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Ato, Desato e

Hiato

Yuri Marcelo Alves


Sumário
Parte Um ..........................................................................................5
Emoção em atos ..............................................................................5
Ato 01 ..........................................................................................5
Ato 02 ..........................................................................................6
Ato 03 ..........................................................................................7
Ato 08 - Receio .........................................................................18
Entre Atos 09 e 10 -..............................................................21
Ato 09 - Anúncio ......................................................................21
ENTRE ATO: ......................................................................22
Ato 10 – Chegada .....................................................................23
Fim Do Ato: O caminho: .....................................................25
Ato Final - Despedida ..............................................................30
PARTE DOIS ....................................................................................38
DESTRUIÇÃO EM DESATOS (liberdade poética) ............................38
Desato 1 - Todas (quase) as mulheres do mundo ..................39
Desato 2 – Erro ........................................................................46
Hiato......................................................................................51
Desato 3 – Destino ....................................................................53
Hiato - Desato 3 - O que poderia ter sido ..........................56
Desato 4 - Beijo ........................................................................58
Hiato......................................................................................63
Desato 5 - O dia após ...............................................................64
Hiato......................................................................................66

2
Desato 06 - Alguns bares ......................................................... 67
Desato 07 - Conversa: .............................................................. 68
Hiato - Da escrita .................................................................76
Desato 8 .................................................................................... 77
Hiato...................................................................................... 81
Desato 9 .................................................................................... 83
Hiato...................................................................................... 85
Desato 10................................................................................... 85
Hiato...................................................................................... 88
Desato 11................................................................................... 90
Desato 12................................................................................... 91
Hiato...................................................................................... 93
Desato 13................................................................................... 94
Hiato...................................................................................... 96
Desato 14................................................................................... 97
Desato 15................................................................................... 99
Desato 16................................................................................. 100
Desato 17 - Saudade............................................................... 103
Hiato.................................................................................... 105
Desato 18................................................................................. 107
Hiato.................................................................................... 109
Desato 19................................................................................. 110
Desato 20................................................................................. 112
Hiato.................................................................................... 114

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Desato 21.................................................................................114
Desato 22.................................................................................117
Hiato....................................................................................118
Hiato....................................................................................119
Desato 23.................................................................................125
Desato 24.................................................................................127
Hiato....................................................................................129
Desato 25.................................................................................131
Desato 26.................................................................................133
Hiato....................................................................................135
Desato final – A história por ela: .................................................136
Hiato Final: A história por mim....................................................140

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Parte Um
Emoção em atos
Ato 01

Displicente e por completo sem esperança de algo, apenas


utilizando a qualidade da outra parte, o sujeito a chama para
conversar durante uma viagem. Se recorda, por alto, daquela
outra vez que chamou a moça, mas esta nem o respondeu.
Desta, algo diferente. A resposta caminha pelas ondas da
internet e atingem o sujeito com uma satisfação própria. Ela
não só respondeu, como brincou.

Observando a profissão da moça, busca por uma possibilidade


de novas conversas, e elas desencadeiam novos rumos. A
filosofia entra em jogo, mil mensagens de voz, e buscas
profundas pela verdade do ser. Na primeira conversa,
desabafo. Ambos procurando se conhecer antes de conhecer o
próximo. Mas, nada os tinha preparado para a emoção da
conexão que estava por vir. Algo tão estúpido, tão pífio, tão
singular, tão pessoal, num curto período de tempo.

E a franqueza de ambos possibilitou rumos inimagináveis.


Sabiam do que eram capazes, sabiam o que queriam, ele sabia

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que ia se apaixonar, ela sabia que ele iria se apaixonar. Ele nem
se importou, a tempos não sofria por amor, e a tempos não
escrevia algo bom. Ela se preocupou, mas o tédio falou mais
alto.

Ato 02

Noutro dia, o sujeito busca maneiras de puxar assunto com


aquela que despertou nele vontades de conhecer o litoral,
mesmo que tomando cuidado com sua intensidade, ele nem se
preocupou tanto assim. Pouco se importava com o tanto que
era intenso, nem com o mergulhar de cabeça, principalmente
porque a moça não era daquelas rasas que o machucavam
quando o mergulho ocorria, não, de maneira nenhuma, ali ele
podia nadar a vontade, encontrar pontos em comum, portos
seguros, ilhas do saber. Ele tinha uma concepção sobre aquelas
que conhecia, grande parte, eram aquários, pareciam mares
profundos, mas não passavam de mentiras bem construídas,
para que aqueles que buscam nadar, não se sintam
incompletos. Ela, por outro lado, era o próprio oceano. E ele
precisava mergulhar na sua profundidade.

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O assunto aconteceu. Mais tarde, ela o procura para conversar
pela madrugada, ambos começam a beber, e o que começou
como uma curiosidade, tomou características de interesse,
desejo, vontade.

Conversas pela madrugada, ambos bêbados falando verdades.


Por três dias, isso aconteceu. No terceiro, ele passou todo o dia
pensando na ligação que faria a noite. Porque era, naquele
momento, por mais tolo que pudesse ser, a parte mais
interessante do seu dia. Esperou.

Ato 03

O medo talvez seja a maior prova de racionalidade do ser


humano. Os dois, emocionados (mais ele, vamos admitir (só
ele, vocês bem sabem)), pautavam-se pelo receio de errar e do
fracasso. Ele, despreocupado, uma vez que não se importava
tanto com isso, ela, sabendo da própria condição, sabia que
poderia magoá-lo em algum momento. Então, o medo os
recuou. Ambos perceberam que, se continuassem, algo dali
sairia. Não sabiam, porém, se seria bom ou ruim, mesmo que,
pelo pessimismo evidente e existente, o ruim os assolava mais.
Percebiam que iriam se interessar profundamente até perder
completamente o interesse, ou pior, não o perderiam. A
distância que por muito tempo foi um impeditivo de grandes

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histórias serem construídas, hoje, pelos avanços tecnológicos
tende a ser ignorada, mas não com esses dois. Pois sabem que
ela existe. E como sabem.

Ele possui uma inteligência acima da média, uma arrogância e


prepotência predominante, e um certo charme. Ela é
simplesmente genial, com recursos literários de invejar
grandes escritores, de conhecimento da própria área tão
significativos, que até mesmo aquele que tudo explica, não
teria explicação para suas indagações.

A racionalidade os afastou porque era necessário. E os


emocionados, por mais que assim estivessem graças a
infinitude de sentimento que possuíam dentro de si, preferiram
seguir a razão. Aristóteles admite que a justa medida é o
caminho para uma vida que vale a pena ser vivida, mas o que
seria nesse contexto, a justa medida? Amizade não bastaria.
Sobrou então, o medo. E o medo é a característica básica da
razão.

Fim do ato.

As cortinas se fecham.

Aplausos.

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Ato 04

Reabrem as cortinas:

O retorno se apresenta com certa dificuldade. O sujeito busca


métodos para chamar a atenção da moça, em vão. Até que o
acerto os encontra. Novamente um assunto surge, mas logo
morre. Outra foto recebida, a tentativa dela de chamar a
atenção dele, obviamente deu certo. Um pedido chega, mas
não adianta.

A noite ela surge. Podem ser amigos. Claro. Por que não. Bom,
porque ele não quer. Admite a possibilidade de, num futuro
próximo, se apaixonar. E ela também confessa, nunca
consegue uma boa amizade. E joga em sua face às voltas e as
tentativas de manipulação que ele fez.

Quando pensou que iria se apaixonar, estava certo. Porque


nesse jogo, ele com certeza irá perder. Não há possibilidade.
Mas, não há derrotado, ele sabe disso. Só pela chance de gostar
de alguém tão ímpar, a vitória já o alcançou. E a vitória não
está tão distante. Não essa vitória.

O jogo começa. Ambos mostram as cartas e riem.

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Outra semana passa. Noites em claro. Ajuda. Desabafo. Ele,
agora, conhece o íntimo, ela, mais do que nunca, conhece seus
medos.

O jogo continua.

Ato 05 - A Pretensão

Do dicionário: pretensão

substantivo feminino

1.

direito suposto ou real,


reivindicado por um indivíduo,
uma nação etc. (freq. us. no pl.).

“a Espanha manifestou suas p.


sobre as terras do Novo Mundo”

2.

aquilo que se solicita ou se


exige; exigência, solicitação.

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Poderia, também, ser explicada como vontade. Aparentemente
sim, despretensiosa pode ser uma ação sem querer, de forma
de a ação não ter uma relação com o fim. Falta, então, a
vontade.

Seria assim que ele se comportava, de forma despretensiosa no


início, mas, ao fim, a sua pretensão era clara. Queria aquilo.

Mas, claro também era a dificuldade. Vontade, pura e simples,


não leva ninguém a lugar nenhum. Se bastasse a vontade, ele
estaria morto. Já que não basta, permanece ali, vivo, e
querendo coisas. Muitas coisas.

E o limite do jovem, como inexistente, também impede que a


pretensão seja diminuída, assim, por completo, a sua vontade,
por mais impossível que seja, permanecia crescente.

Jovens.

Pretensão é a demonstração do desejo, para além da vontade.


Como dito, se vontade só não é o suficiente, sobra o desejo
para que haja o agir. E estes, completos, fazem com que o
jovem cometa o erro de ligar para alguém às duas da manhã de
uma segunda feira.

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E o encaminhar de fotos aleatórias demonstrando o dia a dia,
pode ser observado como despretensioso, mas, dizendo logo
em seguida que queria a companhia do outro, já enche o ato de
pretensão, já que ali reside a vontade, do inicio ao fim, e claro,
o desejo.

Se ela expõe em seu corpo o desejo por completo, ele extrapola


em seus copos para que não se limite de vez pelo desejo que
tem por aquele corpo.

Não se limita em usar virgulas, mas principalmente em colocar


pontos finais. Não quer o fim, apenas…

O agir despretensiosamente, cheio de desejo e vontade pelo


caminho que leva de um início, a qualquer fim.

Ato 06 - Manipulação

Enquanto os corpos suados se retiravam da cama, um para


fumar e outra para se lavar, ambos perceberam que aquilo tinha
ido longe demais.

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O sonho dele, de encontrar a poetisa perfeita, a artista
magnífica, estava ali. Mas, ao mesmo tempo, não estava. Já
que a distância era, por um exagero dos deuses e do destino,
imensa.

A vontade dela era outra, queria mais ela, do que outro. Se


fosse a três meses, ela já estaria batendo em sua porta
entregando a ele seu corpo, seu desejo, sua voz. Mas não agora.
Agora ela só queria paz.

A paz de busca, principalmente, com o autoconhecimento. E


ambos o tinham. Ao mesmo tempo que ambos entendiam um
ao outro. Como por exemplo, ele, entendia que ela se afastaria
para protegê-lo, por uma ideia tola de não querer feri-lo. Ela,
doutro lado, entendia que a intensidade dele era seu maior
defeito.

Ele tenta, num primeiro momento, dar atenção a outras


pessoas, outras mulheres, outros caminhos. Mas tudo o puxa
pra aquela bobagem. Ela conta até o que jantou, para puxar
papo, chamar, conversar. Ficam sem sono. Outra noite em
claro. Ele perde aula, chega atrasado no trabalho, leva esporro.
Ela…

Claro como a luz do sol, depois dessa noite, se afastaram.

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São tantos desencontros tortos e encontros retos que os
afastamentos acabam se tornando comuns. Como se não
bastasse os milhares de quilômetros entre os dois. Não,
resolvem se afastar também das mensagens.

Dessa vez foi mais cruel, um “Infantil, você continua ligando


pra uma garota de outro estado toda noite, mesmo ela dizendo
que não quer nada sério com você”

Ele ainda em dúvida se ela disse aquilo para mantê-lo afastado,


ou porque realmente queria deixar claro. Não se importou.
Sabia o quão infantil e esperançoso era. O quão pequeno, o
quão…

Manipulado era.

E o quão manipulador era.

E o quanto gostava daquilo

E o tanto que admirava ela, por tentar…

E o tanto que a endeusava, só por sê-la.

Bobagens de um rapaz latino-americano.

Evidências de uma infantilidade compreendida por uma má


formação na relação com sua mãe. Obviamente, apenas um

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palpite. Talvez seja culpa do seu pai. Ou apenas dele mesmo,
por não aceitar ser feliz sozinho. Mas talvez, e apenas talvez,
seja apenas tudo parte do jogo.

Ato 07 - Poeta

Desencontro

Enquanto ele bebia com amigos, ela se despia.

Ele criticando a vida, ela vestia o pijama rosa

Ele xingava Deus, ela orava

Ele pedia por um cachorro, ela brincava com o seu.

Enquanto ele fumava, ela sentia falta do cigarro.

Enquanto ele ria, ela abria a conversa de ambos no aplicativo


de mensagens.

Enquanto ele falava dela e os amigos riam com desdém, ela


percebia que tudo era imaginação e carência.

Ele também percebeu.

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Mas o golpe baixo foi mandar aquele áudio, as cinco da
manhã, completamente bêbado, por não conseguir acreditar
que estivessem separados.

No dia seguinte, ele sonhou.

Ela viajou.

Ele não procurou.

E nem vai.

Ela, tampouco.

Se encontraram em seus sonhos e pareceu suficiente.

Estavam com saudade mas não sabiam do que

Ele se perdeu no que criou

Ela no que jogou

Ele não aceitou

E por isso perdeu

Acabou falhando na mais simples regra do jogo

“Não se engane, é apenas um jogo”

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Exagerou

O que sempre faz, confundiu o que seria

Romantizou

O que sempre faz, traz o belo à feiura.

Iludiu-se

E se perdeu

Enquanto ela acordava e ria

Ele dormia

Enquanto ele acordava e bebia

Ela comia

Enquanto ele saia

Ela entrava e se fechava

Ele não se abria

Ambos com o celular na mão

Mas sem ligação

Nem oi, nem atenção.

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Tentavam se mostrar nas redes sociais,

Sem sinais…

Um do outro.

Fim. (?)

Ato 08 - Receio

Enquanto uma série demonstra o total despreparo de uma


personagem em se relacionar com outro ser humano, e o seu
medo de estar em um relacionamento sério, o rapaz, do outro
lado do continente, mais pro sul, e cerca de vinte anos mais
tarde, se preocupa com realmente se apaixonar por alguém que
está a vinte horas de distância. A completude do medo se
mostra quando se afasta, não liga e nem retorna as mensagens.

E nem é medo pelo medo, é medo por si, e pelo outro. Sabia,
desde sempre, que o jogo é certo, e os erros, bem, fazem com
que perca.

Mas é claro, a esperança de vencer o faz, mesmo distante, se


preocupar. E a cada olhada no celular, uma verificada no
contato. Ainda não o apagou, o que demonstra estar consciente

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de sua atração. Ainda permanece conectado, o que mostra sua
paixão.

O rapaz é um tolo que se perde em constantes ilusões.

Foi dito, sobre o rapaz: “Você vive no mundo da lua, num


orbe ilusório onde projeta delírios que não correspondem com
a realidade (pleonasmo, se é ilusório, claramente não
corresponde com a realidade, até porque também são delírios,
e estes não costumam corresponder com a realidade). incapaz
de ler e atuar precisamente no mundo real, apenas se masturba
intelectualmente procurando em si uma razão que não existe.
Você é uma paródia de si mesmo.”

Uma paródia de si mesmo, crê, o rapaz, que concordou apenas


com essa afirmação. Se lembrou de uma animação. A
personagem se dizia ser uma cópia de uma cópia. E o rapaz
também. Uma paródia, ainda que uma cópia, é melhor. Já que
ao menos, há arte nessa cópia, satírica, mas, arte. E não seria
ele mesmo uma sátira de si mesmo? Sim.

Por isso o medo constante de se relacionar. E se encontrassem


a matéria bruta, aquela utilizada para se extrapolar o humor e
claro, criar a cópia, da cópia, da sátira, da paródia. Ou seja,

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encontrar ele mesmo? A essência? Não. não seria amado,
aceito, entendido. Nada valeria a pena, nem ele mesmo.

Ele sabe que ela diz o que diz por estar carente ou qualquer
outro motivo, mas ainda assim, a vontade de ser desejado é
maior do que qualquer outra coisa existente em sua vida. Ele
quer isso, ele precisa, ele não vive sem. Ele ainda é uma
pessoa.

Possivelmente por isso sempre buscou mulheres que


necessitassem também de alguém, para se sentir completo.
Para se sentir útil. E é isso, utilidade.

Ele percebe que não está agindo da maneira que deveria, mas,
continua. Já que a paixão o alcançou. É um completo idiota,
como os personagens citados. Ambos sem conseguir se
relacionar, ambos errando, ambos sozinhos, ambos…

Entendeu que é melhor.

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Entre Atos 09 e 10 -

O caminho para o fim,


vem após o próprio fim.

