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GESTÃO DA SAÚDE

PÚBLICA E PRIVADA

Autoria: Leticia Ferreira Menezes

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Profª. Kelly Luana Molinari
Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa
Prof. Ivan Tesck

Revisão Gramatical: Iara de Oliveira


Revisão Pedagógica: Ivan Tesck

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2017


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

614
M541g Menezes, Letícia Ferreira
Gestão da saúde pública e privada / Letícia Ferreira
Menezes. Indaial : UNIASSELVI, 2017.

89 p. : il.

ISBN 978-85-69910-40-4

1. Saúde Pública.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Leticia Ferreira Menezes

Possui graduação em Psicologia pela


Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR),
mestrado em Saúde Pública pela Universidade de
São Paulo (USP) e especialização em Tratamento de
Álcool e Drogas pela Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP). É doutoranda em Saúde Pública na
Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, trabalha
na rede SUS, em um CAPS AD, e, também, como
tutora de um curso EAD que visa capacitar
profissionais da rede pública no atendimento a
usuários de drogas.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)..................9

CAPÍTULO 2
Saúde Privada: Organização.................................................41

CAPÍTULO 3
Saúde Privada: Serviços........................................................63
APRESENTAÇÃO
Estudar os sistemas de saúde no Brasil é desafiar-se a penetrar em um
campo ainda desconhecido, com uma grande quantidade de siglas, leis e
portarias. Uma tarefa que pode assustar alguns, mas cuja recompensa ultrapassa
os objetivos pedagógicos. Conhecer o funcionamento do SUS e do Sistema
Privado de Saúde ajuda a fortalecer a conquista de direitos, como cidadão e como
profissional dessa área.

A proposta do SUS não é simples nem fácil: fornecer atendimento de


saúde de qualidade para um país com aproximadamente 200 milhões de
habitantes, com todas as especificidades de cada região. O processo histórico
de implantação desse sistema foi permeado por lutas políticas e embates entre
grupos que defendiam interesses distintos. Compreender essa construção é uma
importante ferramenta para pensar e agir sobre o SUS de hoje, com todas as suas
conquistas, falhas e potencialidades.

O Sistema de Saúde Privado, incluindo a Saúde Suplementar e a


Complementar, configura-se em outro formato, com outras prioridades e formas
de atuação. Atuando por meio dos planos de saúde, o desafio aqui é fornecer um
serviço que cubra as necessidades dos beneficiários e que seja economicamente
viável, tanto para o cliente quanto para a operadora. Além de tudo, é preciso estar
de acordo com as regulações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Porém, apesar de serem instâncias distintas, os dois Sistemas - Público e


Privado - dependem profundamente um do outro. Para garantir que o acesso seja
de qualidade, as Operadoras de Saúde precisam que o SUS esteja possibilitando
atendimento gratuito a uma grande parcela da população. E para que o SUS
possa garantir o funcionamento da rede pública, ele depende que os convênios
possibilitem os serviços oferecidos nos planos de saúde.

Ser um profissional da saúde implica uma série de responsabilidades


e definitivamente não é um trabalho simples. Por esse motivo o estudo e
aprimoramento é necessário. Estar implicado com a saúde da população
ultrapassa os limites de uma atividade laboral e atravessa questionamentos
éticos, direitos humanos, desigualdades sociais e exige do profissional um grande
investimento.

Pensando nessa necessária capacitação, este caderno de estudos tem como


objetivo formar os pós-graduandos nos estudos sobre a Gestão da Saúde Pública
e da Saúde Privada. Utilizando referências consagradas na área, o material
percorre o caminho histórico, dos antigos sistemas de saúde até a promulgação
do SUS, passando pela criação da ANS até chegar nas atuais tendências do
mercado da saúde suplementar.

Para isso, o material foi dividido em três capítulos:

• Capítulo 1 – Fundamentos do SUS: neste capítulo começamos a construir


a base do estudo sobre a Gestão da Saúde. É um capítulo denso, pois será
apresentado um breve histórico sobre a construção do SUS, seguido do estudo
das leis que sustentam o seu funcionamento. Também serão apresentadas as
bases da Gestão e Organização do SUS, as responsabilidades de cada esfera
administrativa e os fluxos de financiamento. Por fim, o capítulo um discorre sobre
a Política Nacional de Humanização do SUS.

• Capítulo 2 – Saúde Privada, Organização: nele serão relembrados os


modelos de saúde privada que existiam mesmo antes do SUS, afim de que você,
acadêmico(a), tenha mais elementos para pensar a atual configuração desse
sistema. Neste capítulo será apresentada a Gestão e Organização do Sistema
de Saúde Suplementar, incluindo aí sua legislação e agências de fiscalização. Ao
final do capítulo, entraremos em um interessante debate sobre a ética e bioética
da saúde.

• Capítulo 3 – Saúde Privada, Serviços: no último capítulo do caderno de


estudos, o conteúdo irá focar a organização da Saúde Privada, enfatizando a
diferença entre os serviços oferecidos, as especificidades de cada categoria de
produto – operadora, plano de saúde, convênios - e a relação entre eles. Será
abordado o papel decisório e regulatório da ANS e a sua importância nesse
mercado. Por fim, serão abordadas as Tendências e Financiamentos do mercado
de Saúde Suplementar, traçando um histórico das empresas de saúde até o
momento atual e quais são os desafios encontrados na atualidade.

Não será uma tarefa fácil, porém será gratificante e de grande valia para
seus estudos. Espera-se que possa reconhecer elementos de suas práticas no
material e que também possa aplicar os conhecimentos aqui adquiridos em suas
esferas de atuação profissional.

Desejo para todos bons estudos!

Atenciosamente,
A autora.
C APÍTULO 1
FUNDAMENTOS DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

Apresentar o processo histórico de construção do Sistema Único de Saúde, os



princípios, as diretrizes e a organização dos serviços.

Descrever a gestão, as responsabilidades e a legislação que define o



funcionamento do SUS.

Explicar a política de controle e participação social e conhecer as políticas de



humanização.

Comparar o Sistema Único de Saúde com políticas de saúde anteriores.


Identificar as principais leis e portarias referentes ao funcionamento do SUS.


Reconhecer as principais diretrizes e o funcionamento do SUS.



Gestão da Saúde Pública e Privada

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Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Contextualização
Olá, pós-graduando(a)! Este é o primeiro capítulo da disciplina
Conhecer o
de Gestão da saúde pública e privada. Esse módulo foi estruturado funcionamento do
e escrito para que você tenha uma noção clara da forma como o SUS, sua legislação,
sistema de saúde é estruturado no país, incluindo a saúde pública e a organização e
privada, e esse capítulo vai apresentar, também, o SUS. Conhecer o gestão, princípios
funcionamento do SUS, sua legislação, organização e gestão, princípios e diretrizes, é
um processo
e diretrizes, é um processo que ultrapassa as propostas pedagógicas.
que ultrapassa
Compreender e refletir sobre o sistema de saúde do seu país é uma as propostas
ferramenta que pode ser útil em seu espaço de trabalho e garantir que pedagógicas.
seus direitos como cidadãos sejam garantidos.

Este capítulo, intitulado Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS),


vai introduzir e apresentar, para você, o modelo de organização de saúde pública
no país, desde sua construção até a atualidade. Ele tem como objetivo oferecer
um panorama do modelo de organização da saúde pública no país, fornecendo,
assim, as bases sob as quais foram criados futuros desdobramentos, como a
organização da saúde privada, que você verá no capítulo 2.

O capítulo está dividido em quatro seções, no sentido de organizar o fluxo


de informações. Na primeira seção, história e legislação, será feito um resgate
histórico de como foi construído o Sistema Único de Saúde, quais eram os
modelos vigentes anteriormente e quais os atores envolvidos nesse processo.
Também serão apresentadas as principais leis que sustentam o SUS e que são a
base para a construção do sistema.

Após a apresentação da legislação existente, a segunda seção vai apresentar


os princípios e diretrizes do SUS, que são os direcionamentos éticos, políticos e
estratégicos desse modelo de saúde. Esse capítulo é muito importante, pois é
sobre esses direcionamentos que serão fundamentadas a gestão e a organização
do SUS. A terceira seção vai versar sobre as esferas de gestão, responsabilidades
de cada ente federado, financiamento e divisão dos serviços e unidades de
saúde. Por fim, na quarta seção, serão discutidos o controle social e as políticas
de humanização, explorando de que forma se dá a participação da população no
planejamento de atividades do sistema e apresentando uma prática relativamente
atual do SUS, de forma a utilizar todo o conhecimento acumulado no capítulo.

Você verá que esse capítulo contém bastantes leis, siglas, datas e outras
informações que podem assustar alguns. Não se preocupe! Não é preciso decorar
nenhum desses itens! Conforme você for avançando na leitura, perceberá que os
processos estão intimamente ligados, e que, se você compreender o contexto de

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Gestão da Saúde Pública e Privada

construção do SUS, atentar para os princípios e diretrizes expostos nas primeiras


leis, será fácil entender o quadro geral. Durante o texto, serão destacados os
assuntos de maior importância e indicadas as referências complementares para
aqueles que desejam aprofundar-se na temática. Está pronto? Então, vamos lá!

História do SUS e Legislação


Neste tópico se fará uma breve introdução sobre como o Sistema
Resgatar a história
é um exercício Único de Saúde (SUS) foi efetivamente implantado no Brasil, qual era
importante para o cenário existente na época e quais os principais atores envolvidos
compreender a nesse processo. Resgatar a história é um exercício importante para
atual conjuntura e, compreender a atual conjuntura e, principalmente, para buscar
principalmente, para propostas e ações mais efetivas e resolutivas. Pretende-se que, ao
buscar propostas e
ter contato com esse panorama, você possa compreender melhor as
ações mais efetivas
e resolutivas. articulações entre os processos econômicos, políticos e a organização
do atual sistema de saúde no país. Vamos lá?

A efetivação do SUS é bem recente. A Lei n. 8.080, conhecida como Lei


Orgânica da Saúde, foi aprovada apenas em 1990. É importante apontar que essa
lei só foi efetivada após intensa pressão popular por parte da sociedade civil. O
movimento pela reforma sanitária defendia um modelo de saúde que visava não
apenas à solução dos problemas de ordem biológica, mas sim ao direito à saúde,
entendendo a saúde como uma questão social, política e dever do Estado. Essas
características vão se mostrar presentes nos princípios e formulações do SUS.

A reforma sanitária foi um movimento que tinha como objetivo


modificar as condições de saúde da população brasileira, com pautas
a favor da democracia, gratuidade dos serviços de saúde e outros.

Voltemos um pouco à história, então. O período compreendido entre o


Colonialismo Português (1500 – 1822) e Império (1822 – 1889) foi marcado por
pouco investimento na área da saúde por parte do Poder Público e pela falta de
um sistema de saúde estruturado. As ações sanitárias eram bem pontuais e o
acesso dependia do local social ocupado pelo indivíduo. Veja:

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Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Dado que inexistia um sistema de saúde formalmente


estruturado, as ações eram de caráter focal, sendo que grande
parte da população se utilizava da medicina de "folk", enquanto
que os senhores do café tinham acesso aos profissionais legais
da medicina, que eram trazidos de Portugal (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996, p. 382).

As ações coletivas eram feitas no formato de campanhas focais e ocorriam


principalmente nas áreas de maior circulação de pessoas. Nessa época, começam
a surgir as primeiras instituições de controle sanitário dos portos e das epidemias.

O período da República Velha ou Primeira República (1889 – 1930) trouxe


grandes mudanças, começando pela abolição da escravatura (1888), que
intensificou o fluxo de imigrantes para o país, tornando as condições sanitárias e
de saúde mais precárias e complexas. A partir desse quadro, a interferência estatal
sobre a saúde da população aumentou, mas ainda seguia o modelo campanhista,
com objetivos pontuais e sem a participação e envolvimento da população. A
cidade do Rio de Janeiro foi palco de um dos grandes marcos sanitários da época,
o evento que ficou conhecido como Revolta da Vacina, quando foi imposta uma
vacinação obrigatória por conta da varíola, sancionada pelo conhecido Oswaldo
Cruz.

Em 1930, inicia a era Vargas com o rompimento da hegemonia presidencial


pelos estados de Minas Gerais e São Paulo. Essa época é marcada por um
crescimento industrial e uma maior preocupação com o estado de saúde dos
trabalhadores. Importante citar, também, a construção da Previdência Social
no Brasil, que vai estruturar os primeiros sistemas de saúde. Em 1923, foram
instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPS), sendo substituídas, em
1933, pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP). É com a organização
dessas entidades que é criado o SAMDU, Serviço de Assistência Médica
Domiciliar e de Urgência, em 1949:

É a partir principalmente da segunda metade da década de 50,


com o maior desenvolvimento industrial, com a consequente
aceleração da urbanização, e o assalariamento de parcelas
crescente da população, que ocorre maior pressão pela
assistência médica via institutos, e viabiliza-se o crescimento
de um complexo médico hospitalar para prestar atendimento
aos previdenciários (POLIGNANO, 2001, p. 11).

Prosseguindo na cronologia, no ano de 1953 é criado o Ministério da Saúde,


ainda com uma estrutura frágil e que não se propunha a atender a todas as
pessoas:
O sistema de saúde era formado por um Ministério da
Saúde subfinanciado e pelo sistema de assistência médica

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Gestão da Saúde Pública e Privada

da previdência social, cuja provisão de serviços se dava por


meio de institutos de aposentadoria e pensões divididos por
categoria ocupacional [...] cada um com diferentes serviços e
níveis de cobertura. As pessoas com empregos esporádicos
tinham uma oferta inadequada de serviços, composta por
serviços públicos, filantrópicos ou serviços de saúde privados
pagos do próprio bolso (PAIM et al., 2011, p. 17).

Durante o mandato do presidente Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), houve


uma grande abertura ao capital estrangeiro e à iniciativa privada, aumentando a
prestação privada de serviços de saúde e surgimento de empresas específicas
desse ramo.

Quanto à Previdência Social, em 1960 havia sido iniciado um processo de


unificação das IAP, juntando todas as categorias profissionais sob um mesmo
regime de Previdência. Em 1967, é oficialmente criado o INPS (Instituto Nacional
de Previdência Social). Com essa unificação, o número de contribuintes e,
consequentemente, de beneficiários aumentou de forma considerável, exigindo
maior sofisticação dos aparelhos estatais. Em 1978, é criado, então, o INAMPS
(Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social).

Neste período, já entramos na Ditadura Militar (1964 – 1985).


Devido ao regime
de censura política Apesar de ter sido um período de intenso crescimento do setor privado,
implantado na também é nessa época que começam as primeiras articulações as quais
época, o movimento resultarão na criação do SUS. Devido ao regime de censura política
sanitário começa implantado na época, o movimento sanitário começa a surgir dentro
a surgir dentro das das universidades, espaço onde era possível contestar minimamente
universidades,
as imposições do governo. Esse movimento vai questionar, também,
espaço onde era
possível contestar o modelo curativo da saúde, ou seja, equipamentos e profissionais de
minimamente as saúde que só intervém no caso de doença, ignorando propostas de
imposições do prevenção e promoção:
governo.
O movimento sanitário, que remonta aos primeiros anos da
Ditadura Militar, difundia um novo paradigma científico com a
introdução das disciplinas sociais na análise do processo saúde-
doença. Através delas, o método histórico-estrutural passou
a ser utilizado no campo da saúde, buscando compreender
processos como a "determinação social da doença" e a
"organização social da prática médica” (BERTOLOZZI;
GRECO, 1996, p. 390).

O fim da ditadura militar instaura um marco político, no qual as propostas


dos direitos sociais voltam a ser discutidas. Em 1986, ocorreu a VIII Conferência
Nacional de Saúde, que inovou ao envolver na discussão trabalhadores,
pesquisadores, membros civis e outros. Em 1987, é criado o SUDS (Sistema
Unificado e Descentralizado da Saúde), dando sinais de um novo modelo de

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Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

saúde, como transferência dos serviços de saúde para os estados e municípios e


um gestor único em cada esfera de governo.

A Constituição Federal de 1988 (CF), conhecida como Constituição


Democrática, dita os rumos da saúde pública a partir do artigo 196:

A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo


mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação (BRASIL, 1988).

Dois pontos são dignos de destaque. Primeiramente, o acesso à saúde é


estendido a todos os cidadãos, independentemente de serem contribuintes da
Previdência Social. A partir dessa constituição não é preciso estar empregado
para ter acesso aos serviços. O outro ponto é o rompimento com um modelo
exclusivamente curativo e hospitalocêntrico, sendo garantidas, também, as
práticas de promoção, proteção e recuperação.

Antes da criação do SUS, a assistência à saúde no Brasil


tinha uma estreita conexão com as atividades previdenciárias,
e o sistema de caráter contributivo gerava uma divisão da
população brasileira em dois grandes grupos:
previdenciários e não previdenciários. A realidade Os valores de
social era a exclusão da maior parte dos cidadãos cidadania e de
do direito à saúde (NEVES, 2012, p. 14). democracia,
a inclusão da
Os valores de cidadania e de democracia, a inclusão da comunidade na
comunidade na participação e outros princípios incluídos no SUS são participação e outros
um reflexo do momento histórico, de um país que acabava de sair de princípios incluídos
no SUS são um
um modelo regimental de ditadura, no qual os governantes não eram
reflexo do momento
escolhidos por participação popular e a opinião da sociedade civil não histórico, de um
era considerada. Porém, apesar dessa intensa mobilização social, a lei país que acabava
orgânica do SUS só foi aprovada em 1990, e, ainda assim, sofrendo de sair de um
importantes vetos, os quais só seriam recuperados na Lei n. 8.142/1990. modelo regimental
de ditadura, no qual
os governantes não
Você percebe como o movimento de implantação de um regime
eram escolhidos por
nacional e unificado de saúde só foi conquistado após muitos anos? Ao participação popular
longo da história, o sistema de saúde no Brasil sempre acompanhou e a opinião da
os movimentos políticos e econômicos, sofrendo reveses e vitórias. A sociedade civil não
implantação do SUS se dá em um momento de grande agitação política, era considerada.
no qual diversos atores e setores sociais se mobilizam para garantir
um sistema que obrigasse o Estado a cumprir seu dever de fornecer serviços de
saúde para toda a população, independente da sua posição social.

