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SAÚDE COLETIVA

Evolução histórica
da medicina
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Listar nomes e fatos importantes da história da medicina.


„„ Identificar dados históricos acerca da medicina no Brasil.
„„ Relacionar os simbolismos ligados à medicina.

Introdução
A história da medicina teve início há milhares de anos, com origem em
rituais e magias desenvolvidos principalmente por sacerdotes e magos,
que tinham como objetivo afastar as doenças. A arte de diagnosticar
e curar é, portanto, uma prática médica de longa data, expressa de di-
ferentes formas, mas que ainda se encontra em constante evolução.
Ao longo do tempo, o misticismo perdeu espaço para a ciência, que for-
neceu evidências científicas para a construção do conhecimento médico.
Porém, as influências do passado estão presentes até hoje. Conhecer a
história da medicina, que é a reconstituição do passado da ciência médica,
permite percorrer os caminhos trilhados até a era moderna.
Neste capítulo, você reconhecerá os principais nomes associados
à história da medicina e seus simbolismos, além de relacionar dados
históricos no Brasil com os desafios e sucessos da “arte de curar”.
2 Evolução histórica da medicina

1 Fatos importantes da história da medicina


Os primeiros fatos que remetem à história da medicina foram registrados no
período Paleolítico, por meio da paleopatologia (estudo das enfermidades ve-
rificadas em restos ósseos humanos), de doenças e seus tratamentos (medicina
primitiva pré-histórica), desenhos, pinturas antigas e ferramentas cirúrgicas
usadas pelos nossos ancestrais. Os documentos da Mesopotâmia e do Egito
registraram a evolução da medicina arcaica, baseada na magia e no empirismo.
A história da medicina é a reconstituição do passado da ciência médica, e suas
raízes estão no século de Péricles (século V a.C.), o qual registra a história de
Heródoto e a medicina de Hipócrates (MARGOTTA, 1998).
As bases para a prática médica eram a religião, a magia e os rituais, do início
da sociedade humana, praticados por feiticeiras, sacerdotisas e alquimistas,
que utilizavam ervas e vegetais para preparações de remédios, acompanhados
de rituais e dança. No Egito antigo, fatos interessantes sobre essa temática
podem ser observados, por exemplo, as múmias preservadas, que revelam
as doenças que se desenvolviam na população da época (tuberculose óssea,
parasitoses, cálculos vesicais, artrite), apresentando o perfil epidemiológico da
população (MARGOTTA, 1998). Acreditava-se que os demônios causavam as
doenças, a morte, as tempestades, a escuridão e as noites sem luar, ao passo
que as coisas boas da vida estavam associadas às divindades.
Assim, segundo Margotta (1998), os feiticeiros, dotados de poderes sobre-
naturais e conhecimento sobre as estrelas, as ervas curativas e os venenos,
utilizavam-se de rezas e sacrifícios para acalmar a fúria dos demônios. Para
obter credibilidade dos pacientes e impressionar, os feiticeiros usavam máscaras
de animais para espantar os demônios (causadores de doenças) e amuletos
para afastar as doenças. Eram mágicos cujos sortilégios deixavam as pessoas
doentes ou curadas. Realizavam rituais que apresentam certa relação com a
medicina moderna, uma vez que seus conhecimentos provinham de estudos
da natureza, incluindo propriedades das plantas e dos venenos de animais,
como o uso das mandrágoras (soporífero/sedativos) e antídotos para veneno de
cobra (vacinas). Realizavam algumas “cirurgias”, a fim de aliviar as dores ou
obter efeitos antiepilépticos, sendo os primeiros a perfurarem o crânio humano.
Na era clássica, a medicina helênica substituiu a magia pela investigação.
O médico conhecido como Homero era inigualável na remoção de flechas,
curas com bálsamos (preparados a partir de extratos de ervas) e bandagens
para estancar hemorragias.
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A medicina grega também desempenhou um papel importante na história,


visto que seus médicos usavam observações e um método de raciocínio,
na tentativa de entender a saúde e as doenças. Além disso, introduziram
conceitos como ética, diagnóstico e prognóstico (FRANÇA; LOTTI, 2017).
De fato, grandes avanços na área foram realizados na Grécia antiga, sendo
os maiores, talvez, os feitos por Hipócrates, considerado o “pai da medicina”.
Ele relacionou que a doença poderia ser atribuída a causas naturais, como
má alimentação, falta de ar fresco e quedas. Foi na época de Hipócrates que
surgiu o juramento da medicina.

Juramento da Medicina criado por Hipócrates


“Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higiae Panaceae por todos os deuses e
deusas, a quem conclamo como minhas testemunhas, juro cumprir, segundo meu
poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais,
aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele
partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte,
se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso
escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus
filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão,
porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder
e entendimento, nunca para causar danos ou mal a alguém. A ninguém darei por
comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo
modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada
minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado;
deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para
o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a
sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens
livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e
no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar,
eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade,
que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre
entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça” (CAIRUS;
RIBEIRO JR., 2005, p. 221-222).
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A medicina romana também tem grande contribuição histórica. Galeno


foi, talvez, o médico mais famoso em Roma, começou sua carreira assistindo
gladiadores e, posteriormente, estudou anatomia utilizando macacos. Escreveu
livros sobre os quatro humores (ARMOUR, 1965).

Código Hammurabi
Na era babilônica, Hammurabi (entre o século XVII e XXI a.C.) adaptou as prerrogativas
sobre os cuidados de saúde em códigos e documentou um conjunto de normas, que
visavam regulamentar esses cuidados, conhecido como Código Hammurabi. Foram
estabelecidos preceitos quanto ao pagamento dos cuidados de saúde (de acordo com
as possibilidades econômicas de cada um), à qualidade desses serviços, à observação
e ao registro dos dados para futura avaliação, bem como as normas relativas ao mau
exercício da medicina (WAGNER, 1981).

