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PENSANDO A CONCEITUALIZAÇÃO E O PLANEJAMENTO DO

CASO

Sabrina Martins Barroso


Deise Coelho de Sousa

Cada cliente é diferente. Ainda que você receba pessoas com a mesma idade, sexo,
orientação sexual, escolaridade, classe social, diagnóstico e objetivos, suas histórias de
vida, a existência ou não de redes de suporte social, as habilidades pessoais e várias outras
características farão com que o modo de ver o mundo e lidar com as situações de cada um
seja único. E, todos esses aspectos, se somarão às características pessoais do profissional
para fazer com que a forma de trabalhar com cada cliente também seja única.
Mas há um método a ser seguido para a definir como trabalhar cientificamente
nessa relação singular que é a clínica psicológica. É através da conceitualização dos casos
que o terapeuta que atua sob um enfoque cognitivo-comportamental conseguirá perceber
o quadro geral e planejar como atuar. É assim que ele poderá identificar se o cliente se
percebe de forma realista ou distorcida, quais os pontos que mais demandam sua atenção,
com que apoios pode contar para ajudá-lo na intervenção, que técnicas terão mais chance
de sucesso e quais precisarão ser adaptadas (ou deixadas de lado). Uma boa
conceitualização direciona sobre hipóteses diagnósticas, fatores que podem dificultar a
adesão e permite um acompanhamento mais objetivo e realista do caso.
A conceitualização é a base de tudo, e, sem base, nenhuma construção é segura,
ou permanece de pé. Sua importância é tamanha, que Bieling e Kuyken (2008, p. 53)
indicam que a formulação de caso é o “coração da prática com base em evidências”. Mas,
sabemos, fazer uma boa conceitualização pode ser trabalhoso, e isso faz com que alguns
profissionais ignorem essa etapa ao iniciar um atendimento ou a façam “pro forma”. Esse
é um dos piores erros que um terapeuta pode cometer.
Ao escolher ignorar a conceitualização, o profissional não será capaz de definir
um plano integrado de atendimento e passará a viver dependente de como foi a semana
do cliente e dos assuntos que ele, cliente, resolver falar em terapia. Qual é o problema
disso? O cliente provavelmente evitará os assuntos que geram desconforto, exceto aqueles
que alimentem seus sintomas depressivos e ansiosos.
E, para piorar, esse erro costuma ser seguido por um segundo, que é ignorar a
conceitualização depois que os atendimentos já avançaram um pouco, por se esquecerem
que essa é uma técnica dinâmica e deve ser ajustada sempre que uma nova informação
pertinente surgir (Beck, 2022). Bem como se esquecerem que ela representa o
planejamento do caso, não uma formalidade sem função, que pode ser esquecida após
terminada. Ignorar a conceitualização faz com que a efetividade da terapia seja colocada
em xeque e aumenta exponencialmente a chance que o profissional se veja “perdido”, ou
“estagnado”, sem saber como prosseguir com um caso. E, pior, sem conseguir identificar
onde errou.
Adotar um protocolo não vai eliminar a importância da conceitualização do caso.
Ao contrário, ter um protocolo base apenas evitará que o profissional navegue perdido se
a escolha de tal protocolo se baseou no que ele notou ao construir a conceitualização e se
escolheu corretamente.
Ambos – conceitualização e uso de protocolos validados – são pressupostos da
atuação profissional tecnicamente embasada em Psicologia e podem ser lidos como
formas de mostrar respeito a um cliente, buscando oferecer a ele o melhor trabalho que
somos capazes. Assim, visando colaborar com os profissionais que entendem a
importância desse passo inicial – e contínuo -, esse capítulo apresentará uma proposta de
como fazer a conceitualização dos casos.

No começo há perguntas, não respostas

Construção de conhecimento não começa com respostas, ele começa com boas
perguntas sobre o que não sabemos. O mesmo ocorre com a conceitualização de novos
casos. O profissional terá algumas informações de seus clientes, mas há áreas gerais a
serem cobertas e pontos-cegos que precisam ser percebidos, em especial depois das três
primeiras sessões de atendimento clínico. Então, uma boa forma de começar uma
conceitualização é se fazer algumas perguntas no final de suas três primeiras sessões:

Antes da 1. Qual o nome do cliente?


