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RESPONSÁVEL GRÁFICO ppgcosmo.cosmo-ufes.org e www.cosmologia.ufes.br
Prof. Dr. Martín Richarte (UFES)
martin@df.uba.ar
ENDEREÇO
Carta ao Leitor
das oportunidades que existem no campo experimental e o observacional dentro das nossas
fronteiras, e se corrija o erro de pensar que ciência desse porte se faz apenas nos países do
hemisfério norte.
Ainda nesta edição, a Seção Textos Clássicos traz o artigo seminal de Friedmann em língua
portuguesa, uma tradução inédita realizada por Winfried Zimdahl e Hermano Velten. Vla-
dimir Lukash apresenta ao final uma expressiva reflexão sobre Friedmann e sua emblemática
contribuição para a ciência. Estes textos, em conjunto com a Seção Temática, representam
uma homenagem a uma das mais extraordinárias revoluções científicas dos últimos 100 anos:
o universo não é estático, ele é dinâmico e se expande, em acordo com uma das possibilidades
exploradas por Friedmann.
A Seção Divulgação Científica, Ciência & Sociedade apresenta artigos que abordam a vida e
morte das galáxias, a construção do modelo atômico de Bohr e o importante e atual problema
da desigualdade de gênero observada também na física e astronomia. Tópicos relativos ao
problema do ensino e difusão da astronomia são também discutidos nesta edição. Por fim, esta
edição traz também um resumo da IV Mostra de Astronomia do ES, realizada em 2021, apesar
de todos problemas causados pela pandemia do Covid-19, e um texto fruto de um dos trabalhos
premiados na mostra.
Os Editores
3
Sumário
Artigos
On the mode structure of imperfect fluids
Winfried Zimdahl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Ensino
Uma proposta de introdução à astrofotografia
Leopoldo Gorges Neto et al. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Textos Clássicos
O universo dinâmico de Friedmann
Hermano Velten e Winfried Zimdahl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Notas
A vida é um milagre em ação
Vladimir N. Lukash . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Os editores
Resumo
O objetivo deste artigo é descrever, de forma sucinta, o início da cosmologia moderna bem como destacar a
contribuição fundamental de Friedmann no seu desenvolvimento.
Abstract
The purpose of this article is to briefly describe the beginnings of modern cosmology as well as highlight
Friedmann’s fundamental contribution to its development.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37332
variação de sua opacidade, oscila periodicamente. é o chamado desvio para o vermelho. Velocidades
Existe uma correlação entre a luminosidade abso- positivas indicam afastamento da fonte em rela-
luta (energia por unidade de tempo emitida pela ção ao observador e correspondem a z positivo.
fonte) média dessas estrelas e o período entre dois A velocidade de Andrômeda estimada por
máximos. Assim, estimando a luminosidade ab- Slipher foi da ordem de -300 km/s. Em 1915 ele já
soluta e medindo a luminosidade aparente (ener- tinha 40 medidas de espectro de nebulosas com 15
gia por unidade de tempo, por unidade de área velocidades radiais estimadas, número que sobe
recebida pelo detector) Hubble pode determinar para 25 em 1917. Contrariamente ao observado
a nossa distância à Andrômeda e concluir que para Andrômeda, a grande maioria apresentava
essa nebulosa é uma galáxia espiral semelhante a velocidades positivas. Por exemplo, das 41 ne-
nossa Via Láctea e que, sabemos hoje, encontra- bulosas com redshift 3 medido em 1923, apenas 5
se a uma distância aproximada de 2,9 milhões de (incluindoAndrômeda) aproximavam-se da Terra.
anos luz. A velocidade das nebulosas era considerada muito
Em 1901, Vesto M. Slipher, um jovem as- alta, em média mais de 20 vezes as velocidades tí-
trônomo, então com 25 anos, foi constratado picas encontradas para estrelas.
para trabalhar no Observatório Lowell (Arizona, A cosmologia moderna iniciou-se com Einstein,
EUA). Em 1912, ele percebeu que as linhas es- em 1917, pouco tempo após ele haver publicado
pectrais de Andrômeda estavam no lugar errado, seu trabalho sobre a teoria do campo gravitacio-
elas estavam deslocadas para o azul, isto é para a nal, a relatividade geral. O primeiro modelo cos-
região do espectro de menores comprimentos de mológico relativista proposto por ele, além de es-
onda. Medindo o deslocamento espectral ele con- pacialmente homogêneo, isotrópico e finito (com
seguiu determinar a velocidade de Andrômeda em curvatura espacial constante e positiva), possui
relação à Terra. Isso foi possível devido ao fenô- a propriedade de ser estático. Acreditava-se na-
meno denominado efeito Doppler, nome dado em quela época ser esta uma característica do uni-
homenagem à Christian Doppler, cientista aus- verso. Sendo a gravitação atrativa, para obter
tríaco que em 1842 o descobriu. No caso de um universo estático Einstein modificou as suas
uma onda que propaga-se em um meio mate- equações originais do campo gravitacional intro-
rial (uma onda sonora por exemplo), esse efeito duzindo um termo repulsivo, a chamada cons-
manifesta-se em uma mudança na frequência ob- tante cosmológica (⇤). Einstein acreditava que
servada sempre que o detector ou a fonte movem- seu modelo possuía as seguintes virtudes: 1) po-
se em relação ao meio. Observamos que o som dia relacionar a massa do universo com a cons-
vindo da sirene de uma ambulância torna-se mais tante cosmológica, o que estava em acordo com o
agudo, maior frequência, quando esta aproxima- princípio de Mach; 2) mostrou ser possível cons-
se de nós e mais grave quando ela se afasta. O truir um modelo cosmológico consistente com a
efeito ocorre não apenas com ondas sonoras mas relatividade geral; 3) acreditava ser este o único
com ondas eletromagnéticas, como a luz vinda de modelo com essas características.
uma galáxia, também. A distância entre duas Nesse mesmo ano, o astrônomo holandês Wil-
cristas de uma onda (comprimento de onda) me- lem de Sitter publicou trabalhos nos quais ob-
dida por um observador, é menor (deslocamento teve uma nova solução da relatividade geral, com
para o azul, som agudo) quando a fonte emissora constante cosmológica, estática, porém sem ma-
aproxima-se do observador do que quando a fonte téria. De Sitter mostrou que em seu universo a
está parada. Quando a fonte se afasta do obser- velocidade de afastamento de objetos (partículas
vador o comprimento de onda medido por ele é teste) aleatoriamente espalhados aumentaria com
maior (deslocamento para o vermelho, som grave) a distância. Esta propriedade, que passou a ser
Para a radiação eletromagnética temos: conhecida como “efeito de Sitter”, podia explicar
o desvio no espectro de nebulosas espirais obser-
observado emitido v
z= = vado pelo astrônomo americano Vesto M. Slipher
c
emitido
alguns anos antes. Einstein não apreciava muito a
onde c é a velocidade da luz, observado é o com- solução de de Sitter, entre outras razões, por ela
primento de onda observado, emitido é o com- apresentar um horizonte de evento, isto é, uma
primento de onda no referencial da fonte, v é a
velocidade da fonte em relação ao observador, e z 3
Desvio para o vermelho em inglês.
distância além da qual raios luminosos não po- conhecida na Russia). Possivelmente a confirma-
deriam chegar ao observador. O fato de o uni- ção do valor previsto pela relatividade geral para
verso de de Sitter ser desprovido de matéria foi o desvio da luz provocado pelo campo gravitaci-
visto também por Einstein como uma caracterís- onal do Sol, obtida após o eclipse de 1919, esti-
tica indesejável desse modelo. Contudo, isso não mulou esse interesse. Em 1925, Friedman já era
impediu que ele fosse investigado, à época, como considerado um dos principais físicos teóricos de
uma possível descrição do universo real. Como Leningrado (como era então chamada a cidade
a densidade do universo é baixa, a solução de de de São Petersburgo). Nesse mesmo ano, realizou
Sitter era considerada como uma aproximação de um vôo de balão para estudar a alta atmosfera
densidade zero. que atingiu 7400 m, recorde soviético da época.
Pouco tempo depois contraiu tifo e faleceu, pre-
Essa era a situação em 1917, quando a recém
cocemente, aos 37 anos.
criada teoria da relatividade geral ainda não era
muito aceita. A relatividade geral ganhou noto- Apesar de haver publicado seu hoje famoso ar-
riedade internacional somente após os resultados tigo de 1922 na prestigiosa revista Zeitschrift fur
de medidas do desvio da luz, observadas durante Physik, o trabalho de Friedmann não recebeu a
o eclipse solar de 1919 pelas expedições britâni- devida atenção. Nesse artigo em que conside-
cas à ilha de Príncipe (Guiné ) e Sobral (Brasil). rou espaços com curvatura constante e positiva,
Como vimos, nessa época a existência de galá- Friedmann obteve pela primeira vez soluções ex-
xias ainda não era conhecida. Estas só foram pansionistas (com e sem constante cosmológica)
descobertas com Hubble, um pouco mais tarde, das equações de Einstein. É curioso que Edding-
em 1923. Sabia-se que a velocidade típica de es- ton, em suas palavras reproduzidas no início deste
trelas é baixa e este fato sustentava a idéia de um texto, não tenha se referido a ele. É difícil en-
universo estático. É interessante salientar que, tender essa omissão. Alguns autores atribuem o
não apenas Einstein, como também de Sitter não pouco interesse despertado, à época, ao traba-
acreditavam então em um universo em expansão. lho de Friedmann à abordagem eminentemente
matemática por ele empregada nesse artigo e no
A possibilidade teórica de um universo em ex-
seguinte, publicado em 1924 na mesma revista,
pansão só surgiu em 1922 com Friedmann. Fi-
onde ele analisa as soluções com curvatura espa-
lho de artistas (o pai era bailarino e a mãe pro-
cial constante e negativa. De fato, nesses tra-
fessora de piano), Alexander Alexandrovich Fri-
balhos ele extraiu poucas consequências físicas
edmann, nasceu em 16 de junho de 1888 na ci-
de suas soluções. Por exemplo, em nenhum mo-
dade de São Petersburgo e desde cedo mostrou
mento ele fez referência à questão do desvio para
um grande talento para a matemática. Em 1906,
o vermelho, que é uma propriedade fundamental
ele ingressou na Universidade de São Petersburgo
desses modelos. Friedmann, ao que parece, estava
para estudar matemática pura e aplicada. Nesse
mais interessado em obter soluções expansionis-
mesmo ano publicou seu primeiro trabalho cien-
tas que generalizassem as soluções de Einstein e
tífico com Jacob Tamarkin, conhecido matemá-
de de Sitter. Não devemos, contudo, deixar de en-
tico russo-americano, seu amigo e colaborador.
fatizar a enorme e fundamental contribuição dada
Após formar-se, iniciou uma pós-graduação em
por ele à cosmologia. Einstein após 1930, quando
meteorologia em Leipzig (Alemanha). Durante
finalmente aceitou a idéia de que o Universo está
a Primeira Guerra Mundial serviu na Força Aé-
em expansão, sempre citou os trabalhos de 1922
rea e esteve envolvido em missões na frenta aus-
e 1924 de Friedmann.
tríaca. Após a guerra foi transferido para a Esta-
ção Aeronáutica Central de Kiev e um ano depois Sem dúvida Friedmann foi um pioneiro, sendo
conseguiu uma posição na Universidade de Perm. um dos pais da cosmologia moderna. Ele foi
Nessa época a Rússia estava mergulhada em uma um cientista que sugeriu novos caminhos e idéias,
guerra civil. Em 1920, quando a revolução russa alargando de forma fundamental nossa visão so-
ainda não havia terminado, ele retornou à São bre o Universo. Em seu trabalho de 1922, foi
Petersburgo para trabalhar em hidrodinâmica no quem pela primeira vez considerou a possibili-
Observatório Geofísico de Main. Foi nesse pe- dade de um universo em expansão. Foi ele tam-
ríodo que surgiu o seu interesse pela relatividade bém quem pela primeira vez, em seu trabalho de
geral (que devido à guerra e à revolução era pouco 1924, considerou a possibilidade de um universo
com um volume infinito. É interessante que a sica das partículas elementares e campos. Em sua
possibilidade de um universo em expansão tenha linha de pesquisa atual busca entender a natureza
sido questionada por Einstein. Einstein rejeitava da matéria e da energia escura.
a idéia de um universo em expansão e chegou a
publicar uma nota, em 1922, onde afirma que o Referências
trabalho de Friedmann estava matematicamente
incorreto. Contudo, um ano depois admitiu seu [1] V. F. P. de Andrade e O. F. Júnior, Via lác-
erro e reconheceu a existência de soluções variá- tea: ilha isolada? A Via Láctea e as nebu-
veis no tempo, como sugerido no trabalho de Fri- losas espirais numa reportagem da Popular
edmann, sem contudo reconhecer, então, sua re- Science, 1922, Cadernos de Astronomia 2(1),
levância. 79 (2021).
O universo descrito pelo modelo de Friedmann,
[2] I. Waga, A expansão do universo, Revista
além de expansionista, é espacialmente homogê-
Brasileira de Ensino de Física 22(2), 163
neo, isotrópico em relação a qualquer ponto e, em
(2000).
alguns casos, possui uma origem no passado em
que a densidade da matéria diverge. Esse modelo [3] I. Waga, Cem anos de descobertas em cosmo-
tornou-se a base do modelo padrão da cosmologia. logia e novos desafios para o século XXI, Re-
Friedmann contraiu tifo em agosto de 1925 e fa- vista Brasileira de Ensino de Física 27(1), 157
leceu um mês depois em 16 de setembro de 1925 (2005).
aos 37 anos. É lamentável que a morte prema-
tura de Friedmann nos tenha privado de novas e [4] A. Belenkiy, Alexander Friedmann and the
importantes contribuições que ele provavelmente origins of modern cosmology, Physics Today
faria ao desenvolvimento da cosmologia. 65(10), 38 (2012).
Finalizamos este texto reproduzindo as pala-
vras de Ekaterina Petrovna Dorofeyeva, primeira [5] A. A. Friedmann, Papers On Curved Spaces
esposa de Friedmann, que assim o descreveu em and Cosmology (Minkowski Institute Press,
suas memórias: “Sempre pronto a aprender com Montreal, 2014).
todos que sabiam mais do que ele, percebeu que [6] H. Kragh e R. W. Smith, Who discovered
em seu trabalho estava abrindo novos caminhos, the expanding universe?, History of Science
difíceis e inexplorados por qualquer um”. Ele 41(2), 141 (2003).
gostava de citar as seguintes palavras de Dante:
“L’acqua ch’io prendo giammai non si corse” (As [7] J. J. O’Connor e E. F. Robertson,
águas em que estou entrando ninguém jamais cru- Aleksandr Aleksandrovich Friedmann,
zou). MT MacTutor (1997). Disponível em
https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/
Biographies/Friedmann/, acesso em jan. de
Sobre o autor 2022.
Ioav Waga (ioav@if.ufrj.br) possui Graduação [8] E. A. Tropp, V. Ya. Frenkel e A. D. Cher-
em Física pela Pontifícia Universidade Católica nin, Alexander A. Friedmann: The Man Who
do Rio de Janeiro (1975), Mestrado em Física Made The Universe Expand (Cambridge Uni-
pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1983) versity Press, Nova York, 1993).
e Doutorado em Física pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (1988). É professor titular, co- [9] H. Nussbaumer e L. Bieri, Discovering the
laborador e aposentado da Universidade Federal Expanding Universe (Cambridge University
do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Press, Nova York, 2009).
física, com ênfase em cosmologia, gravitação e fí-
Resumo
Uma das grandes conquistas intelectuais ao longo do século passado foi a incorporação da cosmologia – até
então área de estudo marginalizada por suas vinculações com a metafísica e a teologia – ao conjunto das
ciências naturais – em particular, à física e à astronomia. Neste artigo, apresentamos, em termos gerais e com
linguagem apropriada ao grande público, uma das primeiras conquistas marcantes da cosmologia: a ideia de
que o Universo está em expansão, a qual foi rejeitada inicialmente por aquele que é visto como criador da
versão moderna desse campo, Albert Einstein. Apesar de parte da comunidade de cosmólogos à época ter
visto com desconfiança ou mesmo rejeitado a visão de um universo em expansão, essa ideia foi confirmada
observacionalmente pela astronomia ainda na década de 1920.
Abstract
One of the greatest intellectual achievements throughout the last century was the incorporation of Cosmology –
by that time, a marginalized area due to its relation to metaphysics and theology – to the set of natural sciences
– in particular, physics and astronomy. In this article, we present, in general terms and in a lay-person language,
one of the first great achievements of cosmology: the idea that the universe is expanding, which was initially
rejected by the one who is seen as the creator of that field, Albert Einstein. Although part of the community
of cosmologists during those times usually distrusted or even rejected the view of an expanding universe, this
idea was confirmed on an observational basis by Astronomy during the decade of the 20s.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.36680
A década de 1920 é marcada por dois aspec- obtidas, nem sempre eram confrontadas com a
tos importantes para a história da cosmologia. O realidade, para ver se eram plausíveis. Portanto,
primeiro deles, fortemente ligado à comunidade muitos desses modelos foram considerados apenas
de astrônomos e a seus resultados observacionais, abstrações matemáticas interessantes – ou esteti-
permitiu que, pouco a pouco, fosse sendo cons- camente horrorosas, para alguns.
truída a noção de que o universo era bem mais
Talvez, o interesse de físicos teóricos e matemá-
do que a Via Láctea. E que ele está em expan-
ticos tenha a ver com o grau de complexidade da
são, uma das maiores descobertas científicas da
teoria da relatividade para astrônomos e físicos
humanidade.
em geral. Mas foram astrônomos, como o ho-
landês Willem de Sitter (1872-1934) e o britânico
A segunda dessas correntes tem a ver com o
Arthur S. Eddington (1882-1944), que adaptaram
envolvimento de teóricos – grande parte, mate-
a relatividade geral para a astronomia. Este úl-
máticos – com a relatividade geral. Desse inte-
timo foi responsável por um relatório de 1918 con-
resse surgiram vários modelos, muitos deles sem
siderado muito completo, assim como por um tipo
que os autores tivessem a menor preocupação com
de revisão (1923) que Einstein classificou como
uma base física, real, para os cenários que brota-
uma “excelente apresentação” da teoria.
vam da resolução daquele conjunto de 10 equa-
ções da relatividade geral. Era um tipo de teoria A partir da segunda metade da década de 1910,
pela teoria, na busca de soluções que, uma vez aos poucos, os dados observacionais astronômicos
permitiram localizar a posição do Sol em rela- tinha pouco contribuído para isso.
