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Novembro de 2021 - www.sintufrj.org.

br

ONDE ESTÃO OS
NEGROS NA UFRJ
2 - CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ RETROSPECTIVA

E O combate ao
m 2018, o Sintufrj criou
o Departamento de
Raça e Gênero com
o objetivo de ampliar suas

racismo é o
ações contra o racismo na
UFRJ a partir da participação
de mais companheiras e
companheiros à frente dessa

ano todo
luta. O racismo, como todos
sabemos, está na origem das
desigualdades sociais do país,
por isso mesmo é necessário
combatê-lo cotidianamente
para quebrar o ciclo histórico
de violência cometida contra NOSSOS CONTEÚDOS Publicação produzida
pelo Departamento
a população negra. De acordo de Gênero e Raça em
novembro de 2019
com o IBGE (Instituto Brasilei-
ro de Geografia e Estatística),
negros representam 70% do
grupo abaixo da linha da po-
breza no Brasil.
A sociedade brasileira é
racista e na UFRJ não é dife-
rente do restante do país. Mas
as reações da comunidade
universitária (dos técnicos- Marcha da Consciência
-administrativos, estudantes Negra une luta antirracis-
e professores), através do ta e ‘Fora Bolsonaro’, em
crescente número de coletivos Madureira.
negros contra esse crime ina-
fiançável, têm surtido efeito.
Mesmo durante a pandemia
As lições de Durban - Na
o Sintufrj foi presente nessa
série sobre os 20 anos da III
luta como parceiro na reali-
Conferência Mundial contra
zação das ações, mostrando o
o Racismo, a Discriminação
racismo no Brasil e no mundo,
Racial, a Xenofobia e Formas
os embates e avanços da mili-
Correlatas de Intolerância
tância na universidade.
promovida pelas Organi-
Boletins, lives, Jornal do
zações das Nações Unidas
Sintufrj, que voltou a circular,
(ONU), em setembro de
e as plataformas digitais da
2001, na cidade de Durban
entidade (site, Facebook, Ins-
(África do Sul), militantes his-
tagram, lista de transmissão)
tóricos como Yedo Ferreira,
são os canais de propagação,
Suely Santos, Richarlis Mar-
e convocação da luta contra
tins e Luiz Alberto Silva dos
o racismo dentro e fora da
Santos fazem um balanço de
instituição pelo Sintufrj. A
avanços e retrocessos nos
realização de eventos no Mês
jornais 1.341, 1.342, 1.343
da Consciência Negra já é uma
e 1.347.
tradição da gestão sindical
Ressignificar, bem como a par-
ticipação em seminários, con-
Câmara de Políticas Raciais da UFRJ Denúncia –
ferências, debates, fóruns que
realiza seminário nacional sobre heteroi- No jornal 1.337,
tratam sobre o racismo. Os 10
dentificação – No Jornal 1.340, o impor- a denúncia de
anos da política cotas sociais
tante debate ocorrido em outubro de 2021 um professor
e raciais nas universidades e
sobre as práticas da heteroidentificação sobre discrimi-
os 20 anos da Conferência de
em diversas instituições do país quando se nação racional
Durban, na África, por exem-
aproxima a revisão de Lei de Cotas. no IFCS.
plo, são pautas inesgotáveis.

EXPEDIENTE
Coordenação de Comunicação Sindical: Kátia da Conceição (in memoriam), Marisa Araujo e Paulo César dos S. Marinho / Conselho Editorial: Coordenação Geral
e Coordenação de Comunicação / Organização: Coordenadora do Sintufrj Noemi de Andrade / Equipe de Edição: Ana de Angelis, Bernardo Cotrim e L. Maranhão /
Reportagem: Ana de Angelis, Eliane Amaral e Regina Rocha / Social Mídia: Lucas Azevedo / Projeto Gráfico: Edilson Soares Martins / Diagramação: Edilson Soares
Martins / Fotografia: Renan Silva / Revisão: Roberto Azul / Tiragem: 1000 exemplares / As matérias não assinadas deste jornal são de res­ponsabilidade da Coordenação
de Comunicação Sindical / Impressão: 3graf (21) 3860-0100.
FALE COM A REDAÇÃO: comunic@sintufrj.org.br.
RETROSPECTIVA CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ - 3

Nas redes, no dia a dia


O foco do Sintufrj sobre as questões antirracistas não para por aí. O tema é tratado diariamente pelas mídias
sociais da entidade, que inclui o boletim diário que chega até a categoria pela lista de transmissão (WhatsApp).

