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A Ética na Psicoterapia e na Análise


Joel Sales Giglio

A nossa atuação como Terapeutas e/ou Analistas faz-nos deparar com uma série de
situações que nos exigem certas atitudes ou ações que levem em conta uma série de
princípios e de regras que convencionamos chamar de regras éticas e que estão
parcialmente objetivadas nos diversos códigos de conduta referentes ao atendimento do
paciente e à pesquisa clínica. Na verdade devemos lembrar antes de mais nada a diferença
conceitual entre Ética e Moral.
A palavra Ética vem do grego ethos, e tem a ver com costume, caráter, conduta, enquanto
que moral vem do latim mores, e está mais relacionada com o sistema de valores de uma
dada sociedade, em uma dada época. Dessa forma seria mais adequado nos referirmos a
regras morais, quando falamos de normas de conduta profissional.
Grande parte destas regras está escrita nos chamados códigos de ética de diversas
corporações profissionais. Na prática médica temos, por exemplo, o Código de Ética
Médica, elaborado pelo conselho federal de medicina, referendado pelos diversos
conselhos regionais de medicina, de acordo com cada estado da Federação. Os psicólogos
também têm o seu Conselho de Ética, assim como as demais profissões ligadas á saúde:
Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, etc.
A diversidade e sutileza das situações clínicas, somadas à complexidade dos
relacionamentos interpessoais, à variabilidade individual (seja do paciente ou do terapeuta)
e às diferentes circunstâncias e fatores que influenciam o processo terapêutico, no entanto,
fazem com que nem sempre as regras de conduta ética sejam suficientes para orientar o
terapeuta ou o analista quanto à melhor conduta com determinado paciente, ou em
determinadas circunstâncias. Por isto, nos cursos de formação e especialização, há a
necessidade de se criar espaço para uma reflexão mais aprofundada dos dilemas éticos a
que as profissões de ajuda estão submetidas.
Com finalidade didática, vou nomear alguns tópicos que solicitam da parte do terapeuta
uma atitude ou mesmo uma ação ética. Mas antes disto, vamos examinar brevemente o
que significa, de fato, assumir uma atitude ética.
O trabalho terapêutico exige da parte do profissional uma postura ética a priori. Isto
significa buscar sempre fazer o máximo para o bem estar do paciente, respeitar seus
valores e escolhas pessoais, não julgá-lo segundo seus próprios (do terapeuta) códigos
morais e religiosos e evitar fazer qualquer coisa que possa eventualmente prejudicá-lo.
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Isto significa que o terapeuta tem que conhecer muito bem seus próprios pré –conceitos,
seu código pessoal de valores morais, religiosos, etc „Ÿ os quais nem sempre são
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claramente conscientes þu, suas preferências, sua tipologia psicológica, seu gosto estético,
seus pré-conceitos, etc.
Estas são apenas algumas das razões pelas quais julgo que todo terapeuta deve passar,
durante sua formação, por um processo de análise ou por uma psicoterapia, que sem
dúvida vai lhe facilitar este auto-conhecimento, já que a experiência clínica tem
demonstrado que é muito difícil que uma pessoa sozinha tome consciência de certos
aspectos de sua sombra, em particular aqueles tidos como negativos pela pessoa e/ou
pela comunidade.
Jung considera mesmo que o trabalho para se tornar consciente dos aspectos da sombra,
o qual se desenvolve sobremaneira na análise pessoal, seja essencial para se ter uma
atitude realmente ética frente ao paciente, conforme enfatizam PROULX (1994) e
SOLOMON (2001). Hoje existe um consenso, nas associações de Psicanálise, de Psicologia
Analítica e em outras instituições formadoras de psicoterapeutas, de que a análise ou a
psicoterapia pessoal é essencial para o conhecimento da própria sombra, o qual, por sua
vez, nos ajuda a evitar que projetemos no paciente aquilo que conscientemente não
admitimos como sendo nossas próprias tendências negativas.
O conhecimento mais aprofundado da sombra também nos permite evitar que
confundamos nossos próprios desejos e escolhas com aqueles de nosso cliente.
Conforme assinala John Beebe, a integridade do terapeuta é uma qualidade fundamental
para se ter uma atitude ética. Este autor ainda afirma que o psicanalista þu e eu diria:
qualquer terapeuta þu tem duas obrigações básicas, que são: proteger a auto estima do
paciente e proteger o setting como um lugar onde a cura possa acontecer. (BEEBE, 1992).
Vale a pena ampliar um pouco esta discussão.
A primeira obrigação do terapeuta seria a de zelar pela auto- estima do paciente. Em
termos operacionais, isto se vincula ao cuidado empático e de apoio que devemos ter com
o paciente, apoiando nele a sua crença de que ele pode ser curado. Não há nenhuma falsa
sugestão de inverdade nisto, porque por mais grave que seja o quadro clínico, sabemos que
existe um arquétipo do Curador em cada um de nós, conforme assinalou Groesbeck
(GROESBECK, 1983), e que pode ser ativado com a ajuda do terapeuta.
