Você está na página 1de 120

A PALAVRA QUE

TRANSFORMA
A PALAVRA QUE TRANSFORMA
© 2022, Editora Vida

Editora Vida Todos os direitos desta edição em língua portuguesa


Rua Conde de Sarzedas, 246 — Liberdade reservados e protegidos por Editora Vida pela
CEP 01512-070 — São Paulo, SP Lei 9.610, de 19/02/1998.
Tel.: 0 xx 11 2618 7000
atendimento@editoravida.com.br É proibida a reprodução desta obra por quaisquer meios
www.editoravida.com.br (físicos, eletrônicos ou digitais), salvo em breves citações,
@editora_vida  /editoravida com indicação da fonte.

Exceto em caso de indicação em contrário,


todas as citações bíblicas foram extraídas de
Nova Versão Internacional (NVI)
© 1993, 2000, 2011 by International Bible Society, edição
publicada por Editora Vida.Todos os direitos reservados.

Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas


segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.

As opiniões expressas nesta obra refletem o ponto de vista


de seus autores e não são necessariamente equivalentes às
da Editora Vida ou de sua equipe editorial.
Editor responsável: Gisele Romão da Cruz
Editor-assistente: Aline Lisboa M. Canuto Os nomes das pessoas citadas na obra foram alterados nos
Preparação e padronização: Emanuelle Giandeli Malecka casos em que poderia surgir alguma situação embaraçosa.
Projeto gráfico e Diagramação: Vanessa S. Marine
Capa: Willians Rentz Todos os grifos são do autor, exceto indicação em contrário.

1. edição: out. 2022


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ----------------------------------------------------------- 08
Lourenço Stelio Rega

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA -------------------------------- 12


COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
Adriano Sousa Lima

CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: ------------------- 17


DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA
André Anéas

O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA ----------------------- 31


Davi Lago

O QUE É A FÉ BÍBLICA? --------------------------------------------------- 37


Esdras Savioli

A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS ------------- 43


Filipe Breder

PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS ------------------ 50


Gabriele Greggersen
MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS ------------------------- 57
DE PROFESSORES FASCINANTES
Jorge Henrique Barro

O VALOR DE TER VALORES ---------------------------------------------- 68


Lourenço Stelio Rega

PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO --------------------- 77


NUM MUNDO PÓS-MODERNO
Magno Paganelli

EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE ---------------------------------------- 86


Raul Bolota Filho

O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE -------------- 92


Ricardo Bitun

O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: ----------- 100


REFLEXÕES SOBRE 15 DE OUTUBRO
Wander de Lara Proença

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------- 117


APRESENTAÇÃO

Lourenço Stelio Rega


SOBRE O AUTOR

Lourenço Stelio Rega, ph.D


Consultor Acadêmico
Editora Vida
O
Dia do Professor nos remete à valorização da
atuação docente para além da formação do
conhecimento ou no locus privilegiado da
sala de aula, mesmo porque, com a virtualiza-
ção da vida e dos relacionamentos, a sala de
aula não se limita a um espaço localizado. Hoje, a aula
pode ocorrer em um movimento síncrono (ao vivo) ou
assíncrono, que possibilita que professor e alunos es-
tejam em diferentes ambientes. Na modalidade a dis-
tância, já tive alunos que participavam da aula, fazendo
perguntas e contribuindo com seus comentários, en-
quanto dirigiam seu veículo.
O ato de lecionar envolve muito mais do que for-
mar sujeitos produtivos e preparados para o mercado
de trabalho, mesmo porque a educação não é uma “li-
nha de produção em escala”. Certamente, será necessá-
rio desenvolver um processo de ensino-aprendizagem
que considere o desenvolvimento de competências e
habilidades. Aliás, em um cenário de Quarta Revolução
Industrial e pós-pandemia, já se fala no desenvolvimen-
to de soft skills, que são um conjunto de habilidades e

8
APRESENTAÇÃO

competências relacionadas ao comportamento humano


e vão além das hard skills, competências ou habilidades
técnicas. Entre as soft skills, podemos citar:

• Comunicação, que inclui a habilidade de dia-


logar, evitar conflitos e resolver divergências.
• Liderança, a habilidade de inspirar e moti-
var equipes a entregar resultados.
• Flexibilidade e resiliência, relacionadas à ca-
pacidade de adaptação e busca de novos ca-
minhos diante de mudanças de cenários ou
mesmo de situações de crise.
• Criatividade, a capacidade de inovação, de
pensar “fora da caixa” e de buscar soluções
mediante novos caminhos.
• Proatividade, que inclui a avaliação de ce-
nários, busca antecipada de soluções e res-
postas a situações que ainda surgirão.
• Empatia, que envolve o exercício da alteridade
a fim de facilitar a compreensão relacional.

Diante disso, é perceptível que o ensino abrange


também a formação da pessoa como sujeito histórico,
de modo que o aprendiz torne-se capaz de transfor-
mar não somente a sua realidade, mas também a so-
ciedade na qual está inserido. A prática docente deve

9
APRESENTAÇÃO

preparar os indivíduos para a superação dos desafios,


o exercício dos direitos e deveres e para a compreen-
são de suas funções individual e social.
E, quando falamos no ensino da Bíblia, avançamos
também para a formação integral da pessoa. Essa for-
mação requer uma pedagogia integral que leve a pes-
soa não apenas a conhecer (cognição), mas também a
fazer (ação), conviver (comunhão), sentir (afeição) e ser
(desenvolvimento do caráter). Levando em conta os
cinco verbos de ação pedagógica, temos um modelo de
educação que busca a formação do indivíduo de forma
ampla e abrangente, conforme a visão de Lausanne I
(1974), que tem como objetivo a compreensão do evan-
gelho todo, para toda a pessoa e a pessoa toda, trazen-
do qualidade e dignidade de vida à luz do plano divino.
Considerando esses referenciais, a Editora Vida,
por meio do Selo Vida Acadêmica, traz ao público este
pequeno e-book para despertar em cada um o desejo
de ser participante da construção de sua história pes-
soal à luz dos valores cristãos, de modo a ter uma vida
transformada e transformadora e para que o leitor se
coloque como instrumento de Deus no cumprimento
da missão que ele tem de restaurar toda a criatura e a
criação por meio do evangelho (missĭo Dei).
Este e-book é composto por diversos artigos que
foram escritos por parceiros, colaboradores e mem-
bros do Conselho Editorial do selo Vida Acadêmica.

10
APRESENTAÇÃO

São textos diversificados em tamanho, conteúdo e


complexidade, mas todos escritos com muito carinho
e dedicação.
Esperamos que você cada texto o ajude a ser sal e
luz do mundo, embaixador do Reino de Deus no am-
biente em que vive, e que sua vida seja um testemunho
do plano de Deus.

30 de setembro de 2022

11
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
HUMANA COMO PARADIGMA NO
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

Adriano Sousa Lima

12
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

SOBRE O AUTOR
Graduado em Teologia e Direito, mes-
tre em Teologia, doutor em Teologia.
Professor no programa de pós-gra-
duação em Teologia da Faculdade
Batista do Paraná e no Centro Uni-
versitário Internacional UNINTER.
Membro do Conselho Editorial do
selo Vida Acadêmica.

13
A
dignidade humana está estabelecida como fun-
damento do Estado Democrático de Direito,
nos termos do artigo 1º, inciso III da Consti-
tuição Federal. Trata-se de um princípio nor-
teador de toda interpretação jurídica. Não é
possível pensar uma democracia saudável, se a digni-
dade humana não for efetiva e concreta na sociedade.
Nesse sentido, todos devemos estar comprometidos
com a promoção da dignidade da pessoa humana.
Para fazer uma delimitação conceitual, quando fa-
lamos em dignidade humana, pensamos basicamente
em três elementos fundamentais, quais sejam, o valor
intrínseco do ser humano, a autonomia e o mínimo
existencial. O ser humano precisa ser tratado a partir
do seu valor intrínseco, como sujeito e não como ob-
jeto. Independentemente do que fazemos, da religião
que professamos ou da nossa perspectiva política,
precisamos ser tratados com dignidade. A autono-
mia diz respeito à nossa liberdade para fazer escolhas
existenciais. Podemos eleger o sentido da nossa vida
e viver de acordo com isso, desde que não haja uma

14
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

interferência no direito de outras pessoas. O mínimo


existencial é o básico, essencial para a sobrevivência
humana. O ser humano precisa ter garantido basica-
mente a saúde, educação, moradia, alimentação etc.
A dignidade da pessoa humana é elemento essen-
cial numa sociedade democrática, razão pela qual nós,
professores, precisamos assumir absoluto compromis-
so com a promoção da dignidade humana. A missão
de ensinar exige comprometimento com o valor intrín-
seco de cada ser humano. No exercício do magistério,
devemos fomentar o respeito às pessoas, pelo simples
fato de serem humanos, independentemente de suas
escolhas existenciais. Como professores, precisamos
promover uma sociedade que respeita as diferenças e
promove a autonomia existencial. O compromisso com
a educação deve nos mover a lutar por uma sociedade
na qual todos tenham a garantia do mínimo existencial.
Nessa perspectiva, a dignidade da pessoa humana
não é apenas um princípio constitucional, mas tam-
bém um paradigma do labor docente. Todo o trabalho
do professor deve ser iluminado pelo princípio da dig-
nidade da pessoa humana. Esse princípio deve estar
na base da pedagogia, filosofia, teologia e das demais
ciências. O professor deve ser um defensor incansável
da dignidade humana.
No contexto teológico, o princípio da dignida-
de humana está expresso na revelação de Deus, que
fez o homem conforme a sua imagem e semelhança.

15
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA

No Evangelho de João, Jesus afirma que veio para dar


vida e vida em abundância. A   vida humana tem va-
lor absoluto para o Criador. O primado da vida não
é um aspecto relativo, mas constitutivo da fé cristã.
Ser comprometido com a promoção da vida é um pres-
suposto da identidade cristã. Nesse sentido, teologi-
camente não é possível ser cristão e não promover a
vida, a vida com dignidade, a vida em abundância.
Professores, estamos a serviço do Reino de Deus,
razão pela qual seguiremos o nosso ofício, defenden-
do e promovendo a dignidade da pessoa humana, na
certeza de que estamos dando continuidade à missão
de Jesus de Nazaré. Que o Deus da vida continue ilu-
minando a nossa caminhada espiritual e intelectual e
abençoando o nosso magistério.

16
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA
ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE
ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS
E POESIA

André Anéas
SOBRE O AUTOR
Graduado e mestre em Teologia; doutoran-
do em Teologia. Coordenador do grupo de
pesquisa “Teologia Cristã e Religião Con-
temporânea” no Laboratório de Política,
Comportamento e Mídia da Fundação São
Paulo/PUC-SP – LABÔ. Idealizador e diretor
do Laboratório de Teologia, Espiritualidade
e Mística (LabTEM). Membro do Conselho
Editorial do selo Vida Acadêmica.
Q
uando a experiência de Deus é submetida a
um processo de racionalização por parte da
religião instituída corre-se o risco de a re-
ligião tornar-se irrelevante. Esse processo
de racionalização está presente em todas as
religiões e pode ser detectado no Protestantismo da
Reta Doutrina, tipo-ideal definido por Rubem Alves
que representa um protestantismo com forte ênfase
na Confissão Doutrinária (ALVES, 1979, passim). A
“espiritualidade” torna-se artificial e cheia de orgulho
espiritual, não existe comprometimento com uma prá-
xis cristã que responda às demandas sociais – direitos
humanos – e falta poesia na vida do religioso e do teó-
logo, que só sabem ler e não escrever. O objetivo aqui é
sugerir caminhos para uma teologia encarnada, a qual
toca o ser humano em sua integralidade e que atinja
a sensibilidade de toda sociedade – inclusive dos não
religiosos –, comunicando, sentindo e transformando
os desafios da contemporaneidade.
Tendo em vista esse objetivo, o caminho para esta
proposta será construído em três eixos intercambiáveis,

19
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

que abordam três sintomas da racionalização da expe-


riência de Deus: a relação do leitor com as Sagradas
Escrituras; a forma como o religioso reage diante da
necessidade de luta pelos direitos humanos; e a sensi-
bilidade diante da beleza estética da poesia brasileira,
representada em canções de Milton Nascimento.

A relação do leitor com as


Sagradas Escrituras

José Comblin (1923-2011) discorre a respeito da


teologia cristã, colocando um olhar crítico em relação
à possibilidade de sua esterilidade.

A teologia cristã é a história das manifestações da


vinda de Deus. São fatos reais, fatos vividos. Esses
fatos falam mais do que qualquer filosofia ou sistema
de conceitos. No passado, sobretudo desde o século
XIII, deu-se muita importância a uma teologia escrita,
pensada em forma de filosofia com os recursos da fi-
losofia. Essa teologia pode ter o seu valor, mas não é o
anúncio do evangelho, não é mostrar a vinda de Deus
na realidade humana. (COMBLIN, 2012, p. 43.)

O que se nota de forma explícita é a possibilidade


de se ter filosofias, conceitos e produção escrita e não
“encarnar” o Cristo na vida. Por isso, Comblin coloca

20
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

como superior uma teologia cristã como história, que


narra manifestações e fatos em que o anúncio do
evangelho acontece na realidade humana.
De forma semelhante, o teólogo alemão Dietrich
Bonhoeffer (1906-1945), ao discorrer a respeito da-
quilo que ele chama de “distinção inadequada” en-
tre textos “doutrinários” e textos históricos, ressalta
a importância da Bíblia como livro de testemunho e
critica a ideia de se obter na Bíblia uma “doutrina váli-
da para todo o sempre” (BONHOEFFER, 2008, p. 79).
Para Bonhoeffer, a revelação neotestamentária não
é “um livro cheio de verdades eternas, doutrinas,
normas ou mitos, antes deve ser visto como um
único testemunho do Homem-Deus Jesus Cristo”
(BONHOEFFER, 2008, p. 78).
Vemos que tanto o teólogo católico como o pro-
testante concordam que, quando nos aproximamos
do passado por meio dos textos sagrados com inten-
ção sistematizadora e legalista, não só perdemos opor-
tunidades de compreender a função do texto como
testemunho a respeito de quem teve experiência de
Deus, mas deixamos de lado a essência da revelação,
que é, antes de mais nada, testemunhar Jesus Cristo ao
ser humano do presente, local da experiência de Deus.
Em outras palavras, a relação entre leitor e texto sa-
grado, caso seja desprezada a primazia da experiência
de Deus em decorrência de uma busca incessante por
verdades doutrinárias absolutas, torna-se estéril e não

21
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

revela Cristo ao leitor e, consequentemente, ao mundo.