Chamada para o Dia


da Consciência Negra
deste ano, no Boletim
Dia-a-Dia do Sintufrj
de 11/11(https://bit.
ly/3kwBlmG)

Heteroidentificação em debate Em novembro de 2020, a imprensa noticia que a UFRJ aprovara


punição aos fraudadores de cotas raciais. “A maior universidade federal
do país mostra como se deve ter atitude com relação às cotas étnico-
-raciais implantadas com toda efetividade e de maneira correta”. https://
bit.ly/3mcZJsi

A Câmara de Políticas Raciais abre evento para marcar 10 anos da


política de cotas na UFRJ, informou o Boletim do Sintufrj de 18/10/21.
(https://bit.ly/3vpucc3}

“O Negro nas Eleições”


Foi a live que deu início aos eventos programados pelo Sintufrj para
marcar o novembro Negro, em 2020, quando se celebra Zumbi dos Pal-
mares e o Dia da Consciência Negra, que reuniu os candidatos negros à
Câmara Municipal do Rio de Janeiro Tainá de Paula (PT), Andrea Bak (PSOL)
e Edson Santana (PCdoB), com a participação do sociólogo Wescrey Pereira.
https://bit.ly/3keMs0S

21 dias contra o racismo – Sisejufe, Sintufrj e Enegrecer home-


nagearam, todos os dias, mulheres na luta contra o preconceito até
21 de março/2021, quando se celebra o Dia Internacional de Luta
pela Eliminação da Discriminação Racial, instituída pela Organização
das Nações Unidas (ONU) em memória ao “Massacre de Sharpeville”.
http://bit.ly/3bLWHZD
Entre as homenageadas estavam: Jurema Werneck , Elisa Lucinda,
Beatriz Nascimento, Maria Lúcia Pereira, Djamila Ribeiro, Tereza De
Benguela, Maya Angelou, Lélia Gonzalez, Angela Davis, Sojourner Truth,
Jaqueline Gomes De Jesus e Carolina Maria De Jesus
4 - CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ RETROSPECTIVA

Negros são oito de cada 10 mortos pela polícia no Brasil, aponta


relatório. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em
Linha Direta discute desigualdade
outubro/2020, revelou que em 2019, 74,4% das 39.561 vítimas de Tainá de Paula, arquiteta e urbanista, militante do movimento negro e
homicídio eram negros. O índice sobe para 79,1% quando o autor do das lutas urbanas foi a convidada da edição de 13 de maio do programa
assassinato foi um policial. https://bit.ly/2FGGxmO Sintufrj Linha Direta, para debater a desigualdade racial em tempos de
pandemia. Assista: bit.ly/2Ar2Eeb

Cotas – A Comissão de Heteroidentificação da UFRJ conclui seu


trabalho. O Boletim do Sintufrj de 20 de agosto registra que a comissão,
depois de seis meses de trabalho, concluiu as avaliações do primeiro
Cultura também no Dia a Dia
semestre de 2020. https://bit.ly/3iUZ0tK

Os boletins diários do Sintufrj também divulgam cultura e serviços

“Brasil e Durban – 20 Anos Depois”