ção à nossa galáxia. De um posicionamento que Quase concomitantemente com o artigo de
se acreditava central, nossa estrela foi deslocada Einstein de 1917 – no qual se encontram as ba-
para longe desse ponto. ses da cosmologia moderna –, de Sitter publicou
E, concomitantemente, começaram a ser esta- seu modelo cósmico com base na relatividade ge-
belecidos objetos cósmicos cuja luminosidade po- ral, ou seja, achou outras soluções para o con-
deria servir com um tipo de “régua” para medir junto de 10 equações da relatividade. E, de certa
distâncias com precisão – operação que sempre se forma, esses resultados surpreenderam Einstein,
mostrou muito difícil para os astrônomos. Uma pelo fato de o cenário apresentado não parecer
dessas estruturas eram as chamadas estrelas ce- ter muitos vínculos com a realidade – pelo menos,
feidas, objetos de grande massa cuja luminosi- com aquela em que Einstein acreditava à época.
dade varia em períodos de tempo bem definidos. Willem de Sitter apresentou três modelos (ou
Nessa busca por uma “vela-padrão” – que progre- soluções das equações). Um deles chamou mais
diu bastante na década de 1910 –, vale destacar a atenção, por descrever um universo sem maté-
o trabalho da astrônoma norte-americana Henri- ria, mas com constante cosmológica diferente de
etta Leavitt (1868-1921). zero. Traduzindo: um universo exótico, vazio, em
Os avanços do início século passado – incluindo que o espaço-tempo se expandia. Além da expan-
o próprio tamanho da Via Láctea – impulsiona- são, outro dissabor para Einstein: o princípio de
ram o desenvolvimento da astronomia e, conse- Mach parecia não valer no universo de seu colega
quentemente, da cosmologia. A análise da luz astrofísico. Em termos simples, esse princípio (ou
emitida por nebulosas indicava que elas deveriam conjectura) alega que as leis da física são determi-
estar em movimento em relação ao sistema solar nadas pela estrutura do universo em larga escala.
(ou Terra). E isso semeou a desconfiança de que Para historiadores da área, como o dina-
não poderiam ser parte da Via Láctea. Com isso, marquês Helge Kragh, a cosmologia do século
voltou de forma intensa o debate sobre se nossa passado orbitou em torno de um só tema: en-
galáxia seria muito maior do que se acreditava ou tender os universos de Einstein e de Sitter, bem
se era apenas parte de um universo formado por como as posteriores variações desses modelos.
“ilhas” semelhantes. Certa vez, perguntado se o espaço-tempo do
universo de de Sitter não contrariaria a teoria
Os principais protagonistas nesse debate foram
da relatividade restrita – pelo fato de o espaço-
os astrônomos norte-americanos Halow Shapley
tempo, com a expansão acelerada, ter que ne-
(1885-1972) e Herber Curtis (1872-1942). Vale
cessariamente ultrapassar a velocidade da luz –,
lembrar que, na década de 1920, os principais te-
Einstein simplesmente respondeu que o espaço-
lescópios ópticos estavam instalados em território
tempo “não é uma coisa”, isto é, o limite da velo-
norte-americano, fazendo com que os astrônomos
cidade da luz só vale para corpos com massa.
desse país fossem os mais capacitados para obser-
Parece uma resposta simples, mas, do ponto de
var o céu.
vista filosófico, a discussão sobre a materialidade
Os resultados experimentais da década se- (ou não) do espaço-tempo arrastou-se pelo século
guinte mostraram, por exemplo, que a então cha- e até hoje é motivo de dúvida e discussão entre
mada Nebulosa de Andrômeda estaria a mais de astrofísicos e filósofos. Einstein reafirmou várias
1,5 milhão de anos-luz da Terra – um ano-luz vezes, ao longo da vida, sua crença na imateriali-
equivale a cerca de 9,5 trilhões de km. Anterior- dade do espaço-tempo.1
mente, a distância até Andrômeda - que, hoje, sa-
Os modelos de de Sitter se juntariam àque-
bemos ser outra galáxia – era estimada em apro-
les que brotariam da relatividade geral com base
ximadamente 900 mil anos-luz.
meramente na solução matemática das equações,
Esses dados fizeram com que grande parte da sem muita preocupação com o contato com a as-
comunidade de astrônomos passasse a tender à tronomia observacional. E isso, de certa forma,
hipótese dos universos-ilha, ou seja, a Via Lác-
1
tea era apenas mais um “universo” dentro de algo Esse é um tema que ainda provoca discussões que al-
cançam o domínio da filosofia da ciência. Um filósofo atual
muito maior. E as nebulosas espirais reforçavam que se interessa muito por essa questão é o australiano
essa tendência. Essa corrente estava fortemente John D. Norton, professor na Universidade de Pittsburgh
baseada nas observações astronômicas, e a física (EUA).
reforçava a resistência da comunidade astronô- tividade para situações extremas – como as da-
mica em relação à cosmologia. quele então suposto início do universo. Einstein,
Nessa linha, vale destacar os resultados obti- depois de certa resistência, aceitou o modelo de
dos, no início da década de 1920, por Alexander Lemaître. Já de Sitter nunca o fez.
Friedmann (1888-1925). Neles, esse matemático e Após sua chegada aos EUA, em 1933, Einstein
meteorologista russo detalhava, com base em uma publicaria seu último artigo sobre cosmologia. A
métrica desenvolvida por ele, modelos de univer- partir daí, enfatizaria outro programa científico
sos que se expandiam ou se contraíam. A dife- (a unificação da gravitação com o eletromagne-
rença essencial com o modelo de de Sitter era a tismo) e abraçaria causas como paz mundial, de-
ausência da constante cosmológica. Para muitos, fesa das liberdades individuais e luta contra o ra-
essa dinâmica do universo (contração ou expan- cismo nos EUA.
são) não seria nem mesmo passível de observação Ao tomar conhecimento dos resultados de Hub-
– mas, em breve, a história mostraria que essa era ble, Einstein abriu mão do termo matemático – a
uma conclusão precipitada. sua famosa constante cosmológica, ⇤ (lambda) –
Einstein atacou vigorosamente esses modelos, que havia incluído à força em suas equações, com
com argumentos equivocados. Os resultados de o intuito de “frear” o universo. Classificou, assim,
Friedmann – surgidos em um período em que o a constante cosmológica como “o maior erro” de
universo era praticamente limitado à Via Láctea e sua carreira. Desde 1919, ele já dizia que a inclu-
estático – foram publicados em uma revista sovié- são dessa constante era prejudicial para a “beleza”
tica (portanto, em russo) e não chamariam a aten- da relatividade geral. Para ele, no entanto, três
ção da comunidade científica prontamente. Não pontos eram importantes em seu modelo cosmo-
tiveram à época grande repercussão, para além lógico de 1917: i) a curvatura do espaço-tempo
das críticas de Einstein. ser positiva; ii) ser consistente com aquilo que
Na década de 1920, dois resultados do as- pregava a relatividade geral; iii) ser consistente
trônomo norte-americano Edwin Hubble (1889- com o princípio de Mach.
1953) ganhariam a atenção não só das comunida- Lemaître tentou convencer Einstein da necessi-
des de astrônomos, mas também do grande pú- dade da constante cosmológica – da qual, agora, o
blico: i) a descoberta, em 1923, de que o universo autor da relatividade geral tentava se livrar. Para
era muito mais do que simplesmente a Via Lác- o padre belga, esse parâmetro deveria ser posi-
tea; ii) que o universo estava em expansão (1929). tivo, ou seja, descreveria um universo que não só
Nota importante: Hubble nunca acreditou neste se expandia, mas faria isso de forma acelerada –
segundo resultado seu. E nunca afirmou isso em essa ideia seria a conclusão mais plausível de um
seus artigos ou relatórios. dos resultados astrofísicos mais importantes do
A expansão do universo de de Sitter – um dos fim da década de 1990, o qual aventou a cons-
poucos físicos que conheciam bem a teoria da re- tante cosmológica para explicar essa aceleração.
latividade fora da Alemanha – foi levada a sério Einstein se referiu a seu modelo cosmológico
por Georges Lemaître (1894-1966). Em 1927, esse como um “castelo imponente” construído no ar.
padre belga formulou o modelo de um universo Mais: ele acreditava que seu modelo era o único
que não só se expandia, mas também tivera um possível. Portanto, os desdobramentos seguintes
início, denominado por ele “átomo primordial”. – os do próprio de Sitter e, anos depois, os de Fri-
Para a estranheza e antipatia de colegas, a con- edmann – o deixariam não só surpreso, mas tam-
clusão reforçava um argumento teológico: “No bém cético. Daí, ele ter classificado o modelo do
princípio, Deus criou os céus e a Terra”. Ou- colega holandês como uma “brincadeira” – mais
tra antipatia: o fato de universo ter uma idade especificamente, um modelo-brinquedo, ou seja,
finita, algo que era difícil de digerir para grande sem vínculos com a realidade.
parte da comunidade de astrônomos e astrofísicos Por sua vez, a lei de Hubble, como ficou conhe-
– e mesmo cosmólogos. Adjetivos usados à época cida, estabelece que a velocidade de afastamento
para expressar esse dessabor: “dogmatismo”, “fi- de um corpo cósmico é proporcional à distância
losófico” e “monstruoso”. dele de certo referencial (ou sistema de referên-
A primeira reação de Einstein foi a de sempre: cia). Matematicamente, é uma lei muito simples.
desconfiança em extrapolar as equações da rela- Essa constante, em termos básicos, relaciona a
velocidade de afastamento de um corpo cósmico poucos” na década de 1920, não só por sua com-
(galáxia, por exemplo) com a distância em que plexidade matemática e o fato de ela ter sido cri-
ela se encontra de certo referencial (a Terra, por ada por um ícone como Einstein, mas também
exemplo). porque a nova geração de físicos que despontavam
A constante de Hubble dá a proporcionalidade naquela década via na recém-criada – e, portanto,
entre essas duas grandezas (velocidade de afas- ainda aberta, com fronteiras a serem desbravadas
tamento e distância), o que pode ser entendido – mecânica quântica o caminho mais curto para
assim: quanto mais longe uma galáxia estiver da uma carreira acadêmica bem-sucedida – e para o
Terra, maior será a velocidade de afastamento Nobel.
dela de nós. A relatividade geral ficou, portanto, restrita a
Nas duas ou três primeiras décadas, ela foi me- parte da comunidade. Ao longo das décadas (com
dida com certa imprecisão. Havia muita varia- mais ênfase a partir da década de 1940), foi, aos
ção – chegava a 100% – entre os valores propos- poucos, sugada pelo ostracismo, para ser alçada
tos, e isso provocou problemas na interpretação a tema significativo apenas a partir da década
dos fenômenos cósmicos, debates acalorados – afi- de 1960. Curiosamente (ou ironicamente), foi um
nal, era uma grandeza importante para entender matemático – no caso, o britânico Roger Penrose2
o mais novo comportamento do universo. Tudo – que contribuiu significativamente para a reto-
isso teve efeitos significativos na aceitação ou não mada da relatividade geral como área de pesquisa
de certos modelos. naquela década.
Só a partir da década de 1960, essa constante Nesse contexto, vale dizer que o primeiro li-
passou a ser medida de modo mais confiável, gra- vro sobre relatividade de um pesquisador norte-
ças aos avanços tecnológicos da instrumentação americano foi publicado cerca de 20 anos depois
científica voltada à astrofísica – mas controvér- da formulação dessa teoria: Relativity, thermody-
sias sobre seu valor exato persistem até hoje. namics, and cosmology, (1932), de Richard C.
Hubble, em 1927, determinou um valor de 500 Tolman (1881-1948), o que, de certa forma, mos-
km/s por megaparsec – lembrando que cada me- tra como, ao longo de meados da década de 1920
gaparsec equivale a 3,26 milhões de anos-luz. De e na década seguinte, esse tema de pesquisa não
lá para cá, esse valor foi sendo reduzido, mas os era muito popular na comunidade de astrônomos,
debates em torno dele só se aqueciam. Hoje, se físicos e astrofísicos.
aceita um número quase dez vezes menor, algo Alguns desses modelos feitos por matemáticos
em torno de 70 km/s por megaparsec. Isso quer apontavam para um universo dinâmico, em evolu-
dizer: uma galáxia a 1 megaparsec de distância ção. Esse é o caso do artigo de Lanczos, publicado
da Terra se afasta de nosso planeta com veloci- em 1922. Na década de 1920, relativistas propu-
dade de 70 km/s; uma que esteja a 2 megaparsecs seram juntar os modelos de Einstein com o de de
terá velocidade de afastamento de 140 km/s. E Sitter, em um tipo de “melhor dos mundos”. A
assim por diante. contribuição do primeiro seria a de um universo
preenchido com matéria (afinal, é mais do que
O modelo de de Sitter e Friedmann atraiu a
evidente de que ela está lá); a do segundo, daria
atenção de matemáticos, como o dos alemães
conta da explicação do desvio para o vermelho
Felix Klein (1849-1925) e Herman Weyl (1885-
das galáxias espirais.
1955), bem como do italiano Tullio Levi-Civita
(1873-1941), do francês Émile Borel (1871-1956), Foi Lemaître, em 1925, que sugeriu que o des-
do britânico Alfred N. Whitehead (1861-1947) e vio para o vermelho observado na luz das galáxias
do húngaro Cornelius Lanczos (1893-1974). De espirais fosse interpretado como efeito Doppler.
certa forma, essa aventura dos matemáticos no Apresentado publicamente em 1842 pelo aus-
reino da relatividade geral ajudou a aumentar a tríaco Christian Doppler (1803-1853), esse fenô-
áurea em relação à complexidade e à abstração da meno, por exemplo, faz com que o som de uma
teoria. Muitos desses pesquisadores introduziram sirene fique mais agudo quando o veículo está se
elementos filosóficos ao tratamento matemático aproximando de nós e mais grave quando ele se
da relatividade geral – a exemplo de Whitehead afasta.
e Borel. 2
Penrose foi agraciado com o prêmio Nobel de Física
A relatividade geral era tema considerado “para em 2020, por seus resultados sobre buracos negros.
Para nossos propósitos aqui, podemos dizer que expande, se contrai, volta à condição de átomo
algo semelhante ocorre com a luz: uma galáxia primordial, se expande, se contrai. . . Como um
que está se afastando da Terra tem sua luz li- tipo de fênix. Para muitos – refletindo as críticas
geiramente alterada para a cor vermelha – se ela que astrônomos faziam dos modelos da década
estivesse se aproximando, essa mudança seria ao de 1920 –, os resultados de Lemaître eram ape-
azul. Essa conclusão importante de Lemaître foi, nas abstrações matemáticas sobre o universo –
no entanto, publicada em um periódico pouco co- com uma dose de teologia. No entanto, para o
nhecido, o Annales de la Sociéte Scientifique de próprio Lemaître, sua ciência não tinha relevân-
Bruxelles (Bélgica). cia teológica. Sua ênfase estava na física e não na
Aspecto importante sobre o modelo de Lemaî- matemática de seus modelos.
tre é que a inspiração para ele nem veio da relati- Quanto à expansão, é preciso lembrar que, en-
vidade geral, nem da astronomia – e também não tre 1922 e 1924, Friedmann discutiu universos que
da teologia, como muitos acreditam. Veio, sim, se expandiam, se contraíam ou oscilavam. E cujas
da mecânica quântica e do entendimento dessa idades estavam também na casa das dezenas de
teoria sobre a radioatividade – daí, o tal “átomo bilhões de anos. Esse matemático russo também
primordial” ter iniciado sua desintegração (ou de- mostrou que Einstein e de Sitter esgotaram todas
caimento) por meio desse fenômeno nuclear. as possibilidades para universos estacionários.4
Outro fenômeno que esse padre belga usou da Algo interessante sobre Friedmann – e, talvez,
teoria quântica foi o indeterminismo, cuja essên- ligado ao fato de ele ser matemático: ele não en-
cia Einstein já havia previsto em artigo na se- fatizou a relação de suas conclusões com a reali-
gunda metade da década de 1910, ao estudar o dade. Ou seja, não defendeu que o universo esti-
fenômeno (emissão estimulada) que estaria, 40 vesse realmente em expansão; ele apenas discutiu
anos depois, na base do desenvolvimento do la- a questão como uma das possibilidades dos vá-
ser. rios modelos matemáticos que apresentou. Isso,
Em resumo: o átomo primordial de Lemaître de certo modo, nos faz lembrar Hubble, que nunca
se desintegraria por meio de um decaimento ra- defendeu, em seu artigo de 1929, um universo
dioativo, e isso não poderia ser determinado com em expansão – curiosamente, os livros didáticos
precisão, o que, de certo modo, evitou as suposi- e históricos apontam esse norte-americano como
ções de Immanuel Kant (1724-1804) sobre a im- o “pai” da expansão do universo. Até 1930, Eins-
possibilidade de dar uma causa para o início do tein também não acreditava na expansão, mesmo
universo. depois de conhecer os resultados de Lemaître.
Inspirado pelo modelo de de Sitter, Lemaître Hubble achou que aquilo que havia observado
publicaria, em 1927, seu resultado mais impor- – o deslocamento para o vermelho da luz de galá-
tante: o universo está em expansão, tem uma xias – poderia ser explicado por outros motivos.
idade por volta de 10 bilhões de anos e um ta- Um deles seria a interferência da poeira interes-
manho por volta de 3 mil megaparsec. Ele fez telar nessa luz.
ainda uma afirmação corajosa: se o universo está Friedmann, no entanto, foi pioneiro em mostrar
em expansão, isso significa que, no passado, ele que a relatividade geral oferecia outras possibili-
foi menor e menor. A conclusão final era a de dades, além daquela em que o universo permanece
que, em um momento remoto, toda a massa do estático. Outra das ironias que marcam a histó-
universo deveria estar reunida em um “ponto” (o ria da cosmologia: em 1930, Eddington mostrou
tal “átomo primordial”), ideia questionada atual- que o universo “estático” de Einstein era instável,
mente.3 Essa afirmação causou polêmica e fez pois, caso sofresse qualquer perturbação, ele se
com que críticos se manifestassem – entre eles, contrairia ou se expandiria.
Einstein. Em 1931, Einstein abriria mão da constante
cosmológica e, no ano seguinte, publicaria, com
Lemaître também tinha simpatia por uma
de Sitter, um modelo em que o universo, além
classe especial de modelos cíclicos, os “explosivos”,
de aberto, tinha curvatura do espaço e constante
ou seja, aqueles em que o universo “explode”, se
4
Friedmann, apesar da originalidade e radicalidade de
3
Agradecemos ao árbitro do artigo que nos chamou a suas ideias pioneiras, não pôde perceber os limites ma-
atenção para o fato de que, mesmo com a densidade di- temáticos destas últimas. Assim, sabe-se hoje que suas
vergindo, o universo com seção plana continua infinito. soluções são casos particulares de outras mais gerais.
cosmológica nulas. Certamente, algo que não ti- a atenção dos especialistas à época para os resul-
nha muito vínculo com o que já se conhecia do tados de Friedmann do início da década de 1920.
cosmo naquele momento. Em meados da década de 1930, a cosmologia
Aquele início da década de 1930 ficaria carac- era uma área de pesquisa praticada internacio-
terizado pela aceitação da expansão do universo, nalmente, tanto na Europa (Alemanha, Bélgica,
fenômeno que foi, à época, popularizado por li- Holanda) quanto na União Soviética e nos EUA.
vros de divulgação científica. Dois desses clássi- Se ela era propriamente uma ciência, permanecia
cos são The mysterious universe (O universo mis- questionável para alguns. E seus avanços ainda
terioso), de 1930, do astrofísico britânico James se davam um pouco “aos trancos” e por trajetó-
Jeans (1877-1946), e The expanding universe (O rias “curvas”, com retornos sucessivos a pontos
universo em expansão), de Eddington (1933). que essa área havia abandonado.