Ato 09 - Anúncio

Ele some. Pra variar. Até os amigos já sabem, ele sempre


some, pra se focar na própria dor. E ele adora focar nisso. O
faz criar. Ele ama criar. Mesmo que ultimamente tenha criado
também feliz. A felicidade tem nome, amor próprio. Ele
passou a se gostar. Ao menos gostar do que faz, do que
aprende, do que muda, do que mente, do quanto sabe, do pouco
que sabe, do quanto quer saber. Gosta de ser uma cópia bem
feita dependendo de quem está a sua frente, gosta de se moldar,
gosta de ser um camaleão dependendo da cor às suas costas.
Gosta de si. E se entende. Se perde e se encontra. Mas gosta
mais de se perder.

Nas sumidas busca mais se encontrar, já que se perdeu


enquanto próximo está daqueles que ama. Numa destas, o tolo
percebeu que gostava mesmo dela. Tão longe e tão perto. E ela
sabia que ele iria se afastar. E disse, com todas as palavras,

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enquanto pedia pra ele não se afastar: “Não vou pedir pra você
não se afastar…”

E ele gostou.

Ele gosta. Gosta de se sentir querido, mesmo que não acredite


que seja. Gosta de ser desejado, mesmo que duvide que isso
ocorra. Gosta de ser quem é, mesmo que, bem, não saiba muito
bem quem seja.

Ela também. Ele achava. Mas não entendia como.

Ela estava vindo. Vê-lo. E isso era tudo.

ENTRE ATO:

A constância da escrita faz com que eu me perca em palavras


e em um emaranhado de explicações sem sentido, existentes
sem vontade de sê-la. Possivelmente a inconstância dos meus
sentimentos também seja o que motiva toda esta perda. Uma
semana que se inicia com um beijo motivado por diversos
porquês, e que numa terça-feira já se encontra encoberto por
incertezas. Mesmo que já tenha se iniciado desta forma.

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O que seria a incerteza se não aquilo que motiva o homem a
buscar verdades nunca encontradas, até porque, se única
fosse, sua inexistência já seria óbvia. Mas quando no plural,
“verdades”, elas podem ser vistas, em algum sentido.

Mas então onde encontramos a verdade? No beijo da mulher


que desejas, no canto em bares perdidos, no perder-se,
encontrar-se, enlouquecer-se? Encontramos a verdade em
tudo isso e em muito mais, por é a verdade, viver ainda vale.

Em um novo ano a constância do caos continua, seria esta a


única verdade. Mesmo que incompreensível e em sua estrutura
invisível. Mas, o caos resiste. E mais vale o caos com boas
histórias do que a calmaria com péssimas lembranças.

Ato 10 – Chegada

Ela veio.

Ele saiu do carro e a viu. Parada, com uma bolsa minúscula no


seu braço. E com o melhor amigo dele do lado. Ela estava
mesmo ali. Ele achou mesmo que era tudo uma brincadeira.
Ela vir? Pra que? Pelo amigo, claro. Ela veio pelo amigo, mas
acabou ficando com ele.

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E o beijo foi aleatório. Ele apenas queria beijá-la desde de
quando mandou um livro. E ela leu. Então, ela parou ao seu
lado. Olhou em seus olhos, era como se estivesse pedindo um
beijo. Ele beijou.

No dia seguinte, pegou sua mão no meio do baile e a beijou. E


conversaram.

E no seguinte ficou até as nove da manhã beijando. E


conversando.

E no seguinte.

E ela foi.

Fim do ato. E do ato de beijar. Voltam os telefonemas. Volta a


distância. Ele espera que ela volte. Mas sabe do próprio
destino. Sabe que ele mesmo é a distância. Ele mesmo é o que
distância. Ele mesmo é o ato de abrir-se ao hiato. Ele mesmo é
a dificuldade do encontro e da permanência. Ele é a conquista,
mas não o manter. Ele é a inconstância do gostar, que fica entre
o odiar e amar. Tênue. Ora, ele é a própria corda, bamba, que
adoraria usar para se enforcar, já que não o faz no seu próprio
ego. Ele é a dúvida na própria vida, já que dias não quer

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permanecer, noutros quer viver, em tantos, morrer. Em mais
um, sobreviver, e por enquanto, partir.

Ele some suplicando para que sintam falta. Mesmo assim,


deseja que ela volte.

Egoísta.

Fim Do Ato: O caminho:

Uma Noite Perdida -

Tirastes o véu que cobria minha visão

Agora sabes quem sou

Tanto quanto eu descobri anos atrás.

Sabes o que quero,

Mais que eu sei, e espero.

Tirastes e demolistes a parede de concreto que tampava meu


vislumbre de mim mesmo

Me perdi no desconhecido

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Agora ando sem rumo em meio ao caos

No meio dos carros

Corro na contramão

Esperando o conflito, o combate

O Embate

Corro esperando o fim que o corte profundo não me


proporcionou

As luzes me cegam e eles se desviam

Não querem acertar o corpo de um sujeito já moribundo

O ar ao meu redor tem cheiro de álcool e cigarro

Minhas vestes rasgadas por mim, pois queria me soltar da


minha própria pele

Meus óculos caem junto com lágrimas que escorrem do meu


rosto

Lá fora chove

A confusão feita pela água que cai dos céus e pela que desce
dos meus olhos é comovente

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Vale a pena chorar durante uma tempestade

É o que eu tenho feito desde então

Vivo numa tempestade que eu mesmo criei e choro por ela

Às vezes oro por algo que não está ao meu alcance

O orar me acalma, mesmo sabendo que nada, nem ninguém,


fará por mim

Se o universo é controlado, este é um péssimo administrador.

Sobrevivo dia após dia, tormenta após raios e trovões,

Esperando o arco-íris que não vem

Esperando a gota de súplica que apenas Deus poderia me dar

Sonhei que havia chegado lá

Mas tolos me salvaram de mim mesmo e novamente me


encontrava vivo

Berrava aos ventos que entravam no quarto

“Permita-me ir”

Não deixaram.

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Ninguém deixou.

A avenida cheia de carros e de vida não permite também que


um animal imundo nela morra

A cerveja que desce pela minha garganta infelizmente não é


cicuta

E mesmo com rimas clichês, não há uma alma que me acuda.

Ninguém escuta.

Perco-me tentando encontrar o porquê por trás de um mundo


de dúvida.

Todos me pedem ajuda

E eu a entrego de bom grado

E não me perco quando os apoio

Mas não peço de volta, não

Atrapalho.

E a tempestade volta me assustando

Ela tirou as vendas do meu rosto e me mostrou que há algo


bom, mas não ficou pra demonstrar o que, como e quando.

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Apenas há.

E eu não encontro

Ela tirou as mazelas que eu tinha e disse me amar daquele


jeito,

Mas não me lembrou que eu também precisava

E me amar é uma mazela por si só.

Não entendo como alguns carregam, e desconverso quando


me contam que sim.

Me disseram, porém

Que poemas precisam rimar

Como combinar finais de palavras se o próprio poeta é


desconexo

Poema deve ser belo.

Mesmo que assustador.

Tal como todo o meu ser, que tem lá sua beleza.

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Ato Final - Despedida

City of stars -

Onde o horizonte se faz belo

Não há mar, Mas bar.

E encontros, sem exceção…

Are you shining just for me? -

Existe uma estrela para que eu possa ter?

Que o brilho me baste…

Ilusão.

City of stars -

Onde o horizonte belo se faz presente

O terei para mim?

Como lhe alcançar?

30
There’s so much that I can’t see -

Mal posso esperar

Para me perder no olhar

Me cegar…

Who knows?

I felt it from the first embrace

I shared with you -

E em uma sexta feira

Encontro o olhar que buscava

Num beijo doce e sensível

E um abraço que a tempos não abraçava

31
That now

Our dreams

They’ve finally come true -

E os sonhos,

quantos foram…

pensamentos

momentos

E ligações

Desencontros,

Bêbados

Declarações…

City of stars

Just one thing everybody wants

There in the bars and through the smokescreen

32
Of the crowded restaurants It’s love

Yes, all we’re looking for is love

From someone else -

De quem importa.

A rush -

Desejo.

A glance -

Da alma

A touch -

33
No corpo

A dance -

E beijos

To look in somebody’s eyes

To light up the skies

To open the world and send me reeling

A voice that says I’ll be here, and you’ll be alright -

Como em tempos

Desacostumado ao gostar

E ambos assustados

Mas ela, presente…

…no distanciar

34
Eu preso no sim

Enquanto ela, não.

Tudo é tão…

I don’t care if I know

Just where I will go

‘Cause all that I need, this crazy feeling

Ra-ta-tat of my heart I think

I want it to stay -

Cidade do horizonte,

Você me entende?

Você nunca brilhou tão forte.

35
Iluminou-me como nunca

Cegou-me como sempre

Prendeu-se em mim

City of stars

Cidade da noite longa

Que a sua escuridão me acompanhe,

enquanto encontro meu fim.

Are you shining just for me?

Cidade dos céus estrelados

Que todas me encontrem

E fiquem ao meu lado

City of stars

Saiba, bela e doce cidade

Você jamais partirá meu coração,

36
Ele já está quebrado.

You never shined so brightly -

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PARTE DOIS
DESTRUIÇÃO EM DESATOS
(liberdade poética)

de Desato

Desato vem do verbo desatar. O


mesmo que: desdo.

Significado de desatar

Desfazer o nó de; soltar;


desprender.[Figurado]
Resolver, decidir. Prorromper,
começar de repente: desatou a
chorar.

Se quando aos atos foram construções, aqui estendo às


resoluções. Contos curtos, ou longos, de aventuras infantis sem
nenhuma ordem, cronológica ou alfabética, apenas histórias
contadas da única maneira que eu sei, cheia de interrupções,
que dizem mais. Não há significado. Em nada. Então não crie
um aqui.

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Desato 1 - Todas (quase) as mulheres do mundo

Era uma sexta feira, alguma amiga o havia chamado para


beber, ele logo se arrumou, sairia depois do trabalho, iria para
o bar que mais gostava, conversar sobre política, filosofia,
sociologia, mentes brilhantes, Platão, Aristóteles, Nietzsche.

Falaram sobre sexo, durante a curta caminhada entre o bar que


ela havia confundido com o correto, algumas ruas abaixo,
numa noite quente e perigosa.

Alguns meses antes ele havia sido assaltado ali mesmo,


naquela curva que viraram, um rapaz apareceu do nada e pegou
o telefone celular que ele usava para chamar um carro. Uma
amiga segurou o ladrão, ele, por sua vez, aplicou um golpe de
jiu-jitsu, muito mal executado. Recebeu dois chutes na cabeça,
socou duas pessoas, recuperou o celular.

O medo estava meio alto, ele sabia o porquê, aquele assalto foi
um dia atípico. Havia beijado três pessoas, dois rapazes, uma
garota, logo depois foi ver um filme com a amiga, dormiu no
cinema, tomando café. Estava sem camisa e só uma jaqueta,
perdeu o cachimbo que amava. Um dia complicado. Logo

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depois foi pra casa de outra amiga, pra cuidar dos ferimentos
da alma, e do corpo. Fumaram maconha e beberam, ela limpou
os machucados dele, mas não pôde curá-los, nem um.

Enfim, chegaram ao bar, era um andar na verdade, com


algumas possibilidades. Ele adorava o jeito que a garota falava,
de maneira rebuscada, com as mãos, e um sotaque gaúcho
lindo. Ela não bebia, ele comprou uma garrafa de cerveja. Ela
de suco. Encontraram algumas cadeiras vazias na porta de uma
loja.

A educação é algo que ele aprendeu desde cedo, uma vez, na


selaria do seu avô, este o puxou pra um canto, e lhe deu uma
lição, sempre dê seu lugar num banco, ou pergunte se aquele
está ocupado, se a pessoa for de idade avançada, ou se for uma
dama, sempre. Levava isso a sério, não a educação, mas as
coisas que seu avô falava. Como o velho conselho: Nunca diga
sua opinião, a menos que perguntem.

Então, ele entrou na loja e perguntou se podia utilizar as


cadeiras, de lá saiu uma moça, por volta dos quarenta e quatro
anos (idade de sua mãe), cabelo curto, e tatuagens. Era a dona
da loja, que obviamente aqui chamaremos de dona, por dois
motivos, o primeiro: Não estou gostando de colocar nomes em

40
personagens, principalmente porque isso os torna real, e nada
aqui é verdadeiro, são apenas interpretações minhas do que
houve, então, sem nomes. O segundo motivo é mais simples e
nem um pouco interessante, apenas não me lembro do nome
de ninguém dessa história.

A dona permitiu que se sentassem, elogiou a educação dele e


puxou uma cadeira para se sentar também. A amiga saiu, para
falar com o namorado. O que era uma tristeza particular para
ele, por outras razões que você deve imaginar. Ficou, então,
conversando com a dona. Descobriu que ela tinha uma filha,
da idade dele, estudando na faculdade que ele havia se formado
no ano anterior. O medo voltou. Sua mania de sempre se
apaixonar perdidamente por mulheres e as esquecer em
seguida surgiu com um soco, teria beijado a filha e agora seria
desmascarado pela mãe que quer beijar? Não. Infelizmente,
pois a filha era magnífica.

A dona apareceu com duas amigas, ele conversou com todas,


riu, bebeu. A amiga apareceu:

- Vou ter que ir, meu namorado...

Ele nem ouviu, disse que iria com ela, as moças não deixaram,
o convidaram para uma festa. Aceitou.

41
Pagaram cerveja, vinho e a entrada. Era aniversário de alguém,
uma festa que faziam todo ano, sem exceção. Elas não os via a
tempos, E quando chegaram, ele não mais as viu. Foram
procurar suas amizades, seus antigos amores, suas saudades.

Ele se perdeu, fumou, bebeu. Era tudo muito novo, conversou


sobre filosofia alemã com uma pessoa com aparência que se
parecia com seu avô, sobre homens com uma moça que ali
estava, sobre direito penal com alguém que criticou a justiça,
sobre política, com uma pessoa que parecia muito uma
deputada.

Se você, caro leitor, ainda não se entendeu nessa festa de gente


estranha com pessoas esquisitas, eu explico. Era como se Frida
Kahlo e Marx tivessem um filho no século XXI, este garoto
tem como padrinho de batismo Che Guevara e Guilherme
Boulos, de consagração, Trotsky, Tio seria Chomsky, Avô o
próprio Luiz Inácio, a Tia seria a Dilma e a melhor amiga,
claramente, Petra Costa. Esse filho, ou filha, como elx queira
ser, estava fazendo aniversário de 18 anos, chamou todos os
amigos do pai, da mãe, do tio, tia, avô e padrinhos, além dos
amigos da amiga, alguns tatuadores e uma banda de rock,
obviamente. Colocou todos numa casa imensa de dois andares,
com grande área e, também por óbvio, uma fogueira.

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Por um momento, ele achou que estariam fazendo treinamento
de guerrilha para uma nova tentativa de revolução comunista.
Infelizmente, estavam todos muito bêbados para manusear
armas.

Não se sentiu bem e resolveu ir embora, mas elas não


deixaram, foram abrir outra garrafa. Duas das amigas se
beijaram, depois beijaram ele, depois juntas, separadas, entre
elas. Ele resolveu ficar.

O show da banda do dono da casa começou, boa música, bom


rock, boa voz. E então, ela apareceu. Tatuada da cabeça aos
pés, ou ao menos nos braços, dançou ao seu lado e riu de uma
piada, disse que ia ali e já voltava. Ele esperou. Ela não voltou,
foi atrás, não iria aceitar a condição de ir embora sem pelo
menos saber o nome dela, mesmo que soubesse que deveria ir,
mesmo não sabendo nada.

Ele gostava do ambiente, mas algumas coisas o incomodavam


profundamente, como na hora de ir ao banheiro, haviam quatro
cadeiras e cinco pessoas, ele sentado na primeira, tendo que se
levantar em seguida, gentilmente deu seu lugar para a garota
que estava em pé, mas aquilo gerou o comentário que o
atormentou o resto da noite, com desdém, ela disse:

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- Nossa, obrigada, vou poder levar pra casa? Como se eu
precisasse que macho me desse alguma coisa, ainda mais
lugar.

Ele jurou que não iria promover uma discussão gigantesca por
algo tão estupido, pensou em contar essa parte em particular
para alguns amigos, mas logo desistiu, iriam mais concordar
com ela do que com a raiva e ódio dele. Ficou em silêncio.

Na mesma fila, quando saiu do banheiro, encontrou a amiga da


tatuadora, e conversou com ela algo sobre corpos no carnaval,
e novamente foi abraçado pela pureza do diálogo ao invés da
acusação desproporcional. Perguntou então, onde estava a
tatuadora, com um receio de estar com o namorado numa hora
dessas, de maneira nenhuma, estava procurando por ele
também:

-Quero muito beijar ela.

- Que sorte a sua, porque ela também quer te beijar.

A amiga disse isso com tanta sutileza e tranquilidade.

Ele estava aprendendo coisas interessantes naquele ano. Como


por exemplo, quando você quer beijar alguém, conte para a
pessoa. Não enrole, só diga “Oi, nossa, queria te beijar”, se ela

44
rir, vocês podem conversar algo a mais, a pessoa pode não
querer beijar alguém sem conhecer, se ela não quiser, vai te
dizer, e então pede desculpas pelo incômodo ou só fala um
“Okay, você é linda”, ou nada, só sai de perto e chora no
banheiro por ser um fracasso. Agora, se ela quiser, ela vai te
beijar.