Impedir fraudes O livro abarca o processo do publicado pela Editora da Uni-


Brasil rumo à Conferência na versidade Federal Fluminense.
Conferência Mundial das Nações João Cândido e Luciana Lealdina
Boletim do Sintufrj de 12 de junho/2020 anuncia: Heteroidentificação Unidas de 2001 contra o Racismo, de Araújo e outras personagens
feita com rigor para impedir fraudes no sistema de cotas raciais – rea- a Discriminação Racial, a Xenofo- negras importantes são desta-
cende o debate sobre como as instituições federais de ensino superior bia e a Intolerância, ocorrida de ques da série. CONFIRA E BAIXE:
devem agir para garantir que o acesso a essas instituições pelo sistema 31 de agosto e 8 de setembro, http://bit.ly/2ZP8QGk
de cotas para pretos, pardos e índios seja exercido por quem realmente em Durban, na África do Sul.
tenha direito. https://bit.ly/37qlj65 LIVE DISPONÍVEL NO YOUTUBE: Espetáculo
https://bit.ly/3lWtcrx Contos Negreiros do Brasil:
“Todos olhos em mim”, jor- Espetáculo baseado na obra de
nalista Aline de Campos discute Marcelino Freire, que contextua-
racismo nas relações interraciais liza dados estatísticos do negro e
Obra é resultado de pes- da negra no Brasil, faz uma inédita
quisa da autora e estabelece adaptação on line no programa
diálogo com intelectuais negras Teatro: https://bit.ly/2AI6y2R
brasileiras. VEJA: https://bit. Missa dos Quilombos, musical
ly/3u152PK de Milton Nascimento em parce-
Livros sobre personagens ria com Pedro Casaldáliga e Pedro
negras no pós-abolição têm Tierra, encenado pela Companhia
download gratuito - Material foi Ensaio Aberto. bit.ly/3cStkTl
entrevista / denise góes CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ - 5

Uma voz forte na universidade


A
Fotos: Divulgação
tivista histórica do das Leis de Cotas, e mais crítica constitui a dimensão de
Movimento Negro e ainda com as Comissões nossas ações, quanto à legiti-
uma das mais possan- de Heteroidentificação, já midade da política de cotas.
tes vozes contra o racismo e que a lei garante a vaga e as Sintufrj: Qual a sua ex-
o preconceito dentro da UFRJ, comissões fazem com que pectativa para a continui-
a técnica-administrativa e ex- as mesmas cheguem aos dade da política de cotas
-dirigente do Sintufrj Denise sujeitos de direito. que terá que ser renovada
Góes cada vez mais assume A Câmara de Políticas no próximo ano?
o protagonismo dessas lutas Raciais tem hoje a tarefa do Denise Góes: Existem
na comunidade universitária. controle dessa importante muitas preocupações, pois o
Ela responde atualmente pela política pública, tem um peso terreno de um governo como
Câmara de Políticas Raciais, político nesta discussão e esse, negacionista, racista,
uma conquista que ajudou a ampliação, mas precisamos homofóbico, misógino, que
viabilizar, e pela Comissão de avançar para que este instru- empurrou milhões de maioria
Heteroidentificação da UFRJ. mento seja absorvido no or- negra para a linha abaixo da
Sintufrj: Qual o peso ins- ganograma da Universidade. pobreza, onde o número de
titucional da Câmara de Po- Sintufrj: Quais os avan- desempregados alcança a
líticas Raciais na discussão ços representados pela marca de mais de 14 milhões
e no combate ao racismo constituição da Comissão de pessoas, onde as institui-
na UFRJ? de Heteroidentificação para ções federais de ensino sofrem
Denise Góes: A Câmara assegurar legitimidade à cortes orçamentários que
de Políticas Raciais tirou da política de cotas? inviabilizam seu crescimento,
invisibilidade a discussão e Denise Góes: As Comis- não é dos mais propícios.
o combate ao racismo que sões de Heteroidentificação Mas a força das universi-
nos anos 2000 tinha no pro- assumem um importante dades que implementaram
fessor Marcelo Paixão uma papel educador e antirracista essa política e do Movimento
referência no tema através dentro deste processo, onde Negro através de suas arti-
do Laeser (Laboratório de a formação, através dos cur- culações e pressões serão
Análises Econômicas, Históri- sos, atua como um elemento pontos decisivos na revisão.
cas, Sociais e Estatísticas das transformador na compreen- A minha expectativa é
Relações Raciais), do Instituto são dos efeitos do racismo es- de que nossa pressão e a
de Economia. O quadro muda trutural e institucional. Então, assertividade desta política
e evolui com a implantação o avanço na consciência racial farão a diferença.

