Você está na página 1de 202

Giovanni Novelli

3Araújo Macedo
e Galzuinda de
Ancestrais e Descendentes

Rainer Pfeiffer Novelli


2
Giovanni Novelli e Galzuinda de
Araújo Macedo

Uma história familiar em três Países

Rainer Pfeiffer Novelli


2022
Reunião de alguns descendentes de Giovanni Novelli e Galzuinda de Araújo
Macedo realizada em 2003 em Monte Santo de Minas. Filhos, netos e
bisnetos de Gaspar Novelli, João Novelli e Antônio Novelli.

Impressum
© 2022 Rainer Pfeiffer Novelli.

Este livro é dedicado ao resgate e à preservação da história da familia Novelli de Calcinaia e da família Araújo
Macedo de Minas Gerais e São Paulo.
Ele não tem fins comerciais.

Contato:
Rainer Pfeiffer Novelli
Schwangauer Strasse 16, 87629 Füssen, Alemanha
Email: rainer.p.n@gmail.com

Pesquisa: Rainer Pfeiffer Novelli e Lukas Pfeiffer Novelli


Layout: Rainer Pfeiffer Novelli
Impressão: mybuchdruck.de

Imagem de capa: A Torre Fiorentina de Castelfranco di Sotto (século XIII) por volta de 1960.
Imagem na folha de rosto: Escudo da familia Novelli de Florença (1696 na igreja San Pietro a Sieve de
Scarperie e San Piero, FI), que equivale ao escudo dos Novelli de Castelfranco di Sotto.

4
A meu pai Luiz Antônio Novelli
Das Kloster Steingaden um 1550 Stich von Caspar Amordt und Georg Andreas Wolfgang von 1664.

Índice
. 1

Primeira Parte A história da família Novelli


3
Novello Pacini Santa Croce e le 30
Stefano Pacini e o novo 47
o velho . 58
Gaspero Gaetano Novelli no i Ronchi . 79
do meio 101
. 119
139
o novo . 157

Segunda Parte A história da família Macedo


As origens em Bragança, Portugal. 195
Os Macedo da Granja 212
219
Os Macedo de Santo Tirso 228
Os Gomes de Santo Emili 235
.. 249
264
274
Os Macedo em São Gonçalo do Sapucaí, Minas G 300
Os ancestrais de Mariana Clara Rosa Joaquina de Abreu 308
318
Terceira Parte A história da família Araújo
Os Araújos e suas origens em Póvoa 327

Botelhos, Rochas, Távoras & Co. 348


Ferreira Távora e Paes Chaves 364
368
Os ancestrais de Luiza Maria de S. Joaquim - 383
405

Quarta Parte A história da família Araújo Macedo


Os Abreu Macedo em São Gonçalo do Sapucaí 1820- 418
Os Araújo em São Gonçalo do Sapucaí 1820- 429
Os Araújo Macedo no Estado de São Paulo 1830- 436
Antônio Julio 446

Quinta Parte Pequenas biografias dos filhos de Giovanni e Galzuinda 457

Sexta Parte Árvores genealógicas dos descendentes de Giovanni e Galzuinda 470

Setima Parte Lista de descendentes de Giovanni e Galzuinda 472

2
Prefácio

Alte Katasterkarte mit dem Lech und dem Steingadener Ortsteil Riesen, wo die Geisenberger herkommen.

Johann Moritz Rugendas, gravura de uma lavra de ouro com Vila Rica ao fundo por volta de 1820,
época em que os Araújo ainda viviam nas redondezas como mineradores.

Este livro é dedicado em primeira linha aos descendentes de meus bisavós Giovanni
Novelli e Galzuinda de Araújo Macedo, que nasceram respectivamente em 1855 em
Calcinaia, Toscana, Itália e em 1872 na cidade sul-mineira de São Gonçalo do Sapucaí,
Brasil. Eles se casaram em 1888 em São José do Rio Pardo, Estado de São Paulo.

Giovanni e Galzuinda têm hoje mais de 300 descendentes em todo o Brasil, no México,
nos USA, Canadá e na Europa. Naquele breve tempo de apenas poucos anos em que
viveram juntos na pequena cidade de São José do Rio Pardo, criaram inúmeras
existências individuais.

Este livro resgata suas raízes brasileiras, italianas e portuguesas e esboça como eles e
seus ancestrais viveram. Além disso retrata alguns descendentes de Giovanni e
Galzuinda além de tentar reunir o máximo possível de dados dos seus descendentes,
algo nada fácil visto que algumas linhas dos Novellis se perderam de vista faz quase um
século.

Além dos descendentes diretos de Giovanni e Galzuinda, outras famílias aparentadas e


descendentes de seus ancestrais também podem ter interesse por este trabalho, visto
que agreguei nele muitas informações sobre parentes de nossos ancestrais.

1
Netos e bisnetos de Luiz Antônio Novelli em 2021 em
Füssen na Alemanha. Luiz Antônio foi um de ao
menos 41 netos de Giovanni e Galzuinda.

Esse trabalho nunca estará pronto, visto que sempre haverá algo que poderá ser
acrescentado, tanto na genealogia como na árvore dos descendentes de Giovanni e
Galzuinda. Mas mesmo assim, este livro tenta fixar um marco na memória dos
familiares, para que a história familiar não seja esquecida e para que nós possamos
definir e reforçar nossa identidade, tanto italiana quanto portuguesa e brasileira.

Neste mundo cada vez mais globalizado e no qual o tempo parece correr cada vez mais
rápido, possuir uma identidade nos ajuda a nos orientar no tempo e espaço e nos dar a
fé, de que somos parte de algo maior do que nossas vidas individuais. Somos parte de
uma grande familia. Temos centenas de parentes que descendem desse casal que se
casou por volta de 135 anos atrás e temos milhares de parentes espalhados no mundo
todo, formando uma rede invisível de relacionamentos.

una famiglia grande


centenária. Cavaleiros medievais, camponeses, padres, navegantes, comerciantes,
imigrantes, oficiais, mi
incríveis com a gama de pessoas existente entre nossos ancestrais. Espero que este livro
encontre leitores interessados e que ele ajude as gerações futuras a se conhecer melhor
e a se lembrar de nossa rica história.

Dedico este livro a meu pai Luiz Antônio Novelli, artista plástico, historiador e escritor,
que faleceu em 2021 com 84 anos de idade. Mesmo não tendo visto o livro pronto, ele
vibrava com todo achado na pesquisa genealógica e se entusismava infinitamente pela
história da nossa família. A ele devo meu interesse não só pela genealogia, mas pela
história em geral.

O bisneto de Giovanni e Galzuinda

Rainer Pfeiffer Novelli


Füssen, Alemanha. Abril de 2022

2
A cidade de Florença, capital da Toscana.

As origens da família Novelli em


Castelfranco di Sotto na Toscana

Nossa família NOVELLI

Nossa família Novelli descende do italiano Giovanni Battista Novelli, nascido em


1855 em Calcinaia na Província de Pisa na Toscana, que na época ainda era um
grão-ducado. Ele emigrou por volta de 1880 para o Brasil, onde se fixou em São
José do Rio Pardo e se casou com a brasileira Galzuinda Maria de Araújo Macedo.
Assim também somos italianos. Visto que Giovanni não se naturalizou brasileiro,
nós descendentes podemos atravéz dele obter a cidadania italiana e deste modo
até mesmo viver na sua antiga pátria, que deixou a 140 anos atrás. Alguns poucos
de nós o fizeram, mas a grande maioria dos Novelli optou em continuar no Brasil,
brasileiros como somos. Alguns outros se aventuraram mundo afora. E quem sabe,
passados mais outros 140 anos, onde estaremos?

3
Giovanni Novelli com
aproximadamente 30
anos de idade.

Mas com cada geração que se passa, perde-


se um pouco da linda história da nossa fami-
lia. Muitos de nós já estão se esquecendo de
que Giovanni e Galzuinda existiram, visto
que já somos em parte seus netos de quinta
geração. Estamos esquecendo até mesmo
quem foram os cinco filhos de Giovanni e
Galzuinda: Gaspar, Valentim, João e Antônio,
sem falar da filha Ada, que ficou na Itália.
Alguns desses filhos já faleceram a 50 ou
mais anos atrás e já estão correndo perigo
de igualmente serem esquecidos por seus
descendentes. Nenhum dos descendentes
vivos de Giovanni sabe quantos nós somos
ao todo, e onde estamos. A familia vai se
espalhando e vão se perdendo os laços
invisíveis que a uniam antigamente. Esse é
um fenômeno natural, mas pode ser evitado
a tempo. Durante minha pesquisa notei que eu sou um dos bisnetos mais novos de
Giovanni e Galzuinda, visto que sou o caçula do (quase caçula) do caçula deles.
Assim, junto ao fato de que vivo na Europa e posso ir à Italia com maior facilidade
que meus primos, vejo quase como minha tarefa tentar coletar o máximo de
informações sobre estes nossos antenati.

Por quê se interessar por aqueles que já


estão mortos e enterrados a tanto tem-
po? Na minha opinião, saber de onde
viemos nos dá identidade e nos
posiciona na história do mundo do qual
fazemos parte. É como ter uma casa, um
endereço. Vemos assim que fazemos
parte de algo muito maior do que o
breve período de tempo em que
estamos vivos. Conhecer os nomes, seus
destinos, as suas alegrias e dores nos
alivia nosso próprio destino. Saber que
nossa história começou a séculos atrás,
diminui nossos egos. Abre nossos
corações para os que aqui passaram e
aos quais devemos nossa existência.

Meu filho Lukas Pfeiffer Novelli


durante a pesquisa em Santa
Maria a Monte em 2013
4
A genealogia é uma ciência
onde com muito trabalho se
vai descobrindo as pistas
que nossos ancestrais
deixaram no tempo e espaço
e se vai pouco a pouco
desvendando a história da
familia. Um verdadeiro
quebra-cabeça.

Rainer em 2012 com um


livro de mais de 500 anos de
idade no arquivo histórico
de Castelfranco di Sotto.

A história de nossa familia Novelli é antiquíssima e linda. É uma história de homens


e mulheres simples, de pessoas honestas, trabalhadoras, que passaram muitas
vezes por dificuldades sérias como epidemias de peste, fome, guerras e enchentes.
Que sustentaram suas familias em épocas difíceis e que por final conseguiram
sobreviver e dar continuidade à corrente de vida da qual todos nós fazemos parte -
do infinito ao infinito.

Podemos considerar muitas cidades nas províncias italianas de Pisa, Lucca, Florença
e Pistoia como cidades ancestrais nossas por exemplo, temos ancestrais de
Calcinaia, Bientina, Pontedera, Ponsacco, Spianate, Castelfranco, Buggiano, Cevoli,
San Giovanni alla Vena, Vicopisano, Santa
Croce, Montecalvoli, Monte Vettolini,
Florença e ainda outras. A maioria dessas
cidades fica a menos de 10 km de Santa
Maria a Monte. E entre essas localidades,
nossas famílias ancestrais estão
concentradas nas três cidades de Bientina,
Calcinaia e Santa Maria a Monte. Portanto,
vamos nos concentrar nessas três cidades
no curso da história dos Novelli. Além
destas, levaremos especialmente
Castelfranco em consideração durante a
Idade Média, já que nossa família ancestral
dos Pacini-Novelli se mudou de lá por volta
de 1545 para Staffoli em Santa Croce.

Porta de uma casa na Fattoria (fazenda)


dos Medici na Pianora, em Santa Maria
a Monte, onde os Novelli viveram entre
1630 e 1700.
5
Mapa com a nossa região ancestral por volta de 1600. Desenho de Rainer P. Novelli.

ONDE SE ORIGINOU A FAMILIA NOVELLI

Bientina e Calcinaia, duas de nossas cidades ancestrais principais, distam apenas


três quilômetros uma da outra e estão a 20 km de distância de Pisa a oeste, e
igualmente a 20 km de Lucca a noroeste. A terceira cidade mais importante em
nossa história, Santa Maria a Monte, está situada a cerca de seis km a leste de
ambas, em uma colina de Cerbaie. Montecalvoli fica entre Calcinaia e Santa Maria a
Monte, também sobre uma colina. A alguns quilômetros a leste de Santa Maria a
Monte está Castelfranco di Sotto e novamente a poucos quilômetros dessas cidades
está . Assim, poderíamos visitar quase todas as nossas cidades
ancestrais mais importantes a pé em apenas um dia. Hoje é difícil traçar uma linha
divisória entre elas, pois todas essas cidades têm cerca de 10.000 habitantes e qua-
se todas se aglutinaram e estão crescendo juntas fazendo hoje parte da região
metropolitana de Pisa. Mas antes, especialmente na Idade Média, elas tinham o
aspecto de pequenas fortalezas, cada uma delas habitada por várias centenas de
pessoas e com um forte senso de identidade própria. A identificação com a cidade
era tão grande que até levou a guerras umas contra as outras.

6
Nossa regiâo ancestral na Toscana.
À esquerda vemos Lucca e Pisa,
as grandes potências medievais que
dominavam esta área.
É uma região de alta
concentração de his-
tória, e de grandes
artistas, escritores e
cientistas. Já na anti-
guidade, o general
cartaginense Aníbal
perdeu um olho ao
atravessar com seus
elefantes de guerra os
pântanos de Bientina
a caminho de Roma.
O escultor medieval
Andrea Pisano nasceu
na próxima Pontedera. O genial artista e arquiteto Brunelleschi construiu o burgo
de Vicopisano, logo ao lado de Calcinaia. Leonardo da Vinci nasceu pertinho de
nossa região ancestral e por volta de 1500 trabalhou no planejamento da mudança
do curso do rio Arno em Calcinaia e Bientina. A familia Bonaparte da qual descende
Napoleão veio de San Miniato, O pai de Galileu Galilei nasceu em Santa Maria a
Monte e sua mãe era de familia tradicional de lá. Machiavelli escreveu
pessoalmente os estatutos da cidade de Montopoli, vizinha de Castelfranco. A

vamos nos concentrar na nossa história familiar.


Vista de Vicopisano em uma pintura de Giorgio Vasari de 1500.

7
A cidade de Altopascio, próxima a
Santa Maria a Monte, de onde também
temos ancestrais aqui era o centro
da importante Ordem dos Cavaleiros
do Tau na Idade Média

Como nós podemos


levar nossa linha
ancestral dos Novelli até
por volta de 1300,
começaremos nossa
história na Idade Média.
É bom saber que a Itália
assim como a
conhecemos política- e
geograficamente é
relativamente nova. Ela é
fruto do movimento de
unificação italiano surgido na primeira metade do século XIX, onde o herói Giuseppe
Garibaldi (que foi casado com uma brasileira) teve um papel decisivo. Antes disso as
pessoas se viam mais como toscanos, lombardos ou do Veneto do que como italianos.
A identidade nacional italiana se formou faz pouco tempo.

Até 1850 a Itália era fragmentada em inúmeros estados relativamente independentes


entre si. Esses feudos surgiram depois que o império romano ruiu por volta de 350 d.C.,
e cada bispo, cada barão ou cada cidade maior passou a se administrar por sí mesmo.
Na nossa região ancestral houve algumas dinastias de nobres que possuiram terras,
como os Uppezinghi em Calcinaia (dos quais ainda resta uma torre fortificada no centro
da cidade) ou os condes Cadolingi de Fucecchio. Mas com o tempo o poder foi
passando cada vez mais para as poderosas cidades-Estado de Pisa, Lucca e Florença,
que souberam aumentar e firmar seu poder cada vez mais no vale do Arno.

Até o ano 1000, relativamente poucas pessoas viviam em nossa área ancestral. Naquela
época, não havia cidades aqui, apenas algumas pequenas aldeias e povoados isolados.
Naquela época, todos os moradores
dessa área eram nossos ancestrais e
seus parentes. Entre 900 e 1200, a
população da Europa dobrou, um
desenvolvimento que certamente
também pôde ser observado no vale
do Arno. Na baixa Idade Média, por
volta de 1300, certamente temos
milhares de ancestrais na área do basso
Val d´Arno, mesmo se levarmos em
conta a perda ancestral, o fenômeno do
encolhimento do número de ancestrais

O norte da Italia por volta de 1300 com


8 seus inúmeros feudos e com uma seta

isa, Lucca e Florença.


que ocorre quando diferentes linhas ancestrais convergem para os
mesmos antepassados, o que aconteceu comprovadamente entre os
nossos ancestrais das familias Morelli, del Rosso, Fornarola, Gandolfi,
Ceccharini, Cavallini, di Sasso e di David, das quais descendemos duas
ou mais vezes.

Infelizmente, não podemos encontrar nossos ancestrais anteriores a


1500 nos registros das igrejas, pois estes começam por volta de 1540
em nossa área. Temos que procurá-los nos documentos mais antigos
dos arquivos municipais que começam por volta de 1350. Mas os
documentos ainda são muito escassos e tem muitas lacunas durante a
Idade Média. Por volta de 1400, nem todas as famílias tinham um
sobrenome fixo, o que torna a pesquisa muito difícil ou até mesmo
impossível. Naquela época, como as comunidades eram pequenas e
todos se conheciam, se reconhecia alguém pela designação de seus
pais, o que chamamos hoje de patronímicos. Por exemplo, quando se
falava de um Domenico, se dizia Domenico di Francesco, citando seu
pai para distinguí-lo dos outros Domenicos que viviam na cidade.
Como todos se conheciam e todos sabiam quem era o Domenico
filho do Francesco, não havia confusão com os outros. Este Domenico
também poderia ser chamado de Domenico Franceschini. E o seu pai,
por ser filho de um Agnolo, era o Francesco Agnoli. É como em Portu-
gal com os patronímicos Henriques (filho de Henrique), Fernandes (do
Fernando) ou Gonçalves (do Gonçalo) etc. Com algumas exceções, os
sobrenomes mudavam a cada nova geração até que chegaram a se
fixar definitivamente por volta de 1400 e a partir daí geralmente não
mudaram mais, com a rara exceção de nossos Novelli, que antes de
1680 se chamavam Pacini.
Abaixo: Pacino de Pardino em lista de impostos de Castelfranco de 1400 e acima: nossa linha patrilinear de Castelfranco

9
A cidade de Pisa por volta de 1500. Note-se as Casas-torre medievais, onde residiam os nobres.

PISA, LUCCA e FLORENÇA

As duas cidades-Estado mais importantes para nós na Idade Média são primeiramente
Pisa, que controlava Calcinaia, Bientina e Vicopisano e também Lucca, que controlava
Santa Maria a Monte, Castelfranco e Santa Croce. Essas duas cidades estão separadas
geograficamente pela serra dos Monti Pisani que formavam uma fronteira natural entre
os seus estados. Ambas cidades distam em torno de 20 quilômetros de nossa região
ancestral, podendo assim ser alcançadas em apenas um dia de caminhada.

Pisa foi durante a Idade Média uma poderosa potência marítima e tinha postos
comerciais e colônias em todo o Mediterrâneo e até mesmo no Mar Negro. E Lucca foi
uma poderosa potência mercantil e industrial, detendo o monopólio da produção de
sêda na Europa durante toda a Idade Média. Ambas cidades tinham em torno de 25.000
a 30.000 habitantes por volta de 1300, sendo assim em têrmos populacionais
metrópoles para a época. Nossas cidadezinhas ancestrais por sua vez tinham em
comparação apenas algumas poucas centenas de habitantes. Santa Maria a Monte, a
maior entre elas, tinha entre 700 a 1000 habitantes.

Entre as cidades quase não havia povoados, pois durante a Idade Média a vida fora das
muralhas de proteção era perigosa demais para os camponeses.

10
Pisa (acima à esquerda), Lucca (à direita) e Florença (abaixo) em gravuras medievais.

Mesmo Pisa e Lucca tendo algumas vezes forjado alianças para juntas guerrearem um
inimigo comum, como fizeram com os árabes saracenos que aterrorizavam a região por
volta do ano 1000, elas eram grandes rivais e ambas fortificaram suas cidades-posses
para assegurarem seu domínio contra a respectiva inimiga. Assim, entre 1100 e 1250,
Pisa fortificou Bientina, Vicopisano e Calcinaia e Lucca as nossas outras cidades
ancestrais com muralhas, fossas, torres e pontes. Santa Maria a Monte, por estar
estrategicamente bem localizada no alto de uma colina, e ter tido 3 cintas de muralhas,
era considerada inexpugnável na época.

11
Savonarola sendo queimado em
Florença em 1498.

Lucca, de início na
desvantagem ante à potência
rival pisana, acabou por fazer
um pacto com a cidade-
Estado de Florença para
poder se defender melhor
contra Pisa. Ambas, Lucca e
Florença eram do partido dos
Guelfos e Pisa era da facção
Gibelina. Estes dois partidos,
um apoiando o Papa e o
outro apoiando o imperador,
foram os grandes opositores
políticos na Europa, e
principalmente na Italia, durante a Idade Média.

Mas fazer um pacto com Florença era como fazer um pacto com o diabo, pois essa
cidade, que dista uns 60 quilômetros de nossa região ancestral, sempre teve interesse
em conquistar cada vez mais terras para si e aumentar seu poder nessa área, que estava
no caminho para Florença ter acesso ao mar e com ele ao lucrativo comércio marítimo.
Florença era riquíssima por causa de seus negócios com linho, sêda, algodão, devido
aos seus artesãos e aos negócios bancários e tinha por volta de 100.000 habitantes,
sendo assim uma das maiores cidades da Europa na época.

No decorrer dos séculos XIII, XIV e XV nossas cidadezinhas ancestrais foram várias vezes
conquistadas ora por uma, ora por outra destas três cidades-Estado, sendo que no
início os conflitos eram mais entre Pisa e Lucca e no final deste período básicamente
entre Pisa e Florença. Por final foi Florença a grande vitoriosa na Toscana, conquistando
em 1327 Santa Maria a Monte e logo após, em 1331, Castelfranco e Santa Croce. Na
época, o prefeito de Castelfranco era Peratto di Novello, o provável patriarca da família
Novelli de Castelfranco. Em 1402 Florença conquista Bientina, e finalmente em 1509
Calcinaia, junto com a derrota definitiva de Pisa.

Os ancestrais de Giovanni Novelli se concentram principalmente nas cidades de


Bientina e de Santa Maria a Monte. É interessante fazer a seguinte dedução: a cada
geração duplica-se o número de antepassados: temos 2 pais, 4 avós, 8 bisavós e assim
por diante. E como podemos contar com centenas de antepassados nossos por volta de
1500 e essas cidadezinhas tinham na
época apenas entre 500 a 1200 habitantes,
podemos dizer que matematicamente, na
idade média (por exemplo na época da
peste negra de 1350) todos os habitantes
dessas cidades eram antepassados ou
parentes diretos nossos.

12 A peste negra de 1348 em


ima ilustraçâo da época.
A Porta Fiorentina em Castelfranco di Sotto.

CASTELFRANCO DI SOTTO

A nossa familia Novelli, que antes de 1680 ainda se chamava Pacini, vivia na Idade
Média na cidade de Castelfranco di Sotto. Essa cidade foi fundada pela Republica de
Lucca por volta de 1250 unindo quatro
aldeias da planície entre os rios Arno e
Usciana para fins de defesa de seu
território contra suas rivais Pisa e

O sobrenome Pacini 13
é bem toscano.
Castelfranco em um mapa antigo de 1400.
À esquerda sobre as colinas, vemos
Montecalvoli e Santa Maria a Monte.

Florença. Essas quatro aldeias originais, chamadas San Bartolomeo a Paterno, San Mi-
chele in Caprugnana, San Piero a Vigesimo e San Martino in Catiana, formaram a partir
de então quatro bairros próprios dentro da cidade que foi fortificada com uma alta
muralha e aberta por 4 portas que eram trancadas durante a noite para maior proteção
dos cidadãos.

Os nossos antepassados mais antigos podem ser rastreados atravéz dos


documentos mais velhos de Castelfranco, guardados no Archivio Storico local. Foi
nas listas de impostos, chamados de , que pudemos deduzir que por volta
de 1300 deve ter vivido um homem chamado
Matteo, que por sua vez teve um filho
chamado Cappuccio. Esses homens passaram
pela época das grandes guerras entre Pisa,
Florença e Lucca e pela peste negra de 1348
que assolaram nossa região ancestral.
Cappuccio teve um filho que chamou de Pa-
cino e este teve um filho chamado Pardino.

Imagem à direita: Em 1741 Giovanni Lami, um erudito


historiador escreveu um livro sobre fatos históricos de
Castelfranco e Santa Maria a Monte. Nas páginas 681 e
682 sâo citadas as familias tradicionais da cidade de
Castelfranco no final do século XIV. Entre elas estâo as
familias Pacini e Novelli, que já eram mencionadas nos
antigos livros da comuna por volta de 1390.

14
Lukas pesquisando no arquivo histórico de
Castelfranco, no qual há jóias arquivísticas que
datam de 1350. Para poder fazer esta pesquisa
obtivemos uma permissão especial do
Ministério da Cultura da Toscana.

Pouco sabemos destes homens, além


do fato de que existiram e foram
citados nos antigos documentos
municipais. E ao contrário das
gerações posteriores a partir de 1600,
existe sempre um pouco de uma
incerteza, se um foi realmente o filho
do outro, visto que não temos
registros de nascimento ou batizados
que comprovem a paternidade deles,
muitas vezes temos só o patronímico.
Assim podemos apenas nos basear em
probabilidades. Mas temos a sorte de
que havia apenas uma só familia com
o sobrenome Pacini em Castelfranco
entre 1400 e 1550, assim podemos
presumir que a linha deve ser como será descrita a seguir.

Nossos ancestrais Pacini de Castelfranco di Sotto


Podemos reconstruir a nossa linha genealógica dos Pacini de Castelfranco da seguinte
maneira:

1. Matteo ? nato aproximadamente em 1280 provavelmente em Castelfranco di Sotto,


província de Pisa, região Toscana, Itália. Sua existência só pode ser assumida com base
na menção de Cappuccio Mattei (Mattei = do Matteo) em elencos de cidadãos de
Castelfranco de aproximadamente 1380.

2. Cappuccio Mattei ? nato por volta de 1310 provavelmente em Castelfranco di Sotto.


Mencionado em documentos de Castelfranco de cerca de 1380.
Pode ser supostamente o pai do Pacino que segue.

3. Pacino (Cappucci?) nato aproximadamente em 1330 provavelmente em


Castelfranco di Sotto. Mencionado em documentos de Castelfranco de 1380-1400.

4. Pardino Pacini nato aproximadamente em 1360 em Castelfranco di Sotto.


Mencionado no índice do Estimo mais antigo de Castelfranco, por volta de 1400.
Infelizmente, faltam páginas neste Estimo, incluindo aquelas nas quais estavam
listadas as propriedades de Pardino.
5. Pacino Pardini nato aproximadamente em 1390 em Castelfranco di Sotto. Se casou
provavelmente com Mona (Senhora) Madalena di Gio Bongiani de Castelfranco. É
mencionado em vários Estimos de cerca de 1420 até cerca de 1440. Tinha um irmão
chamado Jacobus Pardini.
Pacinus Capucci em uma lista de ca. 1395.

15
6. Iacopo Pacini nato ca. 1430 em Castelfranco di Sotto. Mencionado em vários
Estimos. Tinha um irmão chamado Giovanni Pacini, notário da comuna de
Castelfranco, que foi o Capoccia (chefe da família) dos Pacini.
7. Piero Pacini nato ca. 1470 em Castelfranco di Sotto. É mencionado em vários
Estimos em torno de 1490-1520.

8. Iacopo Pacini nato aproximadamente em 1500 em Castelfranco di Sotto. Arrendou


em 1543 t
mudou para lá com sua família. Depois de 1548 não há mais Pacinis em Castelfranco.

9. Piero Pacini nato em 1541 em Castelfranco di Sotto. Morou no Lischeto desde ca.
1545. Não se pode excluir que nossa família tenha descendido de um irmão deste Piero
Pacini, como p.ex. Pacino (*1544) porque os documentos têm lacunas aqui. Ele
possivelmente foi casado com uma mulher da família Novelli de Castelfranco.

As Armas dos Franciosini, na Via Imagem acima: O Estimo mais antigo de Castelfranco, de 1400,
Matteotti 2, em Castelfranco. que menciona duas gerações de nossos ancestrais Pacini.

Imagem abaixo: Entrada lateral da antiquíssima igreja de Castelfranco

16
Acima: Uma lista de ca. 1395. Será que o Pacino Capucci foi o pai de Pardino Pacini? Pacino di
Pardino aparece várias vezes em registros de impostos de Castelfranco. O abaixo data de 1435

Abaixo podemos ver o Estimo de Castelfranco de ca. 1400-1420 com a parte de Pacino di Pardino.

17
Antonio di Francioso * ca. 1390 (de Prato?) Além dos Pacini temos
outras linhas ancestrais
muito antigas de
Castelfranco di Sotto.
Por exemplo nossa linha
ancestral Rossi, que pode
ser seguida em
Castelfranco até ca. 1350
com Taddeo di Domenico
di Ceccho Rossi e os
Franciosini (esquerda)
ou nossa linha dos
Cavallini, da qual
descendemos três vezes e
que pode ser seguida até
Michele Cavallini (1400).
Abaixo vemos a
proveniência dos antenati
de Gaspero Gaetano, o
bisavô de Giovanni No-
velli, o neto.