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Gestão da Saúde Pública e Privada

Para aquele que deseja conhecer mais a fundo o histórico da


saúde pública no Brasil e o processo de construção do SUS, indico o
seguinte livro:

ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo:


Hucitec, 1994.

Após esse longo processo, era preciso firmar uma legislação que assegurasse
a implantação do sistema de saúde no país. São três os principais documentos
que constituem o alicerce legal para a existência do SUS, além de direcionar
seus princípios e diretrizes: a Constituição Federal de 1988, a Lei n. 8.080/1990
(também conhecida como Lei Orgânica da Saúde) e a Lei n. 8.142/1990. Na
sequência, estudaremos com mais detalhe cada uma delas.

A Constituição A Constituição Federal de 1988, também conhecida como


Federal de 1988, Constituição Cidadã, assegurou diversos direitos fundamentais. O texto
também conhecida que diz respeito à saúde pública se encontra no Título VII – Da Ordem
como Constituição Social, que traz a base da seguridade social no Brasil, composta pelos
Cidadã, assegurou
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Abaixo
diversos direitos
fundamentais. reproduzimos, na íntegra, alguns pontos importantes:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação.
[...]
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma
rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
[...]
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada
(BRASIL, 1988).

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Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

O texto da Constituição Federal de 1988 foi a primeira ação legal


O texto da
no sentido de firmar as bases de construção do SUS. Podemos verificar
Constituição
a incorporação de um conceito mais abrangente de saúde do que o Federal de 1988
utilizado até agora, enfatizando as ações de prevenção, promoção e foi a primeira ação
recuperação, além de um compromisso Estatal com o provimento de legal no sentido de
serviços de saúde gratuitos para toda a população. Porém, apesar do firmar as bases de
avanço conquistado, importantes questões não foram contempladas, construção do SUS.
Podemos verificar
como o financiamento do sistema, a política de medicamentos e outros.
a incorporação de
As leis, aprovadas na sequência, definiram, de forma mais detalhada, o um conceito mais
funcionamento e a gestão do sistema. abrangente de
saúde do que o
A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, foi sancionada dois utilizado até agora,
anos após a Constituição Cidadã. A aprovação se deu durante o governo enfatizando as
ações de prevenção,
do presidente Fernando Collor de Melo, que chegou a vetar importantes
promoção e
pontos da lei, parcialmente recuperados na Lei n. 8.142/1990. Ela recuperação, além
também é conhecida como Lei Orgânica do SUS, pois regula, em todo de um compromisso
território nacional, as ações e os serviços de saúde. Para direcionar Estatal com o
os estudos, serão expostos, aqui, os principais trechos, destacando provimento de
os pontos que forem importantes para a compreensão do capítulo, serviços de saúde
gratuitos para toda a
porém é recomendado que você procure a lei e faça uma leitura do seu
população.
conteúdo completo. Vamos lá?

No site do Conselho Nacional de Saúde você encontra essa e


outras leis importantes para o estudo do SUS. Veja:

Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/legislacao/>

Na Lei n. 8.080/1990, o Título I – Das Disposição Gerais vem reafirmar a


posição já apontada na Constituição Federal de 1988, ou seja, a saúde é um direito
e cabe ao Estado prover os serviços necessários para a população. Também vai
reforçar os fatores que determinam e condicionam a saúde, baseando-se numa
política pública comprometida com a atenção integral à saúde, com a qualidade
de vida e com ações executadas a partir de uma perspectiva intersetorial (NEVES,
2012).

Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano,


devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.
§ 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na

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Gestão da Saúde Pública e Privada

formulação e execução de políticas econômicas e sociais que


visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos
e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.
[...]
Art. 3º. Os níveis de saúde expressam a organização social
e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 1990a).

O Título II – Do Sistema Único de Saúde, Capítulo I versará sobre os


objetivos do SUS, além de delimitar o conjunto de ações e serviços que são da
sua competência:

Art. 5º. São objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS):


I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e
determinantes da saúde;
II - a formulação de política de saúde destinada a promover,
nos campos econômicos e sociais, a observância do disposto
no § 1º do art. 2º desta lei;
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização
integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema
Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de
vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de
assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de
ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área
de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e
a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e
substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas
para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção,
transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos
psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento
científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus
derivados (BRASIL, 1990a).

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Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Você sabia que todas essas atribuições são responsabilidade do


SUS? Além de cuidar de todo o sistema de saúde no país, ele também
deve realizar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
controle e fiscalização de procedimentos e substâncias de interesse
da saúde, fiscalizar e inspecionar alimentos e outros.

O Capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes tratará sobre aqueles que são os


princípios norteadores do SUS, os eixos políticos e organizadores que direcionarão
o funcionamento do sistema. Dada a relevância dos princípios e diretrizes, eles
serão abordados de forma mais detalhada na próxima seção.

O Capítulo III – Da organização, da Direção e da Gestão, e o Capítulo IV


– Da Competência e das Atribuições se referirá à organização administrativa e
decisória do SUS:

Art. 8º. As ações e serviços de saúde, executados pelo


Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante
participação complementar da iniciativa privada, serão
organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis
de complexidade crescente.
Art. 9º. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única,
de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal,
sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes
órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva
Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente (BRASIL, 1990a).

O que significa afirmar que as ações e serviços serão organizados de forma


regionalizada e hierarquizada? Os dois conceitos estão intimamente ligados. O
princípio da regionalização visa garantir um maior acesso à saúde da população,
fazendo com que os processos decisórios sejam feitos em um contexto mais
próximo da população. Já a hierarquização se refere à organização dos serviços
de saúde em nível de complexidade, de forma a garantir que os serviços básicos
de saúde estejam localizados de forma próxima da comunidade.

E o que quer dizer “a direção do SUS é única”?

A direção única em cada esfera de governo significa que o


Sistema Único de Saúde – embora conceitualmente uno,

19
Gestão da Saúde Pública e Privada

porque informado pelos mesmos princípios e diretrizes na


União, nos estados, no Distrito Federal e nos Municípios –
deve ser operado, em cada uma dessas esferas de governo,
segundo os interesses e peculiaridades de cada uma das
entidades estatais, e nos termos da respectiva autonomia
política e administrativa e da competência que a cada uma
é atribuída pela Constituição da República, Lei Orgânica da
Saúde e legislação suplementar federal, estadual, distrital ou
municipal, conforme o caso (CARVALHO; SANTOS, 2006, p.
87).

Os conceitos de descentralização, regionalização e hierarquização serão


apresentados de forma mais detalhada na seção que tratará da Organização e
Gestão do SUS.

O Título III – Dos Serviços Privados de Assistência à Saúde abordará o


funcionamento dos serviços privados de assistência em saúde:

Art. 20. Os serviços privados de assistência


à saúde caracterizam-se pela atuação, por
iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente
habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na
promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à
saúde, serão observados os princípios éticos e as normas
expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde
(SUS) quanto às condições para seu funcionamento (BRASIL,
1990a).

A assistência à saúde é livre à iniciativa privada, ou seja, é permitido que


instituições particulares ofereçam serviços, porém, nessa prestação de serviço,
devem ser cumpridos os princípios éticos e as normas acordadas pelo SUS. Em
casos nos quais os equipamentos públicos forem insuficientes, poderão ser feitos
consórcios com os serviços privados.

O Título V – Do Financiamento tratará do repasse de recursos e


da manutenção financeira do sistema. Para contemplar a proposta de
descentralização, é pressuposto um repasse financeiro dos recursos da União
para os Estados e Municípios. Para definir o valor repassado, serão considerados
o perfil demográfico da região, perfil epidemiológico da população, características
da rede de saúde da área, níveis de participação do setor saúde nos orçamentos
estaduais e municipais, entre outros critérios. Neste título, também é citada a
questão do planejamento e do orçamento. O planejamento ocorrerá de forma
ascendente, do Município até a União, e será a base das atividades e previsão
orçamentária.

20
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Como já foi mencionado, a Lei n. 8.080/1990 sofreu importantes vetos


presidenciais na data do seu lançamento, afetando, principalmente, as
deliberações de financiamento e de participação popular. Apesar disso, ela avança
no sentido de decidir algumas das principais diretrizes e formas de funcionamento
do SUS. Em seguida, veremos a Lei n. 8.142/1990, o último dos documentos aqui
abordados, historicamente importante para a implantação efetiva do SUS.

A Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, foi aprovada alguns meses


após a Lei n. 8.080/1990. Ela é mais sucinta e vai dispor principalmente de duas
frentes: a participação popular na formulação, gestão e fiscalização do SUS e
as transferências intergovernamentais de recursos financeiros. Mais uma vez,
exporemos aqui os trechos importantes para nosso estudo, mas não deixe de
fazer uma leitura cuidadosa da lei completa.

A Lei n. 8.142/1990 encontra-se disponível na íntegra no


seguinte endereço eletrônico: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L8142.htm>.

Você se lembra de que uma das pautas principais da implantação do SUS


foi a maior participação da população? O movimento da Reforma Sanitária surgiu
durante a década de 70, época da ditadura militar, período onde as opiniões e
a participação popular não tinham espaço, sobretudo nas decisões estatais.
Sendo assim, uma das principais bandeiras do movimento foi justamente inserir a
população nos espaços deliberativos, incluindo a saúde. A Lei n. 8.142/1990 vai
fazer valer essa reivindicação, implantando o controle social:

Art. 1°. O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n°


8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de
governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com
as seguintes instâncias colegiadas:
I - a Conferência de Saúde; e
II - o Conselho de Saúde (BRASIL, 1990b).

Esses dois órgãos colegiados – conferência e conselhos – são os espaços


deliberativos nos quais o planejamento, as decisões e a fiscalização dos serviços
ocorrerão e, em cada um deles, é garantida a participação da população.
A participação dos cidadãos é paritária em relação aos outros segmentos
– representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais e outros -
visando garantir um processo democrático com a presença de todas as partes

21
Gestão da Saúde Pública e Privada

envolvidas. Na seção sobre o Controle Social e Políticas de Humanização


veremos, com mais detalhes, de que forma se dá esse controle social na prática.

Em seguida, a lei vai tratar do repasse dos recursos do Fundo Nacional de


Saúde (FNS):

Art. 2°. Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão


alocados como:
I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde,
seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta;
II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do
Poder Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional;
III - investimentos previstos no Plano Quinquenal do Ministério
da Saúde;
IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem
implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal
(BRASIL, 1990b).

Os recursos do FNS serão destinados, pelo menos, setenta por cento aos
Municípios e o restante aos Estados. Porém, para receber esse repasse, os
Municípios e Estados devem cumprir com uma série de exigências:

Art. 4°. Para receberem os recursos de que trata o art. 3° desta lei,
os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo
com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990;
III - plano de saúde;
IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata
o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo
orçamento;
VI - comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos
e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua
implantação (BRASIL, 1990b).

Essas são as principais leis que formam a base de funcionamento e


organização do SUS. Para você que deseja aprofundar seus estudos, segue, na
sequência, um conjunto de outras leis, portarias e emendas que também versam
sobre pontos importantes da saúde pública:

• Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (1996) – redefine o


modelo de gestão do SUS.

• Portaria GM/MS n. 1.882 (1997) – Estabelece o piso de atenção básica (PAB)


e sua composição.

22
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

• Portaria GM/MS n. 1.886 (1997) – Aprova normas e diretrizes do Programa


de Agentes Comunitários de Saúde e do Programa de Saúde da Família.

• Portaria GM/MS n. 3.916 (1998) - Define a Política Nacional de Medicamentos.

• Lei n. 9.782 (1999) - Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria


a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

• Lei n. 9.961 (2000) - Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS.

Princípios e Diretrizes do SUS


Agora que já estudamos o histórico de construção do SUS e as principais
leis que dão suporte para seu funcionamento, prosseguiremos com um estudo
mais detalhado de outros aspectos importantes. Nesta seção, estudaremos os
Princípios e as Diretrizes do SUS. Você provavelmente já deve ter ouvido essas
palavras, mas sabe o que significam?

A escolha dos princípios e das diretrizes não se deu de forma aleatória e


desarticulada, todos foram construídos levando-se em consideração situações
históricas que culminaram na necessidade de criá-los. Os princípios e diretrizes
constituem a base do funcionamento do SUS, são os eixos que ordenarão toda a
organização do sistema. Os princípios representam uma finalidade, objetivos. São
as metas que devem ser alcançadas, representando os valores e preceitos do
SUS. Já as diretrizes se referem às estratégias, os meios utilizados para alcançar
os objetivos traçados pelos princípios: “[...] a denominação princípios é dada para
a base filosófica, cognitiva e ideológica do SUS, e a designação diretrizes se
refere à forma, às estratégias e aos meios de organização do sistema para a sua
concretização” (MATTA, 2007, p. 248).
Todos os cidadãos
O primeiro princípio é o da universalidade, expresso pelo Artigo – sem distinção
196 da Constituição Federal: “A saúde é direito de todos e dever do de raça, gênero,
Estado [...]” (BRASIL, 1988). Como você já aprendeu, antes da criação religião ou qualquer
outra forma de
do SUS os serviços públicos de saúde só eram fornecidos a uma
discriminação
parcela da população, aquela que possuía carteira assinada. O SUS – têm direito
afirma, então, como princípio que todos os cidadãos – sem distinção de ao acesso aos
raça, gênero, religião ou qualquer outra forma de discriminação – têm serviços de saúde
direito ao acesso aos serviços de saúde disponibilizados pelo Estado. disponibilizados pelo
Estado.
Outro princípio é o da equidade. Apesar do acesso à saúde
ser universal, sabemos das desigualdades sociais que fazem com que certos

23
Gestão da Saúde Pública e Privada

estratos sociais tenham maior dificuldade em conseguir um determinado serviço,


em implantar práticas de prevenção e promoção no seu território, e outros.
Como alguns autores mencionam, o princípio da equidade diz respeito a “tratar
desigualmente os desiguais”.

A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar


desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.
Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural,
é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios
da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a
iguais ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante,
e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a
norma universal da criação, pretendendo não dar a cada um, na
razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se
equivalessem.

Fonte: BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de


Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999.

Como coloca Carmem Teixeira (2011, p. 5):

O ponto de partida da noção de equidade é o reconhecimento


da desigualdade entre as pessoas e os grupos sociais e o
reconhecimento de que muitas dessas desigualdades são
injustas e devem ser superadas. Em saúde, especificamente,
as desigualdades sociais se apresentam como desigualdades
diante do adoecer e do morrer, reconhecendo-se a possibilidade
de redução dessas desigualdades, de modo a garantir
condições de vida e saúde mais iguais para todos.

Um exemplo de práticas que visam promover a equidade são os programas


voltados especificamente para grupos vulneráveis, como indígenas, população
LGBT e mulheres.

24
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Atividade de Estudo:

1) Analise a imagem abaixo e aponte em qual de suas partes está


sendo aplicado o princípio da equidade.

Figura 1 – Princípio da equidade

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/z9thl4>. Acesso em: 22 jul. 2016.

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Por fim, temos o princípio da integralidade. A noção de integralidade


pode ser compreendida em vários níveis no campo da saúde, representando
um esforço para oferecer um sistema de saúde que supra as necessidades do
cidadão em todas as esferas necessárias. O princípio integralidade diz respeito
à nova configuração do SUS, que agrupa em apenas um sistema organizativo as
práticas de prevenção, de cuidado e de promoção:

Um modelo “integral”, portanto, é aquele que dispõe de


estabelecimentos, unidades de prestação de serviços,

25
Gestão da Saúde Pública e Privada

pessoal capacitado e recursos necessários, à produção de


ações de saúde que vão desde as ações inespecíficas de
promoção da saúde em grupos populacionais definidos,
às ações específicas de vigilância ambiental, sanitária e
epidemiológica dirigidas ao controle de riscos e danos, até
ações de assistência e recuperação de indivíduos enfermos,
sejam ações para a detecção precoce de doenças, sejam
ações de diagnóstico, tratamento e reabilitação (TEIXEIRA,
2011, p. 6).
A integralidade diz
respeito também A integralidade diz respeito também ao oferecimento de serviços
ao oferecimento
em diversos níveis de atenção, considerando que o ser humano não é
de serviços em
diversos níveis composto por “partes”, mas sim um ser integral, biopsicossocial e que
de atenção, deve ser atendido em todas as suas demandas. De forma resumida, a
considerando que integralidade pode ser definida como “[...] o homem é um ser integral,
o ser humano não biopsicossocial, e deverá ser atendido com esta visão integral por um
é composto por sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e
“partes”, mas sim
recuperar sua saúde” (BRASIL, 1990b).
um ser integral,
biopsicossocial
e que deve ser Agora, apresentados os princípios, vamos para as diretrizes. Como
atendido em todas já foi explicado, as diretrizes são as estratégias e as ferramentas que
as suas demandas. serão utilizadas para que os princípios sejam garantidos.

A descentralização diz respeito à transferência de poder político, de


responsabilidade e recursos, da esfera Federal para os Estados e Municípios. Por
meio das Leis n. 8.080/1990 e n. 8.142/1990, e das chamadas NOBS (Normas
Operacionais) serão estabelecidas quais as responsabilidades pertinentes à cada
esfera administrativa.