Depoimento / WALLACE DE MORAES

‘Hoje temos pretos e pobres na UFRJ’


“Muitas coisas mudaram Política do IFCS (Instituto de
positivamente. Antes das co- Filosofia e Ciências Sociais),
tas, a UFRJ era muito mais eli- na graduação e pós-gradu-
tizada, porque tinha muitos ação (em Ciências Sociais e
alunos ricos e muitos alunos Filosofia, respectivamente).
brancos, ou seja, eram dois Mas, muita coisa, segun-
recortes: de raça e de classe. do ele, precisa e deve ser
Hoje temos alunos pretos melhorada mesmo com a
e pobres, o que é positivo política de cotas, porque a
para a universidade, porque quantidade de negros e de
eles trazem suas demandas pobres que as cotas conse-
e experiências sociais que guem inserir na universidade
antes não habitavam aqui ainda é muito pouca. “É pre-
dentro, o que possibilita ciso se criar mais universida-
oxigenar a instituição. Para des gratuitas e de qualidade,
um professor negro, isso é criar mais vagas para que
muito importante”, resumiu muitos mais negros possam
Wallace de Moraes, docente conseguir ter uma carreira de
do Departamento de Ciência altos extratos da sociedade”.
6 - CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ - 7

ONDE ESTÃO OS NEGROS


N NA UFRJ

Fotomontagem: Edilson Soares Martins


{...}sou mano de quebrada, sou mina de favela
sou todos os que lutam por um mundo sem miséria
sou mano de atitudes, sou mina que é de fibra
herói de preto é preto tipo Cosme e Firmina. IMAGEM SIMBÓLICA da presença negra na maior
Herz e Verck, “Herói de preto é preto” universidade federal do país – Novembro de 2021
8 - CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ

depoimentos
Josete: militante discreta, mas eficaz
Dona de um currículo de fazer ência Negra. sonalidades negras brasileiras”.
inveja a qualquer servidor, que in- O evento já está na 9ª edição, Mas, para Josete, dois movimen-
clui 10 anos de chefias na Reitoria, e visa, segundo a técnica-admi- tos impulsionados pela comuni-
Josete dos Santos Lima, 62 anos, nistrativa formada em Ciências dade universitária comprometida
ex-terceirizada e servidora efeti- Contábeis com especialização em com a luta antirracismo estão
vada da universidade desde 1987, Recursos Humanos pela Faculdade sendo responsáveis pelo resgate
garante que a sua maior conquista de Educação da UFRJ, “dar destaque da dignidade e dos direitos da po-
entre todas as que lhe dão tanto à contribuição da cultura negra no pulação negra na UFRJ: a Comissão
orgulho é ter sido a responsável desenvolvimento do Brasil, como, de Heteroidentificação e a Câmara
pelo Projeto Semana da Consci- por exemplo, homenageando per- de Políticas Raciais da UFRJ.

Fotos: Divulgação
Patrícia: o prazer de ser UFRJ
“Meus quase 13 anos de UFRJ da pedagoga Patrícia Costa Pereira
foram, de uma forma geral, muito da Silva, 35 anos, da Coordenação de
positivos. Tive a oportunidade de Extensão do Instituto de Filosofia e
aprender muitas coisas e trabalhar Ciências Sociais (IFCS), mas com um
com diversos temas e pessoas. É uma adendo: “Eu gostaria que a univer-
satisfação enorme atuar na maior sidade fosse mais diversificada (por
universidade federal do Brasil”. A gênero e raça), especialmente nos
declaração de amor à instituição é cargos de chefia e de direção”.

Cecília: Jovens da periferia no radar


A coordenadora do Núcleo de tentativa de reparação histórica. lidade e universal, porque sei que
Imprensa da Escola de Comunica- Tive a sorte (ou privilégio) de ser esta não é a realidade de muitas
ção da UFRJ, Maria Cecília Castro, filha de uma mulher que acreditava famílias. Estou terminando meu
54 anos, explica que não tem en- muito que educação era a melhor mestrado em Educação e o tema é
volvimento direto com movimentos herança que se pode deixar para a profissionalização de jovens de
sociais, mas reconhece a importân- os filhos e, por isso, lutou muito. periferia. Pude entrevistar jovens
cia da lei de cotas. Eu pude estudar em boas escolas que precisam trabalhar o dia todo
“Sou preta, me formei em 1990, (particulares, no meu caso). Porém, para se sustentarem e por isso
quando nem existia esse tipo de defendo o ensino público de qua- atrasam os estudos.”

