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CENTRO UNIVERSITÁRIO CELSO LISBOA

Roteiro de aprendizagem
Núcleo 6 - Ciclos 1 e 2

Ana Quézia Ferracini de Jesus Mello - Matrícula: 170500192


Sirlene da Silva Oliveira - Matrícula: 170500061

Rio de Janeiro

2019
Planejamento

A entrevista se norteará através do tema: Intervenções do psicólogo hospitalar na


equipe de cuidados paliativos. Tendo como objetivo, conhecer as intervenções
executadas pelo psicólogo hospitalar em pacientes sem perspectiva de cura, junto à
equipe de cuidados paliativos, aliado a gerir esclarecimentos acerca do modo como o
psicólogo entende o seu fazer por meio de tais intervenções.

As questões a serem elaboradas para a entrevista levarão em conta o tipo


semiestruturado, combinando perguntas fechadas e abertas por meio de um roteiro, que
será orientado pelo objetivo da pesquisa. Assim o entrevistado irá ter a possibilidade de
discorrer sobre suas experiências, a partir do foco principal proposto pelo entrevistador;
onde ao mesmo tempo que permitirá respostas livres e espontâneas do entrevistado, irá
valorizar a atuação do entrevistador.

A escolha da entrevistada se deu com o apoio de um professor, sendo possível entrar


em contato com a entrevistada, via WhatsApp, para convida-la a participar da entrevista.
Como a mesma é uma psicóloga hospitalar, e trabalha com cuidados paliativos,
acredita-se que ela conseguirá atender o objetivo de nossa entrevista.

A entrevistada sugeriu que a entrevista transcorresse em um quiosque dentro da UERJ,


no dia 25 de Setembro de 2019, às 13h, onde será gravada para posterior transcrição e
análise, de acordo com a autorização da entrevistada.
Roteiro de Entrevista

O que despertou em você o desejo de ser uma Psicóloga Hospitalar?

Como você descreveria o seu trabalho junto a equipe multiprofissional na ala de


cuidados paliativos?
Na sua opinião, há alguma abordagem psicológica que melhor intervém em tais
cuidados?
O paciente aceita esse tipo de cuidado paliativo em primeira instância ou existe certa
resistência?
Quais tipos de intervenções você utiliza em demandas de luto antecipatório?
Você poderia exemplificar alguma intervenção aplicada em todas as demandas de
cuidados paliativos?
Na sua lida diária, ocorreu alguma demanda que se configurou um fato marcante na sua
vida?
Em meio a diversas intervenções realizadas, você entende tal prática como um fazer
clínico?
Que observação você acredita ser fundamental para um futuro psicólogo hospitalar em
cuidados paliativos?

Transcrição da entrevista

A duração da entrevista foi de 00h28min59seg (28 minutos e 59 segundos) e antes do


início da entrevista, as entrevistadoras e a entrevistada conversaram sobre diversos
assuntos, não relacionados ao tema, como forma de acolhimento e diante de uma
situação desconhecida.

A entrevista foi gravada, por autorização da entrevistada, e devidamente descrita de


acordo com as questões pré-elaboradas no roteiro de entrevista. Contudo, entre as
questões ocorreu uma pergunta que não estava planejada, mas que serviu para melhor
compreensão do objetivo proposto.

O que despertou em você o desejo de ser uma Psicóloga Hospitalar?

“No 4° período eu fui fazer estágio em Hospital psiquiátrico, e é uma coisa que se você
houve o chamado você não quer mais sair. Na época do hospital psiquiátrico eu estava
no meio da faculdade ainda, eu fiquei dois anos lá, eu falava (nossa, é isso que eu
quero, eu quero viver dentro do hospital, eu quero viver esse ambiente hospitalar, esse
funcionamento, esse tipo de relação), porque é muito característico, é uma coisa
completamente diferente do consultório, de você fazer uma clínica individual, a forma
como você se relaciona com outros saberes. Porque você esta ali com os enfermeiros,
fisioterapeutas, médicos e uma série de outras pessoas que tem saberes que são
completamente diferente do seu, e você construir esses diálogos, e fazer trocas, isso vai
ampliando o teu campo de conhecimento, vai ampliando até os seus recursos de
atuação, porque muita vezes você vai aproveitar do conhecimento do outro para usar
isso como recurso de atuação junto com paciente. Então, é um universo muito rico, pois
o estágio no hospital psiquiátrico, é diferente do hospital geral, do hospital oncológico,
mas tem algumas coisas em comum dentro deste universo hospitalar; são
especialidades diferentes, mas todos eles mantém este universo em cuidado em saúde,
na lógica da instituição hospitalar que tem seus problemas e seus entraves, mas que foi
muito gostoso trabalhar com isso.”

