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RESUMO
O presente artigo se propõe a tecer considerações sobre as origens e concepções da Residência Hospitalar (RH),
enfatizar a importância da instituição hospitalar na formação do profissional de saúde e, em especial, do psicólogo
clínico, através da Residência em Psicologia (RP). Esta modalidade de especialização despertou maior interesse
principalmente a partir de 1998, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) passou a discuti-la nacionalmente.
Portanto, são feitas referências ao papel do CFP na regulamentação e implantação da RP. Finalmente, descrevem-
se os princípios norteadores, a organização e o funcionamento da RP do Instituto de Psicologia/Hospital
Universitário Pedro Ernesto (IP/HUPE/UERJ), iniciada em 1993, visando, contribuir para a divulgação e o debate
desta modalidade de especialização em todo o país.
ABSTRACT
This article intends to draw considerations about the origins and the conceptions of Hospital Residence Program
(HR), to emphasizes the importance of the hospital institution for the health profissional specialization, in special
for the clinical psychologist, with the Residence in Psychology (RP). This specialization modality took more interest
after 1998, when the Conselho Federal de Psicologia (CFP) promoved a national discussion about it. Consequently,
on enphasizes the role of the CFP to order the implantation of the RP. Finaly, on describes the guide principles, the
organization and the function of the Psychology Residence of the Psychology Institute/University Hospital Pedro
Ernesto (IP/HUPE/UERJ), iniciated in 1993, thats aim to contribute to the divulgation and to the discussion of this
specialization modality in all over the country.
A Redidência Hospitalar (RH) é uma modalidade de especialização no nível de pós-graduação, que oferece uma
prática intensiva e exige dedicação integral. A descoberta de sua importância para os psicólogos vem crescendo
desde a década de setenta e, pela primeira vez, o Conselho Federal de Psicologia ampliou sua discussão, levando-a
para um fórum nacional. Em junlho de 1999m depois de várias interações telecomunicativas com representantes
de vários Estados, o CFP organizou um Encontro no Rio de Janeiro, objetivando construir um documento preliminar
para orientar suas ações e traçar os critérios e princípios básicos para regulamentar os programas de Residência
em Psicologia (RP) (CFP, Documento Preliminar – Regulamentação do Programa de Residência em Psicologia,
7/2000).
A entrada do psicólogo no hospital ocorreu há algumas décadas, começando por São Paulo, pelo que sabemos, com
Mathilde Neder na década de cinqüenta (Coelho, 1998), foi se ampliando para outros estados. Por outro lado, as
primeiras iniciativas federais no sentido de criar cursos de residência ocorreram em 1976, quando uma equipe do
Ministério da Saúde elaborou programas de residência para várias áreas, inclusive para a psicologia. Esta iniciativa
teve como objetivo assessorar o MEC na implantação desta modalidade de formação, mas estes estudos foram
abandonados (documento de 1977, com título Residência na Área de Saúde, elaborado pela Equipe Técnica do
Ministério da Saúde, para assessorar ao MEC. Encontra-se na biblioteca do CFP).
• Interesse na criação de cursos de especialização baseados apenas na prática clínica tradicional, que são menos
dispendiosos e, geralmente, auto-financiados;
• Justificativa de que a residência se pautava no modelo médico, não sendo adequada ao psicólogo;
• As experiências esporádicas, como as do Instituto Philippe Pinel no Rio de Janeiro e da Clínica Pinel de Porto
Alegre em 1974 (Ferreira, 1998), não tinham consistência (investimento financeiro, corpo docente) e
desapareceram.
Não temos ainda informações precisas sobre o quantitativo de RP no país, mas acreditamos que, ao assumir a
liderança deste processo, o CFP poderá ser o centro irradiador destas informações. Aqui no Rio de Janeiro, depois
do IP/UERJ (1993), surgiram mais três ofertas de Residências Interdisciplinares em Saúde Mental, oferecidas pela
Secretaria Municipal de Saúde (Instituto Philippe Pinel, Instituto Nise da Silveira e Colônia Juliano Moreira), onde os
psicólogos vêm conquistando a maioria das vagas.