Ednilson: a universidade está enegrecendo


“Em 2010, fui aprovado no concurso pretas dessa universidade?, questionei”. enegrecendo e a juventude negra tem
específico para pedagogos com espe- Quem diz isso é Ednilson dos Santos se organizado e reivindicado cada vez
cialização em educação infantil para Ferreira, 48 anos. Desde 2019, já com o mais uma universidade mais inclusiva
trabalhar com as crianças da Creche da doutorado, ele trabalha na secretaria da que combata esse racismo institucional
UFRJ (Escola de Educação Infantil). De Faculdade de Educação com formação e sistêmico, apostando numa univer-
cara uma situação inusitada causou-me de professores e realizando pesquisas. sidade mais igualitária. Minha partici-
uma inquietação: 99% das crianças “Hoje podemos afirmar que entre pação no movimento se dá através da
eram brancas. Onde estão as crianças pretos e pardos a universidade está pesquisa”, afirma.
CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ - 9

depoimentos
Luzia: vencendo obstáculos
“Sou mulher, negra, de família do quadro de enfermagem da insti- contrário do que muitos pensam,
de baixa renda, nascida na favela e tuição, mas na atual gestão assumiu a não cria gueto de cidadãos negros
moradora de um bairro no subúrbio Pró-Reitoria de Pessoal. Na Uerj, onde e outros brancos. “Ela aproxima um
carioca. Sobrevivi a (um contexto so- exerce a função de professora adjunta, do outro em mesmo patamar para
cial de) violências e às drogas. Cursei coordena o projeto de extensão “O exercício do poder”, diz. “Vivemos
graduação, mestrado e doutorado negro no mundo contemporâneo: numa sociedade racista, e a UFRJ é
numa geração anterior às políticas de empoderamento e direitos”. o reflexo do mundo real, onde pre-
ações afirmativas, sendo a única da Luzia considera a política de tos se alimentam mal e moram em
minha família a alcançar esse espaço. cotas raciais (Lei nº 12.711/2012 casas que dificultam o rendimento
Minha arma foi a educação, e posso para ingresso na graduação e Lei escolar pleno. As cotas surgem para
dizer que faço parte de uma estatís- nº 12.990/2014 que reserva para promover igualdade, para vencer o
tica em que mulheres pretas são a negros e pardos 20% das vagas preconceito, trazer para próximo,
minoria”, diz Luzia Araújo, ex-aluna em concursos públicos) um ins- dar as mãos àqueles que têm mais
da UFRJ e que desde 1989 faz parte trumento de inclusão social. E, ao dificuldades”, acrescenta.

Fotos: Divulgação
Vítor: vocação pela questão racial
“Minha trajetória não contemplou afirma Vítor Maurício dos Santos Social (Nides/CT), e afirma: “O que
minhas expectativas nos primeiros Matos, integrante da Comissão de mais me incomoda é a subalterni-
seis anos de serviço na UFRJ. Mas Heteroidentificação. zação do técnico-administrativo na
isso começou a mudar quando Ele faz parte do quadro da uni- visão de alguns docentes, implicando
comecei a trabalhar com políticas versidade desde 2010, atualmente é preconceitos e a legitimação de com-
raciais, em especial com as cotas. o chefe de gabinete do Núcleo Inter- portamentos absurdos, como assé-
Hoje eu me sinto mais realizado”, disciplinar para o Desenvolvimento dio moral e racismo institucional”.

Gisele: universidade mais igualitária


“Gostaria que a UFRJ, com toda universidade, em 2018, me encantei tada pelos servidores antes mesmo
sua grandiosidade, fosse mais igua- com o ambiente, principalmente do meu ingresso. O que mais me
litária”, projeta a chefe da Seção de com a semana de acolhimento, onde incomoda é o não reconhecimento
Pessoal do Instituto de Biodiversida- aprendemos um pouco mais sobre do nosso fazer. Por mais que seja
de e Sustentabilidade Nupem/UFRJ, a instituição. Não tenho tantos anos bem executado, se em determinado
Gisele Pereira Sá Teixeira, 41 anos. como meus colegas, mas já posso momento você falhar todo o seu de-
“Confesso que assim que entrei na sentir a diferença entre classes ci- sempenho anterior é anulado”, avalia.

