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AS TRÊS CONDIÇÕES PARA O SUCESSO TERAPÊUTICO

¹Ana Paula Farias Cruz de Andrade

²Francisco Heitor da Rosa

RESUMO: O presente estudo possui como objetivo apresentar as principais


atitudes terapêuticas – aceitação positiva incondicional, empatia e congruência - da
Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) que facilita o processo de autoconhecimento e
proporciona o crescimento pessoal do individuo. A Abordagem Centrada na Pessoa
diferencia-se pelo seu atendimento não diretivo e tendo como seu principal valor a
própria pessoa. Com isso, irá trazer um estudo de caso de abuso na infância, cujo
atualmente o individuo possui problemas de relacionamentos familiares. Este trabalho
foi desenvolvido através de uma aceitação totalmente empática, uma escuta
inteiramente ao cliente, respeitando-o incondicionalmente. O processo terapêutico teve
inicio em um ambiente acolhedor e inteiramente positivo onde o cliente pôde ser o seu
eu real, demonstrando comportamentos diferentes daqueles que são controlados em
público. Com isso, podemos dizer que o ambiente se tornou totalmente favorável para
que as intervenções clínicas fossem realizadas. Foi feito um levantamento de
bibliografias do principal colaborador da abordagem ACP, Carl Ransom Rogers e
outros autores com um conjunto de 14 sessões psicoterápicas. Discutimos a
experiência de possibilitar ao individuo uma expressão autentica de seus sentimentos,
tornando-o quem ele realmente é.

PALAVRA-CHAVES: Abordagem centrada na pessoa; Atitudes Facilitadoras;


Processo terapêutico.

INTRODUÇÃO
Este presente estudo visa analisar as principais atitudes do terapeuta da
Abordagem Centrada na Pessoa, no qual ocasionam mudanças positivas durante o

1
Discente Ana Paula Farias Cruz de Andrade do 10° Semestre do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras,
Londrina/ PR 2 Docente e Supervisor Clínico Francisco Heitor da Rosa CRP 07/8436 e 08/IS-033 do Curso de
Psicologia da Faculdade Pitágoras, Londrina/ PR
1
trabalho terapêutico. De maneira geral, o trabalho terapêutico refere-se a um método
de tratamento psicológico que um profissional treinado para tal exerce com o principal
objetivo de ajudar as pessoas a lidarem de forma mais saudável com seus
sofrimentos, que no caso podem ser vividos e experienciados de diferentes formas,
tanto na parte física quanto emocional (MONDARDO, et. al, 2009).
”A prática psicoterapêutica é tradicionalmente conhecida como sendo o
exercício de uma arte. O terapeuta, no contexto da singularidade de um caso,
combina convicções teóricas e sensibilidade pessoal para aliviar o sofrimento
psicológico de alguém”. (GOMES, 1995, p. 83 apud FALEIROS, 2004).

Diante desse trecho, podemos entender que a psicoterapia é uma forma de


ajudar a aliviar o sofrimento do próximo através de técnicas e intervenções
devidamente adequadas. O psicoterapeuta deve estar preparado para lidar de forma
positiva com suas próprias frustrações, mesmo quando percebe a dificuldade que se
encontra em um cliente difícil e até mesmo quando esse cliente mostra aspectos
negativos da própria personalidade. (FALEIROS, 2004).
A psicoterapia fornece ao cliente vários benefícios, como por exemplo, ele tem
a oportunidade de conhecer-se e compreender-se melhor, pois a terapia é um meio
para que o cliente conheça seus sentimentos, suas necessidades e seus desejos.
Com isso, ele desenvolve certas habilidades, o autoconhecimento promove que o
cliente mude a forma de agir diante de certas situações na sua vida, essa mudança é
resultado de uma relação positiva com o terapeuta. O cliente tem a oportunidade de
mudar a forma de perceber a sua realidade. Com o passar do tempo, o processo
terapêutico possibilita ao cliente um novo entendimento do seu mundo interior, assim,
colaborando para uma nova interpretação dos acontecimentos de sua vida e da sua
realidade externa. Essa mudança contribui para uma melhor aceitação de si mesmo.
Diante de tudo isso, podemos dizer que processo terapêutico também possibilita um
bem-estar através do autoconhecimento e da aprendizagem para lidar com os
problemas. (MONDARDO, et. al, 2009).
A Abordagem Centrada na Pessoa cujo seu principal colaborador é Carl R.
Rogers, parte do conceito de atuação não-diretiva. “Pode-se dizer que a atitude Nâo
Diretiva preocupa-se com "o como" o cliente vive determinada dificuldade, enquanto
que o método Diretivo ocupa-se com "o quê" é vivido”. (CARRETEIRO, 1981, p. 24).
Essa abordagem acredita que proporcionando um ambiente no qual haja três
atitudes fundamentais para o sucesso terapêutico, é possível que o cliente se

