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Introdução
Vamos iniciar nossos estudos com alguns conceitos e princípios que estão na base
da produção de qualquer texto com qualidade, sejam eles literários, acadêmicos,
científicos, empresariais, publicitários, jornalísticos ou outros.
Para isso, vamos entender o que estamos denominando por texto e quais são suas
qualidades fundamentais, com ênfase no texto escrito. Veremos também alguns
dos fatores que fazem de uma produção linguística umtexto em contraposição a um
mero conjunto de palavras. Vamos refletir sobre as linguagens utilizadas
nessasproduções e as exigências sociais na escolha da variedade linguística
adequada a cada situação.
Mesmo que esses conceitos tenham sido estudados em algum momento de nossa
formação acadêmica, é importante retomá-los, pois produzir textos com qualidade
e, em sua leitura, ir além de uma mera decifração, interpretando-os, é resultado
também de uma prática social. Portanto, é necessário praticar. É necessário
praticar a produção e a interpretação dos mais variados gêneros textuais.
Para auxiliá-los nessa tarefa, ao final de cada módulo serão sugeridas bibliografias
complementares à matéria dada.
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Para finalizar esta breve introdução, salientamos que entendemos esta disciplina
como um momento de reflexão sobre nossas interações linguísticas para, a partir
dela, ampliarmos nossa capacidade de compreender e estar no mundo.
Vejamos:
1.
Ricardo Ramos
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água,
espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete,
água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa,
abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis,
documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de
fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres,
guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona,
cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de
notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas,
quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo.
Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos,
bilhetes, telefone, papéis.
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Se olharmos superficialmente para o que está em 1. acima, poderemos dizer que se
trata tão somente de um conjunto de palavras. No entanto, a leitura dessas
palavras mostra que elas não foram escolhidas pelo autor ao acaso; também não
foram colocadas nessa ordem sem que houvesse uma intenção. Logo no início,
começamos a perceber um sentido: o autor escolheu palavras e as colocou em uma
sequência que nos permite pensar no cotidiano de uma pessoa, do momento em
que ele acorda pela manhã, passando por um dia de trabalho, até a hora de dormir
novamente. Pelas palavras escolhidas, percebemos que o autor fala de um homem
adulto,fumante, trabalhadore assim por diante.1
Silêncio
Reconhecemos essa palavra. Sabemos o que ela significa. Mas, nesse contexto, não
nos diz nada. Por que ela está ali? É um pedaço de papel jogado.
1
Muito mais poderia ser dito sobre esse texto, o que se configura como um excelente exercício, no
entanto, essa análise é suficiente para nossas intenções do momento.
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Vimos, dessa forma, que o sentido do texto não está apenas nas palavras ou
frases que o formam.Para interpretarmos um texto, lançamos mão de
outros elementos, como o contexto histórico-cultural-social-político e as
pessoas nele envolvidas, com seus conhecimentos de mundo, linguísticos e
conhecimentos de como os textos funcionam em uma sociedade, de como
as pessoas interagem através deles.
É fundamental, então, que o autor contextualize sua escrita, dando pistas para o
leitor entender sua mensagem. Ao mesmo tempo, cabe ao leitor perceber essas
pistas e fazer uso de seus conhecimentos. Quanto mais e mais variados forem
os conhecimentos do leitor, mais facilmente terá condições de perceber os
sentidos de textos variados.
O autor e o leitor interagem mediados pelo texto. O autor produz seu texto a
partir de seus conhecimentos e o faz para um interlocutor. Para tanto, ao produzir
o texto ele precisa levar em conta para quem escreve; quais são os conhecimentos
partilhados; qual é a linguagem apropriada para seu interlocutor e para a situação
em que essa interação se dará.
Voltando ao texto 3., ele nos permite dizer que a extensão de um texto é
variável: uma única palavra pode constituir um texto. Além disso, se nele
tivéssemos apenas a imagem, ainda assim seríamos capazes de lhe atribuir um
sentido. Isso significa que o texto pode ser constituído de linguagem verbal
(oral ou escrita),pode ser constituído apenas de linguagem visual
(imagem) ou das duas juntas.
Além disso, uma palavra, uma frase ou imagem podem ter sentidos diferentes
dependendo do contexto. Vamos imaginar as duas situações abaixo:
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É fácil perceber a diferença nos sentidos. Portanto, para atribuir o sentido a um
texto precisamos do contexto.
Voltando à tirinha, nosso conhecimento de mundo nos faz reconhecer que Helga e
Hagar estão em um pet shop. Reconhecemos pela fala de Helga e pela imagem do
cãozinhoem seu colo. Até aí temos um sentido que é totalmente modificado no
segundo quadrinho.
Essa tirinha é um exemplo de queo sentido de um texto não é dado pela soma
dos sentidos das partes que o constituem. Para interpretarmos um texto, é
preciso considerá-lo em sua totalidade.
2 SANTOS, A. de F. A. dos; SILVA, C. F. da. Tiras do Hagar: caracterização e sequência didática para
leitura. Anais do 6o Seminário de Pesquisas em Lingüística Aplicada (SePLA), Taubaté, 2010. ISSN: 1982-
8071, CD-Rom.
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5. As Cobras, de Luiz Fernando Veríssimo3:
3 Extraído de FIORIN, J. L.; PLATÃO, F. Lições de texto: leitura e redação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2006.