De um ponto de vista certamente anacrônico, a A década de 1930 foi, para a cosmologia, um
descoberta e a aceitação de que o universo estava tanto quanto confusa, com a agravante de que a
em expansão foi marco significativo na história metafísica estaria novamente presente nos deba-
da cosmologia, o qual se junta ao modelo cosmo- tes e modelos, mas sempre evitando o tema rela-
lógico de Einstein, de 1917. O terceiro – perso- cionado à idade do universo – a aceitação de que
nalizado na forma da descoberta, por acaso, da o universo se expandia não levou à aceitação de
radiação cósmica de fundo – teria que esperar dé- que ele deveria ter uma origem temporal, o que
cadas e daria impulso à cosmologia observacional soa paradoxal, certamente.
e corroboraria, para grande parte da comunidade Na verdade, nas primeiras três décadas do sé-
científica, o modelo que até hoje é o mais aceito, culo passado, a idade do universo não era uma
o Big Bang. questão muito discutida entre cosmólogos, astro-
físicos e astrônomos – era quase um tabu. Tam-
Os modelos que surgiram ao longo da década
bém permaneceriam em aberto questões sobre a
de 1920 foram marcados não só por grande mate-
finitude (ou não) espacial.
matização e geometrização do universo, mas tam-
Mas foi na década de 1930 que começaria, com
bém por um afastamento dos elementos metafí-
mais intensidade, a aliança da cosmologia com
sicos que caracterizaram a cosmologia até o sé-
a astronomia observacional. Apesar de contur-
culo 19 – talvez, uma das exceções tenham sido
bada, foi dessa associação que surgiram os ali-
as leituras equivocadas (teológicas) feitas sobre o
cerces para grandes avanços no período após a
“átomo primordial” de Lemaître.
Segunda Guerra Mundial.
Foi ao longo da década de 1920 que surgiu o
tratamento matemático que permitiu descrever
universos isotrópicos (ou seja, sem uma direção Sobre os autores
privilegiada para as leis da física), com distribui-
ção homogênea de matéria e os quais ou se ex- Antonio Augusto Passos Videira
pandiam, ou se contraíam – por sinal, pressupos- (guto@cbpf.br) é Doutor em Filosofia da
tos até hoje empregados em modelos cosmológi- Ciência pela Universidade de Paris VII (Denis
cos denominados universo oscilante (ou bouncing Diderot). É professor titular da UERJ, além
universe). de professor no Programa de Ensino e História
da Matemática da UFRJ. Professor convidado
O ferramental teórico que permitiu esses avan-
no Instituto de Biofísica (UFRJ) e pesquisador
ços é denominado métrica de Robertson, referên-
colaborador no CBPF.
cia ao matemático norte-americano Howard Ro-
Cássio Leite Vieira (cleitevieira@gmail.com) é
bertson (1903-1961), cujas ideias foram amplia-
Doutor em História da Ciência pela UFRJ, jor-
das na década seguinte. Robertson deu início a
nalista freelancer especializado na cobertura de
uma ferramenta matemática que permitiu satisfa-
ciências exatas e historiador da física.
zer o princípio cosmológico – ou seja, em escalas
suficientemente grandes, as leis do universo são
as mesmas para todos os observadores, indepen-
Referências
dentemente de quem eles sejam e onde estejam.
Vale ressaltar que foram seus trabalhos iniciais, [1] C. Smeenk, Einstein’s Role in the Creation
juntamente com os de Lemaître, que chamaram of Relativistic Cosmology, in The Cambridge
Companion to Einstein, editado por M. Jans- [4] H. Kragh, The controversial universe: a histo-
sen e C. Lehner (Cambridge University Press, rical perspective on the scientific status of cos-
2014), Cambridge Companions to Philosophy, mology, Physics and Philosophy, 008 (2007).
228–269.
Resumo
Nesta nota, apresentamos brevemente os principais fatos da biografia de Alexander Friedmann, o matemático
e físico russo que previu a expansão do Universo há cem anos. O papel desta previsão para a ciência moderna
e para nossa imagem do mundo é discutido com uma ênfase na mudança radical em nossos conceitos básicos
introduzidos pela previsão de Friedmann e sua confirmação experimental.
Abstract
In this note, we briefly present the main facts from the biography of Alexander Friedmann, the Russian mathe-
matician and physicist who predicted the expansion of the Universe one hundred years ago. The role of this
prediction for modern science and for our picture of the World is discussed with a stress on the radical change
in our basic concepts introduced by Friedmann’s prediction and its experimental confirmation.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37440
O mistério do céu noturno coberto por estrelas delo cosmológico criado por Einstein no arca-
sempre atraiu a atenção dos povos. Este mistério bouço da sua teoria da relatividade geral com
foi uma das principais fontes para mitos, diferen- a inclusão da constante cosmológica fez algumas
tes religiões e conceitos filosóficos, e no período correções na visão de universo de Newton. De
antigo da história da humanidade pavimentou a acordo com Einstein, o universo tem um volume
explicação científica do universo. espacial finito. Ele nunca foi criado, nunca mor-
A primeira visão científica do universo foi for- rerá e contém um número finito de estrelas.
mulada por Ptolomeu no primeiro século da nossa Todas as visões de universo anteriores de Ptolo-
era. De acordo com Ptolomeu, a Terra localiza-se meu, Copérnico, Newton e Einstein são estáticas,
no centro do mundo orbitada pelos cinco plane- ou seja, independentes do tempo. Apenas Ale-
tas conhecidos na época, além da Lua e o Sol. O xander Friedmann, em 1922, fez uma mudança
sistema geocêntrico de Ptolomeu prevaleceu até conceitual importante em nossa visão de mundo
o século XVI quando foi substituído pelo sistema ao predizer que o universo poderia estar se ex-
heliocêntrico de Copérnico, Kepler e Galileu onde pandindo.
os cinco planetas orbitam o Sol enquanto a Lua Alexander Friedmann nasceu em São Peters-
orbita a Terra. Tanto a visão de universo de Pto- burgo, Rússia, em 16 de Junho de 1888, em uma
lomeu quanto de Copérnico admitiam que além família de artistas [1,2]. Seu pai, de mesmo nome
de Saturno havia o firmamento com as estrelas Alexander Friedmann, foi um compositor e ar-
fixas e estas não obedeciam as mesmas leis físicas tista do Balé do Teatro Imperial. Sua mãe, Lyud-
que os corpos na Terra. mila Voyachek, formou-se pianista pelo Conserva-
Na visão de universo de Newton, o firma- tório de São Petersburgo. Assim, nada indicava
mento foi substituído por um espaço infinita- que seu filho estudaria matemática e física e se
mente grande, homogêneo e isotrópico. De acordo tornaria um grande cientista. Em 1897, os pais
com Newton, o universo existia para sempre e de Alexander Friedmann se separaram e ele per-
contendo um número infinito de estrelas. O mo- maneceu com seu pai nos anos que se seguiram.
Neste mesmo ano, ele ingressou na "Segunda Es- Depois do início da Primeira Guerra Mundial
cola de São Petersburgo"que era uma das mais em agosto de 1914, Alexander Friedmann se vo-
antigas instituições de ensino da Rússia, contando luntariou para a aeronáutica do império russo.
com bons professores de matemática e física. Seus serviços no exército duraram por três anos.
Ainda enquanto aluno, em colaboração com seu Durante este período de sua vida, Alexander Fri-
colega de classe Yakov Tamarkin que posterior- edmann organizou o serviço aerológico, criou a
mente tornou-se um matemático famoso, Alexan- teoria de bombardeio e mostrou, em diversas si-
der Friedmann escreveu seu primeiro artigo dedi- tuações, exemplos de bravura e heroísmo, como
cado aos números de Bernoulli o qual foi publi- ao pessoalmente pilotar aeronaves e bombardear
cado em 1906 na revista Mathematische Annalen com sucesso as posições alemães em Przemyśl.
sob a recomendação de David Hilbert. As façanhas de Alexander Friedmann durante a
guerra foram premiadas com várias condecora-
Depois de sua graduação na "Segunda Es-
ções militares de alto nível, como por exemplo
cola"em 1906, com medalha de ouro, Alexander
pela condecoração “Georgiı̆ Cross”, uma das mais
Friedmann foi aceito no curso do Departamento
importantes condecorações militares do então im-
de Matemática na Faculdade de Física e Mate-
pério russo.
mática da Universidade de São Petersburgo. Du-
rante os seus anos universitários, Alexander Fri- Os últimos anos da vida de Alexander Fried-
edmann recebeu uma educação fundamental em mann, a partir de 1920 até 16 de Setembro de
diferentes áreas tanto da matemática quanto da 1925, quando ele morreu de forma trágica decor-
física, com brilhante desempenho. Seus resulta- rente de tifo aos 37 anos de idade, foram extre-
dos nos cursos sempre foram marcados pela ava- mamente produtivos. Durante estes anos, ele ob-
liação “excelente”. teve vários resultados científicos extraordinários
na área de meteorologia dinâmica (em 1925 ele
Em 1910, Alexander Friedmann graduou-se
tornou-se diretor do observatório geofísico da aca-
pelo Departamento de Matemática e permaneceu
demia russa de ciência), e também escreveu dois
nessa instituição para uma vaga de pesquisa na
artigos [3, 4] sobre a teoria da relatividade geral
pós-graduação e preparação para assumir o cargo
que tornou o seu nome imortal.1
de professor pelo mesmo departamento, sempre
sob a supervisão do famoso matemático Vladimir No primeiro destes artigos [3], Alexander Fried-
Steklov. Durante os anos 1910-1913, Alexander mann resolveu as equações de Einstein da teoria
Friedmann pesquisou vários problemas de física e da relatividade geral para o caso de um espaço ho-
matemática, publicou vários artigos e ministrou mogêneo e isotrópico com curvatura positiva. Di-
cursos para estudantes. Ele foi aprovado com ferentemente de Einstein, Alexander Friedmann
sucesso nos exames para grau de mestrado mas não fez nenhuma hipótese adicional e, em parti-
formalmente defendeu sua dissertação apenas em cular, não impôs a princípio que o universo fosse
1922 quando já era professor, inicialmente na Uni- estático. Ele se comportou como um matemá-
versidade de Perm (1918-1920) e posteriormente, tico, procurando verificar quais informações estão
de 1920 a 1925, no Instituto Politécnico de Petro- contidas nas equações fundamentais da teoria da
grado e no Instituto de Engenharia Férrea, ambos relatividade geral independente de nossas prefe-
da Universidade de Petrogrado (também conhe- rências. Einstein, havia incluído especificamente
cida com Universidade de São Petersburgo). o termo cosmológico nas suas equações com a fi-
nalidade de obter um universo estático. Mas, de
A partir de 1913 Alexander Friedmann iniciou acordo com o resultado de Alexander Friedmann,
seu trabalho no Observatório de Física de São mesmo na presença de uma constante cosmoló-
Petersburgo (posteriormente renomeado de Geo- gica, as equações de Einstein apresentam solu-
físico). Este trabalho revelou seu interesse por ções não-estáticas, enquanto as soluções estáticas
meteorologia, dinâmica, hidrodinâmica e aerodi- obtidas por Einstein são apenas um caso muito
nâmica temas nos quais obteve uma série de resul- particular. Em 1924, Alexander Friedmann pu-
tados fundamentais que são muito difundidos até blicou um resultado similar para o caso de um
hoje entre os especialistas da área. Uma parte
desses resultados foram obtidos durante sua es- 1
Nota do editor: o primeiro destes artigos, escrito em
tada na Universidade de Leipzig, Alemanha, na 1922, encontra-se traduzido na presente edição dos Cader-
primeira metade de 1914. nos de Astronomia.
espaço homogêneo e isotrópico com curvatura ne- Nota dos editores: O texto em português é uma
gativa [4]. tradução, realizada por Felipe Tovar Falciano,
Acima de tudo, Alexander Friedmann provou do texto original em inglês escrito especialmente
que, ao contrário das afirmações anteriores de para os Cadernos de Astronomia.
Einstein, existem soluções cosmológicas das equa-
ções da teoria da relatividade geral sem o termo
cosmológico e todas elas descrevem universos não- Sobre o autor
estáticos que se expandem ou se contraem com o
tempo. No início, Einstein não concordou com es- Vladimir M. Mostepanenko (vmos-
tes resultados e publicou uma nota [5] afirmando tepa@gmail.com) é professor na Universi-
que as soluções encontrados por Friedmann não dade Politécnica de São Petersburgo "Pedro o
satisfaziam as equações de campo. No entanto, Grande", Rússia, e é especialista em gravitação,
depois das explicações por escrito de Alexan- teoria quântica de campos e cosmologia. Pu-
der Friedmann, encaminhadas a ele pessoalmente blicou quase 200 artigos científicos e é também
pelo prof. Yu. A. Krutkov, Einstein publicou autor de livros científicos. Tem dado impor-
uma outra nota [6] onde reconheceu que suas crí- tante contribuições em problemas relacionados
ticas “eram baseadas em um erro nos cálculos”. a efeitos quânticos em gravitação e para os
Assim, de acordo com a previsão de Alexan- estudos do efeito Casimir. É um dos criadores e
der Friedmann, nosso universo não pode ser es- coordenadores dos Friedmann’s seminars, evento
tático mas deve estar em expansão. Esta previ- científico internacional que ocorre bi-anualmente
são foi confirmada experimentalmente, primeira- desde 1989.
mente em 1927 por Georges Lemaître [7] e depois,
em 1929, por Edwin Hubble [8], ambos utilizando
o desvio para o vermelho no espectro de galáxias Referências
distantes. Mais recentemente, esses resultados fo-
[1] V. Frenkel, Aleksandr Aleksandrovich Frid-
ram confirmados por Penzias e Wilson [9] que des-
man (Friedmann): a biographical essay, Sov.
cobriram, em 1964, a radiação cósmica de fundo
Phys. Usp 31(7), 645 (1988).
em micro-ondas, e por todos os desenvolvimentos
subsequentes da astrofísica relativística e cosmo- [2] E. A. Tropp, V. Y. Frenkel e A. D. Cher-
logia. nin, Alexander A. Friedmann: The man who
De volta ao início desta breve nota, podemos made the universe expand (Cambridge Uni-
concluir que a predição da expansão do universo versity Press, Nova York, 1993).
por Alexander Friedmann mudou completamente
nossa visão de mundo em comparação com a que [3] A. Friedmann, Über die krümmung des rau-
prevaleceu em todas as épocas anteriores. Lem- mes, Z. Physik 10, 377 (1922).
brando que o universo como um todo é o objeto
mais impressionante, misterioso e grandioso da [4] A. A. Friedmann, Über die möglichkeit einer
natureza, e que causa um imenso impacto tanto welt mit konstanter negativer krummung des
na vida humana quanto na filosofia humana, esta raumes, Z. Physik 21, 326 (1924).
descoberta coloca Alexander Friedmann em par [5] A. Einstein, Bemerkung zu der arbeit von A.
com os maiores cientistas da história da humani- Friedmann “Über die krümmung des raumes”,
dade. Z. Physik 11, 326 (1922).
[8] E. Hubble, A relation between distance and asurement of Excess Antenna Temperature
radial velocity among extra-galactic nebulae, at 4080 Mc/s., Astrophysical Journal 142,
Proceedings of the National Academy of Sci- 419 (1965).
ences 15(3), 168 (1929).
Resumo
A aplicação de supernovas do tipo Ia como velas padrão para a medida de distâncias no Universo revolucionou
a cosmologia na década de 90. A constatação de que supernovas distantes pareciam menos brilhantes do que o
esperado levou à construção da hipótese da expansão acelerada do Universo, atualmente parte fundamental do
modelo padrão da cosmologia. Neste artigo, iniciaremos com uma revisão dos principais marcos na descrição
de supernovas, desde a sua classificação moderna até a construção das hipóteses que levaram à concepção
dos levantamentos SCP e High-Z, cujos resultados foram as primeiras evidências da expansão acelerada. Em
seguida, apresentaremos a análise cosmológica realizada e os procedimentos para a padronização das curvas de
luz adotados. Descreveremos também os principais levantamentos de supernovas já conduzidos e as diferentes
amostras resultantes e finalizaremos comentando sobre os atuais desafios e perspectivas da área.
Abstract
The use of type Ia supernovae as standard candles to measure distances in the Universe has established a
turning point in cosmology in the end of the last century. The experimental fact that distant supernovae
appeared less bright than nearby ones, lead to the construction of the accelerated expansion model, currently
part of the standard cosmological model. In the present paper we will start by reviewing the main landmarks in
the application of type Ia supernovae in cosmology, from their modern classification to the construction of the
hypotheses behind the conception of the SCP and the High-Z surveys, which resulted in the first evidence for
the accelerated expansion. We will then present the procedure for light curve standardization, required for the
applicattion of these supernovae in cosmology, which will be followed by the description of the main supernova
surveys conducted so far and the resulting data samples. We will finish by commenting on the current main
challenges in the field and how future surveys can help overcoming them.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37130
100
sabemos que esses eventos não são rigorosamente
80 velas padrão, apresentando variações não despre-
zíveis nas suas luminosidades o que, consequen-
Transmissividade (%)
a colaboração High-Z Supernova Search, usando Os primeiros levantamentos do século XXI de-
uma amostra com 50 SN Ia, concluiu que q0 < 0, dicados exclusivamente à detecção de superno-
ou seja, a expansão é acelerada, com pouco mais vas do tipo Ia foram o Supernova Legacy Survey
de 99% de confiança [23]. No ano seguinte, a cola- (SNLS) [25] e o Equation of State: SupErNovae
boração Supernova Cosmology Project (SCP) ob- trace Cosmic Expansion (ESSENCE) [26], que in-
teve, de maneira independente e com uma amos- cluíam muitos membros das colaboraçãoes SCP e
tra diferente com 42 SN Ia, um resultado seme- High-Z respectivamente.
lhante [24]. O SNLS foi parte de um projeto maior cha-
O trabalho das colaborações SCP e High-Z se mado Canada-France-Hawaii Telescope Legacy
beneficiou enormemente dos resultados da cola- Survey (CFHTLS),4 realizado com o telescópio
boração Calán/Tololo supernova survey, que ge- Canada-France-Hawaii (CFHT) de 3,6 m de di-
rou uma amostra com cerca de 30 SN Ia próximas âmetro, no Havaí. Entre 2003 e 2006, o SNLS
(com desvio para o vermelho até z ⇠ 0.1) [12]. detectou ⇠ 250 supernovas do tipo Ia com z 1,
Essa amostra foi fundamental para a melhoria da ao observar periodicamente uma porção do céu
calibração das estimativas de distância de SN Ia correspondente a 20 vezes a área ocupada pela
e foi incluída na análise de ambos os grupos. Lua cheia, com 4 filtros de banda larga [19].