Ainda temos as
famílias Bracci e
Ceccharini de
Castelfranco.
Esta última acredito
descender de um
dos dois ou três
homens de nome
Ceccho que viveram
em Castelfranco por
volta de 1400.

Dos Ceccharini
descendemos duas
vezes atravéz das
filhas de Domenico,
Maria e Caterina.

Acima: um registro
de 1496 com um
patronínico
extremamente longo
atravéz do qual
podemos reconstruir
4 geracôes dos
18Rossi.
O Castello Franco = castelo livre. Plano da cidade de Castelfranco de 1600 com seu desenho
retângular medieval projetado por Lucca.

Os PACINI de Castelfranco

Até aqui no final da Idade Média a nossa familia não tinha um sobrenome próprio.
Estes foram só se formando
por volta de 1400 (algumas
familias só mais tarde
ainda). É por isso que não
conhecemos os
sobrenomes de
personalidades ilustres
como Leonardo da Vinci
só significa que
ele veio da cidade de Vinci)
ou do escultor Andrea Pisa-
no (oriundo de Pisa).

Torre medieval em
Castelfranco. 19
Ao lado: Árvore
genealógica de Piero
Pacini. Abaixo. Seu
nome em um registro de
ca. 1523.

Assim o Cappu-ccio
era conhecido
como Cappuccio
Mattei (de Matteo),
e seu filho Pacino
era Pacino
Cappucci (de
Cappuccio) e assim
em diante: o
Pardino se chamava
Pardino Pacini (=
filho do Pacino) e
seu filho, que também se chamou Pacino era Pacino Pardini (= filho do Pardino).
Esse hábito de ter como sobrenome o nome do pai se chama como
já vimos
Sâo Pedro em uma gravura
medieval de de Castelfranco
Mas foi agora, nessa quinta geração (contada desde o Mat-
teo) que os sobrenomes se fixaram. O filho de Pacino Pardini
se chamou Iacopo PACINI e viveu por volta de 1440 e a
partir de então todos seus descendentes se chamariam
PACINI, independentemente do nome do pai.

Esses homens dos quais infelizmente não sabemos os


nomes das esposas, pois as listas de impostos não falam
nada delas viveram todos em Castelfranco di Sotto,
morando dentro dos muros da cidade e trabalhando nas
suas lavouras entre o Arno e as colinas da Cerbaia. Naquela
época 90% dos habitantes de Castelfranco eram
camponeses, que viviam bem de seu trabalho. Tinham
poucos pertences, mas eram quase todos iguais e raramente
passavam fome. A cidade, quase independente do resto do
mundo, era organizada como uma grande familia e um
ajudava o outro em caso de necessidade. Plantavam cereais,

20
Homem batendo em um carvalho para que seus
frutos caiam para alimentar seus porcos.

legumes, feijão, frutas, oliveiras


para produzir azeite, amoreiras
para criar bicho da sêda e
cultivavam videiras para vinho.

Na cidade, nossos antepassados


exerciam funções voluntárias como
guardiães dos muros da cidade,
vigias dos campos, dos diques
contra inundações, e prestavam
serviços diversos para construção e
manutenção de estradas e sistemas
de defesa para a guerra. Uma
função importante era vigiar os
bosques da Cerbaia, fonte
importante de lenha e de
castânhas com as quais se alimentava os porcos e se fazia farinha (vide gravura acima).
Durante as guerras os soldados eram os próprios cidadãos que defendiam a cidade dos
agressores e quando solicitados tinham que mandar uma tropa para as batalhas da
Republica de Lucca, assim como cavalos, bois e mantimentos.

Houve muitas batalhas na nossa região


ancestral na Idade Média. Nossas
cidades ancestrais Castelfranco, Santa
Maria a Monte, Bientina, Calcinaia e
outras foram atacadas varias vezes,

À esquerda: Gravura da batalha de


Montaperti Siena contra Florença em 1260.

Abaixo: Mapa , as
cinco terras, designação antiga para essa
parte do Valdarno inferior (as cinco terras
eram: Fucecchio, Santa Croce, Castelfranco,
Santa Maria a Monte e Montecalvoli).

21
cercadas, assediadas, pilhadas e até mesmo incendiadas. Muitas vezes conseguiram
se defender dos agressores. Ora era Pisa, ora Florença e ora Lucca que vinha com
suas tropas, dependendo de quem detinha o poder no momento. Muitas vezes
vinha uma tropa inimiga, conquistava a cidade e no ano seguinte a cidade era
reconquistada pela republica anterior. Essa situação se manteve durante os séculos
XIV, XV e XVI.

Existem três quadros muito famosos do


importante pintor renascentista Paolo Uccello que
retratam uma batalha ocorrida quase na frente
das portas de Castelfranco em 1432. Neles
podemos ver como devia ser uma guerra naquela
época: A Batalha de São Romano.
O filho de Iacopo se chamou Piero Pacini que por
sua vez deu o
nome de Iacopo a
seu filho que por
sua vez pos o
nome de Piero ao
seu filho: Iacopo
Piero Iacopo
Piero. Esses são nossos antepassados que vieram entre
mais ou menos 1430 e 1550. Essa sucessão de nomes
era bem comum. Os italianos tinham uma regra na
época: o primeiro filho herdava o nome do avô paterno,
o segundo do avô materno, a primeira filha herdava o
Imagem ao alto: A Batalha de S. Romano de Paolo Uccello. Quadro de 1438 .

22 ão de
Iacopo Pacini sendo mencionado em 1436 em Castelfranco
Ao lado: Brasão dos Novelli de Castelfranco sobre um portal de uma casa
antiga da cidade na Via Matteotti 11. (ca. 1600).
nome da avó paterna e a segunda o da avó materna. Assim existe uma certa
continuidade nos nomes tradicionais da familia, muitas vezes passados de geração a
geração durante séculos. Além de Piero, o segundo Iacopo também teve o filho Pacino
e a filha Dorothea, todos nascidos em Castelfranco. Enquanto não sabemos quem foi o
padrinho de Piero, os outros dois filhos tiveram os irmãos Francesco e Agnolo di
Marcho Guerrazzi como padrinhos e a parteira Sandra como madrinha. Os Guerrazzi
foram uma importante família de Castelfranco.

A vida em Castelfranco na Idade Média


Como já vimos, a cidade de Castelfranco di Sotto havia sido projetada pela Republica
de Lucca por volta de 1250 por razões estratégicas militares. Desde o início o centro do
projeto foram a igreja e a prefeitura. Ambos os
edifícios ficavam no cruzamento das duas ruas
principais da cidade aos dois lados de uma
pequena praça central, a Badia, que também
era uma praça de feira. A prefeitura tinha um
alpendre de colunas abertas no térreo (uma
loggia), pois a maioria das reuniões públicas,
eventos e celebrações aconteciam abertas ao
público junto à praça central. E como a praça
principal ficava diretamente adjacente a esta
loggia, a administração da cidade lutava para
mantê-la limpa. Uma lei de 1569 proibia os
cidadãos de armazenar madeira na praça, ficar
aqui por um tempo excessivamente longo,
deixar sujeira ou até mesmo urinar.

Gravura acima: A praça central de Castelfranco,


23
Gravura à esquerda: Uma das antigas portas da
cidade de Castelfranco.
Essa galeria costumava oferecer a única proteção para os feirantes do mercado quando
chovia, assim podemos imaginar que a tentação de se acomodar aqui ou armazenar os
produtos na sombra da loggia era muito grande. Mas também a localização da igreja,
construída em 1284, era uma constante contenda entre o pastor e a administração da
cidade, já que a feira era tão barulhenta com suas barracas e vendedores que o barulho
perturbava as missas. Além disso, o eixo norte-sul e o eixo oeste-leste das estradas
principais se cruzam neste ponto, causando tráfego intenso. Carruagens puxadas a
cavalo, carretas carregadas de frutas, legumes, peixes e outros bens sacudiam nas ruas
pavimentadas de tijolos. Os cavalos relinchavam, os cocheiros xingavam, gritavam ou
cantavam, os cães latiam e as aves postas à venda faziam barulho nas bancas do
mercado. As ruas cheiravam a incenso da igreja, fezes, peixe, estrume de cavalo e de
gado, cheirava a comida e também a fumaça das chaminés das cozinhas das casas, mas
só raramente cheirava a flores ou ao perfume das mulheres de Castelfranco.

As muralhas da cidade eram feitas de tijolos e foram parcialmente destruídas em uma


devastadora inundação do rio Arno em 1333, mas foram logo recunstruídas e em 1424
ainda reforçadas. Elas se abriam em quatro portões que levavam às estradas que iam a
Santa Maria a Monte (oeste), Cerbaia e Staffoli (norte, onde também ficava o cemitério),
Santa Croce (leste) e Arno e Montopoli (sul). O Arno se atravessava com uma balsa. A
família que teve essa tarefa recebeu o sobrenome Pontanari (algo como o Ponteiro) e
acumulou uma grande fortuna ao longo
dos séculos. Como vimos, a forma
quadrada da cidade também formou
quatro bairros que correspondiam às
quatro aldeias originais.

Ao lado: Giovanni Lami menciona em


seu livro de 1741 que após a epidemia
de peste de 1348 sobreviveram apenas
150 ou até menos habitantes em
24 Castelfranco.
Havia um pequeno mosteiro e um hospital no lado oeste da cidade onde viviam alguns
monjes. No final da Idade Média viviam entre aproximadamente 300 e 700 pessoas
dentro dos muros da cidade. Se morava em casas de dois andares, feitas de tijolos, com
janelas de madeira e telhados de telhas cerâmicas.

Ao sul da cidade havia outra praça aberta e não pavimentada, hoje a Praça XX de
Setembro, onde o mercado de gado era realizado certa época do ano e que servia de
campo para o jogo Pallone. Aqui está uma breve descrição do jogo na Internet: Pallone
era um esporte de equipe da península italiana que pertence à categoria de jogos de
retorno. O objetivo do jogo é colocar uma bola de couro pesando aproximadamente um
quilo na metade oposta do campo.

Imagem na página esquerda: A Porta Fiorentina em Castefranco em um postal antigo (ca. 1900).
Imagem acima: Pianora e Staffoli marcados dentro da
área dos bosques da Cerbaie (dentro do círculo em
vermelho) e as outras cidades ancestrais nossas da
regiâo. Ao norte da Cerbaie já era o Estado de Lucca e
de Pistoia e à direita e esquerda estavam o lago di
Bentina e os pântanos de Fucecchio. A cidade de Lucca
pode ser vista no canto esquerdo superior do mapa.

Ao lado: Em 1443 são mencionadas em


Castelfranco as famílias Cavallini, Novelli e
Bracci, das quais descendemos. Retirado da obra
"Castelfranco di Sotto Illustrato" de Giovan Fran- 25
cesco Franceschini de 1752 e reeditado em 1980
por Giulio Ciampoltrini e Gabriele Manfredini.
STAFFOLI e le Cerbaie

O segundo Iacopo Pacini, que deve ter


nascido por volta de 1500, arrendou
terras da comune (município) de Santa
um lugar próximo ao
riacho Lischeto e à aldeia de Staffoli. A
familia se mudou por volta de 1550
para lá com os pequeninos Piero
(nascido em 26 de Março de 1541 em
Castelfranco di Sotto), Pacino (* 24 de
Julho 1544) e Dorothea (*10 de
Fevereiro de 1548). Nestes anos de
1539 e 1540 houve uma grande crise de
fome na área, que só pôde ser
combatida com o fornecimento de
grãos da Sicilia e de Napoles.

O fato da familia deixar a cidade e sua


muralha protetora só foi possível pelo
fato de a Republica de Florença ter
naquela altura finalmente conquistado
sua eterna rival Pisa, e ter firmado um acordo de
paz com Lucca. Finalmente os campos estavam tão
seguros a ponto de parte da população poder viver
fora das cidades. Foi nessa época que Florença
deixou de ser uma república e passou a ser um grão
ducado hereditario nas mãos da poderosa familia
dos Medici.
Imagem acima: A floresta da Cerbaia no outono.
Imagem ao lado: As famílias Novelli e Cavallini, Pacini e
Rossi, das quais descendemos, sendo mencionadas em 1548
como as antigas famílias do governo local.
Imagem abaixo: registro de batismo de Piero di Iacopo di
Piero Pacini em Castelfranco em 1541

26
Essa área de Staffoli está
dentro dos bosques da
Cerbaia. Nós podemos
imaginar a Cerbaia
naquela época como
uma floresta bem densa,
cheia de castanheiras e
carvalhos. Dizia-se que
era tão densa que em
alguns lugares a luz do
sol nunca entrava. Para
que os peregrinos que
caminhavam pela Via Francigena indo ou voltando de Roma não se perdessem, toda
noite os sinos de Altopascio ao norte da Cerbaia tocavam, chamando-os.

Como o terreno é acidentado e a área foi durante séculos área fronteiriça entre as
repúblicas de Pisa, Lucca e Florença, foi uma região onde durante toda a Idade Média
se escondiam bandidos, moravam eremitas, viviam foragidos e soldados desertores.
Podemos imaginar a floresta como se fosse um palco de filmes de Robin Hood ou de
contos de fadas. E agora, findados os conflitos e organizado o novo estado toscano,
pôde-se limpar a floresta destes elementos e abrir novos caminhos e desmatar áreas
criando novos campos para a agricultura.
In data 09/09/1543 vengono concesse dal Comune di Santa Croce a Iacopo di Piero
Pacini da Castelfranco stiora 100 di terra

Locazioni, Affitti n. 60, c. 83.)

Tradução ao português:
Stiora de terra no local

Iacopo di Piero Pacini de

faz fronteira com Lorenzo


di Luca di Benedetto, no
rio e na estrada que leva
de Castelfranco a Greppi

Imagem acima: A Cerbaia e o


batismo de Pacino Pacini em
Castelfranco em 1544 .
Ao lado: Contrato de 27
arrendamento de Iacopo
Pacini de 1543 Archivio
Storico de Santa Croce.
O Lischetto fica a uns 10 quilômetros de Castelfranco, uma caminhada de
aproximadamente 2 horas.

Esses 100 Stiora de terra devem equivaler a uns 5 ou 10 hectares. E como podemos ver,
os Pacini tiveram que pagar 9 Staia (estimado em cerca de 180 litros) de grãos a cada
ano ao município de Santa Croce pelo arrendamento. A área do Lischeto e a via para
Greppi pode ser encontrada a apenas algumas centenas de metros a nordeste de
Staffoli, em direção a Galleno, na antiga Via Francigena. Lischeto é também o nome de
um pequeno riacho que flui um pouco a nordeste de Staffoli. A Via Francigena era uma
das vias antigas que cortavam a região de norte a sul ligando o norte da Europa a Ro-
ma. Nela circulavam comerciantes e peregrinavam muitos devotos em seu caminho ao
Papa.

Essa área dentro dos bosques da Cerbaia estava atraindo pessoas para colonização
neste momento do século XVI. É que depois da conquista definitiva de Pisa por
Florença em 1509 a regiao passou a ser cada vez mais segura. Antes disso quase
ninguém vivia fora dos muros das cidades, pois bandos de soldados passavam de tem-
pos em tempos saqueando e queimando as terras inimigas e aconteciam batalhas
sangrentas o que mataria todos que vivessem nos campos e destruiria tudo que se
construiu e plantou. Ainda mais após a conquista de Siena por Florença em 1557 a
Toscana passou a ser um lugar pacífico onde não era mais necessário viver confinado
dentro dos muros das cidades. Assim, em muitas cidades as muralhas foram
desmanchadas e os seus tijolos vendidos como material de construção barato.

Imagem acima, Festa medieval anual de Staffoli.


Imagem na página da direita, acima: A Pianora, um distrito rural no municipio de Santa Maria a
Monte, próximo ao Lischeto e Staffoli. A área da Pianora foi arrendada pela comuna de Santa Maria
a Monte para o Duque da Toscana por 250 anos.

28
A Cerbaie já havia sido habitada na Idade Média. Mas após a terrível peste negra de
1348 a região se despovoou quase que por completo. E como a partir de 1450 houve
um forte crescimento populacional, as cidades passaram a ficar apertadas demais para
tanta gente. Em Fucecchio, por exemplo, a população, que em 1427 era de 858
habitantes, mais que dobrou até 1552, incluindo 1958 almas; o aumento demográfico
foi semelhante em Santa Croce (de 536 para 1214 almas) e em Castelfranco (de 351
para 910) no mesmo período.

Assim cidadãos de cidades próximas como Santa Croce, Castelfranco e Santa Maria a
Monte passaram a se dirigir para as áreas livres dos bosques da Cerbaia e a derrubar as
matas para formar lavouras e campos. Por volta de 1540 já havia lá algumas casas, ou
melhor, cabanas dos novos colonos, espalhadas em intervalos regulares. A distribuição
de terras para as famílias das cidades vizinhas com o objetivo de assentamento pode
ser vista ainda hoje no traçado das aldeias de Orentano, Galleno e Staffoli. Essas aldeias
não têm um centro antigo medieval,
como as antigas cidades da região, mas
os povoados e casas formam uma
espécie de rede urbana uniforme na
paisagem. As propriedades agrícolas
antigas têm quase sempre uma área que
corresponde a cerca de 5 ou 10 hectares,
ou seja, a área de terra que foi arrendada
aos colonos na época, como é o caso dos
nossos Pacini em 1543.

Com a mudança da familia Pacini para


Staffoli terminamos o primeiro episódio
da nossa história dos Novelli.

Ao lado: Hoje há um rancho para cavalos no


Lischeto em Staffoli .

29
Vista da região do Arno na Toscana em San Miniato, a cidade de origem dos Buonaparte.

Novello Pacini Santa Croce


e a Pianora
Antes de prosseguirmos com a história dos Pacini, agora já em Staffoli, permitam-me
entrar em um assunto um pouco complexo sobre a ligação da familia Pacini de
Castelfranco que vimos agora com os nossos Pacini que encontraremos algumas
décadas depois na Pianora e em Santa Croce sull´Arno.

Indícios da descendência dos nossos PACINI de Castelfranco

Depois que Iacopo Pacini e sua familia deixaram Castelfranco passando por volta de
1550 para a sua terra arrendada em Staffoli, existe uma lacuna na história da familia. O
contrato de arrendamento do arquivo histórico de Santa Croce Sull´Arno de 1543 será
por décadas o último documento onde a familia foi mencionada. Os livros mais antigos
das igrejas de Staffoli e da Pianora se perderam e o arquivo municipal de Santa Croce
não nos fornece mais informações até que finalmente surgem vários casamentos de
Pacini em Santa Croce e Santa Maria a Monte na década de 1630 e uma contagem das
familias de Santa Croce do ano de 1640 para fins da distribuição de sal onde aparece
um senhor chamado Novello Pacini vivendo no piano (planície) de Santa Croce. A
partir deste Novello Pacini (hexavô de Giovanni Battista Novelli 6ª geração de avó),
que deve ter nascido por volta de 1570, podemos reconstruir a nossa história familiar
sem lacunas e sem dúvida alguma, nos baseando nos registros paroquiais das cidades
de Santa Croce, Santa Maria a Monte, Calcinaia e Bientina.

O brasão dos
Novelli sobre um
portal em uma
casa de Castel-
franco di Sotto.

30
Lista de distribuição de sal de Santa Croce de 1640. A seta branca indica o nome de Novello Pacini
que nesta época vivia

Como escrevi no primeiro capítulo da história dos Novelli, a sequência e a


descendência da varonia dos Pacini de Castelfranco não pode ser provada pela
falta de documentação mais detalhada e confiavel. Assim também é com a
proveniência de Novello Pacini dos Pacini de Castelfranco. Nos faltam documentos
por várias décadas, assim, como comprovar que Novello Pacini descende mesmo
de Piero ou Pacino Pacini ou de um outro irmão deles? É claro, a distância entre as
gerações parece ser ideal (Piero nasceu em 1541 e Novello por volta de 1570 = 30
anos, o que dá uma geração perfeita), mas o que ainda podemos concluir dessa
hipótese? Mesmo depois de ter passado anos pesquisando, eu não gostaria de
afirmar que descendemos dos Pacini de Castelfranco se persistissem muitas
dúvidas. Por isso, gostaria de explicar e fundamentar minha hipótese a seguir:

Vista da Fortezza di Pozzo em direção ao Piano de Castelfranco e Santa Croce, onde os Pacini
viveram no início do século XVII

31
O nome Iacopo entre os Pacini: Batismo de Agniolo de Jacopo Pacini em Santa Maria a Monte em
1686. Note-se que neste registro se riscou o sobrenome original para escrever o sobrenome
novo por cima, o que ocorreu com toda nossa familia.

Pacini é um sobrenome relativamente raro que em toda nossa região ancestral só


aparece em Castelfranco e em Bientina. Mas enquanto os Pacini de Castelfranco
costumavam utilizar os nomes Piero, Iacopo e Giovanni durante várias gerações, os
Pacini de Bientina utilizavam outros nomes, por exemplo Giuliano, Pacino e Achille,
nomes que não aparecem uma única vez em nossa familia Pacini no século XVII. E
os Pacini de Bientina também tinham o sufixo Battaglia no nome, o que nunca
aparece entre os nossos. Em compensação temos durante o século XVII entre
Piero e também um Iacopo, que era um nome bem mais
raro, o que ao meu ver é um argumento forte para a hipótese de que nossos Pacini
descendam dos Pacini de Castelfranco, onde estes nomes tinham tradição.

Próxima página acima: O nome Piero entre nossos Pacini: Batismo de Domenica, uma filha de Piero
de Gio Batta (Giovanni Battista) Pacini em Santa Maria a Monte em 1686

Imagem abaixo: Santa Croce Sull´Arno no inverno

32
Outro indício é que os nossos Pacini aparecem na década de 1630 já em grande
número e morando ao mesmo tempo na Pianore, na Fattoria dos Medici e em San-
ta Croce. Novello Pacini tinha 4 ou 5 filhos já adultos na década de 1630-1640. E
em nenhum registro aparece a informação de que eles vieram de outro lugar, o
que era praxe nos registros paroquiais. O padre teria anotado isso, principalmente
se viessem de outro bispado como das cidades de Calcinaia e Bientina (bispado de
Pisa) ou de Altopascio ou Montecarlo (bispado de Lucca). Santa Croce, assim como
Castelfranco fazem parte do pequeno bispado de San Miniato. Assim, a omissão de
um lugar de origem externo nos registros paroquiais de Santa Maria a Monte e
Santa Croce pode ser visto como uma pista de que eles eram dalí mesmo, pois
Staffoli é um distrito de Santa Croce. E a Pianora dista apenas 2 ou 3 quilômetros
de Staffoli.

E uma outra pista é o nome . Se trata de um nome raríssimo que foi


apenas utilizado durante a Idade Média. Após pesquisar milhares de páginas de
registros e documentos de toda nossa região ancestral, apenas encontrei esse
nome no período pós-Idade Média entre os membros da familia Novelli de
Castelfranco. É preciso entender que já havia uma familia Novelli em Castelfranco

33
desde a Idade Média, sendo que nossos
ancestrais são da familia Pacini. Por mais
confuso isso seja, temos que distinguir
essas duas familias em Castelfranco sem
cair na tentação de pensar que quando
aparece um Novelli nos registros, se trate
de nossa familia. Eu tenho uma teoria, que
Novello
em nossa familia e que ao mesmo tempo
fundamenta a proveniência de nossos
Pacini dos Pacini de Castelfranco: Eu
suponho que a mãe ou a avó de Novello
Pacini era dessa familia Novelli de
Castelfranco. E essa hipotética Signora No-
velli deu o nome tradicional de sua familia
ao filho. Como não havia outra familia No-
velli nas redondezas e menos ainda outra
familia que desse esse nome muito raro ao
seus membros, acredito que essa teoria seja
quase irrefutável. É por isso que eu também
considero os Novelli de Castelfranco como
nossos prováveis ancestrais.

Imagem acima: uma rua de Santa Croce. Imagem


abaixo:.No estimo de 1400 de Castelfranco encontramos um Cristofano di Novello, membro dessa
antiga familia local.

Eu não quero detalhar demais esse assunto, mas acho importante deixar isso
registrado aqui na crônica da familia Novelli, para fins de esclarecimento e
transparência e também para que o leitor interessado possa ver onde há certeza e
onde há um resto de insegurança na nossa história familiar. Isso demostra ao
mesmo tempo com quais problemas temos que lidar na pesquisa genealógica de
um período tão longínquo e com tamanhas lacunas nas fontes de pesquisa.

34
Gravura acima: Ilustração de Santa Croce na época na qual ainda tinha sua muralha.

NOVELLO PACINI

Prosseguindo com nossa


história familiar, Piero ou
Pacino Pacini, depois de
adulto e provavelmente
vivendo no Lischeto
próximo a Staffoli, pode ter
se casado com uma mulher
da grande familia Novelli
de Castelfranco e teve por
volta de 1570 um filho que
deu o nome de Novello.
Este nosso ancestral
Novello Pacini será a pes-

35
soa que vai dar o novo sobrenome à familia, que algumas décadas mais tarde
passará a se chamar Novelli. Novello viveu e trabalhou por volta de 1630 num
quer dizer na planície, de Santa
Croce sull´Arno, cidade vizinha e irmã de Castelfranco. Infelizmente temos poucos
documentos sobre a familia nessa fase. Na lista de distribuição de sal de Santa
Croce de 1640 Novello aparece como chefe de uma casa onde viviam seis pessoas
(6 = bocas, a medida para a quantidade de sal que iria receber). O sal era
um produto muito importante e valioso na época. Como não se tinha técnicas
avançadas de armazenar os alimentos perecíveis, usava-se muito salgar os
alimentos. E o estado da Toscana e suas comunas detinham o monopólio do sal e
registravam minunciosamente a sua distribuição na população. Essas listas de
distribuição do sal são muito valiosas para a pesquisa genealógica.

Diferentemente de
Castelfranco, a ci-
dade de Santa Cro-
ce está localizada
diretamente na
margem do rio
Arno e possui até
algumas terras no
outro lado do rio.
Como Castelfranco,
a soberania de San-

Santa Croce
36 hoje (acima) e
antigamente
(ao lado).
ta Croce passou de Lucca para Florença em 1331, após a destruição de Santa Maria
a Monte numa guerra terrível. Essas cidades eram originalmente todas de Lucca,
mas após Florença cercar, invadir e arrasar a cidade de Santa Maria a Monte em
1327, as cidades lucanas vizinhas decidiram se entregar para Florença
voluntáriamente. É por isso que nossos ancestrais de Santa Maria a Monte,
Castelfranco e Santa Croce já eram florentinos antes dos nossos ancestrais de
Calcinaia e Bientina, que continuaram a pertencer a Pisa por pelo menos mais um
século.

Os habitantes de Santa Croce e de Castelfranco foram sempre muito ligados uns


aos outros, o que também pode ser visto nos frequentes casamentos entre as
famílias das duas cidades. Nossas famílias ancestrais Donati, Tuccini e Puccini
vieram de Santa Croce, sendo que as duas últimas (Tuccini e Puccini) eram famílias
tradicionais da cidade e viveram aqui desde a Idade Média. A família Donati pode
ser encontrada já muito cedo em Fucecchio, a cidade vizinha no lado leste de Santa
Croce, podendo ter sido lá a sua origem.

Imagem acima: Santa Croce e seus arredores por volta de 1300. A planície acima de
No fundo à esquerda vemoss Staffoli.

Na página ao lado: Santa Croce atual vista de cima. Quase nâo se vê mais a divisa
37
entre ela e a vizinha Castelfranco.
Os habitantes da área de Santa Croce parecem ter vindo originalmente do Vale do
Rio Elsa ao norte, que fugiram para cá antes do ano 1000 devido aos ataques dos
Godos e dos Langobardos. A cidade de Santa Croce foi fundada por Lucca do
mesmo modo que Castelfranco por volta de 1250 unindo 4 aldeias que existiram
aqui na alta Idade Média para protegê-las dos ataques de seus inimigos Pisa e
Florença. Essas aldeias foram San Vito, e San Donato. A
santa da cidade é a Santa Cristiana, que se chamava (1237-
1310) da família Menabuoi, que também pode ser encontrada nos registros mais
antigos de Castelfranco. Oringa adotou o nome de Cristiana homenageando o
nome de sua cidade natal. Hoje Santa Croce é referência nacional na industria de
couro e seus curtumes são famosos.

Pode ser que Novello Pacini veio para a planície de Santa Croce logo após a peste
de 1631-1632. Pode ser que uma propriedade agrícola tenha ficado vaga após a
morte dos camponeses que nela viviam, assim ele e sua familia puderam se
estabelecer aqui. Aqui no piano de Santa Croce, que ficava nos campos entre a
cidade de Santa Croce e o rio Usciana, a terra era mais fértil do que em Staffoli, o
que rendia melhores colheitas. E logo foram encontrados aqui cônjuges para dois
de seus filhos. Em 29 de maio de 1639 a filha Caterina di Novello Pacini se casou
com Paolo, filho de Rinaldo di Stefano Donati, de Santa Croce sull´Arno.