E assim ele fez, encontrou a tatuadora, encostou no seu ombro


e disse:

- Oi, olha, eu realmente quero muito te beijar

- Ah é? Que ótimo.

Se beijaram. Ela disse algo que ele não entendeu e saiu. A dona
da loja apareceu e o levou para um quarto.

Não era como se ele não pudesse dizer não. Mas...

Na ida para casa, contou sua história para a motorista, ficou


particularmente impressionado o quanto estava no meio de
mulheres aquele dia. Por exemplo, no trabalho, seu chefe e um
outro advogado não foram, estavam apenas ele e suas três
chefes. Na ida, motorista mulher, no bar, também. E agora na
volta...

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Ela riu, no caso, a motorista. Riu e riu. E ele amou a risada.
Perguntou se podia beijá-la, ela deixou.

Dormiu na área da piscina enquanto fumava o ultimo cigarro


que havia guardado. Tinha uma rolha de vinho no bolso da
camisa. Um abridor de garrafa no bolso da calça. E uma
história no peito.

Desato 2 – Erro

Encontros são complicados. Ele sabia bem disso, mas adorava


primeiros encontros, a surpresa, o surpreender, entreter, fazer
rir, não se levava a sério, era mais fácil, brincar, e até mesmo
o esconder. Nessa última era mais fácil, não contar o que está
acontecendo e quase nunca falar a verdade dos sentimentos.
Talvez por isso nenhum dos seus relacionamentos sérios
deram certos, eram constantes encontros, e ele sempre tentava
se provar ou provar algo pra alguém.

Entretanto, estava sozinho em casa, e o aplicativo de


relacionamentos estava interessante, conheceu uma moça de
trinta anos, era interessante como ela falava, nunca sobre si

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mesma, a única coisa que ele sabia é que ela gostava de ler, de
Chico Buarque, Los Hermanos e Pink Floyd.

- Não tem a menor possibilidade disso dar errado, essa mulher,


ela é perfeita.

Pensou, tinha muito tempo que não conversava com ninguém


sobre suas aventuras românticas, ou tentativas de sê-lo. Era
constantemente julgado pela opções e atitudes, com toda
razão, dos outros. Algumas menos certas que outras, ele
sempre estava certo, mesmo quando estava errado, mas talvez
as decisões quanto a outras pessoas que se relacionava
romanticamente não eram totalmente corretas aos olhos de
deus. Se existir um Deus, e este não for um babaca. Se Deus
existe e permite toda a dor, das duas uma, ou ele não é
benevolente, ou não é todo poderoso. Ou, simplesmente não
existe, o explica tudo.

Embora a discussão sobre divindades seja as favoritas dele,


não é esse o ponto. Os erros que comete, como o rapaz que
beijou numa festa só para experimentar beijar um cara
desconhecido e se arrependeu no meio sendo meio cruel
dizendo que:

- Não é você, sou eu.

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Quando todos sabem que não é ele, e sim o rapaz. Pois esse é
o pior jeito de se terminar um beijo.

Mas nem foi a pior parte, o ruim mesmo foi beijar a amiga do
rapaz logo em seguida, quando disse que não estava no clima
pra beijar. Não cabem todos os demais erros, deixarei apenas
esse por enquanto.

A imaginação, por outro lado, entrega inúmeras


possibilidades, diferente dos erros e da realidade, enquanto um
te dá aquilo que merece, ou algo perto disso, a outra apenas lhe
bate, com certa força.

Numa tarde quase noite o telefone tocou, e era ela chamando


ele para transar. Direto ao ponto. Ele se arrumou e foi. A casa
era bem perto, seis minutos de carro. Chegando na porta, ela
desistiu. - Não era para acontecer, mas ele não desistiria só
porque o universo deu essa dica -. Ele voltou para a casa. Disse
que iria quando ela quisesse. Ela quis de novo, e lá foi ele.

Levou um livro de presente, na chegada, muitas garrafas


vazias, ele já se incomodou com isso, não foi oferecido nem
uma bebida. Antes disso, uma queda havia acontecido, não
dela por ele, mas dela pro chão. Tropeçou e rolou morro
abaixo, figurativamente.

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Já não era para acontecer, isso ele pensaria se acreditasse no
destino, mas não, cético como é, não crê em nada se não nos
homens, e se ela estava dizendo que queria, então iria.

E foram.

Mas, não foi. Não era aquilo, não era para ser, não era o que
ele queria. Inventou uma desculpa, se vestiu rápido e saiu.

O portão não abriu. Ficou dez, vinte, trinta minutos esperando


alguém aparecer, não queria vê-la nunca mais, não queria estar
ali. Ninguém.

Ligou

Ela não atendeu, mas viu as mensagens. Desceu. Ele pôde


ouvir a porta batendo e o barulho dos seus pés pela escada
abaixo.

- Isso não vai ser bom....

Pensou, e se assustou mais quando viu o livro em sua mão. Isso


não foi bom.

Ela passou por ele como um furacão. Apressou o passo, abriu


o portão, se virou, bateu com o livro no seu peito, e entregou
um tapa no seu rosto.

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- Tchau!

Acendeu um cigarro, colocou os fones, ouviu Belchior, riu da


situação, sentou-se no chão.

Às sete da manhã do dia seguinte ela liga:

- Você levou a chave do meu carro por engano?

- Claro que não

- Confere ai por favor

- Eu sei que

- Só olha

Ele finge que olhou, mas sabia que não. A cama não tinha
lençol, a porta não tinha tranca, a calcinha tinha mais que três
buracos, sem contar por onde se passa as pernas e o tronco. A
bagunça era um erro, e ela era uma bagunça.

Por um segundo ele pensou que ela precisava dele:

- Quer alguma ajuda?

- Para de fingir que se importa, que hipocrisia, tchau!

Bloqueio. E dessa vez nem foi ele.

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Hiato

Tem um casal na minha frente.

Já comecei textos assim. Contando histórias de observações


aleatórias do dia a dia. Sou isso, um emaranhado mal feito de
histórias contadas. O casal está sentado em um banco de
concreto. Como o que eu estou. A moça veste um vestido.
Longo. Junto com uma camisa preta. O rapaz, está de
moletom. Vermelho. Como a cor dos cabelos dela. Enquanto
sua camisa equivale a barba e cabelo dele.

Antes, ela colocava seu braço direito ao lado dele, apoiando no


banco. Abraçando-o.

Não é uma conversa de recém conhecidos. As mochilas


ficaram aos pés do banco. É algo sério. Ela o olha atenta. Não
pelo assunto, mas pela beleza que vê. Ela está apaixonada.
Cega. Ele ríspido. Sério. Sua mão na coxa dela tenta uma
aproximação. Mas não foi assim quando se beijaram. Apenas
a mão dela o acariciou.

A chuva aumenta. Exponencialmente. The Smiths toca nos


meus ouvidos, enquanto ouço Morrissey sendo genial como
nunca e Marr sendo brilhante como sempre, fumo um cigarro.

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Ele para na minha boca. Entre os lábios que não o seguram.
Parece que não quero tragar. Quero beijar a garota. Mas Não
sei por quê. Não vi seu rosto.

Talvez seja apenas um sentimento de impotência, o constante


não poder beijar quem quero. Ou meramente uma vontade de
dar aquilo que ela merece. Não que seja eu, não. Nunca sou o
que merecem, sou o que tem. Aberto a sempre não mais ter.
Sou o outro. Às vezes até tóxico. Como o cigarro que teimo
em não tragar.

Ela ajeita seu cabelo vermelho sob a orelha. O olha nos olhos,
está calma. Não sei se é uma briga.

Eu acendo outro cigarro. Risco o fósforo enquanto ele repousa


entre meus lábios. Trago a primeira. A fumaça percorre meu
pescoço. Sinto o beijo de alguém que sinto falta. Sinto ela sob
meu peito a noite. Às vezes alguns espasmos. Como eu
adorava aquilo. Mesmo não sendo saudade propriamente dita
dela, mas da companhia.

Como invejo o que aqueles dois tem.

Como é ruim invejar e ao mesmo tempo não fazer nada para


ter. Como é ruim não saber o que se quer. Ou meramente não

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fazer. Se beijam e trocam carinhos enfim. Ela quer mais.
Claramente.

Ainda amo companhias. Ainda não entendo. Ela o deseja


imensamente. Estão bem.

Eu não. E nem sei por quê.

Desato 3 – Destino

Já é sabido que nada está escrito, nem predestinado, há um


livro, Presença de Anita, que a adolescente de dezoito anos se
apaixona por um homem de quarenta e tantos. Ou ele se
apaixona por ela. A garota, que era abusada por um conhecido
quando criança, constantemente, sempre diz essas palavras,
crendo em destino, e que tudo é, será e sempre foi pré-
determinado.

Não é a história toda, apenas a parte interessante. Tudo está


definido.

Um amigo estava com saudade de se encontrar com ele, pois


não mais faziam faculdade juntos, então, não se viam com
tanta frequência. Decidiram ir no bar que adoravam, no centro
da cidade.

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O combinado era que se encontrassem por volta das dezoito
horas, mas o trabalho fez com que ele não conseguisse.
Chegou apenas às dezenove e meia, sem sinal do amigo, que
por sinal, era seu primo. Nem sabia qual importava mais, o
laço sanguíneo ou o que criaram.

O primo estava sem celular, havia bebido além da conta na


comemoração do ano novo, e pulou na piscina, destruindo o
aparelho. Então, ele só poderia avisar que estava atrasado
quando chegasse.

Chegou e nem sinal do primo. Tentou falar com a namorada,


nada.

Entrou no Edifício, procurou em bares, lojas, nada. Por outro


lado, encontrou uma garota, com quem tinha tido alguma coisa
algum tempo antes. Nada além de conversas e risadas. A viu
comprando discos de vinil, mas tinha um rapaz na porta, que
parecia esperá-la. Não quis importunar, apenas passou e a
cumprimentou.

Ela tinha uma história fantástica, estava fazendo psicologia, o


que ele só ficou sabendo mais tarde, tinha morado no sul, no
interior, e eles nunca conseguiram se encontrar. Mas naquele
dia, que ele tinha marcado com o primo, que acabou quebrando

54
um dente ao comer algo, o que ele também só ficou sabendo
mais tarde, e tinha se atrasado, e estava simplesmente
passando... Naquele dia atípico, eles se viram.

Mas ele a deixou ir. Depois percebeu que o rapaz nem a estava
acompanhando. Desesperado, olhou no celular, conversou
com quatro pessoas, pesquisou e finalmente, a encontrou em
um aplicativo qualquer. Mandou mensagem e perguntou se ela
poderia voltar. Ela aceitou.

Durante um monólogo sobre o quanto ela era linda, ela chegou.


Freudiana, como deveria ser, admiradora de Lacan, que ele
nem se surpreendeu, fã de Belchior, ele se deslumbrou.
Conversaram sobre as tatuagens, as marcas da vida, os
namoros, os amores, as amantes.

- Vou fumar, você me acompanha?

- Claro.

Ele se levantou, vestiu a jaqueta, a puxou pra perto e beijou. E.

Ela correspondeu. Subiram. E ele só conseguia pensar: “Se ela


fumar comigo, eu caso com ela”.

Ela fumou.

Se beijaram.

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- Eu preciso ir.

Ele desceu, a acompanhou, a viu pegar um carro e ir. Ele se


sentou no bar novamente.

- Uma dose de uísque? Hoje foi um bom dia.

Bebeu mais quatro. Acabou o cigarro. Olhou para dentro de si.


Alguém fez aquilo acontecer, e ele ficou eternamente grato
pela maldita pedra que seu primo mastigou.

Foi apenas um encontro. Para alguém que gosta destes, foi a


melhor surpresa.

Hiato - Desato 3 - O que poderia ter sido

Enquanto destino, há discordância. Mas vejamos, quanto ao


acaso, que tanto admiro. Se tivesse, o rapaz, terminado seu
trabalho a tempo de pegar o ônibus que passa em sua rua e o
deixa na porta do Edifício, às 17:30, conforme seu horário de
trabalho, vez que chegou mais cedo naquele dia apenas para
poder sair mais cedo, teria chegado às 18 horas e sabido mais
cedo o infortúnio do primo, não teria encontrado a moça,

56
apenas iria para casa beber no bar ali perto que gostava tanto.
Sairia mais barato.

Se, então, o motorista do ônibus das 19:30 sofresse um


acidente em sua casa, se demorasse para ir pro trabalho,
atrasando o sair o veículo do pátio, o rapaz então chegaria mais
tarde, e não encontraria a moça escolhendo discos, já que ela
estaria em outra loja, longe do caminho dele.

Se o primo não tivesse mordido alguma coisa dura, ou se


escovasse melhor os dentes, não o teria quebrado. E mesmo se
tivesse, se não pulasse numa piscina no ano novo, teria o
celular em mãos, atenderia as chamadas e avisaria que não
poderia ir. Então o rapaz nem sairia do trabalho para o centro,
só iria para casa beber sozinho.

Se ele não quisesse ir. Se ela não tivesse bebendo antes de


comprar os discos, se bebesse mais um copo poderia ter ido ao
banheiro, ou menos um, teriam de qualquer forma se
desencontrado. Nem tudo é destino, ou acaso. Mas tudo
acontece porque tinha que acontecer. Seja pelo acaso ou pelo
destino. Ou porque meramente, é assim.

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Desato 4 - Beijo

substantivo masculino

1. 1.ato ou efeito de tocar,


pressionando, os lábios sobre
pessoa, animal ou objeto querido
ou com valor simbólico, ger. para
demonstrar carinho, afeto etc.
“deu um b. na filha adormecida"

2. 2.POR METÁFORA: ato ou efeito


de tocar de leve, de roçar, de ter
um suave contato. “o b. do mar na
areia”

Tocar de leve, suave contato, com grande valor simbólico. O


beijo é o primeiro contato que temos quando nos interessamos
por alguém, e é recíproco, ao menos quando há o encontro de
lábios. É também o primeiro que temos ao conhecer alguém,
em alguns lugares, dois, um em cada bochecha, mas de forma
superficial, nada de fato com toque, sem lábio na superfície da
pele, apenas um estalo feito com a boca, em outros apenas um.

Se gostamos, o mero abraço já é tudo, o aperto, o peito no


peito, mão na nuca e nas costas, tato. Aí sim, sentir batimentos

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cardíacos e sentir. Ele se lembrava constantemente de sentir as
costas nuas dela, deitados na cama, ela com a cabeça apoiada
em seu peito. Sem beijo. Apenas a simplicidade do contato
humano.

Mas beijo, mesmo que na boca, não é privilégio dos amantes,


apaixonados, namorados, casados, nem dos amantes dos
namorados, não vamos esquecê-los. Beijo é toque de carinho
e troca de afeto.

Numa noite onde os jovens saem para beijar, ele foi com
amigos aproveitar. Beberam na casa de uma, e acabaram a
cerveja, o rum, o uísque. Rindo, foram comprar mais. Já tarde
da noite aquilo apenas não era o suficiente, se lembraram da
velha boate que tinha ali perto, queriam dançar, ouvir música,
rir, e, se sorte existir, beijar.

Ele foi, entrou em contato com um antigo contato, ganharam a


entrada e alguma bebida, dançaram. Se interessou por uma
moça, distante, que estava do lado de fora fumando um
cigarro.

Enquanto olhava pra ela os óculos não paravam de cair do seu


rosto, ele estava incomodado com a armação quadrada, havia
comprado uma mais arredondada, que chegaria em breve.

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Tirou os óculos e guardou no bolso. Mais tarde percebera que
fora um erro terrível, ficou quatro dias sem enxergar pois
quebrara o óculos em três partes enquanto caia escada abaixo,
rolando pela bebida, e pela gravidade.

Parou perto de sua amiga e disse que estava interessado na


garota, a amiga mal ouviu e foi procurá-la. Recebeu um não.
Riram da situação. “Não gosto de beijar quem não conheço,
tem que ter conversa antes”, estavam numa boate, mal dava
para ouvir uns aos outros, impossível conversar ali.

Ele se lembrou de uma vez que tinha ido a um karaokê, jurava


que amava o lugar, mesmo quase nunca cantando nada, mas
realmente, sempre ia. Nesse dia, depois de beber com um
antigo professor, foram beber mais e cantar qualquer coisa. A
conversa nesse dia aconteceu, havia espaço pra isso. Mas a
escolha do assunto talvez não tenha sido das melhores: “O que
ocasionou o declínio de Hitler, política econômica da
Alemanha nazista ou insubordinação do partido?”, ele
acreditava que o segundo levou ao declínio da primeira e por
isso a destruição de Hitler, não pensava que eram heróis, na
maioria das vezes, as grandes potências se destroem sozinhas,
sem precisar de ninguém. Uma moça chegou e perguntou aos

60
amigos se eram nazistas por estarem falando sobre aquilo.
Apenas riram.

Mas nessa festa, não. Não tinha espaço, lugar. Numa outra vez
que tinha ido, nessa mesma boate, se sentou desconfortável
numa caixa de som, uma garota apareceu e perguntou se estava
tudo bem, acabaram se beijando. Mas nesse dia. Não. Estava
sem sorte.

