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Universidade Federal da Bahia

Componente: Epistemologia Geral: controvérsias e consensos nas Ciências


Docente: Olival Freire Júnior
Discente: Davilene Santos
Semestre 2021.1

Controvérsias em torno da Escola Tropicalista


Baiana na Medicina Experimental no
Século XIX

Salvador, 06 de maio de 2021


O personagem dessa controvérsia é o
professor Dr. Flávio Edler

Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz e


professor do Programa de Pós-Graduação
em História das Ciências e da Saúde (COC-
Fiocruz).
Graduação em História pela UFRJ (1987)

Mestrado em História Social pela USP (1992)


As reformas do ensino médico e a profissionalização da
medicina na corte do Rio de Janeiro 1854-1884

Doutorado em Saúde Coletiva pelo IMS-UERJ (1999)


A constituição da Medicina Tropical no Brasil oitocentista:
da Climatologia à Parasitologia Médica

Foi presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência.


dedicado à área de história das ciências, com ênfase em história
da medicina
2002 2011
“caracterizar a
singularidade daquela
comunidade de médicos
organizada em torno de
um periódico,
designando-os muito
abusivamente como
escola, levou-a a
corroborar a visão
dicotômica que ela
parecia disposta a
rejeitar”
p.362

Grifo nosso.
Artigo e temas contemplados no componente

 Demarcação:
Entre dois períodos no desenvolvimento da cultura médica no período imperial: Pré-científico e
Científico.

 Consenso:
“Há um arraigado consenso na historiografia médica brasileira quanto a existência de duas fases
contrastantes em seu desenvolvimento histórico.

 Controvérsia:
“Suposta rejeição, pelas principais instituições médicas do Império – as faculdades de
medicina da Corte e de Salvador, a Academia Imperial de Medicina (AIM) e a Junta
Central de Higiene Pública -, às conclusões dos trabalhos experimentais no campo da
parasitologia médica, publicados, a partir de 1866, pelo Dr. Otto Wucherer (1820-1873),
na Gazeta Médica da Bahia”.

“a Academia Imperial de Medicina teria rejeitado, sem prévio exame e por meio de
votação, a hipótese etiológica, apresentada por Wucherer, sobre a origem verminótica
da doença conhecida vulgarmente como opilação, ou hipoemia intertropical, como a
designara o eminente diretor da Faculdade de Medicina da Corte, Cruz Jobim.

(p. 358)
Objetivos do artigo

 “Aversão mais frequente é a que identifica como única orientação


científica legítima aquela proveniente da prática experimental do
laboratório subsidiada pela clínica, o que levou muitos historiadores a
avaliar as resistências à fisiologia experimental, à parasitologia e à
bacteriologia, como resistência à própria ciência, seu método, seus
valores”.

 “Este artigo pretende pôr em relevo os problemas e os programas de


investigação institucionalizados no Brasil, pelos médicos que seguiam
a tradição anatomoclínica e higienista, ainda na primeira metade do
século XIX, buscando com isso recuperar o significado de seus
trabalhos, suas ambições e combates”
p. 360
Discutindo a Tese de Peard
(1997)
O aspecto mais problemático da tese de Peard reside no argumento
da originalidade do enfoque global dos tropicalistas, em contraste
com o meio médico brasileiro.

 Segundo ela, quando John L. Paterson (1820- 82), José Francisco


da Silva Lima (1826-1910) e, principalmente, Otto E. H. Wucherer
(1820-73), além de um punhado de outros médicos, resolveram
esclarecer e desenvolver o estudo da medicina brasileira através de
encontros para discutir observações locais e pesquisas;

 Eles estariam se rebelando contra uma tradição na qual as ideias e


práticas médicas eram marcadas pela conformidade e repetição da
medicina ocidental européia, particularmente francesa (Peard, 1997,
p. 5)

p. 362
Transtornos tropicais e a formação de uma
identidade médica brasileira, 1860-1890

Texto utilizado
por Edler
Peard (1997)
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9n3/14082.pdf.
1999 2002
Breve contextualização

• Médicos da Província da Bahia por volta dos anos de 1850,


incentivados por estudos estrangeiros acerca da parasitologia,
passam a discordar das teorias adotadas pela Sociedade de
Medicina da Corte no Rio de Janeiro a respeito de algumas
doenças, em especial as doenças denominadas Opilação e
Cansaço, assim como a Filariose.

