de olhar para
os lados e perceber que o banco inteiro me
avaliava, depois da vergonha que aquela
PRECONCEITO
143
senhora me expôs. Até hoje não entendo o
porque ela fez aquilo comigo. Sabe qual foi
meu crime? Exercer meu direito à liberdade
religiosa, num país intolerante, que se
denomina laico apenas no papel.

PRECONCEITO
144
Deficientes auditivos que entendem bem o
que é viver no Brasil. –
J. L. S- 26 anos

Sou filha de pais deficientes, a realidade de


uma pessoa com deficiência no Brasil, não é
das mais fáceis. Mesmo sem qualquer tipo de
deficiência, sempre fui sensível as dificuldades
que eu presenciava na vida dos meus pais, que
são deficientes auditivos.
Com o convívio e o passar do tempo, entende-
los e me comunicar com eles, nunca havia sido
problema. Eu na realidade, sempre achei fácil,
porque pra mim, talvez, seja muito natural.
Com o passar dos anos e a dificuldade de
emprego, minha avó veio a falecer e com isso,
a ajuda em casa diminuiu. Com o orçamento
menor, tivemos que nos mudar para um bairro
ainda mais simples do que o bairro em que
vivíamos.
Até por uma questão de carinho, sempre fui
muito dinâmica, cuidando dos meus pais e
ajudando no que era preciso. Assim, não foi
diferente para resolver as questões ligadas a
mudança e a partida para a casa nova.
Já com a mudança na casa, caixas espalhadas
em diversos cômodos, havia combinado com o

PRECONCEITO
145
rapaz que me atendeu na imobiliária, um
encontro para assinatura do termo de vistoria
do imóvel.
O dono do imóvel compareceu com o rapaz da
imobiliária, afim de acompanhar a assinatura.
Enquanto ele andava pelo imóvel,
acompanhado do irmão e do rapaz que havia
sido intermediário na locação, eu percebia que
eles estavam rindo enquanto meus pais
acompanhavam a vistoria.
Nesse momento, percebi o comentário em
meio aos risos: “ainda bem que são apenas
surdos, porque se fossem cegos, a vistoria
seria feita em braile”. Em meio as risadas sem
fim, achei aquilo tão grosseiro, que mesmo
sendo mulher, num país machista,
acompanhada apenas dos meus pais, um casal
de idosos, não me contive. Chamei a polícia e
fui até a delegacia local. Registrei um boletim
de ocorrência e hoje movo uma ação contra
todos eles. Pode ser que não resulte em
absolutamente nada, mas o fato é que eu não
poderia ficar inerte diante daquilo que eu
presenciei. Não posso me calar, diante das
atrocidades que várias pessoas com
deficiência são vítimas todos os dias.

PRECONCEITO
146
Aprendi desde cedo que é quase um crime
ser negro.
J. M.N – 47 anos