Casamento de Giovanni Battista Pacini com Christiana Donati em 14 de junho de 1639, Santa Croce

38
GIOVANNI BATTISTA PACINI

Duas semanas depois, em 14 de junho de


1639, outro filho de Novello, Giovanni
Battista Pacini se casou com a jovem
Christiana Donati, irmã do Paolo. Como
as duas famílias se casaram quase
simultaneamente, irmão e irmã, zeraram o
dote das duas noivas, o que deve ter sido
um verdadeiro alívio para eles. O dote era
arcado por toda a família e era um custo
pesado para eles na época. Nas listas de
sal podemos ver que havia duas
propriedades agrícolas com famílias
Donati na área do piano de Santa Croce,
então eles eram, por assim dizer, vizinhos
dos Pacini. O interior da igreja de Santa Croce, onde Giovanni
Pacini se casou com Christiana Donati em 1636.
St. Cristiana é a santa local de St. Croce.

Batismo de Novello, filho de Batista Pacini e Christiana Donati em janeiro de 1645.


Registro paroquial de Santa Maria a Monte, à qual pertence a Pianora.

Nos primeiros anos de seu casamento, Batista morava em Santa Croce,


provavelmente com seu pai Novello. O casal teve sorte e pouco a pouco nasceram
os primeiros filhos: Maria, nascida em Santa Croce em 26 de março de 1640, Marg-
herita, nascida em 23 de janeiro de 1644 e Novello em 14 de janeiro de 1645, os
dois últimos já batizados em Santa Maria a Monte. Atravéz desses batismos,
podemos ver que Giovanni Batista se mudou de Santa Croce para a Pianore por
volta de 1643, onde seu irmão Andrea já estava morando. O nome Novello foi uma
homenagem ao pai. Eu creio que a grande epidemia de peste de 1631, que voltou
várias vezes na década de 1630 matou várias pessoas na Pianora assim alguns

39
Acima: A linda mansâo da Pianora hoje.
Ela foi projetada como casa de caca dos Duques da Toscana.

Abaixo: Andrea di Novello (Pacini) na Pianora já em 1637.

(sítios) ficaram desocupados. Deste modo a familia teve a oportunidade


de se estabelecer concentradamente na Pianore.

Os PACINI na Pianora

Como vimos, alguns filhos de Novello passaram a viver por volta de 1635 em uma
, uma fazenda da nobre e famosa familia Medici no municipio de Santa
Maria a Monte. Essa fattoria se chama Pianora e fica dentro da floresta Cerbaia e
existe ainda hoje. Eles certamente eram = meieiros dos Medici, algo
u-
rante séculos na Italia setentrional: os nobres detinham a terra e os camponeses
cultivavam-na dividindo os lucros com o proprietário que geralmente vivia em
palácios em uma grande cidade como Pisa ou Florença.

Abaixo: Os descendentes de Novello Pacini. Em vermelho vemos nossos ancestrais.

40
Como as guerras
entre as cidades-
Estado haviam
diminuido depois
da conquista de
Pisa por Florença
em 1509, as terras
desabitadas da
Cerbaia passaram
a ser interessantes
para a agricultura
e colonização. Em
1592, a comuna A pequena igeja de Santa Cristina na Pianora.
de Santa Maria a
Monte arrendou
um grande pedaço de floresta na Pianora e partes de Cerreti, a cerca de 6 a 7
quilômetros ao norte da cidade, ao Grão-Duque da Toscana Ferdinando I Medici e
sua esposa Cristina de Lorena. A Grã-duquesa Cristina era a legítima arrendatária,
mas as terras pertenciam praticamente aos Medici de Florença.

Acima e ao lado: Alguns


Novelli brasileiros e
alemâes de visita à
Pianore.
41
Imediatamente após o arrendamento da Pianora o Grão-Duque ordenou a
derrubada dos bosques em grandes partes da área. Foi criada uma fattoria, uma
grande empresa agrícola administrada por um fattore (feitor). Algumas famílias
trabalhavam para o senhorio como empregados, mas grande parte da fattoria foi
dividida em 17 poderi (sítios), que foram arrendadas a famílias que cultivavam a
terra como meieiros. Eles cultivavam grãos, vinho e azeitonas e também criavam
gado e búfalos. Algumas famílias da cidade de Santa Maria a Monte aproveitaram a
oportunidade de obter uma renda segura e se mudaram para Pianora. De fato,
havia um acordo de que as famílias de Santa Maria a Monte deveriam ter
preferência. As famílias de fora só vieram um pouco mais tarde, principalmente das
cidades próximas, e algumas poucas das províncias de Lucca e Pistoia.

Menção de Batista di Novello Pacini como padrinho

Imagens acima, antigos mapas onde estâo marcados alguns


42 lugares de interesse da história da familia Novelli (esquerda) e
uma vista em detalhe da área da fattoria da Pianora (direita).
Infelizmente, não temos dados precisos, mas pode ser que Novello Pacini ou seus
filhos estiveram entre os primeiros colonos, assim como nossas famílias ancestrais
do Gio di Lorenzo Cavallini, proveniente da região de Arno Vecchio e Cesari Cervelli
de Santa Maria a Monte, já mencionado em 1610 na Pianora. Alguns dos Pacini
aparecem cedo (por volta de 1634) nos livros da paróquia de Santa Maria a Monte
com a menção della Pianora , ou seja: da Pianora.

No entanto, os solos da Pianora eram desigualmente férteis. Algumas áreas tinham


solos muito pobres, dos quais os agricultores mal podiam viver. Os melhores solos
eram aqueles que antes eram áreas pantanosas e podiam ser regularmente
inundados pelos agricultores para fertilizá-los. Dizia-se geralmente que o solo da
Cerbaia consistia em uma mistura de pedras e cascalho e que a fome sempre
estava presente lá: In Cerbaia dalla fame ci si abbia

Os trabalhadores dificilmente podiam se alimentar da terra em anos chuvosos ou


demasiamente secos. Portanto, não surpreende que as piores parcelas de terra
fossem frequentemente abandonadas pelos agricultores e que novas famílias
tivessem que ser recrutadas pelo fattore (administrador) para continuar a cultivá-
las. A flutuação na fattoria era grande. A disponibilidade de terra não era a única
condição para a prosperidade, especialmente o clima, a qualidade do solo e
também os preços de mercado de grãos, óleo e vinho, determinavam se um
pedaço de terra com baixos rendimentos era lucrativo ou não.

Casamento de
Andrea di Novello
Pacini (entâo já
viúvo de Hortentia
del Rosso) com
Ippolita di Matteo
em Santa Maria a
Monte em 1645.

43
A vida na Cerbaia

De primeiro, os camponeses estavam em uma boa situação na Pianore. As novas


casas haviam sido construídas sobre os antigos muros medievais em ruínas de um
mosteiro e outras casas que existiram alí. Elas foram construídas de maneira bonita
e sólida, de acordo com os novos conceitos estéticos e práticos. A maioria dos
animais vivia no térreo das casas, os camponeses tinham a sala e os quartos no
pavimento de cima. Pessoas e animais viviam sob o mesmo teto.

Os Medici construíram um belo palácio para eles, que eles usavam como casa de
caça. E a Grã-duquesa Cristina, de acordo com sua consciência cristã, construiu
uma pequena igreja em frente à sua mansão, sobre as ruínas da antiga igreja
medieval de S. Maria di Moriglioni. Mas a qual santo deveria ser dedicada a nova
igreja? Não deve ter sido por acaso que foi escolhida a Santa Cristina, homônima
da duquesa. A consagração foi celebrada em 10 de maio de 1596. Infelizmente,
todos os documentos desta pequena
igreja, que ainda existe hoje, foram
perdidos na segunda Guerra Mundial,
o que significa uma perda séria para
a pesquisa da nossa família.

Placa comemorativa da
inauguração da Igreja da
Pianore de 1596.

44
Apesar da limpeza, das novas casas dos camponeses, dos campos, da igreja e das
ruas recém-criadas, a área deve ter sido algo selvagem e original. A maior parte da
região certamente ainda era floresta e pouco povoada. Amplos bosques de
castanheiros e carvalhos cobriam a planície, que passava a oeste e leste aos
pântanos e aos lagos e chegava ao
norte até a distante aldeia de
Orentano e Altopascio.

Ainda havia muito poucas pessoas


morando lá. 17 sítios, com 17
famílias, seriam cerca de 90 a 100
pessoas. Em 1745, 150 anos após a
criação da fattoria, viviam apenas 130
pessoas na Pianora e nas aldeias
vizinhas de Tavolaia e Fontine e, mais
100 anos depois, ainda seriam
apenas 286.

Don David Albertario, um famoso


padre e escritor do século XIX, fez
uma descrição da Pianora da década
de 1880, que provavelmente deve
valer para o mesmo local 250 anos
antes e que certamente se aplicava á
Cerbaia em geral:

A estrada principal da
Pianora com os típicos 45
ciprestes toscanos.
casas dos sítios à beira da planície de Bientina, elevando-se sobre as vinhas e olivais de
colina a essa casas parecem seres misteriosos que vivem lá e é impossível se
aproximar delas. As casas são muito distantes e as pessoas só se reúnem na igreja aos
domingos, durante a semana há um grande silêncio, uma calma solene que só é
interrompida pela voz de um
camponês que tira as castanhas e
bolotas da floresta, o som sobe
alto e bruscamente no céu como
mágica. Se pode dizer que se
ouve o trigo quando ele
.

46 Ao lado: A lista dos sítios da Pianora


referentes à planta da página 45 (ca. 1770).
Stefano Pacini e o sobrenome NOVELLI
STEFANO PACINI

Neste capítulo sobre a história dos Novelli vamos tratar da segunda metade do
século XVII, época na qual Giovanni Battista Pacini e seu filho Stefano Pacini
viveram em Santa Maria a Monte. Não podemos dizer com exatidão onde
exatamente Stefano viveu durante
certo tempo e onde se casou, mas
certamente passou a maior parte de
sua vida dentro do território de San-
ta Maria a Monte. Seu pai Giovanni
Battista Pacini ainda estava vivendo
na Pianora e Stefano pode também
ter vivido lá. Foi durante sua vida
que o nome de nossa familia passou
de Pacini para Novelli. A familia foi
aumentando e se difundindo em
Santa Maria a Monte, essa
importante cidade ancestral nossa,
da qual trataremos no próximo
episódio mais detalhadamente.

47
Campos de trigo com a cidade de
Santa Maria a Monte ao fundo.
Nosso ancestral Stefano Pacini nasceu em 28 de dezembro de 1646 e foi o quarto
filho de Giovanni Battista Pacini. Mas, em vez da Christiana Donati, o padre de San-
ta Maria a Monte registrou Caterina como
mãe no registro batismal. Eu tenho certeza
que isso foi um erro. É provável que o pastor
tenha confundido o nome Christiana com
Caterina, pois é possível que o batismo de
Stefano só tenha sido anotado
posteriormente. O registro foi escrito no
rodapé inferior da página, e quem sabe,
talvez dias ou semanas após o batismo. Com
a exceção desse registro, o nome
nunca mais aparece nos registros, assim
podemos ter certeza que o padre tinha
memória curta e se enganou.

Imagem à direita: O púlpito da igreja de Santa


Maria a Monte, que havia sido um sarcófago
medieval, um caso antigo de reciclagem.

O nome do garoto, , foi dado em


homenagem a seu bisavô Stefano Donati, de
Santa Croce sull´Arno. E continuando a
tradição, mais tarde, em 1678, Stefano deu a
uma de suas próprias filhas o nome Christia-
na, ou seja, o nome da sua mãe.

Infelizmente Stefano perdeu a mãe


cedo. Christiana Donati morreu
alguns anos depois porque já no
dia 30 de setembro de 1649, Gio-
vanni Battista se casou em Santa
Maria a Monte com Domenica di
Domenico Perondi de Pescia, na
província de Pistoia. Com Domeni-
ca, Gio Batta terá mais cinco filhos:
Piero (1651), Martino (1653), Mad-

Imagem acima: O registro de batismo de Stefa-


no Pacini (Stefano di Bata di Pacino) de 1646.
48 Ao lado: O interior renascentista da igreja de
Santa Maria a Monte.
dalena (1655), Lucia (1655) e Andrea (1658).

Piero pode ter recebido seu nome em homenagem ao bisavô Piero Pacini. A família
cresceu, e isso não era incomum para a época. Naquela época, uma mulher
costumava ter um filho a cada dois anos e meio e mesmo com uma mortalidade
infantil muito alta, as famílias tinham uma média de 4 a 5 filhos. Após o acentuado
declínio da população devido à peste de 1630-40, ela passou a aumentar
novamente. Santa Maria a Monte voltara a ter entre 1000 e 1500 habitantes.

Outro fator que fez a população crescer acentuadamente nessa época foram as
muitas pessoas de fora que se mudaram para Santa Maria a Monte, provavelmente
para viver e trabalhar nos novos sítios que iam surgindo nos distritos de Pozzo,
Tavolaia, Cerretti, Pianora e Colombaia. Os registros de casamento desta época
costumam mencionar cônjuges das cidades vizinhas que se casaram com pessoas
de Santa Maria a Monte. Quase todo quarto casamento tem um parceiro de fora.
Comparado com Bientina, onde os pescadores quase só se casavam entre si, o
número de novos residentes de Santa Maria é enorme.

Imagem acima: O
casamento de Giovanni
Pacini com Domenica
Perondi (1649)

Ao lado: A cidade de
Santa Maria a Monte
com sua forma circular
em cima do cume de um
morro.

49
Lukas, Raphael e Aurora nas ruelas
de Santa Maria a Monte.

Entre 1600 e 1660, muitos de


nossos ancestrais de fora vieram
para Santa Maria a Monte:
Vincenzio di Bartolomeo Rossi, de
Castelfranco di Sotto, Simone di
Lorenzo Tuccini de Santa Croce
sull Arno, Pasqua di Pier Maria
Malloggi de San Giovanni alla
Vena (Vicopisano), os Luschi de
Montecalvoli, os Montani de
Buggiano e os Schiavetti de
Spianate na província de Lucca.
Pode-se imaginá-los como
pioneiros, uma vez que muitos
deles tiveram que desmatar parte
da floresta da Cerbaia e preparar
a terra para a agricultura.

A segunda esposa de Gio Batta,


Domenica Perondi também
faleceu cedo. Por volta de 1660 Giovanni casou-se com Maria Matteucci, com a
qual teve Domenica (1663), Lisabetta (1664) e novamente Domenica (1667). E a
menção delle Pianore (da Pianore) ainda aparece nos batismos dos filhos.
Infelizmente, não conseguimos encontrar o registro da morte de Giovanni Battista.
Suspeito que ele tenha morrido depois de 1670, com mais de 60 anos. Nossa
família viveu comprovadamente na Pianore até esse momento, mas acredito que
eles devem ter estado lá por mais tempo, já que as referências de Piero e de Lucia
di Gio Batta Pacini nos registros da paróquia de Staffoli nos indicam que a família
esteve nas proximidades até a década de 1680.

Os descendentes de Giovanni Battista Pacini, até aos seus netos. Marcados em


vermelho, nossos ancestrais diretos e suas esposas.
50
Também os irmãos de Giovanni, Agniolo e Andrea Pacini e um provável irmâo
Luca Pacini deixaram descendência em Santa Maria a Monte e região.
Mapa onde se vê a Pianora em uma
restinga no lago di Bientina na parte
central da imagem. Acima Staffoli
(Stafari) ca. 1700.

Talvez o jovem Stefano Pacini tenha trabalhado fora por um certo tempo em um
sítio nas vizinhanças de Santa Maria a Monte. Lá, por volta dos vinte anos, ele
provavelmente conheceu e se casou com sua futura esposa Maria, filha de Giuliano
Mei. A família Mei não é de Santa Maria a Monte, pode ter vindo de Cappannori, na
província de Lucca, ou de Buggiano, na província de Pistoia, cerca de 10 a 30 km ao
norte de Pianora, onde encontramos o sobrenome Mei. Em 1669, Stefano, já casado
com Maria Mei, volta a Santa Maria a Monte, onde seus filhos nasceriam. Maria por
volta de 1670, Andrea em 02.03.1671, Michele em 29.09.1673, Giovanni em
19.09.1675, Christiana em 27.06.1678, Cammilla em 30.12.1680, Giuliano em
22.01.1682 e nosso antepassado Giovanni Battista em 15.01.1684 todos batizados
na igreja de Santa Maria a Monte.

A pia batismal na igreja de Santa Maria a Monte de ca. 1400


onde foram batisados dezenas ou centenas de nossos ancestrais

51
O jovem Stefano provavelmente se tornou
meieiro como seu pai e, antes dele, seu avô e
cultivou a terra com grande dedicação para
alimentar sua família. Maria cuidava das
crianças, da casa e da horta e ajudava Stefano
o quanto podia. Stefano deve ter notado ao
longo dos anos que sua renda da colheita e da
venda dos animais tinha cada vez menos valor.
Ele e os outros agricultores apenas
gradualmente perceberam que a Toscana
estava entrando em uma longa crise que
perduraria por muito anos.

A Itália em crise

A Itália e a Toscana em particular haviam sido


o berço do Renascimento e foram líderes em
cultura, ciência, literatura e arte mas agora a
Itália estava sendo deixada cada vez mais para tras por outros países. O foco da
economia global mudou cada vez mais para Portugal, Espanha, França, Holanda e
Inglaterra, pois esses países dominavam o comércio com suas colônias no exterior.
No centro da Europa a Alemanha lutava na Guerra dos Trinta Anos e o Império
Otomano expandia seu poder no Oriente. Depois das conquistas da navegação
européia, as rotas comerciais passaram para os oceanos e a Itália se viu cada vez
mais em uma localização periférica. Havia
mais dinheiro saindo do que entrando na
Itália, principalmente porque os nobres e a
classe alta da Itália tinham uma tendência
ao luxo e à ociosidade típicas do barroco.

Não foi uma mudança rápida, aconteceu


por mais de um século. As cidades italianas,
suas universidades e bibliotecas ainda eram
importantes centros de cultura e as obras
de arte, livros, música, artesanato, vinhos e
seda italianos ainda eram muito procurados.
Mas, comparado aos outros países, estava
ficando cada vez mais difícil capitalizár esses
recursos. Os países protestantes como
Inglaterra, Holanda e partes da Alemanha

52
A galeria degli Uffizzi em Florença nos anos 1700

souberam lidar melhor com trabalho e dinheiro. Os espanhóis, holandeses, franc-


eses e portugueses possuíam colônias ricas e os britânicos e holandeses possuíam
uma indústria emergente. A corte real na França brilhava mais que o Vaticano e
quase todos os países tinham exércitos mais fortes que os pequenos estados
italianos. Espanha, Holanda, França, Inglaterra e também a Áustria se tornaram
líderes em negócios, tecnologia, moda e, sobretudo, no decorrer do século XVII:
ditaram a política.

A Toscana tornou-se política e militarmente cada vez mais dependente das gran-
des potências, principalmente da França e da Espanha, e estava cada vez mais sob
a influência da Igreja. Para satisfazer o clero, a igreja exigia tributos cada vez mais
altos e o próprio estado aumentou muito os impostos, que uma população cada
vez mais pobre dificilmente conseguia suportar. Além disso, os oficiais do estado e
o clero superior eram quase sem exceção filhos das famílias nobres decadentes e
estavam mais interessados em seu próprio enriquecimento e em satisfazer suas
necessidades de luxo do que em uma boa administração. Teremos esse quadro
básico de pobreza do povo na Itália até o início do século XX, já na era da
imigração em massa para as Americas. Ocasionalmente houveram tempos menos
ruins, como os anos entre 1730 e 1760, ou entre 1820 e 1850, mas a vida
geralmente permaneceu difícil para as pessoas comuns durante vários séculos.

Lista de distribuição de sal de

53
Acima: Batismo de Giovanni de Stefano Pacini / Novelli de 1675

Detalhe do registro de batismo acima de Giovanni de 1675, onde o sobrenome original PACINI foi
riscado e o novo sobrenome NOVELLI foi escrito por cima

Nasce o sobrenome NOVELLI


Stefano Pacini era provavelmente conhecido entre os cidadãos de Santa Maria a
Monte com o seu patronímico Stefano di Batista di Novello. Abreviando-se esse
nome ficaria talvez, Stefano di Novello ou Stefano Novelli. O nome muito raro
Novello certamente havia ficado na memória dos santamariamontesi e era prático
para designar esta familia. O pai de Stefano, Giovanni Battista Pacini, já é
mencionado em uma lista de distribuição de sal de Santa Maria a Monte de 1667
como Batista Novelli (veja a imagem na página 53). E o provável tio de Stefano,
Luca Pacini que vivia na Pianora, também é mencionado com o sobrenome Novelli
em Staffoli em 1662. Sem que nós possamos hoje saber o porquê exato dessa
confusão de sobrenomes, o nome Novelli acabou por ser o vitorioso e passou cada
vez mais a designar nossa família.
Assim, gradualmente, o sobrenome Novelli foi
apagando o antigo sobrenome Pacini. Nos
registros batismais dos filhos de Stefano, pode-
se ver claramente como esse processo sumiu
com o sobrenome Pacini em alguns anos. Stefa-
no ainda aparece como Stefano Pacini no
registro de Andrea, seu primogênito, em 1671.
Mas no registro do filho Giovanni de 1675 o
sobrenome original Pacini foi riscado sendo
substituído posteriormente por Novelli.

Lukas Pfeiffer Novelli junto à pia batismal na


igreja de Santa Maria a Monte de ca. 1400.
54
Confusão de sobrenomes: em uma página dupla do registro paroquial, Stefano aparece primeiro
como Novelli e dois anos depois como Pacini. Isso mostra que a transição de Pacini para Novelli
deve ter ocorrido ao longo de um período de alguns anos. Livro de batismo Santa Maria a Monte
1678-1680.

Essa mudança também pode ser visto nos registros de seus sobrinhos e primos.
Toda a família mudou seu sobrenome por volta de 1680. O filho mais novo de Ste-
fano, nosso ancestral direto Giovanni Battista, já foi oficialmente chamado de No-
velli quando foi batizado em 15 de janeiro de 1684. Desde então, nossa família se
chama Novelli, graças ao nono Novello Pacini, um ancestral que viveu cerca de 400
anos atrás.

A viúva Maria Mei


Nossa família Pacini-Novelli continuou morando em Santa Maria a Monte por volta
de 1680. Se foi na Pianora ou em outra parte da comunidade, não podemos mais
dizer exatamente. A falta de fontes torna muito difícil acompanhar sua história
nesta fase. O certo é que sua sorte estava piorando, já que Stefano, o pai da família,
morreu cedo. Ele não tinha nem quarenta anos por volta de 1684 quando
, como diziam poeticamente os antigos livros da igreja.
Infelizmente não pudemos encontrar seu registro de óbito nos livros paroquiais.
Seguiu-se um período de luto, como era costume determinado pela Igreja, mas
Maria Mei não quis ou não pôde ficar sozinha. Em 1687 nasce Serafino, um filho
ilegítimo seu, que foi batizado por Maria Mei em Santa Maria a Monte. O registro
do batismo do bebê relata que a mãe Maria Mei é viúva do falecido Stefano Novelli
e que o pai é desconhecido. Quem sabe, talvez o pai do garoto fosse o seu
padrinho, um Serafino Baldi de Empoli?

Registro de batismo de Serafino de 1687, filho de Maria Mei com pai desconhecido. E logo abaixo dele o
batismo de Stefano di Piero Pacini. Livro paroquial de Santa Maria a Monte.

55
O Mastio de Bientina com a
Piazzeta del´Angiolo
(A pracinha do anjinho).

Não deve ter sido fácil para a


família sem um pai. Maria
provavelmente dependia da
ajuda de parentes ou de seu
novo amigo pois tinha
muitos filhos pequenos.
Nosso ancestral Gio Batta
tinha apenas 3 ou 4 anos e já
era orfão de pai. O
primogênito Andrea, se
ainda estivesse vivo, teria
cerca de 16 anos. Ele pode
ter assumido o papel de
provedor apoiado por seus
irmãos mais novos e a mãe.
Mas como seus tios e tias
ainda moravam na cidade,
posso imaginar que eles
receberam apoio da familia.

O fato do filho Michele Novelli (nascido em 1673) aparecer em um Stato delle Anime de
Bientina de 1701 como ajudante no podere do Puntone pertencente a um Signore del
Grande, indica que o trabalho pode não ter sido suficiente para todos na família
numerosa. Os Stati delle Anime m registros
compilados pelos padres na época da Páscoa e eram uma espécie de lista de todos os
fregueses da paróquia, com atenção especial às crianças e jovens, para que eles
recebessem a confirmação no tempo certo. Esses livros são uma bênção para o
pesquisador da família, se ainda estiverem intactos.

O sítio Puntone ficava a apenas algumas centenas de metros da Pianore. Pode ser que
Maria Mei o tenha deixado como
trabalhador do rico senhor del Gran-
de para que ele pelo menos tivesse
uma renda estável. Michele se casou
com Caterina Guarini em Bientina
em 13 de janeiro de 1704. Ele parece
ter tido apenas um filho, também
batizado de Michele, que por sua vez
deixou descendência em Bientina.
Pode ser que esse ramo familiar em
Bientina também tenha sido um
auxílio adicional para a posterior
mudança dos nossos Novelli para
Bientina.

O frontispício do Stato delle


56 Anime mais antigo de Santa
Maria a Monte de 1767.
A prefeitura e a torre della Mora frente à Piazza Grande em Bientina.
Na imagem abaixo: Santa Maria a Monte.

Infelizmente, o filho de Michele Junior, Giovanni Novelli, morreu muito jovem e este
ramo da família empobreceu. Naquela época, uma família passava rapidamente
necessidades sem um pai saudável que trabalhasse. Em 1740, encontramos essa familia
de aluguel em uma casa em Bientina. E por volta de 1750, o já idoso Michele Júnior
morava com a nora e os netos no spitale de Bientina, que servia de asilo para pobres.
Talvez ele tenha tido contato com seu tio Giovanni Battista, de Santa Maria a Monte,
que mais tarde moraria em Bientina por um certo tempo. Sobre ele leremos mais para
frente. Antes vamos ler um pouco sobre a história da cidade de Santa Maria a Monte.

57
Santa Maria a Monte em uma pintura de ca. 1750, época em que nossos ancestrais ainda viviam lá

Santa Maria a Monte e Giovanni


Battista Novelli, o
Pelo fato de nossos ancestrais da familia Novelli terem se casaram com mulheres
de familias tradicionais de Santa Maria a Monte e assim termos muitos ancestrais
daqui, vamos descrever um pouco a história desta linda cidade.

Santa Maria a Monte, dista apenas poucos quilômetros a oeste das vizinhas
Calcinaia e Bientina, e a leste de Castelfranco e fica localizada sobre uma colina da
Cerbaie, o que lhe oferece ao sul uma vista aberta para o vale do Arno, que corre
pela planície a cerca de 2 km da cidade. Entre o Arno e Santa Maria, corre a
Usciana, um pequeno riacho que vem do Lago di Fucecchio mais a leste e deságua
no Arno em frente a Montecalvoli, a oeste. Montecalvoli é uma cidade pequenina
sobre a última colina da Cerbaia e esteve historicamente sempre muito ligada a
Santa Maria a Monte.

58
Imagem acima: Antiga gravura de Santa Maria a Monte vista da ponte sobre o rio Usciana por volta
de 1750. E abaixo: Uma pintura da igreja de Santa Maria a Monte de 1700 com a crucificação de
Jesus, na qual podemos ver a paisagem de Santa Maria a Monte naquela época.

Por volta de 800 dC, no momento em que os vikings e húngaros ainda ameaçavam
nossa região, Santa Maria a Monte ainda devia parecer uma vila com pequenas casas
rudimentares ao redor de uma igreja românica (uma das primeiras igrejas cristâs de
nossa região ancestral, datada de ca. 400 dC). Essa igreja se parecia mais com um
castelo do que com um templo. Ao redor das casas e da igreja, os habitantes haviam
construído uma paliçada de proteção
feita de troncos de madeira e ao redor
dela, cavado uma vala. Naquela época,
a área ainda pertencia formalmente ao
bispo de Lucca. Por volta de 1000 dC.,
mesmo sem terem recebido uma
permissão oficial do soberano, os
habitantes de Santa Maria a Monte
construíram um primeiro muro de
pedras ao redor de sua igreja. Dessa
primeira construção, surgiu uma
espécie de forte no topo da colina da
cidade. Em caso de guerra, os
habitantes da vila buscavam proteção
nesta fortaleza.

59
Imagem acima: a antiquíssima cidade de Lucca.

Mas a cidade continuou a crescer e lentamente a muralha da cidade tornou-se


muito apertada. Algumas casas foram construídas fora do muro e estavam
desprotegidas, assim finalmente, por volta de 1100, foi decidido construir um anel
de muros externo. Agora, Santa Maria a Monte (traduzido: Santa Maria sobre o
monte), com a sua fortaleza central e seus dois anéis de muralhas, era considerada
a cidade mais difícil de ser conquistada em todo vale do Arno.