• De acordo com os médicos situados no Rio de Janeiro as causas


das doenças possuíam origem climática e associada aos
indivíduos, e não a causas biológicas ocasionadas por
microrganismos.
• O método adotado pelas instituições de ensino superior da Bahia
e do Rio de Janeiro, para explicações das doenças estavam
baseados na literatura, muitas delas de origem estrangeira, em
particular Francesa, distanciando da realidade do Brasil e da sua
população.

• Os médicos considerados tropicalistas apresentam estudos


originais e experimentais acerca de enfermidades que estavam
associadas a questões do clima tropical, da população negra e
pobre, levando em consideração as questões de higiene e
investindo em uma análise microscópica da enfermidade.

• A originalidade dos estudos desenvolvidos por esse grupo de


médicos confere a eles o título de uma “Escola Tropicalista”, em
que se configura pela reunião de médicos dedicados a pesquisa
acerca dessas enfermidades de origem parasitária e
bacteriológica.
 Para Edler (2002) a originalidade dos estudos das doenças por meio
da experimentação tem os seus primeiros passos anteriores aos
estudos realizados pelos “Tropicalistas”, como assim é
denominado esse grupo de médicos da Bahia.

 Contudo, observa-se na literatura que a expressividade, o alcance,


a disseminação e comunicação desses estudos em torno da
experimentação, conferem a estes a primazia da iniciação da
investigação por experimentação no Brasil.

 Um dos fatos mais emblemáticos circunda inclusive o médico Otto


Wucherer, um dos primeiros médicos considerados como
“Tropicalista” que investigou a Filariose e descobriu a participação
de um parasita na constituição da doença.

 O parasita foi denominado de “Wuchereria-Brancofti” em


homenagem aos dois médicos que identificaram o parasita:
Otto Wucherer e Joseph Bancroft.
Como surgiu a expressão
“Escola Tropicalista Bahiana”?

A maioria dos autores que destacam essa expressão,


a atribuem ao Antônio Caldas Coni (1952)

Jacobina (2019, p. 60) destaca que parte a expressão já


tinha sido cunhada primeiramente por Juliano Moreira, em
um artigo de 1918. Ao homenagear Silva Lima, se referiu
a este como um tropicalista, que teria “se revelado um
mestre de uma verdadeira escola”

Jacobina (2019) ainda pontua que Coni (1952) teria


simplificado a expressão utilizada por Pedro Nava (1948)
“Escola Parasitológica e Tropicalista da Bahia”
Médicos Tropicalistas da Bahia.
Formaram ou não formaram uma
Escola?

O que entende-se por Escola?

De acordo com o dicionário Michaelis, disponível em meio digital, dentre as acepções para Escola, temos:

 Sistema, doutrina ou tendência de pensamento de indivíduo ou de grupo de indivíduos que se destacou em algum ramo
do conhecimento;

 Conjunto de adeptos ou seguidores de uma doutrina, pensamento ou princípio estético.


Os Tropicalistas no século XIX

 Apesar da curta duração, em torno de 40 anos, os


médicos e pesquisadores tropicalistas
influenciaram uma legião de adeptos;

 Criaram um periódico científico próprio, como


forma de comunicar os resultados de pesquisas,
em particular as experimentais - Gazeta Médica da
Bahia;

 Disseminaram de forma ampla as pesquisas


realizados no Brasil, em especial na Bahia, para
outras províncias nacionais e para o exterior.
Os Tropicalistas no século XIX
 Em sua primeira fase, os médicos considerados tropicalistas
adquiriram expressividade por meio dos estudos do médico
Otto Edward Henry Wucherer, que trabalhava na Santa Casa
da Misericórdia da Bahia.

 No entanto, outros médicos fizeram parte dessa fase inicial,


que viria a ser um dos maiores movimentos de mudança na
medicina brasileira, em especial no que compete a atenção
médica a pobres, escravos e ex-escravos.

John Ligertwood Paterson José Francisco da Silva Lima


Virgílio Clímaco Damázio Demétrio Ciríaco Tourinho
Antônio Pacífico Pereira Antonio José Alves e
(aluno e depois prof. FAMED) Antonio Januário de Farias (profs.
FAMED)
Manoel Maria Pires Caldas Ludgero Rodrigues Ferreira
2ª fase dos
Tropicalistas no século XIX
 Nessa fase, após a morte de Wucherer em 1873, outros
nomes da ciência baiana se destacaram por meio dos
estudos desenvolvidos em torno das enfermidades que
acometiam a população no Hemisfério Sul.