Sou negro, vim de uma família com realidade


muito humilde e sempre fomos muito honestos.
Minha mãe prezava por isso em nossa criação.
Meu pai era eletricista e em meio ao trabalho
desgastante, que não remunerava muito bem,
nunca nos deixou faltar comida na mesa. Aos
trancos e barrancos, mesmo não tendo muito
recurso, não nos faltava nada; Minha mãe
também sempre trabalhou. Era diarista em
casa de família. Eu lembro que eu ficava
esperando-a chegar bem tarde em casa,
mesmo com os olhos ardendo de sono, porque
minha mãe sempre trazia balas, que ela
comprava no trem. Nossa vida nunca foi uma
vida fácil, mas era feliz. Eu sempre gostei de
acompanha-la no trabalho, nos dias em que eu
não tinha aula.
Mesmo em meio a nossa pobreza, minha mãe
fazia questão que a gente fosse a escola e
tivesse acesso ao mínimo de instrução. Ela
dizia que pobre não pode se dar ao luxo de
faltar a aula. O pior é que ela tinha razão...
Já naquela época, aluno de escola pública,
tinha que agradecer a Deus se conseguisse
PRECONCEITO
147
fechar o semestre sem greve e aulas
suspensas por algum motivo estrutural na
escola. Num desses dias sem aula,
acompanhei minha mãe ao trabalho. Ir a casa
das madames com minha mãe, era motivo de
festa.
A gente comia coisas gostosas, passeava e eu
ainda ganhava as balas que minha mãe
comprava no trem, na volta pra casa.
Nesse dia, minha mãe me levou com ela a casa
de dona Janete. Ela era mulher de um desses
figurões do governo e fazia questão de mandar
todo ano um par de tênis de presente pra mim
no Natal.
Na verdade, eu queria mesmo era uma
bicicleta, mas não podia me dar a esses luxos.
Tinha era que ser muito grato a Dona Janete.
Afinal, com bom coração, ela mal deveria
saber, que a gente esperava aquele par de
tênis, porque era com ele que eu iria pra escola
no ano seguinte.
Em meio a felicidade do dia, Dona Janete me
deixava brincar no quarto dos filhos dela,
enquanto minha mãe corria de um cômodo ao
outro, tentando dar conta do serviço;
Tudo ia bem, até que Dona Janete começou a
andar de um lado pro outro da casa, de forma
PRECONCEITO
148
muito apressada. Lembro dela falando alto e
parecendo muito nervosa. Minha mãe me
chamou e me levou até a cozinha. Pediu para
que eu me sentasse e não saísse da mesa por
nada. Sem entender o que estava havendo,
obedeci. O interfone tocou e nervosa, dona
Janete pediu para que subissem. Era a polícia.
Eu lembro de terem levado minha mãe pra sala
e terem ficado muito tempo conversando com
ela. Depois vieram até a cozinha e revistaram
todas as nossas coisas. Olharam nos meus
bolsos e até dentro da minha mochila. Naquele
dia, depois disso, minha mãe voltou pra casa
muito abatida. Lembro de ter visto minha mãe
chorando e mesmo perguntando o que estava
havendo, ela não quis me contar o que tinha
acontecido, ou o que a polícia estava
procurando nas nossas coisas.
O tempo passou e somente anos depois eu fui
saber que Dona Janete achou que tinha
sumido um dinheiro na casa dela e chamou a
polícia. A casa estava cheia de gente, mas só
eu e minha mãe, coincidentemente os únicos
negros, fomos revistados. Olharam em tudo
que tínhamos e obviamente não encontraram
nada.
Hoje eu entendo a gravidade do que aconteceu
e sei que só fomos os únicos revistados, por
PRECONCEITO
149
conta da cor da nossa pele. Como se isso fosse
alguma espécie de crime. Humilhada, minha
mãe nunca mais voltou na Dona Janete e
naquele ano eu fiquei sem meu par de tênis.
Outras Janetes apareceram no decorrer do
caminho e minha mãe faleceu trabalhando até
o fim da vida em casa de família. É uma história
triste. Não gosto muito de lembrar dessas
coisas, lembro que naquela época, ficar sem o
trabalho fez muita diferença na minha casa. O
dinheiro fazia falta, mas tenho certeza que
Dona Janete deve ter perdido algo ainda mais
valioso. Alguém honesto em quem ela podia
confiar.

PRECONCEITO
150
Baleado pela Homofobia, na Parada Gay de
Copacabana
D.I.M – 27 anos
Pouca gente entende, mas a parada gay, não
é só um carnaval fora de época, é um evento
de celebração, onde só por acontecer, se torna
um ato político, representativo, de resistência e
afirmação. É realmente um símbolo de orgulho,
no país que mais mata homossexuais no
mundo, onde jovens tiram suas vidas,
contaminados por ideias de: “cura gay”, não
aceitação e repressão, seja por preconceito,
questões religiosas ou meramente por ações
discriminatórias.
Poder participar de um evento desses, é
mostrar a sociedade, que não importam as
bancadas religiosas, ou motivos de opressão
que somos obrigados a conviver todos os dias.
Nós existimos e sim, a sociedade é diversa.
Fazemos parte dela.
Lembro dos meus amigos cantando os “hits” da
época e planejando a roupa que usariam no dia
do evento. É comum acompanharmos nas
redes sociais e ficar empolgados com tudo que
o evento oferece, comentando em grupos e
trocando todo tipo de informação e curiosidade
a respeito das atrações.

