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— Meu filho,
se papai mais mãe soubera
filho de quem tu era,
em bacia de prata te lavava
e em toalha com fios de ouro te enxugava.
Hoje o galo canta,
o jegue urra, o sino toca:
contigo amanheço o dia.6
O cavalier Basile
Giambattista Basile ou Giovan Battista Basile, nascido em Nápoles,
talvez na então vila de Posillipo, no início dos anos 1570, teve uma
vida diversificada e aventureira como homem de corte e militar. De
seus primeiros anos têm-se notícia apenas por Giulio Cesare
Cortese, no poema Viaggio nel Parnaso (IV, 40)8, em que afirma
serem amigos desde os tempos de escola. Em 1592, sai de Nápoles
para peregrinar pela Itália e Grécia, até que em 1604 se alista como
soldado em Veneza, na ilha de Candia. Em Veneza se inscreve na
Accademia degli Stravaganti [Academia dos Extravagantes]9, com a
alcunha de Pigro [Preguiçoso]. Em 1608, retorna para Nápoles e é
recebido na corte de Luigi Carafa, príncipe de Stigliano, da qual já
fazia parte a irmã Adriana, cantora muito celebrada na época. Entra
para a Accademia degli Oziosi [Academia dos Ociosos], sempre
com a alcunha de Pigro. São de sua temporada em Veneza as
primeiras poesias que depois serão publicadas em Nápoles em
1608 e 1609, respectivamente Il pianto della Vergine [O pranto da
Virgem] e Madrigali et ode [Madrigais e odes].
Como homem de corte, escreveu na língua literária predominante,
ou seja, o toscano de Dante, Boccaccio e Petrarca, provavelmente a
partir de 1610, inúmeras obras para entretenimento de seus pares,
como a fábula marítima Le avventurose disavventure [As
aventurosas desventuras], as Ecloghe amorose o lugubri [Éclogas
amorosas ou lúgubres], ou o drama para música em cinco atos
Venere addolorata. Favola tragica [Vênus dolorosa. Fábula trágica].
Ao mesmo tempo, começa a desenvolver a escrita em língua
napolitana10 e publica, em 1612, alguns textos em prosa na edição
do poemeto heroico-cômico em língua napolitana Vaiasseide
[Epopeia das criadas]11, dedicado “Allo re delli vienti” [Ao rei dos
ventos], do amigo Cortese, com o pseudônimo anagramático de
Gian Alesio Abbattutis. Ainda em 1612, vai ao encontro da irmã
Adriana na corte dos Gonzaga, em Mântova, onde publica, no ano
seguinte, uma edição completa de suas Opere poetiche [Obras
poéticas] e a segunda parte dos Madrigali et ode, recebendo os
títulos honoríficos de Cavaliere12 e Conde Palatino13.
De volta a Nápoles, ocupou vários cargos do vice-reinado14:
governador feudal em Montemarano (1615); em Zugoli (1617); em
Avellino (1619), onde funda a Accademia dei Dogliosi [Academia
dos Sofredores]; governador régio em Lagolibero (1621-1622) e em
Aversa (1627). Neste período passa a fazer parte da Accademia
degli Incauti [Academia dos Incautos], em Nápoles, e desenvolve
uma atividade de editor e “filólogo”, publicando grandes poetas do
século XVI: Pietro Bembo, Della Casa e Galeazzo di Tarsia. Sempre
em língua italiana publica Immagini delle piú belle dame napoletane
rittrate dai loro propri nomi in tanti anagrammi [Imagens das mais
belas damas napolitanas retiradas de seus próprios nomes em
muitos anagramas] (1624), o volume completo de Ode [Odes]
(1627), dedicado ao então vice-rei Duque d’Alba, seu novo protetor,
e os madrigais de Sacri Sospiri [Sacros suspiros] (1630). Em 1624
toma o título de Conde de Torone, pequeno vilarejo próximo a
Caserta.
Pouco antes de sua morte recebe o encargo de governador feudal
em Giugliano, onde vem a falecer devido a uma epidemia de gripe,
em 23 de fevereiro de 1632. Deixa inéditas suas obras em língua
napolitana: as nove éclogas de Le Muse napolitane [As musas
napolitanas], publicadas postumamente em 1635, “quadro paradoxal
do mundo napolitano, que parece resumir em si a variedade
inesgotável do universo”15 e a coletânea de contos de fadas Lo
cunto de li cunti ovvero lo trattenemiento de li peccerille [O conto dos
contos ou o entretenimento dos pequeninos], também publicada
postumamente entre 1634 e 1636, ambas sob o pseudônimo
anagramático de Gian Alesio Abattutis.
É interessante ressaltar que, apesar de ser uma obra que pode ser
considerada italiana, ela praticamente não alcançou outras regiões a
não ser aquelas de língua napolitana, tendo despertado interesse
em línguas bem mais “distantes” da original como o inglês e o
alemão. A indignação de Croce, portanto, é legítima, sobretudo
porque a obra é considerada por ele, na mesma introdução,
conforme já citado, como “o mais belo livro italiano barroco”36.
Ainda na Itália, o Conto passou a despertar interesse depois da
tradução de Croce, recebendo, em 1976, uma edição crítica
completa a cargo de Mario Petrini, que reuniu no mesmo volume as
Muse napoletane e as Lettere, de Basile, ou seja, toda a sua obra
em língua napolitana. Uma nova tradução para o italiano irá surgir
em 1986, por Michele Rak (com o texto em napolitano ao lado),
seguida pela tradução de Ruggero Guarini, de 1994, pela reescrita
em dialeto napolitano moderno e em italiano, em 2002, de Roberto
De Simone. A mais recente tradução para o italiano é de Carolina
Stromboli (2013), acompanhada pelo texto em napolitano
consolidado por ela, depois de um longo estudo filológico cujos
critérios são relatados nas “Notas ao texto”, que acompanha a obra.
Em cenário europeu, a primeira tradução integral do Conto, de
Felix Liebrecht, é publicada na Alemanha, em 1846, com prefácio de
Jacob Grimm; na Inglaterra depois algumas traduções parciais,
entre 1828 e 1848, surge a tradução integral de Sir Richard Burton,
em 1895, porém, a mais recente tradução em inglês é de Nancy
Canepa, publicada nos Estados Unidos, em 2007; os outros países
europeus tiveram que esperar o século XX para ler a versão integral
dos Contos: Romênia, 1968, tradução de Aurel Covaci; Espanha,
1994, tradução de César Palma; França, 1995, tradução de
Françoise Decroisette; Rússia, 2016, tradução de Pyotr Epifanov.
Esta tradução
A primeira dificuldade ao se traduzir uma obra como esta é
determinar o ponto de partida, ou seja, a partir de qual das edições
existentes será feita a tradução. Do Conto, existem três exemplares
completos da primeira edição publicada póstuma em Nápoles entre
1634 e 1636, conservadas nas Bibliotecas Nacionais de Milão
(Braidense), Palermo e Turim. Esta edição foi impressa em cinco
volumes e é considerada a edição princeps da obra, “a qual revela
claramente a falta de uma revisão final por parte do autor: existem,
de fato, além de erros de impressão e de revisão, algumas
incoerências, principalmente na última jornada, por exemplo nos
nomes das contadeiras e dos personagens de alguns dos Contos”.37
A esta edição seguem-se as edições de 1645, 1654, 1674, cada
uma delas baseada na princeps, emendando-a ou corrigindo-a,
sobretudo nos erros de impressão, conforme a intervenção dos
curadores. A edição de 1674, publicada por Antonio Bulifon, é a
primeira em que aparece na página de rosto o título “Pentamerone”
e foi a base para as seis edições completas publicadas em Roma
(1679, 1697, 1714, 1722, 1728, 1749) e uma em Nápoles, em
178838. Depois da já citada edição crítica de Mario Petrini, de 1976,
Carolina Stromboli produz uma nova edição crítica em 2013, em que
afirma:
“ao aprontar uma nova edição do Conto, é necessário seguir a princeps, como de
resto fizeram todos os editores modernos: de fato, esta é a única edição que
seguramente segue o autógrafo e é a mais correta”39. De modo que, diante de um
estudo tão criterioso, que revisa e integra todas as edições em napolitano disponíveis,
além de se utilizar dos mais recentes estudos filológicos sobre o texto para garantir sua
integridade, a escolha para texto de partida recaiu sobre a edição de Stromboli40.
Por fim, resta talvez a maior dificuldade inerente a uma obra como
esta, transportar a outra língua o estilo plenamente barroco, com
toques de ironia, do autor e manter todo o colorido de sua prosa
repleta de acúmulos lexicais, jogos de palavras, paralelismos,
expressões estranhas e bizarras usadas pelo povo, mas às quais
Basile deu um tom quase áulico sem, no entanto, perder a elegância
do período. Um difícil balanço do popular a ser transmitido na corte.
Foi um longo mergulho num mundo maravilhoso nunca antes, e
talvez nem depois, explorado com tanta maestria.
Boa leitura.
PREFÁCIO
Angela Albanese44
Penso […] que o leitor de um livro traduzido deseje saber não só o que disse o
escritor, mas possivelmente como ele o disse. Sua curiosidade desejará conhecer as
imagens usadas, o modo de construir os períodos, o andamento das frases, enfim,
desejará ter uma ideia do estilo. E o tradutor deverá satisfazer essa curiosidade
legítima45.
Dizem que era uma vez o rei de Valefelpudo54, que tinha uma filha
chamada Zoza, a qual como um novo Zoroastro55, ou um novo
Heráclito56, nunca se vira rir. Por isso, o pobre pai, que não pensava
em outra coisa a não ser nessa única filha, fazia de tudo para tirá-la
dessa melancolia, fazendo vir para lhe dar gosto, ora aqueles que
caminham em pernas de pau, ora os que passam dentro do círculo,
ora os saltimbancos, ora mestre Roggiero57, ora prestidigitadores,
ora ginastas, ora cães que dançam, ora macacos amestrados que
pulam, ora o asno que bebe no copo, ora Lucia Canazza58 e ora isto,
ora aquilo, mas tudo era tempo perdido, pois nem o remédio de
mestre Grillo59, nem a erva sardônica60, nem uma estocada no
diafragma arrancariam um tímido sorriso de sua boca. Tanto que o
pobre pai, para tentar uma última prova, não sabendo mais o que
fazer, ordenou que se construísse uma grande fonte de óleo diante
da porta do palácio, para que, espirrando óleo na gente que
passava pela estrada em vai e vem como formigas, estas para não
sujarem as roupas fizessem saltos de grilo, pulos de cabrito e
corridas de lebre, escorregando e batendo um nos outros, e
pudesse acontecer algo que fizesse a filha cair na gargalhada.
Assim, feita a fonte e estando Zoza à janela, tão composta que era
um vinagre61, apareceu uma velha que, ensopando com óleo uma
esponja enchia uma azeiteira que trouxera e enquanto toda
atarefada fazia essa operação, um certo endiabrado pajem da corte
atirou tão destramente uma pedra que acertou a azeiteira e a fez em
pedaços. Por isso a velha, que não tinha pelos na língua, nem
carregava desaforo, voltando-se para o pajem começou a dizer: “Ah
fedelho, insignificante, merdoso, molhacama62, mão leve,
maloqueiro, nó de enforcado, burro bastardo! Até as pulgas têm
tosse! Tomara que você tenha paralisia, que sua mãe tenha a má
notícia e que você não veja o primeiro de maio63! Tomara que o
acerte uma lança catalã64, ou que você leve uma chicotada, que não
saia sangue, que você tenha mil moléstias com idas e vindas e
velas ao vento, que sua semente se perca, papudo, miserável, filho
de uma prostituta, malandro”.
O rapaz, que tinha pouca barba e muito menos discrição, ouvindo
esta descompostura em regra, pagando com a mesma moeda,
disse: “Quer fechar essa cloaca, avó do velho do saco, megera,
sufocacriancinhas, cagatrapo, peidorreira?”. A velha, ao ouvi-lo falar
assim dela, ficou tão furiosa que, perdendo completamente as
estribeiras e extrapolando os limites da paciência, levantou os panos
da saia, e mostrou a paisagem silvestre, da qual poderia dizer Silvio:
“Vão despertando os olhos com a trompa”65. Ao ver esse
espetáculo, Zoza riu tanto que esteve para desmaiar.
A velha vendo-se zombada, teve tanta raiva que, voltando-se para
Zoza com uma cara de dar medo, disse: “Você não vai ter nem
sombra de marido se não pegar o príncipe de Camporedondo!”.
Zoza, ao ouvir essas palavras, mandou chamar a velha e quis saber
a todo custo se a tinha xingado ou amaldiçoado. E a velha
respondeu: “Saiba que esse príncipe que mencionei é uma elegante
criatura chamada Tadeo, o qual, pela maldição de uma fada, deu a
última demão no quadro da vida e foi sepultado fora dos muros da
cidade, onde há um epitáfio escrito numa pedra dizendo que
qualquer mulher que encher com lágrimas, em três dias, uma ânfora
que lá mesmo está dependurada num gancho, o fará ressuscitar e o
tomará por marido. E porque é impossível que dois olhos humanos
possam chorar tanto a ponto de encher uma ânfora tão grande em
que cabe meio alqueire66, a não ser, como ouvi dizer, por aquela tal
de Egéria, que em Roma se transformou numa fonte de lágrimas67,
eu lancei essa maldição por você ter escarnecido e zombado de
mim, e peço aos céus que a pegue em cheio, por vingança da injúria
que você me fez”. Dizendo isso, esgueirou-se escadas abaixo, com
medo de ser espancada.
Enquanto Zoza ruminava e mastigava as palavras da velha,
entrou-lhe um diabrete na cachola e, girando na roda dos
pensamentos e no moinho das dúvidas esse fato, no final, levada
pelo trenó da paixão que cega o juízo e encanta o raciocínio do
homem, pegou um punhado de escudos do cofre do pai, escapuliu
do palácio e caminhou tanto que chegou ao castelo de uma fada.
Abriu-lhe o coração e ela, por compaixão de tão bela jovem, cuja
pouca idade e o amor excessivo por algo não conhecido eram dois
motivos que podiam arruiná-la, deu-lhe uma carta de recomendação
a uma sua irmã, também fada; esta, depois de tê-la recebido muito
bem, pela manhã, quando a noite lança um bando de pássaros,
como um bom presságio para quem viu uma turba de sombras
negras perdidas, deu-lhe uma bela noz, dizendo: “Tome, minha filha,
fique com ela, querida, mas nunca a abra, a não ser em tempo de
grande necessidade”; e com outra carta recomendou-a a outra irmã.
Onde, depois de uma longa viagem, foi recebida com o mesmo
carinho, e na manhã seguinte mais uma carta a outra irmã com uma
castanha, dando-lhe o mesmo conselho que recebera com a noz. E
depois de caminhar chegou ao castelo da fada, que lhe fez mil
carícias, ao partir na manhã seguinte recebeu uma avelã com os
mesmos protestos de que não a abrisse nunca, a não ser que a
necessidade fosse urgente.
Depois disso, Zoza colocou as pernas no mundo, e tantas cidades
passou, tantos bosques e rios atravessou que, depois de sete anos,
justamente quando o sol selava seu cavalo para percorrer os
lugares de costume, acordado pelas cornetas dos galos, chegou
quase morta a Camporedondo, onde, antes de entrar na cidade, viu
uma sepultura de mármore ao pé de uma fonte que, por ver-se
presa num cárcere de pórfiro, chorava lágrimas de cristal. Pegou a
ânfora que estava pendurada ali e colocando-a entre as pernas
começou a fazer Os dois sósias68 com a fonte, e não levantou mais
a cabeça da boca da ânfora, de modo que ao fim de dois dias
chegara a dois dedos da borda, com mais esses dois dedos estaria
cheia; mas cansada de tanto chorar, foi tomada sem querer pelo
sono, de maneira que foi obrigada a alojar-se um par de horas sob a
tenda das pálpebras.
Nesse meio tempo, uma certa escrava pernas de grilo69, que ia
com frequência àquela fonte encher uma jarra e sabia da coisa do
epitáfio, que se falava por tudo, ao ver Zoza chorar tanto que fazia
dois riachos de pranto, ficou espiando, esperando que a ânfora
estivesse a bom termo para surrupiar o trabalho feito e deixar Zoza
de mãos abanando. E vendo-a adormecida, serviu-se da ocasião
para subtrair-lhe habilmente a ânfora e, colocando os olhos na
borda, em quatro tempos encheu-a até a boca; assim que a ânfora
estava bem cheia, o príncipe, como se acordasse de um grande
sono, levantou-se daquela caixa de pedra branca, agarrou aquela
massa de carne negra e, levando-a imediatamente ao seu palácio,
com festas e fogos de artifício tomou-a como esposa.