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No dia 10/11/96, os jornais divulgaram a carta mediante a qual o médico Adib
Jatene solicitava ao Presidente da República sua demissão do cargo de
Ministro da Saúde, e a carta do Presidente da República, aceitando a
demissão. Dessas cartas foram extraídos, respectivamente, os dois trechos
abaixo:
(A) (B)
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Disponível em
<http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/1997/download/PORT97.pdf>Acesso em:
07/09/2013
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Vamos aos nossos comentários:
Em primeiro lugar, observamos que, logo no início, quando lemos que são cartas
trocadas entre o Ministro da Saúde e o Presidente da República, da épocaem que
elas foram divulgadas, o autor dessa questão está contextualizando o que vem
abaixo, ou seja, prestando algumas informações que vão possibilitar ao leitor/
vestibulandoacionar em sua memória certos conhecimentos que facilitarão sua
leitura e interpretação desses documentos.
Analisando o contexto em que essas cartas foram produzidas, podemos dizer que
se trata de uma situação formal, em que o Ministro da Saúde (carta A) solicita sua
demissão do cargo. Sendo assim, pela formalidade que envolve essa situação, além
de certa convenção segundo a qual pedidos de demissão são feitos através de
cartas, não esperaríamos que o Ministro da Saúde enviasse um e-mail ou um
bilhete. Assim, conforme socialmenteconvencionado, a escolha do gênero textual
recaiu sobre a carta.
O Presidente da República (carta B), por sua vez, por estar escrevendo para
alguém que ocupava um cargo abaixo do seu, pode usar um tom mais coloquial,
como vemos em “Meu caro Jatene”, o uso de “você”, “Com afetuoso abraço” na
despedida, além de não assinar como Presidente da República, imprimindo, assim,
um tom de amizade. É preciso notar que, apesar desse tom próximo, ainda não há
o uso de uma linguagem totalmente informal, que seria imprópria para a situação.
Fernando Henrique Cardoso ao dizer “...fiz, junto consigo...” pretendia dizer “junto
com você”. Da perspectiva da gramática normativa, houve uma infração às suas
regras. Este é um exemplo muito útil para mostrarmos como, pela artificialidade
das gramáticas normativas, mesmo pessoas muito letradas não a obedecem todo o
tempo. Isso nos leva à reflexão de Faraco e Tezza (1992: 8), de acordo com os
quais “trata-se de pensar – e de praticar – a gramática padrão [aqui chamada de
gramática normativa] como uma gramática entre outras, tendo clareza, além disso,
de que ela não é uma realidade estática, mas em contínua transformação”5. Essa é
uma discussão muito interessante que apenas lançamos aqui, mas não a
desenvolvemos por limitações de tempo e espaço.
5
FARACO, C.A.; TEZZA, C. Prática de textos para estudantes universitários. Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.
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Apesar de ser um desvio em relação à gramática padrão, nesse caso específico, tal
desvio foi facilmente contornado pelo contexto e, dessa forma, foi possível entender
o que o autor queria dizer. Não houve prejuízo do sentido.
Disse o então Ministro da Saúde: Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: "A
política não é a arte do possível. É a arte de tornar o possível necessário."
Fernado Henrique, antes que outras pessoas pudessem usar isso contra ele, logo no
início de sua resposta, trata de corrigir a falha de seu correspondente, dizendo:
“Exatamente porque acredito que é preciso tornar possível o necessário...”.
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Como somos todos, ora autores ora leitores, cabe a nós a tarefa de estarmos
sempre em busca de mais e mais conhecimentos, o que só é possível através da
leitura, da leitura atenta do mundo, dos livros, dos jornais, das revistas, dos filmes,
enfim, de todos os textos com os quais nos deparamos nas diversas situações de
nossa vida.
Podemos, assim, pensar nos textos como constituídos de uma estrutura superficial,
vamos dizer, aquilo que aparece impresso, e por uma estrutura profunda, que são
todos esses outros elementos que vamos chamar de não linguísticos.
Cabe ao leitor entender o texto tanto pelas informações que estão explícitas em sua
estrutura superficial, como entender o que está implícito, está em sua estrutura
profunda. Cabe ao leitor ler nas entrelinhas. Vamos voltar a isso em outro
momento.
Agora, para dar um fechamento a este tópico, vejamos o que estivemos estudando
em uma prática social do ambiente corporativo:
Em segundo lugar, deve considerar que, mesmo que essas pessoas saibam
tudo sobre a empresa, dele é esperado que mostre o que sabe. Portanto,
deverá preparar sua apresentação para esses interlocutores, mas
procurando atender ao solicitado. E, sempre que possível, surpreendê-los.
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Em terceiro lugar, deve pensar também no tempo que terá para essa tarefa,
e, em função disso, fazer suas escolhas, por exemplo, para ocupar o tempo
disponível com aquilo que realmente é importante e que pode fazer a
diferença.
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Gramática Nova. 14. ed.São
Paulo: Ática, 2003. 400p.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto : leitura e
redação. 16.ed. São Paulo: Ática, 2003. 431p.
http://www.brasil.gov.br/navegue_por/aplicativos/reforma-ortografica/pdfs/guia-
reforma-ortografica. Acesso em 08/09/2013.
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