Como você descreveria o seu trabalho junto a equipe multiprofissional na ala de


cuidados paliativos?

“No cuidado paliativo é uma experiência bastante ímpar, a gente sabe que em outros
setores as relações não vão se dar da mesma forma, no cuidado paliativo não se
trabalha se não for em equipe multi, não é possível, você não consegue oferecer um
atendimento em cuidado paliativo ao paciente exclusivo, alias isso é uma diferença
importante que tem que ser feita, o paciente que está já diagnosticado por exemplo com
uma doença avançada, que tem uma perspectiva encurtada de prognostico de vida, isso
é um paciente de cuidado paliativo exclusivo, não quer dizer que em outros momentos
do tratamento não seja possível a entrada de praticas e de assistência em cuidado
paliativo, mas esta realidade que vocês descrevem no objetivo da entrevista que o
paciente com uma doença grave, avançada, que ameaça e que coloca em risco a
continuidade da vida, ele é um paciente de cuidado paliativo exclusivo, que é um
paciente extremamente complexo, pois o grau de complexidade do quadro geral dele é
proporcional a necessidade que a gente tem de trabalhar em equipe multidisciplinar, não
é um quadro em que a gente consiga, e que nenhuma categoria consiga dizer que -
não, isso aqui eu dou conta sozinho, vou fazer no meu consultório sozinho - Então é
fundamental ter um equipe mínima multidisciplinar, quanto maior a equipe melhor, mas
uma equipe mínima precisa haver, porque é a base e o fundamento desse tipo de
trabalho.”

Na sua opinião, há alguma abordagem psicológica que melhor intervém em tais


cuidados?

“Eu podia puxar brasa pra minha sardinha e pregar a palavra de Jung aqui pra vocês,
mas na verdade não. Lá na equipe por exemplo, nós somos cinco no momento
trabalhando com cuidados paliativos, então eu tenho uma pratica clínica, uma origem
clínica, de base Jungiana, eu tenho uma outra colega que está fazendo mestrado em
Psicanálise aqui na UERJ, uma outra colega que uma leitura mais voltada para
Winnicott, uma outra que tem uma leitura mais voltada para Gestalt-terapia. A grande
questão é: a gente precisa ter uma base clínica solida, não importa qual seja ela. A
minha base clínica tem que ser sólida eu tenho que ter bastante conhecimento da teoria
clínica que eu quero utilizar, porque isso tem haver também com preferências pessoais
nossas, a gente vai escolher a base clínica que a gente vai trabalhar de acordo com
questões nossas, com ferramentas que entendemos que são mais fáceis de manejar. O
trabalho no hospital vai ter dois pilares: a nossa base clínica individual e as questões
gerais de psicologia hospitalar, que tem os manuais de psicologia hospitalar, que vão
trazer questões que são especificas do processo do adoecimento físico, questões
relativas a luto, a perda, enfim, tem um serie de coisas que são mais gerais no trabalho
em instituição hospitalar, mas a gente tem que entrar com uma base clínica, que é de
nossa escolha. Talvez em algumas situações, algumas ferramentas se mostrem um
pouco mais eficazes do que as outras, por exemplo, eu tenho uma situação de
transtorno de ansiedade que esta em crise naquele momento. Talvez uma abordagem
Cognitivo Comportamental, vai mais direto aquele foco imediato e tem um resultado
mais eficaz para aquela situação. Mas isso não que dizer que, de um modo geral a TCC
é mais indicada para o ambiente do hospital do que as outras, ou a psicanálise é mais
indicada. O que a gente precisa é dominar essa teoria que a gente quer usar, sendo
bastante competente nessa base clínica de nossa escolha, entendendo que o ambiente
hospitalar não é meu consultório, e entender o que está implicado na minha atuação
dentro deste ambiente, como é que eu vou pegar o meu conjunto de ferramentas, que é
essa teoria clínica e eu vou adapta-la para o trabalho em instituição hospitalar. O que
não é a mesma coisa que eu vou fazer, com minha base psicanalítica, por exemplo, que
vai ficar dentro do consultório talvez tentando trazer questões inconscientes de relação
parental de primeira infância, etc. Eu não vou fazer isso dentro do hospital, não é
possível. Não tem tempo hábil pra isso. Não tenho estrutura pra isso. Não tem contexto
pra isso. Preciso pegar essa base clínica teórica e adaptar isso a realidade do trabalho.
Mas eu não vejo, assim, na minha experiência com as minhas colegas, cada uma com
sua base clínica, a gente não vê esse tipo de diferença em termos de atuação.”