Quando Zoza acordou e viu a ânfora por terra, com a ânfora as
suas esperanças, e viu a caixa aberta, seu coração se apertou, de
sorte que esteve para desfazer a bagagem da alma à aduana da
morte. Por fim, vendo que não havia remédio para seu mal e que só
podia lamentar por seus olhos terem mal guardado a novilha de
suas esperanças70, dirigiu-se lentamente para a cidade, onde,
ouvindo sobre as festas do príncipe e do belo tipo de esposa que ele
tomara, logo imaginou como isso podia ter acontecido, e disse
suspirando que duas coisas negras tinham-na derrubado no chão, o
sono e uma escrava. Então, para se defender o mais possível da
morte, da qual se defende o mais que pode todo o animal, alugou
uma bela casa em frente ao palácio do príncipe, de onde, não
podendo ver o ídolo de seu coração, contemplava pelo menos os
muros do templo onde se fechava o bem que desejava.
Mas um dia, ao vê-la, Tadeo, que como um morcego voava sempre
em torno daquela negra noite de escrava, tornou-se uma águia por
ter a mente fixa na pessoa de Zoza, um excesso dos privilégios da
natureza e a vencedora em termos de beleza. Percebendo isso, a
escrava fez coisas do outro mundo, e estando grávida de Tadeo,
ameaçou o marido dizendo: “Se janela não fechar, de barriga me
jogar e Giorgetiello 71esmagar”72. Tadeo, que estava orgulhoso de
sua prole, tremendo como junco com medo de lhe dar algum
desgosto, destacou-se como alma do corpo da vista de Zoza, a
qual, vendo-se perder esse pouco de consolo à fragilidade de suas
esperanças, não sabendo que rumo tomar nessa extrema
necessidade, lembrou-se dos presentes das fadas. E abrindo a noz
saiu de dentro dela um anão do tamanho de um bonequinho, o mais
gracioso bonequinho que já se viu no mundo, o qual, colocando-se à
janela, cantou com tantos trinados, gorjeios e gargarejos, que
parecia um compadre Iunno, superava Pezillo e deixava para trás o
Cego de Potenza e o Rei dos Pássaros.73 A escrava, que o viu e
ouviu por acaso, ficou tão encantada que, chamando Tadeo, lhe
disse: “Se não tiver aquele pequenino que cantar, de barriga me
jogar e Giorgetiello esmagar”. O príncipe, que se deixara colocar o
cabresto pela moura, logo mandou perguntar à Zoza se ela queria
vendê-lo; ela respondeu que não era mercadora, mas que, se ele o
queria de presente, ela o presentearia. Tadeo, que ansiava por
manter a esposa contente até que desse à luz, aceitou a oferta.
Mas dali a quatro dias, Zoza abriu a castanha e dela saiu uma
galinha com doze pintinhos de ouro, que postos à mesma janela
foram vistos pela escrava, que sentiu um desejo vindo dos
calcanhares; e chamando Tadeo e mostrando-lhe tão bela coisa,
disse: “Se aquela galinha não pegar, de barriga me jogar e
Giorgetiello esmagar”. E Tadeo, que se deixava amedrontar e
manipular por essa grande cadela, foi de novo a Zoza oferecendo-
lhe o preço que pedisse por tão linda galinha, e obteve a mesma
resposta de antes, que a aceitasse como presente, pois só perdia
tempo querendo comprar. E ele, que pela necessidade não podia
fazer diferente, deu trégua à discrição e, levando esse belo
presente, ficou espantado com a liberalidade de uma mulher, pois as
mulheres são por natureza tão ávidas, que não lhes bastaria todas
as barras de ouro que vêm da Índia.
Mas passados outros tantos dias, Zoza abriu a avelã, da qual saiu
fora uma boneca que fiava ouro, coisa realmente de espantar, e
assim que foi posta à mesma janela, a escrava a viu e chamou
Tadeo dizendo: “Se boneca não comprar, de barriga me jogar e
Giorgetiello esmagar”. E Tadeo, que se deixava dobrar e levar pelo
nariz pela soberba da esposa, pela qual se fizera montar, não tendo
coragem de mandar perguntar a Zoza pela boneca, lembrou-se dos
motes: “Não há melhor mensageiro do que você mesmo”, “quem
quer faz, quem não quer manda”, e “quem peixe quer saborear, as
calças deve molhar”, e resolveu ir pessoalmente, pedindo-lhe muitas
desculpas por sua impertinência pelos desejos de uma mulher
grávida. Zoza, que estava no sétimo céu com a presença da causa
de seus sofrimentos, forçou-se a fazê-lo pedir e implorar, para deter
o barco e gozar mais tempo da visão de seu senhor, roubado por
uma feia escrava. Ao final, deu-lhe a boneca como havia feito com
as outras coisas, mas antes de entregá-la pediu à boneca que
colocasse no coração da escrava a vontade de ouvir histórias.
Tadeo, ao se ver com a boneca na mão, e sem desembolsar um
soldo, ficou estupefato com tanta cortesia, e lhe ofereceu a
cidadania e a vida em troca de tanta gentileza. E, voltando ao
palácio, deu a boneca à esposa, e assim que ela a colocou no colo
para brincar, tal qual Cupido em forma de Ascânio no colo de Dido74,
esta lhe colocou fogo no peito, pois teve uma vontade tão grande de
ouvir histórias que, não podendo resistir e temendo tocar a boca e
assim ter um filho tão petulante quanto ela, capaz de aborrecer um
bando de mendigos75, chamou o marido e disse: “Se não vier gente
e história contar, de barriga me jogar e Giorgetiello esmagar”.
Tadeo, para se livrar dessa doença, logo fez promulgar um decreto,
para que todas as mulheres daquele país viessem num tal dia, e
que, ao surgir a Estrela Diana76, que acorda a alba para preparar as
estradas pelas quais deve passar o sol, se reunissem todas num
determinado lugar. Mas não querendo Tadeo juntar tanta gentalha
por um gosto pessoal da esposa, além do que se sentiu sufocar ao
ver tamanha multidão, escolheu somente dez, as melhores da
cidade, que lhe pareceram mais espertas e falastronas, que foram
Zeza aleijada, Cecca torta, Meneca papuda, Tolla nariguda, Popa
corcunda, Antonella babenta, Ciulla caruda, Paola vesga,
Ciommetella tinhosa e Iacova decrépita. Depois de escrever esses
nomes num papel e licenciar as outras, saiu com a escrava debaixo
do baldaquim e se dirigiram bem devagar para um jardim no próprio
palácio, onde os ramos frondosos eram tão intricados, que o sol não
conseguia penetrar com seus raios. E, sentando-se sob um pavilhão
coberto por uma parreira, no meio do qual escorria uma grande
fonte, que como mestra dos cortesãos todos os dias os ensinava a
murmurar, Tadeo começou a falar assim:
“Não há nada melhor no mundo, minhas respeitáveis senhoras, do
que ouvir a história dos outros; não sem razão aquele grande
filósofo77 colocou a extrema felicidade do homem em ouvir contos
agradáveis, pois ouvindo coisas prazerosas as aflições evaporam,
nos afastamos dos pensamentos aborrecidos e prolongamos a vida;
por esse desejo, vemos os artesãos deixarem as oficinas, os
mercadores os negócios, os doutores as causas, os lojistas as lojas,
e irem de boca aberta pelas barbearias e pelas rodas de conversas,
ouvindo novas mentiras, informações inventadas e notícias vazias.
Por isso, devo desculpar minha esposa se lhe veio em mente essa
vontade melancólica de ouvir histórias. Mas se lhes agrada acertar
no alvo do desejo de minha princesa e também alvejar o centro das
minhas vontades, contentem-se, nesses três ou quatro dias que
ainda faltam para ela descarregar a barriga, em contar a cada dia
uma história, daquelas que as velhas costumam chamar de
entretenimento dos pequeninos, encontrando-nos sempre neste
mesmo lugar, onde depois de ter comido, começaremos a
conversar, terminando-se a jornada com alguma écloga que será
recitada pelos nossos serviçais, para alegria de quem vive e tristeza
de quem morre!”
Todas aceitaram essas palavras de ordem de Tadeo com um
aceno de cabeça. Pouco depois, colocada a mesa e vindo a
refeição, começaram a comer; quando acabaram o príncipe fez sinal
para que Zeza aleijada iniciasse. Zeza fez uma grande reverência
ao príncipe e à sua esposa, e começou a falar.
O CONTO DO OGRO
ENTRETENIMENTO PRIMEIRO DA PRIMEIRA
JORNADA
Antuono78 de Marigliano79, expulso pela mãe por ser o
arquifanfarrão dos tolos, passa a serviço de um ogro; querendo
rever sua casa, recebe presentes dele, mas é sempre
enganado pelo taverneiro; por último recebe um bastão com a
qual castiga a ignorância do taverneiro, o faz pagar a penitência
pela esperteza e enriquece sua casa.
Quem disse que a sorte é cega sabe mais do que mestre Lanza80,
porque ela dá golpes realmente cegos, elevando aos céus gente
que não se expulsaria de um campo de favas81 e jogando no chão
outras que
são uma flor de pessoa, como vou lhes contar.
Dizem que era uma vez no vilarejo de Marigliano uma boa mulher
chamada Masella, que além de seis filhas solteiras, que pareciam
varapaus, tinha um filho homem tão matuto, tão burro, que não
servia nem para o jogo de bolas de neve, tanto que ela ficava como
uma porca com a tranqueta na boca82, e não havia dia que não lhe
dissesse: “O que você faz nesta casa, pão maldito? Desaparece,
pedaço de malandro; cai fora, macabeu; some, desgraçado; sai da
minha frente, comecastanhas, você foi trocado no berço, e no lugar
de um bonequinho calmo belo pequenino me puseram um porcalhão
papalasanha!”.
Mas enquanto Masella falava, ele assobiava. Vendo que não havia
esperança de que Antuono (assim se chamava o filho) tomasse
juízo, um dia, depois de lhe passar um sabão, pegou um rolo de
macarrão e começou a tirar-lhe a medida do capote83. Antuono, que
quando menos esperava, se viu espancar, pentear e forrar, assim
que conseguiu escapar, virou nos calcanhares e tanto caminhou até
que na vigésima quarta hora84, quando começavam a se acender as
luzes nas oficinas de Cinzia85, chegou aos pés de uma montanha
tão alta que chifrava as nuvens, onde, na raiz de um choupo ao lado
de uma gruta de pedra-pomes, estava sentado um ogro, minha mãe,
como era feio. Era um anão atarracado, tinha a cabeça maior do
que uma abóbora da Índia, a testa encaroçada, as sobrancelhas
unidas, os olhos enviesados, o nariz esborrachado com duas
narinas que pareciam duas cloacas mestras, da boca grande como
uma tina, saíam duas presas que chegavam até os calcanhares, o
peito peludo, os braços de dobadoura, as pernas arqueadas e os
pés de pato: enfim, parecia um espírito maligno, um demônio, um
horrível indigente e uma assombração cuspida e escarrada, que
teria assustado um Orlando86, aterrorizado um Scannarebecco87 e
empalidecido um bom lutador. Mas Antuono, que não se mexia nem
com um tiro de funda, fazendo uma leve reverência, lhe disse “Olá,
senhor, o que faz? Como está? O que quer? Quanto tem daqui ao
lugar aonde devo ir?” O ogro, que ouviu essa conversa que saltava
de pato a ganso, começou a rir e, porque gostou do humor do
animal, disse: “Você quer um emprego?”; e Antuono replicou:
“Quanto paga por mês?”; e o ogro respondeu: “Trate de servir
honradamente, que nos acertaremos e você terá uma vida boa”.
Assim, concluído o acordo, Antuono passou a servir o ogro, em cuja
casa a comida era tão abundante de se jogar na cara e quanto a
trabalhar era coisa de preguiçoso, tanto que em quatro dias Antuono
estava gordo como um turco, redondo como um boi, atrevido como
um galo, vermelho como um camarão, verde como alho, estufado
como uma castanha cozida, tão carnudo e rechonchudo que não
podia mais abrir os olhos.
Mas não haviam-se passado dois anos e o gordo se aborreceu,
veio-lhe uma grande vontade e desejo de dar uma olhada em
Marmigliano, e pensando em sua casinha quase voltara ao aspecto
de antes. O ogro, que lhe conhecia as entranhas e sentia pelo
cheiro o fogo no rabo que o fazia se sentir como uma mulher mal
servida, chamou-o à parte e disse: “Antuono, sei que você tem um
desejo ardente de ver sua gente, e porque o quero bem como às
minhas pupilas, me contento que você vá até lá e tenha esse gosto.
Então pegue este asno que evitará a fadiga da viagem, mas lembre-
se de nunca lhe dizer ‘Arre, cagaouro’, ou irá se arrepender pela
alma de seu avô!”.
Antuono pegou o asno, e sem dizer “boa noite”, saltou-lhe em cima
e começou a trotar, mas ainda não havia dado uma centena de
passos quando, desmontando do animal, começou a dizer: “Arre,
cagaouro”. Assim que abriu a boca o asno começou a cagar
pérolas, rubis, esmeraldas, safiras e diamantes grandes como
nozes. Antuono com um palmo de boca aberta, atento ao belo
escoamento do corpo, à soberba descarga e à rica disenteria do
asno, e com grande júbilo, encheu um alforje com aquelas joias e
voltou a cavalgar a bom passo até que chegou a uma taverna;
assim que desmontou, a primeira coisa que disse ao taverneiro foi:
“Amarre este asno na manjedoura, dê-lhe de comer, mas não diga:
‘Arre, cagaouro’, pois vai se arrepender, e também guarde estas
coisas em lugar seguro”.
O taverneiro, que era líder dos artesãos, insigne espertalhão, ao
ouvir essa advertência inaudita e vendo as joias que valiam
muitíssimo, ficou curioso para saber o que significavam essas
palavras. Por isso, dando de comer a Antuono e fazendo-o beber o
quanto pôde, deitou-o num palheiro e o cobriu, e assim que o viu
fechar os olhos e começar a roncar, correu ao estábulo e disse ao
asno: “Arre, cagaouro”, que com o expediente destas palavras fez a
operação costumeira, desentupiu o corpo com caganeira de ouro e
disenteria de joias. O taverneiro, ao ver essa evacuação preciosa,
pensou em trocar o asno e embrulhar o caipira do Antuono,
imaginando ser fácil cegar, enganar, iludir, engambelar, enrolar,
zombar e passar gato por lebre a um porcalhão, grosseirão, toleirão,
parvalhão, simplorião como esse que lhe caíra nas mãos. Por isso,
ao acordar de manhã, quando sai a aurora para despejar o urinol de
seu marido, cheio de areia fina vermelha da janela do Oriente,
Autuono, esfregando os olhos com a mão, espreguiçando-se por
meia hora e fazendo uns sessenta bocejos e peidos em forma de
diálogo, chamou o taverneiro dizendo: “Venha cá, camarada: contas
frequentes e amizade longa, somos amigos e as bolsas disputam;
faça-me a conta e eu pago!”. Assim, feito tanto pelo pão, tanto pelo
vinho, isto de sopa, aquilo de carne, cinco de cocheira, dez de leito
e quinze de faça bom proveito88, desembolsou as moedas e,
pegando o asno falso com um saco de pedras-pomes no lugar das
pedras de anel, foi depressa para o vilarejo; e antes de colocar os
pés em casa, começou a gritar como um queimado por urtigas:
“Corra, mãe, corra que estamos ricos! Prepare a toalha, estenda o
lençol, desdobre as cobertas, você vai ver tesouros!”.
A mãe, com grande alegria, abriu o baú onde estava o enxoval das
filhas casadouras, tirou lençóis tão leves que voavam a um sopro,
toalhas perfumadas limpíssimas, cobertas de cores brilhantes, e
estendeu tudo no chão. Antuono colocou o asno em cima e
começou a entoar: “Arre, cagaouro!”, mas “Arre cagaouro” coisa
nenhuma, o asno fazia tanto caso daquelas palavras quanto do som
de uma lira89. Todavia, voltando três ou quatro vezes a repetir essas
palavras, todas lançadas ao vento, pegou um bom porrete e
começou a bater na pobre besta; e tanto bateu, espancou e agrediu,
que o pobre animal soltou o corpo e fez uma grande diarreia
amarela sobre os panos brancos.