PRECONCEITO
151
Saí cedo de casa, com a melhor roupa que eu
tinha. Calça e tênis novo, óculos escuros,
celular no bolso e cheiroso, muito cheiroso.
O evento foi tudo que eu esperava. Me diverti
demais. Encontrei muita gente, revi amigos que
não via a algum tempo, troquei telefone,
marquei Chopp, dancei e ri muito. Talvez tenha
sido um dos melhores eventos que eu tenha
participado.
Depois desses eventos de grande porte, é
natural que a multidão demore a se dispersar,
inclusive caminhando aos poucos pela orla,
indo para as boates próximas ou barezinhos.
Mesmo cansado, foi o que decidi fazer,
acompanhando alguns de meus amigos. Aos
poucos, o tênis novo machucava meus pés e
eu precisava encontrar um lugar pra sentar e
descansar o pouco.
Assim fizemos, caminhando até o Parque
Garota de Ipanema, onde encontrei um lugar
pra sentar e fiquei conversando com um de
meus amigos, enquanto o restante aproveitava
pra namorar, tocar telefones ou conversar
enquanto não íamos embora.
A essa altura, entardecendo, fomos
surpreendidos por militares armados com fuzis
que gritavam frases ofensivas, xingando as
PRECONCEITO
152
pessoas que estavam no local, com todo o tipo
de palavreado ofensivo. Sem entender direito o
que estava acontecendo, eu mal sabia que na
realidade, aqueles militares nem poderiam
estar ali. Afinal, o parque garota de Ipanema,
não era administrado pelo Forte de
Copacabana e os militares em questão,
estavam bem distantes de seus postos,
uniformizados, fora de seus horários de escala,
armados e praticando atos de violência e
homofobia, revistando, agredindo e intimidando
as pessoas presentes.
Com os pés doendo, eu permaneci onde
estava sentado, observando tudo o que
acontecia. A essa altura, muitos de meus
amigos, já agredidos, choravam pedindo pra ir
embora, com medo da violência que estavam
sofrendo.
Aos gritos de que “gays tinham que morrer”, os
militares conferiam as identidades das pessoas
que estavam presentes, enquanto puxavam
cabelos, davam socos, pontapés e tapas no
rosto.
Um dos meus amigos que estava me
acompanhando, estava sem identidade.
Apesar de já ter conferido meus documentos,
um dos militares me impediu de ir embora,
dizendo debochadamente: “você vai esperar
PRECONCEITO
153
seu namoradinho que está sem documento, ser
liberado”. A essa altura, em meio a agressões
físicas das mais variadas, grande parte das
pessoas ali presentes estava sendo liberada,
até que ficamos apenas nós dois. Eu e o rapaz
com o qual eu estava conversando e não tinha
documentos.
Com menos pessoas ao redor, os militares
começaram a pegar mais pesado, agredindo
com mais força e xingando o rapaz que estava
sem documentos. Sem possibilidade de
oferecer os documentos, os militares pediram o
telefone da casa do rapaz e começaram um
movimento de pressão psicológica,
ameaçando ligar para os parentes. Em
desespero, o rapaz se ajoelhou nos pés deles,
explicando que sua família não sabia de sua
homossexualidade, pedindo para que não
ligassem para seus parentes.
Até que o militar veio e minha direção, tentando
me puxar pela roupa, pedindo o telefone de
minha casa, alegando que fariam a mesma
coisa, ligando para meus parentes. Sem
problema algum, fornecei meu telefone, já que
minha família, sabia de minha
homossexualidade e aceitava sem nenhum
problema.

PRECONCEITO
154
A verdade é que eu não tinha motivo algum pra
temer aquele homem, afinal o que eu estava
fazendo de tão grave? Qual ato de ilegalidade
eu poderia estar cometendo pra enfurecer um
militar daquela forma e ser agredido, no que ele
poderia me prejudicar, falando a respeito de
minha homossexualidade, para minha família
que além de saber, aceitava?
Aos gritos e completamente enfurecido, o
homem pergunta: “Sua família sabe que você é
veado?”
Em meio ao choro e ao nervosismo do rapaz ao
meu lado, eu lembro de ter olhado bem nos
olhos dele e ter respondido:
- Sim, eles sabem e tem muito orgulho de mim.
Isso foi o suficiente pra ver o ódio nos olhos
daquele homem. Nesse momento ele
empunhou o fuzil, disse que eu era uma
vergonha para a sociedade, me empurrou no
chão e atirou contra minha barriga. Me levantou
pelo colarinho da camisa, sem que houvesse
possibilidade de defesa, me deu um chute por
trás e gritou: “vaza”.
Aquela altura, com o calor do corpo eu não
havia percebido que estava ferido, me dando
conta do que havia acontecido apenas alguns

