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Introdução

Nesta disciplina, pretendemos atingir os seguintes objetivos:

a) Entender aprodução e a interpretação de textos como formas de agir


socialmente;
b) compreender os processos envolvidos na produção de um texto com
qualidade;
c) desenvolver os processos de compreensão/interpretação de um texto;
d) utilizar esses conhecimentos para a produção de textos com qualidade, em
especial daqueles mais comuns no universo corporativo.

Vamos iniciar nossos estudos com alguns conceitos e princípios que estão na base
da produção de qualquer texto com qualidade, sejam eles literários, acadêmicos,
científicos, empresariais, publicitários, jornalísticos ou outros.

Para isso, vamos entender o que estamos denominando por texto e quais são suas
qualidades fundamentais, com ênfase no texto escrito. Veremos também alguns
dos fatores que fazem de uma produção linguística umtexto em contraposição a um
mero conjunto de palavras. Vamos refletir sobre as linguagens utilizadas
nessasproduções e as exigências sociais na escolha da variedade linguística
adequada a cada situação.

Veremos as características dos diferentes tipos de texto: descritivo, narrativo,


injuntivo, dissertativo-argumentativo e expositivo, que entram na composição dos
vários textos construídos com finalidades diversas na sociedade, aqui denominados
gêneros textuais, como as cartas pessoais, cartas comerciais, cartas do leitor, os
textos publicitários, relatórios, bilhetes, e-mails, manuais de instrução, receitas,
declarações, telefonemas, aulas, palestras, filmes, documentários, placas de
sinalização, receitasculinárias, receitas médicas, bulas de remédio etc. São tantos
que podemosaté pensar em uma infinidade de textos.

Mesmo que esses conceitos tenham sido estudados em algum momento de nossa
formação acadêmica, é importante retomá-los, pois produzir textos com qualidade
e, em sua leitura, ir além de uma mera decifração, interpretando-os, é resultado
também de uma prática social. Portanto, é necessário praticar. É necessário
praticar a produção e a interpretação dos mais variados gêneros textuais.

No que se refere especificamente à correção gramatical,exigida principalmente


nasproduções orais ou escritas que circulam no universo corporativo, nos
preocuparemos com ela sempre que possa interferir na compreensão/interpretação
de um texto. É o que acontece, por exemplo, com certos usos de vírgulas ou certos
desvios ortográficos. Estamos, com isso, querendo dizer que este não será um
lugar para estudarmos regras gramaticais, como a maioria deve ter visto na escola,
e acreditamos que vocês, alunos, saberão fazer uso dos dicionários, gramáticas e
manuais sempre que sentirem necessidade.

Para auxiliá-los nessa tarefa, ao final de cada módulo serão sugeridas bibliografias
complementares à matéria dada.

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Para finalizar esta breve introdução, salientamos que entendemos esta disciplina
como um momento de reflexão sobre nossas interações linguísticas para, a partir
dela, ampliarmos nossa capacidade de compreender e estar no mundo.

Vamos, então, dar início a esta jornada.

I. TEXTO.Seus constituintes e considerações a


respeito de produção e interpretação.
Afinal, o que estamos chamando de texto?

Vejamos:

1.

Circuito Fechado (trecho)

Ricardo Ramos

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água,
espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete,
água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa,
abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis,
documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de
fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres,
guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona,
cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de
notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas,
quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo.
Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos,
bilhetes, telefone, papéis.

Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos,


cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz,
lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi.
Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara.
Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e
poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone
interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel,
pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone,
papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de
cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros.
Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e
fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo.
Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água.
Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.

(Ricardo Ramos. Circuito fechado. São Paulo: Martins, 1972.)

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Se olharmos superficialmente para o que está em 1. acima, poderemos dizer que se
trata tão somente de um conjunto de palavras. No entanto, a leitura dessas
palavras mostra que elas não foram escolhidas pelo autor ao acaso; também não
foram colocadas nessa ordem sem que houvesse uma intenção. Logo no início,
começamos a perceber um sentido: o autor escolheu palavras e as colocou em uma
sequência que nos permite pensar no cotidiano de uma pessoa, do momento em
que ele acorda pela manhã, passando por um dia de trabalho, até a hora de dormir
novamente. Pelas palavras escolhidas, percebemos que o autor fala de um homem
adulto,fumante, trabalhadore assim por diante.1

Estamos, então, diante de um texto, ou seja, de uma produção linguística


portadora de sentido.