Ou seja, o leitor que não encara a Bíblia como fonte de
testemunhos que inspiram o ser humano do presente
não tem como encarnar as verdades testemunhadas
no passado.

A forma como o religioso reage


diante da necessidade de luta
pelos direitos humanos

Se tratando da experiência de Deus, não se pre-


tende identificar um tipo de experiência que aliene o
ser humano do mundo real. Como questiona Boaven-
tura Souza,

A intensidade da experiência religiosa é importante,


mas o mais importante é a sua orientação existen-
cial. É vivenciada como um propósito individual sem
qualquer ligação relevante com as coisas do mundo
ou, pelo contrário, é vivenciada como uma forma de
partilhar com os outros a visão transcendental de um
Deus sofredor que se manifesta nos povos sofredores
desde mundo injusto? (SANTOS, 2014, p. 143)

A experiência de Deus, se tratando do Deus reve-


lado nas Sagradas Escrituras, move o fiel em direção
a uma relação com o próximo de forma a identificar

22
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

os sofrimentos de um mundo injusto com os sofrimen-


tos do Deus encarnado: Jesus Cristo. A experiência
de Deus, neste sentido, produz na vida do crente uma
identificação nata com o Cristo. Como um cristão que
experimenta a realidade transcendente de um Deus
que encana e sofre no mundo não se identificaria com
a dor do próximo? Essa incoerência é denunciada por
Francisco, que, ao se posicionar contra os privilégios e
os privilegiados, fala aos cristãos sobre a necessidade
de uma voz profética.

As reivindicações sociais, que têm a ver com a distri-


buição das entradas, a inclusão social dos pobres e
os direitos humanos não podem ser sufocados com
o pretexto de construir um consenso de escritório
ou uma paz efémera para uma minoria feliz. A digni-
dade da pessoa humana e o bem comum estão por
cima da tranquilidade de alguns que não querem
renunciar aos seus privilégios. Quando estes valo-
res são afetados, é necessária uma voz profética.
(FRANCISCO, p. 169)

Portanto, lutar pelos direitos humanos, encarar a


dor e o sofrimento do próximo e sofrer a dor do mun-
do é o que se espera de cristãos. Não se trata de uma
expectativa simplesmente moral do crente. Mais do
que isso, é a consequência natural daquele que teve
uma experiência de Deus, cuja orientação existencial
foi ressignificada tendo como eixo norteador o Deus

23
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

sofredor, que não é indiferente à dor dos homens.


É neste sentido que a sensibilidade diante da beleza
estética da poesia brasileira tem uma contribuição
imensa para que a teologia encarne na vida e atinja
os sentimentos.

A sensibilidade diante da
beleza estética da poesia brasileira

Alex Villas Boas, fala do modo como Jesus Cristo


se expressa em seu ministério terreno:

Sua “paixão” pelo Reino de Deus é que o faz anunciar


uma “notícia que queima por dentro”, tornando-o um
“profeta apaixonado por uma vida mais digna para to-
dos”. Essa “paixão” “anima toda a sua atividade”, seu
“verdadeiro significado e força apaixonante”, e assim
assume a “linguagem dos poetas” para ser “profe-
ta do Reino de Deus” como “poeta da compaixão”.
(BOAS, 2016, p. 270)

Jesus, utilizando aquilo que Villas Boas chama de


“linguagem de poeta”, é o modelo perfeito para o tipo
de espiritualidade que se defende neste pequeno ar-
tigo. Não há frieza. Há paixão. A paixão não é fruto
de mera intelectualidade, leitura contextualizada ou
referenciais teóricos pertinentes para aquela época.
É fruto de um sentimento que “queima por dentro”,

24
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

impulsionando Jesus de Nazaré em cada passo, cada


olhar e cada relacionamento. O profeta é poeta, pois
toca não apenas os problemas teológicos dos mes-
tres da lei, mas o coração, os sentimentos e alma do
povo. Villas Boas comenta a respeito das parábolas
de Jesus:

Em suas parábolas, “sucede” algo performativo, que


não se produz nas minuciosas explicações informa-
tivas dos mestres da lei, mas “comovem e fazem
pensar, tocam o coração e os convida a abrir-se a
Deus, mexem na vida convencional e criam um novo
horizonte para acolhê-lo e vivê-lo de modo diferente”.
A performance parabólica visa “captar” a presença
salvadora de Deus de modo que “entrar na parábola”
e se deixar transformar por sua força já é entrar no
Reino de Deus. (BOAS, 2016, p. 270-271)

Jesus se comunica com o povo sem dificulda-


de, pois conta poesias parabólicas. Em suas poesias
“encarna” o Pai, participando da vida humana em ple-
nitude, junto dos sofrimentos e alegrias do povo. É o
“poeta da Torá”, como diz Villas Boas:

Jesus é um poeta da Torá, e assim o faz porque a “en-


carna” no seu modo de ser com o Pai, de modo que
sua vontade é fazer a vontade do Pai, ao mesmo tem-
po que participa empaticamente, em sua kenosis, para
lembrar Paulo, da condição humana, dos sofrimentos e
das alegrias de seu povo. (BOAS, 2016, p. 271)

25
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

As parábolas do “poeta da Torá” no primeiro sécu-


lo não são elaboradas com a linguagem dos brasileiros
sofredores do século XXI. Neste sentido, aquele que se
relaciona com as Escrituras e se identifica com Cristo
na dor do próximo tem grande aliada na poesia bra-
sileira, especialmente na música. A poesia brasileira,
especificamente duas canções de Milton Nascimento, é
inspirada pelos poetas das Escrituras, pois falam para
brasileiros a respeito de valores pertinentes ao Reino
de Deus.
Carlos Caldas identifica Milton Nascimento como
poeta e profeta:

[…] algumas músicas de Milton Nascimento combinam


maravilhosamente bem profecia e poesia. Profecia
no sentido bíblico, de denúncia do mal e da injustiça,
não no sentido ‘nostradâmico’ de predição do futuro
como o senso comum entende. […]

De maneira leve e artisticamente refinada Milton Nas-


cimento é um poeta e profeta que canta e encanta,
ensina e edifica.” (CALDAS, 2012)

De forma pertinente, Caldas critica a falta de poe-


sia na teologia cristã, denunciando uma grande con-
tradição: grande parte das Escrituras é poesia.

26
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

A teologia cristã tem uma estreita ligação com a poe-


sia. É verdade que a teologia tradicionalmente tem
sido construída em forma de proposição lógica, com
argumentações dedutivas e indutivas, enfim, com fer-
ramentas da lógica aristotélica. Quase todos os teó-
logos precisam se lembrar do óbvio: a maior parte
da Bíblia, fonte e origem da teologia cristã, foi escrita
em forma de poesia. Neste sentido é estranho que os
pensadores cristãos tenham se afastado tanto da for-
ma com que o conteúdo da revelação nos foi dado.
(CALDAS, 2012)

Na sequência, alguns trechos de “Coração Civil”


e “Maria, Maria” serão colocados frente a frente com
passagens bíblicas. Embora não haja espaço para
uma análise profunda de cada correlação, espera-se
do leitor que aprecie com sensibilidade as aproxima-
ções das canções de Milton Nascimento com o texto
sagrado. De fato, como Caldas sinaliza, poeta e pro-
feta se confundem.
Em “Coração Civil”, se fala do desejo do poe-
ta pela “utopia”, que pode ter aproximações com o
“Reino de Deus”, que, conforme Lucas 17:20-21, “não
vem de modo visível”, “mas está entre vocês”. Trata-se
do “já, mas ainda não”, um dos grandes paradoxos da
caminhada cristã, pois o Reino é sinalizado, mas ain-
da não de modo pleno. O desejo pela “felicidade nos
olhos de um pai”, pela “alegria”, “muita gente feliz” e
pela “justiça” que “reine em meu país” são totalmente

27
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

condizentes com os valores do Reino de Deus, que,


conforme Romanos 14:17, não se trata de “comida nem
bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”.
O poeta brasileiro, ainda manifestando seus dese-
jos, diz: “Quero a liberdade, quero o vinho e o pão”.
O apóstolo Paulo, se dirigindo aos gálatas (5:1), men-
ciona que Jesus os libertou para a liberdade. No mesmo
capítulo, no verso 13, Paulo ressalta aos seus destina-
tários que eles foram chamados para o serviço mútuo
em amor. Certamente não há momento mais impor-
tante para uma comunidade cristã do que o beber do
vinho e o partir do pão. Os cristãos são chamados para
estar nesta mesa eucarística, para o servir o próximo,
partilhar e ser um só corpo com aquele que chama:
Jesus. Milton Nascimento quer “amor”. Escrevendo aos
coríntios, Paulo escreve seu emblemático capítulo 13
de 1Coríntios, em que, dentre outras coisas, deixa a
pérola do verso 13: “[...] permanecem agora estes três:
a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o
amor.” Encerrando as correlações de “Coração Civil”,
o desejo do poeta por uma “cidade sempre ensolarada”
soa o escatológico livro do Apocalipse de João, que, no
capítulo 21, verso 23, anuncia o fim da necessidade de
iluminação solar, pois a glória de Deus, tendo como can-
deia o Cordeiro, Jesus Cristo, iluminaria toda a cidade.
Em “Maria, Maria”, o Bituca (apelido de Milton Nas-
cimento) nos conta a história de muitas brasileiras, que
lutam, insistem e persistem. Diante do sofrimento das

28
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

“Marias” que existem em todo o Brasil, o poeta é feliz


ao dizer que elas possuem uma “estranha mania de ter
fé na vida”. É estranho mesmo, pois, diante das injusti-
ças e do sofrimento residentes no Brasil, em que mui-
tos certamente se renderiam ao completo ceticismo, as
Marias têm “força”, “raça” e “gana”. Essas Marias le-
vam em suas peles “marcas” que remetem novamente a
Paulo de Tarso, que, escrevendo aos colossos (Co-
lossenses 1:24) e aos gálatas (Gálatas 6:17), tem em
seu corpo “o que resta das aflições de Cristo” e traz
“as marcas de Jesus”. Certamente a “estranha mania
de ter fé na vida” das Marias tem muito a ver com a
esperança cristã que moveu o apóstolo Paulo e outros
cristãos com testemunho semelhante em suas vidas de
lutas e tribulações. É estranho quando Paulo diz que “[...]
Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, inte-
riormente estamos sendo renovados dia após dia” (2 Co
4:16b), e ainda, “[...] mas também nos gloriamos nas tri-
bulações, porque sabemos que a tribulação produz per-
severança” (Romanos 5:3). Maria, Maria. Paulo, Paulo.

Considerações finais

A forma como o leitor se aproxima das Escrituras


precisa superar a interpretação puramente indicativa e
se tornar imperativa. O texto testemunha experiências

29
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA

de Deus e, consequentemente, deve inspirar as expe-


riências de Deus aos leitores no presente, tornando
visível o Pai de Jesus de Nazaré para aqueles que o
desconhecem. O papel do cristão na sociedade precisa
superar paradigmas que tornam o presente cristaliza-
do, imutável e “predestinado”. Dessa forma, o cristão
não é alguém inerte aos problemas sociais que afligem
o mundo. Muito pelo contrário, é agente ativo e que
percebe na dor do mundo o privilégio de se identifi-
car com o seu Deus, que sofre as dores do mundo em
Cristo Jesus. Por fim, a sensibilidade do religioso e do
teólogo poderia estar mais apta para captar os “sinais
dos tempos” na poesia e se permitir ser sensibilizado
pela realidade da vida concreta e menos “teologizada”.
Como o fez o próprio Cristo, que canalizou toda sua
compaixão pelo povo e desenvolveu seu ministério
lendo a Torá com olhos poéticos, capazes de parabolizar
as verdades do Reino, o povo pobre e sofrido do Brasil
do século XXI espera profetas-poetas, que encantem,
que sejam apaixonados e que anunciem com autoridade
que o Reino de Deus chegou. Com o diálogo sobre espi-
ritualidade, práxis cristã e poesia, espera-se que a teo-
logia se aproxime da vida, da carne e dos sentimentos
humanos. Em outras palavras, que a teologia encarne.
Somente esse tipo de espiritualidade encarnada pode
produzir “a estranha mania de ter fé na vida”.