PRECONCEITO
155
momentos depois, quando o sangue escorria
pelas minhas roupas sem trégua.
O fato é que isso tomou repercussão na mídia
no mundo inteiro, me lembro de ter sofrido
pressões das mais variadas, o exército se
manifestou negando que o disparo tivesse
ocorrido, o que foi comprovado após a perícia
no local e toda sorte de cuidados médicos e
internações que eu precisei me submeter.
A mídia, tentava explorar meu sofrimento, pra
vender notícia, além de tentar mudar a história,
argumentando que eu estivesse naquele local,
praticando sexo, ou algum tipo de ato
libidinoso; A verdade é que eu realmente não
estava, mas mesmo se estivesse, isso não é
motivo para justificar um tiro de fuzil na barriga
de alguém.
Minha família chegou a ser chantageada por
jornalistas que além de importunar,
ameaçavam não dar trégua e sossego, até que
pudéssemos falar a respeito.
Representantes do governo Estadual e
conhecidos militantes na causa LGBT, se
aproximaram tentando se autopromover, na
verdade militando em prol única e
exclusivamente de seus interesses.

PRECONCEITO
156
Testemunhas do caso foram ameaçados por
militares que os procuravam em suas casas,
tentando intimida-los, prejudicando as
investigações.
Meu agressor foi preso, mas hoje responde em
liberdade. Hoje eu vivo com medo pelo
preconceito que vivi injustamente e pelo receio
de perder a vida por ser homossexual e pelo
corporativismo militar, tão presente no Brasil.

PRECONCEITO
157
A difícil arte de ser mulher num ambiente
profissional:
M.C.R – 29 anos

Vim de uma família de classe média alta, com


um bom poder aquisitivo. Meus pais são
casados até hoje e acredito que morrerão
juntinhos. Me casei cedo, tive acesso aos
melhores colégios e a tudo que meus pais
puderam dentro de suas condições me
proporcionar.
Não tenho uma história ruim pra contar, nem
uma vida sofrida dentro de minha formação. Me
considero até sortuda. Tive acesso a instrução,
boa formação, uma vida confortável e
protegida, dentro da realidade que vivemos no
Brasil nos dias de hoje.
Meus pais sempre foram meus heróis e graças
a eles, sempre me senti protegida, amparada.
Infelizmente, o que eles jamais poderiam
prever, é que eu não estaria protegida por ser
mulher.
Cresci com direito a tudo que uma boa
formação poderia me dar. Com o decorrer do
tempo e com a grande preocupação com
formação, fui evoluindo dentro de minha
PRECONCEITO
158
carreira e seguindo em frente. Cheguei a
ocupar cargos importantes em diferentes níveis
de chefia, dentro de grandes empresas.
Sempre fui muito competitiva e minha vida
profissional sempre foi prioridade.
Ganhando cada vez mais experiência, acabei
me tornando cada vez mais visível dentro de
meu ramo de atuação e tudo parecia bem.
Assim, sempre atrás de desafios, acabei me
dedicando a uma vaga como superintendente
regional da empresa onde trabalhava,
assumindo as operações de duas sedes novas
que seriam implantadas.
Com isso, é natural a realização de reuniões e
contato mais próximo com outros profissionais
e equipes, aumentando seu lastro de contatos
e compromissos.
Lembro-me como se fosse hoje, cansada
depois de 14 horas de trabalho seguidas, meu
gerente de operações me chama em sua sala.
A conversa parecia ser amistosa e sem
nenhuma malícia, até que quando percebi, ele
se levanta e tranca a porta da sala.
Me senti desconfortável, mas preferi não
comentar nada a respeito e aos poucos
comecei a me despedir, dizendo que estava

PRECONCEITO
159
muito cansada, até que ele me convidou pra
beber alguma coisa e relaxar.
Ciente do que poderia vir a ocorrer e me
sentindo extremamente desconfortável, acabei
dando uma desculpa, justificando que
precisava ir pra casa. Tive receio de que aquela
situação fosse na verdade um caso de assédio
e não queria fazer parte disso.
Me rodeando com um olhar horrível, ele se
sentou, apoiando-se na mesa a minha frente e
disse:
- Você gosta de trabalhar aqui?
- Sim, gosto muito.
- Você sabe que por ser mulher, trabalhar na
posição em que trabalha é um voto de
confiança?
- Não. Sempre achei que fosse porque eu era
competente.
- Pois saiba que não é. Você trabalha numa
empresa com mais de mil funcionários, onde
boa parte deles são homens e gostariam de
estar no seu lugar.
- As pessoas desejam o melhor, independente
do sexo...