2. Em um pedaço de papel jogado no chão, lemos:

Silêncio

Reconhecemos essa palavra. Sabemos o que ela significa. Mas, nesse contexto, não
nos diz nada. Por que ela está ali? É um pedaço de papel jogado.

Não é um texto. Sabemos o significado da palavra. Mas não há um sentido.

3. No corredor de um hospital, encontramos a seguinte placa:

Fonte: Google Imagem.

A mesma palavra, neste contexto, corredor de um hospital, adquire um sentido


dado tanto pelos administradores do hospital como por você que está lendo a placa
e que a interpreta,atribui a ela um sentido, fazendo uso de seus conhecimentos:
em hospitais é preciso fazer silêncio.

1
Muito mais poderia ser dito sobre esse texto, o que se configura como um excelente exercício, no
entanto, essa análise é suficiente para nossas intenções do momento.

4
Vimos, dessa forma, que o sentido do texto não está apenas nas palavras ou
frases que o formam.Para interpretarmos um texto, lançamos mão de
outros elementos, como o contexto histórico-cultural-social-político e as
pessoas nele envolvidas, com seus conhecimentos de mundo, linguísticos e
conhecimentos de como os textos funcionam em uma sociedade, de como
as pessoas interagem através deles.

É fundamental, então, que o autor contextualize sua escrita, dando pistas para o
leitor entender sua mensagem. Ao mesmo tempo, cabe ao leitor perceber essas
pistas e fazer uso de seus conhecimentos. Quanto mais e mais variados forem
os conhecimentos do leitor, mais facilmente terá condições de perceber os
sentidos de textos variados.

O autor e o leitor interagem mediados pelo texto. O autor produz seu texto a
partir de seus conhecimentos e o faz para um interlocutor. Para tanto, ao produzir
o texto ele precisa levar em conta para quem escreve; quais são os conhecimentos
partilhados; qual é a linguagem apropriada para seu interlocutor e para a situação
em que essa interação se dará.

Vamos imaginar, por exemplo, uma lista de supermercado. Dependendo de quem


vai fazer a compra, podemos escrever apenas coisas do tipo óleo, leite, shampoo,
pasta de dente, sabonete. Para outro comprador, no entanto, talvez tenhamos que
acrescentar as marcas, as quantidades ou até mesmo a cor da embalagem.

Voltando ao texto 3., ele nos permite dizer que a extensão de um texto é
variável: uma única palavra pode constituir um texto. Além disso, se nele
tivéssemos apenas a imagem, ainda assim seríamos capazes de lhe atribuir um
sentido. Isso significa que o texto pode ser constituído de linguagem verbal
(oral ou escrita),pode ser constituído apenas de linguagem visual
(imagem) ou das duas juntas.

Se pensarmos em um filme, os sons, musicais ou não, também entram na


formação dos sentidos.Imaginemos as cenas:

Cena A: é uma noite escura, sons de um salto de sapato feminino, o uivar


de um cão....;

Cena B: céu azul, passarinhos cantando ao fundo, risos e brinquedos de


crianças, plantas floridas enfeitam as janelas das casas...

O que acontecerá a seguir? Nossas expectativas são totalmente diferentes em cada


uma dessas cenas.

Além disso, uma palavra, uma frase ou imagem podem ter sentidos diferentes
dependendo do contexto. Vamos imaginar as duas situações abaixo:

 Na praia, você escuta alguém gritando desesperado: “Socorro!”


 Na praia, duas crianças estão sentadas ao seu lado, construindo um
castelo de areio, rindo e brincando, quando uma delas joga água na
outra que grita: “Socorro!”

5
É fácil perceber a diferença nos sentidos. Portanto, para atribuir o sentido a um
texto precisamos do contexto.

