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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH)


Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de
Almeida(NEPP-DH/SSA)
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos

ARIANA KELLY DOS SANTOS

Violência de gênero em exceção: o acesso às políticas públicas de enfrentamento à


violência pelas mulheres residentes em favela

Rio de Janeiro

2019
ARIANA KELLY DOS SANTOS

Violência de gênero em exceção: o acesso às políticas públicas de enfrentamento à violência


pelas mulheres residentes em favela

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Políticas Públicas em
Direitos Humanos-PPDH, do Núcleo de Estudos
de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely
Souza de Almeida da Universidade Federal do Rio
de Janeiro-UFRJ, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestra em Políticas Públicas
em Direitos Humanos.

Orientadora: Lilia Guimarães Pougy

Rio de Janeiro
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
FOLHA DE APROVAÇÃO

Ariana Kelly dos Santos

Violência de gênero em exceção: o acesso às políticas públicas de enfrentamento à violência


pelas mulheres residentes em favela

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Políticas Públicas em
Direitos Humanos-PPDH, do Núcleo de Estudos
de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely
Souza de Almeida da Universidade Federal do Rio
de Janeiro-UFRJ, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestra em Políticas Públicas
em Direitos Humanos.

Aprovada em 25 / 02 / 2019.

___________________________________________
Profª Draª Lilia Guimarães Pougy – UFRJ

____________________________________________
Profª Draª Maria Celeste Simões Marques -UFRJ

____________________________________________
Profª Draª Tatiana Dahmer Pereira –UFF
Seremos Muitas Marielles’s

(...)

Marielle, você sabe… Sabia…


Nossos heróis e heroínas não morrem de overdose
Morrem executados
Enforcados
Ensanguentados
Desfigurados
Você virou símbolo porque sabia disso! Porque lutou contra isso!
Símbolo de um luto coletivo. De uma luta coletiva.
Você ocupou! Denunciou! Transformou! Nos representou!
Você tentou mover estruturas
E foi essa estrutura que se incomodou!

Seu assassinato nos apavora, mas nos deixa um recado:


Além da dor, a certeza de seu enorme e potente legado
A certeza de que não podemos ser UMA Marielle, senão viramos alvo
Temos que ser muitas, cada uma em sua esfera
Porque somos mulheres pretas, ninguém aqui é Cinderela
Não perdemos sapatos. Perdemos nossos filhos, irmãos, primos…
Perdemos nossa própria vida numa rua da Estácio…
São sempre nossas vidas. Não importa se na favela ou no asfalto.

(...)
Por Kamilla Valentim

Dedico esse trabalho à todas as mulheres negras oriundas


de favelas/periferias do Brasil, que ousam ocupar os
espaços que historicamente nos é negado!
“Não daremos nenhum passo atrás!”
AGRADECIMENTOS
“A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando
estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem
sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.”
Trecho do livro Quarto de despejo da autora Carolina Maria de Jesus

Primeiramente gostaria de agradecer a todas as mulheres negras de luta que vieram antes
de mim e que abriram o caminho para que hoje eu pudesse ocupar um espaço que historicamente
tem sido negado a população pobre, em maioria negra. Dentro dessas está a minha mãe, Gilza
dos Santos, que com muito suor, luta, esfregando muito chão de madame, proporcionou que eu
pudesse acessar a escola, a graduação e hoje a Pós-graduação, algo que ela foi impedida por
seu pai, mais também pelas próprias condições materiais que a vida e a estrutura de opressões
lhe impusera. Sua filha vai ser Doutora dona Gilza!!!! Mas, mais do que título, a verdade é que
nós somos doutoras da vida! Porque para sobrevivermos nesse mundo, a gente luta todo dia!
Agradeço com um carinho especial as mulheres residentes em Manguinhos, que
contribuíram na formação de quem eu sou hoje, que desde o meu nascimento, com suas ações
me ensinam o que é a solidariedade feminista das mulheres negras residentes em favela. Um
agradecimento especial a Darcília, Jane, Turia, Patrícia, Severina, mas conhecida como
neguinha, Gerônima, Dona Aninha in memória.
À Lilia Pougy, minha orientadora, gratidão e afeto! Os dois anos do mestrado, foram de
muitas mudanças e de descobrimentos em minha própria vida, o que me causou reboliços
internos. A própria escrita da dissertação contribuiu para que eu pudesse conhecer um pouco
melhor a minha própria história, me aceitar enquanto mulher negra, um processo que não é
fácil, e que trouxe muita dor, dor por compreender que a minha história foi/é negada, mas que
afirma-la é necessário para que eu possa continuar existindo, não só eu, mas as que virão depois
de mim. Lilia, feminista, acolher outras mulheres de luta faz parte do nosso ideal, e foi isso que
ela fez comigo. Obrigada pela acolhida, paciência, olhar atento e por compartilhar comigo seu
conhecimento e experiência, eles foram fundamentais para a construção desse trabalho.
Agradeço ao Professor Marildo Menegat, que de forma muito atenciosa e solidária, no
início da escrita da dissertação, a meu pedido, indicou-me várias bibliografias sobre a temática
do estado de exceção, o que contribuiu significativamente para a pesquisa e contribuirá para
futuras análises. A Professora Tatiana Dahmer, que considero uma parceira para as lutas em
prol de uma sociedade sem opressões. Obrigada pelo olhar aguçado e pela significativa
contribuição na análise desse trabalho. À Professora Maria Celeste, minha gratidão pelo aceite
em participar da banca, pelas contribuições tão importantes e pela direção tão competente do
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida-NEPP-
DH/SSA, unidade da UFRJ que pode ser considerada uma das pioneiras na implementação da
política afirmativa de cotas na pós-graduação na UFRJ, colaborar e lutar com a classe
trabalhadora requer ação. Em seu nome, também agradeço ao programa de pós-graduação!
À Monique Cruz, amiga de infância, Assistente Social, pesquisadora, gratidão pelas
trocas e reflexões cotidianas, por compartilhar a vida e as lutas comigo, pelo conhecimento
compartilhado e por toda solidariedade diária, sem você essa vida seria bem mais dura. À
Rachel Barros, amiga querida, inspiradora na luta cotidiana contra o racismo e o patriarcado,
agradeço por toda ajuda no compartilhamento de relatórios, livros para a construção deste
trabalho.
À Fase e ao Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro pelo importante trabalho executado
nos territórios de favela, que possibilitou através dos relatórios com a sistematização das
atividades realizadas, dar visibilidade a vida e as lutas das mulheres residentes em favela.
Às mulheres do Zacimba, coletivo de mulheres afroindígenas que faço parte, obrigada
pelas contribuições, afeto e exemplos diários de luta, vocês são incríveis!!! Às mulheres da
Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Institucional contra Mulheres, obrigada por todo
aprendizado e luta. Às mulheres do LIEIG da UFRJ, grupo de estudos de gênero, coordenado
pela Profª Lilia Pougy, obrigada pelas tardes de terça, por todo aprendizado compartilhado e
experiência vivenciada. Um agradecimento especial a Lilian Barbosa, Beth, Dayana e Rosária.
Agradeço também a Silvia Carvalho, Assistente Social, pesquisadora, que representa
um desses encontros inesperados, mas que na luta sempre é possível de encontrarmos. Sua garra
me inspirou!!! Obrigada por compartilhar um pouquinho dessa força comigo!
Gratidão ao meu querido Mestre da vida Dr. Daisaku Ikeda, que contribuiu com seus
incentivos e com a construção da Soka Gakkai, para que eu e muitos outros jovens pudessem
ter alternativas para o futuro, criar uma vida de valor e construir um eu inabalável. Só dá para
lutar pela justiça se conseguimos suportar e vencer os intempéries que aparecem a nossa frente,
para isso, antes de tudo é preciso vencer a nós mesmos! Aos Jovens da BSGI, especialmente do
Rio de Janeiro, gratidão por toda luta conjunta, sofrimentos, sonhos e alegrias compartilhadas.
A vida de vocês me inspira diariamente!
Por fim e tão importante, agradeço ao meu companheiro, Wellington Federico, pela
humanidade, solidariedade e amor que exala. Em tempos de ódio, viver ao lado de alguém como
você pode ser considerado privilégio.
SANTOS, Ariana Kelly dos. Violência de gênero em exceção: o acesso às políticas públicas
de enfrentamento à violência pelas mulheres residentes em favela. Rio de Janeiro, 2019.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos) – Núcleo de Políticas
Públicas em Direitos Humanos Suely de Souza Almeida, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

RESUMO
O trabalho examina como vem sendo implementada a Política Nacional de
Enfrentamento à Violência Contra às Mulheres-PNEV (2011) para as que residem em territórios
de favela. O campo escolhido para a investigação foi o território de Manguinhos, que em 2010,
através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), fundou a Casa da Mulher de
Manguinhos, primeiro Centro de referência de atendimento à mulher em situação de violência
do governo estadual em um território de favela. A metodologia utilizada foi a análise
bibliográfica, documental, de organizações governamentais, não governamentais, movimentos
sociais e matérias de jornais. O caminho percorrido iniciou na busca para identificar como se
configuram os territórios de favela, apreendendo a partir de uma perspectiva decolonial como
se desenvolveu na história a concepção dos sujeitos sem humanidade, o que contribui para que
na atualidade a população negra, moradora em maioria nas favelas, seja tratada pelo Estado
como não cidadãos. Procura apreender quais são as relações de dominação-exploração que
estruturam as desigualdades que atingem as mulheres desses territórios. Para obter dados sobre
a violência de gênero contra às mulheres em Manguinhos foi preciso recorrer aos relatórios
construídos por movimentos sociais ou instituições de direitos humanos, pois não foram
encontrados essa produção por órgãos governamentais, o que evidencia uma subnotificação e
invisibilidade dos casos de violência contra as mulheres nesse território. Sobre a PNEV(2011),
identificou-se que ela prevê o enfrentamento as várias formas de violência contra às mulheres,
fundamentando-se na compreensão de violência de gênero expressa pela Convenção de Belém
do Pará (1994), bem como reconhece que as opressões de raça e classe articuladas com as de
gênero, imprime a parte das mulheres maior condição de desigualdade, mas sua implementação
não é operacionalizada, o que proporciona a invisibilidade da condição sócio histórica das
mulheres residentes em favela, assim como as formas de violência de gênero que as atinge. A
exceção é a regra nos territórios de favela, sendo o Estado implementador de políticas públicas
intrusivas que não levam em consideração a realidade e as demandas dessa população, o que
contribui para reconfigurar as relações nos territórios, colaborando na piora da condição de vida
dessa população. Mesmo dentro do contexto desumanizador, de violação e de ataque aos
direitos sociais conquistados na Constituição de 1988, nas favelas encontra-se luta e resistência,
são apresentadas as diversas formas de organização das mulheres nesses territórios, suas lutas
e experiências, que vem proporcionando a coletivização das lutas, politizando e mostrando que
o pessoal é político, negando a dicotomia entre público e privado, demandando das políticas de
enfrentamento à violência contra às mulheres que o enfrentamento à violência de gênero requer
também o enfrentamento do racismo e do capitalismo, ou seja, apontam que uma luta inclui a
outra, assim a luta dessas mulheres, já se constitui como resistência ao projeto de desmonte de
direitos que está em curso no Brasil, sendo uma potência para rearranjar o campo político das
lutas sociais em prol de um novo projeto societário de emancipação humana.

Palavras-chave: violência de gênero; violência de gênero institucional; territórios de


favela; Manguinhos; exceção.
SANTOS, Ariana Kelly dos. Violência de gênero em exceção: o acesso às políticas públicas
de enfrentamento à violência pelas mulheres residentes em favela. Rio de Janeiro, 2019.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos) – Núcleo de Políticas
Públicas em Direitos Humanos Suely de Souza Almeida, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

ABSTRACT

The paper examines how the National Policy for Combating Violence Against Women
-NPCV (2011) has been implemented for those living in favela territories. The field chosen for
the investigation was the territory of Manguinhos, which in 2010, through the Growth
Acceleration Program (GAP), founded the Manguinhos Women's House, the first Reference
Center for care of women in situations of violence of the state government in a favela territory.
The methodology used was the bibliographical and documentary analysis of governmental,
non-governmental organizations, social movements and newspaper articles. The journey started
in the search to identify how the favela territories are configured, seizing from a decolonial
perspective how the concept of subjects without humanity developed in history, which
contributes to the fact that at present the black population, favelas, be treated by the state as
non-citizens. It tries to apprehend what are the relations of domination-exploitation that
structure the inequalities that affect the women of these territories. In order to obtain data on
gender violence against women in Manguinhos, it was necessary to resort to reports made by
social movements or human rights institutions, since this production was not found by
government agencies, which evidences an underreporting and invisibility of violence against
women in that territory. Regarding NPCV (2011), it was identified that it foresees facing the
various forms of violence against women, based on the understanding of gender violence
expressed in the Convention of Belém do Pará (1994), and recognizes that oppression of race
and class articulated with those of gender, the women share a greater condition of inequality,
but their implementation is not operationalized, which provides the invisibility of the socio-
historical condition of women living in the favela, as well as the forms of gender violence that
hits them. The exception is the rule in favela territories, where the state is implementing
intrusive public policies that do not take into account the reality and demands of this population,
which contributes to reconfiguring relations in the territories, contributing to the worsening of
the living conditions of this population. Even within the dehumanizing, violation and attacking
social rights conquered in the 1988 Constitution, there is struggle and resistance in the favelas,
the various forms of women's organization in these territories, their struggles and experiences
are presented, collectivization of the struggles, politicizing and showing that the personnel is
political, denying the dichotomy between public and private, demanding from the policies of
coping with violence against women that the confrontation with gender violence also requires
confronting racism and capitalism, point out that one struggle includes the other, so the struggle
of these women is already a resistance to the project of dismantling rights that is underway in
Brazil, being a power to rearrange the political field of social struggles for a new project society
of human emancipation.

Keywords: gender violence; institutional gender violence, favela territories; Manguinhos;


exception.
Sumário

Siglário.....................................................................................................................................12
Introdução...............................................................................................................................13
1. Motivação pelo tema.............................................................................................................14
2. Percurso Metodológico.........................................................................................................18
3. Estrutura Geral......................................................................................................................20

Capítulo 1- Decolonialidade, Gênero e Territórios de Favela..............................................23


1.1 A construção dos sujeitos sem humanidade.........................................................................23
1.2 O entrelaçamento entre as categorias de classe, gênero e raça - um debate necessário......34
1.3 A origem das favelas no Rio de Janeiro...............................................................................42

Capítulo 2- As políticas públicas de enfrentamento à violência contra às mulheres no


Brasil........................................................................................................................................48
2.1 Breve histórico....................................................................................................................48
2.2 Panorama das políticas públicas de enfrentamento à violência contra às mulheres no Brasil
de 2003 a 2018..........................................................................................................................50

Capítulo 3- Políticas Públicas, Mulheres e Territórios de favela.......................................69


3.1 A exceção é a regra nos territórios de favela......................................................................69
3.2 A implementação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra às mulheres
para as que residem em territórios de favela.............................................................................81
3.3 A resistência das mulheres residentes em favela às violações dos direitos humanos.........96

Considerações Finais.............................................................................................................101

Referências Bibliográficas....................................................................................................110
SIGLÁRIO

ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro


CEOM – Centro Especial de Orientação à Mulher
CIAM – Centro Integrado de Atendimento à Mulher
CAMM – Casa da Mulher de Manguinhos
ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LGBTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Transexuais
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PNEV – Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres
PNPM – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
SINAM – Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade
UPP – Unidade de Polícia Pacificadora
13

Introdução

O enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil, deve ser realizado tendo


como base os princípios, diretrizes e conceitos estabelecidos na Política Nacional de
Enfrentamento à Violência Contra às Mulheres (PNEV), criada em 2011, a partir do I Plano
Nacional de Políticas para às Mulheres realizado em 2004. As ações de enfrentamento ao
fenômeno já existem desde os fins da década de 1980, mas é somente a partir de 2003 que as
ações a nível federal se tornam mais vigorosas e organizadas. Mas, as mulheres são diversas,
será que a Política em questão responde as necessidades de todas as mulheres brasileiras de
forma igual?
Os territórios de favela são marcados desde a sua origem pela violação de direitos da
população pelo Estado. No fim de 1800 quando a primeira favela no Rio de Janeiro surgiu, o
fato ocorre pela expulsão da população pobre, em maioria negra, dos centros urbanos em
detrimento da valorização econômica (CAMPOS, 2012). Somado a isso, essa população que
foi expulsa dos centros urbanos, região que oferecia maior acesso a trabalho, foi excluída de ter
acesso a esse direito, assim como também ao direito a terras, o direito a ocupar cargos na
administração pública, ou seja, a maioria da população que foi ocupar esse espaço territorial foi
destituída de direitos, não consideradas como cidadãs/ãos. Na atualidade, os territórios de favela
não se modificaram, o Estado continua violando direitos, para nós se amplia o Estado penal e
se reduz as políticas sociais (WACQUANT, 2003), resultando em nossa morte cultural e vida.
É dentro desse contexto que se pretende investigar como vem sendo implementada a
PNEV (2011). Como é possível implementar uma política pública de enfrentamento à violência
contra as mulheres, para as que residem em territórios de favela, tendo estes a configuração de
violação de direitos perpetrada pelo Estado?
A pesquisa teve como ponto de partida para a análise a hipótese que a PNEV (2011) não
tem levado em consideração as necessidades das mulheres residentes em favela,
desconsiderando as diversas formas de opressões que nós vivenciamos e as configurações que
marcam o território em que vivemos.
Nesse sentido, a presente dissertação tem como objetivo analisar como vem sendo
implementada a PNEV (2011) para as mulheres que residem em territórios de favela no estado
do Rio de Janeiro, identificando seus limites e possibilidades, visando reconhecer possíveis
caminhos para o nosso acesso a direitos.
14

A análise focaliza o estudo a partir do ano de 2010, tendo como campo de investigação
o território de Manguinhos, onde foi fundado no ano em questão o primeiro Centro de
Referência de Atendimento à Mulheres em Situação de Violência em um território de favela
coordenado pelo governo estadual, a Casa da Mulher de Manguinhos, que surge como um dos
equipamentos sociais construídos no escopo do Programa de Aceleração do Crescimento-PAC.

1. Motivação pelo tema

O presente trabalho de dissertação é fruto de uma trajetória profissional e acadêmica


iniciada no período da graduação em Serviço Social no ano de 2010, quando me inseri ainda
em estágio acadêmico no campo das políticas públicas para as mulheres e iniciei a pesquisa
acadêmica com a realização de monografia de conclusão de curso sobre a área do enfrentamento
à violência contra as mulheres com o tema “O exercício profissional do Assistente Social em
instituições que oferecem atendimento à mulheres vítimas de violência doméstica no município
do Rio de Janeiro: dilemas, desafios e possibilidades postos ao serviço social para a elaboração
de projeto de intervenção” (SANTOS, 2011), defendida em 2011, reuniu elementos à
compreensão das formas do exercício profissional da categoria nos Centros de Referência de
Atendimento às Mulheres em Situação de Violência no Rio de Janeiro.
Após graduada iniciei minha trajetória profissional na Assessoria de Cooperação Social
da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca-ENSP/FIOCRUZ no campo da saúde e
direitos humanos, realizando, dentre outras, ações de assessoria a movimentos sociais de favela
e implementação de projetos de promoção ao exercício da cidadania feminina e de fomento a
organizações coletiva de mulheres no território de Manguinhos. Essa experiência contribuiu
para que eu ampliasse a minha concepção como moradora de Manguinhos, que até aquele
momento eu poderia dizer que era perpassada por uma visão preconceituosa e criminalizadora
da favela, mas após a pesquisa para a dissertação compreendo que era uma visão racista,
baseada em valores coloniais, embranquecedores, consequência de um processo de genocídio
da população negra que vem sendo perpetuado desde os tempos da escravidão, pois genocídio
não é só em si a morte física de um grupo, mas também a destruição de suas expressões sociais,
culturais, linguísticas (NASCIMENTO, 1978).
Enlaçada na discussão das relações de gênero, iniciei uma especialização
interdisciplinar em Gênero e Sexualidade em 2013 na qual pude desenvolver como monografia
final um projeto didático-pedagógico de planejamento institucional a partir da perspectiva
15

teórica que concebe as relações de gênero como categoria histórico-analítica, para ser
implementado em Centro de Referências de Atendimento às Mulheres em Situação de
Violência.
Nesse mesmo ano tomei posse como servidora pública efetiva na Prefeitura Municipal
de São Gonçalo, iniciando profissionalmente na equipe técnica como Assistente Social, no
Centro Especial de Orientação a Mulher - CEOM Zuzu Angel, uma instituição municipal
especializada para atendimento à mulheres em situação de violência. Paralelo ao trabalho na
instituição anterior, em 2015, retornei a trabalhar no território de Manguinhos, agora como
Coordenadora da Casa da Mulher de Manguinhos (CAMM), a primeira instituição estadual
voltada para atender casos de violência contra as mulheres em um território de favela. O
exercício profissional nas duas instituições, CEOM e CAMM, somados a minha experiência
como moradora de território de favela, me fez questionar como vinham sendo implementadas
as políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, para
as que residem em favela e decidir realizar a pesquisa sobre a temática.
Me lembro como se fosse hoje do principal caso atendido em que me fez aprofundar o
desejo de estudar sobre o tema: estava atendendo uma usuária negra, pobre, residente em favela,
que possuía quatro filhos, todos menores de 12 anos, ela foi atendida em uma sexta-feira por
uma colega Assistente Social e conforme avaliação de risco, a mesma foi encaminhada para o
abrigo de segurança previsto na PNEV (2011), após o fim de semana ela decidiu sair, foi quando
eu a atendi, uma vez que não era dia da profissional de referência, e ela manifestou o desejo de
ir para um abrigo assistencial de porta aberta, naquele dia não se conseguiu vaga no abrigo
esperado, nessa condição a usuária foi encaminhada para um abrigo provisório de família, da
assistência social, voltado para mulheres e crianças, com a promessa de que no dia seguinte ela
iria retornar para atendimento e a equipe presente iria dar encaminhamento a solicitação.
No dia seguinte segundo a Coordenação não teve profissional para atende-la, a usuária
permaneceu na instituição sem informações. No dia posterior chegando a instituição eu recebo
a orientação que a usuária deveria ser levada para o Conselho Tutelar, visto que a rede de
atendimento não tinha abrigo para ela, e o único abrigo que ela ficou nas noites passadas ela
não poderia retornar, porque a dona do abrigo (a instituição era privada, e em casos
encaminhados pela Secretaria de Assistência Social se realizava a entrada da usuária por
convênio) não queria mais sua presença na instituição, pois na noite anterior ela teria brigado
com outra interna. Essa situação era inconcebível: a mulher estava sendo atendida no serviço
que deve ser de proteção e assistência a ela e a Coordenação estava atuando de uma forma
16

culpabilizadora, suscitando a necessidade dos filhos serem levados para o Conselho Tutelar
para o equipamento decidir se aquela mulher tinha ou não o direito de ficar com os filhos, pois
a percepção da Coordenação era que a mãe por não querer ficar no abrigo de segurança estava
expondo os filhos ao risco.
Esse caso me angustiou profundamente, marcando o início de uma construção teórica
que até então eu não levava em consideração, que era a reflexão sobre as desigualdades sociais
a partir da articulação das opressões de gênero, raça e classe. Se aquela mulher fosse branca,
sem estar em condição de miserabilidade, o direcionamento para o Conselho Tutelar haveria
ocorrido? Além disso em todos os casos atendidos que as mulheres residiam em favela o inciso
IV do Art. 11 da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, não era cumprido. Informei numerosas
vezes as mulheres que a polícia não iria garantir esse direito a elas, pois o argumento dos
policiais eram que as favelas eram áreas de risco, que tinham questões mais importantes para
cuidarem, que para implementar esse artigo da Lei eles precisavam organizar todo um aparato
policial, que a situação não necessitava, nesse contexto, a hipótese desse trabalho emergiu.
O discurso feminista branco traz a retórica de que a violência contra as mulheres é
democrática, que ocorre com todas as mulheres, no que se concorda, mas esse discurso pode
ocultar que as mulheres são diversas e mascarar a forma como isso se dá, que não é uniforme e
nem homogênea para todas as mulheres.
Em 1851, participando da Convenção dos Direitos da Mulher em Ohio-Estados Unidos,
Sojourner Truth, mulher negra, nascida em um cativeiro em Nova York, abolicionista, escritora
e ativista dos direitos da mulher, já apontava a necessidade de uma concepção interseccional
das opressões vivenciadas pelas mulheres, colocando em cheque a universalização da categoria
mulher, através do seu discurso conhecido como “E eu não sou uma mulher?”, nele ela disse:

Bem, minha gente, quando existe tamanha algazarra é que alguma coisa deve estar
fora da ordem. Penso que espremidos entre os negros do sul e as mulheres do norte,
todos eles falando sobre direitos, os homens brancos, muito em breve, ficarão em
apuros. Mas em torno de que é toda essa falação? Aquele homem ali diz que é preciso
ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam
um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me
ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar!
E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu
plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou
uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha
o que comer – e também aguentei as chicotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco
filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de
mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher? E daí eles falam
sobre aquela coisa que tem na cabeça, como é mesmo que chamam? (uma pessoa da
plateia murmura: “intelecto”). É isto aí, meu bem. O que é que isto tem a ver com os
direitos das mulheres ou os direitos dos negros? Se minha caneca não está cheia nem
17

pela metade e se sua caneca está quase toda cheia, não seria mesquinho de sua parte
não completar minha medida? Então aquele homenzinho vestido de preto diz que as
mulheres não podem ter tantos direitos quanto os homens porque Cristo não era
mulher! Mas de onde é que vem seu Cristo? De onde foi que Cristo veio? De Deus e
de uma mulher! O homem não teve nada a ver com Ele. Se a primeira mulher que
Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o mundo de cabeça para
baixo, então todas as mulheres, juntas, conseguirão mudar a situação e pôr novamente
o mundo de cabeça para cima! E agora elas estão pedindo para fazer isto. É melhor
que os homens não se metam. (RIBEIRO, 2017, P.13)

Assim como Truth, o feminismo negro vem realizando o debate em uma perspectiva
interseccional, questionando a existência de um sujeito mulher único, universal, como a bell
hooks1, Audre Lorde, Lélia Gonzalez, produzindo também insurgências contra o modelo
dominante, mas o que ocorre é a invisibilização dessa produção, dessa retórica, por que existe
uma produção epistemológica hegemônica que nega a existência de outras experiências.
Gonzalez (1984) aponta que quem possui o privilégio social, possui o privilégio
epistêmico, ou seja, se quem possui o privilégio social é a população branca, a forma de
produção do conhecimento se dará da mesma forma. A retórica produzida como dominante será
a do discurso que tem como base a experiência da população branca, que se desenvolveu a partir
de uma explicação epistemológica eurocêntrica, as demais serão negadas, invisibilizadas,
ocultadas e combatidas.
Pela experiência vivenciada, compreendo que o feminismo tradicional baseado em uma
perspectiva eurocêntrica não responde as necessidades das mulheres residentes em favela, que
conforme a pesquisa evidencia são em maioria de mulheres negras e pobres. Por isso, busquei
referências teóricas de mulheres negras, de mulheres que vem realizando uma produção
acadêmica em uma perspectiva decolonial, pois mais do que compartilhar experiências
baseadas na escravidão, no racismo e no colonialismo, essas mulheres, partilham processos de
resistência (RIBEIRO, 2017).
Junto a isso, opto por realizar a escrita em primeira pessoa, pois falar de mulheres
residentes em favela, também é falar da minha história, significa ter fala própria como dizia
Gonzáles (1984), é enfrentar o processo de infantilização que nós negras/os residentes em favela
sofremos, falar em terceira pessoa, me distancia da minha realidade, me ilude tentando fazer
com que eu assimile que estou falando do outro e não da minha própria história e das histórias

1
A autora escreve seu nome em letra minúscula, argumenta que o mais importante é o conteúdo de suas
obras e não o seu nome, por isso, não realiza a grafia em letra maiúscula. Disponível em:
<http://grafiasnegras.blogspot.com/2013/10/personalidades-negras-bell-hooks.html> acesso em 02 de fevereiro de
2019.
18

das mulheres que vivenciam processos sociais de experiências compartilhadas comigo


enquanto grupo social que são estruturais, a produção do conhecimento não é neutra, embora a
ciência eurocêntrica/ocidental tente ainda reforçar essa imagem.
As produções teóricas sobre territórios de favela, se concentram em grande maioria no
campo do planejamento urbano, sociologia urbana, antropologia urbana (TRINDADE, 2012) e
trazem a reflexão das opressões de classe (LEEDs, 1978; ROCHA, 1995; VALLADARES,
2000; 2005;). Vem emergindo na cena política e acadêmica novos autores, oriundos de favela,
que contribuem para a produção do conhecimento sobre os territórios de favela a partir de novos
olhares, tendo a perspectiva interseccional, articulando classe, gênero e raça, como base para a
sua produção (CARVALHO, 2016; CRUZ, 2016; 2017;)
O que esses autores têm em comum? A experiência como moradores dos territórios
periféricos, e a partir desse lugar de fala2, compreendem o território como categoria importante
para a produção do conhecimento, realizando um debate estrutural que procura dar visibilidade
às condições sociais e às experiências desse grupo, que conforme se identifica na pesquisa, vem
tendo sua humanidade negada. Diante da dificuldade concreta de acesso ao ensino superior
pelos jovens dos territórios de favela, cada vaga criada, ocupada e com formação concluída pela
política de cotas para a população negra, estabelecida pela Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012,
se constitui como o resultado da luta dos nossos ancestrais, das nossas famílias, amigos e
comunidade. Sobre nós recai o compromisso de realizar uma produção epistemológica que dê
visibilidade a luta e a resistência dessa população, se apropriando do conhecimento para
melhorar suas condições de vida, em uma perspectiva emancipadora que vislumbre projetos
societários de emancipação humana.

2. Percurso Metodológico

Inicialmente a proposta metodológica para o desenvolvimento da pesquisa além de


examinar a produção teórica sobre a temática, previa a utilização dos dados do diário de campo

2
Lugar de fala é um conceito desenvolvido pela autora Djamila Ribeiro (2017) que refuta a existência de
uma epistemologia universal. Aponta a importância de se entender que quando se desenvolve um discurso, no
sentido da produção do conhecimento, o autor precisa reconhecer de que local na estrutura social ele fala.
Significa reconhecer que existem diversos saberes, diversas perspectivas de produção do conhecimento e não
somente uma única fala. Por exemplo, a branquitude é um lugar de poder, o homem branco fala a partir do seu
lugar, ou seja, o lugar do homem branco na estrutural social, o que não significa que esse discurso se adeque a
outros, como por exemplo ao homem negro, que está em condição inferior a este na estrutura da sociedade.
Assim não existe uma epistemologia universal, as epistemologias são localizadas, elas se constroem a partir do
local que ocupamos na estrutura social, e podem ser diversas. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=IcyFgc_DmxY>, acesso em 05 de fevereiro de 2019.
19

construídos no exercício profissional como Assistente Social na Casa da Mulher de


Manguinhos no ano de 2015 e no Centro Especial de Orientação a Mulher- CEOM Zuzu Angel
nos anos de 2013 à 2015 como fonte de dados de pesquisa empírica, para serem analisados a
partir dos documentos nacionais desde 2010 que direcionam as políticas públicas de
enfrentamento à violência contra às mulheres, quais sejam: Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (2013 -2015), Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
(2011), Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), Rede de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), Diretrizes Nacionais para o
Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência (2011).
A proposta visava identificar semelhanças e diferenças na implementação das políticas
públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres e no atendimento as mulheres
residentes em favela entre esses dois Centros, um que se localizava em território de favela, a
Casa da Mulher de Manguinhos e o Ceom Zuzu Angel, localizado em um bairro do município
de São Gonçalo. Pretendia-se identificar se as políticas mencionadas respondiam as
necessidades das mulheres residentes em favela, e no caso negativo, realizar possíveis
apontamentos para a construção de políticas públicas que possibilitassem o seu acesso aos
direitos.
A trajetória no mestrado foi realizada sem bolsa de fomento à pesquisa e simultânea
atividade laborativa, em razão do cumprimento do prazo, redirecionei a pesquisa para
identificar como ocorreu a implementação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência
Contra as Mulheres (2011), realizada no território de Manguinhos, através da constituição da
Casa da Mulher de Manguinhos, e para obter dados do território utilizei análise de fontes
bibliográficas, documentos publicados por instituições governamentais, não governamentais,
movimentos sociais e matérias de imprensa, descartando o uso do diário de campo e das
entrevistas previstas no projeto. Os únicos dados de atendimento da Casa da Mulher de
Manguinhos apresentados na pesquisa, foram retirados de apresentação realizada em audiência
pública na Assembleia Legislativa do Estado pela Subsecretaria de Políticas Públicas para as
Mulheres em 20153.
Tive dificuldades de encontrar a produção bibliográfica sobre o tema da violência de
gênero contra as mulheres relacionando a territórios de favela, de forma específica encontrei

3
Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas da violência contra as
mulheres no Estado. Disponível em: < http://www.deputadamartharocha.com.br/wp-
content/uploads/2016/03/Sum%C3%A1rio-Relat%C3%B3rio-CPI.pdf>, acesso em 05 de fevereiro de 2019.
20

somente uma pesquisa no Rio de Janeiro que fizesse a discussão (DAMASCENO, 2014), mas
que não contribuiu significativamente para a perspectiva de trabalho desejada.
Também não encontrei dados sobre à violência contra as mulheres a nível territorial
ou regional em bases estatísticas como o Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(SINAM), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), isso evidencia a invisibilidade das
experiências vivenciadas pelas mulheres residentes em favela, nesse sentido o trabalho em
questão se mostra ainda mais relevante, uma vez que conseguiu identificar como se configuram
os territórios de favela, as relações de dominação-exploração que estruturam as desigualdades
que atingem às mulheres residentes em favela, as formas de violência de gênero vivenciadas,
os limites da implementação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra às
Mulheres (2011) para esse público, os serviços que podem se aproximar e contribuir para
responder as necessidades dessas mulheres, identificar e apresentar formas de organização das
mulheres residentes em territórios de favela às violações de direitos humanos, que se constituem
em formas de resistência à intervenção estatal genocida que vem sendo implementada nos
territórios de favela pelo Estado Republicano, ou seja, foi possível atingir a maioria dos
objetivos específicos almejados no projeto de pesquisa e construir um material bibliográfico
para futuros pesquisadores sobre a temática.