Em 941, Santa Maria a Monte era subordinada à Igreja de Lucca, mas já em 1001 a
cidade se emancipou e passou a pagar apenas uma tributo anual a Lucca. Em 1101,
o bispo de Lucca comprou todas as cidades da região, incluindo Santa Maria a
Monte. A partir de então, a pressão dos soberanos sobre seus súditos aumentou.
Talvez isso esteja relacionado ao maior crescimento populacional e à pressão resul-
tante da rivalidade entre as cidades-república Pisa e Lucca. Houve uma crescente
concorrência de cidades-estados e soberanos por receitas alfandegárias e
tributárias e por recursos materiais.

Imagem na página ao lado, acima: Localização de Santa Maria a Monte e Bientina em azul junto ao
Arno em um mapa antigo (ca. 1500). Em vermelho as cidades-Estado Lucca, Pisa e Florença.

60
Devido à sua localização estratégica, a colina foi fortificada por volta de 1252, para
se tornar um dos mais importantes castelos (rocca) do vale de Arno e teve grande
importância militar. Os pisanos conquistaram a fortaleza em 1261, mas só
conseguiram segurá-la por um curto período de tempo. Ela voltou para Lucca,
cujas forças eram lideradas pelo famoso general Castruccio Castracani.

Em 1327, Santa Maria a Monte caiu em uma guerra contra Florença que havia
mandado um exercito de 16.000 homens para conquistar a cidade, na época algo
incrível. Eles botaram fogo na cidade e usaram as mulheres que haviam sido presas
como reféns. A antiga fortaleza foi quase que completamente destruída e grande
parte dos habitantes
morreu nesta guerra. Por
volta de meados do século
XIV, os florentinos
reconstruíram a cidade
com três anéis de
muralhas ainda hoje
reconhecíveis e usaram a
fortaleza como ponto de
partida para conquistar
todo o vale do baixo Arno
no século XV.

Gravura francesa de 1400


representando o assédio 61
de um burgo
Antiga foto de Santa Maria a Monte com a hoje já
demolida ponte sobre a Usciana. Ca. 1880

Mas o massacre florentino dos habitantes de


Santa Maria a Monte em 1327 não foi
esquecido. Em 1342, os cidadãos se rebelaram
contra a guarnição florentina que estava no
castelo da cidade, os expulsaram da cidade e
alcançaram a independência. Os cidadãos se
governavam agora eles mesmos.

Em 1345 Florença havia sido atingida por uma


forte epidemia de peste. Durante essa
epidemia, as classes populares descontentes
com a política dos nobres se rebelaram contra
o governo da cidade e ocorreu uma violenta
guerra civil interna.

62
Assim, Florença estava totalmente ocupada com os assuntos internos da cidade e
não conseguiu recuperar a rebelde Santa Maria a Monte. Mas a vitória de Santa
Maria a Monte foi uma liberdade temporária que só durou seis anos.

Em 1348 Florença já havia se recuperado e avançou com um exército forte para


derrotar os rebeldes. Mesmo que o espírito de luta dos cidadãos de Santa Maria a
Monte fosse tão forte
a ponto de enfrentar
as tropas florentinas,
eles tiveram que
ceder. Desta vez, foi
Santa Maria a Monte
que estava totalmen-
te enfraquecida por
uma praga de peste,
que se rendeu aos
florentinos que a
tomaram sem luta no
dia 2 de fevereiro.

As galerias da rede de
corredores subterrâneos
medievais de Santa Maria a
Monte, que eram utilizadas como
Rainerem
refúgio emcaso
2012deno arquivo
guerra. Atrás
daparoquial da cidade
biblioteca atual de
da comuna
pode-se ver também um tanque
onde a água pluvial é
armazenada para servir no
abastecimento durante um63 cerco.
Santa Maria a Monte com o livro mais antigo de casamentos de ca. 1540. Este livro é especial, pois
nele quase nâo aparecem sobrenomes, fazendo a pesquisa se igualar a um jogo de Sudoku.

Em 1520 nasceu o pai de Galileo Galilei (foto ao


lado) em Santa Maria a Monte, cuja mãe era da
tradicinal familia santamariamontesi dos da Bergo.
Nós temos várias familias que já viviam em Santa
Maria a Monte nesta época por exemplo as
familias Gandolfi, di Sasso, Fornarola, Boschi,
Barzacchi, dal Canto, Lozzi, Zampa, Nuovi, Maffei,
Giovannetti, Corsi e Mattei assim podemos
considerar a história desta cidade como parte de
nossa história. É desta cidade e de Bientina de
onde temos a maior quantidade de ancestrais.

Imagem abaixo: Árvore de descendentes da tradicional


familia Cavallini, original de Castelfranco que passou mais
tarde para Santa Maria a Monte e da qual descendendemos
3 vezes (enquadramento em vermelho).

Esse é um fenômeno que acontece muitas vezes quando se


pesquisa uma aldeia ou cidade a fundo o que atesta o fato de
que geralmente os membros de familias tradicionais de uma
cidade são todos parentes entre si.

64
Registro de batismo de Giovanni Battista Novelli de 1684 Santa Maria a Monte. No registro está

GIOVANNI BATTISTA NOVELLI


Continuaremos agora com a história de nossa familia Novelli. O mais novo dos
vários filhos de Stefano foi o nosso antepassado Giovanni Battista Novelli que
herdou o nome de seu avô paterno Giovanni Battista Pacini. Ele nasceu no dia 15
de janeiro de 1684 em Santa Maria a Monte e como já vimos havia ficado órfão
muito cedo.
Imagens abaixo: Os descendentes de Stefano Novelli até seus netos em vermelho: nossos
ancestrais. E abaixo: Cartão postal antigo da cidade de Santa Maria a Monte (ca. 1900).

65
Dois Novelli
sentados
sobre a
antiga fonte
de Bientina
do século
XVIII

Giovanni Battista Novelli cresceu no início provavelmente com a mãe em Santa


Maria a Monte, mas ele logo se mudaria para Bientina para morar com seu irmão
mais velho Michele. Como já descrito, não foi um momento fácil. Não apenas para
os Novelli, mas para toda a área. Os preços dos grãos haviam aumentado
constantemente há anos, e o período entre 1680 e 1720 deve ter sido
particularmente ruim. Foi um período que culminou na , como
esta fase de clima frio e muito ruim é conhecida entre os pesquisadores do clima.
As colheitas eram desastrosas e muitos pobres estavam morrendo de fome.

Como resultado da fome da primeira década


do século XVIII, o Grão-Duque Cosimo III
ordenou. em março de 1710, o cultivo de
milho (originário das Américas) em suas
propriedades rurais, incluindo Altopascio,
Vicopisano, Pianora e Cascine, perto de
Bientina. Com retumbante sucesso. Já cerca de
dez anos depois, a quantidade de milho
colhida foi doze vezes maior e na metade do
século quarenta vezes. A partir de então o
milho, principalmente em forma de polenta,
nunca mais deixaria o cardápio dos italianos.
No entanto, más colheitas ainda estavam por
vir, especialmente nos anos 1713 e 1715.

Cosimo III de
Medici

66
Imagem acima: Durante muito tempo o trigo foi o cereal mais importante na Italia. Isso começou a
se mudar a partir de 1700, quando o milho que provém das Américas passou a ser o grão mais
cultivado e consumido pelos italianos

Imagem abaixo: O casamento de Gio Batta Novelli com Cammilla Isolani em 1711

Apesar dessas circunstâncias adversas, os Novelli conseguiram sobreviver.


Podemos ver os casamentos dos filhos de Stefano em meio aos maus momentos
do início do século como um exemplo de sua esperança por um futuro melhor.
Após Michele, ter se casado em 1704 em Bientina, o irmão Giovanni se casa em

67
1702 em Santa Maria a Monte com Maria Maddalena Pierucci e finalmente nosso
antepassado Giovanni Battista se casou em 26 de outubro de 1711 também em
Santa Maria com Cammilla Angiola Isolani. No registro de seu casamento, está
escrito que ele veio da paróquia de Bientina, onde estava vivendo com o irmão.

Como dote para o casamento, Cammilla trouxe um pedaço de terra cerca de 1,5
hectares na área chamada . No entanto, eles viviam sob
condições difíceis. Em uma lista de distribuição de sal de Santa Maria a Monte, de
1720, eles são contados entre os , ou seja, entre os pobres da
comunidade. Outros parentes da cidade estavam em melhor situação, como os
numerosos descendentes de Agniolo Pacini, especialmente Bastiano e Iacopo No-
velli, que eram trabalhadores da rica família nobre Albizzi, para quem também os
descendentes de Salvestro Chiti, outro antepassado nosso, estavam trabalhando.

Acima: A cidade de Bientina hoje. No fundo vê-se os bosques da Cerbaia.

Abaixo: Os Novelli em uma lista de distribuição de sal de Sta Ma. a Monte de 1720.

68
Imagem acima: Sta. Maria a Monte. Ao
lado: Registro de óbito de Cammilla
Isolani de 1722.

Sim, a família havia crescido em


Santa Maria a Monte durante os
últimos 150 anos. Da pequena família Pacini no Lischeto e na Pianora haviam se
formado vários ramos e o sobrenome Novelli estava se difundindo em Santa Maria
a Monte, principalmente na área da Fortezza di Pozzo.

Giovanni Battista teve apenas


dois filhos com Cammilla
Angiola (encontramos Maria
Caterina, nata em 1718 e Anna
Maria, nata em 1720), mas
infelizmente a jovem mãe
morreu muito cedo em 25 de
julho de 1722. Talvez a difícil
situação econômica tenha
contribuído para que ela
falecesse tão jovem.

Registro de impostos das terras


(terratico) com a parte relativa a
Giovanni Novelli em Santa Maria a
Monte (ca 1750).

69
Acima: A igreja de San Giovanni em Santa Maria a Monte. Nesta igreja há um porão onde há uma
porta secreta que leva às galerias subterrâneas da cidade.

Giovanni Battista se casou sem demora novamente no dia 29 de agosto de 1722, com
nossa antepassada Maria Antonia Puccini, de 26 anos, filha de Iacopo Puccini e Maria
Maddalena Rossi. Maria Antonia, nascida em 19 de setembro de 1695, também era de
Santa Maria a Monte, mas alguns de seus avós vieram de Castelfranco di Sotto, Santa

primeira esposa. Muitos de seus filhos do segundo casamento tiveram padrinhos e


madrinhas da familia Isolani.

Registro de
casamento de
Giovanni
Battista No-
velli com
Maria Anto-
nia Puccini,
Santa Maria a
Monte, 1722

70
Jolanda Pfeiffer Novelli frente à cidade de
Santa Maria a Monte em 2012

Além das duas enteadas, Maria


Antonia teria vários filhos com Gio-
vanni Battista. Encontramos o
batismo de oito filhos, incluindo o
de nosso antepassado Gaspero
Gaetano Novelli, de 9 de março de
1732. Todas as crianças nasceram
em Santa Maria a Monte: Maria
Angiola 04.09.1723, Maria Caterina
05.03.1725 (a meia-irmã mais velha
havia falecido antes, assim recebeu
o mesmo nome), Stefano Valentino
05.07.1728, Maria Colomba
05.12.1730, Maria Domenica

71
ca.1731, Valentino ca.1733 e Diana 13.03.1735. Duas de suas filhas se casaram com
membros da família Isolani: Maria Angiola com Valentino Isolani e Maria Domenica
com Mattia Isolani.

Os tempos estavam ficando melhores para a população rural, mesmo que eles
ainda vivessem muito modestamente. A família de Gio Batta Novelli cresceu e eles
tinham trabalho. Por volta de 1730, Giovanni Battista trabalhou para um tal de
Zaccharia di Ippolito em Santa Maria a Monte. Agora ele não é mais contado entre
os pobres da comuna. Ele certamente era esforçado e pode sustentar sua crescente
família com seu trabalho. Em 16 de julho de 1743, Maria Caterina, uma sobrinha de
Giovanni Battista, filha de Giovanni, se casou em Bientina com Valentino Lotti.
Assim, além do irmão Michelle e
seu filho, outra conexão foi
estabelecida com Bientina. Por
volta de 1750, nosso Giovanni
Battista ficou sabendo da
possibilidade de assumir um sítio
em Bientina.

Acima: Um pátio de Santa Maria a Monte

Ao lado: Registro de distribuição de sal de


Santa Maria a Monte de 1731

72
Localização do podere Bucaia em Quatro Strade entre Bientina e Santa Maria a Monte

Então eles aproveitaram a oportunidade e seguiram para a cidade vizinha. No início


de 1751, a família já morava em Bientina. Este ano, a família de Gio Batta Novelli é
registrada no stato delle anime de Bientina. Giovanni Battista, que já estava com
quase 70 anos na época, e sua esposa Maria Antonia Puccini moraram lá por cerca
de 10 anos com 5 de seus filhos, que já estavam quase todos adultos.

Eles tocavam o sítio Bucaia de Gio Batta Pacchi, provavelmente como mezzadri
(meieiros). Esse sítio ficava a meio caminho entre Bientina e Santa Maria a Monte,
no que é agora o lugar
Quattro Strade (quatro
estradas). O sítio ainda
fazia parte da Cerbaia e
não ficava longe da
Pianore, aonde uma das
estradas levava rumo ao
norte. Mas já no início dos
anos 1760, eles já não
estavam morando mais lá.

Stato delle anime de


1751 de Bientina com
nossos antepassados 73
Como mezzadri (meiei-
ros), os camponeses não
eram os donos da terra
que cultivavam, mas
eram flexíveis. Assim, eles
podiam aproveitar uma
boa oportunidade e se
mover, o que podemos
observar várias vezes
com a Novelli entre 1750
e 1775. Mas talvez isso
signifique que até então
eles estivessem em terras
que não eram muito
lucrativas ou estavam
insatisfeitos com o
proprietário.

Santa Maria a Monte com os


Monti Pisani ao fundo. Atrás
desta serra está a cidade de
Pisa.

Por volta de 1758 a fami-

lia havia voltado para


Santa Maria a Monte,
onde eles trabalharam
no podere chamado
ao norte da
cidade. Giovanni Battis-
ta (eu chamo ele de
, pelo fato de ele
ser o primeiro de três
com o mesmo nome)
faleceu com a
impressionante idade
de 78 anos em 13 de
Abril de 1761 em Santa
Maria a Monte,
deixando a esposa

74
Maria Antonia Puccini e seus três filhos já
adultos Valentino e Gaspero Gaetano e a
filha Diana cuidando das terras. Giovanni
foi enterrado em Santa Maria a Monte na
cripta da Compagnia della Santa Croce.
Até aquela época era costume de os
mortos serem sepultados debaixo do piso
das igrejas, o que acabou por ser proibido
por motivos de higiene. Eu gosto de
imaginar os rituais que os italianos
celebravam naquela época quando um
ente querido falecia. Um destes rituais era
a ceia fúnebre após o sepultamento. Nela
não se comia carne. Se bebia o forte
vinho tinto da região, mas só de copos de
cerâmica e só se brindava e falava das
coisas boas que o finado fez e de seu
lado bom. Eu imagino que muitas pessoas
vieram ao seu funeral e à sua ceia.

Acima: O interessante
púlpito medieval da igreja
de Santa Maria a Monte

Ao lado: O estato delle


anime de Santa Maria a
Monte de 1767 com nossa
família Novelli

Abaixo: Registro da morte


de Giovanni Battista Novelli
em 13 de abril de 1761 em
Santa Maria a Monte

75
Nossa família Novelli é
mencionada no stato delle
anime mais antigo do
município do ano 1767. Mas
agora havia apenas quatro
pessoas na familia: a viúva
Maria Antonia Puccini, os
filhos Valentino e Gaspero
Gaetano e a filha Diana
(todos entre 25 e 30 anos).
No stato delle anime, pode-
se ver clara-mente que
Gaspero, embora mais jovem
que Valentino, administrava
o sítio depois da morte do
pai. Os italianos levavam o
papel do capo di famiglia
(chefe da familia) a sério. Em
caso de inadimplência, a
familia toda arcava com as
consequências. Em caso de
um dos membros da familia
ter que pagar uma multa, a familia toda pagava. E somente o capo podia assinar
contratos e decidir sobre uma questão importante. Uma pessoa solteira só se tornava
independente, se fosse capo pu fizesse uma declaração notarial se separando de sua
familia, mesmo se vivesse em outra cidade.

Acima: Maria Antonia Puccini morreu em 10 de março de 1768 em Santa Maria a Monte
Abaixo: Nossa família Novelli no Stato delle Anime de Santa Maria a Monte de 1770

76
Acima: Afrescos da igreja de Santa Maria a Monte (pintados por volta de 1700)

Maria Antonia Puccini faleceu alguns anos mais tarde em 10 de março de 1768
também em Santa Maria a Monte com cerca de 75 anos. Essa mulher forte e seu
marido, que havia falecido sete anos antes, tiveram que lutar muito no decorrer de
suas vidas. Devemos a eles e à força de seus pais o fato de que a família superou
todas as crises de pobreza e da fome.

Abaixo: Santa Maria a Monte vista da planício do Vale do Arno.

77
A localização do sítio Girella em Santa Maria
a Monte seta de cima.

A situação econômica da família estava melhor,


mas provavelmente ainda longe de ser ideal. Após
a morte da mãe, a irmã Diana continuou a cuidar
da casa. Mas como ela e seus irmãos tinham idade
para se casar, eles começaram a procurar por um
bom partido em Santa Maria a Monte e nas área
circundantes. Após a morte do pai, Gaspero
tornou-se o chefe da familia e podia agora
negociar o dote de sua irmã. E encontraram um
noivo para ela em Calcinaia, talvez por intermédio
da irmã Maria Caterina, que já estava casada com
um homem de Calcinaia, Valentino Lotti. O noivo
de Diana se chamava Valentino Carlotti, com a
qual se casou em Calcinaia no dia 31 de agosto de
1771. Agora a pequena família de Santa Maria a
Monte havia diminuído ao mínimo. Apenas os
dois irmãos solteiros Gaspero e Valentino viviam e trabalhavam no sítio da Girella.

Como vimos, nessa época entre 1670 e 1770 a familia mudou constantemente de
domicilio. Talvez eles estivessem sempre à procura de terras melhores, talvez por um
contrato de arrendamento e de meieiro melhor, e as mudanças constantes podem
sugerir que ainda não estavam satisfeitos. E além disso o século XVIII não foi fácil na
Toscana. Foi só com as reformas do grão-duque Pedro Leopoldo de Lorena que essa
situação começou a mudar no final do século XVIII.

O trajeto que os Pacini-Novelli fizeram na região do Basso Val dArno, começando em Castelfranco, indo para
Staffoli, depois para Santa Croce, depois para a Pianora, depois para Santa Maria a Monte e por final Calcinaia

78
Gaspero Gaetano Novelli no
i Ronchi em Calcinaia
Em 1770, nosso antepassado Gaspero Gaetano e e seu irmão mais velho Valentino
ainda estavam vivendo no sítio da Girella em Santa Maria a Monte onde eles eram
meieiros. Como eles tinham apenas alguns parentes próximos aqui, passaram a
pensar em voltar para Bientina, onde haviam vivido quando eram jovens e
conheciam muita gente e onde eles também tinham parentes e amigos. Por
exemplo, as irmãs
Maria Caterina e Diana
haviam se casado com
calcinaioli, com
moradores de Calci-
naia.

Ao lado: A familia Novelli


ainda em Santa Maria a
Monte em 1770 (no stato
delle anime).

79
Santa Maria a Monte, onde os Novelli viveram por mais de 100 anos e de onde têm inúmeros
ancestrais. A torre da igreja era na Idade Média uma das torres da muralha da cidade, é por isso que
ela tem um aspecto bélico. O palácio ao lado esquerdo da igreja foi da família Maffei, uma das mais
importantes da cidade.

Mas Gaspero não queria continuar solteiro. Além disso os irmãos necessitavam de
uma mulher para os apoiar nas tarefas do dia a dia. Gaspero e Valentino
provavelmente eram amigos da família Luschi de Santa Maria a Monte. Uma filha
da familia, Diana Luschi, de 32 ou 33 anos de idade, ainda estava solteira e, assim,
os Novelli e os Luschi arranjaram um casamento. Por volta de 1772, Gaspero Gae-
tano casou-se com Diana Luschi. Mas infelizmente, não conseguimos encontrar o
registro deste casamento.
Os ancestrais de Diana Luschi, a grande maioria dos quais veio de Santa Maria a Monte

80
O casamento dos pais
de Diana Luschi
Francesco di Piero
Luschi e Maria Anto-
nia di Domenico
Giovannetti em 1738
em Santa Maria a
Monte

Diana Luschi nasceu em 2 de novembro de 1739 em Santa Maria a Monte, assim como
seu pai Gio Francesco em 19 de setembro de 1708 e sua mãe Maria Antonia Giovannetti
em 25 de março de 1709. Diana descendia de familias tradicionais de Santa Maria a
Monte. E a familia Luschi também tinha laços com Calcinaia. Diana tinha um parente,
talvez um tio, chamado Pier Domenico Lucchi (ambas as grafias Luschi e Lucchi eram
usadas na época) que deu uma dica ao novo casal Novelli. Ele havia sido meieiro de um
sítio em Calcinaia nos idos de 1750 e ouvira dizer que seus sucessores, a familia de
Francesco Pavolini, estava querendo deixar o sítio devido às fortes inundações que
haviam ocorrido em 1772.

Acima: Batismo de Diana Luschi em Santa Maria a Monte em 1739 ea


Via Marrucco no I Ronchi de Calcinaia.

Com vontade de viver próximo dos irmãos, tios e primos que estavam em Calcinaia e na
vizinha Bientina, os Novelli decidiram conversar com a proprietária do sítio, a senhora
Baglioni de Florença para ver se eles poderiam assumir o sítio. E felizmente tudo deu
certo, fizeram um acordo e entre o final de 1772 e o início de 1773 passaram para
Calcinaia iniciando uma nova e importante etapa na história da nossa familia Novelli.

81
A área do i Ronchi em Calcinaia com os Monti Pisani ao fundo.

A Casa Novelli em Calcinaia

Apenas a algumas centenas de metros ao sul de Bientina, em direção à cidade de


Calcinaia, perto da Sardina, havia muitas terras pertencentes a famílias nobres
florentinas, inclusive na área chamada na Via Marrucco. O nome
runcare
grande arco na planície de Calcinaia, seguindo o curso antigo do rio Arno. A
margem externa da estrada Marrucco, exatamente onde era o antigo leito do rio
Arno há cerca de 200 anos atrás, formava a fronteira com a grande Fattoria di
Vicopisano, que pertencia à familia Medici, assim como a Fattoria da Pianora, onde
nossos ancestrais Pacini/Novelli viveram mais de 100 anos atrás.

Estrada rural
em Calcinaia
assim
podemos
imaginar a via
Marrucco no
verão

82
O lago di Bientina, hoje só visível
quando chove muito, pois foi
drenado a mais de 150 anos atrás
para dar lugar à campos e
pastagens.

No lado interno da estrada,


perto do ápice desse arco, a
maior parte das terras pertencia
à ordem católica de Niccosia de
Calci e mais ao sul, à familias da
nobreza. Lá, havia um sítio que
pertencia a rica família florenti-
na de Piero Baglioni. Em meio aos campos da planície, com uma visão aberta para os
Monti Pisani no oeste e os morros da Cerbaie no leste. Entre 1760 e 1772, a família
Pavolini tocou o podere como mezzadri, mas provavelmente desistiram do contrato em
1772 devido às fortes inundações do rio Arno e do lago de Bientina. Antes da família
Pavolini, por volta de 1760, havia sido Pier Domenico Lucchi, o provável tio de Diana
Luschi quem havia trabalhado neste sítio.

Mapa de Bientina, Calcinaia e Vicopisano por volta de 1750. Os Medici possuíam grandes
propriedades na área. As áreas amarelas à esquerda pertenciam à Fattoria de Cascine di Bientina,
onde viviam nossos ancestrais da família Chiarini, e as áreas vermelhas pertenciam à Fattoria de
Vicopisano, ambas propriedade dos Medici. A terra de cor púrpura era a área da comune de
Bientina, a terra amarela à direita era de Calcinaia e a terra verde de Vicopisano. Na extrema
esquerda está o pântano de Bientina (Padule). A seta aponta para o posterior sítio dos Novelli no i
Ronchi (a partir de 1772).

83
Stato delle anime de Calcinaia de 1773

Gaspero Gaetano Novelli é mencionado pela primeira vez no Stato delle Anime de
Calcinaia da Páscoa de 1773, onde já estava tocando o podere della Signora
Baglioni aos 38 anos de idade com sua esposa Diana de 34 anos, e seu irmão Va-
lentino de 40 anos. Mais tarde, em 1788, a família Baglioni acabou vendendo suas
terras para uma família Vannucchi. No entanto, os Novelli permaneceram como
meieiros no local. Essa casa vai ser onde a familia passará a viver nos próximos 200
anos. Essa propriedade rural é denominada em certos mapas de
Calcinaia, o que mostra como a familia marcou esse local. Até hoje vivem
descendentes de Gaspero Gaetano e Diana Luschi no local. Aqui as terras eram
melhores que em Santa Maria a Monte o que motivou a familia a deixar as
frequentes mudanças de sítio para sítio e se erradicar definitivamente aqui. E a
partir de agora os tempos melhorariam para nossos ancestrais.

Antigo mapa de ca. 1880 com o antigo leito do Arno, onde está registrada a Casa Novelli

84
Ao lado: Uma das casas Novelli
no i Ronchi. E abaixo vista para
as Case Novelli na Via
Marrucco.

Mas mesmo assim o início


em Calcinaia não deve ter
sido fácil. Certamente a
devastação da última
inundação do Arno ainda
era visível em vários
lugares: lama, casas sujas,
equipamentos quebrados
e plantações devastadas. No início do verão de 1773, eles provavelmente já haviam
arrumado e concertado as coisas necessárias e puderam apreciar a beleza de sua
nova casa cada vez mais.
Este novo começo da familia Novelli em
Calcinaia não só fecundou o chão e as
lavouras do i Ronchi, mas também trouxe
outra fertilidade. Já em fevereiro de 1774
nasce o primeiro filho do casal Gaspero e
Diana, um pequeno bambino que recebeu
o nome Giovanni Battista Novelli, que nós
do meio
primeiro ancestral Novelli nascido em
Calcinaia. Como o primeiro Giovanni Battis-
ta depois houve 3
Giovanni Battista Novelli, eu os chamo de

85
As Case Novelli e os Novelli no stato delle anime de Calcinaia de 1774

A lista de habitantes de Calcinaia feita na páscoa de 1774 já menciona o pequeno Gio-


vanni Battista, com apenas 2 meses de idade. Ele recebeu o já tradicional nome de seu
avô do lado paterno. Infelizmente, seu registro de batismo assim como o casamento de
seus pais não puderam ser encontrados em lugar algum, assim só podemos deduzir de
que ele nasceu dois meses antes da páscoa de 1774.

Alguns anos depois, Gio-


vanni recebeu um fratello
(irmão) chamado Francesco
Valentino (n. 1777), que
recebeu seu nome de seu
avô materno e também
uma sorella (irmã) chamada
Maria Antonia (n. 1780,
mas que provavelmente
morreu novinha), que foi
batizada homenageando a
avó por parte de pai.

86
A planície de Bientina
em época de cheia.
Assim pode ter sido
quando os Novelli
foram para Calcinaia,
depois da grande
enchente de 1772

Os três passaram a
infância nos cam-
pos do i Ronchi. Giovanni e seu irmão, como era habitual na época, ajudavam os pais
nos trabalhos do campo. Provavelmente não frequentaram a escola ou talvez apenas
por um curto período de tempo, pois os filhos dos agricultores dificilmente
frequentavam a escola naquela época. Apesar de uma vida difícil, Giovanni deve ter
adorado viver lá, em meio a sua pequena família e junto com a comunidade dos
moradores sítios ao seu redor, entre eles a numerosa familia Morelli da Sardina, que
mais tarde vai ter um papel importante na nossa história.

Abaixo: Mapa de ca. 1700, extraído de um ainda mais antigo, provavelmente de 1450.
O Arno ainda tinha sua antiga curva entre Calcinaia (enquadrada em vermelho) e Bientina. A área
da casa dos Novelli está marcada com um ponto vermelho. Castelfranco e Santa Croce podem ser
vistos abaixo como castelos. Santa Maria a Monte demostra-se particularmente grande e fortificada
(Archivio di Stato di Lucca)

87
CALCINAIA e BIENTINA na idade média
As cidades de Bientina e Calcinaia estão localizadas dentro de uma pequena
planície que é delimitada a leste pelas colinas da Cerbaie e a oeste pelos Monti
Pisani. No norte, o grande Lago di Bientina, com seus pântanos, formava uma
fronteira natural com a República de Lucca e no sul, onde a planície se estende um
pouco além do rio Arno, havia outras pequenas cidades, que pertenciam a Pisa.
Bientina, Calcinaia e a cidade vizinha de Vicopisano estão tão próximas uma das
outras que até hoje um ditado local diz: ina e Vico, todos se
. Hoje é difícil diferenciá-las uma da outra, pois elas
cresceram juntas nesse meio tempo formando uma só malha urbana que faz parte
da região metropolitana de Pisa.