Autores que participaram da 2ª fase

Juliano Moreira Raimundo Nina Rodrigues

 Destaca-se que nessa fase, o médico Silva Lima adquire


um papel protagonista em defesa das descobertas do
Otto Wucherer e a comunicação destas na Gazeta
Médica da Bahia, inclusive com a publicação de artigo no
periódico Lancet em 1878.
Expressões utilizadas pelo autor ao se referir à Escola
Tropicalista Baiana e a Academia Imperial de Medicina

Escola Tropicalista Baiana Academia Imperial de Medicina


Abusivamente/ Problemático Elite Médica
Aspectos Falaciosos Instituição mais proeminente
Forjado sua própria definição de Intérprete legítima da patologia
medicina tropical brasileira
Organizada em torno de um Livro de Sigaud = Bem delineado/
periódico /Gazeta Médica da Bahia Inovador Representativo
Paisagem médica nacional Monopolizar duas importantes
pintada [...] na singularidade da tarefas/ Esforçou-se em cumprir
trajetória traçada pelos essas tarefas.
tropicalistas da Bahia
Punhado de outros médicos Soluções originais = Sigaud

Singularidade/ Particularizar Avaliação generosa


Suposição/ Supostamente/ Carta nosológica do Império
Suposta consistiu num feito espetacular da
Academia de Medicina.
Argumento da existência de outros periódicos

Bahia Rio de Janeiro (Corte)


Gazeta Médica da Bahia Gazeta Médica do Rio de Janeiro
(1866-1915) (1862-64)

• O autor identifica que o • Revista Médica do Rio de Janeiro


periódico permaneceu ativo até(1873-79);
1915, contrariando as
• Archivos de Medicina (1874);
evidências que confirmam a • Progresso Médico (1876-1880);
• União Médica (1881-89);
publicação da revista até 1934;
• Gazeta Médica Brazileira (1882);
• Voltando a ser publicada em • Brazil Médico (1887-1964)*
1966 até 1972. p. 375

* No entanto, localizou-se publicações até o ano de 1946. Disponível digitalmente


em: https://www.obrasraras.fiocruz.br
Controvérsia entre :
1. José Martins da Cruz Jobim (1802-78)
Conselheiro da Sociedade de Medicina do Rio
de Janeiro (embrião da Academia Imperial de
Medicina), fundada em 1829.
2. Otto Edward Henry Wucherer (1820-73)

Destaca:

“Para a elite médica imperial, a população pobre,


notadamente a escrava, era 'causa' de doenças:
classificava-se na categoria do risco, do perigo, da
ameaça, do estorvo”.
“Wucherer desencadeou uma revolução
epistemológica”

“O rompimento com a mentalidade acadêmica tradicional


deveu-se à Escola Tropicalista Baiana (Coni, 1952; Peard,
1993; Luz, 1982; Pires, 1989; Santos Filho, 1991, pp. 176-
7), criada por volta de I860.

Seu programa de pesquisas, orientadas pelo método


experimental, abarcava disciplinas como anatomopatologia,
parasitologia, epidemiologia, bacteriologia, microscopia e
BARROS, Pedro Motta fisiologia clínica”.
“Procurei demonstrar que a primeira iniciativa consistente de ruptura com
o modelo tradicional deve ser creditada à Escola Tropicalista Baiana, um
grupo particular de médicos estrangeiros — Wucherer, Paterson e Silva
Lima — que haviam assimilado muito bem os conhecimentos mais
atualizados em matéria de fisiologia clínica e anatomia patológica
experimental, em circulação principalmente na França, Grã-Bretanha e
Alemanha. A escola alcançou êxito ao descobrir, de maneira original, a
etiologia de várias doenças típicas de nosso meio. Chama atenção
também o interesse que demonstrou pelas afecções dos escravos negros
e da população pobre em geral, assim como pelo modelo de medicina
preventiva, de preferência à curativa. O grupo começou a denunciar os
primeiros sinais de declínio quando acolheu em seus quadros um médico
brasileiro mulato — Nina Rodrigues — que se sentiu frustrado em seu
propósito de dar continuidade às pesquisas em doenças tropicais”.