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desenvolva e assim, facilite seu crescimento pessoal. A atitude de congruência ou
autenticidade proporciona uma relação sem fachadas, o terapeuta é o que é,
plenamente aberto aos sentimentos que "naqueles momentos fluem nele próprio". A
consideração positiva incondicional condiz a uma aceitação do cliente como ele
realmente é, prezando o cliente de um modo que não aprova e nem reprova suas
reações. A empatia é uma compreensão do mundo interno do cliente como se fosse
ele próprio, porém, sem perder o seu Eu. (Editorial Psicologia Ciência e
Profissão,1988).
Este presente estudo foi realizado na clínica escola da Faculdade Pitágoras,
Londrina-PR, no qual oferece atendimentos psicológicos para a população de classe
baixa. Com isso, o estudo realizado teve como principal objetivo mostrar aos leitores
que através das três atitudes terapêuticas da abordagem rogeriana, é possível que o
cliente vivencie uma aceitação incondicional de si próprio, sendo assim, possibilitando
ao cliente ser quem ele realmente é, sem fachadas.

DESENVOLVIMENTO

Na clinica psicológica é possível nos depararmos com indivíduos que possuem


várias histórias de vida diferentes e cada um com sua queixa. Por meio disso, o
terapeuta centrado na pessoa trabalha de forma não-diretiva, focando no aqui e no
agora, tendo uma posição empática e aceitando o cliente como ele se apresenta.
Através disso, pesquisas de Rogers (1980) mostram que à medida que o trabalho
terapêutico avança, o cliente adquire maior liberdade para expressar seus
sentimentos, sendo assim, cada vez menos necessário a participação ativa do
terapeuta.
De acordo com Pinto “Toda pessoa possui uma capacidade natural de se
autodirigir no sentido de buscar suprir suas necessidades. Existe em todo o organismo
uma tendência natural de evolução, uma tendência natural de atualização a todo o
momento.” (2010, p. 62). No trecho acima, o autor esta se referindo a Tendência de
Atualização, que faz com que o individuo continue sempre a diante. Através disso,
podemos entender que mesmo que o cliente esteja distante de si mesmo, muitas
vezes em função de fatores e valores externos, o ciclo da tendência atualizante
continua.
Pinto (2010) também faz uma colocação de que se o terapeuta proporcionar ao
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cliente condições facilitadoras, ele vai se autodirigir e ser capaz de buscar
internamente uma harmonia com seus sentimentos e assim consequentemente ele
conseguirá entrar em harmonia com seu meio.
“Dessa forma, em um ambiente de ajuda, penso que a melhor maneira de se
estar com o outro seja criar condições ideais para a facilitação desse processo em
busca dessa autodireção.” (PINTO, 2010, p. 63).
Segundo Rogers (1980) se for proporcionado certo tipo de relação, a pessoa
também sentirá dentro de si a capacidade de utilizar essa relação para seu
crescimento, e por meio disso, a mudança e o desenvolvimento pessoal acontecerão.
Para que essa relação facilitadora aconteça, é necessário obter três atitudes
terapêuticas para que o sujeito em terapia consiga se desenvolver e se autodescobrir,
sendo possível tornar-se a real pessoa que ele é.
Rogers (1980) diz que primeiramente o terapeuta deve estar inteiramente
consciente de seus próprios sentimentos, pois é somente dessa maneira que o
relacionamento pode ser real, e a realidade é profundamente importante. De acordo
com o autor, a transformação pessoal acontece quando o psicoterapeuta é aquilo que
ele é, na qual suas relações com o cliente são autênticas e sem máscara nem
fachada, possibilitando exprimir abertamente seus sentimentos e atitudes que fluem no
exato momento.
“A congruência é considerada como a aceitação de determinado sentimento
experienciado naquele momento e a capacidade de comunicá-lo, quando necessário.”
(MIRANDA; FREIRE, 2012).
É somente ao apresentar a realidade genuína que está em mim, que a outra
pessoa pode procurar pela realidade em si com êxito. Descobri que isto é
verdade mesmo quando as atitudes que sinto não são atitudes com as quais
estou satisfeito, ou atitudes que parecem conducentes a uma boa relação.
Parece extremamente importante ser real. (ROGERS, 1980, p. 23).