Na Idade Média, a medicina era uma prática baseada na astrologia e no


horóscopo, na qual se consultavam “as estrelas” e se suas posições estavam
favoráveis. A sangria era uma cura popular, cuja ideia consistia em se livrar
das impurezas do sangue, abrindo uma veia ou uma artéria, muitas vezes, dei-
xando o paciente sangrar até a morte (MARGOTTA, 1998; REZENDE, 2009).
Somente no século V a.C., com o surgimento da medicina hipocrática, na
Grécia, essa ciência foi separada da religião, das crenças irracionais e do apelo
ao sobrenatural. Nesse momento, tiveram início os cursos médicos oficiais,
pois, até então, o ensino da arte médica era informal.
Conforme ressaltou Bullough, em seu livro The development of medicine
as a profession, a medicina só foi institucionalizada a partir da Idade Média,
após a fundação da escola de Salerno e das primeiras universidades europeias
(p. ex., Montpellier, na França, e Oxford, na Inglaterra). Uma das instituições
de ensino que teve destaque foi a de Pádua, na qual se formaram personagens
que revolucionaram a medicina, como Vesalius, Morgagni, Harvey e outros.
Ainda na Idade Média, a medicina árabe se encontrava em seu apogeu, exis-
tindo uma preocupação com a institucionalização e a fiscalização da profissão.
No ano de 931 d.C., as autoridades governamentais promoveram em Bagdá
o primeiro exame público para credenciamento de médicos em exercício
(REZENDE, 2009).
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Na Antiguidade Clássica alguns procedimentos cirúrgicos eram entregues


a profissionais sem formação acadêmica (“cirurgiões-barbeiros”), sendo a ci-
rurgia relegada em segundo plano por muitos séculos. A Universidade de Paris
chegou a proibir aos médicos, sob juramento, a prática da cirurgia. Somente
após a descoberta da anestesia geral, a introdução da antissepsia por Lister e
a descoberta dos micro-organismos patogênicos responsáveis pela infecção
pós-operatória (século XIX), a cirurgia foi reintegrada à medicina e adquiriu
o status de uma de suas mais importantes especialidades.
Conforme Rezende (2009), a separação entre a medicina e a farmácia como
profissões independentes se processou, gradualmente, a partir da Idade Média,
e com características próprias em cada país. Em nenhum caso, entretanto,
se atribuiu legalmente ao farmacêutico a prescrição de medicamentos, con-
siderada um ato privativo do médico.
No período da Renascença, a medicina se desenvolveu com rapidez.
O estudo de anatomia foi desenvolvido por Vesalius (italiano, especialmente
irritado com os escritos de Galeno) e, com isso, a prática da dissecação se
tornou mais frequente, tendo seu ensino por meio de práticas cirúrgicas.
Em 1570, as disciplinas foram separadas. Nessa época, a maior família da
Itália era a família Medici (não é muito claro se o nome medicina foi utilizado
após os Medici).
No apogeu do Império Romano, a ciência médica sofreu uma queda devido
às corrupções, no âmbito público e privado, à pobreza e aos ataques bárbaros
a territórios romanos. Doenças como varíola, peste bubônica, escarlatina,
cólera, tifo e difteria (epidemias da época) conduziram a um alto índice de
mortalidade.
Os mais conhecidos médicos árabes foram Rhazes (também interessado
por matemática, astronomia, religião e filosofia), cuja obra mais famosa foi
al-Hawi; e Avicena, autor da obra al-Quanun (os Cânones), em que apresentou
as doenças, os sintomas, as regras de saúde e higiene e os tratamentos.
No final do século XV, ocorreu uma epidemia letal que provocava úlceras
e vermelhões, transmitidas pelo contato sexual. A princípio, essa doença foi
denominada morbus gallicus, porém, com a publicação do poema Syphilis sive
morbus gallicus (sífilis ou a doença francesa) (1530), de Girolamo Fracastoro,
passou a ser denominada sífilis.
Paracelso foi autor de mais de 300 obras de medicina e seus estudos foram
realizados por meio de observações de alquimia e metafísica.
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Nascido em 1493, na Suíça, Ambroise Paré (1517-1590) se tornou o maior


cirurgião da Renascença. Iniciou suas experiências como barbeiro-cirurgião
(Paris), sendo, depois, cirurgião doméstico e cirurgião do exército (ídolo dos
soldados), abolindo a cauterização das feridas (REZENDE, 2009).
No século XVI a anatomia recebeu um grande impulso com as obras de
Leonardo da Vinci e Vesalius. Leonardo da Vinci (considerado o pai da ana-
tomia) foi o mestre das artes e da ciência; dissecava e desenhava para melhor
entender o funcionamento do corpo humano. Analisou o sistema muscular e
reconheceu a ação específica de cada músculo, estudou as válvulas e veias.
Além disso, foi um gênio da pintura, dos desenhos, da arquitetura, da enge-
nharia, grande cientista e inventor.
Os primeiros microscópios surgiram por volta de 1590, inventados Johannes
e Zacharius Jansen de Middelburg, mas foi Antoni van Leeuwenhoek (1612-
1723) o pioneiro no uso desses aparelhos, o que lhe rendeu o título de pai da
protozoologia e da bacteriologia. A invenção do microscópio, atribuída a
Galileu, foi na verdade fruto do aperfeiçoamento do trabalho realizado pelo
naturalista holandês van Leeuwenhoek, que o utilizou na observação de seres
vivos. Com apenas uma lente de vidro, o microscópio primitivo permitia o
aumento da percepção visual em até 300 vezes e com razoável nitidez. Esse
primitivo microscópio foi construído em 1674, possibilitando a observação de
bactérias de 1 a 2 micra (medida equivalente a um milésimo de milímetro).
Com esse simples instrumento, o naturalista estudou os glóbulos vermelhos
do sangue, constatou a existência dos espermatozoides e desvendou o mundo
dos microrganismos.
Anos mais tarde, o microscópio de Leeuwenhoek foi aprimorado por Robert
Hooke, ganhando mais uma lente e a possibilidade de ampliação de imagem
ainda maior. As primeiras observações de Hooke e os estudos de Antony van
Leeuwenhoek levaram à descoberta das células. Porém, somente em 1839, com
o botânico Matthias Jacob Schleiden (1804-1841) e o zoólogo e fisiologista
Theodor Schwann (1810-1882), ambos da Alemanha, a célula foi reconhecida
como unidade fundamental dos seres vivos (ANTONY..., 2009).
No século XVII, foram introduzidos remédios simples e complexos para
muitas doenças. Inventado por Pierre Franco, o fórceps trouxe um grande
avanço na obstetrícia da época. A maior obstetra desse período foi François
Mauriceau (1637-1709). O século XVII foi considerado como “a idade de ouro
da ciência”. Johann Kepler citava que o interesse pelas ciências naturais era
inevitável em uma época dominada por Galileu (empenhado em encontrar
uma lei matemática única por trás de todos os fenômenos); e por Descartes,
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que baseava sua filosofia no conceito de que o conhecimento pessoal é o único


