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PSIIIIJlHHIH |]H BHIJIIE

Uma Abordagem Biopsícossocial


Fundamentos
da psicologia
dasau'de
Capítulo I Introdução à
Saúde e doença: psicologia da saúde
lições do passado
Vnsóes antigas
A Idade Média e a
Renascença
O racionalismo pos~
Renascença
Descobertas do seculo X|X amlinc Flynn subiu a Zmrdo do mpor dc 32 mrzcludas, o anitânim Huqucla
O seculo XX e a aurora de
uma nova era quc dcrc tcr sida uma manlm inccrm 210 comcço dos mms dC 188(). A caminlzo da Anui
Perspectiva biopsicossocial riuL suajbrnuda dc c.~'pcrança c°omcçam cm LiwrpooL na Inglatcrrzu cm unm tmzmtim
(mente-corpo) daâcspemda dc esmpar da pcmiria ccozzómim c dn pcrscgzliçáo religiosa quc ela c sua
O contexto biológico
O contexto psicológico flnuília $(_›fr'iam na Irlmzdn. Os problenms do país Ímviam comcçudo démdus ant05, wm
O contexto social “an Gorta \uló1'” ('a Gnmde Fomc) - zmmfbmc causudu pclojímgo da lmmra, que dcs-
“Sistemas” biopsicossociais truiu 0 príncipaL c muítas chcs zknim nlimwzm da maioría dasfimzílias irlmzdcsmz
Aplicando o modelo
biopsicossocial Ajornada dv Carolinc nâo cra rmda incomzan Enrre 1861 C 192(). qzmrm milhõcs dc
Perguntas frequentes sobre irlandeses dcixaram 0 país por razões >'cnzcll1mztcs, cjovcns como Carolinc cmm levadas
a carreira em psicologia para “cxpormçã0” em paíscs csmlngeir05. Dcpois de d_z'fí'ccis 5 a 6 semmms dc viagcm pclo
da saúde
Arlánrica comprímidm tom outros emigmnres cm um mnqmrrímcnto dv cargu que mm-
O que fazem os psicólogos
da saúde? merzte era 1ínzp0, eles sqñiam 0 hmnilhmzrc prowssanmzro dc imigmnrcs mz Elli5151m1d.
Onde trabalham os Aríuilos dos que cstamm docnres ou não tinham mcíos ou parrocirmdorcs fimmcciros
psicólogos da sau'de?
Como se tornar um emmfbrçados a rerorrzar à sua pátría.
psicólogo da saúde? Conforme avcmçava persisterzrcnmztc pclo país mlotado, prímciro no ›zortc, no Esm-
do de Nova York, e dcpois a ocsm atá (Í11icago, Carolmc obscrmu que as Coisas estavam
mell10r65, mas a vida ainda era dÁhtiL Os médicos cram alras (e poztcos cm núnzcro),
e ela semprc prccísava se protegcr comm bcbcr ágzm 1'mpum, comcr ulimcnzas contm
minados ou se ínfectar com jblw I_if('›idc, d_ifr.cria uu zmza das muim$ outras docnças
prevalentes naqueles dias. Apesar dc Ustur vigilmztc, szm sobrcvivôncia (c, mais adianm
a de seu marido e do bebé recc'm-nascido) permunccia ínccrm A cxpccmtim dc vida
era de menos de 50 anos, e um em mdu scis bcbós morria mzrcs do primciro a›1iversa'-
ri0. “Você se mantinha pobre, e cnlnnmdo scus l›clu'›\_°',” cscrcvcu uma mulhcr pam sua
família na Irlanda (Miller e Millcn 2()()1). Igualmcmc problcmárial cm a aritude dc
muitos norte-americanos, que comídcmmm 05 irlmzduscs infmiorcs 1'iolcntos c béba-
dos. A maioria dos novos ímigrantcs tmlmlhavu nas ocupaçõcs com pior rcmzmcmçáo
e perigosas e em banida em gueros dC 1'rlmzdcscs, que brommm na perijbria dc Cidadcs
como Nova York e Chicaga
Mais de um século dep0i5, sorrio qumzda minlm mãc me conta a saga da cmignqão
de minha bisavó para 05 Estados Unidos. Szm avó tevc uma vida longa eprodutim c dci-
xou um legado de otimismo e do “ind0mávcl carárcr 1'rlandc\:” que a jbrlalcccm contm
as dfíiculdades de sua vida - efoi Iransmirido ao lngo das gcraçowi “Como us coisas
são diferentes agoraÍ penso, depois que dcsligmnos o tclqñnza “mas quanro do espíriro dv
Caroline ainda está vivo em mcus próprz'0~.'fillms."Í
As coisas estão muito diferentc5. Os umnços na higiwux nns maíidas dv sumic publim
e na microbiologia praticamentc crradimmm as dawzças izszwíusas quc (Íamlirzc tcmm
C A P I T U LO 1 Introduçao a psicologia da saude

mnm As nzullmxzc Hmudus haja nns IÍslmins ('›1i(¡05. mn uma Lñxnrmrlm du rnla l/('
mais dc 80 umux c us hamcns muims wzcs ulúmçum 05 ,"3. Ifssu tímlim JU ívmpu nus uiu
dmlu uzmzdurqzuui~.1111dm"221uim ÍHHÍSlIHCL'\.'Í11¡'[I'1'7'('dd dnmçm Muis du qzw IHHIul.
podvmos ir ulcm du mudu dc subm'i1'c'›zciu c tmballmr para tcr rimlhlmlv pum u vidu
inrcim nwd_ifimnd0 nossus dicm›'. jlzzcnda e.\'crcivius com rcgulamlmlc c nzmztcndu-›m_~'
swialnzum wnmmhu c cmocionalnmztc cmzrradas.

história de minha bisavó deixa claro que muitos fatorcs intcragem para dc-
terminar a saúdct Esse é um tema fundamenml da psicologia da saúde, um I psicologia da saúde
subcampo da psicologia que aplica princípios e pcsquisas psicológicos para a aplicaçào de princípios e
pesquisas psicológicos para
melhoria da saúdc e o tratamento e a prevenção de docnças. Seus intercsscs inclucm a melhoria da saúde e a
condiçóes sociais (c0mo a disponibílídade de cuidados dc saúdc c apoio da família c prevençào e o tratamento
de amigos), fatores biológicos (como a longevidade familiar c vulncrabilidades here- de doenças.
ditárias a certas doençasJ e até mesmo traços de personalidadc (como 0 0timismo).
O termo saúdc \'em de uma antiga palavra da língua alcmã quc é rqu'esentada,
em inglés, pelos vocábulos lmle e whole, os quais se refcrem a um cstado dc “íntegri-
dade do CorpdÍ Os linguístas observam que essas palavras dcrivam dos campos de
batalha medievais, cm que a perda de Ízalene$5, ou saL'1dc, em geral resultam dc um
gravc ferimento corpora1.Atualmente,somosmaís propensos a pcnsar na saúde como
a auséncia de doenças, em vez da ausência de um fcrimento debilitante contraído
no campo de batalha. Todavia, como se concentra apenas na auséncia de um estado
negativo, tal deñniçâo é incompleta. Embora seja verdade que as pcssoas saudáveis I saúde estado de completo
estão livres de doenças, a saúde completa envolve muíto mais. Uma pcssoa pode estar bem-estar físico, mental e
livre de doenças, mas ainda não desfrutar de uma Vida vigorosa e s.1'tisfato'ria. Saúde socia|.

envolve 0 bem-estar físic0, assim como o psicológíco c 0 sociaL


Temos sorte de viver em uma época em que a maíoría dos cidadàos do mundo
tem a promessa de uma vida mais longa e melhor do que seus bisavo's, com muito
menos deñciéncías e doenças do que em qualquer outra época. Entretanto, csses bc-
nefícios à saúde não são desfrutados universalmente. Consíderez

l O número de anos de vida saudável que podem ser esperados é dc pelo menos 70
em 25 países do mundo (a maioria deles desenvolvídos), mas estima-se quc seju
menos de 40 anos em outros 32 países (a maioría em desenvolvimento) (World
Health Assocíatí0n, 2009).
l As mortes e os ferimentos relacionados com violéncia, drogas e álcool e riscos
relacionados com sexo, como o HIV, cada vez mais marcam a transiçño da .'1dolcs-
céncia para a idade adulta, particularmente entre minorias étnicas (Castr0, Stein e
Bentler, 2009).
I Em cada faixa etária, as taxas de mortalidade variam de acordo com o grupo ét-
nic0. Por exemplo, entre homens e mulheres norte~americanos, índivíduos de as-
cendéncia europeia têm maior expectativa de vida do que afro-americanos, mas
os dois grupos apresentam expectativas menores do que pessoas no Japão, no Ca~
nadá, na Austrália, no Reino Unido, na Itália, na França e em muitos outros paíscs
(U.S. Census Bureau, 2009).
I Embora os homens tenham duas vezes mais probabilidade de morrer devído a
qualquer causa, a partir da meia-idade, as mulheres apresentam taxas mais clcva-
das de doenças e deñciências (U.S. Census Bureau, 2009).
l Os Estados Unidos gastam uma porção maior de seu produto interno bruto cm
serviços de saúde do que qualquer outro país, mas é avaliado pela Organizaçm
Mundial da Saúde apenas como o trigésimo sénm'o em 191 países em relaçào ao
PA H I k 1 íumlamcntm dd psncoloçua da saude

dcwmpcnhn gcml LiC acu sislcnm dç mludu wnim mc mmm cumn upm ulddu dc
rc~pmta. impdrullllkiddc na disll ilnnwn dc rculrsm c .ucs~.ihilidadc p.1¡'.1 lmím m
lndh ldum LWorld Hcallh (>|gu1|1i1dlimh _“()()t)›'. ;\ind.1 quc md clmmw tcnlm
sido dcxnlimia por (1'1Iím›. m qudisohscrmmqucUlddunlmlnou dimínuidcpc11~
dcndo do pcw l'CldIÍ\U dos divcrsm tlnomg ningucm qucmmm n lnlo dc quc a
cxpcçtatim mcdid dc \'id.1 daquclu nascidos nm lismdm Unidm C mcnor quv n.1
nmioriJ dm oulrm paíscs uílucnlm ('l'icrncl\'. _7()(J9).

Essas c.xt;1us.tia1› rcwlam alguns dos dcsaltlbs m busca pclo bcmwslar glolmL
05 proííssiomis da saude cstào tmballmndo para rchuir a dísucpíncíu dc 30 anm
cm cxpectativa de vida cntrc os paíscs demnvolvidos c aquclcs cm dcscnvolvimcmm
aiudar os adolesxentes a fazerem uma transiçào segum c SdlldáÍVCl pam a idadc adultag
e alcançar um entendimento mais profundo das rclaçóes cntrc géncr0, ctnicídadm
smtus sociocultural e saúdu
NOS Estados Unidos, 0 relatório Heulthy Pcoplc 201(), do Dcpartment of Hcallh
and Human Service.s*, c011c011tra-se em aumentar 0 accsso aos scrvíços dc saúdg cli-
minar as disparidades dc saúde emrc homcns c mulheresg bcm como cntrc os grupos
ctários c socioculturais, c, dc um modo gcraL cm aprimorar substancinlmentc 21 5aú-
de, a qualidadc de vida c 0 benl-cs_tar dc todos 05 norte~auncrican()s. Observa também
que quasc um milhào das mortcs quc ocorrem por ano nos Estados Unidos podcria
scr evitado (vcr Tab. l.l). O rclutório Hcalrh Pcople 202021mplia cssas mctas 6m açócs
e mctas cspccíñczls para reduzir doenças crónicas como 0 Cànccr c o diabetesg mclho-
rar a saúde na adolescéncim prevcnir fcrimcnlos c a violéncm c tomar mcdidas em
outras 32 áreas.
Este capítulo aprcscnta 0 campo da psicologia da saúda que desempcnha um
papel fundamcntal no Cnfrcntamento dos desaños para a saúdc do nmnd0. Considerc
algumas das questóes maís cspecíñcas que o.s psícólogos da saúde buscam mpondcrz
Dc que maneira suas at1'tudcs,Crenças,autoconñança C persomlidadc afctam sua saú-
de Cm geraH Por quc tantas pessoas tCÀm se medo para a acupunturm a iogm os tr21-
tamcntos com ervas (c outras formas de mcdltilm altcrnall'\'a), ussim como cuidados
prwentivos autoadministrad05? Scrá que casas intcrvençócs dc fato funcionanú Por
quc tantas pCSSOãS ignoram conselhos inquestíonavclmente sólidos paru melhomr a
saúdc como pamr de fumalg moderar o consumo dc alimentos c fazcr mais ercruí
ci05? Por quc certos problcmas de saúdc tém mais probabilidade dc ocorrer cntre
pessoas dc determinada idade, dc um géncro ou grupo ótnico cspccíñcos? Por que a
pobreza é uma ameaça potencial para a saúdá Em comrapartiLtL por quc aquclcs quc
são mais añuentcs, bem-educados e socialmente ativos aprcscntam melhor 5au1de?