PRECONCEITO
160
- Pois é, mas sendo mulher, saiba que você tem
sorte na verdade. Assim, isso pode ser
retribuído de outras formas.
Percebi que estava acuada e que na verdade
estava sendo assediada. Acabei me
levantando, puxando o celular do bolso e
justificando que meu marido estava próximo
que precisava descer para encontra-lo, saindo
da sala.
Nos dias seguintes, evitava ficar depois do
horário, minhas roupas eram cada vez mais
discretas e falava com ele apenas o
necessário.
Os dias foram passando e infelizmente,
comecei a ser perseguida no ambiente de
trabalho. Minha vida profissional havia se
tornado um inferno. Ele via defeito em tudo, que
eu fazia e era supervisionada em
absolutamente todos os meus atos. O sonho de
ter uma carreira profissional sólida estava indo
pelo ralo.
Pouca gente sabe, mas quando uma mulher
denuncia um caso de assédio, isso parece ser
bom, porque combate a essas investidas, mas
na verdade, também funciona como uma
marca que persegue a mulher no seu ambiente
profissional.

PRECONCEITO
161
Você passa a ser vista como uma ameaça, os
homens que trabalham com você,
principalmente no ambiente empresarial, te
olham com receio e desvalor. A mulher
infelizmente é vista como objeto sexual e pra
grande maioria dos homens, ser mulher, é
sinônimo de estar disponível.
São ideias machistas e misóginas que
contribuem para a cultura do assédio sexual e
até estupro. Eu não tinha alternativa.
Completamente acuada, eu não tive outra
opção, senão abrir mão do meu trabalho,
conquistado depois de anos de investimento
em estudo. Acabei pedindo demissão e hoje,
infelizmente, estou a mais de um ano,
buscando um novo emprego, sendo sempre
preterida, quando disputo a vaga com um
homem, mesmo que ele não seja tão bem
preparado quanto eu.

PRECONCEITO
162
O sofrimento que o preconceito causa para
as famílias das vítimas:
João M. Souza – 46 anos

Pouca gente pensa a respeito destes temas,


mas as famílias das quais as pessoas que
sofrem por preconceito fazem parte, sofrem
tanto quanto as vítimas desses problemas.
O impacto que o preconceito causa sobre as
famílias dessas pessoas é muito difícil e nem
todo mundo consegue administrar isso bem.
Sou filho de um alcoólatra. Meu pai sempre
teve problema com bebida. Cresci vendo minha
mãe sendo agredida todos os dias. Era muito
difícil conseguir ter paz em casa. Todos os dias
tínhamos gritos, pedidos de socorro, meu pai
quebrando móveis e utensílios, querendo bater
na gente e fazendo de nossas vidas um inferno.
Tentamos de tudo. Pedimos ajuda a igrejas,
ONGs, programas de saúde, mas nada parecia
surtir efeito por muito tempo. Verdade é que
pra quem é pobre, ter acesso a esses tipos de
tratamento, é quase impossível. A saúde
pública no Brasil é um caos. Acho graça
quando as pessoas falam sobre a liberação de
outras drogas e enchem a boca pra falar de