fato absolutamente correto.
Richard Lower (1631-1691) foi o primeiro a realizar uma transfusão san-
guínea de um animal para outro, perfeitamente.
No século XVIII, Friedrich Hoffman (1660-1742) criou um sistema racional,
apresentado em sua obra Medicina rationalis systematica (publicada em 1718
e em 1740). Uma nova era da medicina preventiva começou em 1796, quando
Edward Jenner adaptou a vacina contra a varíola das vacas para produzir
imunidade contra a doença. A prática foi adotada prontamente, controlando
a doença que era uma das maiores pragas da humanidade. Porém, o maior
clínico do século XVIII foi Herman Boerhaave (1688-1738), um holandês
que seguia a terapêutica de Hipócrates; sempre estava ao lado do enfermo e
contava com poderes curativos da natureza.
Durante a era moderna, o progresso da medicina foi rápido. Na Inglaterra,
Joseph Lister realizou cirurgias mais seguras, fazendo os cirurgiões lavarem
as suas mãos e a prática se espalhou. Na França, Louis Pasteur descobriu
como evitar que os alimentos estragassem e tornou possível sobreviver à
mordida de um cachorro louco. Na Áustria, Sigmund Freud descobriu id,
ego, superego e libido.
Nos últimos anos da era moderna, foram vistos avanços importantes no
desenvolvimento da medicina, entre eles a descoberta da penicilina por Alexan-
der Fleming; e a quase eliminação da poliomielite, por Salk e Sabin. A seguir,
você conhecerá mais algumas pessoas que marcaram época pelo conhecimento
proporcionado para que a medicina pudesse evoluir (ARMOUR, 1965).

Personagens importantes da história da medicina


Médico da Grécia Antiga, Hipócrates nasceu em meados de 460 a.C.,
na região de Cós, e faleceu no ano de 370 a.C., em Tessalia. É um dos perso-
nagens mais importantes da história da medicina, sendo considerado o “pai da
medicina”. Era membro de uma família que, durante várias gerações, praticava
os cuidados em saúde (asclepíade). Ensinou na escola de Cós (fundada por
Pitágoras), onde permaneceu por muitos anos, deixando fama e admiração
após sua morte. A sua obra mais importante foi Aphorisms (Aforismos), com
muitos provérbios válidos ainda hoje. Seus escritos sobre anatomia contêm
descrições claras, tanto sobre instrumentos de dissecação como acerca de
procedimentos práticos. Em suas obras declarou a rejeição da superstição,
da filosofia especulativa (como causas sobrenaturais para as doenças) e das
práticas mágicas da “saúde” primitiva, direcionando o conhecimento em
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saúde para o caminho científico. Para ele, doenças eram fenômenos naturais
resultantes da condição biológica do ser humano e de sua interação com o meio
ambiente. Hipócrates ressaltou também a importância da observação clínica
para o diagnóstico e o prognóstico, estabelecendo normas para a anamnese e
exame físico do paciente (REZENDE, 2009).
Cláudio Galeno ou Élio Galeno, mais conhecido como Galeno de Pérgamo,
foi um importante médico e filósofo romano, que viveu no período 129-217
a.C. Suas teorias dominaram e influenciaram a medicina ocidental por mais
de um milênio. Seus relatos sobre a anatomia médica eram baseados em
dissecações de macacos, pois naquela época a humana não era permitida.
Dessa forma, tornou-se um precursor da prática da vivissecção e experimen-
tação com animais. Além da anatomia, Galeno também investigou fisiologia,
patologia, sintomatologia e terapêutica. Foi o médico mais destacado de seu
tempo e o primeiro a conduzir pesquisas fisiológicas, apresentando impor-
tantes descobertas, como: controle cerebral do corpo, distinção entre veias
e artérias, sangue venoso e arterial, nervos sensoriais e motores, ossos com
e sem cavidade medular. Além disso, descobriu que os rins processam a
urina e demonstrou que a laringe é responsável pela voz. O conhecimento da
anatomia permitiu à Galeno ser um reconhecido cirurgião. Muitos dos seus
procedimentos e técnicas, considerados ousados para seu tempo, só seriam
usados alguns séculos depois (p. ex., intervenção cirúrgica para correção da
catarata). Contudo, em razão das limitações técnicas (em especial, ópticas)
cometeu erros, pois não era possível visualizar o que acontecia no interior
dos órgãos, mas, apesar disso, o respeito pelas suas teorias era tão grande
que demorou mais de quinze séculos para que sua teoria das forças fosse
contestada. Devido à difusão da medicina árabe e ao médico inglês William
Harvey, os erros de Galeno nesse assunto foram corrigidos (FRAMPTON,
2008; FURLEY; WILKIE, 1984); e a sua descrição sobre as atividades do
coração, artérias e veias durou até William Harvey estabelecer que o sangue
circula com o coração agindo como uma bomba.
Caio Plínio Segundo (23 a 79 d.C.) foi um naturalista romano, e sua grande
obra foi a Natural history, na qual descreveu remédios obtidos de fontes
vegetais, minerais e animais.
Sorano de Éfeso (98-178 d.C.) foi o primeiro obstetra da história, autor da
obra On the diseases of women (sobre as doenças das mulheres), é considerado
o pai da obstetrícia.
Evolução histórica da medicina 9