Tabela 1Í.1

Ferimentos e mortes evitáveis

Os relatórios Healthy People 2010 e 2020 informam que, anualmentez

l O controle do uso de álcool por menores de idade e em excesso poderia prevenir 100 mil mortes em
acidentes automobilísticos e outros ferimentos relacionados com o consumo de álcooL
l A eliminação do porte de armas de fogo pelo público poderia prevenir 35 miI mortes.
I A eliminação de todas as formas de uso de tabaco poderia prevenir 400 mil mortes por càncen
acidente vascular encefálico (AVE) e doenças cardiacas.
I Melhor nutriçâo e programas de exercícios poderiam prevenir 300 mil mortes por doenças cardlaca5,
diabetes, cáncer e AVE.
I A redução em comportamentos sexuais de risco poderia prevenir 30 mil mortes por doenças
sexualmente transmissíve¡5.
I O acesso pleno a imunizações para doenças infecciosas poderia prevenir 100 mII mortes.

Fon(e- U.S. Depanment of Health and Human Servmes (2007¡. Heawy PCuLNt 30 '›u nudmum rwm Dwspúmyel em mm
hea|thype0ple.gov/Data/midcourse/. acesso em 10 deJanexro Ue 2610
C A P I'T U L 0 1 Introdução à psicologia da saúde

A psicologia da saúdc é a cicncia quc busca rcspondcr u cssas c .-1 muim nutrm
questóes a respeito da mnncira como nosso 1wm-cst;1r íntcmgc mm o quc pcnsuxm›s,
sentimos e fazcnmx (Íomcçarcmos dando uma olhuda muis dc pcrto no conccilo dc
saúdc e nas mudanças quc sofrcu no dccorrer dn ln'.s'to'r1'a. A scguin analisurcmos a
perspcctiva bíopsicossocial na psicologia da saúda incluíndo como cla sc bascia c
sustenta outros campus rclacionados com a sau'dc. Por ñm, trataremos sobre o quc é
necessário para a tbrmaçáo dc um psicólogo da saúde e 0 que você pode fazcr após
0bté-la.

Saúde e doençaz Iições do passado


mbora todas as Cívilizaçóes tenham sido afetadas por doenças, cada uma delas
compreendia e tratava a doença de formas diferentes. Em certa época, as pes-
soas pensavam que a doença fosse causada por demônios. Em outra, diziam
que era uma forma de punição pela fraqueza moral. Atualmente, lutamos com qucs-
tóes comoz “Sera' que a doença pode ser causada por uma personalidade doentiaTÍ
Vamos considerar Como nossas Visões sobre saúde e doença mudaram no decorrer
da históría por meio de Mariana, que, em 2011, está no segundo ano da faculdade.
Mariana procura 0 médico da família devido a dor de cabeça forte, falta de ar, insónia,
coração acelerado e expressào de descontrole e pavor no rost0. Como será tratada? É
provável que a vísão atual desses sintomas levasse a maioria dos psicólogos da saúde
a sugerir que ela está sofrendo de ansíedade. Seu tratamento hoje poderia ser uma
combinação de psicoterapía, técnicas de relaxamento e possivelmente farmacoterapia
dirigida. Porém, como veremos, seu tratamento ao longo do tempo sofre ampla va-
riação. (Talvez você queira utilizar a Fig. l.l durante a discussão a seguir para ter uma
noção da cronologia da mudança nas Visões sobre saúde e doença.)

Visões antigas

Medicina pré-histórica

Nossos esforços para curar doenças podem ser traçados até 20 mil anos atrás. Uma
pintura feita em uma cavema no sul da França, por exemplo, que se acredita ter 17
mil anos de idade, mostra um xamã da era do gelo Vestindo a máscara anímal de um
antigo curandeiro. Em religiões que se baseiam na crença em espíritos bons e maus,
somente o xamã (sacerdote ou pajé) pode influenciar esses espíritos.
Para homens e mulheres da era pré-índustrial, que enfrentavam as forças com
frequência hostis de seu ambíente, a sobrevivência baseava~se na vigilància constante
contra essas misteriosas forças do mal. Quando uma pessoa ñcava doente, nào havia
uma razão físíca óbvia para tal fat0. Pelo contrári0, a condição do indívíduo acometi-
do era erroneamente atribuída a uma fraqueza frente a uma força mais forte, feitiçaría
ou possessào por um espírito do mal (Amundsen, 1996).
Durante essa época, os síntomas de Mariana talvez fossem tratados com rituaís
de feitiçaria, exorcismo ou mesmo uma forma primitiva de círurgia chamada de tre-
panação. Arqueólogos já desenterraram Crâníos humanos pré~histórícos contendo I trepanaçãointervenção
médica antiga na qual se
buracos irregulares, que pareciam ter sido perfurados por antigos curandeiros para
fazia um furo no crànio
permitir que os demôníos que causavam a doença deíxassem o corpo do paciente.
humano para supostamente
Registros históricos indicam que a trepanação era uma forma de tratamento ampla- permitir que os “espíritos
mente praticada na Europa, no Egit0, na Índia e nas Américas Central e do Sul. malignos”saíssem.
Cerca de quatro mil anos atrás, alguns povos compreenderam que a higíenc tam~
bém desempenhava um papel na saúde e na doença e ñzeram tentativas de melhorar a
higienc pL'1hlica. Os antigos egípcios, por exemplo, realizavam rituais de limpcza para
P A R TE 1 Fundamentos da psicologia da saúde

impcdir quc \'c1'mt› ÇJLlsadorcs dc Llocnças inttsldwm 0 wrp0. Na ÀIcsopotàmia


(p;1rtc dd qul sc lmulimm ondc huic c n lmquma 111br1kk1vaasc subão, pruictavam-sc
insldlaçocs SJHÍIJYÍAS c conslrumn1~>c sistcnms pUblicos pum 0 tmmmcnm de csgotos
(Stonc, (Ânhcn c Adlcr. 1979 ›.

Figura 1.1

Linha do tempo de variações históricas e culturais relacionadas com doença e cura. Desde o antigo uso da trepanaçào para remover
espíritos do maI ate o emprego atual de tomograñas náo invasivas do cérebro para díagnostícar doenças, o tratamento de problemas de saúde
sofreu a importantes avanços no decorrer dos se'culos. Uma coletánea de tratamentos ao Iongo das eras é apresentada a seguir (da esquerda
para a direita): trepanaçào (em um crànio peruano antigo); acupuntura da China; as primeiras cirurgías no século XVH; e vacinação por um
vacinador distrital na Londres do seculo X|X.

GRÉCIA ANTIGA Doença


causada por um desequillbrio
dos humores do corpo; boa
dieta e moderação na vida
poderiam curá-|a.

PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO
Doenças causadas por ANOS DE1800 Doença
espíritos do mal e tratadas causada por organísmos
com trepanaçãa , microscópicos O tratamento
IDADE MEDIA (476-1450) Doença era era Clrurgla e ¡'mun¡zaçáo›
puníçáo divina por pecados, curada por
imervençóes miraculosas e invocação
de 5antos, além de ñebotomia
SÉCULO XXI Causas
biopsncossocxals de doençasy
s
10 000

O Metodos modernos e
400
500

600
700

800

O
ñexwels de tratamenta
5000

1000

100

1960

1980
2000

500

1900

a.C. d.C. N

ANTIG_O EGITO Demónios ROMA ANTIGA (200 a_c.)


e pumçoes dos deuses “Patógenos"como o ar
cafusavam a_ dÀoçnçaaA m_ag'a_ contamínado e os humores do ANOS DE1920 Doença
e h_orm_as pnmmvas e cnrurgla corpo causavam a doença.Tratada inñuenciada pela meme
e lglene eram 05 tratamenmí com ñebotom¡a, enemas e banhos. e pelas emoçóes e
tratada por psicanálise,
psiquiatrla e outros
RENASCENÇA Doença era metodos clmicos ou da
CHINA ANTIGA (1100-200 a.C.) uma condição física do corpo, medlcina.
Forças da natureza desequilibradas que era separado da mente
causavam a doença. Tratada com Técnicas cirurgicas utilizadas
medicina de ervas e acupuntura. pela primeira vez.

Creditos (da esquerda para a direita): Gravura de crânio trepanado pela Escola lnglesa <sec. XIXL pubhcado em 1878 em lnudemes de wagens
e explmaçoes na rerra dos ¡ncas. de George Squien coleção privada/Bridgeman Art L1brary, ilustraçáo exlbindo acupunturaz Corbn5, 'O
CIrurqnàoZ gravura da Escola Alemã (séc4 XVIl): coleção privadalBridgeman Art Libraryr gravura de Vacmaçàd 1871zHultonGetty leson
'

Agencyt CT scanz v Prer11lumStock/Corbt's.


C A P ÍT U L O 1 Introdução à psicologia da saúde

Medicina grega e romana

Os avanços maís cxprcssivos cm saude pública e snncamcnto tbram íbitos na Gréciu c


em Roma durante os séculos VI c V a.C. Em Romm um grundc sistcnw dc drcnngcnu
a Cloaca Maxima, tbi construído para drcnar um pâmano, que muis tardc se torna-
ria o local do Fórum Romano. Com 0 temp0, a Cloaca assumiu as funçócs dc um
sistema modemo dc csgotamento sanitári0. Banheiros públicos, para Os quais havia
uma pequena taxa de admissão, eram comuns em Roma por volta do século I d.C.
(Cartwright, l972).
O primeiro aqueduto trouxe água pura para Roma já em 312 a.C., e a límpeza
das vias públicas era supervisionada por um grupo de oñcíais indicados que também
controlava 0 suprimento de alimentos. Esse grupo criava normas para garantir que
a came e outros alímentos perecíveis estivessem frescos e organizavam o armazena-
mento de grandes quantidades de grãos, por exemplo, na tentatíva de prevenir a fome
'InL"L."(¡ d ¡J›'L>:_»V; L ziti .¡¡ule.›1,__
(Cartwright, 1972). .*~;;.«L;ir.w~~ Cd ¡rma:;.; xm y
Na Grécia antiga, 0 ñlósofo grego Hipócrates (cerca de 460-377 a.C.) estabeleceu t- ›.Í'-x,'>2:¡ f:.'.'¡'<'-\¡,1'1\|r..^ íuãx ¡: 4

as raízes da medicína ocidental quando se rebelou contra 0 antigo foco no misticismo giwa fcrngzç x J:;a'u-:Q.

e na superstiçã0. Hipócrates, frequentemente chamado de “o pai da medicina m0- Çk r.'-' uàâULÍLJ QLIL ",'À~.,u.w¡

. .r...L/~m..
dernaÍ foí 0 primeiro a añrmar que a doença era um fenômeno natural e que suas
'EZ.AI<.A_1 HJVÍ ÉJ 1"J~›
causas (e, portant0, seu tratamento e sua prevenção) podem ser conhecidas e mere-
qun u-K^›'qu-. !'.'.\, :g:*:
cem estudos sérios. Dessa forma, construiu as primeiras bases para uma abordagem
íüz ÍaíLl dfs ›n›..í~ãt\ Wu :Í:.
cientíñca da cura. Histor1'camente, os médícos fazem o juramento de Hip0'crates, pelo an l)›

qual se comprometem a praticar medicina conforme padrões éticos. Com o passar


dos séculos, o juramento foi reescrito para adaptar-se aos valores de díversas culturas
inñuenciadas pela medicina grega. Uma versão com ampla utílização nas faculda-
des de medicina norte-americanas foi escrita em 1964 pelo doutor Louis Lasagna, da
Tufts University.
Hipócrates propós a primeira explicação racional para o fato de as pessoas adoe-
cerem, e os curandeiros desse período da história talvez fossem ínfluenciados por
suas ideias ao abordarem os problemas de Maríana. Segundo a teoria humoral de I teoria humoral conceíto