Pode-se dizer que a congruência é a capacidade do terapeuta de simbolizar


suas próprias experiências no contato com o cliente. Esse termo é dito por Rogers
(1980) como "adequação entre a experiência, a consciência e a comunicação" (p.
392).
Como uma segunda condição, Rogers (1980) acredita que quanto mais houver
aceitação e apreço em uma relação, mais o individuo utilizará dessa relação para se
desenvolver. A aceitação que o autor fala, quer dizer sobre uma consideração positiva
incondicional “de valor, independente de sua condição, de seu comportamento ou de

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seus sentimentos” (p. 23). É necessário respeitar incondicionalmente o cliente e
também sua individualidade, desejar que o mesmo consiga identificar e possuir seus
próprios sentimentos.
Enquanto uma condição facilitadora, para Rogers (1980) a aceitação positiva
incondicional reside em uma preocupação do terapeuta para com o cliente que não
deve ser possessiva. É uma consideração pelo outro “como uma pessoa separada,
digna de respeito por um mérito que lhe é próprio. É uma confiança básica - uma
crença de que esta outra pessoa é, de alguma maneira fundamental, digna de
confiança.” (ROGERS, 1974, p. 149). É de extrema relevância ressaltar que essa
condição vai além do terapeuta aceitar o cliente, deve igualmente existir no
psicoterapeuta uma aceitação de si mesmo.
Segundo Rogers (1980) para uma relação significativa é necessário sentir um
desejo continuo de compreender o outro “uma empatia sensível com cada um dos
sentimentos e comunicações do cliente como estes lhe parecem no momento.” (p. 24).
O autor faz uma colocação de que a aceitação não possui um grande significado caso
não haja a compreensão.
Esta terceira condição condiz em proporcionar ao cliente uma liberdade para
que ele possa explorar seu interior. Isso acontece através de uma compreensão
empática de todos os sentimentos e pensamentos do cliente, até mesmo aqueles que
para ele parecem ser terríveis, errôneos e bizarros. Essa compreensão condiz com a
capacidade do psicoterapeuta de ver e aceitar esses sentimentos e pensamentos
exatamente como o cliente os vê.
“Por isso pode-se acreditar que o terapeuta autenticamente comprometido no
esforço de pôr em prática certas atitudes, obtenha tanto êxito no exercício de sua
profissão, como aquele que assimilou estas atitudes.” (ROGERS; KINGET, 1977. P,
109).
A partir do momento que é proporcionado um ambiente no qual tenha essas
três atitudes facilitadoras do psicoterapeuta, o cliente naturalmente se desenvolve e é
capaz de descobrir seu eu real.
Segundo Rogers (1980), este processo implica em “uma transformação das
formas de vivenciar” (p. 85). Ao iniciar o processo terapêutico, muitas vezes o individuo
apresenta uma fixidez, ele se encontra afastado de sua vivência e o seu atual presente
é interpretado em termos de significações passadas.
O indivíduo passa desse afastamento em relação à sua vivência para o
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reconhecimento desta mesma vivência como de um processo perturbador que
se desenrola dentro dele. A experiência toma-se gradualmente um ponto de
referência interior mais aceito, ao qual se pode voltar para obter significações
cada vez mais adequadas. Por último, o indivíduo torna-se capaz de viver
livremente e de se aceitar num processo fluido de experiências, utilizando-as
com segurança como a principal referência para o seu comportamento.
(ROGERS, 1980, p. 85).