30
O VALOR DA LEITURA PARA
A DEMOCRACIA

Davi Lago
SOBRE O AUTOR
Mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.
Professor e coordenador de pesquisa no La-
boratório de Política, Comportamento e Mídia
da Fundação São Paulo/PUC-SP. Membro do
Conselho Editorial do selo Vida Acadêmica.
O
incentivo à leitura é chave na construção de
sociedades livres, democráticas e solidárias.
Martha Nussbaum, em sua célebre crítica
à educação americana na administração do
presidente Obama, afirmou que os Estados
Unidos não deveriam menosprezar as humanidades
nos currículos escolares. Segundo a filósofa, as letras
ampliam as capacidades empáticas dos jovens, um
atributo vital para sociedades democráticas desen-
volvidas, que pressupõem empatia dos cidadãos em
algum grau.
Uma democracia cheia de cidadãos sem empa-
tia gera novas formas de marginalização, piorando
os problemas já existentes. Interessante notar que
a quantidade de livrarias e a diversidade de jornais
impressos diários são dois dos critérios de avaliação
da qualidade de vida em uma cidade para a pesquisa
de qualidade de vida da revista Monocle. A lógica é
simples: cidades com ampla oferta de livros, jornais e
revistas possuem público leitor educado, maior plura-
lidade e intercâmbio de ideias e índices superiores de

33
O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA

bem-estar social. No outro extremo, os totalitarismos


tremem diante das letras, por isso queimam livros,
censuram opiniões, distorcem fatos, inculcam narra-
tivas. Foi Roland Barthes quem afirmou que o fascis-
mo não é nos impedir de dizer, é obrigar-nos a dizer.
Portanto, ler é preciso, incentivar a leitura, necessário.
Ler é um exercício de empatia, porque ler implica
encontrar o outro. Na leitura, está implícito quem es-
creve e quem lê. No ato de ler, o leitor ressuscita a voz
do escritor em sua própria mente. Portanto, a leitura
é a intersecção de, pelo menos, duas subjetividades.
Esse encontro é sempre fecundo, porque a leitura da
palavra é precedida e acompanhada pela leitura do
mundo. Ler é mais que mera decodificação de signos,
é uma experiência humana integral. A genuína leitu-
ra leva a perceber, conhecer e interpretar o outro. Ler
é ainda um exercício de empatia porque leva tempo,
assim como digerir. Não por acaso, observou John
Miedema que a leitura lenta leva o leitor a subvocali-
zar as palavras lidas, de modo semelhante à atividade
motora da língua enquanto deglute alimentos. Leitura
e lentidão seguem juntas, daí o fracasso das mídias
sociais para o amadurecimento dos debates públicos
– sempre afoitas, apressadas, precipitadas. Na leitura
refletida, o cidadão se abre à experiência dos outros,
considera opiniões diferentes e evita juízos prematu-
ros que levam ao erro.

34
O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA

A leitura tem retorno a longo prazo. As crianças


leitoras de hoje construirão uma sociedade melhor
amanhã. Nosso contexto, infelizmente, não é o melhor.
De acordo com o relatório de perspectivas econômicas
globais do Banco Mundial, mais de 90% de 183 eco-
nomias analisadas enfrentarão retração econômica
por causa da pandemia da COVID-19. Confirmados os
prognósticos, a amplitude da crise será maior que a
recessão de 1930, quando 85% das economias retraí-
ram. Evidente que a consequência imediata e inevitá-
vel desse cenário é o aumento das tensões políticas e
sociais em diversas dimensões. Segundo Paul Collier,
professor de Economia e Políticas Públicas da Univer-
sidade de Oxford, levantamentos atuais revelam “um
nível de pessimismo sem precedentes entre a juven-
tude: inúmeros jovens estimam que terão um padrão
de vida inferior ao dos pais”. No difícil cenário atual,
não podemos renunciar às poderosas ferramentas da
leitura e da educação.

35
CONHEÇA O
EVANGELHO
DO AMOR

PABLO A. DEIROS
é pastor e escritor de destaque, além de ser internacionalmente
conhecido como professor e conferencista. Recebeu o título de ph.D
com especialidade em História pelo Seminário Teológico Batista
Southwestern. Autor de mais de 70 livros, várias traduções e
inúmeros artigos em dicionários, enciclopédias e revistas cristãs.
O QUE É A FÉ BÍBLICA?

Esdras Savioli
SOBRE O AUTOR
Graduado em Teologia Idealizador e
coordenador do ministério de trei-
namento “Vai na Bíblia”, com mais
de 900 mil seguidores no canal do
YouTube.
Veja no site: vainabiblia.com
D
iferentemente do que muitos pensam, a fé ensi-
nada pela Bíblia não é uma crença ilógica na
ocorrência do impossível. Muito pelo contrá-
rio, trata-se de uma crença sólida e racional,
com base em algo confiável e eterno (Hebreus
11.3, Lucas 21.33). Podemos dizer que, além de uma
convicção concreta, a fé bíblica é uma certeza absolu-
ta, uma confiança sem espaço para dúvida (2Coríntios
4.18, Tiago 1.6,7).
Somente essa fé pode nos levar a obedecer incondi-
cionalmente à Palavra de Deus e estabelecer a verdade
bíblica como fundamento para todas as nossas decisões
(Romanos 1.5, Salmos 119.105). Veja que não se trata de
um sentimento, trata-se de uma ação que não depende
da emoção (Tiago 2.14-18). Essa é a fé bíblica!

Como funciona a fé bíblica?

Deus fala por meio de sua Palavra, nós ouvimos, con-


fiamos e agimos de acordo com ela, independentemente

39
O QUE É A FÉ BÍBLICA?

das circunstâncias ou consequências (Hebreus 11.8).


Mesmo quando não compreendemos por que Deus está
nos pedindo algo, se a ordem for clara, devemos sim-
plesmente obedecer (Hebreus11.7,30).
Muitas coisas podem não fazer sentido em um
primeiro momento, mas é a obediência que nos dará
a devida compreensão (Hebreus 11.17,29). Enquanto
muitos esperam ver para crer, a Bíblia nos convida a
crer para ver (João 20.29, 1Pedro 1.8,9). E, quando cre-
mos, provamos o amor, a justiça e a fidelidade de Deus
(João 11.40), o que nos impede de temer pelo futuro
(Hebreus 11.27, 1Pedro 1.5, Provérbios 1.33, 1João 5.4).
Afinal, fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova
das coisas que não vemos (Hebreus 11.1, 2Coríntios 5.7).

Como ter fé?

Mas, se essa fé é tudo o que precisamos, como po-


demos obtê-la? A Bíblia ensina que essa fé não vem de
nós, é um dom de Deus (Efésios 2.8,9, 2Pedro 1.1); não
é algo que aprendemos ao longo da vida, nem a recebe-
mos por intermédio de outras pessoas (Romanos 12.3).
O único que pode gerar essa fé em nosso coração é o
Espírito Santo, por meio da Palavra de Deus (Romanos
10.17, 2Coríntios 2.12). Inclusive, também é ele quem
nos capacita a praticá-la (Romanos 8.8,9, João 16.13).

40
O QUE É A FÉ BÍBLICA?

A primeira vez que essa fé se manifesta em nos-


sa vida é quando cremos em Jesus Cristo (João 3.18;
12.44), na sua vida sem pecado, na sua morte em nos-
so lugar e na ressurreição dentre mortos (Filipenses
3.10, Romanos 10.9,10). Neste exato momento, desco-
brimos que a verdadeira fé habita em nós e, a partir de
agora, precisamos desenvolvê-la.

Como desenvolver nossa fé?

E, para que isso aconteça, é necessário entender


que esse desenvolvimento jamais acontecerá por meio
da ignorância ou da passividade (Oseias 6.3, Tiago 1.5,
Mateus 7.7). A única forma de desenvolver a fé bíblica
é buscando o conhecimento de Deus (1João 4.6). À me-
dida em que esse conhecimento aumenta, a nossa fé
também aumenta (Mateus 17.20, 2Pedro 1.5-7).
Contudo, não se trata de um conhecimento teó-
rico. Conhecer Deus é buscar intimidade com ele por
meio da obediência (Tito 1.16, João 14.21). Afinal, da
mesma forma como é impossível obedecer a Deus sem
conhecê-lo, também é impossível desenvolver nossa
fé sem obediência à sua Palavra (1João 2.4).
O que fazemos revela o que verdadeiramente
conhecemos (Efésios 2.10, Tiago 2.19-26). Somente

41
O QUE É A FÉ BÍBLICA?

pela fé podemos conhecer e permanecer em Deus


(João 17.3, Romanos 8.38,39), desfrutando do seu
amor, da sua justiça, do seu poder e da sua fidelida-
de (1João 4.16, 2Tessalonicenses 3.3, Salmos 85.9,10).
A fé nos permite ser amigo íntimo do Criador do Uni-
verso (João 15.13-15, Hebreus 11.6), algo que muitos
sequer imaginam que seja possível.
Como disse Paulo: “[...] os nossos sofrimentos le-
ves e momentâneos estão produzindo para nós uma
glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim,
fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que
não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não
se vê é eterno” (2Coríntios 4.17,18).

42
A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS
NAS NARRATIVAS

Filipe Breder
SOBRE O AUTOR
Graduado em Teologia; Graduado em
Análise e Desenvolvimento de Sis-
temas; Mestre em Teologia. Um dos
criadores e é coordenador da Escola
do Discípulo com mais de 400 mil se-
guidores no YouTube
(https://escoladodiscipulo.com.br)
T
odos amam ouvir boas histórias. Elas possuem
o poder de capturar a imaginação e interes-
se das pessoas. Deus dotou o ser humano de
imaginação, com uma capacidade incrível de
criar uma realidade alternativa completamente
diferente da realidade em que vivem. Por essa razão as
histórias são tão importantes. Elas envolvem e cativam
de tal forma que o ouvinte fica desesperado para saber
o que virá em seguida, como a história se desenrolará,
ainda que a história seja fictícia, como as parábolas, elas
possuem o mesmo poder de envolver a imaginação.
Os escritores da Bíblia também valorizavam uma
boa história, tanto que as narrativas são o gênero literá-
rio mais comum das escrituras, formando um terço de
todo o Antigo Testamento (AMIT, 2005, p.708). Se as
narrativas compõem a maior parte da bíblia, certamen-
te saber como aplicar essas histórias na vida da igreja
hoje é de suma importância. Como afirma Ryken, quan-
to mais os leitores souberem sobre o modo pelo qual as
histórias funcionam, mais eles desfrutarão em entende-
rão as vastas porções da Bíblia (198, p.33). As histórias
poderão transformar vidas.

45
A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS

Grande parte das narrativas bíblicas são bem co-


nhecidas pelos membros das igrejas, porém, da mesma
forma as narrativas também são mal compreendidas e
mal interpretadas. Como nos alerta Kaiser, muitos se
envolvem tanto com os personagens e a trama da nar-
rativa que se esquecem de considerar qual é a mensa-
gem de Deus para a igreja contemporânea (2002, p.66).
As histórias acabam se tornando um fim em si mesma.
De igual modo, muitos se enveredam pelo erro
oposto. Os leitores projetam uma verdade moral ou es-
piritual sobre um personagem bíblico ou acontecimen-
to, se apegando mais a lição moral do que a história em
si. Kaiser segue alertando que interpretar as narrativas
de forma moralista, tirando exemplos de cada passa-
gem, destrói a unidade da mensagem da Bíblia. O pro-
pósito das narrativas não é ensinar lições morais, mas
narrar os atos de Deus na história. Pregadores poderão
por exemplo, extrais lições morais do tipo “faça como
Josué” ou “não faça como Davi”. De forma correta, po-
demos aprender aspectos positivos e negativos dessas
histórias, no entanto, não podemos forçar lições que
o próprio autor não estava preocupado. As narrativas
possuem um valor maior, de narrar os atos de Deus na
história. Quando a história é diminuída a simples lições
morais, o intérprete está sendo desonesto com o texto.
Muito frequentemente, ao estudar a Bíblia, o leitor
procura descobrir como a história da Bíblia se encaixa
em sua própria história, quando, de fato, deveria fazer

46
A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS

o oposto: tentar ler o próprio mundo à luz da histó-


ria da Bíblia. Vanhoozer argumenta que as histórias da
Bíblia precisam ser entendidas como um todo, cano-
nicamente, e somente assim a Bíblia poderá ser lida
como uma história controladora, que capture por com-
pleto a imaginação de seus leitores (2022, p.148).

A grande história de Deus

Muito além de extrair lições morais de narrativas


isoladas, o intérprete precisa ter em mente que todas as
narrativas bíblicas fazem parte de uma grande história.
Na Bíblia, Deus revelou apenas uma grande história que
abrange todas as coisas. Essa única grande história,
que aqui será denominada de metanarrativa, está repar-
tida e é formada por muitas histórias menores dentro
da Bíblia. Assim, faz-se necessário que o leitor possua
a habilidade de interpretar passagens específicas da
Escritura à luz do fluxo da história da redenção.
N.T. Wright ilustrou bem a metanarrativa bíblica
comparando-a com uma grande peça de teatro de
5 atos: Criação, queda, Israel, Jesus e a igreja (2021,
p.150). Vanhoozer também faz a mesma analogia, po-
rém, ele insere um ato final, a consumação de todas
as coisas (2022, p.148). De forma resumida o drama
de Deus é narrado da seguinte forma: No primeiro ato

47
A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS

Deus cria todas as coisas e vê que tudo é muito bom,


cria o ser humano a sua imagem e semelhança e o
comissiona com o dever de cultivar a terra e se mul-
tiplicar. Deus habitava com eles todos os dias. No se-
gundo ato ocorre a queda, por causa do pecado o ser
humano é expulso da presença de Deus e não há mais
comunhão entre o homem e Deus. No terceiro ato,
Deus promete corrigir todas as coisas e inicia um gran-
de projeto de restauração por meio de Abraão e sua
descendência, escolhendo Israel como nação Santa e
sacerdócio real. No quarto ato Jesus se revela como
Deus encarnado e corrige o problema do pecado mor-
rendo na cruz e ressuscitando ao terceiro dia. No quinto
ato a igreja é formada e comissionada a anunciar o Reino
de Jesus Cristo a todos os povos da terra. No ato final,
Jesus estabelece seu reino em plenitude onde já não ha-
verá choro nem dor, todas as coisas serão restauradas.
N.T. Wright propõe que entender o drama de Deus
é fundamental para que o leitor possa interpretar as
narrativas e sua relação com elas como um tipo de
narrativa abrangente que dá sentido aos textos. “Não
se pode limitar a Bíblia por um lado a um conjunto de
verdades eternas ou a uma simples inspiração devo-
cional por outro, sem se tornar profundamente de-
sonesto com a própria escritura em nível estrutural”
(2021, p.151).
Dentro do drama de Deus, o leitor vive atualmente
no quinto ato, na era da igreja. Vivendo no quinto ato,

48
A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS

o leitor cultiva uma relação com os quatro atos ante-


riores, justamente por serem fiéis a eles como parte da
narrativa. N.T. Wright ilustra que se alguém no quinto
ato começasse a repetir as falas dos atos anteriores,
em vez de encenar o próprio ato em que se encontra,
acabaria estragando todo o espetáculo (2021, p.151).
O intérprete tem de agir de forma adequada ao momen-
to presente da narrativa; o leitor não pode pular repen-
tinamente para outra narrativa ou para outra peça.
Quando o leitor não faz nada além de tirar algumas
ideias de uma única história, sem levar em conta o con-
texto mais amplo do grande drama de Deus, pode aca-
bar perdendo o fundamento da história. O intérprete
pode correr o risco de distorcer o que o escritor gosta-
ria de dizer, concentrando-se em detalhes secundários
da história, sem levar em conta seu contexto maior.
Christopher Wright conclui dizendo:

Não leia uma história bíblica sem pensar na narrativa


mais ampla da qual ela faz parte e no lugar dela dentro
da grande história das Escrituras como um todo. Na
verdade, isso não é diferente daquilo que você já sabe
sobre a interpretação da Bíblia: Leia todos os textos
em seu contexto. A única coisa que estamos fazen-
do aqui é expandir esse pensamento de um versículo
ou uma passagem curta para as histórias bíblicas.
Faça o mesmo. Leia de maneira contextualizada
(2018, p.81).