primeira 2. Qual a idade do cliente?
sessão 3. Procurou tratamento por indicação ou encaminhamento profissional?
Se sim, de quem? (Se houver relatório, pedir para trazer)
4. Tem algum diagnóstico prévio (psiquiátrico ou físico)?
5.
Já fez psicoterapia?
Após a 1.
Como gostaria de ser chamado?
primeira 2.
O que o cliente gostaria de resolver com a terapia?
sessão 3.
Por que resolveu iniciar terapia nesse momento?
4.
Quais os principais sintomas? Como se manifestam? Os sintomas
estão presentes há quanto tempo? Qual sua evolução?
5. Diagnósticos e exames físicos podem ser parte do problema ou
confundidores?
6. Quais os resultados das escalas de humor?
7. Indicou algum relacionamento mais destacado de alguma forma (e.g.
pai, mãe, marido, filho)? Se sim, parece protetivo ou problemático?
8. Qual é a minha hipótese para esse caso?
Após a 1. Qual a rotina do cliente?
segunda 2. Que tipo de recurso consome que poderia ser usado para
sessão psicoeducação (e.g. textos, livros, filmes, séries, músicas)?
3. Quais os resultados das escalas de humor e como se ligam com a
rotina do cliente?
4. Preciso de exames complementares, avaliação psicológica ou
conversar com outros profissionais para definir minha hipótese de
trabalho?
Após a 1. O que no ambiente/histórico pode ajudar na terapia?
terceira 2. O que no ambiente/histórico pode prejudicar a terapia?
sessão 3. Indicou algum relacionamento potencialmente positivo? Alguém que
pode colaborar com a terapia?
4. Qual é a minha hipótese para esse caso?
5. Consigo planejar os passos para atingir as metas de curto, médio e
longo prazos para esse cliente?
6. Antecipo problemas para alcançar minhas metas ou necessidade de
trabalhar algum aspecto base antes de focar nas metas?
7. Que técnicas pensei para esse cliente?
Figura 1. Perguntas para conceitualização de caso.
Fonte: Autoras