De acordo com as observações de Rogers (1980), o autor explica que


primeiramente o cliente se encaminha para a autonomia. Isso significa que o cliente
começa gradualmente a escolher por objetivos que ele próprio pretende atingir. Condiz
a uma responsabilidade por si mesmo. Através da autodireção, o individuo se torna
capaz de decidir que atividade e comportamentos significam alguma coisa para si, e
os que não significam nada. O individuo nesse processo de tomada de direção, no
inicio muitas vezes não se sente totalmente seguro. “A liberdade para uma pessoa ser
ela mesma é uma liberdade cheia de responsabilidade, e um individuo procura atingi-
la com precaução, com receio e, no início, quase sem confiança nenhuma.” (p. 91).
Rogers (1980) cita que os clientes vão se encaminhando cada vez mais
abertamente a uma mudança. Não se perturbam ao descobrir que não são mais os
mesmos, eles passam a não terem os mesmos sentimentos em relação à determinada
experiência ou pessoa. Esse fluxo faz com que os indivíduos se sintam contentes e a
vontade para permanecerem nele. Porém, o autor ressalta que é apenas quando o
cliente vivencia um aspecto negado de si mesmo, com aceitação, que ele pode tentar
assumi-lo como parte de si mesmo.
“À medida que um indivíduo se torna capaz de assumir sua própria experiência,
caminha em direção à aceitação da experiência dos outros. Ele aprecia e valoriza
tanto sua experiência como a dos outros por aquilo que elas são.” (ROGERS, 1980, p.
93).
Deste modo, Rogers (1980) ressalta que processo de autoaceitação implica em
caminhar na direção da aceitação dos outros. Assim, podemos entender que a partir
do momento que o individuo consegue se aceitar, ele passa a aceitar o outro. Essa
atitude de aceitação em relação ao que existe se desenvolve no cliente ao longo da
psicoterapia.
Cada vez que o cliente passa a ficar mais consciente dessas atitudes e aos
poucos consegue tornar-se real pessoa, a confiança em si mesmo aumenta. De
acordo com Rogers (1980), o cliente confia no processo que é ele mesmo e o valoriza.
“Parece indicar que o indivíduo se move em direção a ser, com conhecimento de
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causa e numa atitude de aceitação, o processo que ele é de fato em profundidade.” (p.
93).
Através disso, é possível compreendermos que o cliente se afasta daquilo que
ele não é, Rogers (1980) ressalta que o cliente passa a ficar mais atento ao que
acontece nas profundezas do seu ser e descobre o que é de maneira mais verdadeira
em si mesmo. A partir de observações de casos clínicos do autor, ele faz uma
colocação de que os clientes adquirem uma importância maior no seu próprio ser.
“[...]à medida que ganhavam maior confiança no processo que neles se desenvolvia e
ousavam ter os seus próprios sentimentos, viver com valores que descobriram dentro
de si e exprimi-los na sua forma pessoal e única.” (ROGERS, 1980, p. 93).
Maslow (1954) diz que todos os indivíduos auto-realizados possuem uma
maravilhosa capacidade de apreciação constante, fresca e ingênua dos bens
fundamentais da vida, com prazer e encanto, por mais difícil que essas experiências
possam parecer ser aos outros.

