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Anais do Seminário de Ciência

da Religião Aplicada

3a edição
ISSN :2595-3176

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


São Paulo, 2018
Creative Commons 2019
https://creativecommons.Org/Ucenses/by-nc/4.0/
1C

Organização: Dr. Fábio L. Stern (PUC-SP).


Dr. Sabrina Alves (PUC-SP).
DrLValeska Freman Bezerra de Freitas Silveira (PUC-SP).
Drd. Rodrigo Oliveira dos Santos (PUC-SP).

Comissão científica: Dr. Clóvis Ecco (PUC-Goiás).


D r1. Elaine Honorato Costa Honorato (PUC-SP).
Dr. Fabio Mendia (URCI).
Dr. Matheus Oliva da Costa (EBRAMEC).
Dr. Ornar Lucas Perrout Fortes de Sales (PUC-Goiás).
Dr. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira (IPFER).

Produção editorial: Fábio L. Stern.

Colaboração: Pontifífia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).


Instituto de Pesquisa e Formação Educação e Religião (IPFER).
Freman Administradora e Corretora de Seguros LTDA.
Frank Usarski (PUC-SP).
Udo Tworuschka.
Tim Jensen (IAHR).
Andreia Bisuli de Souza.
PEPG em Ciência da Religião da PUC-SP.
ANPTECRE.

Seminário de Ciência da Religião Aplicada (3.: 2019 mar. 25: São Paulo, SP).

Anais do Seminário de Ciência da Religião Aplicada [recurso eletrônico] / org. Fábio L. Stern et al. -
3. ed. São Paulo: PUC-SP, 2019, p. 122.

Inclui bibliografias.

Recurso on-line: e-book (122 p.)


Evento realizado em 25 de março de 2019, no Teatro da Universidade Católica (TUCA),
sendo transmitido pela TV-PUC através do YouTube.

ISSN 2595-3176

1. Ciência da religião - Congressos. 2. Ciência da religião aplicada. 3. Ciências sociais


- Profissões e ocupações. I: Fábio L. Stern. II. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.

CCD 206

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A ciência da religião aplicada como
desafio para a formação universitária:
sugestões sobre a adequação curricular
de estudos pós-graduados da área

Frank Usarski
Coordenador do PPG em ciência da religião da PUC-SP
Doutor em ciência da religião (UNI-Hannover)

Este ensaio dá continuidade a meu poperapresentado no SEMCREA


do ano passado sobre a diferença entre a “ciência prática da reLigião” de­
fendida por Udo Tworuschka (cf. 2013) e a ciência da reLigião aplicada
como, de fato, uma ciência aplicada, e os motivos para privilegiar a segun­
da abordagem1.0 texto anterior (cf. Usarski, 2018) tem como referencial
o ideal de uma disciplina que faz justiça ao princípio da epoché, no senti­
do de um “estilo” mental que busca, na medida do possível, suspender as
orientações, posturas e certezas subjetivas que norteiam o cientista no
seu cotidiano em favor de uma atitude que permite um distanciamento
aos objetos de estudo. Por esta razão epistemológica, a “ciência prática
da reLigião” de Tworuschka, incentivada por uma pragmatização norma­
tiva da nossa disciplina que norteia todo o processo de pesquisa, desde
a definição de um objeto e seu caráter supostamente problemático até a
divulgação dos seus resultados, não pode ser uma opção para uma ciên­
cia da reLigião fiel a suas conquistas obtidas no decorrer da sua história.
Este legado intelectual do passado não nega que uma conste­
lação empírica pode chamar a atenção de um cientista da reLigião por
estar em tensão com suas preferências privadas, sejam elas de natureza
ética, religiosa ou política. O que deve ser controlado, porém, é o impac­
to destas preferências particulares sobre a fase da descrição e análise
dos objetos afins no âmbito da ciência. Da forma com o foi introduzida

1 O problema não é a nomenclatura “ciência da religião prática”, pois “ciência


prática” e “ciência aplicada” são sinônimos. O problema está na defesa de Tworuschka de
uma prática que ignora o contexto de justificação, pulando do contexto de descoberta ao
contexto de utilização. Explico isso melhor em meu paper anterior (Usarski, 2018).