49
PROFISSÃO PROFESSOR:
IRRIGANDO DESERTOS

Gabriele Greggersen
SOBRE O AUTOR
Graduada em Pedagogia, mestre em
História e Filosofia da Educação, douto-
ra em História e Filosofia da Educação
e em Estudos da Tradução, pós douto-
ra em História. Membro do Conselho
Editorial do selo Vida Acadêmica.
R
ecentemente, na coleta domiciliar do IBGE, o
recenseador fez a pergunta inevitável: “Qual
é a sua profissão?”. Previamente, eu havia
dito que era pedagoga, mas a resposta po-
deria ser “professora”. Muitos professores
preferem dizer que são pedagogos, um termo mais
técnico; ou educadores, o que é mais romântico e tem
os seus méritos. Mas por que o nome professor está
tão desgastado?
É claro que um dos motivos é o sucateamento da
profissão de professor. A outra razão é que o professor
tem pouco prestígio social. Algumas pessoas dizem
que têm profissões e também são professores, como
se fosse uma categoria à parte ou de segundo escalão,
um “bico”, por assim dizer.
Se pesquisarmos mais a fundo o sentido da pa-
lavra professor, logo se nos apresenta a proximidade
com a própria palavra profissão. Ou seja, o professor é
o profissional por excelência, aquele em quem todas as
demais profissões se inspiram.

52
PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS

Por isso, ser professor sem ser profissional é uma


contradição em termos. Isso tem consequências para
a multidão de professores leigos que ainda lecionam
neste vasto país, no qual os “professores profissio-
nais” muitas vezes são escassos. Essa escassez se dá
por diversos motivos, como: os locais de difícil acesso,
como a Amazônia e as comunidades ribeirinhas; as
condições sociais precárias de algumas cidades e
escolas; e o perigo de vida que alguns locais repre-
sentam por causa da violência, principalmente nas
grandes cidades.
Entretanto, mesmo esses professores e professo-
ras sem formação apropriada que se dedicam ao ofício
podem ser considerados profissionais pelo mérito de
seu empenho e dedicação nas coisas que fazem por
seus alunos. E o que eles fazem? A resposta mais ób-
via é que eles ensinam. Ensinam o quê? Teoricamen-
te ensinam o que a direção da escola, os Parâmetros
ou Diretrizes Curriculares Nacionais (PCNs e DCNs,
respectivamente) e, no caso do Ensino Fundamental e
Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e
determinam que deve ser ensinado.
Quem define esses documentos, se não os buro-
cratas do Estado? C.S. Lewis escreveu em seu único
livro sobre educação, Abolição do Homem, que “a an-
tiga [educação] era uma espécie de difusão — homens
transmitindo humanidade para outros homens; a nova
não passa de propaganda” (LEWIS, 2017, p. 27).

53
PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS

E essa propaganda é feita pelos manipuladores, ou


seja, aqueles que ditam os critérios de bem e de mal e,
assim, dominam o mundo, levando a sociedade para a
sua abolição ou extermínio.
Se não é mera propaganda, que humanidade é essa
que a educação deve propagar? O que é que realmente
ensina o professor quando fecha a porta da sala de aula?
Certamente é tudo aquilo que ele crê que seja humano.
Daí a outra filiação da palavra professor com o verbo
professar. O professor e a professora ensinam aquilo
que professam, consciente ou inconscientemente.
Falamos em professar mais no contexto religioso,
quando nos lembramos da confissão de fé no Credo
Apostólico, que começa com: “Creio em Deus Pai, todo
poderoso, criador do céu e da terra” (Livro de oração
comum, 2015, p. 358) e termina em “Cremos no Espí-
rito Santo, na Santa Igreja Católica1, na comunhão dos
santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do
corpo e na vida eterna, amém” (2015, p. 359). Se os
professores se ativessem a tal profissão de fé, certa-
mente teriam muito a ganhar. Todavia, esquecemo-nos
de que toda profissão professa algo, o que é normal-
mente lembrado nas formaturas, com o juramento, os
votos e as promessas relativos a cada profissão.
Então, o professor, além de profissional por exce-
lência, é aquele que não escapa de fazer uma profissão
1
 confissão não se refere à Igreja católica romana, mas no sentido original, de
A
“Igreja universal”.

54
PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS

de seu ofício, jurando... jurando... jurando o quê? Estes


são alguns exemplos de juramentos que um professor
poderia fazer:

• Respeitar o seu aluno, independentemente


de cor, orientação sexual, condição social,
se tem necessidades educacionais específi-
cas ou não etc.
• Preparar as suas aulas com carinho e dedi-
cação para que tudo transcorra de forma a
alcançar os objetivos traçados.
• Estipular objetivos que condizem com uma
humanidade mais justa, verdadeira e boa.
• Dar conta dos conteúdos sugeridos pela di-
reção e pelos documentos oficiais.
• Respeitar o estilo de aprendizagem de cada
aluno, preparando aulas diversificadas que
os alcancem e facilitem seu aprendizado.
• Propor avaliações que não tenham a inten-
ção de prejudicar e que sejam mais apre-
ciativas do que punitivas e que realmente
retratem o que o aluno aprendeu e o recom-
pensem pelo seu progresso.

Todos esses juramentos e mais são fruto de uma


visão do ser humano que se quer formar. Assim, todo

55
PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS

professor assume uma antropologia2 filosófica, uma


concepção de humanidade implícita nas suas ações.
Cabe ao professor que realmente vive a sua profissão
conscientizar-se dessa antropologia e perguntar-se
qual é o perfil dessa pessoa que ele pretende formar.
Só assim ele terá uma profissão de professor ade-
quada e, se ela for condizente com os princípios do
cristianismo, o resultado será ainda melhor. Pois só as-
sim ele poderá, como diz Lewis no mesmo livro, deixar
de “derrubar florestas” e passar a “irrigar desertos”.
(2017, p. 20).

2
Lembrando que antropos significa “ser humano” em grego.

56
MAIS DO QUE BRILHANTES,
PRECISAMOS DE PROFESSORES
FASCINANTES

Jorge Henrique Barro


SOBRE O AUTOR
Mestre e doutor em Teologia. Diretor
Executivo e professor da Faculdade
Teológica Sul Americana. Membro
do Conselho Editorial do selo Vida
Acadêmica.
Professores brilhantes ensinam para uma profissão.
Professores fascinantes ensinam para a vida.
Augusto Cury

T
odo dia é dia de ensino e educação! Os países
escolhem seus dias diferentes para honrar e
celebrar seus professores, de acordo com al-
guma situação marcante. No caso do Brasil,
o dia escolhido como Dia do Professor é 15
de outubro. E por quê? A primeira lei educacional do
Brasil, Lei Geral, foi sancionada por Dom Pedro I no
dia 15 de outubro de 1827, contendo 17 artigos. Em
1947, Salomão Becker, que lecionava na escola Ginásio
Caetano de Campos, situada na Rua Augusta, em
São Paulo, teve a ideia de organizar uma confraterni-
zação entre professores e alunos, e decidiu utilizar a
data 15 de outubro como o momento oportuno para

59
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

estabelecer um dia de folga a esses profissionais tão


atarefados. Assim, em 1948, o Governador Ademar
de Barros declarou feriado escolar no Estado de São
Paulo, oficializando a celebração do professor no dia
15 de outubro. A nível federal, o Ministério da Educa-
ção, no governo do presidente João Goulart, instituiu
a semana do professor em 14 de outubro de 1963, por
meio Decreto Federal nº 52.682. Dessa forma, o dia
15 de outubro passou a ser reconhecido nacionalmen-
te como o Dia do Professor(a).

“A educação exige os maiores cuidados,


porque influi sobre toda a vida”
Sêneca

O ensino de Jesus foi exatamente assim, influia


sobre toda a vida! É impressionante o número de
vezes que a palavra mestre é mencionada nas qua-
tro narrativas do Evangelho. Conforme a tradução da
Bíblia, a palavra é escrita em maiúsculo (Mestre), em
geral, quando fizer referência exclusiva a Jesus e, para
o uso comum, em minúsculo (mestre). Duas palavras
gregas são utilizadas para a tradução “mestre” no
Novo Testamento. Nos Evangelhos, temos as seguin-
tes ocorrências:

60
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

• διδάσκαλος (didáskalos), 41 ocorrências


para referir-se a Jesus, e 9 casos do uso co-
mum para outros mestres;
• ῥαββί (rabbi), transliteração para o grego
da palavra hebraica ‫( יִּב ַר‬rabbi) que significa
“mestre”; ocorre 13 vezes nos Evangelhos,
referindo-se diretamente a Jesus.

Evangelho Jesus Outros Subtotal


Mateus 10 3 13
Marcos 12 0 12
Lucas 14 3 17
João 5 3 8
Subtotal 41 9 50

Tabela 1 – ocorrências da palavra διδάσκαλος

O ministério público foi marcado pelo ensino


(διδάσκω), como aquele que instruía seus discípulos
como também não discípulos. No livro de Mateus,
está escrito: “Quando acabou de instruir seus doze
discípulos, Jesus saiu para ensinar [...]” (11.1, grifo do
autor). Ele ensinava nas sinagogas (Marcos 1.21; 6.2),
à beira-mar (Marcos 4.4), nas aldeias circunvizinhas
(Marcos 6.6), para as multidões (Marcos 2.13), no
templo (Marcos 11.17; Lucas 19.47; 21.37; João7.14;
8.2,20) e até mesmo no sábado (Marcos 6.6; 13.10).

61
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

ar

pr
si n

eg
ar
en

servir

O ensino de Jesus provocava reações nas pessoas.


Uns “ficavam maravilhados com o seu ensino, porque
lhes ensinava como alguém que tem autoridade e não
como os mestres da lei” (Marcos 1.22), e outros se
enchiam de ira por causa do tom de seu ensino com
recorte profético (Lucas 4.28,29). Jesus também de-
monstra como o discípulo deve ter seu mestre como
espelho, sem aspirar ser maior que ele (Mateus 10.24
e Lucas 6.40).
O ministério de Jesus foi marcado por uma tríade
missional que incluía o ensino: Jesus ia passando por
todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas,
pregando as boas-novas do Reino e curando todas as
enfermidades e doenças” (Mateus 9.35, grifo do autor).
Quando lemos as quatro narrativas do Evangelho, vemos
registrado tudo o que Jesus fazia (obras) e dizia (pala-
vras) (v. Lucas 24.19) essa tríade missional-ministerial.
Essa tríade é a síntese da vida e do ministério de Jesus.
Importante destacar a integralidade da missão em

62
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

Jesus, pois não o vemos priorizando uma ação em de-


trimento da outra. Ou seja, enquanto Jesus ensinava,
ele pregava e servia. Jesus não priorizou uma em de-
trimento da outra. Muitas pessoas perguntam qual
dessas três ênfases missionais vem primeiro. Jesus
responderia: “pergunta irrelevante”. Por quê? Porque
a missão de Deus é realizada por meio do ensino-pro-
clamação-serviço! Trata-se da missão de pregar, a mis-
são de ensinar e a missão de servir, revelando assim as
boas-novas do Reino de Deus!
O ensino é uma das agendas da missão, confor-
me nos confiou Jesus: “[...] ensinando-os a obedecer a
tudo o que eu ordenei a vocês [...]” (Mateus 28.20).
A palavra ensinando-os, no grego, é a conhecida pa-
lavra διδάσκω (didásko), que possui as seguintes
possibilidades: ensinar alguém a fim de instruir e pro-
nunciar discursos didáticos como um professor deve
fazer, ensinando, explicando ou expondo algo.
A instrução é uma condição necessária para a
missão e o discipulado. Todos os novos seguidores
de Jesus devem ser ensinados/instruídos sobre a fé e
o dever cristãos, e como obter a ajuda de Deus para
ser capacitado e, assim, agradá-lo. Essa tarefa de dis-
cipulado implica em ensinar os novos seguidores a
guardar/obedecer a todas as coisas que Jesus ordenou.
Ou seja, tudo o que Jesus ensinou e ordenou durante
os seus três anos de ministério. Jesus era (e continua
sendo) o livro-texto obrigatório dos novos estudantes