A pobre Masella, que viu essa soltura de corpo, e quando esperava
enriquecer a pobreza de sua casa recebeu uma efusão tão liberal a
ponto de empestear a casa toda, pegou um porrete e, sem dar
tempo dele mostrar-lhe as pedras-pomes, deu-lhe uma boa surra;
por isso, Antuono logo correu de volta para o ogro. Este, vendo-o
chegar mais a trote do que a passo, já sabia o que acontecera
porque era mágico e lhe fez uma reprimenda em regra por ter se
deixado enganar por um taverneiro, chamando-o de inútil, serve-
para-nada, simplório, aproveitador, mané, tralha velha, pedaço de
burro, comecastanhas, pateta, abobado e incapaz, que por um asno
cheio de tesouros recebera um animal que evacuava muçarela
rançosa. Antuono, engolindo essa pílula, jurou que nunca mais,
nunca mais se deixaria enganar e burlar por homem vivente.
Mas não se passou outro ano e veio-lhe a mesma dor de cabeça,
morrendo de vontade de ver sua gente. O ogro, que era feio de cara
e belo de coração, liberando-o presenteou-lhe com um belo
guardanapo, dizendo: “Leve isto para sua mãe, mas tome cuidado
para não ser burro como foi com o asno, e até não chegar à sua
casa, não diga ‘Abre-te, guardanapo’, nem ‘Fecha-te, guardanapo’,
porque se acontecer qualquer outra desgraça, o problema é seu.
Agora vai com a boa sorte e volte logo!”.
Antuono partiu, mas pouco distante da gruta, logo colocou o
guardanapo no chão e disse: “Abre-te, guardanapo”, o qual ao se
abrir mostrou tantas maravilhas, tanto luxo, tantas galanterias, que
foi uma coisa incrível. Ao ver isso, Antuono disse imediatamente:
“Fecha-te, guardanapo” e, com tudo fechado dentro, encaminhou-se
para a mesma taverna, onde ao entrar disse ao taverneiro: “Guarde
para mim este guardanapo, e cuidado para não dizer: ‘Abre-te
guardanapo’ e ‘Fecha-te guardanapo’”. O taverneiro, que era um
espertalhão de marca maior, disse: “Deixe comigo!”; e dando-lhe de
comer e fazendo-o segurar o macaco pelo rabo90, colocou-o para
dormir; pegou então o guardanapo e disse: “Abre-te, guardanapo”, e
o guardanapo se abriu lançando tantas coisas preciosas que foi um
espanto ver. Então, pegou outro guardanapo semelhante àquele e o
entregou a Antuono assim que ele acordou. Andando em bom
passo, Antuono chegou à casa da mãe dizendo: “Agora sim vamos
dar um chute na cara da miséria, agora sim vamos dar um jeito nos
trapos, farrapos e molambos!”. Abriu o guardanapo no chão e
começou a dizer: “Abre-te, guardanapo”; mas podia repetir o dia
todo que perdia seu tempo e não fazia nem cócegas. Por isso,
vendo que o negócio ia a contrapelo, disse à mãe: “Caramba, fui
enganado de novo pelo taverneiro! Mas pode deixar, eu e ele somos
dois! Melhor seria ele não ter nascido! Melhor ter sido pego por uma
roda de carroça! Que eu perca o melhor móvel de minha casa, se
quando passar por aquela taverna, para ele me pagar pelas joias e
o asno roubados, eu não o faço em pedacinhos!”.
A mãe, ao ouvir essa nova asneira, soltando fogo, lhe disse:
“Quebre o pescoço, filho excomungado! Quebre a coluna! Saia da
minha frente, você me embrulha o estômago, incha a minha hérnia e
fico barriguda todas as vezes que você aparece! Acabe logo com
isso, que esta casa seja fogo para você, eu estou pouco ligando,
faço de conta que nunca o caguei!”.
O pobre Antuono, que viu o relâmpago e não quis esperar para
ouvir o trovão, como um ladrão de galinhas, baixou a cabeça e
ergueu os calcanhares voltando rapidamente para o ogro. Este,
vendo-o chegar murcho e de mansinho, passou-lhe outra
descompostura, dizendo: “Não sei o que me segura que eu não lhe
arranco um olho, língua de trapo, boca peidorreira, tagarela, cu de
galinha, tramela, trombeta da Vicaría91, que precisa anunciar tudo,
que vomita tudo que tem no corpo e não sabe segurar a língua! Se
tivesse ficado calado na taverna, não teria acontecido o que
aconteceu; mas com essa língua de pá de moinho, você destruiu a
felicidade que essas mãos lhe deram”.
O infeliz Antuono, colocou o rabo entre as pernas, aguentou a
ladainha e ficou outros três anos quieto a serviço do ogro, pensando
tanto na sua casa quanto pensava em ser conde. Mas depois desse
tempo, retornou a febre terçã, voltando-lhe o capricho de visitar sua
casa; e por isso pediu licença ao ogro, que para se livrar desse
aborrecimento se contentou que partisse dando-lhe um belo bastão
trabalhado, dizendo: “Leve este bastão para lembrar de mim, mas
cuide para não dizer ‘Levanta-te, bastão’, nem ‘Deita-te, bastão’,
pois não quero ter nada a ver com isso”. E Antuono pegando-o
respondeu: “Eu já tenho dente do siso e sei quantos pares fazem
três bois! Não sou mais criança, quem quiser enganar Antuono tem
que beijar o cotovelo!”. Então o ogro respondeu: “A obra louva o
mestre, as palavras são femininas e os fatos masculinos, vamos ver.
Você me ouviu muito bem: um homem prevenido vale por dois!”.
Enquanto o ogro falava, Antuono escapuliu para casa, mas não se
afastou meia milha quando disse: “Levanta-te, bastão”, bastaram
essas palavras e por arte do encantamento logo o bastão, como se
tivesse um diabrete dentro, começou a massacrar as costas do
pobre Antuono, tanto que as bastonadas choviam a céu aberto e um
golpe não esperava o outro. O pobre homem, que se viu retalhado e
curtido como couro de Córdoba, logo disse: “Deita-te, bastão”, e o
bastão parou de fazer contraponto na partitura das costas. Assim,
tendo aprendido por conta própria, disse: “Quem fugir vai ficar
aleijado! Juro que desta vez não me escapa! Ainda não se deitou
quem vai ter uma noite ruim!”. Dizendo isso chegou à taverna de
sempre onde foi recebido com a maior cortesia do mundo, porque
sabiam que aquele osso dava caldo. Assim que Antuono chegou,
disse ao taverneiro: “Guarde para mim este bastão, mas cuidado
para não dizer ‘Levanta-te, bastão’, que será um perigo! Escute
bem, depois não reclame de Antuono, pois estou avisando e não
assumo a responsabilidade”.
O taverneiro, todo contente por essa terceira sorte, encheu-o de
boa sopa e mostrou-lhe o fundo da garrafa, e, assim que o fez cair
na cama, correu para pegar o bastão; chamou a mulher para essa
bela festa e disse: “Levanta-te, bastão”. O bastão começou a
quebrar as costelas dos taverneiros, e táfete daqui, túfete de lá, fez-
lhes uma ida e vinda de primeira ordem, tanto que, vendo-se em
palpos de aranha, correram, sempre com o bastão atrás, para
acordar Antuono em busca de misericórdia. Este, vendo que a coisa
tinha dado certo, o queijo cair no macarrão e o brócolis na banha92,
disse: “Não tem jeito, vocês vão morrer a pauladas se não
devolverem minhas coisas”.
O taverneiro, já bastante espancado, gritou: “Pegue tudo que tenho
e me livre deste tormento nas costas!”; e por segurança da parte de
Antuono, mandou vir tudo o que tinha roubado, e Antuono quando
teve tudo nas mãos, disse: “Deita-te, bastão”, e o bastão caiu de
lado. Pegando o asno e as outras coisas, Antuono dirigiu-se para a
casa da mãe, onde, depois de fazer experiência segura com o
traseiro do asno e com o guardanapo, juntou um bom dinheiro,
casou as irmãs e enriqueceu a mãe, tornando verdadeiro o
provérbio:
Deus ajuda os loucos e as crianças.
O MIRTO93
ENTRETENIMENTO SEGUNDO DA PRIMEIRA
JORNADA
Uma camponesa de Miano94 dá à luz um ramo de mirto, um
príncipe se enamora dele e este se transforma numa belíssima
fada. O príncipe se ausenta e deixa-a dentro do mirto, ao qual
atou uma sineta. Algumas mulheres más e invejosas entram no
quarto do príncipe, tocam o mirto, a fada sai e a matam. O
príncipe volta, encontra esse desastre, quer morrer de dor; mas
recuperando por estranha ventura a fada, manda matar as
cortesãs e toma a fada como esposa.
Fabiello e Iacovuccio
FAB. Aonde vai assim depressa,
aonde vai assim correndo, ó Iacovuccio?
IAC. Levar esta coisa lá para casa.
FAB. É algo de bonito?
IAC. Sim, e também de útil.
FAB. Então?
IAC. É um cadinho.
FAB. Para que serve?
IAC. Se você soubesse!
FAB. Ei, preste atenção
e fique longe de mim.
IAC. Por quê?
FAB. Quem sabe
se o diabo não iria lhe cegar!
Você me entende?
IAC. Entendo,
mas você está longe mais de cem milhas255.
FAB. O que sei eu?
IAC. Quem não sabe, fica quieto e mudo!
FAB. Sei que você não é ourives,
nem destilador também:
então pode me explicar!
IAC. Ponhamo-nos a parte, ó Fabiello,
pois vou lhe maravilhar e espantar.
FAB. Aonde você quiser.
IAC. Entremos debaixo deste telheiro,
pois eu farei você cair das nuvens.
FAB. Irmão, conte-me logo,
que você me faz penar.
IAC. Fique calmo, meu irmão,
você é muito apressado!
Sua mãe lhe fez assim tão depressa?
Vê bem esta engenhoca?
FAB. Vejo, é um vasilhame
de purificar prata.
IAC. Você acertou direitinho,
adivinhou de prima.
FAB. Esconda, pode passar algum guarda
e seremos levados pra a cadeia.
IAC. Como você é cagão!
Pode estar certo que não é daqueles
onde se faz a pasta
com tantos macetes,
que três decinco* se tornam três traves256!
FAB. Mas diga, para que você o usa?
IAC. Pra refinar as coisas deste mundo
e diferenciar o alho do figo.
FAB. Você pegou muito linho pra fiar:
vai ficar envelhecido depressa,
logo você terá cabelos brancos.
IAC. Veja, há gente na terra
que pagaria um olho e um dente
pra ter uma engenhoca como esta,
que à primeira prova revela a mancha
que cada homem carrega no corpo,
do quanto vale cada arte, ou sorte,
pois dentro se pode ver
se a cabeça está vazia ou se tem sal,
se a coisa é sofisma ou é real.
FAB. O que isso quer dizer?
IAC. Escute até o fim,
com calma, que vou me explicar melhor:
o que pelo aspecto e à primeira vista
parece algo de valor,
engana todo o olhar,
cega todas as gentes,
tudo é só aparência.
Não julgue pelo alto,
não julgue pela casca,
mas penetre e vá dentro,
pois quem não pesca no fundo,
é um grande tolo neste mundo.
Use o cadinho pra fazer a prova
se o negócio é verdadeiro ou fictício,
se é cebola mesmo ou se é pasticcio257.
FAB. É uma coisa de espantar,
pela vida de Lanfusa258!
IAC. Escute até o fim e se espante,
Vamos mais adiante e se surpreenda,
você ouvirá milagres.
Então ouça, por exemplo:
você morre de inveja,
incha e até tem hérnia
de um senhor conde ou de um cavaliere259,
porque usa carruagem,
porque o vê servido e acompanhado
por tanta gente, por tanta gentalha:
um acena de cá,
outro se inclina de lá,
um lhe tira o chapéu,
outro diz: “Seu escravo!”
usa a seda e o ouro,
quando come, lhe fazem abanico,
é de prata o seu penico.
Não se impressione
com esses luxos e aparências,
não suspire e nem tenha água na boca,
coloque no cadinho,
e verá quantas e quantas feridas
estão debaixo da sela de veludo;
quantas serpentes estão
escondidas entre as flores e o capim;
vai notar se descobrir a liteira
com franjas e bordados
de canutilho e seda,
se é uma coisa perfumada ou fedida.
Tem a bacia de ouro
e nela cospe sangue;
tem comida gostosa
presa na garganta;
se você medir bem e melhor esquadrar,
o que parece presente da sorte
é castigo dos céus;
dá pão a muitos corvos
que lhe bicam os olhos;
mantém muitos cachorros
que latem ao seu redor;
paga salário a muitos inimigos
que caçoam dele,
que o sugam vivo e o consomem;
um o ludibria aqui
com trejeitos e patranhas,
um de lá o faz inchar com um fole;
um se mostra pessoa generosa,
lobo em pele de cordeiro,
bonito por fora e feio por dentro,
e o faz cometer erros e injustiças;
um outro o trapaceia,
este morde e assopra,
e coloca a prêmio
sua pobre cachola,
aquele o atraiçoa
e o leva à ruína,
tanto que nunca dorme com repouso,
nunca come com gosto,
nunca ri de coração;
os sons, se ele come, o atordoam;
os sonhos, se ele dorme, o aterrorizam;
a arrogância o agonia
como o abutre de Tício260;
a vaidade é a água e os frutos
que estão ao seu redor, mas morre de fome261;
a razão, com a falta de razão,
é a roda de Íxion262,
nunca lhe dá sossego;
projetos e quimeras
são pedras que Sísifo
carrega à montanha,
que depois vêm abaixo263;
senta num trono de ouro
marchetado de marfim
com rebites dourados;
tem debaixo de seus pés
almofadas de brocado e tafetá,
tapetes turcos, porém lhe pende
uma espada aguçada
em cima a cabeça,
presa apenas por um fio264,
tanto que está sempre com disenteria,
está sempre assustado e amedrontado,
está sempre com vermes,
sempre aterrorizado, e sempre está
temeroso, assombrado,
e, no final das contas,
os luxos e grandezas
são apenas sombras e imundícies,
e um pouco de terra
dentro de uma cova rente
tanto cobre um rei como um indigente.
FAB. Você tem razão, pela alma do senhor!
É até muito mais do que você me diz,
os senhores quanto maiores são,
maiores os problemas que terão!
Enfim, muito bem disse
um homem de Trecchina265
que vendia castanha e noz:
“Nem tudo é ouro, não, o que reluz!”
IAC. Escute esta outra, e fique abismado:
há quem louve a guerra,
elevando-a aos céus,
e quando vem a hora
em que se ergue o pavilhão,
em que bate o tambor,
corre para se alistar,
chamado pela gula
de quatro moedinhas
jogadas numa mesa;
pega tornese* novo,
veste umas roupas velhas,
põe a espada na cinta,
e parece uma mula de carroça,
com o penacho e a manta;
se um amigo lhe diz: “Aonde vamos?”
responde alegremente,
nem toca os pés na terra:
“Para a guerra, para a guerra!”.
Anda pelas tavernas,
triunfa pelas Ceuze266,
vai ao alojamento,
resgata as cartelas267,
faz barulho e fracasso,
assim como um Gradasso268.
Pobre dele, se cai neste cadinho,
pois toda essa alegria,
esse orgulho e ostentação
retornam-lhe em lamentos e tormentos:
o frio o enrijece,
o calor o esgota,
a fome o corrói,
o cansaço o mata,
o perigo está sempre ao lado dele
e o prêmio distante,
ferimentos à vista,
pagamentos à prazo,
longas as aflições e curta a sorte,
a vida incerta e segura a morte.
Ao final, exausto
de tantos sofrimentos, ele escapa,
e em três tempos aprende
se a corda é estopim ou é cabresto;
também pode ser morto,
ou ficar aleijado,
então o que lhe resta
é usar uma muleta,
ou tratar uma sarna,
ou como menor mal
uma praça morta269 no hospital.
FAB. Você tirou o podre,
não se pode discordar,
é certo, e mais que certo,
porque o destino
de um pobre soldado,
é voltar pedinte ou estripado.
IAC. O que você diria do homem soberbo
que anda na ponta dos pés?