As perguntas antes de conhecermos um novo cliente ajudam a começar a imaginar


hipóteses e a formar vínculo. Em um primeiro momento o profissional pode usar os dados
básicos de identificação (nome, idade e sexo) para pensar nos motivadores da busca por
terapia. Mas, a menos que seja um profissional especializado em um tipo de atendimento
(e.g. borderline, casos de ansiedade), terá uma boa chance de estar errado se considerar
apenas tais indicações. Talvez por isso muitos profissionais têm adotado um questionário
prévio quando um cliente solicita agendamento.
Essa é uma prática muito frequente nos Estados Unidos e Europa e está
encontrando cada vez mais adeptos no Brasil. Pode ser útil, se as perguntas forem
específicas e se o futuro cliente não mentir. Mas cuidado para que não soe muito “frio”
ou intimidador. Por vezes, pode valer a pena esperar um pouco e enviar tal questionário
depois do primeiro contato. Essa é, contudo, uma decisão individual de cada profissional.
Saber sobre os encaminhamentos, entretanto, pode ser pertinente desde o começo.
Por vezes há um relatório de acompanhamento do profissional que fez a solicitação ou
está transferindo do caso. E ter acesso a tal material será importante. Bem como cria-se a
possibilidade de contato com tais profissionais, se necessário no futuro.
Saber sobre possíveis diagnósticos prévios pode servir para que o profissional
relembre sintomas e prognóstico, se for algo que ele não atende com frequência ou ache
pertinente. E pode ajudá-lo a formar suas primeiras hipóteses e pensar em técnicas e
protocolos potencialmente úteis. Claro, se essa preparação será de fato relevante ou não,
apenas o tempo poderá dizer.
A última pergunta sugerida, sobre ter passado por outros processos de
psicoterapia, serve para pensar se o futuro cliente tem ideia do funcionamento do processo
terapêutico. Ajuda, ainda a pensar sobre como fazer a psicoeducação e diferenciar o atual
processo de vivências anteriores.
Após conhecer o cliente, novas perguntas se tornam pertinentes. Os nomes servem
para questões burocráticas/organizacionais, mas tem uma função muito maior na
construção de vínculo, eles mostram que o profissional se importa. Nomes são formas de
nos identificarmos no mundo, por isso um profissional precisa deles ao falar com o cliente
e ao entender sua história de vida e precisa saber por qual nome seu cliente quer ser
chamado. Muitas vezes na história pessoal de um cliente as “Julianas” e “Carolinas” só
foram chamadas assim quando alguém tinha reclamações a fazer, então, adotar “Ju” e
“Carol” ao conversar pode ser uma forma singela de aproximar a relação e não evocar
emoções que não queremos presentes na relação terapêutica. Assim como usar os nomes
das pessoas que ele menciona em suas histórias semanais o ajuda a entender que você se
importa e está prestando atenção ao que ele conta.
O que trouxe o cliente à terapia é uma pergunta importante, cuja resposta inicial
tende a ser errada ou incompleta. Por isso essa pergunta precisará ser feita a ele em seu
primeiro encontro, mas deverá ser refeita pelo profissional várias vezes ao longo do
processo terapêutico. Por que agora? Essa é outra pergunta importante. Algumas pessoas
se preparam e buscam terapia quando se sentem prontas para mudar, outras, em momentos
de desespero ou por exigências externas (do empregador ou família, por exemplo). Saber
o motivo ajuda a entender a chance de adesão e alguns comportamentos mais ou menos
colaborativos, por parte do cliente.
Conhecer a história dos sintomas ajuda o profissional a relacionar o caso com
possíveis diagnósticos e buscar técnicas e protocolos que podem ajudá-lo a trabalhar. Esse
é o mesmo motivo pelo qual precisamos conhecer a existência de limitações ou problemas
físicos e de diagnósticos anteriores. E as terapias cognitivo-comportamentais também
pedem que sejamos capazes de acompanhar a evolução e efetividade do caso, para isso,
a avaliação mais objetiva e mensurável que as escalas de humor ou de sintomas fornecem
é uma rica aliada.
Conhecer possíveis relacionamentos mais significativos do cliente também pode
ajudar a entender os motivos de alguns comportamentos e sintomas, ou a identificar
possíveis fontes de suporte social. Pode, ainda, identificar pessoas-chave, com quem
precisaremos conversar, ou a quem deveremos alertar, em caso de risco elevado de
suicídio.
Após o segundo encontro o profissional já começa a buscar causas ou facilitadores
para o quadro que se forma. Para isso, entender a rotina do cliente é indispensável. Assim
como saber o tipo de atividade ou mídia que já está inserido em sua vida ajuda a pensar
formas de fazer a psicoeducação e que tarefas terapêuticas que têm maior chance de
adesão ou de atuar como atividade prazerosa no futuro.
Os resultados das escalas de verificação do humor seguirão agindo como forma
de avaliação de estabilidade, evolução ou piora do caso, mas também como um
acompanhamento indireto da capacidade de regulação emocional e locus de controle do
cliente. Por exemplo, se qualquer dissabor mínimo da semana altera muito o resultado
dos instrumentos, pode ser necessário incluir autocontrole e tolerância à frustração nas
metas terapêuticas, mesmo que isso não esteja nos planos do cliente ou nos sintomas
principais.
Esse é um bom momento para aventar se o quadro é puramente psicológico ou se
algo mais pode contribuir para o que o cliente vivencia. Se não sabemos, podemos
solicitar que ele busque, complementarmente, por consultas médicas e realização de
exames complementares (e.g. nível de vitaminas B12 e D, possibilidade de
hipotireoidismo, perda auditiva), por avaliação psicológica (e.g. presença de Transtorno
do Espectro Autista, altas habilidades). Também podemos perceber a necessidade de
conversar com outros profissionais para definir a hipótese (e.g. conversar com professores
de um cliente infantil, com o psiquiatra).
De posse dessas informações é provável que uma hipótese diagnóstica inicial (ou
algumas) se forme na cabeça do profissional. Será possível, também, notar áreas da vida
do cliente sobre as quais não há informações e decidir quais serão abordadas nos próximos
encontros, e como fazê-lo (e. g. item de agenda, tarefa terapêutica). E o terceiro encontro
pode ser utilizado para isso.
Após o terceiro encontro uma ideia inicial sobre o que na rotina e ambiente pessoal
e social do cliente poderá auxiliar ou prejudicar a terapia tem que ter se formado. Algumas
hipóteses para o caso já devem ter ganhado força, enquanto outras foram descartadas. E,
o principal, o profissional deve conseguir descrever metas de curto (até 8 sessões/2 meses
no futuro), médio (até 24 sessões/6 meses no futuro) e longos prazos (até 48 sessões/1
ano no futuro) para aquele cliente.
E conseguir antecipar se poderá investir diretamente nessas metas, ou precisa
construir alguma habilidade ou contexto primeiro. Por exemplo, trabalhar
reconhecimento das próprias emoções com um cliente cuja meta seja ampliar o círculo de
amigos. Com isso, é possível estudar as técnicas que o profissional conhece para ajudar
no caso, ou buscar novas ferramentas terapêuticas (ou protocolos específicos).
Além disso, é provável que o cliente já tenha começado a falar sobre algum
relacionamento familiar, amoroso, com amigos, profissional, entre outros. Algum deles
parece potencialmente positivo? Alguém do convívio do cliente poderia ser um aliado
terapêutico? A existência de alguém assim pode valer ouro para certos objetivos.
Caso tenha essas respostas o profissional já terá uma boa noção geral sobre o
cliente e o caso. Se não as tiver, pode pensar sobre como incluí-las nas agendas das
próximas sessões, para direcionar sua percepção. Ele estará, então, pronto para começar
sua conceitualização formal do caso.