Continuando, vejamos atirinha abaixo:

4. Dik Browne. Hagar. (extraída de Santos e Silva, 2012, p. 70)2:

Nessa tirinha, temos a combinação da escrita com a imagem no primeiro quadrinho


levando-nos a uma interpretação que é negada no segundo quadrinho, provocando
o humor. Os textos de humor são produzidos assim, com a quebra da expectativa
criada no leitor.

O mesmo poderíamospensar para a continuação das Cenas A e B imaginadas


acima: de que modo a expectativa do leitor/telespectador poderia ser quebrada na
continuação das cenas?

Voltando à tirinha, nosso conhecimento de mundo nos faz reconhecer que Helga e
Hagar estão em um pet shop. Reconhecemos pela fala de Helga e pela imagem do
cãozinhoem seu colo. Até aí temos um sentido que é totalmente modificado no
segundo quadrinho.

Essa tirinha é um exemplo de queo sentido de um texto não é dado pela soma
dos sentidos das partes que o constituem. Para interpretarmos um texto, é
preciso considerá-lo em sua totalidade.

A tirinha de número 5. abaixo, reforça essa ideia quando o sentido do primeiro


quadrinho é, mais uma vez, totalmente modificado no segundo.

2 SANTOS, A. de F. A. dos; SILVA, C. F. da. Tiras do Hagar: caracterização e sequência didática para
leitura. Anais do 6o Seminário de Pesquisas em Lingüística Aplicada (SePLA), Taubaté, 2010. ISSN: 1982-
8071, CD-Rom.

6
5. As Cobras, de Luiz Fernando Veríssimo3:

Antes falamos na importância do autor escolher o gênero textual e a linguagem


adequada ao interlocutor e ao contexto de uso do texto. Assim é que se
nosso interlocutor é uma criança, a linguagem utilizada será na maioria das vezes
muito diferente daquela usada quando temos como interlocutor um adulto.

Do mesmo modo nossa linguagem se modifica em função do grau de formalidade


ou informalidade da situação. Assim, por exemplo, usamos uma linguagem
formal na defesa de uma tese, mas, se logo em seguida as pessoas ali presentes
forem comemorar em um bar, a linguagem se tornará muito mais informal. O que
também dependerá do nível de familiaridade entre essas pessoas.

O mesmo se dá com relação ao gênero textual, entendido comotextos


materializados em práticas sociocomunicativas definidas pelo conteúdo,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. Em outras palavras,
situações comunicativas diversas demandam gêneros textuais distintos. Então,
escrevemos cartas quando a situação exige certa formalidade ou quando nosso
interlocutor está à distância e não dispõe de uma tecnologia digital. Enviamos e-
mails quando a situação é menos formal; quando o tempo disponível também é
menor; quando são correspondências trocadas dentro das empresas; quando o
conteúdo do texto é menor. O funcionário de uma empresa envia o e-mail para o
funcionário de outra empresa. Porém, quando é a empresa enviando uma
mensagem para outra empresa, dificilmente isso é feito através de e-mail. A opção
recai sobre a carta no modelo tradicional.

Se observarmos os vários textos produzidos em nosso dia a dia, constatamos que


alguns são mais informais outros são mais formais: bilhetes, e-mails, mensagens
trocadas por celular, diálogos entre familiares ou amigos são textos mais informais.
Por outro lado, declarações, atestados, cartas comerciais, relatórios são mais
informais. Podendo haver variações em cada conjunto. Exceção se faz nos
documentos oficiais que possuem estrutura mais rígida e exigem maior
formalidade.

Tomemos 6. abaixo para ilustrar estas últimas considerações referentes à


formalidade ou informalidade do texto em função da situação e dos interlocutores:

6. (questão extraída de COMVEST – Convenção Permanente para os Vestibulares,


1997)4

3 Extraído de FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. Lições de texto: leitura e redação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2006.