A regionalização e hierarquização se referem à forma de organização


dos serviços, tanto territorialmente quanto por especificidade das práticas
ofertadas. A regionalização introduz a noção de território, que determina o perfil
da população a ser atendida em um determinado espaço físico delimitado. Essa
divisão espacial contempla tanto o espaço político-administrativo – como um
bairro ou uma cidade – quanto as especificidades de determinada população –
como demarcações indígenas, populações ribeirinhas. A hierarquização classifica
os diversos equipamentos de saúde em níveis de oferta de serviços, por meio
do estabelecimento de uma rede que conecta unidades mais simples – como as
Unidades Básicas de Saúde – com as que demandam mais recursos tecnológicos
– como os Hospitais Especializados. Essa rede se organizará de forma a garantir
acesso a todas as demandas do usuário do SUS, desde ações de prevenção até
procedimentos complexos.

Por fim, temos a diretriz que contempla a participação da comunidade,


representada aqui pelos Conselhos e Conferências de Saúde. Como forma

26
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

de garantir os princípios do SUS, é pressuposta a participação da população


e comunidade nas deliberações e fiscalização do sistema. Como você deve
recordar, o Sistema Único de Saúde foi criado justamente por demanda dos
cidadãos, que exigiam um modelo de saúde que contemplasse a todos. Essa
diretriz vem, então, reforçar esse movimento, garantindo uma representatividade
popular nas decisões e no planejamento dos serviços de saúde no país.

O SUS é um sistema orgânico, vivo e em constante construção.


O SUS é um sistema
A busca popular por um sistema de saúde que atendesse a toda orgânico, vivo
a população, de forma gratuita e integral, levou à formulação de e em constante
princípios e diretrizes que visam garantir esse acesso. A partir dessas construção. A busca
formulações, foram sendo criadas ferramentas e mecanismos que popular por um
fizessem valer as leis. sistema de saúde
que atendesse a
toda a população,
de forma gratuita
Organização e Gestão do SUS e integral, levou
à formulação
de princípios e
Imagine um sistema de saúde gratuito responsável por atender diretrizes que
a um país do tamanho do Brasil. Não parece simples, não é? Para visam garantir esse
garantir que os princípios de universalidade, equidade e integralidade acesso.
sejam cumpridos, são necessários mecanismos de organização e
gestão, envolvendo os entes federados – União, Estados e Municípios. Agora
será apresentado, de forma mais aprofundada, como a gestão e organização do
SUS é realizada, partindo das diretrizes de descentralização, regionalização e
hierarquização. Vamos lá?

O princípio da descentralização opõe-se a uma forma de gestão que


concentrava todas as decisões em um único órgão, muitas vezes distante da
região foco das ações. A nova estratégia proposta é justamente atender melhor às
demandas populacionais, aproximando os órgãos gestores da comunidade alvo.
Nesse sentido, foram divididas funções entre os entes federados, privilegiando a
municipalização:

A noção de que o município é o mais adequado


âmbito para tratar a questão da saúde de maneira
direta, uma vez que é o ente federado mais próximo da
população, capaz, portanto, de identificar as peculiaridades e as
diversidades locais e adaptar as estratégias para a superação
dos problemas de saúde, de forma integral (BARATA; TANAKA;
MENDES, 2004, p. 15).

Essa nova forma de organização vem também para sanar um problema


do antigo sistema, em que diversos órgãos ditavam as decisões e os rumos da
saúde. Como você deve lembrar, anteriormente, as decisões referentes à área da

27
Gestão da Saúde Pública e Privada

saúde eram responsabilidade do Ministério da Previdência Social, que, ao mesmo


tempo, também compreendia as funções do Ministério da Saúde. Quando a Lei
n. 8.080/1990 coloca “descentralização, com direção única em cada esfera de
governo” é justamente para impedir que órgãos distintos versem sob a gestão do
SUS, promovendo uma gestão mais organizada.

O processo de O processo de descentralização no país pode ser classificado,


descentralização então, como político-administrativo, ou seja, envolve não só a
no país pode ser transferência de serviços, mas também de poder, de responsabilidade
classificado, então,
e de recursos. Para que isso seja efetivo, é preciso estar bem claras as
como político-
administrativo, ou competências cabíveis a cada esfera organizativa. O texto Princípios
seja, envolve não Organizativos e Instâncias de Gestão do SUS (MACHADO; LIMA;
só a transferência BAPTISTA, 2011, p. 55) divide em quatro categorias as funções que
de serviços, mas cabem a elas:
também de poder,
de responsabilidade
• Formulação de políticas/planejamento;
e de recursos.
• Financiamento;
• Regulação, coordenação, controle e avaliação (do sistema/redes e
dos prestadores, públicos ou privados);
• Prestação direta de serviços de saúde.

Cada uma dessas funções se divide em outras, que serão separadas, de


acordo com suas características, entre os entes federados:

Compreender as atribuições dos gestores do SUS nos três


níveis de governo requer, portanto, uma reflexão sobre as
especificidades da atuação de cada esfera no que diz respeito a
essas funções gestoras, de forma coerente com as finalidades
de atuação do Estado em cada nível de governo, com os
princípios e objetivos estratégicos da política de saúde e para
cada campo de atuação do Estado na saúde (assistência
à saúde, vigilância sanitária, vigilância epidemiológica,
desenvolvimento de insumos para a saúde e recursos
humanos, entre outros) (MACHADO; LIMA; BAPTISTA, 2011,
p. 15)

Quais são, então, as responsabilidades referentes à cada ente federado? O


que cabe à União, aos Estados e aos Municípios?

28
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Segue, na sequência, uma relação que aponta algumas dessas


competências, referente a cada núcleo gestor. Lembrando que, no
caso do Distrito Federal, as responsabilidades do nível Estadual e
Municipal se somam. Veja:

Esfera de Governo: Federal


Gestor: Ministério da Saúde
Atribuições:
• Formulações das políticas nacionais de saúde;
• Planejamento e desenvolvimento de políticas nos campos de
tecnologias, insumos e recursos humanos;
• Financiamento das ações de saúde por meio de distribuição
dos recursos públicos arrecadados, papel redistributivo dos
recursos;
• Coordenação de redes de referência de caráter interestadual/
nacional.

Esfera de Governo: Estadual


Gestor: Secretaria Estadual de Saúde
Atribuições:
• Promoção da regionalização;
• Apoio e incentivo às secretarias municipais de saúde;
• Definir as prioridades estaduais;
• Definição dos critérios de alocação de
recursos federais e estaduais entre
municípios;
• Responsabilidade sob áreas estratégicas: serviços
assistenciais de referência estadual/regional, ações de maior
complexidade de vigilância epidemiológica ou sanitária.

Esfera de Governo: Municipal


Gestor: Secretaria Municipal de Saúde
Atribuições:
• Identificação de problemas e definição de prioridades no
âmbito municipal;
• Organização da oferta de ações e serviços públicos e
contratação de privados, quando necessário;
• Organização das portas de entrada do sistema,
estabelecimento de fluxos de referência e integração da rede
de serviços à nível estadual;

29
Gestão da Saúde Pública e Privada

• Gerência das unidades de saúde, contratação, administração


e capacitação de profissionais de saúde.

Passemos, então, para os princípios de regionalização e


Ou seja, esses dois
conceitos estão hierarquização. O Artigo 198, da Constituição Federal de 1988,
intimamente ligados institui que “As ações e serviços públicos de saúde integram uma
e dirão respeito rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único
à forma como os [...]” (BRASIL, 1988). Ou seja, esses dois conceitos estão intimamente
serviços de saúde ligados e dirão respeito à forma como os serviços de saúde se
se organizarão nos
organizarão nos territórios.
territórios.

Como já foi colocado anteriormente, território é um espaço político-


administrativo que se constituiu na unidade mínima onde se organizará a rede de
serviços de saúde. Rede pode ser definida como “[...] um conjunto de unidades,
de diferentes funções e perfis de atendimento, que operam de forma ordenada
e articulada no território, de modo a atender às necessidades de saúde de uma
população” (MACHADO; LIMA; BAPTISTA, 2011, p. 132). A construção da rede
é organizada de forma a suprir as demandas dos territórios e garantir o acesso a
todos os tipos de serviços necessários para aquela população.

30
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Figura 2 – Rede de Atenção à Saúde

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/RnVSdU>. Acesso em: 18 maio 2016.

É possível observar a presença de equipamentos de saúde distintos, cada


um com sua especificidade. As unidades se conectam de forma a atender às
demandas de cada indivíduo de forma integral. Assim, caso determinada unidade
não seja suficiente para suprir certa necessidade, o usuário é encaminhado para
outra, conectada na rede, que garantirá o serviço:

Existe uma relação intrínseca entre a organização da atenção


à saúde em rede e os objetivos da universalidade, equidade
e integralidade. Em uma rede, os equipamentos e serviços
não funcionam de forma isolada, responsabilizando-se
conjuntamente pelo acesso, atenção integral e continuidade do
cuidado à saúde das pessoas (MACHADO; LIMA; BAPTISTA,
2011, p. 124).

Com essa discussão, já podemos entrar na definição de hierarquização


dos serviços. A necessidade de hierarquizar e classificar os serviços de saúde
se dá pela necessidade de fazer cumprir os princípios: Universidade, Equidade
e Integralidade. Você se recorda que um dos pilares do Movimento da Reforma
Sanitária – responsável pela construção do SUS – foi a reinvindicação de um
modelo de saúde que não focasse apenas nas práticas curativas, mas também
nas práticas de prevenção, promoção e recuperação? Voltemos ao Artigo 196 da
Constituição Federal de 1988:

31
Gestão da Saúde Pública e Privada

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


A saúde é direito mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
de todos e dever do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
do Estado, e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
garantido mediante e recuperação (BRASIL,1988).
políticas sociais e
econômicas que Para garantir a efetivação dessas práticas, foi planejado um
visem à redução do
modelo de organização no qual os serviços são divididos de acordo
risco de doença e de
outros agravos e ao com suas especificidades, não privilegiando apenas hospitais e
acesso universal e prontos-socorros - que têm uma ação mais pontual sobre a doença -
igualitário às ações mas também equipamentos que promovessem uma saúde integral do
e serviços para sua usuário. Essa estratégia de organização é a hierarquização: os serviços
promoção, proteção são divididos em diferentes níveis de atenção e complexidade.
e recuperação
(BRASIL,1988).
O primeiro nível é o de atenção primária, que envolve os serviços
e equipamentos básicos da saúde, como Unidades Básicas de Saúde
e Estratégia de Saúde da Família, portas de entrada para o SUS. Ou seja, são os
primeiros serviços que o usuário vai procurar, e que vão inseri-lo na rede. Para
compreendermos melhor o que é um serviço da atenção primária, veja a descrição
da Estratégia da Saúde da Família:

A Estratégia da Saúde da Família (ESF) é entendida


como uma estratégia de reorganização do modelo de
assistência, possibilitada por meio da locação de equipes
multiprofissionais em unidades básicas de saúde (UBS). [...]
Este modelo visa superar a antiga concepção centrada na
doença, desenvolvendo-se por meio de práticas gerenciais e
sanitárias participativas que possibilitam o compromisso e a
corresponsabilidade destes profissionais com os usuários e a
comunidade (NEVES, 2012, p. 35).

Fazem parte dos equipamentos da atenção secundária os estabelecimentos


de média complexidade, como ambulatórios e clínicas especializadas. Por fim,
na atenção terciária são incluídos os equipamentos de alta complexidade, como
hospitais gerais e procedimentos de alto custo, como hemodiálise, quimioterapias
e outros.

Você pode perceber que a rede de saúde – construída a partir dos


princípios de regionalização e hierarquização – é extremamente importante
para o bom funcionamento do SUS. Em um município com poucos habitantes
não é necessária a presença de um grande hospital, com procedimentos de alta
tecnologia, uma vez que não haveria demanda para tal. Porém, caso um usuário
desse município precise acessar esse serviço, deve ser garantido a ele um
equipamento referenciado que possibilite o atendimento. Para isso, são efetuados
pactos e acordos entre os diversos territórios para a construção de uma rede que
garanta a efetivação dos princípios do SUS:

32
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

A construção de uma rede baseia-se na constatação de que


os problemas de saúde não se distribuem uniformemente na
população, no espaço e no tempo, e envolvem tecnologias de
diferentes complexidades e custos. Assim, a organização dos
serviços é condição fundamental para que estes ofereçam as
ações necessárias de forma apropriada (MACHADO; LIMA;
BAPTISTA, 2011, p. 124).

Atividade de Estudo:

1) Olhe para a imagem abaixo, já vista nesta seção. Você consegue


identificar quais serviços seriam de atenção primária, secundária
e terciária?

____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
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33
Gestão da Saúde Pública e Privada

Controle Social e Políticas de


Humanização
Neste último item do capítulo, abordaremos o Controle Social, de que forma
se dá a participação popular na formulação de fiscalização do SUS e quais
são os instrumentos e espaços utilizados para isso. Por fim, apresentaremos a
Política Nacional de Humanização do SUS, inaugurada em 2004, 15 anos após a
Constituição Federal de 1988. Essa Política será apresentada como um exemplo
dos vários desdobramentos do Sistema Único de Saúde ao longo desses anos.

Comecemos, então, pelo Controle Social e Participação Popular no


SUS. Essa é uma das diretrizes do SUS: a garantia de que a população e a
comunidade possam participar dos processos decisórios do SUS, contribuindo
para que o sistema atenda às suas demandas e garantindo um processo mais
amplo e democrático. Vale apontar que o SUS é a única política pública a adotar
constitucionalmente a participação popular em seus princípios, sendo, assim, não
apenas um projeto pioneiro, mas também apontando a necessidade de que outras
políticas sigam essa prática.

A participação popular e o controle social em saúde, dentre


os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), destacam-se
como de grande relevância social e política, pois se constituem
na garantia de que a população participará do processo de
formulação e controle das políticas públicas de saúde. No
Brasil, o controle social se refere à participação da comunidade
no processo decisório sobre políticas públicas e ao controle
sobre a ação do Estado (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013).

Conforme a Lei n. 8.142 de 1990, essa participação se dará principalmente


em duas instâncias: Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde. Ambos são
órgãos colegiados, compostos por representantes do governo, prestadores de
serviços, profissionais e, de forma especial, pelos usuários do SUS. Vejamos as
especificidades de cada um:

a) Conselhos de Saúde: hoje, além do Conselho Nacional, existem vinte e


seis Conselhos Estaduais, um Conselho Distrital e mais de cinco mil Conselhos
Municipais. Têm como tarefa atuar na formulação de estratégias e no controle
da execução da política de saúde na instância correspondente. Além disso, um
Conselho de Saúde é um órgão:

• colegiado, ou seja, é composto por pessoas que representam diferentes


grupos da sociedade, sendo 50% delas representantes de usuários do SUS;
• permanente, isto é, tem sua existência garantida em qualquer
circunstância e para ser extinto é preciso haver uma lei;

34
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

• deliberativo, ou seja, toma decisões que devem ser cumpridas pelo poder
público (BRASIL, 2013).

Para conhecer a fundo o funcionamento e as atribuições dos


Conselhos de Saúde, acesse a Resolução n. 333, de 04 de novembro
de 2003, do Ministério da Saúde, disponível em: <http://conselho.
saude.gov.br/biblioteca/livros/resolucao_333.pdf>.

b) Conferência de Saúde: ocorre a cada quatro anos, em cada esfera do


governo, e tem como objetivo avaliar a situação da saúde e propor as diretrizes
para a formulação da Política de Saúde nas instâncias correspondentes. Vale
recordar as transformações históricas proporcionadas para a gestão da saúde no
Brasil, como o caso da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, cujo relatório
final serviu de base para a elaboração do capítulo sobre saúde da Constituição
Federal de 1988, resultando na criação do SUS.

Para se aprofundar na temática, você pode consultar o seguinte


documento: As Conferências Nacionais de Saúde: Evoluções e
Perspectivas, disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://
www.conass.org.br/conassdocumenta/cd_18.pdf>.

35
Gestão da Saúde Pública e Privada

Figura 3 – 8ª Conferência Nacional de Saúde

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/JhMuqQ>. Acesso em: 22 jul. 2016.

Apesar do aporte jurídico, que institui a existência do Controle Social na


saúde, e dos manuais e documentos que regulamentam sua organização, a
participação social ainda está longe do ideal. Em alguns Municípios, os Conselhos
de Saúde são inexistentes e, em outros, existem muitos entraves que dificultam
sua efetivação. Cabe à população organizar-se em torno dessa criação,
pressionando os órgãos públicos para que ofereçam espaço e suporte para sua
existência:

É preciso que o controle social aconteça na prática, para que


não fique apenas em lei e que a sociedade civil ocupe de modo
pleno e efetivo esses diversos espaços de participação social.
A sociedade no acompanhamento/fiscalização/participação da
gestão pública em saúde se faz de forma importantíssima, pois
pela primeira vez na história reuniram-se experiências exitosas
na área do controle social (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013, p
33).

Passemos, então, para as Políticas de Humanização, aqui representadas


pela Política Nacional de Humanização. Mas o que significa humanização?
Vejamos:

36
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

Por humanização entendemos a valorização dos diferentes


sujeitos implicados no processo de produção de saúde:
usuários, trabalhadores e gestores. Os valores que norteiam
esta política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a
co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos
solidários e a participação coletiva no processo de gestão
(BRASIL, 2004, p. 8).