Observações periódicas de uma mesma região
do céu são fundamentais para a detecção de su-
4 Levantamentos de supernovas pernovas de qualquer tipo, de outros objetos de
brilho variável e até mesmo de objetos que se mo-
Os artigos originais das colaborações SCP e
vem, como asteroides. Isso porque a procura por
High-Z, no final da década de 90, analisaram
tais objetos é realizada através da comparação
amostras com um total de aproximadamente 60
de imagens do céu obtidas em diferentes noites,
supernovas do tipo Ia com desvios para o ver-
a fim de detectar alterações no brilho ou posição
melho de 0, 16 a 0, 97, o que corresponde a uma
dos objetos em cada uma delas.
faixa de distâncias de luminosidade de aproxima-
O SNLS realizou observações com periodici-
damente 770 Mpc a 6500 Mpc. Considerando que
dade (ou, como costumamos chamar, cadência)
o diâmetro do Grupo Local de galáxias é de ⇠ 3
de 3 a 4 dias. Já o levantamento ESSENCE, rea-
Mpc, e a distância até o aglomerado de Virgo, o
lizado com o telescópio Blanco, com 4 m de diâ-
maior da nossa vizinhança, é de ⇠ 20 Mpc, po-
metro, localizado no observatório CTIO no Chile,
demos vislumbrar o quão distantes estavam essas
utilizou 2 filtros de banda larga e realizou obser-
explosões.
vações do céu com uma cadência de 4 dias. Esse
A base de dados Transient Name Server,2 que
levantamento, que foi realizado entre 2002 e 2007,
é atualmente usada para registrar novos even-
detectou um total de ' 200 supernovas do tipo
tos transientes, contém quase 9000 supernovas do
Ia com z . 0, 8, em uma área aproximadamente
tipo Ia. De acordo com a base de dados Open
3 vezes maior do que o SNLS.
Supernova Catalog,3 [6] que se propõe a compi-
Com a descoberta de um número cada vez
lar supernovas de diferentes fontes, existem mais
maior de SN Ia, ao longo dos anos surgiu tam-
de 16000 supernovas do tipo Ia conhecidas, com
bém um esforço para a construção de amostras
desvios para o vermelho de até 2,2. No entanto,
unificadas de supernovas. De fato, supernovas
apenas aproximadamente 1/8 delas possui medi-
detectadas por diferentes telescópios passam por
das do espectro e 1/3 delas não possui medidas
processos de análise diferentes e podem apresen-
de espectro e nem da curva de luz.
tar diferentes níveis de qualidade. Portanto, não
De fato, após a descoberta da aceleração cós-
basta combinar os resultados dos diferentes le-
mica, foram iniciados diversos levantamentos com
vantamentos para formar uma amostra unificada,
o objetivo exclusivo de detectar supernovas do
mas é necessário refazer todas as análises utili-
tipo Ia. Além disso, a detecção desse tipo de
zando as mesmas ferramentas e seguindo os mes-
supernova passou a ocupar posição privilegiada
mos passos, uniformizando, assim, o resultado.
dentre os objetivos científicos dos grandes levan-
tamentos cosmológicos desde então. Em 2008 surgiu a amostra unificada de super-
novas do tipo Ia que ficou conhecida como Union,
2
https://www.wis-tns.org/
3 4
https://sne.space http://cfht.hawaii.edu/Science/CFHTLS
composta por 307 supernovas, com desvios para localizado no estado do Novo México, nos Esta-
o vermelho entre ⇠ 0, 01 e ⇠ 1, 55 [27]. Essas dos Unidos. O SDSS visitou, com cadência de
supernovas foram selecionadas dentre aquelas de- poucos dias, a chamada “faixa 82”, uma região do
tectadas pelos levantamentos SNLS, ESSENCE, céu próxima ao equador celeste, com área equiva-
SCP, dentre outros. Admitindo que o parâme- lente a 1500 vezes a área ocupada pela Lua cheia
tro w da equação de estado é constante, a análise no céu. Utilizando 5 filtros de banda larga, de-
cosmológica da amostra Union, combinada com tectou, entre 2005 e 2008, aproximadamente 500
os resultados provenientes de oscilações acústicas supernovas do tipo Ia com 0, 05 < z < 0, 4, espec-
de bárions (BAO, do inglês Baryon Acoustic Os- troscopicamente confirmadas, além de mais algu-
cillations) e radiação cósmica de fundo (CMB, do mas centenas de supernovas desse tipo que não
inglês Cosmic Microwave Background ), resultam foram observadas através de espectroscopia [30].
em w = 0, 969, com incertezas devido a erros A combinação das amostras de SN Ia detec-
estatísticos e sistemáticos de valores muito próxi- tadas pelo SDSS e pelo SNLS com supernovas
mos, entre 0, 059 e 0, 066. Esse resultado, além de próximas detectadas por outros experimentos deu
ser consistente com um modelo de constante cos- origem em 2014 à amostra Joint Light-Curve
mológica para a energia escura, evidencia a tran- Analysis, que ficou conhecida como “JLA” [20].
sição que a cosmologia com supernovas do tipo Com 740 supernovas do tipo Ia com 0, 01 < z <
Ia sofreu na década passada: o crescimento do 1, 2, a análise cosmológica da amostra JLA resul-
número de supernovas observadas fez com que os tou em w = 1, 018 ± 0, 057, combinando incer-
erros estatísticos diminuíssem ao ponto de que, tezas de origem estatística e sistemática.
atualmente, os erros sistemáticos são as princi- A compilação mais recente de SN Ia é co-
pais fontes de incerteza nesse tipo de análise. nhecida como Pantheon e contém 1048 super-
Enquanto o SNLS e o ESSENCE se concen- novas com 0, 01 < z < 2, 3 [31]. Publicada
travam em descobrir supernovas distantes, uma em 2018, essa amostra é formada por supernovas
equipe liderada pelo Harvard-Smithsonian Cen- detectadas pelos levantamentos Panoramic Sur-
ter for Astrophysics (CfA) 5 utilizou o telescópio vey Telescope and Rapid Response System (Pan-
de 1,2 m de diâmetro do observatório F. L. Whip- STARRS), SDSS, SNLS, SCP, Hubble Space Te-
ple, localizado no estado norte-americano do Ari- lescope (HST) e SN Ia próximas de outros levan-
zona, para observar supernovas do tipo Ia pró- tamentos. O levantamento Pan-STARRS é rea-
ximas com um conjunto de 5 filtros de banda lizado em telescópios de 1,8 m, no Havaí, com 5
larga. Observações realizadas entre 2001 e 2008 filtros de banda larga. Observações de uma área
produziram um conjunto de 185 supernovas do do céu equivalente a 350 vezes aquela ocupada
tipo Ia com z . 0, 08, que ficou conhecido como pela Lua cheia, realizadas com o telescópio Pan-
CfA3 [28]. A adição desse conjunto de obser- STARRS1 de 2010 a 2014, resultaram em 365 SN
vações à amostra Union deu origem à amostra Ia espectroscopicamente confirmadas, descober-
Constitution, em 2009 [29]. Após a exclusão de tas utilizando 4 filtros e uma cadência média de
muitas supernovas do CfA3, que não seguiam os 7 dias [31]. Combinando os dados de CMB com a
mesmos critérios de seleção da amostra Union, amostra Pantheon, obtém-se w = 1, 026±0, 041.
chegou-se à amostra final com 397 supernovas. As amostras JLA e Pantheon incluem também
A análise cosmológica da amostra Constitution, SN Ia próximas do levantamento Carnegie Super-
combinada com resultados provenientes de BAO, nova Project (CSP) [32] realizado no observatório
resulta em w = 0, 987, com incertezas devido Las Campanas, no Chile, entre 2004 e 2009. Uti-
a erros sistemáticos e estatísticos de aproximada- lizando um conjunto de 10 filtros no ótico e no
mente 0,11 e 0,066, respectivamente. infravermelho, o CSP obteve curvas de luz para
Em 2005, teve início o SDSS Supernova Sur- ⇠ 100 supernovas próximas [33].
vey,6 parte do levantamento Sloan Digital Sky Não poderíamos deixar de enfatizar a relevân-
Survey (SDSS),7 realizado com um telescópio de cia das supernovas descobertas pelos programas
2,5 m de diâmetro no observatório Apache Point, conduzidos no telescópio espacial Hubble8 , que
fazem parte de todas as amostras acima men-
5
https://lweb.cfa.harvard.edu/supernova cionadas e foram responsáveis pela detecção de
6
http://classic.sdss.org/supernova/aboutsupernova.html
7 8
https://www.sdss.org/ https://hubblesite.org/
mento e o mesmo conjunto de filtros. Esse é demos identificar com certeza o tipo da su-
o objetivo do levantamento Foundation [39], pernova. É possível classificar SN fotome-
que pretende construir uma amostra de SN tricamente, usando técnicas semelhantes às
Ia detectadas apenas pelos telescópios Pan- aplicadas ao desvio para o vermelho. Infe-
STARRS. lizmente, é possível que algumas SN sejam
classificadas erroneamente, o que introduzi-
• Padronização das curvas de luz ria uma contaminação na amostra de SN Ia
Como vimos na Seção 2, os métodos de pa- por outros tipos.
dronização de SN Ia para uso em cosmolo-
gia, em geral, envolvem uma etapa de treina- • Evolução
mento na qual usamos informação de SN Ia A possibilidade de que as características das
conhecidas, em uma ampla faixa de compri- explosões de supernovas possam depender
mento de onda e tempo. O intervalo, nessas das propriedades do meio em que se en-
duas variáveis, entre as observações, assim contram como a idade e abundância de di-
como a precisão das medidas, determina o ferentes elementos (medida pela chamada
quão bem podemos inferir o comportamento metalicidade) na galáxia hospedeira é alvo
geral das SN Ia e modelar variações em torno de intenso debate na comunidade científica.
dele. A qualidade e a quantidade dos da- Dessa forma, supernovas distantes, que ex-
dos usados no treinamento dos ajustadores plodiram quando o Universo era muito mais
de curva de luz são importantes fontes de er- jovem, poderiam ser intrinsecamente diferen-
ros sistemáticos na análise cosmológica e têm tes das supernovas mais próximas o que, se
sido objeto de constantes revisões e aperfei- não for levado em consideração, é uma fonte
çoamentos. de erro na análise cosmológica com SN Ia.
Para desvendar essa e outras questões em
• Determinação do desvio para o vermelho e
aberto com relação às explosões de superno-
classificação
vas, precisamos fundamentalmente entender
Incertezas associadas ao cálculo do des-
com mais detalhes a natureza de seus proge-
vio para o vermelho obtido espectroscopica-
nitores e os mecanismos de explosão. Uma
mente são muito pequenas. No entanto, o
revisão sobre essas questões é apresentada
crescente número de supernovas detectadas
em [41]. De um ponto de vista observaci-
torna praticamente impossível o acompanha-
onal, informação sobre os estágios finais da
mento espectroscópico de todas elas e, por-
evolução da estrela pode ser obtida através
tanto, o desvio para o vermelho deve ser esti-
da detecção de polarização da luz emitida
mado através apenas da fotometria. Incerte-
pelas supernovas logo após a explosão [42].
zas relacionadas ao cálculo do desvio para
Além disso, o advento da espectroscopia com
o vermelho fotométrico podem ser reduzi-
Integral Field Units (IFU) permite a obser-
das com a melhoria dos algoritmos utiliza-
vação das variações de metalicidade em di-
dos e também com o uso de dados em dife-
ferentes regiões das galáxias, representando
rentes faixas de frequência. O levantamento
um grande avanço no estudo da correlação
Javalambre Physics of the Accelerating Uni-
entre esse parâmetro e as propriedades das
verse Astrophysical Survey (J-PAS)10 [40],
supernovas.
por exemplo, que é fruto da colaboração en-
tre Brasil e Espanha, realizará observações
• Extinção por poeira
de aproximadamente 1/4 do céu com um
A luz emitida pelas supernovas é parcial-
conjunto de 59 filtros de banda estreita, larga
mente absorvida pelas pequenas partículas
e intermediária. Espera-se que os resultados
de poeira cósmica que se encontram no seu
do J-PAS possam contribuir para o aprimo-
trajeto entre a explosão e a Terra. Os ajus-
ramento na determinação de desvios para o
tadores de curva de luz realizam correções
vermelho fotométricos. Um problema adi-
para esse efeito considerando a chamada ex-
cional associado à ausência de observações
tinção do brilho das supernovas pela poeira
espectroscópicas é que sem espectro não po-
na nossa galáxia, através de estimativas da
10
http://www.j-pas.org/ quantidade de poeira em cada direção do céu.
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Resumo
Uma nova geração de telescópios está prestes a elevar nosso conhecimento astrofísico e cosmológico a outro
patamar, e neste contexto se insere a colaboração J-PAS. Este artigo apresenta as características desta cola-
boração, com particular foco nos equipamentos que compõem o Observatório Astrofísico de Javalambre e nas
suas peculiaridades. Os objetivos e alguns projetos-chave, envolvendo dezenas de instituições de diferentes
nacionalidades, são brevemente apresentados. Apesar de inicialmente concebido como observatório dedicado
à observação de oscilações acústicas bariônicas e estudos de propriedades da energia escura, a astronomia se
beneficiará dos futuros catálogos de dados do J-PAS em diversas escalas.
Abstract
A new generation of telescopes is about to take our astrophysical and cosmological knowledge to another level,
and that is where J-PAS collaboration is found. This article presents the characteristics of this collaboration,
with particular focus on the equipment that makes up the Javalambre Astrophysical Observatory and its pe-
culiarities. The objectives and some key projects, involving dozens of institutions of different nationalities,
are briefly presented. Although initially conceived as an observatory dedicated to baryon acoustic oscillations
observations and studies of dark energy properties, Astronomy will benefit from future J-PAS data catalogs at
many scales.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37135
1 Introdução
Estágio IV de experimentos de energia escura. mais ou menos brilhantes, e essas diferenças po-
Além da abertura de 2,55 metros, que permite dem ser devidas principalmente a dois fatores: a
a varredura de grande área do céu simultanea- distância, r, que cada estrela está de nós, e de
mente, outras características são muito importan- uma propriedade intrínseca da estrela, sua lumi-
tes para garantir que o equipamento atinja o po- nosidade, L.
tencial desejado: a escolha do sistema de filtros A luminosidade é basicamente a medida da po-
e de câmeras que serão acoplados ao telescópio. tência da fonte luminosa, ou seja, a razão entre
E nestes quesitos o J-PAS tem dois grandes dife- a quantidade de energia emitida pelo intervalo
renciais. de tempo de emissão. Se considerarmos que essa
O primeiro deles é um sistema de 56 filtros de energia é transportada por frentes de onda esféri-
banda estreita na região do espectro visível, além cas e isotrópicas, temos que o fluxo médio, a uma
de 3 outros de banda larga, o que permitirá a ob- certa distância r da fonte será
tenção de espectros fotométricos de baixa resolu-
L
ção. A Figura 3 ilustra as curvas de transmitância f= . (1)
desses filtros. 4⇡r2
O segundo é a JPCam, Figura 4, uma câmara Medindo o fluxo na observação, e conhecendo a
mosaico de 14 CCDs, cada uma com 9,2 x 9,2 distância que a fonte está através de algum mé-
kpixeis, somando mais de 1,2 milhões de pixeis, todo independente, como por exemplo via para-
capaz de fotografar simultaneamente uma área de laxe estelar, podemos determinar a propriedade
4,5 graus quadrados, o equivalente no plano do intrínseca da luminosidade daquele objeto. Por
céu à área de aproximadamente 36 luas cheias. sua vez, caso tenhamos como identificar que ou-
O projeto da JPCam foi de responsabilidade do tro objeto é da mesma classe do exemplo ante-
Brasil, e ela já se encontra instada no foco Cas- rior, admitimos que esse tipo de objeto é uma
segrain do telescópio JST/T250. vela-padrão, ou seja, de luminosidade conhecida.
Neste artigo iremos apresentar em mais deta- Assim, mesmo que ele tenha um brilho aparente
lhes as características do projeto J-PAS, justifi- bem fraco, e que seja impossível determinar sua
cando porque há a expectativa de que ele seja distância por paralaxe estelar, podemos, medindo
um dos principais levantamentos de dados astro- o fluxo e conhecendo sua luminosidade, determi-
físicos e cosmológicos desta década. nar sua distância.
Este é um exemplo simples do que é conhecido
como a escada cósmica. Há diversos métodos de
determinação de distância, mas cada método tem
2 A luz das galáxias seus limites de aplicabilidade devido à barreira
O universo ao nosso redor é um imenso labora- da acurácia da medida, ou por não haver objetos
tório para os diversos campos da astronomia. Di- com as características que determinado método
ferentemente dos laboratórios aqui na Terra, não exige a qualquer distância. Mas podemos sem-
temos controle sobre os eventos observados, nem pre ancorar/calibrar um método para determinar
podemos garantir sua reprodução. Tampouco po- distâncias maiores em outro adequado para de-
demos mudar parâmetros do “experimento” ao terminar distâncias de objetos relativamente mais
nosso sabor. Nos resta, com tecnologia adequada próximos.
para a observação, extrair o máximo de informa- Sabemos que a luz apresenta não apenas pro-
ção dos dados a que temos acesso. priedades de fenômenos ondulatórios, como tam-
bém características de partícula. Na Física de
Partículas, a partícula da luz é chamada de fóton,
2.1 O fluxo
o pacote mínimo de energia de luz, de maneira
Os dados para estudos astronômicos são, em que podemos expressar o fluxo luminoso pela con-
sua maioria, de origem eletromagnética, que po- tagem do número de fótons que incidem no detec-
demos chamar simplesmente de luz. Uma impor- tor. Quanto maior a área do detector, mais fótons
tante informação da luz é bastante intuitiva: a serão coletados.
medida do fluxo, ou intensidade, da radiação que O uso de placas fotográficas e posterior desen-
incide em nossos detectores. Observando o céu volvimento de câmeras, em particular as moder-
noturno, percebemos que estrelas podem parecer nas câmeras com dispositivo de carga acoplada
Figura 3: Sistema de filtros do telescópio JST/T250 [2]. São 56 filtros de banda estreita, com larguras de 145Å,
dispostos a cada 100Å na região do espectro visível. Conta também com 3 filtros de banda larga. Mais detalhes sobre
esses filtros e os do J-PLUS podem ser encontrados no repositório de filtros do Observatório Virtual Espanhol (SVO).
(em inglês, CCD), ampliou bastante a capacidade de até 93%, e, com o armazenamento de dados di-
de observação de objetos distantes, não só com gital, podemos somar o tempo de observação que
aumento da área de coleta, mas permitindo am- for necessário para obter mais informações de um
pliar o tempo de integração da luz, bem como a objeto muito distante, indetectável a olho nu.
chamada eficiência quântica, que é a medida do
percentual de fótons incidente que é transformada 2.2 O espectro
em informação.