Uma proposta de conceitualização do caso

Percebam, ainda, que a conceitualização não é um diagnóstico e nem um


protocolo, ela é um planejamento de caso, que pode incluir diagnósticos (se presentes) e
a opção por adotar um protocolo já existente (se pertinente). Neufeld e Cavenage (2010)
propuseram uma forma muito interessante de pensar a conceitualização de caso na clínica
cognitivo-comportamental, apresentando os itens que devem ser contemplados, e
destacando como conceituações simples tendem a ser mais úteis. Linehan (2018) também
apresenta uma proposta muito prática e completa de conceitualização de casos de
transtornos psiquiátricos. Além dessas, outra proposta muito interessante, focada em
atendimentos infantis, pode ser encontrada em Friedberg e McClure (2019).
A proposta aqui apresentada segue a mesma lógica já apresentada por diversos
outros autores das abordagens cognitivo-comportamentais, com o acréscimo de um olhar
contextualizado que pode remeter à Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) em alguns
momentos. Ela é uma proposta de estruturação das informações e de como ter uma visão
geral do caso que será conduzido e tem se mostrado útil na prática profissional das
autoras. Representa uma forma abrangente quanto a aspectos a serem observados e
operacional quanto aos itens a serem pensados e decisões sobre o tratamento. Um
formulário de conceitualização foi incluído entre os anexos deste livro, caso os leitores
desejem utilizá-lo para registrar seus próprios casos (Anexo 1).

Conceitualização de Caso
Identificação do cliente Deve incluir todas as informações sociodemográficas
básicas e qualquer outra que o profissional julgar ter impacto
sobre possíveis crenças de interesse do cliente. E. g.: Nome,
nome social (se houver), gênero, idade, estado civil,
escolaridade, raça/cor, filho adotivo ou não, etc.
Genograma Representação gráfica da estrutura familiar/relacional do
cliente.