Como deve ser o setting que propicie condições de cura? Falamos aqui não só do ambiente
físico, mas principalmente do psicológico. No primeiro caso, devemos levar em conta que o
contacto terapêutico necessita de um ambiente agradável, acolhedor e acusticamente
isolado, já que, como sabemos, o segredo não é só uma questão ligada á intimidade da
relação, mas também um fator de cura, quando compartilhado com uma outra pessoa em
quem se deposita grande confiança, conforme assinalou Jung (1982). No segundo caso, o
ambiente psíquico deve ser acolhedor, bem estruturado quanto a tempo e espaço, e deve
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estimular e encorajar o paciente a depositar suas angústias, sentimentos, emoções e idéias
sem medo de ser censurado ou avaliado. Nem sempre nós temos consciência da
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amplitude e significado das expressões não verbais que transmitimos ao paciente.
Recentemente recebi uma paciente que havia ido a um outro colega, o qual manifestou
pela expressão facial certa perplexidade frente à exposição da intensidade dos sintomas da
paciente. Esta, percebendo a reação emocional do médico, sentiu como julgamento e não
mais retornou e nem mesmo tomou a medicação receitada. Por isto é que devemos ser
supervisionados e analisados, para que possamos melhorar a auto-percepção de nossas
reações emocionais frente às queixas do cliente, e canalizá-las para formas de reação que
não sejam iatrogênicas. Repito: não se trata de reprimi-las, mas de ter consciência delas e
de dar-lhes roupagens que não sejam passíveis de serem interpretadas
negativamente pelo paciente.
O assunto sigilo profissional envolve tanta complexidade que não pode ser objeto apenas
das regras contidas nos Códigos de Ética. Vejamos, por exemplo, a questão de
apresentação de casos clínicos em reuniões clínicas, congressos, supervisões, etc. Todos
nós concordamos que a troca de experiência clínica tem sido um instrumento importante
para o desenvolvimento de técnicas de trabalho mais adequadas e aperfeiçoadas, seja na
Psicoterapia, na Psicanálise, no Serviço Social e nas terapias de maneira geral. Mas este
intercâmbio de experiências deve estar submetido a certos parâmetros, pois estamos
lidando com a delicada questão da intimidade pessoal.
Existem duas soluções possíveis, aceitas pela maioria dos autores e profissionais. A
primeira delas é ter o pleno consentimento por parte do paciente, para que partes de sua
história clínica, de seus sonhos ou de seus trabalhos expressivos – pinturas, desenhos,
caixas de areia, etc – sejam expostos ao público. Porém, mesmo com este consentimento,
o terapeuta deve tomar certos cuidados, como, por exemplo, selecionar só partes da
história clínica que realmente sejam necessárias, não mencionar o nome real do paciente,
etc. tudo no sentido de preservar-lhe a intimidade.
A segunda solução seria mascarar os dados de maneira a impossibilitar de fato que o
paciente possa ser identificado. Mas esta saída do problema esbarra na possibilidade de
descaracterização do caso. Eu, certa vez, usei deste expediente ao dar um exemplo clínico
em classe, mas percebi, depois, que as mudanças que fiz foram tantas que o exemplo
clínico perdeu sua força.
Pessoalmente, prefiro a primeira solução, com o risco óbvio do paciente não aceitar que
parte de sua vida torne-se pública, mesmo de tal forma que sua identificação pessoal seja
impossibilitada. Também é bom lembrar que este tornar público destina-se a um grupo de
pessoas ou a profissionais que se beneficiarão com o trabalho de pesquisa clínica do
colega que divulga o caso.
A publicação em revistas, jornais ou quaisquer meios comuns de divulgação é condenável,
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porque não tem nenhuma finalidade científica, de maneira geral.
Vale lembrar aqui que as publicações científicas visam o progresso da ciência através do
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intercâmbio de idéias, descobertas, novos métodos de trabalho, etc.. com a comunidade de
pesquisadores.
Mais raro é o caso do paciente que solicita ao terapeuta que publique seu caso. Quando
isto ocorre, trata-se freqüentemente de paciente com fortes tendências narcisistas e,
evidentemente, o terapeuta não deve ceder a esta solicitação de caráter patológico. Uma
vez fui procurado por um ex-paciente que queria que eu informasse sobre seu caso clínico
a um autor, com a finalidade deste escrever uma peça de teatro baseada em sua vida. Eu,
gentilmente, não concordei, mas percebi o desapontamento do ex-cliente e, mais ainda, do
escritor.
Algumas vezes o terapeuta pode quebrar o sigilo profissional involuntariamente ao
conversar informalmente com outros colegas, ou mesmo com amigos ou familiares, sobre
algum caso difícil ou que tenha envolvido dificuldades no relacionamento terapêutico.