O paciente aceita esse tipo de cuidado paliativo em primeira instância ou existe


certa resistência?

“A realidade que eu vivo é um pouco diferente. Talvez tem haver com a forma que o
serviço se organiza. Dentro do INCA a gente tem uma unidade exclusiva para cuidados
paliativos, é um hospital inteiro que só faz cuidado paliativo. No momento em que esse
paciente vai para este hospital, ele é informado. Então a partir do momento que ele
entra lá, ele tem toda uma equipe e aí isso não é uma coisa assim: Você vai para a
psicologia, ou você vai para a fisioterapia. Não, você está indo para uma unidade de
cuidados paliativos e você tem uma equipe multidisciplinar que vai acompanhar o seu
caso lá. É óbvio que eventualmente tem pacientes que dizem que não quer consulta
com psicólogo, ou não quer consulta com o fisioterapeuta. Ok! Não é porque o paciente
não quer psicólogo, que ele não vai ter nada. Não é isso! Eu acho que a organização do
serviço que diz muito disso, porque talvez em outros hospitais, por exemplo, hospital
geral, você vai ter um setor de psicologia separado e que os pacientes vão ser
encaminhados para esse setor de psicologia ou não, dependendo do olhar do médico
que acha que precisa encaminhar ou não, e aí tem paciente que vai falar - ah, não vou
marcar isso não - e acaba não indo. Enfim, é uma questão de como funciona o fluxo da
instituição realmente. Dentro de um hospital que é exclusivamente para cuidados
paliativos, não é esse o fluxo, o fluxo é, você está sendo encaminhado para cuidado
paliativo você vai passar a ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar que vai
cuidar do seu caso. Aí tá todo mundo incluído no pacote.”

Quais tipos de intervenções você utiliza em demandas de luto antecipatório?

“Isso vai depender muito, o luto antecipatório pode ser uma ferramenta adaptativa, pois
é sempre um processo, ele não começa na hora em que a pessoa morre, vai sempre se
construindo ao longo, quando a situação começa a girar em torno da terminalidade, e as
vezes muito antes, as vezes são pequenos lutos, perdeu a função que ele tinha, perdeu
o emprego, o papel de provedor da casa, a capacidade de lavar uma louça, a
mobilidade, está de cadeira de rodas. Esses lutos vão se somando e vão se articulando,
e muitas vezes o luto antecipatório é uma estratégia de organização psíquica daquele
sujeito, ele precisa começar a elaborar essa perda ainda que essa perda não tenha
ocorrido. Então a gente vai ter que ter essa capacidade de distinção entre em que
momento aquilo esta sendo prejudicial, gerando uma ansiedade que está sendo um
entrave no processo de elaboração daquela pessoa ou quando o próprio luto é um
mecanismo de defesa, pois uma coisa que eu sempre digo é isso, o nome é mecanismo
de defesa, eu não defendo nada que eu não sinta que está ameaçado, se eu preciso
ativar uma defesa é porque algo se sente ameaçado, se tem algo que está se sentindo
ameaçado, não tem beneficio nenhum eu tirar esta defesa e expor esta vulnerabilidade.
Eu posso inclusive complicar mais essa situação. Então muitas vezes mecanismos
como luto antecipatório ou com os mecanismos de defesa ativado, eles tem uma função
protetiva, tem uma função de auxiliar a pessoa a elaborar o processo pelo qual ela está
passando, e em outros momentos não, a gente vai ver que aquilo está disfuncional, e a
gente vai precisar ajudar essa pessoa a manejar esses mecanismos que estão ali
ativados, para a pessoa poder continuar nesse fluxo de elaboração e de vivência
daquilo que ela está passando naquele momento. Mas a gente vai ter que olhar muito
caso a caso pra saber a que esse mecanismo está servindo ali, ela entrou num
processo de luto antecipatório. Pra que isso está servindo? A quê que isso veio? Qual é
o papel que isso está tendo nisso tudo que a pessoa está passando? Tá ajudando ela a
se organizar e se adaptar a esta situação ou esta sendo um entrave ao processo que
ela está vivendo. É isso que a gente tem que identificar.”