Rotina do cliente Tabela contendo a rotina de atividades do cliente,


especificando todos os dias da semana e os turnos do dia.
Queixa Queixas, sintomas e demandas que o cliente indica desejar
inicial/Demandas do trabalhar em terapia. E.g.: Tenho depressão; Não consigo
cliente ou responsável ficar em um relacionamento sério; Briga com os colegas sem
pelo cliente motivo e está agressivo dentro de casa.
Diagnóstico Qualquer diagnóstico físico ou psiquiátrico que o cliente já
tenha recebido, indicação de quem o deu e a idade. E. g.:
TDAH – pediatra – 10 anos; Diagnóstico de sopro cardíaco
– médico – 3 anos (exames atuais mostram funcionamento
cardíaco normal)
Medicamento em uso Registrar todos os medicamentos atualmente em uso pelo
cliente, independentemente do motivo do uso ou quem o
receitou (ou se são usados por automedicação). Anote nome,
dosagem, modo de uso e tempo de utilização
Demandas do terapeuta Demandas que o profissional percebe que precisam ser
trabalhadas em terapia e que prejudicam a vida do cliente de
alguma forma. E.g.: Ampliar atividades prazerosas; Treinar
habilidades sociais; Quebrar esquema de Emaranhamento
familiar.
Exemplos de situações- Formas típicas com que o cliente entende/pensa, sente e
problema: reage a situações em contextos relevantes. Incluir contextos
diversos, tais como: familiar, afetivo/amoroso, amigos,
trabalho/estudo, autopercepção/expectativas sobre si,
expectativas sobre os outros, visão de mundo. Deve ser feita
usando frases ou pensamentos característicos do cliente e
especificando o pensamento, crenças, sentimentos e
comportamentos/estratégias compensatórias adotadas. E.g.:
Situação: Chega tarde em casa e não tem comida pronta –
Pensamento: Essa merda de família não se importa nada
comigo – Comportamento: Comer chocolate, tomar
refrigerante e ir dormir; Ficar emburrado com a família, mas
não explicar que não ter comida pronta incomodou.
Pensamentos Comportamentos/Estratégias
disfuncionais mais compensatórias mais
presentes presentes
Categorizados e contendo Forma típica de reagir que o
exemplos típicos de falas cliente demonstra em certas
dos clientes. E. g.: E se - situações. E. g.: Quando o
“Se eu tivesse deixado ele assunto fica difícil e a
dormir, ele não teria ansiedade aumenta, faz uma
ficado irritado e perdido o piada ou comentário
controle” “Se eu fosse “engraçado”, minimizando o
mais magra as pessoas impacto emocional
iam gostar mais de mim”
Esquemas típicos – Esquemas frequentemente adotados pelo cliente em certas
gatilhos situações; E palavras/pessoas/ou contextos gatilho para sua
ativação. E. g.: Protetor desligado – quando a família marca
encontros ou festas – ambiente comum de críticas e
cobranças emocionais – assumir novo projeto no trabalho e
não “poder” comparecer; Protetor desligado – diante de
demandas próprias de saúde – adiar exames e faltar a
consultas médicas por “falta de tempo” porque precisa fazer
um trabalho para não perder o prazo
Aspectos externos que Esquemas de reforçamento, evitação, gatilhos e pessoas que
amplificam situações/ contribuem para agravar sintomas/pensamentos/problemas
pensamentos-problema na vida do cliente. E. g.: Pais negam pedido, filho para de
comer por 1 dia, então eles cedem
Aspectos relevantes da Aspectos da cultura de onde a pessoa nasceu e mora que
cultura geral podem impactar suas vivências e contribuir para explicar os
pensamentos/crenças/comportamentos que apresenta. E. g.:
Imigrante Coreano vivendo no Brasil; Negro de classe
média, vivendo em Porto Alegre; Prática religiosa Espírita
Aspectos relevantes da Aspectos da cultura familiar da pessoa que podem impactar
cultura familiar suas vivências e contribuir para explicar os
pensamentos/crenças/comportamentos que apresenta. E. g.:
Pais muito críticos; Primeira geração familiar que chegou a
universidade, etc.
Influências de algum Influência de algum relacionamento específico que pode
relacionamento contribuir para explicar os
específico pensamentos/crenças/comportamentos que apresenta. E. g.:
Relação passivo-agressiva com a mãe; Relação de
dependência financeira com o marido; Relação rompida
com a irmã
Nível de autonomia do Nível de independência funcional do cliente. E.g.: Cliente
Cliente depende de bengala para locomoção; Cliente infantil, sem
autonomia para decisões gerais e para atividades fora de
casa
Outros aspectos Qualquer outra informação que tenha chamado a atenção do
relevantes observados profissional, ainda que ele não saiba no momento como
encaixá-la na contextualização.
Assuntos sensíveis Indicar assuntos que o cliente evita, que precisarão ser
identificados trabalhados ou abordados com cuidado especial e a tenção
do terapeuta a sinais emocionais de desconforto deverá ser
redobrada quando os abordar. E. g.: Perda de uma gestação;
Relacionamento com o pai; Abuso sofrido na adolescência,
etc.
Pontos fortes e Aspectos que o cliente tem de positivos, bem desenvolvidos
qualidades e que podem auxiliá-lo na terapia e na vida em geral. E. g.:
Inteligência verbal e capacidade de convencimento bem
desenvolvida; Percepção das reações emocionais das
pessoas ao redor acurada e realista
Fontes e tipos de Existência de rede de apoio, quem a fornece e como. E. g.:
suporte social Suzana (amiga) companhia para sair e desabafar; Mãe (Ana)
apoio financeiro com a escola do filho; Ex-marido (Luiz)
busca os filhos na escola toda quarta e quinta-feira
Ordenação de urgência Urgência Máxima Demandas por ordem de
ou importância para Sempre será prioridade intervenção
intervenção se houver risco de vida, Quando não há uma demanda
autolesão ou com urgência máxima, as demais
possibilidade de decisão podem ser ordenadas segundo o
catastrófica/irreversível. plano de trabalho do profissional.
A existência de assuntos As formas para isso incluem sua
assim faz o plano para facilidade de modificação, metas
as metas de terapia ser específicas do cliente ou urgência
paralisado ou alterado geral. E.g.:
1 – Verificar, psicoeducar e
treinar reconhecimento das
próprias emoções;
2 – Verificar, psicoeducar e
treinar reconhecimento das
emoções das outras pessoas;
3 – Verificar e treinar habilidades
sociais para fazer pedidos
Planejamento prévio Conhecendo as demandas, o terapeuta pode registrar
técnicas, tarefas terapêuticas ou assuntos que deseje utilizar
ou que conheça com potencial de utilidade em algum
momento do caso. Bem como, a forma como pretende
avaliar a efetividade de seu trabalho. E. g.: Técnica de
relaxamento, Assistir Lilo & Stitch (trabalhar conceito de
família perfeita), Agendar aplicação das Escalas Beck de
Depressão e Ansiedade a cada 15 dias
Figura 2. Organização da conceitualização de caso.
Fonte: Autoras

Os dados de identificação não devem ser registrados apenas burocraticamente.