Via que havia importância em beijar, em transmitir. Um dos


quadros mais famosos pintados a este respeito possui um nome
propício, O Beijo, do pintor austríaco Gustav Klimt, executada
em óleo sobre tela mostra apenas um homem, beijando aquela
que pode ser sua amada, no rosto, de forma delicada. Não há
nada demais e ainda assim tudo neste ato. Por que estava
incomodado ele não sabia. Queria beijar qualquer uma ou
apenas alguém especial, também não tinha ideia. Era apenas
beijo naquela garota, mas em outra... Então, percebeu que não
é o beijo que importa, mas em quem ele é dado, e por quem é
entregue.

Jean Rostand, filósofo moralista e historiador francês disse,


certa vez, que “Um beijo é um segredo que se diz na boca e
não no ouvido.”. Ao ler a frase, num primeiro momento, ele
pensou em quantos amantes que não podiam amar,

61
encontravam num único beijo, toda a verdade do outro, ou
naqueles que precisavam esconder, em quantos beijos o
faziam.

A humorista norte-americana Helen Rowland, disse sobre os


beijos que: “Um homem rouba o primeiro beijo, implora o
segundo, exige o terceiro, recebe o quarto, aceita o quinto, e
suporta os restantes.”. Nunca se soube se da mesma mulher,
imagino que não. E que apenas suporta os restantes pois amou
verdadeiramente a segunda.

Carlos Drummond de Andrade, explica, então, com sua natural


perfeição, que: “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o
mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O
amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.”

Estava amanhecendo, e ele quis ir embora, a amiga o


acompanhou. Moravam perto. Era melhor, mas a tarifa do
carro de aplicativo estava alta demais, resolveram andar. E
andaram. Até chegar em uma praça, se sentaram, viram o
nascer do sol. Se olharam. Não beijaram ninguém, e ainda
assim, era um dia especial.

Perceberam que sempre, naquele grupo de amigos, o


cumprimento era com selinhos, beijinhos fofos, e ali havia

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muito carinho. Ficaram felizes por terem feito boas
companhias. O que importa não são os beijos dados, mas o
amor entregue por cada um deles, dados e recebidos pelas
pessoas que os merecem.

Hiato

Dos beijos aos amores

Num momento ele se virou para ela e assumiu sua paixão:

 A um tempo atrás, me apaixonei por você.


 Eu também.

Eles nunca mais comentaram sobre isso, nem tocaram no


assunto, nunca souberam o porquê não ficaram, saíram, ou
algo assim. Próximo ou distante disso. Ele sempre se lembra
com carinho das conversas sobre os amores de ambos, ele
confiava perdidamente nela, contava cada detalhe dos
absurdos que fazia, e se deslumbrava com todas as
demonstrações de conhecimento e inteligência que ela possuía.
Das escritas, era sempre pra ela que ele primeiro mandava.
Gostava das dicas, do que tinha pra falar, e dos elogios, é claro.
Amava ouvir ou ler. Mas eram, desde o início, e até o fim,
amigos. Nada mais, nem menos. E aquilo era bom.

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Desato 5 - O dia após

Naquele tempo havia alguém, um beijo na virada do ano tinha


acontecido, e alguns mais durante, e outros após. As amigas
dela preocupadas, o dele não mais sendo tão amigo. E ele
realmente interessado naquela garota, que viria a se tornar uma
fantástica profissional da saúde.

Ele havia percebido o quanto ela estava interessante numa


pequena festa em sua casa, poucas pessoas, muita conversa,
alguma bebida. Conversaram muito, sobre tudo. Mas ela não o
beijou. Ele percebeu que precisava fazer algo quando as fotos
e vídeos sempre apareciam no aplicativo e ele lutava para não
pensar nela, mas em vão.

Fez. E se beijaram, e ele se declarou, mas, ele sempre saia com


alguém, e sempre tinha outra pessoa, e o acaso sempre o
ajudava. E quando o acaso o fez encontrar um antigo caso
numa loja de discos, ele desabou. Bêbado, contou aos quatro
ventos o quão fantástico foi beijar aquela do seu passado ao
som de Freddie Freeloader, de Miles Davis. E não só o Jazz
ficou em sua mente depois, como o acaso, e claro, o problema
de enfrentar a verdade.

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Se estava apaixonado, porque beijou outra pessoa. Ele nunca
soube muito bem responder essa pergunta. Foi acusado de
mentir, de defendeu prontamente: “Nunca menti pra nenhuma
mulher, me apaixono por todas elas, perdidamente.”. Numa
conversa com uma amiga, após outra mulher lhe xingar de
cafajeste, perguntou se realmente era, ela disse que não, ele
apenas gostava muito, de todas, e isso podia ser um problema
para algumas. A mãe costumeiramente dizia: “Você quer todas
elas pra você, ciumento demais, parece com o seu Dom
Casmurro”. E mesmo sendo uma baita crítica, sendo que
Bentinho não era lá uma boa pessoa, ele utilizou aquilo como
elogio.

Teve até uma mulher que lhe disse, com todas as palavras: “Eu
quero você, pode ser esse homem boêmio, cheio de mulheres,
sendo meu também, tudo bem, eu aceito.”. Esse foi o pior
término de todos, e só terminou porque ele não sabia bem o
que queria. Óbvio que a procurou depois, e ela o quis de volta,
mas agora, era evangélica e não faria nada até o casamento.
Esse terminou antes de começar.

Chamou, então, a moça por quem estava apaixonado para


conversar. A conversa durou cinco minutos, depois só se ouviu
o Jazz e suspiros. Por fim, alguns meses depois e algumas

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declarações como: “Eu não posso gostar dele”, ela não quis
mais vê-lo daquela forma. E ele simplesmente aceitou. Não
havia o que fazer. Pelo menos a boa música iria fazer com que
ele superasse, nem que o forçasse a beber até nem escutar
música alguma

Hiato

Da paixão à amizade.

Ela tinha acabado de terminar um namoro, e estava devastada.


Ele então a levava para sua casa, bebiam vinho e dormiam
juntos. Apenas dormiam. Sem nada a mais. Até que um dia:

 Amo te fazer rir, garota, adoro seu sorriso.

Ela corou, e aquilo que tinha acontecido cinco anos antes, com
beijos e declarações por parte dele, voltou como um golpe
baixo, tiraram o alçapão e novamente no túnel da paixão ele se
encontrou. E não podia fazer nada. Ela já tinha dito tantas
vezes que nunca o viu daquela forma. Então. Afastou-se.

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Desato 06 - Alguns bares

Era um encontro comum num cinema para ver algum filme


qualquer, que ele já tinha visto algumas três vezes. Ela era,
inexistem palavras para explicar como ela era. Sabe, as vezes,
e são poucas, você encontra pessoas que surpreendem de
maneiras tão sensacionais, que fica difícil falar sobre elas, ou
meramente pensar nelas, ou até, viver com elas. E a mulher
que estava prestes a sair com ele era uma dessas pessoas.

Ele a havia conhecido tempos antes, já tinham se beijado,


sentados em bancos da faculdade, ou junto às paredes antigas.
Certa vez, até mesmo uma outra garota com quem ele
costumeiramente saía, viu os dois em meio a beijos.

Ela não é apenas um rosto angelical com detalhes cruéis de


beleza e sensualidade, nem um corpo que apavora aqueles sem
coragem para dizer um “oi”, além de todos os atributos físicos
que apenas um Deus bondoso possuinte de seus favoritos, que
a elegeu a principal dos seus, daria de bom grado, pois ela sabia
bem como usar, ela também era brilhante. Já com seu
escritório sem nem se formar, com seus trabalhos de conclusão
que o título ele nem conseguia mencionar, com honrarias e
genialidades que apenas poucas pessoas tinham.

67
Naquela época o rapaz colocava algumas pessoas do seu lado
que eram aquelas que ele conseguia conversar sobre o que
quisesse, eram poucas. Por vezes, essa garota em especial,
estava lá. Não era físico, era emocional, era troca de alma, era
orgasmos da mente. Ele se apaixonou pelo conhecimento. Mas
não negava que adorou cada parte do corpo.

Saíram, mal viram o filme, já que ela havia dito que não o
beijaria durante, mas ele queria provar que ela beijaria, pois
beijou. Andaram por dois bares, um karaokê e terminaram na
portaria da casa dela.

Outro dia, outro convite. Ele não foi. Fim do físico, início do
algo a mais.

Desato 07 - Conversa:

Eram dezoito horas e cinquenta minutos. Uma mensagem de


um antigo caso chegou em seu celular:

“[18:50, 28/04/2020] Xuxu”

Disse como se o contato fosse contínuo, se conversassem todos


os dias. Mas não, havia meses que não se falavam, depois de

68
uma briga, por ela querer algo a mais e ele novamente não
querer oferecer. Discutiram, ou algo assim, por ele sair com
uma amiga e não com ela, e claro, por aparentar usá-la. Talvez
não fosse por aí, ele se defendia, mas deixou transparecer que
era sim.

Num outro ponto, ela já tinha conclusões distintas e costumava


demonstrá-las com força, não queria ter algo com ele, jamais
quis, pelo contrário, se cansou de ser tratada como mero objeto
e por isso desfez o que tinham, e mais, sentiu preguiça de lidar
com toda aquela infantilidade exposta nas ações dele.

Noutra briga, ele elogiou várias mulheres de uma foto, ela se


irritou e mandou um belo texto. Ele não respondeu nem se
desculpou, apenas ignorou e seguiu a vida. Ela aparentava
estar certa. Mas era apenas detalhe, ele não se importava e
sempre deixou claro. Mesmo tentando atendê-la nas dúvidas
sobre a vida:

“[18:50, 28/04/2020] c se culpa pela sua melancolia às vezes?


Mesmo depois de tê-la abraçado como estado de espírito?”

“[18:53, 28/04/2020] Me culpava por tê-la aceito como parte


de mim. Hoje a aceito, e tá tudo bem.”

69
Ele não demorou nem um minuto para pensar na resposta,
sabia o que falaria. A culpa não existe, porque não é de
ninguém, ele nasceu assim, pode muito bem tentar mudar e
espantar, mas aceitou a condição que lhe foi imposta pelo
universo, ou pelo seu próprio ser. Ela buscava mais:

“[18:54, 28/04/2020] E como foi esse processo? porque eu não


consigo parar de me culpar k”

“[18:56, 28/04/2020] Doloroso e de muitas perdas. Amigos,


família, amores. Me afastei de todos para focar em mim, ou
pra não magoá-los de alguma maneira. Principalmente o
segundo. Acho que eles não aceitaram bem. A melancolia e o
vislumbre pessimista me fazem batalhar mais, e as vezes, a cair
de maneira mais dura. Doeu, mas valeu a pena. A solidão acaba
me entregando uma companhia que eu almejava naquele
tempo. Amo cada um deles, mas precisei sempre de um tempo
mais sozinho, e essa decisão, de abraçar a melancolia, me deu
isso.”

Ela diz que entendeu mas apenas tenta terminar a conversa


para não ouvir mais verdades dele. E são apenas isso, verdades
dele. Há sempre uma dificuldade de compreensão constante à
verdade, ou à fatos. Tudo é interpretação, então todas as
possibilidades são verdadeiras, dependendo apenas do

70
referencial. Para ele aquilo era a verdade, para ela podia não
ser. Mas ela temia estar presa numa verdade irrefutável.

“[18:57, 28/04/2020] Claro, entendo. Mas eu sou um ser


sociável, mas ninguém quer ser sociável com uma pessoa
depressiva”

Era medo da verdade dele, de ser sozinho. Não da vida dela,


onde não havia esse perigo.

“[18:59, 28/04/2020] Não se torne alguém que as pessoas


querem por perto, tenha por perto as pessoas que queiram
você.”

Frases clichês...

“[18:59, 28/04/2020] mas eu não me suporto sozinha”

O drama de quem não suporta o próprio peso que carrega, a


própria história, o próprio pensamento. Ele era assim, sempre
falava mais do que os outros por não suportar ficar em silêncio
consigo mesmo.

“[19:00, 28/04/2020] Aprenda a se suportar. É base


fundamental do amor próprio”

Ele não sabe se aprendeu. Mas aceita que precisou.

71
Ela pensa, e retorna, alguns minutos depois:

“[19:15, 28/04/2020] A solidão me perturba e acorda meus


monstros. É frustrante tentar lidar com eles o tempo inteiro e
se ver em uma batalha infindável”

As análises de boteco, nome dado por uma amiga para aquela


besteira que ele fazia constantemente, podia dizer mais sobre
ele do que sobre a pessoa analisada. Ela também dizia isso.
“Quando João fala de Pedro, ele diz mais sobre João do que
Pedro.”. Mas bem, qualquer conversa nesse sentido também
era uma análise para ele também, que naquela altura já tinha
desistido de psicólogos e afins. Então, soltou mais uma delas:

“[19:19, 28/04/2020] E que diferença fará outro do seu lado?


A batalha é sua. E apenas sua. Enfrente seus demônios, vença-
os. Peça ajuda para se curar, mas na batalha, será só você.”

Ela sempre tem respostas:

“[19:20, 28/04/2020] Ninguém quer estar por perto de uma


pessoa que precisa ser curada”

“[19:24, 28/04/2020] Podem não querer, mas você continua


precisando ser curada. Então continue batalhando, enquanto
não estiver ninguém te curando, se cure sozinha, pois força
você tem pra isso. Gandhi diz uma coisa fundamental pro seu

72
momento: "Qualquer coisa que você faça será insignificante,
mas é muito importante que você o faça. Pois ninguém o fará
por você.”. É você por você. E quando passar, ou quando
aprender a lidar, se quiser compartilhar lutas com outras
pessoas, abra as portas e as chame, é sim possível ser feliz
sozinho.”

Ela não se cansa:

“[19:29, 28/04/2020] Você tem mais fé em mim do que eu


tenho em mim mesma.”

“[19:30, 28/04/2020] E é esse o problema. Tenha. Confie. É o


que você precisa.”

O que ele não daria por uma bebida agora, o papo dos novos
treinadores de mentes, ou coachings, sempre o dava uma
vontade de se embebedar. Mas as vezes funcionava. E ele não
deixaria de tentar qualquer coisa para melhorar o dia daquela
pessoa.

Ela percebeu, ou só buscou um caminho já determinado por


ele:

“[19:31, 28/04/2020] E vamos à meta de achar livros de


autoajuda que podem me fazer encontrar a resposta.”

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“[19:33, 28/04/2020] A resposta não está em livros, nem
áudios, nem textos. Está em você mesma, e o melhor caminho
para encontrá-los é análise, constante. Psicólogos,
psicanalistas, o que seja. De algum jeito, lá, você acha a
maneira perfeita para você. Não é cura eterna, mas é uma
melhora infinita.”

Nesse momento, a única vez que a verdade dele poderia ser


também a verdade dela, que um conselho nessa conversa foi
bem dado, que ele fez a coisa considerada certa por dez em
cada dez agentes da saúde num momento de crise de algum
paciente: Indicou ajuda profissional. A melhor parte de ficar
sozinho, para ele, foi aprender que não pode salvar todo
mundo.

Como o rapaz que escreveu mil mensagens numa rede social


dizendo que iria se matar, ele foi ao auxílio e tentou impedir,
disse que estava ali, e que o mundo precisava do rapaz. Uma
semana depois, o rapaz pediu ajuda em mensagens, precisava
de dinheiro para algo. Ele não tinha como ajudar. O rapaz
reclamou, não entendia o porquê no desespero da busca da
morte havia apoio para não fazê-lo, mas na necessidade da
vida, não possuía.

74
Ninguém entendia. Achismos apenas. Pois tudo ainda era
interpretação. Talvez no ato mais forte contra a vida, fiquemos
mais sedentos por ela, enquanto nas necessidades mais vorazes
contra a morte, não liguemos tanto para a possibilidade.
Quando nos deparamos com o caminho que finda a vida,
precisamos de mais tempo, porém, quando é a própria
necessidade de vida que nos aparece pelo caminho, a
negamos. Queremos, portanto, viver quando quase não mais
podemos.

Assim, quando sozinhos estamos, buscamos a solidão, e vice


versa. Alexander Supertramp sabe bem como isso é, enquanto
em família, buscava a felicidade solitário no Alasca, quando
só, no meio ao deserto de gelo, descobriu que, segundo ele, “A
felicidade só é real quando compartilhada.”. Queremos o que
não temos pois não sabemos como é.

A dúvida, então, é o melhor dos prazeres, e porquê não


sozinho, para descobrir todas as respostas.

75
Hiato - Da escrita

Noutra conversa, com outra pessoa, uma análise o fez alegre


naquele período confuso, desconexo e solitário:

[03:39, 25/04/2020] Acho talentoso alguém conseguir extrair


elogios de uma pessoa que não os tem. Agora, sobre a escrita,
você sabe que sabe o que faz. A gente lê com leveza, ainda que
seja algo pesado e você consegue transmitir sentimentos, que
é o essencial.