63
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

(discípulos = matetes), bem como de sua igreja. Note a


fidelidade de Lucas em relação a “tudo o que eu ensinei
a vocês”: “Em meu livro anterior, Teófilo, escrevi a res-
peito de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar,
até o dia em que foi elevado aos céus, depois de ter
dado instruções por meio do Espírito Santo aos após-
tolos que havia escolhido” (Atos 1.1,2).
Veja que Lucas faz questão de mostrar que en-
tregará um livro para Teófilo (ou seja, o Evangelho)
relatando tudo o que Jesus ensinou “até ao dia em que
foi elevado aos céus”. Impressionante! Ele registra os
ensinos de Jesus até aquele último segundo que ante-
cedeu sua ascensão.
E ainda tem mais! No prólogo do Evangelho nar-
rado por Lucas, ele assim diz: “Eu mesmo investiguei
tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi es-
crever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teó-
filo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram
ensinadas”. (1.3,4).
Só faz isso quem tem um coração e uma preocu-
pação pastoral-missional! Aqui está um homem, cha-
mado Teófilo, que estava em dúvida se Jesus de fato
era o único caminho. Se, de fato, ele deveria crer na
descrição do relato daqueles que foram discípulos.
O que iria trazer a Teófilo essa “certeza”? Lucas nos diz
que seria por meio de um livro – “decidi escrever-te
um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo” –, e esse

64
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

livro era o próprio Jesus! Esse livro era a própria vida


de Jesus, ou seja, todas as coisas que Jesus começou a
fazer e a ensinar.
Trata-se da missão didático-pedagógica de ensi-
nar a obedecer (não apenas saber) todas as coisas que
Jesus ensinou. Ou seja, ensinar as pessoas tudo o
que está escrito a respeito de Jesus em Mateus,
Marcos, Lucas e João. Que tal?
A tarefa do ensino é árdua, imensa e desafiado-
ra. Por isso, fica a advertência do apóstolo Paulo que
“Se o seu dom é [...] ensinar, ensine” (Romanos 12.7).
Tal esforço muitas vezes implica em dores – “Meus
filhos, novamente estou sofrendo dores de parto por
sua causa [...]”, cujo alvo é “[...] até que Cristo seja for-
mado em vocês” (Gálatas 4.19).
Espero que, por meio dessa breve e singela refle-
xão, sejamos nós, professores, encorajados a manter o
foco dessa maravilhosa e abençoada missão de ensinar.
Essa missão nem sempre será reconhecida e valoriza-
da, especialmente no que diz respeito ao aspecto fi-
nanceiro, missão essa que o apóstolo Paulo disse que
“Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos
de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho
é a pregação e o ensino” (1Timóteo 5.17). E que Deus
nos sustente nessa missão de ensinar para que, como
disse Salomão, as instruções ajudem as pessoas a “ex-
perimentar a sabedoria e a disciplina; a compreender

65
Mais do que brilhantes, precisamos de professores fascinantes

as palavras que dão entendimento; a viver com sensa-


tez, fazendo o que é justo, direito e correto”. Que nobre
missão é essa de ensinar para influir sobre toda a vida!
Dedico assim, com carinhos essa singela refle-
xão, aos mestres do ensino que transforma. Parabéns!
Celebre sua vocação a serviço do Reino de Deus onde
e quando você estiver!

66
O VALOR DE TER VALORES

Lourenço Stelio Rega


SOBRE O AUTOR
Graduado em Filosofia e Teologia, mes-
tre em Teologia e Educação, doutor em
Ciências da Religião, especialista em
Administração de Empresas (Análise
de Sistemas), especialista em Bioética.
Professor da FABAPAR e da Faculda-
de Teológica Sul Americana. Consultor
Acadêmico do selo Vida Acadêmica.
A
palavra “valor” tem sido empregada usual-
mente no campo financeiro quando nos refe-
rimos ao valor de pagamento de alguma coisa
ou algum serviço, bem como a valorização de
um bem ou patrimônio.
Mas, aqui neste artigo, a palavra “valor” tem a ver
com princípio e fundamento éticos, ponto de partida
para a tomada de decisões, para que se façam esco-
lhas. Nossa existência é permeada por escolhas, ainda
que decidamos nos abster ou isentar de um posiciona-
mento; optar por não decidir também é uma decisão.
Há decisões estéticas que estão ligadas à beleza,
à combinação de cores, ao corte de cabelo etc. Temos
nisso a noção do que seja o belo ou não. Não é esse
tipo de decisão a que me refiro, mas a decisões no
campo da ética, isto é, decisões que se referem ao cer-
to e errado em relação a algum referencial ou valor que
assumimos como legítimo e justificável. Decisões
que envolvem escolhas, portanto, não do que seja
belo ou estético, mas do que seja bem ou mal, certo ou

70
O VALOR DE TER VALORES

errado, tanto em relação à vida quanto aos relacionamen-


tos em geral, ao trato das pessoas, às atitudes, à cidada-
nia, à honestidade, à valorização do próximo, à gestão
do tempo e da saúde em seus mais variados aspectos,
entre outros.
Como ponto de partida, é necessário questionar
como vemos a vida e o mundo, qual é a nossa cosmo-
visão. Se o nosso olhar está voltado à valorização da
utilidade dos relacionamentos, ou das escolhas que
fazemos, então temos como fundamento a busca por
ações que venham a nos dar resultados. O fundamen-
to aqui é o pragmatismo (do grego πράγμα, ação) ou
mesmo o utilitarismo. Assim, só valorizaremos e legi-
timaremos as decisões e os relacionamentos que nos
deem algum retorno. Não há dúvida que resultados são
importantes, mas aqui podemos cair na busca por in-
teresse ou benefício pessoal. Amaremos alguém, uma
profissão ou um emprego se colocarmos em primeiro
lugar os benefícios que pudermos obter disso. Seremos
benéficos, bondosos ou pacientes se pudermos obter
alguma vantagem nisso. Essa visão toma um caminho
bem oposto aos ensinos de Jesus, quenos convida a
exercer o amor em condições em que nada poderemos
obter de benefício, como amar um inimigo ou quem nos
faz mal (Lucas 6.27ss). Então, a “lei do talião” – olho por
olho, dente por dente– é revogada diante dos valores
éticos ensinados por Jesus. A busca por recompensas
será natural, não a prioridade. A nossa prioridade será
seguir os valores do evangelho.

71
O VALOR DE TER VALORES

Se a nossa prioridade for baseada naquilo que ve-


nha a nos dar bem-estar e satisfação imediatos, nos-
sas decisões serão naturalmente imediatistas, sem
perspectiva de investir no futuro. É um tipo de exis-
tencialismo em que o que vale é a nossa existência no
agora. O ensinamento de Jesus de que não devemos
nos preocupar com o amanhã (cf. Mateus 6.34 e Lucas
14.28) não foi nesse sentido. Temos de construir hoje
um futuro sólido, evitando a ansiedade por um futuro
sobre o qual não teremos o controle. Posso lembrar
que muita gente se vale do «verbo» depois. Na reali-
dade, depois é um advérbio, mas quero enfatizar aqui
a ação de deixar tudo para depois e adiar as decisões
para aproveitar o máximo de sensações de cada mo-
mento. Se Deus planejou a criação do Universo de
forma sincronizada, será necessário que deixemos
de ser consumidores da realidade e assumamos o
papel de participantes de sua construção. Será ne-
cessário assumirmos uma ética consequencialista,
prudencial. Chamamos de ética teleológica (do grego
τέλος, completar, chegar ao fim), considerando quais
consequências nossas escolhas e decisões éticas pro-
duzirão. Talvez você possa perguntar qual a diferença
entre os fundamentos consequencialista e pragmáti-
co. Aqui, em nosso ensaio, o pragmático é como a “lei
de Gerson” – obter resultados que nos proporcio-
nem vantagens –, e aqui reside a colocação de minha
vontade e desejo como fontes de legitimação. A ética

72
O VALOR DE TER VALORES

consequencialista ou teleológica, neste artigo, significa


que os resultados serão considerados quando compa-
tíveis e à luz dos valores éticos do evangelho.
Poderemos também valorizar nossa imagem ou,
como se diz popularmente, como ficaremos “na fita”.
Aqui entram inúmeros exemplos, como o desejo que
as pessoas têm de parecer bem diante dos outros
e até demonstrar uma figuração que não importa se é
verdadeira ou não. Uma pessoa pode demostrar ter
títulos sem necessariamente os ter ou demonstrar
que é conhecedora de um determinado assunto sem ir
além de sua superficialidade. Ou mesmo mostrar que
possui poder ao impor argumentos persuasivos
que não são necessariamente corretos. Temos, hoje,
um claro exemplo da necessidade de viver por apa-
rências, graças à ascensão da relevância das redes so-
ciais. Postar fotos demonstrando satisfação e alegria,
não significa necessariamente que a pessoa se sinta
dessa forma, mas o importante é que os outros supo-
nham que está tudo bem. Selfies e mais selfies são re-
produzidas a todo tempo nas redes sociais, podendo
mostrar um cenário compatível com o narcisismo e o
impulso de ser aquilo que não somos. A cada dia é for-
talecida a face “Prozac” nos meios sociais e digitais.
Frequentemente, quando a realidade é colocada à
mostra, as pessoas ficam decepcionadas. Jesus nos
ensina a transparência e sinceridade, que devem ser
para nós, cristãos, um valor ético: “Seja o seu ‘sim’,

73
O VALOR DE TER VALORES

‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do


Maligno (Mateus 5.37).
Como consequência disso, ainda poderíamos
mostrar um fenômeno que hoje está ocorrendo, a era
da “pós-verdade». Não que a verdade esteja neces-
sariamente desaparecendo, é algo pior do que isso.
Na era da “pós-verdade”, não importa se algo é com-
patível com a realidade, mas o que se tornou aceitável
e propagado como verdade entre as pessoas. E, com
as redes sociais, isso é amplificado, seja porque mui-
ta gente se vê no direito de dizer o que quer – uma
equivocada democracia digital –, seja porque a disse-
minação e circulação das informações se tornou veloz.
Assim surgem as “fake news”, as opiniões infunda-
das etc., sem que haja preocupação com a busca pela
verdade. Quantos cristãos se tornam propagadores
inconsequentes de “fake news” sem se preocupar
em compreender o que é de fato compatível com a ver-
dade? O texto de Mateus 5.37 que citei acima é plena-
mente cabível aqui também.
Muitos outros fundamentos existem, esses são al-
guns exemplos que já podem nos mostrar que ter va-
lores é importante especialmente em um cenário em
que o relativismo é o padrão do mundo, cada um com
seus valores, com sua verdade. Mas, para nós, cristãos,
é necessário ter valores que sejam compatíveis com
a verdade de Deus, com a Palavra de Deus, com
os ideais do evangelho. Para isso, precisamos nos

74
O VALOR DE TER VALORES

aprofundar em estudo sério da ética e doutrina


bíblicas, refletir sobre as motivações humanas, seus
pressupostos e condicionamentos, colocando tudo
em uma mesa de aprendizagem e diálogo. Também
devemos desenvolver comunidades e igrejas orienta-
das pela verdade da Palavra de Deus, nas quais ele
seja o centro de tudo.
O valor de ter valores é isso mesmo - seguir a
verdade, custe o que custar, ajudar as pessoas a se
engajar na busca de um mundo em que nossa vida
pessoal seja pleno testemunho da verdade de Deus,
pois o mundo conhecerá Deus e seus valores por meio
de nossas escolhas, nossos atos e relacionamentos.
Este é o desafio de Atos 1.8: sermos testemunhas.
Isso é mais do que apresentar apenas o plano da sal-
vação para as pessoas. É, antes disso, mostrar a sal-
vação que recebemos por intermédio de Jesus Cristo
nas nossas decisões e atos e tornar a mensagem de
nossa vida em atrativo perfume de Deus. Saímos da
cidade nos rendendo aos pés de Jesus, e, para apren-
der o evangelho em nossa igreja, é necessário que
sejamos devolvidos para a cidade, para atuar como
embaixadores do Reino de Deus (2Coríntios 5.20) e
ser sal e luz (Mateus 5.13ss), revelando na prática os
valores do evangelho.
Termino com uma frase de John Stott: “Não pre-
cisamos indagar ‘O que há de errado com o mundo?’

75
O VALOR DE TER VALORES

Esse diagnóstico já foi dado. Em vez disso, devemos


perguntar: ‘O que aconteceu com o sal e com a luz’?”

Originalmente publicado em O Jornal Batista, 10/04/2022, p. 15.

76
PONTOS DE CONTATO PARA A
COMUNICAÇÃO NUM MUNDO
PÓS-MODERNO

Magno Paganelli
SOBRE O AUTOR
Jornalista com formação em publicidade,
licenciado em pedagogia, mestre em
Ciências da Religião e doutor em História
Social. Professor da Faculdade Evangélica
de São Paulo (FAESP). Membro do Conse-
lho Editorial do selo Vida Acadêmica.
A
percepção de professores e demais comunica-
dores de que os nossos ouvintes pertencem a
uma geração cuja linguagem e base epistemo-
lógica são radicalmente diferentes das nossas
assustou a muitos nos últimos anos, especial-
mente no período de isolamento social causado pela
pandemia. Além do meio, a “mídia” digital da Internet,
que, em si, provocou estranheza para a interação, a
mensagem e a linguagem em que ela é transmitida im-
pôs barreiras para serem superadas. Para tornar isso
aparente, olhemos mais detidamente os pontos a seguir.

Na pós-modernidade existe farta


abertura para a espiritualidade

O ser humano é um ser espiritual: “Mas é o


espírito dentro do homem que lhe dá entendimento;
o sopro do Todo-poderoso”. (Jó 32.8. RC: “Na verdade,
há um espírito no ser humano pessoa, e a inspiração

79
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

do Todo-poderoso os faz entendidos”). “[...] Também


pôs no coração do ser humano o anseio pela eternida-
de [...]” (Eclesiastes 3.11). Na Modernidade, a razão e
o conhecimento científico eram exaltados, admitia-se
aquilo que poderia ser provado.

“Antigamente, o que estava sendo dito não era ques-


tionado. [Galileu] questionou o saber constituído e
criou a cultura moderna [...] em que a verdade não
é questão de autoridade, mas de comprovação. Nasce
com esta atitude de Galileu o ser humano moderno,
que pode ser mostrado assim: não é o que a Igreja
diz, o que Aristóteles (cuja autoridade era indiscutí-
vel) diz, mas o que se pode provar” (FILHO, 2009).