PRECONCEITO
163
desintoxicação. Será que essas pessoas já
foram realmente num hospital público?
Será que algum dia, suas vidas dependeram do
atendimento médico numa fila que dobra
quarteirões e quando muito, os deixava a
espera por dias num corredor de hospital com
falta até de algodão? Acredito que não.
Com o passar do tempo, meu pai que sempre
nos deu problemas e nos envergonhava diante
dos vizinhos, começou a usar drogas. As vezes
ele sumia por dias a fio. Eu até confesso, que
talvez seja horrível o que eu vou dizer, mas
quando ele sumia, eu me dividia entre a
preocupação com ele e o alívio por não ter ele
por perto. Eu tinha muita pena da minha mãe.
Além do sofrimento com a violência doméstica,
a gente mal tinha o que comer em casa. Meu
pai não tinha um emprego descente, éramos
pequenos, não tínhamos como fazer muita
coisa pra ajudar e minha mãe tinha muito medo
de perder a guarda dos filhos por conta de
denúncias de trabalho infantil ou coisas do tipo.
Ao contrário do que muita gente pensa, os
programas sociais, não são “coisa de
vagabundo”, como muita gente diz. Não fosse
o pouco que recebíamos, talvez não teríamos
o que comer, embora quase não desse pra
nada, ajudava e muito.
PRECONCEITO
164
O tempo foi passando, meu pai envelhecendo
e a saúde da minha mãe deixando de resistir a
tanto problema e tanta pobreza. Foi uma vida
de muito sacrifício e eu me emociono só de
lembrar em tudo que a gente passou.
Fui crescendo em meio a isso tudo e com tudo
que vivíamos, não pudemos fugir de ser
conhecidos no bairro, como os filhos do: “Zé da
pinga”. Ouvíamos coisas horríveis, com direito
a apelidos, além é claro do olhar de reprovação
dos vizinhos que se dividiam entre a pena e o
apontamento aos erros do meu pai.
As pessoas acham que a dependência é
realmente uma fraqueza de caráter e não uma
doença. Já ouvi de tudo, como: “usou agora
aguenta”, “usou porque quis”, “não tem Deus
no coração”, ou ainda: “Daqui a pouco vira
bandido”.
O fato é que, fui crescendo e precisei ajudar em
casa de alguma forma. Procurei emprego em
todo lugar que podia, mas infelizmente, o
estigma de ser filho do “Zé da pinga” me
perseguia por muito tempo. Pra nossa falta de
sorte, além de conhecidos no bairro, éramos de
uma cidade pequena, o que nos deixava ainda
mais expostos.
Sofri muito. Passei muita necessidade, muita
vergonha, pensei muitas vezes que eu era uma
PRECONCEITO
165
parte ruim da sociedade. Até na escola eu era
motivo de piada. Na adolescência a coisa só
piorou, o bullying era diário e viver com isso era
muito ruim. Eu me sentia o pior dos seres
humanos.
Na tentativa de ajudar em casa, percebi que eu
não encontraria oportunidade de emprego
onde eu morava, até que consegui emprego
numa cidade próxima. Abri mão do convívio
com minha mãe e vivia preocupado com ela,
porque não havia oportunidade onde eu
morava. Não sei explicar, mas acredito que as
pessoas tivessem receio de me dar uma
oportunidade por acreditarem que eu seria
como meu pai.
O dinheiro que eu ganhava não era lá grande
coisa, mas nos ajudou durante um bom tempo.
Minha mãe faleceu algum tempo depois e meu
pai, acabou perdendo contato conosco.
A vida passou, hoje tenho minha própria
família, mas as marcas do passado continuam
no meu peito. A única coisa que alivia em
pensar no passado, é que de alguma forma eu
tentei ser um bom filho pra minha mãe e até
mesmo pro meu pai. Ao contrário do que todos
ao redor acreditavam, provei que eu era um
homem bom, responsável e nunca bebi.

