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Pranchetti, Paulo
Estudos deliteratura brasileira e portuguesa/
Paulo Franchetti, - Cotia, SP: Ateliê Editorial,
2007.
3ibliografia.
ISBN: 978-85-7480-353-1
1. Literatura brasileira — Estudoe ensino
a. Literatura portuguesa — Estudoe ensino L. Título
CDD-869.907
07-3655
-369.8707
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A NOVELA CAMILIANA
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88 ESTUDO S DE LITERATURA BRASILEIRA EPPORTUGUESA
es (1973)
23 A.]. Saraiva, & Ó, Lopes, História da LiteraturaPortuguesa, 7. ed.Santos, M artins Font 830
maia qi vIsPOm) 880). Essas formulações permanecem as opes
E 876 (o “grotesco materialão” está na p.
se pode constatar na última, a 17% de 1990
ongo das várias edições da 1 listória, conforme esc
3. Saraiva & Lopes, op. cit., p. 876.
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& NOVELA CAMILIANA
Ter até. is à ni q
Numtexto de 1961, que serviu de introducão à
FEIOdUÇãO à republ;
gália, das novelas de Camilo, lemos logo de
into
HCO & aí
nos textos sobre O autor: a de que a compreensã
blemática da novela camiliana tem de ser precedid
da biografia.
É claro que a vida de Camilo, conjugada à eleição da nove
como o ponto alto da sua obra,facilita essa leitura E eis, ta -
Cabral, a justificativa usual:
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A E PORTUGUESA
so ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIR
modo modelar:
os sof ism as, à ver dad eé ape nas esta: as almas eleitas con
Pondode lado todos
o s benefícios e honrarias da sociedade, Real
sideravam-se espo liadas na repartiçã do
avam, viam-se na «y
mente, os gênios, os talentos, OS indivíduos inteligentes veget
balte rna e caissem das suas meça,
vexatória situação de arrebanhar as migalhas que zando
opulentas. Porisso, eles se vingavam dos nababos, ridiculari -os na gazeta e no
livro [...].
s. A. Cabral, op. cit. p. 13. Os trechoscitados anteriormente são das pp. 10 € 11.
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escrúpulos, devasso e “batoteiro”, e de ambosdizia Camilo numa
crita por Cabral: “O Jorge e o Nuno poraqui andam: o primeir Da
desordeiro, O 2º bastante manco; masquanto cérebro manqu ciano o
Depois de nos dar essa história, e de acrescentar que Camilo dese bri
ou imaginara que Ana o traíra com cinco ou seis
homens, incluindo nE eu
melhor amigo, Vie de Castro, é que tenta explicar a sua veia satírica
ira
seu idealismo, dizendo queeles se devem a um “desajustamento entre o seu
caráterea sociedade e os homens da sua época”s.
É difícil entender o que quer dizer exatamente, e como se sustentaria
aquia tese do homem superioridealista, ressentido com o sucesso dosgros-
seiros e semcaráter. O quadro quetraça de Camilo não o faz nem um pouco
ele
diferente dos oportunistas e devassos, portugueses ou “brasileiros” que
retrata comtanto azedume.
Amancebar-se, envolver-se em negociatas e raptos, mendigar benesses e
empregos, lutar por títulos nobiliárquicos comprados com dinheiro ou com
Camilo, se-
a influência dos poderosos — em queisso é diferente do que fez
a tese biografista
gundo Cabral? Se não é diferente, como é possível defender
complicadas
do ressentimento e da idealização, a menos que se mergulhe em
verificação?
considerações psicológicas sem qualquer garantia de
da postu-
De modo que, se quisermos continuar sustentando a validade
pólos em tensão, deve-
lação das duas tendências da novela camiliana como
mos buscar apoio em outra parte que não na biografia.
bio
Masos termos que descrevem esses pólos, revelando umaextração -
Idealismo
gráfica tão clara, fazem sentido em outro contexto explicativo?
para nós?
sentimental, ressentimento satírico etc.? São ainda operacionais
da obra de
Descrevem adequadamente a experiência de leitura moderna
Camilo? -
Aqui temos de responder que não. Que, pelo contrário, obliteram muito
do que há de vivo nessa obra, aquilo que,dela, foi assimilado por outros es-
critores e que ainda hoje garante o interesse maior daleitura.