A mania de querer elogios para sua escrita era engraçada,


odiava tudo que escrevia, ou a maior parte, mas detestava
quando críticas apareciam, seja pelo português patético ou pela
repetição de palavras constante.

Mesmo assim, e mesmo com medo, continuava escrevendo.


Gostava dos elogios, e sabia que eram falsos. Ou achava.

76
Desato 8

São os detalhes que constroem o gostar, ou como costumavam


chamar, o carinho imenso, que chega a doer. Nada está nas
grandes provas de amor, mesmo que crie um apreço, aquela
corrida por um aeroporto para encontrar a sua cara metade, a
deixando completamente louca por você, serão, apenas, os
detalhes que a manterão por perto.

Tinha o pensamento que o amor era finito, pois tudo podia,


inclusive e principalmente, acabar. Enquanto a paixão, era
apenas uma faísca, que durava segundos.

Como Bukowski, que admitia o amor como o sol numa manhã


nublada, indo embora nos primeiros raios de realidade, assim
era o que ele considerava paixão, o que foge e escorre pelos
seus dedos quando a primeira oportunidade surge no horizonte.
Amor, talvez, demorasse mais para ir embora, algumas horas,
dias, meses, anos. Mas sempre se encaminha para a porta,
correndo e se escondendo das possibilidades para além.

Assim, exatamente assim, era aquela mulher, fugida de amores


encontrados, uma adoradora de fins e criadoras de inícios
belos. Ele não negava, cada começo era especial. E foram
alguns. Os fins sempre viam com despedidas e pedidos, de não

77
mais procurar, de não mais conversar, de não mais ligar.
Porém, os inícios, eram lindos. Podem chamar de recomeços,
mas não era exatamente isso. Eram mesmo inícios, sempre
uma novidade, sempre algo a mais.

Da última conversa aquele detalhe, ela ouvira alguém dizer


algo, e se lembrou imediatamente dele, algo como “Eu me
apaixono por cada uma delas...”, disse então que aquelas
palavras saíram da boca dele, com a mesma expressão, de
surpresa, e principalmente mesma intensidade. Ela dizia que
ele tem a mesma capacidade de se apaixonar por mulheres que
o autor da frase.

Ela encaminhou novamente o poema, com aquelas pitadas de


crueldade que ele gostava tanto, Pontas sádicas e tentativas de
se mostrar acima, ele não esperava coisa diferente. No poema
ela relembrava que estava se deixando. Um pouco, um relance.
Alguma foto. E uma história, daquelas onde o cara não fica
com a menina. Lembrou que ele nunca a chamava pelo nome.

Ele achava engraçado essa última parte, e sempre mentia


quando respondia. Ele não a chamava pelo nome porque se o
fizesse tornaria tudo real, e assim, a paixão iria embora. Pois,
em sonho, e nos personagens que ambos criaram uns para os
outros, era tudo perfeito, mesmo com as imperfeições.

78
Era um carinho imenso que chegava a doer. Não havia melhor
explicação. E mesmo ela gostando tanto de finais, acabando
por repeti-los, não pôs um nesse, não nesse carinho. Não nessa
história em particular.

O retorno foi numa madrugada fria e sem sentido, ele perdido,


tentando encontrar seu maço de cigarros e com uma garrafa de
uísque na mão, sozinho em casa pensando em formas de se
embebedar assim que aquela bebida acabasse. Veio por e-mail.
E assim que recebeu, lembranças o acompanharam.

E ele voltou para os detalhes. Como a primeira vez que a viu,


ela estava olhando para os lados como se o procurasse,
encostada na parede. Ele reluta, mas não consegue se lembrar
como ambos estavam vestidos, principalmente por não
conseguir, naquele dia, tirar os olhos dos dela. Eram de alguma
maneira, reconhecíveis, ele podia se ver ali, podia entender
tudo, podia viver de alguma maneira única.

Detestava nos filmes de romance as personagens se declarando


para seus pares românticos sempre dizendo como eles os
faziam se sentir. Naquele momento ele entendeu o porquê.
Mas continuou odiando, e relutando para não cometer o
mesmo erro. Pois a questão toda é essa, ao gostar, não devemos

79
falar de si, mas sim, do outro. E nesse ponto chega-se,
novamente, aos detalhes.

O levantar das mãos pedindo pra ele falar mais devagar, o


encostar no braço, o toque na mão. O jeito de servir bebida, ou
de se dispor a ir buscar mais uma, a risada, o sorriso, de Elis,
como ele chamava, a comparando a maior intérprete da música
brasileira. Detalhes como quando ele a encontrou de costas,
pousou a mão em sua nuca e ela o fez carinho com a cabeça.
Detalhes como o carinho em suas costas nuas. Detalhes como
a crueldade de comentários ou o pedir um cigarro, colocá-lo
na boca e esperar ser aceso por ele.

Detalhes como carinho no rosto, quando na cama, num quarto


escuro, sentindo com os dedos. Detalhes como criticar o não
conversar durante algum tempo, ou brigar por só conversarem
a noite. Detalhes, como ele finalmente aprender que ela não
queria sentir aquilo por ele, e que poderia muito bem sentir por
outro alguém logo em seguida, pois era isso, ele estava
apaixonado por ela, pelo que ela era, e não só pelo modo que
o fazia se sentir. Pois, naquele momento, nada dizia respeito a
ele.

Detalhes como tentar explicar para si mesmo, e pelo menos


para si mesmo, entender.

80
Numa conversa, de algum tempo antes do retorno, ela disse
que ele a tinha, de alguma maneira. Ou ao menos, tinha tomado
algo dela. No fim, percebeu que havia tomado o medo, dando
de alguma forma a liberdade que ela buscava. Nada como
super-herói, ou algo próximo a isso. Nada de tão importante.
Ele não se sentia assim, nem um pouco, e ainda imaginava que
era tudo mentira, apenas palavras para que ele se sentisse
melhor, pois seria exatamente assim que ele agiria, e veio a
agir tempos depois. Apenas outros detalhes.

Hiato

O frio continuava a incomodar, mas ele não se levantava do


sofá. Usava uma caneca antiga como cinzeiro, que já estava
quase cheia de bitucas, mesmo tendo sido esvaziada dois dias
antes. Num copo de vidro, uísque e gelo. No som tocava The
Kinks, era madrugada, já passavam das três. A casa inteira
estava escura, e cheirava a fumaça. Ele esperava que fosse do
cigarro, caso contrário, a morte chegaria daqui algum tempo,
pois levantar dali não era uma opção,

O notebook à sua frente mostrava conversas antigas com


algumas pessoas. Disso veio uma comparação e demonstração,
esta, mostrava claramente como ele sempre tratava aquelas que

81
estavam a sua volta como prioridade, e como aquilo durava
pouquíssimo tempo. Explico, quem quer que seja, estando com
ele, era especial, única, fantástica, brilhante, perfeita, por cerca
de duas semanas, até outra surgir, imensurável, incomparável.
Quando sozinho, aquelas que haviam passado retornavam
como a perfeição, ou então, quando elas não o via da mesma
forma, a sua vontade de amá-las voltava.

Quanto a comparação, ele percebeu que duas delas tinham dito


exatamente a mesma coisa: “Você nunca vai gostar de mim
como gostou dela.”

E a verdade era essa, ele bem possivelmente nunca tinha


gostado de nenhuma das duas, mas sofrido pelo fim dos dois
romances por um ego inflado e vontade de ter pra si todas as
mulheres do mundo. Era essa infantilidade que o fazia usar da
manipulação barata, ou citar constantemente tentativas de
autoextermínio. Dramas infinitos, sarcasmo e ironia também
eram máscaras e armas utilizadas pela sua arrogância e
prepotência.

Porém, ele continuava se enganando e mantendo pra si que se


apaixonava por todas as mulheres que passavam pela sua vida.
Acaba que se tornava verdade. Sem a conversa de que quem
ama todos na verdade não ama ninguém. Ele apenas não sabia

82
ainda, que ser solitário era uma dádiva. Mas estava
aprendendo, e enquanto fazia, admirava a companhia de
alguém, sempre que podia.

Desato 9

Ele estava do lado de fora de um bar, fumando. As pessoas ali


dentro falavam alto e estavam debatendo o cenário político da
época, ele não tinha o menor interesse naquilo, ninguém dali
tinha ido a nenhuma manifestação naquele tempo, mas
continuava rechaçando o presidente sentados e bebendo. A
facilidade daquilo era tremenda, o que o incomodava, não
fazendo com que ele fosse a alguma manifestação, mas por
outros motivos, tendo como principal, não acreditar na
democracia, preferir uma anarquia ou meramente uma ditadura
distinta daquela que se espelhava na opinião da maioria (já que
a maioria, infelizmente, é burra).

Então ela passou por ele. Seu cabelo vermelho estava preso,
sua jaqueta de couro justa. Ao passar, olhou pra trás, olhos nos
olhos. Ele riu. Apagou o cigarro e sabia que ela iria lhe mandar
uma mensagem mais tarde.

83
A tinha conhecido a algum tempo, ganhou uma aposta com o
primo pra conseguir o telefone. Mandou algumas mensagens,
mas ela respondeu educadamente que não queria nada naquele
momento.

Meses passaram até que ela passasse por ele na porta do bar,

O chamou para conversar. No dia seguinte se viram no mesmo


lugar. Conversaram por horas. Ele perguntou se ela preferiria
que ele a beijasse de surpresa, ou pedisse permissão antes. Ela
escolheu de surpresa. Ele obedeceu.

As conversas eram constantes, e sobre diversos assuntos. Da


profissão dela, modelo, aos livros dele. Das músicas à escrita.
Da leitura à dança. Foram juntos a festas, a encontros, a
coquetéis, teatros, museus.

Terminaram no mesmo lugar. Pouco tempo depois. Do jeito


que começaram, completamente do nada. Ela não fez a menor
diferença na vida dele, porém, ele gostava de imaginar que
tinha mudado a vida dela pra sempre.

84
Hiato

O interesse que veio a seguir lhe bateu como um soco na boca


do estômago, tirou seu ar, mas entregou um novo motivo para
buscar a fonte da alegria. A irmã da mulher, também modelo,
engraçada, estudiosa… Linda. Mais nova, com o doce ar da
juventude, aquele brilho no olhar que qualquer graduação
suga, e que todo trabalho não permite ter.

A cada foto postada numa rede social, um suspiro. E certo


arrependimento, parece que a irmã errada tinha aparecido em
sua vida. Sabia que não era assim, mas gostaria muito de poder
ter ao menos tentado conquistar a outra. Aquela que
considerava mais bela… Ou era apenas a rejeição sofrida
gritando mais alto.

Desato 10

Quantos casos criam uma história de amor, com quantos


encontros um caso se transforma num romance, com quantas
histórias uma vida é contada. Nunca saberei a resposta para
nenhumas das indagações acima feitas, mesmo sem a

85
pontuação apropriada, saiba que são dúvidas que rasgam
minha alma em noites mal dormidas.

É possível que uma história de amor tenha alguns casos que se


entrelaçam. Alguns amores que atravessam a história principal
de algum casal que precisa, para o equilíbrio universal, ou
apenas dos dois, terminar junto.

E nesse ponto o terminar que se torna interessante, engraçado


finalizar uma história impondo-lhe que este apenas será
aceitável se o fizer com uma outra pessoa. Específica, dentre
bilhões de outras. Mas sim, terminar com outra pessoa, não
qualquer uma, mas com aquela, especial, é o que traz a
felicidade alcançada, e essa história, de como começaram,
cresceram, se apaixonaram e ficaram felizes para sempre, que
é, por vezes, acometida de demasiados outros casos.

Numa história entre duas pessoas há várias possibilidades, o


rapaz possui inúmeros casos, nenhum caso, alguns casos,
encontra a garota, se casa. O mesmo para ela. Ou, o rapaz
possui um amor, vive um caso, que depois se transforma em
amor, a moça vive sozinha, encontra um caso, e se casa com
seu irmão. Como dito, inúmeros.

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Mas os meus preferidos são os casos que aparecem na
constância de algum amor. O casal se ama, mas a monogamia
é lei, regra, fato. Não há, nesse relacionamento, sentimento
maior que a posse, ele é dela, ela é dele. E fim. Se amam, ora.
Seria diferente? Há de ser diferente? Amor não é cuidar, dar
carinho, ser fiel? Sim. Possivelmente sim. Porém nesse ponto
a fidelidade é onde há discordância. Não o pedido de ser fiel,
mas o conceito e entendimento do que é ser fiel. Fidelidade
pode ser, simplesmente, permanecer amando uma pessoa
intensamente, mesmo que entregando seu corpo para outras.

Ele não tinha nenhuma intenção de namorar, não naquele


ponto, não naquele momento. Até que alguém apareceu.
Especial. Ela lhe deu a mão e disse que estava ali. Por ele. De
alguma maneira. E houve reciprocidade.

A história continua. Ela continua. Ele continua. Beijos aqui,


beijos ali, encontros, namoros. Os pares de ambos nunca se
viram. Eles sempre. Ele finda. Ela continua. E outro beijo, o
último, dentro de uma sala antiga de um prédio antigo. Para
selar de vez, e demonstrar que, mesmo permanecendo
contínuos amantes, a história de amor, não era a deles.

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Hiato

Estou vendo aquela pessoa parada na pista de dança. Seus


anéis nos dedos são prata, exceto o posto no menor, preto, mas
ainda assim, metálico. A roupa preta pode dizer muito sobre
sua personalidade, ou não. Nunca entendi muito bem como
funcionava a cor na vida das pessoas, soube certa vez que azul
era tranquilidade, vermelho trazia fome, é possível? Então,
preto seria melancolia. Possivelmente.

Gosto de melancolia, dessa tristeza. Será que é triste?


Impressionante, toda vez, só me interesso por pessoas tristes.
Ok, continua ali. Será que eu devo ir? Não sei. Esse medo de
me aproximar de alguém sempre me preocupa também. Vai
gostar de mim, vai querer algo, vai ter o que eu quero? Crio
expectativas demais. Minha nossa, quem fala pista de dança.
Parece que tenho quarenta anos.

Como que alguém parado sem fazer nada, apenas segurando


uma garrafa de bebida na mão, pode me fazer ter tanta vontade
de beijar. Não fez absolutamente nada, não disse uma palavra.

Acho que me viu. Está olhando pra mim, vou olhar de volta.
Tá vindo pra cá…

Beijo.

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Novamente não disse nada. Sinto as mãos molhadas pela
cerveja derretendo na minha nuca. A outra passa pela minha
cintura. Me pressiona contra seu corpo com certa voracidade.
Controla o beijo. Primeira vez que eu não controlo o beijo.
Morde o lábio, com sutileza, parece que possui medo de rasgar,
mas vontade ao mesmo tempo, demonstra força e controle.

Termina o beijo com um mais simples, sorri pra mim. Saiu.

E os meus pensamentos não, eles ficaram comigo, olhei pra


trás esperando algo em troca, que continuasse, que voltasse,
que me beijasse mais uma vez, que me levasse para casa, que
concluísse, que me explicasse o que eu estava sentindo e
porque aquilo tinha sido tão bom, se ao menos sabia que tinha
tido tanto significado pra mim, se eu era algo, ou apenas mais
uma boca naquele lugar.

Nada. Nem um olhar na minha direção. Apenas sumiu no meio


daquela multidão. Alguns amigos riram daquele beijo, ou
talvez do jeito que fiquei sem reação esperando o retorno,
outros perguntaram se estava tudo bem.

Não está tudo bem, algo aconteceu, e não sei explicar, foi
maior que eu, maior que todos, maior que tudo. Só quero mais
uma bebida. Vou ao banheiro. Não quero pensar, que tipo de

89
pessoa passa por você, te beija e te leva com ela, leva toda sua
sanidade com apenas um beijo. Eu queria mais do toque. Foi
só um beijo.

Pela primeira vez, beijo alguém, e não fico com a boca borrada
de batom em uma boate.

Desato 11

O passado é uma roupa que não se veste mais. Mas rever o que
construiu, o que reconstruiu e o que pode ser construído, são
vestimentas essenciais para o estilo próprio. Em estilo, leia-se
amor, autoestima.

Havia alguém num passado recente que ele fora interessado. A


impossibilidade na época era evidente, por diversos motivos,
ele se achava insuficiente, a ideia inconcebível, mas a vontade
daquele tolo apaixonado nunca esquecera a mulher que residia
em seus sonhos.

Por vez ou outra sabia dela, procurava saber, perguntava


tentando parecer desinteressado para alguns amigos. Não sabia
se dava certo. Não negava que ficou surpresa com a notícia do
namoro dela, pensou que podia ter sido ele. Mas não iria se

90
entregar tão facilmente. Buscava saber se ela ainda permanecia
namorando, desrespeitar a responsabilidade dela, por outro
alguém, ele não faria.

Mas foi, por tempos, em vão. Não havia brecha, possibilidade,


conversa.

Depois, pautado novamente pela vontade que não mudara,


jogou todas as fichas. Buscou todos os meios, entregou todas
as cartas.

Conseguiu um encontro. Comprou bebida, pensou num filme.


