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17/08/2022 09:44 Sobre o inicio do tratamento: a relação analítica em questão

Darlene Ribeiro da Silva 19 de fev. de 2019 4 min para ler

Sobre o início do tratamento: a relação analítica


em questão

Freud em seu texto “Sobre o início do


tratamento” (1913), afirma que em alguns
aspectos a análise se relaciona com o jogo de
xadrez. Afirma que no xadrez as únicas
jogadas que poderiam ser devidamente
representadas seriam as jogadas de abertura
e as finais, já que depois de iniciada a partida,
as diversas possibilidades de jogo impediriam
uma representação e se tornaria exaustivo
tentar abarcar todas. Com isso, aponta uma
semelhança com o processo analítico, já que
não se pode representar cada intervenção de
cada caso, uma vez que a singularidade está
em jogo em nosso ofício, o autor marca
algumas recomendações sobre as jogadas de
abertura, que podem então promover um
espaço de escuta.

Nessa esteira, Freud, tem como objetivo pensar táticas, não fixar regras, que possam proporcionar um
processo de análise, algo que possa direcionar o tratamento, o posicionamento do analista. Aponta a
importância dos primeiros atendimentos, como ensaio da análise, do diagnóstico diferencial,
estabelecimento do tempo de sessão, da constância dos encontros, do pagamento, da relação
transferencial com o paciente, como pontos importantes para a condução à relação analítica.

Lacan ao fazer seu retorno a Freud, reafirma em seu ensino a importância do analista conduzir a direção
do tratamento, e ao longo de sua obra vai definindo um lugar que o analista deve ocupar e a
especificidade da experiência da análise. Em seu seminário 3 “As Psicoses” (1955-56) afirma sobre a
análise:

“É uma experiência realmente estruturada por algo de artificial, que é a relação analítica, tal como é
constituída pela confissão que o sujeito vem fazer ao médico, e pelo que o médico dela faz. É a partir
desse modo operatório primeiro que tudo se elabora.” (p.17)

Lacan ao nomear como relação artificial, aponta para a importância da criação dessa relação como um
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processo, que não se estabelece espontaneamente, só é possível a partir das operações que o analista
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executa a fala que
compreender seinteração
a sua apresenta.
comNesse ponto,
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17/08/2022 09:44 Sobre o inicio do tratamento: a relação analítica em questão

No xadrez, os jogadores entram em uma partida minimamente sabendo o que devem desempenhar, já
na análise, não se pode supor o mesmo. Mesmo que seja um estudante da Psicanálise, não saberá até
viver essa experiência, Freud nos alerta em suas recomendações.

Só comunicar que utilizamos a técnica psicanalítica não garante que vá acontecer esse movimento,
então precisamos introduzir no jogo as intervenções que possam apontar para esse horizonte, a fim de
possibilitar a transformação do relato baseado na comunicação de fatos, para uma fala que possa
movimentar os conteúdos subjetivos do analisando. Então como pensar o processo de construção dessa
relação analítica?

Na experiência clínica podemos observar que a cada caso o paciente chega de uma forma diferente, com
motivações e demandas diversas e que temos que apresentar nesse processo o que será esse espaço de
escuta e conduzir a análise. Nesse momento, as jogadas são do analista. Não quer dizer que temos que
fazer algo mecânico para garantir que entre em análise, um passo a passo para que a relação se
estabeleça, mas é preciso que nossas jogadas criem as possibilidades para que o outro lado do tabuleiro,
possa se articular para entrar no jogo.

É preciso introduzir, com a intervenções, a lógica psicanalítica ao analisando, criar uma relação que
possa movimentar os conteúdos subjetivos. Lacan nos dá pistas sobre esse movimento, ainda no
seminário 3, ao fundamentar sua crítica ao método de diagnóstico da psiquiatria. Conta que esse
método se amparava totalmente na relação de compreensão, ou seja, uma noção baseada na afirmação
que há coisas no mundo que podem ser evidentes. Ao passo que, o psiquiatra conseguiria estabelecer o
diagnóstico ao observar os fenômenos por si só, e que esses fenômenos provariam a evidência da
doença e assim ele compreenderia o que estava acontecendo com o paciente.

Afirma que o que é compreensível “é uma pura miragem” (p.14), que quando se sustenta na
compreensão, se afasta da escuta do sujeito. Dá um exemplo bem simples sobre essa noção de
compreensão, de uma fala comum que observou nas salas de plantão: “O sujeito quis dizer isso.” (p.32).
Nessa conclusão o médico se precipita para satisfazer o caso com uma compreensão, e falha na
interpretação que poderia fazer ou não de acordo com os conteúdos que o paciente traz, pois fala e
interpreta pelo paciente. Ainda mais, não abre o jogo para que o paciente possa elaborar uma questão
sobre o que diz, porque o médico já lhe deu uma resposta.
Lacan afirma sobre a compreensão:

“Esta observação que eu lhes fiz da ultima vez, segundo a qual o compreensível é um termo sempre
fugidio, inapreensível, é surpreendente que ela nunca seja pesada como uma lição primordial, uma
formulação indispensável para aceder a clínica. Comecem por não crer que vocês compreendem. Partam
da ideia do mal-entendido fundamental.” (p.31)

Assim, as intervenções do analista devem ir na direção da desconstrução dos discursos e compreensões


prévias. Encontrar na narrativa consciente e ordenada o que não está ordenado, o que “manca” no
discurso, o que
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semelhantes daí, a escuta vai acontecendo na dúvida, nos lapsos, atos
falhos, naserviços
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Lacan em seu seminário 11 “Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise” (1964), afirma que o
analista trabalha com os tropeços do analisando, ou seja, não o que ele explica, o que tem
compreendido, mas o que toca o discurso no mal-entendido. Nesse momento é que teremos a chance
de acessar o sujeito, que aparece nos entremeios da estrutura de linguagem, entre um significante e
outro.

Se posicionar na contramão da compreensão, então, se torna essencial para a estruturação da relação


analítica. Ao estabelecer a possibilidade de não entender totalmente o que o analisando apresenta em
sua fala, o analista abre a possibilidade da construção pelo analisando de uma verdade sobre si mesmo,
e posteriormente de elaboração de novas jogadas diante de sua realidade psíquica, da forma que
maneja sua realidade, possibilitando novos posicionamentos em sua lógica singular.

Darlene Ribeiro da Silva

Referências Bibliográficas

FREUD, S. O início do tratamento (1913). São Paulo: Companhia da Letras, 2010.

LACAN, J. Seminário 3, As Psicoses (1955-56).Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

LACAN, J.Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais (1964).Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

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