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por Tworuschka, aquela “ciência prática da religião” negligencia esta exi­


gência de distinção entre diferentes momentos do processo acadêmico
e suas lógicas próprias, associadas no paper anterior aos contextos de
descobrimento, justificação e aplicação. Por esta razão não se apresenta
como uma abordagem que pode enriquecer nossa tradição intelectual.
Por um lado reconhecendo a preocupação de Twoeuschka com
a relevância sociopolítica da nossa disciplina, e por outro evitando as
armadilhas epistemológicas implícitas em uma abordagem que ignora a
exigência de uma “disciplina mental” do cientista da religião na fase de
sua pesquisa, apresento aqui uma alternativa à ciência da religião apli­
cada. Ela entra em ação após e em complementação da fase de produção
do conhecimento acadêmico (contexto de justificação), oferecendo ao
público geral um saber produzido no contexto da Academia. Na medida
em que este saber é considerado pragmaticamente útil por instâncias da
sociedade, ele pode servir como recurso adicional em prol da busca para
soluções de situações definidas como sociopoliticamente deficitárias.
A expansão da funcionalidade da produção acadêmica no âmbito
da ciência da religião para além do mundo universitário, porém, não se
realiza por um mero discurso que salienta o potencial pragmático dos
resultados das nossas pesquisas. Conforme o princípio econômico de que
a oferta puxa a demanda, uma das primeiras medidas para salientar a
relevância prática da nossa disciplina é de natureza curricular. Em outras
palavras, preparar os estudantes da nossa área com um conhecimento
adequado é um pré-requisito para que a ciência da religião se apresente
publicamente como uma disciplina capaz de contribuir para o bem-estar
político e social. O restante deste ensaio oferece algumas reflexões nesta
direção.

Base conceituai geral


Diferentemente da proposta de Tworuschka, cuja normatividade
coloca parte do fundamento epistemológico da nossa disciplina em xe­
que, a ciência da religião aplicada deve manter seu compromisso com
o estatuto tradicional da nossa área acadêmica. Seu real avanço ocorre
na reorganização curricular acadêmica em favor de uma aquisição de
um saber aprofundado referente a áreas de maior relevância profissional
extrauniversitária para os estudantes. A identificação de áreas que mere­
cem atenção, neste sentido, não representa uma grande dificuldade para
quem está acostumado com uma abordagem estritamente empírica a

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nossos objetos de pesquisa. Deste ponto de vista, religião não é algo que
existe “nas nuvens”, cujo “mistério” escapa a um olhar “profano”. Do ponto
de vista da ciência da religião “pós-fenomenológica” religião é algo es­
sencialmente humano, cujos traços e efeitos se encontram em diferentes
formas no aqui e agora, tanto como variável independente quanto como
variável dependente em virtualmente qualquer segmento de vida. Basta
ter em mente este axioma fundamental para gerar uma lista de temas
dignos de reflexões no decorrer de uma formação em nossa disciplina
que se preocupa com as vantagens extra-acadêmicas dos seus insights e
resultados. Os itens desta lista não necessitam automaticamente de uma
busca para elementos curriculares inovadores. Pelo contrário, há inúme­
ros aspectos relevantes neste sentido que são adquiridos no decorrer
de uma formação convencional na área de ciência da religião, sem que
eles sejam identificados como aplicáveis em segmentos extra-acadêmi­
cos em que mestres e doutores poderiam atuar depois dos seus estudos
acadêmicos bem-sucedidos. De acordo com sua orientação multidiscipli­
nar, a ciência da religião interessada no fortalecimento da sua relevância
extra-acadêmica mantém sua abertura para as contribuições oriundas
de outras áreas de conhecimento, para as quais a religião é apenas um
campo de estudo secundário.

Demandas curriculares gerais


Um programa de ciência da religião que se esforce para adaptar
sua oferta curricular às exigências político-sociais articuladas por ins­
tâncias públicas está diante de dois desafios interrelacionados. Primeiro,
diante da multiplicidade das esferas sociais em que cientistas da religião
poderiam atuar fora da academia. Devido à impossibilidade do corpo
docente atender a todas estas demandas por meio de disciplinas cor­
respondentes, há a pergunta sobre as áreas específicas a serem contem­
pladas pelas ofertas do respectivo programa. Segundo, na medida em
que decisões curriculares, no sentido estrutural, são tomadas, impõe-se
como tarefa a definição de conteúdo que o aluno deve adquirir no de­
correr da sua formação em função das suas futuras contribuições para a
solução de problemas práticos na esfera social em que pretende atuar
profissionalmente.
O professor encarregado com a elaboração de uma disciplina des­
te tipo deve se lembrar que inúmeros conceitos e dados potencialmen­
te aplicáveis em segmentos extra-acadêmicos fazem parte da formação

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“convencionar de mestrandos e doutorandos, sem que este conteúdo


seja ¡mediatamente identificado como pragmaticamente útil para esfe­
ras sociais “carentes”. Por outro lado, tem que se contar com a possibili­
dade de que uma maior ênfase curricular em elementos do nosso tra­
dicional estoque de conhecimento apto para uma aplicação pragmática
além das universidades não dá conta das expectativas de entidades mais
diretamente envolvidas em esferas para as quais se buscam soluções de
problemas. Nesta situação, a ciência da religião - desde seu início aberta
para o intercâmbio interdisciplinar - tem que se manter disponível para
a incorporação de saberes acadêmicos produzidos em outros contextos
acadêmicos cujo interesse de conhecimento está mais diretamente dire­
cionado para as zonas sociopolíticas publicamente identificadas como
conflituosas.