A Política de Humanização é mais do que um programa, com práticas


focais e localizadas. Deve ser entendida como uma ética de trabalho, uma
diretriz transversal, “entendida como um conjunto de princípios e diretrizes que
se traduzem em ações nas diversas práticas de saúde e esferas do sistema,
caracterizando uma construção coletiva” (BRASIL, 2004, p. 7). Ela é uma
construção que visa reordenar os processos de trabalho com vistas a fazer valer a
universalidade, a equidade e a integridade do SUS.

Para isso, são estabelecidos alguns princípios norteadores da PNH (Política


Nacional de Humanização):

• Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de


atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do
cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia, raça, orientação
sexual e às populações específicas;

• Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a


transversalidade e a grupalidade;

• Construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos


implicados na rede do SUS;

• Fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as


instâncias gestoras do SUS;

• Compromisso com a democratização das relações de trabalho e


valorização dos profissionais de saúde, estimulando processos de educação
permanente (BRASIL, 2004).

Com alguns dos objetivos práticos dessa política, espera-se diminuir o tempo
de fila nas unidades de saúde, efetivar o controle e participação social, garantir
que o usuário conheça seu profissional de referência, além de ter acesso a todas
as informações pertinentes ao seu atendimento, fornecendo maior suporte aos
trabalhadores e outros.

37
Gestão da Saúde Pública e Privada

Para conhecer mais a fundo a Política Nacional de Humanização,


acesse o documento HumanizaSUS no seguinte endereço eletrônico:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.
pdf>.

Encerramos aqui nosso tópico sobre a Política de Humanização do SUS.


Como você pode perceber, ainda temos um longo caminho a ser trilhado para
garantirmos a todos os cidadãos brasileiros um acesso gratuito, integral e
humanizado à saúde. A Política de Humanização é um esforço que deve ser
implantado em todos os espaços, inclusive nas pesquisas e estudos teóricos.
Como foi explicitado no começo deste capítulo, conhecer sobre a saúde pública
ultrapassa os objetivos educativos, mas também nos envolve, na condição de
pessoas políticas, na situação do nosso país e na melhoria das condições de vida
da população.

Algumas Considerações
Caro(a) pós-graduando(a), como foi a leitura do material? Esperamos que
tenha conseguido aguçar seu interesse e curiosidade para o estudo sobre a
Gestão em Saúde no Brasil. Em caso de dúvidas, releia o material com calma e
consulte as referências disponibilizadas logo abaixo. Aguardo você no próximo
capítulo, no qual estudaremos a Organização da Saúde Privada.

Até breve!

Referências
BARATA, L. R. B.; TANAKA, O. Y.; MENDES, J. D. V. Por um processo
de descentralização que consolide os princípios do Sistema Único de
Saúde.  Epidemiologia e Serviços de Saúde, São Paulo, v. 13, n. 1, p.15-24,
mar. 2004.

BERTOLOZZI, M. R.; GRECO, R. M. As políticas de saúde no Brasil: reconstrução


histórica e perspectivas atuais. Revista escola de enfermagem da USP, São
Paulo, v. 30, n. 3, p. 380-398, dez. 1996.

38
Capítulo 1 Fundamentos do Sistema Único de Saúde (SUS)

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Senado Federal, 1988.

_______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para


a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Poder Legislativo, Brasília, 19 set. 1990a. Seção 1, p. 18055.

_______. Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação


da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 31 dez.
1990b, p. 25694.

_______. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: política nacional de


humanização:  documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 2. ed.
Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

_______. Ministério da Saúde. Para entender o controle social na saúde/


Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Brasília: Ministério da
Saúde, 2013.

CARVALHO, G. I. de; SANTOS, L. Sistema Único de Saúde: Comentários a Lei


Orgânica da Saúde. 4. ed. Campinas: Unicamp, 2006.

MACHADO, C. V.; LIMA, L. D. de; BAPTISTA, T. W. de F. Princípios organizativos


e instâncias de gestão do SUS. In: GRABOIS, V. et al. Qualificação de gestores
do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. p. 47-72.

MATTA, G. C. Princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. In: PONTES, A.


L. de M.; MATTA, G. C. Políticas de saúde: organização e operacionalização
do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 61-80.

NEVES, A. V. de M. Políticas públicas de saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

PAIM, J. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios.  The


Lancet, Rio de Janeiro, p.11-31, maio 2011.

POLIGNANO, M. V. História das políticas de saúde no Brasil. Cadernos do


Internato Rural-Faculdade de Medicina/UFMG, Belo Horizonte, v. 35, n. 1, p.
1-35, 2001.

39
Gestão da Saúde Pública e Privada

ROLIM, L. B.; CRUZ, R. de S. B. L. C.; SAMPAIO, K. J. A. de J. Participação


popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde
em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-147, jan. 2013.

TEIXEIRA, C. Os princípios do Sistema Único de Saúde. Salvador: Editora da


Universidade Federal da Bahia, 2011.

40
C APÍTULO 2
SAÚDE PRIVADA: ORGANIZAÇÃO

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Definir a saúde privada e suplementar, apontando como ela é caracterizada


dentro do SUS.

Conhecer a legislação referente à saúde privada e suplementar.


Apresentar os princípios da ética e da bioética envolvendo a saúde privada.


Diferenciar os modelos da saúde pública e privada, articulando suas



especificidades.
Gestão da Saúde Pública e Privada

42
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

Contextualização
Olá, pós-graduando(a)!

Como estão os estudos? No primeiro capítulo, fizemos uma leitura


aprofundada sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), suas particularidades, seu
processo histórico de construção, sua legislação fundamental, gestão, princípios,
diretrizes e outros. No entanto, precisamos nos lembrar de que a saúde no
país é composta, também, pelos sistemas privados, conhecidos como saúde
suplementar. É esse o tema deste e do próximo capítulo.

A saúde privada já existia no Brasil antes da organização do


A saúde privada
SUS e era ela que garantia aos trabalhadores acesso aos serviços de já existia no
saúde. Porém, algumas pessoas ficavam de fora, como os profissionais Brasil antes da
informais e os desempregados. A construção do SUS vem no sentido organização do
de ampliar e garantir acesso gratuito a todos os cidadãos brasileiros, SUS e era ela
sem, no entanto, restringir o acesso aos serviços privados de saúde. que garantia aos
trabalhadores
acesso aos serviços
Para exemplificar melhor, podemos dividir os modelos de saúde de saúde.
existentes no mundo em três tipos: inteiramente ou majoritariamente
públicos, sistemas de seguro social obrigatório e sistemas de caráter totalmente
privado. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei 8.080/1990,
o Brasil se encaixava no modelo de seguro social privado. Você lembra do modelo
das IAPs, das Caixas de Assistência e do INAMPS?

No Brasil, a saúde suplementar começou sua estruturação


após a revolução industrial, momento em que surgiram os
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que pertenciam
a diversas categorias e representavam os trabalhadores
urbanos e que compravam as prestações de serviços de saúde.
Paralelamente, nos anos 40, apareceram também as Caixas de
Assistência, como a dos funcionários do Banco do Brasil (Cassi),
que beneficiavam os empregados de algumas empresas
por meio de empréstimos ou reembolso pela utilização de
serviços de saúde externos à previdência social. Nos anos
50, surgem os sistemas assistenciais próprios fornecidos
pelas empresas estatais e multinacionais que prestavam
assistência médica de forma direta. Os IAPs, no ano de
1966, são então unificados, formando o Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS). Essa unificação forçou a
expansão dos credenciamentos de prestadores de serviços
privados de saúde, privilegiando hospitais e multinacionais
de medicamentos. Portanto, a década de 60 foi um marco na
história da saúde suplementar, pelo fato de boa parte dos
trabalhadores já possuir planos de saúde e, ainda, por serem
observadas diversas possibilidades de assistência médica: a
rede INPS, com unidades próprias e credenciadas; serviços

43
Gestão da Saúde Pública e Privada

credenciados para atendimento a trabalhadores rurais;


serviços credenciados das empresas médicas; e autogestões
de empresas com planos próprios (PIETROBON; PRADO;
CAETANO, 2008, p. 770).

Após a consagração do SUS, passa a vigorar no país um sistema gratuito


de saúde, porém ainda contando com a existência dos sistemas privados. Apesar
de todos os avanços obtidos, é sabido que o SUS não consegue dar cobertura
para todos os cidadãos, tanto em termos de abrangência quanto em qualidade
de atendimento. As filas de espera, a distância geográfica e a possibilidade de
escolha de profissionais e serviços são alguns dos motivos que levam mais
pessoas a escolherem um plano de saúde privado.

Saúde Suplementar
Segundos dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no mês
de março de 2016, 25,2% dos brasileiros possuíam planos privados de assistência
médica (ANS, 2016).

O site da ANS possui diversas informações importantes sobre


a saúde suplementar no Brasil, como, por exemplo, estudos,
estatísticas, novas resoluções e outros. Confira essas e outras
informações no seguinte endereço eletrônico: <http://www.ans.gov.
br>.

É importante também diferenciar o que seria a saúde complementar e a


saúde suplementar. A saúde será considerada de caráter complementar quando
o serviço suprir alguma demanda do SUS, sendo realizado, então, um convênio ou
contrato público. Esses serviços, apesar de executados por instituições privadas,
oferecerão atendimentos gratuitos e serão ressarcidos com dinheiro público.

O Estado utiliza-se da iniciativa privada para aumentar e


complementar a sua atuação em benefício da saúde da
população. Ao firmar convênios e contratos com diversas
pessoas jurídicas de direito privado que realizam ações e
serviços de saúde o Estado brasileiro as insere no âmbito das
ações e serviços públicos de saúde, igualando-as àquelas
prestadas diretamente por seus órgãos e entidades. Por
firmarem contratos ou convênios com o Sistema Único de

44
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

Saúde, integram esse sistema e submetem-se a todas as suas


diretrizes, princípios e objetivos, notadamente a gratuidade,
integralidade e universalidade (SOUSA, 2010, p. 25).

Já a saúde suplementar, refere-se aos serviços privados, compostos por


operadoras, convênios, planos e outros, mediante contratação. Esses serviços
não seguem os princípios e diretrizes do SUS, mas são regulados por órgãos
públicos, como o Ministério da Saúde e a ANS. O quadro abaixo, retirado do
site do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), apresenta algumas
características básicas do SUS e da Saúde Suplementar. Veja:

Quadro 1 - Características do SUS X Saúde Suplementar

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/vivzqu>. Acesso em: 30 maio 2016.

Na sequência, estudaremos a gestão e a legislação do sistema suplementar


de saúde. Para isso, serão apresentadas as leis que dão as bases para seu
funcionamento, o processo de fiscalização e de gestão.

Vamos lá!

Gestão e Legislação do Sistema


Suplementar de Saúde
Para fins didáticos, podemos dividir a gestão do sistema suplementar
de saúde no Brasil em três momentos: antes da construção do SUS, após a
aprovação da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 8.080 de 1990, e depois
das Leis n. 9.656 de 1998 e n. 9.961 de 2000, que criam a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS).

45
Gestão da Saúde Pública e Privada

Até o advento da nova Constituição Federal de 1988 não existia um sistema


de saúde que garantisse saúde pública e gratuita a todos os cidadãos. O que
estava disponível era um sistema que permitia atendimentos pontuais a pessoas
que possuíam carteira assinada, ou seja, trabalhadores regulados. Profissionais
autônomos, informais e desempregados não possuíam assistência gratuita à
saúde, sendo preciso que pagassem pelos serviços de forma individual. Com
a construção do SUS, são criadas as bases legislativas para regular também o
sistema privado da saúde.

Vamos recapitular aqui a redação do Artigo 199 da Constituição Federal de


1988, que trata da saúde privada:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.


§ 1º. As instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes
deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo
preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos
(BRASIL, 1988).

E na Lei n. 8.080, de 1990, temos, no Título III - Dos serviços privados de


assistência à saúde, os principais artigos:

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde


caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de
profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas
jurídicas de direito privado na promoção, proteção e
recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à
saúde, serão observados os princípios éticos e as normas
expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde
(SUS) quanto às condições para seu funcionamento.
[...]
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes
para garantir a cobertura assistencial à população de uma
Entende-se, a determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá
partir dessas leis, recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada (BRASIL,
que apesar de 1990).
ser construído um
Sistema Único de Entende-se, a partir dessas leis, que apesar de ser construído um
Saúde, que se
Sistema Único de Saúde, que se propõe a garantir serviços gratuitos
propõe a garantir
serviços gratuitos a a toda população, a assistência à saúde também é liberada para a
toda população, a iniciativa privada. Inclusive, esta última poderá ser contratada pelo
assistência à saúde próprio SUS quando os equipamentos deste forem insuficientes.
também é liberada
para a iniciativa Porém, havia também a necessidade de regular a oferta desses
privada.
serviços para a população. Partindo do entendimento de que o bem

46
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

saúde não é meramente um produto, mas sim um bem e um serviço que deve ser
oferecido com ética e qualidade, havia a necessidade de mais legislações que
estabelecessem critérios mínimos de funcionamento e agências fiscalizadoras
que garantissem seu cumprimento.

Regulação ocorre quando o governo controla ou


deliberadamente influencia determinada atividade, pela
manipulação de variáveis como preço, quantidade e qualidade.
Dessa forma, é necessário ter em mente o significado da
regulação; é preciso sempre manter foco no objetivo, que
é assegurar o desempenho do sistema de saúde, ou seja,
prestar uma assistência eficiente e equitativa e atender às
necessidades de saúde da população (PIETROBON; PRADO;
CAETANO, 2008, p. 770).

Após a promulgação da Lei n. 8.080/1990, iniciou-se, então, um debate


nacional sobre qual a melhor forma de se fazer essa regulação. Durante a década
de 90, o país teve um grande crescimento de diferentes planos de saúde, de
forma desregulada, sem apresentar critérios mínimos de funcionamento, gerando
descontentamento nos consumidores e nos profissionais.

Dois fatores conjugados desencadearam o processo


de regulamentação, sendo por um lado o aumento
da concorrência com a entrada no mercado de duas
grandes seguradoras para disputar os clientes, exigindo regras
de competição mais claras que permitissem a entrada de
empresas de capital estrangeiro; por outro lado a convergência
de demandas de consumidores, entidades
médicas e secretarias de saúde, para a garantia Após amplas
de superação de restrições assistenciais existentes discussões e
em contratos, como era o caso da negativa de
embates, foram
atendimento a pacientes portadores de HIV, idosos
e pacientes que requeriam hospitalização mais
promulgadas duas
prolongada (CONASS, 2011, p. 19). importantes leis:
a Lei n. 9.656, em
1998, e a Lei n.
Existia um consenso acerca da necessidade de intervenção estatal 9.961, de 2000,
sobre os planos e convênios, porém se divergia sobre a forma como além de outras
essa intervenção deveria ser feita, seus limites e objetivos (TEIXEIRA; medidas provisórias
BAHIA; VIANNA, 2002). De um lado, existia uma posição, que pode acrescentadas
ser representada pelo Ministério da Fazenda, a qual defendia uma posteriormente,
que estabelecem
regulação que levasse em conta os aspectos financeiros, considerando
critérios
os planos de saúde como um produto concorrente no mercado. Do mínimos para o
outro lado, existia o posicionamento de que o regulamento de serviços funcionamento e
de saúde deveria ser diferente de regulamentações de outros tipos de gestão da saúde
produtos, posição representada pelo Ministério da Saúde. suplementar no
Brasil e criam a
Agência Nacional de
Após amplas discussões e embates, foram promulgadas duas
Saúde Suplementar.
importantes leis: a Lei n. 9.656, em 1998, e a Lei n. 9.961, de 2000, além

47
Gestão da Saúde Pública e Privada

de outras medidas provisórias acrescentadas posteriormente, que estabelecem


critérios mínimos para o funcionamento e gestão da saúde suplementar no Brasil
e criam a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Agora, vamos analisá-las
mais a fundo!

A Lei n. 9.656 de 1998 trará importantes definições sobre as operadoras de


planos privados da saúde. Veja:

Art. 1o.  Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas


jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à
saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica
que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação
das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:      
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada
de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou
pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade
de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde,
pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou
serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não
de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando
a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga
integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,
mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor;      
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica
constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial,
cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto,
serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;       
III - Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos
assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer
das modalidades de que tratam o inciso I e o § 1o deste artigo,
A partir do Artigo 10 com todos os direitos e obrigações nele contidos. (BRASIL,
1998).
da Lei n. 9.656 de
1998, é definido o
Plano-Referência A partir do Artigo 10 da Lei n. 9.656 de 1998, é definido o Plano-
de Assistência Referência de Assistência à Saúde, estabelecendo o plano contratual
à Saúde, mínimo a ser oferecido pelos planos de saúde:
estabelecendo o
plano contratual Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à
mínimo a ser saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e
oferecido pelos hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados
planos de saúde. exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de
terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação
hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a
Saúde, da Organização Mundial de Saúde [...] (BRASIL, 1998).

Fica instituído que todo plano e serviço de saúde suplementar deve fornecer
o Plano-Referência, como requisito mínimo. Na continuação do Artigo 10 da
Lei n. 9.656 de 1998 são descritos os casos de exceção, como tratamentos

48
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

experimentais, procedimentos para fins estéticos, inseminação artificial,


tratamentos de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética
e outros. Já no Artigo 12 da mesma lei são dispostas as exigências mínimas,
ou seja, os serviços que devem obrigatoriamente ser oferecidos. Entre eles se
incluem:

• Atendimento ambulatorial (consultas médicas e serviços de apoio


diagnóstico);

• Internação hospitalar (vedada a determinação de prazos, valor máximo


de gastos e quantidade);

• Em caso de atendimento obstetrício, cobertura assistencial ao recém-


nascido;

• Reembolso caso não seja possível que o consumidor use os serviços do


plano contratado;

• Fixação dos períodos de carência (trezentos dias para partos a termo,


cento e oitenta para demais casos e vinte e quatro horas para casos de urgência e
emergência).