Hipócrates, um corpo e uma mente saudáveis resultavam do equilíbrio entre quatro de saúde proposto por
Hipócrates, consíderava o
fluidos corporais denominados humoresz sangue, bile amarela, bile negra e fleuma.
bem-estar um estado de
Para manter o balanço adequado, o indivíduo deveria seguir um estilo de vida sau- perfeito equilíbrio entre
dável, incluíndo exercícios, descanso suñciente, boa dieta, e evitar excessos. Quando quatro ñuidos corporais
os humores estivessem desequilibrados, contudo, 0 corpo e a mente seriam afetados básicos, chamados de

de maneiras previsíveis, dependendo de qual dos quatro humores apresentasse ex- humore5. Acreditava-se que
a doença fosse resultado de
cesso. Mariana, por exemplo, talvez fosse considerada colérica, com um excesso de
perturbaçóes no equilíbrio
bile amarela e um comportamento impetuoso. Talvez fosse tratada com flebotomia dos humores.
(a abertura de uma veia para retirar sangue), dietas líquidas, enemas e banhos frios.
Ainda que a teoria humoral tenha sido descartada à medida que houve avanços
na anatomia, ñsiologia e microbiologia, a noção sobre os traços da personalidade es-
tarem ligados a09-Çu-1dos corporaís ainda persiste nas medicinas popular e alternativa
de muitas culturas, incluindo as de culturas nativas americanas e orientais tradici0-
nais. Além disso, como veremos no próxímo capítulo, atualmente sabemos que mui-
tas doenças envolvem um desequilíbrio (de certa forma) entre os neurotransmissores
do cérebro, de modo que Hipócrates não estava tão errado.
Hipócrates fez muitas outras contribuições notáveis para uma abordagem cien-
tíñca à medicina. Por exemplo, para aprender quais eram os hábitos pessoais que
contríbuíam para a gota, uma doença causada por perturbações no metabolismo
corporal do ácido úric0, conduziu uma das primeiras pesquisas de saúde pública a
respeíto dos hábitos daqueles que sofriam da doença, bem como de sua temperatura
corporaL frequência cardíaca, respiração e outros sintomas físicos. Ele também estava
interessado nas emoções e nos pensamentos dos pacientes com relação a sua saúde e
ao tratamento e, assim, chamou atenção para os aspectos psicológicos da saúde e da
PARTE 1 Fundamentos da psicologia da saúde

docnçu. “E melhor conhcccr 0 pacicntc quc tcm a docnçJZ díziu H1'po'crales,“do que
conhecer a docnçu quc 0 pacicntc lcmn (citado cm \v\r'cslc)v', 2003).
A próxíma grande ñgum nu histúria du mcdícina ocídcnml foi o médico Clau-
dius Galcno (l29-200 d.C.). Galcno nnsccu nu Gréciau mas pussou muitos anos cm
Roma, conduzindo estudos dc disscalçào dc aninmis c tratundo os fcrimcmos graves
dos gladiadores romanos. Dcsse modo, aprendeu grande partc do quc amcriormente
não sc sabia a rcspeilo da saúdc e da doença. Escrevcu volumcs a rcspeiío dc anat0m1'a.
higíene e dieta, que foram construídos sobre as bases hipocráticas dn cxplicaçào raci0-
nal e da descriçào cuidadosa dos sintomas físicos dc cada pacicnte.
Galeno também expandiu a teoria humoral da doença, descnvolvendo um sis-
tema elaborado de farmacologia que os médicos seguiram por quase 1.500 anos. Scu
sistema era fundamentado na noção de que cada um dos quatro humorcs do corpo
tinha sua própria qualidade elementar que determinava o caráter de doenças especí-
ñcas. O sangue, por exemplo, era quente e úmido. Ele acreditava que as substâncias
também tinham qualidades elementares; assim, uma docnça causada pelo excesso de
humor quente e úmido somente poderia ser curada com substâncias que fossem frias
e secas. Embora essas vísões possam parecer arcaicas, a farmacologia de Galeno era
lógica, baseada em observações cuidadosas e semelhante aos antigos sistemas de me-
dicina que surgiram na China, na Índia e em outras culturas não 0cidentais. Muitas
formas de medicina alternativa ainda hoje usam ideias semelhantes.

Medicina não ocidental

Ao mesmo tempo em que a medicina ocidental estava emergindo, díferentes tradições


de cura eram formadas em outras culturas. Por exemplo, há mais de 2 mil anos, os
chineses desenvolveram um sistema integrado de cura, que conhecemos atualmente
como medicina oriental tradicionaL Essa medicina está fundamentada no princípío de
que a harmonia interna é essencial para a boa saúde. Fundamental para essa harrn0-
nia é o conceito de qi (às vezes escrito como chi), uma energia vital, ou força de vida,
que oscüa com as mudanças no bem-estar mentaL físico e emocional de cada pessoa.
A acupuntura, a terapia com ervas, o tai-chi, a meditação e outras intervenções, su-
postamente, restauram a saúde corrigindo bloqueios e desequilíbrios no qi.
A ayurveda é o maís antígo sistema médico conhecído no mundo. Tem sua ori-
gem na Índia em torno do século VI a.C., coincidindo aproximadamente com a vida
de Buda. A palavra ayurveda vem das raízes em sànscrito ayuh, que signiñca “longevi-
dade”,' e veda, “conheciment0,í Muito praticada na Índia, a ayurveda se baseia na cren-
ça de que 0 corpo humano representa 0 universo inteiro em um microcosmo e que a
chave para a saúde é manter um equilíbrio entre o corpo microcósmico e o mundo
macrocósmic0. A chave para essa relação está no equilíbrío entre três humores c0r-
poraís, ou doshas: vata, pitta e kapha, ou coletivamente, o tridosha (Fugh-Berman,
1997). Iremos explorar a história, as tradições e a eficácia dessas e de outras formas
não ocídentais de medicina no Capítulo 14.

x JCÔHr
r .~
- xns .¡.__r: LL^J§ A Idade Média e a Renascença
;«'›:7..'
d C.
cudíIHÉGÚÍC A queda do Império Romano no século V d.C. abriu as portas para a Idade Médía
. v a o ãzupeg ñ Romanq
(476-cerca de 1450), uma época sítuada entre tempos antigos e modernos, caracte-
'

~1Li~anjanda c maçax w miE


gnmsmaa um um :_:r.':co L,.'*ã.~. rizada pelo retorno às explicaçóes sobrenaturais para a saúde e a doença na Europa.
-:.r.'._.› ;-'.~m..;.: ç.;ain.-I:3:(-s qug A Igreja exercia uma m'fluência poderosa sobre todas as áreas da vida. Interpretaçóes
›.,J. § k :.:Ç>, nçc CQ:.;'~~“.aíL:.u“'¡'.^ religiosas coloriam as ideias dos cientistas medievais a respeito da saúde e da doen-
n~7 '.;- lsa
Luu íviz EUI
ça. Aos olhos da igteja cristã medievaL os seres humanos eram criaturas com livre
-

arbítrio, que não estavam sujeitas às leis da natureza. Visto que possuíam alma. os
humanos e os animaís não eram considerados objetos apropriados para o escrutí-
CAPÍTUL01 lntrodução à psicologia da saúde

nio cientíñco, e sua dissccaçào cra cstrita- lx ~n A' \|wA zr|› Primeiros desenhos anatómicos
Sl'(\'N|'.\
POÍ volta do século XVI, o tabu
mente proibida. A doença crn vísta como ::rv.x .
VJFA
,. - que envolvia a dissecaçào
punição de Deus por algum mal realizado, humana já havia sido contornado
e acred1'tava-se que as doenças epidêmicas, há tamo tempo que o anatomista
como os dois grandes surtos de pestc (uma e artista flandrense Andreas

doença bacteriana conduzida por ratos e Vesalius (1514-1564) consegulu

Lubrary
publicar um estudo completo dos
outros roedores), que ocorreram durante a

An
órgãos internos, da musculatura e
Idade Média, eram um sinal da ira de Deus. do sistema esquelético do corpo
O “tratamento” de Mariana nessa época humano.
certamente teria envolvido tentativas de

ltal amndgeman
expulsar os espíritos do mal de seu corpo.

Milào.
Houve poucos avanços cientíñcos na medi-

Fabbu
cina europeia durante esse milênio.

Fralelh
No ñnal do século XV, nascia uma
I epidêmicoIiteralmente,

1543.
nova era, a Renascença. Começando com
entre as pessoas; uma
o ressurgimento da investigação cientíñca,

Vésallus,
doença epidêmica se
esse período presenciou a revitalização do espalha com rapidez entre
estudo da anatomia e da prática médica. O muitos indivíduos de uma

delAndreas
comunidade ao mesmo
tabu envolvendo a dissecação humana foi
tempo. Uma doença

horñem
suñcientemente removido, a ponto de 0
pandêmica afeta pessoas ao

de um
anatomista e artista ñandrense Andreas Ve- Iongo de uma grande área
salius (1514-1564) conseguir publicar um geogra'f¡ca.
estudo composto por sete volumes sobre

MUSCuÍatüra
os órgãos internos, a musculatura e o siste-
ma esquelético do corpo humano. Filho de
um farmacêutico, Vesalius era fascínado pela natureza, em especial pela anatomia dos
seres humanos e dos animais. Em sua busca pelo conhecimento, nenhum cachorro
vadio, gato ou rato estava livre de seu bisturi.
Na escola de medicina, Vesalius passou a dissecar cadáveres humanos. Suas des~
cobertas provaram que algumas das teorias de Galeno e dos médicos antigos esta-
vam claramente incorretas. Como pôde, pensou ele, uma autoridade inquestionável
como Galeno ter cometido tantos erros ao descrever o corpo? Então compreendeu o
porquêz Galeno nunca havia dissecado um corpo human0! Os volumes de Vesalíus
tornaram-se os alicerces de uma nova medicina cientíñca, fundamentada na anato-
mia (Sigerist, 1958, 1971).
Um dos mais influentes pensadores da Renascença foi o ñlósofo e matemático
francês René Descartes (1596-1650), cuja primeira ínovação foi o conceito do cor-
po humano como uma ma'quina. Ele descreveu todos os reflexos básicos do corpo,
construindo, nesse processo, modelos mecânicos elaborados para demonstrar seus
princípios. Acreditava que a doença ocorria quando a máquina estragava, e a tarefa
do médico era consertá~la.
Descartes é conhecido por acreditar que a mente e o corpo são processos se-
parados e autônomos, que m'teragem de forma mínima, e que cada um deles está
sujeito a diferentes leis de causalidade. Esse ponto de vista, chamado de dualismo I dualismo mente-corpo
ponto de vista ñlosóñco
mente~c0rpo (ou dualismo cartesiano), baseia-se na doutrina de que os seres huma-
segundo o qual a mente
nos possuem duas naturezas, a mental e a física. Descartes e outros grandes pensad0- e o corpo são entidades
res da Renascença, em um esforço para romper com 0 misticismo e as superstiçóes separadas que não
do passado, rejeítavam vigorosamente a noção de que a mente influencia o corpo. A interagem
condição de Mariana e a conexão com seu bem-estar emocional teriam ainda menos
probabilidade de serem compreendidas de maneira adequada. Embora tenha aberto
caminho para uma nova era de pesquisas médicas baseadas na conñança na ciência e
no pensamento racional, esse ponto de vista criou um preconceito duradouro na me-
dicina ocidental em relação à importância dos processos psicológicos na saúde. Como
vercmos, esse preconceito tem sido desfeíto desde a década de l970.
10 PARTE I l Fundamemosda psicologtadasaúde

0 racionalismo pós-Renascença
.\pm a l\k*11;15çc11ç.1.cspcmm w quc m muhms w wnurlmxlwm .1pcn.1s. nds caums
biulogius d.l dncnça. ;\ anliga lcnrm |1umnml Llc Ili¡mu.1tc› fui limlmcnlc dcsuux
I teoria anatómica teoria tad.1, cm lllwr da nmu tcoria anatómical LLI dncnw Us muhum d.1 cpou tcriam
segundo a qual as ongens mnsidcmdo cauw intcrmx pklm us sinlunms dc *\,1.11'imm.u›lm› dísülngocs cardmçus
de certas doenças sào ou cc1'cbr.1ís.
encontradas nos o'rgáos
.›\ ciCncia c a mcdicina mudamm mpidamcmc durunlc <» chulm X\V'H c XVHL
1nternos,namusculatura e
no 51stema esquelenco do motixahs por numcroms ;1\'.\11çus. na lcumlogim '111l\'cz a mais importzlntc invcnçao
corpo humano na mcdicim ncssc pcríodo tcnha sido o Inicruscópio. Izmbora o uso dc uma lcntcp.1r.1
aumcnto Jki tbssc conhccido cm cpocas antig.'15. foi um mercador dc tccidm dimmar-
quésg chnmado Anton van Lccuwcnlmck (](›32-l72 w), qucm construiu o primcim
1

micrmcópio prátícu Usando cssc microscópi0. clc Íbi o primciro a obscrvar cólulas
sanguíncas c a Cstrutura dos músculos csquclélicos.