SÍNTESE DO CASO

O presente estudo de caso refere-se ao histórico de uma cliente, que aqui se


chama Maria (nome fictício), sexo feminino, 11 anos, cursando o Ensino Fundamental,
reside em Londrina-PR atualmente com sua mãe e seu irmão. A mãe da cliente, que
aqui se chama Ana (nome fictício) buscou atendimento psicológico para sua filha, pois
a mesma havia sido abusada aos oito anos e apresentava comportamentos de
autoridade. No decorrer dos atendimentos com Maria, a cliente trouxe a queixa
principal de que não se relacionava bem com sua mãe, seu irmão e seus avós e
morava em um ambiente onde havia muitas discussões.
Oliveira et al (2002) falam sobre o estilo parental, que se faz em um conjunto de
atitudes dos pais para com a criança, no qual define o clima emocional em que se
expressam as várias práticas parentais.
As práticas parentais (comportamentos socializadores, como por exemplo,
disciplina, apoio, e comportamentos interativos pais-criança) variam entre situações,
pode-se dizer que os estilos parentais sejam relativamente "independentes de um
contexto específico de socialização e se evidenciem numa ampla variedade de
interações entre pais e filhos" (KEITH; CHRISTENSEN, 1997, p. 559 apud OLIVEIRA
et al., 2002).
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Rogers (1980) faz uma colocação de que nas relações familiares, assim como
nas outras, seus estudos de casos mostraram que no decorrer do processo
terapêutico os clientes gradualmente começam a exprimir seus sentimentos reais de
maneira mais plena, sentimentos considerados como negativos e positivos. “Pais e
filhos, maridos e mulheres, começam a exprimir com mais verdade os sentimentos que
realmente têm, em vez de os esconderem às outras pessoas, ou às outras pessoas e
a si próprios.” (p. 163).

HISTÓRIA DO CLIENTE

Maria estuda no período da tarde e quando iniciou a terapia na clinica escola


trabalhava como monitora de van escolar, porém atualmente não trabalha mais. Nessa
mesma época, Maria morava em uma casa nos fundos com a casa de seus avós,
então ambos tinham bastante convivência, nos dias atuais Maria mora apenas com
sua mãe e seu irmão. Os avós de Maria são bem religiosos e por conta disso, eles não
possuem uma boa relação com Ana, mãe da cliente.
O primeiro atendimento foi realizado com Ana, ela relatou que quando a cliente
completou um ano de vida, Ana e o pai de Maria se separaram, desde então a cliente
teve pouco contato com o mesmo. Ana também relatou que com o passar do tempo
Maria reclamava que sentia falta do pai e seu comportamento foi se tornando cada vez
mais agressivo nas palavras e autoritária. A mãe tomou a decisão de conversar com o
pai sobre o que estava acontecendo, o mesmo disse para Ana que ele nunca poderia
fazer a função de pai. Após esse momento, Ana se sentiu na obrigação de fazer o
papel de pai e mãe para sua filha. Com o passar do tempo, quando a cliente tinha dez
anos, a mãe se envolveu com um rapaz, no dia do seu noivado Maria presenciou sua
mãe e o noivo se beijando, com isso, diz Ana que a cliente teve um “surto” e estragou
toda a festa. Ana relatou que conversou com Maria no dia seguinte de seu noivado
sobre o ocorrido, Maria não aceitou aquilo ter acontecido em sua frente, relatou se
sentir indignada.
Durante essa conversa, Maria contou para sua mãe que foi abusada aos seus
oito anos, onde Maria havia realizado uma viagem com sua avó materna para
Rondônia visitar seus tios. Durante a viagem seu tio abusou de Maria, mas não houve
lesão corporal. A cliente só conseguiu contar isso para sua mãe dois anos após o
ocorrido, pois Maria não queria prejudicar sua tia, esposa do abusador. De acordo com
8
Pfeiffer e Salvagni (2005), muitas vezes, pelo fato do abuso sexual nem sempre
aparentar violência física, a denuncia é enormemente dificultada.
Diante disso, Ana relatou sentimento de desespero diante desse acontecimento,
mas decidiu não fazer B.O para não expor Maria e cortou todo tipo de contato dela
com seu tio. Ana relatou para a terapeuta que há um histórico de abuso e abandono
na família do pai da Maria.
De acordo com Balbinotti (2009) o abuso sexual infantil é uma das formais mais
cruéis de agir contra uma criança, pois a mesma é utilizada como satisfação dos
desejos sexuais de um adulto.
A principal queixa que Ana trouxe foi sobre o comportamento da filha de ser
muito autoritária, sente ciúmes do seu irmão mais novo e a mãe se sente preocupada
em como a cliente vai lidar em suas relações futuras com homens.