O Artigo 13 da Lei n. 9.656 de 1998 trata da renovação do contrato, que se


dá de forma automática após um ano, sem a cobrança de taxas e recontagem das
carências. O Artigo 14 da mesma lei estabelece que ninguém pode ser
impedido de contratar um plano, em razão da idade ou de deficiência. Como você pode
perceber, a Lei
Isso significa que nenhum plano ou convênio pode recusar um usuário
n. 9.656 de 1998
idoso ou recém-nascido ou alguém que apresente qualquer tipo de trouxe grandes
deficiência. avanços para
a regulação da
Por fim, no Artigo 35-A da Lei n. 9.656 de 1998 fica estabelecida saúde suplementar,
a criação do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), com definindo quais são
as instituições que
competência para estabelecer e supervisionar a execução das políticas
podem oferecer
e diretrizes gerais de saúde suplementar; supervisionar e acompanhar seguros e planos,
as ações e o funcionamento da ANS; fixar diretrizes gerais sobre diferenciando as
aspectos econômico-financeiros para implementação no setor e modalidades de
deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de forma a subsidiar as operadoras, assunto
decisões. do próximo capítulo
desta disciplina,
assegurando
Como você pode perceber, a Lei n. 9.656 de 1998 trouxe grandes maiores direitos
avanços para a regulação da saúde suplementar, definindo quais são e garantias aos
as instituições que podem oferecer seguros e planos, diferenciando usuários dos
as modalidades de operadoras, assunto do próximo capítulo desta serviços de saúde.

49
Gestão da Saúde Pública e Privada

disciplina, assegurando maiores direitos e garantias aos usuários dos serviços de


saúde. Por exemplo, antes do advento da lei, algumas operadoras estabeleciam
previamente dias máximos de internações na UTI e não atendiam alguns
transtornos psiquiátricos. Após o advento dessa lei, a cobertura para casos de
AIDS e câncer é obrigatória, mesmo quando o usuário já é portador da doença,
devendo ser notificado no momento do contrato.

Passemos, então, para a Lei n. 9.961 de 2000, marco legal da criação da


Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS):

Art. 1º. É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar –


ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério
da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ,
prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território
nacional, como órgão de regulação, normatização, controle
e fiscalização das atividades que garantam a assistência
suplementar à saúde.
Parágrafo único. A natureza de autarquia especial conferida à
ANS é caracterizada por autonomia administrativa, financeira,
patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas
suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes
(BRASIL, 2000).

O que é uma autarquia sob regime especial? Autarquia


de regime especial é toda aquela em que a lei instituidora conferir
privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente
com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais
pertinentes a essas entidades de personalidade pública. O que
posiciona a autarquia de regime especial são as regalias que a lei
criadora lhe confere para o pleno desempenho de suas finalidades
específicas.  Sob a forma de autarquias de regime especial, o Estado
criou as agências reguladoras, no sentido de tentar fiscalizar as
atividades das iniciativas privadas.

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/6tKkCo>. Acesso em: 30 maio 2016.

50
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

A ANS tem como finalidade institucional promover a defesa do


A ANS tem
interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando como finalidade
as operadoras setoriais e, para isso, tem uma ampla gama de institucional
competências, dentre as quais se incluem (BRASIL, 2000): promover a defesa
do interesse público
• Propor políticas e diretrizes gerais ao Consu para na assistência
a regulação do setor de saúde suplementar; suplementar à
• Elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, regulando as
saúde, que constituirão referência básica para os operadoras setoriais
fins do disposto na Lei n. 9.565 de 1998, e suas e, para isso, tem
excepcionalidades;
uma ampla gama de
• Estabelecer normas para ressarcimento ao
Sistema Único de Saúde - SUS; competências.
• Estabelecer normas relativas à adoção e
utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde,
de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde;
• Monitorar a evolução dos preços de planos de assistência
à saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos
componentes e insumos;
• Adotar as medidas necessárias para estimular a competição
no setor de planos privados de assistência à saúde;
• Zelar pela qualidade dos serviços de assistência à saúde no
âmbito da assistência à saúde suplementar.

A estrutura organizacional da ANS será definida no Capítulo II da referida lei,


estabelecendo que ela será dirigida por uma Diretoria Colegiada – composta por
cinco diretores e um Diretor-Presidente, indicados pelo Presidente da República,
após consulta ao Senado Federal – um Procurador, um Corregedor e um Ouvidor.
Além disso, conta-se, também, com a criação da Câmara de Saúde Suplementar,
com participação de diversos atores envolvidos nas questões regulatórias, de
caráter permanente e consultivo – a composição dessa câmara é definida pelo
Artigo 13 da mesma lei.

Para se ter uma dimensão da importância do papel da ANS, destacamos


o trabalho da ouvidoria, cujo objetivo é tirar dúvidas dos consumidores quanto
aos planos, recolher reclamações e encaminhá-las, sendo um canal aberto
de comunicação entre os usuários de serviços de saúde suplementar e os
prestadores.

Abaixo é reproduzido o gráfico apresentado no Relatório de Atividades da


Ouvidoria da ANS de 2015 em relação às demandas recebidas. Veja:

51
Gestão da Saúde Pública e Privada

Figura 4 - Demandas pertinentes à ANS e próprias


de ouvidoria segundo tipo de manifestação

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/BSX7Sc>. Acesso em: 30 maio 2016.

Para consultar na íntegra o Relatório de Atividades da Ouvidoria


da ANS de 2015 e também dos anos anteriores, acesse o seguinte
endereço eletrônico: <http://goo.gl/VRNyDT>.

A implantação da ANS é um importante marco na história da saúde


A implantação no Brasil, pois garante que o sistema suplementar seja devidamente
da ANS é um
acompanhado e fiscalizado, garantindo maiores direitos e segurança
importante marco
na história da aos consumidores e aos prestadores:
saúde no Brasil,
pois garante que o A ANS regula relações privadas, tendo como base a
relevância pública de seu objeto: a saúde. O entendimento,
sistema suplementar
relativamente recente, de que o segmento das operadoras
seja devidamente de planos e seguros privados de assistência à saúde, seus
acompanhado beneficiários, prestadores, fornecedores etc. têm impacto na
e fiscalizado, saúde em geral e confere à regulação setorial um importante
garantindo maiores balizador. Não se trata apenas de contar com empresas viáveis
direitos e segurança economicamente, ou de reduzir as assimetrias de informação,
aos consumidores e trata-se, na verdade, de incluir essa parcela das ações em
aos prestadores. saúde no sistema de saúde nacional (CONASS, 2011, p. 28).

Alguns dos principais ganhos para o sistema de saúde


suplementar, após o início de funcionamento da ANS, foram: maior conhecimento
sobre o setor de saúde suplementar, funcionamento e acompanhamento do

52
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

mercado; fiscalização que assegura melhor qualidade dos serviços e garantia aos
direitos dos consumidores e, por fim, aumento da visibilidade dos problemas e
desequilíbrios, tanto no setor suplementar quanto no SUS, incentivando melhorias
(PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008).

Nesta seção, estudamos a legislação e a gestão da saúde suplementar no


Brasil. Após a aprovação da Lei n. 8.080 em 1990, foram necessários mais dez
anos até a construção de uma legislação que regulamentasse o funcionamento
das operadoras de saúde. Esse arcabouço legal é composto principalmente
pela Lei n. 9.656 de 1998, que define quais sãos as modalidades possíveis de
operadoras, quais são os serviços mínimos que devem ser oferecidos, elimina
alguns critérios de exclusão que eram utilizados para selecionar usuários e outros,
bem como pela Lei n. 9.961 de 2000, que determina a criação da ANS, agência de
autarquia especial, fiscalizadora dos serviços de saúde suplementar, promovendo
a defesa do interesse público e do consumidor.

O processo de regulação ainda é incipiente e torna-se


necessário o enfrentamento de temas mais complexos e
estruturantes como o desafio de entender a natureza dessa
regulação, seus avanços e limites, a dimensão da organização
do subsetor, o financiamento da oferta de serviços, as
modalidades assistenciais, suas redes e a complexidade
dessas relações (MALTA et al., 2004, p. 435).

Ética e Bioética
Neste item, trataremos da ética e da bioética aplicadas aos sistemas de
saúde no país, tanto no SUS quanto nos serviços privados. O debate se faz
necessário para que possamos apresentar alguns dos pontos mais importantes
conduzidos por teóricos e estudiosos da área. Como pode ser percebido, pelo
material já estudado, a regulação da saúde no Brasil se dá de forma diferenciada
a de outros serviços. A saúde, entendida pela Constituição Federal de 1988 como
um direito, deve ser estendida a todas as pessoas, de forma integral, gratuita
e equitativamente (você lembra dos princípios do SUS?). É também dever do
Estado prover os recursos mínimos para que os procedimentos e serviços
gratuitos sejam fornecidos, além de regular e fiscalizar os serviços privados.

Vamos explorar, então, o que significa ética e bioética e quais as implicações


para o campo da saúde!

53
Gestão da Saúde Pública e Privada

Ética é uma palavra de origem grega que significa caráter, sendo


Ética é uma palavra
traduzida para o latim como costume e utilizada como uma ‘ciência
de origem grega
que significa caráter, da moral’ ou ‘ciência do costume’, um “[...] conjunto de princípios
sendo traduzida morais que regem os direitos e deveres de cada um de nós e que são
para o latim como estabelecidos e aceitos numa época por determinada comunidade
costume e utilizada humana” (KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005, p. 107). A ética
como uma ‘ciência permeia nossas relações, nossas escolhas e nossa vida em sociedade,
da moral’ ou ‘ciência
modificando-se de acordo com a região e o momento histórico. Falar em
do costume’, um
“[...] conjunto de ética implica também falar em responsabilidade em relação a alguém e
princípios morais em direção a algo. Veja abaixo alguns exemplos de responsabilidades
que regem os éticas:
direitos e deveres
de cada um de • Ética da responsabilidade individual: assumida por cada um
nós e que são
de forma a garantir uma vida coletiva justa e ética. Por exemplo, pagar
estabelecidos e
aceitos numa época corretamente os impostos, de forma a garantir que toda a sociedade
por determinada brasileira possa usufruir dos serviços públicos;
comunidade
humana”. • Ética da responsabilidade pública: referente aos deveres do
Estado e órgãos públicos. Por exemplo, garantir o repasse de verbas
destinadas à saúde, à educação, à segurança e outros;

• Ética da responsabilidade planetária: compromisso com nosso


ecossistema como um todo, independente das fronteiras. Por exemplo, diminuir a
emissão de poluentes na atmosfera, reciclar o lixo, etc.

A bioética é um campo do conhecimento que surgiu nas últimas


A bioética é
um campo do décadas, decorrente da crescente necessidade de se aplicar os
conhecimento que princípios éticos no campo da biologia e da saúde em geral.
surgiu nas últimas
décadas, decorrente O comportamento ético em relação à saúde não se restringe ao
da crescente alcance do indivíduo, mas influencia o social como um todo, devendo
necessidade de se
ser estudado e aplicado de forma mais responsável. Por exemplo, um
aplicar os princípios
éticos no campo da foco de Doença de Chagas não afeta apenas o sujeito infectado, mas
biologia e da saúde sim toda a região em volta, envolvendo questões de vigilância sanitária,
em geral. acesso às moradias adequadas e contaminação de outras pessoas.
A discussão da bioética é muito presente também nos laboratórios e
centros de pesquisas, pois todo experimento que trata da saúde do ser humano
deve antes ser aprovado em diversas instâncias para garantir que não estão
sendo violados direitos e princípios éticos.

54
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

Aprofundando a discussão da bioética, ela se sustenta em quatro grandes


princípios os quais norteiam as ações e os procedimentos na saúde, desde a
pesquisa até as práticas nos serviços. São eles:

• Beneficência: princípio que visa fazer o bem ao outro, produzir o


máximo de benefícios e minimizar os danos e riscos. Por exemplo, incentivar a
capacitação dos profissionais de saúde para que os pacientes sempre possam
contar com profissionais que entendam sobre a sua condição e possam ser mais
bem atendidos;

• Não-Maleficência: evitar produzir danos e procedimentos que façam mal


ao outro, ainda que não haja intenção. Por exemplo, ao definir um procedimento
médico padrão, investigar qual vai trazer menos dor, sofrimento e malefícios em
geral ao paciente;

• Autonomia: relacionada ao direito de decidir sobre si mesmo, tendo


acesso a todas as informações necessárias ao processo decisório e levando em
conta suas crenças e valores. Vale ressaltar que o princípio da autonomia esbarra
diretamente com o bem coletivo, ou seja, uma decisão individual não pode
provocar mal a um próximo ou ao coletivo. Pensando na aplicação das práticas de
saúde, um paciente pode optar por práticas alternativas de medicina, como, por
exemplo, a acupuntura, quando não interferir no tratamento formal.

• Justiça: relaciona-se à distribuição adequada e justa de deveres e


benefícios sociais. Por exemplo, a defesa de uma saúde pública, gratuita e de
qualidade para todos.

Os conceitos de ética e bioética, portanto, não se limitam à


Os conceitos de
discussão na saúde, mas são princípios e formulações que transpassam
ética e bioética,
nosso cotidiano, nossas práticas, nosso conhecimento, em busca de portanto, não se
uma vida social mais justa e com qualidade para todos. limitam à discussão
na saúde, mas
As discussões e reflexões da Bioética não se são princípios e
limitam aos grandes dilemas éticos atuais como o formulações que
projeto genoma humano, o aborto, a eutanásia ou transpassam nosso
os transgênicos, incluem também os campos da cotidiano, nossas
experimentação com animais e com seres humanos,
práticas, nosso
os direitos e deveres dos profissionais da saúde e
dos clientes, as práticas psiquiátricas, pediátricas conhecimento, em
e com indivíduos inconscientes e, inclusive, as busca de uma vida
intervenções humanas sobre o ambiente que social mais justa e
influem no equilíbrio das espécies vivas, além de com qualidade para
outros. A Bioética não está restrita às Ciências da todos.
Saúde. Ela desde que surgiu abrange todas as
áreas do conhecimento. A sua atuação tem a ver com a vida.
Tem enfoque interdisciplinar ou, talvez até, transdisciplinar
(KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005, p. 108).

55
Gestão da Saúde Pública e Privada

Atividade de Estudo:

1) Considerando o que foi exposto até o momento e resgatando o


que já foi estudado sobre o SUS e a saúde suplementar, qual a
relação entre a bioética e os sistemas de saúde no Brasil?
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

Como você deve recordar, a construção do SUS foi resultado de um


movimento de reforma sanitária composto por pesquisadores, trabalhadores
e usuários, reivindicando uma saúde pública e gratuita para todos os cidadãos
brasileiros. A saúde era entendida como direito humano fundamental e se
relacionava diretamente com o desenvolvimento social e econômico de um país.
O Brasil reproduz esse princípio ao incluir na sua Constituição Federal de 1988
que a saúde é um direito e dever do Estado.

Outra grande influência na proposta de construção do SUS foi a Conferência


Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em 1978, em Alma-
Ata, elaborando a famosa Declaração de Alma-Ata, que deliberou como princípios:

I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem-


estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de
doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental,
e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a
mais importante meta social mundial, cuja realização requer a
ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do
setor saúde.
II) A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos
povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política,
social e economicamente inaceitável e constitui, por isso,
objeto da preocupação comum de todos os países.
III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa
ordem econômica internacional é de importância fundamental
[...] para a redução da lacuna existente entre o estado de
saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos.
A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para
o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui
para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial
(CONFERÊNCIA INTERNACIONAL ..., 1978, p. 1).

56
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

O professor Volnei Garrafa (2005) propõe a construção de uma bioética


interventiva, estudo e práticas voltados especificamente para países com
crescente desigualdade social verificada – como é o caso do Brasil. Essa bioética
defende como princípios a priorização de políticas e tomadas de decisão que
privilegiem o maior número de pessoas e que tragam as melhores consequências,
bem como a busca de soluções viáveis e práticas resolutivas para conflitos
identificados no mesmo contexto onde ocorrera (GARRAFA, 2005).

Você consegue identificar qual o princípio do SUS que está implícito nesses
aspectos? Você certamente se recorda do princípio da equidade, que discorre
sobre ‘tratar de forma diferente os ‘desiguais’, de reconhecer as desigualdades e
priorizar aquelas que seriam mais urgentes:

A equidade é, então, a base ética que deve guiar o processo


decisório da alocação de recursos. É somente através deste
princípio, associado aos princípios da responsabilidade
(individual e pública) e da justiça, que conseguiremos fazer
valer o valor do direito à saúde. A equidade, ou seja, o
reconhecimento de necessidades diferentes, de sujeitos
também diferentes, para atingir direitos iguais, é o caminho
da ética prática em face da realização dos direitos humanos
universais, entre eles o do direito à vida representado, neste
debate, pela possibilidade de acesso à saúde. A equidade é o
princípio que permite resolver parte razoável das distorções na
distribuição da saúde, ao aumentar as possibilidades de vida
de importantes parcelas da população (GARRAFA; OSELKA;
DINIZ, 1997, p. 4).

A equidade é, então, o princípio ético que deve nortear nossas ações


em saúde. Porém e a saúde suplementar? Quando discutimos ética e bioética
não estamos apenas nos referindo às responsabilidades do Estado e do Poder
Público, mas de todas as instituições, grupos e pessoas que compõem uma
sociedade, incluindo-se, aí, as empresas privadas de saúde. A regulação da
saúde suplementar, com as Leis n. 9.656, de 1988, e n. 9.961, de 2000, vêm
no sentido de fazer cumprir alguns desses princípios, com normas como a não-
exclusão de certos segmentos nos planos de saúde – como os deficientes – não
estabelecer máximo de dias de internação ou de consultas, regulação das taxas e
aumentos e outros.