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No dia 10/11/96, os jornais divulgaram a carta mediante a qual o médico Adib
Jatene solicitava ao Presidente da República sua demissão do cargo de
Ministro da Saúde, e a carta do Presidente da República, aceitando a
demissão. Dessas cartas foram extraídos, respectivamente, os dois trechos
abaixo:

(A) (B)

A Sua.Excelência, o Senhor Doutor Fernando Meu Caro Jatene,


Henrique Cardoso, Presidente da República
Federativa do Brasil. Exatamente porque acredito que é preciso
tornar possível o necessário, apoiei a CPMF e
............................................................ fiz, junto consigo, os esforços para aumentar a
dotação do Ministério da Saúde. Só assim foi
Repito a frase aprendida de Vossa possível quase dobrar, em dois anos, os
Excelência: "A política não é a arte do possível. recursos do SUS. Ainda sim, eles são
É a arte de tornar o possível necessário." insuficientes. O que fazer? Continuar lutando,
como continuarei: pena que sem você, embora
Estou tranqüilo porque dei minha com sua inspiração.
contribuição com lealdade e no limite de minha
capacidade, sem trair os ideais dos que lutam ..........................................................
no setor saúde pela equidade e pela garantia
de acesso às camadas mais sofridas da ..........................................................
população. Outros complementarão o trabalho,
sob a liderança de Vossa Excelência, para que Resta agradecer, muito sinceramente, sua
seja possível atender ao necessário que colaboração, sua coragem para diagnosticar os
detectamos. problemas do ministério e enfrentar as
soluções, e o ânimo que você infundiu em
Aproveito para manifestar-lhe o meu todos nós.
melhor apreço,
Tenha a certeza de que suas declarações
Cordialmente, mostrando a disposição de continuar a luta
pela saúde não ficarão nas palavras. O Brasil
Adib Jatene precisa de gente como você.

Ministro da Saúde Com afetuoso abraço.

Fernando Henrique Cardoso

a) Os autores das duas cartas utilizam registros linguísticos diferentes, no


interior da variedade culta do português escrito. Aponte nos textos essas
diferenças de registros e explique o efeito que cada um deles produz.
b) O uso culto de consigo é o que as gramáticas exemplificam por meio de
frases como: O vento traz consigo a tempestade. Compare esse uso com o que
foi feito pelo presidente no primeiro parágrafo de sua carta e explique as
diferenças.
c) Pelo que se lê no primeiro parágrafo das duas cartas, Jatene teria aprendido
com Fernando Henrique o conceito de política que procurou aplicar enquanto
ministro, mas uma leitura atenta desses parágrafos aponta uma grande
diferença. Explique essa diferença.

4
Disponível em
<http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/1997/download/PORT97.pdf>Acesso em:
07/09/2013

8
Vamos aos nossos comentários:

Em primeiro lugar, observamos que, logo no início, quando lemos que são cartas
trocadas entre o Ministro da Saúde e o Presidente da República, da épocaem que
elas foram divulgadas, o autor dessa questão está contextualizando o que vem
abaixo, ou seja, prestando algumas informações que vão possibilitar ao leitor/
vestibulandoacionar em sua memória certos conhecimentos que facilitarão sua
leitura e interpretação desses documentos.

Analisando o contexto em que essas cartas foram produzidas, podemos dizer que
se trata de uma situação formal, em que o Ministro da Saúde (carta A) solicita sua
demissão do cargo. Sendo assim, pela formalidade que envolve essa situação, além
de certa convenção segundo a qual pedidos de demissão são feitos através de
cartas, não esperaríamos que o Ministro da Saúde enviasse um e-mail ou um
bilhete. Assim, conforme socialmenteconvencionado, a escolha do gênero textual
recaiu sobre a carta.

Além disso, como se tratava de uma carta endereçada ao Presidente da República,


cargo superior ao de um ministro de estado, o então ministro Jatene fez uso de
uma linguagem formal, como pode ser observada no endereçamento inicial,no uso
do pronome de tratamento Vossa Excelência e na despedida ao final. Adib Jatene
assina sua carta ainda como Ministro da Saúde, já que deveria permanecer no
cargo até que sua solicitação fosse aceita, em uma clara atitude de submissão a
alguém que ocupava um cargo de chefia em relação a ele.