Apesar de termos dezenas de ancestrais de Bientina, o costume local de não se utilizar sobrenomes
mas só os patronímicos, dificulta extremamente a pesquisa. Abaixo: lista de habitantes de 1535.

88
À esquerda: Calcinaia às margens do Arno
hoje. Na parte plana superior à direita da
cidade podemos ver os campos do I Ronchi

À direita: Lukas diante da Torre Mozza, uma


de duas torres remanescentes da muralha de
defesa medieval de Calcinaia

Quando as grandes cidades Lucca,


Pisa e Florença se libertaram do
domínio da nobreza lombarda por
volta de 1150 e passaram a ser
repúblicas autônomas com feudos
próprios, começaram a expandir sua
esfera de influência cada vez mais, e a
lutar entre si por elas violentamente.
Como nossa área ancestral era uma
área de fronteira na Idade Média,
todas as cidades da região foram
atacadas repetidamente, ora por
Lucca, Pisa e às vezes Florença.

O poder imperial romano-germânico impediu temporariamente esses confrontos,


mas assim que esse poder central enfraqueceu depois da morte do imperador Fre-
derico II em 1250 (que gostava muito dessa nossa região a torre de San Miniato
foi construída por ele), os combates foram retomados. Por isso, a partir de 1200, os
habitantes da planície aberta voltaram a temer as tropas inimigas se retirando para
os burgos fortificados, entrincheirando-se cada vez mais atrás de seus muros, com
altas torres e fossos profundos.
O famoso domo de Pisa com sua torre campanária pendente (construida entre 1173 e 1372)

89
Tentativa artistica de reconstruir como era o aspecto de Bientina na idade média

Essa fase de fundações e de fortificação das cidades rurais se estendeu de


aproximadamante 1150 até por volta de 1350 quando a peste negra dizimou a
população da Europa. Este processo não ocorreu só na Toscana. Ele pode ser
observado também na França e na Alemanha nesta mesma época.

Está documentado que a cidade de Bientina foi oficialmente fundada em 25 de


fevereiro de 1179, quando 116 homens entre 15 e 60 anos de idade prestaram
juramento de fidelidade ao arcebispo de Pisa. Com esse juramento, prometeram
que se estabeleceriam dentro dos muros que Pisa erguera para eles. Essa foi uma
declaração clara de pertencer a Pisa e não a Lucca, que também expandia seu
domínio nessa área.

Uma foto de um navicello em


Livorno. Nossa familia ancestral
Baccheretti de Calcinaia
também trabalhava com o trans-
porte de mercadorias com estes
barcos.

É interessante saber que


antes de 1580 o curso do
Arno era diferente do
atual. Ele corria entre as

90
cidades de Bientina e Calcinaia, separando-as. Foi o famoso Leonardo da Vinci (que
nasceu na cidade próxima de Vinci) que recebeu a tarefa de planejar uma mudança
de seu curso para diminuir o perigo das frequentes inundações e para facilitar a
navegabilidade do rio que era uma verdadeira auto-estrada entre Florença e o
porto de Pisa no Mar Mediterrâneo. Centenas de pequenos navios de carga,
chamados navicelli, trafegavam todos os dias no rio para trazer e levar mercadorias
para a grande metrópole. Em 1503 Leonardo da Vinci fez um estudo para o
governo de Florença sobre a possibilidade de desviar o curso do rio Arno, o que foi
realizado algumas décadas depois por volta de 1560-1580. No rascunho acima de
Leonardo da Vinci vemos o rio Arno como era antes da mudança e as cidades de
Calcinaia e Bientina marcadas de vermelho.

Antes de 1179, os habitantes da planície de Bientina viviam espalhados em seus


sítios e em pequenas aldeias de pescadores junto ao lago de Bientina. Parece que
antes desse juramento, a área era realmente muito dominada por Lucca, o que
também é evidente no sotaque dos bientinesi, que provém mais do dialeto de
Lucca do que do de Pisa. Bientina aparece desde o início como um objeto de
disputa entre Pisa e Lucca. Talvez a situação em Calcinaia tenha sido um pouco
mais clara, porque, embora também houvesse confrontos sangrentos entre as duas
cidades-Estados, a maior proximidade de Pisa, o Arno como fronteira natural ao
norte e leste e as outras fortalezas pisanas de Vicopisano e Pontedera ofereciam
maior proteção contra a rival Lucca.

91
Antiga imagem de
Vicopisano com o
Arno em primeiro
plano

Do outro lado do
Arno, a poucas
centenas de met-
ros de Calcinaia,
encontra-se o
antigo mosteiro
de Montecchio,
mencionado
como Villa di
Monticelo por volta de 800 dC. Naquela época, Montecchio era mais um castelo do
que um mosteiro. Abredita-se que a cristianização da população pagã original se
iniciou provavelmente por volta de 400 ou 500 dC partindo de Montecchio e da
primitiva igreja de Santa Maria a Monte, os primeiros templos da região.

Até a Idade Média, Calcinaia era chamada de Vico Vitri, que pode derivar Vico
Vecchio
vizinha de Vicopisano, fundada mais tarde. O nome Calcinaia, que aparece a partir
de 1074, vem das muitas oficinas de produção de calcário que existiram aqui na
idade média. Entre 1000 e 1200 o
nome Calcinaia substituiu o
antigo Vico Vitri. Naquela época,
Calcinaia, assim como Vicopisano
tinha grande importância
econômica para muitas famílias
patrícias pisanas (entre elas a
familia dos Upezzinghi, a mais
importante no local e da qual
ainda resta uma torre na cidade)
e era também um importante
posto militar e administrativo
para Pisa.

A torre degli Upezzinghi em


Calcinaia construída por
volta de 1200, que pertenceu
a uma importante familia
nobre de Pisa que possuia
muitas terras em Calcinaia e
que também residia aqui.
92
A Piazza Grande de Bientina com a Torre del Mattei ao fundo.

Bientina também se transformou em um importante baluarte contra Lucca no


norte. A cidade, que naquela época tinha apenas por volta de 300 habitantes,
recebeu um muro de 8 metros de altura e 2 metros de espessura, com 6 torres,
incluindo a Rocca (rocha), de 33 metros de altura, o suficiente para poder observar
a área circundante. De lá de cima, o guardião podia ver os sinais de fumaça e as
luzes noturnas das outras cidades, que
eram os meios de comunicação mais
rápidos da época. Isso lhes permitia
manter contato com seus aliados,
mesmo no caso de um cerco. Hoje,
essa torre é chamada Belvedere
(traduzida: bela vista) que soa melhor
que Rocca e hoje serve como torre de
sinos para a igreja matriz. Outra torre
Torre del Mattei
22 metros de altura e provavelmente
foi habitada temporariamente por
membros de nossa família ancestral
Mattei.
Antigo mapa de 1500 demostrando o curso
original do rio Arno entre Bientina (acima) e
Vicopisano (abaixo)
Na curva mais próxima a Bientina estava a
Sardina, onde os Morelli viviam desde ao mais
tardar 1600.

93
Uma trincheira foi escavada ao redor
da muralha da cidade, que foi
preenchida com a água que escoava
do lago de Bientina com o riacho
chamado Cilecchio. Só se podia entrar
na cidade transpondo a vala através de
uma das duas pontes levadiças das
portas da cidade. Um problema com
essa vala era que o esgoto da cidade
se acumulava ali durante os meses
secos do verão e a vala começava a
cheirar terrivelmente.

Aliás, as condições higiênicas nestas


pequenas cidades eram péssimas.
Principalmente no verão com a falta de
chuvas era muito difícil manter a
cidade limpa. E como as ruelas eram
apertadas e os muros das cidades não
deixavam o ar circular, as ruas
cheiravam mal no verão e
principalmente nos andares inferiores
das casas o ar ficava muito parado.

O Lago di Bentina, onde nossos ancestrais de Bientina foram pescadores por inúmeras gerações.
Hoje ele só é visivel quando chove muito inundando os campos.

94
De fato, Bientina teve que se defender várias vezes contra o avanço de inimigos, por ex.
em 1265 e 1275. Até mesmo contra o famoso Ugolino della Gherardesca, um poderoso
patrício pisano, que foi declarado traidor de Pisa por causa de seu tratado de paz com
Florença e Lucca após a batalha naval de Meloria. Ugolino lutou como um pária com
seus aliados contra seus próprios compatriotas pisanos, por quem ele havia sido traído
e aao mesmo tempo sido declarado traidor.

Naquela época, houve até mesmo uma batalha naval entre Pisa e Lucca dentro do lago
de Bientina, na qual Pisa saiu vitoriosa. Os navios de guerra pisanos incendiaram os
lucanos. A partir de então e até a
unificação da Itália em 1860, o lago
formou a fronteira com o território de
Lucca. Para comemorar essa batalha, os
bientinesi realizavam todos os anos uma
festa, no qual pequenos barcos
representando os de Lucca eram
queimados na Piazza del Angiolo. Este
festival não muito pacífico foi
posteriormente substituído no século
XVII pela festa de San Valentino.

Escultura de Ugolino della Gheraldesca do


escultor Jean-Baptiste Carpeaux, retratando-o
quando fora trancado em uma torre em Pisa
com seus filhos condenados a morrerem de
fome

95
As armas da nossa
família ancestral del
Rosso de Bientina..

Como vimos, ao norte de Bientina havia um gran-


de lago, chamado de Lago di Bientina (ou também
Lago di Sesto). A maior parte dos habitantes de
Bientina eram pescadores neste lago. Muitos
ancestrais nossos de Bientina viviam da pesca, por
exemplo as familias del Brilla, di David, Giannetti,
Tonissi, Ruberti, Mattei, del Rosso, Vincenti e
muitas outras, que por sua vez já descendiam dos
pscadores da idade média e provavelmente da
antiguidade clássica. Este lago foi sucessivamente
secado para dar espaço a campos de cultivo de
milho, sumindo definitivamente em 1859.

Na Idade Média houve uma pequana guerra


entre os habitantes de Bientina e Santa Maria a
Monte sobre os direitos de pesca em certa parte do lago. Os habitantes das duas
cidades se guerrearam em um combate que teve alguns mortos de ambos os lados
e pelo fato de nenhuma das duas cidades ter ganho claramente a luta e nem que-
rer ceder, chamaram a cidade de Lucca para arbitrariar a discórdia. Assim Lucca
mandou alguns juízes para resolverem a briga.

Foram encontrados inúmeros achados arqueológicos da época etrusco-romana na


área do antigo lago (que ainda hoje se chama Padule di Bientina pântano de
Bientina). Por exemplo capitéis e outras ruínas que deram origem à lenda de que
existiu aqui uma cidade submersa.
A Piazza Grande de Bientina.

96
De
fato,
algu
ns
dest
es
objet
os
viera
m à
luz
em
mea
dos do século XVI, quando as águas abaixaram durante uma das primeiras
tentativas modernas de drenar o lago (com a construção do primeiro canal
Serezza), outras peças foram encontradas no fundo do lago pelos pescadores que
as usavam para se orientar e as consideravam parte de um tecido urbano submerso
com muitas ruas, praças e edifícios.

O século XIV não foi um século bom para Calcinaia, Bientina e nossa terra ancestral
em geral. Em 1315-1317, o clima estava ruim em toda a Europa. As colheitas foram
desastrosas e uma fome terrível se espalhou. A Itália não foi tão afetada quanto o
norte da Europa, mas também aqui foram sentidos a falta de alimentos e os preços
extremamente altos dos alimentos. Em 1333, parte de Calcinaia (40 casas) foi
destruída por uma inundação devastadora do Arno. Essa inundação foi muito grave
em todo o vale do Arno, até
Florença foi fortemente
inundada. em Empoli, Santa
Croce e Castelfranco, as massas
de água destruíram muitas
casas e grande parte das
muralhas das cidades. As
frequentes inundações no rio
Arno e, especialmente, a
epidemia de peste negra de
1348, causaram um
encolhimento considerável da
população. Dos 900 habitantes
de Calcinaia, apenas 200
sobreviveram à peste.

Calcinaia
hoje.
97
A parte histórica da cidade de Calcinaia hoje

Foi para evitar essas inundações e escoar a água dos pântanos da região, que o
governo da Toscana mudou o curso do Arno entre Calcinaia e Bientina entre 1560
e 1580. Mas após essa modificação Calcinaia passou para a outra margem do rio
deixando assim de ter a posição comercial estratégica que tivera outrora, perden-
do-a para Pontedera que teve um avanço considerável a partir de então.

Nos séculos XIII e XIV, Bientina esteve alternadamente sob o domínio de Lucca e
Pisa, até que, em 1402, se submeteu ao domínio florentino. Teve que colaborar
com Florença no último cerco d guerra de Pi-
sa
soldados de infantaria espanhóis, mas estes foram afastados pelos defensores. O
Senado florentino, em homenagem à lealdade demonstrada, concedeu à Bientina
privilégios econô-
micos e fiscais, bem
como a alcunha
Bientina Fiorentina

Reconstrução do lago di
Bientina entre os estados
de Lucca e a Toscana

98
Giorgio Vasari: Afresco do cerco de Pisa por Florença em 1505. No início da guerra, em 1498, um
ancestral nosso, Gaspero di Michele Cavallini de Castelfranco foi para Firenze pedir mais

Em 1533-38, é mencionado um provável ancestral nosso de Bientina. Foi quando a


cidade de Siena, uma grande rival de Florença, conquista Vicopisano. O representante
de Florença em Vicopisano, Capitano Perugino, fugiu para Bientina e organizou a
resistência a partir de lá. Quando as tropas de Siena se aproximaram e cercaram
Bientina, Capitano Perugino e o bientinês Antônio di Marco del Brilla lideraram as forças
defensoras e conseguiram repelir os inimigos. Os del Brilla, uma antiga família de
Bientina, eram pescadores no lago de Bientina e Antonio poderia ser o avô ou bisavô
de nosso ances-tral Pier del Brilla (nascido por volta de 1590).

Uma imagem de
Siena medieval

99
Entre as três
cidades de Vico-
pisano, Calcinaia
e Bientina, é de
Bientina de onde
veio a maior
parte de nossos
ancestrais. Isso é
porque os No-
velli e os Morelli
se casaram com
mulheres de
Bientina tendo
assim muitos
ancestrais de lá. Era cômodo: as casas deles no i Ronchi e Sardina eram mais
próximas de Bientina do que de Calcinaia.

Imagem acima: Calcinaia na década de 60.

Abaixo: Mapa antigo retratando toda nosssa região ancestral no vale do Arno

100
Os campos de Bientina e Calcinaia

GIOVANNI BATTISTA NOVELLI o

Como vimos, em fevereiro de 1774 nasceu o primeiro filho de Gaspero Gaetano Novelli
e Diana Luschi, que recebeu o nome do avô paterno: Giovanni Battista. Foi uma época
muito interessante. Em 1776 ocorreu a independência dos Estados Unidos, em 1783 os
irmãos Montgolfier decolaram com o seu balão iniciando uma grande nova era
tecnológica, em 1786 o Grão-Ducado da Toscana passa a ser o primeiro País do mundo
a abolir a tortura e a pena de morte e em 1789 a revolução francesa botou fogo na
França, e no mesmo ano a inconfidência mineira eclodiu no Brasil. A revolução francesa
ecoou muito na Toscana, mas ainda passariam alguns anos até que ela tivesse uma
repercussão efetiva
em nossa área.

A antiga igreja de
Calcinaia, que foi
substituida pela atual

101
A cidade de Bientina por volta de 1900

Giovanni se casou em Calcinaia em 1803 com Maria Diamante Chiarini (nascida por
volta de 1773), a filha do falecido Francesco Chiarini, de Bientina, e de Maria Teresa
Masoni, de Calcinaia. Os Chiarini foram meieiros em Bientina por várias gerações e
trabalhavam na fattoria do Grão-Duque da Toscana. Infelizmente não conseguimos
encontrar o registro do casamento nos livros da paróquia. Como a mãe de Giovanni,
Diana Luschi faleceu no mesmo ano do casamento, no dia 16 de Setembro de 1803, a
jovem Diamante teve que assumir os deveres na casa do sogro Gaspero (com 71 anos
na época), do marido Giovanni
(31 anos) e do cunhado Francesco
(27 anos). Era um pequeno grupo
de homens e alguém tinha que
cozinhar para eles, lavar e cuidar
da casa e da horta.

A familia Chiarini com a jovem


Diamante no stato delle anime
de Bientina de 1793

102
Casamento de camponeses italianos
por volta de 1850 quadro de
Angelo Inganni

Para que possamos ter uma


idéia de como era uma
cerimônia de noivado e de
casamento da época, temos
aqui uma descrição local:
No dia do noivado, o pai do
noivo vai junto com um

époc
às vezes, também com o
notário para a casa da futura
esposa para discutir e
determinar os detalhes
financeiros do casamento.
Após negociar o dote e
elaborar o contrato de
casamento (geralmente notarial), são servidos refrescos e doces ou pão com queijo
junto com toda a família. Nenhum presente é feito aqui. Os camponeses costumam
servir o jantar ao invéz de um refresco, para o qual também são convidados outros
parentes do casal nupcial. Após a
refeição, o noivo entrega o anel de de
noivado à noiva.

Temos alguns registros das


tradições nupciais da época,
anotadas no distrito de Fornacette
de Calcinaia. Por exemplo, era
costume visitar as propriedades da
família da noiva e do noivo, como a
casa, o celeiro, os armazéns de
grãos, etc.

A cidade de Montecalvoli situada entre


Santa Maria a Monte e Calcinaia

103
A cidade de Vicopisano em pintura de Giorgio Vasari de ca. 1500, de onde vieram nossos ancestrais
da familia Buti

No gráfico ao lado vemos os ancestrais de


Diamante Chiarini. Entre eles as
familias Chiarini de Bientina, os Nuovi de
Montecalvoli, os Buti de Vicopisano e os Masoni de
Calcinaia, uma mistura fina de nossa região
ancestral ao redor de Calcinaia.

No dia do casamento, os parentes são


convidados para a casa da noiva, onde
aparecem com presentes e depois
acompanham a noiva à igreja. Há muitas
brincadeiras e festas no caminho, e se dispara
festivamente no ar com armas e pistolas. Na
igreja, os noivos recebem um lindo buquê de
flores.

Imagens na página seguinte, Acima: Caminho em


Bientina. E abaixo: A cidade de Montecalvoli, hoje
um distrito de Santa Maria a Monte, de onde
também temos ancestrais.

104
O mesmo ocorre na volta da igreja principalmente entre os mais jovens. Ao chegar ao
novo lar, a mãe do noivo ou outra pessoa importante vai até a noiva e a cumprimenta
com um avental estendido que prende à noiva. Ela dá um beijo na noiva e a abraça.
Então ela leva a noiva ao seu quarto. Lá, ela recebe os parentes e moradores da casa, que
rallegro
Agora vem a ceia, que é bancada
todos os parentes são convidados. Todo mundo está sentado à mesa, o novo casal no
início e em ordem de importância até os parentes distantes. Após a sobremesa, os
convidados dão os presentes à noiva. À noite, há um bolo e um jantar, para os quais
também são convidados amigos e vizinhos.

A morte de Gaspero e Diana


Mas ao mesmo tempo em que nossos ancestrais festejaram o casamento entre
Giovanni e Diamante, os pais de Giovanni faleceram. Diana Luschi, morre em 16 de
setembro de 1803 com 62 anos
de idade sendo em breve
seguida por Gaspero Novelli,
por volta de 1805. Ele já tinha
74 anos. Foi este nosso
ancestral, o Gaspero, que,
depois de se mudar
constantemente - de Santa
Maria a Monte, para a Bucaia
em Bientina, depois para a
Girella em Santa Maria a Monte
e finalmente no i Ronchi em
Calcinaia - conseguiu encontrar
um lar definitivo para a família
Novelli.

105
Imagem acima: Morte de Diana Luschi em 16 de setembro de 1803, Igreja Paroquial de Calcinaia.
Imagem do meio: A família Novelli no Stato delle Anime de Calcinaia de 1804. Diana já não aparece
mais, pois falecera e Diamante del fu (falecido) Francesco Chiarini aparece pela primeira vez como
esposa de Gio Batta.

Acima: Morte de Gaspero No-


velli, 74 anos, ca. 1806, Igreja
Paroquial de Calcinaia.

Ao lado: Lukas em Calcinaia


frente a um automóvel da
farmacia Novelli em 2011.

106
Acima: Imagem histórica de uma
enchente do Arno em Florença.
A inundação de 1798

A década de 1790 foi novamente um período difícil para a área do Valdarno. No


verão de 1797, houve uma terrível epidemia de febre tifóide em Bientina e o
governo fez o possível para apoiar a população. Ao mesmo tempo houve uma
epidemia de doença no gado, matando quase todo o rebanho bovino da região. O
clima tornara-se extremamente chuvoso e o pobre Santo Valentino precisou ser
retirado frequentemente de sua acolhedora igreja em Bientina para evitar o pior.
Era costume retirar os restos mortais do santo da igreja, para ele intervir a favor de
seus fiéis junto a São Pedro. Às vezes, nem o poderoso santo conseguira ajudar o
povo contra os cataclismas, como ocorreu em novembro e dezembro de 1798.

Os Novelli já estavam morando nos I Ronchi fazia cerca de 25 anos, quando o


jovem Giovanni teve que vivenciar sua primeira grande enchente com seus 24 anos.
Choveu continuamente por dias. Dessa vez eles não estavam morando nas colinas
protetoras do Cerbaie, mas estavam no meio da planície e perigosamente perto
dos dois drenos principais do
lago de Bientina, o Canale
Imperiale e a Serezza.

Imagem da Ponte Vecchio em


Florença durante a inundação de
1966

107
Os moradores de
Bientina e Calcinaia
haviam construído
diques nas margens
desses canais após
as últimas
inundações e
prestavam muita
atenção à suas
condições. No início
de novembro de
1798, as águas
do Serchio, no estado vizinho de Lucca, subiram tanto que foi declarada
emergência em Bientina e Calcinaia e os moradores tiveram que monitorar as bar-
ragens dia e noite. O pai Gaspero e o filho Giovanni certamente participaram
dessas missões que também eram escaladas com os colonos que moravam nas
proximidades.

Para se ter uma idéia de como a área de Calcinaia e Bientina estava sob perigo de ser inundada,
podemos ver neste mapa de 1750 os pintados de amarelo em
comparaçâo aos terrenos que podem ser cultivados (terreni lavorativi). Os i Ronchi ficavam nesta
restrita área cultivável entre Bientina e Calcinaia.

108
Pessoas sendo resgatadas por helicóptero durante a enchente de 1966 no vale do Arno
em uma foto publicada em um jornal italiano.

A situação permaneceu tensa por mais 15 dias, até que as barragens, enfraquecidas
pela água, começaram a ceder na manhã de 24 de novembro. A situação foi
dramática. As pessoas deixaram desesperadamente as áreas da planície. A água se
espalhou pelos campos com muita força e no dia seguinte, quinta-feira, a planície
de Calcinaia, Vicopisano e Bientina estava totalmente submersa. As inundações
chegaram às margens do Arno. A área entre o lago e o Arno tinha 17,5 km de
Piaz-
za de Bientina, a profundidade da água chegou a 1,70 metros no ponto mais
profundo. Na estrada para Vicopisano, muito perto do sítio dos Novelli, a
profundidade era de 1,40 metros. Apesar das perdas, nossos Novelli sobreviveram.
O governo os apoiou um pouco, mas certamente só tanto que pelo menos eles
não podiam morrer de fome.

109
Temos difíceis na virada do
século

Os trabalhos para drenar o lago de


Bientina estavam em pleno
andamento na época, o que deu
coragem aos agricultores, na
esperança de finalmente se livrarem
dessas inundações. Mas ao mesmo
tempo, isso significou a perda do
meio de subsistência para os
pescadores de Bientina. Não só
estava ficando cada vez mais difícil
pescar, mas também os preços do
pescado estavam caindo cada vez
mais. As rendas da venda dos peixes
tornaram-se cada vez menores e
insuficientes cada vez mais
pescadores pescavam no lago de Bientina, que estava cada vez menor. A base da
prosperidade dos séculos passados tornara-se um risco existencial cada vez maior.
E em comparação com as fomes nos tempos passados, a comuna de Bientina não
tinha mais fundos suficientes para apoiar os mais pobres. O resultado foi um
aumento do número de mendigos e de roubos em nossa região.

Os colonos não estavam em uma situação muito melhor. O mau tempo, as más
colheitas, o caos político, as inundações e os preços dos alimentos dificultavam sua
subsistência. Além disso, o meio de trabalho mudou em muitas propriedades.
Muitos mezzadri (meieiros) receberam a oferta para arrendar a terra a preços fixos.
Foi tentador, mas também muito arriscado.

Embora muitos pudessem finalmente se tornar seu próprio chefe, embolsar seu
próprio lucro e avançar economicamente, havia também o risco de ficar pobre e de
ir à falência em tempos de crise devido à dificuldade em pagar o arrendamento. A
Livello
(arrendamento) desde o início da década de 1780, enquanto os Novelli
permaneceram inicialmente como meieiros.

110
Annibale Carracci

A situação econômica
permaneceu ruim nos
primeiros anos do
século XIX. O padre
de Calcinaia contava
56 pessoas em
extrema pobreza e
137 pessoas em
sérias dificuldades em
sua paróquia por
volta de 1800. Muitos
pais de familia se
tornaram ladrões
porque não sabiam mais como alimentar seus filhos. Em Bientina, o pastor contou
50 pessoas que não puderam trabalhar devido a doenças e idade e não eram
capazes de sobreviver por conta própria, na época cerca de 3% de todos os resi-
dentes. Outras 40 famílias viviam no nível de subsistência e 250 eram pescadores
pobres, incapazes de obter uma renda regular. Juntos, essa já era a maioria da
população de Bientina.

Em 1800, foi relatado que pelo menos 50 artesãos e trabalhadores rurais da vizinha
Fornacette estavam morrendo de fome porque não tinham trabalho. Diz-se que um
pai de sete filhos teve que passar o inverno inteiro só com legumes cozidos, sem
pão nem temperos, para alimentar sua família.
A Via Marrucco com as Case Novelli vistas do sul.

111
A cidade de San Miniato, que dista poucos quilômetros de nossa região ancestral, daqui veio
provavelmente nossa familia ancestral Barzacchi (que passou mais tarde para Santa Maria a Monte)
e também (imagem abaixo).

Napoleão em nossa terra ancestral

Como muitas famílias ricas e, acima


de tudo as instituições da igreja,
haviam sido desapropriadas pelo
novo governo revolucionário,
podemos imaginar que muitas terras
foram nacionalizadas e arrendadas ou
vendidas aos mezzadri que já
moravam nelas. A partir de 1817, o
Stato delle Anime deixou de fornecer
informações sobre o tipo de
propriedade e podemos assumir que
muitos ex-arrendatários acabaram se

112
No stato delle anime de Calcinaia de 1811 já aparece nosso ancestral
Gaspero Valentino, nascido em 1810.

tornando proprietários. É uma hipótese, mas acredito que nossos ancestrais da


família Novelli, depois de séculos de existência como meieiros e arrendatários,
finalmente haviam chegado à possuir sua terra. Tudo graças ao pequeno grande
homem Napoleão, que decendia de uma família tradicional da próxima cidade de
San Miniato. Pelo fato de Napoleão ter parentes distantes em San Miniato, ele
esteve lá várias vezes de visita. É interessante que, a partir deste ponto, o sítio dos
Novelli não estaria mais sendo nomeado com o nome do proprietário anterior. Por
último, o sítio pertencia a uma signora Vannucchi. Mas a partir de cerca 1815 foi
oficialmente chamado de .

No início do século 19, muitos pequenos agricultores tiveram que vender suas
terras por causa de dificuldades financeiras. Muitos se
mudaram para procurar trabalho. Neste momento, no
entanto, também estamos vendo uma melhoria na
situação econômica da Novelli. Pode ser que nossa
família tenha conseguido aumentar seus bens apesar
da crise e sair mais forte dela. Por volta de 1815,
suspeito de uma maior consolidação da situação
econômica da família.

liberdade que foi plantado em várias cidades de nossa região nesta


época

113
A inundação de 1811

Em 1811, o drama de uma terrível enchente se repetiu em toda a sua extensão. O


rio Serchio voltou a transbordar suas margens e o prefeito de Bientina chamou
toda a população para ajudar a reparar os diques. As inundações da planície de
Vico, Bientina e Calcinaia começaram na manhã de 20 de novembro. Os sinos
tocaram para alertar os agricultores a levarem seus pertences mais valiosos e seus
animais com segurança para as colinas da Cerbaie. A água inundou toda a planície
mais uma vez. Muitos deixaram seus sítios sem vigia e os criminosos aproveitaram
para roubar muitas coisas, até mesmo os suportes de madeira das plantações de
vinho. As videiras caíram na água e estragaram. Mas mesmo os agricultores que
não foram roubados
viram suas plantações
perecerem, seus
animais afogarem e
tiveram enormes danos
materiais à casa e
benfeitorias.