Outra propriedade extremamente importante
O olho humano é um instrumento fantástico, da luz é seu espectro. Partindo dos famosos expe-
mas com grandes limitações para a astronomia, rimentos de Isaac Newton, fazendo a luz do Sol
por ter baixo tempo de integração (exposição incidir sobre um prisma e estudando sua decom-
curta), de 0,015 s (cones) a 0,1 s (bastonetes), posição nas cores do arco-íris, pode-se associar
e baixa eficiência quântica, aproximadamente 3% velocidades de propagação (o que implica em ín-
(cone) a 10% (bastonetes). Isso quer dizer que dices de refração) distintas para as diferentes co-
90% a 97% dos fotos incidentes nos nossos olhos, res (frequências) da luz percorrendo o material
mesmo que na região do visível, não contribuem do prisma. Aqui podemos fazer um salto para
para a formação de imagem no cérebro. A JP- o século XX, apontando que o valor daquele pa-
Cam, por sua vez, pode atingir eficiência quântica cote mínimo de energia do fóton é proporcional à
Ainda antes da publicação por Einstein da pri- Walker, usando coordenadas esféricas, pode ser
meira aplicação da sua teoria da relatividade ge- escrita como
ral para descrever o universo, em 1917 [4], o as- ✓ ◆
trônomo Vesto Melvin Slipher havia começado o dr2
ds2 = dt2 + a(t)2 + r 2
d⌦ 2
, (5)
árduo trabalho de medir espectros de objetos di- 1 kr2
fusos, à época conhecidos como nebulosas espi-
onde d⌦2 = d✓2 + sen2 ✓d 2 e k = +1, 0, ou 1,
rais, posteriormente identificadas como galáxias.
referentes às três possíveis geometrias do universo
Em 1912, Slipher descobriu que as linhas espec-
nos modelos de Friedmann. Desprezados os movi-
trais da nebulosa de Andrômeda apresentavam
mentos peculiares das galáxias, movimentos estes
grande deslocamento para o azul (z ⇡ 0,001),
devidos a interações gravitacionais locais, estas
indicando uma velocidade de aproximação do sis-
galáxias ocupariam posições “fixas”, descritas por
tema solar da ordem de 300 km/s. Nos anos se-
coordenadas comóveis (r, ✓, ), e a dinâmica do
guintes ele continuou estas observações, obtendo
universo fica descrita pelo fator de escala, a(t).
o desvio do espectro de 41 galáxias, e, diferente-
O aumento do fator de escala com o tempo im-
mente de Andrômeda, a maioria apresentava des-
plica na dilatação do espaço, e uma onda se pro-
locamento para maiores comprimentos de onda,
pagando no espaço em expansão tem seu compri-
ou seja, a maioria estaria se afastando de nós. O
mento de onda “esticado”. Essa conexão entre o
maior desvio para o vermelho obtido dentre estas
desvio para o vermelho da luz observada e o valor
galáxias foi de z ⇡ 0,006.
do fator de escala do universo quando essa luz foi
emitida é dada por
2.3 O universo dinâmico
a(t) 1
Ao mostrar que as equações de campo da rela- = , (6)
tividade geral poderiam descrever o universo em a0 1+z
larga escala, Albert Einstein postulou um uni- sendo a0 o valor atual do fator de escala [7]. Esta
verso estático, mesmo que para isso ele tivesse equação é extremamente importante por fazer a
que incluir artificialmente uma constante cosmo- conexão entre um observável, medido a partir do
lógica em suas equações para obter soluções es- espectro da radiação detectada, com uma função
táticas. Apenas em 1922 o matemático e cosmó- que se propõe a descrever teoricamente o uni-
logo russo Aleksander Aleksandrovich Friedmann verso em que vivemos. E podemos interpretar
mostra, pela primeira vez, a possibilidade teórica que, quanto maior for o redshift da luz observada,
de um universo em expansão [5]. Nesse trabalho e maior foi o tempo que essa onda viajou até atingir
no seguinte, publicado em 1924 [6], ele obteve as nossos detectores; ou seja, mais distante estava a
soluções das equações de Einstein para um uni- fonte quando emitiu esse sinal, e mais do passado
verso homogêneo e isotrópico, com as três curva- é essa informação.
turas espaciais possíveis, que vão servir de base As velocidades peculiares citadas anterior-
para construção de toda a cosmologia moderna. mente são da ordem de 102 km/s, como vimos
Os trabalhos de Friedmann eram extrema- no caso da galáxia de Andrômeda. Para que as
mente matemáticos, não fazendo conexão de seus velocidades peculiares tivessem no máximo a or-
resultados com as medidas de Slipher, apesar des- dem de grandeza dos erros das medidas, foram
sas medidas, indicando que os objetos mais dis- necessários redshifts da ordem de 10 2 ou superi-
tantes estavam se afastando de nós, serem compa- ores, associados a velocidades de recessão > 103
tíveis com os modelos de universo descritos. Não km/s, o que implicava em obter informações de
podemos deixar de citar também os importan- objetos distantes, na escala cosmológica, onde o
tes trabalhos do físico, astrônomo e cosmólogo fluxo de Hubble passa a ser relevante.
belga Georges-Henri Édouard Lemaître, e dos as- Todo este contexto foi descrito para enfatizar
trônomos norte-americanos Edwin Powell Hub- a importância das medidas de espectro e seu des-
ble e seu colaborador (e espectroscopista) Milton vio na construção de nosso conhecimento atual
Lasell Humason, medindo os desvios para o ver- da astrofísica e da cosmologia, e em que direção
melho das galáxias e derivando a famosa Lei de os novos experimentos precisam apontar para que
Hubble-Lemaître. tenhamos mais dados, e dados mais precisos, para
A métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson- que possamos atacar questões ainda em aberto.
Mas os espectros de alta resolução não são bara- z (z) = 0.003 (1 + z). (7)
tos.
A utilização de 59 filtros exigiu a definição de
Na Figura 5 apresentamos um exemplo do es- uma logística de troca desses filtros ao longo da
quema de funcionamento de um espectrógrafo de observação de determinada área do céu, impli-
fenda acoplado a um telescópio. No lugar de um cando no desenvolvimento de uma mecânica espe-
prisma, temos uma rede de difração como agente cífica de funcionamento para os equipamentos do
dispersor da luz. Pela fenda do topo da figura, J-PAS. Antes da instalação da JPCam, foi feito
atravessa a luz proveniente de um objeto pon- um levantamento preliminar com o telescópio,
tual, como uma estrela, ou mapeia-se partes de para testar o potencial do conjunto JST/T250 +
uma galáxia. Além do custo para construção e filtros, mas com uma câmera provisória, a JPAS-
manutenção do equipamento, há o tempo de ob- Pathfinder. Observando apenas 1 grau quadrado
servação necessário para aquisição de um espectro do céu, foram coletadas informações de 64.000
de qualidade. Nas últimas décadas um conside- fontes, que compõem o catálogo miniJPAS [2].
rável avanço foi alcançado com as tecnologias de A acurácia da medida do redshift fotométrico
espectroscopia multifibra, onde numa mesma área foi testada comparando-se os valores obtidos com
de observação diversas fontes têm fibras óticas as- mais de 5 mil galáxias com seus redshifts espec-
sociadas, para obtenção de informação e constru- troscópicos, que já haviam sido medidos com o
ção de espectros de objetos distintos simultanea- SDSS. Alguns exemplos estão apresentados nos
mente. Esta tecnologia é aplicada, por exemplo, painéis (c) e (d) da Figura 6. Para um conjunto
nos Sloan Digital Sky Surveys (SDSS), e alguns de 17.500 galáxias com photo-z derivado, estima-
exemplos de espectros obtidos nessa colaboração se que cerca de 4 mil apresentem erro no redshift
estão apresentados em cinza da Figura 6. inferior a 0,003 [9].
(a) Estrela de classificação espectral A0. (b) Estrela de classificação espectral M0. (c) Galáxia de linha de emissão (ELG),
de redshift espectroscópico 0,074.
(d) Galáxia brilhante vermelha (RLG), de (e) Quasar, de redshift espectroscópico (f ) Quasar, de redshift espectroscópico
redshift espectroscópico 0,354. 1,721. 4,288.
Figura 6: Exemplos de espectros fotométricos obtidos com miniJPAS (pontos coloridos) de objetos cujos espectros já
são conhecidos (em cinza) no levantamento do SDSS [2]. As classificações dos objetos estão apresentadas nas legendas
de cada gráfico.
Esses resultados preliminares são bastante ani- colaboração J-PAS. A concepção do projeto do
madores, e espera-se que o volume dos catálo- J-PAS data do ano de 2010. O ambiente é propí-
gos cresça em pelo menos mil vezes, quando o cio devido a sua baixa umidade e sua altitude de
J-PAS atingir todo seu potencial, mapeando os 1.957 m, com excelentes índices de observação as-
objetos ao longo de 8.500 graus quadrados. Ao tronômica, incluindo mais de 53% de noites com
final, estima-se a medida de redshifts, com a acu- céu limpo ao longo do ano, e impressionante es-
rácia dada pela equação (7), de 108 galáxias do curidão [10].
tipo LRG e ELG, além de milhões de quasares, O OAJ conta com dois telescópios: um de
varrendo um volume efetivo de ⇠ 14 Gpc3 , até 80 cm de diâmetro, chamado Javalambre Auxili-
redshifts de ⇠ 1,3. ary Survey Telescope (JAST/T80), e o principal,
com 2,55 metros de diâmetro, o JST/T250. O
JAST/T80 opera com um sistema de filtros mais
simples, totalizando 12, dentre os quais alguns
3 O Observatório Astrofísico de
são em comum com o JST/T250. Sua câmera,
Javalambre
também mais simples, é a T80Cam. Esse con-
O parque de observação que compõe o OAJ junto de equipamentos faz estudos do universo
está situado na Serra de Javalambre, na cidade local, principalmente objetos dentro de nossa ga-
de Teruel - Espanha. O terreno foi cedido pelo láxia, compondo o Javalambre Photometric Local
governo espanhol ao Centro de Estudios de Fí- Universe Survey, ou J-PLUS [11].
sica del Cosmos de Aragón (CEFCA), responsá- O telescópio principal, o JST/T250, é capaz
vel pela construção da infraestrutura de prédios de fotografar, simultaneamente, uma área de 4,5
e telescópios, projetados especificamente para a graus quadrados. Nele está instalado o inovador
[10] M. Moles et al., Site testing of the Sierra [13] A. Aghamousa et al., The DESI Experiment
de Javalambre: First Results, Publications Part I: Science,Targeting, and Survey De-
of the Astronomical Society of the Pacific sign (2016). ArXiv:1611.00036.
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[14] A. Aghamousa et al., The DESI Experiment
[11] A. J. Cenarro et al., J-PLUS: The Javalam-
Part II: Instrument Design (2016). ArXiv:
bre Photometric Local Universe Survey, As-
1611.00037.
tronomy & Astrophysics 622, A176 (2019).
[12] N. Benítez et al., Measuring baryon acoustic [15] A. Refregier et al., Euclid Imaging Con-
oscillations along the line of sight with pho- sortium Science Book (2010). ArXiv:
tometric redshifts: The Pau Survey, The As- 1001.0061.
trophysical Journal 691(1), 241–260 (2009).
Resumo
Apresentamos neste artigo um breve panorama da cosmologia de 21 cm, baseada no estudo da transição hiperfina
do spin do elétron no átomo de hidrogênio neutro (HI). A distribuição de HI é um dos traçadores da aglutinação
de matéria e da formação de estruturas e é, possivelmente, a única forma de observar o universo antes da
reionização, ocorrida em 20 & z & 6. Apresentamos a técnica de radioastronomia utilizada para medir a
distribuição de HI, conhecida como mapeamento de intensidade, e os requisitos instrumentais necessários para
realizá-lo e produzir um levantamento de HI em rádio, ao longo de um intervalo de redshifts 2, 5 & z & 0, 1.
Nesse contexto, apresentamos o radiotelescópio BINGO, que está sendo construído no Brasil e foi projetado
para medir oscilações acústicas de bárions no universo próximo (0,127 z 0,449) usando o mapeamento de
intensidade da transição de 21 cm.
Abstract
In this article we present a brief overview of the 21 cm cosmology, based on the study of the hyperfine spin
transition of the electron in the neutral hydrogen atom (HI). The hydrogen distribution is one of the tracers of
the matter clustering and formation of structures and it is possibly the only way to observe the Universe before
reionization, which occurred in 20 & z & 6. We present the radio astronomy technique used to measure the
distribution of HI, known as intensity mapping, and the instrumental requirements needed to perform it and
produce a HI survey in radio, over an interval of redshifts 2.5 & z & 0.1. In this context, we present the BINGO
radio telescope, which is being built in Brazil and was designed to measure acoustic oscillations of baryons in
the nearby Universe (0.127 z 0.449) using intensity mapping of the 21 cm transition.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.36917
vros descrevem essa parte da história do universo: elétron é extremamente fraca (cerca de 5 ⇥ 10 6
uma apresentação menos técnica e mais descritiva eV), comparada, por exemplo, com a energia de
pode ser encontrada em [8] e uma descrição téc- ionização do H (-13,6 eV). A frequência de emis-
nica detalhada é apresentada, e.g., em [9, 10]. são é muito bem determinada: 1420,406 MHz,
A época entre o desacoplamento e a reioniza- que corresponde a um comprimento de onda =
ção é conhecida como “Idade das Trevas” (IdT), 21,106 cm. Porém, essa transição é extremamente
uma vez que ainda não tinham sido formadas as improvável, uma vez que um átomo emite um fó-
primeiras estrelas e somente fótons com energia ton em 21 cm a cada 1015 s (⇠ 30 ⇥ 106 anos),
correspondente ao infravermelho e pequenos aglo- o que sugere o sinal extremamente fraco. Entre-
merados de hidrogênio (H) e hélio (He), em pro- tanto, o fato de existir uma enorme quantidade
cesso de crescimento, povoavam o universo. A de átomos de H faz com que a a intensidade do
IdT corresponde, aproximadamente, ao intervalo sinal seja detectável, e mais provável de ser ob-
de tempo entre o desacoplamento (t = 380.000 servado em redshifts maiores, quando havia uma
anos) até o final da reionização (t ⇡ 109 anos e maior quantidade de HI, apesar da intensidade
equivale a um intervalo de redshift 1100 . z . 6. decair proporcionalmente ao quadrado da distân-
Da recombinação à reionização, o universo era cia à fonte.
constituído, essencialmente, H, He e traços de lí- A transição de 21cm pode ser observada tanto
tio (Li), na proporção aproximada de 75% para por emissão quanto por absorção, e estes dois
25%, e era neutro. A história da evolução da ma- processos são governados pela interação entre o
téria e da transição da evolução das flutuações campo de radiação local e a distribuição da po-
de densidade do regime linear para o não-linear pulação de HI nos estados paralelo e anti-paralelo
pode ser traçada através da distribuição de HI no (conforme Figura 2), dada por
intervalo de redshift 20 z 6. n1 g1
O estudo da IdT possui várias motivações, en- = eT⇤ /Ts (1)
n0 g0
tre elas o estudo do universo quando as perturba-
em que n são as densidades numéricas nos es-
ções passaram do regime de colapso linear para
tados paralelo e anti-paralelo, g são as funções
não-linear; a possibilidade de encontrar estrelas
de partição, T⇤ é a temperatura do meio e Ts é
muito antigas (as chamadas Pop III) e estudar a
a temperatura de spin, que define o número de
influência dos primeiros quasares e estrelas extre-
ocupação relativo entre os 2 níveis hiperfinos. Ts
mamente massivas em sua vizinhança.
é a variável relevante para que o sinal de 21 cm
A cosmologia de 21 cm é, provavelmente, nossa
seja diferente de zero.
melhor aposta para estudar os fenômenos acima
O deslocamento Doppler devido às distâncias
numa época do universo em que os objetos for-
cosmológicas faz com que a frequência de emissão
mados encontravam-se tão distantes de nós que
da transição de 21 cm seja deslocada para valo-
o sinal emitido é praticamento inacessível para
res mais baixos. Assim, a frequência de detecção
os instrumentos existentes hoje. Mesmo na pró-
definida pelos radiotelescópios que estiverem ob-
xima década, talvez somente instrumentos com o
servando a distribuição de HI seja imediatamente
nível de tecnologia do James Webb Space Teles-
transformada em informação sobre a velocidade e
cope atinjam a sensibilidade para detectar sinais
a distância (ou redshift) da fonte emissora. Por
na faixa óptica ou infravermelha, cuja intensidade
simplicidade, sempre vamos nos referir à "linha
permita o estudo detalhado dos fenômenos de for-
de 21 cm", mesmo quando estivermos falando de
mação de estruturas que ocorreram no final da
medidas cosmológicas, cuja frequência observada
IdT.
será sempre inferior à 1420 MHz.
Um radiotelescópio mede a temperatura de bri-
2.1 A física da transição hiperfina de 21 lho, Tb , cuja intensidade na origem é reduzida em
cm função do redshift,
Apesar de ser o elemento mais abundante do 0
Tb (z) = Tb (z)(1 + z)
universo, a detecção de HI em distâncias extra- ⌧⌫ ⌧⌫
(2)
= Ts e + T (z)(1 e )
galácticas e cosmológicas é uma tarefa bastante
desafiadora, uma vez que a intensidade da tran- Nesse contexto, T é a temperatura da CMB e ⌧⌫
sição hiperfina causada pela inversão do spin do é a profundidade óptica para uma nuvem de H, e
Figura 2: Linha do tempo do universo, com os principais eventos da história da formação de estruturas associado
ao comportamento do hidrogênio. Em destaque, a linha do tempo da transição de 21 cm. Créditos: Roen Kelly.
Fonte: https://www.discovermagazine.com/the-sciences/chasing-the-universes-first-generation-of-stars (versão adaptada
pelo autor).
brilho na forma
T (z)
Tb (⌫) ⇡ 9XHI (1 + b )[1 ]
TS
(4)
H(z)/(1 + z)
⇥ (1 + z)1/2 [ ] mK
dvk /drk
Os termos na primeira linha da Eq. (4) corres-
pondem às contribuições astrofísicas: XHI é a
fração de HI, (1+ b ) descreve o excesso de densi-
dade de bárions, T (z) corresponde à temperatura
da CMB no redshift z e TS é a temperatura de
Figura 3: Esquema da transição hiperfina do átomo de spin. Os termos na segunda linha descrevem as
hidrogênio. contribuições cosmológicas: H(z) é o parâmetro
de Hubble, e dvk /drk corresponde ao gradiente de
velocidade da distribuição de HI ao longo da li-
pode ser expressa em termos dos coeficientes de nha de visada. TS é determinada pelo campo de
Einstein. Um observador está interessado nas flu- radiação em que a distribuição de H está imersa,
tuações da temperatura de brilho Tb = Tb T . e flutua em torno de T (z) .
Considerando uma pequena profundidade óptica, A diferença entre ambas determina qual será o
a Eq. (2) pode ser reescrita na forma processo dominante: absorção, emissão ou ausên-
cia de flutuações em Tb . Para redshifts maiores,
Ts T (z) T (z) = TCM B e emissão é o processo dominante.
Tb (z) = ⌧⌫ (3)
(1 + z) Para redshifts menores, T (z) = TLy ↵ é a absor-
ção que domina.
