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Nº 1540 . 8/9 A 14/9/2022 . CONT. E ILHAS: €4. SEMANAL

ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
PESADELO
COMEÇOU
MAIS CEDO FILMES,
CONCERTOS
DO QUE E EXPOSIÇÕES
O PREVISTO DA RENTRÉE

Volte daqui
a 651 dias*

*Tempo de espera
médio nas 10 cirurgias
com maior demora

SNS

O DRAMA INVISÍVEL
DAS LISTAS DE ESPERA
Um em cada quatro portugueses aguarda mais tempo por
uma consulta ou cirurgia no SNS do que o prazo indicado na lei.
As histórias e os números de uma realidade preocupante
AS CIRURGIAS E CONSULTAS COM MAIS ATRASOS
 08 SETEMBRO 2022 --- Nº 1540
VISÃO
ENTREVISTA
Bruno Batista .................10

RADAR
A semana
em 7 pontos
Nadar contra
o fatalismo ....................... 14
Holofote
Diogo Ribeiro,
VISÃO SETE
herói nacional ................ 16
Rentrée cultural 2022,
Raio-X o que vem aí? ................ 90
Nuclear, sim ou não? ... 17
Um caldeirão
Periscópio de criatividade na Rua
A sucessão de Temido.. 19 Poiais de São Bento .. 100
Prémio Estação Imagem:

Próximos capítulos
Gripe, combate
de inverno ....................... 20
Fotos com História
A denúncia, em 1973, do
massacre de Wiriamu .. 23
Transições
Mikhail Gorbachev,
defensor da paz ............. 24
Na primeira pessoa
Gustavo Carona:
“Tenho dores 24 horas
por dia”............................. 26
FOCAR
Inflação: apoio imediato,
poupança no futuro .... 76
Liz Truss, a nova dama
de ferro ............................80
Conferências do Estoril:
ideias para um mundo
com propósito ............... 82
Vêm aí as ESG Talks .... 85
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos,
fotografias ou ilustrações
sob quaisquer meios,
e para quaisquer fins,
GETTY IMAGES
o foco na Ucrânia ....... 104
Vinhos portugueses:
as escolhas de Jancis
Robinson ....................... 106
Ambiente: o pesadelo já começou . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 4
Casa Davolta, comida
Fenómenos climáticos extremos são cada vez mais frequentes um
andaluza em Cascais . 109
pouco por todo o mundo. Quais as consequências para as nossas vidas?
As inquietantes respostas estão neste dossier da VISÃO Verde O gosto dos outros:
José Luís Peixoto ...........111
À espera de vez no SNS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Os problemas já vinham de trás, mas agravaram-se com a concentração OPINIÃO
no combate à Covid-19. As histórias de quem sofre com as grandes listas Dulce Maria Cardoso
de espera do Serviço Nacional de Saúde Espécies invasoras ..........6
Mafalda Anjos
Floresta (mais) desprotegida ...................................... 40 O voo do Helicosta .........8
Em três anos, triplicou o número de municípios sem um plano
Pedro Marques Lopes
obrigatório de defesa da floresta contra incêndios
Marta Temido e as linhas
vermelhas de Costa ...... 18
A louca briga populista no Brasil .............................. 46
Bernardo Pires
À boa maneira das telenovelas, o confronto entre Jair Bolsonaro e Lula
de Lima
da Silva nas eleições presidenciais brasileiras é feito à custa de conflitos
O eixo, afinal,
e reviravoltas. Muitas vezes, a realidade supera a ficção move-se ........................... 22
Pedro Norton
Até onde chegaram estes nazis? ................................ 52
Crónica de uma queda
Estavam comprometidos com o Terceiro Reich mas conseguiram singrar anunciada ........................ 88
na vida democrática do pós-guerra. Histórias incomuns de ex-nazis
Joana Marques
Boas férias, Marta ........114
Longe da vista, perto do coração? ............................ 58

inclusive comerciais. O que aprendemos com o trabalho e o ensino à distância,

a que a pandemia nos obrigou

w w w.visao.pt
ONLINE Luís Delgado Francisco Camacho Adão Carvalho
LINHAS DIREITAS LUGAR AOS NOVOS BOLSA DE ESPECIALISTAS
Últimos O pequeno pacote! A colheita Novo diretor
artigos de Adriano Moreira para o DCIAP
no site da
VISÃO

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 3

---------- L I N H A D I R E TA

– CORREIO D O LEI TOR

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ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS Dois séculos depois,
VISÃO VERDE é preciso continuar
a gritar como
D. Pedro fez no Ipiranga:
Liberdade ou morte!
– Carlos Silva Faro

D. PEDRO IV
Nas bancas
Listas de espera: Excelente texto de Laurentino
Gomes, na linha dos seus li-
histórias da crueldade vros sobre a História do Brasil.
Obrigada por este privilégio.

O
– Ana Conceição Almada
cancro é como um incêndio. Se for apaga-
do no início, resolve-se bem. Senão, pode PEDRO MARQUES LOPES
ser uma sentença”, vai dizendo José Vitória, Obrigada por um texto bem
56 anos, um empresário de móveis da zona em sintonia com o que penso
de Constância, Santarém. Em setembro de 2020, tinha sobre o conflito que se eter-
feito um exame ao intestino. Disseram-lhe que se não niza. A Ucrânia deve resistir
lhe telefonassem era porque estava tudo bem. Mas não até ao fim, e a Europa deve
COMBOIOS
estava. Porém, o seu exame ficou perdido nos meandros continuar a ajudar.
O regresso das
de um hospital concentrado na nova pandemia, e José grandes viagens
– Danielle Foucaut Dinis
viria a receber o telefonema um ano e dois meses depois.
Quando fez o exame, tinha um tumor na fase inicial, Correção
grau um numa escala que vai até quatro. Quando come- Na edição 1538, no artigo
çou a ser tratado, já ia no grau três. “Angola, à espera de um novo
Na altura em que o exame de José Vitória andava perdi- poder”, identificou-se inde-
do nas gavetas do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, o Ser- vidamente Alexandra Simeão
viço Nacional de Saúde era o nosso grande herói. Compra- como “ex-vice-ministra do
governo do MPLA”. Trata-se de
vam-se ventiladores e montavam-se tendas nos pátios dos
uma personalidade indepen-
hospitais, para garantir que nenhum doente com Covid-19
dente que nunca foi militante
morria à porta. Estávamos tão assustados que tudo o resto desse partido, tendo desempe-
desapareceu. Logo a seguir, e como que por magia, os res- nhado as funções descritas no
ponsáveis da Saúde e do Governo apressaram-se a garantir Governo de Unidade e Recon-
que, em pouquíssimos meses, tinham resolvido tudo o que MOBILIDADE
ciliação Nacional (1997-2008),
ficara para trás: consultas suspensas, cirurgias adiadas... A revolução
em representação do extinto
Em entrevista à VISÃO, a presidente da Entidade Regula- dos carros elétricos
Partido Liberal Democrático.
dora da Saúde admite que os dados conhecidos nos regis-
tos dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos estarão --------
manipulados e não permitem uma fiscalização eficaz. Contactos
Neste trabalho da jornalista Rita Rato Nunes, analisá- visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
mos o volume de consultas e cirurgias em atraso, para lá de 60 palavras e conter nome,
dos tempos definidos por lei, e concluímos que 23% dos morada e telefone. A revista
inscritos em primeiras consultas não foram atendidos na reserva-se o direito
janela temporal adequada, tendo-se verificado o mesmo de selecionar os trechos que
em 25% dos candidatos a cirurgias. Ou seja: no mínimo, considerar mais importantes.
um quarto dos utentes do SNS não recebeu resposta no Morada
tempo previsto. O resultado vê-se na triste taxa de morta- CORREIO: Rua da Fonte da
REGRESSO À ESCOLA
lidade – está a morrer muito mais gente do que o normal Truques para Caspolima – Quinta da Fonte,
e não é por Covid-19. O Serviço Nacional de Saúde está a escrever sem erros
Edifício Fernão Magalhães, 8,
rebentar pelas costuras, e protegê-lo não significa escon- 2770-190 Paço de Arcos
der as suas grandes falhas. visao@visao.pt

4 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

EXPOSIÇÃO
2022

SOUTH AMERICA_STORIES_IRINA WERNING_PULITZER CENTER

De 15 de setembro Parque dos Poetas,

a 16 de outubro Oeiras
De 15 a 30 de setembro – 9h às 23h Entrada do Templo da Poesia
De 1 a 16 de outubro – 10h às 20h Rua José de Azambuja Proença
Alameda dos Poetas

www.worldpressphoto.org
#wppoeiras2022

STRATEGIC PARTNERS
AUTOBIOGRAFIA
Espécies invasoras
NÃO AUTORIZADA
Dulce
U
Maria m terreno em estado
Cardoso selvagem, duas casas, uma
maior e outra pequena,
velhíssimas. Trouxe comigo
o Vicente, que estranhou
o teto em bico da casinha. Deitados na
laje de cimento, esperamos cá fora pelo
sr. Manuel. Olhamos o céu. Achas que
o céu é como o teto da casinha, como o
do teu quarto ou como o daquela igreja
que vimos ontem?, pergunto ao Vicente,
simulando com as mãos um ângulo, um
plano e uma abóbada. Ele franze a cara
— Escritora como se a pergunta fosse disparatada.
Trapalhonamente responde, Méiu quato.
Que bom deve ser o mundo existir assim,
antes de nos terem contado coisas de mais.
* desdém, E a senhora meteu-se nisto? Tudo
Isto parece a Amazónia, atira o sr.
Manuel, olhando para os enormes
catos, iúcas, fetos que se emaranham
desalvorados no que há mais de meio
século terá sido um jardim em frente
da casa, Esta acácia tem de ser abatida,
sentencia impiedosamente, São espécies
invasoras, dão cabo de tudo, temos de
matá-la. Eu não sei como se mata uma
árvore. Espreito o Vicente adormecido na
enxerga que improvisei à sombra de um
pinheiro, e logo regresso ao sr. Manuel,
que esclarece, Não é com tiros ou serras
elétricas, primeiro raspa-se a casca e
dá-se-lhe com o produto, espera-se aí
uns 15 dias, quando ela começar a ficar
avermelhada, já se foi, só a cortamos
depois de morta. A minha aflição deve ter
sido notória, porque remata, Se não fizer
como lhe digo, as raízes ainda ganham
mais força e rebenta por todo o lado,
aqui está outra acácia, vê?, tem de seguir
Gosto de ouvir o mesmo destino. Essa é tão bonita,
os nossos lamento, olhando a imponente árvore de
folhas verde-azuladas pejada de bolinhas
passos sobre amarelas, Isso só é bom para as alergias,
o chão de atalha o sr. Manuel, Vocês, os da cidade,
veem graça em tudo, a senhora comprou
caruma, do esta propriedade?, é que as casas estão a
cheiro a aldeia, cair, a senhora vem morar para cá?
uma mistura Explico que as casas serão recuperadas,
mudar-me-ei depois. Não lhe levo a mal
de lareiras, a impaciência nem que me considere
hortas, mais uma tonta da cidade. Compreendo
que a minha ignorância em relação aos
pinhais, mato, assuntos rurais o mace. Avançamos pelo
capoeiras terreno. Gosto de ouvir os nossos passos
6 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
sobre o chão de caruma, do cheiro a aldeia,
uma mistura de lareiras, hortas, pinhais,
mato, capoeiras. Seguimos calados. O sr.
Manuel avalia rapidamente as árvores e os
arbustos que têm de ser limpos, podados,
arrancados. Fala de novo dos da cidade, dos
que não distinguem um carvalho de um
cedro, uma enxada de um sacho. Apesar
de tentar disfarçar, tem-nos em má conta,
Há estrangeiros que sabem lidar com a
terra, conhecem as árvores e esta vida cá da
gente, agora os nossos da cidade, quando
percebem o trabalho e a despesa que isto
dá, vão-se embora a correr. Olha-me de
soslaio, vigiando a minha reação, Este
carvalho está morto, aponta, Consegue
ver? Aceno que não com a cabeça, para seu
se aprende, respondo sem acrimónia, tudo
se aprende, sr. Manuel. Lá isso é verdade,
condescende ele.
É um homem pequeno, robusto como
o tronco do velho pinheiro-manso de
que fala agora, Que bela árvore!, tem de
ser limpa, está claro. Pergunto-lhe se tem
família nos Estados Unidos. Olha-me,
surpreendido, com receio de que eu tenha
poderes ocultos, Tenho, sim senhora,
responde a medo. Refiro o boné dos New
England Patriots que ele tem na cabeça.
Ah, ri-se, foi o meu neto que mo deu, é
a equipa dele lá, aqui é do Benfica, como
o avô, aquilo lá nem é futebol, chamam-
lhe assim. Ouço-o a remoer a falta que os
filhos e os netos lhe fazem, Fugiram disto
e fizeram muito bem, não quiseram ter as
mãos encardidas nem a espinha toda lixada
como a minha. Tento animá-lo, Um dia
voltam, vai ver. Ele sorri, incrédulo com a
minha ingenuidade. O Vicente continua a
dormir. É seu neto? Não, não tenho filhos.
O sr. Manuel fica desconcertado, mas logo
se repõe, Olhe, não quer plantar umas
aveleiras, uns pilriteiros, uns azevinhos
junto à sebe? Confesso que, uma vez tudo
recuperado, gostaria de ter uma horta
e que já tenho várias árvores de fruto
envasadas à espera de serem transferidas
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO
para ali, semeei caroços de abacate,
sementes de framboesa, de groselha, de
maracujá, rebentaram todos e já levam
um palmo. O sr. Manuel olha-me de alto
a baixo, estupefacto. Fixa-se nas minhas
mãos sem calos, E é a senhora que vai
cuidar da horta?
 Conto-lhe que descendo de lavradores.
Sei que é uma explicação patética, mas
continuo. Do que se sabe, e até à minha
mãe, não houve na família materna quem
não tivesse sido lavrador. E na família do
meu pai, quase a mesma coisa, à exceção
do tio Zé pedreiro que fazia estradas,
tanques, casas, pontes. Os meus pais
foram os primeiros a fugir às vindimas e à
apanha da azeitona, aos lagares e às eiras,
aos fardos de feno, aos recos e às vacas
leiteiras, os meus pais foram os primeiros
a fugir às mãos encardidas, à espinha toda
lixada. Educaram-me para eu não ter de
voltar às coisas da terra. No entanto, aqui
estou.
A senhora faz o quê, se não é
indiscrição? Hesito. Escrevo livros, sorrio
desajeitada. Livros de quê?, espanta-se ele.
A resposta sai-me ainda mais desajeitada
do que o sorriso. O sr. Manuel pega num
pequeno bloco de folhas quadriculadas.
Faz contas, Ora, seis acácias a abater, um
eucalipto... entrega-me o papelinho com o
orçamento. Se depois quiser que eu a ajude O sr. Manuel
na horta, diga, somos boa gente, aqui.
Quando o sr. Manuel se vai embora, olha-me de
sento-me na raiz do eucalipto que irá alto a baixo,
ser cortado. A neblina azula os pinheiros
que se empertigam, altos. Um galo canta
estupefacto.
violento e desfasado. Como pertencer Fixa-se nas
aqui? minhas mãos
*
O que achas que há do outro lado do sem calos,
céu, Vicente? Desta vez ele tem de pensar E é a senhora
mais. Pelo retrovisor, vejo-o sentado na
cadeirinha a olhar esforçado para o céu
que vai cuidar
que se encobre ao atravessarmos a serra, da horta?
O que achas que há? Ele abre os braços e
as mãos num gesto inconclusivo, Nada.
Talvez este pedacinho do universo
tenha sido esquecido ou abandonado pelos
deuses. Tenho a certeza de que, mais cedo
ou mais tarde, um deles redescobri-lo-á
e quererá resgatá-lo. Chegará com um
jardineiro que lhe explicará impaciente,
É uma espécie invasora, dá cabo de tudo.
visao@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 7
 E D I TO R I A L
O voo do Helicosta
S
uponhamos que, um dia, um heli-
cóptero sobrevoa uma comunida-
Mafalda de e atira notas, que, obviamente,
Anjos serão recolhidas pelas pessoas. Mais:
suponhamos que as pessoas estão
convencidas de que este é um evento único,
logo, que nunca se repetirá.” Começava assim
a proposta arrojada, apresentada pela pri-
meira vez em 1969, pelo prémio Nobel Milton
Friedman, que se vulgarizaria como “dinheiro
de helicóptero”. Uma medida apenas prescrita
em situações muito excecionais, quando des-
cer taxas não estimula uma atividade econó-
mica fraca num ambiente de baixa inflação.
Hoje, vivemos tempos distintos, em que
a economia ainda não cai, mas a inflação
dispara, tendo em conta uma situação exce-
— Diretora
cional ditada por uma guerra. Ainda assim,
o conceito subjacente às medidas para as
famílias do plano de resposta ao aumento
dos preços, apresentadas esta semana por
António Costa, é semelhante: “atirar” dinhei-
ro às pessoas para compensar parte da perda
de poder de compra, injetando liquidez e
evitando assim um maior impacto futuro ao
nível do crescimento económico.
Com a inflação portuguesa nos 7,4% em
setembro, e genericamente a subir por toda a
Europa, algo inédito em várias décadas, não
há soluções ótimas nem fórmulas mágicas –
todos estão a tatear e a tentar descobrir qual
o melhor caminho. Em qualquer dos casos,
os riscos são evidentes: nada fazer leva a uma
Depois de ter pressão sobre famílias e empresas, que deter-
sido um dos minará um forte abrandamento económico
adiante, mas dar dinheiro a mais aos agentes
executivos mais económicos pode surtir o efeito indesejável
conservadores de agudizar ainda mais a inflação. O segredo é
no apoio tentar alcançar um singelo equilíbrio que per-
mita compensar, pelo menos, uma parte das
à economia perdas sem insuflar a tendência inflacionista.
durante Tudo isto sem descompensar o frágil equilí-
brio orçamental, que é necessário manter.
a pandemia Depois de ter sido um dos executivos mais
e de ter sido conservadores no apoio à economia durante
pouco generoso a pandemia e de ter sido pouco generoso nos
apoios concedidos, até agora, para compensar
nos apoios os efeitos da guerra e na definição de aumen-
concedidos até tos salariais para a Função Pública (mantendo
para este ano, que se adivinhava difícil, o au-
agora, o Governo mento de 0,9%), o Governo português parece
português ter percebido que chegou a hora de ser mais
parece ter interventivo e adotar políticas expansionistas.
Ajudou o facto de ter reunido condições para
percebido que isso: a receita fiscal aumentou 29,7% em com-
chegou a hora paração com junho de 2021, mais cerca de 5,3
mil milhões de euros, e a execução orçamen-
de ser mais tal registou um excedente de 1 113 milhões
interventivo de euros no primeiro semestre de 2022, uma
8 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
melhoria de quase 8,5 mil milhões de euros
face ao mesmo período do ano passado.
Pressionado por um arranque de governo
politicamente difícil, com crises, polémicas e
até demissões de ministros, e com as medidas
possíveis a serem desfiadas nos média há um
mês, e pacotes de emergência apresentados
pela oposição, António Costa tinha um proble-
ma de gestão de expectativas entre mãos. Para
que as medidas apresentadas não soubessem
a pouco, era preciso ir mais longe. Apresentou
um pacote mais robusto do que se antecipava
(ascende a 2,4 mil milhões de euros e abrange
uma fatia considerável da classe média), e mais
carnudo e abrangente do que o do PSD (1,5 mil
milhões de euros).
Os dois pacotes de apoios apresentados
até agora valem 4 082 milhões de euros, o
que corresponde a cerca de 1,63% do PIB no
ano passado. Mas ainda faltam as medidas
de apoio às empresas, que serão anunciadas
para a semana. Na Alemanha, o total dos três
pacotes de apoios ascende a cerca de 100
mil milhões de euros, o que equivale a 2,35%
do PIB em 2021. Em Espanha, as medidas
anti-inflação chegam aos 30 mil milhões de
euros, ou 2,1% do PIB.
As críticas da oposição foram de quatro ti-
pos: vem tarde (e, de facto, este segundo plano
poderia ter vindo mais cedo, como aconte-
ceu noutros países europeus, mas é preciso
não esquecer que já havia apoios excecionais
e mecanismo de compensação dos preços
dos combustíveis, que atingem 1,6 milhões
de euros), não há uma distribuição justa dos
recursos, não chega e vem com truques.
As dúvidas são relevantes e residem sobre-
tudo no IVA sobre a eletricidade, que desce
para 6%, mas apenas na parcela da fatura dos
consumos mais baixos que corresponde aos
16%, e nos pensionistas, relativamente ao que
acontecerá no ano de 2024. O primeiro-mi-
nistro disse que o efeito da inflação fica anu-
lado com a entrega de meia pensão em outu-
bro e os aumentos na casa dos 4% anunciados
para 2023, mas os pensionistas poderão vir a
ser penalizados no ano seguinte se a taxa de
atualização incidir sobre este valor mais baixo
e não sobre o valor real da inflação. Tudo
depende do que, no final de 2023, o executivo
decidir fazer, e, sendo os pensionistas uma
fatia importante do eleitorado socialista, é
improvável que Costa os queira desagradar.
Se chegará, eis a questão. É quase certo
que não. O que temos é um penso rápido para
um golpe que não sabemos como evolui-
rá e quanto tempo demorará a sarar. Vai ser
preciso ajustar os curativos e ir mudando de
pensos até que a ferida sare. manjos@visao.pt
 ISTA R
REV EC

a visão

O
ME
NDADA
dos
mais novos
Tal como os adultos, os miúdos também gostam
de estar bem informados. É para isso que existe a
Visão Júnior. Durante as férias de verão, ofereça
a melhor leitura aos mais novos, uma forma leve
Campanha válida até 31/12/2022, na versão impressa ou digital, salvo erro de digitação. Os preços da versão impressa são válidos apenas para Portugal.

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Bruno Batista Consultor de comunicação

Concordo que as grandes

tecnológicas são, hoje, tão
nefastas como foram as
indústrias do tabaco ou do
petróleo. Não são nocivas para
a saúde, mas a saúde mental
também é importante
— P O R CL AR A T E I X E I R A T E X TO E LU Í S BARR A FOTO
 B
Bruno Batista acaba de reforçar o seu
grupo na área da comunicação e pu-
blicidade com a aquisição, por cerca
de 1,5 milhões de euros, da agência
de comunicação Media Consulting
e da produtora Sonomage. As novas
marcas juntam-se às empresas que já
controlava: a agência de comunica-
ção GCI, a produtora de eventos e de
ativação de marcas WMK, a empresa
de sustentabilidade e marketing am-
biental SSI e a produtora de eventos
digitais Virtual Arena. Atualmen-
te, está a estudar a compra de uma
agência de influenciadores digitais,
para aumentar a sua margem num
negócio que cresce três dígitos por
ano. Mas a ambição maior do gestor,
que também é colunista da VISÃO
online, é produzir uma série de fic-
ção para colocar numa plataforma de
streaming, num prazo de cinco anos.
Na sua coluna na VISÃO onli-
ne, identifica-se como um idea
maker. O que é isso?
Considero-me um industrial. É uma
coisa que saiu de moda porque todos
querem ser empreendedores e, em
alguns casos, empresários, embora o
povo não goste dos empresários por
uma questão social e cultural. Tra-
balho há 15 anos na indústria criativa
e sou um idea maker porque tento
chegar ao fim do dia com, pelo me-
nos, uma ideia em cima da mesa. O
meu produto são as ideias, mas não
valem nada se não faturarmos com
elas. Por isso, materializam-se em
campanhas para marcas, em publi-
cidade, em spots, em logótipos, em
eventos.
Como enquadra as aquisições da
Media Consulting e da produtora
Sonomage nessa lógica industrial?
Dentro do grupo, gastávamos muito
dinheiro na produção de audiovi-
suais. A pandemia tornou a comu-
nicação mais digital, e o conteúdo
de entretenimento para as marcas
tem vindo a crescer. Já não é só o
spot típico de 30 segundos para
televisão, que até tem perdido re-
levância. Deste ponto de vista, faz
sentido ter uma produtora. Como
industrial das ideias, também estou
atento às alterações nos conteúdos
para o streaming. Este é um mo-
mento de definição. A Netflix perdeu
assinantes e está a rever o modelo
de negócio. Acredito que o novo
modelo vai ser parecido com o do
streaming de música, ou seja, com
o modelo gratuito do Spotify, sem
assinatura, em que o autor da mú-
sica é pago conforme o número de
audições. Os artistas já não querem
saber das editoras porque produzem
a sua música, colocam-na nos dois
grandes distribuidores mundiais e
recebem o que negociaram com a
plataforma. Poderá não ser a Netflix
a construir esse modelo, gratuito
ou mesmo misto – de pay per view,
em que o conteúdo é pago à peça
–, porque não quer perder a sua
base de assinantes, mas poderá ser
outro a fazê-lo. Se chegarmos a esse
modelo de negócio no vídeo, o facto
de ter uma produtora permite-me
criar conteúdos de entretenimento, e
até de ficção, e distribuí-los global-
mente. Imagine que crio, de forma
independente, uma coisa à la Casa
de Papel [série espanhola] e que a
coloco na Netflix por minha conta e
risco. Se o conteúdo for bom, con-
sigo ter receitas com essa produção.
Vejo aqui duas formas de fazer ne-
gócio, tendo uma produtora e tendo
acessos às marcas.
Tem dinheiro e know-how para
entrar no entretenimento e na fic-
ção, ou precisa de sócios?
Não tenho sócios e não gostaria de
os ir buscar, nem sequer para novas
áreas. Sempre que precisei de di-
nheiro, tive um aliado, que é a banca.
Esta operação [da Media Consulting
e da Sonomage] foi feita em meta-
de com capital próprio e em metade
com a banca. Quanto ao know-how,
está nas pessoas. Posso ir ao mercado
procurar guionistas, ou realizadores.
Em Portugal, temos casos, na política
e na banca, que parecem pura ficção
e podem servir de inspiração para
séries internacionais. Temos um pri-
meiro-ministro preso à saída de um
avião! Já produzimos publicidade,
mas gostava de entrar no entreteni-
mento e na ficção, para aproveitar
um novo modelo de distribuição de
conteúdos com escala global. É bom
ter ambições. No prazo de cinco
anos, tenho a ambição de ter uma
série de ficção para colocar numa
plataforma de streaming.
Quanto pode custar uma série de
dez episódios em Portugal?
Um ou dois milhões de euros, se for
produzida como deve ser. Depen-
de muito do casting, e também do
guião. Se vamos falar da sociedade
portuguesa, terei sempre de traba-
lhar com portugueses, mas a forma
como se faz suspense e se desdobra
um guião, para manter o espectador
agarrado à série, exige um bom guio-
nista estrangeiro.
Vai comprar mais empresas?
Costumo dizer que acordo sempre
em branco e, ao longo do dia, vou
ganhando conhecimentos. Mas, sim,
há áreas em que gostava de entrar.
Quais?
A comunicação social. Por deforma-
ção, sou jornalista. Comecei na rádio,
com 13 anos, e estudei jornalismo.
Há atividades com retorno maior,
e mais rápido, do que os média.
Parece não existir um modelo de
negócio vencedor…
Temos de fazer aquilo de que gos-
tamos, e eu gosto muito dessa área.
A rádio não é um negócio assim tão
mau. Ainda agora se fez uma grande
operação [venda das rádios da Media
Capital à alemã Bauer]. Há duas fai-
xas com rentabilidades interessan-
tes: a rádio e os jornais na internet.
No âmbito da estratégia de aquisi-
ções para o grupo, estamos a olhar
para o negócio dos influenciadores,
que está hoje como o das agências
de modelos no início dos anos 90.
Já existem duas ou três empresas
no País que representam figuras da
internet.
Como ganha dinheiro com uma
agência de influenciadores?
Há duas formas de utilizar os in-
fluenciadores. Há uns que são o
meio, trabalham para si próprios,
usam o Instagram, os blogues e
as páginas de internet para expor
produtos. Eu envio-lhes o produ-
to e espero que eles comuniquem
e digam se gostam ou não. Fica à
responsabilidade deles, tal como
acontecia com os opinion makers.
Mas existe outra forma, em que os
influenciadores são pagos como as
figuras publicitárias para dar a cara
por um produto. Há um compro-
misso de fazer xis posts ou xis
stories, e a mensagem é controlada
por nós, que representamos a marca
e pagamos pelo serviço. Depois,
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 11
cobramos à marca e ficamos com
uma comissão, que é o custo do ser-
viço. Mas há também o negócio de
representar os influenciadores, em
que a agência fica, em média, com
25% a 30% da faturação. Se eu, que
tenho as marcas, tiver também uma
agência de influenciadores, aumento
a minha margem. É aqui que está o
negócio. O que fiz com a operação
da produtora faz sentido com uma
agência de influenciadores. Existem
duas ou três empresas, já falei com
algumas e estou a negociar.
E como se mede a eficácia dos in-
fluenciadores numa campanha?
Os influenciadores instalam um
software para medir a visualização
do post e os cliques na loja da marca.
Pelo rasto dos clientes, sabemos
quantos se traduziram em compras
efetivas. Podemos até perceber por-
que é que a compra não foi concluí-
da e o que fez o cliente voltar para
trás. Hoje, temos ferramentas que
permitem estudar a eficácia de uma
campanha no digital. Há algoritmos
que captam palavras das nossas con-
versas, que leem os nossos hábitos,
os restaurantes que frequentamos,
as rotas que fazemos a caminho do
trabalho…
O negócio dos influenciadores vale
quanto, anualmente?
Não tenho números porque não é
medido. Mas é um dos que mais
cresceram no último ano. O negócio
com clientes que querem campanhas
com influenciadores está a cres-
cer três dígitos ao ano. Nos últimos
meses, tive marcas que pagaram 50
mil e 60 mil euros a um influencia-
dor, por uma campanha. A plata-
forma ideal é o Instagram, mas o
TikTok tem tido números interes-
santes, junto de um público jovem e
muito permeável à influência, porque
nasceram nesta geração dos nativos
digitais.
Concorda que as grandes empresas
tecnológicas são, hoje, tão nefastas
como foram as indústrias do taba-
co ou do petróleo?
Completamente de acordo. Não são
nocivas para a saúde, mas a saú-
de mental também é importante.
As fake news são o grande proble-
ma, pela forma como influenciam e
manipulam. O Obama foi o primeiro
líder político a usar as redes sociais,
e toda a gente achou um golpe de
génio, mas depois tivemos o reverso
da medalha, com o Trump. Temos de
12 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Temos casos,
na política
e na banca,
que parecem
pura ficção e
podem servir
de inspiração
para séries
internacionais.
Temos um
primeiro-
-ministro
preso à saída
de um avião!
respeitar a vontade das massas, mas
hoje é muito fácil manipulá-las.
Também faz marketing político.
Para quem?
Já fiz para partidos de esquerda e de
direita. Gosto muito de política, mas
dificilmente seria capaz de trabalhar
com partidos dos extremos, como
o Chega, o Bloco de Esquerda ou o
PCP. Nas autárquicas e nas legislati-
vas, trabalhámos com os partidos do
centro: o PSD, o PS e o CDS.
Foi cabeça de lista do CDS por
Portalegre nas últimas legislativas.
Como foi estar do outro lado?
Fui como independente, no meu dis-
trito de origem. Sou moderado, mas
obviamente tenho afinidades com o
centro-direita. Não me revejo em to-
das as políticas do CDS, mas também
não me revejo em todas as do PS.
Um partido é uma marca?
Sim. Sem dúvida.
A marca CDS tem futuro?
Com certeza. Fui candidato por uma
questão de amizade com o líder
[Francisco Rodrigues dos Santos],
que já não é líder, mas continua a ser
meu amigo. O CDS foi vítima de uma
estratégia errada e de um momento
político que o deixou sem espaço. O
erro foi tentar fazer do CDS um par-
tido de massas, abrindo espaço para
a Iniciativa Liberal (IL), que nasceu
praticamente dentro do CDS. A IL
vai fazer a vida difícil ao CDS por-
que tem quadros experientes e tem
mensagem política, algo que não vejo
no Chega. O Chega é uma mistura de
revoltados de todos os partidos, um
agregador de descontentamento em
linha com o resto da Europa. Mas o
CDS faz falta à democracia portu-
guesa. É um partido de direita, sim,
mas com uma consciência social.
Qual é o papel de um consultor de
marketing na definição da estraté-
gia de um partido?
Há uma figura pouco utilizada em
Portugal, que é a figura do spin
doctor. Todos reconhecemos o Luís
Paixão Martins (LPM) como um spin
doctor, depois do mediatismo e dos
resultados que teve nas últimas elei-
ções. Digo-o com toda a admiração
pelo LPM. Há outros, com resultados
não tão bons nos últimos tempos,
como o João Tocha [que fez a cam-
panha do PSD de Rui Rio]. E também
o Cunha Vaz.
Não é irónico que o spin doctor
de referência seja alguém que está
reformado?
Isso é para se fazer mais caro [risos].
Um spin doctor é fundamental na
definição da mensagem política. Um
partido, tal como uma marca, tem de
criar propostas para mudar o país,
assim como uma empresa tem de se
focar no seu produto. O resto deve
ser feito pelos profissionais. Não va-
mos alterar o produto; vamos apenas
comunicá-lo do modo mais eficaz,
para o converter em votos.
A comunicação do governo ucra-
niano está a ser feita por uma em-
presa norte-americana de relações
públicas. Zelensky é um político
deste tempo?
Coincidência, não é? [Risos] Neste
tempo, não é preciso ser – é preci-
so parecer. Zelensky e a mulher são
profissionais da comunicação. Desde
o início da guerra, teve três ou quatro
momentos excelentes do ponto de
vista da comunicação. “Eu não pre-
ciso de boleia, preciso é de armas”
é uma frase que ficará na História,
mas, como tudo o que é demais, aca-
ba por cansar ou deixar de fazer sen-
tido. A produção [fotográfica] para a
revista Vogue, e depois para a Mag-
num, não faz sentido nenhum. Ele
foi uma lufada de ar fresco, é jovem,
é bonito, tem uma mulher linda de
morrer e está contra Putin. Continua
a inspirar-me, é corajoso, mas come-
teu erros. A História vai mostrar que
exagerou. csteixeira@visao.pt
Reforço da digitalização com
novos equipamentos nas
principais ruas, aeroportos,
centros comerciais e áreas de
serviço do país.
 RR A DA R
7
Nadar contra o fatalismo
Nas grandes competições de natação, os
resultados finais têm uma correspondência
quase matemática com os tempos de qua-
lificação de cada atleta. Nas piscinas, salvo
PONTOS qualquer percalço inesperado, é impossível os
DA SEMANA últimos do ranking ganharem aos primeiros.
E, para os conhecedores na matéria, mesmo
as surpresas nunca são... grandes surpresas.
Os atletas que se apresentam à partida com os
melhores tempos são os que, invariavelmen-
te, chegam às finais e disputam as medalhas.
Quem parte para uma grande competição
com cronómetros a meio da tabela na lista
de participantes, mesmo quando a diferença
se mede em frações de segundo, pouco mais
pode aspirar do que a uma subida de alguns
lugares, mas nunca a virar a lista ao contrário,
como acontece, por vezes, noutros desportos
em que o underdog tem alguma possibilidade
de ganhar – nem que seja uma vez em dez
– ao favorito.
R U I TAVA R E S
GUEDES*
Foi esta realidade que, ao longo dos anos,
contribuiu para que a participação dos nada-
dores portugueses nas maiores competições
internacionais fosse tantas vezes acompanha-
da de uma espécie de desilusão, associada ao
fatalismo inerente a um país com evidente
falta de cultura desportiva. Só uma vez, em
quase um século de participações olímpicas,
um português conseguiu chegar a uma final
olímpica – Alexandre Yokochi, em 1984, nuns
jogos marcados pela ausência dos países
do Leste europeu. De resto, os resultados
dos nossos melhores nadadores são, quase
sempre, o reflexo da fragilidade do desporto
português, mesmo quando comparado com
o de outros países do nosso nível econó-
mico, demográfico e de desenvolvimento
social. Nas piscinas, até agora, aquilo a que
nos habituámos foi sempre o mesmo: ver os
outros a ganhar medalhas, connosco a con-
formarmo-nos com a impossibilidade de o
fazer, incapazes de contrariar essa fatalidade.
*Diretor-executivo Algo, no entanto, começou a mudar. De forma
rguedes@visao.pt lenta, primeiro – com presenças nas meias-
-finais nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e de
14 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
ERNESTO BENAVIDES/GETTYIMAGES
Tóquio 2021. E mais acelerada nos últimos
meses, com a conquista de duas medalhas
nos Europeus, bem como a presença em
nove finais, a que se seguiu agora a prestação
superlativa do jovem Diogo Ribeiro, com três
medalhas de ouro nos Mundiais de Juniores
e, mais importante, o recorde do mundo nos
50 metros mariposa, no seu escalão.
Num país habituado ao fatalismo, o mais fácil
é explicar esta reviravolta como um milagre
ou fruto do acaso, por via do aparecimento de
um talento excecional. Ninguém tem dúvidas
de que Diogo Ribeiro é mesmo um talento
excecional, mas ainda é mais verdade que o
País só conhece agora o seu nome – e muito
bem! – porque esse seu talento foi devida-
mente identificado, treinado e potenciado. E
isso não é um milagre, mas sim fruto de um
trabalho que, ao longo dos tempos, pode ter
tido alguns percalços e erros, mas que nun-
ca deixou de ser consistente. Esse trabalho
foi descrito pela primeira vez em 2014, no
Plano Estratégico elaborado pela Federação
Portuguesa de Natação, com vista a que estes
resultados pudessem começar a aparecer no
espaço de uma década. Passou por um esforço
para captar mais praticantes, desenvolver as
condições de competição e, no caso do alto
rendimento, a criação de condições super-
lativas para aproveitar os melhores talentos.
Para essa última tarefa, a federação tomou
uma decisão arriscada, disruptora, mas que
em pouco tempo se revelou absolutamente
acertada: rompeu com o statu quo existente,
mudou o “paradigma” e foi buscar o treinador
e a equipa técnica que lideraram a seleção
brasileira em cinco Jogos Olímpicos, com
resultados reconhecidos a nível mundial. Ou
seja: acrescentou conhecimento, experiência
e método ao talento. O recorde do mundo
de Diogo Ribeiro demonstra que, afinal, não
temos de viver reféns do fatalismo, ainda
tão impregnado em Portugal. Ou, como diz
o jovem navegador, “o corpo faz aquilo que
a mente acredita”. Assim acreditemos, no
resto, como ele.
 45
NÚMERO
anos de prisão a que foi condenada uma mulher saudita
saudi
ião nas redes sociais
por exprimir a sua opinião
Pela segunda vez em poucas semanas, uma mulher foi condenada na n Arábia Saudita por
ando as redes sociais”. Anteriormente, a ativista dos direitos das
“perturbar a ordem pública usando
ha sido condenada a 34 anos de prisão
mulheres Salma al-Shehab tinha prisã por causa dos seus tweets.

ESPANHA CHILE

Há comboios grátis Confusão

Uma das medidas mais emblemáticas para lutar contra
constitucional
a inflação e, em simultâneo, combater as alterações Por ampla maioria, os eleitores
climáticas, entrou em vigor a 1 de setembro em Espanha: chilenos rejeitaram a proposta
os comboios de curta e média distância (até um percurso de uma nova Constituição,
máximo de 300 quilómetros) da RENFE passaram a ser repleta de direitos sociais e
grátis em todo o país, até ao final do ano. Os restantes que se apresentava como
transportes públicos passaram a ter um desconto de uma das mais vanguardistas
30% a 50%, com grande adesão por parte dos utentes do mundo em termos de
– só no primeiro dia, em Madrid, mais de 100 mil pessoas igualdade de género e de
usaram o novo serviço gratuito. Esta iniciativa espanhola proteção do meio ambiente.
vem no seguimento de uma outra semelhante adotada Assim, continuará em vigor
pela Alemanha, que disponibilizou um passe mensal para o texto, com forte pendor
toda a rede de ferrovia por um custo de apenas nove neoliberal, herdado dos
euros, também com grande aceitação popular. tempos da ditadura de
Augusto Pinochet. A vitória do
FRASE
“não” constitui um duro golpe

“Este
para o Presidente de esquerda
Gabriel Boric, há apenas seis
meses no poder.

pacote
de medidas
não chegou
tarde,
chegou
GETTYIMAGES

REINO UNIDO

Boris, a sequela
GUERRA
na altura
em que eu
Com a indigitação de
Liz Truss, chegou ao fim,
Putin fecha o gás oficialmente, a temporada de

A Rússia cumpriu finalmente a ameaça que tem brandido disse que Boris Johnson como chefe do
governo britânico – toda ela
há várias semanas e, de forma dramática, anunciou o
corte completo do gás à Europa. E fez saber que só
há uma forma de fazer reverter a sua decisão: no dia a
chegava” repleta de momentos fortes,
dramáticos e, por vezes,
divertidos. No entanto, uma
seguir à União Europeia levantar as sanções impostas à ANTÓNIO COSTA segunda temporada pode
Rússia, por causa da invasão da Ucrânia. A decisão surge ao apresentar as estar nos planos. Para já,
depois de Moscovo ter feito parar o abastecimento de medidas de apoio Boris anunciou que vai passar
gás, alegadamente devido a problemas técnicos ou a às famílias, no combate os próximos meses a escrever
obras de manutenção no gasoduto. Agora, Putin decidiu à inflação, recusando as memórias dos tempos em
que elas deviam ter
elevar a parada, em vésperas da decisiva reunião de que esteve “hospedado” no
chegado mais cedo
ministros europeus da Energia… e quando ainda não se n.º 10 de Downing Street. Isto,
sabe se a Europa tem gás suficiente para aguentar todo enquanto se vai manter como
o inverno. A chantagem russa será também mais um deputado… a pensar num
impulso à escalada inflacionista. regresso à liderança do país.

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 15

R ---------- H O LO FOT E

Diogo Ribeiro
Novo herói nacional
Triunfo “Segunda
em Lima É o primeiro vida”
Já tinha dado nas do “reguila”
vistas, em meados português
de agosto, ao a conquistar Um dos aspetos
conquistar uma que mais impres-
medalha de medalhas de ouro sionaram nas
bronze nos 50
Nas piscinas numa competição Entregue
recentes conquis-
metros mariposa tas de Diogo foi
no Campeonato desde bebé internacional a Albertinho o facto de elas
da Europa de Diogo começou de natação. A partir dessa acontecerem
Natação de a frequentar altura, Diogo depois de, em
Roma, feito as piscinas por Logo três de uma só passou a integrar julho de 2021, ter
partilhado com influência da irmã. vez! Feito histórico o Projeto Olímpico sofrido um grave
Gabriel Lopes, Ao perceber-lhe Paris 2024 e a ser acidente de moto
igualmente bronze o gosto pela água, realizado no uma das grandes que o obrigou a
nos 200 metros a mãe decidiu Campeonato apostas. Nesse parar quatro me-
estilos. Antes inscrevê-lo na âmbito, treina sob ses. Sofreu lesões
deles, apenas natação, com do Mundo de Juniores, a orientação do no peito, num
dois portugueses apenas 4 anos, ao qual juntou diretor técnico na- pé, deslocou um
o tinham depois de perder cional, o brasileiro ombro, queimou
conseguido: o pai – a estrela um recorde mundial Alberto Silva, mais a perna e perdeu
Alexandre Yokochi, de David que conhecido por parte do indicador
— POR MANUEL BARROS
em 1985, e Alexis leva tatuada no Albertinho, que, direito (entretanto
MOURA
Santos, em 2016. ombro direito é no passado, traba- reconstruído). Para
Mas Diogo Ribeiro, em sua honra. lhou na formação muitos, teria sido
com apenas Aos 8, Diogoo já de César Cielo
Ci o fim da carreira
17 anos, queria participava em e Thiago PePereira, desportiva. Para
mais e tinha os provas regionais
onais medalhados
dois medalh Diogo, porém, foi
olhos postos no de cadetes,, em olímpicos pe pelo “uma lição”. “Ga-
Campeonato Coimbra. Aosos 12, Brasil. Com um nhei uma segunda
do Mundo de alcançou o seu plano de tretreinos vida, força mental
Juniores, que primeiro pódio
ódio hiper-rigoroso,
hiper-rigoro e responsabilida-
decorreu na ao serviço do que iinclui, de”, disse numa
capital do Peru, Clube Náutico
ico além de entrevista ao
entre 30 de Académico,, mas horas
ho MaisFutebol, na
agosto e 4 de foi no União
o de infinitas
in qual admitiu que,
setembro. O Coimbra queue dentro
d antes, “fazia muita
resultado foi começou a de água,
á porcaria e achava
absolutamente habituar-see às trabalho
traba que era indestru-
brilhante: o medalhas e a biomédi-
bioméd tível”. André Vaz,
nadador do bater recordes.
des. co, de ginásio,
giná que o treinou em
Benfica saiu de Tais foram os técnicas de Coimbra, entre os
Lima com três resultados viragem
partida, vira 11 e os 16 anos,
medalhas de ouro, que, em 2021,
21, e chegada, Diogo concorda. Em de-
nos 50 metros ingressou no aponta alto: ao clarações ao Pú-
livres e nos 100 Benfica e passou
assou pódio olímpico.
olímp E, blico, lembra que
e nos 50 metros a fazer parte
te do perante os resul-
r Diogo “sempre foi
mariposa, tendo Centro de Alto tados recentes,
recen o reguila” e que teve
nesta última prova Rendimento o do que antes p poderia de o “disciplinar”.
estabelecido um Jamor. não passar d de um Mas garante que
novo recorde sonho pode muito estamos perante
mundial no seu bem vir a serse uma alguém especial:
escalão, com a realidade. “Um atleta como,
marca de 23,69 se calhar, Portugal
segundos. nunca teve.”