Não viram. Conversaram e riram. Uma risada que ele não dava
a meses. Clara e simples. Foi direto. Queria aquele beijo, sentir
aquela boca, tocar aquele corpo. Já vira a beleza extenuante e
se impressionado mais uma vez. A beijou. E se derreteu, já que
estava, segundo ela, incinerado. Sentia-se assim.

Houve esperança de outros encontros mais.

Desato 12

Era pra ele estar na praça, onde encontraria a moça, às 20hrs.


Eram 19:32 e não havia passado o seu ônibus. Esperou mais
oito minutos. A rua estava vazia naquele sábado. Estava escuro

91
e ele preocupado. Não aguentou. Desbloqueou o celular e
chamou um carro por aplicativo. Chegou dez minutos
atrasado, mas ela também estava.

Quando apareceu, estava com seu cabelo menor, ele reparou,


mas não comentou. Educação sempre. Era a primeira vez que
se viam fora aquela Bienal do Livro. Venderam até
razoavelmente bem. Conversaram lá e marcaram de sair. Ele
nem folheou o livro dela. Mas imaginava que era bom. Disse
alguns elogios baratos, em questão de leitura, gostava mais de
romances, biografias, estava apaixonado em um livro que
levava o leitor para a cidade que ele morava, junto com o estilo
musical que amava, livros de poesia ele escrevia, lia só
escritores que já amava, não costumava conhecer novos. A não
ser, quando queria impressionar alguém.

Em casos futuros acabou se admirando por outras escritoras, e


estas sim, impressionaram também pela qualidade da escrita.
Ele tinha mais problema com o fato de ela ser conhecida,
relativamente famosa. Enquanto passava de um escritor meia
boca, ela já estava consolidada e crescia sempre no que criava.

Contou o porque o cabelo diminuira, nada de corte, apenas


perdeu o megahair no metrô. Ele segurou a risada, e só a soltou

92
quando ela também o fez. E depois perguntou o que diabos
(insira um palavrão aqui) era megahair.

Explicado, a levou para o bar que gostava no centro da cidade.


Subiram ao segundo andar do prédio e se sentaram. Ele pediu
uma cerveja e ela um suco de laranja. Ele se surpreendeu,
ofereceu cerveja, ela tomou um gole, e fez careta. Percebeu
que era a primeira vez dela com aquela bebida alcoólica. Ele
pediu uma dose de uísque. Ela pizza.

Conversaram. Na verdade, ela apresentou seu monólogo e ele


ouviu atentamente. Algumas tentativas de beijo eram feitas,
enquanto ela continuava a falar. Trocaram carinhos,
chamegos. E ela continuava contando sua história.

Hiato

O telefone dele tocou, pediu licença, saiu da mesa e atendeu,


numa festa a alguns quilômetros alguém gritava uma música
incompreensível, e dizia, no fim de cada verso: “Eu queria que
você estivesse aqui”.

Ele ouviu um copo quebrando: “Droga, acho que vou ter que
pegar outra bebida.”

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Perguntou se estava tudo bem, ela saiu do barulho, foi para
algum lugar mais calmo e disse que sim. Apenas saudade,
imensa saudade. Ele disse que era recíproco.

“Meu Deus, é minha música… preciso desligar, te gosto,


tchau!”. Ele riu, e voltou pra mesa.

A escritora perguntou se estava tudo bem, com olhar sério ele


disse que sim. Sentou-se ao seu lado na mesa, se beijaram,
silêncio na mesa, por alguns minutos. Um mundo de
pensamentos na mente dele. Preferia preferir o silêncio.

Desato 13

A criação era o que o mantinha bem. Não conseguia trabalhar


naquele escritório quando era apenas mecânica, sistema,
planilhas. Gostava de criar, escrever histórias, argumentar.

Se lembrava que num trabalho anterior, onde um amigo


também trabalhava, era frequentemente comparado. Uma vez
que o outro fazia vários, e ele, nenhum. Mas não se importava
muito. Quando ficava acomodado, não crescia. E de odiava
isso. Mesmo amando a comodidade. Ele não sabia muito se
gostava.

94
Essa criação fez com que inventasse um álter ego, escrevesse
sobre essa persona, todas as qualidades, mas principalmente,
todos os defeitos. Não foi talvez uma criação, era apenas um
desabafo. Ele tentou jogar tudo que não gostava, tudo que
odiava, em si mesmo, numa história, e por fim, matar a
personagem.

Mas, no meio do texto, percebeu que gostava sim daquilo tudo,


das histórias brilhantes, dos amores infinitos, até onde
duraram, das brigas, das mulheres.

E no arrependimento de ter matado aquele que o representava,


escreveu mais. Disse mais. Criou mais.

Era engraçado ele sempre mostrar seus textos para suas


amantes, numa vez, uma delas disse em alto e bom som:
“Virarei mais uma das mulheres do seu livro”. Aquilo o
incomodava. Ser confundido com a personagem que criou,
mesmo que inspirada livremente em sua personalidade, ideias,
ideais, vontades.

Uma antiga namorada o criticou: “Você estava parecendo o


personagem que criou… Não gosto dele.”. Outro amor xingou:
“Eu não gosto desse personagem, não é você.”.

95
Aquela garota, que ele era apaixonado, foi a única que
entendeu sozinha que eram a mesma pessoa. Que não havia
diferença. Que ele apenas queria matar aquilo que odiava nele
mesmo. E não conseguiu. Ela entendeu. E amava ambos.

A outra, sabia que era mais íntimo, mais próximo, mais


profundo. Ele amava aquilo.

Talvez a personagem tenha morrido, tenha se perdido,


sumido.

Hiato

Ela tinha câncer. Engravidou e perdeu o bebê. Amava a


distância e amava sexo. Ele destruiu alguns sonhos da vida
dela. Ele foi uma péssima pessoa. Ela se apaixonou. Não só
por ele.

Tinham amores em suas cidades, quando ele começou a


namorar, se afastou, mas não a tratou bem, não foi honesto,
nem bom. Ela se magoou. Sumiu.

Algumas vezes por mês, voltava. O chamava. Apenas


conversavam, pouco. Ela dizendo o quanto ama o novo
namorado, ele se lamentando de nunca tê-la visto

96
pessoalmente. Paixão de verão, ligações durante a noite,
vídeos, risadas, sotaque.

Ela era apaixonante. Ele continuou devastado por nunca saber


dar valor.

Desato 14

É possível que a bebida seja o que uniu ele ao seu pai. Aquele
que lhe colocou no mundo, casado com sua mãe por duas
décadas, que amava seus filhos, e ainda mais, amava um bar.

As aparências são próximas, ele parecia muito com seu pai.


Nos gostos também, pela bebida, pela solidão, pela mania de
se afastar, pelos bares, pelo uísque, pela cerveja, pelos
comunistas e principalmente pelas mulheres;

Amavam as mulheres.

Numa noite estavam na cidade do pai, ele com seu primo,


foram ao encontro daquele senhor, e aproveitaram para beber;

Pediram a cerveja favorita, falaram de política e mulheres, no


meio da noite, uma declaração: “Eu admiro muito o seu avô”.

97
Não era do próprio pai que falava, mas obviamente o admirava
também. Esse homem era respeitado. Falava do pai de sua ex
mulher, seu antigo sogro.

“Eu respeito ele muito, pra mim, tá no mesmo nível de


Churchill”.

Ele era constantemente comparado ao avô, pelo jeito


truculento, por ser casmurro, grosso, engraçado de alguma
maneira. Seu avô era infinitamente respeitado.

Quando seu pai disse aquilo, estava completo. Era o espelho


dos dois homens que mais admirava. Tinha se tornado aquilo
que mais queria.

Recebeu uma ligação, uma mulher o chamava para sair.

Disse ao pai e ao primo que logo voltaria. Encontrou com a


mulher, transaram num beco, mal conversaram.

Voltou à mesa aos xingos do primo, que não acreditava


naquilo. Como ele levantava da mesa do nada, abandonava seu
pai, e voltava como se nada tivesse acontecido, e para ele, nada
tinha.

98
Desato 15

Era um dia quente, ele mandou mensagem para ela apenas por
tê-la achado linda. Ela respondeu rápido, conversaram um
pouco, e confessou que tinha namorado. Ele não incomodou
mais. Já estava envolvido com alguém namorando, sabia bem
como era ser amante, não queria uma outra experiência
naquele momento.

Passou o tempo e ela reapareceu. Agora no fim do ano. Estava


frio. Conversaram por três dias e resolveram sair para beber.
Foram ao bar que ele gostava. Ela pediu vinho, ele cerveja.
Depois, foram ao cinema que ele gostava. Não viram o filme.
Ela então o levou no restaurante que gostava. Pediram comida.

Na semana seguinte era o aniversário dele. Ela apareceu de


surpresa. Disse a mãe dele que iria cuidar e fazê-lo melhorar.

A mãe riu da falta de inteligência ou imensa confiança da


moça.

No final de semana foram a uma boate com um casal de amigos


dele. A namorada disse pra garota tomar cuidado, pois ele era
mulherengo. Ela aceitou, disse inclusive que aceitava, mas que
queria ele.

99
Aquilo o assustou, encontrou um limite.

Dias depois ela quebrou a perna. E cobrou que ele estivesse


com ela. Ele nunca mais apareceu.

Ela sim. O chamando para irem a igreja. Não obteve resposta.

Desato 16

Ela retornou o chamando, contando sobre um texto que havia


escrito sobre ele, algo mais ou menos assim:

“Eu não sei em que momento você se tornou real

Era só uma figura

Imaginação no tédio

Aos poucos você foi ganhando voz

Olhos

Tom

E corpo

Presença

100
Era só uma bobagem qualquer

Uma aposta

Um jogo

Quando eu percebi

Eu estava pegando um avião

Torcendo pra você chegar

Esperando você dizer

Querendo que você me tocasse

Te emprestei um pingo de esperança

Um pouco de vulnerabilidade

Mas só um pouco

O resto eu guardei na mala

Tô levando comigo

E me deixando

Só um relance

Uma estória qualquer

Uns textos idiotas

101
Uma ou outra foto desfocada

Uma cena de filme

No qual a menina não fica com o cara

Ela conclui que é melhor ignorar

Escreve uma ou outra coisa

E o que resta, deixa o tempo levar

É engraçado como você me chama de muitas coisas

Mas não fala meu nome

Do que eu chamo no seu cenário?

Aquele que você criou sozinho

Nos emprestamos como personagens

Para nossos delírios individuais”

Ele não negava que havia sido um delírio magnífico, se


lembrava, inclusive, do que dizia Antônio Lobo Antunes,
escritor e psicanalista português, sobre o amor: “Uma coisa é
o amor, outra é a relação. Não sei se, quando duas pessoas

102
estão na cama, não estarão, de fato, quatro: as duas que estão
mais as duas que um e outro imaginam.”

Nos apaixonamos pelo que inventamos do outro, e


principalmente, pela forma que nos deliramos com aquele. É o
amor, um infinito amor próprio inventado e espelhado no
outro. Aquilo era um carinho imenso. Nada mais. Admiravam-
se, como eles mesmos. Mesmo ele não acreditando tanto na
admiração dela. Falta, então, de amor próprio.

Mas adorava a parte cruel do texto, o cenário que ele criou


sozinho. Era a esperança, mas não bastou. Ela só voltava para
dizer o quanto sentia sua falta, mas não ficava para matá-la.
Talvez por não conseguir dizer adeus por mais uma vez, ou,
por estar com tédio o suficiente apenas para uma pequena
conversa.

Desato 17 - Saudade

saudade

substantivo feminino

1. sentimento melancólico devido ao


afastamento de uma pessoa, uma

103
coisa ou um lugar, ou à ausência
de experiências prazerosas já
vividas (freq. us. tb. no pl.).
"s. de uma amiga"

(...)

Da dor no peito de não ter mais seu corpo entrelaçado ao meu,


do sentimento da falta do repouso de sua cabeça no meu peito,
do não conversar diariamente e ligar constantemente, passar
noites sem dormir, apenas se deliciando com o som da sua voz.

A palavra que não existe em nenhuma outra língua, dizem,


claro. Não sei se seria possível explicar de maneira melhor do
que utilizar essa simples palavra. Saudade. Três sílabas, sau-
da-de, sete letras, s-a-u-d-a-d-e, três consoantes, s-d-d, e quatro
vogais, a-u-a-e. Simples, completa.

Talvez seja mais do que uma palavra, se foi o povo brasileiro


que a criou, como nos conta a história, não poderia ser apenas
o que explica um sentimento de falta, tem também o jeito
brasileiro, ali, incluso.

Tudo que o brasileiro inventa tem seu toque cultural, do avião


ao samba. Até o futebol, criado por ingleses, tiveram toda uma
mudança em solo tupiniquim.

104
E é isso, o brasileiro sabe sentir falta. E sabe ser melancólico.
Mesmo sendo um país alegre, podemos chorar facilmente, até
no carnaval, até no futebol.

Saudade é sobre sentir e não se esquecer. É uma vida no


passado. É saber que aquilo ali, lindo, não voltará. Ela mesmo
tinha dito, certa vez.

Ele estava sentindo aquilo por ter sonhado com ela, que no
sonho havia voltado, e tinham se beijado. Ela traindo o
namorado. Acordou assustado. E não quis voltar a dormir, por
medo de acordar novamente.

Hiato

Pensavam que ele era um melancólico solitário, arrogante e


prepotente, que via em mulheres uma possibilidade de súplica,
de redenção, que quantas mais conquistadas, melhor, já que
assim, ao demonstrar pra uma que ele era correto, no mínimo,
todos seus pecados se redimiriam.

E todos estavam certos. Mas principalmente aquela mulher de


cabelos curtos que possuía uma mania de sempre saber mais
do que ele.

105
Talvez era por isso que se apaixonara, ela sabia tanto e ele tão
pouco. Dizia tão abertamente sobre os amores que passaram, e
tão mal sobre aquele último, quando relembrava o que ele
achava sobre os dois, quanto a casar e procriar.

Ela lia o mundo de um jeito que ele ficava admirado. A paixão


o corroia e a saudade o massacrava.

Acontecia com o melhor dos homens na vida, com ele, duas ou


três vezes, por ano.

Acertaram também quando analisaram que ele amava o que


escrevia, que escrevia apenas para si mesmo, que queria
desabafar, e era verdade. Amava ser odiado, mas ainda mais
ser idolatrado. Mas, acima de todas as coisas, era seu escritor
favorito. Impressionante o jeito que conseguia se entender
quando explicava alguma coisa, fantástico como gostava do
som da própria voz. Brilhante ser mencionado como aquele
que ouvia e olhava para mulheres como se compreendesse tudo

A verdade é que ele não compreendia nada, apenas fingia pra


si mesmo, o que considerava ser de estupenda inteligência,
como manter uma conversa sobre Francis Bacon se nunca nem
leu uma vírgula desse sujeito, ou debater sobre o Nazismo,
mencionando o Mein Kampf de Hitler sem nunca tê-lo em suas

106
mãos. Brilhante. Se achava sensacional, mas ainda precisava
que os outros achassem.

Pobre tolo.

Desato 18

As paredes do quarto gritavam poesia, e este era o elogio que


ele mais gostava de fazer. As chamava de poesia quando
tinham uma beleza incomum aos olhos do homem médio, uma
particularidade incompreensível aos tolos, e claro, eram
artistas acima de qualquer coisa. Entusiastas da palavra, como
alguma se chamava.

Esta não lia mais as besteiras que ele escrevia, sentia saudade,
algo assim. Enquanto outras se perdiam nas palavras e
mantinham uma paixão acesa. Destas ele procurou uma,
Finalizaram tudo a pouco tempo, e na saudade, numa
madrugada, com rum no corpo e ideias na mente, buscou
ressuscitar. Em vão. Ela não quis; Apenas disse para esquecer.
Semanas antes ela que o havia procurado, dizendo que ainda o
amava.

Essa ainda mantinha poesias em suas paredes, pinturas e fotos


de amores, poetas, poemas, beleza incontável de um ser
magnífico.

107
Não fazia sentido o que ela estudava, era artista de alma e
corpo, usando do corpo para fazer arte, e da alma para criar e
remodelar o corpo. Aquela beleza ele não entendia.

Sempre queria contato. Humano. Ou virtual. Ele não conseguia


entregar. Não era muito, ele apenas não sabia manter, manter
a beleza inspirada naquelas primeiras conversas. A conquista
tinha que ser constante.

Lembrou-se do que escreveu Domingos de Oliveira sobre o


amor, era como um objeto, que se gosta muito, e por isso se
protege, cuida, embrulha, trata com carinho, para que não se
danifique. Talvez amor seja isso.

Neste tempo mudara de opinião tantas vezes sobre o amor,


com tantas pessoas diferentes, sabia que amar era
imprescindível, mas não sabia se sabia amar.

Talvez Freud explique.

Ela ressignificou o sentimento, o que ele não entendia, pois


não havia feito o mesmo Ainda era algo crescente, que
estagnou. Por culpa exclusiva dele.