Imagem da planície
do vale do Arno
alagada durante a
enchente de 1966.
114
Pintura alegórica retratando a
revolução francesa.

O prefeito de Pisa relatou


em francês, que era o
idioma oficial durante a
ocupação francesa:
facheaux evenement va
ruiner entierement la plus
grande partie des
Proprietaires et des
Habitants des Communes
del Vico-Pisano, et

maioria dos proprietários e moradores de Vicopisano, Calcinaia e todos os


moradores de Bientina

O auxílio estatal aprovado os apoiou em parte, mas, novamente, não foi o


suficiente para compensar todas as perdas sofridas.

Os Novelli se tornam proprietários

propriedade onde já estava vivendo e trabalhando faz 40 anos. Isso foi possivel,
pois nessa época o governo subordinado à Napoleão mudou muito o sistema
economico e administrativo da Toscana, o que possibilitou muitos camponeses de
se tornarem proprietários.

Os Novelli no Stato delle Anime de Calcinaia de 1804, Gaspero foi riscado, pois havia falecido

115
Localização das casas dos Novelli (Case Novelli) na Via Marrucco

O sítio dos Novelli estava sendo dirigido por Francesco, o irmão mais novo de
nosso ancestral Giovanni Battista. Não sabemos por que. Apesar dele não ter se
casado e ser mais novo que Giovanni, era ele o chefe da familia. Pode ser que ele
tenha sido mais capaz ou tenha gozado de saúde melhor. Mas mesmo assim a
familia manteve-se unida e eu creio que os irmãos se davam muito bem.

.Podemos ser muito críticos em relação à sede de poder de Napoleão, mas ele fez
muito bem para a Europa e
para o mundo quanto à sua
política interna, sua visão
crítica do papel da igreja na
política, seus ideiais
revolucionários em que ele
propagava a igualdade de
chances, a educação para
todos, um papel do
governo mais voltado para
o bem da população.

116
Em 1808 a propriedade onde os Novelli vivem passa a ser chamada de Novelli podere
(sítio dos Novelli).

Entre as mudanças positivas que


o governo introduziu estava por
exemplo a tentativa de facilitar
familias pobres de pagarem o
dote para casarem seus filhos.
Não podemos nem mesmo
imaginar como era difícil para
familias pobres ajuntar os
recursos necessários para
casarem suas filhas. Outra
mudança foi a desapropriação
de muitos bens e propriedades
da igreja católica na nossa região favorecendo o cofre do estado. Temos que
mencionar aqui que em nossa região ancestral o povo foi muito favorável aos
ideais republicanos. Já na virada do século XVIII ao XIX havia fervorosas
demostrações a favor das ideias da revolução francesa. E mais tarde por volta de
1840 a 1860, Garibaldi recebeu grande apoio na região de nossos antepassados
para seu projeto da unificação italiana.

Registro batismal de Gaspero Valentino Novelli em Calcinaia em 12 de julho de 1810

117
Familia Novelli em 1815

Giovanni Novelli e Diamante Chiarini criaram quatro filhos neste período difícil:
Diana (* 1807), Maria Ubaldesca (* 1808), Gaspero Valentino (* 1810) e Stefano (*
1812). O filho Gaspero herdou o nome de seu avô de acordo com os costumes da
família. Ele nasceu logo após a anexação francesa da Toscana em 12 de julho de
1810 às 16 horas e foi batizado na igreja paroquial de San Giovanni Battista, em
Calcinaia. Seu padrinho foi Ferdinando di Giuseppe Morelli, que também era o
padrinho de outros filhos da Novelli. A partir de 1814 os Novelli passaram a
empregar um garzone, um ajudante no seu sítio. Ele tinha 17 anos e se chamava
Francesco Bachi, filho de Filippo Bachi. Talvez sinal de que estavam indo bem e de
que tinham muito trabalho.

Como nosso antepassado Gaspero Valentino Novelli se casará com uma filha da
familia Morelli, vamos ver no próximo episódio a história desta familia e de nossas
familias ancestrais de Bientina, antes de prosseguirmos com a nossa história dos
Novelli.

Os descendentes de Gaspero e Diana até a geracão de seus bisnetos


todos nascidos em Calcinaia, Via Marrucco

118
O convento da Ordem de Nicosia em Calci, ao qual pertenceram as
terras dos Morelli na Sardina até ca. 1780

Os Morelli da Sardina em Calcinaia

No local em que ficava o curso original do Arno entre Calcinaia e Bientina, haviam
campos nos quais antigamente se plantava principalmente grãos em primeira
linha trigo, centeio e cevada, além de vegetais, vinho, cânhamo e linho, que eram
os produtos agrícolas tradicionais da região. Do lado da margem de Calcinaia,
onde a curva original do Arno beirava Bientina, havia desde a Idade Média um
vilarejo chamado Anghio. Mais tarde este povoado recebeu o nome de Sardina. Lá,
o importante mosteiro di Nicosia, da cidade próxima de Calci, tinha muitas terras
desde os idos do século
XV.

Lukas na entrada da Sardina em


dezembro de 2011. Infelizmente,
o local se descaracterizou muito
nos últimos anos, se transform-
ando em área industrial e de
grandes mercados atacadistas.

119
Por volta de 1650, quando encontramos os primeiros documentos relativos a
nossos ancestrais da familia Morelli que viviam nessa área, as terras do mosteiro de
Nicosia estavam divididas em 3 propriedades distintas, que contavam juntas 3
fogos (familias). Ainda havia lá uma pequena capela antiga. Estes poucos edificios
compunham toda a Sardina na época.

A nossa familia ancestral Morelli habitava 2 dessas 3 propriedades da ordem de


Nicosia desde pelo menos o início do século XVII. Eles eram mezzadri (meieiros) e
administradores dos bens da ordem no local e como veremos, eles irão continuar
neste local por pelo menos
mais 300 anos, sendo uma
das nossas familias ancestrais
italianas que viveram por
mais tempo no mesmo local.

Na árvore genealógica no centro da página vemos


os ancestrais dos nossos Morelli com referências
à outras árvores que seguirão neste capítulo.

Ao lado: Foto dos campos próximos à Sardina.

120
Não sabemos dizer quando os Morelli começaram a administrar as propriedades
do mosteiro, mas é
certo que vários Morelli
já aparecem nos livros
paroquiais de Bientina
desde o século XVI.
Vários homens com o
sobrenome Morelli
viveram em Calcinaia e
Bientina por volta de
1570-1600. Entre eles
encontramos um Anto-
nio e um Piero Morelli,
os quais suponho
fazerem parte de nossa
família. Por causa da
tradição dos italianos
de darem o nome do
pai a seus filhos, e pelo
fato de que em nossa
família Morelli há vários

121
Pieros, creio que nosso ancestral seja o Piero, nascido por volta de 1550. Mas isto
ainda é uma suposição, pois só a partir da próxima geração temos uma
documentação que comprova a descendência sem deixar dúvidas.

Seja como for, estes Morelli mais antigos pertencem à geração do pai de nosso
ancestral mais antigo desta familia: Santi Morelli, cujo filho Piero aparece mais tarde
administrando o maior dos 3 sítios da ordem de Niccosia na Sardina. Santi deve ter
nascido por volta de 1580 a 1600, logo após a época do desvio do curso do Arno. E
seu filho Piero (as vezes também escrito Pietro) deve ter nascido por volta de 1620
e se casou com Alessandra
di Pierino por volta de 1650.
Eles foram os patriarcas de
uma grande familia.

Foto acima: O convento de Nicosia em Calci

Imagem ao lado: Mapa de Calcinaia por volta de


1840. Os lugares Sardina e I Ronchi, bem
próximos um do outro, são indicados pelas setas

122
Os Morelli formavam já a 400 anos atrás uma família numerosa, com muitos
membros. As famílias dos Morelli estão listadas desde o começo no Stati delle
Anime de Calcinaia (listas da igreja onde eram registrados os membros da
paróquia), que em Calcinaia começam por volta de 1680.

Como os Morelli cultivavam muitas terras, eles costumavam ter alguns empregados
ou criados (garzone) morando com eles. Somente atravéz dos Morelli já somos
parentes de uma grande parte de Calcinaia e Bientina, já que eles se casaram com
um grande número de famílias tradicionais locais. O segundo sítio dos Morelli na
Sardina era habitado por volta de 1680 por um Tommaso di Francesco Morelli, que
certamente era parente de nosso Piero e que tinha uma família igualmente grande.
O terceiro sítio da ordem de Nicosia era tocado pela família Del Corso. Mas
podemos ver claramente nas listas de moradores que o sítio do nosso Piero Morelli
era o principal dos três. Essa fazenda foi denominada: Sardino primo, luogo detto

123
San Lorenzo (Sardino primeiro, lugar chamado San Lorenzo
antiga capela medieval da Sardina. Piero também é mencionado como um
administrador, o que significa que ele era mais do que um simples mezzadro. Por
volta de 1680, encontramos também as famílias Fiorentini e Lucchese sendo
mencionadas vivendo nos campos perto da Sardina, das quais também
descendemos.
A família Fiorentini pode ser rastreada em Calcinaia até meados do século XVI e,
como os registros da igreja não chegam mais para trás, podemos supor que eles e
seus ancestrais já estavam lá muito antes. Provavelmente, o primeiro dessa família
veio de Florença, pois Fiorentini Lucchesi vieram
nem precisaria ser mencionado = Lucca. Assim, desde a Idade Média ou desde o
início dos tempos modernos, temos ancestrais aqui, que testemunharam as muitas
guerras, a mudança no curso do Arno, as várias inundações e as epidemias desta
área.

Foto acima: Casamento de Santi di Piero Morelli e Lisabella di Bastiano Fiorentini em 1678 em
Calcinaia. O pastor de Calcinaia naquela época, Alessandro Bacchereti, era um irmão de uma
ancestral nossa.

Imagem abaixo: Stato delle anime de Calcinaia de 1739 com nossa familia Morelli na Sardina
nossos ancestrais diretos estâo marcados em vermelho.

124
Mais tarde, Piero di Santi Morelli passou sua fazenda a seus filhos Santi (nascido em
10 de dezembro de 1659) e Francesco (nascido por volta de 1660). Parece que
Francesco não se casou. Santi casou-se em 13 de novembro de 1678 em Calcinaia
com Lisabella, filha de Sebastiano Fiorentini e de Maddalena Maloni, todos de
Calcinaia. No ano anterior ao casamento, as cidades de Calcinaia e Bientina
passaram por uma forte epidemia de febre, um inverno extremo e uma colheita
muito ruim, todas ocorrências frequentes durante aquela época díficil que já
idade do

Santi e Lisabella (também escrita como Isabella) sobreviveram estes momentos


dificeis, cheios de epidemias e catástrofes climáticas. Juntos tiveram muitos filhos.
Para termos uma idéia do tamanho da familia de S anti e Lisabella, em 1719 viviam
19 pessoas na fazenda na Sardina, incluindo seus filhos, netos e 3 empregados.
Santi morreu por volta de 1730, depois de passar a propriedade a seu filho Giovan-
ni Sebastiano Morelli (também simplesmente chamado de Bastiano), nascido em 7
de março de 1681.

A capelinha da Sardina sendo inaugurada após sua reforma em 2016.

125
Una inaspettata e gradita
sorpresa che è rimasta celata

della cappella di Santo


Stefano in Sardina è tornata
alla luce grazie ai lavori di
restauro eseguiti da Maria
Teresa Leotta sotto la guida
tetto
e consigliere comunale
Christian Ristori.

Per decenni gli affreschi sono


rimasti nascosti sotto degli
spessi strati di pittura bianca,
ma adesso sono nuovamente
visibili: sono i colori, le
decorazioni e le
raffigurazioni del tardo
Settecento rinvenuti durante

struttura.

spiega Christian Ristori,


autore di una accurata ricerca
storica sulla cappella è
risultata visibile dopo i saggi
compiuti nella volta

emergere è stata una be-


lla raffigurazione della
Colomba dello Spirito San-
to modanature e fregi in linea con lo
piano
riemergendo: siamo di fronte a un vero e proprio gioiello barocco, che, siamo certi, non

I lavori di ristrutturazione
buon punto. Si sono infatti conclusii lavori di ripristino della copertura e degli intonaci
esterni. Al momento sono in corso le operazioni di recupero delle decorazioni interne.

ha concluso il recupero, iniziato nel


maggio scorso, della tela di Gaetano Maria Franchi raffigurante il Beato Arcangelo Canetoli
(1460-
proprietà del
monastero di Nicosia presso Calci. La facciata mistilinea della cappella durante i lavori diretti
Jacopo Donati Impresa Bianchi Sergio, ha ritrovato la sua
antica bellezza: si procederà presto ad una tinteggiatura, nel rispetto dei colori originari degli

Texto de um jornal de
Calcinaia sobre a recuperacâo
126 da antiga capela na Sardina.
Stato delle Anime de Calcinaia de 1701.
Acima a família Morelli de Piero e logo
abaixo a segunda familia Morelli na Sardina, que
era chefiada por Tommaso Morelli

Os Morelli no século XVIII e a


Toscana da época

Santi e seu filho Giovanni Sebastiano


devem ter administrado bem as terras da
ordem de Nicosia estando bem
financeiramente e foram gradualmente
adquirindo suas próprias terras. Eles
provavelmente foram comprando datas
de pequenos agricultores empobrecidos
e que tiveram que vender suas terras
durante os anos de crise. Em 1705,
nossos Morelli, apesar de residirem em
Calcinaia, estão entre os 25 maiores
proprietários de terras em Bientina. Só
em Bientina, eles possuíam 87 stiora de
terra (aprox. 4,5 ha) no valor de 572 scudi. Em um stato delle anime de Calcinaia,
por volta de 1765, nossos Morelli são mencionados como proprietários e
arrendatários de casas e terrenos e como agricultores mezzaiolo (meieiros).

127
Nos séculos XVII e XVIII, as familias de pescadores mais ricas de Bientina, como os
Tonissi e Pacini, gostavam de casar seus filhos com filhas da familia Morelli, que
provavelmente eram capazes de oferecer um dote melhor do que a maioria dos
habitantes de Bientina. Giovanni Sebastiano Morelli se casou por volta de 1715 com
Anna Maria Lemmi (ou Lomi), filha de Francesco Lemmi e Maria Angiola Boschi. Ela
vinha de Santa Maria a Monte, mas sua família paterna provavelmente era de
Montecalvoli, já que a maioria dos Lemmi vinha de lá. Com ela, ele teve pelo menos
12 filhos.

Giovanni Sebastiano Morelli testemunhou o último Medici no trono da Toscana


(Gian Gastone di Medici, que de certo modo era vizinho dos Morelli por causa de
sua Fattoria em Vicopisano). Os últimos Medici morreram sem descendentes em
1737 e o Grão-Ducado passou por herança ao imperador austríaco Francisco I do
Sacro Império Romano-Germânico. A partir de então, a Toscana foi governada por
várias autoridades estrangeiras, algumas das quais se enriqueceram descaradamen-
te nos cofres do Estado. Mesmo que a administração não fosse tão ruim, e que
tivesse até mesmo melhorado um pouco em relação aos últimos tempos da era
dos Medici, o povo continuava a ser oprimido por causa dos impostos muito altos,
que financiavam a pomposa corte do novo Grão-Duque e as suas guerras na Aus-
tria.

Imagem ao lado: Detalhe de


afresco do Espirito Santo na
capela de Santo Stefano na
Sardina

Imagem na próxima página


ao alto: Antiga gravura com
um jogo de calcio em
Florença no ano de 1688.

E próxima página abaixo: O


imperador austríaco Fran-
cisco I do Sacro Império
Romano-Germânico.

128
Neste momento, apesar de todas as adversidades, os habitantes da Sardina e o
mosteiro de Nicosia reuniram os recursos necessários para construir uma nova
capela. Por volta de 1760, eles construíram uma pequena igrejinha barroca para
San Stefano, decorada com um belo quadro do pintor Gaetano Maria Franchi
retratando o beato Arcangelo Canetoli (1460-1513), um religioso eremita
pertencente à ordem dos canônicos lateranenses, à qual também pertencia o
mosteiro de Nicosia. Podemos supor que a ordem de Nicosia forneceu o terreno
em que já estava a capela mais antiga de San
Lorenzo para sediar o novo templo.

O Imperador Francisco I (imagem ao lado)


morreu em 1765 e provavelmente nosso Gio-
vanni Sebastiano Morelli morreu ao mesmo
tempo. Agora seu filho Francesco continuou a
gerenciar as terras. Francesco não se casou.
Seu irmão mais novo Gaspero Valentino Morelli
(nascido por volta de 1731), o nosso
antepassado, também vivia na fazenda.

129
A capela de San Stefano, na
Sardina, construída por volta de
1750 antes da reforma

O tio solteiro Giovanni Fi-


lippo Morelli e a mãe Anna
Maria Lemmi (agora com
mais de 70 anos) ainda
estavam vivos. Duas irmãs e
um irmão mais velhos e
uma irmã mais nova
também moravam na fa-
zenda. A familia era grande
mas faltava alguém para
assumi-la no futuro, pois
nenhum destes Morelli
havia se casado. Demorou
mais de 10 anos até que
Gaspero se casou. Somente
em 1776 ou 1777, quando
sua mãe Anna Maria Lemmi
já havia falecido, ele pôde
dar o anel a Maria Domenica Nardini. Ela era filha de Giuseppe Nardini de Calcinaia
e Margherita Montani de Santa Maria a Monte. Maria Domenica era cerca de 25
anos mais nova que Gaspero! Creio que os Nardini foram antigamente pescadores
no lago de Bientina, mas também tinham uma inclinação pela agricultura, já que
filhos dos Nardini foram mencionados muitas vezes como garzoni (criados) nas
fazendas de Calcinaia.

Abaixo: Os ancestrais de Maria Domenica Nardini

130
Pietro Leopoldo de Lorena,
grão-duque da Toscana
e como Leopoldo II, imperador
do Sacro Império Romano-
Germânico

O reinado de Pietro
Leopoldo e os novos
tempos na Toscana

O novo grão-duque da
Toscana, o filho mais novo
de Francisco I, Pietro Leo-
poldo de Lorena (após 1790
também coroado
imperador alemão com o
nome de Leopoldo II)
passou a acupar o trono
em 1765 introduzindo uma
série de reformas que
finalmente tiraram o
ducado de seu estado de
crise que já perdurava
muitos anos. Por exemplo,
ele restringiu o poder dos
nobres e da igreja e aboliu
seus privilégios. Foi
introduzido um sistema
tributário que tratava
todos igualmente. Os
direitos dos agricultores
foram ampliados e ele prestou mais atenção às condições de vida do povo. O
Estado foi modernizado, a inquisição foi abolida, as propriedades do Grão-Duque
foram separadas da propriedade do Estado. Pietro Leopoldo aboliu a tortura e a
pena de morte, fazendo a Toscana ser o primeiro país moderno do mundo sem
essas crueldades. Ele até queria dar ao país uma constituição que seria a primeira
do mundo, mas seu irmão, o imperador romano-alemão José II, não permitiu que
ele fizesse isso.

131
Vista das casas dos Novelli em direção a Sardina e Bientina

As reformas bem-sucedidas do iluminista Pietro Leopoldo marcaram as primeiras


grandes melhorias na vida das pessoas comuns em muito tempo, talvez desde o
reinado de Cosimo I Medici, cerca de 250 anos atrás. Mesmo que essas reformas
tenham extinguído os velhos sistemas jurídicos e administrativos da Idade Média e,
assim, perturbado muitos tradicionalistas como por exemplo os pescadores de
Bientina, elas terão sido um raio de esperança para a maior parte do povo a
esperança de um mundo mais justo.

A rígida ordem social, que antes se acreditava ser dada por Deus, tornou-se
subitamente mutável, permeável. Essa política estava sob a influência do novo
espírito iluminista, que deu às pessoas mais liberdade, igualdade e justiça. Alguns
governantes como Pietro Leopoldo na Toscana, Frederico II da Prússia, José II na
Áustria e o Marquês de Pombal em Portugal cederam às reinvidicações da
burguesia e reformaram seus estados. Os novos ideais finalmente levaram à
declaração de independência dos Estados Unidos da América em 1776 e ao início
da Revolução Francesa em 1789, que derrubou o antigo regime absolutista francês
que não queria se adaptar aos novos tempos.

132
Stato delle Anime de
Calcinaia de 1772: família
Morelli

Pietro Leopoldo pro-


moveu a expansão da
agricultura na Tosca-
na e impulsionou a
drenagem dos seus
pântanos. Ele ace-
lerou a drenagem do
Lago di Bientina através da construção do Canale Imperiale a partir de 1764. Os
Morelli terão gostado muito disto, pois em dezembro de 1728 e nos anos de 1748,
1750, 1768 e 1772 hoveram inundações devastadoras na área. Especialmente em
1772, a colheita foi tão miserável que os preços dos alimentos explodiram.

Quando Pedro Leopoldo morreu em 1792, Gaspero Valentino Morelli já estava com
cerca de 60 anos, era finalmente um homem casado, já tinha quatro filhos (o filho
mais novo foi nosso ancestral Filippo Neri Morelli) e administrava com sucesso a
fazenda da ordem de Nicosia pelo menos na sexta geração com seu irmão Frances-
co.

O edificio com a saída do Canale Imperiale em Vicopisano, obra de Pietro Leopoldo

133
O lago di Bentina hoje somente visível em época de cheia.Na página ao lado vemos um mapa
antigo com os fossos de drenagem do lago de Bientina. Em azul o fosso imperiale de Pietro Leopol-
do. Em verde a área onde viveram os Morelli e os Novelli

Em 1810, o filho do meio, Filippo Morelli, então com 22 anos de idade, casou-se
com Rachele Giannetti de Bientina, de 18 anos. Seus pais eram o comerciante Si-
mone Giannetti (nascido por volta de 1755) e Caterina Tonissi (nascida por volta de
1758), ambos de famílias tradicionais bientinesas, que viviam da pesca no lago. As
famílias Giannetti e Tonissi podem ser rastreadas em Bientina pelo menos até o
século XVI e provavelmente residiram lá desde a Idade Média. O jovem casal ainda
deverá ter muitos filhos, entre esses filhos a Maria Caterina Morelli, nascida em 24
de outubro de 1812 que se casará com Gaspero Valentino Novelli do sítio vizinho,
no i Ronchi.

Imagem à esquerda: Stato delle anime de


Calcinaia de 1785 com a família Morelli

134
Acima: Um antigo mapa onde podemos ver alguns
lugares de relevância na história dos Novelli e dos
e viviam os Novelli
está marcado em um círculo verde.

Imagem à direita: Uma loja dos Giannetti no centro de


Bientina. Ca. 1900.

Abaixo: A grande maioria dos ancestrais de Rachele


Giannetti veio de Bientina entre as suas familias
ancestrais estão inúmeras familias tradicionais de
pescadores da cidade

135
Sobre o advento da modernidade no século XIX

Após ver vários stati delle anime de Calcinaia entre 1684 a 1800 epodemos
constatar que geralmente apenas um membro de cada geração da família Morelli
se casou e teve filhos na fazenda na Sardina. Os outros se mudaram (talvez
tivessem a oportunidade de alugar um sítio em outro lugar) ou permaneceram
solteiros e continuaram a viver na família. As cidades dificilmente ofereciam
emprego naquela época, então era mais seguro continuar vivendo da agricultura.

Lukas sobre uma velha árvore na área da Sardina

136
Um dos vários diques dos municípios de Calcinaia e Bientina

Como os mezzadri (meieiros) não podiam dividir a terra entre suas crianças e todos
os herdeiros tinham que continuar o contrato, eles eram forçados a planejar suas
famílias, casando apenas um dos irmãos que ficavam na fazenda. Era a estratégia
para manter o nível que haviam atingido até agora. Porém, com o novo espírito
iluminista, tornou-se cada vez mais difícil fazer com que os muitos membros da
família renunciassem ao casamento. As reformas de Pietro Leopoldo e, mais tarde,
também dos Napoleões, não apenas inauguraram uma nova era política e
econômica, mas também social.

Registro de batismo de nossa ancestral Maria Carolina Morelli: (igreja de San Giovanni Battista
em Calcinaia 23.10.1812): Maria Carolina di Filippo del fu Gaspero Morelli e di Rachele di Simone
Giannetti coniugi, nata ieri alle 3 pomeridiane. Si battezzò (il giorno 24 ottobre) dal suddetto signor
Ghilardi e le fu posto detto nome. Fu compare Angelo di Giuseppe Corsi.(APCx)

137
Acima: Imagem de Google maps de Calcinaia e Bientina demostrando onde estão as áreas dos sítios
dos Novelli (abaixo) e Morelli (acima)

O constante processo de mudança das estruturas tradicionais originárias da Idade


Média deverá continuar
por mais um século, ou
seja, por todo o século XIX.
Passo a passo, geração
após geração, nossos
ancestrais passaram de
meieiros a arrendatários e
depois a proprietários de
terras, se tornando
finalmente cidadãos de
uma sociedade moderna.

Ao lado: A família Morelli


no Stato delle Anime de
Calcinaia de 1797.

138
Cartão postal antigo de Calcinaia com vista da margem do rio Arno

Gaspero Valentino Novelli e Maria Ca-


terina Morelli
Giovanni Novelli e Diamante Chiarini criaram quatro filhos em um período
turbulento: Diana (* 1807), Maria Ubaldesca (* 1808), Gaspero Valentino (* 1810) e
Stefano Pellegrino (* 1812).

Registro de batismo de Gaspero Valentino Novelli de 12 de julho de 1810 em Calcinaia.

139
Árvore dos descendentes de Giovanni Battista Novelli o do meio e Diamante Chiarini.
Enquadrados em vermelho seu filho Gaspero e seu neto Giovanni,
que mais tarde emigrará para o Brasil

O terceiro dos quatro filhos do casal Giovanni Novelli e Diamante Chiarini nosso
antepassado Gaspero Valentino Novelli nasceu no dia 12 de julho de 1810 às 4
horas da madrugada na casa da familia no i Ronchi em Calcinaia. Ele herdou o
nome de seu avô Gaspero Gaetano de acordo com o costume da família.

Gaspero nasceu logo após a anexação francesa da Toscana, sobre a qual já


tratamos antes. Ele foi batizado no mesmo dia em que nasceu na igreja paroquial
de San Giovanni Battista de Calcinaia. Sua madrinha foi Maria Angiola Cipollini e
seu padrinho Ferdinando di Giuseppe Morelli, provavelmente do sítio vizinho aos
Novelli no lugar chamado Sardina
que também havia sido o padrinho
de outros filhos dos Novelli. Acredito
que a ligação entre os Novelli e os
Morelli era bem forte, o que daria no
casamento entre Gaspero com uma
das meninas Morelli.

Aqui está uma descrição dos


costumes batismais desta época no
Vicariato de Vicopisano, a qual
também pertencia Calcinaia, e que
serve de exemplo de como pode ter
sido o batismo de Gaspero:

140
Após o nascimento da criança, alguns
parentes e, acima de tudo, muitas
meninas da família e da vizinhança vêm
à mãe e acompanham o pai e o recém-
nascido à igreja para que possa ser
batizado. A avó materna do bebê ou
outro parente próximo da jovem mãe fica
com ela e assumirá as tarefas da casa
durante certo tempo até que a mãe se
recupere do parto. A madrinha e o
padrinho também se encontram na
igreja. A par
dá ao bebê uma pequena vela e uma
toalha fina para secar a cabeça após o
batismo. Depois do batismo, todos vão
juntos à casa da criança para se
refrescarem.

O padrinho dá ao bebê um pequeno


presente em dinheiro para sua
segurança. Quando a mãe está fora do
puerpério, os parentes são convidados

padrinho da nova mãe fazem presentes para o novo filho. Sua mãe já lhe deu um
pano batismal lindamente bordado, uma tigela de sopa e uma colher. O padrinho dá
a ele um par de sapatos e a madrinha dá a ele um vestido completo com meias e
capuz. Ovos, pão, macarrão e galinhas também são entregues, principalmente pelos
irmãos da mãe do bebê. Mais tarde, a mãe do bebê traz uma vela para o padre
abençoar.

Mesmo que tenha passado ileso pelas inundações do Arno em 1811, em 1815-16 e
pela terrível crise econômica do início do século, o pequeno Gaspero teve uma
infância mais calma que a do seu pai, pelo menos do ponto de vista político. Em
1814, o imperador austríaco Ferdinando III de Habsburgo-Lorena libertou a Tosca-
na da França e inaugurou uma nova era, que deveria tranquilizar o Estado após o
caos do início do século e que duraria até as Guerras de Libertação e Unificação da
Itália, em 1859, Até então, Gaspero teria a possibilidade de crescer em paz, casar e
ter muitos filhos.