16 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

R ---------- R A I O -X

Nuclear, sim ou não?

Numa Europa a várias velocidades, muitos defendem ser esta a melhor
via para fazer face à crise energética e evitar os combustíveis fósseis
— POR MANUEL BARROS MOURA

A 1 de agosto de 2022, estavam a operar na Europa 171 reatores nucleares, com uma capacidade de produção
elétrica líquida instalada de 154 136 megawatts elétricos (MWe). Seis destas unidades encontram-se na parte
asiática da Rússia. Na mesma altura, estavam em construção, em seis países, mais 12 reatores com uma capacidade
de produção elétrica líquida de 12 709 MWe. Em termos de eletricidade gerada globalmente por energia nuclear
em 2021, a França ocupou a primeira posição, com 69%. No segundo lugar estava a Rússia, seguida da Ucrânia.
Depois da invasão, este país deverá registar, em 2022, um acentuado decréscimo de produção, quando mais
não seja devido à ocupação da central de Zaporíjia, a maior da Europa e uma das dez maiores do mundo

N.º de reatores N.º de reatores

a operar em construção
Fra

Finlândia
nç

5
a

CAPACIDADE
DE PRODUÇÃO Reino Unido Rússia
DE ELETRICIDADE 9 38
Suécia
NAS CENTRAIS
2 6 4
NUCLEARES Holanda
ATUAIS E FUTURAS 1
Produção em MWe* Bélgica
7
Bielorrússia
Total Alemanha 1 1
3 Eslováquia
154 136 12 709
MWe MWe Rep. 4 Ucrânia
Checa
2 15
6
França 2
56 Hungria
Rú

1 4
ssi

Roménia
a

Suíça 2
4 Eslovénia Bulgária
Espanha 1
2
7
Uc
rân
ia

Re
ino
Un
ido
Esp

Su
an

Bé
éc
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Re
Fin

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Ro

rús

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lgá
íça

uia
ng

mé

Ho
sia

ov
ria

ria

lan
n

én
ia

da
ia

61 370 28 578 13 107 7 121 6 882 5 942 5 883 4 394 4 005 3 934 2 960 2 006 1 916 1 868 1 300 1 110 688 482
1 630 3 759 2 070 3 260 880 1 100
* Megawatts elétricos
FONTE European Nuclear Society MT/VISÃO

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 17

POLITICAMENTE
CORRETO
Marta Temido e as linhas
vermelhas de Costa
Pedro
Marques
1.
Marta Temido terá uma entrada relevan-
Lopes te na História por ter sido quem dirigiu
um Serviço Nacional de Saúde (SNS)
que funcionou bem durante a pandemia e
por ser a última responsável por um processo
de vacinação que correu de forma exemplar.
Provavelmente, outro qualquer que estivesse
no cargo teria o mesmo sucesso, mas foi ela
quem estava naquele momento no comando.
No restante, em termos gerais e com decisões
mais erradas ou mais certas, a futura ex-ministra
da Saúde é apenas mais uma na lista de bodes
expiatórios. Mais uma a esconder a incapacidade
— Analista político
dos principais responsáveis políticos – e destes
destaca-se o primeiro-ministro, que repete que
com ele continuará tudo igual em assumir o que
é evidente: os problemas do atual sistema de
saúde pública são irresolúveis. Ou seja: o SNS,
pura e simplesmente, não pode funcionar de
modo minimamente razoável enquanto não for
repensado nos seus fundamentos mais básicos
e na sua forma de atuar.
Não me atrevo a fazer juízos sobre a gestão do
SNS, tenho apenas ideias básicas sobre o funcio-
namento de serviços que se poderiam encaixar
na área da Saúde ou não. Maior descentralização
nas decisões, mais acesso a profissões essenciais
para a atividade, menos redundâncias e os de-
mais et cetera que são, na esmagadora maioria,
de senso comum.
Também não sei se a colaboração com
privados seria benéfica ou não para que mais
pessoas tivessem melhores e mais atempados
serviços de saúde, apenas desconfio de que
sim, sendo que poderia dizer o mesmo de ou-
tros setores do Estado (sou um dos que acham
as parcerias público-privadas em setores
como a Saúde, Obras Públicas, Educação uma
boa ideia). Como em todas as áreas de ativida-
de, as possibilidades de melhorias são várias.
Seguindo O que seguramente sei é que o erário público
o critério não consegue suportar sozinho um SNS ten-
dencialmente gratuito, quando cada vez temos
do primeiro- mais velhos, quando a esperança de vida subiu,
-ministro, quando os tratamentos e os meios de diagnós-
tico não só aumentaram em número como são
é fácil prever cada vez mais caros. Melhor: era possível que o
que, todos sistema continuasse a funcionar nos mesmos
os meses, moldes de que quando foi feito, mas para isso
teríamos de prescindir de outros bens públicos
podemos que julgamos essenciais e de direitos que temos
ter um novo como inalienáveis: educação, estradas, pensões,
subsídios de desemprego e vários apoios sociais.
ministro É a dura realidade.
da Saúde Não é de reforma nenhuma que se devia estar
18 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
a falar, mas, sim, de uma refundação, de toda
uma nova forma de garantir serviços de saúde
a todos os cidadãos. Mas, claro, inventaremos
remendos até que a explosão aconteça, buscare-
mos culpados circunstanciais para crimes con-
tinuados, apelaremos à razão quando, durante
este tempo todo, fomos irracionais.
Convém sempre lembrar que o SNS e a edu-
cação pública são, de longe, os maiores fatores
de promoção da igualdade de oportunidades e
de progressão social em Portugal, e se não fun-
cionarem é todo o regime que está em causa.
2.
Se a falta de uma refundação do SNS
é uma ameaça para a nossa demo-
cracia, o populismo não o é menos.
Por estranho que pareça, foi o próprio pri-
meiro-ministro a patrociná-lo na sequência
do pedido de demissão de Marta Temido.
“Percebo que alguém estabeleça como linha
vermelha a morte de pessoas em serviços que
estão sob a sua tutela”, disse António Costa.
Em primeiro lugar, é estranho que o mesmo
primeiro-ministro, que segurou Eduardo Cabri-
ta para além do imaginável, diga isto, mas, por
incrível que pareça, isso é o menos.
Ao dizê-lo numa situação em que, apesar da
tragédia, foram respeitados todos os protocolos,
o que Costa faz é legitimar todas as declarações
do género das do vice-presidente do PSD, Miguel
Pinto Luz (que disse que foi preciso alguém mor-
rer para que Marta Temido saísse). Costa deixa
assim ao critério de qualquer tabloide ou de
qualquer populista o traçar da “linha vermelha”.
No fundo, é o instituir do discurso das grávi-
das que davam à luz em ambulâncias no tempo
de Correia de Campos e que, mal ele se demitiu,
deixaram de o fazer.
No SNS morrem pessoas tanto por limitações
do sistema (que existirão sempre) como por erros
humanos. Atribuir responsabilidade direta ao
ministro é abrir uma caixa de Pandora que vai
muito para além da saúde pública. Acidentes e
limitações dos serviços acontecem, todos os dias,
aqui e em qualquer parte do mundo.
O primeiro-ministro rega com gasolina as
fogueiras da demagogia e contribui para a cria-
ção de ambientes que apenas geram confusão
e ajudam os populistas.
Os problemas no SNS continuarão a agra-
var-se, os acidentes e as limitações dos serviços
aumentarão. Seguindo o critério do primeiro-
-ministro, é fácil prever que, todos os meses,
podemos ter um novo ministro da Saúde.
visao@visao.pt
 R ---------- P E R I SCÓ P I O

A sucessão
Temido fica mais uns dias no Governo mas Costa avisou
que quem se seguir na Saúde tem de assinar de cruz
o que a ministra deixar preparado
“A mudança “Vai
Vai mudar de ministra
overno
de membros do Governo mas a po
política
é uma mudança ça é a mesma. António
de personalidade,de, Costa já está a matar
stilo.
de energia, de estilo. o próximo mministro
São mudanças, mas da Saúde. O caos
não são mudanças ças na Saúde vai continuar
íticas
de política. As políticas na mesm
mesma”
são do Governo” o” LUÍS MONTENEGRO
MONTE
ANTÓNIO COSTA A Líder do PSD
o
Primeiro-ministro

INDISCRETOS 15 MINUTOS DE FAMA

Jingle Tónico.
Baiá baié...
O eurodeputado Paulo Rangel
chegou quase no fim da aula
do socialista Francisco Assis, na
Universidade de Verão do PSD,
em Castelo de Vide, na última
quinta-feira – na verdade,
faltavam 15 minutos para o
atual presidente do Conselho
Económico e Social acabar
a intervenção. Mas, depois, aproveitaram para
pôr a conversa em dia, durante mais de duas
horas, acompanhada por gins, no bar do hotel
onde se realizou o evento. Quem esperou até
quase à uma da manhã que acabasse tal amena
cavaqueira, para trocar dois dedos de conversa
com Rangel, só pensava na famosa canção
das Doce: “Gin, gin, gin. Jingle tónico. Jingle no
trópico. Baiá baié baiá”...
No local certo à hora errada
Eram para ser umas fotos de centristas da
concelhia de Lisboa, liderada por Diogo Moura:
tudo animado, para a inauguração na Feira
da Luz, em Carnide, do stand do CDS e da
Juventude Popular. Mas ninguém explicou ao
fotógrafo de serviço que, quando se captam
imagens de grupos políticos, convém saber
quem está. Na foto da “Família CDS”, como
legendou Moura no Facebook, acabou por ficar
o presidente da Junta de Freguesia de Carnide,
o comunista Fábio Sousa. A não ser que as
coisas estejam mal pelo PCP de Lisboa, aqui
aplique-se a máxima de que “a família é a que se
escolhe e não a que nos calha”...
Marco histórico
do PCP Um jornalista
Abriu-se um capítulo na no hemiciclo
história do PCP, e nada
melhor do que na maior Alfredo Maia, repórter do
celebração comunista. Jornal de Notícias, será o
Pela primeira vez, a Soeiro mais novo deputado do PCP
Pereira Gomes apostou no Parlamento, assim que se
numa dirigente negra reiniciar a sessão legislativa,
para o fecho da Festa indo substituir Diana Ferreira,
do Avante!, no domingo. que está na fase final da
Membro do Comité Central, Seyne Torres gravidez. Nas últimas vezes
mostrou o peso de tal simbolismo e denotou que um jornalista trocou
algum nervosismo – além de estar a ser a redação por uma das
orientada por um dirigente atrás da cortina, bancadas parlamentares, as
que ia dizendo quando tinha de falar ou coisas não correram lá muito
esperar pelos aplausos, quando teve de bem – como aconteceu com
chamar ao palco os camaradas, entre eles o Manuela Moura Guedes
líder Jerónimo de Sousa, enganou-se e disse (CDS) e Maria Elisa (PSD).
“chamo à mesa”. Será que foi um sinal de que Mas como Maia ficará até
vem aí alguma reunião magna extraordinária março, apurou o Periscópio,
do PCP, para a qual Seyne já está a preparar pode ser que usufrua
o habitual “chamo à mesa do congresso”? do fator novidade numa
bancada em que as caras
não mudam há anos.
Copião do Zé Albino
Rui Rio tem um novo look: deixou crescer a
barba, ficando com um ar descomprometido,
mais associado à esquerda. O ex-líder do
PSD mostrou-se no Twitter, numa foto ao
lado do seu gato Zé Albino. “Hoje, Dia Mundial
da Barba [3 de setembro], o Zé Albino, muito
orgulhoso dos seus bigodes, convidou-me
para nos associarmos à comemoração.”
Houve logo quem pensasse que estava ali
explicada a oposição de Rio – teve sempre
mais alma de gatinho do que de leão, como
tantos desejavam no partido… — N.M.R. /R.R.N.

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 19

19
 ---------- P R ÓX I M O S CA P Í T U LO S
Combate
de inverno
Vacinação arranca
para travar
atividade gripal
potencialmente
intensa
— POR SARA RODRIGUES
P
ortugal começa esta
semana a admi-
nistrar as vacinas
de segunda gera-
ção contra a Covid-19. No
âmbito do Plano de Vaci-
nação Contra a Covid-19 e
a Gripe Sazonal para Época
2022/23, apresentado na
sexta-feira, dia 2, as novas
vacinas das farmacêuticas
Pfizer e Moderna, ambas
com tecnologia RNA men-
sageiro (mRNA), vão ser
utilizadas.
Aprovadas na semana
passada pela Agência Eu-
ropeia de Medicamentos,
incluem na sua composição,
em partes iguais, a compo-
nente das vacinas originais
que tem como alvo a pro-
dução de anticorpos contra
a estirpe ancestral deteta-
da em Wuhan e uma outra
componente para a pro-
dução de anticorpos para
a Ómicron – a subvariante
BA.5 da Ómicron é, atual-
mente, a prevalente entre
nós, com 94% das infeções.
A diretora-geral da Saú-
de, acompanhada por Rui
Santos Ivo, presidente do
Infarmed, e pelo coronel
Carlos Penha-Gonçalves,
coordenador do Núcleo de
Apoio ao Ministério da Saú-
de, anunciou o calendário
20 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
e as prioridades definidas
para a campanha de vaci-
nação simultânea contra
a Covid-19 e a gripe que
hoje, dia 8, arranca a todo
o vapor com o objetivo de
“proteger a população mais
vulnerável contra a doença
grave e mitigar os efeitos
da gripe”, observou Graça
Freitas.
A campanha destina-se
a três milhões de pessoas,
durará 100 dias – até 17 de
dezembro – e prevê-se que
seja possível imunizar 280
mil pessoas por semana nos
397 postos de vacinação,
sendo a maioria nos centros
de saúde.
No caso da Covid-19,
vão ser vacinados os se-
guintes grupos: pessoas
com 60 ou mais anos de
idade; residentes e profis-
sionais de residências para
idosos e da rede nacional
de cuidados continuados;
pessoas com mais de 12
anos com patologias defi-
nidas em norma; grávidas
com 18 ou mais anos de
idade e com doenças defi-
nidas em norma; profissio-
nais de saúde e prestadores
de cuidados.
No caso da gripe, e para
as cerca de dois milhões de
vacinas adquiridas pelo Sis-
tema Nacional de Saúde, há
algumas diferenças. Estas
destinam-se a pessoas com
65 ou mais anos; residentes
em lares e na rede nacio-
nal de cuidados continua-
dos; crianças com 6 ou
mais meses com patologias
crónicas associadas; doen-
tes crónicos e imunodepri-
A Austrália teve, midos; grávidas sem limite
há meses, a onda de idade; profissionais de
de gripe mais saúde e outros profissionais
prestadores de cuidados.
precoce e intensa Segundo a norma da DGS,
dos últimos a vacina da gripe é também
recomendada para pessoas
cinco anos. entre os 60 e os 64 anos, no
O que se passa entanto, não é gratuita.
no hemisfério sul Os primeiros a ser cha-
mados são os da faixa etária
antecipa o que com 80 ou mais anos (cerca
pode acontecer de 690 mil) e as pessoas
com patologias de risco.
durante a época Dentro de um mês começa-
gripal na Europa rá a vacinação dos que têm
 Agendamento Os primeiros a
serem chamados para a vacinação
Covid-19/gripe são os que têm 80
ou mais anos e doenças crónicas
70 ou mais anos (cerca de
1,01 milhões), que irá pro-
longar-se até 4 de novem-
bro, altura prevista para o
início da vacinação dos que
têm 60 ou mais anos (cerca
de 1,25 milhões).
Com exceção dos lares,
em que a vacinação é local,
serão feitas convocatórias,
recorrendo-se ao SMS, ao
telefone fixo ou mesmo à
forma presencial. Segundo
Penha-Gonçalves, foi dada
autonomia aos centros de
vacinação para “optarem
pela melhor forma de fazer
o agendamento”, dado que
nas zonas “menos densa-
mente povoadas” pode ser
necessário recorrer ao con-
tacto direto.
Sempre que cada faixa
etária estiver vacinada a
80%, será instaurado o
regime de Casa Aberta, em
que basta comparecer no
local para poder receber a
vacina.
AS VACINAS
As vacinas adaptadas da Pfi-
zer e da Moderna são uma
dose de reforço, por isso só
serão dadas a quem já tenha
a vacinação primária (duas
doses), sendo necessário
um intervalo de três meses
em relação à última toma
ou infeção. “As pessoas
elegíveis fazem apenas esta
dose, independentemen-
te dos reforços efetuados
no passado”, revelou Graça
Freitas.
Além disso, continua
a decorrer o processo de
vacinação primário contra
a Covid-19 com a vaci-
na original para quem vai
iniciá-lo agora ou pretenda
completá-lo.
No caso da gripe, tam-
bém há novidades em rela-
ção à vacina. Este ano, pela
primeira vez, será adminis-
trada uma vacina de “dose
elevada, com uma composi-
ção antigénica quatro vezes
superior à fórmula-padrão”,
dando-lhe uma “eficácia
superior”, indicou a direto-
ra-geral da Saúde. Apesar
de poder ter sido entendido
que esta vacina vai ser utili-
zada de forma generalizada,
a norma da DGS, entretan-
to publicada, refere que a
Efluelda, nome comercial
da vacina de “dose elevada”,
é “exclusiva para residentes”
em lares de idosos.
Se suceder na Europa o
mesmo que está a acontecer
no hemisfério sul, o inver-
no pode ser palco de uma
vaga ou mais de gripe (e de
Covid-19) precoce. O que
se passa neste hemisfério
é, habitualmente, utilizado
para se fazerem algumas
previsões sobre a época gri-
pal na Europa.
“Este ano, a Austrália,
que é um país que moni-
toriza muito bem [a gripe],
teve uma onda de gripe
muito precoce, mais pre-
coce do que a dos últi-
mos cinco anos, e bastante
intensa. Subiu depressa e
também baixou depressa,
mas há aqui esta questão de
que provavelmente vamos
ter ondas, não só de gripe
como de Covid-19”, notou
Graça Freitas, em entrevista
à RTP. É, também, por esta
razão que não está descar-
tado o regresso da másca-
ra, embora sem a sombra
da obrigatoriedade. “Creio
que será do senso comum.
Todos nós, quando há ativi-
dade de vírus respiratórios
[...], voltarmos a ter alguma
contenção.”
A campanha agora em
marcha pretende vacinar ao
mesmo tempo contra a Co-
vid-19 e a gripe, mas caso
alguém não seja (porque
não quer ou por outro mo-
tivo) vacinado desta forma,
recomenda-se “um inter-
valo de 14 dias” entre as
tomas, lembra Gustavo Tato
Borges, presidente da Asso-
ciação Nacional de Médicos
de Saúde Pública.
Nos últimos dois anos,
ou melhor, nas últimas duas
épocas da gripe sazonal,
esta teve uma expressão
mais baixa em Portugal.
Primeiro, os confinamen-
tos e, depois, as medidas de
proteção individual contra
a Covid-19, principalmente
o uso de máscara, favorece-
ram a redução abrupta por
infeção gripal. “As novas
organizações de trabalho,
nomeadamente o teletra-
balho, também foram um
fator importante”, acrescen-
ta Tato Borges.
Para o médico, é difícil
prever o que vai acontecer
nesta época gripal. “Há a
teoria de que, como houve
pouca circulação do vírus
durante dois anos, o nosso
organismo demorará mais
a reconhecê-lo e a ativar o
sistema imunitário e, por
outro lado, quem diga que
essa mesma baixa circula-
ção levou a que não tivesse
havido tantas mutações no
vírus, o que nos seria favo-
rável.” srodrigues@visao.pt
OS NÚMEROS
DA COVID-19
E DA GRIPE
Campanha de vacinação
simultânea contra
a Covid-19 e a gripe
arranca esta semana
5,4 milhões
Número de infeções
contabilizadas em Portugal
até 2 de setembro
24 865 mortes
93%
Cobertura vacinal com
esquema primário completo
(duas doses) contra a
Covid-19
5-11 anos
Grupo etário menos
vacinado, cobertura de
43,4%
3 milhões
Número de pessoas
abrangidas pela campanha
de vacinação sazonal
contra a Covid-19 e a gripe
100 dias
Período estipulado para
a campanha, até 17 de
dezembro
mRNA
As novas vacinas adaptadas
contra a Covid-19 (com
anticorpos para a variante
Ómicron) vão ser utilizadas
€15 milhões
Investimento em vacinas
contra a gripe
2 milhões
Doses de vacina contra a
gripe adquiridas no âmbito
do SNS
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 21
 P O N TO S
CA R D E A I S
Bernardo
Pires
de Lima
— Analista de política
internacional
NORTE
A primeira-ministra escocesa
enviou para o Supremo
Tribunal britânico um pedido
de apreciação sobre o poder
do Parlamento em Edimburgo
de convocar novo referendo
à independência. A decisão
sairá daqui a um mês.
SUL
Mudança estrutural em
África, de Carlos Lopes e
George Kararach (Tinta-da-
china), é uma ótima proposta
sobre perceções erradas
da heterogeneidade do
continente, afinando a análise
para a sustentabilidade
do seu potencial.
ESTE
Regressou o debate sobre
a reativação de 17 centrais
nucleares no Japão e até a
hipótese de construção de
reatores nucleares de nova
geração. Tudo isto no país
do desastre de Fukushima.
OESTE
A rejeição da nova
Constituição no Chile é uma
derrota do presidente Boric,
em funções desde março.
Apesar da legitimidade para
realizar o referendo, Boric
apostou tudo cedo demais,
perdendo a força que
o distinguia.
22 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
O eixo, afinal, move-se
O
chanceler Scholz e o Presiden-
te Macron são como a água e
o vinho, mas nesta nova crise
encontraram mais uma fórmula
de aproximação estratégica. Pa-
ris e Berlim já tinham dado a necessária rede
preventiva aos grandes pacotes financeiros
aprovados pelo Conselho para combater os
efeitos da pandemia, mantiveram essa coe-
são na gestão da invasão russa, primeiro com
idas infrutíferas ao Kremlin, depois na apro-
vação das sanções. Entre as duas crises, o
alfa e o ómega de tudo o que estamos a viver,
Macron promoveu com Draghi uma reforma
das regras financeiras da zona euro, timida-
mente acompanhadas por alguns membros
da coligação alemã, para, na última semana,
já com Scholz a seu lado, definir um conjun-
to de matérias estruturais ao ajustamento da
União Europeia aos efeitos prolongados da
guerra, da inflação e da transição energética.
Ao recente alerta de Macron sobre “o fim
da era da abundância”, preparando os fran-
ceses para os choques de inverno, segui-
ram-se propostas do governo francês sobre
as virtudes dos passos financeiros da UE
durante a Covid como modelo permanen-
te para se investir conjuntamente em áreas
como a defesa, saúde, indústria, tecnologia
e energia, pedindo novamente a revisão dos
tratados para se alterar a regra da unanimi-
dade ou da maioria qualificada, quando apli-
cadas à política externa e de segurança, ou
mesmo à política fiscal. Ato contínuo, Scholz
discursou na Universidade de Praga, onde
reforçou o imperativo da revisão dos trata-
dos para efeito de votação, mas sobretudo
para acomodar uma UE a 30 ou 36 Estados,
avalizando Macron e a sua “comunidade po-
lítica europeia”, capaz de ajustar as expecta-
tivas dos diversos patamares entre Estados-
-membros, países do alargamento, países
da vizinhança, países com acordos vários, e
até com o Reino Unido. Mostrou-se a favor
do alargamento temporal para a redução
da dívida, garantia de que os ajustamentos
exigidos não comprometem o investimento
nas transições digitais e climáticas. E, acima
de tudo, assumiu o compromisso de ajuda
permanente à Ucrânia, operacionalizada em
cimeira internacional que ocorrerá a 25 de
outubro, em Berlim.
Tudo isto sugere um reforço do alinha-
mento franco-alemão nas três questões
europeias que vão marcando o debate. Pri-
meiro, a existência de mecanismos comuns
de financiamento para fazer face às várias
transições da economia pós-Covid e pe-
rante a guerra (energia, defesa, indústria,
tecnologia, saúde). Não será surpreendente
que a disponibilidade franco-alemã para
taxar os lucros extraordinários de algumas
empresas de energia seja aprovada breve-
mente pelos restantes. Segundo, a revi-
são dos tratados para agilizar decisões na
política externa, reforçando o peso de Paris
e Berlim. Terceiro, a ideia de uma UE que
opera geopoliticamente com credibilidade,
reforçada militarmente, ajustada energe-
ticamente, tecnologicamente competitiva,
com cadeias logísticas menos vulneráveis,
que evitem dependências industriais e dis-
rupções prolongadas na Europa. Serão estes
os passos para os quais Lisboa tem de estar
preparada, mas o quadro de transformações
é mais profundo.
Está em curso uma nova deslocação da
UE a leste e a sudeste, sendo que o alarga-
mento já não constitui apenas um mecanis-
mo de “expansão da democracia” (tal como
era visto no pós-Guerra Fria), mas sim um
instrumento de contensão da ameaça russa
(tal como é enquadrado no pós-24 de feve-
reiro). Esta dupla alteração orgânica precisa
de muita paciência estratégica entre todos
os interessados. Está também em curso
uma alteração sistémica internacional de
aberta rivalidade geopolítica entre grandes
potências, de grande competição por ma-
térias-primas críticas à revolução tecnoló-
gica, de amplas disputas pelos méritos dos
sistemas democráticos, de reconfiguração
das cadeias logísticas e de aceleração da
transição energética para um maior pendor
renovável, tirando espaço aos grandes pro-
dutores de energia fóssil. Para a UE garantir
um poder geopolítico ambicioso e influen-
ciador das dinâmicas da globalização, num
contexto de agressividade da Rússia e da
China e de imprevisibilidade dos EUA, pre-
cisa de garantir poder militar permanente,
estruturado e autónomo, em coordenação
com a NATO; independência energética e
conexões seguras no continente e com par-
ceiros externos; competitividade económica
global; e sustentabilidade do seu modelo
social diferenciador, garante da coesão polí-
tica e da estabilidade das suas democracias.
Ou, melhor dizendo, da sobrevivência
das nossas democracias. visao@visao.pt
R ---------- FOTO S CO M H I STÓ R I A

GEORGE W. HALES/GETTYIMAGES

11 DE JULHO DE 1973

Massacre de Wiriamu denunciado

Durante a recente visita oficial a Moçambique, o primeiro-ministro António Costa fez questão de
pedir desculpas ao povo moçambicano por aquele que ficou conhecido como o Massacre de Wiriamu.
Numa das páginas mais negras da Guerra Colonial, a 16 de dezembro de 1972 e nos dias que segui-
ram, pelo menos 385 pessoas foram mortas pelas tropas portuguesas naquela localidade da provín-
cia de Tete, em Moçambique. Na imagem que aqui mostramos, de 11 de julho de 1973, podemos ver
Mário Soares, na altura líder do Partido Socialista no exílio, ao lado de sir Hugh Foot, antigo ministro
trabalhista dos Negócios Estrangeiros e representante do Reino Unido nas Nações Unidas, e do pa-
dre Adrian Hastings. O encontro deu-se num almoço organizado pelo Instituto Católico de Relações
Internacionais, em Londres, para discutir o massacre que fora internacionalmente denunciado, na
véspera, pelo padre Hastings, numa reportagem do jornal The Times. A denúncia serviu para ampliar a
contestação internacional ao regime de Marcelo Caetano, que, dias depois, esteve na capital inglesa em
visita oficial e foi confrontado com inúmeras manifestações.

— POR MANUEL BARROS MOURA

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 23

R ---------- T R A N S I ÇÕ ES

NOMEAÇÃO

Gonçalo Saraiva
Matias
O professor da Faculdade
de Direito da Universidade
Católica Portuguesa e atual
consultor para os Assuntos
Jurídicos e Constitucionais
da Casa Civil da Presidência
da República é o novo
presidente do conselho de
administração da Fundação
Francisco Manuel dos Santos,
sucedendo a Jaime Gama,
que passará a integrar
o conselho de curadores.
Gonçalo Saraiva Matias,
antigo diretor da Católica
Global School of Law, chega
à presidência da fundação
depois de um percurso que
começou em 2018, durante
o qual foi membro do
conselho de administração,
da comissão executiva
e diretor de Estudos.

MORTES
Emílio Andrade
Sócio número 1 do Benfica
e proprietário do conhecido
restaurante Tia Matilde, em
Lisboa, morreu na passada
terça-feira, 30 de agosto,
com 101 anos.
Francisco Ariztía
O pintor luso-chileno morreu
no sábado, 3, informou
o presidente da Sociedade
Nacional de Belas-Artes,
João Paulo Queiroz. Ariztía,
que completaria 79 anos na
quarta-feira, 7, nasceu na
capital do Chile, em 1943,
e radicou-se em Lisboa,
em 1975, tendo obtido a
nacionalidade portuguesa
em 1988.
Manuel Duarte
O antigo avançado, que fez
parte da equipa dos Magriços
no Mundial de 1966, em
Inglaterra, morreu na sexta-
feira, 2, aos 77 anos. Jogou no
Académica, Leixões, Sporting,
FC Porto, Varzim e Fafe, terra
onde se radicou em 1972
e na qual viveu até aos seus
últimos dias.
1931–2022
Mikhail Gorbachev
“Defensor incansável da paz”
Foi nestes termos que o secretário-geral
das Nações Unidas, António Guterres, ca-
racterizou o legado de Mikhail Gorbachev,
um “líder global imponente”. As palavras
que o alto dirigente português publicou no
Twitter, a 30 de agosto, dia em que morreu
o último Presidente da União Soviéti-
ca, com 91 anos, sintetizam o sentimento
dominante um pouco por todo o mun-
do, sobretudo no Ocidente. Mas esbar-
ram com a opinião daqueles que, como é
o caso do Partido Comunista Português,
não perdoam a Gorbachev a traição de ter
“destruído” a URSS e de “abrir caminho ao
imperialismo”. Mesmo na Rússia, apesar
de algumas honras de Estado, o funeral do
antigo líder soviético mostrou bem que,
entre as elites no poder, poucos lhe per-
doaram. Embora tenha sido sepultado em
Novodevichy, o mais importante cemitério
de Moscovo, a verdade é que é apenas o se-
gundo antigo Presidente da URSS que não
mereceu honras de ficar nas muralhas do
Kremlin. O primeiro fora Nikita Khrush-
chev, por ter sido considerado, também
ele, um “traidor”.
Mikhail Gorbachev chegou à liderança
do Partido Comunista da União Soviética
(PCUS) em março de 1985, com apenas 54
anos. Meses depois, tornou-se Presidente
da União Soviética. Apesar de toda uma
vida de militância no PCUS, Gorby (como
carinhosamente era tratado) empenhou-
-se na abertura do regime. Pôs em prática
a Glasnost, a liberdade de expressão, e a
Perestroika, que pugnava pela reconstru-
ção e abertura política e económica. Isso
valeu-lhe a crítica da ala ortodoxa do mo-
vimento comunista internacional, nomea-
damente do PCP, que viria a expulsar e a
ver sair inúmeros dirigentes, por apoiarem
as ideias de Gorbachev. O líder soviético
empenhou-se ainda, de forma determi-
nada, na construção de uma nova ordem
mundial, estabelecendo acordos de redu-
ção de armamento com os Estados Unidos
da América, criando parcerias com potên-
cias ocidentais para pôr fim à Guerra Fria,
que dividiu a Europa desde a II Guerra
Mundial, e promovendo a reunificação da
Alemanha. São essas três décadas de paz na
Europa – que terminaram a 24 de fevereiro
– que grande parte do mundo faz questão
de lhe agradecer, mas que, no seu próprio
país e não só, os saudosistas do antigo im-
pério soviético não lhe perdoam. — M.B.M.

24 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 E SE UM DE NÓS
LHE BATESSE À PORTA?
PREPARE-SE PORQUE VAI MESMO ACONTECER!
DIGA-NOS QUAL A SUA ESTRELA SIC PREFERIDA E PORQUÊ.
INSCREVA-SE AQUI

sic.pt/vamosviverjuntos
 ---------- N A P R I M E I R A P ES SOA

Durante
a pandemia,
o discurso
disruptivo
do médico
anestesista
e intensivista,
de 41 anos,
tornou-o um
rosto mediático.
Habituado
a cenários
de catástrofe
em missões
humanitárias
(já representou
os Médicos
Sem Fronteiras,
os Médicos
do Mundo e a
Cruz Vermelha
Internacional),
foi posto
à prova quando
a doença lhe tirou
a vontade de viver

N
LUCÍLIA MJONTEIRO

ós somos fei-
tos de afetos e de
emoções ou da
falta deles. Nada
nos põe mais à prova do
que uma doença. Há outros

Gustavo Carona
eventos traumáticos dificí-
limos de superar, mas que
o tempo vai afastando, vai

“Eu tenho uma doença,

diluindo nas nossas vivên-
cias. Já uma doença que não
se cura é algo que não sai,

tenho dores 24 horas

não se afasta, não se dilui
no tempo e, assim, o que se
acumula são tristezas, amar-

por dia. Várias vezes

guras e sofrimento.
Eu tenho uma doença.
Tenho dor crónica. A causa

preferi morrer a ter

não é certa, porque a me-
dicina nem sempre nos dá
certezas absolutas, mas tudo
indica que foi uma bactéria

de viver assim” que se chama Borrelia e que

nos infecta numa picada de

26 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

carraça. As minhas dores são
nos pés e agravam-se quan-
do estou sentado ou de pé.
Consigo fazer alguns
desportos que não impli-
quem posturas que agravem
as minhas dores, mas o resto
do dia passo-o deitado na
cama. Para mim, é estranho
vivê-lo e, para quem está
à minha volta, é estranho
compreender. E isso mata-
-me. Já volto a este ponto.
A paixão pelo exercício
da medicina e a vontade de
acreditar num mundo me-
lhor levaram-me a dez das
piores guerras dos nossos
dias: Síria, Congo, Iémen,
Sudão do Sul, Afeganistão,
Iraque, entre outras. Vi de
tudo. Sofri com tudo. Esti-
quei a absorção de tristeza,
miséria e morte a limites
que a maioria pensa não
existir, e sobrevivi emocio-
nalmente. Fez mossa, mas
sobrevivi. Achava-me forte,
vivido e, até certo ponto,
invencível. Como estava
enganado. A minha doença
matou-me, e é uma doença
que não mata. Matou-me
nos afetos e nas emoções,
aquilo de que somos feitos.
Não em desespero, não em
raiva, não em fúria... Várias
vezes preferi morrer a ter de
viver assim.
Com dores 24 horas por
dia, sem conseguir traba-
lhar, com muito pouca vida
social e uma nuvem negra
de tristeza desde o acordar
ao deitar. Não faço o exer-
cício, certamente injusto, de
comparar sofrimento. Mas
uma doença invisível, mal
entendida, que nos sabota a
vontade de viver a cada dia e
que não tem fim anunciado
é absolutamente destrutiva.
“Vai tudo correr bem”,
“Acredita que Deus trata
de tudo”, “Tens de tentar
medicinas alternativas” são
frases-tipo que fazem de
mim um potencial assassino
em série, porque se baseiam
na tentativa de simplificar o
que é altamente complexo, e
é imensamente nocivo para
quem está a sofrer.
A doença afasta as
pessoas. A tristeza não é
atrativa. O sofrimento tor-
na-nos um produto tóxico
que ninguém quer ter nas
suas mãos. Entramos numa
bola de neve, em crescendo
de emoções negativas, que
parece só poder acabar no
abismo. E para esse abismo
levamos quem mais quere-
mos neste mundo, porque
sofrem, sem saber mais o
que fazer, ao ver-nos sofrer.
Já há muito que pedi ajuda,
claro. E muita ajuda me têm
dado.
Sou humilde e ouço com
atenção quem pode e me
quer ajudar. Se, por um lado,
vivo com incontáveis desi-
lusões de quem nada tentou
fazer por mim quando me
apetecia morrer, por outro,
conheci pessoas lindas e
maravilhosas, que me foram
buscar ao fundo do mar, me
trouxeram à tona e me ju-
raram que estariam sempre
ali ao lado, para me salvar. A
esses devo o mundo e a vida.
Devo a vida e a vontade de
viver. Porque me constroem
com afetos e emoções...
aquilo de que somos feitos.
Eu não tento ensinar
ninguém a viver, mas se as
minhas palavras forem úteis,
ficarei contente. É por isso
que escrevo. Nada mais.
“HÁ TANTOS EM QUEM
PODEMOS TOCAR!”
Afetos e emoções. A quem é
que eu quero dar? Em boa
verdade, a toda a gente, mas
isso não consigo. Posso ir
tentando. A minha mãe ensi-
nou-me quase tudo o que sei
na vida, mesmo sem querer,
mas há algo especial em que
ela tem um doutoramen-
to honoris causa dado por
todas as universidades do
mundo: a magia das relações
humanas. A arte de fazer
sorrir um desconhecido. A
nobreza de dar sem querer
nada em troca. E eu, humil-
demente, aprendo ao estar ao
lado do ar que ela respira.
A nossa visão de mundo
depende muito do mundo,
A doença afasta mas depende muito mais
as pessoas. da nossa visão. Da nossa
perspetiva. Da forma como
A tristeza não afinamos a nossa lente. Eu
é atrativa. desfoquei-me por completo
com a minha doença, com
O sofrimento as minhas dores, com o que
torna-nos um a vida me tirou de sonhos
produto tóxico e expectativas. E, agora,
estou a tentar voltar a focar,
que ninguém quer porque pouco ou nada pos-
ter nas suas mãos. so mudar o mundo, assim
como pouco posso mudar
Entramos numa na minha doença, mas posso
bola de neve, trabalhar na minha lente.
em crescendo Cada um deve ter o seu
foco, a sua visão, o seu sen-
de emoções tido de vida – que é mutável,
negativas, que mas este depende, apenas
e só, de nós. O meu foco
parece só poder vem dos meus afetos e das
acabar no abismo. minhas emoções, vem de
E para esse abismo um mundo que vi e senti e a
que gostaria de acrescentar
levamos quem alegrias.
mais queremos Sou ateu, mas acredi-
to numa coisa que não sei
neste mundo se existe ou se fui eu que
inventei: a taxa de felici-
dade global. Somos oito
mil milhões. Há tantos em
quem podemos tocar! E
não sei bem como, mas
sei que, apesar da minha
doença, posso contribuir
para que esta taxa aumente,
começando por mim, cuja
felicidade, em boa medida,
vem da felicidade que posso
acrescentar aos outros.
Não me tira as dores, mas
faz-me muito bem à saúde
tentar, seja de que forma
for, tocar na vida de alguém,
dar-lhe um sorriso, aque-
cer-lhe o coração, pôr-lhe
os olhos a brilhar e, quem
sabe, ir buscá-lo ao fundo
do mar, como alguns me
fizeram a mim.
A minha doença tirou-
-me muito, tirou-me quase
tudo. Mas não me tirou os
afetos e as emoções. Em boa
medida, mexeu com eles.
Misturou-os, baralhou-os e,
agora, estão a ser reorgani-
zados, de forma que a lente
com que eu vejo o mundo
seja bonita, assim como as
emoções que eu quero que
habitem dentro de mim.
visao@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 27
 SNS
À
ESPERA
DA
MINHA
VEZ Um ano depois de ter feito uma biopsia, José
recebeu o diagnóstico de cancro que se tinha perdido
nos meandros de um hospital. Helena esqueceu-se
de quem era durante um internamento, em 2021
– a demência instalou-se –, mas ainda aguarda pela
consulta de Neurologia. Ana vive com os fantasmas
de há duas décadas e com as promessas de um
acompanhamento psicológico falhado. Uma em cada
quatro pessoas espera mais por uma consulta ou
cirurgia no SNS do que a lei admite e a doença entende.
Estas são as histórias por trás das listas de espera
pouco transparentes, cada vez mais sobrelotadas
e a evoluir a “conta-gotas”
— P O R R I TA R ATO N U N E S

30 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 31
O
O acordo era aparentemente simples: se o
resultado da biopsia ao intestino de José Vi-
tória, 56 anos, revelasse um cancro, haveriam
de lhe telefonar algures no próximo mês. Se,
pelo contrário, a amostra das células não fosse
maligna, o empresário de móveis de Constân-
cia (Santarém) não precisaria de ficar inquieto
com o silêncio do Serviço Nacional de Saúde
(SNS), então a braços com o seu maior teste de
esforço – a pandemia de Covid-19. O exame
MARCOS BORGA
foi realizado a 8 de setembro de 2020. José
Vitória recebeu o telefonema do Hospital
Curry Cabral, em Lisboa, um ano e dois meses
depois. Tinha cancro nos intestinos.
A estranheza do contacto do hospital, que
o apanhou a meio do dia de trabalho, deu lu-
gar a um susto que ainda tem dificuldade em
descrever. O médico desfez-se em desculpas
e apresentou-lhe como justificação que “o
processo tinha ficado esquecido”. “Andava a
mexer em documentos quando encontrou o
resultado da biopsia e ficou muito preocupa-
do. Ligou-me de imediato”, diz José Vitória. O
relatório apontava para neoplasia (um tumor)
ainda em fase inicial – grau um de quatro na
avaliação de risco. Todavia, quando começou a
ser tratado estava já a entrar no terceiro grau.
“O cancro é como um incêndio. Se for apa-
gado no início resolve-se bem. Se não, pode
ser uma sentença”, compara. “Eu entendo que
há mais gente à espera. Não podemos olhar só
para nós e sei que isto estava tudo difícil na
altura [pico da pandemia], mas se fosse uma
coisa fulminante eu teria morrido. Quase fui
apanhado na curva.”
O susto obrigou-o a mudar de vida num
instante: fumou o último cigarro no dia em
que recebeu a notícia, passou a alimentar-se
melhor e a dar longas caminhadas ao largo
do rio Zêzere, “para tentar recuperar o tempo
perdido”. Mas, a partir do momento em que
a referenciação aconteceu, José Vitória não
tem nada a apontar à forma como tem sido
tratado. A equipa do Curry Cabral só recebe
elogios seus.
32 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Cancro sem resposta
José Vitória fez uma
O processo desenrolou-se em quatro meses
colonoscopia de rotina e José Vitória chegou ao bloco operatório a 25
que mostrou um pólipo de fevereiro, “um dia depois de a guerra na
com um centímetro. Ucrânia ter começado”, assinala; fez quimio-
Uma biopsia viria a terapia injetável de três em três semanas e em
confirmar que era
maligno, mas quando
comprimidos. Entretanto, teve de fazer uma
José chegou à mesa pausa, porque lhe detetaram problemas car-
de operações, um ano díacos. Há dois meses, prescreveram-lhe um
depois, o tumor tinha cateterismo (para diagnosticar e tratar doenças
já 10 cm associadas ao coração). Voltou a uma lista de
espera. “O médico deu-me logo a entender
que, mesmo na melhor das hipóteses, o cate-
terismo não ia ser feito antes de dezembro.”
28%
Sem meios humanos suficientes, com mais
especialistas alocados às urgências durante
o verão para responder à crise dos encerra-
CIRURGIAS EM
mentos, sem uma reorganização do sistema
ATRASO e com o aumento significativo da procura,
O Hospital da Guarda que supera o do período pré-pandemia, as
é o que tem mais listas de espera do Serviço Nacional de Saúde
cirurgias em atraso e (SNS) estão a rebentar pelas costuras – não se
o Centro Hospitalar sabendo ainda a quantidade de diagnósticos
Póvoa de Varzim/ que ficaram por fazer desde que a pandemia
Vila do Conde o que de Covid-19 engoliu (quase) todas as atenções
apresenta melhores do sistema de saúde público.
níveis de resposta, Há uma crise no acesso aos cuidados de
segundo a plataforma saúde, cuja dimensão real é difícil de avaliar,
de benchmarking da uma vez que têm sido detetadas falhas no
ACSS, com dados reporte dos tempos máximos de resposta
atualizados até maio garantidos (TMRG). Em entrevista à VISÃO
de 2022 (ler na pág. seguinte), a presidente da En-
 As listas de espera mais longas do País
Uma cirurgia prioritária de Ginecologia no Hospital Garcia de Orta, em Almada, pode demorar até três anos e meio
(quando a lei define 45 a 60 dias para esta situação) e uma consulta de Cardiologia no Hospital da Guarda ronda os dois
anos e oito meses (quando não deve ultrapassar os 150 dias). A partir do Portal dos Tempos Médios de Espera do SNS,
saiba onde a resposta da Saúde está mais lenta no País e em que especialidades

CIRURGIA Hospital de Braga

Hospital Garcia de Orta
(Almada)
Hospital Garcia de Orta
(Almada)
Hospital

Especialidade Estomatologia Cirurgia Vascular Urologia

Dias de espera 684 560 502
Número de pessoas
na lista de espera 527 240
568

Hospital Garcia de Orta Hospital São Bernardo

(Almada) Hospital de Braga Hospital Distrital de Santarém (Setúbal)

Ginecologia Cirurgia Cirurgia Vascular Otorrinolaringologia

(prioritária) Maxilofacial
596 532 483
1 298
Sem dados 505 418
131

Hospital Garcia de Orta Hospital Garcia de Orta Hospital São Bernardo

(Almada) Hospital Distrital de Santarém (Almada) (Setúbal)