Descobertas do século XIX

I teoria celularteoria Uma vcz que as células individuais se tornaram visíveis, o ccnárío cstava pronto para
formulada no século XIX, diz a teoria celular da doença - a ídcia dc que a doença resulta do funcionamcnto íncor-
que a doença e' o resultado rcto ou da morte das células corp0mi5. TodaviaL foi 0 cientista francés Louis Pasteur
de anormalidades nas
(1822-1895) que realmente abalou 0 mundo du mcdicína com uma séric dc Cxpe-
células do corpo.
rimenws meticulosos, que demonstravam que só é possívcl existir vida a partir da
vida já e.\'ístentc. Até o século XIX, os estudiosos acrcditavam na gmzção csponrmzm
- a ideia de que os organismos vivos podem scr formados a partir de matéria nào
viva. Por exemplo, pensava~se que as larvas c as moscas surgíam autmmuicamentc de
came podre. Para testar essa hip0'tese, Pastcur enchcu dois fmscos com um líquido
scmelhante a mingau, aquecendo-os até 0 ponto dc cbulíção para matar qualquer
organismo prcsentc. Um dos frascos tinha a boca largm por onde 0 ar podcria ñuir
I teoria dos germes diz que
com fac1'1idade. O outro taunbém ñcava abcrto, mas tinha um pcscoço Curvo, impe-
a doença é causada por
vírus, bactérias e outros
dindo quc as bactérias presentcs no ur c.'1ísscm no líquida Para surprcsa dos céti-
microrganismos que cosg nenhum crescimento ocorreu no frasco Clll'\"0. E11t1'ctanto, naquele com o bico
invadem as células do corpo. comum, microrganismos contamínaram o líquído e multiplicaram-SC Com rapidez
I\'Iostrando que uma solução genuimmente esterilüada
pcrmancccria sem vidaL Paslcur abriu caminho para 0
descnvolvímcnto postcrior de proccdímcntos cirúrgicos
assépntos (livre de germesL Ainda mais 1'elevante, 0 de-
saño de Pastcur contra uma crcnça com 2 míl nnos de
idade é uma podcrosa dcmonstração da importância de
mantcr a mcntc abcrta na ínvestigaçà0 cient1'ñca.
As dcscoLwrtas dc Pasteur também ajudaram a
moldar u teoria dos germes da doença - a ideia de que
b.'1ctc'1'1'ns, vírus e oulros mícrorganismos que invadcm
as células do corpo fazem com que clas funcionem de
mancira inadequadzL A teoria dos gcr11ws, que ó um
apcrtbiçoamcnto da tcoria cclulan forma a basc tcórica
da medicina nlOdCHILL
BenmanlCOR IS

Após Pastcun o conhecimemo e os procedimcntos


Louis Pasteur em seu
médicos apresentaram desenvolvimmto rápido. Em l846. Wílliam Morton (1819-
laboratório O meticuloso 1868), um dentista norte-amcricano, imroduziu o gús étcr como ancstésica Essc
trabalho de Pasteur, de ¡so|ar grande avanço possibilitou a opcração cm pac1'entcs. os quais~ nño scntiam dor c as-
bactérias no laboratório e mostrar sim permaneciam completamcntc 1'cla.\'ado›. Cínqucnta anm maia tardçx o médico
que a vida apenas ocorre a partir
alemão Wilhelm Roentgen (1845-1943) dmvbriu o miu .\Í. e, pcla primcíra \'C/, m
da vida existente, abriu caminho
para procedimentos cirúrgicos
médicos puderam observar dc forma dircta m olrümíos imcrnus cm uma pcssm \'1'\.1.
Iivres de germes. Antes do íinal do século, os pcsquisadurca hdvíam 1dcnliñmdo 05 micmrganismm
1
CAPIVTULO Introducáo a pslcologia dd saudr 11

l
quc caummm maldrmpnuunmnmxlmcrm11.1nxcm\mgxmhxpmluI>ulmnu.1ctçlm
1ithidc. bcm wmu nulms dwnçm quc J gcmgw dc minlm bmw lcmLL Hc pmsc
dCbSJõ 1'11I1›1'11Ln_'uc~, u mcdiuna uuncguu a umlmlar ducngds quc Im i.1m .1u1>\.ldu u
mundu dcsdc .1 amiguidadu

O século XX e a aurora de uma nova era

.-\k mcdidn quc o campo da mcdiúm continuava a munçan durante a primcim purlc
do chulo .\'.\'. upohnwsc cada vcx maía na Ííslblogia c na dIIdIOIHÍLL cm vcz dc no cs-
tudo dc pc11s.1-mc11tos e cnwçóesg na bLlSCd por uma comprcmsào mais protlmda da
suúdc c da doc11ça. Assim, nascia o modelo biomédico dc amda o qual sustcmu quc modelo biomédico visao
dominante no seculo XX,
a docnça scmprc tcm causas bíológicas. \LIOÍÍVÚdO pclo ímpcto das~ tcorias Cclular c
segundo a qual a doenca
dus gcrnzcs, csse modclo tomou~se aceito dc forma ampla durantc 0 século XIX c hoic sempre tem uma causa
continua a rcprcsentnr a vísào dominamc na mcdicinu. física.
O modclo biomédico aprescnta trés camctcrísticas distinlas. Em prinwiro lugan
prcsmpóc quc a docnça scja 0 rcsultado de um patógeno - um vírus, uma lmctúrm ou patógeno virus, bactena ou
outro microrbmmismo quc invade o corpa O modclo não faz mcnção às \'ariávcis psi- algum outro microrganismo

cológicaay bOÇÍdÍS ou comportamentaís nn dOCIIÇiL Ncssc scntidm 0 modclo biomédiw que causam determinada
doenÇa.
Ó mizzcimzístm con.s*idcrando quc fcnómcnos complcxos (c0mo 21 saúdc c a docnçm
são cs.s'cncialmcmc derimdos dc um único fator prinuiria Em scgundo, CSSC modclo
tcm como basc a doutrinu cartesiam do dzmlismo nzcntc-a›rp0, quc, como v1'mos.
considcr;1-os cntidadcs scpdmdas c autónonms quc intcragcm dc Íbrma IHÍHÍIDLL Pur
1ím, dc acordo com elc a saúdc nada mais é quc u ausénúa dc docnças. Dcssa ío'rma,
aquclcs quc trabalham apoiados nessa pcrspectim sc conccntram cm invcstigar as
causas das docnças f~1'sicas. em VCZ daqucles fatorcs quc promovcm a vitalictlde físí-
ÇíL psicológial c sociaL Médicos que trabalhasscm LlnÍCLllUCHIC scgundo a pcrsmctiva
biomédica cnfocariam as causas ñsiológicas das dorcs dc Çul)eça, do coraçáo uceluudo
c da falta dc ar dc I\lariana, em vez de considerarcm sc algum problcnm psicológicu
podcria cstar contribuimío para esses síntomas.

Medicina psicossomática

O modelo biomédíc0, por intermédio de seu foco nos patógenos. avançou o tratw
mento de saúdc de maneira sígniñcativa, Entretanto, foí incapaz dc Cxplícar trams-
tornos quc não apresentavam uma causa física obscrváveL como aqucles dcsxolwrtos
por Sigmund Frcud (1856-1939), que inicialmemc obteve formnçào como nmdica
As paricntes de Freud exibiam sintomas Como perda da falaL surdcz c alé pamlisia.
Elc acrcditava quc esses males eram causados por conñitos cmociomis inconscicntcs
“convcrtidos” em forma física. Rotulou essas condiçócs de rnmstornu wzzvcrs¡'1'u, c a
comunichde médica viu-se forçada a aceitar uma nova mtegoría dc docnça.
Na década de 1940, Franz Alexander desenvolvcu a ídcia dc quc os contlitos psi-
colOgicos do indivíduo poderiam causar determinadns doenças. Quando os médicos
náo conscgulllm encontrar agentes infecciosos ou outras causas dirctas para a artritc
rcmndticm Alemnder ñcava íntrigado pela possibílidauk de quc fatorcs ps.ícológicos
pudcsscm cstar envolvidos. Segundo seu modelo do coanim nudmn cada docnça fís_í-
ca c rcsultado dc um conñíto psicológico fundamcntal ou nuclcar (Alcxandcr. 1950).
Por cxcmplm indivíduos com “personalidade 1'cumáticu”, quc tcndcm a rcprímir a
raixu c sào ilmlpazes de cxpressar as emoçóes, seriam propensos a dcscnmlxcr ar-
tritm Alcxandcr aiudou a estabelecer a medicina psicossomátíca, um mox imcntn I medicina psicossomática
rcfurmista na nwdicl'1u1, dcnominado em decormncia das raizcs psinn quc slgnitkn ramo da medlcma que se
“mcntc“, c smmu quc signihka “c0rpo“. Essa medicina diz rcspcito ao diagmvsticu c ao concentra no diagnOsUcc
e tratamento de doencas
lmwnuntn dc dmnças fí5ica.s* supostamente causa1uh15porpmccssm mcntais dcñcivm
fmcas Lausadas por
tul l xw nmu çdmpo Horcweu e, logo, o periódico Psydzosumcmt .\Iuí1tmc publicm procesws mentaIS
\.n mphuwcs psimmlilicas para uma mriedade dc pmblcmas dc satidm imluindo deñcuemex
12 r /\ H T r 1 Funddmontos da psicologia da saúde

hipcncnsam cn.\.lqucç.1›. ukuum hipcrlnmidixnm c mnm lwonquum Ncsml Cpocm


1.1I\ C/ \.1.1ri.m.1 1i\'C.\\.Çhido l1'.11.1d.1 wm d[UIuH1z1/Í›L'LIC l rcud a tcmpia por mcin d.1
tLILI quc mcrgullm m intIuniJ du indmdun c tcnla rcwldr umílitm nan rcwlx idm.
.~\ mcdicim psicosmnmlím cm inlriganlc c mrcçm cxpliuxr o inmpliuiwl. lín~
Ircmmm .1prcscnt.na di\'c1'›;h inconsislCnçiJs quc a lcmmm a m dutlamrccimL ;\
maia signithuixu dclas c o tlltn dc quc sc fundamcnlavu m tmria frCLIdiLunL Ax mcdi-
da quc J êníhsc dc lhtud cm nmtimçócs inwmcimtcs c irmciomis na fbrnmçau da
pcmmulidadc pcrdcu populnridadm o cnmpo da mcdicim psiumunuíticn cmncçou
n dcclínmz Essa mcdicinm como 0 modclo b1'mnc'dico, upoinvmac no rcduciunismo
- ncssc cusm a ideia obsolcta dc quc um único problcma psicológko ou thllm dc pc1'-
sonalidadc seria suñcicntc para dcsencadwr a docnça. Aluulmcntm sabcmos quc u
docnçm assim como a boa saúdc, lmseimn-sc na interaçio combinada de diversos M-
tores, incluindo a hereditariedade, o ambientc c a fbrmação psicológica do indivídua
Embom estívessem c0mprometidas, as teorias dc Freud e a medicina psimssomática
tbrmaram as bases para a nova aprcwiação das conexóes entrc u medicina c a pSÍCOIOgÍLL
Elas deram início à tendência contmnporànea de ver docnça c saúde como nzulnjàlorial.
lsso signiñca que muitas doençzls são musadas pcla intcraçño entre diversos fator65, cm
wz dc uma única bactéria ou um 50 agente víral invasor. Iíntre estes, estào fãztores do ho$-
pcdeim (c0mo vulnerabilídalde ou resiliéncia genétícas),_f2norcs ambicnmis (como exposi-
çào a polucntcs ou químicos perigosos),_12m›rcs amzpnrtmnenmis (C0mo díeta, excrcíciog
hábito de ñlmar) ejluorcs psícológíms (como otímismo c Ízardinmf geral).

Medicina comportamental
Durante a primeira metade do século XX, 0 IHOVÍIUCUÍO behaviorista dominou a
psicologia norte~americana. Os behavioristas dcñníam a psicologia como 0 estudo
Cientíñco do comportamento obscmívcl e cnfatízavam 0 papel da aprendizagem na
aquisição da maioria dos comportamentos humanos.
No início da década de 1970, a medicína comportamental começou a cxplorar
o papel de Comportamentos aprcndidos na saúdc c na domça. Um de seus primciros
I medicina comportamental sucessos foí a pesquísa de Neal Millcr (1909-2002), quc utilizou técnials dc condicio-
um campo interdisciplinar namento operante para ensinar cobaias (e dcpoís seres humanos) a adquirir controle
que integra as ciéncias sobre certas túnçóes Corpouús. Miller demonstrom por c.\'emplo, que as pessoas podcm
comportamentais e
adquirir algum nível de Controlc sobrc sun pressão artcrial e relaxar a frcquéncia car-
biomédicas para promover a
saúde e tratar doenças. díaca quando se tornam cientcs dcsses estados. A técnica dc Millen denominada biqued-
back, é discutida de forma mais detallmda no Capítulo 4. Ncste ponto da hist0'ria, nossa
paciente ansiosa, IVIar1°ana, prowwelmcntc teria sído diagnosticada de maneira correta
e tratada de um modo que obtívessc um certo grau de alívío dc seus sintomas - talvez
com uma Combinaçào de biqucdlmck c outras tetnicas dc relamamenta
Embora a fonte da medicina comportamcntal tcnha sido o movimento behavi0-
rista na psicologia, uma característica distima dcsse campo é sua natureza ínterdisci-
plinar. A medicina comportamental atrai mcmbros de campos tão diversos quanto a
antropologim a sociologia, a biologia moleculan a genéticaL a bioquímica e a psicologídx
além de proñssões ligadas à área da saL'1de,como enfermagcm medicina e odontologm

O surgimento da psicologia da saúde


Em 1973, a American Psychological .›\ssociat10n (APA) indicou uma t'0rç_'a-tarcfa pam
explorar 0 papel da psicologia no campo da mcdicina comportamcntal e. em l978.