Aqui o profissional tenta destacar qualquer informação pessoal, social ou
sociodemográfica que possa contribuir para a construção pessoal da visão de mundo e de
vida do cliente. Se uma pessoa que vive junto com outra há certo tempo indica ser
“solteira”, isso significa que ela tem crenças distintas sobre casamento. Se indica ter 2
filhos e um adotivo, isso significa que há diferenciação na forma como entende sua
relação com seus 3 filhos. Esses aspectos podem ajudar o profissional a entender algumas
relações, mesmo que isso não seja claro no começo dos atendimentos.
O genograma é apenas uma forma de rápida visualização para a organização
familiar do cliente. Por vezes as configurações familiares são complexas e o uso de
imagens pode ajudar a torna-las mais compreensíveis. Exatamente como fazemos com a
psicoeducação ao trabalhar com alguns clientes. Um exemplo de genograma encontra-se
apresentado na Figura 3. Novas relações e alterações de status podem ser incluídas a
qualquer momento em que houver alteração na estrutura familiar. Caso escolha utilizar
essa forma de visuzalização, pode fazê-lo manualmente ou com o auxílio de sites e
aplicativos (gratuitos e pagos), como o FamilyEcho (https://www.familyecho.com/) ou o
Canva, por exemplo.

Figura 3. Exemplo de genograma familiar


Fonte: Autoras, feito no FamilyEcho
A compilação da rotina do cliente também precisa ser feita de uma forma fácil de
visualizar. Isso ajuda o profissional a entender o equilíbrio entre atividades obrigatórias
e eletivas, atividades prazerosas e de outro tipo, priorização das próprias demandas ou de
demandas de outros. Além de fornecer informações sobre organização do tempo,
planejamento, sobrecarga objetiva, entre outras.
Sabemos que a rotina do cliente pode sofrer alterações, mas a ideia aqui é entender
o que acontece em seus dias típicos ou na maior parte dos dias. Sugerimos indicar todos
os dias e dividir o dia em turnos. Maiores detalhamentos poderão ser inseridos, se isso for
importante para entender a vida do cliente. Dois exemplos de rotinas de clientes com falas
constantes de cansaço e de viverem estressados encontram-se apresentados na Figura 4,
para ilustrar a utilidade dessa informação para o profissional.

Cliente 1: Mulher, 25 anos, branca, solteira. Trabalha como vendedora em uma loja de
roupas e cursa Letras, em faculdade particular.
Segunda- Terça- Quarta- Quinta- Sexta- Sábado Domingo
feira feira feira feira feira
Manhã Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda
(5h40) (5h40) (5h40) (5h40) (5h40) (5h40) (10h)
Trabalha Trabalha Trabalha Trabalha Trabalha Trabalha Arruma
(8h – 12h) (8h – 12h) (8h – 12h) (8h – 12h) (8h – 12h) (8h – 12h) casa
Lava roupa
Tarde Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço
(12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (14h)
Estuda/ Estuda/ Estuda/ Estuda/ Estuda/ Estuda/
Prepara Prepara Prepara Prepara Prepara Prepara
trabalhos trabalhos trabalhos trabalhos trabalhos trabalhos
Trabalha Trabalha Trabalha Trabalha Trabalha Terapia
(13h – 18h) (13h – 18h) (13h – 18h) (13h – 18h) (13h – 18h)
Noite Lanche Lanche Lanche Lanche Lanche Arruma Visita
(18h30) (18h30) (18h30) (18h30) (18h30) cabelo familiars
Faculdade Faculdade Faculdade Faculdade Faculdade Arruma Vê seriados
(19h – (19h – (19h – (19h – (19h –
unhas
22h30) 22h30) 22h30) 22h30) 22h30)
Dorme Dorme Dorme Dorme Dorme
(00h30) (00h30) (00h30) (00h30) (00h30)

Cliente 2: Mulher, 25 anos, branca, solteira. Cursa Letras, em faculdade particular.