Vera: dedicação ao trabalho


Aos 68 anos de idade e 43 de do Hospital Universitário Clementino em contabilidade. “O que eu gostaria
UFRJ, Vera Lúcia da Silva é uma técni- Fraga Filho (HUCFF) exercendo a que fosse diferente? São tantos fato-
ca-administrativa que faz a diferença função de secretária no Laboratório res que não há como enumerá-los,
na universidade pela dedicação ao de Pesquisa do Serviço de Nutrolo- pois não depende diretamente da
trabalho. Ela atua na Divisão Médica gia – apesar da formação de técnica UFRJ e sim do governo”, diz.
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depoimentos
Denise: saúde da população negra
“Entrei na UFRJ em 2013 como ex- que ainda precisa ser oficializado”, diz ticas públicas de saúde, sobretudo
traquadro, em 2015 passei no concurso a técnica de enfermagem Denise Ro- as da população negra, que está em
e em 2017 participei do primeiro evento drigues de Brito, 41 anos. situação de vulnerabilidade. Precisa-
institucional sobre racismo (“A saúde “Começamos a fazer o recorte mos levantar indicadores e realmente
tem cor”), com palestrantes do Movi- racial nos ingressos, e o nosso ob- ter ações práticas para buscar essa
mento Negro e da Secretaria Municipal jetivo central é oferecer o curso do equidade em saúde”, constata. “Falta
de Saúde, pessoas que são referência Ministério da Saúde, mas para isso é capacitação, falta tratar racismo como
no tema. A partir daí, começamos a preciso retomar as atividades, porque tema da sociedade e não falar dele só
trabalhar na Maternidade Escola com o comitê não está tão ativo”, expõe em novembro. Esse problema é social,
política integral da população negra e Denise. “Acho que a gente está um precisamos ter ações mais práticas e
criamos o comitê técnico da unidade, pouco atrasado em relação às polí- permanentes”, conclui.

Fotos: Divulgação
André: futuro na gestão pública
André Luiz do Nascimento Maxi- realização, e por uma única razão: mais pela instituição: “Quero ser um
miniano, 44 anos, é contramestre na “Gosto porque estamos produzindo gestor público, um administrador
universidade desde 2018 e sempre conhecimento, e isso ninguém nos voltado para as especificidades do
trabalhou na Praia Vermelha, onde, toma”. No futuro, ou melhor, daqui serviço público. E, quem sabe, re-
hoje, responde pela subprefeitura a dois anos, quando concluirá a gra- ceber um convite para assumir um
do campus e das unidades externas. duação em Administração Pública cargo mais elevado na estrutura
Trabalhar na UFRJ para ele é uma na UFF, André projeta fazer muito universitária”.

Izabela: contra preconceito classista


Quando a bióloga Izabela Silva sei como era antes, mas em Macaé que deveria mudar é o preconceito
dos Santos ingressou na UFRJ em a diversidade entre os alunos é classista em relação aos técnicos-
2012, as cotas raciais já eram uma grande. Há muitos pretos e pardos -administrativos, que nunca são
realidade na universidade. “Não e poucos brancos”, observa. “O lembrados”, acrescenta.

Selma: ‘abrimos os portões’


“Desde que a UFRJ adotou a para cotistas”, constata a integrante final dos anos 1980, não via negros
política de cotas, o número de alu- da Câmara de Políticas Raciais e da naquele campus. “A inclusão aumen-
nos pretos e pardos cresceu 70% na Comissão de Heteroidentificação da tou também para os indígenas e
universidade. O perfil da comunidade UFRJ, Selma Ribeiro Farias, 55 anos, deficientes. Houve muita resistência,
universitária mudou e muito, mas ain- 31 dos quais compartilhados com e a UFRJ foi uma das últimas, ou
da tem que mudar muito mais. Algu- a universidade na Coordenação de talvez a última universidade federal
mas unidades estão adotando cotas Segurança (ex-Diseg). a adotar o sistema de cotas raciais.
para ingresso na pós-graduação, e os Selma é lotada no Núcleo de Mas conseguimos abrir os portões
concursos para servidores docentes Segurança da Praia Vermelha e diz e hoje está aí, a diversidade”, fala,
e técnicos já fazem reserva de vagas que quando entrou na UFRJ, no emocionada, a vigilante.
CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ - 11