3. Estrutura Geral

A dissertação se divide em três capítulos:


O primeiro, Decolonialidade, Gênero e Territórios de Favela, busca apreender como
vem se desenvolvendo a construção histórica de uma narrativa em que sujeitos são considerados
sem humanidade, que acredito ser importante para realizar o debate em como as políticas
públicas na contemporaneidade são implementadas para a população dos territórios de favela.
Para isso procurou-se compreender os conceitos de colonialidade/modernidade, elementos
entendidos como centrais para reconstruir a história dos povos oprimidos. Por não serem
considerados dotados de humanidade, suas lutas e experiências são negadas, se desenvolve um
padrão universal de indivíduo considerado humano. Procura-se apresentar quem é esse sujeito
universal dotado de humanidade, como essa narrativa se desenvolveu/desenvolve, quais foram
os grupos que tiveram sua humanidade negada, os impactos na vida dos grupos invisibilizados
e as categorias histórico-analíticas que contribuíram para dar visibilidade e resgatar a luta e a
resistência dos povos oprimidos.
21

O segundo capítulo As políticas públicas de enfrentamento à violência contra as


mulheres no Brasil, apresenta a conjuntura social a partir de 2003, no qual as políticas públicas
de enfrentamento à violência contra as mulheres se desenvolveram, criando vários marcos
conceituais, diretrizes e ampliando a rede de serviços de atendimento à mulheres em situação
de violência; logo em seguida expõe a conjuntura a partir de 2014, na qual os direitos sociais
conquistados na Constituição de 1988 passam a ser alvos da bancada política conservadora do
país, o que gera efeitos desastrosos para o desenvolvimento das políticas para às mulheres, além
disso apresenta elementos que contribuem para indicar em que direção caminha as políticas
para às mulheres a partir das eleições de 2018.
O terceiro e último capítulo Políticas públicas, mulheres e territórios de favela,
apresenta elementos que contribuem para compreender as configurações dos territórios de
favela na atualidade, as formas como o Estado atua nesses territórios e os impactos dessa
intervenção na vida das mulheres e da população residente em favelas. Expõe como foi criada
a primeira instituição especializada do governo estadual para atender mulheres em situação de
violência em um território de favela, a Casa da Mulher de Manguinhos e como a partir desse
equipamento foi implementada a Política Nacional de Enfrentamento Violência contra às
Mulheres (2011). Somado a isso apresenta as formas de organização das mulheres residentes
em favela, compreendidas como resistências às violações de direitos humanos, evidenciando
elementos que apontam que o enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres deva ser
compreendida como qualquer condição que inviabilize as mulheres de serem sujeitas de direitos
e exercitarem sua cidadania, a luta das mulheres residentes em favela demandam do poder
público o respeito a Convenção de Belém do Pará (1994) ratificada pelo Brasil em 1995 e a
implementação efetiva da PNEV (2011). Nesse sentido às mulheres residentes em favela
sinalizam que o enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres requer também o
enfrentamento do racismo e do capitalismo, isso significa que uma luta inclui e se relaciona
com a outra, portanto a nossa luta pode contribuir para a rearticulação do campo dos direitos
humanos não permitindo que a violência de gênero se compreenda como parte segmentada das
diversas violações existentes, mas que seu enfrentamento requer a unidade por um novo projeto
societário que vislumbre uma sociedade sem desigualdades, em que homens e mulheres sejam
verdadeiramente livres.
Nas considerações finais apresento elementos resultantes da pesquisa que contribuem
na reflexão acerca dos territórios de favela, em como a sua população tem sido tratada a partir
de um olhar colonizador e negador de humanidade/cidadania, como a PNEV (2011) contra às
22

mulheres foi implementada em Manguinhos a partir da fundação da Casa da Mulher de


Manguinhos e como a luta das mulheres residentes em favela pode servir de potencialidade para
rearranjar o campo político das lutas sociais em prol de um novo projeto societário de
emancipação humana.
23

CAPÍTULO 1 – DECOLONIALIDADE, GÊNERO E TERRITÓRIOS DE FAVELA

1.1 A construção dos sujeitos sem humanidade

“Tem sempre três, quatro mais nervosos e mais abusados e a gente mulher sofre mais
com isso. Minha filha estava tomando banho, dois policiais saíram entrando na minha
casa olhando tudo, um foi no banheiro e abriu a cortina com ela pelada dentro. Ela
gritou e ele disse “cala a boca sua piranha!” (Relatório do circuito de favelas por
direitos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, 2018, P. 6)

O fragmento acima é o relato de uma mulher que reside em uma das 30 favelas do Rio
de Janeiro na qual a Defensoria Pública em 2018 percorreu para a realização do circuito no
período da Intervenção Federal no estado, com o objetivo de se fazer presente nesses territórios
sendo um braço para a promoção e defesa dos direitos humanos, de forma oposta à atuação dos
agentes de segurança, como o exército, que nesse período estavam realizando e defendendo a
violação de direitos como forma de intervir nesses territórios4.
A implementação de políticas públicas que possibilitem o acesso a direitos, só se realiza
na modernidade quando se concebe a existência de um sujeito que tem humanidade, que é
detentor de uma cidadania. O Estado democrático enquanto instância prevista na Constituição
de 1988 se destina a assegurar o exercício dos direitos5, mas a ação Estatal nos territórios de
favela no Rio de Janeiro, desde a sua origem, vem sendo marcada por uma ação de negação
e/ou de violação de direitos a essa população, fortemente caracterizada por ações violentas, que

4
O próprio Ministro da Defesa no período, Raul Jungmann, fez a afirmação da necessidade de se utilizar
mandados coletivos para entrar nas residências dos moradores de favela, o que viola os direitos individuais,
descritos no Art. 5º, inciso XI da Constituição de 1988. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/ministro-da-defesa-diz-que-operacoes-no-rio-vao-precisar-de-mandados-de-busca-e-apreensao-
coletivos.ghtml> , acesso em 10 de fevereiro de 2019. Identificou também o cerceamento da liberdade de ir e vir
em ação na Vila Kennedy, na qual militares do exército estavam impossibilitando as pessoas de saírem da favela
se estivessem sem documentos, pois para saírem era necessário realizar um fichamento dos moradores,
disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/moradores-deixam-comunidades-apos-
serem-fotografados-em-acao-do-exercito.shtml> , acesso em 05 de fevereiro de 2019.
5
Trecho identificado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
24

na atualidade por exemplo resulta em um alto índice de homicídios de jovens, em maioria


negros, desses territórios6.
Somado a isso, se tem a implementação de políticas públicas ineficazes, sem recurso,
sem o reconhecimento das necessidades da população desses territórios, agindo como um
verdadeiro invasor em suas relações e culturas.
Identificando esse panorama, o presente subtítulo tem como objetivo contribuir para a
apreensão de como se configura o Estado contemporâneo e sua forma de atuação nos territórios
de favela, visando compreender como se desenvolveu na história a concepção dos sujeitos sem
humanidade. Como se define quem é ou não cidadã/ão? Quem pode ou não ter direitos? e como
essa concepção impacta na vida das mulheres residentes nesses territórios.
Para realizar essa discussão utilizo o conceito de colonialidade/modernidade
apresentado por Quijano (2005), que reconstrói a história dos povos violentados em um período
no qual pela leitura hegemônica eurocêntrica, foi um momento importante pelos diversos
movimentos “revolucionários” ocorridos na Europa. Essa concepção apaga a violência que os
povos colonizados estavam vivenciando na América e na África para a consolidação desses
processos. Na concepção eurocêntrica hegemônica esse período é o mesmo que marca o
embrião do que hoje concebemos como Estado democrático de direitos, que se baseia em uma
concepção que tem por fundamento o processo civilizatório iluminista e as revoluções
burguesas (CARVALHO, 2016). Esses dois conceitos são importantes por trazer elementos
para entender como a população residente em favela é tratada na atualidade pelo Estado, e como
o discurso de civilização/disciplinamento dos corpos dessa população se relaciona com um
processo anterior, iniciado na colonização do país, no qual ao mesmo tempo que se desenvolvia
um Estado de direitos na Europa, para a população com humanidade, se desenvolvia um
processo violento e genocida para a população das Américas e África, consideradas sem
humanidade.
Quijano (2005) apreende a mundialização do capital, como um novo padrão de poder,
que só se constitui como mundial a partir da colonização do território que hoje conhecemos
como América, e que possui dois elementos centrais, a colonialidade7 e a modernidade:

6
No período da Intervenção Federal no Rio de Janeiro entre fevereiro e dezembro de 2018 foram
contabilizados 1375 mortos por intervenção de agentes do Estado. Número que aumentou em 33% com relação ao
ano de 2017. Disponível em: < https://drive.google.com/file/d/1QI8bwWWsGllautm_Dz4f-
fcF0QwCcQMY/view> , acesso em 25 de janeiro de 2019.
7
De acordo com Quijano (2009, p. 73), o termo difere de colonialismo, pois esse se refere estritamente a
uma estrutura de dominação/exploração em que uma população domina outra de diferente identidade e cujas sedes
centrais estão localizadas em outra jurisdição territorial. Essa estrutura de dominação/exploração, nem sempre e
25

A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do


poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da
população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada
um dos planos, meios e dimensões, materiais e subjetivos, da existência social
cotidiana e da escala societal. Origina-se e mundializa-se a partir da América.
Com a constituição da América (Latina), no mesmo momento e no mesmo movimento
histórico, o emergente poder capitalista torna-se mundial, os seus centros
hegemônicos localizam-se nas zonas situadas sobre o Atlântico – que depois se
identificarão como Europa – e como eixos centrais do seu novo padrão de dominação
estabelecem-se também a colonialidade e a modernidade. Em pouco tempo, com a
América (Latina) o capitalismo torna-se mundial, eurocentrado, e a colonialidade e
modernidade instalam-se associadas como eixos constitutivos do seu específico
padrão de poder, até hoje.

No decurso da evolução dessas características do poder atual foram-se configurando


novas identidades societais da colonialidade – índios, negros, azeitonados, amarelos,
brancos, mestiços – e as geoculturais do colonialismo, como América, África,
Extremo Oriente, Próximo Oriente (as suas últimas, mais tarde, Ásia), Ocidente ou
Europa (Europa Ocidental, depois). E as relações intersubjetivas correspondentes, nas
quais se foram fundindo as experiências do colonialismo e da colonialidade com as
necessidades do capitalismo, foram-se configurando como um novo universo de
relações intersubjetivas de dominação sob hegemonia eurocentrada. Esse específico
universo é o que será depois denominado como a modernidade.
(QUIJANO, 2009, P. 73-74)

A “codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça”


(QUIJANO, 2005, p. 117), ocorre pela colonialidade, se realizando a partir de uma suposta
diferença na estrutura biológica que situa uns em condição natural de inferioridade em relação
a outros, se fundamenta um dos principais elementos das relações de dominação necessários
para legitimar a dominação do território denominado como Américas.
O autor nos traz a reflexão de que raça em seu sentido moderno, só aparece na história
com a colonização da América e que a formação das relações sociais fundadas nessa perspectiva
produziu novas identidades sociais, bem como a associação dessas identidades a uma hierarquia
e lugares sociais correspondentes ao padrão de dominação que se impunha:

A formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na América identidades


sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras. Assim,
termos como espanhol e português, e mais tarde europeu, que até então indicavam
apenas procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram também,
em relação às novas identidades, uma conotação racial. E na medida em que as
relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais
identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes,
com constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se
impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como
instrumentos de classificação social básica da população.

nem necessariamente implica relações racistas de poder.


26

Com o tempo, os colonizadores codificaram como cor os traços fenotípicos dos


colonizados e a assumiram como a característica emblemática da categoria racial.
(QUIJANO, 2005, p. 117)

Portanto, a ideia de raça relacionada aos traços fenotípicos foi uma invenção dos
“conquistadores” para legitimar as relações de dominação necessárias para a conquista dos
territórios e dos povos que aqui existiam. Os dominados foram situados na condição de
inferioridade, assim como seus traços fenotípicos, suas descobertas mentais e culturais. Com a
construção da Europa como nova identidade após a constituição da América e a ampliação do
colonialismo europeu ao resto do mundo, se conduz a uma: “elaboração da perspectiva
eurocêntrica do conhecimento e com ela a elaboração teórica da ideia de raça como
naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus”
(QUIJANO, 2005, 118). Deste modo, para o autor, raça se converte como primeiro critério
fundamental para a distribuição hierárquica da população na estrutura de poder da nova
sociedade.
Outro elemento importante, que se imbrica com a raça na configuração do capitalismo
mundial é a nova estrutura de controle do trabalho. Para Quijano (2005), no processo de
constituição da América, todas as formas de controle e exploração do trabalho, assim como, de
controle da produção-apropriação e distribuição dos produtos, foram articuladas em torno do
capital e do mercado mundial. Todas as formas de controle do trabalho (escravidão, servidão,
pequena produção mercantil, reciprocidade e o salário) para ele eram históricas e
sociologicamente novas, porque foram organizadas para produzir mercadorias para o mercado
mundial, porque existiam simultaneamente no mesmo espaço/tempo e se articulavam com o
capital e com o seu mercado e por esse meio entre si. Para o autor estabeleceu-se uma nova e
singular estrutura de relações de produção na história:

Na medida em que aquela estrutura de controle do trabalho, de recursos e de produtos


consistia na articulação conjunta de todas as respectivas formas historicamente
conhecidas, estabelecia-se, pela primeira vez na história conhecida, um padrão global
de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos. E enquanto se constituía
em torno de e em função do capital, seu caráter de conjunto também se estabelecia
com característica capitalista. Desse modo, estabelecia-se uma nova, original e
singular estrutura de relações de produção na experiência histórica do mundo: o
capitalismo mundial. (QUIJANO, 2005, P. 118)
27

Relacionando colonialidade do poder e capitalismo mundial, o autor traz a reflexão de


que as novas identidades produzidas sobre a ideia de raça foram relacionadas à natureza dos
papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho. Assim raça e divisão do
trabalho, foram estruturalmente associados reforçando-se mutuamente, embora nenhum dos
dois seja dependente do outro para existir ou transformar-se.
Destarte, impôs-se uma divisão racial do trabalho, na área hispânica se determinou o
fim da escravidão dos índios, confinando-os na estrutura da servidão, os negros foram reduzidos
a escravidão, os espanhóis e portugueses como raça dominante, podiam receber salários, ser
produtores independentes de mercadorias e apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos
cargos da administração colonial, civil ou militar (QUIJANO, 2005).
O autor traz a importante reflexão como raça e trabalho se articulam para o controle e
dominação dos grupos sociais, e segundo ele, esse mesmo processo se impôs para toda a
população em escala global com a expansão mundial da dominação colonial por parte dos
brancos, que hoje conhecemos como europeus. Assim, cada forma de controle do trabalho foi
articulada a uma raça particular, com isso, o controle de uma forma específica de trabalho
também era o controle de um grupo dominado específico, assim, raça e trabalho se articulam
aparecendo como naturalmente associadas e que para o autor tem sido excepcionalmente bem
sucedido.
A imposição do domínio colonial da Europa sobre as demais regiões do planeta, implica
para os territórios e populações um processo de “re-identificação histórica” (QUIJANO, 2005,
p. 121), pois foram-lhe atribuídas novas identidades geoculturais a partir da Europa:

A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único mundo


dominado pela Europa, significou para esse mundo uma configuração cultural,
intelectual, em suma intersubjetiva, equivalente à articulação de todas as formas de
controle do trabalho em torno do capital, para estabelecer o capitalismo mundial. Com
efeito, todas as experiências, histórias, recursos e produtos culturais terminaram
também articulados numa só ordem cultural global em torno da hegemonia europeia
ou ocidental. Em outras palavras, como parte do novo padrão de poder mundial, a
Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de
controle da subjetividade, da cultura, e em especial do conhecimento, da produção do
conhecimento. (QUIJANO, 2005, P.121)

Quando os ibéricos “conquistaram” nomearam e colonizaram a América, existia uma


gama de distintos povos, cada um com sua história, memória, cultura, como conhecemos hoje
os maias, astecas, incas, trezentos anos depois todos eles tiveram sua identidade uniformizada
28

e reduzida a índios, assim também ocorreu com os povos trazidos involuntariamente da África,
foi criada uma nova identidade racial, colonial e negativa.
Para o autor os Europeus criaram uma nova perspectiva temporal da história,
reescrevendo a história da cultura e dos povos colonizados no passado, em uma trajetória em
que o futuro destes culminava na cultura Europeia. Os povos colonizados eram raças inferiores
e por isso anteriores aos europeus. Desse ponto de vista as relações culturais entre a Europa e o
resto do mundo foram relidas a partir de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-
civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-moderno, Europa e não-
Europa. Nessa classificação entre europeu e não-europeu, raça é uma categoria básica, a única
categoria que foi reconhecida como o outro da Europa ou “Ocidente”, foi o “Oriente”, os índios
da América e os negros da África foram simplesmente considerados primitivos. Nesse sentido,
essa perspectiva binária do conhecimento, se impõe de forma hegemônica simultaneamente a
expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo (QUIJANO, 2005). Dessa forma, se
constrói uma compreensão evolutiva da história da civilização humana, tendo início em um
estado de natureza e culminando na Europa, somado a isso, dá sentido as diferenças entre
Europa e não-Europa como diferenças de natureza racial e não de história de poder.
A perspectiva eurocêntrica da modernidade, tendo fundamento no dualismo, separa o
“corpo” e o “não-corpo”, dois elementos que eram concebidos anteriormente como duas
dimensões não separáveis do ser humano. O processo de separação entre esses elementos faz
parte da história do mundo cristão, sobre o fundamento da ideia de primazia da “alma” sobre o
“corpo”. Quijano (2005) traz à baila que essa primazia da “alma” surge entre o século XV e
XVI, a partir da cultura repressiva do cristianismo, resultado dos conflitos entre muçulmanos e
judeus, no período da inquisição, em que o corpo foi o objeto da repressão e a alma pôde
aparecer quase separada das relações intersubjetivas do interior do mundo cristão. Mas essa
questão só vai ser debatida posteriormente, por Descartes, que culmina no processo de
secularização burguesa do pensamento cristão.
Descartes, altera a coexistência da abordagem dualista sobre "corpo" e "não-corpo", a
converte numa radical separação entre "razão/sujeito" e "corpo". A razão não é somente a
secularização da ideia de "alma" no sentido teológico, mas uma transformação para uma nova
identidade, a "razão/sujeito" é a única entidade capaz de conhecimento racional, o corpo se
torna "objeto" de conhecimento. A partir desse prisma, o ser humano é um ser dotado de "razão"
mais esse dom se localiza exclusivamente na alma.
29

É essa objetificação do corpo como natureza, retirando-o do âmbito do “espírito”, que


colabora com a fundamentação científica do problema da raça durante o século XIX, que
condena certas raças a inferiores por não serem concebidas como sujeitos racionais, e por isso,
seus corpos podem ser objetos de estudo, convertendo-os assim em domináveis e exploráveis.
Nessa concepção de processo evolutivo de estado de natureza para processo civilizatório que
tem como resultante a civilização europeia, algumas raças, negros, índios, oliváceos, asiáticos,
nessa sequência, estão mais próximos da “natureza” que os brancos. Somente a partir dessa
concepção é que é possível os povos não-europeus serem considerados até a segunda guerra
mundial, antes de tudo como objetos de estudo e de dominação/exploração dos europeus.
Dessa forma, se nota, como se produz historicamente a concepção de humanidade da
modernidade, o humano, o sujeito/razão é, homem, branco, europeu, cristão, heterossexual e
com ele toda sua cultura, produtos e relações. Com essa apreensão me chama a atenção que
Quijano (2005; 2009), embora traga importante reflexão sobre os elementos da
colonialidade/modernidade e realize uma intersecção entre trabalho e raça, não abarca em suas
reflexões a questão das relações de gênero, dessa forma, dialogamos também com Lugones
(2014).
A autora realiza uma crítica a Quijano (2002, 2005, 2009) apontando que essa falha
ocorre devido a uma concepção patriarcal e heterossexual das disputas pelo controle do sexo,
seus recursos e produtos, que o autor aceita uma compreensão capitalista, eurocentrada e global
de gênero, marco de análise que oculta as maneiras como as mulheres colonizadas, não brancas,
foram subordinadas e desprovidas de poder.
Segundo a autora entender os traços históricos da organização do gênero no sistema
moderno/colonial de gênero, que são o, dimorfismo biológico e a organização patriarcal e
heterossexual das relações sociais, é central para uma compreensão da organização diferencial
de gênero em termos raciais. O dimorfismo biológico, a dicotomia homem/mulher, a
heterossexualidade e o patriarcado são características do que a autora chama de lado visível da
organização colonial/moderna do gênero. Assim, a autora complexifica a análise da
colonialidade do poder apresentada por Quijano, e inclui elementos para pensar no que ela
denomina de “el sistema moderno-colonial de género” (LUGONES, 2014, P.58)
Lugones (2014) aponta que a compreensão a partir dos eixos estruturais apresentada por
Quijano (2002) mostra o gênero como constituído por e constituinte da colonialidade do poder.
Nesse sentido não tem uma separação de raça e gênero na apreensão do autor, o que ela
considera importante, mas destaca que o eixo de colonialidade não é suficiente para dar conta
30

de todos os aspectos das relações de gênero. Para ela, existe uma descrição de gênero que não
se é questionada e é hiper-biologizada, o que pressupõe o dimorfismo sexual, a
heterossexualidade, a distribuição patriarcal do poder e outras pressuposições capitalistas
eurocêntricas.
Para a autora as sociedade do mundo-aldeia não eram organizadas pelas relações de
gênero, não existia uma classificação sexual binária, uma dicotomia entre homem/mulher,
assim indivíduos intersexuais eram reconhecidos sem serem classificados binariamente, essa
classificação sexual segundo a autora só ocorre com a colonização; somado a isso, existia uma
compreensão do gênero em termos igualitários, não existia subordinação e nem produção do
conhecimento sobre tal assunto, o que só passa a existir a partir de uma visão eurocentrada.
Lugones (2014) aponta que é importante considerar as mudanças que a colonização traz,
para entender o alcance da organização do sexo e do gênero sob o colonialismo e o interior do
capitalismo global e eurocentrado. Para a autora o sentido de gênero introduzido pelo ocidente
é uma ferramenta de dominação que designa as categorias sociais que se opõem de forma
binária e hierárquica, assim o surgimento de mulher como uma categoria reconhecível, definida
anatomicamente e subordinada ao homem em todo tipo de situação, resultou em parte, da
imposição de um Estado colonial patriarcal. Para elas a colonização foi um processo duplo de
inferiorização racial e subordinação de gênero.
Portanto, Quijano em suas obras, utiliza os termos hegemônicos do sistema de gênero
colonial/moderno, não questionando-os, o que excluem as mulheres colonizadas da maioria das
áreas da vida social em vez de pô-las em evidência, nesse sentido, suas análises são limitantes
para apreender a organização social que também são estruturadas pelas relações de gênero.
O destaque da autora se faz necessário, porque identifica a não visibilidade pelo autor
de uma das relações de opressão que é fundamental para refletir sobre o trabalho descrito, mas,
existem outras autoras que discordam de Lugones (2014), apontando que mesmo nas tribos
indígenas existiam uma estrutura organizacional de gênero, embora com um patriarcado de
baixa intensidade (SEGATO, 2014). O importante a ressaltar é que existiam formas de
organização social de gênero diferentes no mundo-aldeia, que no mundo moderno são
inconcebíveis, mas que só se tornam “impossíveis” a partir de uma ação colonial violenta e
dominadora.
O período de reformas8, estruturadas por fundamentos eurocêntricos influencia
diretamente na construção do liberalismo político do século XVII, que tem como premissa

8
Reforma protestante e o movimento renascentista que ocorrem no século XVI.
31

básica a universalidade da experiência europeia sustentada no direito à propriedade privada


individual, sendo Locke, filósofo inglês, um de seus pensadores.
Para esse pensador o direito subjetivo, individual é o que deve constituir o direito
objetivo, social, assim a ordem da sociedade deverá responder à faculdade do indivíduo, não
existindo direito legitimo fora desse arranjo. Por isso, não há problemas em colonizar a
América, pois os povos que habitavam esta terra, não respondiam as exigências dessa
concepção, sua ocupação e exploração não produziam direitos individuais (LANDER, 2005,
P.10)
É esse pensamento que influencia as revoluções burguesas do século XVIII
(CARVALHO, 2016), que aponta a partir de uma visão eurocêntrica a transição do modo de
produção feudal para a construção do modo de produção capitalista.
A revolução francesa, ocorrida em 1789, que culmina na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, evidencia quem são os sujeitos com humanidade, literalmente são
homens. Olympe de Gouges, feminista, liberal e ativista política da época, evidencia
drasticamente, essa concepção, ao questionar a ordem patriarcal, escrevendo a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791 e lutando pelos direitos das mulheres, no caso,
mulheres brancas, da burguesia, sendo guilhotinada em 1793. Assim, o slogan liberdade,
igualdade, fraternidade, lema da revolução francesa, nada mais era que a liberdade, a igualdade
e a fraternidade entre os homens com humanidade, excluindo aqui as mulheres, negros e pobres.
Segato (2016), autora que também reflete sobre esse padrão de poder que tem como
eixos centrais a colonialidade/modernidade, destaca que o patriarcado é o arranjo político mais
primitivo e permanente da humanidade, embora seja agravado e transformado para uma
condição que aumenta a morte de mulheres pelo processo da colonização. Para ela a primeira
colônia é o corpo das mulheres (SEGATO, 2016, P. 19).
A tradição judaico-cristã, cultura religiosa que influenciou as relações sociais da Europa
e consequentemente as nossas relações sociais é extremamente patriarcal, atribuindo à mulher
o papel subalterno e inferior ao homem (LIMA, 2010). Somos concebidas como o ser que nasce
após o homem e a partir dele (de sua costela); a nós é atribuído o mito do pecado e
responsabilidade pelo sofrimento da humanidade. Com a história de Adão e Eva, a mulher passa
a ter o significado do mal, do pecado, sendo objeto impuro. Deus-pai é homem, assim, já se
retira a mulher a possibilidade da condição de divindade.
Destarte, essa cultura religiosa considera os homens os senhores do mundo e suas
mulheres seus apêndices, que servem exclusivamente para responder as necessidades dos
32

homens, conferir-lhes descendência, gerir e cuidar dos afazeres domésticos e educar os filhos
(LIMA, 2010).
Lima (2010) aponta que essa concepção de que pela vontade de Deus os homens eram
os seres dominantes e as mulheres os seres que deviam obediência, torna-se hegemônica a partir
do século IV, com o domínio espiritual da igreja católica sobre o mundo ocidental. Os manuais
de inquisição que contribuíram para executar inúmeras mulheres, se baseavam na concepção
judaica do mundo, concebendo o corpo da mulher como impuro, como um obstáculo para o
exercício da razão, Lima (2010) destaca:

Assim, para Santo Agostinho, os homens refletem o Espírito de Deus no corpo e na


alma. A mulher, diferentemente, possui reflexos de Deus apenas na alma, pois seu
corpo constitui obstáculo ao exercício da razão. Para São Tomás, a mulher foi criada
mais imperfeita do que o homem mesmo no que toca à sua alma. Graciano, no século
XII, principal fonte jurídica do Direito Canônico até nossos dias, baseando-se em
Santo Agostinho e Santo Ambrósio, chega à conclusão de que Deus, ao criar
primeiramente o varão, imprimiu somente nele a sua imagem. (LIMA, 2010, P. 5)

Essa visão permaneceu durante a Idade-Média e mesmo no período do Renascimento a


sociedade se mantinha presa a essas concepções preconceituosas medievais cristãs. Com as
reformas, se procura romper com a explicação teológica do mundo, racionalizando suas bases,
porém, a ciência não nasce sem pré-concepções, a ciência ocidental se origina como resultado
de uma amalgama entre ciência e religião e o discurso científico irá manter as concepções
herdadas contra as mulheres e somente no último século foi possível questionar no campo
científico essa ciência androcêntrica (LIMA, 2010).
Nesse sentido, o paradigma de mulher que se reforça com a colonialidade/modernidade,
são de mulheres brancas, cristãs, que serve ao marido, que cuida dos filhos e da família, que
está à disposição para responder as necessidades sexuais do marido e ser fiel, afinal seu papel
nessa relação é dar continuidade a descendência do marido e com o advento da propriedade
privada no liberalismo, assegurar a herança para os filhos “legítimos”9.
Quando os colonizadores chegam no território em que hoje conhecemos como América,
essa cultura era inexistente, existiam outras formas de relações entre os gêneros, comunitárias
e sociais, Segato (2014) aponta que antes da colonização existia um patriarcado de baixa
intensidade, reconhecendo que existiam estruturas com hierarquias definidas de masculinidade
e feminilidade que se relacionam com figuras que podem ser identificadas como mulheres e

9
Concebidos nessa relação conjugal.
33

homens, ou seja, já existia o que hoje denominamos de relações de gênero, mas, embora
existisse o reconhecimento desses papéis, existia um transito entre essas posições10, o que na
modernidade ocidental é obstruído.
A autora evidencia que também é identificado nesses povos, a dimensão de uma
construção de masculinidade que tem acompanhado a humanidade ao longo do tempo e da
espécie, que ela denomina “pré-história patriarcal de la humanidade” (SEGATO, 2014, p. 78).
Para a autora essa masculinidade se caracteriza pela construção de um sujeito que tem que
passar a vida atravessando provações e enfrentando a morte, tem que provar suas habilidades
de resistência, agressividade, capacidade de domínio, para poder apresentar aos seus pares sua
potência: bélica, política, sexual, dentre outras, somente assim ele poderá ser reconhecido como
sujeito masculino.
Assim, quando ocorre a colonização tendo como eixos centrais a
colonialidade/modernidade, as relações de gênero são fortemente modificadas, e esse
patriarcado que antes era de baixa intensidade se torna de alta intensidade e os homens dos
povos vencidos começam a exercitar uma ação entre dois mundos, sendo leais a sua gente por
um lado, mas também sendo leal ao mandato de masculinidade por outro. Se introduz no
mundo-aldeia11 a lógica eurocêntrica de humanidade universal, que pertence aos homens, assim
como sua relação com a esfera pública, e o espaço doméstico, relacionado as mulheres, se
transforma em adjetivo de íntimo e privado, se esvazia do seu valor político e dos vínculos
corporativos que tinha na vida comunitária, se transformando no resto da política. Essa mutação
no espaço doméstico fragiliza a vida das mulheres, aumenta sua vulnerabilidade e letalidade
(SEGATO, 2014).
Portanto, a mulher ideal dessa sociedade eurocêntrica, é a mulher que põe em prática os
valores assentados na cultura judaico-cristã apresentada anteriormente, valores que serão
reforçados e cobrado das mulheres na história, e para manutenção do poder patriarcal, pode as
mulheres sofrerem todos os tipos de dominação-exploração.
Assim, acredito que os dois eixos apresentados por Quijano (2005; 2009) do novo
padrão de poder, articulados com as reflexões trazidas por Lugones (2014) e Segato (2014) tem

10
“es sabido, pueblos indígenas, como los Warao de Venezuela, Cuna de Panamá, Guayaquís [Aché] de
Paraguay, Trio de Surinam, Javaés de Brasil y el mundo incaico pre-colombino, entre otros, así como una cantidad
de pueblos nativo-norte-americanos y de las primeras naciones canadienses, además de todos los grupos religiosos
afro-americanos, incluyen lenguajes y contemplan prácticas transgenéricas estabilizadas, casamentos entre
personas que el occidente entiende como siendo del mismo sexo, y otras transitividades de género bloqueadas por
el sistema de género absolutamente enyesado de la colonial/modernidad.” (SEGATO, 2014, P. 78)
11
Mundo-aldeia para Segato (2014) representa as relações sociais antes da ação colonial no território em
que hoje é denominado de América.
34

importância fundamental para realizar a discussão sobre as mulheres residentes em favela,


porque a produção eurocêntrica se tornou hegemônica no mundo e a conformação do Estado
contemporâneo se baseia e é fortemente influenciada por ela (LANDER, 2005). Assim, a
construção das políticas públicas tem em seu interior elementos constitutivos do eurocentrismo,
que se constitui como processos intrusivos pseudo civilizatórios, assim como a sua execução,
o que consequentemente, aprofunda as desigualdades entre a população, e como diz o autor “o
eurocentrismo não é exclusivamente, portanto, perspectiva cognitiva dos europeus, ou apenas
dos dominados do capitalismo mundial, mas também do conjunto dos educados sob a sua
hegemonia” (QUIJANO, 2009, 74).
Ouso perguntar, as mulheres residentes em favela hoje, tem características próximas a
concepção de humano originada na visão eurocêntrica?