' N. dc RÍIIZ 'Ie'rmo de dífícíl Irdduçàu quçr dxxcr \ lgnlz mbLNçA LwrchncLL dULLKLL lbrgL Iimxiv algnitiça I'c--
sistcma forlc, robust0, ousado, audud audgmhm k h sstudm lmmlcínn quu me u Iurmu tcndun .1 nmmcilu no
nrigiml. Quando traduzida aparecc como “pcrwn.:lixmdü wn pur uxc111plu. Hc Ulixum l.l¡ '3UU"=. .”..zm":::-;».>
ipclwn.1líddde rc>istemc): repcrcus>üc> m quàílddxíu du \ idJ wuh\.,x1'nn.1! um szlmmiorcx dc uxm mopcmmxz dc
crcditn do eslado dc Mato Grosso do Sul. Rclzmdo dJ\\u1'n'd\\idc\\rh cm IU US 2<I13 du uçdhbr
C A P ÍT U L O 1 lntrodução à psicologia da saúde 13

criou a divisão de psicologia da saúde (Divisào 38). Quatro anos dep0is, foi publicado o
pr1m'eiro volume de seu periódíco oñciaL Health Psydzology. Ncssa ediçào,
flzeram o pr1m'eiro presidente da divisão, estabeleceufvgwxos
uatrofo_)b'_etivos do novo campoz
mww~,-x,_4

@ Estudar deforma cientfííca as causas e origens de determinadas docnças, ou seja, sua l etlologla estudo cientíñco
etiologia. Os psicólogos da saúde estão principalmente interessados nas orígens dascaU535 °U '°"'gen5 de
psicológicas, comportamentaís e sociais da doença. Eles investígam por que as doenças espec'ñcas'
pessoas se envolvem em comportamentos que comprometem a 5au'de, como o hábi-
to de fumar e o sexo inseguro.
® Promover a saúde. Os psicólogos da saúde consideram maneiras de fazer as pes-
soas adotarern comportamentos que promovam a sau'de, como praticar exercícios
regularmente e comer alimentos nutritivos.
03 Prevenir e tratar doenças. Os psicólogos da saúde projetam programas para aju-
dar as pessoas a parar de fumar, perder peso, administrar o estresse e minimizar
outros fatores de risco para uma saúde fraca. Eles também auxiliam aquelas que
já estão doentes em seus esforços para se adaptarem a suas doenças ou aderirem a
regímes de tratamento difíceis.
O4. Promoverpolíticas de saúde pública e o aprimoramento do sistema de saúde públich
Os psicólogos da saúde são bastante ativos em todos os aspectos da educação para
a saúde e mantêm reuniões frequentes com líderes governamentaís que formulam
políticas públicas na tentativa de melhorar os serviços de saúde para todos os
indivíduos.

Conforme observado na Tabela 1.2, várias tendências do século XX ajudaram as


pessoas a moldar o novo campo da psicologia da saúde, direcionand0-o para a pers-
pectiva biopsicossocial mais ampla, que é o foco deste texto.

Perspectiva biopsicossocial (mente-corpo) I perspectiva biopsicossocial


(mente-corpo) ponto de

e gu ndo nos conta a história > p rocurar a p enas um fator causal p roduz uma im a VÍSta segundo
e outros o qual a saúde
comportamentos
gem incompleta da saúde e da doença de uma pessoa. Portanto, os psicólogos da sa-o determmdos pela
saúde trabalham a partir da perspectiva biopsicossocial (mente-corpo). Con- interação entre mecanismos
forme mostrado na Figura 1.2, essa perspectiva reconhece que forças biológica5, psico- b¡_0'Ó9¡C_051Pf0'CeS$^0$ _
lógicas e socioculturais agem em conjunto para determinar a saúde e a vulnerabilidade p5',c°_'óg'c°5 e mnuenaas
do indivíduo à doença; ou seja, a saúde e a doença devem ser explicadas em relação a soc'als'
contextos múltiplos.

Tabela 1.2

> Tendências do século XX que moldaram a psicologia da saúde

Tendência Resultado

1. Aumentona Reconhecer a necessidade de cuidar melhor de nós mesmos


\

expectativa de vida para promover a vitalidade no decorrer de uma vida mais


|onga.
.f 2. O surgimento de transtornos Educar as pessoas para evitar comportamentos que
reIacionados com o estilo de vida contribuam para essas doenças (p. ex., fumar e ter uma dieta
"

(p. ex., ca'ncer, AVE, doenças cardíacas) com teores eIevados de gordura).
3. Aumento nos custos da Concentrar esforços em maneiras de prevenir a doença e
assisténcia à saúde manter uma boa saúde para evitar esses custos.

Reformulação do modelo biomédico Desenvolver um modelo mais abrangente da saúde e da


P

doença - a abordagem biopsicossociaL


PARTEI Fundamentos da psicologia da saúde

O contexto biológico
Todos os comportamentos, incluindo estados de saúde e doença, ocorrem no con-
texto biológico. Cada pensamento, estado de espírito e ânsia é um evento biológico
possibilitado pela estrutura anatômica e pela função biológica característica do corpo
da pessoa. A psicologia da saúde chama atenção para aqueles aspectos de nosso corpo
que ínñuenciam a saúde e a doençaz nossa conformação genética e nossos sistemas
nervoso, ímune e endócrino (ver Cap. 3).
Os genes proporcionam o projeto de nossa biologia e predispóem nossos com-
portamentos - saudável e doentio, normal e anormal. Por exemplo, sabe-se há muíto
tempo que a tendência a abusar do consumo de álcool é hereditária (ver Cap. 8). Uma
razão para isso é que a dependência do álcool é, pelo menos em parte, genética, em-
bora não pareça estar ligada a um único gene especíñco. Em vez disso, certas pessoas
podem herdar uma sensibilidade maior aos efeitos físicos do álcooL experimentando
a intoxicação como algo prazeroso e uma ressaca como algo de pouca importância.
Essas pessoas têm mais probabilidade de beber, especialmente em certos contextos
psicológicos e sociais.
Um elemento fundamental do contexto biológico é a história evolutiva da nossa
espécie, e a perspectiva evolutiva orienta o trabalho de muitos psicólogos da saúde.
Nossos traços e comportamentos humanos característicos existem na forma como
são porque ajudaram nossos ancestrais distantes a sobreviver tempo suficiente para se
reproduzirem e enviar seus genes para o futuro. Por exemplo, a seleção natural favo-
receu a tendêncía das pessoas a sentir fome na presença de um aroma agradável (ver
Cap. 7). Essa sensibilidade para pistas relacionadas com comida faz sentido evolu-
cionário, pois comer é necessário para a sobrevivéncia - particularmente no passado
distante, quando os suprimentos de comida eram imprevisíveis e era vantajoso ter um
apetite saudável quando havia alimento disponíveL
Ao mesmo tempo, a bíologia e o comportamento interagem de forma constan-
te. Por exemplo, alguns indivíduos são mais vulneráveis a doenças relacionadas com
o estresse porque reagem com raiva a perturbações cotidianas e a outros “gat1]h'os”
ambientaís (ver Cap. 4). Entre os homens, esses gatilhos apresentam correlação com a
reação agressiva relacionada com quantidades maiores do hormônio testosterona. Po-
rém, essa relação é recíprocaz ataques de raiva também podem levar a níveis elevados

l Vulnerabilidade
I Níveis elevados de estresse
genética à ansiedade
I Poucas habilidades de
enfrentamento
I Forte sentimento de respon-
sabilidade pessoal
I Sistema nervoso
reativo

Figu_r_.am 1.2 MECANlSMOS BIOLÓGICOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS

Mariana Segundo a perspectiva biopsicossociaL


todos os comportamentos relacionados com
Ansiedade
a saúde podem ser explicados de acordo com I Níveis elevados de responsabilida- I Dores de cabeça
três contextosz processos biolo'gicos, processos de reaI no trabalho, em casa e na l Coração acelerado
comunidade l Falta de ar
psicológicos e influências sociais. Esse diagrama
l Falta de apoio social I ”Bolo"na garganta
ilustra como os três processos poderiam
I lnsónia
influenciar a ansiedade de Mariana, no estudo de
caso usado como exemplo (p. 5). lNFLUÊNClAS SOCIAIS COMPORTAMENTO
ng
C A P IT U L o 1 lntrodução à psicologia da saúde

de testosterona. Uma das tarefas da psícologia da saúdc é explicar como (c por quc)
essa influéncía mútua entre biologia c comportamento ocorra
I perspectiva do curso de
vida perspectiva teórica
A perspectiva do curso de vida concentrada em aspectos
da saúde e da doença
No contexto biológico, a perspectiva do curso devida na psicologia da saúde concen- relacionados com a idade.
tra-se em importantes aspectos da saúde e da doença relacionados com a idade (Jack-
son, 1996). Essa perspectiva considera, por exemplo, a maneira como a má nutrição,
o tabagismo e o uso de substâncías psicoativas por uma mulher grávida afetaria o
desenvolvimento de seu bebê ao longo da vida. Talvez seu ñlho nasça prematuramen-
te e sofra de baixo peso neonatal (menos de 2.500 gramas), um dos problemas mais
comuns e evitáveis no desenvolvimento pré-natal. Entre as consequências disso, estão
o desenvolvimento motor, social e de linguagem lent0; maior risco de paralisia cere-
bral; diñculdades de aprendizagem a longo prazo; e mesmo a morte (Ialil et al., 2008).
A perspectiva do curso de vida também considera as principais causas de morte
que acometem certos grupos etários. As doenças crônicas que sào as principais causas
de morte na população em geral afetam, mais provavelmente, adultos de meia-ídade e
idosos. Os jovens têm uma probabilidade muito maior de morrer devido a acidentes.

O contexto psicológico
A mensagem central da psicologia da saúde, obviamente, é que a~5a7_u__'d_e,e.3_d,Q_e1_çaI
e_StãQ_SLL)Bltâ&.'aJJlÍ1'Ue_^11§lâ_S.PHSVl_.C,0_1,_gÓÍC_aS. Por exemplo, um fator fundamental para
determinar o quanto uma pessoa consegue lidar com uma experiéncia de vida es-
tressante é a forma como o evento é avaliado e interpretado (ver Cap. 5). Eventos
avaliados como avassaladores, invasivos e fora do controle custam mais do ponto de
vista físico e psicológico do que os que são encarados como desaños menores, tem~
porários e superáveis. De fat0, algumas evidências sugerem que, independentemen~
te de um evento ser de fato vivenciado ou apenas imaginad0, a resposta do corpo ao
estresse é, de modo aproximado, a mesma. Os psicólogos da saúde pensam que cer-
tas pessoas podem ser cronicamente depressívas e mais suscetíveis a determinados
problemas de saúde porque revivem eventos difíceis muitas vezes em suas mentes, o
que pode ser de modo funcional equjvalente a experienciar repetidas vezes o evento
real. No decorrer deste livro, iremos examinar as implicações de pensamento, per-
cepçã0, motivação, emoção, aprendizagem, atenção, memória e outros aspectos de
alta relevância para a saúde.
Os fatores psicológicos também desempenham um papel importante no tra-
tamento de condições crônicas. A efetividade de todas as intervenções - incluíndo
medicação e cirurgia, bem como acupuntura e outros tratamentos alternativos - é
poderosamente inñuenciada pela postura do paciente. Um indivíduo que acredite que
um medicamento ou outro tratamento irá lhe causar apenas efeitos colaterais des-
confortáveis é capaz de experimentar uma tensào considerável, que pode, na verdade,
piorar sua reaçào física à íntervenção, desencadeando um círculo vicioso, no qual a
crescente ansiedade antes do tratamento é seguida por reaçóes físicas progressiva-
mente piores, à medida que 0 regime terapêutico continua. No entant0, um pacíen-
te com conñança na efetivídade de certo tratamento pode, na verdade, apresentar
uma resposta terapéutica melhor. As intervençóes psicológicas ajudam os pacientes
a administrar a tensào, diminuíndo, assim, as reaçóes negativas ao tratamento. Os
pacientes mais tranquílos em geral sào mais capazes e mais motivados para seguir as
instruções de seus médicos.
As intervençóes psicológicas também auxiliam os pacientes a administrar o es-
tresse da vida cotid1'ana, que parece exercer um efeito cumulativo sobre o sistema
in1Lme. Acontecimcmos negativos na vida, como perda de um ente querido, divór-
ciu. dcsemprego ou mudançm podem estar ligados a diminuição do funcionamento
16 PARTE1 Fundamentos da psicologia da saúde
__,._ --, _ ._ ~..\

imunológico e maior suscetibilidade a docnças. Ensinando aos pacicntcs formas maís


efetivas de administrar tensões inevitáveis. os psicólogos da saúde podem ajudar o
sistema ímune do paciente a combater as doenças.