108
Hiato

Enquanto escrevia sobre aquela dos atos, havia um copo com


uísque, sem gelo, claro. Uma garrafa pela metade, daquele que
comprou na promoção. Uma garrafa de rum no chão, de algum
pirata qualquer, refrigerante na geladeira para beber com o
rum.

Tinha um maço de cigarros cheio e um restando alguns quatro


ou cinco. E também o cachimbo que a melhor amiga o dera de
presente, depois que o primeiro ficou no chão de uma avenida
no centro da cidade após uma briga numa tentativa de assalto
fracassada.

Ele saíra com alguns hematomas, mas com histórias pra contar.
Então não importava.

Usava o isqueiro zippo para acender o cigarro, e fósforos para


o cachimbo.

a coluna ficava em formato curvo, e doía.

O uísque esquentava o peito, naquela noite que estava fria a


ponto de fazê-lo não sentir os dedos que batiam na tecla do
computador.

109
O cinzeiro improvisado numa caneca antiga sem alça estava
cheio de cigarros, de onde saia uma fumaça do último que tinha
apagado.

Pensou num fragmento que escrevera a tempos: “O amor é um


cigarro, que queima num primeiro momento, se apaga e deixa
apenas dor para aqueles que o consumiram.”

E naquela comparação: “Ele se comparava com o cigarro,


nesses aspectos. Objeto. Utilizado. Aqueles que se importam
com o mau causado não usam. Aqueles que não se importam,
utilizam ao bel prazer, e jogam fora quando o fogo para de
arder. Seria então, Ele, um cigarro nas mãos daquelas por
quem ele se apaixonara? O fogo ardia, num primeiro momento,
depois se apagava e só deixava o caos.”

Metáforas.

Desato 19

Dos desejos mais puros e divinos, uma mensagem no


aplicativo era o maior. Enquanto os antepassados esperavam
por uma boa caça, uma grana, uma riqueza, uma terra ou, no
máximo, o dinheiro para comprar comida no fim do mês, ele
apenas desejava uma simples mensagem num aplicativo.

110
Nunca imaginaria chegar a este ponto quando conhecera a
mulher naquela noite, mas aconteceu. Se perdeu. Enlouqueceu.
Quanto tempo não ficava daquele jeito. Apaixonadíssimo.

Ele estava com um olho roxo, um corte no supercílio, uma


marca no nariz, um machucado na perna. Tudo de uma briga
na noite anterior.

 Vocês nem me fizeram sangrar, fracotes, imbecís!

Gritou a plenos pulmões na porta da boate. Levou um soco do


nada, bateu em quatro sem entender. Apanhou mais.

Usou das redes sociais para receber um pouco de carinho,


atenção.

Não recebeu dela. Não naquele momento.

Passa-se quase um ano.

Ele estava com a testa marcada, depois de acertar o asfalto,


com a mão cortada, e a costela cortada. Socos e chutes.
Recebeu tudo que tinha direito. Um roubo fracassado e ele
levou a pior. Pelo menos recuperou o celular.

Ela mandou mensagem. Estava preocupada:

 Se cuida, tá?

111
Claro, se cuidaria sim.

Achou um trabalho bom, pra não pensar naquilo, não se


corromper à saudade do contato constante por malditas
mensagens. E eram apenas mensagens.

E acabou como começou. Ele estava com marcas na bochecha,


um dente pra cair, um roxo no braço e marcas na mão.
Finalmente tinha batido mais que apanhado.

Novamente não recebeu mensagem nenhuma. Mas ganhou a


luta.

Desato 20

O mundo da moda era assustado pra ele, sair com uma modelo,
então, um disparate. Perdido se encontrava nos assuntos que
ela contava. Convites inúmeros para passarelas e para camas,
ela não negava que existiam, mas também não aceitava metade
deles.

Ele se encontrava todos os dias, o tamanho o assustava sempre,


mas o que mais preocupava era a santidade dela. Ele era
desvairado, embriagado, talvez um falso badboy, que xingava,
brigava. Truculento e ao mesmo tempo doce, do seu jeito
casmurro e brusco.

112
Costumava ser mandão, e ela nem um pouco obediente.

Parecia que tudo era um teste, um estudo, será que era para
afetar os pais? Não, era algo a mais. Ele não entendia na época.
Talvez nunca chegue a entender.

O que matava, o que machucava, o que doía, era a irmã. Uma


das mulheres mais lindas que ele já havia visto. Estudiosa,
focada, inteligentíssima, brilhante, divina.

Perdeu a chance quando não conseguiu se aproximar no


momento certo. E tudo partiu de uma aposta. O amigo disse
que podia apresentar alguém maravilhosa, ele não sabia quem
era, mas por ser ruiva, interessou.

Apostaram uma partida de sinuca. Ele ganhou.

Não adiantou de nada.

Depois ele percebeu, adorava as ruivas, mas as morenas,


tinham o seu coração.

113
Hiato

É outro dia. Outro bar. Um sanduíche gourmetizado, uma


cerveja e meus cigarros. Phil Veras no meu fone. E mais uma
vez, um casal na minha frente. Queria não ser observador,
queria não ver o mundo a minha volta. Mas entre uma tragada
e outra, meus olhos encontraram o casal.

Sentaram frente a frente. Não pediram nada além de cerveja.


Ele fala e ela escuta, apoiando seu pescoço nas mãos, enquanto
os cotovelos ficam sob a mesa. Ela não tira os olhos dele.

Será que isso já aconteceu comigo? Se sim, nunca percebi.


Alguém interessado dessa forma. Em cada detalhe.

Quando chegaram ele fazia carinho na nuca dela, era suave.


Completamente carinhoso.

Sinto falta dos encontros. Mas chega deles.

Desato 21

A garota tinha uma inteligência imensa, era genial, brilhante.


O escritório de direito crescia, a sua competência triunfal.
Sabia de filosofia à psicanálise. E ele não entendia o porquê
ela tinha o beijado.

114
Não mesmo. Mas havia, num emaranhado de encontros que
acabou chegando na casa dela, numa madrugada limpa e fria.
Não houve sexo, só beijo. E ele mantinha um pensamento de
que ela estava ali apenas por causa de uma amiga tê-la
impedido, pra inicio de conversa.

É uma história com tantos antes, que dificulta a explicação,


mas, o que podemos fazer, as melhores histórias começam
assim. Ou apenas começam. Ou tudo que começa já teve um
início. Complexo. Parece que a bebida está fazendo efeito.

Enfim, num fim de ano ele beijou uma garota, que não quis
nada além. Ela era de um grupo de amigas comprometidas com
o conhecimento, daqueles unidas, até em bares e restaurantes.
História engraçada, num jantar desses, falaram apenas dos
livros dele, e do jeito que ele era com mulheres.

Pois bem, essa garota do beijo, dito no parágrafo acima,


começou a namorar, e ele logo entendeu que não teria nada ali.
Até porque beijou só por beijar, nada a mais.

Ela era a amiga que tentou impedir a mulher genial. Mas não
conseguiu.

Pena que ele era um idiota completo. Os beijos em dias de


semana na faculdade eram fantásticos. Nas manhãs também.

115
Uma vez um amigo apareceu e perguntou: Você está com essa
mulher?

Sim.

 E semana passada estava com aquela ruiva?

 Sim.

 E ainda pensa em suicídio.

A resposta era não, principalmente quando estava dopado pelo


carinho daquelas mulheres. Mas essa genial…

Era morfina para todas suas angústias.

Ele ainda era um idiota. Não a encontrou quando ela chamou,


contou piadas que ela não gostou… E terminou.

Não teve adeus, apenas amizade. Mas a paixão, essa paixão.


Ele continuou apaixonado. Perdidamente apaixonado.

Queria se casar. Queria abrir um escritório com ela, queria


construir algo. Mas ele não era o suficiente. E o sonho não teve
continuidade.

116
Desato 22

Ele odiava o fim, odiava o início e detestava toda a história.


Mas ainda assim, contar surgia um efeito gigantesco na vida
dele, parecia que criava um sentimento de nostalgia, voltava a
um lugar bom, um lugar de paz, um lugar de um bom tempo.

Eles precisavam estudar pra alguma prova, era importante.


Foram para a faculdade mais cedo, ele passou no trabalho dela
para buscá-la, o que talvez não fosse a palavra correta, até
porque iam a pé, então, um melhor termo seria acompanhá-la.

Andou por uma hora em um sol de matar qualquer um, saindo


do miolo central da cidade, por uma das maiores avenidas.
Sentia que tinha percorrido toda ela, mas ainda faltava alguns
mil quilômetros.

Exagerado, sempre.

Ainda assim, ele passou por lá. Ela namorava na época.

Chegaram na faculdade, subiram as longas escadas e entraram


na biblioteca. Não estudaram, apenas flertaram. Um quase
beijo aqui, alguns carinhos ali. Ele brincando com a moça na
mesa do lado e ela ficando irritada e com ciúmes.

117
Subiram para os armários, tinham que pegar os materiais para
irem pra aula. Já era tarde, não foram no primeiro horário para
estudar. Ele ficou no último armário do último corredor, ela,
no penúltimo.

Ela estava irritada, com ciúmes e brigando por terem quase se


beijado.

 Isso não aconteceu, se acontecesse seria assim.

Se beijaram. Ele a puxou pela cintura, se beijaram, ela passou


a mão pelos seus cabelos, puxou a parte de trás, se beijaram,
apertou com força seu ombro, se beijaram, ele a segurou com
força, se abraçaram. Ela o olhou com súplica.

Nunca mais conseguiram se ver sem se beijar.

Hiato

Ele namorava, ela também. Ele precisava de estudar, ela


também. A namorada dele sabia do antigo caso dos dois, o
namorado dela não. Apenas ele, a namorada e ela moravam
naquela cidade, apenas os três estudavam naquele campus,
apenas os três estavam e precisavam de estudar.

118
Foram.

Mas não estudaram, apenas riram da vida e da raiva dele pelas


dificuldades de falar em inglês. Riram do jeito que ele era
atrapalhado. Se divertiram, e ninguém parecia desconfortável.

Meses depois ele terminou. Ele e ela estavam na sala de aula,


conversando, quando a agora ex namorada chegou.

 Minha nossa, o que me complica é que ela é linda.

 Pois é, eu pensei a mesma coisa, você está ferrado.

 Eu estou.

Só mais um beijo aconteceu. O caso e o namoro acabaram. Ele


ficou só com essa saudade chata. Como era bom estudar na
época da faculdade.

Hiato

No prédio a minha frente, tem janelas que falam comigo, me


chamam, me levam pra dentro das casas confortavelmente
organizadas para acalmar os trabalhadores diários que ali
descansam.

119
São dias de constantes lutas, aquela velha história de se matar
um leão de cada vez, aquele papo antigo, mas eles todos tem
carros, alguns, luxuosos. Em finais de semana, festas nas
coberturas, gritos e dança, música. Tudo para entregar a paz
pretendida.

São quase 00:00, e um casal janta na mesa da sala. Consigo vê-


los enquanto acendo o último cigarro da noite. Aqui se foi mais
um maço.

Uma conversa com alguma amiga me vem a mente, ela diz que
nos últimos contos voltei a escrever como antes, possivelmente
é verdade, o que começou como um texto sobre descobri a
mim mesmo, nos olhos de outro alguém, se transformou em
mais um diário aberto, sobre aventuras românticas.

Me lembro também do que aquela do Ato escreveu sobre mim,


“Seus amigos não se preocupavam mais em acompanhar a vida
amorosa de Bento, não sabiam o que era ficção e o que era
realidade, não sabiam se aquele caso aconteceu há uma década
ou antes do almoço.”

Era tudo verdade, quase não pude acreditar na beleza sonora


que aquelas poucas letras formavam, não em sentido ao nome

120
dela, jamais. Mas naquela frase solta depois de uma briga
idiota, “eu estou apaixonada por você.”.

Escrevi num caderno depois disso, a data, e uma anotação:


“Ela gosta de mim.”

Meses depois precisei corrigir. Não era algo que funcionaria.

Quanta tolice. Quanta bobagem.

Agora já passam da meia noite, o casal apagou a luz da sala e


fechou as cortinas que cobrem a vista. Será que era um jantar
romântico? Ela parecia estar tomando vinho. Eles pareciam
jovens.

Hoje é dia dos namorados, e nunca passei com alguém. Que


tolice, quanta bobagem.

As luzes do apartamento abaixo daquele do casal permanece


com as cortinas abertas e as luzes acesas, mas parecem ver
televisão. Quão tedioso é o dia de alguém que precisa da TV e
de todas suas informações para conseguir dormir.

Dizem, as boas almas ricas desse país, que a Ferrari não coloca
propagandas na mídia, porque quem compra seus carros não
ficam em casa assistindo a isso. Deve ser, na verdade, porque
a Fórmula 1 já é publicidade o suficiente pra eles. Sabiam que

121
comecei a fumar Marlboro por causa do carro do Ayrton
Senna?

Claro que isso é mentira, ele morreu anos antes de eu nascer.


Comecei a fumar por sempre gostar de falar a marca. E por ter
sido o primeiro fumado, assim começa os vícios, sempre pelo
primeiro.

Mudei o nome desse Desato agora, era pra ser o vinte e dois,
mas preferi transformar num Hiato. Pensar sobre essas coisas
e principalmente escrever sobre o que vem a minha mente.

Assim escrevo meus livros. Só jogo palavras na tela do


computador e espero fazerem sentido, se não fazem, deixo. Se
estão erradas, amo. Realmente amo quando erro. Detesto
quando me corrigem, mas amo errar. Odeio quando dizem que
meus livros são mal escritos. Ora, eu sei que são. Mas leio
Bukowski, já leu algo bom desse velho? Não existe.

Não que eu queira ser o Bukowski da minha geração, jamais.


Gostaria de ser o Allen Ginsberg, que ninguém realmente
conhece, mas que com um movimento, mudou todos os
Estados Unidos.

Gosto de pensar assim.

122
Agora não tem mais janelas abertas nem luzes acesas. A da
minha sala possivelmente é a última. Pelo menos, só ouço a
música que sai do meu notebook. Mais uma nota engraçada,
eu apenas digito com meus dedos indicadores, mesmo fazendo
isso rápido e sem olhar pro teclado. Fiz cursos de digitação
quando mais novo.

Tinha uma garota na minha classe, mas por motivos óbvios,


não direi o nome dela. Eu era perdidamente apaixonado por
aquela garota. Tinha 09 anos. Nove.

Woody Allen diz em um dos seus filmes que nunca passou


pelo período de latência.

O telefone tocou antes que eu pudesse concluir o pensamento,


me perdi nele. Era meu primo. Morando na capital do país, tem
uma liberdade que eu sempre sonhei. Estava bebendo vodca
barata e tocando violão com amigos.

Diz que virá me visitar no final do ano, iremos viajar juntos,


conhecer uma paquera dos seus quinze anos, imagine, temos
vinte e três.

Pediu para eu acrescentar a escrita que ele me ama muito, e


que sou o melhor primo que ele poderia ter, pedi, então, que
mandasse um abraço pra sua irmã.

123
Por que tão cruel sempre?

Não sei. Me parece engraçado.

E não há nada de mórbido na graça. Imagino.

Será que acertei o nome daquela coisa que Freud falava? É


mesmo período de latência? Não sei, e nem irei pesquisar.
Como já disse, amo errar, e nada aqui é cientifico, então
busque.

Há uma quebra clara na leitura, não? Estou conversando com


você, quem quer que seja. Além das quebras poéticas que me
permiti, até porque, é meu o livro, quis introduzir essa.
Possivelmente porque estou bêbado o suficiente para não me
importar.

Quero ver até onde consigo escrever sem me cansar e passar a


contar outra história sobre alguma desilusão amorosa. Deveria
falar sobre aquela que sempre retorna aos meus pensamentos
como pequenos murmúrios, ou sobre a outra que tento voltar a
beijar a tanto tempo, que nem sei.

Deveria contar sobre a amiga de outra cidade, que se classifica


como um “Eu se saia”, que de forma impressionante, eu
consigo ser completamente sincero sempre, e ela ainda, de um

124
jeito que não consigo explicar, gosta e sente atração por mim?
Não sei. O cigarro realmente acabou.

Acho que acenderei o cachimbo e escrever até amanhecer. Mas


me faltam histórias. Nunca me faltaram tantas histórias. Eu
vivo por e pelas as histórias.

Vi um lindo filme de romance e agora penso seriamente em


engatar algum, só me falta alguém, e, a vontade de voltar a
mentir sobre mim.

Desato 23

Ela enviou um e-mail dizendo que ainda o lia. Que olhava


naquele antigo site, de tempos em tempos, buscando uma nova
história. Ela bem sabia quando ele estava bem ou mal. Se
daquele jeito, não escrevia, apenas vivia o momento. Se deste
jeito, a escrita era comum. Ele não sabia escrever quando feliz,
mas amava fazê-lo quando triste e desolado.

Possivelmente, leu aquela história sobre uma moça nova, e o


viu saindo em algum momento da festa com ela. Logo depois
daquele brinde sem graça. Ela nem esboçou sorriso algum,
apenas o olhou com desdém.