Uma forma de a saúde suplementar participar dessa luta pela equidade – e


consequentemente futura igualdade – é de expandir a cobertura de assistência à
população, fornecendo mais leitos, mais medicamentos e até mais conforto para a
parcela da população que pode escolher entre o público e o privado. É importante
pensarmos, também, na possibilidade de a saúde suplementar se expandir para
regiões que não recebem uma quantidade suficiente de serviços de saúde,
demandando maior atenção:

57
Gestão da Saúde Pública e Privada

[...] essas questões encerram uma série de interesses, conflitos


e divergências, que devem ser explicitados e debatidos,
bem como as proposições e os acordos possíveis, pois são
inerentes à própria vida humana. Não é aceitável, portanto,
expor parte da sociedade a maiores gastos, sofrimento e dor,
em função da falta de acesso aos serviços, porquanto existam
duas formas de assistência à saúde no país, que não alcançam
as necessidades concretas da população globalmente
considerada (CARVALHO; FORTES; GARRAFA, 2013, p. 604).

Por fim, o estudo da ética e da bioética, e, particularmente, no caso brasileiro,


da bioética da intervenção, são importantes instrumentos para pensarmos nossa
atuação em saúde, tanto a pública quanto a privada. No campo legislativo,
atualizarmos e revisarmos as leis, procurando maior garantia legal para melhorias
e mudanças. No campo de gestão, priorizar políticas e práticas que busquem a
equidade, diminuindo as desigualdades sociais e promovendo a saúde. No nível
mais local, estimular a capacitação dos profissionais de saúde para que estejam
cada vez mais habilitados a resolver de forma eficiente os problemas de saúde,
minimizando, assim, os danos e otimizando os benefícios. Cobrar, também, das
prestadoras e convênios privados o cumprimento das leis, denunciar práticas
abusivas e defender o seu direito de consumidor. São inúmeras práticas que
podem ser aplicadas e cabe a nós, profissionais, pesquisadores e usuários de
saúde, garantir que elas sejam cumpridas.

Algumas Considerações
Caro(a) pós-graduando(a), como foi a leitura desse capítulo? Esperamos
ter contribuído com seu estudo, apresentando as bases legislativa da saúde
suplementar, as especificidades de cada lei, os avanços e quais os pontos que
ainda precisam de atenção.

Também foi apresentada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),


seu papel regulatório, de fiscalização e o processo que gerou sua implantação.
Em seguida, partimos para a ética e bioética, temática obrigatória nos estudos
sobre a saúde. Foram abordados os quatro princípios clássicos da bioética e,
também, o campo da bioética interventiva, que trata de forma mais específica a
realidade brasileira.

Esperamos ter contribuído para a construção do seu conhecimento. Caso


existam dúvidas, abaixo é disponibilizada a lista de referências utilizada, além
de outros sites que foram apontados no decorrer do texto. No próximo capítulo,
trataremos da saúde privada, estudando de forma mais detalhada as operadoras
e planos de saúde, bem como as tendências desse mercado. Até lá!

58
Capítulo 2 Saúde Privada: Organização

Referências
ANS. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados gerais: beneficiários
de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil-2006-2016).
Disponível em: <http://goo.gl/oiWXAG>. Acesso em: 30 maio 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Senado Federal, 1988.

_______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 19 set. 1990. Seção 1, p. 18055.

_______. Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros


privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, 04 jun. 1998, p.1.

_______. Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de


Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 19 jan. 2000, p. 5.

CARVALHO, R. R. P.; FORTES, P. A. de C.; GARRAFA, V. A saúde suplementar


em perspectiva bioética. Associação Médica Brasileira, Brasília, v. 59, n. 6, p.
600-606, nov./dez. 2013.

CONASS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Coleção Para Entender


a Gestão do SUS 2011. Brasília: CONASS, 2011. v. 12.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE


SAÚDE. Declaração de Alma-Ata. Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 1978.
Disponível em: <http://goo.gl/mvoic9>. Acesso em: 30 maio 2016.

GARRAFA, V. Da bioética de princípios a uma bioética


interventiva. Bioética, Brasília, v. 13, n. 1, p.125-134, 2005.

GARRAFA, V.; OSELKA, G.; DINIZ, D. Saúde Pública, Bioética e


Equidade. Bioética, Brasília, v. 5, n. 1, p. 1-6, 1997.

KOERICH, M. S.; MACHADO, R. R.; COSTA, E. Ética e Bioética: para dar início à
reflexão. Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 1, n. 14, p. 106-110, jan./mar.
2005.

59
Gestão da Saúde Pública e Privada

MALTA, D. C. et al. Perspectivas da regulação na saúde suplementar diante dos


modelos assistenciais. Ciência & Saúde Coletiva, Belo Horizonte, v. 2, n. 9, p.
433-444, abr./jun. 2004.

PIETROBON, L.; PRADO, M. L. do; CAETANO, J. C. Saúde suplementar no


Brasil: o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar na regulação do
setor. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 18, p. 767-
783, 2008.

SOUSA, J. F. de. Diário Sanitário Moderno. São Paulo: Clube de Autores, 2010.

TEIXEIRA, A.; BAHIA, L.; VIANNA, M. L. W. Nota sobre a regulação dos planos
de saúde de empresasno Brasil. In: TEIXEIRA, A. (Org.). Regulação e Saúde:
estrutura, evolução e perspectivas da assistência médica suplementar. Rio de
Janeiro: Ministério da Saúde/ANS, 2002.

60
C APÍTULO 3
SAÚDE PRIVADA: SERVIÇOS

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Descrever a organização dos serviços privados em saúde.

Apresentar as principais tendências do mercado



e diferentes modalidades de serviço.

Identificar a estrutura e o funcionamento das operadoras dos planos de saúde.


Classificar e identificar os diferentes serviços da saúde privada.


Esquematizar as modalidades atuais e examinar as



principais tendências do mercado privado.
Gestão da Saúde Pública e Privada

62
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Contextualização
Olá, pós-graduando(a)!

Enfim, encaminhamo-nos para o último capítulo deste caderno de estudos,


que trata da Gestão da Saúde Pública e Privada no Brasil. Vamos revisar o que já
foi visto até agora?

O primeiro capítulo focou no estudo da saúde pública. Foi feita uma breve
revisão sobre o histórico da saúde no Brasil, passando pelos diferentes períodos
da história e os modelos assistenciais existentes, como a Previdência Social e
o INAMPS. Reforçamos a importância do Movimento da Reforma Sanitária,
responsável por pressionar o Poder Público para a criação de um Sistema Único
de Saúde, o SUS. Depois, aprofundamo-nos na legislação criada para sustentar
esse novo sistema, a Constituição Federal de 1988 - também conhecida como
Constituição Cidadã - que trouxe a base da seguridade social ao Brasil, incluindo
os direitos referentes à saúde, à previdência e à assistência social. Dois anos
depois, foi sancionada a Lei n. 8.080 de 1990 – também conhecida como
Lei Orgânica do SUS – e a Lei n. 8.142 de 1990, que trata das transferências
intergovernamentais e da participação social.

Ainda no primeiro capítulo, passamos pelos princípios e diretrizes do SUS,


eixos que norteiam a organização do sistema. Ambos são baseados na legislação,
porém divergem quanto à função: os princípios se referem aos objetivos, às metas
que devem ser alcançadas; enquanto as diretrizes dizem respeito às estratégias
que serão utilizadas para alcançar esses fins.

Depois, abordamos a organização e gestão do SUS, as responsabilidades


de cada esfera (Federal, Estadual e Municipal) e a hierarquização dos serviços
de acordo com sua complexidade - Atenção Primária ou Básica, Secundária e
Terciária. E, por fim, falamos da participação social, dos Conselhos e Conferências
de Saúde e da Política de Humanização, que remodela os serviços, atendimentos
e filosofia do SUS, sendo compreendida como uma ‘ética de trabalho’.

Já no capítulo 2, nosso tema foi a Saúde Privada e sua organização.


Destacamos o papel da Saúde Suplementar no Brasil, que coexiste com o
SUS, ofertando maior gama de serviços e equipamentos. Iniciamos o capítulo
com a legislação que dá suporte para o funcionamento da Saúde Privada,
regulamentando as ofertas e delimitando sua área de atuação. Dentre as leis,
destacam-se a Lei n. 9.656 de 1988, que define o que são as operadoras de plano
de saúde e o plano-referência, indicador do contrato mínimo estabelecido entre
operadora e usuário. Outra lei importante é a Lei n. 9.961 de 2000, marco legal de

63
Gestão da Saúde Pública e Privada

criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS. Por último, tratamos


da ética e bioética aplicadas aos sistemas de saúde no país, tanto o público
quanto o privado.

Neste último capítulo, abordaremos a organização da Saúde Privada


e suas particularidades. No primeiro tópico, sobre as Operadoras de Plano de
Saúde, serão apresentadas as chamadas Operadoras de Saúde, suas distintas
modalidades e as especificidades de cada uma. Também abordaremos os Planos
e Prestadores de Saúde, atentando para a relação que se estabelece entre
essas entidades. No tópico seguinte, falaremos sobre a Política e Organização
dos Serviços de Saúde, aprofundando mais o conteúdo sobre o papel regulatório
da ANS e os mecanismos utilizados para exercer tal fiscalização. Por fim, serão
abordadas as Tendências e Financiamentos do Mercado de Saúde Suplementar,
traçando um histórico das empresas de saúde até o momento atual e quais são os
desafios encontrados.

Vamos lá!

Operadoras de Plano de Saúde:


Estrutura e Funcionamento
Iniciaremos este tópico falando sobre o que são as Operadoras de Plano de
Saúde, como se organizam e funcionam. Para isso, abordaremos três conteúdos:
as Operadoras de Saúde, os Planos de Saúde e os Prestadores. Ao final do
tópico, você será capaz de compreender a associação entre as três entidades.

Como já vimos anteriormente, uma grande parcela da população


As Operadoras são
as organizações opta por contratar serviços de saúde de forma particular, ainda que
que viabilizam o utilizando o SUS. As Operadoras são as organizações que viabilizam
contato dos usuários o contato dos usuários de saúde com os prestadores de serviço.
de saúde com os
prestadores de Esse encontro tem como objetivo tanto organizar os serviços,
serviço. agrupando os prestadores, quanto diminuir os custos individuais
para os usuários.

A Operadora é a Vale destacar a diferença entre Operadora e Plano de Saúde.


entidade jurídica, a
empresa, que pode A Operadora é a entidade jurídica, a empresa, que pode operar
operar diferentes diferentes tipos de planos. O Plano é um serviço, que será escolhido
tipos de planos. O e acordado no momento do contrato. Vejamos a definição na Lei n.
Plano é um serviço,
que será escolhido 9.656 de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de
e acordado no assistência à saúde:
momento do contrato.

64
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Art. 1º. Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas


jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à
saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica
que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação
das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada
de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou
pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade
de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde,
pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou
serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não
de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando
a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga
integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,
mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica
constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial,
cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto,
serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo (BRASIL,
1998).

As Operadoras são classificadas pela ANS de acordo com sua forma de


organização, apresentando características próprias quanto à sua atuação no
mercado. De acordo com a Resolução RDC n. 39 de 2000 (BRASIL, 2000), as
Operadoras podem ser classificadas em oito modalidades. Veja:

a) Administradora: segundo a RN n. 196 de 2009, a administradora de


benefícios é a pessoa jurídica que realiza a contratação de planos privados de
assistência à saúde coletivos (BRASIL, 2009). Segundo a Associação Nacional de
Administradoras de Benefícios (ANAB):

A Administradora de Benefícios é uma pessoa jurídica,


devidamente regulada pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), que atua como estipulante ou prestadora
de serviço de empresas, órgãos públicos ou entidades
representativas que desejam contratar um plano de saúde
coletivo, auxiliando-os a proporcionar acesso à saúde a
população a eles vinculada.
Por serem especializadas em planos de saúde coletivos, as
Administradoras de Benefícios ampliam ainda mais o poder
de negociação desses contratantes, na medida em que eles
passam a ter maior compreensão sobre os direitos garantidos
pela legislação que rege o setor, além de poderem contar com
o suporte logístico e a infra-estruturar de serviços que elas
oferecem. (ANAB, 2016).

65
Gestão da Saúde Pública e Privada

Atualmente, existem aproximadamente 110 administradoras de


benefícios registradas na ANS.

b) Cooperativa Médica: são sociedades de pessoas sem fins lucrativos,


que operam planos privados de saúde. Nessa modalidade, os profissionais
médicos são, ao mesmo tempo, sócios e prestadores de serviço e recebem
proporcionalmente à sua produção. Um exemplo dessa modalidade é o sistema
UNIMED, que hoje reúne cerca de 350 cooperativas.

c) Cooperativa Odontológica: segue a mesma lógica que a Cooperativa


Médica, oferecendo, exclusivamente, planos odontológicos. Um exemplo é a
Uniodonto.

d) Autogestão: destinada a atender apenas uma determinada classe


de usuários, como, por exemplo, empregadores de uma empresa e seus
beneficiários. Podem ser patrocinadas, caso possuam gestão própria, inclusive,
possuindo mais de um patrocinador. O objetivo desse modelo organizativo é
fornecer um atendimento de qualidade aos seus usuários com menor custo para
o patrocinador. É uma organização que não visa ao lucro. São exemplos o Cassi
(dos funcionários do Banco do Brasil e seus dependentes) e a Cemig Saúde (para
funcionários da Cemig).

Atualmente, existem cerca de 180 Operadoras de Autogestão


no Brasil.

e) Medicina de Grupo: empresas com fins lucrativos que operam e


administram planos de assistência para empresas ou indivíduos mediante
pagamentos. Essa modalidade de Operadora se apoia, principalmente, em uma
estrutura de profissionais credenciados. São exemplos a Amil e a Golden Cross.

66
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

O site da ABRAMGE (Associação Brasileira de Planos de


Saúde) mantém uma lista atualizada das Operadoras da Modalidade
Medicina de Grupo no seguinte endereço eletrônico: <http://goo.gl/
xcKUpx>.

f) Odontologia de Grupo: segue o mesmo funcionamento das Operadoras


da Modalidade Medicina de Grupo, mas operando, exclusivamente, com planos
odontológicos. São exemplos a Amil Dental e Dr. Sorriso.

g) Filantropia: são entidades sem fins lucrativos que operam Planos


Privados de Assistência à Saúde. Para isso, devem ter obtido certificado de
entidade filantrópica junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
e declaração de utilidade pública federal junto ao Ministério da Justiça ou uma
declaração de utilidade pública estadual ou municipal. Além disso, é necessário
comprovar que destinam pelo menos 60% das suas instalações aos usuários do
SUS. Um exemplo são as conhecidas Santas Casas.

h) Seguradoras: funcionam como seguradoras de outros serviços, porém


específicas para a assistência à saúde. A seguradora realiza a intermediação entre
o usuário e o prestador, mediante sistema de reembolso. A diferença em relação
às outras operadoras é que o usuário pode escolher livremente o prestador.
Exemplos: Porto Seguro, Bradesco Saúde, Sul América, Allianz Saúde.

Você pode verificar a situação de uma administradora de


benefícios ou operadora de saúde diretamente no site da ANS.
A consulta é pública e realizada no seguinte endereço eletrônico:
<http://goo.gl/M7xXmo>.

O gráfico abaixo foi retirado do Caderno de Informação da Saúde


Suplementar, lançado pela ANS em dezembro de 2015, mostrando a quantidade
de beneficiários em cada modalidade de Operadora de Saúde - nas categorias
médicas - durante as variações de setembro de 2010 até setembro de 2015.

67
Gestão da Saúde Pública e Privada

Figura 5 – Beneficiários de planos de assistência médica por modalidade


da operadora (Brasil – setembro/2010 – setembro/2015)

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/AVbKZt>. Acesso em: 15 jun. 2016.

O Caderno de Informação da Saúde Suplementar, lançado pela


ANS em dezembro de 2015, está disponível no seguinte endereço
eletrônico: <http://goo.gl/AVbKZt>.

A forma de organização e de funcionamento das Operadoras


A forma de
organização e de de Saúde melhorou muito nos últimos anos, em parte devido às
funcionamento das novas legislações que definiram as especificidades e os campos
Operadoras de de atuação. A fiscalização da ANS também contribuiu para isso,
Saúde melhorou
muito nos últimos garantindo o direito de acesso dos beneficiários. Nas palavras de
anos, em parte Silva (2003, p. 3):
devido às novas
legislações que
definiram as As Operadoras de Planos De Saúde, é preciso considerar
especificidades e os e registrar, a partir de uma visão empreendedora e
campos de atuação. extremamente arrojada, ao longo do seu processo de evolução
A fiscalização da ANS prestaram e prestam um grande serviço à população brasileira,
também contribuiu permitindo o seu acesso aos serviços de saúde. Em especial
para isso, garantindo porque ocuparam uma fatia enorme do espaço deixado pela
o direito de acesso ineficiência, pela ausência efetiva de determinação política e
dos beneficiários. pela incapacidade de financiamento do setor público.

68
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Falemos, agora, um pouco sobre os Planos de Saúde. Voltemos ao Artigo 1º,


Inciso I, da Lei n. 9.656 de 1998:

I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada


de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou
pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade
de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde,
pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou
serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não
de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando
a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga
integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,
mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor (BRASIL, 1998).