Apesar da idéia do hospital como proteção, a maioria das pessoas possui temores de ingressar nesse espaço. O
confronto com o real do sofrimento, da dor e da morte, pode exercer o efeito de estilhaçamento em nossas
armaduras imaginárias. Ao confrontar-se com a alteridade impactante do desamparo e da fragilidade do corpo e da
vida humana, toma-se contato com o real da castração, através da percepção da incompletude. Por tudo isto,
podemos supor que o hospital ajuda também a criar uma capacidade de circulação entre o impacto da dor e da
alegria, o que favorece a fruição da vida e a saúde psíquica, prestando um serviço ímpar para a formação do
psicólogo.
Do ponto de vista histórico, a concepção de hospital tem sofrido mudanças, tanto conceituais quanto em suas
funções sociais. Nascido como lugar-depositário para os moribundos pobres (Abranches, 1998), revelou-se no
século passado como corpo dócil e ideal para a investigação, descrição das doenças e instrumentalização técnica.
Com o desenvolvimento das tecnologias (exames, diagnóstico e intervenção precisa), o hospital transformou-se no
lugar do tratamento, da cura das doenças e da restituição da saúde. Não conseguiu, entretanto, resolver a
ambigüidade presente na sua história, qual seja, por um lado, a sua representação enquanto espaço depositário da
morte e, por outro, enquanto lugar de resgate da vida saudável.
Constatamos também que a assistência à saúde como um direito, é ainda negada à maioria da população. O
vínculo histórico com a filantropia e com o assistencialismo produziram a representação do atendimento associado
à caridade e ao messianismo. Os efeitos desta ideologia trazem conseqüências importantes para a prática
psicológica, especialmente quando o acento recai sobre a ética do sujeito, já que aí solicitamos o surgimento do
seu desejo e o contrapomos a este lugar de depositário de cuidados.
A representação do hospital como lugar de clausura, cuja função social visa isolar a doença da saúde, a vida da
morte, ainda predomina, o que leva a atribuir a tarefa dos cuidados aos especialistas e peritos (Giddens,
1991). Também a morte tornou-se alteridade radical (selvagem) ao afastar-se do convívio do dia a dia do mundo
familiar (Ariès, Apud. Pitta, 1990). Estas questões trazem implicações importantes para pensar o lugar do psicólogo
no hospital, profissional este que não deve ser meramente mais um especialista - aquele que sabe tudo sobre uma
região determinada do paciente. Nosso saber é saber escutar, acolher, decifrar, para ajudar a resgatar o sujeito do
vazio da dor e da redução ao corpo.
Sem negar os benefícios que a dedicação dos médicos e cientistas trouxe para a humanidade - aliviando
sofrimentos e melhorando as condições de saúde - assinalamos certas tendências reducionistas que levam ao
empobrecimento das práticas e da concepção de doença e de saúde para, em seguida, falar do lugar do psicólogo.
Ao se reduzir o sujeito doente a um corpo biológico, coisificando-o e desconsiderando-se a sua subjetividade e o
seu lugar de sujeito frente às ameaças, ao sofrimento e à dor, perde-se muito da compreensão e das possibilidades
terapêuticas, já que tudo isto torna-se invisível ante o olhar frio do diagnosticador.
A nosso ver, na doença, vivencia-se a fragilidade da vida e é neste lugar de desamparo frente ao horror da doença
e da morte, que o homem entrega seu corpo ao corpo técnico, como refúgio para a sua angústia (Pitta, 1990).
Desta forma, espera-se muito mais da intervenção do profissional que o mero olhar técnico e frio. O treinamento
técnico que visa criar proteções contra o envolvimento com a angústia do doente - para não afetar sua capacidade
de percepção e discernimento diagnóstico e terapêutico - pode obliterar um acesso importante de entendimento do
sofrimento, uma vez que a forma e a expressão da doença no corpo e na mente envolvem a subjetividade. A
clínica exige o cultivo e o aprimoramento da sensibilidade humana e, para tal, seus instrumentos não podem
reduzir-se ao sensorial. Sem um trabalho sobre os afetamentos, as condições de funcionamento do psiquismo
serão reduzidas (Freud,1923). Neste sentido, a práxis do psicólogo no hospital pode oferecer algo à medicina, ao
assinalar algo intrinsecamente original, que é a verdade do sujeito que a procura por estar aflito (Alberti, 2000),
demandando mais do que uma resposta técnica e uma explicação científica.