Segunda- Terça- Quarta- Quinta- Sexta- Sábado Domingo
feira feira feira feira feira
Manhã Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda Acorda
(8h30) (8h30) (8h30) (8h30) (8h30) (8h30) (8h30)
Aula de Estuda Aula de Estuda Aula de Arruma Beach
yoga yoga yoga cabelo Tennis (10h –
(11h – 12h) (11h – 12h) (11h – 12h) 12h)
Tarde Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço Almoço
(12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h) (12h -13h)
Estuda/ Estuda/ Estuda/ Estuda/ Estuda/ Arruma Visita
Treina na Aula de Treina na Aula de Treina na unhas familiars
academia inglês academia inglês academia Treina na Vê seriados
(17h – 18h) (15h – 16h) (17h – 18h) (15h – 16h) (17h – 18h) academia Sai com o
Prepara Treina na Prepara Treina na Prepara (17h – 18h) namorado
trabalhos academia trabalhos academia trabalhos
(17h – 18h) (17h – 18h) Vê
Prepara Prepara seriados
trabalhos trabalhos Sai com o
namorado
Noite Lanche Lanche Lanche Lanche Lanche Sai com o Sai com o
(18h30) (18h30) (18h30) (18h30) (18h30) namorado namorado
Faculdade Faculdade Faculdade Faculdade Faculdade Vê Vê seriados
(19h – (19h – (19h – (19h – (19h –
seriados
22h30) 22h30) 22h30) 22h30) 22h30)
Dorme Dorme Dorme Dorme Dorme
(00h30) (00h30) (00h30) (00h30) (00h30)
Figura 4. Exemplo de organização da rotina de duas clientes diferentes, de mesma idade
e nível acadêmico
Fonte: Autoras