Pavoneia-se todo,
se envaidece e se gaba
que vem da estirpe e da descendência
de Aquiles ou Alexandre;
todos os dias desenha árvores270,
e deriva de um cepo de castanhas
um ramo de azinheira;
escreve todo o dia
histórias e filiações
de pais que nunca tiveram filhos;
quer que um homem que vende óleo a barril
seja um nobre de quartil;
cria privilégios em pergaminhos
tratados com fumaça,
pra alimentar fumaças de vaidade;
adquire sepulturas,
coloca epitáfios
com mil palavrórios;
para ajeitar as coisas
paga bem os zazzera271;
pra ter campanários
gasta com Campanile272;
e para lançar algum fundamento
em casas arruinadas
dá um olho para Pietre273.
Mas, posto no cadinho,
aquilo que o move,
aquilo que pretende,
se gaba e o enfada
é ter nãs mãos os calos da enxada.
FAB. Você toca onde fere,
pode-se dizer que acerta no alvo!
Mas lembro a propósito
(e guarde essas palavras)
que diz um ditado:
“Nada pior que campônio enricado”.
IAC. Veja agora o arrogante,
fanfarrão e orgulhoso,
que tem a presunção
de ser grande coisa, e se vangloria
com tal pomposidade,
enchendo-se de vento,
soltando pataquadas,
cospe grosserias e bazófias,
torce e arreganha a cara,
e chupa os lábios enquanto fala,
mede suas passadas:
imagine quem ele pensa de ser!
E se gaba e se ufana:
“Olá, tanto faz o baio ou o malhado274!
Chame vinte dos meus!
Veja se quer vir para se divertir,
o conde meu sobrinho!
Quando nosso contador
vai trazer minha renda?
Diga ao alfaiate que quero ainda hoje
as calças bordadas a ouro!
Responda àquela dama
que suspira por mim
que talvez eu possa querê-la bem!”.
Mas quando no cadinho ele é fundido,
não se encontra um maglia*,
tudo é fogo de palha,
quanto mais arrogante mais maçante,
fala sempre de grana e não tem nada,
garganteia e está de barriga vazia;
tem colarinho engomado e está liso,
bucho faceiro sem nenhum dinheiro;
e, para concluir,
faz a barba e deixa a costeleta,
a vara é uma vareta,
a torta é um cozido,
e a canhonada é um peido fedido.
FAB. Que sua língua seja abençoada!
Como você esmiuçou,
Como você enquadrou!
Afinal, é provérbio da antiga
que o presunçoso é tal qual a bexiga275.
IAC. Quem serve na corte,
seduzido pela bruxa maldita,
e se empanzina de vento
e se alimenta do fumo do assado,
com a bexiga inchada de esperança,
esperando por bolhas
de sabão e lixívia,
que antes de chegarem
estouram pela rua,
de boca aberta fica estupefato
por tanta e tanta pompa,
por uma roupa velha,
e para sorver a sopa num balde
com um pãozinho amanhecido e duro,
vende a liberdade, que tanto custa;
entrega-se ao prazer desse ouro falso,
verá labirintos
de fraudes e traições,
encontrará abismos
de engano e fingimento,
descobrirá um mundo
de línguas maldizentes e malvadas;
ora se vê tratado
na palma da mão, ora posto de lado,
ora caro ao patrão, e ora odiado,
ora mendigo, ora rico,
ora gordo e alto, ora baixo e seco;
serve, sofre, trabalha,
sua como um cachorro,
caminha mais a trote que a passo,
e por fim carrega água nas orelhas276;
mas perde seu tempo,
trabalho e semeadura;
tudo é lançado ao vento,
tudo é jogado ao mar;
o que fizer, é nada,
projetos e modelos
de esperanças, de mérito e privação,
que só um pouco de vento,
contra qualquer labuta, joga no chão;
ao final vê-se como
um bufão, um espião, um Ganimedes277,
um caipira do mato,
até mesmo alguém que tem
casa de duas portas278, e duas caras também.
FAB. Irmão, você me salva!
Acredite que aprendi
mais neste pouco tempo,
e mais nesta única vez,
do que nos anos que a escola me fez!
O doutor aconselha:
“Quem serve na corte, morre na palha”.
IAC. Você ouviu o que é ser homem de corte;
ouça agora quem serve como criado.
Tomemos um criado
belo, limpo e correto,
que tenha bom aspecto,
faz cem reverências,
limpa a casa, traz água,
sabe fazer comida,
escova bem as roupas,
arreia a mula, lava os pratos,
se você o manda à praça,
volta antes que seque uma cusparada279;
não sabe ficar de mãos abanando,
não sabe estar parado,
Copos lavados, penico esvaziado.
Mas se você o põe à prova
Numa situação real,
verá que vassoura nova varre bem,
e que a corrida do asno não dura,
que, passados três dias,
você o descobre traidor,
preguiçoso contumaz,
bajulador de primeira,
embrulhão, comilão e jogador;
se paga guarda o troco,
se dá comida à mula
dá o bagaço da uva,
paparica a criada,
remexe nos bolsos,
e por fim, para completar a coisa,
faz uma limpa geral,
esvazia a casa e sai para voar:
vai amarrar os burros noutro lugar!
FAB. Palavras de substância
essas, pura essência.
Coitado e desditoso
quem encontra um criado malicioso!
IAC. Agora eis um fanfarrão,
o mandachuva dos bravateiros,
o grande mestre dos garganteiros,
o maioral dos embusteiros,
líder dos gabolas,
o verdadeiro presepeiro,
o prior dos homens valentes:
se julga e se presume
capaz de aterrorizar,
de fazer tremer
com um olhar virado;
caminha bem devagar,
com a capa dobrada,
com o chapéu calcado,
sobrancelhas arqueadas,
o bigode levantado,
os olhos transtornados,
com a mão no flanco,
ele bufa, bate os pés,
até qualquer palhinha o incomoda,
e quer brigar até com os mosquitos;
sai sempre com capangas,
não fala de outra coisa
a não ser em espetar:
um fura, um esburaca, um destripa,
um tira o baço, um apaga, um alisa,
um desmiola, descasca e degola,
um golpeia, um arrebenta,
um desventra, um decapita, um decepa,
outro estripa e debulha,
outro esbofeteia, outro chuta,
outro machuca, outro fere;
se ele se vangloria, sai de baixo!
Um anota no caderno280,
um tira deste mundo,
um manda aos parentes,
de um tira as entranhas,
outro coloca em salmoura,
este enfia na terra,
daquele faz salsicha,
cem enterra e cem colhe,
sempre com estardalhaço e barulho,
rachando cabeças e aleijando pernas.
Mas a espada, por mais que
mostre força e valor,
é esposa do sangue e viúva da honra.
Mas o cadinho separa o cobre,
pois as bravatas de boca
são temores do coração,
os brilhos dos olhos
um passo em retirada,
as trovoadas de levante
diarreias de poente,
o perfurar em sonho
levar golpes acordado,
as muitas liberanze281 às cegas
um sequestro à espada,
a qual como uma mulher honrada
envergonha-se de se mostrar nua;
parece corajoso mas tem medo;
se mastiga leões
depois caga coelhos;
se desafia, é espancado e ensacado;
se ameaça, é surrado e afastado;
se fanfarroneia jogando dados
sempre leva a pior;
nas palavras é bravo
mas no efeito é breve;
desembainha a espada
e levanta âncoras;
provoca briga e cai fora
e é mais volante do que valente;
encontrando quem o encare e o faça ver,
encontrando quem lhe meça o capote282,
encontrando quem o golpeie e deforme,
quem lhe acerte as contas,
quem lhe carde a lã,
quem lhe dê chicotadas,
quem lhe dê uma paulada,
quem lhe assobie nos ouvidos,
quem lhe quebre os dentes,
quem lhe quebre as costelas,
quem o estropie,
quem o espume de sangue,
ou arranca um olho,
ou penteia os cabelos,
ou arruma para a festa,
ou pega com uma paulada,
ou bate com um porrete,
ou acerta um soco,
ou dá uma bofetada ou um repelão,
tapão, vira a mão, atordoada,
peteleco, bolacha, safanão,
tabefe, cala-a-boca,
chute, trompaço e pancada,
e tenta esganá-lo;
basta, pois recebe estocadas e talhos,
faz a voz do homem,
a corrida do cabrito,
semeia cusparadas,
colhe hematomas;
e quando você pensa
que vai investir como uma cabra,
que comanda um exército,
e que fecha os punhos,
chega um belo dia,
se transforma num chantagista;
foge, escapa, zarpa e se afasta,
some, despeja e põe a viola no saco,
e desaparece, e voa, e se esconde, e dispara
o tiro de partida,
prepara as pernas, disfarça e corre,
pega os alforjes,
“Pernas pra que te quero!”;
os calcanhares batem nas costas,
tem os pés de lebre e maneja
a espada com as duas pernas283,
e como um grande poltrão
arranca e foge, tropeça e acaba na prisão.
FAB. Retrato detalhado
desse prepotente;
oh, como é comum!
E dizer que se encontra
mais de um desse tipo,
que com a língua é ligeiro,
e vale menos que um cão perdigueiro!
IAC. Um adulador o elogia e eleva
mais alto do que o clarão da lua,
é sempre agradável,
dá isca e anzol,
vento à sua vela,
nunca o contradiz;
seja você um ogro ou um Esopo284.
diz que você é Narciso,
e se você tem no rosto uma ferida,
jura que é uma pinta e uma coisa bela;
se você é um poltrão,
afirma que é um Hércules ou um Sansão;
se você é de estirpe vil,
atesta que é descendente de um conde;
enfim, sempre alisa e paparica.
Mas não se deixe levar pelas palavras
desse falastrão enganoso,
cuidado pra não se basear nele:
nunca acredite em nada,
nem nunca o considere,
não se deixe enganar,
mas faça-o experimentar o cadinho,
e vai ver com seus olhos
que ele tem duas caras,
uma na frente, outra atrás,
uma coisa na língua, outra no coração;
tudo são lisonjas e fingimentos:
engana, envolve,
caçoa, troça, embroma,
ludibria, trapaceia e blefa,
e embrulha e cega e atraiçoa;
quando ele o ajuda,
aí é que você corre perigo;
morde com o sorriso,
desonra com elogios,
enche a sua bola
e esvazia a sua bolsa.
Toda a sua intenção
é de roubar e fraudar,
e com os cães de seus elogios
e com lengalengas e patranhas
arranca de seu coração uns tostões,
pois só para descolar
um pouco de grana,
para ir às putanas ou às tavernas,
vende bexigas por lanternas285.
FAB. Que se perca destes a linhagem,
homens mascarados,
que nos querem num saco enfiados:
por fora Narcisos e por dentro diabos!
IAC. Ouça agora de uma mulher que fica
com quem vem e com quem vai:
você vê uma boneca,
maravilhosa, um luxo, uma pombinha,
um espelho, uma joia,
uma escolhida, uma fada Morgana,
uma lua redonda
feito uma pintura,
você a beberia num copo de água,
um petisco dos deuses,
uma rouba-corações:
com as tranças amarra,
com os olhos maltrata,
com a voz aniquila.
Mas quando no cadinho,
uh, quanto fogo ela tem,
quantas ciladas e ardis,
quantas redes e insídias,
quantas embrulhadas e enrascadas!
Mil iscas preparam,
mil redes lançam,
mil malícias inventam,
mil armadilhas e engenhos,
emboscadas e estratagemas,
intrigas, contra-intrigas, trapalhadas.
Puxa como um gancho,
sangra como barbeiro,
burla como cigana,
mil vezes você pensa
que é vinho espumante,
e é carne estragada;
se fala trama, e se caminha tece;
se ri intriga, e se toca mancha;
e quando não o manda ao hospital
trata-o como um pássaro ou um animal,
pois com estilo danado
deixa você sem penas ou pelado286!
FAB. Se você escrevesse tudo o que disse,
se venderia por seis pubreca*
esta história de onde se tira o exemplo
de que homem esperto deve estar alerta,
e não cair nas mãos dessas infames,
pois é moeda falsa,
arruína a carne e a salsa.
IAC. Se ao acaso você vir numa janela
alguém que parece ser uma fada,
tem os cabelos loiros,
que ao se ver parecem
enfiadas de queijo caciocavallo287;
a fronte um espelho,
os olhos que quase falam
lábios como fatias de presunto;
um pedaço de mulher,
alta e disposta como estandarte
e assim que você olha para ela
quase perde os sentidos,
tem espasmos de desejo.
Simplório, idiota,
passe-a pelo cadinho,
pois o que lhe parece
um luxo de beleza
verá que é uma latrina envernizada,
um muro desenhado,
máscara de Ferrara288,
pois a menina estendeu os tapetes289:
as tranças são postiças,
as sobrancelhas pintadas com carvão,
o rosto rosado com uma bacia
de tinta, de cal virgem e de verniz,
se alisa, se reboca,
se enfeita, se emplastra e se maquia,
toda cremes e unguentos,
toda potes, vidrinhos,
pós e garrafinhas,
até parece, com tantos preparados,
que queira remediar machucados.
Quantos muitos defeitos
cobrem com véus e saias,
e se lhes tiramos as chinelas290,
com solas e enchimentos de montão,
o gigante vira anão.
FAB. Caramba, a coisa vai aumentando;
estou virando múmia, fico abismado,
estou embasbacado!
Cada palavra que você diz, irmão,
vale setenta escudos;
pode-se batê-las com um martelo,
sem se afastar nada
daquele antigo dito:
“Mulher é como a castanha,
por fora é bela, e por dentro é estranha”.
IAC. Chegamos ao mercador,
que troca e destroca,
assegura navios, busca clientes,
trafica, intriga e embrulha,
sonega imposto,
compra partidas291 e resgata quinhões;
faz navios e constrói,
enche bem a despensa,
enfeita a casa e a mulher,
ostenta como um conde,
veste seda e esbanja
tem homens, servos e mulheres livres,
e todos o invejam.
Coitado dele se entra no cadinho,
pois é uma riqueza no ar,
uma fortuna de fumaça,
fortuna de vidro,
sujeita a mil ventos,
ao sabor das ondas,
é bela aparência,
mas engana a vista,
e quanto mais ele tem
dinheiro em profusão e abundante,
perde tudo num instante.
FAB. Desses contam-se aos milhares,
que destruíram lares,
e a riqueza deles
some numa miragem, agora tem,
agora não tem, e viveram neste mundo,
às custas deste e daquele,
privados de sentimento,
cheia a panela e pobre o testamento.
IAC. Agora o enamorado,
que acha felizes as horas,
que gasta e dispõe a serviço do amor,
julga doce as chamas e as correntes,
reputa cara a flecha,
que o traspassa pela grande beleza;
confessa que é obrigado
a morrer faminto,
a viver forçado;
chama alegria as dores,
divertimento as tonturas e calores,
prazer os desgostos e martírios;
não existe refeição que o satisfaça,
não existe sono que o repouse,
sonos cortados e comida sem gosto;
sem nenhum resultado faz a ronda
em torno das portas amadas;
sem ser arquiteto faz projetos
de castelos no ar,
e sem ser carrasco
faz sempre suplício de sua vida;
com tudo isso se rejubila e engorda,
e tanto mais engorda
quanto mais fere e penetra o dardo;
tanto mais faz festa e jogo,
quanto mais cozinha o fogo,
e julga-se feliz e afortunado
estar com uma corda amarrado.
Mas posto no cadinho,
percebe-se que é um tipo de loucura,
um tipo de tísica,
um estar sempre a hesitar
entre medos e esperanças,
um estar sempre suspenso
entre dúvidas e suspeitas,
um estar sempre
como o gato de messer Basile,
que ora chora e ora ri,
um caminhar arrastado e abatido,
um falar confuso e cortado,
um comer a qualquer hora
a cabeça rodopiando,
e ter o tempo todo
o coração maltrapilho,
a cara deslavada,
quente o peito e a alma gelada.
E se no fim das contas
derrete o gelo e lasca a pedra
daquela coisa amada,
que quanto mais distante está mais rente,
assim que prova o doce se arrepende.
FAB. Pobre de quem se enreda
nessas redes de avidez!
Coitado de quem põe o pé nessa arapuca,
pois Cupido manda assim
prazeres contados e tormentos sem fim!
IAC. E o pobre poeta
derrama oitavas e bufa sonetos,
consome tinta e papel,
resseca a cabeça,
e gasta os cotovelos e o tempo,
só para que as gentes
tenham-no como oráculo do mundo.
Vai como um assombrado,
forçado e atordoado
pensando nas ideias
que empasta em fantasia,
e vai falando sozinho na rua,
buscando aos milhares novas palavras:
“sobranceiras pupilas”,
“líquido sobrepor de flores e ramos”,
“fúnebres e estrídulas ondas”,
“animados elogios
de lúbrica esperança”,
“ó que desmesurada pretensão!”