O plano é estabelecido por meio de um contrato entre a Operadora e o


usuário e diz respeito aos serviços que poderão ser acessados. Os planos irão
diferenciar-se de acordo com a modalidade de contratação, a data de
assinatura, a cobertura assistencial, a abrangência geográfica e outros. Quanto aos tipos de
abrangência, a Lei
n. 9.656 de 1998
Quanto aos tipos de abrangência, a Lei n. 9.656 de 1998 estabelece estabelece dois
dois tipos de coberturas que o Plano pode oferecer: a cobertura integral tipos de coberturas
do Plano-Referência ou a cobertura integral por segmento – hospitalar, que o Plano pode
ambulatorial, hospitalar com obstetrícia e odontológico. O Plano- oferecer: a cobertura
Referência estabelece quais os serviços obrigatoriamente devem integral do Plano-
Referência ou a
constar nessas modalidades específicas.
cobertura integral
por segmento
Abaixo, estão sintetizadas as principais exigências contidas no – hospitalar,
Plano-Referência, retiradas do Artigo 12, da Lei n. 9.656 de 1998. Veja: ambulatorial,
hospitalar com
I - Quando incluir atendimento ambulatorial: obstetrícia e
cobertura de consultas médicas em número odontológico.
ilimitado, em clínicas básicas e especializadas;
cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos
e demais procedimentos ambulatoriais solicitados pelo
médico assistente; cobertura de tratamentos antineoplásicos
domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o
controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e
adjuvantes;
II - Quando incluir internação hospitalar: cobertura de
internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor
máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas;
cobertura de internações hospitalares em centro de terapia
intensiva, ou similar, vedada a limitação de prazo, valor máximo
e quantidade, a critério do médico assistente; cobertura de
exames complementares indispensáveis para o controle da
evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de
medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e
sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição
do médico assistente, realizados ou ministrados durante

69
Gestão da Saúde Pública e Privada

o período de internação hospitalar;  cobertura de toda e


qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, assim como
da remoção do paciente, comprovadamente necessária,
para outro estabelecimento hospitalar, dentro dos limites de
abrangência geográfica previstos no contrato, em território
brasileiro; cobertura de despesas de acompanhante, no caso
de pacientes menores de dezoito anos;
III - Quando incluir atendimento obstétrico: cobertura
assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do
consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta
dias após o parto; inscrição assegurada ao recém-nascido,
filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente,
isento do cumprimento dos períodos de carência, desde que a
inscrição ocorra no prazo máximo de trinta dias do nascimento
ou da adoção;
IV - Quando incluir atendimento odontológico: cobertura de
consultas e exames auxiliares ou complementares, solicitados
pelo odontólogo assistente; cobertura de procedimentos
preventivos, de dentística e endodontia; cobertura de cirurgias
orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente
ambulatorial e sem anestesia geral;
V - Quando fixar períodos de carência: prazo máximo de
trezentos dias para partos a termo; prazo máximo de cento
e oitenta dias para os demais casos; prazo máximo de vinte
e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e
emergência (BRASIL, 1998).

Considerando essas
especificidades, os Considerando essas especificidades, os Planos de Saúde
Planos de Saúde ainda podem se diferenciar quanto à forma de contratação. Os
ainda podem planos contratados por pessoas físicas podem ser individuais ou
se diferenciar
quanto à forma de familiares, ou, ainda, operados na modalidade de Autogestão. Os
contratação. Os planos contratados por pessoa jurídica são também conhecidos
planos contratados
por pessoas físicas como planos coletivos e correspondem aos planos de empresas,
podem ser individuais oferecidos aos seus empregadores. O individual garante a cobertura
ou familiares, ou, para o titular e seus dependentes, enquanto o coletivo é assinado
ainda, operados
na modalidade de entre uma pessoa jurídica e a Operadora, garantindo a assistência a
Autogestão. seus empregados. Os contratos coletivos podem ser empresariais –
quando o empregado é automaticamente incluído – ou por adesão,
Também existem quando a assistência é opcional (ALBUQUERQUE et al., 2008).
as diferenciações
quanto à área de Também existem as diferenciações quanto à área de
abrangência coberta abrangência coberta pelo plano. Alguns garantem cobertura nacional,
pelo plano. Alguns outros apenas na área municipal, com alguns serviços de referência
garantem cobertura
na esfera estadual. No momento da contratação, todos esses itens
nacional, outros
apenas na área devem estar especificados de forma clara e descritiva. O Artigo
municipal, com 16, da Lei n. 9.656 de 1998, delimita quais as informações devem
alguns serviços de obrigatoriamente conter nos contratos:
referência na esfera
estadual.

70
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Art. 16.  Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos


produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei
devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
I - as condições de admissão;
II - o início da vigência;
III - os períodos de carência para consultas, internações,
procedimentos e exames;
IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do
art. 15;
V - as condições de perda da qualidade de beneficiário;
VI - os eventos cobertos e excluídos;
VII - o regime, ou tipo de contratação: a) individual ou familiar;
b) coletivo empresarial; ou c) coletivo por adesão;
VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-
participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente
previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e
odontológica;
IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da
contraprestação pecuniária;
X - a área geográfica de abrangência;      
XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações
pecuniárias.
XII - número de registro na ANS.
Parágrafo único.  A todo consumidor titular de plano individual
ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua
inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições
gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art.
1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem
simples e precisa, todas as suas características, direitos e
obrigações (BRASIL, 1998).

Por fim, cabe abordar o papel das prestadoras de serviços. A


Segundo o Artigo 20,
Operadora é a entidade responsável por disponibilizar e organizar da Lei n. 8.080/1990,
os Planos de Saúde, que são compostos por uma série de serviços os serviços privados
disponíveis, e a Prestadora seria a responsável por oferecer aos da saúde “[...]
beneficiários esses serviços. Segundo o Artigo 20, da Lei n. 8.080/1990, caracterizam-se
os serviços privados da saúde “[...] caracterizam-se pela atuação, pela atuação, por
iniciativa própria,
por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados,
de profissionais
e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e liberais, legalmente
recuperação da saúde” (BRASIL, 1990). habilitados, e de
pessoas jurídicas
Segundo Novaes (2004, p. 147): de direito privado na
promoção, proteção
Os serviços de saúde são hoje estruturas e recuperação da
organizacionais e técnicas extremamente saúde” (BRASIL,
diversificadas, incluindo desde consultórios 1990).
individuais e unidades básicas até hospitais
terciários e especializados, bem como serviços de apoio
diagnóstico e terapêutico. A condição essencial para sua
identificação é ser o espaço onde se localizam os profissionais
e as tecnologias materiais responsáveis pela realização da
atenção à saúde da população.

71
Gestão da Saúde Pública e Privada

É estabelecida a obrigatoriedade de celebração de um contrato entre a


Operadora de Saúde e os prestadores de serviço, garantindo, assim, os direitos
tanto do consumidor quanto do prestador. O contrato deve estabelecer com
clareza as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam
direitos, obrigações e responsabilidades das partes, incluídas, obrigatoriamente,
aquelas que determinem:

• Objeto;

• Natureza do contrato, com descrição de todos os serviços contratados;

• Valores dos serviços contratados;

• Identificação dos atos, eventos e procedimentos assistenciais que


necessitem de autorização da operadora;

• Prazos e procedimentos para faturamento dos pagamentos e pagamento


dos serviços prestados;

• Critérios, forma e periodicidade dos reajustes dos preços a serem pagos


pelas operadoras, que deverá ser obrigatoriamente anual;

• Penalidades pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas;

• Vigência do contrato;

• Critérios para prorrogação, renovação e rescisão.

Esses serviços de saúde podem ser desde a clínica particular de um médico


até um centro de reabilitação de fisioterapeutas e uma empresa de tratamento
Home Care. Eles devem ser constantemente fiscalizados – inclusive os
particulares – garantindo, assim, um bom serviço e atendimento. A Organização
Nacional de Acreditação (ONA) é a instituição competente e autorizada a
operacionalizar o desenvolvimento do Processo de Acreditação Hospitalar. A ONA
é uma organização não governamental e sem fins lucrativos, e não substitui o
papel da fiscalização oficial do Estado, porém confere um título de certificação a
determinados serviços de saúde.

72
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Define-se Acreditação como um sistema de avaliação e


certificação da qualidade dos serviços de saúde. Tem um caráter
eminentemente educativo, voltado para a melhoria contínua, sem
finalidade de fiscalização ou controle oficial/governamental, não
devendo ser confundida com os procedimentos de licenciamento e
ações típicas do Estado.

Ainda sobre a Acreditação Hospitalar, Silva (2003, p. 21) afirma:

Mesmo com os avanços verificados, em benefício da qualidade


médico-assistencial e hospitalar, é preciso avançar de forma
mais intensa na Acreditação Hospitalar. Este é um desafio que
poderá ser rápida e eficazmente vencido se as Operadoras
de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviços estiverem
envolvidos. Entretanto, ainda que a Acreditação Hospitalar
por si só não garanta a qualidade da assistência, criar, a partir
dela, incentivos pelo desempenho clínico e das condições
de infraestrutura, é um caminho que precisa ser perseguido.
Esses incentivos poderão ser de ordem econômica, de
reconhecimento no mercado, de diferenciais comerciais e
de relacionamento. É possível encontrar formas bastante
satisfatórias para fortalecer a Acreditação Hospitalar como
um instrumento de valorização da qualidade da assistência
médico-assistencial e hospitalar.

Para saber mais sobre a Acreditação Hospitalar, consulte o


Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar, disponível no seguinte
endereço eletrônico: <http://goo.gl/9DNFo1>.

Encerramos aqui este item, no qual fizemos um recorte sobre as Operadoras


de Saúde, suas diferentes modalidades e especificidades, a relação com os
Planos de Saúde, apontando as diferenças e obrigações que devem seguir os
contratos e, por fim, o papel das Prestadoras de Serviços.

73
Gestão da Saúde Pública e Privada

Política e Organização dos Serviços


em Saúde: O Papel Regulatório da
ANS
Neste item, aprofundaremo-nos no trabalho regulatório da ANS, assunto que
já abordamos no capítulo 2, quando falamos da Lei n. 9.961 de 1998, que trata
da sua criação. Agora, aproveitaremos este conhecimento acumulado em outras
questões, como, por exemplo, a mistura do sistema Público e Privado em alguns
serviços, a questão do ressarcimento e outros pontos importantes.

Como já foi colocado anteriormente, a Saúde Privada existe


O debate sobre o
papel regulatório antes da criação do SUS e sua regulação/fiscalização só veio a ser
da ANS permanece concretizada alguns anos adiante. A criação da Lei n. 9.961/2000
intenso até hoje.
Em um campo com modificou o modo como a Saúde Suplementar se organizava no
diversos atores com mercado, que, a partir dela, teve que se adaptar às novas exigências,
diferentes interesses como a ampliação da cobertura assistencial, o ressarcimento ao
– consumidores
querendo fazer SUS, o registro das operadoras, o acompanhamento de preços pelo
valer seu poder governo, a obrigatoriedade da comprovação de solvência, reservas,
de compra e seus
direitos, prestadores técnicas e outros (MALTA, 2004).
de serviços buscando
reconhecimento O debate sobre o papel regulatório da ANS permanece intenso
e valorização do
trabalho, o Estado até hoje. Em um campo com diversos atores com diferentes
que deve cuidar da interesses – consumidores querendo fazer valer seu poder
saúde da população
em geral – os de compra e seus direitos, prestadores de serviços buscando
embates seguem até reconhecimento e valorização do trabalho, o Estado que deve cuidar
hoje. da saúde da população em geral – os embates seguem até hoje.
Dentre os motivos que justificam essa regulação por parte da ANS
em um serviço privado - as Operadoras de Saúde - estão os seguintes:

• O setor de bens e serviços de saúde são bens credenciais, ou seja,


precisam passar por uma certificação que ateste sua qualidade. Por exemplo,
um remédio deve passar por uma série de pesquisas e testes até ser aprovado
para consumo. Nesse caso, o consumidor não tem como atestar se determinado
serviço ou medicação não irá lhe fazer mal, necessitando de uma fiscalização por
órgão competente;

• Por se tratar de especialidades técnicas, o consumidor, muitas vezes,


não tem capacidade de atestar se determinada indicação realmente tem valor
terapêutico. Por exemplo, um profissional poderia indicar um exame apenas para
arrecadar mais dinheiro. Para isso, é importante que existam frequentes auditorias
e controle da quantidade dos serviços solicitados;

74
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

• Geração de externalidades difusas, em consequência do consumo


de diversos produtos de saúde, sobre o resto da sociedade. Por exemplo, se
determinada parcela de uma comunidade receber uma vacina e a outra não, isso
pode acarretar maiores chances de um indivíduo não vacinado contrair a doença,
além de sobrecarregar o sistema público e aumentar a desigualdade social;

• O fato de alguns bens e serviços de saúde em alguns países


serem considerados meritórios, ou seja, direitos plenos de cidadania. Considerando
essas pontuações,
Outro exemplo seria a educação, que também é entendida como um
entende-se que a
direito de todos (CONASS, 2011) regulação da Saúde
Suplementar se dá
Considerando essas pontuações, entende-se que a regulação da para além de uma
Saúde Suplementar se dá para além de uma questão apenas de preços questão apenas de
e mercado, mas também influencia nos serviços de saúde que são preços e mercado,
mas também
diretamente oferecidos aos consumidores:
influencia nos
serviços de saúde
Após a aprovação da Lei 9.656/1998, abriu-se
que são diretamente
uma disputa dentro do aparelho do Estado, onde
alguns setores defendem uma nova perspectiva
oferecidos aos
no processo regulatório do Estado, entendendo consumidores.
uma nova atribuição no papel regulatório, ou seja,
a regulação da produção do cuidado à saúde. Esses setores
entendem que as operadoras podem ser gestoras da saúde
dos seus beneficiários, ou não, e que essa prática precisa ser
regulada pelo Estado. Essa perspectiva abre uma nova frente
de ação do Estado. No que se praticava até então no processo
regulatório, amplia-se para o entendimento que se deve intervir
também na regulação do cuidado à saúde, praticado pelas
operadoras (MALTA, 2004, p. 14).

Um exemplo da necessidade de regulação também nos modelos de saúde,


nos fluxos e nos serviços oferecidos são mecanismos microrregulatórios que as
Operadoras criam para lidar com a fiscalização e com a demanda do mercado.
Esses mecanismos podem gerar uma quantidade excessiva de encaminhamentos,
ou consultas de duração muito curta, ou seja, práticas centradas na lógica da
demanda e da oferta e que não têm uma proposta de um cuidado contínuo.
Prevenção e promoção da saúde são práticas que ainda não são prioridades,
apesar de alguns esforços por parte da ANS e de algumas operadoras. Atuando,
também, nesse espaço, a ANS garante uma maior proteção às prestadoras de
serviço que não ficam reféns de uma lógica de mercado na qual devem fornecer
atendimentos que priorizem melhor custo-benefício, mas sim uma maior qualidade
e atenção.

75
Gestão da Saúde Pública e Privada

Nas práticas de promoção da saúde, a ANS criou o Projeto


Idoso Bem Cuidado, cuja adesão das operadoras é voluntária. Para
conhecer mais sobre essa iniciativa, acesse o seguinte endereço
eletrônico: <http://goo.gl/tdcIeV>.

É possível que você já tenha ouvido falar do termo Ressarcimento ao SUS,


pois esse mecanismo é previsto desde a Lei n. 9.656/1998, que, em seu Artigo 32,
delimita:

Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de


que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com
normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento
à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus
consumidores e respectivos dependentes, em instituições
públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes
do Sistema Único de Saúde - SUS (BRASIL, 1998).

O ressarcimento, então, é um pagamento que deve ser feito


O ressarcimento, das Operadoras de Saúde para o SUS cada vez que um usuário/
então, é um beneficiário de algum Plano Particular de saúde utiliza serviços
pagamento que
deve ser feito das do SUS. Também pode ser justificado se o procedimento não for
Operadoras de coberto pelo plano de saúde do paciente e, nesse caso, o pedido
Saúde para o SUS
cada vez que um de ressarcimento deve ser analisado por meio do prontuário para
usuário/beneficiário comprovar a não-cobertura. Por exemplo, se determinado usuário
de algum Plano possui um Plano Hospitalar privado e, por algum motivo, interna-se
Particular de saúde
utiliza serviços do em um hospital público, a Operadora é notificada e deve ressarcir
SUS o SUS por esse serviço que deveria ter sido fornecido por ela. O
ressarcimento do SUS configura um instrumento regulatório,
impedindo que os equipamentos públicos sejam utilizados de forma
O ressarcimento
do SUS configura abusiva, garantindo o acordado nos contratos dos Planos de Saúde.
um instrumento Esse dinheiro arrecadado, ao final, é partilhado entre o Fundo
regulatório, Nacional de Saúde (FNS) e os equipamentos públicos que prestaram
impedindo que os serviços.
os equipamentos
públicos sejam
Abaixo é reproduzido o fluxograma do ressarcimento do SUS,
utilizados de forma
abusiva, garantindo disponível no Caderno de Informação de Ressarcimento e Integração
o acordado nos com o SUS, lançado pela ANS em 2008:
contratos dos Planos
de Saúde.

76
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Figura 6 – Fluxo simplificado do processo de ressarcimento ao SUS

Considerando
essas pontuações,
entende-se que a
regulação da Saúde
Suplementar se dá
para além de uma
questão apenas de
preços e mercado,
mas também
influencia nos
serviços de saúde
que são diretamente
oferecidos aos
consumidores.

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/zgxsc8>. Acesso em: 16 jun. 2016.

