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VERBETE
Escola Tropicalista Baiana
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Disponível em: http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/wucheothe.htm. Acesso em 11 mai.
2021.
Em uma comunicação sobre discussões na Sociedade de Patologia de Londres
- originalmente publicada na revista Lancet de março de 1878 e traduzida por
Silva Araújo para a Gazeta Médica no mês seguinte – distinguia-se ser mérito de
Wucherer a descoberta do nematoide na quilúria, então denominado Filaria
bancrofti. (GURGEL, CARNEIRO e COUTINHO, 2011, p.257).
A versão original2 dessa comunicação, de autoria do Dr. Silva Lima, encontra-se nesse texto
como forma de demonstração da iniciativa, liderança e senso de união que nutria os membros do
grupo, mesmo após o falecimento do Dr. Wucherer em 1973. De certa forma, essa atitude confere a
estes um compromisso com a agenda e os estudos realizados pelo grupo denominado Escola
Tropicalista Baiana.
Outros médicos, como Raimundo Nina Rodrigues e Juliano Moreira, são considerados
integrantes da Escola Tropicalista Baiana, em uma segunda fase da medicina experimental na
Bahia. Essa fase posterior teria surgido por meio das pesquisas realizadas após a morte precoce o
Dr. Otto Wucherer em 1873, reconhecido internacionalmente como o representante principal desse
movimento da medicina experimental na Bahia. Segundo Barros (1997) credita-se, em partes, à
2
Disponível no sciencedirect.com via CAFÉ por meio do acesso Universidade Federal da Bahia. Termo de busca
utilizado “Wucherer”. https://www.sciencedirect.com/search?qs=wucherer. Acesso em 10 mai. 2021
saída de Nina Rodrigues do movimento, a decadência da Escola Tropicalista Baiana na década de
1890, o que teria enfraquecido a comunicação da medicina tropical, desviando o foco de
publicações do periódico Gazeta Médica da Bahia para outras temáticas médicas.
A Expressão "Escola Tropicalista Baiana", que vem sendo utilizada, considerada e
reconhecida por diversos pesquisadores nacionais e estrangeiros. Contudo, tem gerado controvérsias
no ambiente acadêmico e científico. Um dos lados desse debate é representado pelo professor e
pesquisador Dr. Flávio Edler, da Casa de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Ao considerar
inapropriado, e inclusive abusivo, a utilização desse termo para designar o referido grupo de
médicos da Bahia no século XIX, o pesquisador torna pública uma controvérsia que possui adeptos
de ambos os lados.
O argumento proposto por Edler (2002) parte do princípio da demarcação da medicina no
Brasil, em que esta é dividida em pré-científica e científica. A parte científica teria sido tratada pela
comunidade científica como posterior ao surgimento e ascensão dos médicos considerados
tropicalistas, instalados na província da Bahia. Esse fato deve-se a iniciativa desses médicos em
adotar uma medicina experimental, voltada a identificar as causas das doenças ditas do clima
tropical. Edler busca demonstrar que a medicina exercida no Brasil na primeira metade do século
XIX possui uma preocupação genuína com as causas das doenças. No entanto, a explicação dos
médicos da Corte Imperial para algumas enfermidades locais naquela época estava baseada em
causas miasmáticas, diferentemente das causas concretas que estava a assolar a população.
. Esse confronto de ideias é percebido ao passo que Flávio Edler diverge do entendimento da
pesquisadora Norte-americana Julyan Peard, em sua tese de doutorado, sob o título "The
Tropicalista School of Medicine of Bahia, Brazil, 1860-89", defendida na Columbia University em
1990, em que reconhece o referido grupo de médicos como uma "Escola Tropicalista Baiana",
diante dos resultados obtidos e reconhecido no cenário médico nacional e internacional. A referida
tese da Peard deu origem ao livro intitulado "Race, Place, and Medicine: The Idea of the Tropics in
Nineteenth-Century Brazilian Medicine".
O livro em questão foi resenhado pela Prof. Drª. Silvia Fernanda de Mendonça Figuerôa,
da Universidade Estadual de Campinas, no Estado de São Paulo, sob o título "Ciência e medicina
fora da Corte: a Escola Tropicalista Baiana". Nessa resenha, Figuerôa (2002) reconhece os méritos
da pesquisa realizada pela Drª Peard, e considera o livro "oportuno e bem escrito [que] ilumina
partes da ciência brasileira que até recentemente haviam permanecido esquecidas – tal como a
Escola Tropicalista Bahiana que constitui o centro da pesquisa". Por outro lado, Edler (2002) em
um dos seus artigos científicos, intitulado "A Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da
medicina tropical no Brasil", e posteriormente no livro intitulado "A Medicina no Brasil Imperial:
clima, parasitas e patologia tropical", discorda desse entendimento da Peard (1999). O oponente
reconhece os méritos da autora, e considera-a uma das pesquisadoras mais influentes e conceituadas
no que compete a medicina tropical no século XIX, no entanto, afirma que na sua interpretação,
Peard não deveria se referir àquele grupo de médicos como uma "Escola Tropicalista Baiana", com
base nos argumentos apresentados.
Em uma produção acadêmico-científica recente, Queiroz (2018) também é contrária a esse
entendimento, de que o grupo formado por médicos na Bahia, que se debruçaram a estudar
enfermidades de um modo experimental, fosse considerado pioneiro a tal ponto de constituírem
uma “Escola”. Em uma determinada passagem, a autora afirma que, [o] “Ponto que merece atenção
tanto em relação a Coni, quanto à Peard, é a utilização do termo „Escola‟, do qual discordamos. Em
ambos os autores ele é utilizado para ressaltar a originalidade do grupo fundador da Gazeta” (2018,
p. 25).