E quando o luto antecipatório começa a ser um entrave. Que atitudes os


psicólogos teriam frente a isso?

“Aí a gente lança mão das nossas ferramentas clínicas, para atuar sobre esta questão
que se apresenta, fazer uma psicoterapia de apoio. Mas cada um vai usar as suas
próprias ferramentas.”

Você poderia exemplificar alguma intervenção aplicada em todas as demandas de


cuidados paliativos?

“Não, quanto mais complexo, mais singulares são os casos. É muito difícil a gente
generalizar algumas práticas, não só na psicologia, mesmo na prática médica, que é um
pouco mais prescritiva, eu vou falar (todo paciente que tem dor eu vou dar um remédio
x?) Não! alguns vão ficar bem com o remédio x, outros vão precisar do y, outros vão
precisar do x e y juntos, porque são quadros altamente complexos. Tem uma escala de
complexificação do cuidado em saúde, você tem situações extremamente simples, ah
quebrou o dedinho mindinho do pé jogando futebol, é um quadro extremamente simples,
tem muitas questões em torno daquilo que se vai, você tem um procedimento, quanto
mais simples, mais fácil da gente generalizar o procedimento, a medida em que os
quadros vão se complexificando, vai se exigindo cada vez mais esse olhar
multiprofissional e vai se exigindo cada vez mais um olhar singularizado sobre cada
caso, é muito difícil generalizar qualquer coisa nesse sentido.”

Na sua lida diária, ocorreu alguma demanda que se configurou um fato marcante
na sua vida?