depoimentos
Dayane: Acesso versus permanência
Para a representante do Coletivo cia gigantesca dentro da universidade a bap – bolsa de auxílio permanência
Negro Ebi no Instituto de Ciências entre acesso e permanência, não só concedida aos cotistas de renda de
Biológicas e membro da Comissão de pela burocracia de documentação, 1,5 salário mínimo per capita – seria
Heteroidentificação da UFRJ, a estu- mas, também, pelo descaso de auxiliar destinada apenas aos cotistas que
dante Dayane Alves da Silva, 21 anos, e assistir os cotistas (pretos, pardos comprovassem ter até 0,5 salário
“a política de cotas da universidade e indígenas (PPI), pessoa com defici- mínimo de renda – que é o que o co-
caminha para a transição identitária e ência (PCD) e/ou egressos de escolas tista precisa comprovar para receber
vem se engrandecendo com o forte po- públicas e renda)”. a bap, mesmo que entre na modali-
sicionamento dos movimentos raciais”. “Digo isso porque desde o se- dade de cota de 1,5 salário mínimo
Segundo ela, “existe uma discrepân- mestre de 2020.1 foi aprovado que per capita”, explicou a Dayane.

Fotos: Divulgação
Jorgina: registro de retrocesso
“Sempre estranhei a distinção após aprovação no concurso público. des de cursos oferecidas pelo Sintufrj
entre docente e técnico, incluindo Ex-aluna do Pré-Vestibular do e também pela PR-4. Infelizmente as
certos obstáculos quanto à qualifi- Sintufrj, Jorgina é graduada em Ser- coisas estão mudando, e já houve
cação destes”, conta Jorgina da Silva, viço Social e pós-graduada em Psi- retrocesso no PQI (Programa de
65 anos, da Secretaria de Ensino e cogeriatria e Políticas Públicas – toda Qualificação Institucional), que era
Graduação da Escola de Comunica- sua formação foi na UFRJ. “A minha uma excelente oportunidade de
ção (ECO), unidade onde trabalha trajetória ainda está inacabada, mas acesso aos cursos de mestrado e
desde que entrou na UFRJ, em 1994, aproveitei algumas das oportunida- doutorado”, lamenta.

Mônica: crescimento profissional e pessoal


“Ingressei em 2009, por concur- a maneira como os servidores que discentes, técnicos e docentes,
so público, e minha trajetória na compõem o quadro de técnicos também, sempre fizeram parte do
instituição tem sido de crescimento são, por vezes, tratados, como se meu incômodo enquanto servidora
profissional, pessoal, de formação, não fizessem parte do corpo da da UFRJ. Situação que vem mudan-
de desafios, de lutas e descobertas”, universidade. “Observei algumas do com o advento das cotas com
resume a pedagoga da Faculdade de situações acerca desse tratamento recorte racial”, diz. “Gostaria de ver
Farmácia, Mônica da Silva Gomes, diferenciado. A pouca presença ou pluralidade representativa em todos
50 anos. O que a incomoda, diz, é ausência de negros nos espaços os segmentos da UFRJ”.

Marçal: defender cotas é tarefa de todos


Toda a trajetória estudantil de Jorge gratuita, de qualidade e socialmente temos hoje. A partir da experiência de
Felipe Marçal, 24 anos, na UFRJ está referenciada. É tarefa de todos!” uma universidade majoritariamente
sendo como cotista. Para esse aluno “Fiz parte de uma das primeiras branca, seja na composição de seu
de doutorado na pós-graduação em turmas do curso de Ciências Biológi- corpo social ou em suas bases epis-
Educação, professor substituto do Co- cas a implementar a reserva de 50% temológicas, participei da fundação
légio de Aplicação (CAp), integrante do das vagas (2015.1). Naquela época, dos coletivos tanto para fortalecer a
Coletivo de Docentes Negras e Negros embora o debate racial estivesse necessidade de uma agenda insti-
da UFRJ e secretário-geral da APG, ganhando mais força entre os pró- tucional antirracista para denunciar
“defender as cotas raciais é defender prios estudantes, ainda não havia a situações cotidianas de racismo que
o projeto da universidade pública, profusão de coletivos negros que enfrentávamos no curso.
12 - CADERNO ESPECIAL - NOVEMBRO, MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA - SINTUFRJ