Dessa forma, a autora deixa claro em seu texto que compactua com o entendimento do
pesquisador Edler (2002), em que a utilização da expressão „Escola‟ reduziria as contribuições de
outros médicos, que não estivessem ligados ao grupo de médicos da Bahia (QUERIOZ, 2108). Por
fim, acrescenta que ao invés de localizar algo que apoiasse a convenção do termo “Escola
Tropicalista Baiana”, teria encontrado na literatura posterior aos escritos de Coni e Peard
“contestações a esse termo”. No entanto, não é o que se tem observado, diante do levantamento
destacado mais a frente.
A controvérsia que gira em torno da Escola Tropicalista Baiana tem reunido pesquisadores
de ambos os lados, seja utilizando e corroborando a efetiva utilização do termo, de um lado, ou para
contrapor ao uso utilitário dessa expressão, do outro, com a justificativa das mais diversas. No que
compete aos aspectos ligados à Sociologia da Ciência, Santos (2009) faz uma análise do que teria
deixado de existir para que os médicos situados na Bahia, que buscavam esse viés experimental
para a descoberta das doenças, pudessem de fato ter se constituído de tal forma, que pudesse deixar
um legado por meio de uma instituição de pesquisa, que conferiria a eles esse título atribuído
posteriormente de Escola. Nesse sentido, fazendo um contraponto com o trabalho desenvolvido pela
Peard, destacou que:
O que caracteriza uma escola [...], é um certo programa de ação, uma determinada
identidade que se forma, um campo de escolhas (teóricas, metodológicas,
temáticas, éticas, associativas, geradoras de inclusão ou exclusão) que permite ao
praticante do campo sintonizar-se com outros que a ele se assemelham nas mesmas
escolhas.
Nesse sentido, Santos (2009) ao citar um estudo desenvolvido pelo historiador Mark Harrison,
trabalho este referenciado por Peard, destaca a presença de alguns aspectos que constituem um campo
institucionalizado, o que complementa e posiciona a maneira pela qual se deve analisar esse caso particular
da institucionalização dos médicos no Brasil oitocentista. De acordo com Harrison apud Santos (2009, p.
65), “um campo institucionalizado significa uma disciplina dotada de seus próprios periódicos,
instituições, qualificações e um discurso exclusivo”. Nesse sentido, Santos (2009) concorda que o grupo
de médicos da Bahia possuíam alguns desses atributos, contudo, observou a ausência de uma instituição que
lhes conferissem uma caracterização enquanto formadores de uma „Escola‟.
Dessa forma, busca-se destacar os atributos conferidos ao grupo de médicos, cuja denominação em
Escola Tropicalista se constituiu a partir da segunda metade do século XX.
Drº Otto Edward Henry Drº John Ligertwood Paterson Drº José Francisco da Silva
Wucherer Lima
Drº Virgílio Clímaco Damázio Drº Demétrio Ciríaco Drº Antônio Pacífico Pereira
Tourinho
Drº Antonio José Alves Drº Antonio Januário de Drº Manoel Maria Pires Caldas
Farias
Destaca-se que dentre os médicos que compunham esse grupo, encontram-se médicos
ligados pela consanguinidade. O estudante da Faculdade de Medicina da Bahia, Antônio Pacífico
Pereira, que integrava o grupo de médicos desde as primeiras reuniões, e que se tornara médico e
professor da mesma instituição, tendo sido um dos representantes mais atuantes frente ao periódico
médico criado pelo grupo tropicalista, a Gazeta Médica da Bahia, teve ao seu lado uma das
personalidades baianas de destaque na medicina e na política baiana e nacional, o Drº Manoel
Vitorino Pereira, seu irmão. Outro representante da primeira formação da Escola Tropicalista que
teve a oportunidade de compartilhar as discussões sobre as enfermidades de ordem parasitológicas
na Bahia foi o Drº John Ligertwood Paterson, acompanhando pelo seu irmão Alexander Ligertwood
Paterson. (FIOCRUZ, 20--)
O debate que por ora se apresenta a respeito da utilização do termo „Escola‟, para denominar
um grupo de médicos da Bahia, reconhecidos nacional e internacionalmente, considerados por uma
parcela da comunidade científica como aqueles que iniciaram uma mudança na forma como a
medicina era desenvolvida no Brasil, aparentemente apenas se inicia. Há nessa controvérsia
diversas vertentes que precisam ser analisadas de forma mais aprofundada, de modo a se identificar
fatores que possam ser revelados, a partir das contribuições desses médicos e da conjuntura política,
social, econômica e educacional no Brasil oitocentista.
Referências
AMARAL, Isabel; DIOGO, Maria Paula; BENCHIMOl, Jaime Larry; ROMERO SÁ,
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olhar retrospectivo. Revista Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, v. 2,
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BARROS, José D'Assunção. Teoria da história V: a Escola dos Annales e a Nova História.
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BARROS, Pedro Motta de. Alvorecer de uma nova ciência: a medicina tropicalista baiana.
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Disponível em:
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/pH5KwwDM8HHKDNBw568Phst/abstract/?lang=pt.
Acesso em: 9 jun. 2021.
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SANTOS, Adailton Ferreira. A presença das ideias da Escola Tropicalista Baiana nas
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SILVA LIMA, José Francisco da. The Later Dr. Wucherer and the Filaria Bancrofti, The
Lancet. Reino Unido, 1878. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/search?qs=wucherer. Acesso em: 10 maio 2021.