Cirurgia Geral Cirurgia Geral Otorrinolaringologia Cirurgia Pediátrica

(prioritária) 567 518 453
772
Sem dados 1 216 890 309

CONSULTAS Oftalmologia
Hospital Pediátrico de Coimbra
Imunoalergologia
Hospital Santa Luzia de Elvas
Oftalmologia
Hospital Dona Estefânia (Lisboa)**
Cardiologia 789 653 605
Hospital Sousa Martins (Guarda) 126
1 018 dias 2 140 2 164
Cirurgia Geral - Obesidade
166 pessoas Imunoalergologia Hospital Espírito Santo de Évora Reumatologia
Hospital de Portimão 651 Hospital São Pedro de Vila Real*
Oftalmologia
Hospital de Portimão 741 525
497
1 087 276 559
Oftalmologia
Neurologia Hospital São Pedro de Vila Real* Endocrinologia
Hospital de Santo André (Leiria) Hospital de Santo André (Leiria)
650 1 178
734 524
4 812
792 149
Neurologia Urologia
Hospital Sousa Martins (Guarda)
Endocrinologia Hospital São Pedro de Vila Real* Pneumologia
Hospital Distrital de Chaves 629 Hospital Garcia de Orta (Almada)
932
686 722 490
337
89
Dermatovenerologia 768
Dermatovenerologia Otorrinolaringologia Hospital Pedro Hispano (Matosinhos)
Hospital Nossa Senhora
Hospital Geral Covões (Coimbra)
Ginecologia
da Assunção (Seia) 615 Hospital de Faro
683
839 436
53 1 399
42 1 008
Anestesiologia
Hospital Espírito Santo de Évora
682
FONTE Portal dos Tempos Médios de Espera do SNS 41 * Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro ** Centro Hospitalar Lisboa Central AR/VISÃO

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 33

Sofia Nogueira da Silva
Presidente da ERS

“Os sistemas utilizados

inviabilizam uma
monitorização rigorosa
dos tempos de espera”
Presidente da Entidade Reguladora da Saúde fala em dificuldade “sistémica”
do SNS para responder a horas aos doentes, denunciando manipulação
dos dados dos tempos de espera, que impede fiscalização eficaz

Como têm evoluído a revisão da Portaria

os tempos de espera n.º 153/2017, de 4 de
na saúde, durante o maio, para garantir que
seu mandato à frente a mesma passasse
da ERS [desde 2016]? a definir TMRG para
Existem sérios cons- pedidos de primeira
trangimentos nos consulta de espe-
procedimentos admi- cialidade hospitalar
nistrativos de registo intra-hospitalares ou
de atos sujeitos a inter-hospitalares; e a
tempos máximos de alteração dos sistemas
resposta garantidos e procedimentos in-
(TMRG), quer pe- formáticos necessários
JOSÉ CARLOS CARVALHO

los prestadores de ao registo, à extração

cuidados de saúde verificadas na classi- e ao controlo dos
primários quer pelos ficação de patologia TMRG nos cuidados
hospitais. Uma vez que oncológica, que impe- primários.
os sistemas de infor- dem a monitorização
mação utilizados pelos do cumprimento dos Alguma destas reco-
estabelecimentos em TMRG, em especial mendações foi tida tidade Reguladora da Saúde admite que os
causa inviabilizam a no que respeita à em conta? dados conhecidos estarão manipulados e não
obtenção dos dados realização de primeira Até ao momento, a permitem uma fiscalização eficaz.
necessários para uma consulta de doença ERS não tem conheci- Estas palavras encontram eco no pedido
monitorização dos oncológica. mento da adoção de do presidente da Associação Portuguesa de
tempos de espera nenhuma das medidas Administradores Hospitalares, Xavier Barreto:
completa, rigorosa e Que impacto tem que propôs. “É importante que haja mais transparência
não enviesada, não esta subnotificação nestes números e que seja possível saber
é possível aferir, com no trabalho da ERS? O que deve fazer quantas pessoas realmente são referenciadas
total segurança, qual Impede uma inter- um cidadão que vê pelos cuidados de saúde primários e para
tem sido a evolução venção regulatória ultrapassado o TMRG onde, e quantas não estão a receber resposta
do cumprimento dos reforçada e plena por numa consulta ou no tempo correto em cada hospital. Isto para
TMRG. parte da ERS, seja em numa cirurgia? que possamos analisar e reagir em tempo útil.
De todo o modo, com termos preventivos, Sempre que um utente Estamos em setembro de 2022 e ainda não
a informação disponí- seja do ponto de vista se deparar com uma temos informações sobre 2021.”
vel é possível afirmar sancionatório quando qualquer restrição ou A VISÃO analisou o volume de consultas
que as taxas médias se verificam situações violação do exercício e cirurgias em atraso para lá dos tempos
de incumprimento dos de violação da lei. Por dos seus direitos, no- definidos na lei (ver semáforo da pág. 36) a
TMRG são transver- esse motivo, a 8 de meadamente o direito partir dos dados disponibilizados na plata-
salmente significativas, novembro de 2021, a de acesso a cuidados forma de benchmarking da Administração
havendo um problema ERS emitiu uma reco- de saúde, deverá Central do Sistema de Saúde (ACSS), onde é
sistémico de resposta mendação dirigida ao apresentar uma re- possível comparar o desempenho dos hos-
do SNS dentro dos Ministério da Saúde, à clamação através dos pitais em matérias de acesso e qualidade até
tempos máximos legal- ACSS e aos SPMS, re- vários meios ao seu maio deste ano. Pelo menos, 23% dos inscritos
mente definidos. lativa ao cumprimento dispor, em especial no em primeiras consultas não foram atendidos
do quadro legal e re- livro de reclamações na janela temporal adequada e o mesmo se
Onde se encontram gulamentar dos TMRG. do próprio estabeleci- verificou em 28% dos candidatos a cirurgias.
as maiores falhas? Recomendavam-se, mento ou diretamente Ou seja, no mínimo, um quarto dos utentes
Destacam-se as falhas entre outras medidas, junto da ERS. do SNS não recebeu resposta no tempo pre-

34 VISÃO 8 SETEMBRO 2022


visto. E estes são apenas os referenciados e
contabilizados pelo sistema.
Os números são impressionantes e cor-
respondem a pessoas como José Vitória,
Patrícia S., Maria Helena Leite e Ana Lavado.
O SNS pediu-lhes paciência, depois de lhes
entregar diagnósticos em que a passagem do
tempo é diametralmente oposta à qualidade
da sua saúde.
BOMBA-RELÓGIO
Em 2019, o Governo comprometeu-se a lim-
par as listas de espera superiores a um ano.
Mas depois veio a pandemia e o número de
utentes que aguardam por uma consulta ou
cirurgia caiu a pique, porque os doentes fi-
caram em casa; não chegaram aos hospitais.
É em 2021 que os números começam então
a crescer, fruto dos diagnósticos em atraso,
e esta linha prolonga-se por 2022. Neste
momento, segundo dados revelados à VISÃO
pela ACSS, estão inscritos em lista de espera
para uma cirurgia 222 846 utentes, 71,7% dos
quais estão dentro dos tempos máximos de
resposta garantidos.
O tema ocupa grande parte da agenda me-
diática ligada à saúde e lidera as preocupações
dos utentes, segundo um estudo realizado
pelo Observatório da Saúde da Universidade
Tutela diz que
consultas e cirurgias
aumentaram no último
ano, mas especialistas
lembram que a
comparação está a
ser feita com período
pandémico
Europeia, publicado em maio, que indica que
49% dos inquiridos tinham dificuldade em
aceder a uma consulta da especialidade e 30%
estavam à espera de ser vistos por um espe-
cialista há mais de três meses. Só no primeiro
semestre deste ano, a Entidade Reguladora da
Saúde (ERS) já recebeu 4 585 reclamações de
doentes relacionadas com tempos de espera,
disse o regulador à VISÃO.
O Ministério da Saúde garante que a ativi-
dade assistencial aumentou, desde 2021, e que
até estão a ser feitas mais consultas e cirurgias
do que em 2019. E um estudo da ACSS sobre o
acesso a cuidados de saúde no SNS referente
a 2021 (que ainda não foi publicado) aponta
para um crescimento na ordem dos 11,5%
nas primeiras consultas hospitalares, face a
2020, e de 25,6% nas cirurgias programadas.
Já entre janeiro e julho desde ano, a ACSS
respondeu à VISÃO que foram realizadas
Resiliência Patrícia 7 526 347 consultas hospitalares, mais 3,1%
S. não se conformou do que em 2021 (dois milhões destas foram
com a lista de espera
do IPO de Lisboa, primeiras consultas) e 445 531 intervenções
onde lhe disseram que cirúrgicas, mais 8,1% do que no período ho-
ficaria, pelo menos, mólogo do ano anterior.
quatro meses. Pediu No entanto, o investigador em saúde Mário
transferência para Amorim Lopes adverte que “não é propria-
outro hospital e já foi
operada
mente um bom comparador, visto que em
2021 ainda houve confinamentos e suspen-
são da atividade normal, pelo que existe um
efeito base: quanto maior a queda, maior a
recuperação”.
“Por outro lado, o excesso de mortalidade
registado nos primeiros seis meses de 2022,
que foi o maior da Europa, sugere que alguns
23%
casos não foram recuperáveis e que o estado
de saúde de muitos pacientes se deteriorou,
no limite conduzindo à morte”, continua o
PRIMEIRAS
especialista em Gestão e Economia da Saúde,
CONSULTAS professor da Universidade do Porto e membro
EM ATRASO do Parlamento da Saúde.
O IPO de Coimbra é a A capacidade de resposta dentro do tempo
instituição com melhor máximo de espera varia muito de hospital
desempenho a nível para hospital: é o que mostra a plataforma da
nacional e a Unidade ACSS. O IPO de Coimbra e o Centro Hospita-
Local de Saúde do lar Baixo Vouga, em Aveiro, são as instituições
Litoral Alentejano a com menos pessoas em lista de espera para
pior, mostram dados da as primeiras consultas; o Centro Hospitalar
ACSS até maio da Póvoa de Varzim/Vila do Conde e o Centro
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 35
 Semáforo
Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, os
que cumprem melhor o prazo das cirurgias. do SNS leva de tratamentos de radioterapia, mas,
mesmo assim, abre a aplicação do SNS e olha
No polo oposto, a Unidade Local de Saúde Quanto tempo prevê para aquele que seria o seu lugar na lista de
a lei que um doente
do Litoral Alentejano tem 70,1% das primeiras espera do IPO, com a “senha 130”. Confirma
espere no máximo por
consultas em atraso, o Centro Hospitalar de o que o médico lhe havia dito – “em agos-
uma consulta e por uma
Leiria 50,6% e o Hospital Beatriz Ângelo, em cirurgia? Esta é a espera
to andou dez números. Nunca mais iria ser
Loures, 43,6%. O Hospital Garcia de Orta, clinicamente aceitável, operada. Só consigo pensar na quantidade de
em Almada, falhou os prazos das operações consoante a gravidade mulheres que estão à espera e no que estes
em 59% dos casos; o de Loures em 50,8%; o do caso: meses lhes podem fazer”.
Centro Hospitalar do Algarve em 48%; o de Questionados pela VISÃO sobre o ver-
São Bernardo, Setúbal, em 47%, e o IPO de dadeiro impacto da mobilidade no SNS na
Lisboa em 44%. resolução das listas de espera, dois inves-
No caso dos doentes oncológicos, tratados tigadores da área recordam que para esta
nos três IPO (Lisboa, Porto e Coimbra), a ERS medida ser eficaz é preciso que haja outros
estima mesmo que 68% das cirurgias muito hospitais que tenham resposta – o que nem
prioritárias não respeitaram o prazo máximo sempre é o caso.
de resposta, que é de 15 dias para um doente A tutela encontrou ainda outra forma de
com cancro. Em números líquidos, no ano pôr um ponto final na espera: o Sistema In-
passado, das 1 415 intervenções classificadas MUITO tegrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia
como mais urgentes, 960 não aconteceram no PRIORITÁRIO (SIGIC), um programa de vales-cirurgia (que
tempo previsto. Foi a esta lista que foi parar estão agora a ser estendidos também às con-
DOENÇA ONCOLÓGICA
Patrícia S., 46 anos. E NÃO ONCOLÓGICA
sultas), que dá a possibilidade ao doente de
recorrer a outra unidade de saúde pública ou
SIGIC: SOLUÇÃO OU PALIATIVO? 30 DIAS privada quando ultrapassado o tempo máxi-
por uma consulta
A lisboeta, que trabalha em montagem de fil- mo de espera, sempre com o SNS a pagar o
mes, foi diagnosticada com cancro da mama 15 DIAS tratamento. Entre janeiro e julho deste ano,
por uma cirurgia
este ano, num hospital privado, porque só foram emitidos 90 098 vales (80% destes
havia vaga para fazer a ressonância magnética não chegaram a ser usados por escolha do
no público no final de setembro, apesar de doente), de acordo com a ACSS.
Patrícia S. ter começado a sentir um caroço Pedro Pitta Barros, professor de Econo-
na mama em abril. O exame custou-lhe cerca mia da Saúde da Universidade Nova SBE,
de 300 euros, uma vez que não tinha segu- considera que o SIGIC foi “uma boa forma
ro de saúde. E a este somou a conta de uma de responder ao problema”. Contudo, res-
biopsia feita também num hospital privado salva que este “é um sistema de gestão, pelo
na capital, a conselho do especialista do SNS que depende da capacidade de resposta das
que a atendeu. PRIORITÁRIO unidades do SNS para conseguir controlar os
Referenciada para o IPO de Lisboa, o tempos de espera, uma vez que a capacidade
médico confessou-lhe “que analisa uns dez 60 DIAS de intervenção dos operadores privados (com
por uma consulta
casos por semana e tinha 45 pessoas em lista ou sem fins lucrativos) não é suficiente para
de espera”. “Estava extremamente cansado e 45 DIAS resolver todas as necessidades, nem é razoável
por uma cirurgia para
disse-me que o IPO ainda estava a operar as doentes oncológicos pensar-se que o deveria fazer”.
pessoas referenciadas em março. Fiz as con-
60 DIAS
tas: quatro meses. Perguntei-lhe se era isso. por uma cirurgia
Ele olhou para mim com uma cara muito séria
e disse-me que era isso no mínimo, porque
para doentes não
oncológicos
“A consulta médica
estamos no verão. Perguntei-lhe ainda se isso presencial deveria
me ia prejudicar e ele confirmou. A pessoa
ainda fica mais doente naquele momento. É deixar de ser a
uma verdadeira agonia”, admite Patrícia S.,
que percebeu naquele consultório que tinha
única opção para
de pôr os pés ao caminho.
Considerou regressar ao privado mesmo que
passar a ser a última,
“cheia de medo de ficar na falência e de não ter o reservando o tempo
dinheiro necessário para fazer face às despesas”; NORMAL médico para as
os amigos iniciaram de imediato uma campanha 150 DIAS
de crowdfunding. Mas, entretanto, falaram-lhe
sobre a possibilidade de qualquer utente do SNS
por uma consulta novas consultas, os
poder escolher o hospital onde quer ser tratado.
60 DIAS
por uma cirurgia para diagnósticos e os
Soube que o Hospital de Setúbal tinha possi-
bilidade de a receber rapidamente e propôs-se
doentes oncológicos
180 DIAS
novos tratamentos”,
como doente deste.
Foi operada há uma semana. Está a recupe-
por uma cirurgia
para doentes não
Xavier Barreto,
rar bem e a ganhar forças para uma previsível oncológicos presidente da APAH
36 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
LUCÍLIA MONTEIRO
Mário Amorim Lopes concorda que o
SIGIC “não deveria ser uma solução perma-
nente” e acrescenta que este “acaba por criar
incentivos perversos: se a produtividade não
influencia a remuneração dos profissionais,
mas o número de cirurgias em SIGIC sim [os
médicos são pagos para realizar estas cirur-
gias fora do seu horário laboral no SNS], então
criam-se os incentivos para que a atividade
normal seja preterida em favor da atividade
via SIGIC”. Para este investigador, “o proble-
ma tem de ser resolvido de forma estrutural”.
Como? “Há que incorporar uma remune-
ração diferenciada, em função da produtivi-
dade, mas sem nunca descurar a qualidade
dos cuidados de saúde ou resultados em
saúde. Depois, é necessário articular seto-
res público, privado e social, escolhendo o
prestador não por ser da esfera pública, mas
porque consegue providenciar a cirurgia ou
consulta de especialidade, ao preço estipulado
pelo Estado, com maior celeridade. Na maior
parte dos países da Europa, o paciente pode
dirigir-se ao prestador que bem entender.
Em Portugal, só o pode fazer in extremis,
quando foram excedidos os tempos de res-
posta garantidos. E mesmo a referenciação
interna entre hospitais do SNS é lenta, por
vezes ineficaz e sobretudo insuficiente. Em
suma, temos de começar a olhar para o Sis-
tema de Saúde como um todo, e não apenas
para o Serviço Nacional de Saúde”, defende
Mário Amorim Lopes, que reflete ainda sobre
como compara Portugal com outros países.
“Não somos o único país da Europa com
listas de espera, mas, em regra, comparamos
Urgências Recursos
do SNS estão virados
mal sobretudo com os países da Europa Cen-
para responder tral, que têm sistemas baseados em seguros
em primeiro lugar sociais de saúde (bismarckianos), em que o
às emergências. utente pode escolher o prestador livremente.
Consultas e cirurgias Por outro lado, estes sistemas têm copaga-
programadas têm de
ficar para segundo
mentos, que não sendo impeditivos, do pon-
plano to de vista financeiro, de obter cuidados de
saúde, acabam por moderar a procura. Em
França, por exemplo, os utentes são reem-
bolsados ex post, ou seja, após a prestação
dos cuidados.”
MUDAR O PARADIGMA
O presidente da Associação Portuguesa de
Administradores Hospitalares não tem di-
ficuldade em antever que as listas de espera
continuarão a crescer, uma vez que “a procura
tenderá a aumentar de forma contínua”, tendo
em conta o envelhecimento da população;
sendo “pouco provável que os cuidados de
saúde consigam acompanhar esse aumento.
A não ser que sejam feitas mudanças impor-
90 098 tantes na forma como acompanhamos os
doentes crónicos, estáveis e sem necessidade
VALES- de alteração da terapêutica”.
CIRURGIA Xavier Barreto propõe que “a consulta mé-
Foram emitidos, dica presencial deveria deixar de ser a única
este ano, para dar opção para passar a ser a última, reservando
possibilidade aos o tempo médico para as novas consultas, os
doentes que viram novos diagnósticos e novos tratamentos”.
ultrapassado o tempo Na perspetiva do especialista do Centro
máximo de espera Hospitalar de São João, no Porto – a unidade
de serem tratados que mais primeiras consultas fez em 2021 –,
noutra instituição. 80% a generalização de consultas de enfermagem,
escolheram não usar a monitorização de doentes crónicos em far-
esta opção mácias ou em casa, assim como o recurso à
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 37
Saída de Temido abre espaço
a remodelação mais ampla?
Com Costa sob pressão, sucessão da ministra só será resolvida dentro de dias

Passada uma semana ramento intermitente garantido”). Apesar de

desde que pediu a da Maternidade Alfre- ter sentido um alegado
demissão das funções do da Costa, a maior afastamento de Costa
de ministra da Saú- do País, não abona na recente deslocação
de, tudo aponta para a seu favor. Lacerda a Moçambique, Maria
que Marta Temido Sales, atual adjunto de do Céu Antunes
continue em gestão. Temido, é visto como não teve indicação
O chefe de Governo a continuidade, mas o de que seja altura
justificou a solução seu elogiado espírito de abandonar a
com o facto de querer apaziguador é enca- Agricultura. Quanto
Temido a defender, no rado como fragilidade. a Costa e Silva, que
Conselho de Ministros, Sobra Fernando Araú- terá demonstrado
o novo formato do jo, que revolucionou o desconforto por não
Serviço Nacional de Centro Hospitalar de ficar com a gestão
Saúde. Mas há quem S. João, ao ponto de dos fundos europeus,
veja neste gesto de ter sido a unidade que irá manter-se na

MARCOS BORGA
Costa a necessidade melhor se comportou Economia – asseguram
de tempo para decidir no combate à pande- –, dada a intenção de
se haverá mais gente mia. Mas as críticas às manter a pressão para
com guia de marcha. políticas do Governo, a concretização da
Quatro nomes se que escreve no Jornal ligação europeia de tecnologia para consultas podem ser a solução
perfilam para a su- de Notícias, retiram-lhe energia. Resta Pedro para “libertar os escassos meios humanos
cessão, todos já com hipóteses. Nuno Santos, presente para o que é fundamental: ver aqueles que
uma passagem pelo no último Conselho estão há um ano à espera de uma consulta,
ministério e todos com MINISTRO BALDAS de Ministros que muitas vezes com o seu estado de saúde a
anticorpos. Manuel Pi- Entretanto, corre aprovou as medidas deteriorar-se, sem conseguirem trabalhar,
zarro, ex-secretário de pelos mentideros anti-inflação. Mas que, com dores ou a perder tempo de vida”.
Estado da Saúde (num socialistas que sinaliza a mesma fonte Maria Helena Leite, 94 anos, está há um
governo de Sócrates), Costa equacionará do Governo, deu um ano em lista de espera para uma consulta
teria de abandonar o refrescar as tutelas sinal estranho:
est desde de Neurologia no SNS. Em julho do ano
Parlamento Europeu da Agricultura, da o polémico
polém despacho passado, deu entrada no Hospital de Santa
e aceitar um convite Economia e das sobre o aeroporto de Maria, em Lisboa, com Covid-19, onde ficaria
rejeitado em 2015. Infraestruturas. Lisboa, nnão esteve nas internada nove dias. A hospitalização terá
Rosa Matos Zorrinho, Fonte próxima do diversas reuniões do espoletado uma confusão na sua cabeça. A
administradora do Governo admitiu à Executiv
Executivo, fazendo- filha, Helena Leite Pereira, 65 anos, viu sair
Centro Hospitalar
p Lis- VISÃO haver pouca
p substituir p
se subst pelo de casa numa ambulância uma mulher ati-
boa Oriental, passou probabilidade de isso secretário
secretár io de Estado va, que limpava, cocozinhava e gostava de ver
pelaa pasta em 2018 e acontecer (mas com o Hugo SaSantos
Santos Mendes. filmes todos os diadias. Entregaram-lhe outra
preenche
pre enche a quota de líder socialista “nada N.M.R. pessoa. Uma mãe que q grita e chora noites
género,
génnero, mas o encer- pode ser dado como adentro, que não m mexe o braço esquerdo,
porque acredita que
qu tem os dedos partidos,
que está acamada, queq fecha a boca à comida,
cospe, e que está alheada
alh de tudo e de todos
os que a rodeiam.
Quando a mãe teve t alta, Helena Pereira
foi buscá-la ao hosp
hospital. “A médica disse-me
que a minha mãe tinha
tin uma demência e que
iam contactar-me para p ela ter rapidamente
uma consulta de NeNeurologia. Até hoje, zero. É
tão frustrante para nós! Nunca tive qualquer
ajuda do SNS”, cont
conta. Entretanto, inscreveu a
MANUEL mãe no privado, ond
onde é seguida. Precisava de
FERNANDO
PIZARRO medicação e de acompanhamento
acom constante.
ARAUJO
ROSA MATOS
Helena Pereira, que ttrabalhou em turismo du-
ZORRINHO rante 42 anos, teve d de se despedir; tornou-se
cuidadora informal da mãe, que hoje precisa
de assistência 24 sosobre 24 horas. “Tinha de
ANTÓNIO
3
38 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
LACERDA

ser… Ela cuidou de mim e agora é a minha vez
de cuidar dela até ao limite.”
O EFEITO PSICOLÓGICO
Cuidar ou receber tratamento pode ser duro,
mas, como dizia Patrícia S., “o pior mesmo é
a espera antes do tratamento”. Durante esse
tempo os fantasmas ganham forças e, para
quem tem um diagnóstico de cancro, por
exemplo, todos os dias contam. A vice-pre-
sidente da Ordem dos Psicólogos, Renata
Benavente, explica isto mesmo. “Quando há
um diagnóstico desse género, a expectativa é
a de que o tratamento aconteça o mais rápido
possível, porque todos sabemos que quanto
mais cedo houver intervenção, mais eficaz
será a terapêutica. Ora, quando a pessoa está
à espera fica emocionalmente fragilizada, o
que piora também a sua saúde física até do
ponto de vista imunitário e, por sua vez, isto
vai condicionar a forma como se encara a
doença. Essa perda de força, de energia, re-
sulta numa incapacidade em tomar decisões
e em lidar com a doença.” É uma bola de neve.
A psicóloga clínica do Agrupamento dos
Centros de Saúde de Almada-Seixal relaciona
ainda esta situação com o contexto da falta
“gritante” de psicólogos no SNS, que, em
teoria, deveriam acompanhar estes casos. Mas
estes especialistas nem para as consultas de
Psicologia – uma realidade quase inexisten-
te no SNS – existem em número suficiente.
“Não há meios suficientes, é humanamente
impossível. Para nós, isto também traz um
grande sofrimento ético – sentirmos que não
somos capazes de ajudar as pessoas por falta
de meios”, confessa, acrescentando que du-
Há um ano em
lista de espera
para uma consulta
de Neurologia no
SNS, começou a ser
seguida no privado
rante a pandemia as listas de espera das con-
sultas de Psicologia “aumentaram entre 25%
e 30%”. E tratando-se de uma especialidade
particularmente cara no privado, uma vez
que exige um acompanhamento constante, “a
maioria das pessoas fica simplesmente sem
apoio nenhum”. “As pessoas tornam-se cada
vez mais deprimidas, passam esse sentimento
para quem as rodeia, têm índices de produ-
tividade cada vez mais baixos e arrastam-se
num ciclo de pobreza.”
Ana Lavado, 53 anos, percebeu que algo
não estava bem consigo há mais de 20 anos.
Tinha pesadelos recorrentes com pessoas que
conhecia a humilharem-na e quando passava
Uma vida à espera por essas pessoas na rua confundia a reali-
Há mais de 20 anos que dade com o sonho. “Acreditava que estavam
Ana Lavado aguarda sempre a perseguir-me”, diz. Em 1993, ainda
por acompanhamento
foi acompanhada no Hospital Psiquiátrico
psiquiátrico no SNS,
sem poder pagá-lo no Júlio de Matos, onde essencialmente lhe
privado prescreviam medicamentos que a deixavam
incapacitada no dia a dia.
Ao longo das últimas duas décadas, foi
tendo algumas consultas pontuais no centro
de saúde, mas, apesar do reconhecimento
dos médicos da importância de haver uma
continuação da resposta, nunca conseguiu
essa ajuda permanente no SNS. Arranhou-se
toda, escondeu batatas fritas e latas de leite
condensado na máquina de lavar roupa para
o marido não as encontrar, mas ficou em
lista de espera anos e anos por uma consulta.
“Estou farta de pedir ajuda à médica do
centro de saúde, mas ela própria diz que não
pode fazer nada por mim. Referenciou-me
para uma consulta hospitalar de Psiquiatria
há anos, mas nunca fui chamada. É deses-
perante e acho que se fosse bem orientada
conseguiria ultrapassar a minha compulsão.
Sinto-me a nadar contra a maré e o meu
maior receio é o de me cansar demasiado de
4 585
nadar e ir ao fundo.”
Ana Lavado trabalha numa escola, ganha
o ordenado mínimo e não tem possibilidade
RECLAMAÇÕES de pagar uma consulta de Psiquiatria no pri-
Recebeu a ERS vado: “Fui uma vez a uma consulta, há mais
relacionadas com o de seis anos, paguei 90 euros e não pude lá
incumprimento dos voltar.” Resta-lhe esperar que se cumpram
tempos máximos de os princípios previstos na Constituição e que
resposta garantidos, estabelecem o SNS como um serviço “públi-
no primeiro semestre co, universal e tendencialmente gratuito”.
do ano rrnunes@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 39
 FOGOS
UM QUARTO DO
PAÍS SEM DEFESA
DA FLORESTA
Em três anos, e quando o País bate recordes
de área ardida, triplicou o número de municípios
sem um plano obrigatório de defesa florestal contra
incêndios. Em grande parte, estes concelhos são
territórios em risco e alguns foram agora fustigados
pelas chamas. Apesar de tal falha acarretar retenções
nas transferências financeiras, o Governo deixou cair
essa sanção no Orçamento do Estado de 2022
— POR NUNO MIGUEL ROPIO

40 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 MARCOS BORGA

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 41

U
Um quarto do País está sem uma es-
tratégia atualizada de salvaguarda das
áreas florestais e de combate aos fogos.
Dos 278 concelhos de Portugal Conti-
nental, há 68 que não têm em dia um
Plano Municipal de Defesa da Floresta
contra Incêndios (PMDFCI), apesar de
a lei estabelecer como obrigatória a sua
existência e de fixar penalizações duras
para os que entram em incumprimento.
Trata-se de um cenário preocupante,
ainda para mais quando alguns daque-
les territórios até foram dos mais fusti-
gados pelas chamas neste verão, como
aconteceu com os fogos que varreram
o Parque Natural da Serra da Estrela,
durante o passado mês de agosto.
Num ano de seca extrema, em que
o País foi especialmente atingido por
grandes incêndios, com um recorde de
área ardida como já não se via desde os
trágicos incidentes de 2017, acrescente-
-se ainda que há mais de uma dezena
de municípios que está a semanas de ter
o seu PMDFCI desatualizado e outros
que já deixaram caducar, há quase uma
década, a estratégia para a floresta. São
autarquias que não se adaptaram nem
à legislação concebida para o setor nos
últimos cinco anos nem às orientações
para a prevenção e o combate, que
surgiram na sequência dos incêndios
de Pedrógão Grande e de 15 de outu-
bro de 2017.
Até ao ano passado, competia quer
ao Ministério da Administração Interna
(MAI) quer ao Ministério da Coesão
Territorial (MCT) – que tutelaram ou
tutelam, agora, as autarquias – fazer
cumprir a lei, ou seja: identificar e
castigar quem não contava com um
PMDFCI atualizado. A sanção passa-
va por reter 20% das transferências
financeiras anuais do Estado Central
para as contas da Administração Local.
Só que, ao contrário do que aconteceu
nos anos anteriores, não foi contem-
42 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
plada tal penalização no Orçamento do
Estado de 2022, desenhado ainda pelo
ex-ministro das Finanças João Leão.
O documento, que pouco mais foi do
que adaptado por Fernando Medina às
novas circunstâncias, como a guerra na
Ucrânia, entrou em vigor neste verão,
devido à crise política que atirou o País
para umas legislativas antecipadas, sem
o número 8 do Artigo 215 – o tal que
estabelecia a retenção.
Em 2021, por não terem um plano
em dia, municípios como Estarreja,
Ponte de Lima, Castro Verde, Sobral
de Monte Agraço ou Torres Vedras vi-
ram um corte nos valores oriundos do
Fundo de Equilíbrio Financeiro – que
é subvenção geral estabelecida pela lei
que regulamenta o regime financeiro
das autarquias locais e das entida-
des intermunicipais. Já neste ano, os
municípios faltosos passaram incó-
lumes ao incumprimento. Mas terão
tais retenções no passado provocado
RETRATO
DA ESTRATÉGIA
(OU DA FALTA DELA)
Dos 278 municípios no continente,
há 68 sem um Plano de Defesa
da Floresta contra Incêndios (PDFCI)
atualizado e cerca de uma dezena
está quase a juntar-se à lista
PDFCI desatualizado
PDFCI caduca no fim do ano
um efeito corretivo? Nem sempre:
as autarquias do Barreiro e da Moita
foram sancionadas e continuam sem
um PMDFCI, pelo menos de acordo
com a informação disponibilizada na
plataforma do Instituto da Conservação
da Natureza e das Florestas (ICNF), que
agrega estes dados. No caso de Espinho,
que viu também verbas cativas, está-se
perante um município que tem um
plano desatualizado desde 2013 – o
que corresponde a um PMDFCI ainda
de primeira geração (o País já vai numa
terceira geração de planos).
Coincidentemente, dos 196 con-
celhos que contam com freguesias
sinalizadas pelo Estado como priori-
AR/VISÃO
Grande parte FONTE Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – ICNF
dos municípios
sem plano tárias (ver mapa) – isto é, territórios
atualizado com manchas florestais para as quais
a atenção das autoridades tem de ser
também tem nome redobrada e onde há anualmente a
registado na lista obrigação de ações de limpeza de faixas
de combustível –, 51 não têm o referido
de territórios plano de defesa da floresta atualizado.
Palmela, que teve um incêndio às portas
considerados do centro da vila, no final do mês de ju-
em risco e onde a lho, Vila Real, onde as chamas deixaram
inúmeros estragos, há cerca de uma
fiscalização deve semana e meia, e Gouveia, um dos seis
concelhos que foram atingidos pelos
ser mais intensa fogos na serra da Estrela, durante duas
PAÍS EM RISCO
Mais de um milhar de localidades
está sinalizado pela perigosidade
que representa a existência
de extensas áreas de floresta,
nas quais é preciso promover ações
de limpeza de material combustível
Freguesias com risco
elevado de incêndio
AR/VISÃO
FONTE Diário da República (N.º 40, 26 de fevereiro de 2020)
semanas de agosto, e que estão agora
abrangidos pela declaração de situação
de calamidade, são três das autarquias
que integram aquele grupo em falta.
O Plano Municipal de Defesa da
Floresta contra Incêndios é um guia
técnico que remete para a legislação
do setor, criada em 2006, quando
António Costa era então ministro da
Administração Interna – e levou a
cabo uma profunda reforma na área
da Proteção Civil, como o arranque da
unidade especial de combate a fogos
da GNR ou a aquisição dos polémicos
helicópteros russos Kamov. No plano
consta informação essencial, como
um diagnóstico do território apoiado
por diversa cartografia, o que facilita
a tomada de decisões quer em ações
de prevenção quer de combate a fo-
gos. Devem também aí constar outros
tantos dados, que vão desde o histo-
rial do comportamento do território
em causa – aumento ou diminuição
da dimensão florestal – até aos meios
complementares de apoio ao combate
que um município deve ter.
A inexistência de um PMDFCI atua-
lizado não conduz um município à
estaca zero, mas pode induzir em erro,
principalmente quando não incluir in-
formação sobre se a mancha florestal
aumentou ou diminuiu e se mudou
consideravelmente de espécies; quando
não estiverem sinalizados novos aces-
sos rodoviários e não se tiver em conta
a existência de acessos por limpar em
áreas florestais; quando, perante um
eventual crescimento urbanístico, ao
ponto de tocar em arvoredo suscetí-
vel de se transformar facilmente em
combustível; ou, por fim, quando for
ignorado algum reforço mais recente
dos meios de combate.
Para Francisco Castro Rego, ex-
-presidente do Observatório Técnico
Independente, o órgão consultivo do
Parlamento sobre a problemática dos
incêndios florestais, “o facto da ine-
xistência de PMDFCI atualizado não
desobriga as entidades envolvidas”,
considerando que “falta analisar” se
houve um “efeito imediato no combate
aos incêndios deste ano”.
“Esta situação de inexistência de
PMDFCI atualizados é de qualquer
forma preocupante para o desempenho
global do sistema, porque aí se clarifi-
cam as intervenções e as complemen-
taridades entre entidades ao nível da
prevenção e da preparação. A inexistên-
cia de um PMDFCI atualizado indicia
que o trabalho de casa não foi feito e
que a atribuição de responsabilidades
por falhas no sistema deixa de ser clara,
podendo ter as mesmas complicações
que existiram nos acontecimentos de
Pedrógão Grande, com a dúvida legal
sobre se o anterior PMDFCI ainda se
manteria legalmente em vigor”, adian-
tou Castro Rego, também coordenador
do Centro de Ecologia Aplicada Profes-
sor Baeta Neves (CEABN), do Instituto
Superior de Agronomia (ISA), e antigo
diretor-geral dos Recursos Florestais,
que foi afastado, em 2007, pelo então
ministro da Agricultura do governo de
PGR investiga
fogo na Estrela
Maior e mais destrutivo incêndio de 2022
O Ministério Público abriu uma
investigação ao fogo que varreu a
serra da Estrela ao longo de 14 dias,
em agosto. A informação foi avançada
à VISÃO pela Procuradoria-Geral da
República (PGR), na sequência do
anúncio do Governo de que os grandes
incêndios de 2022 serão analisados
por uma comissão de peritos, que
apresentará as conclusões em outubro.
Segundo a PGR, “há um inquérito a
correr termos na comarca de Castelo
Branco, no qual se investigam as causas”
do fogo que começou na madrugada
de 6 de agosto, na Covilhã, distrito de
Castelo Branco, e que se estendeu
a outros cinco municípios, no distrito
da Guarda. O incêndio, que na prática
foram várias ignições que se juntaram
ao primeiro fogo, destruiu mais de 26
mil hectares – cerca de 4% da área
ardida na União Europeia em agosto e
a maior que o País sofreu desde 2017. A
dimensão dos estragos levou o Governo
a anunciar a criação de um grupo de
peritos que, com a Comissão das Lições
Aprendidas da AGIF – Agência para a
Gestão Integrada de Fogos Rurais, vai
averiguar o que correu mal.
RETIRAR LIÇÕES, DIZ MINISTRO
À VISÃO, o ministro da Administração
Interna admitiu que “é fundamental
analisarmos, com exigência mas
também com a serenidade que estes
processos exigem, o comportamento
dos grandes incêndios e a melhor
forma de os prevenirmos e de os
combatermos”. “Avançámos para este
modelo de equipa de análise dos
grandes incêndios, que pretende ir
muito mais além do que um relatório
apontando falhas ou responsáveis. O
que pretendemos, verdadeiramente,
é retirar lições para o futuro”, disse
José Luís Carneiro, numa declaração
escrita, frisando que é um “grupo muito
experiente, qualificado e multidisciplinar
de especialistas e académicos”, do
qual, além das “melhorias a introduzir
no processo de prevenção e combate”,
se espera que possa ajudar “a aprender
e a melhorar ao nível das causas
mais estruturais, nomeadamente em
termos de ordenamento do território,
valorização da floresta e das atividades
agrícolas e sustentabilidade dos
ecossistemas”. Os nomes de tais peritos
ainda irão ser anunciados pelo Governo.
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 43
 LUÍS BARRA
SIRESP: relatório critica quem manda de se tratar de grupos “muitas
vezes sem uma ligação direta à
e assume que sistema é insuficiente operação de combate a estes
incêndios”. Além disso, nos
Auditoria a desempenho da rede de comunicações de emergência nos fogos de Leiria censura “briefings diários no Centro
comando, por excesso de utilização e grupos de contacto, e aponta necessidade de investimentos de Comando Operacional
em estações móveis com verbas do PRR. Mas sistema resistiu a tráfego elevado e não teve avarias Nacional”, a empresa terá
chamado à atenção para os
operacionais estabelecerem
“comunicações curtas, claras
Uma análise à forma como VISÃO acedeu, os técnicos da as estações da rede passaram e concisas”, entre outras
a rede de comunicações de casa começam por analisar por “situações de saturação”, recomendações.
emergência e socorro do o desempenho da rede – e, atribuindo, “em parte”, a Ainda assim, no final do
Estado se comportou nos a esse nível, Viegas Nunes, o responsabilidade ao facto de o relatório, assume-se que, como
incêndios que afetaram o brigadeiro-general do Exército “número máximo de talkgroups as estações móveis só têm
distrito de Leiria, entre 7 e que dirige o sistema, terá [grupos de conversação] duas portadoras (capazes de
15 de julho, concluiu que o motivos para sorrir: onde o afiliados exceder largamente acolher 25 talkgroups), então
sistema não só precisa de um SIRESP poderia funcionar, o valor utilizado para o é necessária “a ampliação
investimento para responder funcionou bem, com as planeamento da rede para as ou aquisição de estações
a vários problemas – entre chamadas a serem ativadas estações de duas portadoras”. móveis de quatro portadoras
os quais, a incapacidade de em segundos e sem falhas em Ou seja: os grupos são com capacidade para, em
resistir a um aumento de momentos críticos. estabelecidos pelo momentos de grande afluência
utilizadores em momentos O maior pico de tráfego comandante das operações de utilizadores e de potencial
críticos – como reprova o registou-se no dia 12 de de socorro (COS) que está congestão do sistema de
modo como os operacionais julho, quando a situação se no terreno – e cria e atribui comunicações, reforçar a
do dispositivo da Proteção agravou no terreno – com a um talkgroup a cada setor, capacidade da rede”. O SIRESP
Civil usam os equipamentos e maioria das chamadas em para o qual faz deslocar pisca o olho ainda às verbas
a rede. espera a ocorrer entre as um contingente. O relatório do Plano de Recuperação e
O relatório da SIRESP (Sistema 15 e 18 horas. Ainda assim, assume que as estações Resiliência (PRR), sugerindo
Integrado de Redes de a espera em cada chamada podiam suportar até 25 ao Governo, que já anunciou
Emergência e Segurança de teve um tempo médio de 3,42 grupos, mas, nos momentos que mais de 70 milhões de
Portugal) SA, que entretanto segundos (sendo que, às 18 mais determinantes dos fogos, euros destes fundos vão para
passou a ser propriedade do horas daquele dia, houve quem chegaram a estar a operar 80 a rede de comunicações de
Estado, incidiu em três focos tivesse esperado um minuto grupos. emergência, que é necessária
de incêndios que eclodiram em para ser atendido). Avarias Relatam os auditores que, a “expansão de capacidade”
Pombal, Alvaiázere e Ferreira não houve, aponta a análise, “de forma recorrente”, os das estações móveis – aquelas
do Zêzere, onde foi destruída e as redundâncias da rede operacionais foram “alertados” que são deslocadas para
uma área de quase 9 000 responderam às exigências. pelo SIRESP “para o elevado uma ocorrência, por forma
hectares. No documento para Contudo, há mais um lado do número de talkgroups em a colmatar a inexistência do
consumo interno, a que a relatório: o SIRESP admite que utilização”, com a agravante sistema em determinadas áreas.
Sócrates, Jaime Silva, porque criticou
as políticas da tutela (e a falta de orça-
mento) para o setor.
Mantendo a mesma tónica dos vá-
rios relatórios elaborados pelo Obser-
vatório Técnico Independente, Castro
Rego considera que o cenário “era,
infelizmente, expectável”, dada a es-
tratégia delineada para o setor deste
2017: “O complexo Sistema de Gestão
Integrada de Incêndios Rurais, criado
pela Agência para a Gestão Integrada
de Incêndios Rurais (AGIF), conduziu
a esta situação, dando origem a vários
níveis sequenciais que nunca foram
completados. O nível nacional resu-
miu-se num Plano Nacional de Gestão
Integrada de Incêndios Rurais (PN-
GIFR), que se concretizou num Plano
Nacional de Ação que é uma compila-
ção de projetos. O plano nacional seria
seguido de um nível regional, depois
de um nível sub-regional e, ainda, de
um municipal.”
Se, em abril de 2019, eram cerca de
27 os municípios em falta, hoje são,
como atestam os dados do ICNF, quase
o triplo. Uma realidade a acrescentar ao
facto de alguns terem extensas áreas
consideradas em risco. Arouca, con-
celho que foi durante anos presidido
por José Artur Neves, ex-secretário
de Estado da Proteção Civil e arguido
no caso das golas antifumo, tem 12
freguesias sinalizadas como áreas prio-
ritárias para a fiscalização da gestão de
combustível. Bragança conta com 20
freguesias identificadas pelo mesmo
despacho conjunto dos ministérios da
Castro Rego,
ex-presidente
do Observatório
Independente
do Parlamento
para os Incêndios,
alerta que análise
a fogos de 2022
tem de levar
em conta a falta
de estratégias
atualizadas
Administração Interna e do Ambiente.
Grândola, que tem de ter em conta as
grandes extensões de pinhal de Meli-
des e Castro Marim e que ainda está
a braços com os prejuízos de um dos
maiores incêndios de 2021, é também
um território sob ameaça. Em comum
– sendo de cores políticas diferentes –
têm o facto de não contarem com um
plano atualizado.
À VISÃO, o ICNF descartou respon-
sabilidade direta nesta falha, salientan-
do que se trata de uma “matéria da res-
ponsabilidade, competência e iniciativa
do município respetivo”, mas assegurou
Ourém espera
que há dez planos “em fase avançada
de atualização”, que até já mereceram
para ver
parecer positivo do organismo. Estado de calamidade: exclusão
Admite o ICNF que tal “desatualiza- de concelhos atingidos já levou,
ção” pode ser um problema; contudo, antes, a condenação do Estado
há informação que não perde a eficácia
que se pretende: “Pode acarretar algum
desajustamento da caraterização do O Ministério da Coesão Territorial
concelho e da gestão de fogos rurais, decidiu manter a exclusão de
preconizada face à evolução recente Ourém da situação de calamidade
da realidade territorial, muito embora declarada apenas para o território
essa desatualização abarque, normal- afetado pelo incêndio na serra da
mente, um período de até um ou dois Estrela, apesar dos protestos do
anos face ao fim do prazo de vigência autarca daquele município, onde
inicialmente determinado.” “Impor- arderam 6 mil hectares. A solução
ta frisar ainda que em circunstância passa por arranjar formas de apoio à
alguma se admite a existência de um reconstrução, como acontecerá em
‘vazio de planeamento’ pelo facto de o Vila Real. Ora, já em 2019, o Governo
PMDFCI estar desatualizado, podendo, foi condenado pela Justiça por criar
isso, sim, admitir apenas que possa uma exceção no acesso aos fundos
existir um menor grau de aderência europeus de reconstrução dos
das disposições nele constantes face à municípios atingidos pelos fogos
realidade do território”, conclui. de Pedrógão Grande e de 15 de
Não obstante, este ano, o Orçamen- outubro de 2017, ao deixar de fora
to do Estado não prever a retenção de Mação – que sofrera um incêndio
transferências por falta de planos, tal entre aquelas duas tragédias, com
como aconteceu com nove municí- prejuízos de cerca de três milhões
pios em 2021, o gabinete da ministra de euros. Luís Albuquerque, autarca
da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa,
apontou que a “atualização dos PMDF-
de Ourém, assegurou que está “a
aguardar para ver”. “Foram pedidos
CI decorre da lei” e que os mesmos que levantamentos de prejuízos – algo
tenham visto o “período de vigência” que já estávamos a fazer. Não me
caducado em 2021 se mantêm em vigor passa pela cabeça ter tratamento
até 31 de dezembro” deste ano, poden-
do ser alvo de atualizações cirúrgicas
diferente no que concerne às
ferramentas de reconstrução”,
por outros “programas municipais de
execução da gestão integrada de fogos
disse à VISÃO, admitindo
já ter falado com
rurais”. Do Ministério do Ambiente, o congénere de
veio uma resposta semelhante, mas
com uma atualização dos dados: “des-
Mação “por se tratar
de uma situação
de o dia 1 de janeiro até 31 de agosto o
número de concelhos com PMDFCI
semelhante, em
que uma resolução
desatualizado passou de 78 para 57”, excluiu o concelho
não explicando se a diferença em rela-
ção aos dados do ICNF corresponde ao
de uma
solução”.
número dos que entretanto já tiveram
parecer positivo, adiantado pelo orga-
nismo à VISÃO. nropio@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 45
4 5
 BRASIL
A LOUCA
BRIGA
POPULISTA À boa maneira das telenovelas, a eleição presidencial
brasileira, entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva,
é feita à custa de conflitos e de reviravoltas, em que
a realidade muitas vezes supera a ficção
— P O R N AT H A N F E R N A N D E S , E M S Ã O PA U LO