Mas se entra no cadinho
tudo vira fumaça.
“Oh, que belo composto!”. E é só isso.
“Que madrigal!”. E esquece.
Botando na balança,
quanto mais versos faz, menos alcança.
Louva quem o despreza,
exalta quem o aflige,
guarda memória eterna
de quem já o esqueceu,
Dedica o seu tempo
a quem não lhe dá bola;
e pela vida afora:
canta por glória e por miséria chora.
FAB. Com efeito passaram
os dias de são Martinho292, em que poetas
eram tratados na palma das mãos;
pois nestes tristes tempos,
os mecenas são massacrados,
e em Nápoles e em outros lugares,
a dor me dá tontura,
o louro293 vale menos que a verdura294.
IAC. O astrólogo também
recebe de cem partes
tantas e tantas demandas:
um quer saber se terá filho homem,
um se o tempo será próspero,
um se vence a causa,
um se a sorte será contrária;
outro se a esposa pensa nele,
outro se vai chover ou haverá eclipse;
e logo solta uma balela,
uma bobagem qualquer,
meia adivinha e cem se engana.
Mas dentro do cadinho,
pode-se ver se é pó ou farinha:
pois se forma quadrados295
ele mesmo é longo e largo,
e se desenha casas296
não tem casa nem fogo;
Mostra figuras e revela histórias tristes;
sobe até as estrelas
e cai com a bunda no chão;
por fim, despedaçado e esfarrapado,
todo retalhos e trapos,
caem-lhe as calças,
e logo se vê a astrologia verdadeira,
que mostra o astrolábio e a traseira.
FAB. Você me faz rir, irmão,
mesmo sem vontade,
mas rio mais ainda
de quem acredita nessa gente,
porque pretende adivinhar o outro
e não adivinha o que em cima lhe vai,
olha as estrelas e num fosso cai297!
IAC. Um outro pensa ser patrão,
e levanta as meias298,
mede as palavras e cospe redondo,
julga-se o melhor do mundo:
em caso de poesia,
deixa pra trás Petrarca;
se for filosofia,
dá de dez em Aristóteles;
em ábaco compete com Cantone299,
em arte da guerra coitado de Cornazzaro300,
em arquitetura cuidado Euclides301,
em música está acima de Venosa302,
em lei confunde Farinaccio303,
e em língua excede Boccaccio304;
enfileira sentenças e gosta de aconselhar,
e nem sabe jogar bilhar.
Mas dentro do cadinho,
vê-se em conclusão
que não é uma biblioteca, mas um bobão.
FAB. Ó quanto é bestial
tanta presunção!
Costumava dizer um bom estudante:
“Quem mais pensa saber é ignorante!”.
IAC. Onde coloco a alquimia e o alquimista?
Já se sente contente,
já se julga feliz,
e em vinte ou trinta anos
promete coisas grandes;
conta coisas incríveis,
que encontrou destilando no alambique,
que talvez rico fique.
Mas quando no cadinho
fica todo corroído
e vê quão sofística é aquela arte;
vê o quanto está cego,
cozido e defumado,
que colocou as colunas da esperança
sobre vasos de vidro,
que colocou reflexões e projetos
em meio a fumaça,
que enquanto com o fole
vai atiçando as chamas,
com as palavras, porém
alimenta o desejo de quem espera
aquilo nunca vem;
vai buscando segredos,
e se permite tomar como um louco;
para encontrar a matéria prima
perde sua própria forma;
crê multiplicar
o ouro e diminui aquilo que tem;
imagina poder curar
os metais doentes,
e vai acabar no hospital;
em vez de coagular
a prata viva, para agregar valor,
a própria vida penando coagula;
e se pensa em transmutar
em ouro fino o metal,
se transmuta de homem em bagual.
FAB. Sem dúvida é loucura
tomar esta empresa; pois eu já vi
cem casas arruinadas e afundadas;
nada nunca mais reluz,
mas com grande esperança desesperado
está sempre faminto e defumado.
IAC. Diga, quer falar mais por três cavalos*?
FAB. Estou de boca aberta para escutar.
IAC. E eu continuaria até arrebentar.
FAB. Então continue, se lhe apetece.
Sim, se minha alma não estivesse para voar,
pois já passou da hora do jantar
Então vamos embora,
e se quiser pode vir
até a minha casa,
para distrairmos os dentes da frente:
em casa de pobre não falta pão quente.
Ah, com que prazer ouviram até o fim o conto de Zeza, tanto que se
tivesse durado mais uma hora, lhes pareceria um momento! E
chegando sua vez, Cecca continuou a falar assim:
É realmente uma grande coisa, se pensarmos bem, que de uma
mesma madeira venham estátuas de ídolos e traves de forca, tronos
de imperadores e tampas de urinóis, como também estranha coisa é
que de um mesmo trapo se faça papel que, escrita uma carta de
amor, é beijado por uma bela mulher, e também se limpe o buraco
fedido, coisa que faria perder o juízo o melhor astrólogo do mundo.
O mesmo se pode dizer de uma mesma mãe, da qual nasce uma
filha boa e outra má, uma preguiçosa e outra trabalhadeira, uma
bonita e outra feia, uma invejosa e outra carinhosa, uma casta
Diana344 e outra Catarina Papara345, uma desafortunada e outra
aventurada, que com razão, sendo todas da mesma planta,
deveriam ser todas da mesma natureza. Mas deixemos esse
discurso para quem sabe mais; dou-lhes apenas um exemplo do
que mencionei, com as três filhas de uma mãe, em que verão as
diferenças de costumes que levaram as malvadas para dentro de
um poço e a filha boa ao alto da roda da fortuna.
Era uma vez uma mãe que tinha três filhas, duas das quais eram
tão desafortunadas que nada terminava bem com elas: todos os
seus projetos davam errado, todas as suas esperanças davam em
nada. Mas a menor, que era Nella, trouxe a boa sorte do ventre da
mãe, e creio que quando nasceu todas as coisas se combinaram
para lhe dar o melhor que podiam: o céu deu-lhe o melhor de sua
luz, Vênus o primeiro corte346 da beleza, Cupido a primeira fervura
de sua força, a natureza a nata de seus modos. Não fazia serviço
que não lhe caísse bem, não se metia em empresa em que não
desse certo, não entrava em dança que não saísse com honra. Por
isso, era tão invejada pelas herniosas irmãs, quanto era amada e
querida por todos os outros; as irmãs gostariam tanto de colocá-la
debaixo da terra, quanto as outras pessoas a carregavam na palma
da mão.
Havia naquelas terras um príncipe encantado que nadava no mar
da beleza dela, e tanto jogou o anzol da servidão amorosa a essa
bela dourada347, até que a pegou pelas brânquias do afeto e a fez
sua. E para que pudessem, sem a suspeita da mãe, que era um
demônio, ficarem juntos, o príncipe fez um conduto de cristal que ia
do palácio real até o leito de Nella, mesmo estando oito milhas
distante, e lhe deu um certo pó, dizendo: “Toda vez que você quiser
me alimentar com a sua bela graça, como um pássaro, jogue um
pouco desse pó no fogo, que eu logo entrarei no canal e atenderei
ao chamado, correndo pela estrada de cristal para gozar desse
rosto de prata”.
Assim combinado, não havia noite em que o príncipe não fizesse o
entra e sai e o vai e vem por aquele conduto, tanto que as irmãs,
que estavam espiando as coisas de Nella, percebendo o que
acontecia, decidiram fazê-la engasgar com esse bom bocado, e,
para estragar a trama desse amor, quebraram o conduto em vários
pontos. Tanto que quando a pobre moça jogou o pó no fogo para
avisar ao namorado que viesse, ele, que costumava vir correndo nu,
machucou-se com o cristal quebrado, dando pena de ver, e não
podendo mais ir em frente, voltou todo cortado como calções
alemães348, e se pôs de cama, chamando todos os médicos da
cidade. Mas, porque o cristal era encantado, as feridas foram tão
mortais que não servia remédio humano; por isso, vendo o rei o
caso do filho desesperador, mandou promulgar um decreto pelo qual
qualquer pessoa que remediasse o mal do príncipe, se fosse mulher
o teria por marido e se fosse homem receberia metade do reino.
Ao ouvir isso, Nella, que se afligia pelo príncipe, pintou o rosto e se
travestiu toda, e às escondidas das irmãs saiu de casa para ir vê-lo
antes que morresse. Mas porque as bolas douradas do sol, com as
quais ele brinca pelos campos do céu, tomavam a direção do ocaso,
fez-se noite num bosque próximo à casa de um ogro, e para fugir de
qualquer perigo ela subiu numa árvore.
Estando o ogro à mesa com a mulher, e estando as janelas abertas
para comerem ao fresco, assim que esvaziaram a jarra e
consumiram a lâmpada*, começaram a falar de tudo um pouco, e
pela distância do lugar, que era como do nariz à boca, Nella ouviu
tudo. Entre outras coisas, a ogra dizia ao marido: “Meu lindo peludo,
o que se ouve? O que se diz por este mundo?”. E ele respondia:
“Imagine que não há um palmo limpo e tudo está revirado ou
atravessado”. “Então, o que acontece?”, replicou a mulher; e o ogro:
“Seria demais falar das confusões que andam por aí, porque se
ouvem coisas de tirar do sério: bufões premiados, malandros
estimados, poltrões elogiados, assassinos protegidos, falsários
defendidos e homens de bem pouco prezados e estimados. Mas
porque são coisas de matar, direi apenas o que aconteceu com o
filho do rei, que tinha construído uma estrada de cristal por onde
passava nu para se divertir com uma bela moça, não sei como o
caminho se quebrou e ele ao passar cortou-se de tal maneira que,
antes que possa fechar todos os buracos, se abrirá completamente
o tubo de sua vida; e apesar do rei ter mandado promulgar um
decreto com grandes promessas a quem o curar, é tempo perdido,
pode palitar os dentes349, o melhor que ele pode fazer é aprontar o
luto e preparar as exéquias”.
Nella, ouvindo a causa do mal do príncipe, chorando aos soluços,
disse a si mesma: “Quem foi essa alma maldita que quebrou o canal
por onde passava o meu lindo pássaro, para que se quebrasse
também o conduto por onde passa o meu espírito?”. Mas
continuando a falar a ogra, ficou quieta e muda escutando o que ela
dizia: “É possível que o mundo já esteja perdido para esse pobre
senhor e que não haja remédio para o seu mal? Digam à medicina
que se dane! Digam aos médicos que se enforquem! Digam a
Galeno350 e Mesué351 que devolvam o dinheiro ao seu mestre, já que
não conseguem encontrar receitas adequadas para a saúde desse
príncipe!”.
“Escute, meu babadorzinho – respondeu o ogro –, os médicos não
são obrigados a encontrar remédios que ultrapassem os limites da
natureza. Isto não é uma cólica que resolva um banho de óleo; não
são gases que se tire com supositórios de figo bravo e esterco de
ratos; não é febre que vai embora com remédios e dietas; nem ao
menos são feridas comuns que precisem curativo ou óleo de
hipérico352, porque o encanto que havia no vidro quebrado faz o
mesmo efeito do suco de cebolas no ferro da flecha, por isso a
chaga se torna incurável. Só uma coisa seria boa para lhe salvar a
vida, mas não me faça contar, pois é muito importante”. “Conte-me,
meu dentuço – replicou a ogra – conte-me, não me veja morta!”. E o
ogro: “Vou lhe contar, desde que me prometa não confiar a pessoa
viva, pois seria a destruição de nossa casa e a ruína da vida”. “Não
duvide maridinho lindo – respondeu a ogra –, porque antes que se
vejam chifres nos porcos, cisnes com rabo, toupeiras com olhos,
não me escapa uma palavra da boca!”. E depois dela jurar com uma
mão sobre a outra, o ogro disse: “Saiba que não há nada sob o céu
e sobre a terra que possa salvar o príncipe dos soldados da morte,
fora a nossa gordura, com a qual, untando-se as chagas se
sequestraria aquela alma que quer se desalojar da casa de seu
corpo”.
Nella, que ouviu a conversa, deu tempo ao tempo para que
terminassem de comer, desceu da árvore, criou coragem e bateu na
porta do ogro gritando: “Ei, meus ogríssimos senhores, uma
caridade, uma esmola, um sinal de compaixão, um pouco de
misericórdia com uma pobre infeliz, miserável, que deserdada pela
sorte, longe da pátria, privada de qualquer ajuda humana, foi colhida
pela noite nesse bosque e morre de fome!”. E bate que bate.
A ogra, que ouviu essa pancadaria, quis lhe atirar um toco de pão
e mandá-la embora, mas o ogro, que era mais guloso de carne de
cristão do que o pintassilgo de noz, o urso de mel, a gata de
peixinhos, a ovelha de sal e o asno de aveia, disse para a mulher:
“Deixe entrar a pobrezinha, pois se dormir no campo pode ser
atacada por algum lobo”; e tanto disse, que a mulher abriu a porta, e
ele com essa caridade peluda pensou em devorá-la em quatro
dentadas. Mas uma conta faz o glutão e outra o taverneiro, pois
estando muito embriagado e indo se deitar, Nella pegou uma faca
do guarda-louça e fez uma carnificina; colocou toda a gordura num
vasilhame e foi para corte, onde, apresentando-se ao rei, ofereceu-
se para curar o príncipe.
O rei, com grande alegria, fê-la entrar no quarto do filho, onde,
untando-o bem com aquela gordura, dito e feito, como se tivesse
jogado água no fogo, logo as feridas se fecharam e ele ficou
saudável como um peixe. Vendo isso, o rei disse ao filho que essa
boa mulher mereceria a recompensa prometida pelo decreto e que
ele a tomasse como esposa. O príncipe então respondeu: “Por mim
pode pegar o palito, não tenho no corpo o coração livre para dar a
tantas, o meu já foi conquistado e outra mulher é sua dona”. Nella,
que ouviu isso, respondeu: “Você não deveria mais pensar nela, que
foi a causa de todo o seu mal!”. “Quem fez o mal foram as irmãs –
replicou o príncipe –, e elas devem pagar a penitência!”. “Você a
ama tanto assim?”, voltou a dizer Nella; e o príncipe respondeu:
“Mais do que a pupila dos meus olhos!”; então Nella respondeu:
“Abrace-me, que sou o fogo de seu coração!”.
Mas o príncipe, vendo-a com o rosto escuro, respondeu: “Você é
muito mais o carvão do que o fogo! Por isso afaste-se para não me
sujar!”. Nella, vendo que ele não a reconhecia, mandou vir uma
bacia de água fresca, lavou o rosto, tirou aquela nuvem de fuligem e
se mostrou ao sol. Reconhecida pelo príncipe, ele a abraçou como
um polvo, tomou-a como esposa e mandou emparedar as irmãs
dentro de uma lareira, para que purgassem nas cinzas, como a
sanguessuga353, o sangue estragado da inveja, fazendo verdadeiro
o dito:
nenhum mal fica sem castigo.
VIOLETA
ENTRETENIMENTO TERCEIRO DA SEGUNDA
JORNADA
Violeta, invejada pelas irmãs, depois de muita zombaria feita e
recebida de um príncipe, a despeito delas torna-se sua esposa.
Não se pode contar o grande prazer que todos tiveram com a boa
sorte de Violeta, que com seu engenho soube criar tão boa fortuna a
despeito das irmãs que, inimigas do próprio sangue, tinham lhe
dado tantas rasteiras para fazê-la quebrar o pescoço. Mas, sendo
hora de Tolla pagar o tributo que devia, desembolsando pela boca
as moedas de ouro das belas palavras, assim satisfez o seu débito:
A ingratidão, senhores, é um prego enferrujado que enfiado na
árvore da cortesia a faz secar; é uma fossa quebrada que encharca
os alicerces da afeição; é fuligem que, caindo na panela da
amizade, tira-lhe o odor e o sabor, como se vê e prova formalmente,
e vocês verão um esboço no conto que lhes direi.