Imagem acima: Aurora Pfeiffer Novelli em Monte Santo de Minas com a


toalhinha batismal com a qual sua bisavó Antonieta Lattaro fora
batizada em 1895. Um lindo exemplo das antigas toalhas feitas com
artesanato tradicional. 141
Maria Caterina Morelli
Os Morelli viviam na fazenda vizinha aos Novelli e eram uma familia grande que já
estava neste lugar desde o século XVI, como já vimos no capítulo 7 da história dos
Novelli. A familia havia perdido nesta época da virada do século a sua mãe Maria
Domenica Nardini. O velho pai Gaspero Valentino Morelli continuou a administrar a
fazenda com sua irmã solteira Elisabetha, que era 8 anos mais nova. Maria Domeni-
ca havia tido sete filhos com Gaspero. O mais velho, Sebastiano, tinha 27 anos e o
mais novo, Pietro, apenas 12 quando faleceu.
Gaspero Valentino morreu em 1809 e nos dois anos seguintes se casaram 6 de seus
filhos, os cônjuges eram principalmente de Bientina, mas também de Calcinaia,
como as famílias Monti e Bacchereti.

Árvore
genealógica de
Bartolomeo
Tonissi, ancestral
dos Morelli.
Os Tonissi foram
uma família
tradicionalíssima
de Bientina

142
Em
1809
ou
1810
, o

filho do meio, Filippo Neri


Morelli, de 22 anos, casou-se com
Rachele Giannetti de 18 anos de
Bientina. Seus pais eram o
comerciante Simone Giannetti
(nascido por volta de 1755) e Ca-
terina Tonissi (nascida por volta de
1758), ambos de famílias
tradicionais bientinesas. O jovem
casal ainda deverá ter muitos
filhos, entre esses filhos a nossa
ancestral Maria Caterina Morelli,
nascida em 24 de outubro de
1812 que se casará com o nosso
Gaspero Valentino Novelli do sítio vizinho, no i Ronchi.

O ponto mais crítico da crise: 1816

Cultivo de milho em Calcinaia em 1900


As condições econômicas da
região continuaram se
deteriorando no início do século
XIX. Em 1812 relata-se que o
prefeito de Calcinaia havia
organizado refeições comunitárias
para alimentar os pobres da
comuna. Muitos moradores não
podiam mais pagar o caro trigo e
cada vez menos pessoas tinham
terra suficiente para alimentar
suas famílias. A partir desta fase, o
trigo foi quase completamente
substituido pelo milho, que ficou
conhecido sob a forma de polenta

143
(mingau de milho) como o prato favorito da população rural italiana na época. O
clima estava muito chuvoso e o Arno e o Lago di Bentina transbordaram e
inundaram os campos novamente no outono-inverno de 1815-16, o que aumentou
a pobreza da população de maneira catastrófica

O ano de 1816 foi um dos mais frios já medidos em qualquer lugar do mundo. O
motivo foi provavelmente a erupção do vulcão indonésio Tambora na ilha de
Sumbawa em 1815. Foi a maior erupção vulcânica nos últimos vinte mil anos.
Como resultado, praticamente não houve verão em 1816 e, devido à turbulência
política do período pós-napoleônico, este ano deve ser um claro ponto baixo na
vida dos contemporâneos. Muitos dos agricultores, incluindo os Novelli e Morelli,
não conseguiram colher completamente suas lavouras porque tinham suas terras
na planície inundada. Mas os agricultores nas colinas também tiveram colheitas
extremamente ruins devido à chuva constante. Quando o outono chegou, o trigo
não havia tido sol suficiente para amadurecer. O pouco que foi colhido era tão caro
que as pessoas não podiam pagar.
A diferença entre a temperatura do verão no ano de 1816
com a média dos anos de 1971 a 2000
O aumento dos preços
atingiu fortemente todos
os moradores de nossa
região. Isso resultou em
grave sofrimento. Uma
das pessoas que
acompanhou de perto
essas flutuações nos
preços dos alimentos foi
nosso ancestral Simone
Giannetti, de Bientina. Ele
possuía uma bottega (loja)
na cidade por volta de
1810, onde vendia óleo,

144
sal, tabaco e outros mantimentos. Mas, nessa época de crise, ele deve ter tido
problemas para obter mercadorias e vendê-las aos preços necessários.

Devido à desnutrição da população pobre, ocorreu uma grave epidemia de febre


tifóide que matou pessoas (somente em Bientina houve 50 mortos). Durante essa
onda de febre, a última parte da muralha da cidade de Bientina foi removida para
que pudessem entrar mais ar e luz na cidade. Padres, médicos e funcionários
públicos relatam novamente sobre a fome e a pobreza extrema, como já haviam
feito naquela outra época da fome de 1710. Mais uma vez, havia pessoas que
tinham que vender tudo que possuiam e mendigar para sobreviver, pois estavam
muito fracas para trabalhar.

Imagens acima e na página da esquerda acima: As familias Novelli e Morelli no stato delle anime de
Calcinaia de 1817.

Ilustração abaixo: A erupção do vilcão Tambora em 1815

145
Quatro crianças entre 15 e 9 anos estão listadas na família Novelli no Stato delle Anime de 1821

Os campos que ainda davam frutos foram limpos pelas multidões famintas. Isso
também levou à crise os agricultores que não foram afetados pela enchente. O
médico de Bientina na época, Angelo Bonci, escreveu um longo relatório às
autoridades de saúde em 9 de abril de 1816, no qual descreveu a terrível situação
da população que, doente e sem trabalho (os campos ficaram debaixo de água por
meses), implorava por um pedaço de pão e ajuda. E mesmo que ele prescrevesse
remédios para eles, isso não os ajudava, porque eles não tinham
os denários suficientes para comprá-los.

Ele viu um velho já enfraquecido que mal conseguia se mexer e que só tinha um
pedacinho de pão de feijão e um pouco de água. Bonci se perguntou como
alguém pode sobreviver nessa condição?

Camponeses de Santa Maria a Monte debulhando o trigo por volta de 1900.

146
Camponeses de Santa Maria a Monte por volta de 1900

Depois de um dia de trabalho duro no qual Bonci havia subido mais de 2.000
degraus nas casas da cidade e arredores, desde o início da manhã até a meia-noite,
já exausto, teve uma sensação de desespero por não poder fazer nada contra a
situação geral. As autoridades, o bispo de Lucca e outros enviaram dinheiro e
medicamentos necessitados urgentemente, especialmente quinino. Mas meses
passariam antes que a situação finalmente
melhorasse.

Não foi apenas na Itália que as pessoas


passaram fome em 1816 e 1817. A situação
também foi muito ruim no restante da Europa
Central e Ocidental. Uma história curiosa ao la-
do: no verão de 1816, alguns escritores se
encontraram perto do lago de Genebra,
incluindo Mary Shelley na casa de lorde Byron.

O criador do vampiro, o médico John 147


Polidori, cujos pais eram de Bientina
Por causa do tempo chuvoso e frio, eles passaram os longos dias contando
histórias de horror. Nesta ocasião Shelley inventou o personagem Frankenstein e o
médico pessoal de Byron, John Polidori, cujo pai era de Bientina, escreveu
, a primeira história de
vampiros na literatura.

Os anos de 1820

Os anos de 1820 foram bons para a


Toscana. E igualmante para as
familias Morelli e Novelli nos campos
de Calcinaia. Ambas familias já
estavam consolidadas, haviam
passados pela difícil época da década
de 1810, eram proprietários de suas
terras e ano após ano tinham mais
filhos. Nossos ancestrais Gaspero
Valentino Novelli e Maria Caterina.

Leopoldo II
148 da Toscana
Morelli talvez já
brincavam juntos ou até
mesmo paqueravam
quando se encontravam
nos campos ou durante A família Morelli no
as obrigatórias missas Stato delle Anime de
dominicais, as festas de Calcinaia de 1832.
Os números à esquerda
santos ou outras dos nomes indicam a
comemorações nas idade dos membros da
cidades vizinhas. família

O novo duque da Tosca-


na, Leopoldo II,
entronado em 1824, foi um bom regente. Ele modernizou o estado, abaixou certos
impostos, liberou a imprensa e fez da Toscana um centro de cultura e o carro-forte
do movimento liberal italiano. Ele impulsionou a economia dando continuidade aos
projetos de drenagem de pântanos, construindo estradas, aumentando o porto de
industria del forestiero

Em 23 de agosto de 1823 falece Diamante Chiarini, deixando Giovanni Battista No-


o do meio smo 50 anos. O filho Gaspero tinha apenas 13
anos de idade. Giovanni não se casou novamente. Como as filhas Diana e
Ubaldesca tinham 16 e 15 anos, provavelmente continuaram a tocar os afazeres na
casa da família.

Registro de óbito de Diamante Chiarini, Calcinaia 23 de agosto de 1823.

149
Certidão de casamento entre Gaspero Novelli e Maria Morelli em 1835 Calcinaia

O casamento entre os Novelli e os Morelli

No dia 21 de dezembro de 1835, Gaspero Valentino Novelli, com 25 anos, casou-se


em Calcinaia, na mesma igreja em que fôra batizado, com Maria Caterina Morelli
de 22 anos, a segunda mais velha dos dez filhos de Filippo Morelli e Rachele.
Giannetti da Sardina. Podemos supor que as celebrações foram grandes, com tiros
de pistolas no ar, festas e muita comida, bebida e dança. Finalmente, essas duas
famílias da Sardina e do i Ronchi estariam unidas.

Neste momento, a família Novelli, 60 anos depois de se


mudar de Santa Maria a Monte para o i Ronchi, estava
relacionada com muitas famílias de Calcinaia e Bientina.
Familias de pescadores no lago di Bientina (que só foi
drenado completamente em 1865), de comerciantes, como os
Giannetti e principalmente de camponeses.

150
Os Novelli viviam do que
colhiam em suas terras na
planície do i Ronchi. No

descrição das propriedades


que o estado toscano
elaborava ano a ano, vemos
o que os agricultores de
Calcinaia cultivaram durante
esse período e que
certamente pode ser aplicado
também à nossa familia No-
velli: 3/4 da área terrestre era
composta por lavouras de
grãos emolduradas com
fileiras de videiras e
amoreiras.

A agricultura até declinou um pouco em relação aos séculos anteriores, à medida


que mais árvores e videiras foram plantadas. Esse sistema, no qual o vinho e as
amoreiras eram plantados em cercas vivas nos limites dos campos e ao longo das
valas de drenagem,
era chamado de
. As árvores
serviram como es-
trutura de escalada
para as videiras e para
produção de casulos
de bicho-da seda.
Grãos e vegetais eram
plan-tados entre as
fileiras de árvores e
vinho. Diferentes
culturas foram
cultivadas
alternadamente para
proteger o solo e
mantê-lo fértil.

151
Não demorou para que os filhos de Gaspero e Maria nasceriam. Juntos tiveram 10
filhos, todos nascidos nas casa Novelli na Via Marrucco. A seguir vemos a lista
deles:

Gaspero Valentino Novelli 1810-1863 & 1835 Maria Caterina Morelli 1812-1883

Maria Diamante Novelli 1836-


Domenico Giuseppe Baldassarre Novelli 1838-
Maria Teresa Maddalena Novelli 1840-
Francesco Valentino Giuseppe Novelli 1841-1842
Francesco Valentino Maria Novelli 1843-1924
Giuseppe Sabatino Novelli 1845-1878
Giovanni Santi Novelli 1846-1936
Maria Ubaldesca Rachele Novelli 1848-
Mariano Rocco Valentino Novelli 1852-
Giovanni Battista Novelli 1855-1894

A familia era chefiada pelo tio Francesco, que vivia junto com os pais de Gaspero.
Um irmão de Gaspero, Stefano Novelli, casado com Luisa del Nista também vivia
nas proximidades e tinha terras
no i Ronchi. Gaspero e Maria
tinham grande amizade com o
senhor Masoni, que foi convidado
por eles muitas vezes para ser
padrinho dos filhos que iam
nascendo. Até onde eu sei, seis
deles chegaram à idade adulta:
cinco filhos e uma filha. Além da
família numerosa, Valentino Ferri,
um garzone (criado), também
morava no sítio dos Novelli.

152
A grande inundação de 1844

Alguns anos após o casamento de Gaspero e


Maria, em novembro de 1844, o Arno
novamente causou uma forte inundação e
destruiu a colheita de todos os agricultores na
planície de nossas cidades ancestrais. Foi uma
das piores inundações relatadas. A água
chegava a mais de dois metros de altura na
Piazza Grande em Bientina, e estava
certamente igualmente alta no sítio dos Novel-
li.

Novamente, o mesmo drama de sempre:


crianças, mulheres e homens chorando,
pedindo ajuda. Agricultores que tentam
desesperadamente levar suas famílias, animais
e pertences em segurança no meio das chuvas
mais fortes, enquanto a água sobe lenta, mas
incessantemente. Os sinos tocando
continuamente das igrejas para alertar todos.
Famílias inteiras que deixam seus sítios na
chuva no meio da noite fugindo para as colinas

Jolanda Pfeiffer Novelli frente do marco do 153


nível da água da enchente de 1844 em uma
casa em Bientina. E acima: detalhe do marco.
mais p Bientina e
Calcinaia foram completamente inundadas e na igreja de Bientina apenas a parte

andar pelas ruas e usavam escadas para entrar em suas casas pelas janelas dos
andares superiores.

Os Novelli por volta de 1850

Além dessas crises gerais, a família Novelli também teve que suportar as privadas:
em 1840, falece o tio Francesco, o capoccia (chefe da familia) dos Novelli com 64
anos. Ele nunca se casou. Agora nosso antepassado Giovanni Battista, o do meio,
assumiu o papel de chefe da família.

Imagens: Acima: Registro de óbito de Francesco Novelli de 1840

E abaixo: Os avós de nosso ancestral Giovanni Battista Novelli, o novo.

154
O teto da igreja de Santa
Maria Assunta em Bientina,
onde Giovanni Battista Novel-
li (o novo) foi batizado em
1855

Como já vimos, durante


esse período turbulento,
Gaspero e Maria tiveram
ao menos 10 filhos: Ma-
ria Diamante * 1836,
Domenico Giuseppe
Baldassare * 1838, Maria
Teresa Maddalena *
1841, Francesco Valenti-
no Giuseppe * 1841 (ele
recebeu o primeiro
nome do tio-avô que
morreu em 1840), Fran-
cesco Valentino Maria *
1843 (novamente Francesco depois que seu irmão de um ano faleceu em 1842),
Giuseppe Sabatino * 1845 (morreu cedo), Giovanni Santi * 1846, Maria Ubaldesca
Rachele * 1848, Maria Diana Virginia * 1849, Mariano Rocco Valentino * 1852 e
finalmente nosso ancestral Giovanni Bat-
tista (o novo) * 1855.

Talvez apenas o sexto filho mais novo tenha


recebido o nome tradicional do Nonno
(vovô) Giovanni Battista, porque ele faleceu
no dia 15 de abril de 1853, com quase 80
anos de idade, e só então seu nome ficou

morreu ainda no Grão-


Ducado da Toscana, antes da unificação da
Itália. Ele podia se recordar de uma vida
agitada: as inundações de 1798, 1816 e
1844, as crises da fome por volta de 1800-
1820, as guerras napoleônicas e a ocupação
da Toscana, a introdução da ferrovia em

Óbito de Giovanni Battista Novelli, o


do meio em 1853 em Calcinaia 155
A familia Novelli em 1845

Na noite do dia 30 de outubro de 1863, logo após a unificação da Itália,


(papai) Gaspero Gaetano falece aos 53 anos. O
pequeno Giovanni, que tinha apenas 8 anos
na época, não conviveu com o pai por muito
tempo. Felizmente, ele já tinha irmãos adultos
que puderam continuar a tocar os trabalhos
do sítio. De acordo com minha pesquisa,
especialmente o irmão Francesco teve muitos
filhos, e acho que a maioria dos Novelli de
Bientina e Calcinaia pode descender dele.

Óbito de Gaspero Valentino Novelli de 1863


em Calcinaia

Os descendentes de Gaspero Valentino Novelli


e Maria Caterina Novelli

156
Giovanni Battista Noveli e Galzuinda de Araújo Macedo por volta de 1885-90

Giovanni Battista Novelli


Giovanni Battista Novelli veio ao mundo de parto caseiro no dia 25 de fevereiro de
1855 às 3:00 da madrugada na casa de sua familia que fica em meio aos campos
do I Ronchi, uma área rural no municipio de Calcinaia. Seu pai, o camponês Gaspero
Valentino Novelli tinha 45 anos e sua mãe
Maria Carolina Morelli 43 anos de idade
quando nasceu e ele veio a ser o caçula de
9 filhos do casal.

Como as famílias de seus pais, avós e


bisavós quase todos vieram de Calcinaia e
da cidade vizinha Bientina, sua parentela
era bastante grande no local. Todos se
conheciam por lá e muitos vizinhos nos
sítios ao redor da casa dos Novelli eram
seus parentes, cunhados e compadres. A
proximidade da casa dos Novelli com
Bientina foi provavelmente a razão pela
qual Giovanni foi batizado na igreja
paroquial local de Santa Maria Assunta em
26 de fevereiro de 1855 recebendo o

A igreja Santa Maria


Assunta de Bientina.
157
nome de seu avô paterno
Giovanni Battista que este já
recebera de seu avô e que
este por sua vez recebera de
seu avô se tornando ele
assim o quarto Giovanni Bat-
tista da familia Novelli.

Imagem ao lado: Interior da igreja


Santa Maria Assunta em Bientina
onde Giovanni foi batizado em 1855

Abaixo: Antigo mapa de Calcinaia,


Bientina e Vicopisano (ca. 1750)
com o lugar onde está localizado o
sítio dos Novelli

158
Acima: Lucca com sua Piazza del Anfiteatro (à direita) e abaixo:
Florença com seu maravilhoso Duomo com a torre de Giotto e a cúpula de Brunelleschi

A linda cidade de Lucca, a 20 quilômetros de Bientina


159
A cidade de Santa Maria a Monte, dista apenas 3 quilômetros de distância do I Ronchi

Os ancestrais de Giovanni viveram em sua grande maioria nessa região do Basso


Valdarno o baixo vale do Arno. Foram basicamente camponeses, artesãos,
pescadores e comerciantes sendo assim suas raízes fortemente ligadas à história
das pequenas cidades de Calcinaia, Bientina, Santa Maria a Monte, Castelfranco di
Sotto e outras mais. Uma linda parte da Italia, com uma longa e linda história e
uma forte identidade própria, formada ao longo do tempo e influenciada pelo rio
Arno e pela cultura e a concorrência entre as grandes cidades Pisa, Lucca e
Florença. Muitos antenati (ancestrais) de Giovanni tinham os melódicos
sobrenomes típicos locais, dos quais quase todos descendem: Giannetti, Chiarini,
del Rosso, Cavalini, Fiorentini, Pucini, Rossi, Giovannetti, Vincenti, di David, Bechini,
Masoni, Nardini, Chiti

Raizes profundamente ligadas à sua terra natal. Como vimos, a mãe de Giovanni,
Maria Morelli veio da fazenda vizinha na Sardina, onde nasceu em 1812 e onde a
familia Morelli já estava desde no mínimo o século dezesseis. A familia paterna de
Giovanni por sua vez veio algumas gerações atrás de Santa Maria a Monte e antes
disso viveram na Pianora de Santa Croce e em Castelfranco, de onde os Novelli,
ainda chamados de Pacini sairam por volta de 1540.

160
Vista das nos campos de Calcinaia

Quando Giovanni nasceu, os Novelli já estavam morando nesta casa na Via


Marrucco fazia mais de 80 anos. Por volta da época das Guerras Napoleônicas, que
também passaram pelo Valdarno, os avós de Giovanni, o casal Giovanni Battista
Novelli e Maria Diamante Chiarini compraram as terras, que até então eram
propriedade da familia nobre Baglioni que provavelmente vivia em Florença. Nos
Ca-
se Novelli
suas lavouras onde plantavam trigo, milho, vinho, centeio para vender para fora e
verduras e legumes para o consumo próprio.

Mapa de Calcinaia de ca. 1880 onde se pode ver as

161
A torre de Brunelleschi
em Vicopisano

A infância de Giovanni

Podemos imaginar o pequeno Gio-


vanni correndo e brincando pelos
campos da extensa planície do I
Ronchi. Foi lá que ele deu seus
primeiros passinhos, foi lá que disse
suas primeiras palavras e cantou
suas primeiras cantigas, que
aprendera com sua mama e seus
irmãos. Na escola de Calcinaia
aprendeu a ler e a escrever com a
disciplina que era exigida na época.
Com a idade e a curiosidade
avançando se aventurava com
amiguinhos nos canais e riachos
próximos, comia uvas e figos dos
pomares dos vizinhos e mais tarde ia
às festas e feiras de Calcinaia e das
cidades vizinhas Bientina e Vicopisano todas próximas já experimentando um
pouco do vinho forte local. Foi lá que dançou, paquerou e se apaixonou pela
primeira vez.

Quando o pequeno Giovanni tinha


apenas 8 anos, em 30 de Outubro de
1863, falece o seu pai Gaspero, com
apenas 53 anos de idade. Seus filhos mais
velhos Maria, Teresa, Domenico e Fran-
cesco já eram adultos e continuaram
cuidando da lavoura. Mas como a casa
provavelmente estava se tornando
pequena demais para a família em
constante crescimento, parte da família
Novelli mudou-se para a vizinha Bientina
em 17 de novembro de 1871,
provavelmente para a casa em Borgo di
Venezia 17, onde a família ainda estaria
morando na década de 1890. Parte da
familia continuou residindo na Via

162 Antiga fotografia da parte antiga


de Bientina (ca. 1890)
Marrucco em Calcinaia. A
distância entre a casa dos
Novelli no I Ronchi e
Bientina mal passa de um
quilômetro.

O sarcófago do Santo Valenti-


no na igreja de Bientina

Era um mundo pequeno. Tanto é que um ditado local diz mais ou menos assim:
Calcinaia, Bientina e Vico hanno spazio in un fico = Calcinaia, Bientina e Vi-
co(pisano) cabem dentro de um um Figo. Um mundo com limites definidos pelos
altos Monti Pisani ao poente, o rio Arno ao sul, os morros da Cerbaia ao nascente e
o lago di Bientina (na época ainda existente) ao norte. Um mundo protegido.
Pontedera, do outro lado do Arno, já estava muito longe e não sabemos se o
jovem Giovanni esteve com os pais ou algum irmão mais velho em Pisa a cinco
horas de caminhada dali para admirar a famosa torre pendente ou em Lucca para
ver suas torres medievais, e nem pensar se esteve na maravilhosa Florença a
sessenta quilômetros de distância.

A ferrovia entre Florença e Pisa já havia sido inaugurada 10 anos antes de seu
nascimento mas o fato dos camponeses terem feito uma série de atentados e
sabotagens contra as locomotivas e os trilhos durante os primeiros anos de seu
funcionamento, nos dá uma ideia do expanto que o advento da modernidade deve
ter causado nas almas das pessoas simples, que acreditavam que os trens
fumegantes eram coisas do diabo e que estragariam suas colheitas. Os italianos,
muito católicos e devotos, sempre enxergaram seu mundo como dependente da
vontade divina. E podemos ver nos nomes dos Novelli, com os numerosos Giovan-
nis Battistas, Marias, e
também as Dianas e os
Valentinos, que eram os
santos das cidades
próximas de Santa Maria a
Monte e Bientina, que
nossa familia evocava a
assistência do além para
ter proteção e ajuda no
aquém.

Calcinaia por volta de 1900

163
Foto antiga de Sta. Maria a Monte (ca. 1900). Na foto embaixo, igualmente Santa Maria a Monte.

Numa sociedade onde uma colheita malograda poderia significar um ano muito
duro para os camponeses, onde estando mal nutrido e pela falta de higiene e
assistência médica uma simples gripe podia matar rápido familiares queridos e
ar ruim
comunidade, onde a morte do capo di famiglia, do chefe da familia, poderia
acarretar a ruína de toda a familia, ou até mesmo a morte de um boi ou de uma
vaca significava uma perda quase irreparável, obter ajuda do plano espiritual era
muito importante para a fé de que tudo dará certo. Assim, as romarias e procissões
nas cidades próximas, entre elas principalmente a famosa Festa di San Valentino em
Bientina no final
de maio e início
de junho eram
datas muito
importantes. Mais
importantes do
que hoje o
carnaval e o natal
para nós.

164
A libertade
personificada em
pintura de ca. 1850

A Italia na época

A Italia e seus estados por volta de 1750 a


seta demostra onde fica nossa terra
ancestral na Toscana, próximo à fronteira
com o pequeno Estado de Lucca

Era um mundo pequeno, mas em plena


transição. A Itália passava por tempos
conturbados em meados do século XIX.
Como a península ainda estava dividida em
vários pequenos estados, muitas vezes
hostis entre si, a unificação foi alcançada
apenas lentamente e com combates
pesados. Havia de um lado os nacionalistas
que queriam construir um país unido e moderno e os tradicionalistas,
principalmente os antigos governantes e o cléro, que queriam garantir seus
privilégios em seus pequenos feudos. Na infância de Giovanni, a Toscana ainda era
um grão-ducado que dependia politicamento do Império Austro-Húngaro mas
não mais por muito tempo.

Já pouco antes do nascimento de Giovanni, em 1848, houve violentas lutas pela


independência nesta área da Toscana. Muitos toscanos viam os austríacos que
estavam no poder como inimigos da pátria. A Áustria, no entanto, conseguiu
derrotar os insurgentes nesse época e levaria mais de 10 anos até que os
nacionalistas tivessem força (e aliados) suficientes para iniciar outra guerra. Em
1859 chegara a hora, com o apoio da França e a coragem do libertador Giuseppe
Garibaldi (que tinha uma esposa brasileira), os territórios austríacos gradualmente
caíram nas mãos dos insurgentes. Já em 17 de março de 1861, Victor Emmanuel II
foi proclamado rei da Itália unida em Turim. Em 1865, a capital do país mudou para
Florença. E em 1866, com a terceira guerra de independência, o Veneto e Friuli
austríacos foram anexados ao Reino da Itália. Roma foi conquistada em 1870 e um
ano depois escolhida como a capital do país. A partir de então, a Itália ficou (quase)
como a conhecemos hoje.

Fora da esfera política o país também se mudava cada vez mais depressa. A
população cresceu rapidamente no século XIX graças a novos avanços na medicina
e higiene. Ferrovias foram instaladas e industrias foram se formando,
principalmente no norte da península. As cidades estavam crescendo muito, mas
não havia trabalho para todos. Muitos dos agora 4000 habitantes de Calcinaia e

165
3000 de Bientina tiveram que se mudar para os grandes centros ou ir para a França
para procurar trabalho temporário nas salinas da Camargue.

Foi a época da primeira onda de industrialização na Itália, especialmente na


Lombardia, mas as novas fábricas criaram menos empregos do que destruíram. Os
novos bens industriais deixaram muitos pequenos artesãos desempregados e as
condições de vida nos bairros e nos guetos dos trabalhadores das fábricas eram
ruins. Trabalho infantil, expedientes de
16 horas ou mais diários eram praxe.
Foi uma época de transição onde
haviam certas vantagens e também
muitas desvantagens.

Por exemplo, a nova ferrovia fez uma


viagem a Pisa, Florença ou até Milão e
Roma mais fácil e mais barata. E facilitou
a vida ao trazer certos produtos
industrializados como tecidos, pregos,
tábuas, cordas, sal, açucar, café e peixes,
que ficaram muito mais acessíveis para
o povo. O que um teçelão, um ferreiro,
um serralheiro, vidreiro ou um outro
artesão local fazia com muito custo e
esforço as máquinas a vapor faziam
mais rápido e barato.

Giuseppe
Garibaldi
166
Imagem da página ao lado ao alto: Cartão postal antigo com a estação de trem de Pontedera
(ca. 1880). E acima: A estação ça por volta de 1860.

Mas o outro lado da moeda não tardou a chegar: a pesca marítima, tornada agora
possível com os novos barcos a vapor, fez muitos pescadores locais do lago di Bientina
ficarem sem poder vender seus produtos e a ferrovia deixou muitos navicellai (os
navegadores dos navicelli que faziam o percurso fluvial no Arno para transporte de
mercadorias) sem trabalho. Muitas pessoas passavam fome e tinham medo do futuro. A
guerra ainda estava em andamento no sul do país e a política estava cada vez mais
insegura. Havia muitos comunistas e anarquistas e a política interna do novo país
também foi conturbada pelo próprio papa, que convocou todos os católicos a boicotar
a política na Italia unificada porque ele estava furioso por ter perdido seu grande
estado e governar agora apenas o pequeno Vaticano.

A emigração para o Brasil

Como Gaspero Novelli teve 5 filhos homens e


os primogênitos Domenico e Francesco já
cultivavam a terra, os filhos mais novos
tiveram que procurar alternativas à
agricultura. Muitos filhos de camponeses se
mudaram para as cidades, especialmente para
Milão, Roma e Turim. Lá eles viveram com
sofrimentos. Os jovens em particular também
procuravam alternativas fora do país. Podia-
se ouvir algumas histórias de sucesso de
italianos no exterior. Talvez alguém da familia
ou dos arredores já estivesse lá e havia escrito
cartas encorajadoras para aqueles que
ficaram em casa. Terras em abundância,
liberdade, trabalho suficiente, natureza farta, a
falta de

167
Uma cena de embarque em porto europeu com destino às Americas século XIX

isso
tudo soava como música nos ouvidos dos sofridos italianos, acostumados com a santa
polenta de quase todos os dias.