46 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 47
N
No Brasil, as telenovelas são docu-
mentos históricos. Como espelhos
encontrados em sítios arqueológicos,
elas refletem a época em que foram
produzidas. Nesse sentido, ganha des-
taque a obra Roda de Fogo, a primeira
novela produzida pela Globo, depois
do fim da ditadura militar, em 1985 –
exibida atualmente por streaming, no
país. Na trama, o empresário de mau
caráter, interpretado por Tarcísio Mei-
ra, descobre que tem uma doença fatal.
No entanto, ao apaixonar-se por uma
juíza, interpretada por Bruna Lombar-
di, ele arrepende-se dos seus crimes e
decide redimir-se antes de partir.
O poeta Décio Pignatari, num ar-
tigo que escreveu, nessa época, para
o jornal Folha de S. Paulo, explicou
como ninguém o que estava em causa:
“Vagamente, consegui perceber que
estamos assistindo à telenovela sim-
bólica da morte da ‘Velha República’
e da parturição [nascimento ou parto
natural] da ‘Nova’.” Falecido em 2012,
o poeta ficaria surpreendido ao des-
cobrir que a obra que assinala o fim
do período militar na década de 1980
permanece assustadoramente atual no
Brasil de 2022.
Se em Roda de Fogo a contrapo-
sição entre a “Velha República” e a
“Nova” era feita através das persona-
gens conservadoras e progressistas, no
Brasil de hoje essa oposição é repre-
sentada pelas duas principais figuras
que disputam as eleições presidenciais,
cuja primeira volta está agendada para
2 de outubro: o Presidente Jair Bolso-
naro, do Partido Liberal (PL), e o ex-
-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
do Partido dos Trabalhadores (PT).
Na mais recente pesquisa de in-
tenção de votos, feita pela consultora
Quaest, o ex-sindicalista aparece com
44% dos votos, perante os 32% do
ex-capitão e atual titular, enquanto os
candidatos da chamada “terceira via”
amargam com valores de um só dígito.
Os mais relevantes, como Ciro Gomes,
do Partido Democrático Trabalhista
48 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Estratégias
Bolsonaro espera
que o apoio de
evangélicos e
de artistas como
Gusttavo Lima lhe
permita encurtar
distâncias com
Lula
(PDT), e Simone Tebet, do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), regis-
tam apenas 8% e 3%, respetivamente.
Todos os outros aparecem com 1% ou
menos. Os dados, que se repetem em
outros estudos, reforçam a ideia de que
esta eleição poderia ser, por si só, uma
novela, ao representar o embate entre
um ex-Presidente de centro-esquerda
obcecado por regressar ao poder e um
mandatário de extrema-direita dis-
posto a tudo para se manter no cargo.
POLARIZAÇÃO ≠ SIMETRIA
Apesar de alguns aspetos das eleições
atuais terem cenas dignas de uma obra
dos anos 80, outros há que são con-
temporâneos e inéditos. Como explica
a politóloga Mayra Goulart da Silva, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
as eleições brasileiras são, desde 1994,
estruturadas em torno de dois polos: o
petista (do Partido dos Trabalhadores,
de Lula) e o antipetista, representado,
por norma, pelo Partido da Social-De-
mocracia Brasileira (o PSDB, do ex-Pre-
sidente Fernando Henrique Cardoso).
Através de uma metodologia usada
para codificar e quantificar as afirma-
ções propostas pelos partidos nos seus
programas de governo – o Comparati-
ve Manifesto Project, que Mayra Silva
aprendeu a utilizar no seu pós-douto-
ramento, no Instituto Universitário de
Lisboa –, a académica comprovou que
o Brasil tendia a organizar-se numa
polarização de duas forças de centro,
uma inclinada mais à esquerda, outra
à direita. Ambas costumavam apresen-
tar propostas de modernização para o
país. Enquanto o PT dava prioridade
ao crescimento económico e desen-
volvimento social, o PSDB tinha um
viés mais liberal, com a atenção virada
para a rentabilidade dos investimen-
tos económicos. “A questão é que, a
partir de 2013, com as revoltas popu-
lares, percebemos que uma parcela da
população que acumulava um certo
sentimento reacionário e conservador
 Lula mantém vantagem?
A vitória de Lula na primeira volta, a 2 de outubro, parece garantida.
A dúvida está em saber se haverá ou não segunda volta, três semanas depois
Lula Bolsonaro Outros Branco/Nulo/Não vai votar Indecisos
Valores em % 31 ago.
48 2022
46 45 45 46 46
44 44 45 44 45 44

32 33 32
30 31
29 29
26
23 23 23
21

19 19 19 19 12 12 13
17 17 16 10 10
8 8
10
7 6 5 6 6 6 6 6 6
5 5 5 5 5 6 6 6 6 5
4 3
nov. dez. jan. fev. mar. abr. mai. jun. jul. 3 ago. 17 ago.
2021 20212021 2022 2022 2022 2022 2022
2022 2022 2022 2022 2022
FONTE Quaest MT/VISÃO

É preciso lembrar, no entanto, que e a Imprensa, no Brasil de 2022 são

não se via representada pelo PSDB, que
sempre foi mais identificado com as
classes médias e altas”, observa Mayra
Silva. “À medida que esse antipetismo
e esse descontentamento generalizado
começam a penetrar no tecido social e
a conquistar as camadas mais pobres,
o PSDB deixa de ser capaz de corres-
ponder às expectativas.”
É por isso que, de acordo com a
investigadora social, a eleição de 2022
é atípica e marca uma tendência já
observada em 2018: o rompimento da
polarização entre PT e PSDB, ao apre-
sentar uma nova força antipetista, o
bolsonarismo. Além disso, diferente
dos líderes do PSDB, Bolsonaro é um
líder popular. “Essa é a primeira eleição,
desde a redemocratização, na qual te-
mos os dois maiores líderes populares
da História recente do país a enfren-
tarem-se. É isso que torna essa eleição
tão refratária a qualquer alternativa ao
que chamamos ‘terceira via’”, explica
Mayra Silva.
polarização não significa simetria. O
facto de a eleição ser organizada em
dois lados distintos não quer dizer que
estes dois lados sejam extremos opos-
tos. “De um lado, você tem o PT, uma
força de centro, que atraiu dez partidos
para a sua coligação, além de Geraldo
Alckmin, um vice que pertenceu ao
PSDB, identificado com segmentos
conservadores da população e da Igreja
Católica. Do outro lado, temos um can-
didato extremista. E eu digo ‘extremista’
como um termo técnico, porque, se
codificar o programa de Bolsonaro,
perceberá que ele pertence a uma for-
ça política distante do centro; ele está,
inclusive, à direita de Donald Trump.
É um programa de extrema-direita”,
conclui a investigadora.
ESPERANÇA NA PAZ
É esse extremismo que, na visão dos
analistas políticos, faz com que Bolso-
naro seja visto com bons olhos apenas
por segmentos específicos, como os
militares, os evangélicos e os empresá-
rios do setor agroalimentar. Se na novela
Roda de Fogo a aversão ao conserva-
dorismo era marcada por personagens
que representavam o poder judiciário
Entre janeiro e
abril, registaram-se
mais de dois
milhões de
eleitores entre
os 16 e os 18 anos
os artistas que, com o seu poder de
influência nas plataformas digitais, se
posicionam frontalmente contra as
forças reacionárias.
A cantora Anitta, por exemplo, que
é considerada a maior artista pop do
Brasil atualmente, ajudou a impulsionar
a campanha de Lula nas redes sociais,
depois de declarar apoio ao ex-Pre-
sidente. De acordo com a consultora
Bites, uma resposta de Lula à artista no
Twitter foi a publicação do petista que
teve mais partilhas, neste ano.
A cantora também se envolveu na
campanha para fazer com que jovens
entre os 16 e os 18 anos, os quais ainda
não são obrigados a votar, tirassem o
título de eleitor. Ela chegou a anunciar
que só faria fotos com fãs que tivessem
o documento. Os esforços, que conta-
ram com o apoio de outros famosos,
refletiram-se nos números: o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) registou, entre
janeiro e abril de 2022, mais de 2 mi-
lhões de jovens eleitores até aos 18 anos,
uma marca histórica que representa
um aumento de 47,2% em relação ao
mesmo período em 2018.
O apoio expresso de artistas como
Gloria Groove, Pabllo Vittar e Emicida
também ajuda a aumentar a mobilização
do ex-Chefe de Estado entre o público
jovem, parte do eleitorado que Bolsona-
ro tem dificuldade em conquistar. Além
disso, o envolvimento de “veteranos
progressistas”, como Caetano Veloso,
Chico Buarque e Gilberto Gil, reforça
ainda a ideia de que Bolsonaro repre-
senta um modelo retrógrado.
No dia 20 de agosto, Lula fez o lan-
çamento da sua campanha no Vale do
Anhangabaú, em São Paulo, um lugar

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 49

histórico na luta pelo fim da ditadura
militar. O cenário era tranquilo, mas
o percurso até chegar lá nem tanto.
“Fiquei apreensivo ao caminhar até ao
local, porque nunca se sabe se vamos
encontrar algum bolsonarista armado”,
lembra o professor de Geografia Kliss-
mann Moxi, de 30 anos, a explicar que a
irmã, vinda de um ponto mais distante
da cidade, evitou usar, por segurança,
qualquer adereço que lembrasse Lula
ou o PT.
A preocupação não é descabida, já
que, em julho, um tesoureiro petista foi
morto na própria festa de aniversário,
decorada com símbolos do PT. O local
foi invadido por um agente policial, que
entrou aos tiros e aos gritos: “Aqui é
Bolsonaro!”. O petista morreu, e só não
houve mais mortes porque a mulher
da vítima conseguiu conter o atirador.
“Nos últimos meses, busquei afastar-
-me um pouco da política, porque fiquei
bem mal psicologicamente. Pela primei-
ra vez, passei a tomar antidepressivos
por conta do stresse pós-traumático
causado pela pandemia e pelas ameaças
de Bolsonaro”, aponta Moxi. “Tanto que
defini que neste ano votaria em qualquer
candidato que tivesse chances de der-
rotar Bolsonaro, menos Sérgio Moro,
para ver se conseguimos reorganizar o
Brasil e garantir uma paz social, que não
vemos há muito tempo”, acrescentou o
professor, ainda antes do anúncio, pelo
TSE, de que vai ser interditada a circu-
lação de civis armados nas imediações
das assembleias de voto, a 2 de outubro.
POLÍTICA POP
Em julho, Jair Bolsonaro, que conta com
o apoio de artistas ligados ao setor dos
agronegócios, como o cantor Gustta-
vo Lima, também fez do seu anúncio
oficial à reeleição um espetáculo, com
efeitos de luz, de som e jingle sertanejo,
na cidade do Rio de Janeiro, um dos
seus bastiões.
“Vivemos um momento a que chamo
‘era da política pop’”, afirmou ao podcast
O Assunto, da Globo News, o cientista
político Felipe Nunes, diretor da Quaest.
“As pessoas consomem informação não
pelas suas posições ideológicas, mas por
conta do entretenimento. E o Presidente
claramente preparou um grande show
para tentar tocar no sentimento das
pessoas. A eleição racional é ruim para
Bolsonaro, que depende de uma eleição
mais emotiva, que tenta tocar no cora-
ção das pessoas para sensibilizá-las”,
explica Nunes.
Não por acaso, além do homem que
50 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Alianças O apoio da cantora Anitta
tem sido decisivo na campanha de
Lula, sobretudo nas redes sociais
ocupa o Palácio do Planalto desde 1
de janeiro de 2019, a primeira-dama
Michelle Bolsonaro foi a única pessoa
a falar no lançamento da candidatura.
A estratégia é aproximar o Presidente
do público feminino, que tende a rejei-
tá-lo, após vários ataques a jornalistas
mulheres e muitas tiradas misóginas,
como quando insinuou que só não
violaria uma deputada porque a con-
siderava feia. Por ser ainda evangélica,
a primeira-dama também é uma peça
importante para ligar o Presidente a este
tipo de eleitores, que representam quase
30% da população brasileira. A ideia de
uma “guerra espiritual” do “Bem contra
o Mal” e os ataques a religiões de matriz
africana são, no entanto, questionados
por organizações de direitos humanos.
“O discurso de Michelle traz a religião
para o centro da política, mas faz isso de
uma maneira que nos leva para o século
XVII, a trazer a ideia de uma superio-
ridade de crença sobre as outras. Isso
é péssimo para pensarmos em termos
civilizacionais no século XXI, que é o
século da valorização da diversidade”,
explica o politólogo Marco Teixeira, da
Faculdade Getúlio Vargas.
No lançamento da candidatura de
Bolsonaro no Rio de Janeiro, que ocor-
reu no Maracanãzinho, o famoso recinto
polidesportivo carioca, era possível ver
um mar de camisolas verdes e amarelas,
da seleção brasileira de futebol, além de
bandeiras com o rosto do Presidente,
misturadas com bandeiras de Israel e
de igrejas neopentecostais. Em outras
iniciativas do género, como foi obser-
vado pela reportagem da VISÃO, os par-
ticipantes chegam a juntar as famílias,
para posarem para a foto, ao lado de
polícias e de militares, algo impensável
numa manifestação política normal. A
preocupação dos participantes no Mara-
canãzinho era mostrar que o lugar estava
cheio. Uma mulher que estava sentada
em uma das arquibancadas chegou a
questionar os seguranças sobre alguns
lugares vazios. “Eu vou dizer o porquê: a
organização do Maracanãzinho é petista.
Querem que as arquibancadas apareçam
vazias nas fotos, para insinuar que nosso
Presidente está fraco”, afirmou.
ARMAS E BONDADES
Para Camila Asano, coordenadora de
Política Externa e Direitos Humanos da
Conectas, uma das principais organi-
zações não governamentais de direitos
humanos da América Latina, o discurso
agressivo do governo de Brasília, muitas
vezes contra as populações negras e in-
dígenas, tem reflexos políticos graves. “O
Presidente Bolsonaro facilitou o porte e
a posse de armas por meio de decretos,
ou seja essas mudanças não passaram
sequer pelo Congresso Nacional, daí
que essas ações sejam questionadas pelo
Supremo Tribunal Federal”, explica.
Nos quatro anos do atual executivo
federal, o número de pessoas com licen-
ça de armas de fogo quase quintuplicou,
de acordo com o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública. Em 2018, antes da
tomada de posse de Bolsonaro, havia
117,4 mil registos ativos para caçadores,
atiradores e colecionadores (CAC). Em
junho de 2022, esse número passou para
673,8 mil – o maior valor da série his-
tórica, que começou em 2005. Há mais
armas no arsenal dos brasileiros do que
em instituições do Estado. Investigações
da Polícia Federal mostraram que parte
destas armas é vendida para o crime
organizado.

Alguns analistas políticos temem que
a agressividade do discurso presiden-
cial, aliada ao armamento de apoiantes,
possa inspirar situações semelhantes
ao da invasão do Capitólio, nos Esta-
dos Unidos da América. “A violência
perpassa todo o ambiente eleitoral, e
há uma preocupação de que a violência
seja ainda mais acirrada quanto mais
próximo estivermos da ida às urnas”,
acredita Camila Asano.
Os decretos das armas não foram as
únicas manobras do Presidente para fa-
zer valer a sua vontade. A três meses das
eleições, em julho, o Congresso aprovou
a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), que culminou numa série de be-
nefícios sociais. Conhecida como “PEC
Kamikaze”, a medida cria um vale para
camionistas e taxistas, dobra o valor do
Auxílio Gás e aumenta o programa de
rendimentos para famílias pobres, o
Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600
(cerca de €115), um custo estimado em
R$ 41,25 bilhões (perto de €8 mil mi-
lhões) para os cofres públicos.
O que parece bondade do governo,
no entanto é visto por analistas como
oportunismo, já que as medidas só
valem até ao fim do ano, numa clara
manobra de angariação votos junto da
população mais vulnerável. Para criar
os novos benefícios sociais em ano de
eleição – o que é proibido por lei – foi
incluída na proposta a determinação de
um estado de emergência nacional. “O
problema desta ação é que isso está sen-
do feito à custa da descontinuidade de
políticas públicas devidamente articu-
ladas com projetos de desenvolvimento;
você transfere dinheiro de políticas pú-
blicas interligadas umas com as outras
para investir em medidas de alcance
muito limitado”, afirma a cientista po-
lítica Mayra Goulart da Silva.
Um dos diálogos mais emblemáti-
cos da novela Roda de Fogo tem como
protagonistas uma ex-militante de es-
querda, que regressa ao Brasil após um
longo período de exílio, e um ex-militar
de alto escalão, e os dois encontram-se
após o fim da ditadura. A discussão
poderia acontecer nos dias de hoje, nas
redes sociais, entre os apoiantes de Lula
e os de Bolsonaro.
– “Brasil: ame-o ou deixe-o”, lem-
bro-me bem daquela frase calhorda
– diz a militante. – Fique o senhor
sabendo que eu sempre amei o meu
país. Foi por amor ao meu país que eu
deixei tudo, deixei o meu próprio filho
e me engajei em uma luta suicida, mas
digna, heroica e grandiosa.
– Assaltar bancos, sequestrar pessoas
de bem... é uma luta heroica, realmen-
te – diz o militar com ironia. – Heróis
foram aqueles que lutaram contra a
subversão, que defenderam a ordem...
– Que mataram, que torturaram,
que baniram.
– Nem todos fizeram isso, cuidado
com o que fala.
– Chega! Eu não acredito, general,
que o senhor veio aqui para discutir
factos que aconteceram há 15 anos. O
Brasil daquela época acabou, nunca
Com Bolsonaro,
a presença
de militares
em cargos civis
aumentou 70%
mais vai existir.
– Eu também espero que tenha
acabado.
Não acabou, mas está diferente. A
1 de janeiro de 2019, Bolsonaro, um
ex-capitão do Exército, assumiu a Pre-
sidência e, desde então, nomeou mais
militares para cargos de topo nos mi-
nistérios do que os Presidentes da dita-
dura militar. Em 2020, até a Casa Civil,
uma pasta tradicionalmente tutelada
por um civil, passou a ser ocupada por
um militar. Nesse sentido, um estudo
realizado pelo Instituto de Pesquisas
Económicas Aplicadas (IPEA) mostra
que o atual Chefe de Estado promoveu
um aumento de 70% na presença de
militares em cargos de natureza civil,
na Administração Federal.
Durante a era bolsonarista, os mi-
litares recuperaram um prestígio que
não conheciam há décadas. Os altos
salários e os benefícios que conquis-
taram ajudam a explicar porque estão
do lado do Planalto nos ataques ao voto
eletrónico, baseados em provas falsas
e mentiras, com o propósito de desa-
creditar o mesmo sistema eleitoral que
elege Bolsonaro há mais de 30 anos –
primeiro como deputado, depois como
Presidente. Os militares chegaram a
ser convidados pelo Tribunal Superior
Eleitoral para “fiscalizarem” as eleições
– uma atribuição que não lhes compete
–, a fim de se evitar maiores atritos com
o Presidente.
O apoio dos militares e das polícias
aumenta a expectativa em relação a
uma possível contestação pós-eleitoral
de Jair Bolsonaro, caso perca. Desde o
início do mandato que afirma, sem pro-
vas, que foi vítima de fraude há quatro
anos e que deveria ter sido declarado
vencedor logo na primeira volta.
Para a politóloga Mayra Goulart da
Silva, não corre o risco de ser palco de
um novo golpe de Estado. Não da for-
ma como os conhecemos. “Este é já um
conceito anacrónico, mesmo para os
populistas de direita”, garante. Ou seja:
uma telenovela alinhada com o novo
momento brasileiro teria de ajustar-se
à realidade que se impõe. “O populista
de direita tem outro modelo de con-
testação da democracia liberal. Não se
trata de um modelo binário (democracia
liberal ou autoritarismo militar), mas
de um modelo de esvaziamento das
instituições e de tudo aquilo que pode
ser um obstáculo à sua vontade politica.
Eles não querem acabar com o Estado;
eles querem usá-lo como bem enten-
derem.” visao@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 51
NAZIS
QUE SE
DERAM
BEM
Um novo livro traz revelações
extraordinárias sobre as segundas
vidas de nazis que renegaram
o passado e encontraram a
felicidade nos braços dos Aliados.
Alguns tiveram mesmo carreiras
fulgurantes e acabaram os seus
dias cobertos de glória e riquezas.
Leia e espante-se
— PO R J . PL ÁCI D O J Ú N I O R

52 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 53
 A
Antes de dançar uma valsa com Jacqueline Kennedy, a 20 de
janeiro de 1961, na Casa Branca, no baile da tomada de posse de
John Fitzgerald Kennedy como 35.º Presidente dos EUA, e de
ser o cérebro da chegada do homem à Lua, em1969, Wernher
von Braun teve outra vida – a de engenheiro mortífero ao ser-
viço de Hitler, na II Guerra Mundial (1939-45). “No fim de ja-
neiro de 1945, o som dos canhões soviéticos começa a chegar a
Peenemünde, onde von Braun trabalha como louco para com-
pletar o Amerikaprojekt”, designação que deu à encomenda que
o Führer lhe fizera em fins de 1942, de construir mísseis capa-
zes de atingir Washington e Nova Iorque, conta o historiador e
jornalista francês Éric Branca na obra Nazis que Triunfaram
– As Carreiras Fulgurantes dos Cúmplices de Hitler depois
da II Guerra Mundial, que recentemente chegou às livrarias
(Casa das Letras, €13,99).
Mas von Braun, que alcançou o posto de major nas
SS de Heinrich Himmler, já não foi a tempo de sequer
construir um protótipo. Em compensação, porém, o
engenheiro preferido de Hitler forneceu às forças na-
zis “um protótipo completo que até então mantivera
totalmente secreto: o do primeiro míssil terra-ar, o
Wasserfall, testado contra os bombardeiros aliados no
início de 1945, com um tal êxito que não houve nenhum
aviador sobrevivente para fazer um relatório do recon-
tro”, acrescenta o especialista.
Mais: até março de 1945, 2 800 V2 (um foguete inven-
tado por von Braun e que seria o primeiro míssil balísti-
co da História) semearão o terror na Grã-Bretanha, nos
Países Baixos, na Bélgica e em França, causando milhares
de mortos. As populações, habituadas aos grandes raides
aéreos – sirenes e corrida para os abrigos –, “não estão
preparadas para esta morte silenciosa e sem aviso prévio”,
diz o historiador. “Quando o motor do V2 para, ainda o
foguete se encontra na estratosfera, 10 ou 20 quilómetros
acima do solo. E, quando se dirige ao alvo, antes de se
abater sobre ele na vertical, fá-lo a uma velocidade três
vezes superior à do som, de forma que ninguém pode
ouvir nem ver a bomba antes da explosão final.”
A 2 de maio, dia da queda de Berlim, von Braun está
na cidade bávara de Oberammergau para se pôr à dis-
posição dos EUA. “Oferece como brinde vários camiões
cheios de documentos, maquetas e amostras de vários
tipos – em especial aparelhos eletrónicos –, além de
aços especiais”, diz o historiador. Os britânicos “pro-
testam e exigem que von Braun responda por crimes de
guerra”, mas os americanos fazem ouvidos de mercador.
“A descoberta dos projetos de von Braun com capacidade
54 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Mentiroso Albert
Speer negou saber
o que se passava
nos campos de
concentração, mas
esteve no local onde
Himmler apresentou
a “solução final”, o
genocídio dos judeus.
Morreu tranquilo e
rico
para atingir os EUA convence-os do valor inestimável
desta presa de guerra”, acrescenta.
Seguir-se-á a Guerra Fria com a União Soviética e,
num ápice, o engenheiro e a sua vasta equipa são colo-
cados em duas bases americanas de ensaios, onde be-
neficiam de “condições de trabalho excecionais”, relata.
O retorno será enorme: em 1956, está pronto um míssil
capaz de atingir a URSS e, em 1958, von Braun pôs o pri-
meiro satélite americano em órbita, o Explorer 1. Nesse
mesmo ano, a NASA é fundada e o antigo nazi torna-se
o responsável pelos seus programas. “Beneficia de uma
liberdade de inovação absoluta” e “será ela que conduzirá
à epopeia lunar de 20 de julho de 1969, graças ao enorme
foguetão Saturn V e aos milhões gastos”, diz Éric Branca.
“No apogeu do seu prestígio” e “coberto de honrarias
(e de dólares)”, como diz o historiador, von Braun entrou
em choque com a administração Nixon e, em 1972, saiu
da NASA. Mas a sua reforma será curta – morreu a 16 de
junho de 1977, aos 65 anos, de cancro no fígado.
“Assassino de mãos limpas”
Albert Speer começou por ser o arquiteto-chefe do Reich,
escolhido a dedo por Hitler. Por exemplo, projetou e dirigiu

FOTOS: GETTY IMAGES
Obra O livro Nazis
que Triunfaram - As
Carreiras Fulgurantes
dos Cúmplices de Hitler
depois da Segunda
Guerra Mundial, do
historiador e jornalista
francês Éric Branca, foi
editado pela Casa das
Letras, tem 384 págs.
e custa €13,99
a construção da nova chancelaria, em Berlim, sonhada pelo
Führer. E quando Fritz Todt, ministro do Armamento e
da Produção, morre, em fevereiro de 1942, num acidente
de aviação, o Führer nem pensa duas vezes: para as fun-
ções irá o arquiteto, então com 37 anos, cuja “mescla de
flexibilidade extrema e de eficácia implacável deixa Hitler
fascinado”, nota o historiador.
Speer gabar-se-á dos resultados do “novo método” que
aplicou no fabrico de armamento. “A produção de armas
era sete vezes mais elevada em 1944 do que em 1942, a dos
tanques cinco vezes e meia e a das munições seis vezes”,
dirá. E isto, sublinhará, com um aumento de “apenas 30%”
de “operários” (leia-se trabalhadores recolhidos pelas SS
nos campos de concentração, que morriam aos milhares
por causa das condições de escravidão nas fábricas). A ve-
rificação do historiador é bem outra: Speer “permitiu que
Hitler prolongasse a guerra além de todos os limites con-
cebíveis”, até ao suicídio do Führer, a 30 de abril de 1945.
Mas quando começou o julgamento de Nuremberga,
em novembro de 1945, com 24 membros proeminentes
da liderança nazi no banco dos réus, entre eles Speer, o
arquiteto destoou, adotando uma “estratégia de defesa de
conivência”. Enquanto os outros acusados, liderados por
Hermann Göring, ex-n.º 2 de Hitler, martelavam o refrão
Estrela Wernher
von Braun foi
um engenheiro
genial – tanto
ao serviço de
Hitler como da
NASA. Pôs o
primeiro satélite
americano
em órbita, o
Explorer 1, e
foi um dos
responsáveis
por colocar
homens a
passear na Lua
“não me arrependo de nada”, o antigo ministro do Arma-
mento declarou-se “culpado”, mas afirmou ter “apenas uma
ideia vaga” do que se passava nos campos de concentração
e que era um tecnocrata “apolítico”. E ainda disponibilizou
ao tribunal centenas de quilos de documentos de arquivos
pessoais, “meticulosamente classificados de uma forma
que mostra que não esperou pelos últimos dias da guerra
para os organizar”, observa o autor.
A “defesa de conivência” resultou. Dos sete acusados de
crimes de guerra e contra a humanidade, que arriscavam
a condenação à morte por enforcamento, Speer foi o único
que viu a pena comutada para 20 anos de cadeia – que
cumpriu na prisão de Spandau, “a escrever, a cultivar flo-
res e, como seria de esperar de um génio da organização,
a aproveitar o melhor possível cada segundo do seu tempo”.
Quando saiu, em 1966, tornar-se-ia “o ex-nazi preferido
dos cidadãos”, como lhe chamou a revista Der Spiegel.
A assunção da culpa e o suposto “desconhecimento” ser-
viram no pós-guerra como polos identificadores para
milhões de alemães. Speer publicou best sellers – como
as suas memórias, em 1969, ou os diários de Spandau, em
1975 – e desdobrou-se em entrevistas.
Viveu tranquilo até à sua morte, a 1 de outubro de 1981,
aos 76 anos, num quarto de um hotel de Londres, na se-
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 55

quência de um AVC que sofreu nos braços de uma jovem
amante britânica. E estava rico, não só à conta dos milhões
de marcos ganhos com os direitos de autor dos seus best
sellers: em 1945, nos cofres de um banco de Hamburgo, e
depois em 1948, no México, conseguiu esconder 30 qua-
dros adquiridos ao marchand Karl Haberstock, que des-
de a década de 1930 se especializara em despojar judeus
para revender as suas obras de arte a preços de amigo aos
principais dignitários do regime nazi.
Os documentos comprometedores surgiriam muito
mais tarde, pelo trabalho de investigadores históricos. Em
2007, apareceu um documento que atestava a presença
de Speer em Posen, na Polónia, a 6 de outubro de 1943,
quando Himmler apresentou o plano da “solução final”, de
genocídio dos judeus. Outro relevante documento desco-
berto é uma carta de Speer para Himmler, em que exige,
em nome de um aumento de produtividade, uma “nova
planificação na construção dos campos de concentração”.
Por tudo isto, Éric Branca apelida Speer de “assassino de
mãos limpas”.
O radialista que chegou a chanceler
Embora em 1940 devesse ter sido mobilizado para a
Wehrmacht depois de ter feito uma formação militar, Kurt
Kiesinger integra, em vez disso, o serviço radiofónico do
Ministério dos Negócios Estrangeiros. É certo que tinha
aderido ao Partido Nazi logo em 1933, mas ainda hoje está
por se saber como o ex-advogado, então com 36 anos,
conseguiu tal “tacho”. “Apesar de uma investigação muito
sistemática, o seu biógrafo, Philipp Gassert, não conseguiu
chegar a qualquer conclusão”, embora sugira que Kiesin-
ger “tem um medo irracional do fogo”, diz Éric Branca,
acrescentando que, “perante o microfone, no entanto, não
falta combatividade a Kiesinger”, a ponto de se ter tornado
“uma das peças centrais da propaganda nacional-socialista
na Europa ocupada”. Ganha até o cognome de Goebbels
do estrangeiro.
Em 1941, chegou a primeira promoção: chefe do Servi-
ço Político da Rádio. “A este título, coordena o conteúdo
das 11 estações que emitem para o estrangeiro, o que, na
prática, faz dele um dos principais censores do regime”,
56 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Ensombrado O
passado nunca
deixou o presente de
Kurt Kiesinger, mas o
facto é que o ex-nazi
chegou a chanceler
da Alemanha
Houve nazis “reciclados” em
instituições como a NATO, a
NASA, a CIA… e um foi, até,
chanceler da Alemanha. Nem
todos mantiveram a postura
de Göring, o famoso “Não me
arrependo de nada”
nota o historiador. Em novembro de 1944, é, pela última
vez, promovido no aparelho nazi: Goebbels chama-o para
o Ministério da Propaganda, como diretor-adjunto dos
programas destinados ao estrangeiro. Será naquele lugar
que os americanos o vão encontrar, em 1945.
Com um aguçado sentido de vida, Kiesinger aderiu,
logo em 1947, à CDU. Há de conspirar, com êxito, para
derrubar o primeiro chanceler da nova e democrática
República Federal da Alemanha (RFA), Konrad Adenauer,
e o seu sucessor, Ludwig Erhard, porque nenhum deles o
chamou para o governo. E, a 1 de dezembro de 1966, aos 62
anos, Kiesinger chegou por fim ao topo, como chanceler,
numa grande coligação com o SPD de Willy Brandt, que se
torna ministro dos Negócios Estrangeiros do seu governo.
Nunca suspeitou de que o seu passado nazi regressaria
para o assombrar e derrubar. E, contudo, voltou. “‘Nazi!’
O grito soou ao mesmo tempo que a bofetada, amplifica-
dos ambos pelo microfone próximo”, conta o historiador.
“Na tribuna, o homem de cabelo branco escondeu o rosto
com a mão, como uma criança que tentasse proteger-se de
uma segunda bofetada.” Naquele 7 de novembro de 1968, a
ativista (e caçadora de nazis) franco-alemã Beate Klarsfeld,
29 anos, entrou para a história dos grandes momentos da
TV em direto, esbofeteando o chanceler. Na ocasião, Kie-
singer preparava-se para encerrar o congresso da CDU,
num hotel de Berlim, e a ativista precipitou-se sobre a
tribuna antes que alguém pudesse reagir.
 Três “distintos” espiões
Reinhard Gehlen (1902-1979)
General nazi, chefiou a FHO (Fremde
Heere Ost), um serviço secreto militar
focado na frente leste, que espiava a
União Soviética e outros países. No
verão de 1944, chegou a participar numa
conspiração para assassinar Hitler. Acabou
ao serviço da CIA e foi de grande valia para
os EUA, pelo seu conhecimento das forças
soviéticas.

Walter Schellenberg (1910-1952)

Morreu cedo, de cancro, este nazi que
serviu nas SS e foi assistente pessoal
de Himmler. Uma das suas missões
de espionagem trouxe-o a Portugal,
alegadamente para raptar os duques de
Windsor. Cumpriu apenas seis anos de
prisão.

Otto Skorzeny (1908-1975)

Os Aliados chamavam-no o “homem mais
perigoso da Europa”, pois Skorzeny era
mestre em sabotagens e espionagem.
Foi escolhido pelo próprio Hitler para a
espetacular Unternehmen Eiche, nome de
código para o resgate de Benito Mussolini
FOTOS: GETTY IMAGES

Do lado errado O general

Adolf Heusinger (à esq.) da prisão nos Apeninos, em 1943. Depois
viria a ser, nos anos 60, da guerra, o James Bond do Terceiro Reich
presidente do comando viveu em Espanha, onde foi engenheiro.
militar da NATO

“O gesto terá um tal efeito que, nas eleições gerais do
ano seguinte, e numa altura em que a situação económica
parece boa, a CDU perde a maioria e Kiesinger, dois anos
mais tarde, o domínio do partido”, diz o historiador. Até à
sua morte, em março de 1988, aos 94 anos, aquele que, um
dia, foi o Goebbels do estrangeiro ficará a ruminar traições.
Senhor da guerra
O general Adolf Heusinger, diz Éric Branca, foi, “sem
dúvida, o oficial superior que mais conviveu” com Hitler.
Esteve com o Führer “entre 600 e 700 vezes, segundo
ele próprio confessou, por ocasião das célebres reuniões
acerca do ponto da situação a meio do dia, a maior parte
das quais em Rastenburg, o quartel-general do ditador na
Prússia Oriental, também conhecido como Wolfsschanze
(o Covil do Lobo)”, acrescenta o historiador.
Pelo julgamento de Nuremberga, Heusinger passou
como mera testemunha de acusação. E, no entanto, esteve
envolvido nas maiores operações militares decididas pelo
Führer. Foi ele, por exemplo, que ficou “encarregado de
preparar, no maior segredo, a invasão da União Soviética,
bem como os aspetos práticos da sua ocupação”, conta.
Seria ainda Heusinger a coordenar “a ofensiva de verão
de 1942 contra Estalinegrado e a do ano seguinte no arco
de Kursk, antes de organizar a política de terra queimada
durante a contraofensiva soviética”.
Mas o que “continua a ser um dos grandes enigmas
do pós-guerra” é “a sua carreira excecional depois de
1945, sem que tenha cumprido qualquer pena, quando
aqueles que aplicavam as suas diretivas foram presos e,
nalguns casos, enforcados como criminosos de guerra”.
Avulta aqui a sua nomeação, em 1961, para presidente do
comando militar da NATO, cargo que exerceu até à sua
reforma, em 1964.
A Tass, agência de notícias soviética, atacou-o de ime-
diato, acusando-o de ter ordenado pessoalmente o massa-
cre de 45 mil pessoas na Bielorrússia, no outono de 1942.
Um porta-voz da NATO respondeu: “Esta calúnia não
fará ninguém esquecer que o general Heusinger foi um
verdadeiro resistente ao nazismo.” Mas o tiro sairia pela
culatra ao tal porta-voz, lembra Éric Branca. “Desencadeou
uma nova cascata de revelações das autoridades soviéti-
cas, obtidas nos seus arquivos apreendidos em 1945, em
Berlim: Heusinger não só nunca resistira a Hitler como
foi provavelmente um informador da Gestapo acerca dos
meios hostis ao regime.”
Quando, em maio de 1945, se rendeu aos americanos,
Heusinger disponibilizou-lhes de imediato a sua última
documentação atualizada sobre o poder militar soviético.
E, recorda Éric Branca, só quando o general alemão mor-
reu, em novembro de 1982, aos 85 anos, Moscovo arquivou
o processo da sua extradição, que exigia há mais de três
décadas. jjunior@visao.pt

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 57

58 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Ensino e trabalho remotos