William Harvey (1578-1657) estudou medicina em Pádua e realizou a maior


descoberta do século: a circulação do sangue. Harvey apresentou a revolu-
cionária descoberta de que o coração se contrai durante a sístole, expulsando
o sangue dos ventrículos em direção à aorta e à artéria pulmonar e se dilata
durante a diástole, recebendo o sangue da veia cava e da veia pulmonar. Por
meio de cálculos matemáticos, concluiu que a movimentação ininterrupta de
tão grande quantidade de sangue só seria possível se ele circulasse através das
artérias até os tecidos e retornasse pelas veias ao coração (REZENDE, 2009).
Giovanni Battista Morgagni (1682-1771) foi professor de anatomia na
Universidade de Pádua e é considerado o fundador da anatomia patológica.
Em 1761, publicou De sedibus et causis morborum (Da sede e causas das
doenças), fruto de seus estudos e observações em autópsias por ele realizadas
ou orientadas. Correlacionou as lesões anatômicas encontradas nos diferentes
órgãos com os sintomas apresentados, abordando o aneurisma sifilítico da
aorta, a meningite secundária à otite, a atrofia amarela aguda do fígado,
a endocardite, o câncer do estômago, a úlcera gástrica, a colelitíase, a estenose
mitral, a insuficiência aórtica, a estenose pulmonar, a esclerose das coronárias,
a tetralogia de Fallot, a coarctação da aorta e a ileíte regional.
Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) nasceu em Paris e estudou química,
botânica, matemática e astronomia. É consenso entre cientistas e historiadores
de que a química moderna nasceu com Lavoisier. Sua maior contribuição que
proporcionou avanços na medicina foi a identificação do “ar vital” ou “ar
do fogo”, necessário à vida e à combustão, ao qual deu o nome de oxigênio
(do grego oksy, ácido + génos, origem), bem como seu papel na respiração e
na produção do calor animal.
Edwart Jenner (1749-1823) clinicava em Berkeley (Inglaterra) e foi quem
descobriu a vacina antivariólica. Convencido de que o “vírus” da varíola bovina
imunizava a pessoa para a varíola humana, realizou, em 1796, sua experiência
determinante, na qual inoculou no braço de um menino o material colhido em
uma pústula da mão de uma pessoa infectada pela varíola bovina. A criança
apresentou reação eritêmato-pustulosa no local da escarificação e escassos
sintomas gerais. Decorridas seis semanas, Jenner inoculou o pus da varíola
humana na criança, com resultado negativo. Estava descoberta, assim, a vacina
antivariólica. Contudo, somente em 1798 publicou, por conta própria, o seu
trabalho, visto que a Royal Society não o aceitou.
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Theodor Schwann (1810-1882) foi professor de anatomia e fisiologia em


Berlim, Louvain e Liège. Demonstrou, em 1838, que os animais tinham es-
trutura celular semelhante à das plantas. Foi um grande pesquisador e descreu
a bainha de mielina dos nervos ou neurilema, conhecida como bainha de
Schwann. Adicionalmente, descobriu a pepsina e demonstrou que a bile é
essencial à digestão (REZENDE, 2009).
Embora Crawford Long tenha sido o primeiro médico a usar a anestesia
geral (éter) e, Horace Wells o primeiro dentista a fazer uma extração de dente
sem dor (inalação de óxido nitroso), cabe ao dentista William Thomas Green
Morton (1819-1868) a introdução da anestesia geral em cirurgia. Morton
perseverou no propósito de obter extrações dentárias sem dor e substituiu o
óxido nitroso por éter, obtendo resultados superiores. Morton anteviu a pos-
sibilidade da cirurgia sem dor e obteve permissão para uma demonstração no
Massachusetts General, em 1846. Inicialmente, Morton não revelou a natureza
química da substância que usara no inalador, dando-lhe o nome de letheon,
e tentou patentear a descoberta, fato que foi negado por considerar a desco-
berta pertencente à humanidade. Proibiram Morton de usar sua substância
enquanto não revelasse a sua natureza. Então, o éter foi apresentado para que
uma criança fosse submetida à amputação de uma perna sem dor. Em seguida
a anestesia pelo éter passou a ser usada em vários países. Nos anos seguintes
à sua descoberta, foram introduzidos novos agentes anestésicos, como óxido
nitroso, éter, clorofórmio (utilizado pela primeira vez em 1847, no trabalho
de parto, pelo médico inglês James Simpson), ciclopropano (1930) e halotano
(1956). Paralelamente à anestesia geral por inalação, desenvolveram-se outros
métodos de analgesia, como a anestesia local, venosa, raquianestesia etc.
No Brasil, a primeira anestesia geral pelo éter foi praticada no Hospital
Militar do Rio de Janeiro, pelo médico Roberto Lobo, em 1847. Uma semana
após, foi utilizada por Domingos de Azevedo Americano em dois soldados
(um com sucesso e o outro apresentando insensibilidade por ser alcoólatra).
Tendo atuado como anestesista, o médico Leslie Castro trouxe consigo da
Europa o anestésico e o aparelho de “eterização”. A primeira anestesia geral
com o clorofórmio foi empregada pelo prof. Manuel Pereira de Carvalho,
na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1848). A partir de então,
o uso do clorofórmio se generalizou, até que novos agentes anestésicos foram
descobertos e introduzidos na prática médica.
Evolução histórica da medicina 11