O contexto social
Os imigrantes irlandeses da virada do século, como minha bisavó, venceram a po-
breza e o preconceito nos Estados Unidos, estabelecendo associaçóes de irlandeses
americanos que refletiam uma ética de apoio familiar e comunita'rio. “Cada um por
si, mas todos pelos outros',' escreveu Patric O)Callaghan a sua irmã em sua terra natal
para descrever esse sistema de proteção. Ao colocarem o comportamento saudável em
seu contexto sociaL os psicólogos da saúde estão preocupados com a maneira como
pensamos, influenciamos e nos relacionamos uns com os outros e com nosso ambíen-
te. Seu gênero, por exemplo, implica determinado papel socialmente prescrito, que
representa seu senso de ser mulher ou homem. Além disso, você é membro de deter-
minada família, comunidade e nação; você também tem uma certa identidade racial,
cultural e étníca, e vive em uma classe socioeconômica especíñca. Você é influenciado
l coorte de nascimento pelos mesmos fatores histórícos e sociais que outras pessoas em sua coorte de nasci-
grupo de pessoas que, mento - um grupo de indivíduos que nasceram com alguns anos de diferença uns dos
por terem nascido outros. Por exemplo, aqueles que viveram 100 anos atrás tínham mais probabilidade
aproximadamente
de morrer de doenças que nós, nos países desenvolvidos, hoje consideramos evitáveis,
na mesma e'poca,
experimentam condiçóes como a tuberculose e a difteria (Tab. 1.3), e a mortalidade infantil nos Estados Unidos
históricas e sociais caiu signiñcativamente (Fig. 1.3). Cada um desses elementos de seu contexto socíal
semelhantes. único afeta suas experiências e influencia suas crenças e seus comportamentos - in-
cluindo aqueles relacionados com a saúde.
Consídere o contexto social em que uma doença crôníca, como 0 câncer, ocorre.
Um cônjuge, outra pessoa afetivamente signiñcativa ou um amigo íntimo proporcio-
nam uma fonte importante de apoío social para muitos pacíentes de câncer. Mulheres
e homens que se sentem socialmente conectados a uma rede de amigos afetuosos têm
menor probabilidade de morrer de qualquer forma de câncer do que seus correlatos
socialmente isolados (ver Cap. 10). O fato de sentír-se apoiado por outras pessoas ser-
ve como proteção que mitiga o resultado de hormônios que causam estresse e man-
têm as defesas do corpo fortes durante situações traumátícas. Pode também promover

Tabela 1._3
í_As
principais causas de mortes nos Estados Unidos em 1900 e 2005
I

1900 Porcentagem 2005* Porcentagem

Pneumonia 1 1,8% Doenças cardíacas 26,6%


Tuberculose 1 1,3% Câncer 22,8%
Diarreia e enterite 8,3% AVE 5,9%
Doenças cardíacas 5,2% Doenças crônicas do aparelho respiratório inferior 5,3%
Doenças renaís 5,2% Acidentes 4,8%
V Acidentes 4,2% Diabetes melito 3,1%
Cãncer 3,7% Influenza e pneumonía 2,9%
Senilidade 2,9% Doença de Alzheimer 2,6%
Diftería 2,3% Doenças hepáticas 1,8%
|

Septicemia 1,4%

Fontesz Healthy People 2010, U.S. Depanment of Health and Human Services, Washingxom DCz U.S. Government Pn'nting Ofñce
Deaths: Final Data for 2005, H. C. Kung, D. L. Hoyert, J. J. Xu e S. L. Murphy (2008). National ViralStarisrics Report, SõtIOL Table B.
' Observe que as principais causas de morte em 2005 não eram doenças novas; elasjá estavam presentes em outras épocas, mas,
¡' ou tinham outro nome, ou menos pessoas morn^am delas.
CAPÍTULOI Introdução à psicologia da saúde

melhores hábitos de saúde, Check-ups regulares e cxames para sintomas prcocupantes


- tudo isso tende a melhorar as chances de sobrevivéncia de uma vítima do càncen

Perspectiva sociocultural

No contexto sociaL a perspectiva sociocultural considera como fatores sociais e cul- I perspectiva sodocultural
turais contríbuem para a saúde e a doença. Quando os psicólogos usam o termo cul- perspectiva teórica que
aborda a maneira como os
tura, estão se referindo a comportamentos, valores e costumes persistentes que um
fatores sociais e culturais
grupo de pessoas desenvolveu ao longo dos anos e transmitiu para a próxima geração. contribuem para a saúde e a
Em uma cultura, pode haver um, dois ou mais grupos étnicos, isto é, grandes grupos doença.
de pessoas que tendem a ter valores e experiências semelhantes porque compartilham
certas características.
Em culturas multiétnicas, como a dos Estados Unidos e da maioria das grandes
nações, ainda existem amplas disparidades em expectativa de vida e nível de saúde,
tanto entre os grupos de minorias étnícas quanto na maior parte da população. Algu~
mas dessas diferenças, sem dúvida, reñetem uma variação em status socioeconômico,
uma medida de diversas variáveís, incluindo renda, educação e ocupação. Por exem-
plo, as taxas mais elevadas de doenças crônicas ocorrem entre pessoas que possuem
os níveis mais ba1x'os de status socioeconômico (Mackenbach et al., 2008). Evidências
também sugerem que os vieses, preconceitos e estereótipos por parte de proñssionais
da saúde também podem constituír fatores nesse sentid0. As minorias tendem a rece-
ber cuidados de menor qualidade do que os brancos, mesmo com níveis comparáveis
de seguro, renda, idade e gravidade de condições (Devi, 2008; Smedley, Stíth e Nelson,
2003).
Os aspectos socioculturais também desempenham um papel importante na
variação em crenças e comportamentos relacionados com a saúde. Por exemplo, as
práticas tradicionais de cuidado à saúde dos nativos norte-americanos são holísticas e
não distinguem modelos separados para doenças físicas e mentais. Em outro exemplo,
os adeptos da ciência cristã tradicionalmente rejeitam o uso da medicina, pois acre-
ditam que os doentes podem ser curados apenas por meio da oração, e a lei judaica
prescreve que Deus dá a saúde, sendo responsabilidade de cada indivíduo protegê-la.
De modo geraL os psicólogos da saúde que trabalham nessa perspectiva socio-
cultural encontram grandes discrepânc1'as, não apenas entre os grupos étnicos, mas
também dentro deles. Os 1atinos, por exemplo, nâo são homogêneos. Os trés maio-
res grupos de nacionalidade - mexicanos, porto-riquenhos e cubanos - diferem em
BEBÊS)

rUma razão para a expressiva


redução na mortalidade ínfantil
1.000

desde a década de 1900 é a


disseminação da imunízação, que _ng4_ura 1.3 _
POR

tornou raras as doenças fatais


Mortalidade infantil nos Estados Unidos Há
menos de 100 anos, 15% dos bebês que nascíam
(MORTES

! nos Estados Unidos m0rriam antes de seu primeiro


aniversário. Para aqueles que sobreviviam, a
l expectativa de vida era de pouco mais de 50 anos.
INFANTIL

Ê Com a melhoria dos serviços de saúde, atualmente


¡ mais de 90% dos rece'm-nasc¡dos sobrevivem até
pelo menos 1 ano de idade.
l Fontesz Historical Statistics of rhe United States: Colonial
Tlmes to 1970, U.S. Bureau of the Census, 197S, Washington,
MORTALIDADE

DC: U.S. Government Printing Ofñce p. 60; lnfant Mortality


Rates by Race - States. The 2010 StatisticaIAbstracL U. S.
1 900 1910 1920 1930 1 940 1950 1960 Census Bureau, Washington, DC: U. S. Govemment Prínting
., Ofñce, Table 113.
ANO
18 PA RT E 1 Fundamentos da psicologia da sau'de

cducaçào. renda. sau'de geral c risco de docnças c de monc (Angcl. Angel c HilL 20()8;
Bagley cl .'11., l995). Os padróes socioeconómicos, religiosos e outros cultumis tam-
bém podem explicar por que existem variaçóes na sau'de não apcnas cnlrc os grupos
étnicosx mas lambém dc região para regiãm estado para eslado c alé mcsmo dc um
bairro para 0utro. Por exemplo. em cada mil nascimcntos vivos, o númcro dc bcbês
que morrcm antes de chegar ao primeiro aniversário é muito maior no Dístrito dc
Columbia (7,04/°0/), Mississippi (6,60%) e Louisiana (6,12%) do que em Montana
(2,64%), Washington (2,99%) e lowa (3,25%) (Heron et al., 2009). Conforme colo~
cou um pesquisadon em termos de sua sau'de geraL “a maneíra como vocé envelhece
depende de onde você mora” (Cruikshank, 2003).

A perspectiva de gênero
I perspectiva de género Também no contemo sociaL a perspectiva de gênero em psicologia da sau'de se con-
perspectiva teo'n'ca que centra no estudo de problemas de sau'de especíñcos dos gêneros e em barreiras que
aborda problemas de sau'de
tal condição encontra nos serviços de sau'de. Com exceção de problemas no sistema
especíñcos dos géneros e
suas barreiras aos serviços reprodutivo e subnutrição, os homens são mais vulneráveis do que as mulheres a
de sau'de quase todas as outras condiçóes de sau'de. Além disso, muitos homens consideram
o cuidado preventivo em sau'de algo que não é masculino, mas as mulheres tendem
a responder de forma mais ativa do que eles a sintomas de doenças e a procurarem
tratamento mais cedo (Williams, 2003). O efeito é cumulativo e, aos 80 anos de idade,
as mulheres são mais numerosas que os homens, em uma proporção de 2 para 1 (U.S.
Census Bureau, 2010).
A proñssão médica tem longa história de tratar homens e mulheres de maneira
diversa. Por exemplo, pesquisas já mostraram que as mulheres tratadas para doenças
cardíacas têm maior probabilidade de receber diagnósticos íncorretos (Chiaramonte
e Friend, 2006); em comparação aos homens, é menos provável que elas recebam
aconselhamento sobre os benefícios para o coração da prática de exercícios, nutrição
e redução de peso (Stewart et al., 2004) ou que recebam e tomem medicamentos pres-
critos para o tratamento de sua condição cardíaca (Vittinghoff et al., 2003). Em um

Viés sociocultural no díagnóstico Foi dito aos médicos que estes supostos "pacientes cardíacos" eram
idênticos em ocupação, sintomas e em qualquer outro aspecto, exceto idade, raça e gênero. Embora o
cateterismo fosse o tratamento adequado para os sintomas descritos, os médicos recomendaram-no mais
para os pacientes maisjovens, brancos e do sexo masculino do que para pacientes do sexo feminino, mais
velhos e negros.
Fontez Schulman, K. A. e co|aboradores. (1999).The effect of race and sex on physician's recommendations for cardiac
catherizat|'on." New England Journal oIMedicine, 340, p. 618-625.
C A P ÍT U L O 1 Introdução à psícologia da saúde 19

estudo clássico, 700 médícos deviam prescrever tratamento para oito pacicntcs cardí-
acos com sintomas idénticos (Schulman et al., l999). Os “pacicntes" cram atorcs quc
diferíam apenas em género, raça e idade informada ( 55 ou 70). Embora 0 diagnóstico
seja questão de julgamento, a maíoria dos especíalistas cm coração concordaria que
um cateterismo diagnóstico fosse o tratamento apropriado para os sintomas descrilos
por cada pacíente hipotético. Todavia, as recomendações revclaram um pequeno, mas
ainda signiñcativ0, viés em relação às mulheres e aos negros. Para os pacientes maís
jovens, brancos e do sexo masculino, o cateterismo foi recomendado em 90, 91 e 9l%
das vezes, respectivamente; para pacientes mais ídosos, negros e do scxo feminino, 86,
85 e 85% das vezes, respectívamente.
Problemas como esses, aliados à sub-representação das mulheres como partici-
pantes de testes de pesquisas médicas, levaram à crítica do viés de gênero na pesquisa
e no cuidado de saúde. Em resposta, os National Institutes of Health (NIH) publi-
caram diretrizes detalhadas sobre a inclusão de mulheres e grupos minoritáríos em
pesquisas médicas (USDHHS, 2001). Além disso, em 1991, o NIH lançou a Womelfs
Health Initiative (WHI), um estudo de longa duraçâo com mais de 161 mil mulhe-
res pós-menopausa, concentrado nos determinantes e na prevenção de deñciências e
morte em ídosas. Entre as metas de investigação nesse grande estudo, ñguravam a os-
teoporose, o câncer de mama e a doença cardíaca coronariana. Os testes clínicos que
formaram a base para a WHI testaram os efeitos da terapia hormonal, da modiñcação
da dieta e de suplementos de cálcío e vitamína D sobre doenças cardíacas, fraturas
ósseas e câncer de mama (WHI, 2010).
Apesar da importância dessas influências socíoculturais e ligadas aos gêneros,
lembre que seria um erro focalizar exclusívamente esse, ou qualquer contexto, de
forma isolada. O comportamento relacionado com a saúde não é uma consequência
automática de determinado contexto sociaL cultural ou de géner0. Por exemplo:
embora, como um grupo, pacientes de câncer casados tendam a sobreviver mais
tempo que os não casados, os casamentos infelizes e destrutivos não trazem benefí-
cios nesse sentído, podendo estarem ligados, inclusive, a resultados negativos para
a saúde.