“Tem uma situação específica que eu sempre conto nas aulas, é a questão da
comunicação, comunicação de más notícias. Um paciente que tinha um câncer de
pâncreas, que é normalmente um dos canceres mais agressivos, com pouquíssimas
chances da gente cuidar. Ele estava em tratamento a poucos meses, deveria ter dois
meses que ele estava no INCA, foi transferido para a unidade de cuidados paliativos, ele
ficou uma semana internado e faleceu. Ele tinha uma mãe idosa que não sabia nem que
ele tinha câncer, e ai, quando ele estava internado lá, a família veio pedir ajuda do
serviço de psicologia pra conversar com essa mãe. Falaram: a gente tá vendo que a
situação dele vai piorar, ele não vai durar muito, e a gente não contou pra ela nem que
ele tem câncer, como é que a gente faz isso?.. E ai, a gente combinou que essa
senhora ia visitá-lo, numa sexta-feira, e ajudaríamos a família a conversar sobre o
assunto, e ai tem esses detalhes, essas sutilezas. Pois o nosso papel ali é ajudar a
família nesse processo de comunicação, não é retirar isso da família e falar (não eu vou
dar essa informação, pronto e acabou). A gente vai mediar essas situações, estar
presente, auxiliar, mas a relação continua pertencendo a família, a família da pessoa
que tem que se comunicar, se falar dessas situações, e a gente vai estar junto ali como
mediador, como apoio.. E ai tudo bem, essa senhora ia vir, ela estava vindo de São
Gonçalo, não sei de onde, longe a beça. Obviamente ele morreu um hora antes dela
chegar, porque, claro se pode ser mais complicado, porque vai ser mais fácil, sempre
acontece esse tipo de coisa. Então quando ela chegou, ela já não podia mais nem vê-lo,
porque o corpo já tinha sido levado. Então a gente entrou com ela numa sala de
atendimento, e tinha eu, tinha uma residente da psicologia e a família, e a gente
precisou contar pra ela, que ele teve câncer, que o câncer dele era avançado, que o
câncer dele não estava respondendo ao tratamento, que ele não estava bem, que ele
tinha sido internado, e que ai na internação ele passou mal, e que ele vinha passando
mal nos últimos dias, e que os remédios não estavam ajudando, e que ele passou muito
mal essa noite, que ele vomitou a manhã inteira, e ai a gente foi nessa, até conseguir
chegar na informação que ele tinha morrido. Quando a gente terminou de dar todas
essas informações, ela teve uma epifania religiosa de alguma ordem, ficou de pé,
começou a falar como se estivesse incorporando alguma entidade, ou alguma coisa,
parece que ela era de uma vertente mais pro espiritismo, mais espírita alguma coisa
assim, uma coisa bem sincrética da nossa população, e ai ela falou com a gente,
agradecendo, como se os anjos estivessem mandando um recado pra gente, nos
abençoando de alguma forma, depois sentou e chorou. E ai, depois ficou só eu e a
residente, a gente ficou sem entender se aquilo era bom, se era ruim, se ia precisar
encaminhar ela pro serviço de psiquiatria. Então a família, a irmã o paciente depois veio,
saiu da sala puxou a agente e falou: (olha foi ótimo, que foi a melhor reação que ela
podia ter tido, porque ela tem essa ligação, tem horas que ela fala que recebeu uma
notícia do além e tal.) enfim ela tinha uma ligação com uma espiritualidade, através
dessas questões mais espíritas e a filha falou: (nossa, foi ótimo, porque essa foi a
melhor reação que ela podia ter tido). É isso, tem situações que não está no livro, o livro
não vai te dizer o que fazer com uma senhora de oitenta anos de idade que não sabe
que o filho tá doente... ele não vai te dar essa receita de bolo, e ai também não adianta
você jogar que isso não é função minha, quem tem que dar notícia de óbito é o médico.
Não adianta você jogar a bola, pois são situações que surgem, o hospital é um lugar de
urgências, mesmo que você não trabalhe numa emergência, pois coisas surgem, caem
no teu colo e você tem que dar conta delas. Esse foi um exemplo, que a gente estava se
organizando pra uma outra coisa, e ai aconteceu tudo isso, e isso tudo aconteceu dentro
de duas horas, então o hospital é um lugar que te chama á essas situações de
urgência.”

Em meio a diversas intervenções realizadas, você entende tal prática como um


fazer clínico?

“Sim, com certeza, o trabalho dentro do hospital é clínica, na medida em que existem
muitos trabalhos pro psicólogo dentro do hospital, eu falei por exemplo, antes de
começarmos a entrevista do DSAT (Divisão da Saúde do Trabalhador). Tem uma
psicóloga dentro do hospital que trabalha no serviço de saúde do trabalhador, ela não
atende pacientes, o trabalho ela é outro. Tem psicólogos dentro do hospital que podem
estar envolvidos em setores de gestão, pensando questões de gestão de recursos em
saúde, gestão hospitalar. Então tem uma série de funções do psicólogo dentro do
hospital. Quando eu estou falando de assistência, se eu estou numa equipe assistencial,
que é a equipe de atendimento direto a paciente e a família, isso é clínica, logo minha
função é clínica.”

Que observação você acredita ser fundamental para um futuro psicólogo


hospitalar em cuidados paliativos?