1.2. O entrelaçamento entre as categorias de classe, gênero e raça - um debate necessário

O debate realizado nessa pesquisa se origina a partir de uma perspectiva das relações de
gênero, compreendendo gênero como uma categoria histórico-analítica que permite apreender
a complexidade das relações sociais (ALMEIDA, 2007).
Compreendo que as mulheres são diversas, e que historicamente o feminismo de origem
branco, ocidental falhou em compreender a sua heterogeneidade, solicitando que todas as
mulheres do mundo não brancas e pobres apoiassem as suas bandeiras, mas não levando em
consideração a realidade social dessas mulheres, invisibilizando suas condições sociais e suas
lutas (CARNEIRO, 2011; DAVIS, 2013, 2017; SAFFIOTI, 1992, 1997, 2004; POUGY, 2018).
Segundo Gonzalez (2011) tal fato ocorreu a partir da inclinação eurocentrista do
movimento, universalizando os valores de uma cultura específica, a ocidental, para o conjunto
de mulheres, sem articular com a questão racial, esquecendo a resistência e luta das mulheres
negras, e das mulheres pobres que lutavam contra a exploração dos patrões, o que proporcionou
por um tempo uma invisibilização da condição social dessas mulheres.
Falar em população residente em favelas na atualidade, necessariamente é falar de uma
maioria de mulheres negras e empobrecidas. Segundo o Data Favela (2015) residem em favelas
12,3 milhões de pessoas, sendo 67% destas negras/os, mais da metade, 6,3 milhões sendo de
mulheres, dessas 69% são de mulheres negras.
Corroborando com tais dados, o perfil das 509 mulheres que realizaram o primeiro
atendimento na Casa da Mulher de Manguinhos no ano de 2014, 74% eram negras, 35%
35

recebiam menos que um salário mínimo que era de R$ 724,00, 33% não tinham renda e 30%
recebiam de 1 a 3 salários mínimos, nenhuma mulher atendida naquele ano recebia mais que 3
salários mínimos (Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Estado do Rio de Janeiro,
2015). A condição da renda e cor das mulheres atendidas nesse Centro difere do perfil das
mulheres atendidas no CIAM Márcia Lyra, Centro que se localizada no bairro do Centro do Rio
de Janeiro.
O perfil das mulheres atendidas no mesmo período no CIAM Marcia Lyra, estabelece
37% de mulheres brancas e 46% de mulheres negras, sendo que 37% das mulheres atendidas
recebiam entre 1 e 3 salários mínimos, 11% recebiam acima de 3 salários e se tinha 9% das
mulheres atendidas sem renda alguma (Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Estado
do Rio de Janeiro, 2015). Com essa apresentação evidenciamos, que o território de favela tem
um gênero, uma cor e uma classe, que se apresenta como um território habitado por uma maioria
de mulheres, negras e empobrecidas.
Por isso, opto em realizar nessa pesquisa uma análise que busque apreender a
complexidade das relações sociais a partir de uma perspectiva de gênero que se entrelace com
as categorias de classe e raça. Entendendo que a vida das mulheres residentes em territórios de
favela perpassa, especialmente, pelas opressões de classe, gênero e raça.
As relações de gênero fundamentam a organização da vida social, historicamente, os
espaços societários vêm sendo estruturados com lugares sociais demarcados sexualmente a
partir de dicotomias, sejam elas entre público x privado, produção x reprodução, entre outras.
Diante disto, um dos fatores importantes a se ressaltar é que a dimensão da vida que se constitui
de forma subordinada tem sido tendencialmente atribuída à mulher. Assim, a categoria relações
de gênero visa analisar as relações sociais através do estudo da constituição dos papéis sexuais
construídos socialmente, buscando desvendar a hierarquização, a subalternidade e as relações
de poder constituídas na vida social (Almeida, 2007).
É preciso entender que o significado “moderno” atribuído a raça, o sentido biológico
que se remete a raça (QUIJANO, 2005) é uma conotação preconceituosa, que compreende as
pessoas negras e não brancas como uma população biologicamente inferior ao modelo de ser
humano que se constituiu como universal, o homem branco, europeu e rico.
Dessa forma, o racismo se constitui como uma crença que existem raças e hierarquias
entre elas, e essas hierarquias se desenvolvem a partir da inferioridade natural de umas raças
sobre as outras, assim, “as características fenotípicas são utilizadas como justificativas para
36

atribuição de valores positivo ou negativo, atribuindo a essas diferenças a justificativas para a


inferiorização de uma raça em relação a outra” (CFESS, 2016, p.10).
Nossa concepção de classe social se baseia na formulação feita por Marx (2013), para
esse autor o modo de produção capitalista divide a sociedade em duas classes sociais
fundamentais, uma que possui os meios de produção e se apropria da força de trabalho, os
capitalistas, e a outra que para sobreviver só possui a venda da sua força de trabalho, pois desses
são retirados os meios de produção, o proletário ou classe trabalhadora. Nesse sentido os
trabalhadores vivenciam uma relação de dominação-exploração pelos capitalistas, sendo o
aumento da pobreza para os trabalhadores a única forma do capital se desenvolver, acumular,
concentrar riqueza e produzir mais valia.
Quando proponho a discussão do entrelaçamento dessas categorias, proponho analisar
nesse trabalho a violência contra as mulheres que conceba que as mulheres residentes em favela
vivenciam diversas opressões, como a sexista por serem mulheres, a racista por serem negras e
a de classe por serem pobres
Não é possível a partir da minha compreensão, realizar essa análise a partir da
hierarquização dessas categorias. Davis (2011), aponta que quando falamos em classe, gênero
e raça é preciso ultrapassar a visão que hierarquiza essas opressão, para ela é preciso
compreender que classe informa raça, mas essa também informa classe, assim como gênero
informa classe e raça e raça informa gênero, é necessário perceber que entre essas categorias
existem relações que são mutuas, outras cruzadas, dessa forma não se pode assumir a primazia
de uma categoria sobre as outras.
A hierarquização dessas opressões na história demonstrou-se limitante para o
enfrentamento de uma sociedade sexista, racista e capitalista. Davis (2013) realiza um esforço
hercúleo para demonstrar a importância de ultrapassar essa visão hierarquizadora com a análise
das lutas antirracistas, antissexistas e anticapitalista na sociedade estadunidense, a partir da
realidade afro-americana do norte.
Seu primeiro apontamento é destacar que as mulheres negras que foram escravizadas
eram trabalhadoras, que elas eram vistas assim como os homens, como mercadorias, mas
embora fossem exploradas como os homens na esfera do trabalho, quando podiam ser
exploradas, castigadas e reprimidas em formas ajustadas somente as mulheres, elas sofriam a
opressão sexista.
As mulheres negras escravizadas foram utilizadas como “reprodutoras de mercadorias”,
quando a indústria de algodão começou a ser afetada com a abolição internacional do comércio
37

de escravos, os senhores de escravos se utilizaram da possibilidade de reprodução feminina para


aumentar sua população escravizada, assim as mulheres passaram a serem valorizadas pela sua
fertilidade, mas o fato de terem essa função não lhes dava o “prestígio” da maternidade que as
mulheres brancas da casa grande tinham, eram consideradas reprodutoras e suas crias animais,
mesmo grávidas continuavam a trabalhar nos campos e se não atingissem a cota de trabalho
eram castigadas, com isso muitas morriam ou pariam no meio das chicotadas ( DAVIS, 2013).
As mulheres negras escravizadas eram violentadas sexualmente, sendo esse tipo de
violência utilizada como arma de dominação, repressão, que tinha como maior objetivo
extinguir a força das mulheres para resistir, lembrar-lhes de qual era o seu lugar nessa
sociedade, que deveria ser de fragilidade e fraqueza. Davis (2013) aponta que o estupro se
tornou uma prática estratégica institucionalizada, para enfraquecer a força das mulheres para
resistir e lutar
A autora traz a reflexão de que com o capitalismo industrial, ocorre uma cisão entre o
espaço público e o espaço privado, sendo atribuído às mulheres o papel do espaço privado, a
esfera doméstica, assim, socialmente as mulheres passam a responsáveis pelo trabalho
reprodutivo, o trabalho que é desvalorizado na sociedade capitalista, sendo aprofundado com
isso a condição de subalternidade das mulheres na sociedade.
Quando o movimento feminista surge nos Estados Unidos, sendo esse, inicialmente
constituído por mulheres brancas da burguesia, surge para contestar essa lógica, essa separação
entre a esfera doméstica, o mundo privado e a economia pública, mas essa luta não enfrentava
as opressões que as mulheres negras escravizadas vivenciavam, em suas vidas não existia a
separação entre casa e economia pública, não existia essa divisão sexual do trabalho hierárquica
entre elas e os homens negros, elas sempre trabalharam dentro e fora da esfera doméstica, assim
como seus homens, e a esfera doméstica se tornou o único espaço em que homens e mulheres
escravizadas poderiam exercer sua humanidade (DAVIS, 2013).
Davis (2013) evidencia algo que é apresentado por Ribeiro (2017), quando aponta a
dificuldade que as mulheres feministas, que começaram a apoiar a luta antiescravagista, tiveram
de compreender a realidade da mulheres negras escravizadas. Elas se compadeciam com as
violências sexuais sofridas por elas, apelavam para que as mulheres brancas as defendessem,
mais falhavam em compreender a complexidade da vida dessas mulheres. Faziam essas defesas
a partir da sua realidade, como por exemplo a produção de um livro abolicionista, que
reivindicava o mito divino da maternidade para tentar sensibilizar a população a se voltarem
contra a escravidão, quando não reconheciam que as mulheres negras defendiam seus filhos,
38

não por conta dessa reivindicação de amor divino e sim por ódio à escravidão, a condição que
seus filhos eram colocados ao nascer, a separação do filho da mãe através da venda como
escravo, não levaram em consideração a concretude da vida dessas mulheres, a desumanização
do sistema escravista.
Ribeiro (2017) nos chama a atenção de que é necessário perceber os lugares de fala, ou
seja, quer falar sobre a mulher negra escravizada sendo uma mulher branca burguesa, fala, mas
a partir do seu lugar nessa hierarquia social, compreendendo todos os seus significados. As
mulheres brancas da época não compreenderam/ ou não desejavam compreender esse lugar, se
colocaram como um sujeito universal, como se todas as mulheres fossem e vivessem em
condições iguais e se utilizaram, neste caso, de um argumento que não fazia sentido para a
mulher negra e nem para seus opressores, afinal, elas não lutavam pelos filhos devido a
existência de uma amor divino e natural e nem seus opressores a viam como sujeitos que tinham
essa humanidade, ou seja, seus argumentos não contribuíram para o apoio social para a abolição
da escravidão.
Um outro ponto importante que Davis (2013) expressa, é que a luta do movimento
feminista pelo direito ao sufrágio se apoiou inicialmente na luta do movimento abolicionista,
quando essas mulheres ainda não tinham voz, homens negros ativistas abolicionistas as
apoiaram, mas por uma lógica capitalista, em que os maiores interessados eram a burguesia do
norte, os novos industriais capitalistas, contra os donos de escravos do sul, não significando
propriamente o reconhecimento da humanidade dos homens e mulheres negras, os homens
negros do sul conquistam o direito ao voto e para as mulheres brancas isso significa estender
ao homem negro todos os privilégios da supremacia masculina branca, com isso, ocorre um
racha nessa incipiente aliança entre o movimento negro e o movimento feminista.
A falta de percepção da manobra capitalista para seus próprios interesses e a falta de
compreensão de que os direitos políticos para o homem negro também significava a defesa de
suas vidas, o que não significava propriamente melhores condições econômicas, segurança ou
status social, fragmenta a aliança desses dois movimentos, e corrobora para o início de ataques
racistas promovidos pelo movimento feminista tradicional.
A década de 1860/1870 é marcada por um forte movimento das mulheres trabalhadoras,
muitas já trabalhavam em indústrias e começavam a se organizar em sindicatos. A bandeira do
direito ao sufrágio feminino ainda estava em cena, mas ainda era protagonizada pelo movimento
feminista de base burguesa, as mulheres trabalhadoras não viam o direito ao voto como um
39

meio para sua emancipação, pois seus companheiros tinham direito ao voto e suas vidas
continuavam sendo exploradas pelos patrões.
Para o movimento feminista burguês a opressão dos homens sobre as mulheres era a
mais importante, por isso não conseguia reconhecer que as mulheres trabalhadoras e as
mulheres negras estavam ligadas aos seus companheiros pela exploração de classe e pela
opressão racial, que não diferenciava os sexos. As mulheres trabalhadoras só passam a lutar
pelo direito ao voto, quando compreendem a necessidade para suas vidas, pois passam a
compreender que necessitavam de leis para melhorar suas condições de trabalho, o sufrágio
feminino passa a fazer sentido ao ser compreendido como uma arma para a luta de classes.
Davis (2013) mais uma vez estabelece como o sexismo reforça o racismo que fortalece
o capitalismo, trazendo a discussão de como a construção racista do mito violador do homem
negro, na construção das Leis contra violência sexual nos EUA não contribuiu para a proteção
das mulheres.
As mulheres trabalhadoras, nem todas negras, por exemplo, não foram protegidas por
essas legislações, na grande maioria dos julgamentos os homens brancos não eram condenados,
entre 1930 a 1967 de 455 homens condenados por violência sexual, 405 eram negros. A autora
chama a atenção de que as mulheres negras não apoiaram o movimento contra a violência
sexual protagonizado pelas mulheres brancas, por que ele reforçou o racismo.
Se construiu um imaginário em que os homens negros, por serem negros, eram
propensos a realização do crime sexual, esse pensamento é o mesmo quando se relacionava as
mulheres negras, quando elas eram violentadas sexualmente pelos senhores, sendo
culpabilizadas, pois pela condição “biológica” de ser negra, ela estava propensa a
promiscuidade. A partir desse imaginário, se iniciou uma cultura de linchamento no país, onde
a população negra, em maioria os homens negros eram seu alvo. Assim, toda vez que se
necessitava promover o terror e a violência contra a comunidade negra esse imaginário era
revivido.
Nas três décadas seguintes após a guerra civil no ano de 1865, ocorreram mais de 10
mil linchamentos, sendo que a grande maioria dos homens negros linchados não tinham
cometido violência sexual, a realidade é que se tinha muito poucas denúncias de relatos de
tentativas ou de violências sexuais perpetradas por homens negros, a justificativa real para os
linchamentos segundo Davis (2013) era outra.
O capitalismo necessitava do medo da população negra para superexplorá-los, e
necessitava que os trabalhadores brancos perdessem de vista quem eram realmente seus
40

adversários. Os capitalistas do Norte que colonizavam a economia do Sul, necessitava desse


constructo social do linchamento, dessa forma a exploração da mão-de-obra de trabalhadores
negros e brancos se fortaleceria sem a hostilidade dos trabalhadores brancos, uma vez que essa
construção proporcionava que os trabalhadores brancos assumissem uma postura de
solidariedade com seus patrões, que eram necessariamente seus opressores.
O povo negro não aceitou a condição de inferioridade que tentaram lhe impor na
abolição da escravidão, quem tentava desafiar essa hierarquia social passava a ser alvo da
multidão, assim a autora chama a atenção que a lista dos que foram vítimas de linchamento
inclui desde os negros donos de bem sucedidos negócios a trabalhadores que pressionavam por
melhores condições de salários, assim como mulheres que resistiram aos abusos sexuais dos
homens brancos, no entanto a opinião pública constrói um imaginário de que o linchamento era
uma resposta à violência dos crimes sexuais contra a natureza feminina branca.
As mulheres negras perceberam essa relação e identificaram que o movimento contra a
violência sexual do período, tinha uma base racista, com caráter de extermínio do seu povo e
por isso não o apoiaram.
A construção do mito violador fez com que o apoio pela igualdade racial diminuísse,
fortaleceu a lógica de que os homens brancos poderiam matar os negros, caso fosse para
defender a sua honra e a das suas mulheres. Pensamento que também reforça o sexismo, uma
vez que entende a mulher e seu corpo, como propriedade do marido.
Davis (2013) traz a discussão de como a luta pelo controle da natalidade na década de
1970 quando não se relacionou com a luta antiracista e com a luta contra a exploração de classe
foi limitante. Na década de 1970 o direito ao aborto é conquistado, mas não se viu um número
expressivo de mulheres negras engajadas nessa luta, a autora chama a atenção que mais uma
vez o movimento feminista não compreendeu as bases disso, ou compreendeu a partir de uma
lógica racista.
As mulheres negras realizaram abortos ou até infanticídios em todo o período da
escravidão. O motivo, não queriam que seus filhos vivessem nas mesmas condições desumanas
que elas, era um ato de desespero. Antes da descriminalização do aborto na década de 1970, em
Nova York, cerca de 80% das mulheres mortas por causa da realização de aborto ilegal
envolviam mulheres negras e porto-riquenhas (DAVIS, 2013, P. 146).
A autora chama a atenção que o movimento feminista além de perceber que as mulheres
negras queriam sair dessa condição, deveriam também ter percebido que elas não faziam o
aborto porque queriam, não faziam o aborto porque viam nessa prática a emancipação da
41

mulher, faziam o aborto pela miserável condição material em que viviam, que não permitia que
elas trouxessem novas vidas ao mundo.
Na campanha pelo direito ao aborto também foi assumido que ele seria uma alternativa
para a pobreza, como se ter menos crianças contribuísse para o aumento do número de empregos
ou para se ter melhores salários. Para além disso reforçavam que as famílias pobres deveriam
ter o compromisso moral de restringir o tamanho de suas famílias, por que famílias grandes de
pobres criavam muitos gastos de caridade para os ricos, além de não serem parecidas com as
crianças de raça “superior” (DAVIS, 2013).
O movimento pelo controle da natalidade não se colocou contra a esterilização forçada
das mulheres pobres e negras, a partir de 1975 se reduziu o financiamento dos abortos legais e
com isso as mulheres que mais morriam com o aborto ilegal foram privadas desse direito, só
restando a elas a esterilização e a impossibilidade permanente de ter filhos biológicos. Nota-se
então, como o racismo perpassa esse movimento, na defesa pelo controle da natalidade se
reproduzia a lógica da não proliferação das “classes baixas” e consequentemente negras.
Davis (2013) denuncia que o movimento do controle de natalidade foi fortemente
influenciado pelo movimento eugenista, prática utilizada para legitimar a dominação da Europa
sobre outros povos não-europeus, que concebiam a sociedade burguesa europeia como o padrão
de civilização humana e tudo que divergisse desta ou não servisse a legitimar esse poder era
considerado inferior (GÓES, 2018), assim, as mulheres pobres, negras, que não estavam no
escopo de civilidade tendo como modelo o padrão europeu, poderiam ser esterilizadas, era uma
forma de não multiplicar seres considerados de uma raça inferior. Assim, para a autora se
roubou o potencial do movimento de controle da natalidade de lutar pelos direitos reprodutivos
das mulheres, se tornando uma política racista que serviu ao governo imperialista dos EUA.
Davis (2013) evidencia historicamente como a primazia a uma opressão pode reforçar
as outras opressões, em acordo com esse olhar Ribeiro (2017), expressa sobre a pensadora
feminista, negra, caribenha e lésbica Audre Lorde, que destacava a dificuldade de ter identidade
com algum movimento, pois em cada movimento se defendia a sua primazia, no movimento
feminista, apontavam a questão de gênero, no movimento negro a questão racial, no movimento
LGBTT a orientação sexual, como participar de somente um movimento ou lutar contra
somente uma opressão, se ela era alvo de todas essas opressões? Para ela, não tinha como negar
uma identidade para afirmar outra, pois fazer isso seria reformismo e não transformação real.
Lorde (2013) aponta que as mulheres devem reconhecer suas diferenças e não encará-
las como algo negativo, é preciso reconhecer que temos pontos de partidas diferentes, que as
42

mulheres brancas e negras experenciam o gênero de forma diferente, não reconhecer isso leva
a legitimação de um discurso que é excludente, que não viabiliza outras formas de ser mulher
no mundo. Para a autora o fracasso das feministas acadêmicas12 em reconhecer as diferenças
como uma força importante para o movimento anti-sexista é um fracasso para ultrapassar a
primeira lição da lógica patriarcal. Para ela dividir e dominar precisam se tornar definir e
empoderar.
Vivemos na contemporaneidade em uma ordem social democrática no plano
legal/formal, com novas roupagens, mas que mantém intactas as relações de gênero, raça e
classe construídas há séculos, estruturando as desigualdades entre homens e mulheres. Temos
assim o desafio ainda presente em refletir sobre as relações sociais a partir de uma perspectiva
do entrelaçamento dessas opressões, compreendendo que as desigualdades não são produtos
naturais e sim histórico sociais, o que nos leva a afirmar que são possíveis de serem superadas.

1.3. A origem das favelas no Rio de Janeiro

As favelas são consequências da segregação socioespacial da população pobre, de


maioria negra, que ocorreu com a destruição dos cortiços no fim do século XIX, mas que tem
origem na destituição dos direitos da população negra após a abolição da escravidão, como a
impossibilidade do direito à terra, ao trabalho, aos direitos políticos ou seja, à condições de
sobrevivência como pessoas “livres”.
O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, em 1888, e como sabemos,
uma abolição inconclusa, uma vez que a população negra na atualidade, após 130 anos da
abolição, se mantém nos piores índices econômicos sociais. Somado a isso é importante lembrar
que a abolição ocorrida aqui teve mais um caráter de evitar insurreições sangrentas contra os
proprietários e abrir o país para a industrialização do que a compreensão de que a escravidão
racial era um ato desumano e bárbaro (AZEVEDO, 1987).
A década de 1870/1880 no Brasil é marcada por movimentos espalhados de fugas,
assassinatos e revoltas coletivas nas fazendas assim como manifestações violentas nas cidades
por parte da população negra, que lutavam pelo fim da escravidão. Além disso
internacionalmente, em décadas anteriores, havia ocorrido uma revolução popular, promovida
pela população escravizada, o que conhecemos como revolta de São Domingos.

12
A autora quando realiza o discurso está participando de uma conferência na Universidade de Nova York
em 1979.
43

Com o medo de que essas resistências criassem uma condição para a abolição por si
mesmas, fazendo com que os proprietários de terra perdessem seu poder, uma vez que desde
1850, com a Lei Eusébio de Queiroz, estava proibido o tráfico atlântico de escravos no Brasil
e em outros países já tinham abolido essa prática, alguns políticos começam a reivindicar a
abolição da escravidão.
Para abolir era necessário também excluir, com isso, o incentivo à imigração,
especialmente, da população europeia, vista como a população “superior” a partir da produção
científica eugênica, era um meio para também “embranquecer” e “melhorar” a população, pois
para as elites da época, os negros eram inferiores, selvagens, vagabundos, haviam se tornado
escravos por uma condição inferior ao branco e não pela dominação e violência que sofreram
(AZEVEDO, 1987).
Com o início da República o Rio de Janeiro buscava a modernização econômica, tendo
o interesse de atrair novos capitais para as incipientes indústrias, para isso necessitava adequar
o espaço às necessidades do capital construindo a cidade e sua infraestrutura para esse
propósito.
Segundo Campos (2012) em 1866, se desenvolveu a ideologia higienista, no qual a
adoção da postura municipal foi a de proibir a construção de novos cortiços na área central da
cidade, que existiam desde 1850, no qual residiam mais de 50% da população, pois era o local
em que se tinham mais oportunidades trabalho.
A ideologia higienista, discriminatória e criminalizatória, difundia argumentos que
caracterizavam os cortiços como locais insalubres e transmissores de doenças e que sua
população exercia costumes danosos a sociedade “as habitações coletivas seriam focos de
erradicações de epidemias, além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios
de todos os tipos” (CAMPOS, 2012, P.60), por isso era necessário destruí-los e expulsar seus
habitantes. O fato mais relevante é que a maioria da população moradora de cortiços, era negra,
os alforriados do período. A política da remoção tomou força a partir de 1873,
concomitantemente, entre 1870 a 1880 foram os anos nos quais mais se concederam alforrias,
o que liberou uma quantidade considerável de trabalhadores escravos, o que preocupou as elites
associando-os a formação das “classes perigosas” devido ao acelerado aumento.
Com a lógica da abolição sem reformas, os imigrantes foram utilizados como mão-de-
obra assalariada no lugar do negro, os privilégios das elites foram conservados, o ideal de
embranquecimento e de democracia racial foram desenvolvidos, e o negro, ex- escravo, foi
atirado como sobra na periferia do sistema do trabalho-livre (MOURA, 1992).
44

Em 1893 foi destruído o cortiço “cabeça de porco” na área central, que deixou mais de
4 mil pessoas sem abrigo, o prefeito da época, Barata Ribeiro, autorizou então o deslocamento
dos moradores para as encostas. Em 1897 foi no morro da favela13, conhecido hoje como morro
da providência que os soldados egressos da guerra de canudos foram se estabelecer com a
autorização dos chefes militares (CAMPOS, 2012), portanto, com a destruição dos cortiços essa
população se deslocou para as encostas, dando origem as primeiras favelas.
De modo similar, a gentrificação de hoje teve início na República, com o deslocamento
forçado que visava somente o lucro, a valorização da área ocupada para futuros
empreendimentos públicos ou privados. O uso do solo na sociedade capitalista sempre foi
apropriado pelas classes dominantes em benefício do capital, assim a luta pelo direito à cidade,
envolve às disputas da terra para moradia, o direito ao trabalho e a mobilidade. A permanência
das favelas na cidade hoje, assim como dos quilombos, no período imperial, se contrapõe a uma
lógica de uso do espaço para investimento e acumulação de capital e se constitui como foco de
resistência da população negra, aquela que foi destituída de todos os seus direitos mesmo após
a escravidão, e que será sempre vista como uma ameaça para as classes dominantes desse país.
As favelas nas cidades se configuram como espaços historicamente desiguais, com
destaque para a combinação das mais diferentes formas de violência, seus cidadãos são
indispensáveis ao funcionamento da cidade integrados economicamente a ela, porém excluídos
dos direitos de cidadania (SOARES, 2010), vivenciando diversas formas de opressão.
Na obra “Quarto de Despejo” a autora Carolina Maria de Jesus descreve alguns aspectos
do que era ser mulher vivendo em uma favela na década de 1950:

Cheguei em casa, aliás no meu barracão, nervosa, exausta. Pensei na vida atribulada
que eu levo. Cato papel, lavo roupa para dois jovens, permaneço na rua o dia todo.
(...)

A Silvia e o esposo já iniciaram o espetáculo[sic] ao ar livre. Ele está lhe espancando.


E eu estou revoltada com o que as crianças presenciam.

Trabalhei apreensiva e agitada. A minha cabeça começou a doer. Elas costuma esperar
eu sair para vir no meu barracão expancar[sic] meus filhos.

O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa
confortável, mas não é possível.

13
Etimologicamente a palavra favela é: “o nome popular de uma planta da espécie Cnidosculos
Quercifolius. Em 1897, este vegetal encobria o morro que posteriormente passaria a se chamar Morro da
Providência, mas que à época, era conhecido como Morro da Favella, justamente pela abundância da tal planta.
Apenas na segunda década do século XX, a palavra passou a nomear todas os locais onde eram erguidas habitações
precárias sobre morros no Rio de Janeiro.” (MALHEIRO, 2014, p.15)
45

Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de
ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e suporto o peso da Vera Eunice nos braços.

Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não são
exigentes no paladar.

Surgiu a noite (...) o barraco está cheio de pernilongos. Eu vou acender uma folha de
jornal e passar pelas paredes. É assim que os favelados matam mosquitos.

Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Quem nos
protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos só aparecem aqui nas épocas
eleitoraes[sic].

(JESUS, 1960, p. 9)

Em suas narrativas podemos identificar um pouco das relações e processos vivenciados


em territórios de favela: a dificuldade ou impossibilidade de acessar o que hoje denominamos
de direitos sociais fundamentais como: alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, dentre
outros. Nos apresenta a forma como os políticos se utilizavam da população da favela para
benefícios próprio; as relações de violência vivenciadas; as redes de solidariedade que a
população da favela precisou construir para sobreviver.
Como mulher solteira, Carolina vivenciou diversas discriminações de gênero, como a
rejeição e criminalização por parte de outras mulheres e homens; a dificuldade de ir trabalhar
(mas também de ter trabalho) e não ter com quem deixar os filhos, sabendo que os filhos
estariam em perigo; ser obrigada a levar a filha caçula para ir trabalhar junto com ela, mesmo
sendo uma rotina extenuante; a dura tarefa de criar três filhos sem a participação do pai, o
assédio por parte dos homens.
Mas Carolina representa também as muitas mulheres negras residentes em favela que
com muita força, amor e resiliência suportam as severas dificuldades que um sistema de
relações de opressão lhe impõe. Podemos ver em sua narrativa amor no cuidado com os filhos,
o desejo de querer oferecer o melhor, a preocupação com o filho de nove anos ao ser fichado
pela polícia, a manutenção de seus sonhos mesmo que a realidade fosse contrária, a recusa de
se submeter às relações patriarcais que pudessem lhe causar a perda da “liberdade” ou situações
de violência, em um período histórico em que ser mulher e mãe solteira eram sinônimos de não
existência na sociedade.
Após sessenta anos, os territórios de favela complexificaram-se, a modernização cria
cada vez mais parcelas de pessoas refugadas14(BAUMAN, 2004), o território de favela continua

14
Bauman(2004) compreende o conceito de refugo humano, como pessoas refugadas, aquelas excessivas e
redundantes, que não tem função para o sistema capitalista moderno.
46

marcado pela precária condição de infraestrutura urbana e de acesso às políticas sociais sendo
cada vez mais criminalizado, tendo sobre sua população a ampliação de um estado de exceção
(AGAMBEN, 2004) que tem causado altos índices de homicídios15, em sua maioria de homens
jovens negros, e encarceramento em massa da população, que tem também produzido o
aumento do encarceramento feminino16.
Tendo como base o perfil das mulheres residentes em favela apresentado, temos um
cenário em que, as mulheres negras, tem menor expectativa de vida se comparadas as mulheres
brancas; as famílias chefiadas por mulheres aumentaram, incluindo as famílias de mulheres
negras, mas no que diz respeito a renda dessas famílias são as de piores índices, 69% das
famílias chefiadas por mulheres negras em 2009 possuíam renda familiar de até um salário
mínimo (MARCONDES et al, 2013). No que diz respeito ao mercado de trabalho, devido a
segmentação racial, os espaços reservados as mulheres negras continuam ainda a serem os
espaços reservados as negras após a abolição da escravidão, como o trabalho doméstico ou a
atuação como serventes, cozinheiras e lavadeiras, evitando sua atuação em espaços nos quais
necessitará lidar com o público direto, como em funções de vendedora, recepcionistas,
secretárias, nos quais se requerem atributos “estéticos” ou como cita Carneiro (2011) “Exige-
se boa aparência”17, além da dificuldade do acesso em outras ocupações de maior relevância
como em áreas técnicas, científicas e artísticas (BENTO,1995).
No que diz respeito à violência contra às mulheres, tema do nosso estudo, segundo dados
do Atlas da Violência 2017, produzido pelo IPEA, em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas
no Brasil, entre 2005 à 2015 os índices de mortalidade de mulheres não negras reduziram em
7,4%, enquanto no mesmo período o número de mulheres negras assassinadas aumentou 22%;
se identificou ainda que o total de mulheres vítimas de homicídio por agressão aumentou no
caso de mulheres negras, de 54% em 2005 para mais de 65% em 2015, ou seja, 65,3% das
mulheres mortas no Brasil em 2015 eram negras.
Quando falamos de feminicídios, estamos abordando sobre os crimes que são cometidos
contra às mulheres pela sua condição de ser do sexo feminino e envolvem: violência doméstica
e familiar e/ou menosprezo, discriminação à condição de ser mulher, conforme a Lei 13.104,

15
De acordo com o Dossiê do Comitê popular da copa e olimpíadas do Rio de Janeiro(2015), os autos de
resistência nas favelas subiram em 2012 para 2013 de 381 para 416, em 2014 para 584 e somente na primeira
metade de 2015 já tinha ocorrido 349 mortes no Rio de Janeiro.
16
Segundo dados do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura do Rio de Janeiro (2016), a
população carcerária feminina aumentou de 2000 para 2015 567%, hoje as mulheres são quase 7% da população
prisional brasileira.
17
Disponível em <https://www.geledes.org.br/enegrecer-o-feminismo-situacao-da-mulher-negra-na-
america-latina-partir-de-uma-perspectiva-de-genero/>, acessado em 10 de junho de 2018.
47

de 09 de março de 2015. No ano de 2017 no Rio de Janeiro segundo o Dossiê Mulher (2018)
foram registrados nas delegacias 68 feminicídios e 187 tentativas de feminicídios, o que
representa 17,8% de mulheres vítimas de homicídio doloso e 27,4% das mulheres vítimas de
tentativa de feminicídio.
Se analisarmos o local em que ocorreram os feminicídios, o documento indica que
60,3% dos casos de assassinatos ocorreram no âmbito doméstico e familiar, e o perfil racial
demonstra que 58,8% eram mulheres negras. Nas tentativas de feminicídio essa porcentagem
aumenta, sendo ocorridas no âmbito doméstico e familiar 86,1% dos casos e no perfil racial das
mulheres 57,7% eram negras.
Com esses dados, como tem sido implementadas as políticas públicas de
enfrentamento à violência para às mulheres, para às que residem em favela? Procurarei
responder, tendo como base sua implementação em um território de favela, Manguinhos, que
em 2010, teve inaugurado a Casa da Mulher de Manguinhos, um Centro de Referência de
Atendimento à Mulheres em situação de violência18.