Fazendo algumas considerações sobre a expressão É possível definir TS como uma combinação li-
para a profundidade óptica em termos de variá- near de várias temperaturas, em que cada uma
veis astrofísicas e cosmológicas, conforme discu- domina numa certa época. Os processos físi-
tido em [5,6], podemos escrever a temperatura de cos relevantes ocorrem sempre em contraponto
à temperatura do campo de radiação da CMB, MIG (por efeitos de emissão Ly-↵ e raios X) im-
e são, essencialmente: a interação direta com a plica numa distorção da curva mostrada na Fig.
CMB (que produz, principalmente absorção, mas 4, que pode indicar fenômenos exóticos como o
também emissão estimulada), o acoplamento co- decaimento de matéria escura, espalhamento en-
lisional, principalmente entre átomos de H, mas tre bárions e matéria escura ou emissão de raios X
também entre H e HE, e o efeito do espalha- por buracos negros primordiais [14]. Resultados
mento por fótons Lyman-↵, conhecido como aco- que contemplam a interação entre matéria escura
plamento Wouthuysen-Field (W-S), quando a ab- e bárions, por exemplo, foram reportados em [15]
sorção e reemissão de fótons Ly-↵ misturam os e discutidos em [16, 17].
estados hiperfinos. O efeito W-S é discutido em A temperatura do HI é extremamente baixa
detalhes em [11]. Na condição de equilíbrio, (E21cm] = 5, 9 ⇥ 10 6 eV, o que implica em
T21cm = 0, 068K), o que implica qualquer pertur-
T 1 + x ↵ T↵ 1 + x c TK 1 bação no campo de radiação causado por fontes
TS = , (5)
1 + x↵ + xc de UV ou raios X atrás da região de HI altera Tb .
em que xc é o coeficiente de acoplamento coli- Podemos tratar a transição em 21 cm como um
sional para a interação H-H e H-e e x↵ carac- calorímetro extremamente sensível a processos fí-
teriza o acoplamento W-S. T é a temperatura sicos que modificam TS .
da CMB, T↵ é a temperatura do campo de radia-
ção Ly-↵ e TK é a temperatura cinética associada
campo de radiação ultravioleta. Uma descrição 4 Mapeamento de intensidade: uma
bastante detalhada deste processo pode ser en- forma eficiente de medir a distribuição
contrada em [12]. A evolução das flutuações de de HI
Tb [Eq. (4)] em função dos termos da Eq. (5)
Levantamentos de galáxias nas faixas óptica e
e sua associação com os processos físicos corres-
infravermelho do espectro eletromagnético são ex-
pondentes pode ser vista na Figura 4.
tremamente eficientes no estudo da estrutura em
Tb é a grandeza mensurável relevante na cos-
grande escala no universo próximo (z . 2) e, en-
mologia de 21 cm. Ela é diretamente derivada
tre os resultados de grande impacto das últimas 3
da equação de transferência radiativa (tratada
décadas com estes levantamentos, podemos citar
em diversos livros-texto de física e astronomia,
a detecção de BAO [18–20].
e.g., [13]). A seguir veremos como essas medidas
Levantamentos espectroscópicos no óptico são
são feitas e como interpreta-las à luz do modelo
feitos a partir da separação da radiação coletada
cosmológico padrão.
pelo telescópio por um espectrômetro em dife-
rentes comprimentos de onda. Eles são extrema-
mente eficientes na identificação dos redshifts de
3 Os observáveis cosmológicos
objetos individuais, mas requerem anos para a
As flutuações na distribuição de HI permitem produção de um catálogo de boa qualidade, de-
traçar a evolução da dinâmica da matéria e da vido ao tempo exigido para observação e determi-
formação de estruturas, quando as perturbações nação do redshift de cada objeto. Levantamentos
da matéria encontram-se no regime não linear, fotométricos estimam o redshift a partir da me-
permitindo que o estudo da emissão difusa em 21 dida da intensidade com diferentes filtros (cor-
cm coloque o modelo ⇤CDM à prova. Da mesma respondendo a bandas de comprimento de onda
forma que as flutuações da CMB, em z=1100, diferentes) no óptico e no infravermelho. A deter-
e levantamentos das estrutura em grande escala, minação da intensidade ⇥ comprimento de onda
em z < 1, a distribuição de HI em z > 10 pode ser para cada filtro fotométrico é calculada e com-
usada como sonda cosmológica. Entre a superfí- parada com a intensidade modelada a partir de
cie de último espalhamento e a época da formação uma biblioteca de modelos de síntese de popula-
dos primeiros objetos, a linha de 21 cm é o único ção estelar em galáxias, escalonados para diferen-
observável cosmológico a que podemos ter acesso. tes redshifts.
Já vimos que Tb depende sensivelmente das Levantamentos de galáxias são ferramentas ex-
condições do MIG (Seção 2). Qualquer alteração tremamente poderosas, mas possuem algumas de-
no cenário padrão de absorção ou aquecimento do ficiências intrínsecas. Por exemplo, a resolução
Figura 4: Em cima: Representação do processo de ionização do meio intergaláctico (MIG) em função do tempo cósmico.
Na escala de cores, preto corresponde à ausência de flutuações, azul indica um MIG frio e vermelho, um MIG aquecido.
Embaixo: Flutuação da temperatura de brilho Tb nas diferentes épocas, com os efeitos relevantes à variação de TS e as
componentes da Eq. (5) identificados. Para referência, o eixo x representa as frequências redshiftadas de observação do
HI, permitindo uma associação direta com z e com o tempo cósmico. Adaptada de [6].
angular da ordem de segundos de arco permite da ordem de dezenas de Gpc3 , na escala de tempo
gerar imagens com uma qualidade de detalhes as- de um ano.
sombrosa, mas a mesma resolução faz com que a Essa opção é bastante vantajosa para estudar
cobertura profunda de uma grande região do céu objetos muito fracos ou muito extensos (muito
(> 10%) leve vários anos de observação. Um ou- maiores que o campo de visada do telescópio) e
tro ponto é que os levantamentos produzem catá- possibilita o estudo da formação e evolução uni-
logos de objetos individuais, não utilizando boa versal de galáxias. Levantamentos de IM feitos
parte do sinal coletado pelo telescópio durante as com radiotelescópios com resolução angular da
observações. ordem de ⇠ 300 1 , correspondentes às esca-
Uma alternativa recente aos grandes levanta- las cosmológicas de interesse (como a escala de
mentos ópticos é a técnica conhecida como mape- BAO), permitem que uma grande área do céu seja
amento de intensidade (em inglês, intensity map- observada e que toda a radiação emitida numa
ping - IM), bem estabelecida ao longo da dé- determinada transição atômica seja utilizada no
cada passada (ver, e.g, [21–24]) e apontada como IM, independente da emissão ser difusa ou con-
uma área promissora na seção Discovery Areas centrada em um único objeto.
do Decadal Survey 2020, publicado no final de O espectro de potência do IM pode ser escrita
2021 [25]. IM permite o mapeamento de volumes como
muito maiores do universo de forma mais econô- Pk (z) =< I(z) >2 b2 (z)Pm (k, z) + Pshot (z), (6)
mica e rápida, medindo todas as fontes que emi-
em que b refere-se ao bias na aglutinação da ma-
tem em uma determinada frequência, em vez de
téria emissora, Pm (k, z) é o espectro de potência
detectar objetos específicos, visíveis apenas acima
da matéria e Pshot é o espectro de potência do
de um determinado limite de fluxo.
ruído, caracterizados por
Adicionalmente, a observação de uma grande Z 1
fração do céu (10 40%) e a escolha de um inter- I( z) / L (L, z)dL,
valo de frequências que permita uma boa profun- 0
Z 1 (7)
didade radial em termos do redshift de interesse Pshot / L2 (L, z)dL,
(tipicamente da ordem de centenas de MHz, em 0
frequências abaixo de 1 GHz), possibilita o mape- (L, z) ⌘ dn(z)/DL é a função de luminosidade
amento de um volume significativo do universo, da linha. O espectro de potência da linha de emis-
um radiotelescópio SD,
p
min
k? ⇠ karea = 2⇡/ r2 Sarea ,
max
(9)
k? ⇠ kF oV = 2⇡Despelho /r ,
e para um interferômetro,
min
k? ⇠ kDmin = 2⇡Dmin /r ,
max (10)
k? ⇠ kDmax = 2⇡Dmax /r ,
3,35m
8,9m
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Resumo
Galáxias são alguns dos objetos astronômicos mais impressionantes conhecidos. São estruturas com com tama-
nhos de dezenas ou até centenas de milhares de anos-luz, contendo centenas de bilhões de estrelas, e imersas
em um halo de matéria escura com trilhões de vezes a massa do Sol. Dadas as suas dimensões impressionantes,
pode ser curioso pensar que uma galáxia apresenta um ciclo de vida. Mas sim, uma galáxia nasce, evolui e
“morre”, embora o processo possa levar alguns bilhões de anos. Neste texto, vou descrever alguns dos processos
que conhecemos sobre a evolução de galáxias, o que ainda estamos tentando descobrir, e como os cientistas
estão trabalhando para desvendar esses mistérios.
Abstract
Galaxies are some of the most impressive astronomical objects known. They are structures with sizes of tens or
even hundreds of thousands of light years, containing hundreds of billions of stars, and immersed in a halo of
dark matter with trillions of times the mass of the Sun. Given its impressive dimensions, it might be curious to
think that a galaxy has a life cycle. But yes, a galaxy is born, evolves and “dies”, although the process can take
a few billion years. In this text, I will describe some of the processes we know about the evolution of galaxies,
what we are still trying to discover, and how scientists are working to unravel these mysteries.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37204
Figura 4: Impressão artística de um buraco negro produzindo um jato. Créditos: Robin Dienel/Carnegie Institution
for Science.
Esse modelo, usado até hoje, é o que chama- sas hipóteses e diferentes caminhos para, efetiva-
mos de formação hierárquica. As galáxias se mente, matar uma galáxia.
formaram pequenas, no passado, e foram coli- Sabemos que parte da resposta está nas colisões
dindo, unindo-se, fundindo-se ao longo da história que discutimos antes. Essas colisões são processos
do universo, formando objetos progressivamente complicadíssimos, com várias ramificações e efei-
maiores. tos físicos simultâneos. Primeiro, sabemos que
Ao mesmo tempo, a computação avançou a interações gravitacionais entre as galáxias podem
passos largos, e as primeiras simulações numéri- arrancar parte do gás de cada uma, o que ajuda
cas na década de 70 já mostravam que duas galá- no assassinato galáctico.
xias espirais colidindo dão origem a uma elíptica. Além disso, modelos matemáticos mostram que
É o que acontecerá com a Via Láctea, que vai parte do material durante as colisões acaba sendo
se fundir com a galáxia de Andrômeda daqui a levado para o centro da nova galáxia, gerando um
alguns bilhões de anos. buraco negro supermassivo, outro “vilão” citado
O paradigma, então é outro. As galáxias espi- frequentemente como responsável pela morte de
rais se formam antes, e as elípticas são geradas galáxias.
pela colisão de espirais. Nesse caso, devemos ser
Muitas vezes pensamos em buracos negros
capazes de relacionar a transformação morfoló-
como grandes aspiradores de pó universais, que
gica de galáxias com suas propriedades internas:
sugam tudo ao seu redor. Se por um lado a sua
o que acontece com esses objetos para que percam
gravidade é, realmente, muito intensa, a área do
seu gás durante a colisão?
espaço de onde nada escapa (nem a luz) é bem
pequena. Comparativamente, temos uma região
2.1 Como as galáxias morrem? muito maior afetada pela gravidade do buraco ne-
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. gro que é agitada, energizada, aquecida, ao ponto
Literalmente, porque provavelmente quem conse- de criar gigantescas emissões de luz e campos
guir responder de maneira definitiva deve ganhar magnéticos poderosíssimos, que criam jatos ca-
um prêmio Nobel. pazes de expelir o gás de galáxias a distâncias de
A explicação, no entanto, dificilmente será sim- milhões de anos-luz (Figura 4).
ples ou definitiva. Mesmo porque temos diver- Quer mais? Essas colisões muitas vezes aconte-
Figura 7: Os telescópios Keck, no Havaí, com 10 metros de diâmetro cada, foram inaugurados em 1990. Por vários
anos, foram os maiores telescópios ópticos do mundo. Créditos: Ethan Tweedie/W. M. Keck Observatory.
da Via Láctea e que o universo estava expandido, ram completar nosso álbum de retratos de forma
já na década de 1920. esplêndida. Começamos finalmente a conhecer a
O telescópio Hale, de 5 metros, foi inaugurado juventude do universo, e a entender a formação de
pouco depois da Segunda Guerra Mundial e nova- galáxias sem depender apenas do resultado final
mente representou um grande avanço, permitindo de todo o processo.
reavaliar a distância até a galáxia de Andrômeda Vale lembrar, no entanto, que não é apenas a
e medir com maior precisão a velocidade com que luz visível que utilizamos para estudar as galá-
o universo está expandindo. xias. As nuvens de gás, por exemplo, que ser-
Nos anos 80 e 90, três grandes revoluções trou- vem como combustível para a formação de no-
xeram novos avanços: a primeira foi o lançamento vas estrelas, são observadas somente em microon-
do telescópio espacial Hubble. Livre da interfe- das, exigindo a utilização de rádio-observatórios.
rência da atmosfera, o Hubble foi capaz de ver Os buracos negros supermassivos, por outro lado,
mais detalhes e enxergar muito mais longe, obser- emitem grandes quantidades de energia no raio-
vando galáxias a bilhões de anos-luz de distância. X, exigindo a utilização de um outro tipo de te-
Um feito até então impensável. lescópio espacial (como por exemplo o Chandra,
Mas ele não estava sozinho. Nesse período lançado em 1999) para superar o bloqueio atmos-
vimos a inauguração dos telescópios de grande férico desse tipo de radiação. Apenas observando
porte, com espelhos que variam entre 8 e 10 me- todos esses efeitos ao mesmo tempo somos ca-
tros de diâmetro (Figura 7). O tamanho avanta- pazes de compreender todos os processos físicos
jado permite um ganho significativo em sensibili- acontecendo simultaneamente em galáxias.
dade, acompanhando as observações do telescópio Por último, é importante ressaltar a contribui-
espacial. ção da informática. Como foi dito antes, as si-
Por fim, outra inovação importante foi a utili- mulações computacionais são fundamentais para
zação de detectores digitais, os chamados CCDs. entendermos a evolução de galáxias do ponto de
Ao contrário das placas fotográficas, os CCDs vista teórico. Na década de 70, isso queria dizer
eram capazes de guardar a maior parte da luz que podíamos colocar algumas dezenas de milha-
que os atingia, garantindo a detecção de astros res de partículas em um computador e verificar o
muito menos luminosos. seu movimento.
Combinadas, as novas tecnologias nos permiti- Hoje, por outro lado, os supercomputadores
Resumo
Neste artigo apresentamos de forma resumida o modelo de Bohr com seus principais desenvolvimentos e a
importância deste modelo para o início da mecânica quântica. Consideramos o contexto no qual a teoria de
Bohr é desenvolvida e seu grande sucesso para explicar a estrutura da matéria. Discutimos sua generalização
mediante a introdução das regras de quantização e a relevância do princípio de correspondência. Mostramos
como o problema da interação entre átomos e a radiação eletromagnética levaram a teoria de Bohr a atingir
seus limites. Também, brevemente, apresentamos a teoria BKS (Bohr-Kramers-Slater) com a qual ficam
evidentes as inconsistências da teoria. No entanto, destacamos que a teoria de Bohr proporcionou a Heisenberg
as ferramentas necessárias para formular o primeiro artigo sobre mecânica quântica.
Abstract
In this article we briefly present the Bohr model with its main developments and the importance of this model
for the beginning of quantum mechanics. We consider the context in which Bohr’s theory is developed and
its great success in explaining the structure of matter. We discuss its generalization through the introduction
of quantization rules and the importance of the correspondence principle. We show how the problem of the
interaction between atoms and electromagnetic radiation pushed Bohr’s theory to reach its limits. We also
briefly show the BKS theory (Bohr-Kramers-Slater) with which the inconsistencies of the theory are also
evident. However, we emphasize that Bohr’s theory provides Heisenberg with the tools to formulate the first
paper on quantum mechanics.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.35812
para discutir diversas questões sobre o espaço, cista. Newton não é exatamente um atomista,
tempo, vácuo, causalidade, etc. No entanto, as mas sim, assume a ideia corpuscular. Em seu li-
discussões foram qualitativas e não se fizeram vro "Optica" considerou que a radiação luminosa
progressos significativos com respeito à proposta é constituída por partículas.
original de Demócrito. Neste contexto, Bernoulli em 1738 publica seu
Dessa forma, as ideais atomistas chegaram com livro Hidrodinâmica no qual utiliza as leis de
maior vigor ao ocidente. Pierre Gassendi é um Newton para os fluidos. Particularmente, no ca-
dos melhores representantes do atomismo no sé- pítulo X, Bernoulli apresenta o primeiro modelo
culo XVII. Por exemplo, na sua obra "Syntagma cinético de um gás. Ele deriva a pressão de um
philosophiae Epicuri" [5] desenvolveu uma visão gás usando a hipótese de que o mesmo é composto
sobre a natureza fundamentada na filosofia epi- de pequenos átomos colidindo contra as paredes
curista, mas tentando conciliar conceitos sobre o do recipiente, de tal forma, que a soma das coli-
átomo com a filosofia cristã. Contudo, sua abor- sões dariam origem ao conceito de pressão.
dagem foi fortemente discursiva sem considerar No século XVIII, a metodologia científica é de-
experimentos ou fundamentação matemática. senvolvida tendo como base os resultados expe-
Por outro lado, Robert Boyle, em meados da rimentais. Em torno de 1797, o químico francês
década de 1650, começa seus experimentos sobre Proust, trabalhando sobre a base das experiên-
a elasticidade do ar tendo como base os experi- cias de Lavoisier, estabelece a lei das proporções
mentos de Torricelli e Pascal. Boyle, em conjunto constantes ou definidas. Esta lei implica que para
com Robert Hooke, constrói e realiza experimen- formar uma dada substância um elemento se mis-
tos com uma bomba de vácuo. Como produto tura com outro elemento numa proporção cons-
destes experimentos, Boyle enuncia um impor- tante, por exemplo, para formar água usamos 2
tante resultado: para um dado gás sua pressão gramas de hidrogênio com 16 gramas de oxigênio
é inversamente proporcional a seu volume. Esta ou 4 gramas de hidrogênio com 32 gramas de oxi-
lei atualmente é conhecida como lei de Boyle- gênio, etc. Isto é, sempre na proporção constante
Mariotte2 e foi fundamental para estimular ideias de 1/8 em massa (lei de Proust).
atomistas sobre a estrutura da matéria. Especi- No entanto, a teoria atômica, de fato, começa
ficamente, Boyle era partidário da teoria corpus- a se transformar numa teoria empírica devido ao
cular da matéria, uma espécie de teoria atômica. trabalho de J. Dalton, especificamente, pelo seu
Posteriormente, Boyle em seu trabalho "En- influente livro "Um novo sistema de filosofia quí-
saio do Nitro" [6], de 1660, mostra como uma mica" [9], publicado em 1808. Dalton publica a
substância pode ser decomposta e depois rein- primeira tabela de pesos atômicos e desenvolve
tegrada misturando adequadamente suas compo- uma nomenclatura em forma de desenhos para
nentes. Dessa forma, Boyle desconstrói o pensa- os átomos.3 Dalton, considerou que os elemen-
mento aristotélico e dá fundamentos experimen- tos se misturam quimicamente para formar o que
tais à teoria corpuscular. Em seu famoso livro o ele chamou de átomos compostos, os quais atu-
"Químico cético" [7], de 1661, Boyle novamente almente chamamos de moléculas. Também con-
apresenta críticas sobre a teoria dos elementos de siderou que átomos de um mesmo elemento não
Aristóteles e Paracelso, e para isso utiliza o per- formariam átomos compostos. Assim, ele consi-
sonagem Carneades, defensor das ideias corpus- derou, por exemplo, que moléculas como H2 não
culares da matéria. Nesta obra, Boyle, insiste poderiam se formar. Devido a esta hipótese, Dal-
que deve-se evitar introduzir discussões metafísi- ton, considerou que a água tinha a fórmula HO
cas na ciência. Boyle, defende a experiência como no lugar de H2 O. Ele também propôs a chamada
base da ciência. Neste sentido, se aproxima das lei das proporções múltiplas generalizando a lei
ideias propostas por Bacon. de Proust. Também, de seus experimentos, che-
Também no século XVII, Isaac Newton, gou a concluir que a pressão total de uma mistura
com seu livro " Philosophiae naturalis principia de gases é a soma das pressões de cada gás, como
mathematica" [8], coloca as bases da mecânica se fossem os únicos gases presentes, isto é, a cha-
e permite a construção de uma filosofia mecani- 3
Alternativamente à notação de Dalton o químico su-
eco Berzelius propôs que os elementos sejam representados
2
Independentemente, na França, Mariotte chega a re- por uma letra maiúscula ou no caso de precisar usar duas
sultados similares. letras a primeira maiúscula e a segunda minúscula
programa de pesquisa, focado na teoria do átomo ser defletidas em ângulos grandes quando inciden-
e na quantização da energia. tes sobre uma fina folha de ouro.