Nos primórdios da civilização humana, os extratos de plantas com ação


sedativa e analgésica, além da hipnose e bebidas alcoólicas (com contenção
do paciente) e acupuntura (China) eram os recursos utilizados para amenizar a
dor no ato cirúrgico. Na Idade Média, empregava-se um método denominado
de esponja soporífera, contendo ópio, amoras amargas (suco), eufórbia (suco),
meimendro (suco), mandrágora (suco), hera (suco), sementes de bardana, de
alface e de cicuta. Misturavam-se os componentes em um recipiente de cobre
com uma esponja, fervendo até a evaporação total. Para usar, a esponja era
mergulhada em água quente por uma hora e colocada sob as narinas do paciente
até que ele dormisse. Para despertar o paciente, usava-se outra esponja embe-
bida em vinagre. Em 1773, foi dado o primeiro passo para o desenvolvimento
da anestesia geral, por Joseph Priestley, ao descobrir o óxido nitroso (N2O).
Humphry Davy (Inglaterra, 1796) experimentou os efeitos da inalação do
N2O, verificando que o gás produzia uma sensação agradável e um desejo
incontido de rir (por isso o nome de “gás hilariante”). Certa noite, em que
estava com dor de dente, notou que a dor desaparecia completamente ao inalar
o gás. Deduziu, então, que se o N2O suprimia a dor, poderia ser empregado
no tratamento de outros tipos de dor. “Já que o gás hilariante parece possuir a
propriedade de acalmar as dores físicas, seria recomendável empregá-lo contra
as dores cirúrgicas”. A medicina oficial não tomou conhecimento da sugestão.
Henry Hill Hickman, cirurgião inglês, experimentara a analgesia do gás
carbônico em animais. Porém, não obteve autorização da Royal Society e
da Associação Médica de Londres para repetir suas experiências em seres
humanos. Sua petição foi recebida com frieza e ele considerado um visioná-
rio. Assim, escreveu a Carlos X (rei da França) pedindo-lhe para submeter o
seu projeto à consideração da Academia de Paris, que também deu parecer
contrário, com um único voto a favor, do cirurgião Dominique Larrey, que
serviu ao exército de Napoleão e conhecia o horror dos ferimentos de guerra e
das amputações. Desiludido, Hickman faleceu dois anos depois, com 30 anos
incompletos, sem ver realizado o seu sonho da cirurgia sem dor.
Michael Faraday (1791-1867), físico inglês, estudando a liquefação de gases e
líquidos voláteis, descobriu que os vapores de éter possuíam efeitos semelhantes
aos do N2O, destacando o fato da inalação de éter produzir insensibilidade
total. Porém, essa descoberta foi novamente ignorada no meio médico.
12 Evolução histórica da medicina

Nos Estados Unidos, os efeitos inebriantes do N2O e do éter tornaram-se


conhecidos. Ocorriam reuniões privadas e espetáculos públicos de inalação
de gás hilariante, conhecidas como ether parties ou ether frolics. Assim,
Horace Wells, dentista em Hartford, tomou conhecimento da propriedade do
N2O em causar insensibilidade e pensou em utilizá-lo em extrações dentárias,
experimentando em si mesmo. Não sentiu dor e experimentou a sensação de
euforia e bem-estar. Embora tenha conseguido permissão para fazer uma
demonstração aos professores e estudantes da Faculdade de Medicina de
Harvard, a apresentação foi um fracasso. Ao fazer nova tentativa em sua
cidade, administrou quantidade excessiva de gás e o paciente teve parada
respiratória. Desanimado, abandonou suas experiências e a profissão (MAIA;
FERNANDES, 2002; REZENDE, 2009).
Rudolf Virchow (1821-1902), patologista alemão, com inteligência privile-
giada e determinação foi, simultaneamente, professor de anatomia patológica,
pesquisador, sanitarista, político, antropólogo, historiador e editor da revista
Virchow Archiv, que ele mesmo fundou. Desenvolveu estudos sobre trombo-
embolismo e endocardite e descreveu, classificou e deu nome a diversos tipos
de tumores. No livro Celular Pathologie (1858) desenvolveu a tese de que a
célula é a unidade fundamental dos seres vivos, que provém de outra célula da
mesma linhagem (normal ou patológica) e que as lesões patológicas devidas a
alterações celulares (e não humorais) conduzem a doenças orgânicas. Assim,
estabeleceu o conceito de patologia celular, descartando a teoria dos quatro
humores, que orientou a prática médica por cerca de 2.000 anos.
Joseph Lister (1827-1912) foi um professor de cirurgia inglês que se preo-
cupava com a supuração das feridas operatórias, associadas à alta mortalidade
nas amputações. Utilizou um antisséptico com ação desinfetante (ácido fênico
ou carbólico) nas fraturas expostas, recobrindo-as para evitar contato com o
ar, evitando a gangrena e supuração. As descobertas da anestesia geral e da
antissepsia, posteriormente substituída pela assepsia, tornaram possível a
cirurgia moderna.
Louis Pasteur (1822-1895), químico francês, realizou pesquisas com o ácido
tartárico e estudos sobre fermentação, verificando que ela se deve à ação de
micro-organismos existentes no ar atmosférico. Em 1864 descobriu que o aque-
cimento do vinho à temperatura entre 50-60ºC destruía os germes sem alterar
a qualidade do vinho. Esse processo foi denominado pasteurização e utilizado
também para a cerveja e o leite. Em 1877, isolou os micróbios responsáveis
pelo cólera, verificando que perdiam virulência em culturas velhas. A mesma
Evolução histórica da medicina 13

coisa ocorria com o do antraz, quando aquecido a 42ºC. Percebeu, então, que a
inoculação do micróbio com virulência atenuada protegia o animal da doença,
dando ao método o nome de “vacinação”. Além de sua natureza científica,
as descobertas de Pasteur tiveram imediata aplicação prática, apresentando
grande benefício para a humanidade. Foi glorificado em vida e apesar de não
ser médico a Academia de Medicina da França o admitiu. Uma subscrição
internacional, que teve a participação de D. Pedro II, Imperador do Brasil,
arrecadou dinheiro para construção do Instituto Pasteur de Paris (inaugurado
em 1888). Doente e hemiplégico, Pasteur pouco utilizou os laboratórios do
Instituto, falecendo em 1895 (REZENDE, 2009).
Robert Koch (1847-1910), natural da Alemanha, foi um dos fundadores
da bacteriologia. Graduou-se em medicina (1866), sendo discípulo de Henle.
Interessava-se pela microscopia e desenvolveu novos métodos de cultura e
de coloração das bactérias. Após a obtenção de culturas puras do bacilo do
antraz (1876), descobriu o fenômeno da formação de esporos (que poderiam
ser revertido à forma infectante de bacilo) e descreveu espécies diferentes
de bactérias. Em 1882, em Berlim, descobriu o bacilo da tuberculose, rece-
bendo o respeito e a admiração de toda a comunidade científica internacional.
Os clássicos postulados para identificação do agente etiológico das doenças
infecciosas, estabelecidos por Koch são:

„„ deve estar presente em todos os casos da doença;


„„ deve ser isolado em culturas puras;
„„ a inoculação da cultura em animais suscetíveis deve reproduzir a doença;
„„ deve ser encontrado nos animais infectados e crescer em culturas puras.