18
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1423391-5606,00-
LULA+INAUGURA+OBRAS+DO+PAC+NO+COMPLEXO+DO+ALEMAO+E+MANGUINHOS.html>,
acesso em 05 de janeiro de 2019.
48

CAPÍTULO 2- As políticas públicas de enfrentamento à violência contra às mulheres no


Brasil

2.1 Breve histórico

A políticas públicas para as mulheres, são consequências de lutas sociais, no qual os


movimentos feministas tiveram importante protagonismo. As mulheres não eram reconhecidas
como cidadãs e estão na luta por direitos no âmbito jurídico desde pelo menos o século XVIII.
Seu reconhecimento como sujeito de direitos só se concretiza no pós segunda guerra mundial,
a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948.
Esse é o primeiro documento que proíbe qualquer discriminação baseada no sexo e que
funda a concepção moderna dos direitos humanos, englobando várias dimensões: civil, política,
econômica, social, cultural, dentre outras, caracterizando uma unidade indivisível, universal,
inter-relacionada e interdependente. Ela inicia um sistema normativo internacional de proteção
dos direitos humanos, com a adoção de numerosos tratados e convenções internacionais para a
proteção e garantia de direitos.
A ação internacional é uma garantia adicional de proteção aos direitos humanos, sendo
uma ação suplementar, quando se compromete com o aparato internacional de proteção, bem
como com suas obrigações, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que diz
respeito a como os direitos humanos são respeitados em seu território.
Nessa esfera, o primeiro instrumento internacional fundamental direcionado para
combater as discriminações exclusivamente contra às mulheres foi a Convenção sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra às mulheres- CEDAW adotada pela
ONU em 1979, ratificada pelo Brasil em 1984. Segundo Basterd (2007), essa foi a convenção
internacional com maior número de reservas dentre os instrumentos internacionais de direitos
humanos, foram feitas 88 reservas substanciais por 23 Estados-partes, incluindo o Brasil que só
a ratificou plenamente após 15 anos, e somente em 2001 o seu protocolo opcional criado em
1999, o que evidencia a dificuldade de reconhecer os direitos das mulheres na sociedade
brasileira.
A partir dessa, outras convenções ocorreram e foram de extrema relevância para
chegarmos ao momento atual do reconhecimento da violência cometida contra às mulheres
como violação de direitos humanos e a construção das políticas públicas para a defesa e acesso
49

aos direitos: Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Viena em 1993, IV Conferência
Mundial sobre as Mulheres em Pequim em 1995, Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra à Mulher- conhecida como Convenção de Belém do Pará
de 1994, I Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação racial, Xenofobia e as formas
conexas de intolerâncias em 2001, entre outras.
A ratificação desses tratados pelo Brasil, implica que o Estado brasileiro realize
estratégias para o enfrentamento da violência contra às mulheres, desenvolvendo a criação de
mecanismos, legislações e ações governamentais para esse fim.
No fim da década de 1970 e início de 1980 o tema da violência contra as mulheres ganha
maior visibilidade no país, o assassinato de duas mulheres da elite brasileira19 por seus
companheiros chocam a sociedade e impulsionam as primeiras campanhas públicas contra a
violência de gênero exigindo ações interventivas do Estado no enfrentamento a esse fenômeno.
Em resposta a esses movimentos, na década de 1980 se cria o Conselho Nacional de Direitos
da Mulher, através da lei 7.353 e ocorre a criação das primeiras Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher- DEAM, que respondia em um primeiro momento à demanda da criação
de um espaço na polícia, que não fosse hostil à mulher agredida (PINTO, 2003 apud SANTOS,
2011).
Em 1988 temos a Carta Magna do Brasil, Constituição conhecida como “Constituição
Cidadã”, um marco para os direitos das cidadãs brasileiras, organizando os deveres do Estado
e garantindo diversos direitos, sendo alguns de ordem civil, política e social.
As mulheres participaram ativamente no processo da Constituinte. Em 1987 elas
enviaram a Assembleia Nacional Constituinte um documento denominado “Carta das Mulheres
aos Constituintes”, no qual reivindicaram a igualdade legal perante os homens e elencaram suas
demandas em várias áreas, como saúde, trabalho, educação, cultura, dentre outros 20. O
documento foi fruto da participação das brasileiras através da atuação do Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher, que percorreu o Brasil, ouvindo as mulheres e ampliando os canais de
comunicação com os movimentos sociais.
A constituição de 1988 leva em consideração reivindicações importantes das mulheres
propostas nesta carta, o art.5º e o art. 226º são exemplos, expressam importantes conquistas das

19
A Socialite Ângela Diniz em 1976 e a cantora Eliane de Grammont em 1981.
20
A Cartas das Mulheres aos Constituintes está disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/constituintes/a-constituinte-e-as-
mulheres/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf > acesso em 05
de outubro de 2018.
50

mulheres, o primeiro por que declara a igualdade entre os sexos, o segundo prevê mecanismos
de assistência a cada pessoa da família através de mecanismos que coíba a violência no âmbito
das suas relações. O Estado passa a intervir nas relações que eram vistas como privadas, mas
que são públicas, uma vez que geram problemas sociais e que se desenvolvem de forma
estrutural e não individual. Também são resultados dessa luta as políticas de seguridade social
usufruídas na atualidade, que prevê a articulação entre o tripé assistência social, saúde e
previdência social e estão regulamentadas respetivamente pelas seguintes legislações: Lei 8.742
de 07 de dezembro de 1993, Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 e Lei 8.213 de 24 de julho
de 1991, onde a saúde e a assistência social são políticas não contributivas, sendo a saúde um
direito universal, todos independente de renda podendo acessá-las e a assistência social um
direito de todos, mas que prevê necessidades específicas para seu acesso
A segunda metade da década de 1990 pode ser caracterizada como um período de
desmobilização dos movimentos sociais, com a introdução da ideologia neoliberal no país com
a privatização de diversas instituições estatais, cortes financeiros para as políticas sociais. No
âmbito das políticas para a igualdade de gênero, ocorre a retirada de orçamento próprio do
CNDM e a inclusão de mulheres que nada tinham a ver com lideranças feministas, reduzindo o
caráter de pressão e de atuação desta esfera de controle frente as demandas feministas de
esquerda (SANTOS, 2011).
Até 2003 as DEAMs e as Casas-abrigo foram as principais políticas públicas de
enfrentamento à violência contra às mulheres, sendo a intervenção quase restrita ao campo da
segurança pública (CARVALHO, 2015). Essa forma de enfrentamento só se altera a partir de
2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, através da Lei 10.683 de 28 de maio de 2003
que cria a Secretaria Especial de Políticas para às Mulheres com status de Ministério e
orçamento próprio, que inicia um planejamento mais articulado, integrado e vigoroso para
desenvolver políticas públicas para às mulheres no país.

2.2 Panorama das políticas públicas de enfrentamento à violência contra às mulheres no


Brasil de 2003 a 2018

O ano de 2003 marca a entrada na Presidência da República de um governo que


simbolizava representar a classe trabalhadora, um sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, que
foi protagonista das principais greves nas décadas anteriores, a entrada de um partido que
carregava em sua história a luta da classe trabalhadora do país.
51

Mas o governo Lula ficou conhecido como o governo de conciliação de classes, embora
sem transformações profundas, promoveu reformas importantes e a ampliação do acesso a
políticas públicas para parcela significativa da população, assim como a implementação de
políticas afirmativas que contribuíram para melhorar a condição de grupos oprimidos
historicamente como mulheres e negros; mas, tais ações não foram capazes de ultrapassar a
lógica neoliberal que compreende o mercado como um mecanismo auto regulador da vida
econômica e social, como resultado, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor,
afastando-se de preocupações com a política e com os problemas coletivos (CARVALHO,
2002).
No governo “Lula” se ampliou os espaços formais de participação social, ocorre a
expansão dos Conselhos e Conferências Nacionais, de acordo com a Secretaria de Governo
foram realizadas no Brasil entre 1941 à 2013 138 conferências, das quais 97 foram realizadas
entre 2003 e 2013, mais de 70% das conferências foram realizadas entre o governo Lula e os
anos iniciais do governo de Dilma Rousseff (OLIVEIRA, 2016).
Na área das políticas públicas para às mulheres, ocorreram 04 principais conferências,
em 2004, 2007, 2011 e 201621, sendo envolvidos na última mais de 150 mil pessoas22. O ano
de 2004, se torna significativo para a área de políticas para às mulheres, é decretado pelo
Presidente como Ano da Mulher instituído pela Lei nº 10.745, de 9 de outubro de 2003,
estabelecendo que o poder público realizaria com a participação da sociedade civil, ações para
divulgação e comemoração das conquistas das mulheres visando estabelecer condições mais
igualitárias na inserção das mulheres na sociedade. Nesse sentido vemos o redimensionamento
da construção de uma política, com fundamento na igualdade de gênero, pautando melhores
condições de vida para às mulheres.
Os processos de participação social já se inscreviam no cotidiano das mulheres ativistas
e militantes. Foram participativas no processo da Constituinte em 1988, realizaram diversos
encontros de mulheres e feministas em diferentes unidades federativas do Brasil nos anos de
1997, 2000, 2002 e 2003; em 1997 e 1999 em Conferências Internacionais. As conferências de
políticas para às mulheres que ocorreram a partir de 2004 reforçaram essa bagagem de discussão
e pautas, evidenciaram as diferenças e diversidades existente entre as mulheres brasileiras, mas

21
Essa conferência deveria ter ocorrido em 2015, ocorre no início de 2016 com a justificativa de crise
financeira.
22
Disponível em < http://www.spm.gov.br/4cnpm/noticias/toda-a-jornada-da-4a-cnpm-em-videos-fotos-
audios-textos-e-e-book> acesso em 20 de junho de 2018.
52

ratificaram o compromisso da afirmação da diferença para se garantir a igualdade (PNPM,


2004).
Além disso, os processos conferenciais envolveram os governos das esferas municipais
e estaduais, um esforço árduo de articulação, para um campo, que naquele momento não tinha
valor político e reconhecimento social. Somado a isso, os movimentos de construção para às
conferências, são momentos de tensões, com disputas, com dificuldades e alegrias, que nos
tomam forças para lidar com as contradições inerentes a essa sociedade. Assim, a I Conferência
Nacional de Políticas para às Mulheres(CNPM), que deu origem ao I Plano Nacional de
Políticas para às Mulheres-PNPM, ocorreu com o envolvimento de mais de 120 mil mulheres,
que debateram em plenárias municipais, regionais, estaduais, a situação das mulheres e
apontaram seus anseios e propostas, com o objetivo de propor diretrizes para a construção do I
PNPM.
A realização desse plano passa pela compreensão de que o combate a todas às formas
de discriminação contra às mulheres necessariamente significa compreender a existência de
diversos determinantes produtores de desigualdades. Assim esse documento chama a atenção
para a importância de enfrentar as desigualdades estruturais a partir dos marcadores de gênero,
raça e etnia, ressaltando a importância também de se levar em conta o empobrecimento (PNPM,
2004, p. 23).
O PNPM foi construído a partir de cinco eixos estratégicos: I. Autonomia, igualdade no
mundo do trabalho e cidadania, visando promover melhores condições para às mulheres no
âmbito do trabalho e sua sustentabilidade e autonomia financeira; II. Educação inclusiva e não
sexista, visando desenvolver práticas educativas que contribuam para desconstruir os
estereótipos de gênero e as discriminações contra meninas e mulheres e melhorar a escolaridade
e formação dessas; III. Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos, visando a
promoção da melhoria da saúde das mulheres mediante a garantia de atendimento integral; IV.
Enfrentamento à violência contra às mulheres visando criar uma Política nacional de
enfrentamento à violência; V. Gestão e Monitoramento do Plano, que aborda a
transversalização das ações de gênero, raça e etnia no processo de elaboração do Plano
Prurianual e do Orçamento da União. Sendo essa a primeira conferência, se constitui, como um
marco histórico, comprometendo o Estado e seus poderes, já apontando pelos discursos das
convidadas dos painéis a importância das políticas públicas para às mulheres se constituírem
como política de Estado e não só de governo.
53

O II PNPM, lançado em 2008, foi construído a partir da mobilização de 200 mil


mulheres na II CNPM em agosto de 2007, que teve como objetivo avaliar a implementação do
I Plano, reforçando a importância da transversalidade das políticas para a igualdade de gênero
e de valorização da diversidade por todos os órgãos que integram a estrutura institucional do
Estado.
Neste segundo Plano foram acrescentados seis novas áreas estratégicas: Participação
das mulheres nos espaços de poder e decisão; Desenvolvimento sustentável no meio rural, na
cidade e na floresta, com garantia e justiça ambiental, inclusão social, soberania e segurança
alimentar; Direito à terra, moradia digna e infraestrutura social nos meios rural e urbano,
considerando as comunidades tradicionais; Cultura, comunicação e mídia não-discriminatórias;
Enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbofobia; e Enfrentamento às desigualdades geracionais
que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas. Neste documento foi
destacado o segmento de mulheres em condições de vulnerabilidade e qualificaram os
instrumentos e meios para a obtenção dos resultados desejados (PNPM, 2008).
Em 2013 é criado o Plano Nacional de Políticas para às Mulheres 2013-2015, a partir
da 3ª CNPM que ocorreu em dezembro de 2011 envolvendo 200 mil mulheres em todo o
processo de participação nos municípios e Estados. Ele traz o importante aspecto da
transversalidade das políticas de gênero, colaborando com a direção de que a política para a
igualdade de gênero, não pode ser setorializada, deve ser um esforço de todas as esferas seja
em seu nível hierárquico com os governos estaduais e municipais, seja em seu nível horizontal
entre os diferentes ministérios (PNPM, 2013, P.10).
O documento é construído dentro de uma conjuntura nova na qual o Brasil começa a
sentir os efeitos de mais uma nova crise cíclica do capital23. No primeiro mandato da Presidenta
Dilma as taxas de crescimento da economia já não eram as mesmas e o cenário de contração já
era sentido. Mesmo em um cenário adverso, a SPM e o Conselho Nacional de Direitos da
Mulher-CNDM, conseguiram envolver a participação de outros Ministérios e Secretarias no
desenvolvimento do PNPM 2013-2015, através de um processo de pactuação dos seus
objetivos, metas, linhas de ação e ações.
Neste documento, para a construção de seus eixos estratégicos, além de seguir as
diretrizes da III CNPM, foram reavaliados os eixos contidos no II PNPM e os compromissos
assumidos no Plano Plurianual de 2013-2015. Com isso o único eixo mantido foi o do que trata
do enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbofobia, constituindo um Plano com dez capítulos.

23
Ver MARX (2013).
54

O Plano trouxe inovações, criou um capítulo que aponta o enfrentamento das


desigualdades geracionais e das mulheres com deficiência, destacando que mulheres jovens e
idosas são atingidas de formas diferentes pelas relações de opressão, assim como evidenciou a
realidade enfrentada pelas mulheres com deficiência, que são invisibilizadas24 na sociedade. O
documento apresenta eixos pautados nas demandas feministas, transversalizados nas diversas
pastas, na tentativa de contribuir para a ampliação do exercício da cidadania das mulheres.
Basterd (2011) aponta algumas respostas do Estado a partir de 2003, para o
enfrentamento à violência contra as mulheres tendo como base as preocupações e
recomendações da Convenção Cedaw e do capítulo III da Convenção de Belém do Pará, que
estabelece os deveres do Estado: no campo legislativo se teve um notável avanço nas legislações
relativas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, sendo algumas
delas: a criação da Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003 que estabeleceu a notificação
compulsória nos serviços de saúde, públicos e privados dos casos de violência contra as
mulheres atendidas, sendo uma notificação de caráter sigiloso, que tem como objetivo principal
dar visibilidade ao fenômeno, fornecendo dados para que o Estado possa promover de forma
mais qualificada as políticas públicas.
Em 2004 ocorrem alterações importantes no código penal, se tipificou a violência
doméstica como crime, tendo como vítima qualquer pessoa da família; em 2005 se alterou
artigos considerados discriminatórios, como a extinção da punição do estuprador caso se
casasse com a vítima25; foi retirada do código a expressão “mulher honesta” definida a partir
de conceitos morais; foi revogado o Art. 240 relativo ao crime de adultério, que foi utilizado
culturalmente contra as mulheres; em 2009 a alteração no Código Penal Brasileiro do Título
VI- Dos crimes contra os costumes para Dos crimes contra a dignidade sexual, percebendo que
a preocupação anterior era com a dignidade social das famílias e não com a integridade das
mulheres; em 2018 com a Lei 13.718, de setembro de 2018 se tipificou os crimes de
importunação sexual que antes não eram regulamentados.
Um progresso importante ocorrido nesse período foi a constituição da primeira
legislação específica de combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres, a Lei

24
Disponível em < http://www.sembarreiras.jor.br/2018/03/09/a-invisibilidade-da-mulher-com-
deficiencia/> acesso em 22 de junho de 2018.
25
Estava previsto no inciso VII do Art. 107 do código penal brasileiro.
55

11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que é fruto da punição
do País por não cumprir os tratados internacionais assinados26.
A Lei Maria da Penha, traz em sua redação conceitos importantes apontados pela
Convenção de Belém do Pará, como por exemplo a definição expressa do que é violência contra
à mulher e suas diferentes formas. Isso se torna importante porque anterior a legislação somente
violência física era considerada violência. A Convenção de Belém do Pará destaca em seu Art.
1º que violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte,
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera
privada”; com a lei esse tipo de crime sendo no campo da violência doméstica e familiar sai do
rol dos delitos de menor potencial ofensivo e se torna uma grave violação de direitos humanos.
São criados Juizados especiais para julgar os casos de violência doméstica e familiar contra as
mulheres e proibi o uso de medida alternativa de penas pecuniárias como punição. Se reconhece
a violência doméstica e familiar em qualquer relação íntima de afeto independentemente de
orientação sexual, e também abrange as mulheres trans, o que evidencia o reconhecimento da
diversidade das mulheres.
Essa legislação é uma das mais avançadas do mundo no campo, construída na
perspectiva de integração dos poderes e dos entes federativos, que passa pelas áreas de
prevenção, assistência, acesso à justiça, medidas de urgência, dentre outros aspectos, na
perspectiva de que o Estado possa incidir no fenômeno da violência doméstica e familiar contra
as mulheres.
No âmbito dos órgãos e mecanismos institucionais, no fim de 2010 existiam Secretarias
de Políticas para às Mulheres em 23 estados brasileiros; no que diz respeito aos serviços
especializados de atendimento a mulheres em situação de violência, entre 2003 a 2014 ocorreu
um aumento de mais de 300%, crescendo de 332 para 1256 serviços, sendo ainda as Delegacias
os serviços com maior percentual de aumento (CARVALHO, 2015).
Embora tenha ocorrido um aumento significativo de serviços, isso não representou a
existência desses nem em 2% dos municípios brasileiros, uma vez que se tem 5.570 municípios
e os serviços estão concentrados majoritariamente nas capitais e regiões metropolitanas, o que

26
Com a articulação da Maria da Penha, - mulher, de classe média, que sofreu violência doméstica e familiar
perpetrada pelo companheiro e não obtinha respostas satisfatórias do poder público- com organizações de
movimentos de mulheres feministas, o Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi
punido, e obrigado a constituir legislação específica para coibir a violência contra às mulheres no País.
56

revela a distribuição geográfica desigual e a dificuldade das mulheres que vivem em regiões
mais distante terem acesso à política (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, 2012).
Com a SPM se iniciou um processo de fortalecimento das políticas públicas de
enfrentamento a violência contra às mulheres, com a elaboração de conceitos, diretrizes,
normas, definição de estratégias e ações, com isso se criou vários documentos que puderam
servir como diretrizes nacionais contribuindo para que os demais entes federativos construíssem
ações na área do enfrentamento a violência contra as mulheres.
Em 2007 é lançado o primeiro Pacto nacional de enfrentamento à violência contra às
mulheres, que visou descentralizar ações por meio de um acordo federativo entre o governo
federal e os outros entes da federação. Teve como objetivo principal reduzir os índices de
violência contra às mulheres e foi composto por quatro eixos: implementação da Lei Maria da
Penha e fortalecimento dos serviços especializados de atendimento; Proteção dos direitos
sexuais e reprodutivos e enfrentamento da feminização da aids; Combate à exploração sexual
de meninas e adolescentes e ao tráfico de mulheres; e promoção dos direitos humanos das
mulheres em situação de prisão (Pacto Nacional, 2007).
Esse documento se baseou na compreensão de que à violência contra às mulheres é um
fenômeno multidimensional, que necessita de políticas públicas amplas que se articulem nas
diferentes esferas da vida social, como no trabalho, educação, saúde, dentre outras. Nesse
sentido, não basta atuar somente nos efeitos da violência, é necessário atuar também em outras
dimensões como na prevenção, atenção e proteção. Esse Pacto fez parte da agenda social do
governo federal de 2007, sendo suas ações executadas entre 2008 a 2011 pelos atores
comprometidos com a proposta, um deles foi o Rio de Janeiro, que foi o primeiro Estado a
assinar o Pacto, o que significou receber recursos financeiros do governo federal para
implementar as políticas27.
Com isso os serviços especializados de atendimento à mulher mais que duplicou no
estado do Rio de janeiro entre 2007 a 2014, os Centros de atendimento à mulheres em situação
de violência/núcleos saltaram de 16 para 34, foram criados 10 novos juizados específicos para
tratar dos crimes de violência doméstica e familiar contra às mulheres, as DEAMs aumentaram
de 11 para 14, os órgãos de gestão aumentaram de 4 para 22, o que pode ter contribuído para
reduzir o número de homicídios de mulheres no estado entre 2007 a 2013 (Mapa da Violência,
2015).

27
Disponível em: <http://www.spm.gov.br/area-imprensa/ultimas_noticias/2007/11/not_primeiro_estado_rio> ,
acesso em 20 de janeiro de 2019.
57

Foram criados também neste período em âmbito federal, documentos importantes para
o direcionamento do eixo do enfrentamento à violência contra às mulheres previsto no PNPM
(2004; 2008): a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres (2011),
Rede de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres (2011), Diretrizes Nacionais para o
Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência (2011), Pacto Nacional pelo
Enfrentamento à Violência contra às Mulheres (2011) e desde 2006 existe a Norma Técnica de
Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência- PNEV (2011) é resultado do I PNPM
que a tinha como um de seus objetivos em 2004, tem por objetivo estabelecer conceitos,
princípios, diretrizes e ações, conforme legislações nacionais, normas e instrumentos
internacionais de direitos humanos, nos eixos de prevenção, combate, assistência e na garantia
dos direitos humanos das mulheres (Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres, 2011).
Um dos tratados e convenções importantes em que se baseia a PNEV (2011) é a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
conhecida como a Convenção de Belém do Pará, adotada em 9 de junho de 1994.
Essa Convenção é histórica pois exige dos Estados um compromisso na erradicação da
violência de gênero contra às mulheres, categoria importante para apontar as desigualdades
sociais entre homens e mulheres nessa sociedade e propor políticas públicas como forma de
intervenção e alteração da realidade. Somado a isso, se compreende que violência de gênero
contra as mulheres, não abrange somente mulheres cis 28, mas todas as formas de ser mulher,
concebendo a diversidade como ponto importante no enfrentamento a esse tipo de violência, e
aponta também a existência de várias formas de violência contra às mulheres além da violência
física.
O conceito de violência contra as mulheres expresso na PNEV (2011) fundamenta-se
nesta Convenção que compreende violência contra as mulheres como: “qualquer ação ou
conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico à
mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Art. 1º), e suas formas se expressam como:

28
Mulheres que tem congruência entre seu sexo biológico feminino, o sentimento subjetivo do sexo
feminino nascido e o gênero feminino designado. É a mulher que é politicamente vista como “alinhada” dentro do
seu corpo e de seu gênero. Disponível em: < https://www.geledes.org.br/o-que-sao-pessoas-cis-e-cissexismo/>,
acesso em 10 de janeiro de 2019.
58

 A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o


agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher,
compreendendo, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e
patrimonial;

 A violência ocorrida na comunidade e que seja perpetrada por qualquer pessoa


e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em
instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar;

 A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que
ocorra (violência institucional). (Art. 2 da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, 1994)

Em seu Artigo 4 afirma:

Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos


os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e
internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros:

a. direito a que se respeite sua vida;


b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
c. direito à liberdade e à segurança pessoais;
d. direito a não ser submetida a tortura;
e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua
família;
f. direito a igual proteção perante a lei e da lei;

(...)

(Art. 4 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência


Contra a Mulher, 1994)

No capítulo III desta Convenção estabelece os deveres dos Estados que a ratificam, e
aponta que na adotação de medidas e políticas para prevenir, punir e erradicar a violência contra
à mulher os Estados deverão levar em conta a situação:

da mulher vulnerável a violência por sua raça, origem étnica ou condição de


migrante, de refugiada ou de deslocada, entre outros motivos. Também será
considerada sujeitada a violência a gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação
sócio econômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de
privação da liberdade.
(Artigo 9 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher, 1994. Grifo nosso)

Assim, esse documento compreende as diversas opressões que as mulheres sofrem, bem como
suas interseccionalidades, apontando expressamente que deve se levar em consideração a
violência de gênero, que se articula com a raça e a classe. Nesse sentido a PNEV (2011) se
59

funda como meio para implementar os conceitos e fundamentos adotados pelo Brasil com a
ratificação dessa Convenção.
Nos eixos que se propõe a atuação, no campo preventivo destaca ações que contribua
na desconstrução de estereótipos de gênero que transformem os padrões sexistas, que
perpetuam desigualdades de poder. Abrange não só ações educativas, como ações culturais que
propague condutas igualitárias e valores éticos de respeito às diversidades de gênero.
O combate se refere a ações que abranja e estabeleça o cumprimento de normas penais
que garantam a punição e responsabilização do agressor/autores de violência contra às
mulheres.
No eixo da garantia dos direitos humanos das mulheres devem ser realizadas ações que
promovam o empoderamento das mulheres, o acesso à justiça e o resgate das mulheres como
sujeito de direitos, conforme previsto nas recomendações dos tratados internacionais da área de
violência contra as mulheres assinados pelo Brasil.
O último eixo se refere a assistência as mulheres em situação de violência, que prevê o
atendimento humanizado, a criação de serviços especializados e constituição/fortalecimento de
uma rede de atendimento as mulheres, que se articule as diferentes esferas de governo e a
sociedade civil, para constituir parcerias que possa enfrentar o fenômeno da violência contra às
mulheres de maneira onde se realize um atendimento mais integral e menos fragmentado.
A PNEV (2011) prevê ainda a conceituação da rede de atendimento, que surge como
um meio de dar conta da complexidade que é a violência contra às mulheres e das várias
dimensões que tem o problema e que perpassa por diferentes áreas, como a saúde, a assistência
social, a educação, a segurança, a cultura, dentre outras. A existência de uma rede de
atendimento qualificada, que deve ser articulada, pode minimizar o caminho que a mulher
percorre em busca de uma solução para a questão da violência vivenciada, que muitas das vezes
faz a mulher ir e vir sem soluções, contribuindo para seu desgaste emocional e revitimização.
No âmbito governamental essa rede de atendimento é composta por: Centro de
Referência de Atendimento à Mulher- CRAM, Núcleos de Atendimento à Mulher, Casas-
Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, DEAMs, Núcleos ou Postos de Atendimento à
Mulher nas Delegacias Comuns, Polícia Civil e Militar, Instituto Médico Legal, Defensorias da
Mulher, Juizados de Violência Doméstica e Familiar, Central de Atendimento à Mulher – Ligue
180, Ouvidorias, Ouvidoria da Mulher da Secretaria de Políticas para às Mulheres, Serviços de
Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica, Posto de
60

Atendimento Humanizado nos Aeroportos e Núcleo da Mulher da Casa do Migrante (Política


Nacional de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres, 2011).
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres tem os seguintes
objetivos específicos:

 Reduzir os índices de violência contra às mulheres.


 Promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes
igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de
valorização da paz.
 Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência
considerando as questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de
deficiência e de inserção social, econômica e regional.
 Proporcionar às mulheres em situação de violência um atendimento
humanizado e qualificado nos serviços especializados e na Rede de Atendimento.
(Política Nacional de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres, 2011, p.35)

Esses objetivos pretendem ser atingidos a partir da implementação de ações previstas no II


Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2008), que tem como prioridade:

 Ampliar e aperfeiçoar a Rede de Prevenção e Atendimento às mulheres em


situação de violência (assistência).
 Garantir a implementação da Lei Maria da Penha e demais normas jurídicas
nacionais e internacionais (combate e garantia de direitos).
 Promover ações de prevenção a todas as formas de violência contra às
mulheres nos espaços públicos e privados (prevenção).
 Promover a atenção à saúde das mulheres em situação de violência com
atendimento qualificado ou específico (assistência).
 Produzir e sistematizar dados e informações sobre a violência contra às
mulheres (prevenção e assistência).
 Garantir o enfrentamento da violência contra às mulheres, jovens e meninas
vítimas do tráfico e da exploração sexual e que exercem a atividade da prostituição
(prevenção, assistência e garantia de direitos).
(Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres, 2011, p.37)

Importante ressaltar que se chega em 2013 com a aderência de todas as 27 unidades


federativas ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres e com o
aumento em mais de 65% de serviços especializados em comparação ao ano de 2007, quando
foi lançado o Pacto Nacional; ocorreu a implicação de outras pastas no que se refere ao tema
do enfrentamento à violência contra às mulheres; no âmbito da implementação da Lei Maria da
Penha entre 2006 a 2011 foram distribuídos mais de 685 mil procedimentos e concedidas mais
de 278 mil medidas protetivas, além da realização de campanhas no meio judiciário para
mobilizar o setor para o combate à violência contra às mulheres e dar celeridade aos casos; o
61

ligue 180 atingiu a marca de 3 milhões de atendimento desde a sua criação até 2013 (PNPM,
2013).
Vemos um avanço no campo especialmente do enfrentamento à violência doméstica e
familiar, sexual e algumas ações e encaminhamentos ainda incipientes no enfrentamento ao
tráfico, exploração sexual de mulheres e exploração sexual comercial de mulheres,
adolescentes/jovens, mas quais são as regulamentações, normas, para os casos de violência
institucional contra às mulheres? De acordo com a PNEV (2011) Violência Institucional é:

aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições prestadoras de serviços
públicos. Mulheres em situação de violência são, por vezes, ‘revitimizadas’ nos
serviços quando: são julgadas; não têm sua autonomia respeitada; são forçadas a
contar a história de violência inúmeras vezes; são discriminadas em função de
questões de raça/etnia, de classe e geracionais. Outra forma de violência institucional
que merece destaque é a violência sofrida pelas mulheres em situação de prisão, que
são privadas de seus direitos humanos, em especial de seus direitos sexuais e
reprodutivos. (Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres,
2011, p. 23)

Segundo TAQUETTE (2007), a violência institucional abrange desde a dimensão mais


ampla, como o não acesso aos serviços, bem como a má qualidade dos serviços prestados, até
formas mais sutis, mas não menos violentas, tais como:

“abusos cometidos em virtude das relações desiguais de poder entre profissional e


usuário. Uma forma comum de violência institucional ocorre em função de práticas
discriminatórias, sendo as questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e religião
um terreno fértil para a ocorrência de tal violência” (Taquette, 2007, p.94).