SOMOS
FELIZES A
DISTANCIA?
Os trabalhadores dos escritórios não
dispensam o trabalho remoto, dando
preferência ao chamado modelo híbrido, que
lhes traz qualidade de vida. Já os estudantes
não se concentram nem se motivam em
frente ao computador. Sem os convívios
do recreio, a sua saúde mental ressente-se.
O que pensam os portugueses
— P O R J O A N A LO U R E I R O E R U I A N T U N E S
D
Depois de dez meses em teletrabalho
permanente, por causa da pandemia,
Liliana Almeida tinha a certeza de
como seria o seu futuro profissional
se dependesse apenas dela: continuar
a trabalhar à distância, sim, mas sem
cortar pela raiz a ligação ao escritório.
O chamado regime híbrido. Foi essa
a resposta que indicou, no início de
2021, quando a companhia de seguros
para a qual trabalha inquiriu os traba-
OS PORTUGUESES
TRABALHO REMOTO
Acreditam que melhora o equilíbrio
lhadores sobre as preferências. E nada
mudou desde então nas convicções
desta gestora de contencioso na área
de acidentes de trabalho.
Acham que afeta a colaboração
“Numa fase inicial, senti um gran-
de boom na produtividade. Porque
estamos no nosso silêncio, no nosso
espaço, o cérebro pensa melhor, pa-
rece que tudo flui melhor”, descreve,
admitindo que, “com o passar do tem-
po”, o rendimento acaba por “sofrer
oscilações”, em boa medida por falta
de contacto com os colegas. “Nós
somos bichos de socialização, e esta
parte é muito importante”, sublinha.
“Além daquela pausa na hora de almo-
ço para ir tomar um café com um co-
lega, que funciona como uma quebra
saudável do nosso dia de trabalho, há
a possibilidade de esclarecer dúvidas
muito mais facilmente. Se estou na
minha secretária, olho para o lado e
peço opiniões. Em casa, não vou estar
a ligar de propósito, a incomodar o
colega e, por isso, perde-se um pouco
a partilha de experiências e ideias.”
Sempre que permanece no seu es-
paço, nos arredores de Sintra, Liliana,
31 anos, ganha duas horas – o tempo
das deslocações casa-trabalho-ca-
sa – e ainda poupa em transportes.
Mãe recente, também dá graças por
poder passar mais tempo com a filha.
À imagem dela, a maioria dos colegas
inclinou-se para um modelo de tra-
balho misto, um pé em casa e outro
no escritório, e hoje é esse o sistema
que vigora na empresa.
60 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
O QUE PENSAM
SOBRE O
62%
Encaram-no com
um sentimento positivo
82%
entre trabalho e vida pessoal,
em termos de flexibilidade
74%
Consideram que é produtivo
Este exemplo traduz bem o novo
67% paradigma do mercado de trabalho
que ganha adeptos em Portugal, su-
gerem os dados disponíveis e os es-
e comunicação entre colegas pecialistas ouvidos pela VISÃO. Um
estudo académico, no âmbito de um
mestrado em Marketing da Nova IMS
57% (Information Management School, da
Universidade Nova de Lisboa) e ava-
liado com 20 valores, concluiu que “as
Sentem que causa isolamento
e solidão pessoas valorizam a qualidade de vida
e a flexibilidade trazida pelo trabalho
remoto e, portanto, as suas desvan-
71%
tagens podem ser contrabalançadas
por interações cara a cara”, de modo
a “gerar um ambiente em que os tra-
Preferem um modelo híbrido
balhadores podem ter o melhor dos
dois mundos”.
42%
O problema é que a vontade dos
trabalhadores não está na mesma
onda da dos patrões. Um estudo da
Acreditam que torna mais consultora Manpower indica que 74%
difícil a progressão na carreira dos empregadores no nosso país de-
sejam o regresso total ao modo pre-
sencial. E muitos devem ter aplaudido
63% Elon Musk quando o patrão da Tesla
afirmou que o teletrabalho é “fingir
Consideram que traz mais que se trabalha”. Ao nível global, as
competitividade ao mercado pesquisas mostram que quem tem
posições de liderança prefere voltar
ao escritório e ter a sua equipa “de-
50% baixo de olho”.
EXPERIMENTAR CONVENCE
Pensam que cria mais
oportunidades Entre os 161 inquiridos do estudo
de emprego académico acima citado (a maioria
com experiência em ensino remoto,
quase metade em ensino e trabalho

remoto e ainda uma pequena franja
sem qualquer destas experiências, que
respondeu com base em expectativas),
dois terços (67%) preferem o modelo
de trabalho híbrido, 11% inclinam-se
para o regime 100% remoto e quase
22% dizem-se mais confortáveis com
o trabalho presencial. Considerando
apenas os que já trabalharam à distân-
cia, a preferência pelo sistema híbrido
ascende aos 71% e a opção pelo total-
mente remoto aproxima-se dos 16%,
esmagando a fatia que quer trabalhar
sempre no escritório.
“A experiência afeta positivamente
a perceção das pessoas em relação ao
trabalho remoto. Já quem só estudou
à distância fica mais inseguro”, nota
Beatriz Portugal, uma das autoras
do estudo. Essa desconfiança poderá
estar relacionada também com “o
aborrecimento e a dificuldade de con-
centração” sentidos pela maioria dos
estudantes na aprendizagem remota.
“Há bons cursos online, mas não
existe a interação com os colegas nem
com os professores. É um exército de
um só aluno, sem o suporte social”,
concede Diego Costa Pinto, o profes-
sor da Nova IMS que avaliou o estudo
com nota máxima e que também des-
taca a importância dessa componente
no meio laboral. “Muitas das inovações
nas empresas surgem nesse contexto
da interação social: o almoço com um
colega, o café, uma conversa...”
Embora prevaleçam, não são ape-
nas as gerações mais jovens a adotar
JOSÉ CARLOS CARVALHO
uma nova mentalidade em relação ao
trabalho, que privilegia a flexibilidade
e o bem-estar pessoal. “É algo trans-
versal, independentemente da faixa
etária”, adianta Sandrine Veríssimo,
diretora regional de Lisboa da Hays,
empresa de recrutamento e recursos
humanos. “Quando apresentamos
um projeto aos candidatos, o mo-
delo de trabalho à distância é uma
questão que surge logo ao telefone,
antes até do salário e da entrevista.
Se é presencial, muitos nem querem
ouvir mais nada”, revela a responsável,
estimando em 80% as empresas que
hoje disponibilizam oportunidades
de trabalhar a partir de casa – ou de
qualquer outro lugar.
Um estudo
da consultora
Manpower indica
que 74% dos
empregadores no
nosso país desejam
o regresso total ao
modo presencial
Sem cortar de vez
Quando trabalha em casa,
Liliana Almeida poupa duas
horas diárias em deslocações,
mas prefere o regime híbrido
Vanda Santos, diretora de serviço
e qualidade da Adecco Portugal, em-
presa do mesmo setor, atesta que “a
pandemia veio diminuir a resistência
das empresas” a este tipo de soluções.
Agora, sempre que o trabalho remoto
é viável, torna-se imperioso adapta-
rem-se a um paradigma que valoriza
“a conciliação da vida profissional e
pessoal, assim como a saúde mental e
o bem-estar dos seus profissionais”, se
os quiserem preservar ou atrair novos:
“Não há dúvida de que a flexibilidade
no trabalho é o padrão a implementar
como fator-chave de equilíbrio para
que haja produtividade num ambiente
são, com pessoas felizes e motivadas.”
ADEUS, CHEFE TÓXICO
Um estudo global da consultora Ro-
bert Walters, com 5 500 participantes,
divulgado no início deste ano, de-
terminou que 96% dos portugueses
gostariam de continuar num regime
de teletrabalho pós-pandemia – a
maioria (52%), pelo menos uma vez
por semana. De acordo com dados do
INE (Instituto Nacional de Estatística),
cerca de 20% da população empre-
gada (quase um milhão de pessoas)
encontrava-se a trabalhar a partir de
casa, na maior parte do tempo, no
segundo trimestre de 2022.
“O trabalho remoto veio para ficar,
os horários rígidos morreram ou estão
a definhar”, sustenta Pedro Ramos,
presidente da Associação Portuguesa
de Gestão das Pessoas e diretor-exe-
cutivo da empresa de recrutamento
Keeptalent Portugal. “Generalizando,
as pessoas ganharam um novo prota-
gonismo e têm, hoje, uma voz ativa na
relação laboral, ajudadas pelo contexto
de pleno emprego. Houve uma rutura
com aquela ideia de que aceitam tudo,
incluindo o chefe tóxico”, exemplifica,
convicto de que “vivemos numa era
experiencial em que as empresas têm
de seduzir o trabalhador para ele não
se ir embora”. Uma das estratégias
para o conseguirem, defende, é através
de um modelo de trabalho híbrido.
“As pessoas começaram a exigir isso,
porque perceberam que a componente
social do trabalho não é completa-
mente substituída pelo digital.”
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 61
 Da interação da Microsoft com os
seus milhares de clientes sai a mes-
ma conclusão. Alberto Silva, diretor
do negócio de trabalho moderno da
multinacional na Europa, diz que o
modelo híbrido está a conquistar a
maioria das organizações, incluindo
em Portugal. As empresas que estão
a passar por mais dificuldades, ou até
a recuar para o modelo tradicional
(100% presencial), são aquelas que não
encontraram ferramentas de comu-
nicação e de gestão adequadas para
proceder à transição digital, argumen-
ta. As restantes alcançam “ganhos de
produtividade”, em consequência, por
exemplo, de “maiores tempos de con-
centração e menores taxas de stresse
e de absentismo” dos trabalhadores,
que exigem flexibilidade.
“Estamos perante uma nova di-
nâmica do mercado, que não existia
antes da pandemia e que agora é críti-
ca para ganhar vantagem competitiva
na captação e retenção de talentos”,
considera Alberto Silva, convencido de
que o futuro do ensino também será
cada vez mais híbrido, mas apenas
como “suporte à educação presencial”,
que, no seu entender, continuará a ser
“fundamental”.
SOS DIGITAL NAS ESCOLAS
Em contraste com a boa aceitação do
trabalho remoto estão as dificuldades
de concentração (69%), a falta de mo-
tivação (61%) e a falta de compreensão
dos conteúdos (45%) que o ensino à
distância acarretou para os alunos, se-
gundo o mesmo estudo da Nova IMS.
Ao recordar o encerramento da
Faculdade Ciências Farmacêuticas
da Universidade do Porto e a con-
sequente opção pelo ensino remoto,
Carolina Semedo, 20 anos, descreve
esses meses como “terríveis”. Quando
tinha um trabalho para entregar ou
um exame online, a estudante sentia
a ansiedade a crescer. A qualquer mo-
mento, a fraca ligação à internet podia
cair ou o computador com mais de
dez anos podia desligar. “Nos exames,
nunca aconteceu, mas falhei alguns
trabalhos porque o computador não
funcionava. Os professores foram
compreensivos, mas sentia que estava
a perder a sua confiança”, conta. Para
a família, era incomportável comprar
outro computador e, da universidade,
nunca recebeu resposta a um pedido
de empréstimo. “Sempre tive boas
notas, era frustrante sentir que não
conseguia dar aquilo que podia.”
62 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
A aluna bolseira vivia sozinha com
a mãe, empregada doméstica, em
Gondomar. Entretanto, esta adoeceu
e, quando perdeu a baixa médica, só
puderam contar com umas parcas
poupanças para fazer face às despesas.
Da Câmara Municipal de Gondomar
ou da Junta de Freguesia não tiveram
quaisquer apoios. Carolina reconhece
que, naquela fase, “tinha a cabeça em
todo o lado, menos na faculdade, só
pensava em desistir”. Se tivesse tido
sucesso nas candidaturas de empre-
go, provavelmente teria congelado a
matrícula.
As vivências académicas, essas, sim,
congelaram. “A minha saúde mental
ficou muito debilitada. Só no segundo
ano soube que a universidade dispo-
nibilizava apoio psicológico, que foi
essencial para ultrapassar esse mo-
mento”, sublinha.
Diana Alves, professora na Fa-
culdade de Psicologia e Ciências da
Educação, onde existe um serviço de
consulta aberto à comunidade, diz que
se verificou “não só um número mui-
to mais significativo na procura mas
também um aparecimento muito mais
abrupto e repentino da sintomatologia
e um índice de maior gravidade dos
sintomas de mal-estar”.
Um estudo encomendado pelo Mi-
nistério da Educação sobre a saúde
mental refere que 34,3% dos estu-
dantes (responderam oito mil, do
pré-escolar ao 12.º ano) acreditam que
a vida ficou pior ou muito pior após
a pandemia, no contexto da escola.
Cerca de um terço afirma ter sentido
uma tristeza tão grande que parece que
não aguenta. “Ganhou-se consciência
de que as dimensões socioemocionais
não estão separadas das cognitivas. As
Com o isolamento,
um terço dos
estudantes afirma
ter sentido uma
tristeza tão grande
que parece que
não aguenta
Ensino à distância Metade dos
professores de escolas públicas
previu serem necessários dois
ou mais períodos escolares para
compensar as perdas
de aprendizagem
questões da ligação com os outros e do
bem-estar psicológico foram sublinha-
das. Infelizmente, apesar do reforço
dos recursos humanos nos contextos
educativos, foi difícil responder às ne-
cessidades”, aponta Diana Alves.
As circunstâncias continuam di-
fíceis para Carolina, que, no entanto,
conseguiu alcançar um maior equi-
líbrio. Arranjou um part-time num
restaurante, para compor o orça-
mento doméstico, conseguiu comprar
um tablet e, agora que está a tirar o
mestrado, até via com bons olhos a
possibilidade de um ensino misto.
“Seria uma mais-valia, para conciliar
o trabalho com os estudos”, explica.
Ana Gabriela Cabilhas, presidente
da Federação Académica do Porto,
reconhece as vantagens de existir um
ensino à distância complementar ao
presencial, principalmente para os
trabalhadores-estudantes. “Durante a
pandemia, a experiência foi negativa,
quer ao nível pedagógico, quer ao ní-
vel das avaliações. Mas é possível fazer
mais, se houver estímulos financeiros
para a formação digital do corpo do-
cente, que não está preparado, e se os
estudantes bolseiros tiverem um com-
plemento para a aquisição de equipa-
mento informático”, defende. Muitos
deles optaram por ficar nas residências

universitárias durante o encerramento
das escolas, porque não tinham con-
dições em casa para acompanhar as
aulas à distância. “Era a única maneira
de terem um espaço condigno”, diz a
representante dos estudantes.
Quem se refere a este período pan-
démico prefere falar em ensino remoto
de emergência, tal foi a urgência de
professores e alunos darem a volta e
se adaptarem bruscamente a novos
meios de comunicação. Com desafios
distintos, conforme os graus de ensino.
As maiores dificuldades sentiram-se
no ensino básico – a ausência da sala
de aula foi claramente penalizadora do
desenvolvimento das crianças. Como
fator positivo, Diana Alves sublinha “a
maior proximidade dos pais à escola
e às necessidades dos professores”.
No ensino superior, a utilização das
tecnologias parece mais consensual,
pela maior maturidade e autonomia
dos alunos. Contudo, mesmo neste
caso, “as instituições tiveram res-
postas muito desiguais, as circuns-
tâncias e as experiências eram muito
diferentes. Da tutela também não
houve um papel promotor do ensino
à distância, e isso foi importante no
desencorajamento”, considera António
Teixeira, professor da Universidade
Aberta, a única em Portugal assente
nesta metodologia. “Funcionava como
instituição de referência”, diz.
Para António Teixeira, “houve al-
gum preconceito ideológico e pre-
valeceu o medo do desconhecido. Na
maior parte dos casos, a metodologia
não foi aplicada de forma adequada.
Por isso, não é justo dizer que é ine-
ficaz”. No futuro, o docente defende
o desenvolvimento de abordagens
mistas, em que as aprendizagens pre-
senciais e à distância coexistam. “Esta
maior autonomia nas aprendizagens
seria uma forma de preparar os estu-
dantes para a própria flexibilidade do
mercado de trabalho.”
O FOSSO DAS DESIGUALDADES
Os dados recolhidos durante a pande-
mia não permitem grande otimismo
sobre a aplicação do ensino remoto de
emergência. O Instituto de Avaliação
Educativa, por exemplo, aponta para
quedas generalizadas dos resultados
nas provas de aferição.
As desigualdades socioeconómicas
ficaram ainda mais vincadas, quer no
acesso aos meios digitais quer nas
competências necessárias para o seu
uso útil e efetivo. Um inquérito da
SOBRE O ENSINO Nova School of Business and Econo-
mics (SBE) revelava que 48% dos pro-
À DISTÂNCIA fessores de escolas públicas previram
ser necessários dois ou mais períodos
31% escolares para compensar as perdas de
aprendizagem, em contraste com 36%
dos professores de escolas privadas.
Encaram-no com um
sentimento positivo Recentemente, “o Banco Mundial
fez um levantamento de dados para 19
países, em que podemos comparar os
69% resultados dos alunos antes e depois
da pandemia, e estamos a falar de di-
ferenças que correspondem a perder
Consideram difícil manter o foco
entre um terço a meio ano letivo”, aler-
ta Pedro Freitas, investigador da Nova
61% SBE. “Há uma certa apatia em torno
do tema, mas isto é o mesmo que dizer
aos pais que os alunos não iam para a
Dizem ter sentido falta
de motivação escola em setembro e só poderiam ir
em janeiro ou março. Imaginem o que
seria, a reação que provocaria!”
45% No ano letivo anterior, o Governo
avançou com o Plano 21|23 Escola+,
de recuperação de aprendizagens,
Afirmam não ter compreendido
bem os conteúdos mas “os relatórios de monitoriza-
ção mostram apenas se as escolas
adotaram ou não medidas, não me-
40% dem o seu impacto nos resultados
dos alunos”, critica Pedro Freitas.
Acreditam ser mais difícil “Precisávamos também de perceber
obter resultados académicos melhor como estes recursos estão a
ser distribuídos e se estão a chegar
àqueles que mais precisam. E não te-
61% mos nenhum indicador que nos diga
isso.” A bem da proclamada igualdade
dos que experimentaram ensino à na educação.
distância acreditam que torna mais Produtiva para uns – os trabalha-
fácil a adaptação a trabalho remoto dores –, prejudicial para outros – os
Fonte: Estudo “Compreender diferentes opiniões estudantes –, a distância terá os seus
sobre o ensino à distância e o trabalho remoto” temperos conforme os temperamen-
tos e a fase da vida. visao@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 63
64 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
 ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
O PESADELO
JÁ COMEÇOU
Até agora, temos falado do aquecimento global
como um problema no futuro. Mas o futuro já
chegou. Fenómenos extremos absolutamente
extraordinários – secas milenares, longas
ondas de calor e temperaturas que pareciam
impossíveis – têm estado a ser cada vez mais
frequentes, um pouco por todo o mundo. Quais
as consequências para as nossas vidas?
O que devemos fazer para enfrentar os novos
tempos? E ainda podemos evitar o pior?
— PO R LU ÍS RI BEI RO
JONATHAN NACKSTRAND/GETTYIMAGES

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 65

 L
Lembra-se de quando se falava das
alterações climáticas no futuro do
indicativo, sempre a apontar gene-
ricamente para o fim deste século?
“Teremos mais ondas de calor, que
poderão matar milhares de pessoas”;
“Picos de temperatura tornarão vá-
rios locais inóspitos”; “As secas serão
mais intensas e longas”; “Fenómenos
extremos de precipitação provocarão
inundações de proporções bíblicas”.
Comparemos estas previsões com
alguns títulos de notícias dos últimos
meses. “Excesso de mortes irrompeu
quando onda de calor atingiu a Euro-
pa: dados preliminares mostram que
milhares de pessoas morreram quan-
do as temperaturas subiram em julho”
(Politico, 3 de agosto). “Em Jacobabad, ça, que tornaram este verão o segundo limite inferior é aquele que o Painel
uma das cidades mais quentes do pla- mais quente desde pelo menos 1900 Intergovernamental para as Altera-
neta, uma onda de calor está a fazer (2,3 ºC acima da média), alimentaram ções Climáticas (IPCC) assume ser
ultrapassar os limites da habitabili- incêndios que queimaram sete vezes o desejável – os 2 ºC já acarretam
dade humana” (Inside Climate News, mais área do que o normal e causaram transtornos climáticos demasiado
20 de junho). “Onda de calor extrema perdas agrícolas significativas, como elevados.
na China pode levar ao caos global e à 20% na batata e 18% no milho. Em Meio grau centígrado pode parecer
escassez de alimentos” (New Zealand 2050 (daqui a menos de 30 anos), irrisório, quase comezinho, mas é o
Herald, 27 de agosto). “Europa vive acrescentou, “espera-se que cerca de suficiente para fazer aumentar os fe-
a sua pior seca em pelo menos 500 metade dos verões seja de um nível de nómenos extremos em várias ordens
anos” (CNBC, 23 de agosto). “Seca na temperatura comparável ou mesmo de grandeza, com efeitos dramáticos
China faz com que Yangtze seque, superior”. O anormal passará a ser para milhões de pessoas. Os 2 ºC, de
provocando escassez de energia hi- absolutamente normal. acordo com um estudo publicado
droelétrica” (The Guardian, 22 de neste mês na Communications Earth
agosto). “Inundações no Paquistão: SE AS PERSPETIVAS JÁ ERAM MÁS... & Environment, provocarão três a dez
mil mortos, milhões afetados pelos Quando se fala de alterações cli- vezes mais “níveis perigosos de calor”
‘horrores das alterações climáticas’” máticas, o aumento da frequência e (mais de 39,4 ºC) até 2100, e duas
(Euronews, 29 de agosto). “Onda de intensidade de fenómenos extremos, vezes mais para as latitudes médias
calor queima colheita de trigo na Ín- sobretudo das ondas de calor e das (Europa Ocidental, EUA, China...)
dia e complica planos de exportação” perturbações nos regimes de preci- até 2050. Ao longo dos trópicos, o
(AP News, 29 de abril). pitação, é o impacto que mais causa número de dias com temperaturas
“Um prenúncio” do futuro: foi preocupação (talvez lado a lado com “perigosamente altas” (mais de 51
assim que Samuel Morin, diretor do a subida do nível do mar). O Acordo ºC) passa para o dobro antes do fim
Centro Nacional de Investigações Me- de Paris, aprovado em 2015, deter- deste século.
teorológicas do Météo-France, resu- mina como objetivo limitar o aque- Mas o planeta não se encontra no
miu as anomalias meteorológicas, ao cimento global a 2 ºC, no máximo, caminho para os 1,5 ºC. O mesmo es-
apresentar um relatório sobre a seca e face ao período pré-industrial, com tudo calcula que haja apenas 0,1% de
os 33 dias de ondas de calor em Fran- a meta preferencial nos 1,5 ºC. Este hipóteses de o aquecimento se limitar

66 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

Deserto do Éden
Os pântanos de Chibayish,
a suposta inspiração para
os Jardins do Éden bíblicos,
estão a secar há três anos
a essa meta ideal do Acordo de Paris.
Pior: é “provável” que a atmosfera se
aproxime dos 2 ºC acima do século
XIX já em 2050, não em 2100. Na
realidade, as políticas climáticas em
curso conduzem-nos aos 2,7 ºC, se-
gundo o Climate Action Tracker, uma
organização científica independente
que analisa o impacto das medidas
de mitigação do aquecimento global.
E isto são contas de novembro de
2021, anteriores à guerra na Ucrânia
e à recessão, que podem emperrar
(ainda mais) os esforços. “Estas novas
circunstâncias vão atrasar a transição
energética de duas formas: perdemos
capacidade de reduzir emissões, por-
que estendemos o uso do carvão para
substituir o gás russo, e ficámos com
um mundo mais desunido, do ponto
de vista geopolítico”, diz Francisco
Ferreira.
O presidente da associação am-
bientalista Zero lembra o quão difí-
ceis são as negociações em condições
HUSSEIN FALEH/GETTYIMAGES
normais nas cimeiras anuais do clima,
no âmbito das Nações Unidas, para se
mostrar pessimista com as próximas,
a começar já pela COP27 no Egito,
em novembro. “Se os resultados fi-
cam sempre aquém do desejável, é
inevitável que, por mais evidências
[das alterações climáticas] que surjam
todos os dias, não haver mais dificul-
dades políticas para atingir consensos
à escala internacional.”
Francisco Ferreira vislumbra, no
entanto, alguns sinais positivos. “Na
União Europeia, não há nenhum
país que esteja a deixar cair as metas
climáticas de longo prazo. Além dis-
so, entre alguns aspetos duvidosos,
como a aposta em novos gasodutos
e em infraestruturas para o gás na-
tural, a verdade é que estamos a dar
um impulso enorme às renováveis e
à eficiência energética.” O ambienta-
A guerra na lista e professor universitário evoca
Ucrânia pode ser o RePower EU, o plano da União
Europeia para reduzir rapidamente
dramática para a dependência energética da Rússia,
acelerando os investimentos em ener-
as metas climáticas gias renováveis. “É uma aposta sem
precedentes.”
por várias razões
COMO DESLIGAR PUTIN
– e uma delas No imediato, a guerra na Ucrânia está
é o aumento a ser catastrófica para os objetivos
climáticos, e de variadas maneiras.
da hostilidade Uma delas é a queima direta de gás na
Rússia. A consultora Rystad Energy
geopolítica calcula que estejam a ser queima-
A agonia
dos glaciares
suíços
O rápido degelo nos Alpes
pode ter efeitos catastróficos na
Europa Central
As temperaturas anormalmente
altas deste verão na Suíça
derreteram tanto gelo que
ficaram a descoberto os
corpos de dois alpinistas,
que terão morrido há 40
anos, e os destroços de um
avião que caiu há mais de 50.
Mas esse é o lado novelesco
de uma mudança em curso
com consequências que
ultrapassam a falta de neve
para as férias de inverno. O
mais preocupante é que os
glaciares dos Alpes suíços
alimentam alguns dos maiores
rios da Europa Central,
como o Reno: no verão, é o
gelo derretido que ajuda a
compensar a falta de chuva
(e, este ano, o Reno chegou
a ficar intransitável para o
tráfego de mercadorias, devido
aos níveis demasiado baixos de
água). A situação dos glaciares
é tão periclitante que tem
deixado muitos investigadores
boquiabertos. Um glaciólogo
da Universidade de Berna,
que todas as primaveras
enterra varões de medição
da profundidade do gelo
nos glaciares Tsanfleuron e
Scex Rouge, para mais tarde
avaliar o degelo, voltou no
verão e encontrou as réguas
caídas no solo, sem gelo a
sustentá-las. O cientista Mauro
Fischer calcula que a perda
de gelo, este ano, tenha sido
o triplo da média da década
passada. Mas este verão
extremo vem apenas acentuar
uma tendência dramática:
um estudo suíço comparou
imagens topográficas dos
anos 1930 com as dos últimos
dez anos e constatou que os
glaciares perderam mais de
metade do seu volume.
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 67
 Incêndios em França A seca
e as ondas de calor no país
levaram a que ardesse sete
vezes mais área este ano do
que é normal

dos 4,34 milhões de metros cúbicos

de gás por dia numa só unidade de
extração, perto da fronteira com a
Finlândia, no valor de €10 milhões,
que estariam destinados ao merca-
do alemão; como cada metro cúbico
de gás emite cerca de meio quilo
de dióxido de carbono, são mais de
duas mil toneladas de CO2 libertadas
diariamente para a atmosfera, sem
qualquer sentido. Os motivos para
esta queima ainda são pouco claros,
mas é possível que seja porque a
Rússia não tem peças para reparar
o equipamento, devido às sanções,
ou simplesmente porque é mais
barato queimar o gás do que parar
e depois recomeçar a extração, um
processo tecnicamente complexo e
dispendioso.
Para lá deste episódio de queima
gratuita de gás, há outros problemas
de curto prazo decorrentes da guerra
que atrasam a necessária transição
energética para fontes mais limpas.
“Cria uma pressão para reagir aos
cortes da Rússia com mais exploração
de combustíveis fósseis: mais extra-
ção de gás natural e reabertura de
centrais a carvão, com o consequente
aumento de emissões”, explica Tiago
Domingos, professor de Ambiente e
Energia no Instituto Superior Técni-
co, em Lisboa.
É uma inevitabilidade, continua.
“Durante a transição, precisamos de
manter alguma autonomia energéti-
ca, e isso faz com que tenhamos de
investir em maior capacidade de ex-
tração. Mas, a médio prazo, ficaremos
menos dependentes de países com os
quais podemos ter problemas geopo-
líticos e daremos um empurrão signi-
ficativo rumo a uma rápida transição
para as energias renováveis.” Porém,
Tiago Domingos deixa um alerta: “Em
Portugal, essa necessidade de acelerar importações de energia russas, o que
as renováveis pode criar facilitismos começa por implicar voltar ao carvão
em termos de licenciamento, nomea-
damente das centrais solares, com
e ao fuelóleo”, resume Luís Guimarais,
representante da RePlanet em Por- Segundo a OMS,
consequências ambientais.”
A RePlanet, uma associação am-
tugal e doutorado em fusão nuclear.
“As emissões aumentam, mas é tem-
as ondas de calor
bientalista europeia de génese cientí- po que se ganha enquanto se acaba a em Portugal
fica, delineou um plano a que chamou restruturação das centrais nucleares
“Switch Off Putin” (Desligar Putin), francesas e se espera que os dois e Espanha
que passa, precisamente, por um
aumento inicial de emissões de gases
reatores em construção na Europa
entrem em funcionamento. Envolve deste ano terão
com efeito de estufa, mas que implica
uma redução a longo prazo. “A ideia
ainda impedir o encerramento previs-
to das três centrais nucleares alemãs
provocado a morte
é, de uma maneira pragmática e no
menor intervalo de tempo possível,
e reverter o encerramento das outras
três, que fecharam no ano passado. Só
a mais
levar a UE a libertar-se de todas as essas seis, que são das mais eficientes de 1 700 pessoas
68 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

do mundo, conseguiriam substituir
os 15 mil milhões de metros cúbicos
de gás natural.” A energia nuclear, re-
corde-se, não emite gases com efeito
de estufa, mas muitos movimentos
ambientalistas opõem-se-lhe, citando
eventuais problemas de segurança e
a questão do armazenamento dos
resíduos radioativos.
Finalmente, após este período
de transição de “um ou dois anos”,
segue-se a descarbonização, remata
Luís Guimarais. “Queremos assegu-
rar o licenciamento de renováveis,
que estão hoje enterradas em bu-
rocracias, e apostar em medidas de
FURACÕES
EM PORTUGAL?
A subida das temperaturas
pode provocar tempestades
no Nordeste do Atlântico
como as que estamos habituados
a ver nas Caraíbas e no golfo
do México
Uma das consequências do
aumento da temperatura
da água é a criação de
condições para a formação
de ciclones: o ar húmido flui
para cima, em rotação, em
zonas de baixas pressões
sobre uma água relativamente
quente, e cria nuvens de
tempestade. A razão pela
qual os furacões são mais
comuns no golfo do México
e na costa sudeste dos EUA
é a água do mar ser mais
quente do que, por exemplo,
na costa portuguesa. Mas
começam a surgir alguns
sinais de mudança. O furacão
Ophelia, cujos ventos
alimentaram os incêndios
que mataram 49 pessoas em
Portugal e se transformou na
pior tempestade na Irlanda,
na História recente, pode ter
THIBAUD MORITZ/GETTYIMAGES
sido um sinal dos tempos que
aí vêm – ficou nos anais como
o furacão de alta intensidade
mais a leste de sempre. Um
estudo publicado em abril
na Weather and Climate
Dynamics demonstrou que
as épocas extremas de
furacões são hoje duas vezes
eficiência energética. Depois disso, mais frequentes do que nos
podemos, progressivamente, aban- anos 1980. Um efeito do
donar o carvão.” aumento da temperatura
da água, causado pelas
E SE ACONTECER O PIOR? alterações climáticas, dizem
O regresso ao caminho da descarbo- os autores do estudo. Este
nização, após se garantir a indepen- ano, no entanto, tem sido
dência energética face à Rússia, pode calmo (talvez por influência
esbarrar na necessidade de estimular de La Niña, o fenómeno
o crescimento. A História mostra- meteorológico que arrefece
-nos que as medidas climáticas ficam o Pacífico). Só na semana
remetidas para segundo plano, na passada surgiu o primeiro
pressa de se revitalizar as economias. furacão, o Danielle, a
Foi o que aconteceu a seguir à última oeste dos Açores, que se
crise financeira: de 2009 para 2010, encaminhou para nordeste.
as emissões cresceram 6%. Não são
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 69
perspetivas animadoras, sobretudo
sabendo-se que antes da guerra as
emissões já apresentavam uma ten-
dência de subida de 16% até 2030,
quando a meta ideal do Acordo de
Paris obrigava a uma descida de 50%
até ao fim desta década.
O aumento de 2,7 ºC que se antevia
com as políticas climáticas anterio-
res à possível recessão e ao conflito
geopolítico alargado (que inclui a
China e os EUA, os dois países com as
maiores emissões) pode até vir a ser
um mal menor. E o que significa um
aumento de temperatura desse cali-
bre? Não sabemos bem. No início de
agosto, foi publicada uma análise na
Proceedings of the National Academy
of Sciences (com o fatídico título
“Fim de jogo climático: exploração
de cenários catastróficos de altera-
ções climáticas”), em que se aborda a
ausência quase total de conhecimento
científico sobre os impactos concre-
tos na sociedade de um aumento de
temperatura média global de 3 ºC,
apesar de haver “ampla evidência de
que as alterações climáticas se podem
tornar catastróficas (...) mesmo com
níveis modestos de aquecimento.”
A avaliação refere, em particular, a
questão dos riscos em cascata, lem-
brando que a História tem sido mol-
dada até por mudanças climatológicas
suaves: “Alterações climáticas regio-
nais relativamente pequenas estão
ligadas à transformação e até mesmo
ao colapso de sociedades anteriores.”
Também é dado destaque aos pontos
de não retorno (como o potencial
desaparecimento das nuvens Stra-
tocumulus, devido às concentrações
de CO2, o que poderia levar a um
aumento adicional de temperatura
de 8 ºC) e aos “quatro cavaleiros do
apocalipse” induzidos pelo clima com
maiores impactos na morbilidade:
fome/desnutrição, fenómenos climá-
ticos extremos, conflitos e doenças
transmitidas por vetores. “Estes se-
rão agravados por riscos e impactos
adicionais, como mortalidade por
poluição do ar e aumento do nível
do mar.” Os autores criticam ainda o
facto de, em 14 relatórios publicados,
o IPCC nunca ter coberto os efeitos
de alterações climáticas extremas ou
catastróficas.
Temos, no entanto, alguns estudos
setoriais que ajudam a lançar luz so-
bre o rumo das coisas, se os piores
cenários se confirmarem. Com um
70 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
UM MUNDO EM EBULIÇÃO
O ano de 2022 está a revelar-se um inferno meteorológico.
Ondas de calor extremo, recordes de temperatura,
secas de uma gravidade sem precedentes, inundações
que matam mais de mil pessoas e deixam desalojadas milhões…
Neste mapa, estão alguns dos fenómenos com maior
impacto nos últimos oito meses
FRANÇA
► Centrais nucleares deixaram de funcionar,
porque a água era insuficiente e estava demasiado
quente para arrefecer as turbinas
► Três ondas de calor, de 33 dias no total, fizeram
deste verão o segundo mais quente desde pelo
menos 1900, em França, depois do verão de 2003.
No conjunto de junho, julho e agosto, a temperatura
média no país foi 2,3 °C acima da média para este
período (verão meteorológico)
► O calor e a seca alimentaram uma quantidade
incomum de incêndios: arderam
62 mil hectares quando a média é 8,5 mil
ESPANHA
EUA
► 39% do país encontra-se ► O verão meteorológico teve
em situação de seca, afetando 42 dias de ondas de calor,
130 milhões de pessoas; no total, um novo recorde.
em sete estados do Sudoeste, Em Barcelona, os termómetros
há racionamento de água não desceram dos 25 °C
► A produção de algodão (temperatura mínima, à noite)
caiu 28%, com a seca durante 40 dias
BRASIL
► Uma seca extrema e temperaturas
anormalmente elevadas estão a devastar
a produção de algodão, com quebras
na ordem dos 30%; o Brasil e os EUA
representam, juntos, metade do algodão
produzido no mundo
PORTUGAL
► A pior seca desde 1931 (quando se iniciaram os registos):
no final de julho, todo o território continental
encontrava-se em seca extrema (44,8%) ou severa (55,2%).
Em agosto, a situação melhorou ligeiramente,
com 28,4% em seca extrema, 67,9% em severa e 3,7% moderada
► Recorde de temperatura do ano na Europa: 47 °C
no Pinhão, a 14 de julho, é também a temperatura
mais alta alguma vez registada em julho em Portugal
ANTÁRTIDA
► Em março, numa estação de investigação,
a temperatura chegou a estar 40 °C acima
da média para esse mês
ÁRTICO
► O arquipélago de Svalbard (Noruega), no Círculo
Polar Ártico, atingiu os 3,9 °C a 15 de março,
a temperatura mais alta alguma vez registada
em março
REINO UNIDO
► Até à data, o recorde de temperatura
era 38,7 °C. Este ano, seis estações de medição
ultrapassaram a marca dos 40 °C, com uma delas
a chegar aos 40,3 °C – novo recorde
► Desde 2018 que ocorreram três dos quatro dias
mais quentes da História do Reino Unido
► Pior seca desde 1935
PENÍNSULA
IBÉRICA
► Um estudo científico
publicado em julho
na Nature Geoscience
conclui que esta é provavelmente
a pior seca na Península Ibérica
dos últimos 1 200 anos
ÁFRICA ORIENTAL
► A pior seca em décadas na região tem destruído
as colheitas, deixando 20 milhões de pessoas
em situação de fome iminente; na Somália,
sete milhões estão em risco de “fome catastrófica”,
segundo a ONG Comité Internacional de Resgate;
a guerra na Ucrânia, de onde vinham muitos
dos cereais, contribui para exacerbar a crise
CHINA
► A maior onda de calor desde que há
registos (1961) começou em meados
EUROPA CENTRAL de junho, durou mais de dois meses e afetou
► Alguns dos maiores e mais importantes rios seriamente 900 milhões de pessoas.
da Europa Ocidental – Loire, Reno, Pó, Danúbio – Além da destruição de centenas de milhares
– ficaram em níveis historicamente baixos de hectares de cearas e da morte de milhões
de animais de pecuária, inúmeras fábricas
ALEMANHA tiveram de parar a produção, devido ao corte
► O Reno, uma das principais vias de energia causado pela falta de água
de escoamento da produção industrial nas barragens
na Alemanha, tornou-se intransitável ► Novo recorde de temperatura máxima
para grande parte do tráfego fluvial fora do deserto de Xinjiang: 45 °C em Beibei,
a 19 e 20 de agosto
► Novo recorde de temperatura mínima:
os termómetros não baixaram dos 34,9 °C
à noite, em Chongqing, uma cidade
com 9 milhões de habitantes
► A 29 de agosto, 119 mil pessoas da província
de Sichuan foram retiradas de casa devido
ao risco de cheias; uma vila nas imediações
de Guangyuan registou 18,8 litros
de precipitação por metro quadrado
JAPÃO
► A pior onda de calor da História meteorológica
registada (ou seja, pelo menos desde 1875)
► Em Tóquio, as temperaturas mantiveram-se
acima dos 35 °C, cinco dias consecutivos
► Batido o recorde de temperatura máxima
para junho: os 40,2 °C registados em Isesaki
são o novo máximo. O recorde absoluto,
41,1 °C, foi estabelecido em julho de 2018
ÍNDIA
► Os efeitos de uma rara onda de calor
de dois meses (março e abril) foram ampliados
pela seca – a precipitação ficou-se
por 29% da média; os impactos
na agricultura foram catastróficos
► Vários recordes
de temperatura máxima
PAQUISTÃO
► Jacobabad atingiu 51 °C em maio e é uma das duas
cidades no mundo onde os níveis de temperatura
e de humidade chegam a ultrapassar os valores
tolerados pelo corpo humano; a outra é Ras al-Khaimah,
os Emirados Árabes Unidos
► As monções particularmente violentas deste
ano já mataram mais de mil pessoas e afetaram
33 milhões; um membro do governo disse
que um terço do país ficou submerso; os prejuízos
estimam-se em €10 mil milhões
AR/VISÃO
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 71
 Do 8 ao 80 No Paquistão, uma
longa seca deu lugar a cheias
devastadoras, que mataram já
mais de mil pessoas
e desalojaram 33 milhões

aumento de 1,5 ºC, por exemplo, a

probabilidade de haver uma onda de
calor colossal no mundo num ano é
de 30%; com mais 3 ºC, passa para
80%; a duração das secas é quase o
dobro com 1,5 ºC e mais do triplo
com 3 ºC. Os impactos, porém, não
são uniformemente distribuídos – as
regiões mais pobres, invariavelmente,
sofrerão mais.
Independentemente do aumento,
há efeitos na saúde humana a que já
não escapamos. Um estudo publicado
em agosto na Nature Climate Change
analisou 286 doenças patogénicas e
concluiu que apenas nove não serão
agravadas pelas alterações climáti-
cas. As ondas de calor deste verão na
Europa dão igualmente pistas preo-
cupantes: segundo a Organização
Mundial da Saúde, terão provocado
a morte a mais de 1 700 pessoas, só
em Portugal e Espanha.

COMO SOBREVIVER NUM MUNDO

MAIS IMPREVISÍVEL
Não podemos desistir de tentar mi-
tigar o aquecimento global, até para
o problema não se tornar uma ca-
tástrofe, mas há que aceitar a dura
realidade: o mundo mudou, e tão
depressa não volta atrás. “A adaptação
é inevitável”, avisa Francisco Ferreira,
da Zero. “É evidente que o clima está
a mudar mais rapidamente do que se
pensava. Se já era uma necessidade
antes, agora é mais.”
Em Portugal, uma vez que dife- estratégia da adaptação e pensar bem
rentes regiões têm diferentes fragi- nas culturas que serão viáveis e na sua
lidades, grande parte das medidas resiliência para os próximos 30 ou 40
de adaptação às alterações climáticas anos. Muito provavelmente há zonas
passa por planos regionais e mu- onde não vamos poder ter regadio, e
nicipais, os quais, pela Lei de Bases precisamos de escolher outras cultu-
do Clima, terão de estar prontos até ras com necessidades de água muito
fevereiro de 2024. Francisco Ferreira menores. Mas continuamos a ter
elogia esta “enorme oportunidade”, empresários e um Governo que não
mas critica os investimentos “in- mudaram o pensamento, apesar de
sustentáveis”, que continuam a ser A engenharia o clima estar a mudar de uma forma
decididos “como se não houvesse
mudanças no clima”. “Por exemplo, genética é uma violentíssima. Basta olhar para o que
está a passar-se este ano. O paradig-
há um projeto de €4,5 mil milhões
para construir açudes ao longo do
das soluções ma mudou.”
Luís Guimarais, da RePlanet, acre-
Tejo com fins agrícolas, quando na defendidas dita que a investigação científica é
verdade precisamos de água doce a uma arma importante na guerra cli-
chegar ao estuário, pela importância para fazer face mática, mas diz que a UE, em certas
que este tem na biodiversidade e na
economia. Não podemos pensar na aos impactos áreas, está a caminhar no sentido
inverso, com consequências negativas
agricultura como há 10 ou 20 anos.
Não há água! Dificilmente consegui-
das alterações nas emissões, citando o plano Do Pra-
do ao Prato, que prevê um aumento
remos compatibilizar certas culturas
agrícolas com um país muito seco. É
climáticas de 7,5% para 25% da área dedicada a
agricultura biológica até 2030. “Esse
preciso fazer esta discussão sobre a na agricultura tipo de agricultura tem uma pegada

72 VISÃO 8 SETEMBRO 2022


DEPOIS
DAS SECAS,
AS CHEIAS
Grande parte do Paquistão
ficou submersa, depois de meses
de calor e sem água
A seca e as ondas de calor
extremo (uma cidade chegou
aos 51 ºC) no Paquistão
foram substituídas por
monções de uma intensidade
rara, que submergiram
cerca de um terço do país,
mataram mais de mil pessoas
e provocaram 33 milhões de
desalojados. Não foi grande
surpresa. Cientistas já haviam
alertado para o facto de que
era altamente provável que
a região fosse assolada por
períodos de precipitação
intensa. O mecanismo é
simples de compreender: o
ASIF HASSAN/GETTYIMAGES
ar mais quente transporta
mais humidade. Esse é o
motivo pelo qual a chuva
tende a cair com maior
intensidade num clima mais
quente. Há ainda outro
fenómeno a alimentar as
águas dos rios, provocando
carbónica maior do que a convencio- os dilúvios a que temos
nal, além de precisar de mais água e assistido por estes dias no
mais fertilizantes, e o tempo de utili- Paquistão: o degelo dos
zação de máquinas agrícolas a diesel glaciares. Um investigador da
é maior. Este aumento é um tiro no Universidade de Islamabad
pé.” Em vez disso, acrescenta, a aposta analisou alguns glaciares que
deveria ser na engenharia genética, derretem na direção do rio
“para conseguirmos variantes mais Indo e encontrou sinais de
resistentes às secas e ao calor”. Uma degelo extraordinariamente
opção complementar passa por de- rápido, em julho. Ou seja,
dicar mais espaço a plantas capazes caminhamos para um mundo
de fixar azoto, como as leguminosas, em que a falta de água
melhorando assim os solos sem ter de dá lugar a água a mais.
se recorrer tanto a fertilizantes. “Com Mas é água “inútil”, que
o gás natural tão caro, deixamos de paradoxalmente pode causar
ser capazes de produzir fertilizantes mais seca – o degelo regular
baratos. E uma alimentação mais dos glaciares é uma fonte
cara vai obrigar muita gente a ter de água fundamental para
de escolher entre alimentar-se ou as populações que vivem
aquecer-se.” nesta e noutras regiões,
Tiago Domingos acompanha a no sopé de montanhas. Ao
proposta das leguminosas “para au- derreterem, centenas de
mentar a matéria orgânica no solo”, milhões de pessoas perdem
referindo as pastagens semeadas o seu reservatório de água.
biodiversas, um projeto português
que já venceu vários prémios nacio-
nais e europeus, como solução cli-
mática (um hectare destas pastagens
sequestra mais de seis toneladas de
CO2 por ano). Além disso, “há que
maximizar as formas de uso da terra
mais resistentes, como o montado,
otimizar as regas, generalizar e me-
lhorar a tecnologia de agricultura de
precisão e pôr um preço correto à
água”, para incentivar a redução do
consumo agrícola, diz o professor
de Energia e Ambiente. “O dinheiro
que se obtém com essas taxas sobre a
água deve ser devolvido ao setor sob
a forma de apoios.” Ainda no caso da
água, o debate sobre a necessidade
de se construir mais barragens, para
armazenamento, “está em aberto”.
“Precisamos de fazer bem as contas.
Mais barragens só nos ajudam em
situações de seca se o problema for
interanual. Se houver efetivamente
uma redução média da precipitação,
como parece acontecer no Sul do País,
não valem a pena.”
Já nas cidades, adianta, a priorida-
de é combater o efeito “ilha de calor”,
que faz com que os centros urbanos
sejam mais quentes (devido ao ci-
mento e ao alcatrão), “promovendo o
aumento de áreas verdes”, além de se
“melhorar a qualidade do edificado,
com isolamento e orientação solar
mais eficientes, por forma a se con-
seguir uma menor utilização possível
do ar condicionado”.
Mas Tiago Domingos deixa um
alerta: as alterações climáticas não
podem servir de desculpa para quan-
do acontecem desgraças. “A maior
parte das adaptações é para responder
a desastres naturais que já aconteciam
e que agora se agravam. Por exemplo,
observou-se que a onda de calor no
Reino Unido [em julho] foi 4 ºC mais
quente sem o efeito das alterações
climáticas. Em vez de temperaturas
de 38 ºC, teríamos 34 ºC. Mas esses
34 ºC já deixariam o sistema de pan-
tanas. No caso das cheias no Paquis-
tão, uma situação que seria sempre
má tornou-se desastrosa devido à
falta de ordenamento do território e
de avisos de emergência. A morte de
pessoas devido às cheias não é uma
inevitabilidade. Não podemos deixar
que os nossos decisores políticos se
desculpem com as alterações cli-
máticas, quando os seus efeitos, na
sua maioria, são responsabilidades
nacionais e regionais.” lribeiro@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 73
 90
PROTESTOS

Ativistas bloqueiam transporte de leite

Mais de 100 membros do Extinction Rebellion provocaram distúrbios
MIL km2 no transporte de leite no Reino Unido, no domingo, 4, trepando
camiões e bloqueando estradas. Os ativistas exigem o fim dos apoios
NÚMERO
a agricultores e pescadores, por forma a obrigá-los a afastar-se de
Área florestal produtos de origem animal e a avançarem com a transição para um
perdida para sistema alimentar baseado em plantas. Um porta-voz das empresas
os incêndios em 2021 prejudicadas pelo protesto criticou a ação. “Os laticínios são
acessíveis e repletos de nutrientes. Durante uma crise de custo de
De acordo com a Global vida, é errado tentar impedir que cheguem às famílias.”
Forest Watch (GFW), o ano
passado foi o segundo
pior de sempre em área
de florestas ardida –
desapareceu o equivalente a
todo o território de Portugal,
cerca de 90 mil km². Mais
de metade (50 mil km²)
ardeu na Rússia. As contas
do projeto de monitorização
de fogos apontam para que
tenha ardido o equivalente
a 16 campos de futebol por
minuto, durante todo o ano
de 2021. A área de floresta
perdida é o dobro do que
era há 20 anos.

MAURO PIMENTEL/GETTYIMAGES
DEGELO

O mar vai subir

mais do que
se pensava
O degelo na Gronelândia
deverá causar um aumento
do nível do mar de 27
centímetros até 2100. É
um resultado muito mais
pessimista do que as
previsões do último relatório
do Painel Intergovernamental
para as Alterações
Climáticas, que apontavam
para seis a 13 centímetros.
Segundo os investigadores,
3,3% do gelo da Gronelândia
deverá desaparecer, o que
corresponde a 110 biliões
(milhões de milhões) de
toneladas de gelo. O estudo
também concluiu que
grande parte do degelo é
irreversível: mesmo que as
temperaturas parassem de
subir, o gelo continuaria a
derreter durante décadas.
INQUÉRITO
Portugueses preocupados
com o ambiente
Segundo um inquérito em nove países da União Europeia, 82% dos europeus não
querem que as empresas comercializem produtos que provoquem a desflorestação;
78% vai mesmo mais longe e defende que a venda desses produtos deve ser proibida.
A mesma sondagem permitiu também concluir que a destruição das florestas é o pro-
blema ambiental mais preocupante para os inquiridos (77% disseram estar moderada
ou extremamente preocupados com o assunto), seguindo-se a poluição da água e do ar
(74%), a escassez de água (72%), as alterações climáticas (72%) e a perda de espécies/bio-
diversidade (70%). Para os portugueses, no entanto, a maior preocupação é a escassez de
água (92%), a que se segue a desflorestação (91%), circunstância a que não serão alheios
a seca e os incêndios deste ano. Os portugueses, aliás, parecem ser os europeus mais
preocupados com os problemas ambientais, em todos os temas. No caso das alterações
climáticas, por exemplo, 89% disseram estar preocupados; nos outros países, vai desde
os 82% dos espanhóis aos 57% dos checos e dos neerlandeses. A sondagem, divulgada em
Portugal pela Zero e pela Deco, foi realizada pela GlobeScan para o Meridian Institute.