Na Índia, descobriu o vibrião do cólera e comprovou sua transmissão


através de água, alimentos e vestuário. Ainda, obteve a tuberculina (1890) das
culturas do bacilo da tuberculose, mostrando sua utilidade para o diagnóstico
da doença. A pedido do governo inglês, dirigiu-se à África do Sul (1904),
onde realizou estudos sobre a doença do sono, a malária, a peste bubônica
e as endemias de interesse veterinário. Em 1905 recebeu o prêmio Nobel de
Fisiologia e Medicina e, em 1910 faleceu, aos 67 anos. Devido ao seu trabalho
pioneiro, a bacteriologia teve um grande desenvolvimento, com a identificação
dos agentes etiológicos de várias enfermidades, como febre tifoide, pneumonia,
erisipela, difteria, tétano, meningite, peste e outras.
14 Evolução histórica da medicina

Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923), físico alemão, em novembro de 1895,


descobriu um novo tipo de radiação, que chamou de raios-X, por desconhecer
a sua natureza. Verificou que uma radiação tinha a capacidade de atravessar o
papel e outros objetos, além de impressionar um filme fotográfico. Em 1896, fez
uma demonstração fotografando a mão do professor Albert von Kolliker, que
propôs o nome de raios Roentgen para os raios-X. Roentgen não quis tirar patente
de sua descoberta, declarando servir à humanidade. Assim, Roentgen deixava
livre o caminho para que as empresas industriais construíssem e aperfeiçoassem
os aparelhos de raios-X. Roentgen foi o primeiro a receber o prêmio Nobel de
Física, em 1901. Faleceu em Munique, em 1923, aos 78 anos. A descoberta dos
raios-X assinala o início da era tecnológica da medicina.
Karl Landsteiner (1868-1943) se dedicou à pesquisa, particularmente a
bioquímica e a imunologia, em vez da prática médica. Como professor assistente
da Universidade de Viena, aos 32 anos, descobriu que no ser humano havia
grupos sanguíneos incompatíveis entre si. Em 1901, descreveu inicialmente
a existência de três grupos sanguíneos, os quais chamou de A, B e C. Um
quarto grupo foi acrescentado um ano depois. Em 1909, Emil von Dungern e
Ludwick Hirsfeld deram a esse grupo a denominação de AB e mudaram o nome
do terceiro grupo para O. Em 1930, Landsteiner recebeu o prêmio Nobel de
Fisiologia e Medicina, e, em 1940, aos 72 anos, fez outra descoberta importante
com seus colaboradores Alexander Wiener e Philip Levi — o fator Rh, que
veio esclarecer a etiologia da eritroblastose fetal e evitar a sensibilização do
receptor (REZENDE, 2009).
Oswaldo Cruz (1872-1917), grande nome da medicina brasileira, mostrou
ao mundo a importância do saneamento básico e da vacinação preventiva no
combate às epidemias. No início do século XX, o Rio de Janeiro (capital do
Brasil), era uma cidade com as piores doenças epidêmicas da época: febre
amarela, peste bubônica, cólera e varíola, decorrentes da sujeira e da infestação
por ratos e mosquitos. Nessa época, foram nomeados o engenheiro Francisco
Pereira Passos, como prefeito, e o médico sanitarista Oswaldo Cruz, como
diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, ambos com amplos
poderes e autonomia de ação.
Oswaldo Cruz, natural de Paraitinga em São Paulo, aos 14 anos ingressou na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Durante os anos em que frequentou
o curso, não demonstrou grande interesse pela clínica, mas se fascinou pelo
mundo microscópico, que começava a ser revelado pelas descobertas de Louis
Pasteur, Robert Koch e outros. Estagiou no Instituto Pasteur (Paris), onde se
especializou em microbiologia e saúde pública. Regressou ao Brasil em 1899,
sendo designado para organizar o combate ao surto de peste bubônica em
Evolução histórica da medicina 15

Santos e em outras cidades portuárias. Em 1902, foi nomeado para dirigir o


Instituto Soroterápico (atual Fundação Oswaldo Cruz — Fiocruz), quando
conseguiu reunir uma equipe de jovens pesquisadores, com os quais fez a
instituição atingir elevado nível como centro de fabricação de vacinas e de
medicina experimental.
Iniciou um rigoroso programa de combate às moléstias com isolamento dos
doentes, vacinação obrigatória e suas famosas brigadas de “matamosquitos”
(guardas sanitários que percorriam as residências eliminando focos do mosquito
transmissor da febre amarela). Precisou enfrentar cerrada oposição por parte
dos positivistas, de políticos e de vários jornais cariocas, entre eles o Correio
da Manhã, que o ridicularizava em caricaturas. Oswaldo Cruz apelou para o
auxílio da população, orientando-a sobre a maneira de envenenar os ratos e
pagando cem réis por rato vivo ou morto, a fim de combater a peste bubônica.
A prevenção do cólera foi alcançada com as obras de saneamento básico e as
medidas higiênicas. Para extinguir a varíola era necessário a vacinação obri-
gatória (muitos recusavam a vacina), assim, foi instituída a lei da vacinação
obrigatória, taxada de inconstitucional, pois feria liberdade individual, o que
desencadeou uma campanha contra Oswaldo Cruz.
Mesmo diante da antipatia popular, Oswaldo Cruz não cedeu e, com o
apoio do presidente da República, Rodrigues Alves, enfrentou até uma revolta
popular, historicamente conhecida como a Revolta da Vacina, causada pela
ação do sanitarista. Com a revogação a lei, gradativamente, a população foi
aderindo à vacinação por constatar a sua eficácia preventiva. Com o sanea-
mento, a remodelação urbana, a higienização e o desaparecimento gradativo
das doenças epidêmicas, a cidade se transformou e o trabalho de Oswaldo
Cruz foi reconhecido internacionalmente. Devido à sua determinação, em
1906, só se registraram 39 casos de febre amarela no Rio de Janeiro, quatro,
em 1907, e nenhum, em 1908. Outras medidas preventivas acabaram com as
epidemias de peste bubônica e de varíola. Em 19 de agosto de 1909, deixou
a direção da Saúde Pública por motivo de saúde. Posteriormente, Oswaldo
Cruz institucionalizou a pesquisa médica científica no Brasil, com a fundação
do Instituto de Manguinhos, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Faleceu em 1917,
na cidade de Petrópolis, com 45 anos (OSWALDO..., 2002).
Alexander Fleming (1881-1955) pesquisou substâncias capazes de matar
ou impedir o crescimento de bactérias nas feridas infectadas. Após sua gra-
duação, dedicou-se à bacteriologia, como assistente de Almroth Wright, em
Londres. Foram muitas as suas pesquisas, porém a descoberta da penicilina foi
a mais importante. Em 1921, Fleming descobriu uma substância antibacteriana
existente nas secreções, como lágrima, muco nasal e saliva, a qual denominou
16 Evolução histórica da medicina