O Presidente da República (carta B), por sua vez, por estar escrevendo para
alguém que ocupava um cargo abaixo do seu, pode usar um tom mais coloquial,
como vemos em “Meu caro Jatene”, o uso de “você”, “Com afetuoso abraço” na
despedida, além de não assinar como Presidente da República, imprimindo, assim,
um tom de amizade. É preciso notar que, apesar desse tom próximo, ainda não há
o uso de uma linguagem totalmente informal, que seria imprópria para a situação.

Com relação à questão b., para a gramática normativa, consigoé um pronome


reflexivo que se refere ao sujeito da oração, em outras palavras, consigo é igual a
comsi mesmo. Por exemplo:“eu penso consigo” é o mesmo que dizer “eu penso
comigo”.

Fernando Henrique Cardoso ao dizer “...fiz, junto consigo...” pretendia dizer “junto
com você”. Da perspectiva da gramática normativa, houve uma infração às suas
regras. Este é um exemplo muito útil para mostrarmos como, pela artificialidade
das gramáticas normativas, mesmo pessoas muito letradas não a obedecem todo o
tempo. Isso nos leva à reflexão de Faraco e Tezza (1992: 8), de acordo com os
quais “trata-se de pensar – e de praticar – a gramática padrão [aqui chamada de
gramática normativa] como uma gramática entre outras, tendo clareza, além disso,
de que ela não é uma realidade estática, mas em contínua transformação”5. Essa é
uma discussão muito interessante que apenas lançamos aqui, mas não a
desenvolvemos por limitações de tempo e espaço.

5
FARACO, C.A.; TEZZA, C. Prática de textos para estudantes universitários. Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.

9
Apesar de ser um desvio em relação à gramática padrão, nesse caso específico, tal
desvio foi facilmente contornado pelo contexto e, dessa forma, foi possível entender
o que o autor queria dizer. Não houve prejuízo do sentido.

Não é o caso do que vemos com o questionamento da letra c. ao levantar um


problema de gramática da escrita que provoca uma grande distorção no sentido.

Disse o então Ministro da Saúde: Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: "A
política não é a arte do possível. É a arte de tornar o possível necessário."

Fernado Henrique, antes que outras pessoas pudessem usar isso contra ele, logo no
início de sua resposta, trata de corrigir a falha de seu correspondente, dizendo:
“Exatamente porque acredito que é preciso tornar possível o necessário...”.

Sugerimos que os trechos destacados sejam lidos atentamente e seus sentidos


comparados. É muito importante perceber como a simples mudança de posição de
uma palavra pode mudar completamente o significado. Em consequência, quanto
estrago pode ser feito! A gramática da escrita, se descuidada, pode gerar mal
entendidos. Na linguagem oral isso também acontece, porém pelo fato de os
interlocutores estarem presentes na mesma situação, essas distorções podem ser
mais facilmente corrigidas.

Deixamos isso para sua reflexão.

Resumindo, vimos nesta aula que:

 o texto é definido pelo seu sentido;


 o texto pode ser produzido em linguagem oral, escrita, visual ou ainda pela
combinação de todas;
 a leitura de um texto é uma atividade interativa entre o autor, que escreve
para seu leitor, e o leitor, que dialoga com o autor, mediados pelo texto;
 o sentido de um texto é construído pelos (a) conhecimentos trazidos pelo
autor para a sua produção; (b) pelos conhecimentos trazidos pelo leitor para
a atividade de leitura e interpretação; (c) pelos contextos de produção e de
uso;
 o sentido de um texto não é dado pela soma dos sentidos de suas partes,
mas é preciso pensá-lo em sua totalidade;
 para a produção de um texto com qualidade, o autor deve ter em mente
seu(s) interlocutor(es) e o contexto de uso; disso resultando:
o na escolha adequada do vocabulário a ser empregado;
o na escolha adequada da variedade linguística, mais ou menos formal,
utilizada;
o na escolha adequada do gênero textual;
o na apresentação, na medida certa, de informações dadas, para
garantir um conhecimento partilhado, e informações novas. O
equilíbrio é o ideal;
o na escolha das pistas adequadas para guiar a interpretação de seu
autor;
o na compreensão das pistas dadas pelo autor. O que significa que:
 ao leitor cabe a tarefa de buscar o conhecimento linguístico, interacional e o
conhecimento de mundo necessários para chegar o mais próximo possível
das intenções, dos objetivos do autor.