Portanto, é neste lugar onde o que se vê, o que se apalpa e o que se ausculta ocupam o primeiro plano, que o
psicólogo clínico poderá validar sua praxis, ao buscar acolher e ouvir a palavra daquele que clama por um
interlocutor. Foi para justificar este lugar que achamos necessário traçar este percurso para situar e defender os
programas da RP e mostrar sua importância na formação do psicólogo clínico. Passaremos agora a falar da RP do
IP/HUPE/UERJ.
A formação do residente fundamenta-se na compreensão e na análise institucional crítica, pela avaliação das
demandas individuais e institucionais, evitando-se, assim, cair no engodo da relação tecnicista apressada. Para tal,
torna-se importante pensar a doença em sua relação com a saúde, entender as formas singulares de responder ao
adoecimento, escutar, analisar e lidar com as variadas demandas da equipe (cf. Coelho, 1998): do enfermeiro (que
em geral fica mais tempo com o enfermo), do médico (em sua tensão de responder prontamente com o
diagnóstico e a intervenção adequada), dos familiares (ansiosos por uma palavra de esclarecimento e de apoio).
A partir de 2000, o curso foi oficializado junto aos órgãos de pós-graduação da UERJ, para que futuramente possa
ser reconhecido pelo MEC. Até o momento, somente as residências médicas são reconhecidas. Em 1999, com o
apoio da diretora do IP nos empenhamos em buscar uma solução para o reconhecimento do título, sendo a forma
encontrada a reelaboração e transformação do projeto em projeto de pós-graduação Lato Sensu, cujo título é
Curso de Especialização em Psicologia Clínico-Institucional - Modalidade Residência Hospitalar. Depois de submetido
às instâncias universitárias de pós graduação, teve sua aprovação. A oficialização do curso é de grande interesse
para os psicólogos, principalmente para fins de concursos públicos e é neste sentido que o CFP está empenhado em
criar critérios e instâncias de oficialização do curso.
Organização do curso
O curso é coordenado por um professor do IP/UERJ e conta com um corpo docente de três professores e quatro
psicólogos supervisores.1 Dispõe também de uma coordenação administrativa geral, junto ao HUPE/UERJ, que é
comum a todas as residências oferecidas pelo hospital. A seleção é anual, por concurso público, aberta a todos os
psicólogos matriculados nos CRP. São oferecidas cinco vagas anuais e a bolsa é eqüivalente a dez salários mínimos
(padrão para todas as residências).
O programa segue o padrão das Residências Hospitalares, sendo desenvolvido em dois anos (R1 e R2), com carga
horária de quarenta e oito horas semanais, incluindo um plantão de fim de semana. No primeiro ano, o R1 passa
pelo rodízio em seis áreas, três no primeiro semestre e três no segundo, onde divide sua carga horária nas três
áreas ao mesmo tempo. No segundo ano, o residente opta por uma ou duas áreas de especialização, no máximo. O
Programa oferece oito áreas de atuação, que são: a) no Serviço de Psiquiatria: Psicoterapia Psicanalítica de Família
e Psicodiagnóstico Diferencial, Acompanhamento e Intervenção na Internação Psiquiátrica; b) Clínica de Pediatria;
c) Pré-Natal e Maternidade; d) Clínica e Cirurgia Cardíaca; e)Unidade de Atendimento ao Idoso e Universidade da
Terceira Idade; f) Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente.
As áreas e programas práticos são definidos pela potencialidade de ofertas das distintas modalidades de
intervenções, onde o residente possa lançar mão de vários recursos e experienciar os vários momentos do
processo terapêutico: internação, ambulatório, atendimento domiciliar e programas de reabilitação. Podendo,
ainda, analisar os diferentes tipos de demanda: da equipe, do ambiente, da internação ou da família.
O curso teórico oferece as seguintes disciplinas obrigatórias: Fundamentos das Técnicas Psicoterápicas, Estudos
Gerontológicos, Fundamentos Filosóficos da Prática Clínica, Introdução ao Programa de Saúde da Família e
Orientação de Monografia. As disciplinas eletivas são desenvolvidas junto às áreas programáticas e são elas:
Psicologia e Programas de Saúde Mental, Métodos de Avaliação e Psicodiagnóstico Diferencial, Psicanálise da
Família, Psicanálise e Sujeito Adolescente, Psicoterapia Breve e Pediatria, Psicanálise e Maternidade e Dinâmica de
Grupo nas Instituições de Saúde.