Era uma vez na minha cidade de Nápoles um velho paupérrimo
que era tão maltrapilho, miserável, desprovido, indigente,
necessitado e sem nenhum tostão no bolso do gibão, que andava
nu como um piolho. O velho, já sacudindo o saco da vida358, chamou
Oraziello e Cagliuso, seus filhos, dizendo-lhes: “Já fui devidamente
convocado pelo débito que tenho com a natureza; e acreditem, se
são cristãos, que eu gostaria muito de sair desse Mantracchio359 de
angústia, dessa latrina de sofrimentos, se não fosse por deixá-los
arruinados, pobres como Santa Clara, nas cinco ruas de Melito360 e
sem um tostão, limpos como uma bacia de barbeiro, prontos como
soldados, secos como caroço de ameixa, sem nem o que cabe no
pé de uma mosca, e se correrem cem milhas não cairá nenhum
vintém de seus bolsos, pois a sorte me deixou onde os três cães
cagam361, só possuo a vida, sou o que vocês veem, porque como
vocês sabem sempre bocejei e fiz cruzes362, e me deitei sem vela.
No entanto, com tudo isso, gostaria que minha morte lhes desse
algum sinal de amor; por isso você, Oraziello, que é meu
primogênito, pegue aquela peneira que está pendurada na parede,
com a qual você poderá ganhar o pão; e você, que é o último, pegue
a gata, e lembrem-se do tata de vocês”. Dizendo isso, começou a
chorar e pouco depois disse: “Adeus que é noite”.
Oraziello mandou sepultar o pai por caridade, pegou a peneira,
correu aqui e ali para ganhar a vida e quanto mais corria, mais
ganhava. Cagliuso pegou a gata e disse: “Vejam só que herança
miserável deixou meu pai! Não tenho como sobreviver e ainda tenho
que gastar por dois! Quem já viu esse triste legado? Melhor seria
não ter nada!”.
Mas a gata, que ouviu a reclamação, disse: “Você se lamenta de
sobejo, e tem mais sorte do que juízo, mas não sabe a sorte que
tem, pois sou boa para fazê-lo rico, se eu quiser”. Cagliuso, ao ouvir
isso, agradeceu Sua Gataria, e fazendo-lhe três ou quatro carícias
nas costas, recomendou-se fervorosamente; tanto que a gata com
pena do pobre Cagliuso, todas as manhãs quando o sol joga o anzol
de ouro com a isca de luz para pescar as sombras da noite, ia até a
marina de Chiaia ou à Pedra do Peixe e, vendo alguma tainha
grande ou uma boa dourada, surrupiava-a e a levava ao rei dizendo:
“O senhor Cagliuso, escravo de Vossa Alteza até as alturas, manda-
lhe este peixe com reverência e diz: ‘Ao grande senhor um pequeno
presente’”. O rei, de cara alegre, como costumava fazer a quem lhe
trazia presentes, respondia para a gata: “Diga a esse senhor que
não conheço que agradeço a grande graça”.
Outras vezes a gata ia até onde se caçava, na Padule ou na
Astrune363, e quando os caçadores abatiam um papa-figo, ou um
chapim, ou uma toutinegra, pegava e levava para o rei com a
mesma mensagem. E tanto usou esse artifício, que uma manhã o
rei lhe disse: “Sinto-me tão obrigado a esse senhor Cagliuso, que
desejo conhecê-lo para retribuir a devoção que me demonstrou”. A
gata então respondeu: “O desejo do senhor Cagliuso é colocar a
vida e o sangue pela vossa coroa; e amanhã de manhã sem falta,
quando o sol atear fogo aos restolhos dos campos do ar, virá lhe
fazer reverência”.
Na manhã seguinte, a gata foi até o rei, dizendo: “Senhor meu, o
senhor Cagliuso manda pedir desculpas por não vir, porque esta
noite fugiram alguns camareiros e não lhe deixaram nem a camisa”.
O rei, ao ouvir isso, logo mandou pegar de seu guarda-roupas um
punhado de roupas e as mandou para Cagliuso; não se passaram
duas horas e ele veio ao palácio guiado pela gata, onde recebeu mil
cumprimentos do rei, que o fez sentar a seu lado e lhe ofereceu um
banquete magnífico.
Enquanto comiam, Cagliuso se voltou para a gata e disse:
“Gatinha, cuidado com aqueles meus trapos, para que nada de mal
aconteça com eles”; e a gata replicou: “Fique quieto, cale-se, não
fale dessas porcarias!”. E ao rei, que queria saber o que estava
acontecendo, a gata respondeu que estava com vontade de um
limãozinho; o rei logo mandou alguém ao jardim para colher um
cesto deles; Cagliuso voltou à mesma música de seus panos e
trapos, a gata voltou a dizer que fechasse a boca; o rei perguntou de
novo o que acontecia, e a gata respondeu com outra desculpa
pronta para remediar a baixeza de Cagliuso.
Por fim, depois de comer e falar um pouco disso e daquilo,
Cagliuso pediu licença e a gata ficou com o rei descrevendo o valor,
o engenho, o juízo de Cagliuso, e principalmente toda a grande
riqueza que ele possuía nos campos de Roma e da Lombardia, que
por isso merecia se aparentar com um rei coroado. E perguntando o
rei o quanto ele podia ter, a gata respondeu que não se podiam
contar os móveis, imóveis e objetos desse ricaço, que ele não sabia
o que possuía, e se o rei quisesse se informar que mandasse gente
com ele fora do reino, ele mostraria que não havia riqueza no
mundo como a dele.
O rei, chamando gente de sua confiança, mandou que se
informassem em detalhes disso, e eles seguiram as pegadas da
gata, a qual, quando chegou aos confins do reino, com a desculpa
de lhes fazer descansar ao longo da estrada de quando em quando,
corria na frente, e todos os rebanhos de ovelhas, de vacas, de
cavalos e varas de porcos que encontrava, dizia aos pastores e
guardiães: “Olá, fiquem atentos, pois um grupo de bandidos quer
saquear tudo o que se encontra nesses campos! Mas se quiserem
escapar dessa fúria e que suas coisas sejam respeitadas, digam
que são do senhor Cagliuso, que não tocarão num pelo”. O mesmo
dizia nas chácaras que encontrava pelo caminho; de modo que
onde chegasse, a gente do rei encontrava uma gaita afinada, pois
tudo o que viam lhes era dito ser do senhor Cagliuso; tanto que se
cansaram de perguntar mais e voltaram ao rei dizendo mares e
montes da riqueza do senhor Cagliuso. Ao ouvir isso, o rei prometeu
uma boa gorjeta para a gata se ela tratasse desse casamento364, e a
gata, andando aqui e ali, por fim concluiu o parentesco.
O rei entregou a Cagliuso um grande dote e a filha, ele, depois de
um mês de festas, disse que queria levar a moça para suas terras, e
acompanhado pelo rei até a fronteira, foi para a Lombardia, onde a
conselho da gata comprou um punhado de territórios e terras, e se
fez barão.
Cagliuso, vendo-se muito rico, agradeceu à gata a não poder mais,
dizendo que lhe devia a vida e a sua grandeza pelos bons serviços
dela, que lhe fizera mais bem o artifício de uma gata do que o
engenho do pai, e por isso podia fazer e desfazer de suas coisas e
de sua vida como lhe parecesse e agradasse, prometendo-lhe que,
quando ela morresse, dali a cem anos, mandaria embalsamá-la e a
colocaria numa gaiola de ouro dentro de seu quarto, para ter sempre
diante dos olhos a sua memória.
A gata, que ouviu essa bazófia, em menos de três dias fingiu-se de
morta e se estendeu de comprido no jardim365; ao vê-la, a esposa de
Cagliuso gritou: “Oh marido meu, que grande desgraça, a gata
morreu!”. “Que ela leve todo o mal! – respondeu Cagliuso – Antes
ela do que nós!”. “O que vamos fazer?”, replicou a mulher; e ele:
“Pegue-a pelo pé e a jogue pela janela!”.
A gata, que ouviu essa bela recompensa quando menos a teria
imaginado, começou a dizer: “Essa é a grande mercê pelos piolhos
que lhe tirei? Esse é o muito obrigado pelos trapos que não serviam
para nada e que o fiz jogar fora? Isso é o que recebo em troca por
tê-lo posto em forma de aranha366, tê-lo saciado quando você tinha
fome, miserável, maltrapilho? Pois você era um esfarrapado,
rasgado, esgarçado, andrajoso, despojaenforcado367. É o que
acontece com quem lava cabeça de asno368! Que seja maldito tudo
o que fiz, pois você não merece que lhe cuspam na boca369! Bela
gaiola de ouro você me arranjou! Bela sepultura você me deu! Você
serve, pena, trabalha, sua, para ter esse belo prêmio! Oh, coitado de
quem coloca a esperança na panela dos outros. Bem disse aquele
filósofo: ‘quem asno se deita, asno se levanta’; enfim, quem muito
faz pouco espera. Mas boas palavras e maus fatos enganam os
sábios e os loucos”.
Dizendo isso e sacudindo a cabeça, pegou a porta da rua e, por
mais que Cagliuso tentasse acalmá-la com o pulmão370 da
humildade, não houve jeito de fazê-la voltar atrás, mas, sempre
correndo sem voltar a cabeça, dizia:
Deus nos guarde de rico empobrecido
e de pobre enriquecido.
O SERPENTE
ENTRETENIMENTO QUINTO DA SEGUNDA
JORNADA
A URSA
ENTRETENIMENTO SEXTO DA SEGUNDA
JORNADA
Assim que foram libertadas pela visita do sol todas as sombras que
estavam encarceradas pelo tribunal da noite, voltaram para o
mesmo local o príncipe e a esposa juntamente com as mulheres; e,
para passar alegremente as horas que se interpunham entre a
manhã e a hora de comer, mandaram vir os músicos e começaram a
dançar471 com grande prazer Roggiero472, Villanella473, o Cunto
del’uerco474, Sfessania475, o Villano vattuto476, Tutto lo iuorno co
chella palommella477, Stordiglione478, Vascio de le Ninfe479, a
Zingara480, a Crapicciosa481, a Mia chiara stella482, o Mio doce
amoroso fuoco483, Chella che vao cercanno484, a Cianciosa e
cianciosella485, o Accordamessere486, Vascia ed auta487, a
Chiaranzana488 com o Spontapede489, Guarda de chi me iette a
’nammorare490, Rape ca t’è utile491, Le Nuvole che pel’aria vanno492,
o Diavolo ’ncammisa493, Campare de speranza494, Cagnia mano495,
Cascarda496, Spagnioletta497, fechando as danças com Lucia
canazza498, para agradar a escrava. E assim passou o tempo sem
que percebessem, e chegando a hora de comer vieram todas as
delícias do céu, tanto que ainda estavam comendo quando Zeza,
levantando-se da mesa, afiada como uma navalha para contar o seu
conto, disse o seguinte.
CANNETELLA
ENTRETENIMENTO PRIMEIRO DA TERCEIRA
JORNADA
Cannetella499 não encontra marido que a agrade, mas seu
pecado a faz cair nas mãos de um ogro que a faz viver mal,
mas é libertada por um limpa-fossas do pai.
Renza, trancada pelo pai numa torre por ter-lhe sido vaticinado
que morreria por causa de um osso mestre535, apaixona-se por
um príncipe, e com um osso trazido por um cão faz um buraco
na parede e foge; mas vendo o amante casado beijar a esposa,
morre de desgosto, e o príncipe pela dor se mata.
O BOSQUE DE ALHOS
ENTRETENIMENTO SEXTO DA TERCEIRA
JORNADA
A ESTUFA644
ÉCLOCA
Giallaise e Cola Iacovo
E aquela outra:
Continuaram com:
A mulher do ladrão nem sempre ri; quem trama fraudes, tece ruínas;
não há engano que não se descubra, nem traição que não venha à
luz; as paredes são espiãs dos patifes; latrocínio e meretrício
campam na terra, como lhes farei ouvir se estiverem com os ouvidos
atentos.
Era uma vez na cidade de Grutanegra um certo Mineco Aniello, tão
desgraçado com a desgraça que tudo o que possuía, imóvel ou
móvel, era um galo anão que havia criado com carinho. Mas,
estando uma manhã morrendo de fome, pois a fome tira o lobo do
bosque, pensou em conseguir com ele algum dinheiro; levando-o ao
mercado, encontrou dois necromantes e, acertando com eles a
venda por meia pataca, eles lhe disseram para levá-lo à casa deles
que lá lhe dariam o dinheiro.
E lá se foram os magos com Mineco Aniello atrás, que os ouviu
conversar em gíria de malandro, dizendo: “Quem diria encontrar
este bom negócio, Iennarone? Este galo sem dúvida será a nossa
sorte, pois aquela pedra, que você sabe que ele tem dentro da
cachola, mandaremos colocar imediatamente num anel, para ter
tudo o que pedirmos”. E Iennarone respondeu: “Fique quieto,
Iacovuccio, já me vejo rico e não acredito, não vejo a hora de
decapitar esse galo para dar um chute na cara da pobreza e
levantar as meias687, pois neste mundo a virtude sem dinheiro é
considerada pano de pé688, e se é julgado pelo que se usa”.
Mineco Aniello, que havia andado por muitos lugares e já comera
pão de muitos fornos, ouviu a conversa e quando estavam numa
viela estreita, virou nos pés e correu pela estrada. Chegando em
casa, torceu o pescoço do galo e abrindo-lhe a cabeça encontrou a
pedra, que logo mandou montar num anel de latão, e querendo
experimentar suas virtudes, disse: “Queria me tornar um jovem de
dezoito anos”. Assim que disse estas palavras, seu sangue ficou
mais vivo, os músculos mais fortes, as pernas mais firmes, a carne
mais fresca, os olhos mais vivazes, os cabelos de prata fizeram-se
de ouro, a boca, que era uma vila saqueada, encheu-se de dentes,
a barba, que era caça reservada, tornou-se terreno semeado. Enfim,
transformado num belíssimo jovem, voltou a dizer: “Eu desejaria um
palácio luxuoso, e ser parente do rei!”; e logo viu surgir um palácio
de incrível beleza, com estátuas espantosas, colunas atordoantes,
pinturas de embasbacar: a prata transbordava, o ouro espalhava-se
no chão, as joias brilhavam, os criados fervilhavam, os cavalos e
carruagens eram sem número; enfim, demonstrou tanta riqueza que
o rei colocou os olhos em cima e houve por bem dar-lhe Natalizia,
sua filha.
Nesse meio tempo, descobrindo os necromantes a grande fortuna
de Mineco Aniello, imaginaram uma forma de lhe tirar das mãos esta
boa sorte e, fazendo uma bela boneca que tocava e dançava por
contrapesos689, vestiram-se de mercadores e foram até Pentella, a
filha de Mineco Aniello, com a desculpa de vendê-la; ela, vendo
coisa tão bonita, perguntou-lhes o preço; eles responderam que não
havia dinheiro que pagasse, mas que ela poderia tê-la fazendo-lhes
apenas o favor de deixá-los ver como era feito o anel do pai, para
pegarem modelo e fazer outro igual, pois lhe dariam a boneca sem
pagamento nenhum.
Pentella, que ouviu essa oferta e não conhecia o provérbio “Se é
barato, desconfie”, logo aceitou a proposta, dizendo que voltassem
na manhã seguinte, pois pediria emprestado o anel ao pai. Tendo os
magos ido embora e o pai voltado para casa, ela lhe disse tantas
coisas doces e lhe fez tantos carinhos, que o convenceu a lhe
emprestar o anel, com a desculpa de que estava triste e queria
alegrar um pouco o coração.
No dia seguinte, quando o gari do sol varre a sujeira das sombras
pelas praças do céu, vieram os magos e assim que tiveram o anel
nas mãos evaporaram como aquele que desaparece690 não
deixando nem fumaça, e a pobre Pentella esteve para morrer de
angústia. Chegando a um bosque onde alguns ramos de árvores
faziam a dança dos bastões691 e outros brincavam de pão quente692,
disseram ao anel para desfazer toda a transformção do velho
rejuvenescido, o qual, estando diante do rei naquele momento, dito
e feito, viu seus cabelos desgrenharem e embranquecerem, a testa
encrespar, arrufarem as sobrancelhas, incharem os olhos, enrugar a
face, desdentar a boca, emaranhar a barba, subir a corcunda,
tremer as pernas, e sobretudo as roupas brilhantes voltarem a
trapos e farrapos; por isso o rei, que viu esse feio mendigo sentado
conversando com ele, logo o expulsou com pauladas e más
palavras.
Ele, sentindo-se desmoronar, foi chorando até a filha e, procurando
o anel para remediar a desordem, soube da burla fatal dos falsos
mercadores; faltou pouco para não se jogar da janela, amaldiçoando
mil vezes a ignorância da filha, que por uma estúpida boneca fizera-
o se transformar num estúpido monstro, por uma coisa feita de trapo
fora reduzido ele mesmo a um trapo, decidindo perambular errante
como dinheiro falso, até ter notícias desses mercadores.