Exemplificação
O exemplo do segmento da saúde ajuda a concretizar a estraté­
gia dupla acima esboçada. Diversos aspectos do espectro temático re­
lacionados a esta área fazem parte do repertório dogmático e prático
das religiões e são geralmente abordados por bons cursos de ciência da
religião. Mesmo que o assunto da saúde não seja um tópico explícito no
currículo, perguntas como as seguintes aparecem em momentos opor­
tunos durante o curso: Como as religiões interpretam o corpo em rela­
ção a outras dimensões da existência humana? Qual potencial e quais
limites as diferentes tradições religiosas atribuem a fisiologia humana?
Qual conceito de saúde é afirmado por uma tradição religiosa? No seu
repertório espiritual, encontram-se técnicas em prol da manutenção da
saúde ou da cura, como, por exemplo, o ãyurveda no hinduísmo ou a
acupuntura na tradição chinesa? Há pesquisas na busca de correlações
positivas entre crenças e/ou práticas religiosas e a saúde humana? O que
as éticas religiosas dizem sobre a doação de órgãos e a eutanásia? Qual
o significado que as diferentes religiões atribuem aos estados terminais
da vida e à morte?
Programas que pretendem fortalecer esta Linha de pesquisa e
aperfeiçoar seus currículos em prol da formação de mestres e douto­
res que vislumbram a área da saúde como futuro campo profissional
teriam que retomar os insights sobre doutrinas e práticas das diferentes
religiões relacionadas ao corpo humano que a ciência da religião acu­
mulou no decorrer da sua história. A tentativa de sistematização deste

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conhecimento próprio para fins didáticos deve ser norteada por uma di­
ferenciação de subtemas implícitos no assunto da saúde. Neste sentido,
a literatura pode ser organizada conforme a pergunta se uma publicação
escolhida para a bibliografia trata de saúde individual ou pública, aborda
a saúde corporal ou mental, ou se interessa pelo bem-estar ou cuidado
em estágios específicos de vida, como, por exemplo, na velhice enquanto
fase próxima da morte. Além disso, uma série de referências oriundas das
disciplinas auxiliares enriquecerá o material de estudo em cursos prepa­
ratórios para futuras atuações profissionais de cientistas da religião no
segmento da saúde.
Em uma bibliografia Levantada em prol da preparação de candi­
datos para uma carreira na área em questão, não devem faltar referên­
cias como os Livros (a) Chínese ond Indian Medicine Today, (b) Health and
WelTBeing in Islamic Societies e (c) Medicine Across Cultures: History and
Practice of Medicine in Non-Western Cultures.
A primeira obra foi publicada pelo sociólogo, médico e antropó­
logo Nazrul Islam (2017). Em complementação a informações sobre o
daoísmo e o hinduísmo que já devem ser contempladas por currículos de
programas de ciência da religião bem-sucedidos, o livro aborda sistemas
tradicionais milenares de saúde chinesa e indiana, seu papel contem­
porâneo em regiões rurais dos dois países asiáticos, bem como da sua
relevância como abordagens complementares à medicina moderna em
contextos ocidentais.
O Livro Health and WelTBeing in Islamic Societies é fruto de uma co­
laboração entre Harold G. Koenig, diretor do centro para Espiritualidade,
Teologia e Saúde e professor de psiquiatra e ciências de comportamento
na Duke University Medicai Center, nos EUA, e Saad Saleh AL Shohaib,
professor de medicina especializado em nefrologia na King Abdul-Aziz
University, na Arábia Saudita. Os dois autores escreveram este Livro com o
objetivo de “apresentar objetivamente as crenças e práticas dessas duas
grandes religiões monoteístas e determinar suas relações com a saúde,
mostrando o maior respeito por ambas as tradições” (Koenig, Shohaib
2014, p.v), sintetizando os resultados de pesquisas sobre a relação entre
religião e saúde em populações muçulmanas, por um Lado, e em socie­
dades cristãs, por outro Lado.
A terceira publicação é uma coletânea cujos autores discutem
abordagens medicinais promovidas por diferentes tradições religiosas,
entre eles a islâmica,chinesa, indiana etibetana (Selin, 2003). Cita-se este
livro aqui também para reafirmar que a busca por soluções de problemas