Com isso, esfriou-se a convicção em relação aos


postulados da religião e da fé e houve descrença na
Palavra de Deus associada às “promessas não cumpri-
das” feitas por setores da cristandade.
Já na pós-modernidade, há uma renovada explo-
são de espiritualidade. O ser humano, sufocado pelo
racionalismo, enfrentou duas Grandes Guerras e a
Modernidade, e, mesmo assim, o avanço tecnológico,
bem como as promessas da Ciência, não melhoraram
a vida das pessoas. Hoje, até as grandes corporações
investem em espiritualidade, e livros sobre o tema
se tornam best-sellers, muitas vezes exaltando diferen-
tes qualidade de Jesus.

80
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

Os absolutos

Na pós-modernidade não há absolutos. O que é


verdade/absoluto para uns pode não ser para outros,
mas isso é meramente discurso desconstrutivista.
Não corresponde à verdade, pois:

a) T
 odos lutamos por um mundo melhor (se não
há absolutos, o que seria esse mundo melhor?);
b) E
 xperimente agredir alguém e receberá uma
reação igualmente agressiva (mas, se não há
absolutos, o que é agressão para um, pode
não ser para outro!);
c) F
 iodor Dostoievski (1821-1881) chegou a con-
cluir a indagação de que, se Deus está morto,
então tudo é permitido. Vamos roubar e matar
à vontade? Não, porque de fato ainda há ab-
solutos e as pessoas aceitam isso. Boa parte
da população (se não toda ela) concorda com
esses absolutos, entre os quais roubar, matar
e provocar violência não é algo desejável.

O conteúdo essencial da Bíblia é supra cultural,


embora revele traços profundos de determinadas
culturas e épocas. A sua aplicação cabe a qualquer
grupo, de modo que qualquer distinção social, étnica,

81
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

econômica ou outra não seja impeditiva, pois os prin-


cípios revelados não são a minha verdade, nem a ver-
dade da verificação científica, mas a verdade perma-
nente de Deus; não é a verdade de uma instituição
que importa, mas os princípios eternos do Criador, que
precisam ser conhecidos, cridos e adotados.
O historiador Arnold Toynbee buscou expli-
car que alguns dos nossos especialistas-sacerdotes
são chamados de psiquiatras, outros de psicólogos,
de sociólogos ou de estatísticos. Chamam pecado de
“desvio social”, que é um conceito estatístico, e chamam
o mal de “psicopatologia”, que é um conceito médico.
Isso significa dizer que os problemas do homem, con-
forme apontados pela Escritura, permanecem atuais,
mas foram sensivelmente alterados por um recurso
retórico para se parecerem outros e novos problemas.
Educadores e palestrantes que precisam comuni-
car valores a essa geração e querem obter êxito nisso
devem enfatizar dois conceitos fortemente atacados:
a moralidade e a verdade. Martinho Lutero entendeu
que a prova definitiva do pecador é que ele não conhe-
ce seu próprio pecado e a nossa tarefa será levá-lo a
ver essa realidade. Proclamar a o evangelho de Jesus
Cristo leva à convicção do pecado, o que facilita a pos-
sibilidade de uma decisão por mudanças e melhorias
individuais e sociais.

82
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

Individualismo

Em Juízes 21.25, lemos que o mal daquele período,


um dos piores da história dos hebreus, era que “cada
um fazia o que achava mais reto”. Isso decorre da fal-
ta de uma estrutura moral, sem a qual a sociedade
se desintegra em facções que guerreiam entre si e
contra indivíduos isolados. Essa é uma evidência do
relativismo moral que se pronuncia hoje e um sinal
do retorno ao barbarismo, à perversão e à anarquia
como nos tempos mais rudimentares da humanidade.
Paulo, quando escreveu aos Coríntios, enfrenta-
va esse problema. O texto “eu sou de Paulo”, “eu sou
de Apolo” revela o embrião do comportamento pós-
-moderno há 2 mil anos. Ele orientou que o ser indi-
vidual fosse absorvido naquele que verdadeiramente
é, no Deus Todo-poderoso. Nós não somos, mas ele é
tudo em todos.
Na pós-modernidade, a afirmação é que o sentido
da linguagem só pode ser determinado dentro da
“comunidade interpretativa”. Para os cristãos, a igreja é
a sua comunidade interpretativa, e a síntese de unidade
e pluralismo no Corpo de Cristo, como vemos no Novo
Testamento, quase soa como afirmação pós-moderna.
Pessoas pós-modernas são voltadas para o grupo.
Reside aí um forte apelo aos pequenos grupos, grupos
de comunhão, grupos de estudo etc. Por outro lado,

83
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

o Senhor respeita a individualidade (vide a analogia da


Igreja como um corpo formado por diversos membros
individualmente em Romanos, 1Coríntios e Efésios) e
até a usa para seus próprios fins.

Testemunho vivo

Para Leith Anderson existe a compreensão de


que as pessoas de hoje tendem a não pensar de for-
ma sistemática nem dar atenção a uma argumentação
racional. Assim, as ideias podem ser melhor abordadas
de questão em questão e pela influência de relaciona-
mentos. Pessoas que servem como modelo, mentores
e amigos moldam o pensamento das pessoas, para me-
lhor ou para pior, mais do que uma lógica objetiva.
Jesus se comunicava por meio de parábolas, não
por meio de tratados abstratos. A nossa vida, observada
pelas pessoas, se torna, assim, um eloquente modo de
comunicar conceitos e virtudes a uma sociedade con-
fusa e desorientada. As barreiras para a comunicação
de conteúdos como o que educadores e palestran-
tes cristãos precisam enfrentar podem, portanto, ser
superadas, quando compreendemos a natureza e o
espírito do nosso tempo e quando consideramos fiel-
mente que tais valores, advindos da matriz milenar
das Escrituras, estão enfrentando apenas mais um de

84
PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO

muitos embates e ataques ao longo de toda a história


da Igreja. Até aqui, ela superou a todos e certamente
não serão as dificuldades do nosso tempo que inibi-
rão a propagação dessa mensagem com seus valores
e conceitos.

85
EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE

Raul Bolota Filho


SOBRE O AUTOR
Formado em Teologia e em Design Gráfico,
com especialização em Branding. Coor-
denador do Seminário Teológico Nascido
de Novo, com quase 60 mil seguidores no
canal do YouTube/canalnascidodenovo.
C
ostumo dizer que fui uma criança muito aben-
çoada. Tive uma família que sempre teve como
objetivo proporcionar uma firme formação de
valores e princípios. Sei que esforços não fo-
ram poupados, pois tenho a nítida lembrança
de acordar para tomar água em plena madrugada e ver
aminha mãe ainda acordada, bordando para custear
meus estudos. E a querida tia Mara da Escola Diálogo,
a mulher que me alfabetizou, está em minhas lembran-
ças mais felizes.
Por ter acesso aos melhores livros, escolas e pro-
fessores particulares, sempre fui cobrado, tanto por
estes como por minha família. Não posso esquecer-me
dos bilhetes no meu caderno que os meus queridos pro-
fessores mandavam sempre que eu aprontava na escola
(e aprontava muito). Quando chegava em casa, “a cinta
cantava”! Mas, mesmo assim, sou grato por minha mãe
não ter aceitado uma nota abaixo de 9 ou até mesmo 10.
A questão é que a fidedignidade de meus profes-
sores no que tange ao conteúdo e à forma, somada à

88
EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE

maneira como exigiam minha atenção, aprendizagem e


dedicação, resultou em uma aprendizagem proficiente.
A minha inspiração para ser dedicado e exigente com
meus alunos é fruto disso.
Em contrapartida, a escola “moderna” não tem en-
sinado o que lhe cabe ensinar, nem exigido que o aluno
cumpra com as suas responsabilidades. Desta forma,
o caminho que o aluno deve seguir para ser bem-
-sucedido não tem figurado como objetivo norteador
da instituição. Esse tipo de situação não deveria nos
espantar, pois estamos falando de uma educação se-
cular, e aquilo que é secular nem sempre vai ao encon-
tro dos valores cristãos ou daquilo que é correto.
O problema é a educação moderna tem influenciado
também na formação teológica, fazendo que não se en-
sine mais a Palavra de Deus usando a Palavra de Deus,
mas que se adicione a ela todo tipo de filosofia e ideolo-
gia humanas que contaminam os princípios cristãos.
A teologia deve ser o estudo de Deus, ou o estudo
da Palavra de Deus. Esta é o instrumento do próprio
Deus para revelar-se a si e a sua vontade para nós!
Mas, como seres caídos que somos, em vez de olhar-
mos para aquilo que o Senhor realmente disse por
meio de sua Palavra, somos inclinados a olhar para
qualquer tipo de modernidade ou qualquer tipo de fi-
losofia barata. Por isso, temos visto um ensino de teo-
logia sem Deus, sem Cristo, cujo alvo é o ser humano.

89
EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE

Nessa teologia, o alvo é a satisfação humana. Alian-


do a isso alunos acostumados a uma progressão
continuada, como a que tiveram em suas escolas
seculares, obtemos uma fórmula para o desastre.
O resultado tem sido um ensino que forma pessoas
cheias de si, preocupadas com suas posições, status e
títulos. Sendo assim, esquecemos completamente da-
quele filho do carpinteiro, o Rei dos Reis, que se deixou
crucificar para pagar o nosso pecado.
A escola teológica moderna, que deveria ensinar
a Bíblia como Palavra de Deus em sua integralida-
de, perde tempo discutindo se a Bíblia realmente é a
Palavra de Deus.
Por isso, humildemente apelo para que cada um
de nós não deixe morrer as lembranças daqueles que
contribuíram e lutaram para que nós tivéssemos uma
boa educação. Que possamos lembrar do esforço dos
nossos professores que nos incentivaram para desen-
volvermos, ao máximo, nosso potencial. E que, arrai-
gados nessas lembranças, nos sintamos desafiados
a ensinar a verdadeira Palavra de Deus aos futuros
líderes chamados por Deus. Vamos dispensar qualquer
modismo, filosofia ou modernidade que não vá de en-
contro às Sagradas Escrituras. Por fim, culminamos no
entendimento de que precisamos exigir das próximas
gerações o que de nós foi exigido.

90
www.editoravida.com.br
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA
REFORMA PROTESTANTE

Ricardo Bitun
SOBRE O AUTOR
Graduado em Teologia e em Ciências
Sociais, mestre em Ciências da Religião
e doutor em Ciências Sociais. Professor
do Seminário Servo de Cristo. Mem-
bro do Conselho Editorial do selo Vida
Acadêmica.
A
o afixar suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517,
na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg,
Martinho Lutero fez que a rachadura no inte-
rior da Igreja católica romana, que perdurou
por décadas, fosse finalmente rompida.
A Reforma não aconteceu de uma hora para outra.
A Europa já vivia um momento bastante delicado, em
um contexto social extremamente conturbado. O mo-
vimento reformista cristão irrompeu com os reforma-
dores no século XVI, todavia, encontramos as marcas
da Reforma na história da própria Igreja.
No século XII, por exemplo, temos o movimento
dos valdenses, seguidores de Pedro Valdo, comer-
ciante de Lyon convertido ao cristianismo por volta de
1174. Pedro Valdo decidiu encomendar uma tradução
da Bíblia para a linguagem popular e começou a pre-
gá-la ao povo sem ser sacerdote. Valdo renunciou seu
trabalho e repartiu seus bens aos pobres. Os valden-
ses apregoavam o direito de cada fiel de ter a Bíblia em
sua própria língua. Reuniam-se em casas de famílias

94
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE

ou mesmo em grutas, clandestinamente, devido à per-


seguição da Igreja católica romana.
Na Inglaterra, no século XIV, John Wycliffe apontou
diversas questões sobre controvérsias que envolviam
a Igreja católica romana. Ele queria o retorno da Igreja
à primitiva pobreza dos tempos dos evangelistas, algo
que, na sua visão, era incompatível com o poder po-
lítico do papa e dos cardeais, e que o poder da Igreja
fosse limitado às questões espirituais, sendo o poder
político exercido pelo Estado, representado pelo rei.
Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe
organiza grupos de padres conhecidos como “lolardos”,
que pregavam a obediência a Deus, a confiança na
Bíblia como guia para uma vida cristã e a simplicidade
de culto. Rejeitavam a riqueza da missa, a maioria dos
sacramentos e a supremacia papal. Vestígios claros da
Reforma em andamento.
Mais tarde, surgiria outra figura importante desse
período: Jan Huss. Pensador tcheco que deu início a um
movimento religioso baseado nas ideias de John Wycliffe.
Seus seguidores ficaram conhecidos como hussitas.
No Concílio de Constança, em 1415, as ideias de
Jan Huss foram condenadas, porém, Huss manteve
uma posição muito crítica perante o poder eclesiástico.
Em 1420, foram escritos os chamados Artigos de Praga,
nos quais os hussitas exigiam do poder real o reconhe-
cimento da:

95
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE

• Comunhão sob as duas espécies (os comun-


gantes deveriam comer a hóstia e beber vinho);
• Liberdade de pregação;
• Pobreza da Igreja;
• Punição dos pecados mortais sem distinção
da posição de nascimento do pecador.

Percebe-se, assim, um certo alinhamento nas po-


sições de Huss, Valdo e Wycliffe que muito influencia-
ram Martinho Lutero.
Tendo em vista o espaço disponível para este en-
saio, vamos destacar João Calvino (nascido em Noyon,
em 10 de julho de 1509 — morreu em Genebra, no dia
27 de maio de 1564), teólogo cristão francês que mui-
to influenciou a Reforma Protestante. Calvino nunca foi
ordenado sacerdote católico. Ao afastar-se da doutrina
e da comunhão católica romana, ele passou a ser visto,
gradualmente, como a voz do movimento protestante.
Porque ensinou em igrejas, acabou por ser reconhecido
por muitos como “padre”. Vítima das perseguições aos
huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, e
ficou lá até a sua morte, em 1564. Genebra tornou-se
definitivamente um centro do protestantismo europeu,
e João Calvino permanece até hoje uma figura central da
história da cidade e da Suíça.