Dizendo isso, colocou um manto às costas, sapatões nos pés, uma
sacola atravessada nos ombros, e deixando a filha fria e gelada,
pôs-se a caminhar como desesperado, e bateu tanto as pernas que
chegou ao reino de Buracoescuro, habitado por ratos, onde, tomado
como espião dos gatos, foi levado imediatamente a Rosecone, o rei,
que lhe perguntou quem era, de onde vinha e o que fazia naquele
país; Mineco Aniello, dando primeiramente ao rei um couro de porco
como tributo, contou-lhe uma a uma todas as suas desgraças e
concluiu que estava disposto a maltratar muito seu pobre corpo até
ter notícia daquelas almas danadas que lhe haviam roubado uma
joia tão cara, tirando-lhe ao mesmo tempo a flor da juventude, a
fonte da riqueza e o sustento da honra.
Rosecone roeu-se de piedade ao ouvir isto e, desejoso de dar
algum consolo ao pobre homem, reuniu em conselho os ratos mais
velhos pedindo-lhes parecer sobre a desgraça de Mineco Aniello e
ordenando-lhes fazer diligências para saber se havia alguma notícia
desses mercadores postiços. Por sorte, entre eles estavam Rudolo
e Sautariello, ratos experimentados nas coisas do mundo, que
tinham estado cerca de seis anos numa taverna de passagem693, e
que disseram: “Não se preocupe, camarada, pois as coisas são
melhor do que você pensa. Saiba que, estando uma vez num quarto
da estalagem do Corno, onde se alojam e divertem alegremente os
homens mais importantes do mundo, por lá passaram dois de
Castelocurvo, que depois de comerem, tendo visto o fundo do jarro,
conversavam sobre a burla feita a um certo velho de Grutanegra,
tendo-o aliviado de uma pedra de grande virtude; um deles que se
chamava Iennarone, disse que nunca a tiraria do dedo para não ter
ocasião de perdê-la, como havia feito a filha desse velho”.
Ao ouvir isso, Mineco Aniello disse aos dois ratos que se se
dispusessem a acompanhá-lo ao país desses ladrões e fazê-lo
recuperar o anel, daria a eles um pagamento em queijo e carne
salgada, para que dividissem com o senhor rei; estes, tratando de
untar as mãos, ofereceram mares e montes; e pedindo licença à
ratinesca coroa, partiram. Chegando depois de longo caminho a
Castelocurvo, os ratos pediram para Mineco Aniello esperar debaixo
de algumas árvores junto a um riacho, que como sanguessuga
chupava o sangue dos trabalhadores e jogava ao mar, e
encontrando a casa dos magos viram que Iennarone nunca tirava o
anel do dedo, por isso buscaram um estratagema para alcançar a
vitória.
Esperando que a noite tingisse de tinta a face do céu, que estava
queimada de sol694, quando Iennarone foi se deitar, Rudolo começou
a roer o dedo do anel; este, sentindo o dedo doer tirou o anel
colocando-o em cima de uma mesa ao lado da cama; ao ver isso,
Sautariello colocou o anel na boca e em quatro saltos foram
encontrar Mineco Aniello. Este, mais alegre do que um condenado à
forca quando chega o perdão, logo fez os dois necromantes serem
transformados em asnos, sobre um dos quais estendeu um manto e
montou como um belo conde, carregando o outro de toucinho e
queijo tocou para Buracoescuro, onde, presenteando o rei e os
conselheiros, agradeceu todos os bens que recebera deles, pedindo
aos céus que nunca uma ratoeira os pegasse, nunca um gato lhes
fizesse mal, nunca o arsênico lhes desse desgosto.
Partindo daquele país e chegando a Grutanegra mais belo do que
antes, foi recebido pelo rei e pela filha com as maiores carícias do
mundo; e, mandando jogar os asnos de uma montanha, regozijou-
se com a esposa, nunca mais tirando o anel do dedo para não fazer
nenhum outro despropósito, pois
cachorro escaldado com água quente
tem medo até de água fria.
OS DOIS IRMÃOS
ENTRETENIMENTO SEGUNDO DA QUARTA
JORNADA
O riso que tomou conta do grupo pela desgraça do príncipe foi tão
desmedido que estava para romper a hérnia de cada um deles, e
continuariam esse contraponto até a rosa do umbigo847, se Cecca
não tivesse feito sinal de que estava pronta para desembuchar seu
conto; por isso, sequestrando a boca de todos começou a dizer:
É um lema a ser escrito em letras de catafalco848, que nunca
causou danos a ninguém ficar calado; mas não se preocupem com
a língua de alguns maledicentes que nunca sabem falar bem e
sempre cortam e costuram, sempre tesouram e alfinetam, pois terão
o que merecem, porque no esvaziar dos sacos sempre se viu e se
vê que falar bem conquista amor e proveito, falar mal ganha
inimizade e ruína: ouçam de que maneira, e me darão um cântaro*
de razão.
Dizem que era uma vez dois irmãos de sangue, Cianne, que vivia
como um conde, e Lise, que não tinha nada na vida; mas enquanto
um era pobre de sorte, o outro era tão mesquinho de espírito que
não se levantaria da privada para revigorar o ânimo do irmão, tanto
que o pobre Lise, desesperado, deixou a pátria e saiu a caminhar
pelo mundo. Tanto caminhou que ao fim de um péssimo dia chegou
a uma taverna onde encontrou doze jovens sentados ao redor do
fogo, os quais, vendo o pobre Lise todo contraído, pois estava
quase enrijecido de frio, seja pela estação que era forte, seja pelas
roupas que eram finas, convidaram-no para sentar junto à lareira.
Lise, aceitando o convite, pois tinha grande necessidade, foi se
aquecer; e enquanto se aquecia um daqueles jovens, que era
carrancudo com uma cara feia que dava medo, lhe perguntou: “O
que você acha, companheiro, deste tempo?”. “O que posso achar? –
disse Lise – Me parece que todos os meses do ano têm seu dever,
mas nós, que não sabemos o que queremos, gostaríamos de
regular o céu e, desejando as coisas do nosso modo, não vamos
muito a fundo para saber se é bom ou ruim, proveito ou dano, o que
nos vem em mente; tanto que no inverno quando chove queremos
sol e no mês de agosto que as nuvens descarreguem, não
pensando que, se fosse assim, as estações estariam de pernas para
o ar, as sementes se perderiam, as colheitas se arruinariam, os
corpos se estragariam e a natureza estaria de cabeça para baixo;
por isso, deixemos o céu seguir seu curso, pois fez a árvore para
remediar com lenha o rigor do inverno e com os ramos o calor do
verão”.
“Você fala como um Sansão849 – disse o jovem – mas não pode
negar que este mês de março, em que estamos, seja muito
impertinente, com tanto gelo e chuva, neve e granizo, ventos,
rajadas, névoa, tempestades e outras coisas que incomodam nossa
vida!”. “Você fala mal deste pobre mês – respondeu Lise –, mas não
fala de sua utilidade, pois dá início, com a chegada da primavera, à
geração das coisas, e no mínimo é graças a ele que o sol sente a
felicidade do tempo presente ao entrar na casa do carneiro850”.
O jovem gostou muito das palavras de Lise, porque era o próprio
mês de março, que com os outros onze irmãos encontrava-se
naquela taverna; para remunerar a bondade de Lise, que não soube
falar mal de um mês tão mau que nem os pastores queriam
mencionar, deu-lhe uma bela caixinha, dizendo: “Tome, tudo o que
você precisa e busca terá diante de si abrindo esta caixinha”. Lise
com muitas palavras de humildade agradeceu ao jovem e,
colocando a caixinha sob a cabeça como travesseiro, pôs-se a
dormir; assim que o sol com o pincel de seus raios veio tingir de
claro as sombras da noite, despedindo-se dos jovens, pegou seu
caminho.
Mas não se afastou cinquenta passos da taverna quando, abrindo
a caixinha, disse: “Ó meu bem, eu não poderia ter uma liteira forrada
de renda, com um pouco de fogo dentro, para andar bem aquecido
nesta neve?”. Assim que terminou de falar, surgiu uma liteira com os
carregadores, que o levantaram e o colocaram lá dentro, e ele disse
que fossem em direção à sua casa. E quando chegou a hora de
mexer as mandíbulas, abrindo a caixinha, disse: “Venha coisa de
comer!”, logo viu surgir o bem do céu, e foi tal o banquete que ali
podiam comer dez reis coroados.
Uma noite, chegando a um bosque que não dava abrigo ao sol por
vir de lugares suspeitos, abriu a caixinha dizendo: “Neste belo lugar
onde este riacho faz contraponto sobre as pedras para acompanhar
o canto firme dos ventos frescos, eu gostaria de repousar esta
noite”; e logo viu armar-se um baldaquim de tecido escarlate sob
uma tenda de encerado com colchões de pena, cobertas de
Espanha e lençóis levíssimos; e pedindo de comer, logo apareceu
uma prataria digna de um príncipe e foi posta uma mesa, sob outra
tenda, de vivandas cujo odor ia a cem milhas de distância.
Depois de comer, foi dormir, e quando o galo, que é espião do sol,
avisou o patrão que as sombras estavam fracas e cansadas e que
agora era tempo, como um soldado experiente, de persegui-las e
fazer um massacre, abriu a caixinha dizendo: “Queria uma bela
roupa, porque hoje verei meu irmão e gostaria de lhe dar água na
boca”; dito e feito, viu-se numa roupa de senhor, de veludo negro
brocado com peitilho de chamalote vermelho, e um belo bordado
grande sobre um forro de lãzinha amarela, que era ver um campo
de flores; assim vestido, Lise entrou na liteira e chegou em casa.
Cianne, vendo-o chegar tão luxuoso e com tanta comodidade quis
saber qual tinha sido sua sorte, e Lise contou dos jovens que
encontrara naquela taverna e do presente lhe deram, mas manteve
entre os dentes a conversa com aquele jovem. Cianne não viu a
hora de se despedir do irmão, e dizendo-lhe para repousar, pois
estava cansado, logo se pôs a caminho; chegou na taverna, onde,
encontrando os mesmos jovens, começou a conversar com eles, e
tendo feito aquele jovem a mesma pergunta, o que achava deste
mês de março, ele, abrindo muito a boca, começou a dizer: “Ó, que
Deus esconjure este mês maldito, inimigo dos sifilíticos851, odioso
para os pastores, perturbador dos humores, ruína dos corpos! Mês
que, quando se quer anunciar alguma ruína a um homem, se diz:
‘Vai, que março o arruinou!’852; mês que, quando se quer dar a
alguém o título de maior presunçoso, se diz: ‘Que cura de março!’853;
enfim é um mês que seria a sorte do mundo, a ventura da terra, a
riqueza dos homens, se fosse dispensado da esquadra dos
irmãos!”.
O mês de março, que ouviu esta lavada de Cianne, disfarçou a
coisa até de manhã, pensando em fazê-lo engolir a conversa; e
querendo Cianne partir, deu-lhe um belo chicote, dizendo: “Sempre
que você quiser alguma coisa, diga: ‘Chicote, dê-me cem!’, e verá
pérolas enfiadas no junco”. Cianne, agradecendo ao jovem,
esporeou o cavalo e não quis experimentar o chicote até chegar em
casa; onde assim que pôs os pés entrou num quarto secreto para
guardar ali o dinheiro que esperava do chicote e disse: “Chicote, dê-
me cem!”; e o chicote lhe deu mais de cem sem esperar o troco,
fazendo contraponto de compositor de música com as pernas e o
rosto de Cianne, de modo que Lise acudiu aos gritos, e vendo que o
chicote não se detinha, pois era como um cavalo desenfreado, abriu
a caixinha e o fez parar.
Perguntando a Cianne o que acontecera, ouviu a história e lhe
disse que só se lamentasse de si mesmo, porque havia cagado ele
mesmo o mal como faz um tordo, e que fizera como o camelo que,
desejando ter chifres, perdeu as orelhas, mas que da próxima vez
aprendesse a ter freios na língua, que tinha sido a chave que abrira
o depósito desta desgraça; porque se ele tivesse falado bem para
aquele jovem, talvez tivesse a sua mesma sorte, ainda mais porque
dizer o bem é uma mercadoria que não custa nada, e costuma dar
resultados inesperados. Por fim, consolou-o dizendo que não
procurasse mais comodidade do que lhe dera o céu, pois a sua
caixinha bastava para encher em abundância trinta casas de
avarentos, e que ele seria dono de todos os seus bens, porque o
céu é tesoureiro do homem liberal; e apesar do outro irmão ter-lhe
odiado pela crueldade quando da sua miséria, considerava que sua
mesquinhez fora o vento próspero que o havia levado a esse porto,
e por isso queria agradecê-lo e retribuir o favor.
Ouvindo isso, Cianne lhe pediu perdão pelo desamor passado, e
fazendo um acordo, aproveitaram juntos a boa sorte, daí em diante
Cianne disse bem de tudo, por pior que fosse, pois
cachorro escaldado com água quente
tem medo até de água fria.
PINTO SMAUTO854
ENTRETENIMENTO TERCEIRO DA QUINTA
JORNADA
Betta se recusa a ter um marido; por fim, faz um com as
próprias mãos; este é roubado por uma rainha, depois de mil
sofrimentos ela o encontra e com grande arte recupera-o e o
leva para casa.
Houve mais de um que daria um dedo da mão para ter essa virtude
de fazer um marido ou esposa conforme sua vontade, e
particularmente o príncipe, que gostaria de ver uma pasta de açúcar
ao lado, onde estava uma massa de veneno. Mas chegando a vez
de Tolla, ela não esperou a execução para pagar essa dívida, mas
assim disse:
Ser uma pessoa muito curiosa e querer saber demais é sempre um
estopim na mão para dar fogo à pólvora da própria sorte, e com
muita frequência quem remexe nos fatos do outro erra nas próprias
coisas; e no mais das vezes, quem muito curioso escava para
encontrar tesouros encontra uma fossa e cai de cara lá dentro,
como aconteceu com a filha de um hortelão, da maneira que segue:
Era uma vez um hortelão que por ser muito pobre, por mais que
suasse trabalhando mal conseguia comprar o pão, comprou três
porquinhos para as três filhas que tinha, para que os criando
pudessem ter alguma coisa como dote. Pascuzza e Cice, que eram
as mais velhas, levaram os seus para pastar num belo pasto, mas
não quiseram que Parmetella, que era a filha mais moça, fosse com
elas, dizendo-lhe que fosse pastar em outra parte. Ela, levando seu
animalzinho a um bosque onde as sombras faziam fortaleza contra
o assalto do sol, chegou a um pasto no meio do qual havia uma
fonte que, servindo água fresca, convidava com língua de prata os
passantes a beber; lá encontrou uma árvore com ramos de ouro;
pegando um deles, levou-o ao pai, que com grande alegria vendeu-
o por mais de vinte ducados, que bastaram para fechar algum
buraco; e, perguntando-lhe onde o havia encontrado, ela disse:
“Pegue, meu senhor, e não pergunte mais, se não quer estragar a
sua sorte”. Voltando no dia seguinte, fez o mesmo, e tanto continuou
a desbastar aquela árvore que ela ficou desfolhada como se tivesse
recebido uma rajada de vento.
Passado o outono, notando que essa árvore tinha um grande
tronco de ouro que não se podia arrancar com a mão, foi à sua casa
e voltando com um machado, pôs-se a cavar ao redor do pé da
árvore; e levantando como pôde o tronco encontrou debaixo dele
uma bela escada de pórfiro, pela qual ela, que era curiosa fora de
medida, desceu, e caminhando muito por uma grande cava chegou
a uma bela planície na qual havia um belíssimo palácio, onde só se
pisava em ouro e prata e se viam pérolas e pedras preciosas.
Parmetella, olhando atônita esse luxo, não vendo nenhuma pessoa
se mover dentro desse belo edifício, entrou num quarto onde havia
um punhado de quadros nos quais se viam pintadas tantas belas
coisas, e particularmente a ignorância de um homem considerado
sábio, a injustiça de quem possuía as balanças e os erros vingados
pelo céu, coisas de espantar de tão vivas e verdadeiras que
pareciam, nesse quarto encontrou uma bela mesa posta.