74 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

CONSERVAÇÃO
Voltou o rato que
ativistas quase
extinguiram
Em 1998, uma brigada de
ativistas libertou sete mil visons
que estavam a ser criados
numa quinta para a indústria
das peles. Apesar de bem-
intencionada, a ação teve um
efeito pernicioso: os visons
caçaram, quase até à extinção,
o rato-dos-lameiros (Arvicola
amphibius) dos cursos de
água da New Forest, uma das
zonas verdes mais antigas
e importantes de Inglaterra.
Passados 24 anos, os visons
desapareceram da região e
agora a Agência do Ambiente
pôde finalmente libertar 50
ratos que tem vindo a criar
em cativeiro, para recuperar
a espécie. Daqui a três anos,
calcula-se que haja já mil
animais em liberdade na região.
ANÁLISE
Assédio sexual
na Antártida
Um relatório encomendado pela
National Science Foundation,
que gere o programa de
investigação antártico dos EUA,
revelou números preocupantes
de assédio às mulheres no
projeto. No inquérito, 72% das
mulheres (cientistas e pessoal
de apoio) que trabalharam
no programa nos últimos
três anos disseram ter sido
vítimas de assédio sexual;
48% dos homens também
garantiram ter sido vítimas.
Há igualmente diferenças na
apreciação da forma como
os casos foram tratados:
40% dos homens acreditam
que os prevaricadores foram
castigados ou chamados à
atenção, contra apenas 26%
das mulheres. O epicentro
do problema encontra-se na
estação de McMurdo, que
chega a ter mais de mil pessoas,
no verão.
ESTUDO
Aquecimento
do mar pode
ser dramático
O aumento da
temperatura das águas
do oceano tem o
potencial de libertação
de quantidades
gigantescas de metano,
que neste momento
estão armazenadas
no fundo do mar,
na costa. Não é um
pormenor: estima-se
que um sexto de todo
o metano no planeta
se encontre “preso”
nas zonas costeiras.
A conclusão é de um
estudo publicado, este
mês, na Proceedings of
the National Academy
of Sciences, que
analisou evidências da
DANIEL ROLANDL/GETTYIMAGES
libertação em massa de
metano há 125 mil anos,
quando um aumento
da radiação solar levou
ao enfraquecimento da
Circulação Meridional
de Capotamento do
Atlântico (AMOC), uma
corrente oceânica que
Se mais e mais desastres “empurra” a água quente
para a superfície e a fria
climáticos, secas para o fundo. A corrente
foi perturbada pela
água fria com origem
e fomes ocorrerem no degelo do Ártico –
um fenómeno que está
em todo o mundo, a acontecer hoje. O
metano é um gás com
haverá repercussões
um efeito de estufa
muito mais potente
do que o dióxido de
nos preços, nos prémios carbono, apesar de ter
uma vida mais curta na
de seguros e no setor atmosfera.
financeiro
Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu,
em entrevista à revista francesa Madame Figaro,
a alertar para as consequências económicas profundas
– nomeadamente na inflação – decorrentes do
aquecimento global. No Fórum Económico Mundial, em
Davos, Lagarde frisou que, “obviamente, as alterações
climáticas têm um efeito na estabilidade dos preços”
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 75
 ----------- I N F L AÇÃO

76
76 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
 O
%
,4
O Governo apresentou esta se-
mana o tão aguardado pacote
m

:7
de ajuda às famílias atingidas
pelo aumento dos preços. O
pe

ÃO
“pacotão” previsto por Luís
“p
Marques Mendes não desilu-
M
AÇ
diu em dimensão – €2 400
di
m
milhões – mas, da esquerda à
direita, somam-se as críticas
di
FL

quanto ao tempo e à forma.

qu
O ministro das Finanças, Fer-
IN

nando Medina, apelida-o de

na
“eficaz, abrangente, oportuno
“e
e prudente”.
p A oposição fala em
“truques”, “fraude” e “ilusão”.
“t
A medida mais discutida – e
discutível – parece mesmo ser
di
o apoio extraordinário a ser
pago a todos os pensionistas,
pa
sujeitos a atualização de pen-
su
sões – ou seja, cujo valor de re-
sõ
forma não exceda os €5 318,40
fo
mensais – já em outubro. Em
m
vez de aplicar a fórmula au-
ve
tomática de atualização das
to

MEDIDAS
pensões, que a lei prevê e que,
pe
segundo as estimativas do Go-
se
verno, significaria aumentos
ve
entre os 7,1% e os 8% no início
en
de 2023, o Executivo avança

APOIAM HOJE
com o pagamento adicional de
co
meia pensão este ano – pago
m
uma única vez – e atualiza as
um
pensões no próximo ano em
pe

MAS POUPAM
valores que variam entre os
va
3,53% e os 4,43%, consoante
3,
o escalão. No final de 2023,
o efeito desta “nova fórmula”
será nulo, garante o Governo,
se

AMANHÃ
uma vez que todos os pen-
um
sionistas terminarão o ano
si
exatamente com o mesmo
ex
valor nominal de aumento
va
que lhes seria devido, se apli-
qu
cada a fórmula “tradicional”.
ca
Em conferência de imprensa,
O “pacotão” de apoio à inflaçã
ão
inflação a ministra do Trabalho, Ana
revelou-se uma embalagem Mendes Godinho, insistia no
M
rracional da medida: dotar os
ra
de tamanho médio, mas bastante pensionistas de “liquidez ime-
pe
menos musculada do que diata que permite fazer face já
di
FOTOMONTAGEM VISÃO

à subida dos preços”. O que

as dos pares europeus o Governo não quis assumir,
— P O R M A R G A R I D A VA Q U E I R O LO P E S E M A R TA M A R Q U E S S I LVA* ainda que questionado di-
ai
retamente pelos jornalistas,
re
foi que a medida prejudica os
fo

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 77

 ---------- I N F L AÇÃO
pensionistas após 2023, caso o
valor futuro das pensões não
venha a ser atualizado acima da
inflação nos próximos anos, o
que, para já, parece imprová-
vel. Na prática, a medida nega
aos pensionistas um aumento
estrutural de pensões acima
dos 7%, tornando permanen-
te apenas metade desse valor.
Ou seja, uma pensão de €500
mensais será atualizada para
€504,43 em vez de €508. Este
diferencial não será recupera-
do nos anos seguintes. Além
disso, a confirmar-se que não
há alterações à lei atualmente
em vigor, o aumento percen-
tual das pensões após 2023 in-
cidirá sobre uma base menor,
o que tornará qualquer subida
de rendimentos igualmente
menor em termos nominais.
Anabela Silva, partner da
EY, corrobora este entendi-
mento mas avisa que, para já,
parece estar ainda tudo em
aberto para os meses pós-
2023. “Se [o cálculo das pen-
sões] fosse feito com base no
aumento de 2023, isto signifi-
caria menos rendimento para
os pensionistas. Mas será que
vai haver alguma compen-
sação? Neste momento, não
sabemos o que vai acontecer
nem que medidas pode intro-
duzir o Governo para compen-
sar estas alterações”, salienta.
“Penso que o próprio Governo
ainda deve estar a estudar esta
situação e que a decisão ainda
não está tomada.”
A especialista nota ainda
que é preciso esperar pelos di-
plomas que oficializarão todas
as medidas apresentadas esta
semana por forma a conseguir
fazer-se análises mais crite-
riosas, uma vez que os docu-
mentos disponibilizados pelo
Governo são demasiado vagos.
“Tentar perceber se as medidas
são ou não penalizadoras sem
saber em detalhe como vão ser
implementadas pode ser pre-
coce, porque estamos a anali-
sar as medidas com base num
documento muito sucinto. Vão
criar um diploma extraordiná-
rio? Vai mudar-se alguma coisa
na lei que rege o cálculo dos
aumentos?”, questiona.
78 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
A questão coloca-se tam-
bém, aliás, para os senhorios
que veem o teto de atualização
das rendas limitado a 2%, sen-
do compensados pelo restante
aumento devido – tendo em
conta o valor do coeficiente de
atualização das rendas fixado
para 2023, 5,4% – em sede de
IRS ou IRC, consoante a sua
natureza fiscal. Novamente,
e até indicação em contrário,
esta compensação ocorrerá
apenas durante o próximo
ano. Ambas as medidas têm,
no entanto, justificações de
monta: enquanto a primeira
pretende garantir aumentos
comportáveis do ponto de vis-
ta orçamental para 2023, além
da sustentabilidade da Segu-
rança Social a prazo, a segunda
visa assegurar a capacidade de
os inquilinos fazerem face aos
valores das rendas, salvaguar-
dando a manutenção de con-
dições condignas de habitação.
Mais uma vez, Anabela Silva
pede cautela e que se aguarde
até estar tudo publicado em
diploma para que se possa
avaliar o real impacto destas
decisões após 2024.
Todo o pacote de medi-
das está, segundo o Executi-
vo, alicerçado nesta ideia de
“prudência” – palavra repe-
tida diversas vezes quer pelo
primeiro-ministro quer pelo
ministro das Finanças – e,
por isso, assenta, quase na sua
totalidade, em medidas “one
shot”, ou seja, pagas uma única
vez, ou em ações fiscais com
fim definido. É o caso da re-
dução do IVA na eletricidade,
outra medida polémica, desta
vez mais pelo “embrulho” –
embora o conteúdo também
deixe a desejar. Qualquer leitor
mais desatento poderá pensar
que passará a pagar 6% de
IVA na eletricidade, mas não
é o caso. Na verdade, a redu-
ção anunciada incidirá apenas
sobre a parcela de eletricida-
de atualmente sujeita a uma
taxa de IVA de 13%. Ou seja,
os primeiros 100 kWh con-
sumidos mensalmente, para
consumidores com potência
contratada até 6,9 kVA. A título
de exemplo, numa fatura de
Senhores ministros eletricidade no valor de €35,68
A explicação do pacote mensais, correspondente a
de medidas foi feita por
Pedro Nuno Santos, Ana
um consumo de 208 kWh, a
Mendes Godinho, Fernando poupança decorrente desta
Medina e Duarte Cordeiro descida do IVA cifra-se em
cerca de €1. A medida vigora
até ao final de 2023.
Ainda na área da energia,
somam-se mais duas medidas,
ambas já conhecidas dos por-
tugueses: nos combustíveis, a
manutenção da redução do ISP
até ao final deste ano; e, no gás,
a possibilidade de transição
para o mercado regulado, em
que a poupança mínima (face
ao comercializador mais bara-
to do mercado) é de 10%. Nota
ainda para os transportes, em
que o Governo se compromete
a não aumentar o preço dos
passes urbanos e das viagens
da CP em 2023, compensando
as respetivas entidades.
“Estes são os passos de
quem quer distribuir hoje,
mas não ter, em nenhuma cir-
Estes são os cunstância, de voltar a pedir
amanhã”, reforçou Fernando
passos de quem Medina, em jeito de resposta
quer distribuir à oposição que pediu mais
músculo ao Governo no auxílio
hoje, mas não às famílias. Mas o ministro das
ter, em nenhuma Finanças não dá sinais de ce-
circunstância, dência e confirma que tomou
decisões com os olhos postos
de voltar a pedir na estabilidade das finanças
amanhã” públicas. “Mantemos inalte-
FERNANDO MEDINA rados os objetivos do défice
Ministro das Finanças orçamental, que não cresce na

sequência deste programa, e
mantemos inalterados os nos-
sos objetivos de dívida pública,
que não aumenta.” Recorde-se
que Portugal vai registar em
2022 a terceira maior redução
da dívida pública da EU: -7,5%,
atrás do Chipre e da Grécia.
CLASSE MÉDIA:
A GRANDE NOVIDADE
Mas mesmo com prudência,
houve espaço para surpresas.
A maior de todas foi a inclusão
da classe média nos destinatá-
rios destes apoios, ao arrepio
das indicações de Bruxelas e
que Fernando Medina apeli-
dou de “marca distintiva” do
programa Famílias Primeiro.
Se, para responder aos pri-
meiros meses de aumento da
inflação, o Governo deu às
famílias mais vulneráveis um
cheque de €60 para as ajudar a
adquirir bens essenciais, agora
esse apoio foi substituído por
um outro mais elevado e mais
abrangente: todos os adultos
cujos rendimentos mensais
ilíquidos não superem os €2
700 vão receber, em outubro,
o montante de €125. Esta aju-
da é independente da situação
profissional ou do facto de a
pessoa ser beneficiária de al-
gum tipo de prestação social
e deve abranger cerca de 5,8
milhões de pessoas. No caso de
um casal, em que nenhum dos
cedidos este ano para mitigar EM RESUMO
os efeitos da inflação para €4
082 milhões de euros, segundo
as contas de Fernando Medina. As oito medidas
de apoio aos portugueses
Apesar desta despesa, o minis-
tro das Finanças reafirmou que
as metas do défice e do nível de
dívida para 2022 permanece-
rão inalteradas em 1,9% e em
120,7% do PIB, respetivamente. €125
Apesar da dimensão do Por pessoa com
programa destas novas me- rendimento
didas, a manutenção das metas até €2 700
para as contas públicas será
conseguida devido à receita
muito acima do previsto que
FOTOMONTAGEM VISÃO
o Estado tem arrecadado nos
últimos meses. A subida da
€50
Por criança/jovem
inflação levou o Governo a
encaixar mais dinheiro com
impostos do que o estimado.
Fernando Medina contava com
uma subida de 6% da receita 50%
elementos tenha um salário este ano, mas até ao final de Pensão extraordinária
acima dos €37 800 anuais, este julho o valor arrecadado pelo num único mês
apoio representa mais €250 Estado aumentou 16% face ao
no rendimento disponível do mesmo período do ano pas-
próximo mês. Este valor é to- sado. O Tesouro encaixou €55
talmente isento de impostos, e
será creditado diretamente na
909 milhões de euros, mais €7
731 milhões do que no período
6%
conta dos contribuintes, que, homólogo do ano anterior. Já a Redução da taxa
de 13% para 6% do IVA
avisou o ministro das Finanças, despesa ficou quase estagnada,
na eletricidade
“devem confirmar se têm o com um crescimento de 0,3%
IBAN atualizado junto da Au- para €55 477 milhões. Assim,
(em parte da fatura)
toridade Tributária e junto da num ano de perda de poder
Segurança Social”, para agilizar de compra para as famílias, o
-10%
o processo. Estado conseguiu apresentar
No mesmo sentido, o Go- um excedente orçamental de
verno decidiu ainda atribuir €431,8 milhões de euros nos Na conta do gás, com
um subsídio de €50 por cada primeiros sete meses do ano. mudança para o mercado
jovem com idade até 24 anos, Contas feitas, e Portugal regulado
independentemente do escalão alocou já a medidas de apoio
de rendimentos das famílias. às famílias e empresas cerca
Ou seja, um casal com três de 1,63% do PIB do final do
filhos em que cada elemento
ganhe mais de €3 000 vai re-
ano passado. Um valor que
compara com, por exemplo, -€16/-€14
ceber em outubro um incre- o montante dedicado pela Ale- Poupança num
mento de €150, relativo aos manha – o total dos apoios depósito de 50 litros
dependentes – embora fique vai já em cerca de €100 mil de gasóleo ou gasolina
de fora do subsídio anterior. milhões, o que equivale a cerca
Estima-se que este apoio con- de 2,35% do PIB germânico de
temple 2,2 milhões de crianças 2021. Em Espanha, as medidas
e jovens.
E apesar desta decisão de
anti-inflação totalizam €30
mil milhões, ou 2,1% do PIB.
2%
Aumento máximo
estender o apoio a uma fatia Para esta quinta-feira, após
das rendas
muito mais alargada da po- o Conselho de Ministros, es-
pulação, a verdade é que o pera-se o anúncio de medi-
Governo parece mesmo con- das de apoio às empresas, que
seguir manter os limites do
défice e da dívida nacionais.
continuam a ser fustigadas
pelo consistente aumento do 0%
Avaliado em €2 400 milhões, preço da energia e das maté- Congelamento
este conjunto de medidas au- rias-primas. *Com Rui Barroso do preço dos transportes
menta o total dos apoios con- mvlopes@exame.pt públicos
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 79
 ---------- M U N D O

A nova dama
de ferro
Radical, hiperativa, plena
de contradições e com uma
enorme vontade de ser uma versão
contemporânea de Thatcher. Eis
alguns dos predicados de Liz Truss,
a nova primeira-ministra britânica
— POR FILIPE FIALHO

E
m que medida é que
os artistas se dão a
conhecer em palco? O
adolescente Alexan-
der Boris de Pfeffel Johnson,
quando frequentava o seleto
colégio de Eton, distinguiu-se
por ser extrovertido, pregui-
çoso e também pela forma
como interpretou o papel de
Ricardo III, a famosa peça de
Shakespeare: em vez de me-
morizar as falas, optou por
espalhar cábulas em papel por
todo o cenário.
O tempo e a política con-
verteram Boris na vedeta que
na terça-feira, 6, abandonou
formalmente a chefia do go-
verno britânico para ceder o
cargo a uma mulher que, na
infância, foi desafiada a in-
terpretar um papel ingrato.
Na primavera de 1983, Mary
Elizabeth Truss frequentava a
escola primária de Paisley, na
Escócia, e a professora per-
guntou-lhe se queria fazer de
Margaret Thatcher. A aluna,
de 8 anos, disse logo que sim,
que estava disposta a imitar a
primeira-ministra do Reino
Unido, uma figura polémica
pela sua agenda conservadora.
O espetáculo correu de
tal forma bem que, no final,
era suposto os estudantes e
os docentes simularem uma
votação na criatura frequen-
temente descrita como Dama
de Ferro e que, semanas de-
pois, iria ser reeleita para
um segundo mandato com
maioria absoluta. O desem-
penho da pequena Liz Truss
a replicar Maggie Thatcher
rendeu-lhe zero votos: “Fiz
um discurso muito sincero
no palanque, mas nem eu
votei em mim própria”, admi-
tiria, em 2018, ao jornal The
Scotsman, a protagonista da
história.
A nova primeira-ministra
britânica habituou-se cedo
aos teatros políticos. Filha
de uma enfermeira e de um
matemático, ambos formados
em Cambridge, acompanhou
a par e passo as lutas e cau-
sas dos progenitores. John e
Priscilla Truss eram fervoro-
sos ativistas antinucleares e
levavam Liz e os outros três
filhos (Chris, Patrick e Fran-
cis) para as manifestações
em que participavam, com a
família a ser presença assídua
nas marchas contra o execu-
tivo de Londres e a base naval
de Faslane, na parte ocidental
da Escócia, região que alber-
gava o principal contingente
de submarinos nucleares, e
respetivos mísseis (Polaris e
Trident), das marinhas bri-
tânica e dos EUA.
A popularidade dos Truss,
durante este período crítico
da Guerra Fria, ficou imor-
talizada no jornal da terra
onde residiam, o Paisley Dai-
ly Express, a 23 de outubro de
1985, em que eles relatam os
preparativos para uma nova
jornada de protesto rumo à
capital do país, incluindo a
forma como passaram duas
semanas a fazer cartazes e
“réplicas de bombas atómicas
com pedaços de carpete”.
Dois anos depois, o pa-
triarca é convidado para dar
aulas na Simon Fraser Uni-
versity, em Vancouver, no
Canadá, e Liz volta a desta-
car-se pela sua capacidade de
adaptação e pelo carácter ex-
trovertido: “Lembro-me bem
dela, do sotaque e de ser mui-
to esperta (...) Era determina-
da, confiante, conversadora e
tentava conhecer toda a gen-
te”, afirmou Brenda Monta-
Odeio que me
digam o que
devo fazer. É essa
a minha filosofia
política
LIZ TRUSS
gano ao Sunday Times, uma
amiga desses tempos, agora
professora na Parkcrest Ele-
mentary School, em Burnaby,
escola frequentada pelas duas
e onde também andou o ator
Michael J. Fox. A experiên-
cia do outro lado do Atlân-
tico durou pouco mais de 12
meses porque John, Priscilla
e os seus quatro “Trusske-
teers” regressaram a Inglater-
ra, instalando-se desta vez em
Leeds, numa casa vitoriana,
repleta de livros, com cinco
quartos e o inevitável jardim
nas traseiras. Nesta altura,
Margaret Thatcher já estava a
cumprir o seu terceiro e últi-
mo mandato, com uma nova
maioria absoluta, sem que a
oposição e os sindicatos be-
liscassem o poder da mulher
que revolucionou os Tories
(o Partido Conservador) e
desmantelou o estado social
imaginado pelos trabalhistas
no pós-guerra.
Mary Elizabeth (fórmula
pela qual nunca gostou de
ser tratada), por seu turno,
continuava a ser boa aluna,
hiperativa e a dar sinais de

80 VISÃO 8 SETEMBRO 2022


uma determinação absoluta
em quase tudo. Na maioria
das noites, a família falava
e discutia os temas de atua-
lidade para, a seguir, jogar
ao Monopólio e ao Cluedo.
“Ela tinha sempre de ganhar
(...). O meu pai acusava-a de
fazer batota (...), quando ela
percebia que ia perder, ia-se
embora”, revelou numa entre-
vista à BBC, em 2017, o caçula
dos Truss, Francis.
ADMIRADORA DE THAT-
CHER
No final da adolescência e
ainda antes de conseguir en-
trar no prestigiado Merton
College – da Universidade de
Oxford, onde viria a estudar
Filosofia, Economia e Políti-
ca –, Liz torna-se militante
do centrista Partido Liberal
Democrata. “Adorava falar e
debater (...) Acho que também
gostava de suscitar contro-
vérsia (...), para chamar as
atenções”, recordou um dos
seus companheiros de então,
Kiron Reid. Mas há algo muito
mais surpreendente nas suas
memórias: “Lembro-me de
GETTY IMAGES
andarmos a angariar fundos
para projetos sociais e para os
sem-abrigo [em Leeds] e de
ela dizer que era admiradora
de Margaret Thatcher.”
Aparentemente, Liz Truss
quis assumir-se como rebelde
e politicamente incorreta. Em
1994, no congresso nacional
dos liberais-democratas, em
Brighton, voltou a manifestar
a sua simpatia pela Dama de
Ferro (já afastada da lide-
rança dos Tories e do país) e
defendeu a descriminalização
da marijuana e a abolição da
monarquia. “Era uma pessoa
detestável e obcecada com as
causas radicais (...), para se fa-
zer notar”, disse ao Times um
antigo militante que assistiu
ao “escandaloso” discurso. A
visada justificou-se há três
anos, numa conversa com a
revista Spectator: “Todos fa-
zemos asneiras na juventude.
Uns tomam drogas, outros
juntam-se aos liberais-de-
mocratas.”
De canudo na mão e como
fã incondicional de Friedrich
Hayek e do mercado livre,
em 1996, Liz Truss tomou
Crise e inflação Liz Truss
tem desafios equiparáveis
aos que Margaret Thatcher
encontrou quando assumiu
funções, em 1979
duas decisões importantes:
aceitou um emprego na pe-
trolífera Shell e inscreveu-se
no Partido Conservador. No
ano seguinte, no congresso
dos Tories, conheceu o gestor
e contabilista Hugh O’Leary,
com quem viria a casar-se
e a ter duas filhas (Frances
e Liberty). O casal passou a
viver em Greenwich, cida-
de-subúrbio de Londres, e a
política nunca mais os deixou
em paz. Ele nunca quis candi-
datar-se a um cargo público;
ela nunca desejou outra coi-
sa: “Acima de tudo, [tal como
Thatcher] quero controlar o
meu futuro e que as outras
pessoas tenham também essa
opção (...). Odeio que me di-
gam o que devo fazer. É essa a
minha filosofia política.”
CONDENADA AO FRACAS-
SO?
Depois de várias tentativas
frustradas e de uma relação
adúltera com um dirigen-
te tory, Liz Truss foi eleita
para o Parlamento de West-
minster, em maio de 2010.
Bastaram-lhe 24 meses e a
autoria de um polémico en-
saio – Britain Unchained,
escrito com quatro colegas
thatcheristas – para David
Cameron, o então primei-
ro-ministro, a convidar para
o governo. Começou como
secretária de Estado adjunta
para a Educação e, a partir
daí, foi sempre a acumular
responsabilidades e pastas:
Ambiente, Justiça, Tesouro,
Comércio Internacional e
Negócios Estrangeiros. Ou
seja, chega a Downing Street
com mais experiência minis-
terial do que a mulher que lhe
serviu de modelo ou qualquer
primeiro-ministro nas últi-
mas quatro décadas, à custa
de muita gaffe e mudança de
opinião (fez campanha pela
permanência do seu país na
União Europeia e depois ali-
nhou no Brexit e nas eurofo-
bias de Boris Johnson).
A grande questão é o que
irá ela fazer para enfrentar
a crise em que o Reino Uni-
do está mergulhado. Com a
velha Albion semiparalisada
com greves em quase todos
os setores profissionais (ferro-
viários, camionistas, carteiros,
estivadores, advogados, en-
fermeiros, professores, etc.),
Liz Truss tem desafios equi-
paráveis aos que Margaret
Thatcher encontrou quando
assumiu funções, em 1979.
As previsões para a inflação,
atualmente nos 10,1%, apon-
tam para que, daqui a três me-
ses e meio, atinja 13% (Banco
de Inglaterra), 18% (Citibank)
ou 22% (Goldman Sachs). Os
efeitos do Brexit, combina-
dos com os da pandemia e os
da guerra na Ucrânia, estão
a provocar a explosão dos
“working poor” (trabalha-
dores pobres) e a Resolution
Foundation, um centro de
estudos, antevê que os pa-
drões de vida no país vão cair
a pique, até 2024, e com uma
dimensão como nunca se ve-
rificou no último século. A
situação é de tal forma grave
que os bancos alimentares já
não conseguem dar resposta
às solicitações e, a partir de 1
de outubro, entram em vigor
as novas tabelas da energia. A
OFGEM, entidade que regula
os montantes máximos do
gás e da eletricidade, já avisou
que, em média, cada lar bri-
tânico terá de pagar o dobro
pela fatura energética e que
o custo anual pode superar
as 3 500 libras (4 047 euros).
Como Liz Truss assegura que
vai manter os seus planos de
cortar impostos, aumentar a
despesa com a Defesa, mudar
a política monetária, retirar
autonomia ao Banco de In-
glaterra e recorrer ao conselho
de velhos colaboradores de
Thatcher – nomeadamente
Patrick Minford –, teme-se
o pior. O Financial Times diz
que os “Trussonomics” vão
abrir um buraco de quase 70
mil milhões de euros no or-
çamento do Estado e muitos
analistas consideram que ela
está condenada a fracassar
e com estrondo. Conseguirá
Liz Truss manter-se em cena
até às legislativas de 2024?
ffialho@visao.pt
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 81
 ---------- I N I CI AT I VA

Casa cheia Foram cerca

de dois mil os participantes
na sétima edição destas
conferências

Ideias para um futuro sidente da República deixou

ainda um conselho: trabalhar
para a inclusão, que “significa

com propósito
liberdade, recusa de racismo,
de xenofobia e de discrimi-
nação.”
Miguel Pinto Luz, vice-
-presidente da Câmara Muni-
Nos dias 1 e 2 de setembro, líderes de todo cipal de Cascais, um dos “pais”
o mundo sentaram-se lado a lado nas Conferências desta iniciativa, sublinhou
do Estoril, para discutir os grandes desafios que “estes são novos tempos,
que a Humanidade enfrenta tempos de mudança”. “Temos
de encontrar novos caminhos,
— P O R R I TA A G U I A R D E M ATO S preparar o futuro da esperan-
ça e responder à chamada da

F
oram dois dias de
partilha, reflexão e
inspiração. O cam-
pus da Nova School
of Business and Economics
(Nova SBE), em Carcavelos,
encheu-se para assistir à sé-
tima edição das Conferên-
cias do Estoril, desta vez sob
o tema “O Reequilíbrio do
Nosso Mundo: um Apelo à
Geração do Propósito” (Re-
balancing Our World: A Call
To The Purpose Generation),
e com uma agenda que con-
vidava a um diálogo aberto e
inclusivo, com o propósito de
criar uma mudança positiva.
O evento, resultado de
uma colaboração entre a uni-
versidade e a Câmara Muni-
cipal de Cascais, do qual a
VISÃO é parceira de média,
foi dividido em três tópicos
principais: planeta, pessoas
e paz. A missão comum é
formar e inspirar os jovens e
futuros líderes, num diálogo
aberto e intergeracional, so-
bre os desafios da atualidade,
trabalhando para a constru-
ção de um futuro comum em
que a paz, a justiça, a sus-
tentabilidade e a inclusão
prosperem.
A cerimónia de abertura
contou com Marcelo Rebelo
de Sousa, cuja intervenção
que se centrou nas incerte-
zas e no desafio para a paz
internacional que representa
a guerra na Ucrânia. O Pre-
geração do propósito”, disse,
reforçando a importância de
um valor fundamental. “Se
houvesse uma palavra para
definir as Conferências do
Estoril, seria liberdade. E a
liberdade nunca pode ser to-
mada como garantida.”
Neste palco onde desfi-
laram mais de 70 oradores,
muitas ideias foram desta-
cadas. Aqui fica o resumo
de seis intervenções, edita-
das com as ideias essenciais.
visao@visao.pt

82 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

“A sustentabilidade
não será entregue
em nossa casa sem esforço”

D
e acordo com o ex-ministro das Finanças,
a Humanidade tem ainda um longo caminho
a percorrer até atingir um modo de vida equi-
librado e sustentável, e muito terá ainda de ser feito
nesse sentido. Ainda assim, é preciso ter paciência
e perseverança, já que os resultados não serão ime- MARCELO REBELO
diatos. “Temos de ser pacientes porque temos de dar DE SOUSA
tempo à tecnologia e às novas instituições para se Presidente da República
instalarem. Precisamos de paciência porque precisa-
mos de nos dar a tempo, foi muito difícil para a nossa
sociedade atingir este nível de desenvolvimento”,
lembrou, reforçando: “Mas paciência é o contrário “O grande
MÁRIO CENTENO
de inércia.”
Segundo Centeno, é necessário começar a tomar propósito deve
Governador do Banco
de Portugal
medidas hoje, para que tenhamos resultados amanhã,
priorizando sempre o compromisso para com a ser a inclusão”
sustentabilidade. “Compromisso, porque temos um
plano, temos de o seguir e concretizar. E temos de

“
Estamos aqui para discutir um
mostrar a toda a gente que estamos a concretizar.
tema crucial: como reequilibrar
É a única forma de alcançar a cooperação e de evitar
o nosso mundo”, começou por
a frustração. Cooperação, porque o plano precisa
enquadrar. E elencou os principais
de ser inclusivo. Há perdedores, há vencedores...
riscos sociais e políticos globais.
sabemos isso”, concluiu.
“Sabemos que as instituições nacio-
nais e internacionais vão estar sem-
pre atrasadas em compreender e
encontrar soluções para cada novo

“Precisamos de investir ou velho problema. Sabemos que a

pandemia foi um desafio mais fácil

na nossa própria liberdade” de enfrentar para as ditaduras do

que para as democracias. Sabemos
que o respeito pela lei internacional
e os Direitos Humanos devem ser

O
nacionalismo constitui, hoje, uma das maio-
res ameaças à democracia liberal, entende
Fukuyama, que se notabilizou por ter decretado,
nos anos 90, “o fim da História”. “Na América, não há
dúvida de que a maior ameaça vem da direita. Tivemos
o crescimento de uma direita nacionalista populista
em todo o mundo, e acho que o principal proponente
disso é Donald Trump. Sabemos quem tentou derrubar
uma eleição em 2020, e ele ainda não admitiu que
perdeu essa eleição. E os republicanos estão a planear
fazer o mesmo, se houver uma eleição apertada em
2024. Nunca vi um perigo tão claro e presente para a
democracia norte-americana como aquele que é re-
presentado por Trump e os seus colegas republicanos”,
afirmou. À esquerda, há um paradoxo. “Há um cresci-
mento da intolerância, principalmente em questões de
raça, etnia, género, orientação sexual. É mais forte nas
universidades e nos domínios culturais, e é algo que
realmente erodiu os princípios liberais da liberdade
de expressão.”
Apesar de ser uma ameaça ao liberalismo, o populismo,
seja de esquerda ou de direita, é uma prova das falhas
do liberalismo, nascendo inclusive das mesmas. “Uma
das razões pelas quais vemos esta grande reação
populista deve-se ao tipo de globalização e ao tipo
de doutrina neoliberal (que vigora)”, entende.
seriamente defendidos. Sabemos
que a guerra na Ucrânia não é uma
guerra europeia, mas uma guerra
global que envolve três grandes
atores geopolíticos – a Rússia,
os Estados Unidos da América e a
União Europeia. Sabemos que a Fe-
deração Russa quer recuperar po-
der global e não manter apenas um
forte poder regional. Que a UE quer
adquirir um estatuto permanente no
poder global, que ainda não tem.
Que os EUA querem mostrar que
FRANCIS FUKUYAMA são a superpotência.”
Cientista político Para Marcelo Rebelo de Sousa, o
propósito da geração do propósito
deve ser a inclusão. “Ela significa
liberdade, recusa de racismo, de
xenofobia e de discriminação. A
minha experiência é que não é fácil
de todo. É preciso nunca desistir,
nunca nos rendermos. Agora, é
a vossa vez. Boa sorte. Vamos
tentar apoiar-vos, mas sob a vossa
liderança. É convosco. Vocês são
os líderes do novo mundo!”

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 83

 ---------- I N I CI AT I VA

“Lutar para manter a paz”

N
uma sessão com Paulo Portas, a historia-
dora e vencedora de um Pulitzer refletiu
sobre o autoritarismo enquanto uma das
maiores ameaças ao liberalismo, destacando o
putinismo e o trumpismo como principais exem-
plos. No caso dos EUA, Applebaum acredita que
o primeiro passo para combater o problema é
questionar as regras do próprio sistema. Apos-
tar, por exemplo, num sistema eleitoral diferente,
LEE CROCKFORD que exija aos eleitores pôr na folha de voto
Ativista social tanto a sua primeira opção como a sua segunda
opção de candidato, seria uma mudança posi-
tiva. “[Este sistema] favorece candidatos mais

“Ecossistema moderados, pessoas mais centristas (…). Isto for-

çaria os candidatos a falar para uma gama mais
ANNE APPLEBAUM
Historiadora e vencedora
mental” ampla de pessoas, e não apenas para pequenos
grupos partidários”, afirma.
de um Prémio Pulitzer

Já o caso russo pode implicar lutar em nome

D
e acordo com o ativista da paz, considera a historiadora. “A Europa
social, a mente humana fun- vive há muito tempo na ilusão de que todos
ciona como um ecossistema os problemas podem ser resolvidos através
que deve ser cuidado e compreen- do diálogo e do debate. Parece paradoxal,
dido. Num exercício conjunto, Cro- mas se queres manter a paz, (...) às vezes,
ckford questiona o público: “O que tens de estar preparado para te defenderes.”
queres que seja o teu bem-estar
mental?” Depois de um breve mo-
mento de debate e murmurinho na
audiência, o ativista lança a palavra
“felicidade”. “Muito frequentemente,
a resposta é felicidade”, diz.
Ainda que reconheça a importância
“A Europa é uma escolha”
desta emoção, Crockford assegura

“
que é “impossível sermos 100%
A Europa é uma escolha – uma escolha
felizes o tempo inteiro”, pelo que
de países, porque entenderam que a nossa
este é geralmente um objetivo
melhor hipótese é estarmos juntos. Escolhe-
irrealista e frustrante. “Todas as
mos a Europa”, anunciou a presidente do Parla-
emoções têm valor. Há uma razão
mento Europeu no discurso de encerramento
pela qual evoluímos para ter
das Conferências do Estoril.
emoções complexas: há razão e
Da adesão a movimentos populistas e
paixão e propósito e raiva, pode
nacionalistas à crise das alterações climáticas, da
haver clareza, reflexão e tristeza.
guerra na Europa às consequências negativas da
Todas estas emoções são realmente
internet, Metsola pintou um quadro da atualidade
importantes”, reforça. Tal como
que descreveu como “sombrio”, mas reforçou:
num ecossistema, “é preciso
“A Europa tem o poder de transformar, mas temos
chuva e é preciso tempestade
de encontrar a coragem política para dar esse
para que o ecossistema funcione
salto e mudar o mundo. Podemos e devemos.
corretamente”. ROBERTA METSOLA Porque, se não escrevermos o futuro, ele será
“Hoje, a falar perante mais de duas Presidente do Parlamento escrito por aqueles que têm uma narrativa muito
mil pessoas, preciso de estar num Europeu
diferente, e com um final muito diferente.”
espaço mental muito diferente
A Europa tem ainda de enfrentar muitos desafios,
daquele em que me encontrava,
mas Roberta Metsola diz-se “otimista”. “Estou
por exemplo, há dois anos, quando
convencida de que, por causa da Europa, o
recebi uma chamada dos médicos
mundo que virá será melhor do que aquele
a dizer que a minha mãe estava
que deixamos para trás. Estou cheia de
a lutar pela vida e que eu tinha
esperança.” O essencial, assegura, é manter o
de me meter imediatamente num
diálogo, já que só assim serão encontradas as
avião. É um estado mental muito
soluções necessárias. “Trata-se de garantir que
diferente”, diz, concluindo: “Nessa
continuamos a conversar, para deixar a Europa
altura, chorar era exatamente aquilo
apta para a próxima geração.”
de que precisava. No dia de hoje,
provavelmente não.”

84 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 O que são
os critérios
ESG?
São padrões ambientais,
sociais e de governança
corporativa, que elevam o nível
de compromisso das empresas
com a sustentabilidade

Vêm aí as ESG Talks, um ciclo E – ENVIRONMENTAL /

AMBIENTAL
de conferências para reconstruir Conservação do mundo natural

o futuro com critérios ambientais, Mudanças climáticas

e emissões de carbono
Poluição do ar e da água
sociais e de governança Biodiversidade
Desmatamento
Eficiência energética
Gestão de resíduos
No dia 22 de setembro, na Nova SBE, Escassez de água
a sustentabilidade ambiental, social
e corporativa vai estar em análise

O
Novobanco, jun-
tamente com os
media partners
VISÃO e EXAME,
e os parceiros estratégicos
Nova SBE e PwC Portugal,
lançou o ciclo de conferên-
cias sobre ESG, que arran-
cará no dia 22 de setembro
com as ESG Talks – Recons-
truir o Futuro, na Nova SBE,
em Carcavelos.
ESG é uma sigla que sig-
nifica environmental, social
and governance, ou seja,
ambiente, social e gover-
nança corporativa. São in-
dicadores de sustentabilida-
de, um conjunto de padrões
indicativos para o compor-
tamento de uma empresa
socialmente consciente (ver
caixa lateral).
A grande conferência ESG
Talks – Reconstruir o Futuro
será um dia inteiro de con-
versas, palestras e reflexões
sobre os padrões de susten-
tabilidade ESG, com forma-
to original e intervenções
desafiantes, em que estará
presente um largo conjunto
de reconhecidos decisores
políticos e empresariais.
O evento, com abertura
do secretário de Estado do
Trabalho, Luís Fontes, terá
vários oradores convidados,
que darão o contexto glo-
bal para entender a temá-
tica ESG – Luís Laginha de
Sousa, vice-governador do
Banco de Portugal; Nadim
Habib e Rodrigo Tavares,
ambos professores da Nova
SBE; Peter Gassmann, Global
ESG leader na PwC; e Carlos
Oliveira, presidente da Fun-
dação José Neves.
Durante o dia, três painéis
de debate vão abordar cada
uma das vertentes do ESG: o
futuro do trabalho, diversida-
de e igualdade de género nas
empresas, e os desafios da
transição sustentável numa
economia de baixo carbono.
Mark Bourke, CEO do Novo-
banco, Rui Miguel Nabeiro,
CEO do Grupo Delta; João
Bento, CEO dos CTT; Cláudia
Lourenço, CEO da Procter &
Gamble; Ana Casaca, head of
Innovation da GALP; e Isabel
Ucha, presidente da Eurone-
xt, são alguns dos gestores
que vão partilhar as suas vi-
sões e experiências.
Depois do almoço, decor-
rerão as Coffee-Table Talks.
São conversas informais, ani-
madas por três agitadores,
cada um especialista nos três
blocos ESG, em que oradores,
convidados, professores e as-
sistência se juntam, para um
café e troca de ideias.
Seguir-se-ão, em outu-
bro e novembro, mais três
eventos de “deep dive” so-
bre o tema da sustentabili-
dade: finanças sustentáveis,
ecofundos e financiamen-
to da transição energé-
tica, economia circular e
reciclagem, e o oceano, o
maior recurso ecológico
nacional.
Saiba mais em visao.pt/
esg-talks. visao@visao.pt
S – SOCIAL
Pessoas e relações
Género e diversidade
Proteção de dados
e privacidade
Direitos humanos
Satisfação do cliente
Envolvimento dos funcionários
Escolha dos fornecedores
Relações comunitárias
G – GOVERNANCE /
GOVERNANÇA CORPORATIVA
Normas para administrar
uma empresa
Composição dos conselhos
de administração
Leis do trabalho
Remuneração
Auditoria
Regras anticorrupção
Relações políticas
Denúncia e whistleblowing

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 85

C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

COMO A DOENÇA INFLAMATÓRIA

INTESTINAL PODE AFETAR
A VIDA PROFISSIONAL
Constantes idas à casa de banho, dores e fadiga, mas também stresse, ansiedade e discriminação
dificultam a gestão da carreira de muitas das 24 mil pessoas que, em Portugal, têm doença de Crohn
e colite ulcerosa. Há mesmo quem mude de profissão para gerir melhor os sintomas

N
os primeiros meses, Ana Al-
meida sentiu que os colegas
e os responsáveis da empresa
onde ela trabalhava foram
“compreensivos” com o impacto da co-
lite ulcerosa, uma doença inflamatória
do intestino, com que foi diagnosti-
cada em 2012. “Porém, a dada altura,
começaram a questionar tantas idas
ao hospital e tantos exames. Uma vez
perguntaram-me: ‘Então, e procurares
um médico e tratares disso como deve
ser?’”, recorda. “Senti-me péssima.
Parecia que não estava a esforçar-me
o suficiente”, assume a copywriter,
contando que a doença se manifestou
inicialmente através de dores intensas
e de hemorragias abundantes.
Com o tempo, Ana Almeida foi cons-
tatando que mais pessoas tinham di-
ficuldade em compreender as dores,
o cansaço, as idas frequentes à casa
de banho, por causa da diarreia, a má
disposição e a necessidade de ir ao mé-
dico com frequência. “Em 2013, emigrei
para a Suíça e comecei a trabalhar no