lisozima. Em 1928, desenvolvendo pesquisas sobre estafilococos, descobriu


a penicilina, em razão do acaso e seu espírito de observação. Inicialmente,
a descoberta de Flemming não despertou interesse e não teve aplicação te-
rapêutica em infecções humanas até a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Em 1940, Howard Florey e Ernst Chain conseguiram produzir penicilina com
fins terapêuticos e em escala industrial, inaugurando uma nova era para a me-
dicina — a era dos antibióticos. Fleming, Florey e Chain receberam, em 1975,
conjuntamente, o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina (REZENDE, 2009).
Francis Crick (1916-2004), físico inglês, estudou a estrutura das proteínas,
utilizando cristalografia e difração aos raios-X. Em 1951, associou-se ao
americano James Watson e, juntos, realizaram estudos sobre a estrutura tri-
dimensional do ácido desoxirribonucleico (DNA). Na mesma época, Maurice
Wilkins e Rosalind Franklin (especialista em cristalografia) desenvolviam
pesquisas similares. Franklin desenvolveu uma técnica que permitia usar
a difração aos raios-X para obter fotografias das moléculas de DNA. Após
tomar conhecimento dos achados de Franklin e Wilkins e rever os dados
disponíveis na literatura, Crick e Watson descreveram a estrutura do DNA e a
encaminharam para revista Nature, que publicou o artigo em 1953. A mesma
edição da revista publicou também uma comunicação de Rosalind Franklin
e outra de Maurice Wilkins, com os resultados de suas pesquisas.
Crick, Watson e Wilkins receberam, então, o prêmio Nobel de 1962, porém
Rosalind Franklin não foi incluída (faleceu em 1958). O brilho do trabalho
de Crick e Watson foi parcialmente apagado quando se soube que utilizaram
dados não publicados e fotografias (sem autorização e referenciação), feitas
por Franklin e Wilkins, para a construção do modelo do DNA.
Rosalyn Yallow (1921-2011) foi a primeira mulher a obter PhD em física
nuclear, em 1945. Em 1950, associou-se ao médico Salomon Berson, com quem
estudou a possibilidade do emprego de radioisótopos na medicina. A parceria
foi interrompida em 1972, com a morte de Berson. Iniciaram as investigações
sobre o diabetes do adulto, usando a insulina marcada radioativamente com
iodo e observando a presença de anticorpos anti-insulina, desenvolvendo,
assim, o método de radioimunoensaio para quantificação. O novo método, por
sua alta sensibilidade, proporcionou um avanço importante da biologia e da
endocrinologia. A importância do método refletiu no campo da imunologia,
na dosagem de antígenos e anticorpos. Yallow recebeu o prêmio Nobel em
1977. O método do radioimunoensaio foi substituído posteriormente pelo
imunoenzimático, baseado nos mesmos princípios.
Evolução histórica da medicina 17

A revolução que transformou a endoscopia em um método de exame seguro


e eficiente ocorreu em 1957, com o emprego da fibra óptica, para ilumina-
ção e transmissão da imagem, proposto por Basil Hirschowitz (1928-2013).
Em 1960 foi apresentado o gastroscópio de fibras ópticas de Hirschowitz,
sendo o principal instrumento no diagnóstico das afecções digestivas. Após,
foram construídos outros endoscópios, como colonoscópio e broncoscópio.
Na década de 1980, a fibroendoscopia foi substituída pela videoendoscopia.

2 Dados históricos da medicina no Brasil


No Brasil, a presença atuante do médico só se tornou realidade no século XIX.
Os cirurgiões-barbeiros monopolizavam a prática da medicina nos séculos XVI
e XVII. Eram em grande número, incluindo nativos (mestiços ou mulatos),
que aprenderam o ofício e se tornaram também cirurgiões-barbeiros. Após
serem examinados, recebiam a carta que os habilitava ao exercício da profissão.
Faziam sangrias, extração dentária, tratavam fraturas e luxações, curavam
feridas, aplicavam ventosas e sanguessugas, lancetavam abcessos e faziam
curativos. Os jesuítas e os boticários (que aprendiam o ofício e recebiam carta
de habilitação) foram relevantes ao atendimento médico à população (indígenas,
escravos e colonizadores). No século XVIII, os boticários prescreviam com
base em coleções de receitas contidas na Farmacopeia Geral de Portugal,
impressa em 1794 (REZENDE, 2009).
Com a vinda de D. João VI para o Brasil, em 1808, foram criadas duas
escolas médico-cirúrgicas, uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro.
Em 1832, as duas escolas foram transformadas em faculdades de medicina,
dando início a formação de médicos brasileiros, que foram assumindo o
exercício da profissão (concorrendo com cirurgiões-barbeiros e curandeiros)
e mudando a realidade brasileira. Alguns brasileiros, oriundos de famílias
mais abastadas, estudavam na Europa, em Coimbra, Salamanca, Montpellier
ou Edimburgo. Em 1950, totalizavam quinze escolas, formando cerca de
dois mil médicos por ano. Nesse período, a profissão era considerada como
liberal, não organizada como categoria profissional. Em 1951, foi fundada
a Associação Médica Brasileira e, em 1956, organizado um congresso, em
Ribeirão Preto, sob a liderança dos professores Hilton Rocha e Jairo Ramos.
Durante o governo de Juscelino Kubitschek, criou-se o Conselhos de Medicina
(Federal e Regionais), por meio da Lei nº. 3.268, de 30 de setembro de 1957,
a partir da qual a classe médica passou a contar com um fórum adequado para
discussão das questões éticas.
18 Evolução histórica da medicina