“Bom, a primeira coisa é começar do começo, acho que é muito difícil cair de
paraquedas em cuidados paliativos, por conta disso que a gente vem falando, do grau
de complexidade, eu acho que vale a pena entrar no campo da saúde de alguma forma.
O cuidado paliativo hoje ele começa a ser mais difundido, veja bem, antigamente na
época que eu fiz universidade, a gente nunca tinha ouvido falar disso dentro da
graduação e não só na psicologia, na graduação de enfermagem, graduação de
medicina, até alguns anos atrás se quer falava-se disso e pra você estudar, muita gente
fez pós graduação em cuidados paliativos na Argentina, que era onde tinha mais perto.
Agora não, agente tem aqui no Brasil, isso está crescendo, agente tem vários institutos,
vários serviços que tem residência, por exemplo, no Pará tem uma residência
multiprofissional em cuidados paliativos, acho que no nordeste tem alguns lugares
também, aqui no Rio a gente não tem a residência em cuidado paliativo, mas temos a
residência do INCA, e se não me engano a do Pedro Ernesto também fala alguma coisa
sobre isso, não tenho certeza, mas a do INCA com certeza, você tem contato com
cuidado paliativo. E pós-graduação, você tem um monte de pós graduação, em São
Paulo tem muitas, aqui no Rio tem um instituto que não trata de cuidados paliativos
especificamente, mas trata muito de questão do luto, dá cursos sobre luto no instituto
Entrelaços, trata muito dessas questões também de morte, fim de vida. Então eu acho
que é isso, tem que buscar esse instrumental pra poder atuar. É uma prática complexa,
é uma prática que lida com questões que são ainda tabu, tem um, eu acho que é uma
dissertação de mestrado de alguns anos atrás, não é muito antiga, que uma psicóloga
fez entrevistando enfermeiras, e ela perguntava para as enfermeiras assim: (Ah, o quê
que você acha de cuidado paliativo?) (Ah eu jamais encaminharia um paciente meu pra
isso!) (Por que?) (Ah, porque minha religião não permite).Tipo assim, é um
desconhecer, ainda existe muito tabu em relação a isso, é uma ideia de que você vai
deixar a pessoa morrer, ai os próprios entraves. Por quê que é muito importante você se
capacitar pra atuar em cuidado paliativo? Por que a gente tem entraves que são
pessoais nosso. Como é que a gente lida com a questão da morte? Como é que a gente
lida com alguém? Tem quase dez anos que eu estou trabalhando só em cuidados
paliativos, eu já perdi a conta de quantas pessoas que eu já vi morrer. Como é que é pra
você assistir uma pessoa morrer? Como é que é pra você ser chamado a assistir uma
pessoa morrer? Por que a família pode dizer: (Ah, fica aqui do meu lado.) Ai você vai lá
dá a mãozinha e espera a pessoa morrer, ou você esta chegando na casa da pessoa e
a pessoa acabou de falecer, a família esta lá empavorosa, então são questões que nos
tocam pessoalmente. Precisamos entender aonde isso nos toca, entender como é que a
gente lida com essas questões pessoalmente, emocionalmente, quais são as nossas
reações emocionais, pra gente poder saber o que fazer com elas e pra gente poder
manejar isso no nosso trabalho, porque a nossa ferramenta de trabalho, além da nossa
teoria e da nossa prática, a nossa ferramenta de trabalho somos nós, a minha
ferramenta de trabalho sou eu, é quem eu sou. Então eu preciso saber de que forma eu
reajo a determinadas situações, de que forma as coisas me afetam. Nesse sentido é
muito importante que agente se capacite, pois na psicologia de modo geral, você não
para de estudar nunca, você esta o tempo todo se aperfeiçoando, se capacitando.
Dentro do hospital, e em cuidados paliativos mais do que nunca, você tem que estar o
tempo todo buscando informação, não dá pra parar, porque o tempo todo você é
chamado a lidar com coisas que são extremamente impactantes, extremamente
inesperadas, que são extremamente mobilizadoras da sua experiência. Lá no hospital,
por exemplo, a gente está muito tempo juntos, somos uma equipe que entrou junto no
concurso de 2010, e a gente está a muitos anos juntos, então boa parte da equipe já
perdeu pai, mãe ali dentro, tio que veio se internar, e ai, a minha colega cuidou do meu
pai, eu cuidei do pai da colega, e ai estamos ali, levando isso com a gente pro trabalho,
então a gente tem que está o tempo todo procurando essa capacitação, pra podermos
estar agindo da melhor forma possível.”

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