Defensoria acerta no concurso


com cotas com o auxílio da Câmara
de Políticas Raciais da UFRJ
N
Fotos: Divulgação
o Rio, apenas 14% O último edital de con-
dos defensores pú- curso para defensor público
blicos são negros. (concurso XXVII, iniciado em
Entre os terceirizados, o fevereiro e que ainda está
índice é muito maior: 65%. em curso devido à pandemia
Essa realidade foi revelada e às suas várias etapas), por
pelo 1º Censo Étnico-Racial exemplo, mudou seu de-
da Defensoria Pública do senho habitual para tornar
Estado do Rio de Janeiro, eficaz no certame a política
evidenciando que há poucas de cotas.
pessoas negras em cargos de De acordo com a defen-
maior responsabilidade. sora, nos três últimos anos
O município do Rio é a os editais já continham pre-
segunda cidade do país com visão de cotas para defensor.
maior quantidade de pessoas Mas nunca houve um apro-
que se declaram negras e vado. Os candidatos cotistas
pardas no Brasil – ao todo, são no máximo chegavam até
três milhões, de acordo com a terceira etapa, porque o
o Mapa da População Preta processo não era eficiente –
e Parda do Brasil, elaborado o concurso tinha sete fases
com base nos indicadores do até então eliminatórias. DEFENSORIA. Censo revelou disparidade: apenas 14% são negros
Censo 2010 do IBGE.
No lançamento do censo
étnico-racial, em agosto, o
presidente da Associação
dos Servidores da Defensoria, Experiência socializada
Gustavo Belmonte, apontou
a importância do documento A Câmara de Políticas de Heteroidentificação foi
para a implementação de Raciais da UFRJ compõe importante para se chegar
políticas e estratégias an- a Comissão de Heteroi- a esse resultado”, afirma a
tirracistas, “de forma que a dentificação do concurso técnica-administrativa da
Defensoria Pública trabalhe da Defensoria Pública. UFRJ.
para ter uma instituição me- Segundo Daniele, a vasta Este ano, além de refor-
nos desigual e consequente- experiência acumulada mulado, o concurso aumen-
mente que isso se reflita na pelo grupo justificou o tou o percentual de cotas de
sociedade”. convite. 20% para 30%, e sem cláu-
Denise Góes, que co- sula de barreira. Tanto que
Mobilização ordena a Câmara da UFRJ, foram aprovados na primeira
para mudar avalia que as mudanças fase (objetiva) 350 candida-
Essa realidade começa operadas no edital são tos da ampla concorrência
a mudar pela mobilização fruto da luta das defenso- – sem cláusula de barreira
de parte dos profissionais, ras negras Lívia Cásseres e para os cotistas, todos os
das entidades da sociedade Daniele Magalhães, com que atingiram percentual
civil e da própria instituição, adesão de antirracistas mínimo de 30% foram para
como aponta a defensora que compreendem a ne- a segunda fase, um total DANIELE MAGALHÃES. Realidade começa a mudar
pública Daniele Magalhães. cessidade dessa inclusão. inédito de 1.600 cotistas.
Ela coordena a Coorde- “É uma luta de mais de Houve notas diferenciadas “Nunca foi assim. Este aptos. Há muitos para os
nadoria de Promoção da uma década, que culmi- também para a segunda fase. é o primeiro concurso com outros cargos de servi-
Equidade Racial (Coopera) nou com 22 candidatos Com isso, chegaram à fase essas alterações todas. dores, porque para esses
e o Núcleo de Combate ao cotistas aprovados para a final 74 candidatos, sendo 22 Nunca tivemos um cotista concursos a adoção da
Racismo e à Discriminação prova oral, e a participação cotistas. Falta ainda a prova para defensor ou defenso- cota tem sido eficiente”,
Étnico-Racial (Nucora) da da Câmara na Comissão oral, que é classificatória. ra. Agora há vários cotistas diz Daniele.
Defensoria Pública.

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