A Biblioteca Virtual em Saúde — História e Patrimônio Cultural das Ciências e da


Saúde (BVS HPCS) se define como uma instância de convergência para promoção,
organização e realização da cooperação técnica entre as instituições relacionadas
com a história e o patrimônio cultural das ciências e da saúde. Seu modelo se baseia
na gestão compartilhada de fontes e fluxos de informação e conhecimento tratados
como bens públicos e operados em rede na web, com acesso aberto e universal. Tem
como objetivo aumentar a visibilidade e os usos sociais do conhecimento científico,
técnico e factual sobre a história e o patrimônio cultural das ciências e da saúde,
contribuindo para a sua inserção nas políticas e para o desenvolvimento eficaz e
equitativo dos sistemas nacionais de saúde. Em 2018, a BVS HPCS foi reformulada, e a
organização e a gestão passaram a ser orientadas por eixos temáticos, coordenados
por pesquisadores da área da história e patrimônio cultural das ciências e da saúde.
O seu acervo é especializado em história da medicina, história da saúde pública,
história, sociologia, filosofia da ciência e patrimônio cultural e conta com cerca de
75 mil itens. Reúne obras que pertenceram aos primeiros cientistas de Manguinhos e
notáveis médicos brasileiros, refletindo seus interesses e atividades profissionais. Além
de reunir material de referência para pesquisa histórica, tem entre suas atribuições a
preservação do acervo. Tem vocação para agregar coleções de livros que pertenceram
a personalidades nas linhas temáticas do acervo. É aberta ao público geral e tem acesso
gratuito. O acervo trata dos seguintes personagens: Carlos Chagas, Darcy Fontoura de
Almeida, Lourival Ribeiro, Oswaldo Cruz e Paulo Dias da Costa.

3 Simbolismos na medicina
O bastão de Esculápio (ou Asclépio) com uma serpente enrolada é a repre-
sentação tradicional da medicina. A cobra (simbologia complexa) representa
o renascimento e a fertilidade, devido à capacidade desse animal de trocar
de pele, bem como a morte e destruição, em oposição à vida e à ressurreição
(ou a cicatrização em oposição ao veneno). Já bastão é um símbolo de auto-
ridade, representa o poder divino, a quem, apesar dos esforços e habilidades
médicas, cabe decidir sobre a vida ou a morte de alguém (SILVA, 2004).
Entre as explicações apresentadas sobre o simbolismo associado à medi-
cina, tornou-se popular a história de um homem que Zeus teria matado com
a pancada de um trovão na cabeça. A história começa com a entrada furtiva
de uma serpente no local em que Asclépio observava um morto. Surpreen-
dido, matou-a com o bastão, porém, quando uma segunda serpente surgiu e,
ao colocar algumas ervas na boca da primeira, já morta, a fez renascer.
Evolução histórica da medicina 19

Repetiu a conduta com o morto e o restituiu à vida. Em sinal de respeito aos


ensinamentos da serpente, Asclépio adotou a serpente enrolada em um bastão
como seu símbolo (Figura 1).

(a) (b) (c)

Figura 1. (a) Uma das representações mais divulgadas de Asclépio. (b) Símbolo da Medicina
(com origem atribuída a Asclépio). (c) Caduceus.
Fonte: (a e b) Silva (2004, p. 17); (c) Caduceus ([2020?], documento on-line).

Além da serpente, que simbolizava a prudência e a eternidade, o conjunto


era completado por um galo (símbolo da vigilância). Entre o século VI e a
Renascença, por influência da igreja católica, os símbolos antigos da profissão
médica foram abolidos, sendo substituídos pelo frasco de armazenar urinas.
A situação se alterou progressivamente, com o advento do protestantismo, e os
símbolos antigos foram recuperados e Asclépio voltou a representar a medicina.
No final do século XIX, alguns editores médicos de Londres passaram a
utilizar um caduceu como marca associada ao título das obras médicas. John
Churchill, um desses editores, imaginou um símbolo que associaria a medicina
à literatura, representado por duas serpentes entrelaçadas entre si em um bordão
de loureiro ou oliveira, que culminava em duas asas oponentes na extremidade
superior (Figura 1c). Um número relevante de editores norte-americanos passou
a utilizar o caduceu como símbolo da medicina, substituindo o de Asclépio.
O caduceu foi, no seu tempo, associado ao deus romano Mercúrio (ou Hermes,
dos gregos), que simbolizava o comércio e a paz. Posteriormente, nos princípios
do século XX, aquela representação, devidamente estilizada, foi selecionada
como emblema do corpo militar médico norte-americano.
20 Evolução histórica da medicina

A substituição do símbolo tradicional (representado por Asclépio) pelo


de Hermes ou Mercúrio acabou sendo uma má escolha, pelo seu significado
negativo. Hermes, filho mítico de Maia e Zeus, deuses do Olimpo, apesar da
sua benevolência para os mortais e de “conseguir” encaminhar as almas para
Hades, teria características pouco éticas. O caduceu teria sido uma oferta de
Apolo a Hermes, em troca de uma flauta. O caduceu era uma vara dourada
utilizada por Apolo para reunir o gado e com a propriedade de assegurar a
abundância, a saúde e afastar a morte. Hermes era também o portador das
mensagens de Zeus, o anunciador dos deuses e o apaziguador de conflitos.
Na origem do caduceu, havia a história de uma luta entre duas serpentes, que
foi terminada por Hermes, ao enterrar seu bastão no chão de forma brusca entre
ambas, o que fez as serpentes se enrolarem no bastão, como sinal de amizade
recíproca. Para estabelecer conversações de paz no Império Romano, utilizava-
-se um objeto parecido com o caduceu. De qualquer modo, o caduceu legado
pelo Império Greco-Romano tem pouca semelhança com a representação que
lhe foi dada no século XX e, tudo indica, não ser um símbolo representativo
da medicina (SILVA, 2004).

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