EVOLUÇÃO NO PROCESSO TERAPÊUTICO

Diante da Abordagem Centrada na Pessoa, podemos compreender que o


processo implica em uma atitude terapêutica na qual “o papel do terapeuta será assim
o de, a partir do ponto de vista fenomenal do cliente, procurar a compreensão da
consciência vivencial da experiência de si e do mundo.” (SANTOS, 2004, p. 19).
Segundo Rogers (1980), no primeiro estágio do processo o individuo está
afastado da sua vivencia e é incapaz de extrair ou simbolizar a sua significação
implícita, sendo assim, o autor faz uma colocação de que o processo terapêutico
condiz a uma transformação das formas de vivenciar.
A cliente foi atendida em um total de 14 sessões psicoterápicas, sendo
analisada na Abordagem Centrada na Pessoa. Foram trabalhadas atitudes
terapêuticas facilitadoras com o enfoque para autoconhecimento e uma melhor
qualidade na saúde mental.
Inicialmente, a cliente chegou à terapia com um aspecto ansioso, assim como
cita Rogers (1980), o individuo se encontra em um estado de fixidez, não possui
desejo de mudanças, em decorrência de bloqueios na comunicação interna.
A cliente relatou nos atendimentos que possui problemas no relacionamento
com a mãe e o irmão, disse ter sentimentos de injustiça pela mãe por ter que fazer
mais serviços domésticos em comparação ao seu irmão. Relatou sobre a falta de
paciência da mãe e disse sobre se sentir invadida na casa que ela morava, pois dividia
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quarto com o irmão. Relatou também problemas de relacionamento com seus avós
maternos, cujo moravam no mesmo terreno que a cliente.
Rogers faz uma citação no livro “Um jeito de ser” (1983) que um ouvir criativo,
ativo, sensível, acurado, empático, imparcial, é algo que se afigura imensamente
importante numa relação.
Através dessa escuta empática, foi proporcionada ao cliente uma maior
segurança no terapeuta. Com isso, no segundo atendimento a cliente conseguiu
relatar sobre o abuso, porém não contou muitos detalhes. De acordo com Padilha e
Gomide (2004) “a revelação do abuso sexual numa situação protegida permite diminuir
as sequelas emocionais decorrentes do abuso”.
Durante os atendimentos realizados, a cliente relatou que sua tia esposa do
abusador, entrava em contato com ela via WhatsApp e tocava no assunto do ocorrido,
a cliente mostrou sentimentos de incomodo diante dessa situação. Na terapia, o
terapeuta percebeu que a cliente não gostava de tocar no assunto do abuso, suas
falas eram de que isso já estava superado em sua vida. Segundo Silva (2016) o
processo de revitimização acontece quando a vítima se submete a situações que
levam a reviver novamente os aspectos da violência ou agressão sofrida.
No decorrer dos atendimentos, a cliente ficou algumas sessões sem falar sobre
isso. Seu relato principal era sobre dificuldades na comunicação com a mãe. Havia
uma grande falta de dialogo e compreensão entre as duas. Foi-se notado pelo
terapeuta uma falta de atenção pela mãe.
No décimo terceiro atendimento, houve uma grande evolução no processo
terapêutico. A cliente obteve uma melhora no relacionamento com sua mãe, onde
através de uma experiência entre as duas elas conseguiram expor seus sentimentos
em relação uma à outra, através disso, a cliente passou a sentir-se importante pela
mãe, e também houve melhora na relação o irmão.
A respeito da queixa trazida pela mãe, no qual era um sentimento de
preocupação da filha ter futuros problemas em se relacionar com homens devido ao
abuso sexual, obteve uma evolução. Nos dias atuais a cliente se encontra gostando de
um garoto, no inicio ela mostrava uma confusão em relação aos seus sentimentos,
porém, no decorrer dos atendimentos, a cliente conseguiu reconhecer seu real
sentimento em relação ao garoto.
De acordo com Miranda e Freire (2012), através da relação terapêutica o cliente
passa a reconhecer que todos seus sentimentos e atitudes se podem exprimir. A partir
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disso, pode-se observar que o cliente sai de seu estado de rigidez para uma maior
fluidez e uma capacidade de adaptação dos seus próprios sentimentos e suas formas
de vivencia-los. A experiência terapêutica leva o cliente a uma melhor compreensão
de si e das outras pessoas. (MELO; LIMA; MOREIRA, 2015).
No final de todo processo, o cliente se encontra em um estado mais autentico
de si mesmo, Segundo Melo, Lima e Moreira (2015), nesse processo de aprendizagem
o sujeito passa a estar mais aberto às suas experiências. A autenticidade é
relacionada com a experiência e a consciência, ainda sendo relacionados com a
comunicação. Há uma melhora na adaptação psicológica do individuo e seu
funcionamento.
“As alterações da e na experiência ocorrem tanto no cliente como no terapeuta,
pois as experiências do mundo do cliente são recebidas pelo terapeuta de uma forma
autêntica, chegando a modificá-lo.” (MELO; LIMA; MOREIRA, 2015).
Atualmente, houve outros tipos de relatos em relação ao abuso sexual, sendo
assim, com uma evolução no processo. A cliente conseguiu contar sobre o ocorrido
para um grupo de pessoas, ela não imaginava que isso aconteceria, mas sentiu que
de fato aquilo não a incomodava mais e se sentiu livre para falar. Relatou sentimentos
de alivio, sem medo e sem se preocupar com que os outros iriam pensar.
“Para que a informação venha a público deve passar por um ouvinte não crítico
e empático numa relação de confiança com audiência não punitiva.” (PADILHA;
GOMIDE, 2004).
Reconhecendo todo o trabalho psicoterápico, podemos confirmar que o contato
com a Abordagem Centrada na Pessoa possibilitou ao cliente apreciar as suas
próprias experiências e confiar inteiramente nelas, sentindo-se totalmente a vontade
por ser quem realmente é. (MELO; LIMA; MOREIRA, 2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem Centrada na Pessoa possibilita ao cliente uma melhor qualidade