86 VISÃO 8 SETEMBRO 2022


departamento de comunicação de uma
escola de massagens. No dia em que fiz
uma colonoscopia total, numa altura de
crise em que me sentia fraquíssima e
mal conseguia andar, obrigaram-me a
ir trabalhar”, conta Ana Almeida. “Acha-
ram-me muito pálida, mas claro que
não me mandaram para casa. Trabalhei
seis horas”, diz a doente, esclarecendo
que, “nos períodos em que a doença
está mais ativa, se torna muito difícil
fazer uma vida normal”.
Como adianta o gastrenterologista
José Cotter, as doenças inflamatórias
do intestino, que afetam cerca de 24
mil pessoas em Portugal e cujas for-
mas mais comuns são a colite ulcerosa
e a doença de Crohn, têm um impacto
significativo no quotidiano dos doentes,
se não forem clinicamente controla-
das. “Múltiplas idas à casa de banho,
mal-estar, internamentos hospitalares,
necessidade de se efetuar exames com-
plementares e de recorrer a consultas
médicas frequentes, além de alguns
cuidados alimentares (em fase aguda),
limitam o desempenho de uma ativida-
de laboral normal”, afirma o diretor do
Serviço de Gastrenterologia do Hospital
da Senhora da Oliveira, em Guimarães.
“Devido ao mal-estar e às limitações da
doença em fase aguda ou não diagnosti-
cada, os doentes ficam desanimados por
não se sentirem bem, ao verem a sua
recuperação demorada e por necessi-
tarem de apoio frequente dos cuidados
de saúde”, acrescenta o médico.
STRESSE, ANSIEDADE E DEPRESSÃO
Quando a doença não está controlada,
uma simples reunião de trabalho ou
um evento profissional são suficientes
para causar stresse e preocupação. Ana
Almeida, hoje com 38 anos, sabe bem
MENOS
PRECONCEITOS,
MAIS INOVAÇÃO
Apesar do estigma e da discriminação
de que muitas pessoas continuam
a ser alvo, o gastrenterologista
José Cotter considera que, graças
à inovação, o preconceito tem-
se esbatido. “São doenças não
contagiosas, embora crónicas,
mas que, graças aos avanços dos
tratamentos, se conseguem tratar
com elevada eficácia, permitindo aos
doentes ter um quotidiano normal em
grande parte dos casos. Isto é muito
importante do ponto de vista social,
laboral e psicológico, uma vez que
[os doentes] passam a não acarretar
qualquer discriminação, rasto ou
estigma”, sublinha o especialista. Além
do aperfeiçoamento dos métodos
endoscópicos e das melhorias
na área da imagiologia, o médico
destaca, também, o aparecimento de
fármacos biológicos mais eficazes
que melhoram o prognóstico, evitando
complicações e sequelas.
Saiba mais em
https://visao.sapo.pt/dastripascoracao/
O PROJETO DAS TRIPAS CORAÇÃO CONTA COM A JANSSEN
– COMPANHIA FARMACÊUTICA DO GRUPO JOHNSON &
JOHNSON –, A APDI, ACCP E SPG COMO PARCEIROS
o que isso é. “Sobretudo os encon-
tros presenciais são momentos que
eu antecipo com bastante ansiedade.
Quando estou num local onde não sei
onde ficam os sanitários, fico em pâni-
co”, assume a copywriter. “Só o stresse
de sair de casa, pensar na logística que
implica deslocar-me, procurar um
lugar para estacionar, perceber onde
fica a casa de banho mais próxima são
preocupações suficientes para arruinar
o meu dia.”
Jorge Ascensão, psicólogo clínico,
explica que o stresse pode ser “um
efeito bidirecional” da doença infla-
matória intestinal, podendo, por um
lado, agravar-se em momentos de
crise da doença e, por outro, “acentuar
os sintomas” da mesma por motivos
familiares, profissionais ou outros.
Para o especialista, o aparecimento de
patologias psicológicas, como ansieda-
de ou depressão, “não está necessaria-
mente relacionado com a gravidade da
doença, mas com a perceção negativa
que a pessoa tem de si e do mundo, a
partir do momento do diagnóstico”.
De acordo com Jorge Ascensão,
60% das pessoas com colite ulcerosa e
doença de Crohn desenvolvem pertur-
bações de ansiedade moderada a grave.
“Se considerarmos a ansiedade ligeira,
completamos quase a totalidade das
pessoas com esta doença”, acrescenta
o psicólogo, que trabalha com a Asso-
ciação Portuguesa da Doença Inflama-
tória do Intestino (APDI). Mais: cerca
de um terço (30% a 40%) dos doentes
apresenta “sintomas depressivos e
perturbações de humor”, esclarece.
Em muitos casos, estes doentes
têm acompanhamento psicológico.
“Trata-se de proporcionar a quem tem
a doença e aos familiares um espaço
onde podem trabalhar a aprendizagem
da doença, dos tratamentos, [falar
sobre] as dúvidas, medos e outras
questões emocionais”, explica Jorge
Ascensão.
Em algumas situações, os sintomas e
o impacto psicológico levam os doentes
a deixar de trabalhar ou a alterar a sua
vida profissional. Ana Almeida decidiu
sair do emprego para se tornar em-
presária. “Ter de pedir favores e com-
preensão, justificar faltas e compensar
horas esgotava-me quase tanto como a
doença. Por isso, criar o meu horário,
trabalhar ao meu ritmo e aguentar as
guinadas naturais de quem trabalha por
conta própria foi a
solução que encontrei
para ser mais feliz.”
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 87
 O P I N I ÃO
Crónica de uma queda
anunciada
Pedro
T
Norton al como a morte de Santiago
Nasar, a queda de Marta Temido
há muito que estava anunciada
e merece ser explicada, também
ela, de trás para a frente. Desde
logo porque é paradoxal. A ministra acaba
por chocar com o seu iniludível destino, por
causa de uma tragédia em que, segundo se
consegue perceber, um hospital sob a sua
tutela segue todos os protocolos que devia
seguir. Em condições normais, não haveria
aqui nenhuma razão para qualquer trama
ou para qualquer demissão.
— Analista político
Sucede – e é este o paradoxo – que não
é menos verdade que Temido se foi peno-
samente aguentando no cargo, apesar da
razão que há muito tempo deveria ter leva-
do à sua demissão. Razão essa que é tão fu-
riosamente relevante como prosaica: Marta
Temido foi uma má ministra da Saúde.
Afirmo-o por duas ordens de razões.
A primeira tem que ver com o seu estilo.
NOTAS EM FORMA Marta Temido sempre foi dogmática, pre-
potente e arrogante. Devo dizer que tenho
DE ASSIM
a maior das reservas em relação ao papel de
intervenção política e sindical que as ordens
profissionais desabridamente desempe-
“THIS WILL nham em Portugal. Mas Temido por várias
NOT PASS” vezes afrontou gratuitamente os profissio-
Na semana em que nais de saúde (chamou “criminosos” aos en-
Biden vem lembrar fermeiros, acusou os médicos de não serem
que a democracia suficientemente “resilientes”) e deliberada-
norte-americana não mente decidiu governar em clima de guerra
está garantida, vale a todo o setor. Revelou também, desde muito
pena ler este livro- cedo, uma pulsão e um preconceito ideoló-
crónica das eleições gico contra os privados, o que a impediu de
de 2020, da luta fazer uma gestão minimamente pragmáti-
insana para contestar ca do sistema nacional de Saúde (o fim das
os resultados e do PPP, com a tortura de toda a evidência que
assalto ao Capitólio. aconselhava decisões em sinal contrário, é
Nunca o inimaginável o caso mais paradigmático). E, como se não
foi tão provável... bastasse, sempre que encalhou em qualquer
dificuldade, pareceu mais preocupada em
fugir às responsabilidades do que em re-
solver problemas (a ideia de recuar 40 anos
CONFERÊNCIAS
DO ESTORIL
para explicar a disfuncionalidade do Serviço
Estão de parabéns Nacional de Saúde [SNS] é politicamente
Daniel Traça, a Nova e inaceitável).
a câmara de Cascais Mas, rendamo-nos ao óbvio: o estilo
pela criação de uma teria sido palatável se os resultados esti-
plataforma de reflexão vessem à vista. Acontece que estes estão
e de debate elevada, desaparecidos em parte incerta. Há hoje
estimulante e aberta significativamente mais médicos e enfer-
ao mundo. Assim seja meiros no SNS do que aqueles que existiam
por muitos anos. no início do mandato da ainda ministra. A
88 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
despesa tem também aumentado de forma
consistente. Mas o que sobra de tudo isto
não é bonito de se ver: um número crescen-
te de portugueses sem médico de família,
notícias diárias sobre urgências de obstetrí-
cia, sobre concursos com vagas por preen-
cher, sobre listas de espera. Há, porém e
sobretudo, um indicador que é absoluta-
mente demolidor: existiam, a 30 de março
deste ano (é o último indicador que conse-
gui encontrar), 3 125 181 portugueses com
seguros de saúde. Isto é, 3 125 181 cidadãos
que, apesar de terem acesso gratuito ao
SNS, preferem pagar para poder recorrer a
cuidados de saúde privados. Este é um valor
muito superior ao que existia no início do
mandato de Marta Temido e que é cerca de
80% superior ao que existia no início da
governação socialista. É difícil encontrar
um dado mais eloquente.
É evidente, sejamos justos, que Marta
Temido teve de enfrentar uma pandemia e
que essa é uma provação que não se deseja
a ninguém (embora também aqui se tenha
criado uma narrativa de sucesso que os
números nem sempre parecem autorizar).
Sucede que essa provação e o consequente
desgaste, que temos obrigação de levar em
conta, podem servir para criar simpatia,
mas não devem impedir-nos de fazer uma
avaliação objetiva do seu consulado.
Ora, tudo isto nos leva a uma questão
mais profunda: porque, num quadro de ab-
soluta liberdade (cheguei a chamá-lo, aqui
mesmo na VISÃO – e desculpem o exer-
cício ridículo de autocitação – “o homem
mais livre de Portugal”, porque tinha conse-
guido uma maioria absoluta que ficava mais
a seu crédito do que do PS, porque, com
toda a probabilidade, ia iniciar o último
mandato como primeiro-ministro e porque
estava livre da Geringonça) e num momen-
to em que este balanço já podia ser feito,
o primeiro-ministro decidiu reconduzi-la
para agora, seis meses passados, a deixar
cair com estrondo?
Então como agora, é uma pergunta a
que não sei responder de forma definitiva.
Talvez o perfil do seu sucessor nos ajude a
perceber. Veremos se Costa vai privilegiar,
de uma vez por todas, a reforma de que o
SNS evidentemente precisa ou se está mes-
mo convencido de que as políticas que até
aqui nos conduziram são mesmo para man-
ter. visao@visao.pt
N ESTA SEMANA > R UA POIAIS DE S ÃO BEN TO / ESTAÇÃO IMAGEM / JANCIS ROBINSON

Rentrée cultural
O que vem aí? Teatro, cinema, concertos e exposições,
para marcar na agenda até ao final do ano

ILUSTRAÇÃO VISÃO
 7 ---------- A R T ES

RENTRÉE 2022
É JÁ A SEGUIR
Das luzes e sombras de Marilyn ao eterno fascínio pelos
faraós. Das icónicas imagens de Steve McCurry ao
concerto da grande estrela pop espanhola do momento,
Rosalía. Do regresso de João Mota aos palcos à aguardada
estreia de um novo Avatar nos cinemas. As nossas sete
escolhas na programação de teatro, cinema, concertos
e exposições para os próximos meses
— P O R P E D R O D I A S D E A L M E I D A , M A N U E L H A L P E R N E J O A N A LO U R E I R O

Jesus, o Filho
teatro
suas, e as nossas, redenção e soldado da Guerra Colonial
salvação… Ao lado de Elmano, que, dialogando com os seus
Elmano Sancho é autor, em palco, estão Joana Bárcia, fantasmas, se vê confrontado
encenador e ator neste Vicente Wallenstein e a voz- com a decadência e a
capítulo final da sua trilogia off de Ruy de Carvalho. transformação do ideal de
A Sagrada Família. Depois casa, de família, de país e do
Terra de José, o Pai e de Maria, a Teatro da Trindade, Lisboa >
15 set-30 out
cânone da figura paterna”.
Mãe chega a vez de Jesus, o Ao seu estilo, Penim cruza
de Ninguém Filho. Pretexto para abordar vários registos e materiais
temas bem contemporâneos, Casa Portuguesa para nos pôr a pensar em
É a primeira rentrée dos como a solidão, a exclusão, a nós. Em palco, estarão Carla
Artistas Unidos (AU) sem desistência (bem sintetizados Primeiro espetáculo com a Maciel, João Lagarto, Sandro
Jorge Silva Melo, que morreu num termo japonês, assinatura de Pedro Penim Feliciano e o coletivo Fado
a 14 de março. É verdade que hikikomori, que define esse desde que, no ano passado, Bicha (Lila Tiago e João
é difícil imaginar a companhia fenómeno de extremo assumiu a direção do Teatro Caçador).
sem a sua presença e a sua isolamento de alguém). Jesus Nacional D. Maria II. Casa
identidade, mas é ainda mais refugia-se em casa e, nesse Portuguesa centra-se na Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa
verdade que Silva Melo fez sacrifício final, procura as “história (ficcional) de um ex- > 22 set-16 out
sempre tudo para descobrir,
lançar e motivar novos nomes
AMORE, DE PIPPO DELBONO
no teatro português e na
companhia que fundou em
1995. O regresso aos palcos
faz-se com um dramaturgo
que tem tido presença assídua
na história dos AU: Harold
Pinter, Nobel da Literatura
em 2005. A peça Terra de
Ninguém, encenada por Pedro
Carraca, põe em cena Hirst
e Spooner, respetivamente
descritos como “um intelectual
alcoólico” e “um poeta
falhado.”
○LUCA DEL PIA

Teatro da Politécnica, Lisboa

> 15 set-15 out

90 VISÃO 8 SETEMBRO 2022


A CASA DA BERNARDA ALBA
A Casa da
Bernarda Alba
É uma peça histórica
também, ou sobretudo,
pelas circunstâncias da sua
criação. Federico García Lorca
terminou A Casa de Bernarda
Alba escassas semanas antes
de ser fuzilado, a 19 de agosto
de 1936, aos 38 anos, no início
da sangrenta Guerra Civil
Espanhola. A peça estreou-se
em Buenos Aires em 1945 e só
seria representada em Espanha
em 1964. Bernarda Alba é uma
viúva que decreta um luto de
oito anos e encerra as suas
filhas em casa, sem possíveis
contaminações do exterior,
com consequências trágicas.
A peça pode ser lida como
uma metáfora dos perigos
de todos os autoritarismos.
Esta encenação de Hugo
Franco marca o regresso ao
palco de João Mota, onde,
surpreendentemente, nesta
peça habitada por mulheres,
estará rodeado só de atores,
como, entre outros, Carlos
Paulo e João Grosso.
Teatro da Comuna, Lisboa
> 22 set-30 out
Quiz
Na noite de 10 de setembro
de 2001, a emissão, na
televisão inglesa, do
concurso Quem Quer Ser
Milionário não foi igual às
outras. Charles Ingram, 38
anos, major do exército
britânico, conseguiu
responder corretamente a
todas as últimas perguntas,
apesar de, aparentemente,
não perceber nada dos
assuntos... Pura sorte? Todos
desconfiaram. O prémio
de um milhão de libras não
lhe seria entregue e tudo
acabou num mediático
julgamento. A marosca
(mais simples do que se
poderia pensar...) seria
descoberta. Esta peça,
escrita pelo dramaturgo
inglês James Graham, parte
dessa história (que também
já deu origem a uma série
de TV). A encenação é de
António Pires e em palco
estarão, entre outros,
Custódia Gallego, Dinarte
Branco, Diogo Dória e Diogo
Valsassina.
Teatro Maria Matos, Lisboa
> 6 out-20 out
Para que
os Ventos
se Levantem:
uma Oresteia
Catherine Marnas e Nuno
Cardoso, diretores artísticos
do Théâtre National de
Bordeaux en Aquitaine e do
Teatro Nacional São João,
respetivamente, fazem uma
encenação conjunta da
Oresteia, de Ésquilo, reescrita
pelo dramaturgo franco-
-iraniano Gurshad Shaheman,
que manteve “as personagens
e a estrutura narrativa, mas
fez metamorfoses, desvios,
atualizações”. Nesta versão da
trilogia, Troia representa todo
o Médio Oriente, Agamémnon
e Orestes são emblemas do
imperialismo e do populismo
JESUS, O FILHO
D.R.
PEDRO SOARES
emergentes e os coros são
formados por feministas
e ecologistas. O elenco
da coprodução bilingue é
composto por jovens atores
franceses e portugueses.
Teatro Nacional São João, Porto
> 20 out-6 nov
Amore
Pippo Delbono é um
nome central do teatro
contemporâneo italiano.
E tem um fraquinho, assumido,
por Portugal. Esta peça, que
agora chega aos palcos
nacionais depois de ter
circulado na Europa, é a prova
disso. Amore nasceu numa
residência artística em Setúbal
e apresenta-se como uma
“viagem musical e lírica” que
passa, também, por Angola e
Cabo Verde. Em palco, além
do próprio Pippo e de outros
protagonistas, está a música
angolana Aline Frazão e músico
português, apaixonado pelo
flamenco, Pedro Jóia, autor de
algumas das músicas originais
que se ouvem no espetáculo.
Teatro Municipal São Luiz, Lisboa
> 8-12 nov
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 91
 7 ---------- A R T ES
cinema
Restos do Vento
É um dos mais aguardados
filmes portugueses do ano.
Depois de se estrear em
Cannes, Restos de Vento
chega ainda em setembro às
salas portuguesas. Tal como
acontecia em Coisa Ruim
(2006), que Tiago Guedes
realizou em parceria com
Frederico Serra, Restos de
Vento explora o universo das
tradições pagãs no Portugal
profundo para contar uma
história tremenda de crime
sem castigo. Neste caso,
tudo parte de um ritual
ancestral violento e misógino
e de crimes hediondos
feitos segredo de uma
comunidade. O argumento
92 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
foi escrito em conjunto com
Tiago Rodrigues, como já
acontecera em Tristeza e
Alegria na Vida das Girafas, e
o filme conta com um elenco
de luxo, com destaque para as
atuações de Albano Jerónimo,
Nuno Lopes, Gonçalo
Waddington, João Pedro Vaz e
Isabel Abreu.
Estreia em Portugal a 22
de setembro
Blonde
É um dos maiores mitos da
história do cinema americano
e dos próprios EUA. Norma
Jeane, que é como quem diz
Marilyn Monroe, tornou-se
um ícone da sensualidade e
do sucesso americano. Mas a
sua vida não foi propriamente
um mar de rosas, terminando
drasticamente em suicídio,
quando contava apenas com
32 anos. A história oculta
e íntima de Marilyn, para
lá dos holofotes da fama,
é contada no filme que o
neozelandês Andrew Dominik
realizou para a Netflix (há
pouca probabilidade de se
estrear também em sala).
O filme é baseado no livro
de Joyce Carol Oates Blonde,
lançado no ano 2000,
e nunca assumido pela
autora como uma biografia
clássica; mas, claro, a vida
de Marilyn tem pano para
mangas para resultar numa
obra empolgante. O papel de
Marilyn foi entregue à cubana
Ana de Armas, que deu nas
vistas no último James Bond.
Estreia na Netflix a 28
de setembro
Fogo Fátuo
João Pedro Rodrigues, um dos
realizadores portugueses mais
premiados e reconhecidos
BLONDE
D.R.
RESTOS DO VENTO
D.R.
internacionalmente,
surpreende tudo e todos
com uma hilariante comédia.
O ponto de partida do filme
foi uma declaração de um
dos filhos do aspirante ao
trono português D. Duarte,
quando afirmou que queria
ser bombeiro e assim ajudar
no combate ao flagelo dos
fogos em Portugal. Esta
ideia de príncipe-bombeiro
encaixa que nem uma luva
no universo desconcertante
do realizador, que continua a
explorar uma estética erótica
gay, por vezes bastante
explícita, ao mesmo tempo
que a cruza com elementos
surrealizantes e inesperados,
como a inclusão da canção
Uma Árvore, um Amigo, de
Joel Branco, na banda sonora
– aliás, o próprio cantor faz
parte do elenco, assim com o
ex-futebolista Oceano Cruz.
O filme, que já foi exibido nos
festivais de Cannes e Vila do
Conde, revela dois jovens
atores: Mauro Costa e André
Cabral.
Estreia em Portugal a 29
de setembro
Triângulo
da Tristeza
Depois do sucesso de
O Quadrado, o sueco Ruben
Östlund filma o seu primeiro
filme em inglês. E a estreia não
poderia ter corrido melhor:
ganhou a Palma de Ouro do
Festival de Cannes. Östlund
faz uma comédia negra, de
humor refinado, em que
satiriza um certo jet set ligado
ao mundo da moda. A ação
decorre num cruzeiro de alto
luxo, cheio de milionários e
influencers, com um capitão
comunista e alcoólico. O filme
voltou recentemente às capas
dos jornais pelo pior dos
motivos. A atriz principal, a sul-
-africana Charlbi Dean Kriek,
morreu, de doença súbita, aos
32 anos e com uma carreira
promissora pela frente.
Estreia em Portugal a 13
de outubro
AVATAR – O CAMINHO DA ÁGUA
Pinóquio
Carlo Collodi escreveu
As Aventuras de Pinóquio
na segunda metade do séc.
XIX, ainda antes da invenção
do cinema. Nunca poderia
ele imaginar que a história
da marioneta de madeira
transformada em menino
se tornasse argumento de
dezenas de filmes. O que
teve maior impacto continua
a ser a versão da Disney, de
1940, apesar de, em 2019,
Matteo Garrone ter arriscado
uma versão em imagem real,
esteticamente cativante.
As Aventuras de Pinóquio
é, também, um dos mais
antigos e ambiciosos projetos
do produtor e realizador
mexicano Guillermo del Toro,
feito para a Neflix (mas de
que se espera uma estreia em
sala, em dezembro). Del Toro,
que escreveu o filme em 2017,
FOGO FÁTUO
D.R.
mas que teve de interromper
a produção por falta de
financiamento, reconstrói a
história de Collodi usando
a técnica de animação stop
motion. Ou seja, Pinóquio e
todas as personagens em
volta são verdadeiramente
marionetas de madeira.
De resto, pode contar-se
com toda a emoção que o
mexicano costuma emprestar
aos seus filmes e com as
vozes de Gregory Mann, Ewan
McGregor e Kate Winslet,
entre outros.
Estreia na Netflix a 9
de dezembro
Avatar
Foi o maior sucesso de
bilheteira de todos os tempos
e também um dos mais caros
filmes jamais produzidos. Treze
anos depois, chega finalmente
a sequela. Avatar – O Caminho
da Água tem estreia mundial
marcada para 13 de dezembro.
E tem um especial peso
simbólico, pois significa um
reinvestimento da indústria
cinematográfica na tecnologia
3D, que atingiu o seu auge
precisamente em 2009,
quando o primeiro Avatar se
tornou um enorme sucesso
comercial. Os pormenores
sobre o novo filme têm sido
revelados aos poucos. Sabe-
-se que voltará a ser uma
alegoria ecologista, tratando
de uma nova guerra entre os
D.R.
Na’vi e os humanos. O elenco
conta com Sam Worthington,
Zoe Saldaña, Sigourney
Weaver e Kate Winslet.
Entretanto, para aguçar o
apetite, ainda em setembro, vai
ser reposto em sala, em cópia
remasterizada, o primeiro
Avatar. Uma grande aposta no
cinema-espetáculo… em sala.
Estreia mundial a 13
de dezembro
Nayola
Apesar da relevante projeção
internacional do cinema
de animação português, as
longas-metragens do género,
devido aos seus custos
elevados, são raríssimas.
Torna-se assim um facto
assinalável a estreia prevista
para o final do ano de Nayola,
primeira longa de José Miguel
Ribeiro, realizador sediado
em Montemor-o-Novo, com
um percurso notável (com
destaque para o prémio
Carton d’Or atribuído a
A Suspeita). Tal como
acontecia na curta Viagem
a Cabo Verde, a inspiração
é africana. O argumento foi
escrito por Virgílio Almeida e é
baseado na peça de teatro A
Caixa Preta, de José Eduardo
Agualusa e Mia Couto. Conta
a história de mulheres de três
gerações ao longo de uma
guerra civil de 25 anos.
Estreia em dezembro
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 93
 7 ---------- A R T ES

Angel Olsen Tozé Brito

concertos
popularidade do que se

A música americana sabe que

Arcade Fire
Espera-se sempre muito de
um concerto dos canadianos
Arcade Fire. As suas canções
épicas parecem feitas para ser
tocadas ao vivo e arrebatar
multidões – e Portugal já
assistiu várias vezes a essas
epifanias. Win Butler, Régine
Chassagne e companhia (já
sem a presença de Will Butler,
que deixou a banda em 2021)
chegam a Lisboa com o disco
We, lançado em maio, na
bagagem. Depois de notícias
recentes que deram conta de
alegados comportamentos
sexuais abusivos de Win
Butler, a cantora Feist decidiu
abandonar a digressão, em
tem em Lisboa um público
fiel. As duas datas seguidas
marcadas no Capitólio aí
estão para o provar. O novo
concerto baseia-se no sexto
álbum de Angel Olsen, Big
Time, lançado em junho, onde
assume as suas influências
da música country, depois
de ter sido mais rocker e
uma das responsáveis pela
TIM BERNARDES
convencionou chamar indie
folk. Neste disco, depois da
morte dos pais e de assumir
a sua identidade queer e uma
nova relação, Angel revela-se
“irremediavelmente mudada”.
Este concerto marca a
estreia duma nova promotora
e editora: a Canto, do
programador Sérgio Hydalgo.
Cineteatro Capitólio
> 26-27 set
(de) Novo
O disco Tozé Brito
(de) Novo foi um dos
acontecimentos musicais de
2021, recuperando velhas
canções que voltaram a
ficar no ouvido de muita
gente, agora com novas
roupagens e intérpretes. Em
outubro, chega o momento
de o vermos transformado
em concerto. O elenco
é de luxo: Ana Bacalhau,
António Zambujo, B Fachada,
Benjamim, Catarina Salinas,
Joana Espadinha, Miguel
Guedes, Mitó, Samuel
Úria, Selma Uamusse, Rita
Redshoes, Tiago Bettencourt
e Tomás Wallenstein, a que se
junta a participação especial
da ex-Doce Helena Coelho.
Este será o 11.º Concerto
Solidário Novo Futuro – ou
seja, as receitas de bilheteira

D.R.
que assegurava a primeira vão ajudar essa IPSS criada
parte.
ARCADE FIRE
Campo Pequeno, Lisboa
> 22-23 set

Antologia,
Jorge Palma
A ideia é incomum, e
ambiciosa. Jorge Palma
celebra 50 anos de carreira
percorrendo, em cima do
palco, todos os seus álbuns.
Tudo começa, a 25 de
setembro, no Palácio Baldaya,
em Benfica, num concerto
assente nas canções de um
dos seus álbuns mais icónicos:
Só. O Tivoli BBVA será, depois,
em quatro concertos, o palco
duma longa jornada que vai de
1975, ano de lançamento de
Com uma Viagem na Palma
da Mão, a 2011, data da edição
de Com Todo o Respeito.
O encerramento vai acontecer
no Capitólio em ambiente
de festa, com o regresso do
Palma’s Gang, com Alex, Flak
e Kalu ao lado de Jorge Palma.
GETTY IMAGES

Palácio Baldaya, Teatro Tivoli

BBVA e Capitólio > 25 set
a 9 nov

94 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 ROSALÍA
em 1996 para apoiar crianças
e jovens em risco.
Altice Arena, Lisboa > 13 out
Tim Bernardes
O segundo álbum a solo do
brasileiro Tim Bernardes, Mil
Coisas Invisíveis, fez boa
companhia a muita gente
nestes meses de verão. Ele
é o ponto de partida para
uma minidigressão em palcos
portugueses que termina no
Coliseu dos Recreios e na
Casa da Música. Aos 31 anos,
o músico paulista já é mais do
que uma esperança da nova
MPB, é uma certeza.
Casa da Cultura de Ílhavo, Teatro
Municipal de Ourém, Theatro
Circo de Braga, CAE da Figueira
da Foz, Coliseu dos Recreios
(Lisboa) e Casa da Música
(Porto) > 14 a 24 out
Fausto
Os bilhetes para a primeira
STEVE MCCURRY
data marcada esgotaram
tão rapidamente que logo
foi acrescentada outra noite
de concerto. As razões para
o entusiasmo são fáceis de
exposições
explicar: Fausto vai tocar na
íntegra aquela que é uma
das grandes obras-primas
da música popular
portuguesa: o disco duplo
Por Este Rio Acima, que
este ano celebra o 40.º
aniversário. Uma epopeia
revisitada “como um sonho
acordado”.
Aula Magna, Lisboa > 19-20 nov
Rosalía
Há muito tempo que a música
espanhola não produzia uma
estrela pop com a projeção
internacional de Rosalía.
Este é, por isso, um dos mais
aguardados concertos da
temporada. O disco El Mal
Querer, de 2018, mudou
a face do novo flamenco.
Com Motomami, lançado em
março deste ano, a música
de Rosalía abriu-se noutras
direções, sempre com uma
energia poderosa que
apetece ver em palco.
Altice Arena, Lisboa > 27 nov
ICONS, DE STEVE MCCURRY
Maria Antónia
Leite Siza,
50 Anos Depois
Tinha uma compulsão para o
desenho, mas pouco divulgou
o seu trabalho. Em vida,
teve uma única exposição,
na Cooperativa Árvore, no
Porto, em 1970. Maria Antónia
morreu aos 32 anos, em 1973,
e Álvaro Siza, o marido, nunca
deixou cair a sua memória.
Este ano, o arquiteto doou à
Fundação de Serralves 100
dos seus desenhos e foi a
partir deles, e de um conjunto
de pinturas, gravuras, cartas
e bordados, que o curador
António Choupina organizou
esta mostra. Obras figurativas,
habitadas por personagens
femininas, com múltiplas
camadas de leituras.
Fundação de Serralves, Porto >
8 set-fev
World Press Photo
Depois do sucesso da edição
do ano passado, a exposição
com as melhores imagens do
fotojornalismo feito em todo
o mundo em 2021 volta a
acontecer ao ar livre, no Parque
dos Poetas, em Oeiras, com a
marca da VISÃO. As fotografias
distinguidas no concurso World
Press Photo (já na 65.ª edição),
escolhidas entre 64 823 imagens,
refletem, com uma grande
diversidade de temas, um mundo
que se recompunha do grande
susto da pandemia de Covid-19,
antes de se imaginar que 2022
ficaria marcado pelo regresso da
guerra à Europa.
Parque dos Poetas, Oeiras
> 15 set-15 out
Galerias
Encounter
e Jahn und Jahn
Lisboa (ainda) está na moda?
Diríamos que sim, e não é só por
vermos a quantidade de turistas
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 95
 7 ---------- A R T ES
que a palmilham diariamente.
A cidade entrou em circuitos de
que durante anos esteve, quase
sempre, arredada, vendo-se
mais como periférica. Isto a
propósito da abertura, num
prédio da zona da Estrela, de
uma galeria que, na verdade,
são duas: ali se juntam a
britânica Encounter (que em
Lisboa tem o seu primeiro
espaço fixo permanente) e a
alemã Jahn und Jahn (que aqui
tem a sua primeira extensão
fora de Munique). A Encounter
estreia-se em Lisboa com
duas exposições individuais
(do inglês Antony Cairns e da
brasileira Vanessa Da Silva); a
Jahn und Jahn apresenta uma
coletiva, onde se inclui uma
obra da portuguesa Fernanda
Fragateiro. No jardim da(s)
galeria(s) apresenta-se uma
instalação e esculturas. A ideia,
assumida, é a de “cativar em
Lisboa a atenção do mercado
internacional de arte.”
Rua de São Bernardo, 15, r/c,
Lisboa > inauguração 22 set
ICONS,
Steve McCurry
Steve McCurry ficou célebre,
sobretudo, por uma fotografia
icónica: a de uma jovem
afegã, Sharbat Gula, com uns
inesquecíveis olhos verdes,
que, em 1985, foi capa da
revista National Geographic.
O título desta grande exposição
sublinha, precisamente, essa
capacidade de o fotógrafo
norte-americano, hoje com
VISIONÁRIAS, NA TRIENAL DE ARQUITETURA
96 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
OBRA DE
HOSSAM DIRAR
EM FARAÓS
SUPERSTARS
72 anos, produzir imagens
icónicas. ICONS apresentará,
na Cordoaria Nacional, 100
fotografias de grande formato,
captadas em vários recantos do
planeta – ou não fosse McCurry,
desde 1986, um membro da
mítica agência Magnum.
Cordoaria Nacional, Lisboa
> a partir de 23 set
Trienal
de Arquitetura
de Lisboa
Este é ano de Trienal de
Arquitetura. A última aconteceu
em 2019, e parece já que foi
noutra era, pré-pandémica.
Numa programação vasta,
destaque para quatro grandes
exposições: Multiplicidades,
D.R.
D.R.
no Museu Nacional de Arte
Contemporânea (Chiado),
questiona, em vários suportes,
o modo como arquitetura e
design operam num mundo
marcado por incertezas e
desigualdades; Retroactivar,
no MAAT, põe o foco sobre a
ideia de “cidade”, pensando em
soluções para os problemas
que afetam os grandes centros
urbanos; Visionários, na
Culturgest, propõe-nos “visões
radicais” da arquitetura, das
artes, do design e da ciência
para tentar mudar o mundo;
Ciclos, na Garagem Sul – CCB
centra-se nas relações da
arquitetura contemporânea
com os materiais, com o foco
em “sustentabilidade, economia
e memória”.
Vários locais, Lisboa > 29 set-
-5 dez
Thalassa!
Thalassa! O Mar
e o Mediterrâneo
na Obra
de Sophia
de Mello Breyner
Andresen
O título da exposição é
bastante autoexplicativo.
Mas falta dizer que a poesia
mais marítima de Sophia vai
estar, aqui, em comunicação
com várias obras de arte
da coleção da Caixa Geral
de Depósitos. Vão estar
representados artistas como
Júlio Pomar, Menez, Julião
Sarmento, João Hogan, Paulo
Nozolino, José M. Rodrigues
e António Ole. Cerca de
25 poemas de Sophia de
Mello Breyner apresentam-
-se traduzidos para grego,
ou não fosse a Grécia uma
fundamental referência
cultural e estética da poetisa
nascida no Porto em 1919.
Um bom pretexto para visitar
o Panteão Nacional – com
uma espetacular vista para
o Tejo e, por estes dias,
para o Mediterrâneo.
Panteão Nacional, Lisboa
> 25 out-23 abr
Faraós
Superstars
Produzida pelo Museu
das Civilizações da Europa
e do Mediterrâneo (o
MUCEM, de Marselha) em
parceria com a Fundação
Calouste Gulbenkian, esta
exposição dirige os focos
para a importância dos
faraós no Antigo Egito. Não
o faz apenas recorrendo a
valiosas peças arqueológicas
com milhares de anos
(provenientes de grandes
museus como o Louvre,
o Museu Britânico ou o
Museu Egípcio, de Turim),
acrescenta-lhes um lado
mais contemporâneo, que
passa pela reflexão sobre
o verdadeiro estatuto de
“celebridades” que os faraós
tinham em vida, tiveram ao
longo dos tempos e ainda
têm. Nefertiti, Tutankhamon,
Ramsés e Cleópatra
assumem a sua condição de
estrelas, em Lisboa, nesta
exposição que ocupará a
Gulbenkian durante mais
de três meses.
Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa > 25 nov-6 mar
7 ---------- CO O R D E N A DAS

Fora
em www.ecocubo.pt/ final de outubro, com
douro-tabuaco. preços especiais no
Oceanário de Lisboa.
Todos os dias, entre as
—— Loja 17h e as 20h (última
entrada às 19h), os
PRIMEIRA LEGO ingressos comprados
No ano em que no site passam a
celebra o 90.º custar €7. Além de
aniversário, a marca se apreciarem os
dinamarquesa animais que vivem
Lego acaba de no grande aquário
abrir a primeira loja central, sugere-se
certificada (e a maior a visita à exposição
da Europa Ocidental), Florestas Submersas,
no Centro Comercial do fotógrafo, designer
Colombo, em Lisboa. e aquariófilo Takashi
D.R.

No piso 0, há agora Amano.

550 metros quadrados
O que há —— Restaurante é possível dormir no
meio das vinhas velhas
(mais de 250 de área
útil) dedicados ao —— Música
de novo FIEL AMIGO À MESA
Grelhado, confitado,
da Quinta do Pôpa,
situada em Adorigo,
mundo das peças
coloridas e de NOVO FESTIVAL

para sair assado ou frito, o

bacalhau é rei e senhor
Tabuaço, numa cabana
feita com materiais
diferentes tamanhos,
com experiências
A primeira edição
do Colina das Artes,

ou ficar no Mercearia do
Bacalhau, restaurante
portugueses e naturais
(madeira e cortiça)
imersivas físicas e
digitais, bem como aos
sets mais procurados
desta sexta, 9, até
domingo, 11, propõe

em casa
aberto recentemente com vista para o uma programação
no centro da Maia (Rua Douro vinhateiro. O e exclusivos. A loja com música, literatura,
Rua Ângela Adelaide ecocubo inclui um inclui uma mesa de tertúlias, conversas
Um novo Calheiros Carvalho quarto para duas storytelling sobre o com escritores e
festival, Meneses, 266), com uma pessoas (iluminação processo de design cinema, em vários
mercearia fina à entrada, através de candeeiros da marca e um estúdio lugares na Graça e em
a primeira onde se vendem recarregáveis) e de personalização São Vicente de Fora.
loja da Lego produtos portugueses uma casa de banho que permite levar uma Na música, destacam-
e um ecocubo (bolachas tradicionais, ecológica. A estada, recordação para casa. se as atuações da
sustentável conservas, chocolates disponível de segunda fadista Sara Correia
para dormir …). A carta sugere o a sexta (€150 a €200), (sexta, 21h30) no

no meio
bacalhau cozinhado de pode integrar uma —— Visita Parque do Patriarcado,
diferentes formas: em cesta de pequeno- junto à Feira da Ladra,
das vinhas bolinhos ou pataniscas, almoço, prova de “HAPPY HOUR” e no dia seguinte,
sopa, açorda, feijoada vinhos e a participação NO OCEANÁRIO pelas 20h, de Carlão,
ou arroz, ou servido à no programa de Os visitantes até aos Cassete Pirata e
posta, acompanhado vindimas. Reservas 25 anos contam, até Lil Beyes, no Largo
de batata a murro, da Graça. Ainda no
esmagada de beringela, sábado e no domingo,
broa de Avintes ou a partir das 19h,
amêijoa japonesa. Abre conte-se com jazz no
diariamente, ao almoço e Miradouro Sophia de
ao jantar. Mello Breyner e, pela
meia-noite, cinema
na Igreja da Graça.
—— Douro O último dia será
dedicado a atividades
UMA CABANA para a família, no
NA VINHA Jardim da Cerca da
D.R.

Até ao final de outubro, Graça. Tudo grátis.

98 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 Dentro
ANIVERSÁRIO —— Televisão
NO M.OU.CO
O hotel e espaço NOVA VERSÃO
cultural no Bonfim, DE “PINÓQUIO”
no Porto, assinala Baseada no clássico de
o primeiro ano de animação produzido
vida com três dias pela Walt Disney em
de festa, entre sexta 1940, a nova versão
e domingo, 9 a 11. de Pinóquio, que
Uma peça em gesso, estreia nesta quinta,
da autoria de Hugo 8, no canal Disney+,
Castro, que reproduz leva ao pequeno
a orelha do músico ecrã um elenco de
e compositor Manel peso. Realizado pelo
Cruz – inaugurou a prestigiado Robert
sala de concertos Zemeckis, o filme conta

D.R.
em 2021 – é uma com Tom Hanks no
das novidades, papel de Geppetto,
além dos ritmos o carpinteiro que Pedro Santo para o esta publicação
tradicionais galegos constrói e trata de YouTube. São as idas (€12,50) propõe
e da eletrónica Pinóquio (Benjamin forçadas ao psicólogo aos mais pequenos,
contemporânea dos Evan Ainsworth), como (personagem de carne em cada uma das
Baiuca (sexta, 21h30) se fosse o seu filho. e osso) que o público páginas, que sigam as
e do rock alternativo De destacar ainda vai agora acompanhar. linhas e os desenhos
dos britânicos Blood as interpretações Nesta série, já se sabe, e descubram de que
Red Shoes (sábado, de Joseph Gordon- Bruno Aleixo é hábil em objetos ou figuras
21h30). Bilhetes a Levitt, no papel de fugir dos seus assuntos se trata. Adivinha-se
partir de €13. Grilo Falante; Cynthia e perito em falar da que o título do livro
Erivo, como Fada Azul; vida dos amigos Busto, seja a pergunta mais
Michael Key, que dá Homem do Bussaco, frequente, pois.
—— Teatro
D.R.

corpo a João Honesto; Nelson ou Renato.

Luke Evans, como No fim da terapia,
ANNE FRANK cocheiro, e de Lorraine “obviamente não vai nas camélias, rosas —— Natureza
NO PALCO Bracco, a Gaivota Sofia, estar apto”, mas dará a e hortênsias dos
Com encenação de nova personagem nesta volta ao psicólogo. jardins da infância. HOTEL E HOSPITAL
Marco Medeiros, a versão. A contracapa inclui PARA PLANTAS
peça O Diário de uma bolsa extensível A pensar em quem vai
Anne Frank abre a BRUNO ALEIXO —— Design que é ideal para se de férias e não tem
temporada do Teatro EM TERAPIA esconderem (boas) quem cuide das flores
da Trindade, em Nesta sexta, 9, chega à CADERNO memórias. Disponível na em casa, a florista The
Lisboa, a partir desta plataforma de streaming DE MEMÓRIAS loja online obeijaflor.pt. Floral Affairs, no Porto,
quinta, 8, e até 13 Filmin a divertida série A marca de estacionário resolveu transformar-
de novembro. Numa de seis episódios Aleixo portuguesa Beija-Flor se num hotel ou
versão de Frances Psi (exibida em 2017). acaba de lançar um —— Livro hospital de plantas.
Goodrich e Albert O boneco com pelo caderno de capa dura, Disponível até 30 de
Hackett, com a atriz de urso e focinho de num formato próximo TRAÇOS QUE setembro, este serviço
Beatriz Frazão no cão foi obrigado a fazer do A5, com 160 páginas CONTAM HISTÓRIAS inclui manutenção
papel da jovem judia, terapia porque tem lisas e prontas a serem O que é isto? é o título e hidratação diária
descrevem-se os dois um problema, diga-se, preenchidas com as do novo livro lançado e custa €2,50 (no
anos em que Anne comportamental. Algo histórias e recordações pela Planeta Tangerina, primeiro dia) e €1
viveu com a família que só será descoberto de cada um. Criado incluído na coleção (no segundo dia e
num sótão (1942- no quarto episódio por Susana Gomes Mini-Micro, dedicada em diante). Só terá
1944) escondida da desta produção de O e Raquel Graça, este aos bebés e à primeira de deixar as plantas
perseguição nazi. Som e A Fúria, a partir Jardim de Memórias infância. Da autoria da neste “hotel”, criado
Em cena de quarta a do projeto de animação (€20), assim se chama, escritora Ana Pessoa por Débora Pinguinha,
sábado, às 21h, e aos digital criado em 2008 em tons de verde-seco e da ilustradora situado na Rua de
domingos, às 16h30. por João Moreira e e creme, foi inspirado brasileira Yara Kono, Santa Catarina, 890.

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 99

7 ---------- S A I R

Rua Poiais de São Bento

Caldeirão de criatividade
Pode não ser o primeiro destino quando pensamos ir às compras – e, no entanto,
a Poiais de São Bento está cheia de novidades. O Clube 33, a EarlyMade e a Imago
trouxeram discos e roupa com pinta a uma das ruas mais dinâmicas de Lisboa
— S U S A N A LO P E S FA U S T I N O T E X TO L U Í S B A R R A F OTO S

O
Saber-fazer Das mãos passeio da Rua Poiais de São há centenas de vinis por estrear, embora
de Rosa Diniz sai todo Bento é tão estreito que é exista, ao fundo, uma secção de usados. “So-
o tipo de artigos em quase impossível não se dar mos ecléticos, temos de tudo um pouco, tal-
couro, desde malas,
carteiras até sacos conta da música que soa no vez haja mais oferta na área do rock”, adianta
de viagem feitos por número 33. Não, não esta- Alexandre Travessas, um dos responsáveis, a
encomenda mos a falar do bar-discoteca quem a música diz muito. Trabalhou como
Incógnito, esse clássico da noite lisboeta produtor musical, agente e road manager,
que fica no prédio ao lado e só há de abrir até que a pandemia lhe trocou as voltas. A
à noite. Entramos no novo Clube 33 a meio loja estava nas mãos dele e do sócio desde
da manhã, atraídos pela música e também 2015. “Os planos eram outros, acabou por
pelo chão de azulejo a preto-e-branco que tornar-se uma oportunidade de fazer uma
contrasta com a inscrição Padaria Nacional, coisa diferente e com que sonhava há muito
junto à janela. Os clientes, todos turistas tempo.”
estrangeiros, parecem encantados com os Mais do que uma loja de discos, o Clube
discos que vão passando, um a um, como se 33 quer viver de encontros musicais, lança-
fossem as páginas de um livro. Nos móveis, mentos, sessões de autógrafos e exposições,

100 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 N.º 25 Tomás Miranda

T. 93 402 2811 > seg-sex

Porta sim, porta sim A loja de discos 10h-13h, 15h-19h
Clube 33 (à direita), a EarlyMade
(em baixo) e a D’Olival Azeites & Cia.
N.º 33 Clube 33
(em baixo, à direita)
T. 91 520 8575 >
seg-dom 11h-19h

N.º 37 Incógnito

qui-sáb 23h-4h

N.º 44 Rosa Diniz

Atelier

T. 92 574 3596 > seg-sex

10h-18h

N.º 52 Imago

T. 21 585 8677 > seg-

-sex 11h-19h, sáb-dom
10h30-18h30

N.º 54-58 Casa

Angelita + Kintu
Studio

T. 21 390 2193 / 91 101

9729 > seg-sex 11h-19h,
sáb 11h-18h
D.R.