Por outro lado, explicar a origem da estrutura Este resultado levou Rutherford a propor um
atômica levou a sérias pesquisas, em particular, novo modelo para a estrutura do átomo em 1911
as desenvolvidas por Lord Kelvin. A ideia de Kel- [16], alternativo ao modelo de Thomson. Ruther-
vin foi inspirada num artigo de Helmholtz [14] de ford considera que a carga positiva deveria estar
1858, onde Helmholtz estudou matematicamente concentrada na parte central e os elétrons fica-
a formação de vórtices em fluidos. Kelvin, consi- riam em órbitas circulares girando em torno do
derou como fluido o éter e a formação de vórtices núcleo. Também para explicar os grandes des-
neste fluido daria origem aos átomos. Também vios das partículas ↵, pelos átomos, era necessá-
imaginou que da colisão de dois vórtices se pode- rio considerar que quase toda a massa deveria es-
ria explicar a formação de substâncias compostas. tar concentrada no núcleo. Neste contexto, Bohr
Esta ideia foi o inicio de um programa para ex- propõe um novo modelo do átomo que pretende
plicar a origem dos átomos. incluir tanto os desenvolvimentos de Rutherford
quanto as ideias de quantização de Planck e Eins-
Contudo, esta teoria avançou pouco pelas di-
tein.
ficuldades matemáticas apresentadas, sendo seu
maior desenvolvimento um tratado escrito por O presente trabalho esta organizado da se-
J.J. Thomson sobre a formação de vórtices. Com guinte forma: na seção II apresentamos de forma
este trabalho Thomson ganhou o famoso prêmio resumida o modelo de Bohr, na seção III apresen-
Adams. Porém, os experimentos com raios cató- tamos a generalização da teoria de Bohr por Som-
dicos, mostraram uma nova forma de estudar a merfeld, na seção IV comentamos brevemente as-
estrutura da matéria. O próprio Thomson desco- pectos gerais da teoria quântica antiga e na seção
briu o elétron usando esta técnica, o qual ele de- V comentamos o famoso trabalho BKS. Na se-
nominou de corpúsculo de eletricidade negativa. ção VI apresentamos brevemente alguns artigos
Com esta descoberta Thomson vai transitar do fundamentais e na seção VII discutimos nossas
modelo de vórtex para uma teoria atômica focada conclusões.
unicamente nas leis da mecânica e do eletromag-
netismo clássicos.
Thomson propôs em 1904 seu famoso modelo 2 Modelo de Bohr
de "Pudim de Passas" [15]. Que consistia basica- Um fato experimental bastante importante
mente em modelar o átomo como uma esfera só- para o desenvolvimento da teoria do átomo é a
lida positiva com cargas elétricas negativas sobre descoberta dos seus espectros de linha. No ini-
a esfera sólida. Este modelo permitiu que Thom- cio do século XIX, com as observações iniciais de
son fizesse predições matemáticas precisas, como Wollaston [17] e depois com os trabalhos de Frau-
o ângulo de desvio, ou deflexão, de partículas que nhofer foram estudados os primeiros espectros de
incidem sobre uma lamina metálica. Os cálcu- linhas da radiação solar. Fraunhofer catalogou
los mostraram que os desvios, nesta teoria, são muitas linhas escuras de absorção do espectro so-
da ordem de 10 4 rad. Estes resultados teóricos lar por introduzir redes de difração. Em torno
não explicaram as grandes deflexões observadas de 1849, Foucault observou que a radiação emi-
nos experimentos. Outro problema do modelo de tida por um arco voltaico mostrava duas linhas
Thomson era sua estabilidade eletrostática. O amarelas brilhantes no comprimento de onda cor-
grande mérito da proposta de Thomson foi colo- respondente à linha escura catalogada por Frau-
car os estudos do átomo sobre bases precisas nas nhofer como linha D. Depois fez passar radiação
quais se pudessem fazer predições e comprovações solar através do arco voltaico e observou que a
experimentais. Além disso, este modelo estimu- linha escura D era observada com maior intensi-
lou diretamente o modelo de Rutherford, como dade. Foucault interpretou que a fonte luminosa
veremos a seguir. do arco voltaico emitia e absorvia radiação lu-
Rutherford, ex-aluno de Thomson, desenvolveu minosa na mesma frequência. Stokes interpretou
uma série de experimentos em colaboração com isto como um fenômeno de ressonância. Inves-
seus alunos Geiger e Marsden, com os quais com- tigações similares e complementares foram apre-
provaram definitivamente que partículas ↵ podem sentadas por Angström, Kelvin, Alter, Plucker,
da energia, para explicar o efeito fotoelétrico por átomo de hidrogênio. Por exemplo, a física clás-
considerar que a propagação da radiação se dá em sica prediz riscas igualmente espaceadas, no en-
forma de pacotes de energia. tanto, as observadas são diferentes. Isto é devido
Neste contexto, alguns cientistas intentam de- basicamente ao mecanismo de emissão ou absor-
senvolver modelos sobre o átomo que incluam as ção o qual é diferente do clássico. Considerando a
novas ideias de quantização da energia e os resul- visão clássica a frequência observada no espectro
tados de Rutherford sobre a estrutura atômica. é determinada pela frequência de rotação do elé-
Algumas destas tentativas foram feitas principal- tron na sua órbita. No entanto, no caso de Bohr
mente por Haas, Schidlof e Hasenöhrl entre os a frequência do elétron na orbita é diferente da
anos 1910 e 1911, mas nenhuma destas propos- frequência das riscas.
tas teve sucesso. No entanto, uma proposta pu- Sejam a o raio da órbita circular do elétron e
blicada por N. Bohr no ano de 1913, um físico ! sua velocidade angular, então se aplicamos a
pouco conhecido na época,5 se mostrou um mo- terceira lei de Kepler podemos obter,
delo bastante atraente, principalmente, para dar
conta de diversos fatos observacionais sobre os es- Ze2
a3 ! 2 = , (6)
pectros do átomo de hidrogênio. Este modelo in- m
cluía a hipótese quântica de Planck e a estrutura onde Z é o número de carga nuclear. Para este
planetária recentemente proposta por Rutherford sistema podemos aplicar a conservação da ener-
de uma forma bastante convincente. Estas ca- gia de forma que a energia cinética e potencial é
racterísticas despertaram um forte interesse em constante,
diversos cientistas da época.
Em geral, podemos resumir o modelo de Bohr 1 Ze2
ma2 ! 2 = C, (7)
basicamente em duas hipóteses. De acordo com 2 a
o primeiro artigo seminal de Bohr [22] e com a
onde C é uma constante. Se consideramos estas
bela exposição feita por Tomonaga [23] estas duas
duas equações podemos obter:
principais hipóteses podem ser resumidas como:
✓ 2 4 ◆
m 2 2 Ze2 Z e m! 2
• O átomo não emite ou absorve energia em C= a ! = = . (8)
2 2a 8
forma contínua, e sim em forma discreta com
valores característicos para cada átomo. Nos Desta equação podemos colocar em evidência a
estados permitidos o átomo não emite radi- relação [22],
ação. Estes estados são conhecidos como es-
tados estacionários. |E|3 Z 2 e4 m
= , (9)
!2 8
• A emissão ou absorção de radiação acontece
onde consideramos que E = C, isto é, a energia é
quando o átomo passa de um estado estacio-
determinada a menos de uma constante aditiva.
nário para outro. Quando isto acontece uma
Por outro lado, considerando a fórmula de Balmer
radiação monocromática de frequência dada
e Rydberg podemos usar o segundo postulado de
pela fórmula,
Bohr de forma que podemos inferir,
Wn Wm ✓ ◆
⌫= , (5) h h⌫ 1 1
h hk = = = hR , (10)
c n2 m2
é emitida ou absorvida dependendo se temos
wn > wm ou wm > wn respectivamente. onde usamos a definição de número de onda e
multiplicamos ambos os lados pela constante de
Uma das principais razões para o forte interesse Planck. Assim, podemos concluir [22]:
no modelo de Bohr, como mencionamos, é sua
hcR
capacidade para explicar o espectro observado do En = . (11)
n2
5
Niels Bohr no ano de 1913 não era muito conhecido
na física europeia, no entanto, tinha visitado Cambridge
Neste caso convencionamos que nossa escala de
e interagido com Thomson e depois em Manchester com energia considera o ponto zero como correspon-
Rutherford. Ambos eram prêmios Nobel de física. dente a n ! 1, e consideramos que o termo
Observar que tanto o elétron como o núcleo gi- Em seu primeiro artigo Bohr também discute
ram em torno do centro de massa com a mesma o que ele chama de estado estacionário de um
frequência angular e que a conservação da energia átomo e estabelece que o estado é determinado
implica em: pela quantização do momento angular. Para ver
como surge a quantização do momento angular
1 1 Ze2 podemos determina o raio para o enésimo estado
M ! 2 a2n + m! 2 a2e = E. (20)
2 2 ae + an de energia do átomo como,
Usando todas estas equações é possível, de Ze2 a b n2
forma análoga ao caso original de Bohr, mostrar a= = , (23)
2E Z
que
onde usamos a equação (2) e a equação (3) e ab
✓ ◆3
|E 3 | Z 2 e4 m representa o raio da primeira órbita circular de
= m . (21)
!2 8(1 + M ) Bohr no átomo de hidrogênio,
109670.0
109680.0 H1
Constante de Rydberg (RA)
109690.0
109700.0
109730.0 H2
109720.0 He2
Li7
109730.0 O16 Si Cl Sc V Cu Ge
109740.0
0 10 20 30 40 50 60 70
Peso atômico (A)
Figura 1: Efeito da massa finita do núcleo no cálculo da constante de Rydberg para diferentes elementos [26].
estacionário de um átomo". Assim, por exem- Comparando esta equação com a equação ini-
plo, Bohr considera que o átomo do lítio forma cial de F obtemos
uma camada interna com dois elétrons girando
em torno do núcleo em posições opostas e o ter- 1
F =Z . (35)
ceiro elétron em outra camada exterior. 4
Levando em conta estas considerações Bohr as- No caso do átomo de hélio obtemos F = 1,75,
sumiu que se F é a carga efetiva (carga do núcleo que comparado com o resultado do método va-
mais cargas das camadas cheias) então podemos riacional, da física quântica, resulta consistente.
derivar que: A física quântica determina um valor de F =
mv 2 ⇣ e ⌘2 2 5/16. Portanto, o uso da teoria de Bohr
= F. (29) ainda proporcionava uma boa aproximação.
a a
Agora seguindo os mesmos passos que foram No terceiro artigo, de sua trilogia, Bohr desen-
apresentados anteriormente pode-se derivar que: volveu uma tentativa de teoria de formação de
moléculas. Bohr discutiu qualitativamente a for-
n 2 h2 mação de moléculas como H2 , H2 O, O3 , entre
, r = (30)
4⇡ 2 mF e2 outras [30]. Inicialmente, os dois átomos neutros
4⇡ 2 mF 2 e4 estão afastados e têm pouca interação. Depois
E = , (31)
2n2 h2 os átomos se aproximam e entra em jogo uma
4⇡ 2 mF 2 e4 atração entre o elétron, de um dos átomos, e o
⌫ = . (32)
n 3 h3 núcleo do outro átomo. Também resultam for-
Uma aplicação, evidente deste método, pode ças de repulsão entre os dois elétrons e entre os
ser feito para o átomo do hélio por igualar a força dois núcleos. Se espera que para uma posição
centrípeta com a força elétron-elétron e elétron- próxima, dos átomos, a força de atração domine
núcleo como, com respeito à força de repulsão e desta forma
leva, o sistema como um todo, a uma posição de
mv 2 Ze2 e2
= 2 , (33) equilíbrio para formar a molécula. Bohr desenvol-
a a (2a)2
veu rudimentariamente a teoria matemática deste
Esta equação pode ser rearranjada como processo. Para uma simples implementação deste
mv 2 1 e2 modelo ver o terceiro artigo de Bohr [30] ou o ar-
= (Z ) . (34) tigo [19].
a 4 a2
conseguido derivar a constante de Rydberg como hidrogênio de Balmer parece, à primeira vista, ter
função da constante de Planck. Outra questão na sido completada pelas maravilhosas investigações
qual estava interessado era o efeito Zeeman. de N. Bohr. Bohr não só foi capaz de explicar a
Numa carta de Sommerfeld [33] a Bohr surge forma geral da lei para a série, mas também for-
a pergunta sobre a possibilidade de aplicar esta necer o valor da constante nela e o refinamento
nova abordagem para o efeito Zeeman. Bohr em necessário para levar em conta o movimento do
seu artigo publicado em março de 1914 sob o tí- núcleo. Pode-se até dizer que a aplicabilidade da
tulo: “On the Effect of Electric and Magnetic Fi- teoria de Bohr está, no momento, restrita à série
elds on Spectral Lines” [34] estuda o efeito Ze- do hidrogênio e às séries do tipo hidrogênio (hélio
eman e encontra dificuldades fundamentais para ionizado, espectros de raios-X, extremos de séries
derivar valores que correspondam aos dados ex- de espectros visíveis). No entanto, gostaria de
perimentais. Bohr conclui na seção três de seu mostrar que mesmo a teoria da série de Balmer
artigo: "Uma vez que na presença de um campo apresenta, em certo sentido, uma deficiência, no-
magnético, o espectro de um elemento não pode meadamente a partir do momento em que se con-
ser expresso por uma fórmula do tipo (2), [⌫ = sideram órbitas que não são circulares (portanto,
f (n1 ) f (n2 )], segue-se que o efeito do campo no caso do átomo de hidrogênio, elípticas). Vou
não pode ser explicado por considerações análo- preencher essa lacuna aprofundando o postulado
gas aquelas empregadas na seção 2 ao considerar quântico e, assim, iluminar simultaneamente o lu-
o efeito de um campo elétrico". gar especial do espectro do hidrogênio". Como se
É interessante notar que desde o primeiro con- observa, Sommerfeld mostra uma grande admira-
gresso de Solvay em 1911, Sommerfeld tentou uti- ção pelo trabalho de Bohr e especifica que a teo-
lizar a ideia do quantum de ação. Por exemplo, ria do átomo de hidrogênio com órbitas elípticas
em 1913, ele publicou com Debye um artigo no precisa ainda ser desenvolvida.
qual os dois estudam o efeito fotoelétrico usando o Sommerfeld, no seu artigo de 1915, justifica
quantum de ação [35]. Depois, também em 1913, a regra de quantização utilizando a definição de
Sommerfeld publica outro trabalho nos Annales Planck, mencionada anteriormente. Especifica-
der Physik [36], onde estuda a recente descoberta mente, Sommerfeld aplica seus argumentos para
do efeito Paschen-Back. Este efeito tinha sido o caso kepleriano. Ele estabelece a definição:
descoberto em 1912 e basicamente Paschen e seu I
aluno Back estudaram o efeito Zeeman anômalo pn dq = nh. (39)
em elementos como H, He e Li. Eles observa-
ram que quando aumentavam o campo magnético Sommerfeld denomina a esta definição de inte-
o efeito se reduzia a um efeito Zeeman normal. gral de fase a qual é válida unicamente para mo-
Eles descobriram uma transformação magnética. vimentos periódicos. Para o problema de Kepler,
Em geral, estes trabalhos permitem observar que esta definição, implica nas duas condições:
Sommerfeld estava bastante envolvido nas pes- I
quisas de espectros atômicos, assim como, com a p' d' = n' h. (40)
proposta de Planck do quantum de ação. I
A extensão do modelo de Bohr feita por Som- pr dr = nr h, (41)
merfeld teve sua primeira publicação em dezem-
bro de 1915 [37] e depois em janeiro de 1916 [38].8 onde a primeira integral corresponde ao ângulo
Depois ele publica um artigo de revisão, ainda em azimutal e a segunda integral à coordenada ra-
1916 [39] Sommerfeld, resumindo seus resultados. dial. Assim, em sínteses Sommerfeld determina
Também em 1919 publica seu livro seminal [40]: para o espectro de hidrogênio a fórmula:
"Atombau und Spektrallinien" no qual a teoria é ✓ ◆
apresentada dentro de uma estrutura maior que 1 1
⌫=N + , (42)
podemos chamar de teoria quântica antiga. (n + n0 )2 (m + m0 )2
Sommerfeld, em artigo de dezembro de 1915
onde N representa a constante de Rydberg e n
começa escrevendo [37]: "A teoria do espectro de
e m são números inteiros derivados das regras de
8
Estes dos artigos tem tradução ao inglês ver as refe- quantização. A diferença deste resultado com res-
rencias peito ao modelo de Bohr é a degenerescência dos
6.2 Über die Streuung von Strahlung a longitude dos períodos dos elementos da tabela
durch Atome [55] periódica (2, 8, 18, 32, ...). Depois da publicação
de um artigo por Stoner [60] Pauli reconhece que
A teoria clássica da dispersão foi desenvolvida os números quânticos de um elétron devem ser n,
principalmente por Drude [56] e uma teoria aná- l, j = l ± 1/2 e mj . Por n e l Pauli denotou os
loga para os processo atômicos foi apresentada números quânticos principal e angular respecti-
inicialmente por Ladenburg [57]. No entanto, foi vamente. Por j o momento angular total e por
Kramers em dois pequenas notas na revista Na- mj sua projeção, em notação moderna. Assim,
ture, em 1924, quem determinou a fórmula da quando l = 0 o momento angular total do elé-
dispersão, sob o princípio de correspondência, in- tron é dado por j = ±1/2. Com base nisto Pauli
cluindo processos de emissão e absorção [45]. propôs seu principio de exclusão: em um átomo
No entanto, é neste artigo [55], feito em co- dois elétrons não podem ter os quatro números
laboração com Heisenberg, que Kramers apre- quânticos iguais.
senta uma derivação de sua teoria da dispersão Pauli, verificou que sua proposta correspondia
de forma sistemática. Este artigo também é ci- com resultados empíricos. Mas ele não deu ne-
tado diretamente por Heisenberg no seu seminal nhuma interpretação teórica porque pensava que
artigo. Heisenberg considera que este artigo re- este novo número quântico era uma propriedade
presenta o maior desenvolvimento da teoria de característica da nova mecânica. Então, para
Bohr quando aplicada para estudar processos de os números quânticos (n, l, j, mj ) Pauli obteve
dispersão atômicos. 2(2l + 1) possibilidades. Assim, ele determinou
Um aspecto importante da fórmula da disper- a longitude correta dos períodos (2, 8, 18, 32, ...)
são de Kramers é que ela depende unicamente como pode ser facilmente verificado. Estes resul-
da transição entre dois estados estacionários, mas tados são publicados em dois artigos [61] e [58].
não das grandezas dos próprios estados estacioná- Esta nova propriedade atualmente é conhecida
rios. Isto é, a fórmula de dispersão não depende como spin do elétron e seu principio de exclusão é
dos elementos da órbita como em mecânica clás- fundamental para explicar a estrutura da tabela
sica. Neste artigo se observa essa característica periódica e em geral a estabilidade da matéria.
e deve ter influenciado em Heisenberg para pro- Mas o fundamental para nossa discussão é mos-
curar, como ele mesmo escreve no seu artigo se- trar que Pauli com suas investigações leva a teoria
minal, uma reinterpretação do referencial teórico de Bohr até seus limites e, desta forma, contribuiu
sobre o qual construir a nova mecânica. Este refe- decisivamente com resultados que mostraram a
rencial não deve incluir elementos orbitais direta- necessidade de uma nova mecânica.
mente e sim grandezas observáveis como frequên-
cias, intensidades, polarização, etc.