Infelizmente o terapeuta só se dá conta da gravidade da situação, que pode levar até a
processos nos Conselhos de Ética da categoria, quando o fato já ocorreu. Não é fácil
descobrir as causas desse comportamento, mas eu poderia nomear algumas
possibilidades:
(a) A angústia mobilizada pela problemática do paciente no terapeuta é muito intensa, a
ponto dele não conseguir manter o sigilo em sua solidão. A prática clínica, desde os
primórdios da Psicanálise, vem demonstrando que o fato de compartilharmos um segredo
que nos atormenta com uma pessoa em quem confiamos tem um efeito catártico e
tranqüilizante. Talvez seja este o motivo inconsciente da conversa sobre um caso clínico
num contexto social, onde ela é inaceitável do ponto de vista ético. Daí a necessidade de
discutirmos com nossos pares nossos casos clínicos mais difíceis, ou que mais nos
angustiam, ou ainda aqueles que mobilizam intensamente nossos sentimentos e emoções.
(b) O paciente tocou algum conflito ou complexo mal elaborado do terapeuta e isto
mobilizou neste uma intensa angústia contra-transferencial.
(c) O terapeuta teve uma formação superficial, ou excessivamente teórica, que não o
preparou adequadamente para lidar com os fenômenos transferenciais e contra-
transferenciais.
(d) O terapeuta não foi preparado na sua formação para lidar com questões éticas ligadas
ao segredo profissional.
(e) Existe uma relação ambígua, mista de profissional e social com o paciente.
(f) A vida social do terapeuta é tão pobre e solitária e por isto seu mundo relacional quase
se restringe a seus pacientes. Dessa forma, ele revela a outros, com inconsciente
naturalidade, a intimidade de seu paciente como se ele fosse simplesmente uma pessoa do
seu círculo de relações sociais, e só toma consciência disto a posterior, as vezes em
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situações muito tensas, que envolvem uma terceira pessoa. Uma maneira de se evitar tais
desvios do papel de terapeuta é cuidar para se ter uma vida com relacionamentos sociais
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amplos e profundos, para que nossa libido possa também se dirigir a outros objetos e
pessoas fora do setting terapêutico. Atividades criativas, exercidas nas diversas
modalidades
de arte costumam ser um meio não só de enriquecimento pessoal e de desenvolvimento
da intuição e sensibilidade, mas também de ampliação de nossos relacionamentos sociais.
Gostaria, por último, de levantar a questão da produção artística por pacientes e sua
eventual exposição ao público e mesmo sua comercialização.
É preciso lembrar, antes de mais nada, que o uso da arte em terapia tem a finalidade
precípua de ajuda no processo de recuperação da saúde do paciente. Portanto, qualquer
outro uso deverá ser seriamente discutido com o paciente ou com seus familiares, pois em
muitos casos o juízo crítico do paciente pode estar comprometido, como, por exemplo, nas
psicoses. É preciso que se avalie se essa exposição pública não poderá prejudicar o
paciente na sua imagem social, já que os preconceitos contra a doença mental ainda são
vigentes no nosso país. Por outro lado, a noção de cidadania tem se ampliado nos últimos
anos e hoje existe uma legislação federal específica sobre os direitos do doente mental þu
e estamos aqui falando particularmente do paciente psicótico. Mesmo em casos de
alienação mental, ele hoje não pode, por exemplo, ser internado em um hospital
psiquiátrico sem a autorização de seus familiares. Em casos em que isto não seja possível,
a Promotoria local deve ser notificada, quando se justifique uma internação emergencial þu
casos de auto ou hetero agressão, por exemplo.
Tudo isto nos faz pensar que a decisão de se expor publicamente uma obra de arte de um
paciente passa por um delicado equilíbrio entre a vontade e os direitos do paciente e sua
gratificação pessoal por um lado, e os riscos para a sua imagem que isto possa representar
para a re- inserção social dele próprio.
Observa-se que tanto no curso médico como em outros que preparam profissionais para
atuar na área da saúde mental não tem sido atribuído ainda o
valor devido ao preparo para uma atuação ética, embora se tenha já um avanço neste
campo com o estabelecimento das comissões de ética das faculdades e
institutos de assistência à saúde e pesquisa. Muitos profissionais tornam-se vítimas de seu
próprio despreparo, comprometendo, inclusive, a imagem da
profissão perante a sociedade. Hoje, na sociedade contemporânea, há uma certa visão
difusa entre o público e o privado, o que torna candente toda discussão da questão ética.
Isto aponta para uma necessidade ainda maior de reflexões sobre a cultura, a cidadania e a
própria saúde das relações sociais.
REFERÊNCIAS
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BEEBE, J. Integrity in Depth. College Station: Texas A & M
University Press 1992.
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GROESBECK, C. Jess A imagem arquetípica do medico ferido.
Junguiana – Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. 1:72-96.
São Paulo: SBPA. 1983
JUNG, C. G The Practice of Psychotherapy. NY: Princeton.
Bollingen Series XX, The Collected Works of C.G. Jung. V.16: #123 – 125.
1982.
PROULX, C. On Jung´s theory of ethics. Journal of Analytical
Psychology, 39, 1, 101 -119. 1994.
SOLOMON, H. M. Origins of the ethical attitude. Journal of Analytical
Psychology. 46, 3, 443-454. 2001.

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