125
Havia perdido o interesse em encontra-lo e se envolver em
problemas, o casamento marcado, as mudanças da vida prontas
para acontecerem, e ainda tinha uma promessa, se tudo desse
erado, não importaria a hora, lugar ou data, ela bateria em sua
porta pedindo uma chance.

Le tinha plena consciência que aquilo nunca aconteceria.

Mas parou pra pensar que poderia acontecer, e ao invés de


fechar uma porta futura, logo após o brinde e o último e-mail
trocado, trancou em seu próprio peito a vontade infinita de tê-
la em seus braços.

Não era perda da vontade em si. Era aprisionamento. Assim


como se segurava para não socar até a morte aquele rapaz que
saltou a catraca do ônibus, se segurou agora para nunca mais
procurar, querer saber ou falar sobre.

Se deu por satisfeito em escrever um último conto sobre o que


passou e não pensar mais no assunto. Mesmo que aprendesse
com os erros, aquele continuaria a ser, para sempre, como o
mais belo cometido. Para ambos, imaginava ele.

Mas passou, assim como uma tempestade. Tudo tem um fim.


Tudo.

E nada seria belo se não tivesse.

126
Desato 24

Eles eram jovens, ele um pouco mais velho. Ainda estavam no


ensino médio. Irmã de um colega, religiosa, amava rock n’ roll
e as bandas que ele idolatrava. Sonhava em ser perita criminal,
área que ele mais admirava no Direito, que viria a estudar.
Imagine a cena, ele condenando um criminoso em um tribunal
do júri graças ao trabalho impecável dela.

Tudo isso passava pela sua cabeça de adolescente, jovem e


rebelde. Sempre sem causa. Não sabia porque era.

Se sentava no fundo da sala, sozinho. Apenas ele. Ninguém


entendia o motivo. Mas ele ficava bem daquele jeito. Ela era
tão linda.

As suas conversas constantes eram por mensagens, vídeos,


áudios. Mas tinha uma promessa. Não haveria beijo até que ela
completasse seus dezoito anos.

Eles vieram, e não teve beijo pra ele, não. Um outro, com
mesmo nome, apareceu.

Ela se apaixonou perdidamente.

127
Ele nunca entendia. Ela confessou certa vez que quase tinha o
beijado, por diversas oportunidades, mas não o fez, pois
imaginava que ele só estava ali para transformá-la num troféu,
já que era amigo do seu irmão.

Ele perdeu um pequeno grande amor por causa do seu jeito


idiota de sempre fazer piadas com tudo. Foi o primeiro que se
recorda, mas possivelmente, tinham outros antes. Inúmeros.

O tempo passa, houve traição. Ele não entendia, ela fez outra
promessa, só beijaria novamente após casada. Ele quase a
pediu em casamento. Mas, o amor é algo forte, inesperado e
completamente fora de controle.

Houve um retorno, o último que ele teve conhecimento. Ela


estava de casamento preparado com o tal rapaz, traidor e xará
dele. Mesmo nome, mesma paixão, mesmos erros, mas, amor
recíproco. Aquilo que sempre falta aos amantes mais
ardorosos. Reciprocidade.

No fim, ele apenas torceu pela felicidade dela. Sem promessas.


Apenas fé que encontraria tudo aquilo que almejava.

Era um desejo sincero que ele odiava precisar fazer.

128
Hiato

A luz do apartamento da frente, bem na minha vista, pisca. Não


sei se é a luz propriamente dita ou a televisão que reflete nas
paredes laterais. Se aquele for do mesmo formato que este
onde estou, e imagino que seja, ao entrar pela sala você
encontraria uma porta a sua esquerda, que daria pra cozinha.
Ali, uma pia, a geladeira, o fogão e a área para lavar roupa.

Mais a frente, a sala, onde colocaria uma mesa e o sofá, uma


tevê. Uma porta de vidro divide essa sala da varanda, se é que
podemos chamar assim a área que uso pra fumar. Virando a
esquerda, um corredor, leva a três quartos e um banheiro,
estando este à esquerda e o restante dispostos a direita, segunda
direita e frente.

Quarto maior com banheiro e armário embutido, quarto menor


com armário embutido, quarto menor. Imagino que também
poderiam fazer um armário neste, mas não, nos deixaram
comprar um.

Não há o que ver em lugar nenhum, nem o que beber, comer


ou fumar. A não ser o cachimbo, que está apoiado no notebook
para não espalhar o fumo.

129
Enquanto repenso na minha adolescência após relembrar essa
pequena história, lembro da música que fizeram para brincar
comigo. Meus amigos da época, que mal conseguiam
conversar com uma garota. Lembrei então da primeira vez que
beijei uma desconhecida, era o dia do nerd, ou quatro de maio.

Um domingo quente, coloquei minha blusa favorita do super-


homem, uma camiseta rasgada, aos pedaços, e fui a um show.
Andei durante horas com um grupo de amigos que mal
conversava, que eu nem gostava. A garota que eu queria beijar,
estava com seu namorado. Era um dia exaustivo.

Chegamos e eu não bebia nada alcoólico, quanto tempo


perdido.

Servi um copo para não perder mais tempo.

Retornando, uma garota loira de olhos azuis não parou de olhar


pra mim, então a beijei.

E foi isso, só isso. Nada mais. Um beijo, e sinceramente, foi o


melhor beijo de toda a minha vida. Ainda lembro da sensação.

Nisso, me pego por vezes pensando que o amor nada mais é do


que uma sensação. Não um sentimento, mas um sentido. Ama
se sentir de uma maneira. Não ama o outro, mas sim, o próprio
sentir.

130
Desilusões causadas por meia garrafa de rum.

Desato 25

Era uma festa no centro da cidade, um grupo diferente de


amigos, ele não se encaixava muito bem. Eram amigos antigos,
ele um novato naquele. Discutiu sobre liberdade de expressão
na casa de um deles, as pessoas ficaram irritadas com suas
opiniões profundas.

A que viria a namorar com ele estava com outro rapaz, mas ele
não se importava, ainda não estava perdidamente apaixonado
por ela. Não saia de casa para beijar nem se relacionar. Saia
para beber e se divertir, debater com qualquer um sobre
qualquer coisa, fumar em paz, se afastar dos seus pensamentos
impuros e contrários à própria existência.

Foram para esse PUB que tocaria apenas música Indie durante
toda a noite, era um grupo interessante de pessoas. Cantavam,
dançavam, se abraçavam e se beijavam.

Ele já estava bêbado quando subiu no palco para gritar aquela


música, e danças na frente de pessoas desconhecidas. Foi
obrigado a descer, o segurança não estava nada feliz.

131
A garota, futura namorada, parou de beijar o outro rapaz e foi
dançar com ele, colados e sentindo cada centímetro do corpo
um do outro. Ele não fez nada, preferiu trocar de parceira. Esta,
ele beijou.

- Você dança bem.

Ela mentiu.

- Eu sei, mas acho que vou fumar.

Ele disse, indicando que queria um lugar mais reservado para


beijá-la de forma mais íntima. Ela não entendeu. Dependeu da
ajuda da futura namorada, que levou a garota ao seu encontro.

Se beijaram durante a noite.

No dia seguinte, ela apenas mencionou que ele era estranho,


ou algo assim, ele não se lembrava muito bem, e também não
se importava tanto com os adjetivos dados.

Uma semana depois, estaria beijando a futura namorada


enquanto o amigo de ambos fumava um cigarro. Mais uma
semana, namorando. Mais alguns meses, terminaria o namoro,
recuperaria um outro amigo e manteria a sanidade do seu jeito
próprio. Se afastando de tudo e de todos.

132
Nesses diferentes momentos, apenas um fato se tornou
verídico, ele apenas queria sair a noite para se afastar de si
mesmo.

Desato 26

Ele foi viajar. Alguns amigos em um carro, a casa da amiga


como destino, no interior do estado. Um final de semana, muita
bebida e algum macarrão instantâneo nas manhãs do sábado e
domingo.

Tranquilidade dele, gostava daquelas pessoas que estavam


com ele, de todas elas. Era um sentimento de pertencimento.
Ele vivia aquilo. Amava aquilo.

Eram três mulheres e um rapaz. Dentre elas, havia “ELA”. Que


era uma paixão antiga, tomada por uma atitude passiva
agressiva sempre atuante, que ele particularmente já havia se
cansado. Mas ainda era divertido.

Pensava que não iria beijá-la. Aquilo já tinha passado. Até


mesmo numa última tentativa de beijo, fracassou
bisonhamente, então, estava realmente tranquilo.

Se havia algo engraçado nessa amizade dos dois, era o fato de


que ela não entendia como ele sempre estava com mulheres

133
fantásticas. E o mais engraçado, é que ele também não
entendia.

Chegaram na cidade e foram comer algo, depois foram para a


casa, beberam e resolveram sair. Para uma boate qualquer.

A que conheciam, havia mudado de lugar. Foram até ela, ainda


assim. Num espaço longe da cidade em si.

Beberam o que tinham que beber. Ele recebeu uma mensagem,


alguém brigava com ele, aparentemente uma amiga de uma
garota: “Quem você pensa que é? Quem marca um encontro e
não vai? Passa uma semana em silêncio. Se acha muito né?
Você não é nada. Canalha.”

Ele ficou chateado, não pelos xingamentos, ou por estarem


possivelmente certos, mas por não ter ideia do que a moça
estava falando, e pelo fato de ela ter bloqueado o seu contato,
o que impedia de retornar as ligações.

“Você acha que eu sou mulherengo, sei lá, um canalha?”, ele


perguntou pra uma de suas amigas.

“Acho, mas você se apaixona por todas elas, então não é um


canalha, é só um bobo apaixonado.”, ela respondeu.

134
A amiga saiu, levando a outra. O amigo estava beijando
alguém.

Ficou ele e a querida passiva e agressiva amiga, que


carinhosamente, o chamava de lorde.

Ela começou a contar uma história sobre o Rio de Janeiro, de


suas viagens, dos famosos. Algo aconteceu e se beijaram.

“Fiquei esse tempo todo te contando sobre o Rio querendo que


você me beijasse...”

Ele percebeu que não sabia nada sobre mulheres num contexto
geral. Mas principalmente sobre esta, linda, brilhante,
magnifica que estava a sua frente, ele não entendia
absolutamente nada. Mas o beijo era fantástico.

Hiato

Ah, o amor... Eu não sei mais nada sobre ele. Nada, mesmo.
Absolutamente nada. É irritante. Eu não saber sobre algo.
Frustrante. E por não saber, sempre me perco em suas amarras
nebulosas. Amo muito, ou nunca amei. Talvez apenas tenha
confundido, o que não é muito comum.

Arrogância? Sim. Sempre.

135
Procuramos sempre por aquele amor, sabe? Aquela pessoa que
diz um “eu te amo”, à primeira vista, ao primeiro olhar, no
primeiro mês, num dia. Se já aconteceu comigo, eu não
percebi, embora imagine que, se eu não percebi, nunca
aconteceu comigo.

É uma pena se eu nunca tiver percebido, mas no fim, acho que


nunca mereci. E é isso. O amor é questão de merecimento.

O que é triste. Mas a própria vida é triste. A tristeza é


fundamental. Menos que a felicidade, claro.

Ando tão feliz ultimamente que até estranho. Mas, reclamar


não irei. Até porque, reclamar é clamar duas vezes.

Reclamo, portanto, do amor, pois o quero, abertamente,


imensamente, adoravelmente, imediatamente.

É sobre isso. Amor. Tudo é amor. E felizmente, eu acredito no


amor. Finalmente.

Desato final – A história por ela:

Cabelos pretos e bagunçados, olhos de jabuticaba, lábios finos


e a barba sempre falhada. Ele se escondia atrás de pilhas de
livros e da fumaça que saía de seu cigarro barato. Disfarçava
sua estima com piadas ruins e ofensivas que ele chamava de

136
humor ácido. Poucos amigos, tinha apenas dois assuntos
favoritos: mulheres e morte. Ele realmente achava que estes
assuntos eram interligados, se falasse de mulheres, acabava
falando da morte. Se começava pela morte, termina falando
sobre as mulheres.

Viciado em melancolia, o rapaz se jogava aonde o vento


batesse, não era de recusar convites, experiências ou brigas.
Vivia cada dia como se fosse o último, desesperado por
emoções, vidrado em colecionar histórias. Ele se apaixonava
por mulheres bonitas, e encontrava em cada mulher uma
beleza sem precedentes, que ele poderia escrever um livro
inteiro sobre como uma delas jogava o cabelo para o lado ao
rir, sem graça de alguma piada infame. Seus amigos não se
preocupavam mais em acompanhar a vida amorosa dele, não
sabiam o que era ficção e o que era realidade, não sabiam se
aquele caso aconteceu há uma década ou antes do almoço.

Gostava de cinema, principalmente das cenas onde o poeta


apaixonado se sentava no escuro, fumando seu cachimbo e
ouvindo algum blues, enquanto balbuciava a letra e lamentava
a vida. Mais uma dose de whisky, por favor. Sem gelo, claro.
No ápice da embriaguez escrevia sobre mulheres e sobre a
morte. Levava a vida mais poética possível, e via mais poesia

137
na noite do que no dia, embora não soubesse a diferença deles
após a sexta dose. Maldito Nietzsche.

O rapaz era daqueles que não perdia uma conversa de bar, uma
briga na esquina, um debate de alterados. Enchia a boca para
falar de seus filósofos favoritos e de como era especial por ver
a vida em preto e branco, e claro….de sua última conquista
amorosa.

E sobre as mulheres, ele poderia olhar dentro de qualquer olho


feminino e jurar que vira seu espírito. E as moças percebiam,
naqueles olhos de jabuticaba havia uma atenção nunca antes
percebida. Sua escuta extremamente atenta, e sua fala macia e
clichê, eram o combo perfeito para risadas e flertes nos cantos
da cidade. O homem era bom com humanidades.

Certa vez recebeu um convite de um amigo para beber num


feriado qualquer, mas não estava na cidade e precisou recusar.
Logo recebeu fotos e vídeos do amigo, que estava em um bar
qualquer com uma amiga de infância. Ele notou a moça e claro,
não poderia deixar de enviar um elogio. “É sempre bom elogiar
mulheres bonitas” - pensou. A moça era simpática e logo
iniciou uma conversa virtual com ele, brincaram sobre ter
ciúmes do amigo em comum. Uma conversa qualquer, numa
noite qualquer, numa rede social qualquer.

138
A moça não era da cidade, estava em sua última noite de
viagem, ele lamentou não ter outra oportunidade para
encontrar a moça e fazer o elogio pessoalmente. “Que sorte a
dele, terá uma noite inteira para conversar com ela” - pensou
enquanto desejava uma boa viagem para a nova conhecida.
Bastou apenas ler seu nome em voz alta, e quase não pode
acreditar na beleza sonora que aquelas poucas letras
formavam.

O celular logo tocou, uma nova notificação “te enviou uma


mensagem”, seus olhos acenderam e leu com certa atenção o
elogio que recebera por um poema escrito há algum tempo. A
moça não só leu seus poemas, como gostou, ela não só gostou,
como enviou uma mensagem elogiando e perguntando onde
poderia encontrar outros textos como aquele. Aí estava, ela
abriu uma oportunidade, e ele, claro, logo a enviou um livro
completo, e ainda solicitou uma análise da coisa escrita. Que
prato cheio! Ela adorava criticar a escrita alheia. Trocaram
textos, elogios, críticas, mensagens, ligações, logo trocaram
segredos e afetos… aqui começou o conto favorito de Yuri.

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Hiato Final: A história por mim.

Eu tenho um apreço por conversar enquanto escrevo. Deixar


claro ao leitor, quem ele seja, que estou aqui, te acompanhando
nessa empreitada que é ler um livro.

Particularmente adoro ler as coisas que eu escrevo, não sei


você. Meu livro favorito é sempre o último que escrevo.
Inclusive, nunca reli outro anterior.

Mas devo aqui deixar registrado, este é o meu favorito sem


comparações. Os outros... Eram sempre tão pessoais. Eu
precisava gritar o que estava sentindo. Este aqui, eu apenas
disse. Não precisava contar nada, não por mim. Embora, goste
muito de contar o que me acontece.

Conto histórias. E é isso.

Todas as histórias aqui contadas, de fato aconteceram, do jeito


que as contei. Claro que isso é mentira, por favor, não há nem
verdade absoluta, que dirá história absoluta.

Mas de fato, tudo aqui aconteceu de um jeito próximo ao que


contei. Queria uma história de amor abrindo um Ato teatral,
com as cortinas. E encerrando com as partes não ficando
juntas, fechando-as.

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Queria Desato, contando sobre os seus desencontros com
outras pessoas, com outras mulheres, e até com a mesma que
se encontra no teatro, os retornos e os entendimentos que o
personagem principal possui, ao decorrer da própria história.
E queria um hiato, para poder explicar, dizer, conversar ou
apenas brincar com o contar histórias.

E consegui escrever unindo as coisas que mais gosto, Crônicas,


Contos e Poemas, utilizando de várias maneiras pra contar
apenas mais histórias de amor.

É mais um livro de um alguém que aceitou, enfim, a existência


do amor em sua vida.

É só um livro de um alguém que ama contar histórias!

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