Desta maneira, objetivamos oferecer ao residente um campo ampliado para a prática intensiva supervisionada,
acompanhada por professores e especialistas, além de outras aulas, seminários, centro de estudos, elaboração e
apresentação de trabalhos escritos e discussões, que garantam uma formação de alto nível, capacitando-o para o
pleno exercício profissional no atendimento à população, nas instituições de saúde. Mantemos um Fórum Anual
onde os residentes apresentam trabalhos a partir da elaborações de suas experiências que têm resultado na
publicação de Práxis e Formação, que já se encontra no quarto número e traduz a rica experiência dos residentes
nesta modalidade de especialização.
Considerações Finais
Ultimamente podemos observar algumas mudanças importantes no espaço e na rede de relações existentes nos
hospitais. Despertou-se para a preocupação com a modulação dos espaços internos e externos, no sentido de
manter a continuidade dos laços e dos fluxos. O conforto e os estímulos estéticos passaram a ser valorizados.
Também a presença dos familiares junto à criança e ao idoso internados, já são uma realidade de direito, embora,
nem sempre, de fato. A psicologia trouxe contribuições para estas melhorias, seja através de suas pesquisas -
mostrando os danos de certas rupturas afetivas e do isolamento - seja pelas práticas diárias desenvolvidas nas
instituições hospitalares, nas últimas décadas.
Na formação do residente incluímos estas preocupações institucionais e, por isto, mantemos o princípio da
formação clínica ampliada e institucional, onde o residente circula pelas várias áreas da assistência hospitalar,
objetivando o contato e o conhecimento da organização e funcionamento das mesmas, como, também, das várias
modalidades assistenciais.
A partir da observação de alguns índices, podemos considerar positivas as avaliações do nosso curso, seja através
da própria valorização da residência no campo profissional - aprovações de ex-alunos em concursos públicos e
convites de trabalho que os mesmos vem recebendo - seja pelas várias solicitações de intercâmbio que estamos
recebendo de outros Estados. Também as publicações dos trabalhos apresentados pelos residentes no Fórum Anual
da Residência (Práxis e Formação, 1997, 1998, 1999 e 2000), nos dão mostras da qualidade destas experiências.
São retratos sensíveis dos percursos de cada residente, no desafio de adentrar as várias unidades do complexo
hospitalar.
Com o empenho do CFP, ao criar critérios para a regulamentação dos Programas de RP (veja Resolução no.
009/2000, que institui e regulamenta o Manual de Normas Técnicas para a Residência em Psicologia na área de
saúde, publicada no Jornal do Federal, ano XVI, no. 67, março/2001), acreditamos que esta modalidade de
especialização será valorizada e buscada pelos psicólogos em todo país, exigindo do poder público atenção e
empenho em investir nesta formação. Nos congressos nacionais de psicologia hospitalar onde apresentamos
trabalhos sobre a RP (Curitiba,1999; Belo Horizonte, 1999; Niterói, 1999; São Paulo, 2000), observamos grande
interesse dos psicólogos e estudantes. Também tem sido grande a procura pelo curso, ultrapassando a média de 40
candidatos por vaga, vindo de vários Estados. Gostaríamos de aumentar o número de vagas, mas devido à política
de contenção de despesas do Estado, isto ainda não foi possível. Os hospitais públicos e universitários encontram
cada vez mais dificuldades de sobreviverem. Devemos resistir a este cenário e participar do esforço comum que
busca assegurar uma assistência digna a população e uma formação de alto nível que capacite os profissionais para
planejar, implantar e desenvolver projetos de atendimento à população, desenvolvendo um campo interdisciplinar
de pesquisas em saúde. Apesar dos horizontes sombrios que ameaçam os jovens em formação, onde a falta de
esperança e de oportunidades futuras aumentam as angústias e as dificuldades para se lidar com as sensíveis e
dramáticas situações daqueles que estão padecendo, é premente entrar nos movimentos que embalem novos
sonhos e despertem fluxos de solidariedade, engajamentos e lutas concretas. Cuidar da saúde e do futuro do nosso
país é um empreendimento urgente para todos os brasileiros e esperamos que, com o engajamento de todos, o
futuro possa ser construído ativamente.
Referências bibliográficas
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Recebido 05/11/99
Aprovado 09/01/01
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