Essa forma de violência parecer ser ainda pouco discutida e visibilizada, bem como ter
poucos instrumentos para seu enfrentamento, uma pergunta que se faz necessária é: de que
forma está ocorrendo o enfrentamento deste tipo de violência no Brasil? Como os serviços que
atendem as mulheres em situação de violência vem encaminhando esses casos?
A SPM foi o resultado da luta das mulheres para garantir políticas públicas que
promovessem a igualdade de gênero no país. Através dela se regulamentou o CNDM inserindo
a participação da sociedade civil, integrando-o a essa Secretaria; a transversalidade de gênero
foi uma perspectiva almejada importante, pois evidenciou para as outras pastas a importância
da temática e de construção de ações em todas as áreas para que as mulheres tenham melhores
condições de vida. Mas identifica-se que o campo mais estruturado foi o do enfrentamento à
violência contra às mulheres, ficando os demais com baixo alcance e ações (BRITO, 2013).
62

Essa fato evidencia que embora tenha ocorrido ações importantes para o campo da
igualdade de gênero, essa ainda não é uma prioridade do governo, e isso se explicita por
exemplo pela quantidade apontada anteriormente de municípios que foram atingidos, e nos faz
refletir o quanto o patriarcado é estruturante em nossa sociedade.
Ocorreram avanços no que diz respeito a estrutura dos serviços, produção de referenciais
teóricos, mudança de legislações, mas se pode notar que a política para às mulheres não se
estabeleceu como uma política de Estado e sim de governo, mantendo a sua condição de
precariedade. A partir do processo eleitoral de 2014, com a formação de um congresso nacional
mais conservador da história desde 196429 inicia-se um ataque aos poucos direitos conquistados
pela classe trabalhadora desde 1988, que atinge profundamente as políticas para às mulheres.
No estado do Rio de Janeiro, desde 2014 conforme aponta Pougy (2017) os serviços
para as mulheres vem sendo desmantelados:

Os serviços de atendimento às mulheres no Rio de Janeiro estão fenecendo desde


2014, quando os rearranjos eleitoreiros para o executivo e legislativo – estadual e
federal – consentiram em rifar a área de políticas para as mulheres para partidos
políticos com baixa tradição na área específica ou mesmo no campo dos direitos
humanos. A frágil estabilidade com que a Subsecretaria de Políticas para Mulheres,
vinculada a então Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos,
se organizava, junto a outras Superintendências, como a Superintendência de Direitos
individuais, coletivos e difusos, responsável pelo programa Rio Sem Homofobia,
revela uma concepção de cidadania afinada ao modelo patriarcal, no qual a opressão
a todas as identidades de gênero que não correspondam ao padrão heterossexual,
macho, branco e rico deva ser reprimido. (POUGY, 2017, P. 10)

Nesse contexto a pasta da mulher passa por inúmeras trocas de gestoras e profissionais,
em quatro anos passando pela pasta 07 gestoras, entre o fim de 2014 à 2016 às profissionais
dos serviços de atendimento à mulheres em situação de violência receberam seus salários
atrasados, chegando ao ápice de ficarem mais de cinco meses sem receber qualquer valor
remuneratório, e dos quatro CEAMs coordenados pelo governo estadual, três foram fechados
por algum período nesses meses, sendo a Casa da Mulher de Manguinhos a única que não foi
reaberta30, e um ficando funcionando em sistema de rodízio de profissionais31.

29
Disponível em < https://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-olho/nota-das-promotoras-legais-
populares-sobre-a-extincao-da-spmpr/>, acesso em 24 de janeiro de 2019.
30
A Casa da Mulher de Manguinhos não foi reaberta, seu espaço foi invadido, roubado e vandalizado; em
2018, ano eleitoral, se noticiou a abertura do serviço, que pode ser lido em: <http://www.riosolidario.org/governo-
inaugura-nova-sede-da-casa-da-mulher-de-manguinhos-para-atender-vitimas-de-violencia/ > , acesso em 10 de
janeiro de 2019. Mas o que ocorreu na verdade foi a abertura de uma sala dentro do Centro de Referências de
Juventude-CRJ de Manguinhos para atendimento, sendo que os de violência são encaminhados para os serviços
especializados da rede, e o espaço sendo utilizado somente para orientações e informações.
31
Carta dos profissionais da Secretaria aos veículos de comunicação informando a situação das
63

Nesse cenário já nefasto e que dava indícios de como as forças políticas estavam se
rearticulando, em 2015 ocorre a fusão das pastas da SPM, Secretaria de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial-SEPPIR e Direitos Humanos formando um único Ministério, o das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, o que é um retrocesso e não contribui
para manter a coalisão do governo com os demais partidos32. Em seguida ocorre a destituição
da primeira mulher no Brasil a ser eleita para a Presidência da República, realizado através de
“um golpe jurídico, parlamentar e midiático com conteúdo misógino” (POUGY, 2017, P.11).
Nesse cenário as taxas que expressam o assassinato de mulheres no Brasil regressam, tendo em
2016 o maior aumento de dez anos, sendo 4.645 mulheres vítimas de homicídio no país
(ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018).
Segato (2016) aponta que está em curso no Brasil o retorno do discurso moral da política
dos proprietários, construindo um novo tempo de moralismo cristão familista, destaca que o
impeachment da primeira presidenta eleita ocorreu no congresso nacional com uma maioria de
votos declarados publicamente em nome de Deus e pelo bem da família.
Esse ponto é importante, pois também se relaciona com o que apontamos no primeiro
capítulo, qual foi o paradigma de mulher construído na sociedade moderna, reforçado com a
colonialidade/modernidade? Em seguida tivemos a aprovação da Emenda Constitucional 95 em
dezembro de 2016, que congelou os gastos nas políticas sociais pelos próximos 20 anos, tendo
o propósito claro de limitar os gastos na área de saúde e educação que estavam vinculados à
evolução da arrecadação federal, conquistas garantidas pela Constituição de 1988 que tinham
como objetivo preservar e priorizar os gastos nessas áreas, identificadas como fundamentais,
independentemente do governo que estivesse no poder33.
Vimos pautas ressurgindo no Congresso Nacional que visavam atingir os direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres, como o Estatuto do Nascituro e o aborto previsto em Lei34,
tais propostas incluíam a retirada do direito ao aborto em caso de estupro e o atendimento
humanizado no Sistema Único de Saúde- SUS das mulheres que sofreram violência sexual,
impossibilitando o acesso a medicação para prevenir possíveis consequências dessa violência

trabalhadoras e trabalhadores dos serviços em 2015: Disponível em <


http://www.cressrj.org.br/site/destaques/carta-aberta-dos-trabalhadores-da-seasdh-aos-veiculos-de-
comunicacao/>, acesso em 10 de janeiro de 2019.
32
Após o processo de impeachment ocorre nova mudança na estrutura dos Ministérios e a pasta das mulheres é
deslocada para a Secretaria de governo da Presidência da República com o decreto 9.137 de 2017.
33
Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/politica/entenda-o-que-esta-em-jogo-com-a-pec-241/> ,
acesso em 22 de janeiro de 2019.
34
“Projeto de Lei que privilegia os direitos do feto desde o momento da concepção e que transforma o aborto em
crime hediondo.” Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/estatuto-do-nascituro-avanca-na-
camara-em-meio-a-crise-politica>, acessado em 20 de junho de 2018.
64

como a concepção ou doenças sexualmente transmissíveis35; a luta pela igualdade de gênero é


demonizada e deturpada com o mito da existência de uma “ideologia de gênero”, que
supostamente visa acabar com a família, induzir crianças e adolescentes a se relacionarem com
pessoas do mesmo sexo e “naturalizar”36 as relações homoafetivas, deturpando o suposto papel
dado por Deus à mulher e ao homem, a função da procriação.
Toda essa retórica mítica tem somente um objetivo, reforçar os valores da família
nuclear burguesa, manter os privilégios dos homens brancos, ricos, reforçar a normatização
heterossexual cristã e manter as relações de poder entre homens e mulheres, ricos e pobres,
brancos e negros, que sustentam as desigualdades. O reforço ao patriarcado está em voga como
nunca, para Segato (2016), a democracia multicultural embora não tenha corroído a estrutura
capitalista ameaçou destruir os fundamentos das relações de gênero, que para a autora é o pilar
e pedagogia de todo o poder, pela profundidade histórica e pela atualização constante de sua
estrutura, por isso esse retorno à defesa de uma moralidade conservadora que se utiliza de um
Deus e da família para salvaguardar as estruturas de dominação-exploração.
No campo do trabalho em 2017, foi aprovada a reforma trabalhista, através das Leis
13.467 de 13 de julho de 2017 e da Lei 13.429 de 31 de março de 2017, que alteram artigos
significativos da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, flexibilizando ainda mais as
relações, regulamentando novas modalidades de trabalho como o trabalho intermitente e o
trabalho remoto, permitindo que o trabalho temporário seja utilizado também para atividades
fins. Se concebemos que as mulheres ainda vivem em condições desiguais se comparadas aos
homens no âmbito do trabalho por uma questão de gênero, rapidamente se compreenderá que
essas ações aprofundarão essas desigualdades e a precarização das condições de trabalho e de
vida desse grupo.
Nesta reforma mulheres grávidas e lactantes passam a poder trabalhar em locais
insalubres, em home office não existe o controle do tempo da jornada de trabalho, a
remuneração é realizada por tarefa, no trabalho intermitente, os contratos passam a ser
permitidos em trabalhos que não são contínuos, o horário de almoço passa a poder ser negociado
entre empregado e empregador, não sendo obrigatório o mínimo de 1 hora de almoço, os
trabalhadores que perderem causas na justiça terão que pagar os custos processuais e honorários

35
Disponível em < https://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-olho/nota-das-promotoras-legais-
populares-sobre-a-extincao-da-spmpr/>, acesso em 24 de janeiro de 2019.
36
Para os defensores do projeto ultraconservador a homossexualidade é patologia, ou seja, doença.
Disponível em < https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/a-farsa-que-sustenta-a-cura-gay/>, acesso em 24
de janeiro de 2018.
65

da parte empresarial contrária, a contribuição sindical anual passa a não ser mais obrigatória, o
que fragiliza as organizações sindicais já desmontadas em décadas anteriores.
A questão econômica é um quesito importante para a promoção da autonomia das
mulheres, pois é um aspecto fundamental para prover sua subsistência (DAVIS, 2017), após a
reforma trabalhista, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2018) informa que
possui 27,5 milhões de pessoas em situação de subutilização, que abrange, as pessoas
desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e a força de trabalho
potencial, ou seja, mais de 10% da população brasileira está nessa condição, acrescentado a
isso, o número de pessoas fora da força de trabalho é de 65,4 milhões de pessoas, o que significa,
mais de 30% da população, somados esses dois grupos, se tem 45% da população brasileira em
2018 sem trabalho digno.
Oferecendo um recorte de gênero, o IBGE(2018) aponta que o desemprego atinge mais
as mulheres. A taxa de desocupação de mulheres é de 14,2%, maior que a dos homens, que está
no nível de 11%; além disso 64,9% da população fora da força de trabalho são de mulheres.
Isso significa que o Brasil tem em 2018 mais de 42 milhões de mulheres fora da força de
trabalho, que estão sem trabalho ou sem perspectiva concreta de consegui-lo, se hoje a
população feminina é mais de 50% da população, sendo mais de 100 milhões de mulheres
brasileiras, temos mais de 40% de mulheres brasileiras em condições difíceis para promover o
seu sustento e consequentemente de suas famílias.
Vimos no Brasil mesmo antes do golpe de 2016 o crescente discurso de ódio das massas
e a construção fantasiosa de um bode expiatório responsável pelas crises cíclicas do capital,
assim como aponta Arendt (2008), através do conceito de antissemitismo, é necessário um
objeto para direcionar o ódio dessa perda. Para ela essa prática se encontra na raiz da cultura da
modernidade, se traduzindo na não aceitação da existência do outro e sim da sua superioridade
em relação ao outro, esse outro pode existir desde que longe de mim, ou desde que ele não se
localize em espaços sociais que não são para eles, assim, para as saídas das crises estruturais se
implantam governos totalitários que reproduzem e reforçam essa prática.
A autora dá como exemplo a época do nazismo na Alemanha, que se utilizou do povo
Judeu, mas aponta que esse bode expiatório se altera de acordo com a época, com a história. Na
crise sentida mais fortemente pelo Brasil a partir de 2015, trouxe com ela o Pária comunista 37,

37
Se puxarmos na memória houve um período que as pessoas não podiam nem sair na rua de camisa vermelha que
estavam correndo risco de serem agredidas, podemos dar como exemplo as seguintes notícias veiculadas na
época: https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/03/25/cardeal-de-sao-paulo-e-agredido-durante-
missa-e-chamado-de-comunista/ e
66

o inimigo do povo, da economia, aquele que levou o país a miséria, que criou os vagabundos
com o programa Bolsa família38, que acabou com o ensino colocando pobres e negros para
entrar nas Universidades, ou seja, a crise econômica vivenciada no Brasil é fruto dos ditos
comunistas que contribuíram, de forma muito aquém do esperado eu diria, para a população
pobre acessar alguns direitos e não propriamente da estrutura intrínseca do modo de produção
capitalista.
Segundo dados da Organização Não Governamental Oxfam (2019) o número de
bilionários dobrou desde a grande crise econômica de 2008, no Brasil o crescimento foi de 18
para 42. Aqui segundo a ONG, as pessoas 10% mais pobres pagam mais impostos do que as
10% mais ricas. Os recursos da metade mais pobre do planeta tiveram redução de 11% 39. Em
outro relatório apresentado em 201740 a ONG destaca que mais de 80% da riqueza criada nesse
ano foi para a mão dos mais ricos que representam 1% da população no mundo, ocorreu um
aumento histórico dos multimilionários e dentro dos 2.043, 9 em cada 10 são homens. Assim,
a ideologia fomentada pela extrema-direita é uma fantasia que oculta a verdadeira causa da
piora das condições de vida de grande parte da população.
As mulheres parecem entender toda essa escalada de desmonte de direitos, e terem a
certeza que o lado mais atingido, serão os das nossas vidas, as vésperas das eleições mais
acirradas entre campos políticos polarizados, utilizam as redes sociais para se organizar e vão
as ruas levando mais de 3 milhões de pessoas com o grito ELE NÃO41, lutando e se colocando
como resistência no caso de um Presidente da República que representa a ultradireita.
Há 20 dias do segundo turno das eleições em 2018 se formou um campo progressista
em torno do apoio à candidatura de Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores-PT, com
o slogan “todos pela democracia” partidos progressistas e sociedade civil se alinham para
realizar a campanha “Vira voto”, criando espaços nas ruas para dialogar com a população e tirar
dúvidas sobre a campanha presidencial, na tentativa de reverter o segundo turno das eleições e
o candidato do PT se eleger42. Em uma sociedade que produz uma estrutura política sem

https://www.google.com.br/amp/s/www.pragmatismopolitico.com.br/2016/08/leticia-sabatella-e-agredida-em-
curitiba-comunista-cria-vergonha.html/amp , acessados em 23 de abril de 2018.
38
Crítica de Maia ao programa Bolsa Família, disponível em <https://istoe.com.br/maia-reitera-critica-ao-bolsa-
familia-e-diz-que-programa-precisa-ir-alem/>, acessado em 23 de abril de 2018.
39
Disponível em < https://www.poder360.com.br/economia/relatorio-da-oxfam-aponta-crescimento-de-12-da-
fortuna-de-bilionarios/> , acesso em 24 de janeiro de 2019.
40
Disponível em < https://www.dn.pt/mundo/interior/mais-de-80-da-riqueza-gerada-no-mundo-em-2017-nas-
maos-de-1-da-populacao---ong-9064363.html>, acesso em 24 de janeiro de 2019.
41
Disponível em < http://www.justificando.com/2018/10/04/a-politica-da-violencia-e-a-violencia-politica-
mulheres-nas-eleicoes/> , acesso em 26 de janeiro de 2019.
42
Disponível em < https://www.brasildefato.com.br/2018/10/27/artistas-aderem-a-campanha-vira-voto-e-vao-as-
67

mediações, no qual as instituições democráticas viram meros rituais (ARENDT, 2008), o


fomento dessa ação, se torna importante para dar visibilidade a importância dos movimentos de
base, que a grande maioria dos partidos perderam, mas que no fim da década de 1980 eram
fortes e tinham grande importância na eleição dos candidatos.
Embora se torne possível as alianças em prol da democracia, nesse momento ela não foi
capaz de barrar a eleição de um candidato que provavelmente contribuirá para aprofundar as
mazelas existentes no país, e a conjuntura que se apresenta deve ser refletida também sobre os
erros cometidos nos 14 anos dos governos do PT, que muito contribuíram para o aumento da
riqueza das grandes empresas privadas43 e para a ampliação de um Estado de exceção44 no país.
Vemos em 2018 a eleição de um candidato para a Presidência da República do Brasil45,
sem debate público, baseando toda a campanha eleitoral em jargões contra o Partido dos
Trabalhadores-PT, contra os “comunistas”, contra a suposta ideologia de gênero, com ameaças
a todos aqueles que se coloquem em oposição as suas propostas, com a disseminação de notícias
falsas pelas redes sociais e com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, que
remete a um chamado a união de todos por um único Brasil, assim como Hitler utilizou na
Alemanha em seu governo nazista. Tivemos um período eleitoral tristemente marcado pela
violência extrema com pessoas sendo atacadas, assassinadas, tendo sua privacidade invadida46,
além de tentativas de cerceamento de liberdade de expressão em algumas Universidades do

ruas-conversar-com-indecisos/> , acesso em 26 de janeiro de 2019.


43
Ver sobre em LOURENÇO, Edvânia; SILVA, José; SANT’ANNA, Raquel. (Orgs), 2013.
44
Em 2013 em atos contra o aumento da tarifa do transporte público no Rio de Janeiro, 64 pessoas foram
presas na Cinelândia. Dentre esses estavam ativistas, trabalhadores e até quem estava passando na hora da
manifestação. Todos foram acusados dos mais variados crimes, como por exemplo associação criminosa. Desses
64 presos, um foi condenado por porte ilegal de artefato incendiário, isso por que ele portava uma garrafa de
água sanitária e outra de pinho sol, Rafael Braga, negro, pobre, ficou encarcerado por mais de 1 ano por esse
suposto crime. Além disso em 2014, 23 ativistas foram presos acusados dos mais variados crimes, dentre esses
estavam, estudantes, professores e pesquisadores. Todos processados pela Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013-
Lei Antiterrorista criada no governo petista sancionada pela presidente da época Dilma Roussef. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> , acessado em 23 de abril de 2018.
Disponível em <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/10/ato-no-rio-tem-64-presos-27-deles-
autuados-em-lei-de-crime-organizado.html> , acessado em 23 de abril de 2018.
Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/justica-decide-manter-prisao-de-morador-de-rua-
que-carregava-pinho-sol-e-agua-sanitaria-4961.html> , acessado em 23 de abril de 2018. Importante lembrar
que essas ações ocorreram no período dos Mega eventos (como a Copa e as Olímpiadas) no Brasil.
45
Candidato eleito para o mandato de 2019 à 2022.
46
O grupo de mulheres contra o candidato Bolsonaro no facebook foi hackeado, além das contas individuais
das administradoras do grupo, disponível em: < https://noticias.r7.com/sao-paulo/grupo-de-mulheres-contra-
bolsonaro-no-facebook-e-hackeado-15092018>, acesso em 10 de janeiro de 2019; Uma das administradoras do
grupo foi agredida fisicamente na porta de sua casa, disponível em:
<https://www.huffpostbrasil.com/2018/09/25/administradora-do-grupo-mulheres-contra-bolsonaro-e-agredida-
no-rio-de-janeiro_a_23541746/>, acesso em 10 de janeiro de 2019; Mestre de capoeira é assassinado com 12
facadas em bar por discordância política, disponível em:
<https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2018/10/17/investigacao-policial-conclui-que-morte-de-moa-do-
katende-foi-motivada-por-briga-politica-inquerito-foi-enviado-ao-mp.ghtml>, acesso em 10 de janeiro de 2019.
68

Brasil somente pelo fato de exporem nos prédios, pelos coletivos estudantis universitários,
bandeiras com frases antifascismo47, ou seja, temos um contexto eleitoral com a violação de
direitos básicos.
As indicações para Ministros do seu governo ilustra como este se desenvolverá, sendo
composto majoritariamente de homens, brancos, passando dos sete militares a teóricos
conservadores tanto da área econômica como da educação, as duas mulheres que integram esse
escalão, uma sendo líder da bancada ruralista no Brasil, que não por acaso assumiu a pasta da
Agricultura e já no primeiro dia de governo recebeu para seu comando a responsabilidade da
demarcação das terras indígenas e quilombolas48 com a compreensão do Presidente de que com
isso irão “integrar” os índios49, pelo que parece a expulsão desses de suas terras significa
inclusão para o novo presidente; a outra mulher a fazer parte desse grupo, é Advogada, Pastora,
nomeada como Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que não esconde o viés
ideológico conservador, defensora da família burguesa, dos valores cristãos patriarcais e dos
“bons costumes”, costumes esses que na história relegaram as mulheres a apêndice dos homens,
a uma condição de subalternidade e escravidão perante a sociedade patriarcal, que fizeram com
que nós pudéssemos sermos mortas em defesa da honra do homem e da família.
A configuração do atual governo, parece pretender aprofundar os elementos da
colonialidade/modernidade (QUIJANO, 2005) que constituem o padrão de poder em que
vivemos. A construção liberal dos sistemas de direitos, reforçam uma perspectiva colonizadora
de igualdade e liberdade, o que contribui para o fortalecimento do patriarcado, do racismo e do
capitalismo, dessa forma os movimentos feministas/mulheres devem ter como norte a crítica a
colonialidade/modernidade constitutivo das políticas públicas atuais e que impõe um padrão
eurocêntrico na agenda das mulheres (POUGY, 2017).

47
Disponível em: < https://www.cartacapital.com.br/politica/censura-as-universidades-brasileiras/>, acesso em 10
de janeiro de 2019.
48
Na reestruturação dos órgãos da Presidência da República o governo Bolsonaro em seu primeiro ato com a
criação do Ministério da Agricultura, transfere para esse Ministério a responsabilidade de demarcação das terras
indígenas, que antes era responsabilidade da Fundação Nacional do Índio(FUNAI), quilombolas, antes era
responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o serviço florestal, antes
vinculado ao Ministério do meio ambiente.
49
Disponível em < https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/02/bolsonaro-transfere-para-a-agricultura-as-
atribuicoes-sobre-demarcacao-de-terras-indigenas-e-quilombolas.ghtml>, acesso em 24 de janeiro de 2019.
69

Capítulo 3 – Políticas públicas, mulheres e territórios de favela

Esse capítulo pretende trazer para o debate elementos que contribuam para a
compreensão da importância de pensar o território quando da implementação de políticas
públicas para as mulheres, uma vez que essas relações impactam diretamente em como essas
políticas irão se operacionalizar e atingir as mulheres residentes nas favelas. Junto a isso,
pretende-se evidenciar o papel das mulheres na conformação e organização das relações nas
favelas, na luta por direitos e na proposta de alternativas para o enfrentamento de violações,
especialmente das práticas que contribuam para enfrentar à violência contra às mulheres.
Para isso utilizo como metodologia a análise de fontes bibliográficas, documentos
publicados por instituições governamentais, não governamentais, movimentos sociais e
matérias de imprensa sobre o território de Manguinhos a partir de 2010, ano em que se funda a
Casa da Mulher de Manguinhos, um Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em
Situação de Violência dentro do território de favela, no escopo de implementação do Programa
de Aceleração do Crescimento-PAC e que três anos depois, em 2013, recebe também a
implantação do projeto de Unidade de Polícia Pacificadora-UPP, o que reconfigura as relações
no território impactando a vida das mulheres e de suas famílias.

3.1 A exceção é a regra nos territórios de favela


Em 1988, no Brasil, como vimos temos um marco importante na promulgação da
Constituição Cidadã, após 21 anos de luta contra a ditadura, que promoveu perseguições
políticas, assassinatos de civis, desaparecimentos forçados, finalmente um regime
constitucional democrático, com maior liberdade de expressão e ampliação de direitos
garantidos por legislação.
Mas, posteriormente a aprovação da Constituição de 1988, aconteceram dois episódios
que demonstraram que a abertura política e os direitos civis para as mulheres e a população
residente em favela não estavam garantidos. Em 1990 ocorre a Chacina de Acari, no qual 11
pessoas desapareceram, entre elas nove adolescentes. Através de uma testemunha já falecida,
se obteve a informação que foi um caso envolvendo policiais, mas não encontraram os corpos
e o caso ficou impune, sem indiciamento dos possíveis agentes, tendo ocorrido o encerramento
do processo em 201050. Em 1993 outro episódio parecido foi a chacina de Vigário Geral, em

50
Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-07/chacina-de-acari-completa-hoje-25-
anos-de-impunidade-segundo-ong> acesso em 05 de outubro de 2018.
70

que foram assassinadas 21 pessoas moradoras da favela por policiais militares, ação que seria
um troco dos policiais pelo assassinato de quatro policias no território, supostamente atacados
por traficantes (DUTRA, 2003).
Em ambos os casos você tem o direito à vida, sendo violado, muito claramente por
agentes estatais. Desde a sua gênese os territórios de favela se constituem pela violação de
direitos da população perpetrados pelo Estado, e como vimos no primeiro capítulo a função era
excluir esse grupo. Mas, assim como os quilombos no período imperial, as favelas na
atualidade, são espaços de resistência ao poder hegemônico constituído (CAMPOS, 2012).
Se apontou no primeiro capítulo que simultaneamente ao desenvolvimento do sistema
capitalista em sua forma mundializada a partir da Europa também ocorria o massacre de milhões
de índios na América e de negros na África (QUIJANO, 2005), o que evidencia que a barbárie
e a violência são intrínsecos a modernidade em que vivemos. Nesse sentido, embora se constitua
a partir da revolução industrial na Europa um direito positivado, que visa regular os direitos,
esses direitos não são para todos e sim somente para quem se enquadra no projeto liberal, que
tem como base a propriedade privada, fundamentado em um ideário iluminista moderno, que
se torna inaplicável na sociedade capitalista, afinal a lógica da ampliação de direitos é
contraditória com a existência de classes sociais produzidas pelo capitalismo (YASBEK, 1997
apud POUGY, 2017).
Quando os marcos regulatórios se expandem especialmente a partir de 1948, com a
Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, embora ocorram pela luta dos
movimentos sociais, não há a exclusão das ações de exceção, pois a existência do Estado de
exceção é a única forma de manter a acumulação de capital (MENEGAT, 2017). Para esse autor
o Estado pode ser considerado uma máquina de guerra, máquina essa que vem servindo para
contribuir e manter o desenvolvimento da acumulação de capital, sendo o Estado de exceção o
meio pelo qual se garante a valorização do dinheiro.
Menegat (2017) traz a importante reflexão sobre como o poder bélico tem sido um
mecanismo para exterminar parte da população e que esse mesmo poder cumpre uma função
econômica importante no sistema capitalista, permitindo a circulação do dinheiro e a
acumulação de capital. Como exemplo é possível citar os Estados Unidos no ano de 2010,
quando o país passava por uma crise econômica sistêmica do modo de produção capitalista, o
setor bélico arrecadou 150 bilhões de dólares, sendo somente o “Pentágono responsável por
75% desse faturamento”51 ou seja, 112 bilhões de dólares foram gastos pelo governo norte

51
Disponível em https://exame.abril.com.br/revista-exame/a-industria-de-150-bilhoes-m0051720/ , acessado em
71

americano no setor, contraditoriamente o país tinha 46,2 milhões de norte-americanos vivendo


em condição de pobreza, ou seja, um pouco mais de 15% da população, que naquele período
era de 309 milhões de pessoas52.
Mesmo em meio a uma crise econômica que levou a ruína muitas famílias americanas,
o Estado manteve a sua injeção financeira na indústria bélica, desconsiderando a miséria que
15% da população americana vivenciava.
No Rio de Janeiro tivemos a partir de 2008 a implantação do projeto das Unidades de
Polícia Pacificadora-UPP nos territórios de favela, que tinha como objetivos de acordo com o
Decreto - Lei nº 42.787 de 06 de janeiro de 2011:

§2º-São objetivos das UPPs:

a. consolidar o controle estatal sobre comunidades sob forte influência da


criminalidade ostensivamente armada;
b. devolver à população local a paz e a tranquilidade públicas necessárias ao exercício
da cidadania plena que garanta o desenvolvimento tanto social quanto econômico.

Mas como alguns profissionais e acadêmicos indicaram a UPP tem relação com projeto
de cidade53, criadas na relação direta com os megaeventos e as remoções, formando áreas
militarizadas protegendo as regiões que teriam grandes investimentos, ou seja, tem relação com
um projeto de cidade que é voltado para a mercadorização do espaço urbano e não para o
desenvolvimento social e econômico como seus autores indicaram.
Apesar da UPP se manteve a falta de políticas sociais básicas para essa população: a
inexistência de acesso a equipamentos de cultura, educação, políticas de saúde, saneamento
básico, coleta de lixo regular, quantidade de profissionais nos serviços públicos para
atendimento à população, mas, se fortaleceu a entrada de empresas de TVs por assinaturas,
empresas de telefonia nas favelas, aumentou a especulação imobiliária no entorno das regiões
desses territórios, saindo de 24% de valorização dos preços dos imóveis para 104%54, ou seja,
com o projeto inicialmente as grandes empresas puderam ter a população da favela também

16 de abril de 2018.
52
Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Censo_dos_Estados_Unidos_de_2010 , acessado em 16 de abril de
2018.
53
Disponível em < https://www.revistaforum.com.br/marcelo-freixo-globo-e-socia-de-um-projeto-autoritario-de-
cidade/> acesso em 22 de junho de 2018.
54
Pode ser visto em: <http://construcaomercado17.pini.com.br/negocios-incorporacao-construcao/127/o-efeito-
upp-a-pacificacao-de-favelas-no-rio-282612-1.aspx>, acesso em 27 de janeiro de 2019. Disponível também
em: < http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/proprietarios-de-imoveis-em-areas-
com-upp-estaeo-rindo-a-toa-com-a-valoriza/www.youtube.com/embed/TCmfbDcVUSc> acesso em 24 de
janeiro de 2019.
72

como consumidores e o Estado cumprir um papel de agente do mercado, não de cidadania


(FRANCO, 2014).
A vida dentro da própria favela se tornou mais onerosa, os moradores perderam seus
espaços de trabalho, seja porque não conseguiram ter condições de legalizar com o pagamento
de impostos, seja também porque não conseguiram arcar com os custos dos poderes locais,
incluindo aqui o pagamento da polícia corrupta e dos varejistas de drogas que permaneceram
nas favelas, ou até mesmo porque os espaços que também contribuíam para a circulação de
dinheiro na favela como as atividades culturais, de lazer, como os bailes funks foram impedidos
de serem realizados.
Com essa política os becos e vielas se tornaram locais de violência institucional, nos
quais mulheres eram revistadas por policiais homens e sofriam abusos, moradores agredidos
verbalmente e detidos por não terem documentos; a regulação da vida dos moradores pela via
militar, sendo os agentes policiais responsáveis por autorizar atividades culturais dentro da
favela, mesmo que fosse uma festa no interior da casa dos moradores 55 e jovens evadindo da
escola porque policiais da UPP faziam as escolas de sua base policial, cerceando seus direitos
de ir e vi e de serem jovens56. Na prática se criou dificuldades ainda maiores do exercício da
cidadania e de acesso aos direitos.
Em 16 de fevereiro de 2018, através do decreto federal nº 9.288 se ordenou a intervenção
federal no Rio de Janeiro, com a justificativa de que o estado vivenciava um momento de
violência em seu nível extremo e que a ação era necessária para reestabelecer a ordem e impedir
o avanço do crime (Observatório da Intervenção, 2018), embora os dados do Instituto de
Segurança Pública –ISP do Rio de Janeiro, indiquem que no mês anterior ao da intervenção não
tenha ocorrido aumento de crimes comparado aos outros anos, o fomento da imagem de uma
cidade violenta se fortaleceu com a ação da mídia sobre os casos ocorridos no carnaval.
A mídia cumpriu o papel de realizar uma espetacularização da violência, difundindo o
pânico e a desordem, o que é necessário segundo Malaguti (2011), para que parte da população
legitime políticas de lei e ordem que discipline e neutralize os corpos dos favelados e as práticas
de resistência.