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relacionados a um fenômeno tão complexo como o da saúde humana


tem necessariamente um caráter interdisciplinar. Consequentemente,
encontram-se na coletânea não apenas um capítulo do cientista da reli­
gião e professor emérito na Universidade de Estocolmo,Âke Hultkrantz,e
um ensaio da antropóloga da religião da Drew University, nos EUA, Karen
McCarthy Brown, mas também textos de autores formados em matérias
acadêmicas que desde o início da nossa disciplina têm uma forte afinida­
de com a ciência da religião, como a indologia, a sinologia e a egiptolo­
gia. Um terceiro bloco de contribuições para esta coletânea foi redigido
por especialistas no campo da medicina, o que salienta que reflexões de
não cientistas da religião sobre assuntos relacionados a saúde podem
ser úteis para a nossa disciplina.
Um currículo de um programa de ciência da religião aberto para
materiais oriundos das disciplinas auxiliares também não deve negli­
genciar obras como (a) Faith and Fertility.Attitudes Towards Reproductive
Practices in Different Religions from Ancient to Modern Times, (b) Realized
retigion: research on the relationship between religion and Flealth, ou (c)
The role of religion in marriage and family counseling.
A primeira destas três publicações foi organizada por duas au­
toras formadas em sociologia na busca de repostas a perguntas como:
O que sabemos sobre as atitudes em relação às práticas reprodutivas
nas diferentes religiões e sistemas de crenças e suas normas? Existem
realmente grandes diferenças entre as várias comunidades religiosas ou
de fé nas crenças e práticas relacionadas às questões de fecundidade, in­
fertilidade e concepção? E se houver, quais são essas diferenças e como
elas influenciam a prática cotidiana no contexto da reprodução? Para a
discussão sobre estas questões, foram convidados autores de diferentes
áreas (saúde comportamental, medicina reprodutiva, enfermagem, gi­
necologia, serviço social, direito, filosofia e teologia) que aplicaram seu
conhecimento específico para iluminar as atitudes diante de práticas
reprodutivas defendidas por tradições religiosas como o catolicismo, o
anglicanismo, o islã, o hinduísmo, as tradições chinesas, o budismo, a
tradição ioruba e o judaísmo (Blyth, Landau, 2010).
Realized religion: research on the relationship between religion and
Health foi escrito pelo psicólogo Theodore J. Chamberlain e pelo teó­
logo Christopher A. Hall (2000). O livro oferece uma discussão ampla
e diferenciada sobre possíveis efeitos positivos e negativos da religião
sobre a saúde. Além do papel positivo da oração, abordado no primeiro
capítulo, a publicação discute as relações entre a religião e aspectos da

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saúde mental, a sensação da satisfação com a vida, o suicídio e o abuso


de álcool.
A coletânea The role of religión in marriage and family counseling
reúne contribuições de especialistas de diferentes disciplinas como a
psicologia, a teologia, a educação e a filosofia. Direciona-se a terapeutas
cujo trabalho com clientes que têm passado por problemas de relação
conjugal e dificuldades familiares requer o conhecimento sobre os sig­
nificados de casamento e da família do ponto de vista de várias tradi­
ções religiosas inclusive o judaísmo, o budismo e tradições indígenas
(Onedera, 2008).
O último exemplo de literatura potencialmente útil para progra­
mas de ciência da religião cujos corpos docentes decidem incluir nos
seus currículos matérias em prol da capacitação de estudantes para uma
atuação extra-acadêmica na área de saúde é a brochura Health Care and
Religious Beliefs, com a qual o Loma Linda University Medicai Center pre­
tende prestar um serviço para médicos e suas equipes atuando naquele
hospital norte-americano. O material se mostra consciente dos desafios
gerados pelo contexto multicultural da instituição, e quer sensibilizar
seus profissionais para a assistência diferenciada a seus pacientes, de
acordo com as suas afiliações religiosas. Entre os quais, encontram-se,
além de aderentes de diferentes denominações cristãs, também judeus,
hindus, budistas, sikhs e muçulmanos. O folheto afirma:
Uma questão significativa para todos nós que aspiramos a for­
necer a melhor qualidade de cuidados de saúde é esta: “Como
podemos oferecer aos nossos pacientes.com sua rica diversidade
de origens religiosas, um cuidado que é espiritualmente carinho­
so e culturalmente competente?”(Loma Linda University Medicai
Center, s/d, p. 2).