Quer isso dizer que não consideramos válida a descrição vigente sobre a
polarização da obra de Camilo? Não necessariamente. Como também não se
conclui daqui que não possamos continuar julgando Amor de Perdição uma
obra-prima da novela passional, ou continuar considerando A Queda dum
Anjo um dos pontos mais altos da novela satírica camiliana.
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Trata-se apenas de observar que aquilo que vem sendo descrito como
mais vivo, o mais importante e o mais característico da obra de Camilo Cas.
telo Brancotalvez não o seja. Ou, pelo menos, que não é exclusivo em relação
a outras questões e problemas igualmente e
,
Essa descrição, que é a tradição atual dos estudos camilianos, enfatiza
sentação dos
coerentemente, os aspectos narrativos. junto com eles, a repre
ambientes, que é tanto melhor quanto mais integrada à narração. Amor de
Perdição, nesse discurso, é valorizada porque aí tudo está a serviço da uni.
dade de ação, que se estrutura toda em torno do conflito entre o real co
Lopes &
ideal, Essa novela é o modelo,e tanto em Prado Coelho, quanto em
Saraiva, várias vezes percebemos que é ela o texto ideal para o qual converge
Anjo nãoé objeto de
o restante da obra e o olhar do crítico. Já A Queda dum
grandes considerações. Jacinto do Prado Coelho apenas avalia assim, man-
tendoa clave biográfica: Camilo experimentava em si mesmo o conflito entre
a “magia da civilização e a sedução da vida natural”, “Daí o terfeito nmA Queda
dum Anjo uma obra relativamente profunda: só é profundo, na verdade,
quese elaborou nas próprias entranhas. Mais uma vez, fez auto-ironia”
Mas como se descrevem, tipicamente, as qualidades de Amor de Perdi.
ção? Eis, novamente, a descrição canônica, no livro de Prado Coelho:
Esse parágrafo atribui, com a única ressalva de ser uma formulação ge-
neralizante, a toda a novela camiliana qualidades que não são dominantes
na maior parte dos seus textos, nem talvez nos mais conhecidos deles. Ou
seja, ela subsume no tipo do Amor de Perdição toda a produção novelística
do autor. Uma das consegiiências críticas dessa operação é a brutal redução
do corpus canônico da novela camiliana, porque são de fato poucosos textos
em que essascaracterísticas são as dominantes. Outra é que ela é construída
por meio de um obscurecimento de um outro aspecto do texto novelístico de
Camilo, queestava presente no mesmotexto citado por Prado Coelho. Veja-
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A NOVELA CAMILIANA
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)
mos, para p rceber isso, o texto todo do prefácio de ond
e q
€O crítico retirou as
citações entre aspas:
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EIRA E PORTUGUESA
94 ESTUDOS DE LITERATURA BRASIL
siona,É q
justamente o seuestilo e a sua construção textual o que mais impres
consideração da sualin guageme da estrutura
da sua novela enquanto objeto
mensionara sua
verbal que nos permite ver os limites da descrição atual e redi
interpretação geral.
Para maior clareza desta primeira aproximação ao problema quenos
em apenas dois níveis de organiza-
interessa, concentraremos a atenção
produção de
ção textual. O primeiro é o nível da construção da frase e da
do manejo dos
efeitos de sentido irônicos ou inesperados. O segundo, o
elementos macroestruturais do romance e da apresentação física dolivro;
es, disposição
voz narrativa, foco narrativo, narratário, ordenação das part
tipográfica, etc.