55
O cerceamento através do controle militar foi legalizado pelo uso da Resolução SESEG 013 de 23 de Janeiro
de 2007. Informação que pode ser confirmada pela publicação: < http://rioonwatch.org.br/?p=5388> acesso
em 20 de junho de 2018.
56
No Relatório do Fórum de Juventudes(2015) Jovem de Manguinhos relata: “ não podemos ser jovens, andar de
boné ou namorar no Colégio Luiz Carlos da Vila, que eles vem nos dar dura” (p.22)
73

Nesse contexto, se supunha que as UPPs teriam um fim, e o governo federal necessitava
de uma saída para responder a crise em que vivia, uma vez que não estava conseguindo articular
as bases políticas para realizar reformas profundas, como a reforma da previdência. A
intervenção federal no Rio ocorre com um cunho político e que permite o governo federal
abandonar, sem muitos prejuízos, a proposta da reforma da previdência, pois de acordo com a
Constituição de 1988 é proibido a votação de emendas constitucionais durante período de
intervenção (Observatório da Intervenção, 2018).
Os dados da intervenção evidenciam mais violência e barbárie perpetrada pelo Estado
no período, em um mês, entre fevereiro e março ocorreram 940 homicídios, 209 pessoas mortas
pela polícia, 19 policiais mortos, o número de tiroteios aumentou de 1299 para 1502, ocorreram
12 chacinas com 52 vítimas. Junto a isso os líderes do poder público, como o Ministro Raul
Jungmann relataram publicamente que o exército poderia realizar ações que violam direitos
constitucionais, como o uso de mandatos coletivos de busca e apreensão e até de prisão nas
favelas (Observatório da Intervenção, 2018).
Em sucessão várias foram as violações realizadas pelo exército nas favelas denunciadas
por diferentes órgãos e instituições:

No dia 20, em uma operação na favela Kelson’s, militares revistaram mochilas de


crianças uniformizadas a caminho da escola. O Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda) emitiu nota apontando a violação do Estatuto
da Criança e do Adolescente.

Em sua primeira operação na Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, em 23 de


fevereiro, militares abordaram aleatoriamente os moradores e os fotografaram, junto
aos seus documentos de identificação. As imagens seriam remetidas para a Polícia,
para checagem de antecedentes criminais. A OAB-RJ e a Defensoria Pública do Rio
de Janeiro reagiram, lembrando que o Código Penal exige que as abordagens sejam
baseadas em elementos objetivos e que o procedimento colocava toda a comunidade
como suspeita.
(Observatório da Intervenção, 2018, P. 8)

Embora essa forma de intervenção seja uma medida de exceção, que deve ser usada
somente em situações extremas, pode-se identificar que no Rio de Janeiro tem se utilizado de
mecanismos, como a Lei de Garantia de Lei e Ordem para se intervir militarmente nos
territórios de favela de forma frequente, de 2010 a 2012 o exército ocupou o Complexo do
Alemão, de abril de 2014 a junho de 2015 permaneceram na Maré e a partir de setembro de
2017 passaram a ocupar a Rocinha, e a consequência disto são os altos números de “autos de
74

resistência”, que são a morte de civis pela polícia justificadas em decorrência de possível
resistência, o ano de 2017 atinge o mais alto número de 1124 casos de morte pela polícia, um
retrocesso de 10 anos57.
Somado a isso, existem denúncias de que a polícia vem se utilizando de helicóptero
blindado para atirar na população nesses territórios58, o discurso da violência para combater a
barbárie é fomentado pelo atual governador do Rio de Janeiro, que antes de sua posse já
defendia a utilização de snipers para atingir supostos criminosos que estivessem com fuzil em
favelas59, e em janeiro deste ano já se tem as primeiras denúncias de tal ação60, embora a
Secretaria de Segurança afirme não ter autorizado esse tipo de prática.
O Relatório Final do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro (2015) apontou como a
militarização da vida da população da favela vem trazendo inúmeras violações de direitos
humanos, que não ocorre somente pela circulação dos agentes do Estado fortemente armados
com aparatos de guerra como caminhões tanques, caveirões ou fuzis apontados na direção dos
moradores, mas pela presença militarizada do Estado diariamente com:

cada xingamento racista e/ou machista, em cada casa invadida com chave mestra, em
cada laje feita de esconderijo sem autorização, em cada equipamento de comunicador
comunitário apreendido por um policial ou por um soldado. A militarização dos
territórios é alimentada pela lógica bélica que constrói a ideia de que os moradores de
favelas, especialmente os jovens, são inimigos que precisam ser eliminados. É essa
mesma lógica que pauta toda a racionalidade estatal que elabora as políticas públicas
direcionadas pra esses territórios e pauta também as subjetividades das pessoas que
não moram nas favelas e que demandam mais e mais policiamento, que investem em
equipamentos de segurança privada e que legitimam as ações genocidas dos agentes
de Estado. O processo de militarização das favelas e das periferias do Rio de Janeiro
é uma das peças principais do funcionamento de uma engrenagem governamental de
controle de corpos dos jovens negros(as)em especial e territórios, através da qual o
Estado se reinventa cotidianamente. (Fórum de Juventudes do RJ, 2015, p. 6)

De acordo com o relatório esse processo de ocupação dos territórios de favela viola,
vulnerabiliza e coloca em maior risco a vida dessa população, especialmente da juventude negra
e mulheres, em especial das mulheres negras. Em uma lógica em que as/os moradoras/es
residentes em favela são o alvo inimigo de uma falsa guerra as drogas, as violações às mulheres

57
Segundo o OBSERVATÓRIO DA INTERVENÇÃO (2018) em 2008 foram mortos pela polícia 1137 pessoas,
o maior número há 10 anos.
58
Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/20/politica/1529519369_464493.html> , acesso em
20 de janeiro de 2019.
59
Disponível em < https://oglobo.globo.com/rio/witzel-quer-usar-snipers-para-abater-criminosos-com-fuzis-em-
favelas-23199100> , acesso em 20 de janeiro de 2019.
60
Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/parentes-afirmam-que-morto-em-manguinhos-foi-
baleado-por-sniper-da-policia-civil-23414399.html> , acesso em 31 de janeiro de 2019.
75

também são vistas como armas de repressão e a violência sexual como uma prática institucional
de minar a força dessas mulheres à resistência de tantas violações sofridas61.
No relatório Circuito de Favelas por Direitos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro
(2018), expressa as violações de gênero sofridas pelas mulheres residentes em favela com a
intervenção militar:

“Mora lá em cima uma senhora cega. Ela contou que um PM entrou na casa dela já
agredindo ela com um tapa na cara, ela guardava R$700,00 em casa. Eles pegaram o
dinheiro dela.”

“Uma senhora de 68 anos, já tendo sofrido 3 infartos e 1 AVC, estava sentada na porta
de casa e nos relatou vários episódios de invasão do seu domicílio por policiais
militares. Uma vez, ela estava sentada na porta de casa quando um policial insistiu
para entrar, mas a casa tem dois cachorros bravos. Como a senhora idosa estava
sozinha e não tinha forças para prendê-los, o PM começou a insultá-la. Eles fizeram-
na se levantar de sua cadeira para subir nela e, assim, subir no muro. Quando o PM
fez isso, o cachorro quase pulou em cima dele, fazendo com que desistisse da
empreitada. Em uma outra vez, eram 6h da manhã e seu neto foi acordado com um
fuzil na cara e PMs revirando coisas na casa. Infelizmente, essa senhora possuía
muitas outras histórias de violação de domicílio que não fui capaz de anotar tudo. É
uma ação que se repete inúmeras vezes e não importa se é uma senhora idosa.”
(Relatório do circuito favela por direitos da Defensoria Pública do estado do Rio de
Janeiro, 2018, p. 5-6)

Também é possível percebê-las na execução da UPP nos relatos apresentados pelo


Fórum de Juventudes/RJ no relatório final do projeto “Militarização das favelas: impactos na
vida dos jovens negros e negras do fórum de juventudes do RJ” (2015):

Jovem Vidigal: “os policiais tentam sair conosco, vivem convidando nós para ir fazer
sexo. E as vezes quando não conseguem, chegam na boca e nos entrega dizendo que
estamos vendendo o tráfico e X novando, aí o próprio tráfico vem bate, esculacha e
até pode matar.”

Jovem Manguinhos: “a toda hora ficam nos chamando para sair e dizendo que se fosse
alguém da boca sairíamos”.

Jovens Jacarezinho: “na troca de plantão, tem upp que sai e vai na Cracolândia ver as
mina mais bonitinha para comprar uma trepada em troca de grana ou crack.”

Jovem da Vila Kenedy: “quando estamos andando em nossas Honda Bis pela favela
somos parada toda a hora, e na averiguação aproveitam para falar gracinhas e nos
apalpar, escrotos, fdp...”

61
São realizadas denúncias de violência sexual contra policiais na favela do Jacarezinho em 2014 após a ocupação
da polícia, disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/08/pms-de-upp-suspeitos-de-
estupro-no-jacarezinho-estao-presos-diz-policia.html> , acesso em 29 de janeiro de 2019. Os três suspeitos
foram condenados a 56 anos de prisão pelo crime: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/justica-condena-
tres-ex-pms-56-anos-de-prisao-por-estupros-no-jacarezinho-21501175.html> acesso em 29 de janeiro de
2019.
76

Jovem da Maré: “já vimos policiais xingando outras mulheres de piranha. Vermes.”
(Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, 2015, P.13)

Nesses relatos nota-se a objetificação dos corpos das mulheres da favela, o seu
tratamento como não-sujeito, evidencia-se a violência de gênero física, psicológica, moral,
patrimonial, sexual, exploração sexual e institucional perpetrada por agentes estatais da
segurança pública à esse grupo, assim como várias medidas de exceção, que são cotidianas
nesses territórios.
Essas são as configurações dos territórios de favela na relação com o Estado, por isso,
aponto que uma das características peculiares dos territórios de favela, são a existência de
práticas de exceção perpetradas pelo Estado, ou seja, a existência de um Estado de exceção, em
que configura-se como uma ideia de “suspensão da Constituição”. O “estado de exceção
apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal” (AGAMBEN, 2004,
P.12), ele permite realizar ações que não estão nas leis, por que se concebe que ocorram
situações inusitadas que a lei não se aplica, mas ao mesmo tempo, a criação da possibilidade de
um estado de exceção está na lei, ou seja, é legitimada pelo direito público.
Carl Schmitt é o autor que estabelece a relação entre estado de exceção e soberania. Para
ele soberano é “aquele que decide sobre o estado de exceção” (SCHIMITT, 1922, apud
AGAMBEN, 2004). O autor se opusera aos princípios do pensamento político liberal
hegemônico de sua época, ressaltando a importância do soberano em contrapartida das
legislações, constituições, afirmava que em momentos de anormalidade institucional quem
decidiria seria o soberano e não a lei, para ele a constituição não poderia ser um obstáculo à
soberania e ao desenvolvimento da nação, e para isso era preciso valer-se de uma autoridade
soberana com poder de decisão. Nessa perspectiva, para salvar o Estado o soberano pode ter o
poder de não realizar a norma constitucional, assim, o soberano está simultaneamente, dentro e
fora do ordenamento jurídico, pois ao empregar o seu poder de suspender a validade do direito,
coloca-se legalmente fora da lei (SOUZA, 2010).
O Estado de exceção se justifica segundo esse autor pela situação de ameaça à unidade
política, e por isso, não pode ser limitado; a decisão é um elemento fundamental da forma
jurídica desse Estado e faz parte de todo o processo de criação do direito. Em síntese Schmitt é
um teórico que realiza a crítica a teoria do Estado moderno liberal, segundo ele, a decisão
política antecede a racionalidade de sua normalidade objetiva, sendo a unidade política
soberana, se possuir qualidade para decidir em casos fundamentais, mesmo que seja casos
77

excepcionais. Assim, o Estado, em sua dimensão política, tem a possibilidade de determinar


por sua decisão soberana quem é o inimigo e combate-lo, ele pode declarar uma guerra e dispor
da vida das pessoas, dessa forma o Estado tem como objetivo produzir uma condição de paz,
condição necessária para a vigência do direito, sendo o Estado de exceção justificado pela
necessidade de manter a constituição garantidora da “paz social” (SOUZA, 2010).
Agamben (2004) traz a discussão de que existe uma tendência do Estado moderno em
fazer da exceção à regra, suspendendo recorrentemente a norma jurídica. Para o autor o uso da
exceção tem se tornado comum a partir da primeira guerra mundial, se transformando em regra
sendo implementado como técnicas de governo inclusive nos Estados ditos democráticos, dessa
forma por meio do estado de exceção pode-se instaurar “uma guerra civil legal que permite a
eliminação física não só de adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos
que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político” (AGAMBEN, 2004,
p.13).
Nesse sentido chamo a atenção para a quantidade de assassinatos no Brasil da população
negra, a taxa de homicídios em 2016 foi superior ao da população não-negra em 40%, nessa
mesma perspectiva, a taxa de assassinatos de mulheres negras foi 71% superior ao de mulheres
não-negras (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018). A quantidade de homicídios no Brasil, apontam
que este é o país que mais mata no século XXI, tendo taxas de homicídios que superam as de
países que possuem guerra civil, como a Síria e o Iraque62.
As ações de exceção realizadas contra a população pobre, em maioria negra, são
estampadas nos jornais e realizada por vários agentes do Estado em diferentes poderes. Em
2007 no Pará, a prisão de uma jovem em uma cela com 20 homens por mais de 30 dias, sendo
violentada sexualmente por quase todos os detentos63; em 2014 uma mulher foi levada
algemada para a mesa de parto64; em 2018 a esterilização forçada de uma mulher moradora de
rua em São Paulo65; todas ações ilegais perante a Constituição de 1988 e aos compromissos
assumidos nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Mbembe (2015) destaca elementos que considero importante para afirmar a existência
de um estado de exceção nos territórios de favela. Traz a discussão o conceito de necropolítica,

62
Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/11/politica/1513002815_459310.html> acesso em 20
de janeiro de 2019.
63
Disponível em https://direitos.org.br/mulher-mantida-em-cela-com-20-homens/ , acessado em 23/04/2018.
64
Disponível em https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/mulher-que-deu-luz-algemada.html , acessado
em 23/04/2018.
65
Disponível em: < https://www.revistaforum.com.br/juiz-e-procurador-ordenam-esterilizacao-de-mulher-em-
mococa/> , acesso em 20 de janeiro de 2019.
78

ou seja, política da morte, que significa como os governos fazem a administração das vidas das
quais o extermínio em nada afeta a ordem social, ou seja, a gestão dos refugos humanos
(BAUMAN, 2005), daqueles que são excessivos para esse sistema social.
Para banalizar a violência perpetrada para essa população é necessário separá-la, dividi-
la entre os corpos matáveis e não-matáveis, entre razão e natureza, assim como ocorreu na
colonização da América e África. Os corpos matáveis, os possíveis de serem escravizados,
foram os corpos negros, aqueles considerados destituídos de humanidade pelos colonizadores,
e a invenção da raça relacionada aos traços fenotípicos uma ação para legitimar as relações de
dominação dos territórios conquistados.
Na atualidade ainda se faz a separação dos corpos matáveis e não-matáveis, aqueles que
podem ser considerados humanos e os que não podem, ou seja, aqueles que podem exercer
direitos e os que não podem. Há quase um ano foi brutalmente executada no Rio de Janeiro a
vereadora Marielle Franco, uma liderança política, que enfrentou no espaço legislativo do
município do Rio de Janeiro a predominância masculina, branca e conservadora, com pautas
políticas que vislumbravam ampliar o acesso aos direitos às mulheres e aos grupos oprimidos
socialmente.
Marielle ousou e conseguiu ocupar um espaço que socialmente não era destinado a ela
como mulher negra e favelada, e que embora tenha conseguido vencer as estatísticas sociais
dos jovens moradores de favela após a adolescência quando foi mãe, a ascensão a esse status
não contribuiu para que ela conseguisse ultrapassar as estatísticas da grande maioria de jovens
negros e negras de favela desse país, que é prematuramente perder a vida sendo barbaramente
assassinado/a. O fato dela ser uma vereadora, não lhe retirou a condição de igualdade com
outros sujeitos negros pobres, que tiveram a vida ceifada seja pelo homicídio ou pelo
aprisionamento, como Amarildo, ajudante de pedreiro, assassinado pela polícia, como Cláudia
Ferreira, mulher negra assassinada com um tiro que teve o corpo arrastado pela polícia em uma
via pública ou como Rafael Braga, jovem negro pobre, que dentre tantos jovens brancos presos
com ele, foi o único condenado, com o argumento de porte de aparato explosivo, isso por que
carregava com ele pinho sol e água sanitária (ARAÚJO, 2018)66.
Um dos maiores horrores do assassinato de Marielle é constatar a existência de “fake
news” relacionando a vereadora a bandidos, traficantes, porque esta é a única relação possível
nessa sociedade para a população negra, pobre, residente em favelas. Esses são os indivíduos

66
Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-que-branquidade-tem-haver-com-o-caso-de-marielle-franco/ >,
acessado em 18 de junho de 2018.
79

sem humanidade nessa sociedade, os que podem sofrer qualquer tipo de violação e violência.
Essa narrativa colonizadora sobre os corpos dos favelados, que tem cor, gênero e classe, é
crucial para que a sociedade banalize e aceite como usual o processo de violência perpetrado
pelo Estado contra a população desses territórios, como se as práticas de exceção fossem
necessárias para “civilizar” os “selvagens”; não é à toa que periodicamente ouvimos discursos
de governantes e população justificando o aceite de possíveis “balas perdidas” contra os corpos
favelados devido à “necessidade” das incursões policiais que supostamente trazem “segurança”
a população e à cidade, isto é, o uso de práticas de exceção para garantir a “paz social” para
parte da população.
O Estado intervém nos territórios de favela de forma colonizadora, para isso é
importante compreender que a ordem jurídica europeia só compreende uma guerra legítima,
regulada, como uma guerra contra Estado “civilizado”, ou seja, contra o outro que seja
considerado civilizado, nesse sentido as colônias possuem “selvagens”, não são organizadas de
forma estatal, assim não possuem um mundo humano e por isso não existe a mobilização de
sujeitos soberanos, ou seja, cidadãos. Nesse sentido as colônias, ou as favelas, apontadas por
mim, são:

zonas em que guerra e desordem, figuras internas e externas da política, ficam lado a
lado ou se alternam. Como tal, as colônias são o local por excelência em que os
controles e as garantias de ordem judicial podem ser suspensos – a zona em que a
violência do estado de exceção supostamente opera a serviço da “civilização”.
(...)

Por todas essas razões, o direito soberano de matar não está sujeito a qualquer regra
nas colônias. Lá, o soberano pode matar em qualquer momento ou de qualquer
maneira. A guerra colonial não está sujeita a normas legais e institucionais. Não é uma
atividade codificada legalmente. Em vez disso, o terror colonial se entrelaça
constantemente com fantasias geradas colonialmente, caracterizadas por terras
selvagens, morte e ficções para criar um efeito de real.
(MBEMBE, 2015, P. 133)

Dessa forma a favela representa o lugar em que a soberania, o poder de matar, se


constitui no exercício de um poder à margem da Lei e no qual tipicamente a “paz” assume o
retrato de uma “guerra sem fim” (MBEMBE, 2015), para o autor soberania significa “ocupação,
e ocupação significa relegar o colonizado em uma terceira zona, entre o status de sujeito e
objeto” ( MBEMBE, 2015, P. 135), ele cita os distritos na África do Sul na época do apartheid,
no qual eram os locais destinados para a moradia da população negra do país, territórios em que
a opressão e a pobreza foram vivenciados com base na raça e classe social e construídos para
fins de controle, o funcionamento desses territórios nessa lógica promoveu severa exclusão e
80

segregação da população negra com relação aos direitos. Assim, a necropolítica, a política da
morte, a soberania aqui trazida pelo autor, tem a ver com a decisão de quem pode morrer, quem
é descartável, e essa parece ser a forma de gestão dos territórios de favela pelo Estado, pautada
no racismo articulando a classe e consequentemente o gênero, se lembrarmos que a maioria da
população desses territórios são de mulheres, negras, empobrecidas.
A política da morte, não é realizada somente com o assassinato físico dos indivíduos,
mas também com a construção do terror nesses territórios, que segundo Mbembe (2015) se
expressa como:

é experimentar uma condição permanente de “estar na dor”: estruturas fortificadas,


postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar; construções que trazem à tona
memórias dolorosas de humilhação, interrogatórios e espancamentos; toques de
recolher que aprisionam centenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas
todas as noites desde o anoitecer ao amanhecer; soldados patrulhando as ruas escuras,
assustados pelas próprias sombras; crianças cegadas por balas de borracha; pais
humilhados e espancados na frente de suas famílias; soldados urinando nas cercas,
atirando nos tanques de água dos telhados só por diversão, repetindo slogans
ofensivos, batendo nas portas frágeis de lata para assustar as crianças, confiscando
papéis ou despejando lixo no meio de um bairro residencial; guardas de fronteira
chutando uma banca de legumes ou fechando fronteiras sem motivo algum; ossos
quebrados; tiroteios e fatalidades – um certo tipo de loucura. (MBEMBE, 2016, P.
146)

É um terror cotidiano de desumanização e de transformação dos indivíduos em coisas,


imagine acordar frequentemente ao som de tiros e helicópteros sobrevoando suas casas, e
algumas vezes identificar que do helicóptero estão atirando para cima da sua casa; acordar sem
saber se poderá ir ao trabalho ou retornar dele devido aos tiroteios por conta das incursões
policiais, o que pode significar também a perda desse trabalho e do seu sustento; seus filhos e
companheiros saírem de casa, e você não saber se irão voltar, pois podem morrer no percurso,
serem atingidos em tiroteios, serem humilhados nas revistas policiais, serem acusados de
“bandidos” somente por que residem nesses territórios; terem a sua casa invadida as 6h da
manhã, tendo o seu portão quebrado e sua família sendo humilhada e constrangida; acordar e
ver um corpo negro estirado e ensanguentado em sua porta; acordar e ver agentes estatais
espancando seu vizinho negro; acordar e descobrir que seu vizinho, que acordava todos os dias
para ganhar o pão de cada dia, foi morto pela polícia, sendo acusado de traficante de drogas,
porque agentes estatais forjaram drogas na cena do crime; a vida que já é dura devido à pobreza
e a falta de acesso a políticas sociais, se torna uma tortura e um “mundo de morte” (MBEMBE,
81

2015, p.146), assim, concebo que a necropolítica e o necropoder são as formas na qual o Estado
faz a gestão dos territórios de favela e de sua população, “criando formas novas e únicas da
existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes
conferem o status de ‘mortos-vivos’ ” (MBEMBE, 2016, P. 146).

3.2 A implementação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra às


mulheres para as que residem em territórios de favela

O território de Manguinhos é emblemático para entender como se dá o acesso das


mulheres residentes em favela à Política Nacional de Enfrentamento a Violência - PNEV
(2011). Nesse território foi fundado em 2010 a Casa da Mulher de Manguinhos, Centro de
Referência de Atendimento à Mulheres em Situação de Violência, primeiro equipamento
especializado no atendimento as mulheres do governo estadual em um território de favela. Para
dissertar sobre esse tópico utilizaremos a experiência desse território, transitando por outras,
que colaborem na reflexão da implementação dessa política para as mulheres que residem nos
territórios de favela.
Manguinhos, território de favela no município do Rio de Janeiro, em sua origem era um
espaço formado por manguezais, sendo parte da Enseada de Inhaúma67, um local cercado por
ilhas e mangues que formava um tipo de recuo no modelo de uma concha da Bahia de
Guanabara, entre 1700 a 1800 era uma região predominantemente rural voltada para a produção
de alimentos consumidos no próprio Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2016).
Essa região da enseada foi dividida em fazendas, criando a fazenda de Manguinhos que
ficava nas proximidades da Avenida Brasil conforme conhecemos hoje, e a fazenda do Amorim,
localizada próximo a atual estação de trem, essas duas fazendas eram as mais próximas do que
se compõe hoje o complexo de Manguinhos.
Manguinhos enquanto espaço de habitação e moradia se desenvolve a partir de 1899
com a construção do Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz-FIOCRUZ,
em que seus trabalhadores sem condições de arcar com os custos de transporte, ocuparam parte
do terreno do Instituto e construíram suas casas na área em que hoje é conhecida como Parque
Oswaldo Cruz. Posteriormente, esse território passa a ser ocupado em maioria por moradores

67
A Enseada abrangia a área que hoje compõe diversos bairros distantes entre si como Cascadura, Riachuelo,
Manguinhos, dentre outros (OLIVEIRA, 2016).
82

removidos de cortiços da zona central da cidade, a partir das reformas urbanas pautadas em
visões eurocêntricas/eugenistas, como a Reforma Pereira Passos iniciada em 1903 e o plano
Agache desenvolvido entre 1927 a 1930.
Nessas reformas cada região da cidade tinha uma função específica, Manguinhos teve a
função de fornecer espaço físico e mão-de-obra necessárias para o desenvolvimento industrial,
o que aglutinou diversas empresas e gerou novas ocupações.
A década de 1980 em Manguinhos é marcada pela desativação de várias indústrias e
fábricas, os gestores públicos justificaram essa mudança com o argumento do aumento da
violência e reorganização do crime, mas ocultam, que esse período converge com os processos
de reestruturação produtiva e crise econômica em que o país passava. Paradoxalmente o Brasil
vivia um cenário de acirrada luta política, com as diretas já, com a luta pela Constituinte e a
abertura política com o fim do bipartidarismo e a insurgência dos partidos de esquerda.
Entre os anos 1990 e 2000 ocorrem novas ocupações que são incorporadas ao que hoje
é denominado de Complexo de Manguinhos, mas, com alterações a partir da implementação do
Programa de Aceleração do Crescimento- PAC68 realizado a partir de 2007 a 2010 na região.
Como apontado anteriormente os territórios de favela se configuram pela existência de
práticas de exceção perpetradas pelo Estado; a população tem cor, classe e gênero. Segundo
dados da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca-ENSP (2011) residiam em
Manguinhos 19.794 mulheres enquanto o número de homens era de 16.605, o que corrobora
com a afirmação de que as mulheres são maioria nas favelas. Embora os dados da Estratégia de
Saúde da família apontem para a existência de aproximadamente 36 mil pessoas residentes em
Manguinhos, estimativas feitas por grupos de pesquisa no território, apontam que existem cerca
de 50 mil (OLIVEIRA, 2016). A população feminina representa 53%, sendo maioria nas faixas
etárias, exceto na faixa dos 10 a 14 anos, além disso 56% das mulheres são chefes de família
(Plano de Desenvolvimento Sustentável de Manguinhos, 2011).
Em um contexto de práticas de exceção perpetradas pelo Estado, nós mulheres somos
protagonistas para a transformação social, somos as que mais ocupam espaços de participação
social nas favelas visando contribuir para a melhoria dos serviços no território. Em Manguinhos
por exemplo, mais de 70% dos conselheiros/as do Conselho Gestor Intersetorial-CGI do Teias
Escola Manguinhos são mulheres69, somos em maioria as que lutam por mais e melhores

68
Antes da implementação do PAC o complexo de Manguinhos era constituído por 11 favelas, após essa
intervenção passa a ser constituído por 15 (Plano de Desenvolvimento Sustentável de Manguinhos, 2011).
69
Disponível em: < http://andromeda.ensp.fiocruz.br/teias/conselhos>, acesso em 27 de janeiro de 2019.
83

serviços para nossas crianças, segundo dados do IBGE (2010) Manguinhos possuía 3110
crianças de 0 a 4 anos e segundo dados da prefeitura do Rio de Janeiro, esse território possui
duas unidades de Espaço de desenvolvimento infantil70 e três creches comunitárias que são
conveniadas com o órgão71, o que se tornou possível com os processos de mobilização
comunitária em torno do PAC72
Diante ao número de crianças existentes é visível que esse número de equipamentos não
responde a demanda existente, dessa forma é necessário ter acesso as outras redes e recursos
para o estabelecimento do cuidado e da divisão do trabalho reprodutivo, como contar com as
avós, parentes, vizinhas, fazendo surgir assim uma família extensa, ainda que as pessoas não
convivam na mesma casa (FREITAS, 2013).
A solidariedade das irmãs da periferia colaboram para a criação de uma rede alternativa
de proteção entre as mulheres e seus filhos que as políticas públicas não respondem, seja por
que atendem as crianças em tempo parcial, fora da realidade do horário integral de trabalho das
mulheres ou pelo não atendimento.
Em Manguinhos pode se identificar várias formas de organização de mulheres para
enfrentar as violações de direitos: Organização Mulheres de Atitude – OMA, uma organização
não governamental criada em 2010 por mulheres negras, com o trabalho direcionado para a
garantia e promoção dos direitos das mulheres com enfoque interseccional73 ; o Projeto Marias,
criado há quinze anos, que visa realizar ações para crianças com deficiência e suas famílias,
criado pela moradora Norma, um mulher negra, que foi vítima de violência obstétrica 74, tendo
a consequência de seu filho ter uma anoxia perinatal com sequelas severas que o deixou com
deficiência, sem assistência estatal de qualidade. Percebendo que não era a única mulher desse
território nessa condição, se articulou com as outras mulheres e criou o projeto, no qual
atualmente tem várias ações: uma sala de recursos para atendimento a crianças que tem
dificuldades de aprendizado, atividade esportiva para melhorar a coordenação motora,
atividades de artesanato para gerar renda mínima para a mãe uma vez que o recurso obtido da
família é o Benefício de Prestação Continuada-BPC que é direcionado para o cuidado com o

70
Disponível em:
<http://webapp.sme.rio.rj.gov.br/jcartela/publico/pesquisa.do?palavraChave=manguinhos&cmd=listPorBairr
o> , acesso em 03 de novembro de 2018.
71
Disponível em <http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/7901166/4213516/Crechesconveniadas2018.pdf> ,
acesso em 03 de novembro de 2018.
72
Para informações específicas acessar OLIVEIRA (2016).
73
Disponível em: < https://www.facebook.com/omamanguinhos/?ref=br_rs> , acesso em 11 de fevereiro de 2019.
74
Segundo a Fundação Perseu Abramo (2010), uma em cada quatro mulheres são vítimas de violência obstétrica
no Brasil e 60% das mulheres vítimas de morte materna são negras.
84

filho com deficiência e que é de apenas um salário mínimo, atividades culturais. Todas essas
ações são realizadas por pessoas voluntárias ou familiares de pessoas com deficiência que
residem no território de Manguinhos75.
Um sujeito político que tem a marca da forte organização das mulheres de favela, são
as “Mães de Manguinhos” que surgiram em 2013, movimento social que reúne as mulheres
desse território que tiveram familiares, em maioria são filhos, assassinados por agentes estatais
ou que estão no sistema prisional, elas lutam por justiça e para que as condições de vida nas
favelas se modifiquem. Assim como elas, são diversas as organizações desse cunho pelo Brasil,
temos as Mães de Acari que surgiram em 1993; Mães de Maio em São Paulo que surgiram em
2006 e muitas outras que compõe a Rede de Mães Contra à Violência do Estado76.
Existem outras ações, como o Fórum Social de Manguinhos, que na atualidade é um
espaço que reúne hegemonicamente moradores, mas em outros momentos também reuniu
instituições que atuavam no território e que teve um protagonismo para que minimamente
alguma demanda da população de Manguinhos fosse incorporada no Programa de Aceleração
do Crescimento-PAC, criado a partir de 2007 no território (OLIVEIRA, 2016), esse espaço
também é ocupado predominantemente por mulheres.
Quando a Casa da Mulher de Manguinhos é criada já existiam a maioria das formas de
organizações citadas, e quando da inserção do equipamento no PAC, nenhuma dessas
instituições ou movimentos foram consultados. Dessa forma esse programa pode ser
considerado uma política intrusiva, assim como aponta Segato (2014), no qual o Estado
Republicano intervém nas relações sociais constituídas por grupos, povos, que constituíram
formas de viver diferenciadas do padrão hegemônico burguês, através de ações invasivas,
desconsiderando as estruturas de relações e às formas de viver desenvolvidas pelo grupo,
reconfigurando-as, mudando os sentidos ao introduzir uma ordem que é regida por normas
diferentes da anterior.
A autora destaca que o Estado através das políticas públicas para esses grupos “les da
com uma mano, lo que y ales sacó com la otra” (SEGATO, 2014, p. 86), isto é, dá com uma
mão e tira com a outra, fazendo uma relação, tais políticas reproduzem essa lógica.