Parmetella, que sentia roncar a barriga, não vendo ninguém sentou-
se à mesa como um belo conde para comer; mas quando estava no
melhor da refeição, eis que entrou um belo escravo que disse:
“Fique, não vá embora, pois a quero ter como esposa e fazê-la a
mulher mais feliz do mundo!”. Parmetella, apesar de amedrontada,
criou coragem com esta boa promessa, e aceitando o que lhe
propunha o escravo, logo lhe foi entregue uma carruagem de
diamantes puxada por quatro cavalos de ouro com asas de
esmeraldas e rubis que a levavam voando pelos ares para que se
divertisse, e lhe foram dadas para seus serviços pessoais um
punhado de macacas vestidas com roupas de ouro, que logo,
vestindo-a da cabeça aos pés, puseram-na em forma de aranha862,
parecendo uma rainha.
Mas, chegando a noite, quando o sol desejoso de dormir às
margens do rio da Índia sem mosquitos, apaga a luz, o escravo lhe
disse: “Meu bem, se você quiser fazer a nana deite-se nesta cama,
mas quando estiver debaixo dos lençóis apague a vela e faça o que
eu disser, se não quiser pôr tudo a perder”. Feito isso, Parmetella
pôs-se a dormir, mas assim que fechou os olhos o negro,
transformando-se num belíssimo jovem, deitou-se ao seu lado, e
ela, acordando e sentindo-se cardar a lã sem pente863, esteve para
morrer aterrorizada, mas, vendo que a coisa se reduzia à guerra
civil, aguentou o tranco. Mas antes que saísse a alba para procurar
ovos frescos para confortar o velhinho seu namorado, o escravo
saltou da cama e retomou sua pátina, deixando Parmetella muito
desejosa de saber qual guloso havia saboreado o primeiro ovo de
tão bela franguinha864.
Mas, chegando a noite seguinte, deitando-se e apagando a vela
como havia feito na noite anterior, eis que veio o mesmo belo jovem
deitar a seu lado; o qual, depois de cansado de brincar, pôs-se a
dormir. Então ela pegou uma pederneira que havia preparado,
acendeu uma mecha e pôs fogo no lume, e acendendo a vela
levantou as cobertas e viu o ébano transformado em marfim, o
caviar em nata e o carvão em cal virgem. Enquanto ela estava
olhando de boca aberta aquela beleza e contemplando a mais bela
pincelada já dada pela natureza numa tela de maravilha, o belo
jovem acordou e começou a esconjurar Parmetella, dizendo: “Pobre
de mim, por sua causa devo ficar mais sete anos fazendo esta
penitência maldita, pois sua enorme curiosidade a fez enfiar o nariz
nos meus segredos! Vá embora, quebre o pescoço, não apareça
mais na minha frente, volte para seus trapos, pois não soube
reconhecer a sua sorte!”; dizendo isso, esfumou-se como mercúrio.
A pobre, fria e gelada, saiu daquela casa de cabeça baixa, e
quando chegou fora da gruta encontrou uma fada que lhe disse: “Ó
minha filha, quanto me dói a alma pela sua desgraça! Você vai ao
matadouro, onde passará pela ponte do cabelo865 sua triste pessoa!
Assim, para remediar o seu perigo, pegue estes sete fusos, estes
sete figos, este pote de mel e estes sete pares de sapatos de ferro e
caminhe muito, sem nunca parar, até que se consumam, e você
verá no terraço de uma casa sete mulheres fiando de alto a baixo
com o fio enrolado nos ossos dos mortos. Você sabe o que deve
fazer? Esconda-se bem e, devagarzinho, quando o fio descer, você
tira o osso e prende o fuso lambuzado de mel no encaixe, porque,
puxando-o para cima e sentindo o doce, elas dirão: ‘Quem adoçou a
minha boquinha, seja adoçada a sua sortezinha!’. E depois destas
palavras, uma depois da outra, dirão: ‘Ó você, que me trouxe estas
coisas doces, deixe-se ver!’; e você responderá: ‘Não quero que me
coma!’; e elas dirão: ‘Não a como, se Deus esconder a colher!’; e
você bata o pé e fique firme; e elas continuarão: ‘Eu não a como, se
Deus esconder o espeto!’, e você firme, como se tivesse raiz; e elas
replicarão: ‘Eu não a como, se Deus esconder a vassoura!’; e você
não acredite em nada; e se disserem: ‘Não a como, se o céu
esconder o urinol!’, você fecha a boca e nem pia, pois fariam você
evacuar a vida. Por fim dirão: ‘Se Deus esconder Trovões-e-raios,
não a como!’, então você sobe e esteja certa de que não lhe farão
mal”.
Depois de ouvir isso, Parmetella começou a caminhar por vales e
por montes, tanto que os sapatos de ferro ao cabo de sete anos se
consumiram; chegando a um casarão, onde havia um terracinho
para fora, viu as sete mulheres que fiavam e, feito o que lhe
aconselhara a fada, depois de muito espiar e esconder, ela, por fim,
feito o juramento de Trovões-e-raios, deixando-se ver subiu ao
terraço, onde todas lhe disseram: “Ó cadela traidora, você é a causa
de meu irmão ficar mais sete anos naquela gruta distante de nós em
forma de escravo, mas não se preocupe, pois se você conseguiu
escapar da nossa gula com o juramento, na primeira ocasião vai
pagar o novo e o velho. Agora, sabe o que deve fazer? Esconda-se
atrás daquela amassadeira, e quando nossa mãe vier, a qual
certamente a devoraria, você vai por trás e pega os peitos dela, que
ela carrega nas costas como uma mochila, e puxa o quanto puder,
não os largue nunca, até que ela jure por Trovões-e-raios não lhe
fazer mal”. Feito isto, depois da ogra ter jurado pela bolinha de fogo,
pelo banquinho, pelo cabide, pelo dobadoura, pelo cavalete, jurou
por Trovões-e-raios, largou os peitos e se deixou ver pela ogra, que
disse: “Você me pegou! Mas comporte-se, traidora, pois com a
primeira chuva faço as águas a levarem embora!”.
E esperando a ocasião certa para devorá-la, um dia pegou doze
sacas de legumes onde estavam misturados grãos de bico,
chícharos, ervilhas, lentilhas, feijões, favas, arroz e tremoços, e lhe
disse: “Traidora, pegue estes legumes e escolha-os de modo que
um esteja separado do outro, e se esta noite não estiver feito eu a
devoro como um pastel de três tostões”. A pobre Parmetella,
sentada junto às sacas, dizia chorando: “Minha boa mãe, o quanto
me enganou o tronco de ouro! Desta vez meus problemas acabarão!
Por ver uma face negra virar branca este infeliz coração virou um
trapo! Pobre de mim, estou perdida, estou acabada, não há mais
remédio, parece que tenho que encher a bocarra daquela ogra
fedida de hora em hora, ninguém me ajuda, ninguém me aconselha,
ninguém me consola!”.
Ora, enquanto se lamentava, eis que surgiu como um relâmpago
Trovões-e-raios, que havia terminado o exílio da maldição que lhe
fora dada, e apesar de estar zangado com Parmetella, mesmo
assim o sangue não podia se fazer água, e vendo-a desesperada,
disse: “Traidora, o que você tem, por que chora?”. E ela lhe contou o
mau tratamento da mãe e seu objetivo, que era arrancar-lhe as
entranhas e devorá-la; a isto respondeu Trovões-e-raios: “Levante-
se e tenha coragem, pois não será o que se diz”. E ao mesmo
tempo, esparramando todos os legumes no chão, fez surgir um
dilúvio de formigas, que logo começaram a amontoar
separadamente todos os legumes, tanto que Parmetella recolhendo
cada um deles encheu as sacas.
Chegando a ogra e encontrando o serviço feito, esteve para se
desesperar, dizendo: “Aquele cão do Trovões-e-raios me fez este
belo serviço! Mas você vai me pagar o prejuízo, pegue estes forros
de fustão, que são para doze colchões, e faça com que esta noite
estejam cheios de penas, do contrário faço uma chacina”. A pobre,
pegando os forros e sentando-se no chão começou a se lamentar
de novo, martirizando-se e fazendo dos olhos uma fonte, quando
apareceu Trovões-e-raios e lhe disse: “Não chore, traidora, deixe
comigo, que a levo ao porto; para isso, descabele-se, estenda os
forros de colchão no chão e comece a chorar e se lamentar, gritando
que morreu o rei dos pássaros, e verá o que acontece”. Assim fez
Parmetella, e eis que surgiu uma nuvem de pássaros que escurecia
o ar, os quais batendo as asas deixavam cair penas aos montes,
tanto que em menos de uma hora os colchões estavam cheios.
Chegando a ogra e vendo aquilo, inchou tanto de raiva que estava
para estourar, dizendo: “Trovões-e-raios já está me aborrecendo,
mas macacos me mordam se não o pego de um jeito que ele não
possa escapar”. Dizendo isso, disse a Parmetella: “Corra, voe até a
casa de minha irmã, e diga que me mande os instrumentos
musicais, porque casei Trovões-e-raios e queremos fazer uma festa
de rei”; de outra parte, mandou dizer à irmã que quando a traidora
fosse buscar os instrumentos, a matasse logo e a cozinhasse, pois
iria comer com ela.
Parmetella, que se viu receber serviços mais leves, alegrou-se
toda, acreditando que o tempo estivesse começado a melhorar. Oh,
como são tortos os juízos humanos! Mas encontrou Trovões-e-raios
pela estrada, que a vendo ir a bom passo, disse: “Aonde você vai,
pobre coitada? Não vê que vai ao matadouro e você mesma fabrica
o cepo, você mesma amola a faca, você mesma prepara o veneno,
pois foi mandada para que a ogra a devore? Mas escute e não
duvide, pegue este pão, este maço de feno e esta pedra, e quando
chegar à casa de minha tia vai encontrar um cão corso, que virá
latindo para mordê-la, e você lhe dará o pão para tampar a boca;
passado o cão, encontrará um cavalo xucro, que virá para lhe dar
coices e pisotear, e você lhe dará o feno para embaraçar suas
patas; por fim, encontrará uma porta que sempre bate, e você a
escorará com a pedra para lhe tirar a fúria. Depois entre e vai
encontrar a ogra com uma criança nos braços, com o forno aceso
para assar você, que dirá: “Segure esta criança e espere enquanto
vou lá em cima pegar os instrumentos”, mas saiba que vai afiar as
presas para fazer você em pedacinhos; e você, jogando a criança
dentro do forno sem piedade, pois é carne de ogro, pega os
instrumentos que estão atrás da porta, e corre antes que a ogra
volte, senão está perdida; mas veja que os instrumentos estão
dentro de uma caixa que você não deve abrir, se não quer ter
problemas e desgostos”.
Fazendo Parmetella o que lhe aconselhara o namorado, ao voltar
com os instrumentos abriu a caixa, e viu voarem daqui uma flauta,
dali uma matraca, de um lado uma gaita, de outro uma corneta,
fazendo toda sorte de sons pelo ar, e Parmetella desesperada atrás
deles, arranhando o rosto. Nesse meio tempo, chegou a ogra e não
encontrando Parmetella foi até uma janela gritando para a porta:
“Esmague a traidora!”, e a porta respondeu: “Não quero fazer mal à
desventurada, pois me escorou”; e a ogra gritou ao cavalo: “Pisoteie
a malandrinha!”, e o cavalo respondeu: “Não quero pisoteá-la, pois
me deu feno para comer”; e a ogra chamou finalmente o cão
dizendo: “Morda a velhaca!”, e o cão respondeu: “Deixe ir a
pobrezinha, pois me deu o pão”.
Então Parmetella, que ia gritando atrás dos instrumentos,
encontrou Trovões-e-raios que lhe passou uma bela descompostura
dizendo: “Ó traidora, você não aprende nunca que por esta sua
maldita curiosidade está na situação em que está?”. Dizendo isso,
chamou com um assobio os instrumentos e os fechou na caixa,
pedindo que os levasse para a mãe, que quando a viu gritou bem
alto: “Ó sorte cruel, até minha irmã me é contrária, não quis me dar
essa alegria!”.
Nesse meio tempo veio a nova noiva, que era uma peste, uma
bruxa, uma harpia, uma assombração, nariz esborrachado, caruda,
remelenta, torta, dura, que com cem flores e frescuras parecia uma
taverna recém aberta, para a qual a sogra fez um grande banquete,
e porque transbordava fel mandou montar a mesa ao lado de um
poço, onde colocou as sete filhas cada uma com uma tocha na mão,
dando duas para Parmetella, fazendo-a sentar na beira do poço,
para que quando tivesse sono caísse lá dentro.
Ora, enquanto o jantar ia e vinha e os sangues começavam a
esquentar, Trovões-e-raios, como a mulher que casa contrariada,
disse para Parmetella: “Ó traidora, você me quer bem?”; e ela
respondeu: “Até acima do terraço!”; e ele replicou: “Se me quer bem
dê-me um beijo”; e ela: “Deus me livre, longe de mim! Boa coisa
você tem ao lado, o céu a conserve por cem anos, com saúde e
filhos homens!”; e a noiva respondeu: “Bem se vê que você é uma
desgraçada, mesmo se viver cem anos, se rejeita beijar um jovem
tão belo, eu por duas castanhas me deixei beijar no rosto por um
pastor!”.
O noivo, ouvindo isso, se irritou e inchou como um sapo, e a
comida parou na garganta; entretanto, fez das tripas coração e
engoliu essa pílula pensando em fazer as contas logo e terminar o
jogo. Mas, retirada a mesa, despediram-se da mãe e das irmãs, e
ele, a noiva e Parmetella ficaram para irem deitar; enquanto
Parmetella a despia, ele disse para a noiva: “Minha esposa, você viu
como esta enjoada me negou um beijo?”. “Ela fez mal – respondeu
a noiva – em se negar a beijá-lo sendo você um jovem tão belo,
enquanto eu por duas castanhas me deixei beijar por um guardador
de ovelhas”. Trovões-e-raios não pode mais se conter, com raios de
desdém e trovões de fato, tendo-lhe subido mostarda ao nariz,
pegou um facão e degolou a noiva, e, fazendo um fosso no porão,
enterrou-a; então, abraçando Parmetella lhe disse: “Você é minha
joia, a flor das mulheres, o espelho das virtudes, e por isso olhe para
mim, dê-me estas mãos, aproxime o rosto, agarre meu coração,
pois quero ser seu, enquanto o mundo é mundo!”.
Dizendo isso, deitaram-se e se divertiram juntos até que o sol tirou
os cavalos de fogo do estábulo de água e os levou para pastar pelos
campos semeados pela aurora, quando, chegando a ogra com ovos
frescos para revigorar os noivos e dizendo: “Sorte de quem casa e
ganha uma sogra!”, encontrou Parmetella abraçada ao filho. E
ouvindo como se passara a coisa, correu depressa até a irmã para
combinar um modo de se livrar desse cisco no olho sem que o filho
a pudesse ajudar. E descobrindo que pela dor da perda da filha
cozida no forno ela também havia se enfornado, pois o fedor de
assado envenenava toda a vizinhança, tal foi seu desespero que, de
ogra transformando-se em cabrito, tanto bateu a cabeça nas
paredes que seu cérebro espirrou para fora. Trovões-e-raios fez
Parmetella fazer as pazes com as cunhadas e ficaram felizes e
contentes, mostrando ser verdadeiro o dito que
quem persevera vence.
SOL, LUA E TALIA
ENTRETENIMENTO QUINTO DA QUINTA
JORNADA
Talia, morta por uma felpa de linho, é deixada num palácio,
onde chega um rei que faz dois filhos nela; a esposa ciumenta
os pega e manda que sejam cozidos, dados de comer ao pai e
que Talia seja queimada; o cozinheiro salva as crianças e Talia
é libertada pelo rei, mandando jogar a esposa no mesmo fogo
preparado para Talia.
AS TRÊS CIDRAS
ENTRETENIMENTO NONO DA QUINTA JORNADA
MOEDAS
Carlino: moeda de pequeno valor com a figura de três cavalos.
Cianfrone: moeda de prata com valor de meio ducado.
Decinco: moeda de prata equivalente a cinco tornese.
Maglia: moeda de ouro muito antiga e de pouco valor.
Penny: moeda de pouco valor.
Pubreca: uma moeda equivalente a três tornese, assim chamada
porque trazia a inscrição publica commoditas.
Tornese: moeda de pouco valor cunhada em Tours, na França.
Cavalo: o correspondente a 1/120 de carlino, assim chamado por
ter cunhada a imagem de um cavalo.
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ANEXO
Prefácio à tradução para o italiano
Benedetto Croce
1925
GIAMBATTISTA BASILE
E A ELABORAÇÃO ARTÍSTICA DOS CONTOS
POPULARES910
Benedetto Croce911