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Como somos todos, ora autores ora leitores, cabe a nós a tarefa de estarmos
sempre em busca de mais e mais conhecimentos, o que só é possível através da
leitura, da leitura atenta do mundo, dos livros, dos jornais, das revistas, dos filmes,
enfim, de todos os textos com os quais nos deparamos nas diversas situações de
nossa vida.

Não encerrando nossa conversa e muito menos pretendendo esgotar o assunto,


vamos retomar uma afirmação feita nas páginas anteriores:

O sentido do texto não está apenas nas palavras ou frases que o


formam.Para interpretarmos um texto, lançamos mão de outros
elementos, como o contexto histórico-cultural-social-político e as pessoas
nele envolvidas, com seus conhecimentos de mundo, linguísticos e
conhecimentos de como os textos funcionam em uma sociedade, de como
as pessoas interagem através deles.

Podemos, assim, pensar nos textos como constituídos de uma estrutura superficial,
vamos dizer, aquilo que aparece impresso, e por uma estrutura profunda, que são
todos esses outros elementos que vamos chamar de não linguísticos.

Cabe ao leitor entender o texto tanto pelas informações que estão explícitas em sua
estrutura superficial, como entender o que está implícito, está em sua estrutura
profunda. Cabe ao leitor ler nas entrelinhas. Vamos voltar a isso em outro
momento.

Agora, para dar um fechamento a este tópico, vejamos o que estivemos estudando
em uma prática social do ambiente corporativo:

Imaginemos a situação em que uma pessoa esteja participando de um


recrutamento interno para o cargo de secretário executivo de um dos
diretores da sua empresa. Uma das tarefas solicitadas é que seja feita uma
exposição oral sobre a empresa e sobre as funções que irá executar.

Em primeiro lugar, esse candidato deve ter em mente que, mesmo


conhecendo algumas ou todas essas pessoas e que até tenha estado com
elas em ocasiões mais informais, a situação que neste momento se
apresenta exige certa formalidade. Isso vai se revelar em sua linguagem,
como também em seus gestos e até mesmo em suas roupas. Linguagem,
gestos, roupas que devem ser coerentes com o ambiente de trabalho. Ele
estará sendo avaliado por isso.

Em segundo lugar, deve considerar que, mesmo que essas pessoas saibam
tudo sobre a empresa, dele é esperado que mostre o que sabe. Portanto,
deverá preparar sua apresentação para esses interlocutores, mas
procurando atender ao solicitado. E, sempre que possível, surpreendê-los.

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Em terceiro lugar, deve pensar também no tempo que terá para essa tarefa,
e, em função disso, fazer suas escolhas, por exemplo, para ocupar o tempo
disponível com aquilo que realmente é importante e que pode fazer a
diferença.

O texto oral, a escrita que o acompanha, slides, imagens, sua própria


imagem, postura, simpatia, a forma como administra o tempo de sua
apresentação, a forma como distribui os assuntos, como responde aos
questionamentos que possam ser feitos, tudo isso - o linguístico e o não
linguístico – serão considerados na avaliação que dele fizerem.

Esperamos que tenha sucesso!

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR RECOMENDADA

FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Prática de texto para estudantes


universitários. 12. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004. 299p.

FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Gramática Nova. 14. ed.São
Paulo: Ática, 2003. 400p.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto : leitura e
redação. 16.ed. São Paulo: Ática, 2003. 431p.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Liçõestexto : leitura e redação.


4.ed. São Paulo: Ática, 2003. 416p.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler o compreender: os sentidos do


texto. 2. ed. São Paulo: Contexo, 2007. 216p.

PERINI, Mario A.Gramatica do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola, 2010.


368p.

TUFANO, Douglas. Guia prático da nova ortografia. São Paulo: Melhoramentos,


2008. 32p. Disponível em

http://www.brasil.gov.br/navegue_por/aplicativos/reforma-ortografica/pdfs/guia-
reforma-ortografica. Acesso em 08/09/2013.

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