75
Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=m3VteYa9XKU> , acesso em 15 de outubro de 2018.
76
Podemos perceber o caráter de gênero e a luta das mulheres de favela nesses movimentos e no enfrentamento
das diversas violações cotidianas, para isso pode-se acessar o link da entrevista com um das mulheres que
compõe o movimento no Rio de Janeiro, disponível em <http://rioonwatch.org.br/?p=18634>, acesso em 22
de junho de 2018.
85

A Casa da Mulher de Manguinhos foi fundada em dezembro de 2009, a partir da


realização das obras do PAC Manguinhos no espaço do Centro Cívico, que concentrou
equipamentos públicos voltados para a área de saúde, educação, cultura e lazer. O PAC é
instituído pelo governo federal através do Decreto 6.025, de 22 de janeiro de 2007 que se
constitui por:
“medidas de estímulo ao investimento privado, ampliação dos investimentos públicos em
infraestrutura e voltadas à melhoria da qualidade do gasto público e ao controle da expansão
dos gastos correntes no âmbito da Administração Pública Federal”.
O discurso do Presidente do Brasil da época, Luiz Inácio Lula da Silva, defendia que
esse programa era um moderno projeto de Nação no qual realizava investimento econômico
atrelado as políticas sociais, mas, na prática grande parte das medidas adotadas pelo programa
estava voltada para estimular o setor privado:

“através do aperfeiçoamento e agilização de licenças e marcos regulatórios, medidas


de desoneração tributária e incentivos ao desenvolvimento tecnológico e
fortalecimento das micro e pequenas empresas” (OLIVEIRA, 2016, p. 69).

O PAC Manguinhos foi marcado pela ausência de um projeto técnico voltado para a
execução das suas obras sendo realizado a partir de um anteprojeto apresentado pelo governo
estadual baseado no Plano de Desenvolvimento Urbano do Complexo de Manguinhos de 2004
encomendado pela Prefeitura, tal ação permitiu aos gestores aumentar orçamento de algumas
intervenções, inviabilizar e postergar obras, incluir e retirar localidades do escopo das obras, ou
seja, alterar a forma inicial prevista no projeto de acordo com a vontade política e econômica
dos entes governamentais e dos interesses privados e escusos dos envolvidos (OLIVEIRA,
2016).
É nesse cenário que surge a Casa da Mulher de Manguinhos, instituição não prevista no
conjunto de equipamentos sociais no projeto inicial do PAC (OLIVEIRA, 2016), criada em um
espaço físico de 50m², divididos em uma cozinha, um banheiro e uma sala, sendo a sala
organizada com os móveis para se tornar dois espaços, um de recepção e acolhimento e o outro
para atender as usuárias, sendo que um armário e dois arquivos dividiam o espaço.
De acordo com o projeto inaugural a instituição tinha como objetivo: “Promover a
expansão dos espaços de atuação das mulheres da comunidade de Manguinhos, melhorando sua
situação social, econômica e política” (PEIXOTO, Jaqueline. Projeto Conquistando Espaços-
86

Casa da Mulher de Manguinhos. 2009). De forma geral o projeto tinha como premissa promover
e fortalecer a cidadania das mulheres, tendo uma atuação para informação, orientação e
encaminhamento das mulheres para a rede de equipamentos que executam as políticas sociais77
e articulação dos serviços que pudessem contribuir na garantia de seus direitos.
Embora em 2009 Dilma Rousseff, no cargo de Ministra da Casa Civil participar da
inauguração oficial das obras do PAC com o então Presidente Lula e discursar sobre a
importância da Lei Maria da Penha argumentando que a Casa da Mulher de Manguinhos era
uma das ações que o governo estava efetivando para acabar com o descaso do poder público
nas favelas (DORES, 2017, p.38), com a estrutura física já se percebia os limites dessa
concepção.
Além disso a instituição foi fundada sem equipe técnica, tendo somente uma
Coordenadora, que era formada em Pedagogia e uma Assistente Social, vinculada à Secretaria
de Assistência Social e Direitos Humanos, embora no projeto estivesse previsto também uma
Advogada, uma Auxiliar Administrativa e uma Recepcionista.
Mesmo sem estrutura de recursos humanos a instituição abriu campo de estágio para
estudantes de Serviço Social e do Ensino Médio. Assim, as atividades iniciaram com cinco
estagiárias de Serviço Social e uma estagiária de ensino médio. Nessa inauguração podemos
observar qualquer coisa menos prioridade do poder público no atendimento a mulheres em
situação de precarização ou risco social, menos ainda a prioridade no enfrentamento à violência
contra essas mulheres.
A Casa da Mulher de Manguinhos, assim como outras instituições do escopo do projeto
do PAC Manguinhos, como serviço público já nasceu precarizada, sem orçamento para sua
manutenção e sem estrutura de recursos humanos, que possuía em maioria estagiárias, o que
configurava o uso da modalidade de formação como meio para baratear a mão-de-obra, o que
consequentemente promovia a fragilização da execução das ações. Para além disso, a instituição
foi identificada como um local para prender homens, uma delegacia, o que inicialmente afastou
e dificultou o acesso das mulheres do território78.
Contraditoriamente, após seis anos de sua existência, era a segunda instituição
coordenada pelo governo estadual, que mais realizava atendimento nesse campo, só ficando

77
Compreende-se política social de forma ampliada, como instrumentalizadora de direitos que se situa no campo
das lutas sociais, no qual os direitos humanos são sempre conquistados (COUTINHO, 1995 apud POUGY,
2017).
78
Historicamente as formas de atuação da segurança pública nas favelas, principalmente de policiais militares,
não tem sido formas de proteção a essa população e sim de violação de direitos.
87

atrás do Centro Integrado de Atendimento à Mulher-CIAM Márcia Lyra, que existia desde o
início de 2000 no Rio de Janeiro e que é referência para a área em todo o Estado (Subsecretaria
de Políticas para as Mulheres, 2015). Isso demonstra a importância que esse equipamento teve
para o território e suas mulheres, e que mesmo não previsto no escopo de projetos do PAC,
provavelmente contribuiu para que essas mulheres tivessem acesso aos direitos e à condição
cidadã.
Embora tenha sido divulgado na inauguração pela Ministra da Casa Civil que a Casa da
Mulher de Manguinhos era um Centro Especializado de Atendimento a Mulheres em situação
de violência, inicialmente ela não tinha esse status, atuava em uma perspectiva de orientação,
informação e encaminhamentos, a instituição só se torna um Centro especializado a partir de
2012 quando passa a ter equipe técnica/administrativa completa conforme Norma Técnica dos
Centros de Referência de Atendimento à Mulher em situação de Violência (2006). O governo
estadual carece de documentos e regulamentações das instituições de atendimento à mulher no
estado do Rio de Janeiro, nesse sentido os serviços existentes sempre se pautavam pela Norma
Técnica Federal.
Quando se fala de políticas de enfrentamento a violência contra as mulheres, se fala a
respeito de:

implementação de políticas amplas e articuladas, que procurem dar conta da


complexidade da violência contra as mulheres em todas as suas expressões. O
enfrentamento requer a ação conjunta dos diversos setores envolvidos com a questão
(saúde, segurança pública, justiça, educação, assistência social, entre outros), no
sentido de propor ações que: desconstruam as desigualdades e combatam as
discriminações de gênero e a violência contra as mulheres; interfiram nos padrões
sexistas/machistas ainda presentes na sociedade brasileira; promovam o
empoderamento das mulheres; e garantam um atendimento qualificado e humanizado
àquelas em situação de violência. Portanto, a noção de enfrentamento não se restringe
à questão do combate, mas compreende também as dimensões da prevenção, da
assistência e da garantia de direitos das mulheres, que compõe os Eixos
Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
(Política Nacional de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres, 2011, p. 25)

Ou seja, as ações de enfrentamento a violência contra as mulheres perpassam por outros


campos que não sejam só o combate, que ocorre pela criação e cumprimento de normas penais
que garantam a punição e responsabilização dos autores de violência. Os Centros de Referência
de Atendimento à Mulher em situação de Violência –CRAMs fazem parte do Eixo de
Assistência da Política, segundo a Norma Técnica do CRAMs (2006) eles tem a função de:
88

Os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa de prevenção e


enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a ruptura da
situação de violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de
atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e
informação) à mulher em situação de violência. Devem exercer o papel de
articuladores dos serviços organismos governamentais e não-governamentais que
integram a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social,
em função da violência de gênero. (Norma Técnica de Uniformização dos CRAMs,
2006, p. 11)

Essa função parece ter sido compreendida pelas equipes da Casa da Mulher de Manguinhos e
por outros CRAMs existentes em territórios de favela como no Centro de Referência de
Mulheres da Maré- CRMM Carminha Rosa, projeto integrante do Núcleo de Estudos em
Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro –UFRJ, situado na Vila do João, no bairro da Maré, que atua a partir do exercício
interdisciplinar, através de atendimento e acompanhamento jurídico e psicossocial, com
orientação sobre as desigualdades de gênero, promove o fortalecimento da cidadania as
mulheres em situação de violência; realiza debates, estudos e propostas sobre a realidade social
brasileira, produz indicadores sociais, desenvolve e testa metodologias de formulação,
execução, monitoramento e avaliação de políticas sociais79.
Nas duas instituições são encontradas várias ações além do atendimento individual às
mulheres que visam fortalecer a cidadania em uma perspectiva de integralidade, como oficinas
temáticas, oficinas sociais80, cursos de qualificação, fomento a participação social81, parcerias
com empresas e instituições para acesso a vagas de trabalho82, parceria com serviços de saúde83.
Embora não seja exclusivamente função dos CRAMs, identifica-se a atuação do
equipamento na área do eixo de prevenção da PNEV (2011), que se realiza através de oficinas
educativas para a população em geral, ações sociais para informação e orientação, fomento a
seminários; no eixo do combate a atuação dos CRAMs se relaciona de forma integrada,

79
Disponível em: <http://www.nepp-dh.ufrj.br/crmm/apresentacao.html> , acesso em 10 de janeiro de 2019.
80
Disponível em: < http://www.nepp-dh.ufrj.br/crmm/projetos.html> , acesso em 05 de fevereiro de 2019.
81
Realização da Conferência Livre de Políticas para as Mulheres em Manguinhos, realizada pela OMA em parceria
com a Casa da Mulher de Manguinhos e outras instituições, disponível em:
<https://portal.fiocruz.br/noticia/pre-conferencia-livre-mulheres-de-manguinhos-discute-politicas-para-
mulheres> , acesso em 10 de janeiro de 2019.
82
É possível identificar várias ações realizadas pela Casa da Mulher de Manguinhos nessa perspectiva, disponível
em < https://www.facebook.com/Casa-da-Mulher-de-Manguinhos-180655578713386/> acesso em 10 de
janeiro de 2019.
83
Em 2015 a Casa da Mulher de Manguinhos realizou parceria com o projeto Apolônias do Bem, que oferece
tratamento odontológico gratuito para mulheres que vivenciaram situações de violência e tiveram a dentição
afetada, disponível em <http://turmadobem.org.br/br/nossos-projetos/apolonias-do-bem/> , acesso em 10 de
janeiro de 2019.
89

ocorrendo quando as mulheres expressam e manifestam o desejo de acionar a justiça. No que


diz respeito as mulheres residentes em favela, parece que esse é um eixo pouco acionado.
Isso ocorre pela conformação da constituição das favelas, que destituiu a população
pobre, em maioria negra, dos direitos e pelas formas em como na atualidade o Estado realiza a
gestão desses territórios, sendo a necropolítica executada visivelmente, mas não só, pelos
agentes da segurança pública. Como exemplo do pouco acesso a esse eixo chamo a atenção
para os dados do Dossiê Mulher (2018) que aponta que na Área Integrada de Segurança Pública-
AISP 22 que abrange o bairro de Manguinhos e de outros territórios de favela como a Maré,
realizou uma quantidade de registros de ocorrência referente ao crime de lesão corporal dolosa
muito próximo ao número de registros da AISP 02, que abrange bairros como a Urca e o Cosme
Velho, que possuem os melhores índices de desenvolvimento humano-IDH do estado. A AISP
22 registrou 485 ocorrências e a AISP 02 428.
Buscou-se dados sobre a violência contra as mulheres no bairro ou na área de
abrangência de Manguinhos em vários documentos oficiais e órgãos governamentais: Sistema
de Informação de Agravos de Notificação- SINAN84, Dossiê Mulher (2015, 2016, 2017,
2018)85, relatórios do Teias Escola Manguinhos, mas não foi possível encontrar; nos relatórios
divulgados pela Estratégia de Saúde da Família em Manguinhos não são disponibilizados os
dados que tratam da violência doméstica e familiar e outras violências contra as mulheres, o
Sistema de Informações e Mortalidade-SIM também não aponta de forma específica os casos
de morte por violência de gênero contra mulheres, destaca somente as mortes por causas
externas que no território assumem o índice de 18,9% no ano de 2010, sendo quase 20% mortes
do sexo masculino e o sexo feminino atingindo um pouco mais de 5%86.
Nesse sentido é possível identificar que existe a invisibilidade dos casos de violência de
gênero contra as mulheres no território de Manguinhos, uma vez que não se encontram dados,
nas instituições que tem a função de produzir informações para contribuir na construção das
políticas públicas e colaborar para seu enfrentamento. Junto a isso, também é possível
identificar que as configurações dos territórios de favela não são levadas em consideração, uma
vez que não se encontrou dados, exceto sobre a saúde de forma geral, com recorte do território.

84
Disponível em: < http://portalsinan.saude.gov.br/dados-epidemiologicos-sinan> , acesso em 20 de janeiro de
2019.
85
Nesse documento parece existir uma subnotificação na região, que se evidencia como o não acesso as mulheres
residentes em favelas as Delegacias.
86
Disponível em: < http://andromeda.ensp.fiocruz.br/teias/situacao_de_saude>, acesso em 20 de janeiro de
2019.
90

Isso significa desconsiderar tudo que apontamos anteriormente que, constitui e faz parte das
relações nesses territórios.
Nesse sentido reforço a afirmação de Segato (2014) de que o Estado Republicano atua
na contemporaneidade de uma forma intrusiva, baseado na colonialidade/modernidade e que o
fracasso das estratégias para se intervir nas questões de gênero se deve a um olhar universalista,
tendo como modelo uma concepção eurocêntrica de gênero e as relações que o organiza. Existe
uma falta de compreensão para perceber as categorias próprias dos contextos para os quais os
projetos são formulados.
No eixo garantia de direitos humanos das mulheres, os CRAMs em territórios de favela
também colaboram na sua implementação, a articulação com empresas/instituições para
conseguir parcerias que possam promover a empregabilidade feminina, parcerias com
instituições educacionais para a realização de cursos de qualificações, a realização de grupos
de convivência, grupos de reflexão, todas essas ações podem fazer parte desse eixo, e tanto a
Casa da Mulher de Manguinhos conforme apontado anteriormente, como outros CRAMs
localizados em territórios de favela, promoviam essas ações87.
A compreensão universalista do sujeito mulher, que desconsidera as configurações da
região/ território em que as mulheres atendidas residem, sua cor ou classe, que imprime as
mulheres diversas formas de desigualdades e violência, consequentemente leva ao fechamento
desse serviço nos territórios, cito como exemplo o Centro Especializado de Orientação a
Mulher- CEOM Patrícia Acioli, do município de São Gonçalo, que era localizado no Jardim
Catarina, um bairro periférico do estado e que não conseguiu ampliar as ações e as formas de
acolher as mulheres residentes em favela, atuando somente na concepção do atendimento
individual e que está fechado desde o ano de 2016, com a justificativa dos profissionais de que
o território é um local de risco para o trabalho.
Já se apresentou que o território de favela possui em maioria mulheres, negras e pobres,
dessa forma pensar em políticas públicas para as mulheres desses territórios, necessariamente
requer que se compreenda as intersecções das opressões que as atingem, e as várias formas de
violência vivenciadas. Quando se analisa as políticas públicas para as mulheres construídas
desde 2003, se identifica que existe uma preocupação no campo teórico da construção das

87
Disponível em:
<http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439848501_ARQUIVO_TextoANPUHNacionalFinal.p
df> , acesso em 10 de fevereiro de 2019.
91

políticas que relaciona a questão da raça e da classe, mas quando se volta para as ações na
implementação se nota a incompletude.
No II PNPM, lançado em 2008, no capítulo quatro que aborda o enfrentamento de todas
às formas de violência contra às mulheres, dentre às sessenta e nove ações distribuídas para
concretizar as prioridades desse eixo, somente duas ações abordam a questão racial, sendo
somente em nível de formação/capacitação. Como algo inédito, o Plano traz um capítulo
específico sobre o enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia, mas não tem nenhuma ação
específica para concretizar suas prioridades, indicando que as ações referentes a esse eixo estão
distribuídos em outros capítulos do plano.
Uma das metas desse capítulo é reduzir a taxa de analfabetismo das mulheres negras, de
13,38% para 11% no período entre 2006 e 2011, quando voltamos ao capítulo que fala sobre
educação inclusiva, uma das suas ações para ampliar o acesso e a permanência na educação de
mulheres é: “2.6.1. Promover a alfabetização de mulheres jovens e adultas; 2.6.2. Promover e
ampliar alfabetização de mulheres jovens em situação de prisão” (II PNPM, 2008, p. 68),
notamos então que se perdeu a perspectiva racial. Em todos os demais capítulos, quando se tem
nomeado, permanece somente a inserção da perspectiva racial em processos formativos.
O III PNPM traz o importante aspecto da transversalidade das políticas de gênero,
colaborando com a direção de que a política para a igualdade de gênero, não pode ser setorizada,
deve ser um esforço de todas as esferas seja em seu nível hierárquico com os governos estaduais
e municipais, seja em seu nível horizontal entre os diferentes ministérios. No que diz respeito a
inserção do recorte racial, permaneceu um capítulo específico sobre o tema do enfrentamento
do racismo, sexismo e lesbofobia, criando ações a partir das linhas de ações elencadas para
atuação, embora abrangendo mais aspectos, ainda permanece com uma perspectiva de
enfrentamento ao racismo a partir de processos formativos e educacionais. No capítulo do
enfrentamento à todas as formas de violência contra às mulheres, somente se percebe uma ação
nomeada explicitamente que relaciona a perspectiva racial, e também diz respeito a processo
de formação/capacitação.
Assim, identifica-se no arcabouço central das Políticas para às mulheres uma
perspectiva incipiente para enfrentar às desigualdades de forma interseccional, não dando a
devida relevância por exemplo à questão racial, que no Brasil se estruturou há mais de 300 anos
pelo sistema escravista de produção. Isso nos faz lembrar de Gonzales (1984) que debate sobre
a neurose cultural brasileira, que se constitui por uma cultura que não aceita falar sobre a
produção do seu racismo, que tenta se afastar mas que com isso reproduz a lógica do dominador,
92

a ideologia do branqueamento, a lógica da dominação do negro mediante a internalização e a


reprodução dos valores brancos ocidentais.
Essa cultura dificulta cada vez mais vencer as desigualdades promovidas por opressões
que se entrelaçam, como as de classe, gênero e raça. Só podemos falar daquilo que conhecemos,
não reconhecer o racismo como um “sistema político de dominação e portanto de manutenção
do status quo” (CRUZ; CORATO, 2018), é naturalizar todos os dados que a realidade nos
mostra, no caso específico é ignorar o fato que as mulheres negras estão sendo mais
assassinadas que as mulheres brancas assim como vivem em piores condições que essas, e que
as mulheres negras e pobres são a maioria das mulheres residentes em favela. Diante a realidade
genocida que as mulheres residentes em favela vivem não perceber ações estatais mais
contundentes para enfrentar essas desigualdades nos faz questionar sobre as políticas públicas
universais e concordar com Carneiro (2011) que aponta que o próprio Estado Brasileiro é agente
reprodutor das desigualdades raciais, tanto na ação como no funcionamento da máquina estatal,
eu diria que ele é também reprodutor das diversas opressões, como as de classe e gênero, pois
as ações para diminuir a desigualdade nesses aspectos ainda são bastante incipientes.
A mesma incipiência do enfrentamento às desigualdades raciais encontrada no
arcabouço das políticas para às mulheres é identificada pela a autora nos Planos Plurianuais-
PPA, nas Leis de Diretrizes Orçamentárias-LDO e na Lei Orçamentária Anual – LOA do
primeiro governo Lula, e chama a atenção de que os desafios referentes ao enfrentamento do
racismo, não se traduziram em programas finalísticos e ações específicas, ele se manteve como
um programa de gestão, o que na operacionalização o engessa como intenção e inação
(CARNEIRO, 2011).
A autora chama a atenção destacando que o enfrentamento de um problema social, além
do reconhecimento do problema requer a alocação de recursos para a visibilização das políticas,
mas que no momento o que se tinha era:

Um desafio norteador de ação do governo. Falta-lhe no entanto, conteúdo. Deveria se


desdobrar em diferentes programas finalísticos com indicadores fixados, e esses
programas devem ser desmembrados em ações setoriais com metas especificadas.
Metas e indicadores que tenha uma dimensão maior, do tamanho do desafio. Propor
programas e ações- indicadores e metas- implica direcionamento de recursos para o
desafio já existente. (CARNEIRO, 2011, P.23)

As políticas para as mulheres na constituição atual é claramente um política


universalista, quando falamos do sujeito mulher, estamos falando de um sujeito heterogêneo,
93

diverso, nesse sentido é equivocado pensar uma política para esse grupo se baseando no
universal, porque nessa sociedade capitalista-patriarcal-racista, o ser universal é homem,
branco, heterossexual e rico. Se basear nesse ser universal é se basear na condição do
dominador, do colonizador, que é o padrão hegemônico branco, eurocentrado.
Na atualidade falar de pessoas em condição de pobreza, é falar de mulheres e de
mulheres negras, assim como também aponta Costa (2017) 73,88% dos titulares do Programa
Bolsa Família são negras/os, sendo que dos beneficiários titulares do programa, 93% são
mulheres e 68% são de mulheres negras. Dessa forma a maioria atendida pelo Sistema Único
de Assistência Social-SUAS é composta por mulheres, negras, empobrecidas, e a maior
surpresa identificada na pesquisa da autora é constatar que mesmo tendo esse perfil de público
as/os profissionais (Assistentes Sociais e Psicólogos/as) dos Centros de Referência de
Assistência Social-CRAS não esboçavam as opressões de gênero e raça como estruturantes das
desigualdades sociais que atingiam o público atendido, ressalta ainda que tanto na questão de
gênero como na raça, este último quando era lembrado, faziam referência a questões biológicas
e naturalizadoras.
Isso demonstra a importância do debate realizado nessa pesquisa para a categoria
profissional, uma vez que somos nós os principais profissionais que atuam nas políticas sociais,
especialmente na ponta, diretamente com as/os usuárias/os, e necessariamente de acordo com
os princípios do Código de Ética Profissional de 1993, precisamos compreender a realidade
histórico social do público que atendemos, a fim de não reproduzir práticas autoritárias,
policialescas e discriminatórias, assim como ocorriam no início da profissão. Costa (2017)
chama ainda a atenção, da importância do Serviço Social que atua em uma perspectiva de defesa
de direitos estar atento a essas questões, uma vez que sob o viés da defesa dos direitos em uma
perspectiva formalista legal, pode desconsiderar a realidade desigual como a vivenciada pela
população negra, com mais profundidade a das mulheres negras e reforçar condutas que
reproduzam as opressões de classe, gênero e raça.
Essa dificuldade apontada por Costa (2017) dialoga com Carneiro (2011) que aponta
que a defesa de políticas universalistas88 no Brasil, assume os mesmos propósitos, que o mito
da democracia racial, eles realizam a difícil tarefa de ocultar com o manto “democrático e
igualitário”, os processos de exclusão racial e social que preservam privilégios, adiando o
enfrentamento das desigualdades que moldam a pobreza e a exclusão social no país.

88
Lembrando que o conceito de universalidade que emerge com o Estado moderno tem base em um paradigma
de cidadão, ou seja, não são todos que são considerados cidadãos e que possuem direitos.
94

A autora dá o exemplo que confirma essa afirmação, na área da educação no Brasil,


92% dos estudantes de universidades públicas estão entre os 20% mais ricos da população e a
probabilidade de uma pessoa que vive em uma família entre os 40% mais pobres chegar a
universidade pública é zero, junto a isso, dos residentes em favelas somente 6% cursaram o
ensino superior, a maioria possui somente o ensino fundamental (DATA FAVELA, 2015).
Podemos também destacar que na área do enfrentamento à violência contra as mulheres ocorre
o mesmo, segundo o Atlas da Violência (2018) entre os anos de 2006 a 2016 a taxa de homicídio
das mulheres negras aumentou em 15,4% enquanto o das mulheres não-negras caiu em 8%.
Para além disso nota-se que a maior parte das ações de enfrentamento a violência de gênero
contra as mulheres se encontra no campo do enfrentamento a violência doméstica e familiar, e
isso pode ser notado pela forma como os órgãos oficiais apresentam seus dados, que nem
aparece a violência institucional como uma possível forma de violência contra as mulheres89
prevista na PNEV (2011) e também estabelecida pela Convenção de Belém do Pará (1994), e
que pelos relatos expostos das mulheres residentes em favela, vem sendo uma das principais
formas de violência perpetrada brutalmente contra nós e que vem sendo invisibilizada.
Nesse sentido, corrobora-se com Carneiro (2011) pela necessidade de se admitir que as
políticas universalistas não vem realizando sua proposta ideal, de romper com a graduação de
direitos, e que para que elas cumpram o seu ideal é essencial reconhecer os elementos que vem
determinando a reprodução das desigualdades que elas eternizam.
É necessário levar em consideração nas formas de operacionalização das políticas
sociais o conjunto histórico social dos grupos oprimidos e sua materialização, com o
comprometimento de realizar ações direcionadas para a correção dos desvios históricos. As
políticas afirmativas no Brasil contribuem para esse objetivo, e não são vistas como alternativas
de políticas sociais, são instrumentos provisórios para realizar essas correções.
A reivindicação de políticas de ações afirmativas não desqualifica o grupo beneficiado,
no caso das mulheres residentes em favela, ao contrário, afirma sua condição de sujeito de
direitos, consciente de que é credor social de um país que se construiu e se desenvolveu pela
exploração do trabalho escravo de mulheres e homens negras/os, e que não recebeu nenhum

89
Pode-se observar as várias edições do Dossiê Mulher produzido pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de
Janeiro, que abrange em grande medida somente as formas de violência doméstica, familiar e sexual. Somente
nas duas últimas edições isso vem se alterando por que vem acompanhando também a mudança nas legislações
penais, na qual estabeleceu a importunação ofensiva ao pudor e o ato obsceno como crime. Na apresentação
realizada pela Subsecretaria de Políticas para às Mulheres do Estado na Audiência Pública da ALERJ em 2015
também não apareceu a violência de gênero institucional como uma das formas de violência contra as
mulheres.
95

tipo de reparação com a abolição, e continua sendo negada sua condição de cidadã/ão pelas
múltiplas formas de exclusão social (CARNEIRO, 2011).
Em uma perspectiva colonizadora não existe a concepção e o interesse estatal de
valorizar e potencializar as relações existentes nos territórios de intervenção em uma
perspectiva emancipadora, nesse sentido, a Casa da Mulher de Manguinhos, se tornou mais um
equipamento em territórios de favela que não recebeu manutenção, e assim como outros
equipamentos construídos no escopo do PAC, em 2015, uma grande parte fechou ou
funcionaram com profissionais voluntários90. Esse período se relaciona com o momento em que
as forças políticas se rearranjam, as forças conservadoras se articulam, em nível nacional a
primeira mulher eleita, sofre o processo de impeachment, que tem como resultado em 2016 a
sua destituição do cargo e a emergência de um projeto de sociedade conservador, onde as
políticas sociais são atacadas, estando as políticas para as mulheres no alvo da bancada da
bíblia91.
Com toda a conjuntura, a Casa da Mulher de Manguinhos fecha definitivamente as
portas em abril de 2016, por descaso do governo estadual, que permitiu a retirada de vigilantes
noturno da instituição, assim como, pela falta de pagamento por seis meses das profissionais
que realizavam o atendimento na instituição92, a instituição foi vandalizada, retirando das
mulheres do território o precário, mas único equipamento que vinha se construindo em uma
perspectiva de pensar e problematizar as relações de gênero, articuladas com a questão de classe
e racial, contribuindo para que as demais instituições que atendiam às mulheres nas adjacências
iniciassem uma reflexão sobre o campo e ações para o enfrentamento da violência contra as
mulheres93.

90
Disponível em < http://www.jb.com.br/rio/noticias/2018/04/24/legado-do-pac-manguinhos-sonho-frustrado-da-
rambla-falta-de-saneamento-e-predios-deteriorados/> acesso em 20 de junho de 2018.
91
Conjunto de deputadas/os, em parte evangélicos/as, organizados/as para pautar no congresso temas morais a
partir dos valores cristãos, tendo Deus e a família tradicional nuclear burguesa como argumento de defesa. Eles se
organizam na Frente Parlamentar Evangélica, embora 105 deputados/as dos 182 indicam possuir outra religião,
para aprovar projetos favoráveis a sua plataforma e barrar os que se opõe. Em torno de suas pautas, as que tem
prioridade são: impedir a realização do aborto, o debate sobre identidade de gênero nas escolas, o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, a legalização das drogas. Disponível em: <
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/08/12/interna_politica,700090/cultos-alertas-e-
chamados-movem-a-bancada-da-biblia-no-congresso.shtml> , acesso em 02 de fevereiro de 2019.
92
Disponível em < https://blogueirasfeministas.com/2016/02/16/cartaabertadostrabalhadoresdaseasdh/> , acesso
em 10 de janeiro de 2019.
93
No fechamento temporário da instituição em dezembro de 2015, a Conselheira de Saúde do Segmento de
Mulheres e usuária da instituição grava um vídeo reivindicando a reabertura da instituição e aponta alguns
serviços importantes realizados pela Casa, disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/0B7v0YV57auaCYXN4OEtIUU5OX3c/view> , acesso em 15 de janeiro de
2019.
96

Em 2018 se reabre um espaço para atendimento a mulheres no território de Manguinhos,


em piores condições que a anterior, sendo somente uma sala dentro do Centro de Referência da
Juventude-CRJ para realizar orientação e informação as mulheres, sendo os casos de violência
encaminhados para o CIAM Márcia Lyra, serviço no Centro do Rio de Janeiro, embora tenham
divulgado que as mulheres teriam um escopo de serviços ampliado, como assistência social e
psicológica94.
A Subsecretaria Estadual de Políticas para às Mulheres parece continuar caminhando
para o aprofundamento da desconstrução das poucas políticas e equipamentos existentes que
atendem as mulheres, com a perspectiva punitivista do governo atual, pode vir a retomar uma
concepção que o enfrentamento à violência contra as mulheres carece somente do combate e da
parte punitiva, ou seja, do eixo que necessita da polícia e segurança pública, o que significa
excluir do acesso a essa política as mulheres residentes em favela.