96
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE

Sendo assim, existe um certo consenso entre os his-


toriadores sobre o modo como a Reforma foi decisiva na
construção da mentalidade ocidental e do pensamen-
to do homem moderno. A Reforma foi muito mais am-
pla do que simplesmente um “racha” no seio da Igreja.
Ela é muito mais complexa do que simplesmente uma
divergência entre opiniões e doutrinas.
O que se nota é a existência de um espírito contesta-
dor entre esses homens, um aroma forte de desconfor-
midade com o seu século, um “cheiro” de inquietação que
lhes sobe às narinas e os faz não se amoldar ao presen-
te século. Essa desconformidade culmina na Reforma.
Na mudança de toda a estrutura de poder, da sociedade
e da maneira de encarar e reagir a vida. A história da
Reforma já é bem conhecida, mas o destaque aqui é para
focalizar o espírito da Reforma para os dias de hoje.
Os reformadores, imbuídos pela fé cristã, se recusam
a trilhar qualquer doutrina, qualquer teologia contrária
àquela ensinada pelas próprias Escrituras. São inconfor-
mados com a sua geração, com a organização da suposta
“ordem” que diziam ser divina, mas que interessava
apenas a um grupo, inconformados com o jeito que as
coisas aconteciam. Eles olham ao seu redor, são sensí-
veis em perceber sua gente, seu tempo e sua geração,
além de contestar e propor mudanças.
Ao olharmos para os cristãos reformados e a ma-
neira como se portaram e agiram diante dos desafios

97
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE

de sua geração, surgem algumas inquietações a respei-


to da nossa geração e da sociedade em que vivemos.
Que reforma eles proporiam em nossos dias? Quais
mudanças realizariam no Brasil? O que lhes inquietaria
a alma em nossos dias?
Num primeiro momento, cremos ser necessário
começar com a proposta em questão: “Comemora-
ríamos 505 anos de Reforma da Igreja Cristã, ou 505 anos
do início da Reforma Cristã?”. Celebraremos 505 anos de
uma Igreja que está em constante reforma, dinâmica e
como organismo vivo, transformando-se dia após dia à
imagem e semelhança do Filho ou apenas celebraremos
pouco mais de cinco centenas de anos de um evento his-
tórico ocorrido no século XVI?
Trazendo a reflexão sobre o mundo, a igreja
da qual fazemos parte e o nosso papel como Igreja de
Cristo, devemos questionar se a Igreja tem se confor-
mado com a situação de nossos dias. Ela tem estado
inquieta com relação aos problemas que afligem nos-
so próximo?
Temos sido como os reformadores daquela época,
cristãos inconformados com as notícias que circulam
diariamente pela mídia?
Quanto a nós, professores cristãos, qual seria a
reforma que proporíamos? O Espírito “inquieto” ain-
da se move em nossas classes quando falamos acerca
dos princípios e valores do evangelho? Ainda somos

98
O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE

provocados por esse Espírito ao olhar o mundo ao


nosso redor?
Que Deus nos ajude a perpetuar essa inquietação
do Espírito Santo, que atuou nos reformadores pro-
testantes, a fim de que seu Reino e sua justiça sejam
estabelecidos para a glória daquele que é digno e me-
recedor de todo o louvor.

99
O PAPEL DE ENSINAR NO
TRANSCORRER DO TEMPO:
REFLEXÕES SOBRE O
15 DE OUTUBRO

Wander de Lara Proença


SOBRE O AUTOR
Graduado em História e Teologia, mestre
em História Social, doutor em História,
pós-doutor em História. Professor da Fa-
culdade Teológica Sul Americana (FTSA).
A
data de 15 de outubro possibilita reflexões sobre
o papel daqueles que cumpriram a função de
ensinar no decorrer do tempo. O presente ar-
tigo traz apontamentos sobre algumas práticas
educativas em diversos contextos e lugares.

O ato de ensinar em diferentes


temporalidades

Os primeiros registros sobre formas de ensinar


são encontrados entre os sumérios, na antiga Mesopo-
tâmia, por volta de 4000 a.C. Naquela região do Antigo
Oriente se desenvolveu a escrita cuneiforme, conside-
rada um dos primeiros tipos de grafia. O saber escre-
ver era ali ensinado em casa, pela transmissão feita do
pai para o filho, com exclusividade para meninos.
Entre os hebreus, o ato de ensinar percorreu eta-
pas demarcadas pelas funções familiares e religiosas.

102
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

Era um método executado no cotidiano, tendo como


conteúdo prioritário os saberes da Torá (a Lei): “Ensine-
-as [as palavras] com persistência a seus filhos. Conver-
se sobre elas quando estiver sentado em casa, quando
estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quan-
do se levantar” (Deuteronômio 6.7). Também nas datas
festivas, como a Páscoa, era papel do pai reunir a famí-
lia e, ao redor da mesa posta para a refeição, ensinar
aos filhos os significados daquela tradição. Outro marco
simbólico se deu durante o exílio babilônico, no século
VI a.C., quando nasceu a sinagoga (palavra que etimolo-
gicamente significa “casa do livro” ou “casa do ensino”).
Além de atividades religiosas ali praticadas, como leitu-
ra da Lei, orações e atividades assistenciais, as centenas
de sinagogas que se espalharam com a diáspora judaica,
no mundo pós-exílico, tiveram um papel preponderan-
te na área do ensino: nelas atuavam pedagogos para a
alfabetização e a formação educacional de crianças até
a idade de 12 anos, prevalecendo aí também a exclusivi-
dade aos meninos.
Entre os gregos, a partir do século IV a.C., surgiu
o termo “escola”, do grego scholé, que significa, “lugar
do ócio”, isso porque as pessoas iam à escola em seu
tempo livre para desenvolver a reflexão. Vários centros
de ensino foram ali criados por iniciativa de diferentes
filósofos. Cada um valorizava uma área do conheci-
mento. Platão, por exemplo, criou uma escola que utili-
zava como método a prática de questionamentos, para

103
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

estudos de disciplinas como filosofia e matemática.


Inclusive, o uso do termo “academia” surge nesse con-
texto, devido ao lugar onde funcionavam as aulas mi-
nistradas por esse filósofo, nos jardins de Academos,
em Atenas. Com a morte dos mestres, as escolas ge-
ralmente eram levadas adiante pelos discípulos do filó-
sofo fundador. Também na Grécia, entre famílias mais
ricas, era comum se pagar um pedagogo, um mestre
com mais conhecimento, para que guiasse as crianças
nos estudos, prevalecendo aí também, com poucas
exceções, o gênero masculino. Com o tempo, a for-
ma individualizada deu lugar a um modo mais coleti-
vo, configurando-se no que se pode comparar com os
modelos de escola que conhecemos hoje: locais onde
mestres ensinavam gramática, física, música, poesia e
eloquência. Não havia divisão em séries ou salas, mas
se constituía ali um protótipo das salas de aula no sen-
tido atual (FUJITA, 2008).
Entre africanos, hoje Marrocos, no século IX d.C.,
surgiu uma instituição que é considerada a primeira
universidade do mundo, no sentido moderno do ter-
mo, dividida em departamentos com especialidade de
conhecimentos em diferentes áreas: a Universidade
de Karueein, em Fez, que existe até hoje (FUJITA,
2008). Inaugurava-se, desse modo, um modelo de
ensino que iria se desenvolver também na Europa, na
Idade Média, já a partir do século XII. Estas univer-
sidades, inicialmente sob controle da Igreja Católica,

104
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

mais tarde seriam lugares promotores de novos sabe-


res, como o pensamento humanista ou renascentista,
gestores do mundo moderno. Também na Europa, no
século XII, seriam formadas as primeiras escolas nos
moldes das atuais, com crianças nas carteiras e pro-
fessores em salas de aula. Eram obras de instituições
de caridade católicas que ensinavam a ler, escrever,
contar e, junto, transmitiam as lições do catecismo.3
No Brasil, foi fundada a primeira escola, em 1549,
pela iniciativa da missão jesuítica. Ato seguido em
1554, quando foi construído o colégio jesuíta em São
Paulo, ano também de fundação daquela cidade, pela
liderança de padres jesuítas, dentre eles, destacam-se
Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Nesses colégios
ensinava-se a ler, escrever, matemática e catequese da
doutrina católica. De igual modo, foram os jesuítas
que criaram na América portuguesa e hispânica
as chamadas “missões” — lugares nos quais popula-
ções indígenas eram aldeadas, para um trabalho que
conjugava catequese religiosa e educação por meio de
escolas criadas no interior daquelas unidades. Quando,
em meados do século XVIII, os jesuítas foram retira-
dos forçosamente das colônias, por tensões políticas,
o Novo Mundo ficou órfão de projetos educacionais.
A exceção se deu com os filhos de famílias mais abas-
tadas ou vinculadas às elites de mando, que puderam

Escolas com ensino multidisciplinar, que contemplam as disciplinas básicas que


3 

temos hoje, como matemática, ciências, história e geografia, dentre outras, orga-
nizadas em séries, só surgiram entre os séculos XIX e XX.

105
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

nesse tempo se deslocar para a Europa para fins de


estudos. Expressivos estratos da população perma-
neceriam, desse modo, privados do ensino formal,
dado evidenciado pelo primeiro grande censo demo-
gráfico realizado no Brasil, em 1872, que indicou mais
de 86% da população, de 11 milhões de habitantes,
constituída de analfabetos.
É preciso também lembrar que, na América pré-
-colombiana, quando formada apenas por povos
ameríndios, o papel dos que ensinavam estava social-
mente estabelecido e reconhecido como distinção,
quando europeus, estabeleceram os primeiros con-
tatos com o Novo Mundo no século XVI. A condição
ágrafa dessas populações originárias não impediu
que desenvolvessem outras formas de transmissão
do conhecimento. Os Astecas, hoje México, em sua
capital, Tenochtitlán — cidade com mais de 500 mil
habitantes quando, em 1519, lá chegaram os coloni-
zadores espanhóis — já haviam desenvolvido cen-
tros de conhecimento nos quais mestres ensinavam
de forma oralizada as gerações mais novas conhe-
cimentos de arquitetura, matemática, astronomia,
tratamentos médicos, dentre outros. No mesmo pe-
ríodo, entre os Maias, hoje Guatemala, havia também
desenvolvimento na área da astronomia, cultivo da
terra e saberes medicinais, assim como em relação
aos Incas, hoje Peru, que criaram um instrumento em
códices, em forma de tiras, para registros contábeis

106
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

e matemáticos, o kipu, por meio do qual sábios es-


pecializados transmitiam conhecimentos capazes de
impressionar aos europeus quando estabeleceram os
primeiros contatos no intuito de colonização.
Também é imprescindível ressaltar o papel de
educadores afrodescendentes na história de forma-
ção do Brasil. O processo de escravização ocorri-
do no mundo colonial, entre os séculos XVI e XIX,
trouxe para a América levas de africanos para abas-
tecimento de mão de obra, que trouxeram consigo
saberes especializados sobre agricultura, mineração,
arquitetura, saúde e educação. Gilberto Freyre, em
sua obra clássica Casa-grande e senzala, destaca o
papel que os negros tiveram também como educa-
dores naquele período:

Os pretos e pardos no Brasil não foram apenas com-


panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas-
-grandes e até dos colégios; houve também meninos
brancos que aprenderam a ler com professores
negros [...] E felizes dos meninos que aprenderam
a ler e a escrever com professores negros, doces e
bons. (FREYRE, 2006, p. 415, 417).

Também houve trabalho educacional no interior


do maior território de resistência à escravidão, forma-
do por negros fugitivos entre os séculos XVI e XVII — o
Quilombo dos Palmares. Ali, sob liderança de Aqualtune

107
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

(uma princesa africana escravizada no Brasil, que


também era educadora) e de Zumbi (que foi retirado
do quilombo na infância e educado em alto nível por
um padre e professor até a juventude), foram criadas
escolas, nas quais educadores formados na cultura
de matriz africana ensinaram e construíram visões de
liberdade que repercutiriam ao longo do tempo pelo
fim do sistema escravocrata.