de vida e seu crescimento pessoal. Foram trabalhadas atitudes terapêuticas
facilitadoras para que a cliente conseguisse descobrir seu eu real, permitindo-a
exprimir melhor seus sentimentos, causando uma melhora significativa em seus
relacionamentos familiares e obtendo uma melhor saúde mental.
Através dessas atitudes psicoterápicas, foi possível favorecer o ambiente
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adequado para que o individuo se desenvolvesse, respeitando seu tempo. Dessa
forma, o cliente em terapia passou pelo processo de autoconhecimento e uma melhor
aceitação de si mesmo.
A maior dificuldade durante os atendimentos foi a grande rigidez da cliente.
Suas brigas com a mãe eram constantes e a falta de atenção da mesma para com a
cliente era evidente em seus relatos, os sentimentos da cliente eram muito
prejudicados devido a isso. Até que a cliente conseguiu expressar de forma autentica
seus sentimentos, assim, sua mãe também conseguiu falar sobre o que sentia em
relação a ela, tornando a convivência entre mãe e filha mais saudável, afetuosa, com
uma melhor comunicação e respeito.
Rogers (1980) faz uma citação de que conforme a terapia decorre, o cliente faz
uma descoberta de que ousa tornar-se ele mesmo, assumindo todas as
responsabilidades diante de suas escolhas e suportando as consequências ao
permitir-se ser ele mesmo. Todo esse processo pode ser considerado como uma
aprendizagem para o cliente, pois, ao escolher ser ele mesmo, confrontando com a
realidade de sua decisão, se torna um agente livre.
Ao tornar-se sua real pessoa, o cliente abre um novo modo de vida no qual faz
a experiência de sentimentos mais profundos e elevados. O individuo sente-se único e
real. (ROGERS, 1980). Diante disso, é possível concluir que as relações do cliente
com seus familiares e amigos perderam o caráter artificial, assim, as relações se
tornaram mais verdadeiras, profundas e satisfatórias.

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