PRECONCEITO
166
A pérola que cresceu na lama e se tornou
uma jóia:
Pérola Negra – 27 anos
Me descobri como homossexual aos 8 anos de
idade. Morei numa cidade do interior com apoio
da minha avó, porque minha família não tinha
condições de sustentar a todos nós. Embora o
dinheiro da minha avó não desse para muita
coisa, eu sempre que podia ajudava.
Já fiz de tudo que você puder imaginar.
Trabalhei na roça cortei muita cana na minha
vida, mas sempre tive a cabeça erguida, com a
certeza de que eu fiz o que eu podia pra ajudar
as pessoas que eu amava. Nunca virei as
costas, nem para as pessoas que viraram as
costas para mim, quando eu mais precisei,
afinal, uma criança precisa sim de carinho, de
ajuda, de amparo em sua criação.
O tempo passou e eu fui crescendo com ideais
próprios e responsáveis. Talvez eu me sentisse
com a responsabilidade de ajudar em casa, de
ser provedor, de ajudar no que eu podia a
minha família.
O fato é que eu sempre fui afeminado. Hoje eu
sei e entendo, que é natural, que é normal, que
um menino antes de se tornar homem, passe
por fases de transição. Isso implica em
PRECONCEITO
167
alteração de voz, comportamentos e todo o tipo
de postura, mas antes eu nem fazia ideia de
que as coisas eram assim mesmo e confesso
que me sentia até com uma certa culpa.
Durante muito tempo, demorei pra encontrar o
eixo a respeito dessas questões ligadas a
postura. Existe muito preconceito, até nos dias
de hoje, quando a gente espera que diante de
tanta informação, as coisas sejam um pouco
mais leves.
Já perdi as contas dos amigos que apanhavam
por ser gays, dos amigos que perdi no decorrer
dos anos e sei bem o quanto é difícil sofrer
preconceito. É literalmente sofrer, ser punido
sem motivo. É deixar a lágrima cair do rosto,
sem certeza da culpa de absolutamente nada.
Me lembro de chegar do trabalho, cansado,
correr pra tomar banho e poder dormir e ganhar
um tapa no rosto do meu pai, sem motivo
algum. Talvez esse tenha sido um dos piores
momentos da minha vida. Além disso, era
comum ouvir frases do tipo: “Vira homem”,
“Gay tem que morrer”, “isso é falta de Deus”,
“procura a cura gay”, ou ainda: “devia ter
morrido ao invés de ser gay”.
Mesmo ajudando em casa, eu sofria
repressões por tudo. Desde coisas que eu
comia, a momentos em que eu simplesmente
PRECONCEITO
168
estava no mesmo ambiente que outras
pessoas da minha família. Foi muito difícil
passar por isso tudo e conseguir administrar o
peso emocional que essas coisas trazem pra
gente, é muito difícil.
Com o passar do tempo, eu percebi que meu
esforço para ajudar nas despesas de casa, na
verdade fazia mal ao meu próprio pai. Ele
parecia que não aceitava que um filho gay,
sustentasse a casa.
Demorei muito pra entender que eu não tinha
culpa de nada. Tentei de tudo, desde ajuda
religiosa a psicológica. Por mais que eu
brigasse, discutisse, eu achava que eu não
valia de muita coisa e que o problema estava
em mim. Com a maturidade, o entendimento
que o problema estava na forma
preconceituosa como o outro te enxerga
acabou chegando.
Hoje eu tenho orgulho de ser quem eu sou.
Tenho meu trabalho, faço shows travestido
como: “Drag Queen”, tenho uma religião que
não me condena pela minha orientação sexual,
sou do candomblé com muito orgulho e me
tornei um homem responsável, casado, amado
e feliz. Demorou muito, mas eu me considero
um vencedor.

PRECONCEITO
169
Ponderamentos a respeito do material
exposto através da presente obra:

Viver num mundo com uma pluralidade tão


grande de temas, tipos, crenças,
posicionamentos, gostos, orientações,
identidades, aparências e posturas, talvez não
seja fácil. Ninguém nunca disse que assimilar
toda a informação que o mundo ao nosso redor
pode nos oferecer a cada instante, seja tarefa
para amadores.
No entanto, fazer valer a pena, transformando
nossos posicionamentos diante da vida e do
mundo ao nosso redor, talvez seja a única
alternativa para torna-lo um lugar bom.
Através da presente obra, fica claro que todos
nós somos passíveis de erros e que o
preconceito é inerente a natureza humana,
cultural, psicológica e biologicamente.
No entanto, a escolha por deixarmos as nossas
mãos sujas de sangue, pactuando com os
discursos de ódio e investidas de violência, se
torna uma questão de escolha, aprendizado,
senso crítico e evolução.
Sejamos a partir daqui, responsáveis pela
propositura de discussões em busca por uma

PRECONCEITO
170
realidade, onde não lavemos nossas mãos
diante dessas questões, nem a deixemos sujas
pela mácula do preconceito.
Sigamos em frente nessa jornada, de mãos
dadas, rumo a um mundo melhor em combate
ao preconceito

PRECONCEITO
171
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Envolva-se!

PRECONCEITO
172

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