(BARROS, 1998, p. 451-452)


“A Escola Tropicalista Baiana nasceu guiada pela lógica do atendimento às
necessidades básicas da parcela majoritária da população nacional.
Paulatinamente, sobretudo depois da morte de Wucherer e do ingresso de
Nina Rodrigues, suas atividades passaram a se concentrar em assuntos de
cunho institucional do aparelho de Estado, diminuindo a liberdade de
criação intelectual, ousadia científica e iniciativa operacional. Arrefeceu o
entusiasmo pela pesquisa, pois Wucherer e seus parceiros mais próximos
não estavam mais comunicando paixão ao que lá se fazia, o que afrouxou
a coesão do grupo. Nina Rodrigues dizia francamente que queria fazer
ciência sem paixão pela sorte dos negros, numa atitude coerente com a
mentalidade cartesiana, para a qual os sentimentos atrapalham a razão
clara. Jejuno dos clássicos humanistas, foi-lhe fácil aderir ao utilitarismo
positivista”.

(BARROS, 1998, p. 451-452)


Relevância da Escola Tropicalista Baiana
Outros autores e pesquisadores

Artigos
Título Autores Ano
Uma abordagem histórica da MASCARINI, Luciene Maura 2003
trajetória da parasitologia
Ciência no século XIX: A GURGEL, Cristina Brandt Friedrich 2010
contribuição brasileira para a Martin; CARNEIRO, Fernanda;
descoberta do agente etiológico COUTINHO, Elaine
da filariose linfática
Contribuições para a História da AMARAL, Isabel; DIOGO, Maria 2013
Medicina Tropical nos séculos Paula; BENCHIMOL, Jaime Larry;
XIX e XX: um olhar ROMERO SÁ, Magali
retrospectivo
O micróbio protagonista: notas MALAQUIAS, Anderson Gonçalves 2016
sobre a divulgação da
bacteriologia na Gazeta Médica
da Bahia, século XIX
Dissertações
Título Autor(a) Instituição Ano
Escola Tropicalista Baiana: registro SANTOS, Adailton PUC-SP 2008
de uma nova ciência na Gazeta Ferreira dos
Médica da Bahia (1866-1889)
Comunicação Científica em Saúde: MARTINELLI, UFBA 2014
a Gazeta Médica da Bahia no Maria de Fátima
Século XIX Mendes

Teses
Título Autor(a) Instituição Ano
A Presença das ideias da Escola SANTOS, Adailton PUC-SP 2012
Tropicalista Baiana nas Teses Ferreira dos
Doutorais da Faculdade de
Medicina (1850-1889)
Comunicação científica na SANTANA, Celeste UFBA 2013
Medicina Tropical no contexto da Maria de Oliveira
Ciência da Informação (Séculos
XIX e XX)
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 - NELDSON MARCOLlN
Considerações
Razões para o início de uma controvérsia;

Fechamento / Encerramento das controvérsias;

Valoreséticos e morais envolvidos nas


controvérsias;

Participação da comunidade científica;

Abrangência do tema da controvérsia.


Referências

 BARROS, Pedro Motta de (1998). Alvorecer de uma nova ciência: a medicina tropicalista baiana.  História, Ciência, Saúde
– Manguinhos, Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v4n3/v4n3a02.pdf Acesso em: 29 abr. 2021

 EDLER, Flavio Coelho. Medicina no Brasil Imperial: clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora,
2011.

 EDLER, Flávio. C. A Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da medicina tropical no Brasil. História, Ciência, Saúde
– Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 357-85, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9n2/a07v9n2.pdf.
Acesso em: 15 abr. 2021.

 FIGUERÔA, Sílvia F. de M. Ciência e medicina fora da Corte: a Escola Tropicalista Baiana. Revista História ciência
saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro. vol. 9, n. 3., p. 715-16, set-dez. 2002. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9n3/14082.pdf. Acesso em 23 abr. 2021.

 JACOBINA, Ronaldo Ribeiro. Juliano Moreira da Bahia para o mundo: a formação baiana do intelectual de múltiplos
talentos (1872-1902). Salvador: Edufba, 2019.

 Michaelis. Dicionário. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/escola.


Acesso 15 abr. 2021.

 PEARD, Julyan G. ‘Tropical disorders and the forging of a Brasilian medical identity, 1860-1890’. 1997 Hispanic
American Historical Review, 77: 1- 44.

 PEARD, Julyan G. Tropical medicine in nineteenth-century Brazil: the case of the 'Escola Tropicalista Bahiana', 1860-
1890. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8783623/. Acesso em 15 abr. 2021.

 PEARD, Julyan G. Race, Place, and Medicine: The Idea of the Tropics in Nineteenth-Century Brazilian Medicine, Index,
Durham, S.C./ London Duke University Press, 1999, 315p
Agradeço

a atenção.

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