Sob estas condições, a brochura “quer abrir janelas sobre elemen-


tos-chave das tradições de fé para que os pacientes que pertencem a
essas tradições possam receber cuidados mais atenciosos” Logo depois,
confirma que o material levantado “foi revisto por estudiosos com co­
nhecimento de religiões comparadas” (p. 2), o que comprova que a área
de saúde é, de fato, um campo aberto para diálogos e contribuições com
cientistas da religião.

Breve comentário sobre outras opções curriculares


Além da área de saúde, há diversos outros campos carentes de
contribuições de cientistas da religião que poderiam aparecer em um

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currículo aperfeiçoado, no sentido de inclusão de temáticas socialmen­


te e politicamente relevantes. Devido às limitações formais do presente
ensaio, há apenas espaço para a menção um pouco mais detalhada de
mais três temáticas que seriam prestigiosas para uma ciência da religião
aplicada.
O primeirocampoéodas relações internacionais.Semelhantemente
ao da saúde, trata-se de um assunto abordado no contexto do estudo
acadêmico tradicional das religiões, por exemplo, em momentos em que
o estudante se debruça sobre a evolução dos seus objetos, reconhecendo
que, no decorrer da história, as religiões têm frequentemente assumido
o papel de protagonistas globais. Devido aos acontecimentos dramáticos
de 11 de setembro de 2001, o assunto ganhou uma visibilidade inédita -
dentro e fora da acadêmica -,o que faz com que problemas relacionados
estejam entre os mais atraentes para programas de ciência da religião
que querem expandir suas ofertas curriculares em prol da uma maior
aplicabilidade extra-acadêmica da disciplina. (Hatzopoulos, Petito 2003;
Michael, Petito, 2009). Caso um corpo docente opte por essa abordagem,
a leitura do Livro Religión and Politics in the International System Today
(Hanson, 2006) é recomendada para mestres e doutores em ciência da
religião interessados na aplicação extra-acadêmica do seu conhecimento
fornecido pela universidade. Uma parte desta obra consiste na reflexão
sobre a relação entre religião e política em diferentes regiões do mundo,
como o Ocidente (cristianismo, islã, judaísmo), a Ásia Oriental (budis­
mo, cristianismo, confucionismo), a Ásia Meridional (hinduísmo, budismo,
islã), o Oriente Médio e o norte da África (judaísmo, cristianismo, islã), e a
América Latina (religiões indígenas, catolicismo, protestantismo).
A segunda temática potencialmente instigante para colegas bra­
sileiros conscientes da necessidade de incluir nas suas agendas assuntos
extra-academicamente relevantes é a da relação entre religião e esporte.
A área está aberta para a contribuição da nossa disciplina, como de­
monstra a coletânea The Prophetic Dimensión of Sport (Shoemaker, 2019),
redigida por diversos especialistas, inclusive por seis autores que atuam
em programas de ciência da religião estadunidenses. Ouem concorda
com a perspectiva de que reflexões deste tipo tem potencial na ciência
da religião aplicada deve também se interessar pela obra Educação Física
na Ciência da Religião (Montalvão, 2017).
O terceiro assunto que pode ser incluído em um currículo univer­
sitário sensível para as chances profissionais encontradas em segmentos
extra-acadêmicos é o da relação entre religião e turismo. Uma série de

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questões elevem ser abordadas em cursos designados para a capacitação


de mestres e doutores nesta área, como por exemplo as formas que o
turismo religioso pode assumir (Timothy, OLsen 2006), a sua relação com
o turismo enquanto empreendimento secular (Oliveira, 2017; Swatos,
2006), como o turismo religioso é contextualizado e organizado em de­
terminados países (Oakes,Sutton, 2010; Howe 2005), e em que momen­
tos e sob quais circunstâncias as ofertas turísticas se tornam ambíguas,
por exemplo, devido a conflitos inter-religiosos ou pela restrição da li­
berdade religiosa em determinados países (Raj, Griffin, 2017).

Perspectiva
Os exemplos acima levantados representam o amplo horizonte
de áreas temáticas que podem ser contempladas por representantes da
ciência da religião universitária na busca por um escopo profissional
maior dos seus estudantes. Ouern se inspirou neles é convidado para
contribuir para o raciocínio iniciado por um paper cujas limitações for­
mais não permitem reflexões mais amplas sobre possíveis configurações
curriculares de uma ciência da religião aplicada no sentido indicado na
introdução deste ensaio.

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