O ensino para formação de


liderança religiosa

A palavra vocação está quase que automatica-


mente associada no imaginário à ideia de “seminário”.
Esse termo tem origem no latim seminariu, significan-
do originalmente “viveiro de plantas onde se fazem as
sementeiras”. Seu emprego passou a designar institui-
ção de ensino teológico no século XVI, entre 1545 e
1563, por ocasião do Concílio de Trento, para identifi-
car os cursos de formação eclesiástica sob controle da
Igreja Católica Romana. A ideia original era de que, se-
melhantemente às plantas dos viveiros e herbários, os
candidatos às funções clericais também ficassem se-
parados sob cuidados especiais e protegidos durante
o seu processo de formação. Especificamente, naquele
momento, deveriam tais estudantes ficar protegidos

108
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

das “tentações do mundo” e da influência das “ideias


perigosas”, no caso específico, os ensinos propagados
pelo protestantismo.
Ainda que a aplicação etimológica desse termo
corresponda à era moderna, a ideia de preparar, de
maneira específica, líderes para atividades religio-
sas se reporta aos tempos da antiguidade. No Antigo
Testamento, a expressão “casa de profetas” está as-
sociada à formação e ao treinamento de novos líderes
para o exercício dessas atividades. Na tradição judai-
ca, a preparação de um novo profeta passou a ocor-
rer com determinados encaminhamentos e critérios.
Um desses era de que o futuro líder espiritual se tor-
nasse discípulo (um tipo de aluno) de um outro pro-
feta com reconhecida autoridade para ensiná-lo. É o
caso descrito em 1Reis 19.19, quando Eliseu passou a
conviver com Elias e a seguir os seus ensinamentos,
recebendo assim específico treinamento para exer-
cer tal ofício (2Reis 2.9-14). Também o texto de 2Reis
4.38 descreve o caráter sucessório dessa função:
Eliseu passou a ter também alunos aprendizes de tal
atividade. Existiam, pois, casas de profetas destinadas
exclusivamente para essa formação, em um sistema de
internato (2Reis 4.38). Essas casas poderiam ser a pró-
pria residência dos profetas. Caso semelhante ocor-
ria em relação aos sacerdotes, como aconteceu com
Samuel, que ainda menino foi levado por seus pais
para residir na casa do sacerdote Eli, com a finalidade

109
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

de ser educado e preparado para uma missão especial


(1Samuel 1.19-28).
No contexto do Novo Testamento, também o após-
tolo Paulo, ao fixar residência na cidade de Éfeso, fez da-
quela cidade uma base de treinamento de novos líderes.
Para isso, criou um centro de treinamento, inicialmente
alugando o espaço, depois comprando, de uma antiga
escola de Filosofia, a “escola de Tirano” (Atos 19.9,10).
Ali estudaram e se formaram, por exemplo, líderes in-
fluentes como Timóteo, Tito e Epafras. Após a partida
do apóstolo daquela cidade, a direção da escola ficou
sob cuidados de outros líderes, que mantiveram ali três
principais funções: estudo e formação de liderança;
sede de supervisão administrativa das comunidades
nascentes; escrita e cópias de textos paulinos. “Quem
teria reunido um corpus de epístolas paulinas se não
fosse essa escola?” (COMBLIN, 1993, p.171).
Ainda no âmbito do cristianismo antigo, outro as-
pecto educacional importante está relacionado à cidade
de Alexandria do Egito, que era um grande centro de
cultura e de saber, em diferentes áreas, havendo ali
uma das maiores bibliotecas do mundo antigo. Não de-
morou para que, sob influência de escolas de filosofia,
surgissem escolas de pensamento teológico nas quais
atuaram influentes mestres da igreja, responsáveis por
ajudar o cristianismo a construir ou reafirmar a sua
identidade frente aos intensos questionamentos doutri-
nários que passaram a interpolar a fé cristã na chamada

110
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

era patrística. Foram ali treinados teologicamente inú-


meros líderes e missionários responsáveis por propa-
gar a fé cristã nos mais diferentes lugares. Também se
destacou naquele período uma escola de Teologia em
Antioquia, da Síria. Dentre os alunos que essa escola
formou, destaca-se Jerônimo, que, no século IV, reali-
zou a primeira tradução dos textos bíblicos para o latim,
trabalho imortalizado com o nome de Vulgata. A escola
teológica de Antioquia continuava a preservar a visão
missionária, desde os tempos de Paulo e Barnabé.
Conforme mencionado, também em Genebra, com a
criação da Academia, houve especial atenção na forma-
ção dos que eram chamados ao trabalho pastoral ou mis-
sionário. Houve preocupação com o preparo teológico,
cultural e acadêmico dos líderes da Reforma. Também
havia o objetivo de formar líderes para o governo civil
da cidade. Além de Calvino, cinco professores formavam
o quadro: dois de teologia, um de hebraico, outro de
grego e outro de filosofia. Em pouco tempo, a escola
lançou profundas raízes, totalizando 900 alunos.
Genebra tornou-se um estratégico centro de prepara-
ção teológica responsável pela formação de pastores e
missionários que propagaram a mensagem da Reforma
em diferentes países, como França, Alemanha, Itália,
Holanda, Inglaterra, Boêmia e Escócia. Como destaca
Antonio Carlos Barro:

111
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

Esta [Academia] foi uma das grandes realizações de


Calvino e por ela ele demonstrava um grande entu-
siasmo. [...] o estabelecimento da academia foi em
parte realizado por causa do desejo de suprir e trei-
nar missionários evangélicos. [...] Desde o princípio a
academia esteve cheia de estudantes. A maioria veio
de outros países, e de todos os lugares onde havia
comunidade de língua francesa chegavam pedidos de
pastores professores. O desejo de Calvino era preen-
cher essas necessidades e espalhar os princípios da
Reforma (BARRO, 1998, p.44).

Barro observa ainda o cuidado que havia para com


a visão ministerial e a excelência acadêmica na forma-
ção dos futuros líderes:

Com o fim de cumprir o seu propósito, Calvino im-


pôs uma rigorosa disciplina acadêmica. Os estudan-
tes recebiam uma educação humanista bem ampla,
com ênfase em línguas e efetiva comunicação escrita
e verbal. A ideia de Calvino era de que, quando pro-
priamente treinados, os estudantes poderiam voltar
a seus próprios países e espalhar o evangelho como
missionários. Nesse sentido, ele procurou tornar
Genebra um centro missionário para espalhar a
Reforma e os seus ensinos por toda a Europa e outras
partes do mundo (BARRO, 1998, p.44,45).

112
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

O modelo protestante da Academia, criado em Ge-


nebra, logo se associou ao conceito de “seminário” apli-
cado à formação teológica. Daí nasceriam dois modelos
principais de instituições de ensino teológico, poste-
riormente consolidados nos Estados Unidos e daí tra-
zidos ao Brasil: o seminário e a faculdade de Teologia.
Nesse sentido, no contexto brasileiro, destaca-
-se a criação do primeiro seminário teológico para
preparação vocacional com o trabalho missionário
de Ashbel Green Simonton. Até então, todos os pas-
tores que haviam atuado no país, na primeira metade
do século XIX, acompanhando o processo de inserção
do chamado protestantismo de imigração, eram es-
trangeiros, com formação teológica nos seus respec-
tivos países de origem. Desde sua chegada na cidade
do Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1859, Simonton
já demonstrava o apreço pela educação: inicialmente,
alugou uma sala para dar aula de inglês com o intuito
também de conseguir pessoas para ministrar cursos
bíblicos. Logo depois, lançou a visão de ensino teoló-
gico, inaugurando no Rio de Janeiro, em 14 de maio de
1867, o primeiro seminário teológico do país. Foram
constituídos três professores; a primeira turma tam-
bém formada por três alunos. Além de matérias mais
específicas do campo teológico, como grego e homi-
lética, os estudantes tinham aulas de álgebra, aritmé-
tica, inglês, latim e gramática da língua portuguesa.

113
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

O projeto pedagógico definiu o curso completo com


duração de seis anos (FERREIRA, 1959, p.85)4.

Considerações finais

É importante finalizar destacando o papel do en-


sino e da educação na vida de Jesus. O menino que
frequentou a escola anexada à sinagoga da pequena
Nazaré — um vilarejo com cerca de 300 moradores
—, onde foi alfabetizado e desenvolveu conhecimen-
tos que, aos 12 anos, impressionaram os mestres do
Templo: “Depois de três dias o encontraram no templo,
sentado entre os mestres, ouvindo-os e fazendo-lhes
perguntas. Todos os que o ouviam ficavam maravilha-
dos com o seu entendimento e com as suas respostas”
(Lucas 2.46,47). O jovem que, para uma formação mais
avançada e em busca de reconhecimento legal, teria
provavelmente frequentado uma escola de profetas,
nas regiões do Mar Morto. Os achados arqueológicos
de 1947, referentes à comunidade de Qumran, denotam
que nela havia sido criada uma escola para a formação
de novos profetas. Pais costumavam levar seus filhos

4
Já em seguida, os seus dirigentes, Simonton e Blackford, providenciaram para
que viessem ao Brasil livros que comporiam a primeira biblioteca para estudos
e pesquisas. Foi assim que, em 1868, sob encomenda de Simonton, não vieram
apenas obras teológicas, mas também de Física e Astronomia. Segundo o histo-
riador Júlio Andrade Ferreira (FERREIRA, 1989, p.85)

114
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

ainda crianças ou adolescentes para serem educados


pelos mestres naquele lugar. Os que demonstravam
vocação, após longo período de estudos e prepara-
ção, poderiam iniciar o exercício de tal função aos 30
anos. Parece ter sido esse o caso de João Batista, cria-
do desde a orfandade naquela comunidade, na qual,
enquanto aluno daquela escola, adquiriu credencial e
legitimidade para o exercício da profecia, obtendo até
mesmo o reconhecimento dos mais exigentes líderes
do templo de Jerusalém (Mateus 21.23,27). O minis-
tério de Jesus, iniciado aos 30 anos, parece evidenciar
um reconhecimento público também por essa via de
formação educacional.
Em seu ministério público, Jesus constituiu uma
escola para preparo teológico e ministerial dos seus
discípulos, constituídos em um tipo de classe com
doze estudantes, sendo treinados por três anos. Quan-
do estendeu seus ensinos a um público maior, usava,
como educador e mestre, a estratégia pedagógica que
partia do contexto e da realidade vivencial, articulan-
do profundidade com simplicidade e aprendizagem
com demonstração prática. Em um contexto de cam-
poneses, usava como recursos didáticos os exemplos
do semeador, do trigo e do joio, dos lírios do campo,
dos pássaros, do mar e a pesca... “Todos ficavam ma-
ravilhados com seu ensino, porque falava com auto-
ridade” (Lucas 4.32). Um ensino comprometido com
a vida, com o contexto e a libertação. Princípios que

115
O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO

continuaram ressoando pelo tempo, sendo apropria-


dos e ressignificados como diretrizes por um educador
contemporâneo:

“Quando a educação não é libertadora, o sonho


do oprimido é ser o opressor”

Paulo Freire.

116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alves, Rubem. Protestantismo e repressão. São Paulo:


Edições Loyola, 1979.
Amit, Y. “Narrative Art of Israel’s Historians” em
Dicionary of Old Testament: Historical Books.
Downers Grove: InterVarsity, 2005.
Anéas, André. Caminhos para uma teologia encarnada:
diálogo sobre espiritualidade, práxis e poesia. In:
III Congresso Internacional de Doutrina Social
da Igreja, 2018, São Paulo. Os Direitos Humanos à
luz da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Coleção.
Interseção, 2018. v. 1. p. 61-67.
Barro, Antonio Carlos. Fides Reformata, São Paulo, v. 3,
n.1, jan./jun., 1998.
Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2003.
Bonhoeffer, Dietrich. Reflexões sobre a Bíblia a respos-
ta às nossas perguntas. São Paulo: Edições Loyola,
2008.
Caldas, Carlos. Milton Nascimento: poesia e profecia.
2012. Disponível em: <https://bit.ly/2pl7KQn>.
Acesso em: 19 de set. 2018.

117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Comblin, José. O Espírito Santo e a tradição de Jesus.


São Paulo: Handuti Editora, 2012.
; Paulo Apóstolo de Jesus Cristo. Pe-
trópolis: Vozes, 1993.
Ferreira, Júlio A. História da Igreja Presbiteriana do
Brasil. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1989.
Filho, Isaltino. Jovens santificados fazendo a
obra num mundo pós-moderno. Isaltino Gomes
Coelho Filho, 2009. Disponível em: <https://www.
isaltino.com.br/2009/12/jovens-santificados-fa
zendo-a-obra-num-mundo-pos-moderno/>. Aces-
so em: 06 de out. 2022.
Francisco. Evangelii Gaudium: a alegria do Evangelho;
sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual.
Disponível em: <https://bit.ly/2QKdEGZ> Acesso
em: 19 set. 2018.
Freyre, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da
família brasileira sob o regime da economia patriar-
cal. São Paulo: Global, 2006.
Fujita, Luiz. Qual foi a primeira escola? Disponível em:
<https://super.abril.com.br/mundo-estranho/
qual-foi-a-primeira-escola/>. Acesso em: set.
2022.
Kaiser, Walter. Introdução à hermenêutica bíblica. Cultura
Cristã: São Paulo, 2002.
Lewis, C.S. A abolição do homem. Trad. Gabriele
Greggersen. São Paulo: Thomas Nelson, 2017.
Lima, Sebastião I. O protagonismo feminino nos primór-
dios do protestantismo brasileiro. Multidiscipli-
nary Scientific Journal. Núcleo do Conhecimento.
Disponível em: <https://www.nucleodoconheci
mento.com.br/cienciassociais/protagonismo-fe
minino>. Acesso em: set. 2022.

118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livro de oração comum. Porto Alegre: Igreja Episcopal


Anglicana do Brasil, 2015.
Lutero, Martinho. Aos Conselhos de todas as cidades da
Alemanha para que criem e mantenham escolas cris-
tãs. In: . Obras selecionadas. V.5. São
Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995.
Matos, Alderi de S. “Para memória sua”: a participação
da mulher nos primórdios do presbiterianismo no
Brasil”. Fides Reformata, São Paulo, 1998.
Proença, Wander de Lara. De “casa de profetas” a semi-
nários teológicos: a preparação vocaciona em pers-
pectiva histórica. In: Barro, Antonio Carlos; Kohl,
Manfred W. (Orgs.). Educação teológica transfor-
madora. Londrina: Descoberta, 2004. p.7-42.
; Leituras da Reforma e (re)formas da
leitura. Práxis Evangélica, FTSA, n. 29, 2018. p.11-
25.
Ryken, Leland. How to read the bible as literature. Grand
Rapids: Zondervan, 1984.
Santos, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista
dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2014.
Vanhoozer, Kevin. Discipulado para a glória de Deus.
Thomas Nelson, São Paulo, 2022
Villas Boas, Alex. Teologia em diálogo com a literatura.
São Paulo: Paulus, 2016.
Wright, Christopher. Como pregar e ensinar com base no
Antigo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2018.
Wright, N.T. As Escrituras e a autoridade de Deus. Tho-
mas Nelson: São Paulo, 2021

119
Catálogo
Vida Acadêmica

ACESSE NOSSO
CATÁLOGO

“Conheçamos e
prossigamos em
conhecer ao SENHOR.”
Oseias 6.3a

A Editora Vida, como resultado de sua dinâmica e


constante sintonia com as necessidades do meio
editorial, tem o privilégio de apresentar este catálogo
ao público acadêmico, que se dedica ao aprofundamento
do estudo da Palavra de Deus.

selovidaacademica

Você também pode gostar