”Sistemas” biopsicossociais
Conforme indicam esses exemplos, a perspectiva biopsicossocial enfatiza as influén-
cias mútuas entre os contextos biológicos, psicológicos e sociais da saúde. Ela tam-
I teoria sistêmica ponto
bém está fundamentada na teoria sistêmica do comportament0. De acordo com essa
de vista segundo o qual
teoria, a saúde - de fat0, toda a natureza - é mais bem compreendida como uma a natureza é mais bem
hierarquia de sistemas, na qual cada um deles é composto de modo simultàneo por compreendida como uma
subsístemas e por uma parte de sistemas maíores e maís abrangentes (Fig. 1.4). hierarquia de sistemas,
Uma maneira de entender a relação entre sistemas é imagínar um alvo, com a na qual cada sistema é
composto simultaneamente
“mosca” no centro e anéis concêntricos crescendo a partir dela. Assim, considere cada
por subsistemas menores e
um de nós um sistema formado por sistemas em interaçã0, como o sistema endó- sistemas maiores ínter-
crin0, 0 cardiovascular, 0 nervoso e 0 ímune. (Tenha em mente que, em cada um de -relac¡onados.
nossos sistemas biológicos, existem subsistemas menores, que consistem em tecidos,
ñbras nervosas, Huidos, células e material genétic0). Se você partir da mosca no cen-
tro e em direçào aos anéís externosg verá sistemas maiores que ínteragem conosco - e
esses anéis incluem nossa família, nosso baírro, nossa sociedade e nossas culturas.
Aplícada à saúde, a abordagem sistêmica enfatiza uma questão fundamentalz o
sistema, em determinado níveL é afetado por sistemas em outros níveis e também os
afeta. Por exemplo, 0 sistema ímune enfrãaquecido afeta órgãos especíñcos no corpo de
uma pessoa, 0 que, por sua vez, afeta sua saúde biológica geraL atingíndo os relaci0-
namentos dessa pessoa com sua família e seus amigos. Conceituar a saúde e a doença
conforme a abordagem sistêmica permite que compreendamos o indivíduo de forma
íntegraL
PA RTE 1 I Fundamentos da psicologia da saúde

Aplicando o modelo biopsicossocial


Para ter uma ideia melhor da utilidade de explicaçóes biopsicossociais sobre com-
portamentos saudáveis, considere o exemplo do abuso dc álcooL que é um padrão
mal-adaptativo de beber, no qual pelo menos um dos seguintes fatores ocorrez beber
de forma repetida apesar da interferéncia com obrígações dos papéis socíais; contí-
nuar a beber apesar de problemas legais, socíais ou interpessoais relacionados com o
uso de álcool; e beber repetidamente em situações em que a intoxicação é perígosa.
Como a maioria dos transtornos psicológic05, o abuso de álcool é mais bem explicado
por diversos mecanismos, podendo incluir componentes genéticos e ambientais (Bal],
2008) (Fig. 1.5). Pesquisas realizadas com famílias, gêmeos idênticos ou fraternos e
crianças adotadas demonstram claramente que pessoas (sobretudo homens) com um
parente biológico dependente de álcool têm mais probabilidade de abusar de al'cool
(NIAA.A, 2010). Além disso, pessoas que herdam uma variação gênica que resulte em
deñciência de uma enzima fundamental para metabolizar o álcool são mais sensí-
veis a seus efeitos, sendo muito menos provável que tenham problemas com a bebida
(Zakhari, 2006).
Do ponto de vista psicológico, ainda que não tentem mais identiñcar uma úni-
ca “personalidade alcoolistaÍ os pesquisadores se concentram em traços especíñcos
da personalidade e comportamentos que estão ligados à dependência e ao abuso de
al'cool. Um desses traços é a baixa autorregulaçã0, caracterizada por uma incapacidade
de exercer controle sobre a bebida (Hustad, Carey, Carey e Maisto, 2009). Outro é a
emotividade negativa, marcada por irritabüidade e agitação. Com vários outros, esses
traços compreendem a síndrome de dependência de álcool, que é a base para o diagnós-
tico de abuso de álcool (Li, Hewitt e Grant, 2007).

Fibras
Músculos
nervosas
Teoria sistêmica e saúde Os
sistemas que potencialmente
influenciam a dor de cabeça, a
falta de ar, a insônia e o coração
acelerado de Mariana (revise o
estudo de caso, p. S) são os sistemas
biológicos intemos de seu corpo
(imune, endócrino, cardiovascular e
nervoso), assim como sua famí|ia, seu
baírro, sua cultura e outros sistemas
externos do quaI ela faz parte.
C A P ÍT U L O 1 lntrodução à psicologia da saúde 21

No aspecto socíal, o abuso de álcool às vezes decorre de uma históría de beber


para enfrentar fatos da vida ou demandas sociais avassaladoras. A pressâo dos outros,
ambientes difíceis em casa e no trabalho e a tentativa de reduzir a tensão também po-
dem contribuir para problemas com a bebída. E, de maneira mais geral, como muítos
uníversitários sabem, certos contextos sociais promovem a bebida. Pesquísas mostram
que universitáríos que dão preferêncía a grandes contextos sociais envolvendo homens
e mulheres tendem a beber mais do que aqueles que preferem contextos menores com
ambos os sexos. Além disso, homens que costumam beber em grupos do mesmo sexo
(sejam grandes ou pequenos) dízem que se embebedam com mais frequéncia do que
aqueles que bebem em geral em grupos pequenos de ambos os sexos. Isso sugere que os
estudantes do sexo masculino que bebem muíto podem procurar contextos sociais nos
quais esse comportamento seja tolerado (LaBrie, Hummer e Pedersen, 2007; Senchak,
Leonard e Greene, 1998). Felizmente, os pesquisadores também observaram que o há-
bito de beber muito na faculdade não prevê que comportamento semelhante obrigato-
riamente se mantenha após a faculdade. Os estudantes tendem a parar de beber muito
mais cedo do que indivíduos que não estudam - amadurecendo e abandonando o abuso
perigoso de al'cool antes que se torne um problema a longo prazo (NIAAA, 2006; White,
Labouvíe e Papadaratsalds, 2005).

Perguntas frequentes sobre


a carreira em psicologia da saúde
á abordamos como as visAões sobre a natureza da doença e da saúde mudaram
no decorrer da história, examinamos tendências que ajudaram a moldar o novo
campo da psicologia da saúde e discutimos as várias perspectivas teóricas a partir
âIas quais os psicólogos da saúde trabalham. Porém, talvez você ainda tenha questões
a respeito da proñssão da psicologia da saúde. A seguir, algumas respostas para as
perguntas mais frequentes.

O que fazem os psicólogos da sau'de?


Como todos os psicólogos, os psicólogos da saúde podem trabalhar ›c9,_p_f~mo ro esis_0_res,_
cientistaspesquzisaqiíores elou clínicos. Como_professo_res,rtrreinam Ve_stwud_antes erm camp_os

l Pensamento negativo
I Predísposição
l Crenças autoderrotistas
genética

l Sensíbilidade
ao álcool

MECANISMOS BIOLÓGICOS PROCESSOS PVSICOLÓGICOS


x

l Situações estressantes
l CuIIuralambiente que promove
a bebida excessiva Abuso de álcool rg___________Fiura
1.5
l Cultura Indmdualista que incen-
uva a culpa pelo fracasso pessoal í Modelo biopsicossocial do abuso de álcool o
COMPORTAMENTO abuso de álcool deve ser compreendido em trés
i

INFLUENCIAS SOCIAIS Ê contextos: biológico, psicolog'ico e socia|.


PA RT E 1 Fundamentos da psicologia da saúde

relacionados com a saúda como a psicolog1'a, a h'sinlcrapia c a mcdic1'na.Con1o p05qui-


sadores, idcntiñmm os proccssos psicológicos que conlribuem pnra a saúde c a doença,
ínvcstigam questóes relacionadas com 0 porqué de us pessoas adotarcm pmticas quc
não são saudáveis c avaliam a efetívidadc dc dctcrminadas intcrvençócs lcrd'péL|tÍC.15'_
Os psicólogos da saúde estão na vanguurda da pcsquism teslando o modclo
biopsicossocial em inúmerus áreas, incluindo doença de Alzheimen HlV/aids, adcsáo
a regimes de tratamento médíco e funcíonamento imunológico c proccssos patológi-
cos diversos. Visto que o modelo biopsicossocial foi desenvolvido primeiro para exP]¡-
car problemas de saúde, até pouco tempo a maioria das pesquisas se conccmrava nas
doenças e em comportamentos que comprometessem a saúde Entretanto, um m0-
vimento surgido na psicologia 11_Q ñnñal do século XX, Vcrhamardo _dc psic0__lgg__gta'_~osrt'iva,
está incentivando os psricólogos a declicarçm mraís_ ait_en›_ça'ro_ao/ rnfuggin_amle_n_rt.o_h__u__mano
saudável e adequNano (APA, 20ÍÕ). Ó ârrmbito dessas pesquisas - cobrindo tópicos tão
diversos quanto a felicidade, a rigidez psicológica e as características das pessoas que
vivem até uma ídade avançada - mostra claramente que 0 modelo biopsicossocial
orienta a maior parte delas (ver Cap. 6).
Os psicólogos da saúde clínicosÇ que em geral focalizam intervençóes visando à pro-
moção da saúde, são licenciados para a prátíca independente em áreas como psicologia
clínica e orientaçã0. Como clínicos, utilízam a ampla variedade de técnicas terapêuticas,
educacionais e de avaliação diagnóstica exístentes na psicologia para promover a saúde
e auxiliar os doentes físicos. As abordagens de avaliação com frequéncia envolvem me-
didas do funcionamento cognítivo, avaliação psicoñsiológica, pesquisas demográñcas e
anal'ises do estilo de vída ou da personalidade. As intervençóes podem envolver manejo
do estresse, terapias de relaxamento, biofeedback, educação sobre o papel dos processos
psicológicos na doença e intervenções cognitivo-comportamentais. As intervenções não
se limitam àqueles que já estão sotrnendo de um problema de saúde. Indivíduos saudá-
veis ou em risco podem aprender comportamentos saudáveis preventivos.

Onde trabalham os psicólogos da saúde?