o,
Tomemos, como primeiro exercício de consideração do estilo camilian
eremospri-
umadas Novelas do Minho. Chama-se “O Filho Natural”. Consid
s
meiro o enredo: umfidalgo seduz a filha de um farmacêutico; os amante fo-
na para seguir a
gem, vivem algum tempo juntos e têm um filho; ele a abando
evive
carreira política e fazer um bom casamento; abandonada, a mulher sobr
ho tem 12 anos,
com dificuldades, dando aulas; a certa altura, quando fil
go é rico, morre €
manda-o para o Brasil, aos cuidados de um amigo; o ami
muito dinhei-
deixa uma fortunapara O rapaz; o rapaz volta a Portugal, com
seguindo sustentar
ro; o pai fidalgo está arruinado financeiramente, mal con
digo; uma desuas
a mulhere os filhos; o rapaz se apresenta ao pai como men
taram dos bons
meio-irmãstenta ajudá-lo, oferecendo-lheas jóias que lhe res
doa dinheiro à meio-
tempos; o filho ilegítimo se revela um homem rico e
mãe.
irmã para salvar a reputação do pai e assim vingar moralmente sua
gem é muito cuidada
É um enredo simples e sentimental. Mas a lingua
er outro texto da
e muito nova. Mais nova, parece-me, do que a de qualqu
Eça até então publicara,
época,incluindo aí as Farpas e o único romance que
O Crime do Padre Amaro.
eiro
Para poder avaliara afirmação da novidade, considerem-se, em prim ata,
, uma concreta € outra abstr
lugar, estes exemplos de dupla determinação uma far
eir a de pro duz ir efei to côm ico : ao descrever a morada de
como man paços senhoriais pesava um silênco
mília nobre,diz que “em redor daqueles
triste e torvo”; ao traçara história da família faz referência aos “citaristas pr
cruzadas que morriam [...] entre duas rimas três cutiladas”; de UM inooo
trado quese atrapalha numafrase vai dizer: “comolhe faltasse à ”espiraçeao
a gramática, o procurador tomoufôlego”; umas senhoritas da socie ir
assim apresentadas: “eram as cinco jóias do Porto em delicadeza de esp
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A NOVELA CAMILIANA 95
e de cintura”; mais além, uma “patrulha vem chegando com a Moral e com
a baioneta”.
Alémdesses efeitos irônicos, há outros, ainda mais notáveis. Co
a mo, , por
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A
vo pur DS DATA TUNA MILA NELHIA DE POULAMRh
14. Na edição de Justino Mendes de Almeida, 6 trecho esttcuas pp, 1233-1282 do volume dl
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A NOVELA CAMILIADA 97
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ILEIRA E PORTUGUESA
98 ESTUDOS DE LITERATURA PRAS
acidade inventiva” ,
juízo a respeito da minhacap contra no capítulo XXI, quando
teressante se en
Outrasituação textual in .
, de j so is de de sc re ve r um a se nhora apanhada em situação cons
o narrador
do ra , di z à o le it or o qu e el e fa ri a se fosse mulher, e paraisso abre dois
trange
subtítulos “solteira” e “c asada”, em que assume a primeira pessoa e descreve
as ações possíveis.
ape-
Finalmente, p ara não alongar muito estes exemplos, comentemos
nas mais duas passagens notáveis.
final da novela
A primeira se localiza no final do capítulo XXVII, já no
Ali deparamos como seguinte quadro, cuja ironia dispensa comentários:
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A NOVELA CAMILIANA
99
— escreve prefé--
estar condenadoa satisfazer.
É assim que,ano após ano — ou, melhor, mês apósnamês
ol og ia do Ca sa me nt o” , s Cenas Contempo
ça “Pat
cios como o queabre a pe la na , pr og ri de ra pidamente da ironia
leitora d. Fu
râneasLAli, dirigindo-se à leituras român ticas típicas,
€
oferece-lhe
ao sarcasmo, e ao atribuir-lhe gostos muita
á n| , j
dizen do: sei que “ em na cabeça
a peça como conce ssão desde nhosa
ã sereii eu a vassoura de limpe
i za”.
i de aranha, e não
som a de teias
vol. 1, p: 1136.
12. Na edição de Justino Mendes de Almeida,
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