3.3 A resistência das mulheres residentes em favela às violações dos direitos humanos

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”


Conceição Evaristo

Compreendo e reforço a importância das ações de enfrentamento a violência contra às


mulheres serem implementadas por uma perspectiva na qual o entendimento da violência de
gênero, não se restrinja somente à violência doméstica, familiar e sexual contra às mulheres,
mais também por todas as condições que inviabilizam as mulheres de serem sujeitas de direitos
de exercitarem sua cidadania, assim como é definida na Convenção de Belém do Pará (1994) e
ressaltado por Almeida (2007):

A violência de gênero só se sustenta em um quadro de desigualdades de gênero. Estas


integram o conjunto das desigualdades sociais estruturais, que se expressam no marco
do processo de produção e reprodução das relações fundamentais – as de classe,
étnico-raciais e de gênero. A estas relações podem se agregar geracionais, visto que
não correspondem tão-somente à localização de indivíduos em determinados grupos
etários, mas também à localização do sujeito na história, na ambiência cultural de um
dado período, na partilha ou na recusa dos seus valores dominantes, nas suas práticas
de sociabilidade. O conjunto complexo e contraditório dessas relações que se
potencializam mutuamente, coloca limites e abre possibilidades às práticas sociais dos

94
Disponível em < http://www.riosolidario.org/governo-inaugura-nova-sede-da-casa-da-mulher-de-manguinhos-
para-atender-vitimas-de-violencia/>, acesso em 10 de janeiro de 2019.
97

sujeitos individuais e coletivos. Em outros termos, é no quadro dessas relações sociais


e das desigualdades daí derivadas que se processam as práticas e lutas sociais.
(ALMEIDA, 2007, P. 27)

A violação dos direitos tem sido a marca da atuação do Estado nos territórios de favela
e essa ação atinge diretamente as mulheres, seja no que diz respeito a uma ação realizada
diretamente contra ela, ou contra suas famílias; nacionalmente 44% das mulheres residentes em
favelas são responsáveis pela família e 21% dos lares são formados por mães solteiras (DATA
FAVELA, 2015). Esse último dado pode informar alguns aspectos, sendo dois deles possíveis,
a existência do “aborto paterno”, caracterizado pela não responsabilização dos homens na
paternidade e cuidado dos filhos. No Brasil 5,5 milhões de crianças não tinham o nome do pai
na identidade95, esse é um efeito do patriarcado, que impõe à mulher a responsabilização pelo
cuidado dos filhos, não obrigando o homem a realizar o mesmo, mas também pode apontar,
como o alto índice de assassinatos de homens jovens, em maioria negros, nas favelas impactam
diretamente a vida das mulheres, ou seja, como o racismo que se articula com o patriarcado,
também causa grave impacto na vida das mulheres residentes em favela, sobrecarregando-as no
âmbito do trabalho, quando se veem obrigadas e cobradas socialmente a se responsabilizarem
pelo cuidado dos filhos sozinha, quando esse companheiro é assassinado96.
Dessa forma a violência de gênero é a divisão da sociedade em classes, que na sociedade
capitalista, separa os meios de produção da força de trabalho, faz com que os capitalistas se
apropriem do resultado do trabalho para acumular e enriquecer as custas do empobrecimento
de parte da população; é a inserção da especialização do trabalho, produzindo um trabalho
generalizado alienante; é a retirada do valor produtivo do âmbito doméstico, tentando confinar
as mulheres ao espaço reprodutivo privado e subalternizado. É o racismo que mata e encarcera
jovens negras e negros das favelas e periferias do Brasil de forma cada vez mais acelerada,
arrancando das mulheres desses territórios parte de si. É a violência doméstica contra às
mulheres, que assassina cada vez mais mulheres negras. É o sexismo, que tenta confinar as
mulheres aos lugares subalternos dessa sociedade; é a objetificação dos seus corpos. As
ideologias e projetos conservadores que negam o debate sobre gênero nas escolas e em

95
Disponível em: < https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/08/23/aborto-masculino-por-que-nao-
falamos-sobre-abandono-paterno.htm> , acesso em 27 de janeiro de 2019.
96
Segundo dados da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (2018), em 2017 ocorreram 1124 homicídios
decorrentes de intervenção policial em operações em favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro.
Disponível em: < http://sistemas.rj.def.br/publico/sarova.ashx/Portal/sarova/imagem-
dpge/public/arquivos/Relato%CC%81rio_Final_Circuito_de_Favelas_por_Direitos_v9.pdf> , acesso em 27
de janeiro de 2019.
98

possibilitar que meninas e meninos construam outro mundo possível, no qual a diversidade
exista de forma respeitosa.
São esses esquemas de dominação-exploração que estruturam as desigualdades que
atingem as mulheres residentes em favela, elas apresentam a vivência do que é existir sobre
processos de violação de direitos humanos, mas também nos trazem elementos para pensar a
possibilidade de projetos alternativos, uma vez que as formas de intervenção e de gestão do
Estado nesses territórios se caracteriza preponderantemente pela necropolítica e o necropoder,
não identificando-as como cidadãs, como pessoas com humanidade. O Estado Republicano atua
de forma intrusiva, não levando em consideração as relações e vivências dos territórios de
favela, reconfigurando suas práticas sociais, piorando a condição de vida das mulheres e de suas
famílias.
Mesmo nesse contexto de extermínio em que mulheres e homens da favela vivenciam,
a luta das mulheres residentes em favela se constitui como práticas de resistência aos processos
de violação perpetrados pelo Estado. Elas acabam por formar uma rede de proteção as mulheres,
suas famílias e sua comunidade.
O movimento Mães de Manguinhos, tem sido um importante movimento que tem
conseguido reunir as mulheres que tiveram os filhos assassinados pelo Estado. Essa organização
se torna relevante, pois é o local de encontro das mulheres e suas histórias de vida que se
fortalecem através da dororidade (PIEDADE, 2017), isto é, dores vivenciadas pelas mulheres
negras, que são em maioria as que perdem os filhos/companheiros pela política de extermínio
do Estado, e que juntas passam a atuar por justiça e por melhores condições de vida em seu
território (BRITO, 2017).
Algumas mulheres residentes em favela também tem se unido através do trabalho
reprodutivo para enfrentar as violações de direitos perpetradas pelo Estado 97, como a violação
do Art. 205 da Constituição Federal de 1988, que preconiza a educação como direito de todos
e dever do Estado. A autora Federici (2014) nos oferece um conceito denominado “políticas do

97
Projeto Escola Arco íris, desenvolvido por uma mulher, negra, pobre, com deficiência, moradora do Jockei,
território periférico de São Gonçalo, que através da sua própria condição, que era ter duas filhas bebês e não ter
aonde ou com quem deixa-las para poder trabalhar, devido a inexistência de vagas nas creches e nas escolas do
bairro para outras crianças, resolveu utilizar a sala de seu apartamento para inicialmente oferecer aula de reforço
para atender algumas crianças e criar o projeto Escola Arco íris, com a ajuda dos vizinhos conseguiu comprar o
material e adequar o espaço para receber crianças do território, atualmente atende mais de 100 crianças, e as
professoras são jovens do próprio bairro. Disponível em:
<https://www.facebook.com/pg/peaij/about/?ref=page_internal> , acesso em 10 de outubro de 2018; e o Projeto
Marias em Manguinhos citado anteriormente.
99

comum”, que aponta como o trabalho reprodutivo de mulheres na história serviu como um meio
de organização e consciência política do comum, criando práticas de resistência a violações de
direitos. A autora aponta:

Também foram as mulheres que lideraram os esforços para coletivizar o trabalho


reprodutivo como ferramenta para diminuir os custos da reprodução e para se
protegerem mutuamente da pobreza, da violência estatal e da violência exercida de
maneira individual pelos homens. Um exemplo de destaque são as “ollas comunes”
(cozinhas comuns) que as mulheres do Chile e do Peru construíram durante os anos
1980, quando, devido à forte inflação, já não se conseguia comprar alimentos de
maneira individual (Fisher, 1985). Essas práticas constituem, do mesmo modo que os
reflorestamentos coletivos e a ocupação de terras, a expressão de um mundo em que
os laços comunais ainda são poderosos. Mas seria um erro considerar essas atitudes
como pré-políticas, “naturais” ou produtos da “tradição”. Na realidade, como assinala
Leo Podlashuc (Podlashuc, 2009), há nessas lutas uma identidade coletiva; elas
constituem um contrapoder tanto no espaço doméstico como na comunidade e abrem
um processo de autovalorização e autodeterminação sobre o qual temos muito que
aprender. (FEDERICI, 2014, p. 152)

Bem comum é “a repartição dos bens materiais e o mecanismo pelo qual se criam o
interesse coletivo e os laços de apoio mútuo” (FEDERICI, 2014, p. 153), pode-se dizer que é a
repartição comum da riqueza socialmente produzida. Para a autora a produção dos comuns
necessita antes de tudo de uma transformação no modo de vida cotidiano, visando rearticular o
que foi separado pela divisão social do trabalho no capitalismo. A alienação do trabalho
(MARX, 2013) não permite enxergar a que custos a vida social capitalista é produzida, o que
significa que a “produção da nossa vida se transforma, inevitavelmente, na produção da morte
para outros” (FEDERICI, 2014, 154).
Para Federici (2014, p. 154), “se o comum tem algum sentido, este deve ser a produção
de nós mesmos como sujeito comum”; é necessário pensar a relação dos comuns como relações
baseadas em princípios de cooperação e de responsabilidade: entre uns e outros e em relação
aos bens naturais.
Se na modernidade a criação do trabalho reprodutivo como esfera desvalorizada,
relegada ao espaço privado foi o meio pelo qual o capitalismo se apropriou do trabalho das
mulheres tentando enfraquecê-las e superexplorá-las, tem sido também através desses trabalhos
que as mulheres residentes em favela vem se unindo, apontando que o pessoal é político,
negando a dicotomia entre público e privado, se organizando e resistindo às mazelas do
capitalismo.
As mulheres residentes em favelas nos trazem pistas da importância de reconhecer as
motivações que nos une, algumas foram as mortes e encarceramento dos filhos/companheiros,
100

outras a falta de acesso a políticas de educação, outras a necessidade da participação social, mas
todas se entrelaçam pela necessidade de enfrentar as violências de gênero institucionais que se
articulam com as opressões de classe e de raça, dificultando ainda mais seu enfrentamento.
Na atualidade esse tipo de violência de gênero contra as mulheres não tem tido
visibilidade, mas, dentro do escopo da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres, os CRAMs são os serviços que mais podem apontar a ocorrência desse tipo de
violência, a partir da identificação nos relatos das usuárias dos serviços, e potencializar com
isso a necessidade do seu enfrentamento; também são os serviços que mais podem responder
as necessidades das mulheres residentes em favela, uma vez que seu acesso independe de
registro de ocorrência em delegacia policial, contato este que afasta a mulher residente em
favela do serviço98, e que deve atuar em uma perspectiva de acolhimento das mulheres em
situação de vulnerabilidade pela condição de gênero, contribuindo para a superação da situação
de violência e para o fortalecimento e resgate cidadania feminina, além de realizar ações de
articulação para a formação de um rede de atendimento as mulheres (Norma Técnica de
Uniformização dos Centros de Referência, 2006).
Pougy (2010) chama a atenção para a urgência da articulação do campo das políticas de
gênero à dimensão das lutas sociais, que embora exista na macro política, se perde na esfera
micro. Diante a todo exposto sobre a luta e experiência das mulheres residentes em favela,
acredito que nós trazemos na prática a rearticulação do campo dos direitos humanos, não
permitindo que a violência de gênero se compreenda como parte segmentada das diversas
violações existentes, mas seu enfrentamento requer “unificar e restaurar o projeto de uma
sociedade sem desigualdades” (POUGY, 2010, P. 2), que vise a emancipação de mulheres e
homens, compreendendo que a ampliação da cidadania das mulheres é uma ação indispensável
para consolidar a democracia no Brasil.

98
A relação do morador de favela com a polícia deve ser feita através de várias mediações, nesse sentido a mulher
que opta por essa ação, deve fazê-la de forma autônoma, ciente do que isso causa para a vida cotidiana dela
no território em que vive.
101

Considerações Finais

A opção por realizar a discussão partindo de um viés teórico de crítica a modernidade e


de como se desenvolveu a Europa expropriando outras nações como a América, não significa
almejar que a América Latina se torne uma potência imperialista, que passe a superexplorar
outros grupos sociais considerados inferiores, mas compreender os fundamentos do Estado
contemporâneo e os motivos pelos quais ele atua nos territórios de favela no Brasil violando
direitos.
Foi possível identificar na pesquisa que a colonização pelos povos europeus do que hoje
conhecemos como Américas originou a produção de uma perspectiva epistemológica que
desenvolveu na história a concepção dos sujeitos com humanidade, os que tem direitos de
exercer a cidadania e que oprime e violenta os que se distanciam dessa concepção. Sujeitos com
humanidade na sociedade desenvolvida por uma epistemologia eurocêntrica são homens,
brancos, heterossexuais, cristãos e ricos. Mulheres, negros e pobres não são incluídos no rol de
cidadãs/cidadãos. Embora não ignore na história o papel revolucionário da burguesia para a
queda do regime absolutista, os princípios de liberdade, igualdade, fraternidade proclamados
são impossíveis de serem concretizados na sociedade capitalista para a maior parcela de sua
população, hoje no Brasil sendo de mulheres e negras/negros trabalhadoras/es.
O Estado contemporâneo se fundamenta pela lógica colonial, liberal, assentado na
propriedade privada, em sua fundamentação e atuação se retroalimentam o racismo, o sexismo
e o capitalismo. A colonização dos povos da América instaurou um racismo nunca antes visto
contra os povos africanos, bem como a imposição de um padrão das relações sociais de gênero,
com um sistema colonial/moderno de gênero baseado no patriarcado, sendo possível somente
uma organização heterossexual das relações sociais, admitindo somente o binarismo
homem/mulher. Essa forma de organização das relações de gênero da modernidade funda
também o feminicídio (SEGATO, 2012), a forma mais cruel da violência contra às mulheres,
assim identifica-se que o padrão de poder capitalista global que tem por base a
colonialidade/modernidade, reforça o paradigma de mulher da epistemologia eurocêntrica, que
são de mulheres, brancas, heterossexuais, cristãs e ricas, que devem servir ao marido e estar à
sua disposição sexual, bem como se responsabilizarem por cuidar dos filhos e da família.
Assim, compreender os fundamentos do Estado contemporâneo se torna fundamental
para apreender e questionar às políticas públicas existentes, especialmente às políticas públicas
de enfrentamento à violência contra às mulheres, que vem contribuindo para diminuir o índice
102

de violência para as mulheres brancas, mas que não conseguem responder a demanda das
mulheres negras, que na atualidade são as que mais vem morrendo no Brasil.
Com a pesquisa foi possível identificar que os territórios de favela, são territórios negros
e femininos, eles possuem um gênero, uma cor e uma classe, são habitados em maioria por
mulheres, negras, empobrecidas, ou seja, são territórios ocupados em maioria por sujeitos que
são considerados não cidadãos a partir da epistemologia dominante. Não à toa é a essa
população que são direcionadas as práticas de exceção, constituídas como violações de direitos
perpetradas pelos próprios agentes do Estado, desde a sua origem. O Estado, em comparação
com o período colonial, atua de forma violenta e genocida com essa população da mesma forma
que os colonizadores atuavam com a população africana escravizada que foi trazida à força para
a América e com os povos originários que aqui encontraram.
Identifico que o Estado compreende os territórios de favela como uma colônia na qual
podem atuar de forma violenta contra sua população. Os relatos de violações das mulheres
apresentados evidenciam claramente um estado de exceção, já se imaginou uma mulher
moradora de um condomínio na Vieira Souto99 ser surpreendida em seu banho com um policial
abrindo a porta do seu box? Com certeza não, mas na favela isso acontece, e grande parte da
sociedade legitima essa prática, assim como legitimam a polícia militar realizar revistas em
passageiros em maioria negros/negras, nos ônibus que saem da zona norte ou baixada para a
zona sul da cidade, prendê-los caso necessário, na tentativa de impedir que essa população
acesse a zona rica do estado100.
Assim como na colonização, o argumento da pseudo civilização se faz presente na
atualidade quando o Estado atua com a população residente em favelas, não importa se uma
criança a caminho da escola será baleada devido a uma incursão policial101, o que importa é que
o Estado está ali para civilizar os selvagens! A necropolítica e o necropoder são as formas como
o Estado realizam a administração dos territórios de favela, o Estado soberano decide quem
deve morrer, quem é descartável nessa sociedade, e a produção desse ser descartável é realizada
no nosso cotidiano com ações de desumanização e da transformação de seres humanos em
coisas. As experiências do PAC e da UPP em Manguinhos, evidenciam-se como políticas
intrusivas, que não levaram em consideração as reais necessidades da população residente,

99
Rua da orla do bairro de Ipanema, uma das mais caras para se morar no Rio de Janeiro.
100
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/jornal-espanhol-afirma-que-rio-veta-pobres-negros-em-praias-
da-zona-sul-17333845>, acesso em 15 de janeiro de 2019.
101
Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/22/politica/1529618951_552574.html>, acesso em
15 de janeiro de 2019.
103

contribuíram muito mais para uma agenda econômica do que para um agenda social,
impactando a vida das mulheres com fortes violações de direitos humanos e com a ampliação
da precarização da vida na favela.
Se identifica nos relatos trazidos das mulheres, as intersecções entre as opressões de
classe, gênero e raça nas violações cometidas por agentes Estatais, assim como eram realizadas
pelos senhores no período escravocrata. O que significa a fala do ex-governador do Rio de
Janeiro, no período em que estava em exercício no poder executivo, preso por corrupção, Sérgio
Cabral, quando defende a legalização do aborto como meio para diminuir a violência no Rio de
Janeiro, alegando que os territórios de favela eram fábricas de produzir marginais? Quem gere
essa vida que ele diz ser marginal? São as mulheres residentes nesses territórios. Somado a isso
relaciona os territórios de favela à países africanos no qual a população vive em condições sub-
humanas e regiões da zona sul da cidade comparando com países europeus102.
As mulheres africanas escravizadas foram utilizadas como reprodutoras de mercadorias,
sendo seus filhos, as mercadorias. Elas foram obrigadas a reproduzir o tanto quanto
conseguissem para aumentar a população de escravos no período que a abolição do tráfico
internacional estava afetando o lucro dos senhores. Além de serem consideradas mercadorias,
sofriam as violações devidas a sua condição de ser mulher. A fala do ex-governador demonstra
que às mulheres residentes em favela para ele são reprodutoras de “marginais”, “bandidos”, de
“bichos”, assim como as mulheres negras escravizadas eram consideradas no período colonial.
Nessa concepção a legalização do aborto não passa pelo conceito do direito sexual e reprodutivo
dessas mulheres, na verdade é uma prática racista, sexista e classista contra as mulheres negras
residentes nas favelas brasileiras, bem como a esterilização forçada que vem sendo uma das
práticas de exceção perpetrada por vários agentes estatais incluindo o sistema judiciário,
conforme apontado na pesquisa.
Identifica-se na pesquisa que até 2003 às políticas públicas para o enfrentamento da
violência contra às mulheres eram incipientes e desarticuladas, com a criação da Secretaria de
Políticas para às Mulheres no governo “Lula” foi possível iniciar um processo de fortalecimento
dessas políticas, com a elaboração de diretrizes, conceitos, normas, articulação dos entes
federativos estaduais e municipais, ocorreu uma ampliação do número de serviços para
atendimento à mulheres em situação de violência, mas, a construção de diretrizes e o

102
Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL155710-5601,00-
CABRAL+DEFENDE+ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html> , acesso em
30 de janeiro de 2019.
104

fortalecimento das políticas públicas para as mulheres no governo petista não se consolidou
como política de Estado e sim de governo, mantendo sua precarização e facilitando o seu
desmantelamento, o que ocorre de forma mais avassaladora com o impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff em 2016.
A PNEV(2011) construída tem uma concepção do enfretamento da violência contra às
mulheres a partir de uma perspectiva baseada na definição da Convenção de Belém do Pará
(1994), na qual é necessário compreender que enfrentar à violência contra as mulheres no
Brasil, é enfrentar todas as condições que dificultam ou impossibilitam que as mulheres
exerçam sua cidadania e acesse direitos. Nela contém a concepção de que as relações sociais de
gênero se articulam com as relações raciais e as relações de classe, intersecção que imprime
consequentemente maior desigualdade a vida de parte das mulheres, mas quando se analisa a
implementação da política a partir dos serviços de atendimento à mulheres em situação de
violência, se identifica que ela não tem conseguido abarcar as mulheres negras, empobrecidas,
residentes em favelas, não por acaso, o índice de assassinato de mulheres negras aumentou e o
de mulheres brancas diminuiu, a violência institucional de gênero que atinge essas mulheres
não tem sido reconhecida e os tipos de violência de gênero vivenciado por elas tem sido
invisibilizados, negando a elas que a sociedade enxergue sua realidade e condições e promova
ações para o enfrentamento.
Nesse sentido, se no escopo teórico da política se prevê reconhecer a diversidade das
mulheres brasileiras, na prática isso não tem se operacionalizado, o que significa que a sua
implementação está comprometida com um olhar universalista, como se existisse uma mulher
universal, que no imaginário social é reconhecida como a mulher branca, heterossexual e rica.
No caso das mulheres residentes em favela, podemos apontar que o racismo estrutural e a
criminalização da pobreza, não permite que essas mulheres possam ser enxergadas, que suas
vidas, condições sociais e lutas possam ser visibilizadas, por que na verdade sua existência é
negada e por isso não são reconhecidas como um grupo que necessitam de políticas públicas
para que possam ter acesso a direitos.
A história e a imagem social das mulheres negras estão fortemente relacionadas à
violência, o grau de destituição material, física e simbólica que o período escravocrata
representou para elas foi invisibilizado ou naturalizado nas narrativas hegemônicas da formação
social brasileira. Na atualidade, a condição das mulheres negras pouco se alterou, podemos
dizer que as mulheres negras residentes em favela apresentam graus extremos de destituição
material, política e simbólica, o que requer respostas mais profundas e estruturais do Estado.
105

Na construção da Casa da Mulher de Manguinhos, a configuração do território e as


relações sociais existentes nesse local não foram consideradas. Se construiu um serviço público
para enfrentar a violência contra às mulheres, que ignorou a relação de violação de direitos que
é perpetrada por agentes de segurança do Estado à essa população, o que causou inicialmente o
não acesso dessas mulheres a essa instituição, pois identificavam como um equipamento para
prender homens.
A própria forma de constituição da Casa da Mulher de Manguinhos é a perpetração da
violência de gênero institucional contra às mulheres residentes em favela, que foi realizada sem
cumprimento da Norma Técnica dos Centros de Referência (2006), em um espaço de 50m²
utilizando em seu ano inicial estagiárias no lugar de profissionais como forma de baratear os
custos, fragilizando as ações. Essa crítica não diz respeito a ações individuais, mas entendida
como o reflexo do Estado patriarcal, racista e capitalista em que vivemos e que produz ações
que atinge a vida das mulheres.
Contraditoriamente, e que se relaciona muito com a atuação comprometida com essa
população da maioria das profissionais que passaram por esse equipamento, após seis anos de
existência, a Casa da Mulher de Manguinhos se tornou a segunda instituição no campo
coordenada pelo governo estadual com maior número de atendimentos, atendendo às mulheres
em suas variadas dimensões e tipos de violência, o que demonstra que o equipamento ao longo
do tempo se tornou importante e provavelmente contribuiu para que essas mulheres tivessem
acesso à direitos, mas as ações individuais das profissionais não foram capazes de sustentar sua
manutenção, sendo em 2016 a única instituição da área que foi fechada e não reaberta com a
crise fiscal do estado do Rio de Janeiro.
Com a pesquisa identifica-se que existe uma invisibilidade das violências de gênero
sofrida pelas mulheres residentes em favela, não se encontrou dados regionais ou territoriais
em vários órgãos governamentais que tem a função de realizar a sistematização dos dados e
contribuir na formulação das políticas públicas para o enfrentamento da violência contra às
mulheres. Foram buscadas informações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação-
SINAN, Dossiê Mulher (2015, 2016, 2017, 2018)103, relatórios do Teias Escola Manguinhos e
Sistema de Informações e Mortalidade-SIM. A Lei 10.788 de 24 de novembro de 2003 que
estabelece a notificação compulsória dos casos de violência contra às mulheres que forem
atendidas em serviços de saúde públicos e privados está sendo executada? O não cumprimento

103
Nesse documento parece existir uma subnotificação na região, que se evidencia como o não acesso as mulheres
residentes em favelas as Delegacias.
106

dessa legislação é a perpetuação Estatal da violência de gênero institucional contra às mulheres,


no caso aqui, das mulheres residentes em favelas.
O conceito de violência de gênero contra às mulheres definido pela Convenção de
Belém do Pará (1994) é definido como: “qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que
cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público
como no privado” ( PNEV, 2011, p. 19), nesse sentido a PNEV (2011) prevê o enfrentamento
as várias formas de violência contra às mulheres como: a violência doméstica, a violência
ocorrida na comunidade, a violência institucional que também é perpetrada pelo Estado e seus
agentes.
As mulheres residentes em favela conforme explicitado na pesquisa vivenciam a
pobreza, a violência institucional, a violência doméstica e familiar, o racismo, dentre tantas
outras formas de violências que devem ser reconhecidas como violências de gênero. Por que a
maioria dos habitantes dos territórios de favela são mulheres e negras? isso não é reflexo da
violência de gênero contra às mulheres, que articulada com o racismo e o capitalismo impõe as
mulheres negras uma precarização cada vez maior? por que dentre os grandes bilionários, de
10, 9 são homens? Não é reflexo da violência de gênero contra às mulheres, que impede que
elas acessem patamares de riquezas, essa que garante poder na sociedade capitalista?
Enfrentar a violência contra às mulheres no Brasil requer operacionalizar o que é
definido pela Convenção de Belém do Pará em 1994 e desconstruir a concepção universal
eurocêntrica de sujeitos com humanidade perpetrada pelo capitalismo colonial moderno
estruturado na classificação e hierarquização racial. Os Centros de Referência de Atendimento
à Mulheres em Situação de Violência devem operacionalizar a PNEV (2011) implementando a
perspectiva definida pela Convenção de Belém do Pará de violência de gênero.
As mulheres residentes em favela demandam do poder público que a PNEV (2011) seja
implementada na perspectiva de violência de gênero que ela foi construída, não é possível
diminuir os índices de violência para às mulheres no Brasil se não desconstruir e criticar a
perspectiva universal de quem é cidadã/ão nessa sociedade, ou seja, se existe um intuito de
diminuir o índice de violência contra às mulheres no Brasil, necessariamente é preciso
reconhecer as mulheres negras, pobres, residentes em favela como cidadãs, é preciso na
implementação das políticas para às mulheres compreender como as opressões de classe, gênero
e raça se articulam e produzem desigualdades na vida das mulheres. É inadmissível que os
Centros de Referência de Atendimento à Mulheres em Situação de Violência no Rio de Janeiro
se recusem por exemplo a atender às mulheres, que em maioria são negras, mães, residentes em
107

favelas que tiveram os filhos mortos pelo Estado, isso se chama violência institucional e recusa
a implementar a PNEV (2011) e colocar em prática o conceito de violência de gênero definido
pela Convenção de Belém do Pará (1994).
Mas ressalto que o atendimento por esses Centros à essas mulheres devem partir de um
pressuposto que as considerem como sujeitas de direitos e cidadãs, que levem em consideração
a história de vida dessas mulheres e as configurações dos territórios nos quais elas residem, e
não a partir de uma perspectiva colonizadora, com um olhar universalista, que tem como
modelo uma perspectiva eurocêntrica de mulher e das relações de gênero e de sua organização.
Dessa forma as mulheres negras residentes em favela demandam que o enfrentamento
da violência de gênero contra as mulheres requer também o enfrentamento do racismo e do
capitalismo, ou seja, apontam que uma luta inclui e se relaciona com a outra, não compreender
essa dimensão é fragmentar e segmentar a luta por uma sociedade sem opressões, mantendo
cada vez mais a vida das mulheres precarizada e vulnerável.
A PNEV (2011) possui quatro eixos estruturantes, a partir do trabalho na Casa da
Mulher de Manguinhos, foi possível identificar que se conseguiu executar ações no eixo
preventivo, pois várias ações educacionais, culturais, campanhas, foram realizadas visando
descontruir estereótipos de gênero e promover novos valores de combate à violência de gênero
contra às mulheres.
É possível dizer que o eixo de combate é pouco acessado pelas mulheres residentes em
favela, isso é possível analisando os dados apresentados pelo ISP, em que o número de registros
de ocorrência realizados nas delegacias que abrange a região de Manguinhos praticamente se
equiparam ao número de registros realizados nas delegacias que abrange a região dos bairros
do Rio de Janeiro com maior IDH, ou seja, em uma região com alto índice de violência e
pobreza difundidos por pesquisas e amplamente pela mídia, como pode a violência contra às
mulheres praticamente se equiparar a regiões que abrange por exemplo o bairro da Urca, em
que a população tem acesso a diversos serviços públicos com qualidade? junto com isso tem as
diversas violações realizadas por agentes estatais, como policiais da UPP, apresentadas na
pesquisa que foram perpetradas contra mulheres nas favelas, o que contribui para que às
mulheres não confiem nos serviços da segurança pública e não o acessem.
O eixo de garantia dos direitos humanos prevê cumprir as recomendações previstas nos
tratados internacionais especialmente as contidas na Convenção de Belém do Pará e CEDAW,
e como já apresentado, não é implementado para essas mulheres, pois a visão universal
eurocêntrica ainda se sobrepõe e invisibiliza as nossas experiências e lutas, não nos
108

reconhecendo como sujeitas de direitos, não é à toa que quando ocorre a construção da Casa da
Mulher de Manguinhos nenhum coletivo de mulheres existente no território é consultado.
É importante ressaltar que os CRAMs, de todos os serviços da rede especializada, é o
equipamento que as mulheres residentes em favela podem ter maior acesso, pois não dependem
do acesso à delegacia policial para realizar seu atendimento, o que afastaria essas mulheres, e
são os que devem atuar em uma perspectiva para a promoção e a ampliação da cidadania das
mulheres sendo serviços de porta aberta104, o que imprime uma importância a esses serviços,
podendo ser esse o primeiro equipamento em que a mulher em situação de violência busque
orientação, podendo realizar um trabalho que vá para além da perspectiva punitivista105,
podendo contribuir de forma mais aprofundada para a deslegitimação da sociedade patriarcal
em que vivemos.
Embora a Casa da Mulher de Manguinhos atendesse todas as formas de violência de
gênero que eram apresentadas pelas mulheres do território, desde a violência doméstica e
familiar como por exemplo a orientação à mulher sobre como oferecer assistência aos
filhos/companheiros que tinham sido encarcerados e elas não sabiam como acessar os presídios
que os familiares estavam, isso não é uma prática estrutural dos CRAMs, isso foi específico da
Casa da Mulher de Manguinhos por compreender que a violência de gênero é toda e qualquer
condição que inviabilize as mulheres a serem sujeitas de direitos, compreensão apontada na
Convenção de Belém do Pará (1994). Para atender as mulheres residentes em Manguinhos, foi
necessário reconhecer as configurações da vida dessas mulheres, dessa forma afirmo que para
diminuir o genocídio das mulheres negras que vem ocorrendo no Brasil, é necessário que os
CRAMS atuem colocando em prática o conceito de violência de gênero definido na Convenção
de Belém do Pará (1994), se não cada vez mais a Política de Enfrentamento à Violência Contra
às Mulheres se tonará fragilizada, desvalorizada, diminuindo as possibilidades de realizar
qualquer enfrentamento ao fenômeno.
O último eixo, a assistência, em 2015 a Casa da Mulher de Manguinhos estabeleceu
parcerias para o enfrentamento da violência contra às mulheres visando garantir integralidade
no atendimento, foram realizadas parcerias para atendimento às mulheres na área de saúde,

104
Porta aberta significa que a mulher pode acessar o serviço sem precisar de encaminhamento da rede de
atendimento.
105
Importante ressaltar que a maioria dos homens presos no sistema penal brasileiro são pobres e negros, ou seja,
temos um sistema penal que é seletivo, que contribui para aprofundar o racismo e a questão de classe no Brasil,
nesse sentido as políticas para as mulheres que vislumbrem uma mudança social não podem dar primazia ao
sistema penal como meio de resolver a questão do enfrentamento à violência contra as mulheres no país, isso
na atualidade é contribuir para o aprofundamento do racismo e da criminalização dos pobres, o que
contraditoriamente também atinge a maioria das mulheres residentes em favela.
109

empregabilidade, cursos de qualificação, dentre outros. Mas esse eixo também se relaciona com
o atendimento humanizado e qualificado às mulheres por meio da formação continuada de
agentes públicos e comunitários, dentre outros aspectos que se relaciona com outras instituições
especializadas no atendimento à mulheres em situação de violência, como a Defensoria Pública
e os Juizados de Violência Doméstica, que não são possíveis aqui de apontar análises pela falta
de dados.
Mesmo em um contexto de violações de direitos humanos, a pesquisa identificou várias
formas de organização de mulheres residentes em favela, que podem ser consideradas
resistências aos processos de violações perpetradas pelo Estado. Foram organizações a partir
do trabalho reprodutivo como o cuidado com os filhos que possuem deficiência enfrentando a
violação do direito à educação, a organização para a participação social embora se negue às
mulheres o direito de dizer como e de que forma querem a implementação dos serviços públicos
nesses territórios, a organização para a enfrentar o poder bélico e o extermínio das/dos jovens
desses territórios que mata cada vez mais as filhas e filhos das mulheres desses territórios. Essas
mulheres vem se organizando através das violações que vem sofrendo, trazendo a importância
de identificar o que nos une e como é possível coletivizar as lutas que muitas vezes aparentam
serem individuais, elas vem politizando e mostrando que o pessoal é político, negando a
dicotomia entre público e privado, se organizando e resistindo as mazelas desse sistema
capitalista global eurocêntrico, racista e sexista.
Assim, acredito que reconhecer iniciativas concretas em que o luto se transforma em
luta é tarefa fundamental no enfrentamento do desmonte do projeto de Nação em curso desde
o impeachment sofrido pela Presidenta eleita Dilma Rousseff (POUGY, 2018). Identificar nas
experiências e lutas das mulheres residentes em favela características que se assemelham as
políticas do comum, que utilizadas no passado em uma perspectiva feminista, possibilitaram as
mulheres o enfrentamento a violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado, bem como
violações individuais perpetradas pelos homens (FEDERICI, 2014), me sinalizou como a nossa
luta, já é uma resistência ao projeto de desmonte de direitos que está em curso no Brasil, sendo
uma potência para rearranjar o campo político das lutas sociais em prol de um novo projeto
societário de emancipação humana.
110

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