A partir do mês de junho de 2015, passaram a ser ressarcidos também os


procedimentos de alta e média complexidade, como quimioterapia, hemodiálise,
cirurgias de catarata e outros.

Cabe apontar
Cabe apontar que a medida de Ressarcimento do SUS é uma que a medida de
questão polêmica, que levanta embates entre as Operadoras e a Ressarcimento do
ANS. Por um lado, as Operadoras afirmam que esse ressarcimento SUS é uma questão
polêmica, que levanta
seria inconstitucional, pois a saúde deve ser pública e gratuita a todos, embates entre as
independentemente do usuário pagar um plano de saúde ou não. Esse Operadoras e a ANS.

77
Gestão da Saúde Pública e Privada

pagamento também seria responsável pelo aumento dos preços dos planos, uma
vez que é responsabilidade da Operadora pagar essa dívida (MARTINS; LEITE;
NOVAIS, 2010). Por outro lado, a ANS e os órgãos públicos afirmam que este
pagamento é uma forma de evitar que as Operadoras forneçam um atendimento
de baixa qualidade, não garantindo os serviços acordados em contrato e fazendo
com que os usuários procurem o SUS para suprir suas demandas. Se o usuário
contratou um serviço com plano hospitalar, a Operadora deve fornecer um
equipamento de qualidade para que ele possa ser atendido neste plano, fazendo
valer o seu investimento.

Essas e outras informações complementares você encontra no


Boletim Informativo - Utilização do Sistema Público por Beneficiários
de Planos de Saúde e Ressarcimento ao SUS – Abril/2016, no
seguinte endereço eletrônico: <http://goo.gl/rLto92>.

Apesar de ser uma medida criada pela Lei n. 9.656/1998, até


hoje a cobrança desse ressarcimento ocorre de forma incipiente.
Segundo pesquisa realizada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor), 63% das dívidas cobradas às Operadoras ainda não
foram quitadas, o que corresponde a um valor de aproximadamente
740 milhões de reais.

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/LbyDCU>. Acesso em: 16 jun. 2016.

Você imagina quais são os procedimentos mais utilizados no SUS por


usuários de planos de saúde privados? Abaixo segue a tabela disponibilizada pela
ANS de Autorização de Procedimento Hospitalar (AIH). Veja:

78
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Tabela 1 - Autorização de Procedimento Hospitalar (AIH)

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/x4z6nk>. Acesso em: 16 jun. 2016.

Dentre os diversos procedimentos, a hemodiálise é responsável por


aproximadamente 40% de toda a arrecadação do ressarcimento, demonstrando a
grande busca de usuários de planos privados por este serviço nos equipamentos
públicos.

Chegamos ao final deste tópico, no qual se discutiu o papel organizativo da


ANS dentro da Saúde Suplementar, a necessidade da fiscalização, a proteção
aos usuários/prestadores de serviços e o mecanismo de ressarcimento do SUS.

79
Gestão da Saúde Pública e Privada

Financiamento e Tendências do
Mercado
No último tópico, estudaremos o mercado da Saúde Suplementar, as
tendências atuais, as dificuldades e os setores que estão recebendo maiores
investimentos. Para iniciar esse estudo, traçaremos um breve histórico sobre
como as Operadoras e os planos e saúde se posicionam no mercado desde a
regulação da ANS (1998).

O mercado de Saúde Suplementar é ligado diretamente às questões como


urbanização – cidades com maior infraestrutura têm mais usuários de planos
privados – industrialização, renda e taxas de desemprego – quanto maior o
número de pessoas empregadas maior o número de planos comercializados
(ALBUQUERQUE et al., 2008). Ou seja, assim como outros produtos, é um
mercado ligado diretamente à situação econômica e social do país.

Apesar do Sistema de Saúde Privado ser mais antigo que o SUS, existem
poucos dados para conseguirmos ter uma visão sobre como funcionava a
comercialização de Planos antes da criação da ANS. Isso ocorre justamente pela
falta de regulação da época, dificultando a sistematização de dados. Porém, como
já foi dito, a criação das Operadoras de Saúde foi um importante mecanismo
no sentido de suprir uma demanda dos trabalhadores da época, os quais ainda
não contavam com um Sistema Único de Saúde e demandavam um serviço de
qualidade.
O surgimento da ANS
criou uma solução, A industrialização crescente levou à criação de empresas
mas também gerou e esquemas próprios de assistência médico-hospitalar,
um problema. também motivada pelo empresariamento e pela capitalização
Por um lado, veio da medicina, que ocorreu por meio de financiamentos
regulamentar governamentais que fortaleceram o setor privado na prestação
um mercado de serviços de saúde. Profissionais de saúde e prestadores
desordenado, que
possuía uma grande de serviços identificaram a possibilidade de oferecer acesso
quantidade de a serviços de saúde a uma importante parcela da população
planos e operadoras das regiões urbanas e industrializadas, que possuía vínculo
irregulares e sem formal de trabalho nas indústrias de transformação, metalurgia
critérios e padrões de e química. Estes fatores estimularam o credenciamento
qualidade. Por outro de serviços, contribuindo para a expansão do mercado,
lado, veio atuar em particularmente de empresas de medicina de grupo e
um mercado que já cooperativas médicas (ALBUQUERQUE et al., 2008, p. 1423).
existia e funcionava
de determinada
forma. Houve um O surgimento da ANS criou uma solução, mas também
período de adaptação gerou um problema. Por um lado, veio regulamentar um mercado
para que a lei e as
novas regras fossem desordenado, que possuía uma grande quantidade de planos e
incorporadas pelas operadoras irregulares e sem critérios e padrões de qualidade. Por
empresas.
outro lado, veio atuar em um mercado que já existia e funcionava de

80
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

determinada forma. Houve um período de adaptação para que a lei e as novas


regras fossem incorporadas pelas empresas. A regulação trouxe mudanças
importantes, atuando nos planos criados após a Lei n. 9.961/2000, mantendo os
planos antigos sua estrutura (BRASIL, 2000).

Um dos grandes benefícios da regulação da ANS para as Operadoras e


para o mercado de Saúde Suplementar foi a possibilidade de estabelecer um
perfil de usuário, estimar a abrangência dos planos de saúde no Brasil, quais os
insumos e procedimentos mais usados e outros dados. A partir do ano 2003, após
o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a limiar que solicitava a suspensão
da Lei n. 9.656/1998, as Operadoras começaram a enviar dados de forma mais
sistemática, além de adaptar seus planos às novas exigências.

Para aprofundar nossa discussão, apresentamos alguns dados oficiais da


ANS, os quais possibilitam pensar o mercado atual de Saúde Suplementar. A
tabela abaixo mostra a quantidade de beneficiários em planos privados de saúde
desde 2006. Interessante notar a variação entre os anos, que teve um crescimento
constante até 2014, quando, então, começa a diminuir. Veja:

Tabela 2 - Beneficiários de planos privados de saúde,


por cobertura assistencial (Brasil - 2006-2016)
BENEFICIÁRIOS EM PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA COM OU
ANO
SEM ODONTOLOGIA
Dez/2006 37.248.388
Dez/2007 39.316.313
Dez/2008 41.468.019
Dez/2009 42.561.398
Dez/2010 44.937.350
Dez/2011 46.027.108
Dez/2012 47.722.948
Dez/2013 49.346.927
Dez/2014 50.394.741
Dez/2015 49.441.541
Mar/2016 48.824.150
Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/oiWXAG>. Acesso em: 16 jun. 2016.

81
Gestão da Saúde Pública e Privada

Outro dado importante é sobre a forma de contratação dos


planos, ou seja, individuais ou coletivos. Entre os individuais ou
familiares, estão cadastrados um total de 9.558.718 beneficiários,
enquanto entre os planos coletivos/empresariais ou por adesão – o
total é de 38.974.608, mostrando um número expressivamente maior
do que o outro modelo.

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/oiWXAG>. Acesso em: 16 jun. 2016.

O mapa que segue demonstra a distribuição dos beneficiários de Planos


privados de Assistência Médica entre os Estados brasileiros, apontando maior
concentração na região Sudeste-Sul.

Figura 7 - Taxa de cobertura dos planos de assistência médica


por Unidades da Federação (Brasil - Junho/2016)

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/oiWXAG>. Acesso em: 16 jun. 2016.

82
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

O número de Operadoras diminui consideravelmente após a criação da


ANS, em virtude das expressivas exigências, fiscalização e regulação do setor.
Dentre as Operadoras que foram fechadas estão as que não tinham beneficiários
e as que não tinham condições de competir com as outras. A quantidade total de
Operadoras também diminuiu por conta das fusões e aquisições. O gráfico abaixo
demonstra essa queda. Veja:

Figura 8 – Quantidade de operadoras (1977 – 2009)

Fonte: Cechin (2010a, p. 6).

Já a tabela que segue sintetiza o crescimento por modalidade de Operadora


entre os anos 2007 e 2008, dividindo planos individuais e coletivos:

83
Gestão da Saúde Pública e Privada

Tabela 3 – Quantidade planos individuais e coletivos


TAXA ANUAL (%)
PLANOS INDIVIDUAIS
2007 2008
Brasil 2,0 0,1
Unimed 2,5 2,8
Medicina de Grupo 3,3 -0,6
Seguradoras -9,4 -10,1

PLANOS COLETIVOS 2007 2008


Brasil 6,7 8,6
Unimed 12,5 10,7
Medicina de Grupo 2,7 6,6
Seguradoras 11,1 17,7
Fonte: Cechin (2010a, p. 24).

Quais as conclusões ou reflexões que podemos extrair dos resultados


apresentados na tabela anterior? Percebemos que o mercado de planos coletivos
tem maior crescimento que o de planos individuais. Por serem planos geralmente
ligados às empresas, eles acabam sendo mais acessíveis aos beneficiários. Nos
planos individuais a opção pela modalidade Seguradora é mínima, ao contrário
dos planos coletivos, em que ela ocupa a maior porcentagem de beneficiários.

É importante, também, tocar no tópico do Envelhecimento da População, um


assunto recorrente quando falamos na questão de Operadoras e Planos de Saúde.
É sabido que, por conta do aumento da qualidade de vida, a população em geral
tem vivido mais anos. Isso representa um desafio para as Operadoras de saúde,
que precisam lidar com essa realidade e apresentar um serviço de qualidade para
essa população, sem a cobrança de um preço abusivo, mas, ao mesmo tempo,
mantendo sua margem de lucro. O gráfico abaixo mostra o aumento do número
de pessoas acima de 60 anos que procuraram planos de saúde, demonstrando
o interesse dessa faixa etária em se tornar beneficiária do Sistema Suplementar.
Veja:

84
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Figura 9 – Distribuição da população por faixas etárias

Fonte: Cechin (2010b, p. 18).

Ao mesmo tempo em que é interessante para as Operadoras o aumento de


clientes, essa é a faixa etária que demanda procedimentos mais custosos. Veja
o gráfico que compara quantidade de internações – por faixa etária – em um
intervalo de quatro anos (2006 a 2010). O gráfico da direita mostra que o custo
das internações também aumenta conforme a idade do beneficiário avança. Veja:

Figura 10 - Frequência e custo de internações

Fonte: Cechin (2010b, p. 8).

Como anunciado no início deste tópico, o mercado de Saúde Suplementar


segue o movimento social e econômico do país. Considerando isso, mas também
as mudanças expostas aqui, cabe lançar algumas perspectivas.
85
Gestão da Saúde Pública e Privada

Em primeiro lugar, é visível que existe um consumo muito maior


As Operadoras
devem se ajustar a de planos coletivos em detrimentos dos individuais. Isso ocorre pelo
esse novo quadro, fato de os planos coletivos serem ligados às empresas e aos seus
pensando em colaboradores, facilitando a contratação. Observando as taxas de
alternativas para
que os beneficiários crescimento, é perceptível, também, que o setor de planos individuais
voltem a procurar sofre uma queda, provavelmente em decorrência da situação
esse bem.
econômica desfavorável do país nos últimos anos. As Operadoras
devem se ajustar a esse novo quadro, pensando em alternativas para que os
beneficiários voltem a procurar esse bem. Outro fato a ser discutido é a questão
da competição entre as Operadoras, pois se percebe que, apesar do grande
número de Operadoras cadastradas na ANS, são poucas as que concentram a
maioria dos beneficiários no mercado.

Uma discussão muito contemporânea é a dos modelos assistenciais


oferecidos pelos Planos de Saúde. A maioria ainda é centrada na demanda
espontânea, ou seja, quando o beneficiário identifica uma necessidade e procura
por conta própria um atendimento. Discute-se a possibilidade de Promoção
de Saúde, inclusive nos planos privados, ou seja, a incorporação de técnicas
como Prevenção, preceitos como Qualidade de Vida e outros mecanismos que
promovam a saúde como um todo, e não centrado apenas em atendimentos
pontuais. Nisso se incluem ferramentas pouco utilizadas, como o home care, as
técnicas de grupo, maior inserção de outros profissionais da saúde, tais como
psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outros.

Uma das ferramentas criadas pela ANS para mapear os


Programas de Promoção e de Prevenção à Saúde, que visa
justamente modificar esses modelos assistenciais oferecidos, é um
buscador online, acessível no seguinte endereço eletrônico: <http://
goo.gl/dxHMw3>.

Com esses apontamentos, encerramos o presente tópico. Para você que


deseja conhecer mais sobre as tendências do mercado de saúde suplementar
- inclusive as especificidades, como operadoras de menor porte, entidades
filantrópicas e outros – recomendamos acessar as publicações disponíveis do
IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), conforme indicado a seguir.

86
Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

Acesse as publicações do Instituto de Estudos de Saúde


Suplementar (IESS) no seguinte endereço eletrônico: <http://goo.gl/
SsssXx>.

Algumas Considerações
Finalizamos aqui o último capítulo da disciplina de Gestão da Saúde Pública
e Privada, com a proposta de aprofundar os estudos sobre a Saúde Suplementar,
que já haviam sido iniciados no Capítulo 2.

Na primeira seção, intitulada Operadora de Plano de Saúde: Estrutura e


Funcionamento, apresentamos a definição e a diferença entre Operadora, Plano
e Prestadora de Saúde, focando na função e na relação entre elas. Entre as
Operadoras, destacamos as modalidades existentes e as especificidades de cada
uma. Em seguida, abordamos os Planos, relembrando o Plano-Referência, que
estipula os serviços mínimos presentes em cada tipo de cobertura e os diferentes
tipos de contratos que podem ser estabelecidos. Por fim, falamos das Prestadoras
e Serviços de Saúde, que são responsáveis por prestar os serviços contratados.

Na segunda seção, chamada de Política e Organização dos Serviços em


Saúde, foram apresentadas a ação de fiscalização da ANS, as justificativas e as
leis que sustentam essa ação e o mecanismo de Ressarcimento ao SUS, que
garante um pagamento ao Sistema Público toda vez que um usuário de plano
privado utiliza os serviços públicos. Por fim, na terceira seção, foram expostas as
tendências do Mercado, o perfil dos beneficiários, os fatores que influenciam a
aquisição de planos de saúde, o envelhecimento da população e outros assuntos
pertinentes ao tema.

Esperamos que você tenha conseguido assimilar os conceitos e entender o


fluxo de organização da Saúde Suplementar.

Bons estudos!

Referências
ALBUQUERQUE, C. et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no
Brasil e apontamentos para o futuro. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro,
v. 5, n. 13, p. 1421-1430, set./out. 2008.
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Gestão da Saúde Pública e Privada

ANAB. Associação nacional das administradoras de benefícios. O que é.


Disponível em: <http://goo.gl/OS92ZM>. Acesso em 15 jun. 2016.

BRASIL. Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros


privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, 04 jun. 1998, p.1.

_______. Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de


Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 19 jan. 2000, p. 5.

_______. Resolução – RDC n. 39, de 27 de outubro de 2000. Dispõe sobre


a definição, a segmentação e a classificação das operadoras de planos de
assistência à saúde. Disponível em: <http://goo.gl/sua1sS>. Acesso em: 15 jun.
2016.

_______. Resolução normativa – RN n. 196, de 14 de julho de 2009. Dispõe


sobre a administradora de benefícios. 2009. Disponível em: <http://goo.gl/
Rm5L77>. Acesso em: 15 jun. 2016.

CECHIN, J. Mercado de saúde, tendências e perspectivas. 1º Seminário de


integração técnica, 2010. Disponível em: <http://goo.gl/dpYpcC>. Acesso em: 16
jun. 2016a.

_______. Envelhecimento populacional, uma nova realidade social. Instituto


de Estudos de Saúde Complementar, 2010. Disponível em: <http://goo.gl/
PCcWiJ>. Acesso em: 16 jun. 2016b.

CONASS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Coleção Para Entender


a Gestão do SUS 2011. V. 12. Brasília: CONASS, 2011.

MALTA, D. C. Saúde suplementar e modelos assistenciais. 2004. Disponível


em: <http://goo.gl/EZ01Fj>. Acesso em: 16 jun. 2016.

MARTINS, C. B.; LEITE, F.; NOVAIS, M. Principais pontos do ressarcimento


ao SUS. Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, 2010. Disponível em:
<http://goo.gl/Y7a8r1>. Acesso em: 16 jun. 2016.

NOVAES, H. M. D. Pesquisa em, sobre e para os serviços de saúde: panorama


internacional e questões para a pesquisa em saúde no Brasil. Caderno de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 147-173, maio/jun. 2004.

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Capítulo 3 Saúde Privada: Serviços

SILVA, A. A. da. Relação entre operadoras de planos de saúde e prestadores


de serviços – um novo relacionamento estratégico. 2003. Disponível em:
<http://goo.gl/KQ8ilI>. Acesso em: 16 jun. 2016.

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