Tradic1'onalmente, nos Estados Unidos, a maioria dos psicólogos aceitava posições
de ensíno ou pesquisa em universidades e faculdades. As oportunidades de emprego
para psicólogos da saúde com habilidades de pesquisa ou aplicadas também incluem
trabalhar em agências governamentais que fazem pesquisa, como os NIH e os Centers
for Disease Control and Preventi0n."
Em cenários médicos, os psícólogos da saúde ensinam os proñssionais da saúde,
fazem pesquisa, envolvem-se no desenvolvimento de políticas públicas sobre o cuida-
do de saúde e prestam uma variedade de outros servíços. Eles ajudam os pacientes a
lidar com doenças e a ansiedade associada a cirurgias e outras intervenções médicas,
além de intervirem para promover a adesào dos pacientes a regimes médicos compli-
cados. Nesse sentid0, os psicólogos da saúde clínícos trabalham em equipes hospita-
lares interdisciplinares. Como parte de um novo mo_del<L_d_eNC1udad'_____ggdomter'0, essas
equipes ajudam a melhorar os resultados do tratamento médico e a reduzir os custos e
representam um modelo de sucesso para sistemas de saúde futuros (Novotney, 2010).
Além disso, os programas de residência médica nos Estados Unidos têm, h0je,
um mandato Claro para melhorar a formação médica em áreas como a sensibüidade e
a resposta à cultura, à idade, ao género e às deñciêncías dos pacientes. Cada vez mais,
os psicólogos da saúde estão ajudando os médicos a se tornarem melhores 0uv1n'tes
e comunicadores (Nov0tney, 2010). Como veremos, esse mandato advém das evi-

' N. dc R.T.: Psicologia da saúde é uma cspecialidade não existcnle no Bras-11'. Os psicólogos que trabalham com as
qucslóes rclacion.1d.1› .1' saúdc e à doençd sào os pshsólogos clínícos ou os hosp1'talares, embora não necessariameme
demru do arcabouço tcoricu .'1prescntado neste livm
" N. du R.T.: No BrasiL a assm:í3ç;10 é com as Secretarias da Saúde e o Minístério da Sau'de.
CAPÍTULOI Introdução à psicologia da saúde

dêncías crescentes de que essc tipo de cuidado rcsulta em melhores resultados para a
saúde e ajuda a controlar os custos do tratamento (Novotney, 2010).
Os psicólogos da saúde também podem ser encontrados trabalhando cm 0rga-
nizações de saúde, tàculdades de medicína, clínicas de rcabilitação e consultórios par-
ticulares (ver Fig. 1.6). Um número crescente de psicólogos da saúde também pode
ser encontrado no mundo corporativo, no qual orientam empregadorcs e trabalha-
dores em díversas questões relacionadas com a saúde Tumbém ajudam a estabclecer
intervençóes no local de trabalho para auxiliar os empregados a perder peso, parar de
fumar e aprender formas mais adaptatívas de administrar o estresse.

Como se tornar um psicólogo da saúde?*


A preparação para uma carreira em psicologia da saúde normalmente requer um di~
ploma superior em algum dos inúmeros programas educacionais disponíveis. Certos
estudantes matriculam-se em escolas de enfermagem ou medicina e se tornam enfer-
meiros ou médicos. Outros recebem treinamento para as demais proñssões da área
da saúde, como nutrição, ñsioterapia, servíço sociaL terapia ocupacional ou saúde
pública. Um número crescente de graduados interessados continua na pós-graduação
em psícologia e adquire as habilidades em pesquisa, ensino e intervenção que já men-
cionamos. Aqueles que esperam prestar serviços diretos aos pacientes em geral obtêm rmu trabalham os psicólogos
da saúde2 Além de trabalharem
sua formação em programas de psicologia clínica ou de aconselhamento.
em faculdades, universidades
Muitos estudantes que desejam uma carreira em psicología da saúde começam e hospitais, os psicólogos
com a formação geral em psícologia no nível de graduação e recebem treinamento es- da saúde atuam em muitos
pecializado nos níveis de doutorado. Devido à orientação biopsicossocial da psicolo- outros Iocais, incluindo

gia da saúde, os estudantes também são íncentivados a cursar disciplinas em anatomia organizações de saúde,
escolas de medicina, clínicas
e ñsiologia, psicopatologia e psicologia social, processos de aprendizagem e terapias de reabílitação e consultórios
comportamenta1's, psicologia comunitária e saúde pública. independentes. Um número
A maioria dos psicólogos da saúde acaba obtendo 0 grau de doutor (ph.D.) em crescente desses psicólogos
psicologia. Para chegar ao doutorado em psicologia, os estudantes completam um pode ser encontrado em Iocais

programa de 4 a 6 anos, ao ñnal do qual realizam um projeto de pesquisa 0riginal. Os de trabalho, onde oríentam
empregadores e trabalhadores
programas de doutorado em psicologia geralmente proporcionam um pouco mais
em uma variedade de questões
de experiência clínica e disciplinas clínicas, mas menos treínamento e experiência em relacionadas com o trabalho.
pesquisa do que os outros programas de doutorado. Fonte: 2009 Docroral Psychology
Workforce Fast Facts. Washington, DC:
A pós-graduação em psícologia da saúde costuma ter por base um currículo que American Psychological Association.
cobre os três domínios básicos do modelo biopsicossociaL O treinamento no domínio
biológico inclui disciplinas em neuropsicología, anatomia, ñsiologia e Outros 3%
psicofarmacologia. O treinamento no domínio psicológico inclui dis- Empresas/
ciplínas em cada um dos príncípais subcampos (biológico, evolutivo, governo 7%
personalidade, etc.) e perspectivas teóricas (sociocultural, cognitíva,
comportamentaL neurociêncía, etc.). E 0 treinamento no domínio so-
Consultórios
cial concentra-se em processos de grupo e maneiras pelas quais grupos
O\utros particulares 4600
X
diversos (família, étníco, etc.) influencíam a saúde de seus membros. serviços 10%

Após a formação no nível de pós-graduaçào, muítos psicólogos da


Hospitais 12%
saúde cursam dois ou mais anos de formação especializada, na forma
de um estágio em um hospitaL uma clínica ou outro ambiente médico.
Alguns defendem que esse treinamento deveria culminar em uma certi- Educação 22%

ñcação de psicólogos da saúde como proñssionais da atençào primária


em saúde (Tovían, 2004, 2010).

' N. de R.T.: No BrasiL a fonnação do psico'logo, no nívcl da graduação, é generalista e tem cinco anos dc duraçâo.
Seu término permitc o ingrcsso do proñssional no mercado de trabalho. Muitas faculdades ofcrecem discíplínas nas
áreas dc saúde, embora a mais comum seja a psicología hospítalan Há cursos de po's-graduação lato e stricto senso
cm psícologia hospimlan saúde pública, saúde colcu'va, psicología da saúde, entre 0utros. O conselho cheral de
Psicologid conlelre 0 titulo de Especíalistd cm Psícología Hospitalan scgundo critérios dcñnidos pelo CFR acessávels'
pelo wcbsirc http://www.pol.org.br.
24 PARTE 1 Fundamentos da psicologia da saúde

ERevisão sobre saúde


Responda a cada pergunta a seguir com base no que 2Í Como a saúde gcral da população em sua escola
aprendeu no capítulo. (DICA: Use os itens da Sínte- se bcneñcia quando difercntcs coxncxtos. siste-
se para consíderar questóes bíolo'gicas, psicológicas mas, modelos e teorias sobrc a samdc sào consi~
e sociaís). derados?
1. Considerando como as visóes da saúde mudaram Seu amígo Tran está pensando cm seguír carreira
ao longo do tempo, qual sería uma boa descríção em psicologia da saúd6. Que conselhos gerais
da saúde para um indivíduo hoje? Como 0 gêne- vocé daria c como sugcriría que escolhesse uma
ro, a cultura e a prátíca da saúde intluenciam sua carreira especíñca no campo?
descrição?

Síntese

OLA saúde é um estado de completo bem-estar físíco, resultado de um vírus, bactéria ou outro patógeno
mental e social. Os objetivos especíñcos da psicolo- que invade o corpo. Uma vez que não faz qualquer
gia da saúde são promover a saúde; prevenir e tratar menção a fatores psicológicos, sociais ou comporta-
doenças; investigar 0 papel de fatores comporta- mentais na doença, o modelo adota o reducionismo
mentais e sociais na doença; e avaliar e aperfeiçoar e o dualismo mente-corpo.
a formulação de polítícas e serviços de saúde para Sigmund Freud e Franz Alexander promoveram a
todas as pessoas. ideia de que determinadas doenças poderiam ser
causadas por conflítos inconscientes. Essa visão foi
expandida para o campo da medicina psicosso-
Saúde e doençaz Iições do passado
mática, que diz respeito ao tratamento e diagnós-
2I Nas mais antigas culturas conhecidas, acreditava~se tico de transtornos causados por processos mentais
que a doença era resultado de forças místicas e es- deñcientes. A medicina psicossomática de1x'ou de
pírítos malignos que invadiam o corpo. Hipócrates, ser favorecida porque se baseava na teoria psica-
Galeno e outros estudiosos gregos desenvolveram nalítíca e postulava a ideia obsoleta de que um
a primeira abordagem racional ao estudo da saúde único problema é suñciente para desencadear uma
e da doença. As formas não ocidentaís de cura, in- doença.
cluindo a medicina oriental tradicional e a ayurveda, A medicina comportamental foi um subproduto
desenvolveram-se de forma simultânea. do movimento behaviorista na psicologia norte-
Na Europa, durante a Idade Média, os estudos -americana. Essa medicina explora o papel do com-
cientíñcos do corpo (sobretudo a dissecação) eram portamento aprendido na saúde e na doença.
proibidos, e as ideias a respeito da saúde e da doença
tínham implicações religiosas. A doença era consi- Perspectiva biopsicossocial (mente-corpo)
derada uma punição por algum mal cometido, e o
tratamento frequentemente envolvia algo que acar- 80 Os psicólogos da saúde abordam o estudo da saúde
retava tortura física. e da doença partindo de quatro perspectivas prim-
O ñlósofo francés René Descartes desenvolveu sua cipais, as quais se sobrepõem. A perspectiva do
teoria do dualismo mente-corpo - a crença de que curso de vida concentra sua atenção na maneira
a mente e 0 corpo são processos autônomos, cada como alguns aspectos da saúde e da doença va-
qual sujeito a diferentes leís de causalidade. Du- riam com a idade, assím como as experiências de
rante a Renascença, a influência de Descartes abriu uma mesma coorte de nascimento (c0mo mudan-
caminho para uma nova era na pesquisa médica, ças em políticas públicas de saúde) influenciam a
fundamentada no estudo cíentíñco do corpo. Essas saúde.
pesquisas levaram às teorias anatómica, celular e dos 9. A perspectiva sociocultural chama atenção para
germes da doença. a maneira como fatores sociais e culturais, como
A visão dominante na medicina moderna é 0 mo- variações étnicas em práticas alimentares e crenças
delo biomédíco, o qual supõe que a doença seja o sobre as causas da doença, afetam a saúde.
C A P ÍT U L 0 1 lntrodução à psicología da saúde 25

10. A perspectiva de gênero chama atenção para dife- Perguntas frequentes sobre a
renças entre homens e mulheres no risco de deter~ çarreira em psicología da saúde
minadas doenças e condições, assim como em vários
comportamentos que possam comprometer ou con- 13~ OS pSÍCÓIOgOS da saúdc CStãO envolvidos sobretudo
tribuir para a saúde. em trés atívidadcs; e_ns_ino, persquirsa e intervenção
11. Aperspectíva biopsicossocial combína essas moda- ChhÍCfL EÍCS trabalham em diversos Cenáríos, in~
lidades, reconhecendo que forças biológicas, psico- cluindo hospitais, univcrsidadcs e escolas médicas,
lógicas e sociais agem em conjunto para determi- Organizações que Visam a manutenção da saúdà
nar a saúde e a vulnerabilidade de um individuo à clínicas de reabilitação, consultórios particulares e,
doença. cada vez mais, no local de trabalho.
12. Segundo a teoria sistêmíca, a saúde deve ser com- 14- A PrePaYaÇÃO Para uma carreíra em psicología da
preendida como uma híerarquia de sistemas, na Sãúde normalmente requer 0 grau de dOUt0r. A1-
qual cada sistema é composto simultaneamente de guns eStUdanteS entram Para a psicología da saúde
subsistemas menores e parte de sistemas maiores e a Partir da medicinm da enfermagem Ou de alguma
mais abrangentes. proñssão da área da saúde. Um número cada vez
maior de alunos matricula-se em programas de pós-
-graduação em psicología da saúde.

Terrmos e conceitos fundamentais


psicología da saúde, p. 3 teoria celular, p. 10 perspectiva biopsicossocial (mente-
saúde, p. 3 teoria dos germes, p. 10 -corpo), p. 13
trepanaçã0, p. 5 modelo biomédico, p. ll perspectiva do curso de vida, p. 15
teoria humoral, p. 7 patógeno, p. 11 coorte de nascimento, p. 16
epidêmico, p. 9 medicina psicossomática, p. 11 perspectíva sociocultural, p. 17
dualismo mente-c0rpo, p. 9 medicina comportamentaL p. 12 perspectíva de gênero, p. 18
teoria anatômica, p. 10 etiologia, p. 13 teoria sistêmica, p. 19

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