Coletar a queixa inicial já é uma prática comum entre psicólogos, mas nem sempre
o profissional junta a tais queixas suas próprias impressões desde o começo dos
atendimentos. Essa união pode dar uma perspectiva do quanto o cliente se conhece e quão
realista é sobre o funcionamento e potencial da terapia. Já anotar exemplos típicos de
situações-problema ajuda a entender o padrão individual de ralações estabelecidas pelo
cliente. Situações que se repetem, ou em que ele não reage da melhor maneira para si
mesmo, palavras, expressões ou pensamentos característicos, formas de se sentir e de agir
ou de comportamentos evitativos. Isso ajuda a identificar esquemas ativados e pontos que
podem se tornar foco da terapia (E. g.: crenças disfuncionais, comportamentos que
reforçam padrões não-adaptativos). Esse é o mesmo motivo para registrar os pensamentos
disfuncionais mais presentes.
Registrar diagnósticos passados também colabora para entender o quadro geral.
Mas, como muitos diagnósticos são mal feitos ou podem estar equivocados/superados, é
sempre útil saber quem o forneceu e quando. Isso ajuda a pensar se é um item histórico,
que pode ou não ter moldado crenças, ou algo com influência ainda presente nos
problemas e demandas do Cliente.
Tomar nota da medicação também visa ajudar a explicar os sintomas. Alguns
remédios ou interações medicamentosas podem gerar sintomas relevantes, como insônia
ou hipersonia, falta de atenção, irritabilidade, alterações no humor, etc. Alguns são
potencialmente perigosos se utilizados em conjunto ou inúteis, se tomados de forma
incorreta. Para cada medicamento, o profissional deve checar indicações de uso, efeitos
e efeitos colaterais e, se puder, efeitos de interações medicamentosas e risco, se misturado
com outras substâncias.
A Terapia dos Esquemas trouxe um complemento muito interessante para a
Terapia Cognitivo-comportamental clássica, ao ordenar padrões ligados a crenças
centrais em esquemas. Por vezes, caracterizar e nomear esses esquemas pode ser útil para
o trabalho, em especial quando o cliente entende os aspectos cognitivos do problema, mas
não consegue modificar a forma como os sente.
E, como é bem sabido, vivemos sobre influências diversas, registrar as principais
influências ambientais e as formas como cultura geral, cultura familiar e relações mais
significativas (ou a falta delas) impactam o caso pode ajudar a construir relações
funcionais úteis para planejar os atendimentos. Conhecer o nível de independência
funcional do cliente também ajuda a pensar no que pode ser pedido para ele e em tarefas
terapêuticas que podem demandar o envolvimento de outras pessoas, assim, conhece-lo
é uma informação útil. Além disso, por vezes percebemos influências ou padrões que
ainda não entendemos, por isso, ter um campo “outros” para registrar e, no futuro,
recategorizar pode ser útil.
Todos temos nossos gatilhos e assuntos mais sensíveis. Em terapia esses assuntos
podem precisar ser trabalhados, mas o terapeuta deverá ter a sensibilidade para encontrar
como fazê-lo, quando fazê-lo e sempre deixar a opção final para o cliente, pois é da vida
dele que se está tratando. Então, fazer um lembrete que possa ser revisitado rapidamente
sobre esses temas pode ajudar o profissional a não desrespeitar seu cliente, forçando
temas sobre os quais ele não está pronto ou ainda não deseja conversar.
Da mesma forma, todos temos qualidades e potencialidades que podem ser
utilizadas para nos ajudar ou mostradas para que nossa autopercepção seja mais realista.
Um cliente é muito mais do que o somatório de seus problemas, e conhecer seus pontos
fortes torna essa percepção mais concreta.
Outro item útil para o planejamento do caso é conhecer a presença, o tipo e
qualidade do suporte social recebido pelo cliente. Por vezes quem o fornece poderá ser
acionado para colaborar com a terapia. Outras vezes, ampliar o suporte social será uma
meta terapêutica.
Por fim, chegamos a ordenação de nossas ações. É impossível abordar todos os
pontos importantes ao mesmo tempo e, algumas vezes, alterar um deles modifica vários
outros de forma colateral (tornando desnecessário trabalhar com alguns temas). Ordená-
los em uma sequência de aproximação sucessiva das metas, ou pela urgência de
intervenção ajuda a organizar como os atendimentos deverão ser conduzidos, os temas de
agenda daS próximaS sessõeS (com plural demarcado, já que fazem parte de um plano de
longo prazo) e a saber quando recuar, fortalecer um ponto que parecia resolvido ou fazer
desvios. Serve, ainda, como medida de efetividade terapêutica.
Mas as metas precisam ser específicas e realistas. Por exemplo, “melhorar a
autoestima do cliente” não é uma meta, porque a autoestima é um conceito relativo a
diversos aspectos e que pode ser interpretado de formas muito distintas. Mas “ampliar as
atividades prazerosas do cliente”, “ampliar o número, tempo e qualidade das atividades
de autocuidado” e “trabalhar crenças sobre valorização de atividades que não alcancem
100% de sucesso e/ou que não gerem ganho concreto observável” são possibilidades
específicas. E sempre que houver risco à vida, presença de comportamento suicida
(ideação, planejamento ou tentativa de suicídio) ou para-suicida (comportamento de risco
com potencial fatal. E. g.: Consumo de álcool e direção), algum tipo de decisão com
potenciais consequências catastróficas (E. g.: Furar o preservativo para engravidar e
manter o casamento, com um marido que indicou abertamente não desejar filhos e nem
manter a união) e/ou algum tipo de data limite que seja muito importante para o cliente
(E. g.: Precisa conseguir fazer viagens de avião em 3 meses, porque pode perder uma
promoção se não conseguir fazer isso), os temas envolvidos passam a ser prioridade no
atendimento.
Ideação suicida com planejamento e desesperança excessiva são situações
urgentes. Se identificadas, devem tomar precedência sobre qualquer outro objetivo. Caso
não esteja presente, o terapeuta tem mais liberdade para escolher por onde iniciar e seguir
seu trabalho. Por vezes os aspectos mais facilmente modificáveis podem ser boas opções,
por aumentar o senso de autoeficácia do cliente. Em outros casos será necessário começar
com os aspectos que geram maior sofrimento ou consequências negativas para o cliente.
Essa decisão só pode ser tomada considerando o todo do caso.
E, por fim, registrar técnicas e ideias que acredita poderem ser úteis em algum
ponto do atendimento, ou que o profissional (ou a literatura) já indicou como úteis em
casos semelhantes. Além de definir formas objetivas e mensuráveis (evidências) da
efetividade do tratamento. Nesse ponto é muito comum que escalas de autorrelato sobre
a sintomatologia sejam adotadas, aplicadas periodicamente, para fornecer uma medida
para a avaliação.
De posse de todo esse conjunto de informações definir o plano de trabalho é algo
bem mais simples. E, se o profissional lembrar da natureza dinâmica dessa
conceitualização, revisá-lo e analisar se o trabalho feito está funcionando, também poderá
ser algo mais fácil de realizar.

Bibliografia
Beck, J. (2022). Terapia Cognitivo Comportamental: teoria e prática. 3ª ed. Artmed.
Friedberg, R. D., & McClure, J. M. (2019). A Prática Clínica da Terapia Cognitiva com
Crianças e Adolescentes. Artmed.
Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia
comportamental dialética para o terapeuta. 2ª ed. Artmed.
Neufeld, C. B., & Cavenage, C. C. (2010). Conceitualização cognitiva de caso: uma
proposta de sistematização a partir da prática clínica e da formação de terapeutas
cognitivo-comportamentais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 6(2), 3-36.

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