Na época, a emigração para a América do Sul ou do Norte era uma alternativa


difícil, mas óbvia. O transporte marítimo, agora movido a vapor, havia ficado mais
barato e o tempo de viagem mais curto apenas algumas semanas ao invéz de
meses. A América se tornou cada vez mais próxima e interessante para os jovens
mais corajosos. E foi na época um fenômeno de massas. Milhões de italianos
deixaram suas casas e campos e atravessaram o oceano. No entanto, o idioma
inglês, o frio e os costumes estranhos na América do Norte afastaram muitos

décadas de 80 e 90 do século XIX a maioria dos italianos foi para o sul, deixando o
norte de lado. Especialmente da região vizinha de Lucca partiram muitos
emigrantes para o Brasil, e quando um parente ou amigo já estava lá, ele chamava
os outros.

168
Como nos conta a bela e conhecida canção italiana , fazemos uma
idéia do que passaram:

timos
Partimos com nossa honra
Trinta e seis dias de maquina e vapor,

não encontramos nem palha e nem feno


Temos dormido no terreno nu,

è rodeada por montes e planícies,


e com o trabalho dos nossos italianos

Os mais jovens dos irmãos Novelli certamente estavam interessados nestes relatos,
pois não estavam felizes com a idéia de viver como agricultores simples e
depender dos irmãos mais velhos. Eles não eram fatalistas, tinham objetivos mais
altos e espírito aventureiro. Após longas discussões com a familia e amigos e após
matutar muito, Giovanni decidiu emigrar para a América do Sul.
Camponeses do Basso Valdarno no século XIX

Dizer adeus a casa materna é


difícil pois essa viagem ao
outro lado do mundo não era
tão fácil e segura como a
conhecemos hoje. Uma vez no
exterior, o imigrante estava
sozinho em um mundo estranho
e às vezes era difícil voltar. A
sede de aventura e otimismo
tinham que ser mais fortes do
que todas as preocupações e
medos. Mas afinal, por volta de
1880, Giovanni, com mais ou
menos 25 anos, emigrou para o
Brasil.

Panfleto
propagandístico
para estimular a
emigração de
italianos ao
Brasil.
169
A estação de Pontedera por volta de 1900.

A despedida da amada mãe certamente foi muito dolorosa. Ela deve ter chorado,
talvez já prevendo que nunca mais veria o filho caçula e de fato, pouco tempo
depois faleceria com 70 anos em janeiro de 1883. Após limpar as lágrimas do rosto,
Giovanni foi provavelmente acompanhado de parte de sua familia até Pontedera
onde pegou o trem para ir a Pisa ou Livorno e continuar de lá a viagem para
Gênova. No porto desta cidade onde milhares de imigrantes de toda a Italia
passavam dias e semanas com seus pertences, geralmente trouxas de roupas e
cestos com comida, à espera de seus navios, Giovanni zarpou em um navio a vapor
e começou a árdua travessia marítima de várias semanas rumo ao Brasil.

A viagem era longa. Os navios eram lotados e a comida e as condições higiênicas a


bordo eram geralmente péssimas. Muitos adoeciam durante a travessia. A emoção
ao finalmente ver terra firme e poder descer do navio deve ter sido imensa. Assim
que chegou em Santos, Giovanni foi enviado primeiramente para a Hospedaria dos
Imigrantes de São Paulo onde foi cadastrado e feito um check-up de sua saúde e
de lá pegou o trem da Mogiana
para a recém-inaugurada estação
de Casa Branca, no interior do
Estado de São Paulo, na época o
fim da linha.

170
O porto de Santos em 1880.

Podemos imaginar como tudo deve ter sido novo e emocionante para Giovanni. O
clima tropical e suas chuvas fortes. As casas e cidades diferentes, as plantas e frutas
exóticas. As matas e os cafezais intermináveis, tão diferentes das paisagens
Branca
ele provavelmente foi de carroça atravéz de estradas de terra para Mococa, uma
pequena cidade a cerca de 30 quilômetros de Casa Branca, na divisa com o Estado
de Minas Gerais. Talvez ele já tivesse conhecidos aqui ou sentisse que havia aqui as
melhores condições para uma vida nova. De certo nunca iremos saber por quais
motivos ele decidiu vir justamente para cá entre tantas outras cidades e até mesmo
estados e países. Mas
seja como for, foi aqui
que Giovanni Battista
Novelli se fixou e abriu
a sua cervejaria.

Estação ferroviária de Casa


Branca, ca 1890.

171
Exemplo de locomotiva a vapor utilizada nas ferrovias brasileiras por volta de 1880

No Brasil a fábrica de cerveja

O Brasil foi até 1889 um império e foi um importante destino da imigração


européia na época. A economia florescia e um grande número de artesãos e
trabalhadores rurais europeus encontrou trabalho nas cidades e nas fazendas
brasileiras, especialmente nas plantações de café no estado de São Paulo. Após a
proibição do tráfico negreiro com a Africa por volta de 1830 e a Lei do Ventre Livre
em 1871 os grandes fazendeiros estavam à procura de uma alternativa para a mão
de obra escrava, que estava ficando cada vez mais escassa. A abolição definitiva da
escravidão era inevitável, que ocorreu finalmente só em 1888, sendo o Brasil o
penúltimo país do Ocidente (apenas um ano antes de Cuba). Assim estava-se a
procura de trabalhadores novos nas plantações e nas oficinas. Mais de três milhões
de italianos emigraram para cá dentro de três décadas. É por isso que no Brasil
vivem tantos descendentes de italianos estima-se que haja hoje mais de 25
milhões de ítalo-brasileiros.

Imigrantes
italianos no
interior de
S. Paulo no
início
do século
XX

172
Mapa de 1900 demostrando a localização das cidades de
Casa Branca, Mococa e S. José e os ramais ferroviários

A combinação do lucrativo cultivo de café, que na época proporcionava fortunas


aos fazendeiros, e a vontade dos imigrantes de trabalhar e de subir na vida trouxe
um tremendo avanço econômico para as novas cidades no interior do estado de
São Paulo e sul de Minas Gerais. Isso incluiu as cidades de Casa Branca, Mococa e
São José do Rio Pardo, onde mais e mais italianos se estabeleceram a partir de
1875. A maioria encontrou trabalho nas lavouras, mas também havia muitos que
trabalhavam no comércio e em oficinas nas cidades. Essas cidades eram novas, mal
tinham seus 20 ou 30 anos desde a sua fundação e já tinham seus 5000 ou mais
habitantes. Grande parte dos imigrantes desta região veio do sul da Itália, mas
havia também muitos imigrantes da Toscana, do Veneto, da Lombardia e ainda de
Portugal, Espanha,
Síria, Áustria e
Alemanha.

Pintura de um cafezal
paulista em colheita

173
Vista da cidade de Mococa, SP a maioria da população destas cidades do interior paulista vivia na
zona rural, por isso as cidades parecem ser muito pequenas

Parece que durante seus primeiros anos no Brasil Giovanni esteve ao mesmo tem-
po em Mococa e na vizinha São José do Rio Pardo, a apenas 20 quilômetros de
distância. A sua fábrica
da época, mas ele era socialmente ativo em São José do Rio Pardo, onde foi sócio
fundador da
, uma
associação beneficiente para o
apoio mútuo dos imigrantes
italianos. Por volta de 1886, ele
passa a estar apenas em São José
do Rio Pardo, para onde mudou sua
fábrica de cerveja. Também não
está claro se o irmão Valentino ou o
irmão Santi se juntaram como
sócios à fabrica de cerveja por um
certo tempo. Há algumas evidências
que sugerem isso. De qualquer
forma, o irmão voltou para a Itália,
enquanto Giovanni, agora chamado
João Novelli, se estabeleceu
definitivamente no Brasil.

Joâo Novelli mencionado em um


174 Almanak de 1886 como tendo
fábrica de cerveja em Mococa
Foto dos membros da Sociedade
Italiana XX de Setembro de S. José do
Rio Pardo a sede ainda estava em
construção

Ao lado: O nome de Giovanni grifado


em um dos protocolos da associação
italiana de 1886

São José do Rio Pardo por volta de


1900 para onde Giovanni passou e
onde se casou em 1888

175
Galzuinda de Araújo
Macedo por volta de 1890

O trabalho nos cam-


pos e nas oficinas era
árduo e a sede dos
trabalhadores sob o
sol tropical também
era enorme. Assim, a
Cerveja Novelli fez
muito sucesso e logo
Giovanni estava bem
situado na pequena
cidade. Ele adquiriu
casas e comprou um
sítio na cidade, se
entrosou na
sociedade local e
tornou-se em 1886
secretário da
associação italiana
que havia fundado.

Galzuinda de Araújo Macedo

O bem sucedido empresário Giovanni, agora com cerca de 30 anos de idade,


estava pensando em se casar. Ele ficou conhecendo a mineirinha Galzuinda de
Araújo Macedo, de apenas quinze anos de idade, que vendia salgadinhos que sua
mãe fazia em casa para ajudar a renda familiar. A jovem Galzuinda era linda e Gio-
vanni se apaixonou por ela.

176
São Gonçalo do Sapucaí em Minas Gerais

A familia da Galzuinda havia se mudado para São José do Rio Pardo por volta de
1880 vindo de São Gonçalo do Sapucaí, em Minas Gerais, onde foram outrora
importantes agricultores, donos de engenho de cana de açucar e onde tiveram
lavras de ouro, herdadas de seu bisavô Antônio Joaquim Rodrigues de Macedo,
nascido em Coimbra, Portugal, que havia sido sobrinho do importante contratador
e banqueiro português João Rodrigues de Macedo, o construtor da famosa Casa dos
Contos em Ouro Preto MG. Esse tio havia participado da Inconfidência Mineira em
1789 e havia comprado essas terras de seus compadres, o poeta, ouvidor e
inconfidente Alvarenga Peixoto e a poetisa Barbara Heliodora. Em São José, o pai
de Galzuinda, Antônio Julio, teve o cargo de delegado de polícia. Tios e primos de
Galzuinda também viviam aqui. A familia provavelmente já fizera parte da primeira
leva de colonos mineiros que derrubaram as matas virgens e abriram roças nas
terras férteis e que povoou a região por volta de 1840 a 1870.

O alferes (o que era algo como um tenente) Antônio Júlio de Araújo Macedo,
nascido em 1829 em São Gonçalo, havia sido na década de 1860 delegado de
polícia da recém-criada cidade de Pirassununga (vizinha de Casa Branca) e
cirurgião de batalhão do exército nesta cidade, mas após a morte precoce de sua
primeira esposa Alexandrina, teve que voltar para S. Gonçalo do Sapucaí, onde
parte de sua família continuava a viver. Em S. Gonçalo teve nos idos de 1870 uma
botica ou boticário entre os bairros (hoje cidades) Natércia e Lambari.

177
Imagem acima: Praça em S. Gonçalo e embaixo: a Rua Coronel José Julio em Mococa.

Em 1869 Antônio Julio de Araújo Macedo se casou em segundas núpcias com sua
prima Maria José de Araújo, que também havia ficado viúva a pouco tempo. Como
Antônio Julio tinha 5 filhos para criar, era importante se casar logo novamente para
que a familia voltasse a ter um amparo maternal. A primeira filha do casal foi
Galzuinda nascida em 10 de Abril de 1872.

Quando se mudaram para São José, Galzuinda tinha 8 anos e era a mais velha de
uma penca de irmãos inteiros e ao mesmo tempo a mais nova de outra penca de
meio-irmãos mais velhos. E a familia de Galzuinda formava junto com alguns
irmãos de Antônio Júlio que já moravam na região de São José e também já tinham
familias, o clã dos
Araújo Macedo
uma familia muito
numerosa e presente
em toda região.

Especialmente o seu
irmão mais novo o
Tenente Coronel José
Júlio de Araújo
Macedo era muito
poderoso. Ele teve 7

178
grandes fazendas que se extendiam
por vários municípios da região e
exercia forte influência politica e
econômica. Uma das ruas principais de
Casa Branca, a Rua Coronel José Julio,
recebeu seu nome em homenagem.

À direita: Antônio Julio de Araújo Macedo


como dono de loja em S. José em 1888

Antônio Julio, no entanto, teve


problemas por volta de 1885 devido
às crescentes tensões entre os
monarquistas tradicionais que
defendiam manter a escravidão e os
liberais republicanos que queriam
aboli-la e queriam introduzir a

república no Brasil. Na época o Brasil


era a única monarquia na América do
Sul e o único pais onde havia
escravidão. Antônio Julio era um
republicano convicto e havia sido um
dos integrantes do comitê para a
fundação do Partido Republicano no
sul de Minas Gerais e participou de
manifestações republicanas, motivo
pelo qual ele teve que fugir de São
José e acabou sendo preso por
alguns dias em 1886. Por final perdeu
o emprego na delegacia e a sua
família acabou passando por
dificuldades financeiras.

Foi assim que a Dona Maria José,


esposa de Antônio Julio, fazia
salgados e doces em casa e a jovem
Galzuinda os vendia e entregava aos

São José do Rio Pardo 179


gostava de comprar os
deliciosos salgadinhos e pasteis
dela, e se apaixonou pela linda
garota. Os pais de Galzuinda
certamente viram Giovanni
como um bom partido para a
filha mais velha comum. Dizem
na familia que certo dia Giovan-
ni foi convidado pelos futuros
sogros para almoçar na casa
deles. Ele provavelmente já
estava noivo de Galzuinda.
Quando ele chegou na casa dos
Macedos, viu a Galzuinda
brincando com suas bonecas.
Isso demostra como Galzuinda
ainda era novinha quando ficou
noiva de Giovanni.

O Casamento de Giovan-
ni com Galzuinda

Giovanni se casou com Galzuinda no dia


16 de junho de 1888 na igreja matriz de
São José do Rio Pardo ela estava agora
com dezesseis anos de idade. As
testemunhas do casamento foram o Dr.
José Francisco de Araújo, um irmão de
Maria José que foi juíz e Domingos Fran-
cisco de Souza.

Imagem acima: a antiga igreja de S. José do Rio


Pardo e ao lado: o Registro de casamento de Gio-
vanni e Galzuinda de 1888

180
São José do Rio Pardo por volta de 1900

Um mes antes do casamento havia sido abolida a escravatura no Brasil. Pouco


depois do casamento a família de Galzuinda se mudou para uma casa de
propriedade de Giovanni. Infelizmente o pai de Galzuinda morreu logo, aos 59
anos, em 24 de Março de 1889, apenas alguns meses antes da Proclamação da
República no Brasil pela qual ele ele tanto lutara.

Aqui transcrevo um acontecimento político, ocorrido em 11 de agosto, três meses


antes da Proclamação da República, que ressoou, projetando nacionalmente a Vila
de São José do Rio Pardo: O episódio teve seu prelúdio em junho, quando membros
da Sociedade Italiana XX de Setembro, infiltrada de republicanos, depois de uma
festa de assentamento da pedra fundamental de sua sede, saíram às ruas, cantando
a Marselhesa, defrontando-se com monarquistas. Houve agressão, confusão e envio
de tropas. Dois meses passados, depois de aparente paz, a contenda recomeçou. Na
noite de 10 de agosto, o Hotel Brasil, do republicano Ananias Barbosa, foi atacado
pela polícia, depois de uma reunião e homenagens ao pregador republicano e líder,
-se do
edifício da Casa da Câmara e Cadeia, que representava a força e a lei, hasteando, a
bandeira revolucionária de Júlio Ribeiro, proclamando a República, sob o som da

181
Proclamação da república em 1889

Assim, São José já havia proclamado a república antes da proclamação oficial que
foi em 13 de novembro. E é muito provável que Giovanni esteve envolvido nestes
tumultos, visto que ele tinha um papel importante na Sociedade Italiana XX de
Setembro.

Giovanni e Galzuinda tiveram os seguintes cinco filhos:

Gaspar Antonio Novelli em 9 de Março de 1890 São José do Rio Pardo

João Novelli em 2 de Agosto de 1891 São José do Rio Pardo

Valentim Novelli Sobrinho em 23 de Abril de 1893 São José do Rio Pardo

Ada Maria Brasilina Novelli em 1 de Junho de 1894 nascida em Bientina, Italia

Antônio Novelli em 18 de Junho de 1895 São José do Rio Pardo, que nasceu
depois da morte de Giovanni.

182
Foto acima: O largo do mercado em São José do Rio Pardo, onde ficava a casa dos Novelli e dos
Araújo Macedo em uma fotografia histórica

A familia morou no Largo do Mercado em São José do Rio Pardo, numa casa logo
ao lado da casa da mãe de Galzuinda. Após a Proclamação da República, o largo
passou a se chamar Prudente de Morais em homenagem ao republicano.

Foto abaixo: a sociedade filantrópica italiana se S. José do Rio Pardo

183
A estação de trem de São José do Rio Pardo por voltaa de 1900

A nova familia passou um tempo muito bom nestes primeiros anos da década de
1890. Galzuinda teve em pouco espaço de tempo 3 filhos, que encheram Giovanni
de orgulho. Como era de se esperar de um bom italiano, o primeiro filho recebeu o
nome do avô e do tataravô Gaspero, em português . O segundo filho,
nascido um ano e meio depois de Gaspar, recebeu com pouca modéstia o nome
do próprio progenitor, mas que também foi uma homenagem aos
quatro Giovannis ancestrais da criança. O terceiro filho, nascido depois de uma
breve pausa de nem mesmo 2 anos recebeu o nome do irmão mais próximo de
Giovanni, Valentino, que ficou em português A familia crescendo, a
fábrica indo bem foram anos de vacas gordas e Giovanni, que tinha uma boa
índole, e bom apetite, gostava de comer bem e certamente não desprezava a
própria cerveja. Na familia se conta que depois de almoçar, ele costumava dar uma
cochilada ainda sentado à mesa.

Vista da cidade de Bientina na virada do século

184
Talvez por causa dos
seus hábitos
alimentares, a saúde
de Giovanni piorou.
Foi dito na época que
ele tinha muita
gordura no coração.
Ele estava muito
acima do peso (de
acordo com a
tradição oral da
família, ele pesava
cerca de 130 kg a
uma altura máxima de
1,6 metros). O filho
mais velho, Gaspar,
também tinha um
problema na perna
que precisava ser
operada. Como havia
melhores médicos na
Itália e os Novelli
tinham condição de
viajar, eles decidiram
fazer o tratamento lá.

Giovanni Novelli em fotografia de 1885

De volta à Itália e a morte de Giovanni

Assim, Giovanni, Galzuinda e o pequeno Gaspar com seus 3 anos de idade foram
por volta do final de 1893 ou início de 1894, para sua terra natal Calcinaia e para
Bientina onde os irmãos de Giovanni viviam. Os outros dois filhos menores ficaram
no Brasil com a avó Maria José. O reencontro com a familia depois de quase 15
anos separados deve ter sido muito comovente. Alguns irmãos de Giovanni
também haviam sido produtivos e Giovanni pôde conhecer pelo menos 10 novos
sobrinhos, entre eles pelo menos mais dois , que devem ter adorado
brincar com o pequeno primo Gaspar, achando-o com certeza muito engraçado
pelo fato dele falar uma lingua esquisita.

185
Foto acima: Bientina, década de 1950

Foto ao lado: O filho Gaspar Novelli


com um netinho seu.

Foto abaixo: Via Borgo di Venezia em


Bientina, morada da familia Novelli.

Eles passaram vários meses por


lá visitando os parentes e amigos
de Giovanni e morando nas
casas dos fratelli em Calcinaia e
Bientina. A jovem Galzuinda, já
grávida novamente, deve ter sido
integrada na comunidade das

mulheres da famiglia Novelli,


esperimentando a hospitalidade, o
gênio comunicativo e o
temperamento das italianas. Será
que gostou dos pratos típicos de
lá? Será que pôde se entender
com eles? Um acontecimento

186
marcante e íntimo
pode ter integrado
ela mais ainda na
comunidade das
mulheres da familia:
No primeiro dia de
junho de 1894, a sua
primeira e única filha
nasceria na Via
Borgo di Venezia 17.
Recebeu o nome
patriota
ao
mesmo tempo uma homenagem às avós, ambas Marias, e à nova pátria brasileira.

O tempo foi passando, o caloroso verão italiano também. O pequeno Gaspar foi
tratado com sucesso na Italia, mas infelizmente o tratamento de Giovanni não teve
êxito. Sua saúde acabou piorando cada vez mais e, por final, ele faleceu às quatro e
meia da tarde no dia 15 de outubro de 1894, uma segunda feira, na Sardina nº 66
em Calcinaia, na mesma casa onde havia nascido. Tinha apenas 39 anos de idade.
Talvez ele nunca ficou sabendo que sua esposa estava grávida de novo com mais
um filho seu. Giovanni foi enterrado no cemitério de Calcinaia.

Foto acima: O autor deste texto frente às Case Novelli em Calcinaia.

Ao lado:
registro de
nasci-
mento de
Ada Novel-
li 1894

187
Acima: Fotografia de Giovanni morto em
1894 e ao lado: registro de óbito
de Giovanni.

Galzuinda e Gaspar voltaram ao Brasil


no início de 1885 com a companhia
de Santi, um dos irmãos de Giovanni.
No entanto, ela teve que deixar a
pequena Ada com seus parentes
italianos porque a viagem seria muito
árdua para ela. Galzuinda certamente
não imaginava que nunca mais veria a
sua única filha. Os Novelli escreveram
para a Galzuinda dois anos depois
dizendo que Ada havia falecido, mas
encontramos documentos que
desmentem essa notícia. Pois Ada foi
mencionada mais tarde nas listas de
moradores de Bientina já com mais
de 10 anos de idade.

188
Elenco dos membros da familia Novelli em Bientina em 1911 com Ada Novelli viva.

Os Novelli provavelmente notaram que Galzuinda era um tanto desajeitada para


proteger a herança de Giovanni da ganância de seus irmãos e que ela, depois de
casada novamente com o Sr. Silva, se mudou para uma outra cidade (Cravinhos) e
deixou alguns de seus filhos com a mãe e os irmãos
em São José e Casa Branca. Quem sabe então o que
está certo? Pois mesmo nós imaginando qual tristeza
que Galzuinda deve ter sentido com a perda da filha,
talvez Ada estivesse realmente mais bem amparada
com os tios e tias italianos. Além disso, não podemos
esquecer o fato de que os parentes italianos devem
ter amado a pequena Ada como uma própria filha e
certamente teriam sofrido muito deixá-la ir ao Brasil
para um futuro inseguro. Quem sabe qual dificuldade
tiveram em escrever a dita carta para Galzuinda.

O inventário de Giovanni de 1895 que pode ser


encontrado no forum de São José do Rio Pardo
mostra o que ele deixou para Galzuinda e os filhos.
Em poucos anos no Brasil, ele podia se considerar um
homem de negócio de sucesso. Entre outros
pertences tinha ele:

Sua casa no centro da cidade (Largo do Mercado) no valor de 15 contos de réis


(15.000.000 réis)
A cervejaria, também no centro da cidade, no valor de 14 contos de réis
Outra casa no centro da cidade no valor de 7,5 contos de réis
Uma casa fora da cidade com sítio no valor de 7 contos de réis
4 casas em um bairro no valor de 2.5 contos de Réis
Terrenos em Calcinaia com um valor total de 2.5 contos de réis
3 cavalos e 2 burros

189
Duas páginas do inventário de Giovanni Novelli de 1895
Parece que a herança de Giovanni foi infelizmente diminuindo com o tempo. Os
tutores das crianças parecem ter se apropriado de boa parte da herança, alegando
ter que manter os filhos do falecido. Nos documentos do inventário de Giovanni
(João Novelli) vemos que Santi comprou os terrenos que Giovanni ainda tinha em
Calcinaia em nome do irmão Valentino, pagando a quantia estipulada a Galzuinda
voltando depois para a Italia (Santi faleceria em 1936 em Calcinaia).
Passados apenas alguns
meses, Galzuinda deu a luz a
um filhinho no dia 18 de Junho
de 1895 que foi batizado de
Antônio em homenagem ao
avô, bisavô, trisavô e tetravô
maternos (que se chamaram
todos Antônio) e que teve
como madrinha a italiana An-
gela Trivellato, dona de um
restaurante em S. José e que
foi a mãe de Cesare Trivellato,
o fundador da fábrica de
implementos automotivos
Trivellato S.A.
Imagem ao lado: Registro de nasci-
mento de Antônio Novelli de 1895

190
Cidades
importantes
na história
da familia
Novelli em
mapa da
ferrovia de
1920

O destino dos filhos depois do casamento de Galzuinda com Antônio Fortunato da


Silva é meio obscuro, parece que alguns foram criados pelos tios maternos, entre
eles Theodemiro de Araújo tio Dimiro foi tutor das
crianças por certo tempo. O pequeno Antônio ficou certo tempo com a avó Maria
José em S. José do Rio Pardo, até esta falecer em 1906 e talvez outros ficaram com
Galzuinda.

Galzuinda não chegou a ter filhos com seu segundo esposo Sr. Silva (Antonio For-
tunato da Silva). Juntos eles passaram alguns anos vivendo em diversas cidades
onde Sr. Silva trabalhou para a ferrovia. Pouco sabemos sobre o Sr. Silva, mas foi
certamente ele que incentivou vários enteados a trabalhar na ferrovia. Ao menos
João, Valentim e Antônio foram ferroviários. A desvantagem desta profissão foi que
os irmãos foram a
trabalho cada um
para uma outra
cidade, nenhum
deles ficou em Casa
Branca ou São José
do Rio Pardo

A antiga igreja
matriz de Monte
Santo de Minas na
década de 1910-
1920. Aqui se
casou Antônio
Novelli e daqui
saiu o funeral de 191
Galzuinda.
Inauguração da estação de trem de Monte Santo de Minas em 1913

João se casou com Rina Spaloni de Itapira, morou em várias cidades devido ao seu
emprego na ferrovia, por exemplo em Arceburgo MG, e foi parar em Campinas SP onde
hoje vivem muitos de seus mais de 90 descendentes. Valentim se casou com Bibiana
Alves e foi para Ribeirão Prêto onde também deixou vasta descendência (mais de 50).
Antônio foi para Monte Santo de Minas onde se casou em primeiras núpcias com a
jovem montessantense Dolores do Carmo e em segundas núpcias com Antonieta
Lattaro, também de Monte Santo (veja sobre ele na página 457). Seus mais de 70
descendentes se espalharam pelo Brasil e pelo mundo, assim como os mais de 80
descendentes de Gaspar, que se casou em São Simão, SP com Maria Caramaschi que
era de lá. Ele viveu muito tempo em Cafelândia e foi parar em Valparaiso, SP. Mesmo
estando distantes os irmãos sempre mantiveram fortes laços entre si e se visitavam
frequentemente até o final de suas vidas.
Galzuinda acabou por falecer em 9 de outubro
de 1924 em Monte Santo de Minas, a apenas
60 quilômetros de S. José. Foi em Monte Santo
que ela viveu a maior parte de seus ultimos 10
anos de vida e onde o Sr. Silva havia sido chefe
da estação ferroviaria da Companhia Mogiana.
Quando Galzuinda faleceu, o Sr. Silva estava
trabalhando em Guaiuvira, próximo a
Nuporanga, SP. Galzuinda deve ter passado
seus últimos meses ou anos na casa do filho
Antônio Novelli que vivia em Monte Santo
onde já estava casado com sua segunda
esposa Antonieta Lattaro, uma
montessantense filha de italianos de
Montemurro, Basilicata.

Certidâo de óbito de
192 Galzuinda de 1924
Monte Santo de Minas na década de 1930. A seta à esquerda indica a casa e padaria dos Lattaro.

Giovanni e Galzuinda tiveram mais de 40 netos e têm hoje mais de 300


descendentes espalhados pelo Brasil e pelo mundo. A cada ano somos mais e
estamos ao mesmo tempo cada vez mais
longe de seu tempo. Nem todos entre nós
se chamam Novelli e nenhum de nós os
conheceram pessoalmente alguns nem
mais sabem que eles existiram mas
mesmo assim trazemos todos algo deles
dentro de nós. E com esta história talvez
tragamos um pouco mais da lembrança
deles e de seu tempo.

Vivemos em outra época, em outro mundo


do que Giovanni e só podemos imaginar
vagamente como viveu, como sentiu, como
pensou. Mas devemos muito ao destemido
espirito de aventureiro deste grande
homem que nasceu na Toscana a 165 anos
e a 140 anos atrás decidiu começar uma
vida nova no Brasil, criando assim muitas
vidas e destinos novos.

Valentim Novelli na década de 20 ou 30.

193
Acima: Alguns descendentes dos Novelli de visita à Via Novelli em Castelfranco, onde se iniciou a
história de nossa familia na idade média.
E árvore abaixo: Os descendentes de Giovanni e Galzuinda até seus netos.

Fim da parte 1 do livro. Segue a história dos ancestrais de Galzuinda.

194

Você também pode gostar