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comportese.com

Reflexões de um clínico sobre o


isolamento e a liberdade: Por que
nossa casa virou uma prisão de
infelicidade? - Portal Comporte-se
Rodrigo Boavista

10-14 minutos

Rodrigo R.C. Boavista[1]

rodrigorcboavista@gmail.com

Porque é que, tendo tudo, há de ficar

O passarinho mudo,

Arrepiado e triste, sem cantar?

(…)

Não quero a tua esplêndida gaiola!

Pois nenhuma riqueza me consola

De haver perdido aquilo que perdi …

(O pássaro Cativo – Olavo Bilac)

Exposições iniciais.

Muito vem sendo dito acerca dos efeitos psicológicos do


isolamento. Em mesma frequência são sugeridas condutas, dicas

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e todo um arsenal de soluções para as dores provocadas pela


quarentena forçada que vivemos neste primeiro semestre de
2020.

Gostaria de falar de outro “lugar”, e com outro propósito.

Como clínico que sustenta sua prática na pirâmide epistemológica


da análise do comportamento tenho recorrido ao que temos de
mais precioso nessa estrutura – a ciência básica – para
compreender o que meus pacientes (entes queridos e eu mesmo!)
têm vivido tão intensamente.

Como clínico, meu medo é perder a mão no cientificismo e acabar


por “abandonar” a pessoa que está (virtualmente) ali na minha
frente. Diante do sofrimento do outro é menos doloroso se evadir
por entre o labirinto de teorias e conceitos, concordam?

O esforço tem sido árduo na tentativa de manter um balanço no ir-


e-vir entre processos comportamentais básicos e idiossincrasias
dos indivíduos que me deram a honra de lhes acompanhar em
suas jornadas – que hoje são intensamente marcadas pela dor do
isolamento.

Convido o leitor a transitar comigo neste percurso: imergir no


conhecimento laboratorial e emergir na relação “à vera” com o
outro. Não me proponho a oferecer uma verdade absoluta, muito
menos uma discussão exaustiva do tema. Reconheço que são
possíveis infinitas derivações do que tenho para dizer, e,
especialmente, daquilo que escolho não dizer nesta oportunidade
(e.g. modelos que abordam o efeito da exposição a aversivos
incontroláveis, e do distanciamento social). Compartilho apenas
as reflexões que venho fazendo e que têm me ajudado no dia-
a-dia da clínica. Se você topa esse limite, fique comigo.

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O que está acontecendo?

Em cerca de 90% dos atendimentos que tenho feito as discussões


abordam diretamente, ou findam por tangenciar uma interação
entre as sensações de infelicidade e perda de liberdade. Por
vezes, numa perspectiva causal, em outras como fenômenos que
ocorrem paralelamente.

Mas… Por que, se nos acomodamos na nossa tão sonhada


“gaiola dourada”, estamos infelizes? Quantas e quantas vezes nos
queixávamos das exíguas oportunidades de usufruir dos encantos
das nossas casas?

Obrigado Bilac pela poesia tão atual!

A análise do comportamento há tempos investe na tentativa de


cobrir as mais diversas facetas do que se chama “liberdade”, uma
síntese (brilhante!) delas está disponível em (de Fernandes &
Dittrich, 2018). Só para ilustrar o argumento, temos (Skinner,
2002) que defendeu o uso do seu modelo de operantes verbais –
em especial, o tato – como mecanismo adequado para encontrar
as definições do termo.

Segundo o autor, fala-se em liberdade em diferentes contextos,


por exemplo, quando: a) se projeta uma – utópica – condição em
que o comportamento estaria liberto de suas variáveis
controladoras, e/ou b) se descreve fração dos eventos encobertos
que são produzidos colateralmente em contingências em que há
atenuação ou posposição de consequências aversivas.

Mais recentemente, (Baum, 1994; Goldiamond, 1975) discutiram a


importância das contingências de escolha na definição do que
seria um contexto produtor da experiência de liberdade. Apesar
dos fantásticos insights provocados pelas ideias dos autores

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acima elencados, vem do modelo experimental descrito por


(Catania, 1998) a análise que tenho percebido como mais profícua
no que diz respeito à compreensão dos fenômenos clínicos que
vêm se apresentando a mim durante este período de exceção[2].

No modelo de “escolha livre Vs. escolha forçada” um pombo é


exposto a uma contingência concorrente: se bica o disco de uma
dada cor (braço A) acessa uma consequência “valiosa” (comida,
por exemplo). Se bica o disco de outra cor (braço B) produz a
oportunidade de uma nova escolha que, independentemente qual
seja, permitirá que o animal acesse consequência semelhante à
do primeiro cenário. O esquema abaixo (Fig. 1) pode ajudar na
compreensão do arranjo experimental.

(Catania, 1998) aponta que há uma “predileção” natural dos


organismos[3] pela escolha livre (braço B). Tal tendência é

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