N.º 57 Apaixonarte

T. 21 390 4333 > seg-

a primeira já no final deste mês de setembro.
Umas portas ao lado, no número 25, está o
luthier Tomás Miranda. “Mudei para aqui em
1994, somos dos mais antigos da rua”, lembra
Tomás, 66 anos, a figura simpática a quem se
deve esta oficina de conservação e restauro
de instrumentos musicais de sopro. “Este
trabalho é cheio de mistérios. São precisos
vários anos até nos iniciarmos nos peque-
nos arranjos”, diz-nos. A excelência do seu
trabalho tem trazido à oficina instrumentos
tocados por artistas do mundo inteiro, des-
de flautas a clarinetes, oboés ou clarins. Nas
paredes há registos fotográficos e recortes
de Imprensa que o atestam, e a placa afixada
na fachada, onde se lê também o nome de
Fábio Mendes, é uma garantia de que tem
quem prossiga com o ofício. “O Fábio está
aqui há 20 anos, entrou com 18 anos. De
início, não parecia muito interessado, mas
foi ganhando o gosto. Há pequenos nadas
que dão grandes coisas”, afirma.
Basta atravessar a rua para encontrarmos
outra casa de ofícios, prova de que por aqui
o saber-fazer e os velhos negócios convivem
bem com as lojas modernas recém-inaugu-
radas. No seu atelier, Rosa Diniz está debru-
çada sobre a bancada a trabalhar o couro que
dá forma a uma das bandejas encomendadas
pelo Hotel Lumiares. “Tive a sorte de crescer -sex 11h-19h, sáb 11h-18h
com uma mãe artista que me deu liberdade
para experimentar e ser o que quisesse”, diz N.º 65 Hoiko
a artesã, de mãos irrequietas e com gosto
pelas artes. Abriu o atelier há dois anos nesta T. 96 680 6174 >
rua que ela descreve como “uma zona emer- seg-dom 11h-19h30
gente, semelhante a alguns bairros de Paris”. N.º 73 A, 74, 78 Studio
Autodidata, faz tudo sozinha e sem recorrer + Cécile Mestelan
a máquinas, desde malas, carteiras, sacos de
viagem e outros artigos exclusivos, fruto da T. 91 363 6334 > seg-sex
sua arte e imaginação, e também de muitas 11h-19h, sáb até 18h
horas de trabalho. Em vários restaurantes
de Lisboa, como o Belcanto de José Avillez, N.º 81 D’Olival Azeites
há ementas e fardas com a sua assinatura. & Cia.
T. 91 874 2209 > seg-sáb
TUDO BONS VIZINHOS 11h-19h
Na direção de São Bento ficam a Kintu Stu-
dio, de Sylwia Cylwik, onde há várias marcas N.º 90 Mustique
de design nacionais e de artistas estrangeiros
estabelecidos no País, e o atelier de cerâmica seg-sex 11h-19h,
sáb-dom 10h-18h30
e estúdio de tatuagens de Julia San Millán e
Olaya Mo. Em junho, Francisco Telo abriu N.º 112-114 Kooa Hair
aqui a primeira loja da Imago, depois de
cinco anos a vender online e em lojas mul- T. 21 595 9199 > seg-sáb
timarca. Nas paredes brancas destacam-se 10h-19h
as t-shirts, sweatshirts e bonés coloridos
da marca portuguesa, tudo feito a partir de N.º 120 Minimall
materiais orgânicos e reciclados. O estilo T. 93 848 0441 > seg-sáb
descontraído com um toque de irreverência 11h-20h

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 101

7 ---------- S A I R

Em março deste ano, abriu o Studio (fica um

Mestre de ofício
O luthier Tomás
Miranda e o
aprendiz Fábio
Mendes na oficina
de conservação
e restauro de
instrumentos musicais;
a portuguesa Imago
aposta nas t-shirts e
sweatshirts de estilo
irreverente (ao lado)
agrada a raparigas e a rapazes.
Seguimos rua fora, fazendo uma paragem
para espreitar as peças de design contempo-
râneo, ilustrações e outras obras de arte na
Apaixonarte. O projeto é de Cláudia Cordeiro,
que veio para esta rua em 2012, ainda este
corre-corre de turistas não se fazia sentir
nem havia vizinhos criativos como a Hoiko.
Aqui, é a bijuteria de Nádia Vieira, feita à mão
e essencialmente em latão, cobre e alumínio,
que enche o olho, mas há ainda luminárias e
cerâmica.
Passamos em frente à loja e ao atelier,
quase porta com porta, de Cécile Mestelan. A
ceramista francesa soma cada vez mais inte-
ressados nas suas peças manuais e coloridas.
pouco mais à frente, no número 73A), onde
decorrem as residências artísticas e organiza
workshops.
Quase sem percebermos, estamos à porta
da EarlyMade. Vem mesmo a calhar, pois a
Poiais de São Bento é barulhenta, devido aos
carros que teimam em passar, e agradece-se
uma pausa. Mais ainda se for para tomar um
café de especialidade e provar as rabanadas
ou um cinnamon roll (disponível apenas aos
fins de semana), numa das salas desta concept
store que veio do Porto, onde há uma loja com
o mesmo nome em Cedofeita.
É Irem quem nos recebe, uma jovem tur-
ca que escolheu Portugal para viver e esta
rua para trabalhar. “Foi muito natural. Não
entreguei nenhum currículo, simplesmente
perguntei se estavam a precisar de pessoas.
Gostei muito do visual da loja, colorida e cheia
de detalhes”, diz num português esforçado,
e a conversa prossegue em inglês. A verdade
é que é impossível não reparar nas pratelei-
ras e nas paredes feitas de pedra lioz, que
durante anos serviram a mercearia que aqui
funcionou. Agora, nelas estão expostos peças
de vestuário e acessórios escolhidos pelos
irmãos Patrícia Sousa e Emanuel de Sousa. A
curadoria das marcas – mais de duas dezenas,
como a Kestin Hare, Studio Nicholson, Folk,
Yogi Footwear, Orate Officine, entre outras
– segue uma premissa: a ligação a Portugal,
seja ao nível dos materiais seja na produção.
Na vizinha Mustique, marca fundada em
2018 pelos amigos Vera Caldeira da Silva e
Pedro Ferraz, viaja-se até ao outro lado do
mundo. Os tecidos naturais e os padrões ex-
clusivos feitos na técnica block printing, que
dão vida a camisas e calças, obrigam a uma
paragem. O mesmo dizemos para a Minimall.
Nesta concept store, vestuário, acessórios ou
peças para a casa, tudo tem aquele toque de
originalidade que, por vezes, se procura sem
se encontrar. E há até quem pergunte se a
decoração das montras está à venda.
Quase a chegar à Rua de São Bento, re-
conhecemos o Kooa Hair. Se é para pintar
ou cortar o cabelo, esta é uma morada a
fixar. Ricardo Memphus e Peter Andre, os
responsáveis, são especializados na arte da
cor e fazem questão de atender, sem pressa,
quem se senta nestas cadeiras.
À saída, no outro lado do passeio, notamos
a diferença na D’Olival Azeites & Cia., do
casal Helena Begheto e Lino Rebolo. O que
começou por ser um negócio em duas lojas,
em 2020, passou agora para uma, na qual os
azeites de pequenos produtores nacionais
convivem lado a lado com o artesanato por-
tuguês contemporâneo. Há mantas da Pardo,
peças em barro da Casa Cubista... Tudo coi-
sas bonitas que não são só para turista ver.
slopes@visao.pt

102 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

7 ---------- M Ú S I CA
GUIMARÃES
Manta
Celebrar o futuro
Rodrigo Leão, Noiserv e Sean Riley
com The Legendary Tigerman são alguns
dos nomes que vão passar pelos jardins
do Centro Cultural Vila Flor
É
uma tradição que se retoma,
esta de aproveitar as últimas
noites de verão para cele-
brar, ao ar livre e ao som da
música ao vivo, mais um aniversário
do Centro Cultural Vila Flor (CCVF),
o 17º, dando ao mesmo tempo início
à nova temporada artística de um
dos mais ousados projetos culturais
do Norte do País. Para esta edição de
“reencontro”, o Manta apostou num
“alinhamento inteiramente nacional,
marcado pela originalidade de quatro
projetos que atravessam diversas es-
téticas e gerações”, como sublinha Rui
Torrinha, diretor artístico do CCVF.
Assim, na primeira noite, sexta, 9, o
festival arranca com o projeto mu-
sical Meta, concebido por Mariana
Bragada, que, após ter participado nas
residências do Westway LAB, está de
regresso a Guimarães para apresen-
tar algumas peças inéditas, inspira-
das nas suas raízes transmontanas
e nalgumas viagens realizadas pela
América do Sul, nas quais cruza voz,
loop station, caixa de ritmos e adufe,
numa criativa ligação entre contem-
LISBOA
Bia Ferreira
poraneidade e tradição. A seguir, Cantora, compositora, multi-
entra em cena Rodrigo Leão, e o seu instrumentista e ativista,
Cinema Project, que contará com a Bia Ferreira é a grande
participação de um coro juvenil, para voz da MMP (Música de
interpretar, sobretudo, o repertório Mulher Preta), um termo
dos três álbuns editados em 2020 e por si criado para definir a
2021 (O Método, Avis 2020 e Estra- forma como usa as canções
nha Beleza da Vida). No sábado, 10, e para falar de temas como o
como já é habitual, a música começa feminismo negro, o racismo
a ouvir-se mais cedo, no jardim, logo ou a LGBTfobia. Depois de
pelas 15h30, com um espetáculo de- vários singles, como Cota
dicado ao público mais jovem, a cargo não É Esmola e Não Precisa
dos Tranglomango. À noite, as mantas Ser Amélia, a artista de Minas
voltam a estender-se no relvado, pri- Gerais editou o primeiro
meiro para se ouvir Noiserv, que em álbum em 2019, Igreja
2020 editou Uma Palavra Come- Lesbiteriana, Um Chamado,
çada por N, e depois para assistir à e vem agora apresentá-lo
atuação conjunta de Sean Riley com no B.Leza, num concerto em
The Legendary Tigerman que, a partir formato de trio.
de uma viagem, inspirada na beat
generation, cujo destino era Tânger B.Leza > Cais do Gás, 1, Lisboa
mas acabou por ser o Sul de Espanha, > T. 21 010 6837 > 10 set, sáb
21h30 > €15
escreveram um disco juntos, agora
apresentado ao vivo. — Miguel Judas
Centro Cultural Vila Flor > Av. Dom Afonso LISBOA
Henriques, 701, Guimarães > T. 253 424 700
> 9-10 set, sex-sáb 21h30 > grátis
The Magnetic
Fields
Liderada pelo produtor,
instrumentista, vocalista e
compositor Stephin Merritt,
Tigerman a banda de Boston vem a
& Sean Riley Lisboa para revisitar alguns
Os músicos de dos temas de uma carreira
Coimbra levam ao
palco o disco e a
com mais de 30 anos. Apesar
viagem que fizeram de já contar com vários
em homenagem à trabalhos editados, foi em
beat generation 1999, com o disco triplo 69
Love Songs, que os Magnetic
Fields conquistaram em
definitivo o público e a crítica.
Lisboa ao Vivo > Av. Marechal
Gomes da Costa 29 B1, Lisboa
> T. 96 708 9462 > 10 set, sáb
21h > €25
D.R.
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 103
 7 ---------- E X P O S I ÇÃO
Prémio Estação Imagem
Slava Ukraini
Um dos maiores fotojornalistas da atualidade, James Nachtwey, mostra em Coimbra
fotografias inéditas sobre a guerra. E há mais quatro exposições a não perder
CE RCO
A MARIUPOL
Evgeniy Maloletka
e Mstyslav Chernov
Um dia depois do
ataque a Mariupol,
esta foto de Evgeniy
Maloletka desmentiu o
ministro dos Negócios
Estrangeiros russo, que
assegurara não terem
sido atingidos alvos civis.
A imagem do fotógrafo
ucraniano, que trabalha
para a AP, mostra uma
grávida (que acabaria
por morrer) a ser
retirada da maternidade.
Ele e o colega Mstyslav
Chernov foram os
últimos repórteres de
imagem a sair da cidade.
Galeria Pinho Dinis
– Casa Municipal
da Cultura
104 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
— P O R C L Á U D I A LO B O
J
James Nachtwey costuma dizer de si
© EVGENIY MALOLETKA. MARIUPOL, UCRÂNIA, 9 MARÇO, 2022
próprio: “Não sou um fotógrafo de
guerra, sou um fotógrafo antiguerra.”
Ele documentou todos os grandes
conflitos das últimas três décadas,
desde o genocídio no Ruanda (é dele
o impressionante retrato de perfil
de um rapaz com a face marcada
por catanadas) à guerra no Iraque. A
dimensão do seu trabalho é tal que,
além de estar presente nas coleções de
museus de arte contemporânea, tem
quatro doutoramentos honoris causa
em universidades norte-americanas.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia,
Nachtwey, hoje com 74 anos, quis
mais uma vez testemunhar a guerra
para que esta não seja esquecida. Parte
desse trabalho, que o fotógrafo ainda
não expôs em nenhum lado, poderá
ser visto em Coimbra, no âmbito do
© ROMAN PILIPEY. ZAPORIZHZHIA, ABRIL 2022
Prémio Estação Imagem, o único
concurso de fotojornalismo que se
realiza em Portugal e Espanha. A edi-
ção deste ano, com o apoio da Câmara
Municipal de Coimbra, é dedicada
aos fotojornalistas da Ucrânia, “como
manifestação de apoio à resistência do
seu povo face à invasão”: cinco das seis
exposições são sobre a guerra e, des-
tas, quatro de fotógrafos ucranianos.
Do programa constam aulas abertas
ÊXODO
Exposição coletiva de jornalismo dadas por João Silva,
fotógrafo de guerra que trabalhou du-
Mostra do trabalho que 14 fotógrafos de agências
noticiosas (entre elas uma da Ucrânia) realizaram
rante anos para The New York Times,
documentando a partida de cerca de sete milhões visitas guiadas, projeção de filmes e
de ucranianos que deixaram as suas casas por causa a cerimónia de divulgação dos ven-
da invasão russa. cedores de 2022 do Prémio Estação
Teatro Gil Vicente Imagem, que distingue trabalhos de
reportagem em oito categorias.
Vários locais de Coimbra > 13 set-6 nov
> grátis
 © JAMES NACHTWEY. IRPIN. MARÇO DE 2022
OS INSUBM I SSOS
James Nachtwey
“A barbárie e a insensatez do ataque russo são inacreditáveis, mesmo quando vejo com
os meus próprios olhos”, escreveu o multipremiado fotojornalista James Nachtwey quando
estava na Ucrânia, entre fevereiro e março. “Pessoas ‘comuns’ continuam a demonstrar uma
coragem e uma determinação extraordinárias, se não mesmo teimosia, diante da imensa
perda de vidas e destruição.” Esta é uma exposição inédita, produzida pelo fotojornalista
especialmente para Coimbra.
Sala da Cidade – Câmara Municipal de Coimbra
© DMYTRO KOZATSKYI. MARIUPOL, MAIO 2022

© DANIEL BEREHULAK. BUCHA, 2 ABRIL 2022

O ÚLTI MO REDUTO O I NVE RNO VE RM E LHO DE BUCHA

Dmytro Kozatskyi
Cercada pelas tropas russas durante 80 dias, a siderurgia Azovstal,
onde se refugiara o batalhão Azov, da Guarda Nacional da Ucrânia,
foi o último foco de resistência em Mariupol. O que se passou lá
dentro foi documentado por Kozatskyi, 26 anos, fotógrafo-soldado
do batalhão Azov, até ao momento em que foi capturado pelos
russos. Kozatskyi continua preso.
Galeria Pinho Dinis – Casa Municipal da Cultura
Daniel Berehulak
As consequências de um mês de terror em Bucha, cidade nos
arredores de Kiev, documentadas por um fotógrafo que trabalha
regularmente com The New York Times. “A morte e a destruição
não foram o pior que os ocupantes russos deixaram para trás”,
lê-se no texto de apresentação da exposição. Há uma visita guiada
com o autor no próximo dia 17, às 16h30.
Edifício Chiado

8 SETEMBRO 2022 VISÃO 105

 7 ---------- V I N H O S
Grandes vinhos, histórias excecionais
Os 6 portugueses favoritos
de Jancis Robinson
As escolhas da mais conhecida crítica de vinhos do mundo,
apresentadas no festival FT Weekend
— P O R M A FA L D A A N J O S
A
fila com centenas de pes-
soas estendia-se pelo re-
cinto dos jardins da belís-
sima Kenwood House, em
Londres. Esta foi, de longe,
a sessão mais concorrida do
FT Weekend Festival, o encontro anual em
que se reúnem alguns dos mais famosos
colunistas do Financial Times e oradores
de primeira linha convidados. No fim de
semana passado, num incomum dia londri-
no de sol, eram muitos os que estavam na
expectativa de ouvir e, sobretudo, provar o
que Jancis Robinson tinha para apresentar.
A extraordinária “master of wine”, co-
lunista residente da edição de fim de se-
mana do FT e uma das mais conhecidas
e reputadas críticas de vinho do mundo,
começou a sua apresentação com um es-
clarecimento: “Já tinha escolhido falar dos
vinhos portugueses este ano muito antes
de saber que o Turismo de Portugal seria
parceiro do festival. Sou apaixonada pelos
vinhos portugueses, que acompanho há
muitos anos.”
Com efeito, a predileção de Jancis pelos
vinhos nacionais ficava logo clara no título
106 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Jancis Robinson Descri-
ta pela revista Decanter
como “a crítica de vinhos e
jornalista mais respeitada
do mundo”, é a funda-
dora e editora-chefe do
JancisRobinson.com (um
dos recursos mais comple-
tos para vinhos de todo o
mundo). É crítica de vinhos
do Financial Times, editora
fundadora do The Ox-
ford Companion to Wine,
apresentadora do novo
curso online de vinhos da
BBC e coautora de The
World Atlas of Wine e Wine
Grapes. Em 2003, foi con-
sagrada com a Ordem do
Império Britânico pela rai-
nha, cuja adega aconselha.
Julia Harding É crítica de
vinhos e uma das grandes
contribuintes para Jancis-
Robinson.com. Coautora
do multipremiado livro
Wine Grapes, com Jancis
e com José Vouillamoz, é
editora da quinta edição
do The Oxford Companion
to Wine, que será publica-
da em 2023.
da sessão: “Uma degustação de vinhos des-
conhecidos, mas excecionais de Portugal.”
E, para falar e partilhar consigo o palco,
convidou a colega Julia Harding, com quem
tem inúmeros projetos, e que compareceu
“casada de fresco”: a cerimónia de enlace
com a sua companheira tinha acontecido
exatamente no dia anterior.
Em cima das mesas, a parafernália das
provas e os mais desejados: seis vinhos,
seis escolhas improváveis – um verde,
dois brancos, três tintos – de seis regiões
distintas do País. Os que acompanham o
percurso de Jancis sabem que a sua aten-
ção recai, nos últimos tempos, nos vinhos
naturais, nas castas locais e antigas, e nos
pequenos produtores diferenciados. Ela não
se limita a provar – gosta de perceber os
locais, o clima, as características do solo e
da topografia, as pessoas, o contexto social.
“O vinho é geografia líquida”, enquadra. E
as escolhas que apresentou aos mais de 200
ingleses presentes mostraram isso mesmo.
Mais do que sabores, Jancis aconselha his-
tórias, contos líquidos de verdadeira paixão
pelo vinho (ver caixa).
“Aquilo de que mais gosto é que muitos
dos produtores portugueses não caíram na
tentação de seguir as castas da moda – as
cabernet, as chardonnay… Ficaram-se pelo
que sabem fazer bem, com as castas locais
que dão sabores deliciosos. Há um conjunto
de winemakers novos muito bons, cheios
de ótimas ideias. E, depois, há turismo e
grandes restaurantes a servir vinhos muito
bons e bem guardados”, resume.
No final da sessão, instada a deixar um
conselho aos produtores portugueses, dei-
xou apenas uma dica: “Não tenham medo
de viajar! Saiam mais, apresentem-se mais,
contem mais as suas belíssimas histórias,
venham falar mais connosco.” Afinal, o
produto é magnífico – é só preciso saber
vendê-lo.
(A jornalista viajou a convite do Turismo de Portugal)

CINETICA LOUREIRO
RESERVA 2020
CIZERON
VINHO VERDE
Uma mistura de três formas
diferentes de vinificar a uva
Loureiro de vinhas velhas,
com mais de 30 anos, no
Norte de Portugal. Tanto
sabor em tão pouco álcool
(12,5%). Frescura de fazer
crescer água na boca.
Preço médio: 12€
REWILDING EDITION
2020
ALTANO
DOURO
Vinho de mesa elegante do
Douro, uma mistura robusta
de Touriga-Franca, Tinta-
-Roriz e Tinta-Barroca. Os
lucros vão para um projeto
de reflorestação do Douro
Superior. Vendido em garrafa
e também em pacote, o que
faz sentido para redução de
emissões de CO2.
Preço médio: 16€
BRANCO VULCÂNICO
2021
AZORES WINE COMPANY
IG AÇORES
Vinho orgânico que mistura
a casta indígena Arinto-dos-
-Açores (85%) e Verdelho
(15%), cultivadas no terreno
rochoso do Pico. Ácido,
cítrico e com caráter
fortemente vulcânico, que
lhe dá um sabor fumado.
Preço médio: 17,65€
TEXTURA DA ESTRELA
2018
TEXTURA
DÃO
A nova geração de bem
treinados produtores
portugueses mudou a
imagem de vinho pouco
sofisticado do Dão. As
vinhas, de 25 a 60 anos,
estão em solos graníticos
e são tratadas de forma
sustentável, sem herbicidas.
Preço médio: 16,90€
VINHO DA TALHA 2020
BOJADOR
ALENTEJO
Pedro Ribeiro cultiva vinhas
com mais de 70 anos na
Vidigueira, misturando, à
maneira antiga, as castas
Perrum, Roupeiro, Rabo-
-de-Ovelha e Manteúdo.
A produção, na talha até ao
dia 11 de novembro, recria
técnicas romanas.
Preço médio: 57€
POEIRINHO BAGA 2018
NIEPOORT
BAIRRADA
Dirk Niepoort herdou o
negócio da família, mas
impôs-se como um dos mais
enérgicos e cuidadosos
embaixadores dos vinhos
portugueses. Envelhecido
durante 20 meses e
engarrafado sem filtro em
2021, vai amadurecer bem,
com a janela certa para ser
bebido entre 2025 e 2035.
Preço médio: 28,59€
8 SETEMBRO 2022 VISÃO
Vender
o melhor
de Portugal
lá fora
Portugal foi, pela
primeira vez, parceiro
do exclusivo FT
Weekend Festival, sob
o tema “Be Inspired
by Visit Portugal”.
O País marcou
presença em várias das
sessões que ocuparam
as dez tendas, por
onde passaram mais
de 4 500 pessoas num
só dia. Luís Araújo,
presidente do Turismo
de Portugal, foi um
dos oradores, numa
conversa sobre o mar,
as praias portuguesas
e a sustentabilidade,
com o surfista
profissional Nic von
Rupp, que surfa as
ondas gigantes da
Nazaré.
O premiado chefe
Nuno Mendes,
fundador do
restaurante Lisboeta,
em Londres,
apresentou os sabores
gastronómicos
portugueses.
visao@visao.pt
107
 7 ---------- V I N H O S

POR
Manuel
Gonçalves
da Silva
comer&beber@visao.pt

Saber e arte
Da nobreza do Alvarinho, num
branco de pura classe, à dignidade
dos vinhos de lote, num branco
e num tinto de castas portuguesas

E
m anos ingratos, como este que é extre-
mamente quente e seco, o agricultor che-
ga à vindima com sentimentos contradi-
tórios: a certeza de ter feito, e bem, o que
lhe competia; a dúvida quanto ao resultado do PARCELA ALENTO CASA
seu esforço. A questão é que o seu trabalho está ÚNICA REGIONAL FERREIRINHA
sujeito aos caprichos da Natureza, e compete-lhe ALVARINHO ALENTEJANO VINHA
tirar o melhor partido do que o ano dá. Por isso, 2019 BRANCO GRANDE DOC
aguarda com serenidade que a vindima chegue BRANCO 2021 DOURO
ao fim. Ao trabalho do campo segue-se o da ade- 2019 TINTO
ga, em que não faltam criatividade, saber e arte. Vinho de lote 2019
Entre muitos enólogos com obra feita e talen- Produzido com com as castas
to demonstrado está Anselmo Mendes, a quem uvas da casta Arinto, Antão- Lote das castas
chamam “o senhor Alvarinho”, por ter elevado os Alvarinho de uma Vaz, Roupeiro Touriga-Franca,
vinhos de Monção e Melgaço, de onde é natural e só parcela, com e Esgana-Cão, Touriga-Nacional,
onde está sediado, a um nível nunca antes alcan- fermentação em fermentado em Tinta-Roriz e
çado. Mas há vinhos com a sua assinatura, que é barricas novas inox e batimento Tinta-Barroca
garantia de qualidade, em boa parte das regiões (400L), estágios das borras durante com fermentação
do País. O seu Alvarinho Parcela Única 2019 é de nove meses quatro semanas. em inox e estágio
exemplar. nas mesmas Tem cor amarelo- de 12 meses em
Luís Louro concluiu os estudos com um está- barricas e de 12 citrina, aroma barricas usadas.
gio na Califórnia e, no regresso ao seu Alentejo, meses em garrafa. apelativo com Apresenta cor
em 2004, aos 23 anos, criou a Adega do Monte É a expressão notas frutadas e rubi, aroma
Branco, em Estremoz, onde assumiu o cargo de pura e fiel das florais sobre um intenso com
produtor e enólogo. Depois, reforçou a equipa virtudes da casta, fundo mineral; notas de frutos
com a enóloga Inês Capão e foi apresentando da sua nobreza paladar fresco, vermelhos, de
vinhos que, colheita a colheita, deram nome ao primordial, do suave, equilibrado, especiarias e
Monte Branco. Por vezes com inovação, como aroma fino e com acidez balsâmicas,
nos vinhos LouCa (primeira sílaba de Louro; se- complexo, com crocante a dar-lhe paladar volumoso
gunda de Capão), num desafio à criatividade com notas florais, vivacidade até ao e bem equilibrado
que faz e assina cada qual o seu vinho. Um traba- minerais e de final, que é longo na acidez, taninos
lho de equipa sério e rigoroso, como demonstra especiarias e gostoso. e fruta. Bom
o Alento Branco 2021. delicadas, ao companheiro da
O enólogo que assina o mítico Barca Velha, paladar elegante €6,99 cozinha tradicional
os Vintages da Porto Ferreira e os Tawnies da na estrutura, na portuguesa.
Sandeman, que dispensam adjetivos, é o mesmo fruta, na frescura
que subscreve o Vinha Grande: Luís Sottomayor. e na persistência. €9,99
E é o quanto basta para afirmar a dignidade desta Apetece antes,
marca antiga e emblemática da Casa Ferreirinha. durante e depois
Do Vinha Grande Tinto 2019 foram produzidas de bebido.
mais de 460 mil garrafas, cuja distribuição abar-
ca todo o mundo. Este dado também diz muito. €35,90

108 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

7 ---------- CO M E R
CASCAIS
Casa Davolta
Menos é mais
Na localidade de Areia, Javier Méndez e Vera Rente
abriram um restaurante, onde o sabor dos produtos
é potenciado por receitas da Andaluzia
L
onge dos holofotes e dos circuitos habi-
tuais, a Casa Davolta é uma descoberta
surpreendente, quer pela localização quer
pelo tipo de cozinha e de serviço com que
nos brindam à mesa. Estamos na sossegada loca-
lidade de Areia, em Cascais, numa moradia com
uma sala bem decorada. À chegada, já tínhamos
sido recebidos por Javier Méndez, nascido há 41
anos em Sevilha, e por Vera Rente, de 32, natural
de Cascais (ele responsável pela cozinha, ela pela
sala). A dupla mudou-se de Barcelona para Por-
tugal e abriu, em junho de 2019, este restaurante.
“Na cultura andaluza, não há pratos com
muitos elementos. Acima de tudo, potenciamos
o sabor e a textura dos ingredientes”, explica o
chefe de cozinha, com experiência em restau-
rantes como o Lasarte, o três Estrelas Michelin
de Martín Berasategui, em Barcelona. A ementa
da Casa Davolta, que aposta em receitas tradi-
cionais da cozinha andaluza, assenta precisa-
mente no produto, como o marisco e o peixe da
nossa costa, trabalhado com técnicas apuradas
– e muita criatividade, acrescentamos.
Cozinha
de autor
As origens
andaluzas de
Javier Méndez
estão presentes
em vários
momentos
do menu de
degustação,
assente no
produto, como o
marisco e o peixe
da nossa costa
GABRIELL VIEIRA
O ajo blanco, sopa fria típica da Andalu-
zia, com gamba da costa e uvas, e a ostra da ria
Formosa, servida num caldo de maçã verde, dão
início ao menu mais completo de 10 momentos
(além deste, há ainda o menu Casa, composto por
seis sugestões). Seguem-se a sardinha fumada,
acompanhada de salada iódica, e a ensaladilla
de santola, abacate e chipotle, que chega envolta
numa espuma, revelando sabores ora picantes
ora suaves. Pelo meio, deliciámo-nos com as
acelgas, ovo e presunto, com a dourada selvagem
na brasa, mostarda-silvestre e tomate, e com o
pombo na brasa com puré de favas, uma opção
arrojada. O remate faz-se com a salada de frutas
de cereja do Fundão e amêndoa-amarga e com o
brioche, cacau, pistácio e menta, que têm a doçu-
ra e a frescura certas. Às vezes, é mesmo preciso
desviarmo-nos do caminho habitual para termos
surpresas assim. — Sandra Pinto
R. São José, 353, Areia, Cascais > T. 21 160 4892 >
qua-dom 12h45-14h30, 19h-21h30 > Menu 6 momentos
€67, 10 momentos €84,50, sem vinhos
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 109
 7 ---------- CO M E R
MATOSINHOS
Seiva
Voltar à terra
Produtos de origem vegetal, sabores e técnicas
do mundo. Na marginal de Leça da Palmeira,
David Jesus serve “comida boa, com sabor, familiar”
F
oi a um passo do mar, em Leça da Palmei-
ra, que David Jesus, 26 anos, natural de
Setúbal, encontrou um lugar para apre-
sentar uma ementa que faz dos vegetais,
ervas, rebentos e folhas os principais ingredien-
tes, trabalhados de acordo com a sua inspiração.
O Seiva assume-se como sendo uma “experiência
bonita”, à margem de modas e rótulos. “Não é
vegan ou vegetariano, é comida boa, com sabor,
dinâmica, familiar”; “as pessoas estão à vontade
e com um sorriso”, afirma o chefe de cozinha.
Antes de se render aos vegetais, David Jesus
passou por cozinhas com Estrela Michelin, co-
nhecidas por ditar tendências na restauração.
Esteve na Fortaleza do Guincho, em Cascais, a
que se seguiram o DiverXO, de Dabiz Muñoz,
em Madrid, e o restaurante Quique Dacosta,
em Alicante. Regressou a Portugal em 2019,
passou pelos restaurantes Paparico e Brasão,
no Porto, mas, com a pandemia a trocar-lhe as
voltas, optou por abrir um projeto próprio, em
setembro de 2021. “Cozinhasse carne, peixe ou
plantas, ia ser bom”, graceja, acrescentando que
“a diferença está no custo”. Surge assim uma
carta, que muda a cada duas semanas, de base
110 VISÃO 8 SETEMBRO 2022
Wellington
vegetal A partir
da técnica do bife
Wellington, David
Jesus criou uma
versão vegetal do
clássico inglês,
feita com massa
folhada, mostarda,
cogumelos,
especiarias, soja
e batata-doce
LUCÍLIA MONTEIRO
vegetal e cheia de sabor, trabalhada sob a égide
da alta-cozinha.
À mesa do Seiva (o nome é uma homenagem
ao avô, que era resineiro) está muito da ligação
de David Jesus às suas origens mas também
ao mundo. Senão, vejamos: churros de batata,
acompanhados de tomatada e ovo para mo-
lhar, preparada como a avó faz (€7); gyosas de
legumes ao vapor e caril japonês (€7,50), e bagel
tostado, beringela grelhada, barbecue de figo e
“parmesão” (€8) – tudo para partilhar e comer
à mão, numa sala luminosa com 40 lugares. Nos
pratos principais, a cozinha portuguesa brilha
com o xarém à algarvia, cozinhado num caldo
miso, com cenoura algarvia e salicórnia (€12).
Já o pani puri, um crocante de grão, rechea-
do de cogumelos e chaat masala (€4/unida-
de), concentra doses de sabor. Para sobremesa,
há banana grelhada, melaço de cana e garam
masala (€6) ou damasco e nectarina, creme de
iogurte com sabugueiro (€6). Sabores da terra,
servidos junto ao mar. — Susana Silva Oliveira
R. Sarmento Pimentel, 63, Leça da Palmeira, Matosinhos >
T. 91 054 6756 > ter-sáb 12h-15h, 19h-22h, dom 12h-15h
7 ---------- O G O STO D O S O U T R O S
“A história de Avis —— Piscina
PARQUE AQUÁTICO
garantiu-lhe um dos GALVEIAS
centros históricos
“Durante a infância, nunca
imaginei que, um dia, a minha
terra fosse conhecida pelas
mais pitorescos de suas piscinas”, confessa
o escritor que lançou
todo o Alto Alentejo. recentemente o livro Onde.
“As piscinas, os escorregas
ou, simplesmente, desfrutar
Ao fim da tarde, das espreguiçadeiras ao sol
ou à sombra. Também para
as vistas em volta mim, esses são prazeres que
tento aproveitar durante as
são altamente minhas férias.”
inspiradoras” —— Restaurante
OLIVENÇA PONTE DE SOR
Para José Luís Peixoto, o
José Luís Peixoto restaurante Olivença é uma
experiência a não perder.
Escritor, 48 anos “Tudo na sua ementa é de
qualidade garantida; a simpatia
do serviço acrescenta o toque
de excelência para momentos
memoráveis. Nestas mesas,
fica claro que gastronomia é
uma forma bastante sofisticada
de cultura. Convém reservar
porque são já muitas as
pessoas que conhecem este
restaurante e que querem
voltar.”
—— Disco
CENTRO JOANA ALEGRE
“Ao ouvir-se este disco na
totalidade, há algumas canções
que começam por destacar-se,
mas, aos poucos, apercebemo-
nos da sua coerência e
riqueza, e também as outras
canções acabam por brilhar.
“Que o Interior do
País encontre na
força da cultura a
vitalidade de que
precisa, porque
todos precisamos
do Interior do País”
Uma voz notável que dá corpo
a um magnífico trabalho de
composição que, ainda por
cima, traz letras de muita
beleza, poemas delicados;
portugueses, no que a nossa
cultura tem de melhor.”
—— Associação
cultural
ERA UMA VOZ SOUSEL
Exposições, concertos,
encontros à volta de livros,
teatro, música, oficinas das
mais diversas áreas artísticas,
muitas são as atividades que
têm sido desenvolvidas pela
associação Era Uma Voz, em
Casa Branca, no concelho de
Sousel. “Que este exemplo dê
frutos e, também, que sirva
de exemplo para aldeias e
concelhos vizinhos. Que o
Interior do País encontre na
força da cultura a vitalidade
de que precisa, porque todos
precisamos do Interior do País.”
—— Vila
AVIS
“A história desta vila garantiu-
lhe um dos centros históricos
mais pitorescos de todo o
Alto Alentejo. Passear por
Avis, observar os detalhes
dos edifícios, e da forma
como o tempo os organizou,
é um privilégio. Ao fim da
tarde, as vistas em volta, com
a barragem do Maranhão
lá em baixo, são altamente
inspiradoras. Para quem queira
aprender mais sobre este
ponto da nossa História, o
centro interpretativo é de visita
obrigatória.”
—— Hotel
VILA GALÉ ALTER DO CHÃO
“Nas horas tórridas do Alto
Alentejo, sabe muito bem uma
piscina como a deste hotel.
Além disso, ver de perto os
cavalos da Coudelaria de
Alter Real é um privilégio.”
— Sandra Pinto
8 SETEMBRO 2022 VISÃO 111
 7 ---------- J O G O S

PALAVRAS CRUZADAS
> > HORI ZON TAIS >> 1. Bosque. Povo que ocupava o Peru, quando
os espanhóis o conquistaram. // 2. Boémia. Antigo sacerdote da
Gália e da Britânia. // 3. Primeiro espetáculo. Caminhar ou dirigir-
se para o lugar onde se está. // 4. Que ou o que nasceu ou mora
na arraia (fronteira). Vertigem. // 5. Fazer a reciclagem de. // 6.
Unidade de medida agrária equivalente ao decâmetro quadrado.
Segundo a Bíblia é a primeira mulher, mulher de Adão e mãe da
Humanidade. // 7. Evasiva. // 8. Unidade de intensidade de corrente
elétrica. Manifestação da vontade ou opinião numa eleição ou numa
assembleia. // 9. Qualquer obra em verso, especialmente aquela
em que há enredo e ação. Bebida doce e aromática que tem como
base a aguardente ou o álcool. // 10. Possuir. Condição de quem se
comprometeu a casar-se com outra pessoa, de quem está noivo.
// 11. Presságio (fig.). Relativo ao Sol. > > VERTICAIS >> 1. Parte
sólida da superfície do globo. Capaz. // 2. Divindade que se supunha
ser inspiradora da poesia. Repisar. // 3. Elemento de formação de
palavras que exprime a ideia de hostilidade, oposição. Emboscada.
// 4. Equilibrar com tara. O que, numa série, ocupa o centésimo lugar.
// 5. Nome da letra N. Nome do sétimo planeta do sistema solar. // 6.
Circunscrição territorial que está sob a jurisdição de um bispo, de um
arcebispo ou de um patriarca. // 7. Cólera. Acrónimo de Imposto sobre
o Valor Acrescentado. Adorno em forma da flor do lírio estilizada, que
constitui um símbolo da antiga realeza francesa. // 8. Despido. Vazia.
Animado. // 9. Que se refere às relações dos cidadãos entre si. Da
voz ou a ela referente. // 10. Liguem-se. Inteira. // 11. Curar. Tratamento
dado às freiras.

SUDOKU QUIZ
— FÁ C I L — PO R PED RO D IAS D E ALM EI DA

1. Qual a marca da mota que 6. Em que dia um ser humano

Miguel Oliveira vai guiar na pisou, pela primeira vez,
próxima competição MotoGP? a superfície da Lua?
A. Aprilia A. 12 de junho de 1967
B. Honda B. 3 de setembro de 1968
C. Yamaha C. 20 de julho de 1969

2. “O sol bate no goraz...” é o 7. O Centro Português de

arranque da letra duma canção
de que banda portuguesa?
A. UHF
B. Jafumega
C. Trabalhadores do Comércio
Fotografia, no Porto, está
instalado num edifício que era...
A. … um convento
B. … uma prisão
C. … um hospital militar

3. O filme de Steven Spielberg 8. Em que ano começou

O Império do Sol é a adaptação Fernando Mendes a apresentar
dum romance de que autor? o concurso O Preço Certo?
A. J.G. Ballard A. 1999
B. Martin Amis B. 2001
C. Salman Rushdie C. 2003

4. Como se chama o rio que 9. Terrinhas é o romance

atravessa São Paulo, no Brasil? de estreia de que jornalista?
A. Tapajós A. Fernanda Câncio
B. Tietê B. Anabela Mota Ribeiro
C. Tocantins C. Catarina Gomes

5. Em que concelho acontecem 10. Onde fica a Casa-Estúdio

as Festas do Barrete Verde Carlos Relvas, dedicada a esse
e Salinas? fotógrafo do século XIX?
A. Vila Franca de Xira A. Caldas da Rainha
B. Benavente B. Almeirim
C. Alcochete C. Golegã

> > QUI Z > > 1. A // 2. B // 3. A // 4. B // 5. C // 6. C // 7. B // 8. C // 9. C // 10. C

// 6. Diocese. // 7. Ira, IVA, Lis. // 8. Nu, Oca, Vivo. // 9. Civil, Vocal. // 10. Adiram, Toda. // 11. Sarar, Soror.
SOLUÇÕES >> VERTICAIS >> 1. Terra, Apto. // 2. Musa, Remoer. // 3. Anti, Espera. // 4. Tarar, Cem. // 5. Ene, Urano.
// 6. Are, Eva. // 7. Escusa. // 8. Ampere, Voto. // 9. Poema, Licor. // 10. Ter, Noivado. // 11. Orago, Solar.
>> HORIZON TAIS >> 1. Mata, Incas. // 2. Tuna, Druida. // 3. Estreia, Vir. // 4. Raiano, Oira. // 5. Reciclar.

112 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

Proprietária/Editora: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
Edifício Fernão de Magalhães, n.º 8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520.
Gerência da TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 10.000,00 euros,
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Diretora: Mafalda Anjos LA SQUADRA

Diretor-Executivo: Rui Tavares Guedes AS SUGESTÕES DOS CHEFS REÚNEM
Subdiretora: Sara Belo Luís
Editores-Executivos: Alexandra Correia e Filipe Luís AMIGOS “À MESA DE ITÁLIA”.
Conselheiro Editorial: José Carlos de Vasconcelos Um prato principal, uma bebida,
EXAME/Economia: Tiago Freire (diretor) sobremesa e café no elegante e
Editores: Clara Cardoso (visao.pt) Filipe Fialho (Mundo), Inês Belo (VISÃO Se7e),
João Carlos Mendes (Grafismo), Manuel Barros Moura (Radar) renomado restaurante italiano La
e Pedro Dias de Almeida (Cultura) Squadra, da Baixa de Lisboa…
Redatores Principais e Grandes Repórteres: Carlos Rodrigues Lima, Tudo pelo valor de 14 euros, na
Cláudia Lobo, José Plácido Júnior, Miguel Carvalho e Rosa Ruela
Redação: Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares, Clara Teixeira,
proposta “Sugestão do Chef”.
Florbela Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto), Joana Loureiro, João Amaral Santos, Parece-lhe bem?
Luísa Oliveira, Luís Ribeiro (Coordenador Ambiente), Margarida Vaqueiro Lopes, É sem dúvida uma excelente opção
Mariana Almeida Nogueira, Marta Marques Silva, Nuno Aguiar, Nuno Miguel Ropio,
Paulo C. Santos, Rita Rato Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto,
para os almoços semanais, no nº 15 da
Sara Rodrigues, Sara Santos, Sílvia Souto Cunha, Sónia Calheiros, Susana Lopes Faustino, Praça da Figueira, mais exatamente
Susana Silva Oliveira e Vânia Maia no piso térreo do My Story Hotel
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora),
Ana Rita Rosa, Edgar Antunes, Filipa Caetano, Hugo Filipe, Patrícia Pereira e Rita Cabral
Figueira.
Infografia: Álvaro Rosendo e Manuela Tomé
Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
Lucília Monteiro, Luís Barra e Marcos Borga

NATURA APRESENTA
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Secretariado: Sofia Vicente (Direção) e Ana Paula Figueiredo
Colunistas: Bernardo Pires de Lima, Pedro Marques Lopes, Pedro Norton,
Pedro Strecht e Joana Marques
Colaboradores Texto: Manuel Gonçalves da Silva, Manuel Halpern, Miguel Judas, COLEÇÃO PARA A RENTRÉE
Pedro Dias, Margarida Robalo e Sónia Graça (Revisão) PADRÕES E MATERIAIS INTEMPORAIS
Ilustração: Susa Monteiro
Redação, Administração e Serviços Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima PARA UM REGRESSO EM PLENO
– Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8 A pensar na rentrée e no dinamismo
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Delegação Norte: CEP – Escritórios, Rua Santos Pousada 441- sala 206 e 208,
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Dias úteis – 9h às 19h
 POR
Joana
Marques
— Humorista
Boas férias, Marta
ELEFANTE NA SALA

M
ais um rude
golpe para a
Igreja: Marta
Temido perdeu
a fé. Como
se não bastasse o escândalo
dos abusos, agora isto. “Não
podemos perder a fé de que
vamos melhorar as coisas”,
disse a então ministra da
Saúde, no final de Julho.
Um mês depois, apresentou
a demissão. Sai sem honra
nem glória depois de um
verão particularmente difícil.
Não só para as grávidas que
tiveram de fazer viagens de
três horas em busca de um
hospital onde pudessem ter
uma hora pequenina, mas
sobretudo para a ministra,
que teve de passar as suas
férias ao telefone, a tentar
persuadir médicos a cancelar
as deles. Parece-me uma
tarefa mais hercúlea do que
reestruturar o SNS. É natural
que, ao fim de um mês, Marta
esteja exausta. Faltou-lhe
resiliência para aguentar até
ao fim da época alta. Foi pena.
Agora vemos por aí médicos a
divertirem-se impunemente
em aparthotéis, sem que
ninguém os impeça. Marta
foi uma espécie de agente de
viagens, mas ao contrário. Em
vez de apresentar um pacote
de sete dias na Riviera Maya,
em regime de meia pensão,
convidava os clínicos a passar
sete dias com tudo incluído no
Hospital São Francisco Xavier.
No fundo, se a ideia é passar
o verão rodeado de gente de
pulseirinha, não vale a pena
procurar destinos tropicais.
Qualquer Hospital de Santa
Maria, depois da triagem,
serve. Esta ministra foi
inovadora: enquanto os seus
antecessores se limitaram a
não dar aos médicos condições
para trabalhar, Marta não lhes
dava também condições para
ir de férias. Já os profissionais
de saúde, provando que
não são rancorosos, têm-se
mostrado bastante felizes
com estas férias prolongadas
de Marta Temido. Na hora
da despedida, devo confessar
que admiro esta mulher pela
coragem que demonstrou.
Não tanto por ter enfrentado
uma pandemia (isso até lhe
facilitou a tarefa, já que foi o
único período da História em
que os portugueses não se
deslocaram às urgências por
terem uma unha encravada ou
pingo no nariz), mas por ter
enfrentado os profissionais de
saúde. Marta ousou destratar
quem nos trata. Se há classe
que não arrisco atacar é a
dos médicos. Nunca se sabe
quando vou precisar de um.
Tenho muito respeito por
médicos e por meliantes (e
pelos que acumulam funções,
como um dermatologista
que noutro dia me levou 90
euros só para ver uns sinais),
porque é gente que facilmente
consegue matar-nos. Agora o
mínimo que podemos fazer,
em jeito de homenagem à
ex-ministra, é juntarmo-nos
à janela para aplaudir. Até
porque, como ficou provado
durante o confinamento, é
como o Melhoral: não faz bem
nem faz mal. A não ser que
esteja frio. Nesse caso, evite
ir à varanda, não vá adoecer e
engrossar as filas do centro de
saúde. visao@visao.pt

Se a ideia é passar o verão

rodeado de gente de pulseirinha,
não vale a pena procurar
destinos tropicais. Qualquer
Hospital de Santa Maria, depois
da triagem, serve MARTA TEMIDO

114 VISÃO 8 SETEMBRO 2022

 INDEPENDÊNCIA * RIGOR * HUMOR

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