7 Conclusões
6.3 Princípio de exclusão de Pauli [58]
Neste artigo revisamos o modelo de Bohr e
Paralelamente aos trabalhos feitos em Cope- como o árduo trabalho de muitos cientistas, den-
nhague (Bohr e Kramers) e Gottingen (Born e tro deste referencial teórico, permitiu abrir espaço
Heisenberg), em Hamburgo Pauli desenvolveu al- para uma nova teoria da natureza, a mecânica
guns conceitos inovadores. Pauli tinha desenvol- quântica. Com isto queremos mostrar que uma
vido sua tese de doutorado entre 1919 e 1921 so- nova teoria não resulta instantaneamente sem ne-
bre a molécula do íon de hidrogênio. Este tema foi nhuma conexão com as teorias anteriores. As no-
sugerido pelo seu orientador Sommerfeld. Usando vas teorias, em alguns casos, têm diferenças notá-
a mecânica quântica antiga Pauli mostrou que a veis com respeito das antigas teorias. No entanto,
molécula do íon de hidrogênio era instável. Por- as peças para construir estas diferenças são en-
tanto, a teoria de Bohr era incompatível com os contradas nas teorias anteriores. Isto pode ser
resultados experimentais. visto na relação entre a teoria de Bohr e a mo-
Pauli investiga também o efeito Zeeman anô- derna mecânica quântica.
malo em metais alcalinos e com isto a estrutura Pauli, em Hamburgo, chega a um resultado
eletrônica dos elementos da tabela periódica [59]. fundamental, um resultado próprio da mecânica
Em particular, não havia uma base teórica para quântica moderna, seu princípio de exclusão. A
grande intuição de Pauli ao se movimentar nos [4] D. Marcondes, A filosofia árabe: um en-
meandros dos resultados observacionais da época, contro entre Ocidente e Oriente, Expresso
assim como, seu conhecimento das limitações teó- Zahar (Zahar, 2016).
ricas da teoria de Bohr, permitiram que ele insis-
tisse na necessidade de um novo grau de liberdade [5] T. R. Rovaris, O projeto epicurista an-
para o elétron, o spin. tiaristotélico de pierre gassendi, Disser-
Por outro lado, o trabalho de Heisenberg den- tação de Mestrado, Universidade Fede-
tro da teoria de Bohr, especialmente, dentro do ral da Bahia (2007). Disponível em
formalismo para determinar as intensidades de http://www.repositorio.ufba.br/ri/
riscas espectrais e seus estudos dos processos de handle/ri/11223, acesso em dez. 2021.
dispersão da interação entre átomos e radiação,
foram fundamentais, como treinamento teórico [6] L. Zaterka, Robert Boyle e a química experi-
para desenvolver a mecânica quântica. Neste sen- mental - O ensaio do nitro: alguns aspec-
tido, é fundamental a teoria BKS como inspira- tos relacionados à polêmica com espinosa,
dora para a necessidade de uma nova teoria. Cadernos de História e Filosofia da Ciência
Em síntese, esperamos que este artigo possa 11(1), 63 (2001).
contribuir para o entendimento da importância
da teoria de Bohr na formulação da mecânica [7] R. F. de Farias e L. S. das Neves, História da
quântica, assim como, esperamos que sirva de Química: Um Livro-Texto Para a Graduação
complemento a uma disciplina de física moderna (Editora Átomo, 2011), 2 ed.
ou de introdução à mecânica quântica.
[8] I. Newton, Principa - Princípios Matemáti-
cos de Filosofia Natural , vol. 1 (Editora Fo-
lha de São Paulo, 2010).
Agradecimentos
A.M.V.T. Gostaria de agradecer à UFES por [9] F. Greenaway, John Dalton and the Atom
permitir coordenar um projeto da Pró-reitoria de (Cornell University Press, Nova York, 1966).
Extensão sobre história da ciência. Este artigo
foi iniciado dentro deste programa. [10] P. de La Catardiére, História das Ciências -
Da Antiguidade aos Nossos Dias, vol. 1 e 2
(Texto & Grafia, 2010).
Sobre o autor
[11] S. R. Dahmen, A obra de Boltzmann em fí-
Alan M. Velásquez-Toribio (alan.toribio@ufes. sica, Revista Brasileira de Ensino de Física
br) possui Graduação em Física pela Universidad 28(3), 281 (2006).
Nacional de Trujillo (Perú) e Doutorado em Fí-
sica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. [12] J. C. Maxwell, V. Illustrations of the dyna-
Atualmente é professor da Universidade Federal mical theory of gases - Part I. On the moti-
do Espirito Santo e trabalha, principalmente, com ons and collisions of perfectly elastic spheres,
pesquisas na área de cosmologia teórica. Também The London, Edinburgh, and Dublin Phi-
desenvolve trabalhos sobre história e filosofia da losophical Magazine and Journal of Science
ciência. 19(124), 19 (1860).
[15] J. J. Thomson, XXIV. On the structure of [26] H. E. White, Introduction to Atomic Spectra
the atom: an investigation of the stability (McGraw-Hill, New York, 1934).
and periods of oscillation of a number of cor-
puscles arranged at equal intervals around [27] A. Fowler, The spectra of helium and hydro-
the circumference of a circle; with applica- gen, Nature 92(2295), 232 (1913).
tion of the results to the theory of atomic
structure, The London, Edinburgh, and Du- [28] N. Bohr, The spectra of helium and hydrogen,
blin Philosophical Magazine and Journal of Nature 92(2295), 231 (1913).
Science 7(39), 237 (1904).
[29] N. Bohr, XXXVII. On the constitution of
[16] E. Rutherford, LXXIX. The scattering of ↵ atoms and molecules, The London, Edin-
and particles by matter and the structure burgh, and Dublin Philosophical Magazine
of the atom, The London, Edinburgh, and and Journal of Science 26(153), 476 (1913).
Dublin Philosophical Magazine and Journal
of Science 21(125), 669 (1911). [30] N. Bohr, Sobre a constituição de átomos e
moléculas, vol. II de Textos Fundamentais
[17] W. H. Wollaston, XII. A method of exa- da Física Moderna (Fundação Calouste Gul-
mining refractive and dispersive powers, by benkian, 1979).
prismatic reflection, Philosophical Transac-
tions of the Royal Society of London 92, [31] J. Ishiwara, The universal meaning of the
365 (1802). quantum of action, The European Physical
Journal H 42(4), 523 (2017).
[18] T. Hockey (ed.), The biographical encyclo-
pedia of astronomers (Springer, New York, [32] M. Planck, The Theory of Heat Radiation
2007). (Dover Publications, 1991).
[19] C. Filgueiras, J. Braga e N. H. T. Lemes, [33] M. Eckert, How Sommerfeld extended Bohr’s
O centenário da molécula de Bohr, Química model of the atom (1913-1916), Eur. Phys. J.
Nova 36(7), 1078 (2013). H 39(2), 141 (2014).
[20] H. A. Lorentz, La théorie électromagnéti- [34] N. Bohr, LIX. On the effect of electric and
que de Maxwell et son application aux corps magnetic fields on spectral lines, The Lon-
mouvants / par H.A. Lorentz. (E.J. Brill, don, Edinburgh, and Dublin Philosophical
Leide, 1892). Magazine and Journal of Science 27(159),
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[21] O. J. Lodge, The influence of a magnetic fi-
eld on radiation frequency, Proceedings of [35] P. Debye e A. Sommerfeld, Theorie des
the Royal Society of London 60(359-367), lichtelektrischen effektes vom standpunkt
513 (1897). des wirkungsquantums, Annalen der Physik
346(10), 873 (1913).
[22] N. Bohr, I. On the constitution of atoms and
molecules, The London, Edinburgh, and Du-
[36] A. Sommerfeld, Der zeemaneffekt eines ani-
blin Philosophical Magazine and Journal of
sotrop gebundenen elektrons und die beobach-
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tungen von paschen-back, Annalen der Phy-
[23] S. I. Tomonaga, Quantum Mechanics vol. 1 - sik 345(4), 748 (1913).
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[25] E. J. Evans, The spectra of Helium and Hy- meeting on 8 january 1916, Eur. Phys. J. H
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[39] A. Sommerfeld, Zur quantentheorie der spek- [52] M. Born e W. Pauli, Über die quantelung
trallinien, Annalen der Physik 356(18), gestörter mechanischer systeme, Zeitschrift
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[40] A. Sommerfeld, Atombau Und Spektrallinien [53] M. Born e W. Heisenberg, Über phasenbe-
(Nabu Press, 2010). ziehungen bei den bohrschen modellen von
[41] P. S. Epstein, Zur theorie des starkeffektes, atomen und molekeln, Zeitschrift für Physik
Annalen der Physik 355(13), 489 (1916). 14(1), 44 (1923).
[54] M. Born e W. Heisenberg, Die elektronen-
[42] K. Schwarzschild, Sitzungsber. Preuss. bahnen im angeregten heliumatom, Zeitsch-
Akad. Wiss. Berlin 189 (1916). rift für Physik 16(1), 229 (1923).
[48] W. Bothe e H. Geiger, Über das wesen des [59] M. Born, Física Atômica (Fundação Ca-
comptoneffekts; ein experimenteller beitrag louste Gulbenkian, 1965).
zur theorie der strahlung, Zeitschrift für Phy-
sik 32(1), 639 (1925). [60] E. C. Stoner, LXXIII. The distribution of
electrons among atomic levels, The Lon-
[49] A. H. Compton e A. W. Simon, Directed don, Edinburgh, and Dublin Philosophical
quanta of scattered x-rays, Phys. Rev. 26, Magazine and Journal of Science 48(286),
289 (1925). 719 (1924).
[50] A. I. Miller, Early Quantum Electrodyna-
[61] W. Pauli, Über den einflußder geschwin-
mics: A Source Book (Cambridge University
digkeitsabhängigkeit der elektronenmasse auf
Press, Cambridge, 1995).
den zeemaneffekt, Zeitschrift für Physik
[51] M. Born, Über quantenmechanik, Zeitschrift 31(1), 373 (1925).
für Physik 26(1), 379 (1924).
Resumo
Em fevereiro de 2021 ocorreu a primeira edição do evento As Astrocientistas: Encontro Brasileiro de Meninas
e Mulheres da Astrofísica, Cosmologia e Gravitação, que reuniu grandes nomes da ciência brasileira para home-
nagear as pesquisadoras brasileiras ou estrangeiras que tenham vínculos com o nosso país, em celebração ao dia
internacional das mulheres e meninas na ciência. Neste artigo, apresentamos nossa motivação para organizar
este evento, assim como as dificuldades que enfrentamos e os aprendizados que conquistamos. Também expomos
nossa interpretação sobre a relevância deste encontro.
Abstract
The first edition of the event As Astrocientistas: the Brazilian Meeting of Women and Girls in Astrophysics,
Cosmology, and Gravitation, happened in February 2021. It gathered great names of Brazilian science to pay
homage to Brazilian female researchers and other female physicists with close ties to our community. This paper
presents our motivation to organize this event, the challenges we faced, and exposes the learning experience we
gained from doing so. We will talk about the relevance of this event as we perceive it.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37327
respostas com relação à etnia apresentam 20% de lhando em diferentes partes do mundo e, por-
pardos, 6% de negros, 1% de indígenas e 2% de tanto, sem uma instituição anfitriã para patro-
asiáticos. As opções “Outro”, “Eu prefiro não res- cinar este projeto. Para validar nossa causa e
ponder” e “Eu prefiro não me classificar” também reafirmar às palestrantes convidadas a sinceri-
foram consideradas. Mais detalhes são apresen- dade do nosso convite, contamos com o apoio
tados na Figura 5. do Programa de Pós-Graduação em Astrofísica,
Os dados mostram de forma clara o perfil da co- Cosmologia e Gravitação da Universidade Fede-
munidade em questão: homens cisgênero (65%), ral do Espírito Santo (PPGCosmo - UFES), do
heterossexuais (88%) e brancos (61%). Na con- Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e
tramão, as dificuldades se mostram bastante limi- das instituições internacionais Instituto para Es-
tadoras para os indivíduos pertencentes a uma ou tudos Avançados em Ciências Humanas (KWI),8
mais minorias marginalizadas. Os demais resul- da Alemanha, e Universidade de Jyväskylä (JyU),
tados da pesquisa podem ser encontrados em [8]. da Finlândia.
O projeto As Astrocientistas começou como
uma ideia muito simples que evoluiu e cresceu
3 Sobre o evento As Astrocientistas além da nossa imaginação. Olhando em retros-
pectiva, o peso político desse evento tornou-se
A comissão organizadora do evento As Astro- evidente para nós quando estávamos relembrando
cientistas é formada pelos doutores Emmanuel o nosso método organizacional. Para as três mu-
Frion e Rodrigo von Marttens, além das auto- lheres do comitê organizador, a luta para usar
ras deste artigo, Carla Rodrigues Almeida, Paola sempre 110% dos esforços para atingir os nossos
Delgado e Tays Miranda. Todos nós, em um mo- objetivos em um ambiente dominado pelos ho-
mento ou outro, fomos doutorandos em física na mens tornou-se rotina, mas foi uma experiência
Universidade Federal do Espírito Santo, no Bra- nova para os dois organizadores homens, que re-
sil. Além do vínculo institucional, somos também lataram sentir uma pressão maior para obtermos
pesquisadores que trabalham em diversos tópicos um resultado de excelência. Percebemos a poste-
da astrofísica, cosmologia e gravitação. riori que, se tivéssemos falhado, não seria apenas
A ideia do projeto As Astrocientistas nasceu um fracasso pessoal para nós. A nossa falta de
em meados de outubro de 2020, quando decidi- êxito poderia enviar uma mensagem errada para
mos transformar nossa frustração com o recente nossa comunidade, podendo ser inadequadamente
retrocesso acadêmico no Brasil, impulsionado por adotada como exemplo contra futuras tentativas
uma crise política e a pandemia do COVID-19, de promoção de grupos minoritários.
em algo positivo. Em meio a uma onda de agenda Hoje percebemos que, apesar de todos os pro-
anticientífica em nosso país e a percepção do cres- blemas que a pandemia gerou, a trivialização de
cimento da discriminação contra grupos minoritá- encontros completamente virtuais nos permitiu
rios, parecia apropriado celebrar a ciência brasi- configurar este evento de forma barata e acessí-
leira e as pesquisadoras que trabalham em nosso vel, sem a preocupação de custos com viagens e
campo com uma conferência para comemorar o hospedagens e alcançando uma maior audiência,
Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ci- incluindo pessoas de fora da academia que de-
ência, 11 de fevereiro. A primeira edição do As monstraram interesse pelo tema. Mesmo com o
Astroscientistas – um neologismo referente às pes- planejamento cuidadoso, não poderíamos ter pre-
quisadoras que trabalham com astrofísica, cosmo- visto esse nível de sucesso. O entusiasmo dos par-
logia e gravitação – foi virtual, realizada majori- ticipantes e as palestras de alta qualidade minis-
tariamente em português e ocorreu entre os dias 8 tradas por nossas convidadas foram avassalado-
e 11 de fevereiro de 2021. As Astrocientistas: En- res, aumentando a pilha de evidências de que as
contro Brasileiro de Meninas e Mulheres na As- mulheres podem fazer ciências tão bem quanto
trofísica, Cosmologia e Gravitação é a nossa ho- seus colegas homens, se tiverem oportunidade.
menagem às pesquisadoras historicamente negli- Uma de nossas tarefas mais difíceis foi escolher
genciadas que são brasileiras ou possuem vínculos quem convidar dentre tantas pesquisadores talen-
com nosso país. tosas. Neste quesito, priorizamos a diversidade,
Nós, do Comitê Organizador, somos um grupo
de pesquisadores em início de carreira traba- 8
Kulturwissenschaftliches Institut Essen.
entendendo que não haveria perda de qualidade minantemente masculina. Dada a qualidade das
seguindo este critério. Nosso objetivo foi trazer o palestras, por que houve tão pouco interesse dos
tema da conferência de forma sensata, mas sem pesquisadores do sexo masculino? Esta questão
descuidar de sua relevância política. Com isso em permanece em aberto.
mente, incluímos discussões em mesa redonda no Infelizmente não fomos capazes de conseguir fi-
programa para dar voz às mulheres cientistas em nanciamento nacional para a produção dos Anais
importantes questões científicas e políticas, inspi- do evento, o que é um claro indicativo da situa-
rando a próxima geração de meninas e mulheres ção precária que a ciência brasileira se encontra.
em astrofísica, cosmologia e gravitação. No dia A primeira edição do Astrocientistas, um evento
final do evento, precisamente no Dia Internaci- bem sucedido que exalta pesquisadoras brasilei-
onal de Meninas e Mulheres na Ciência, demos ras de excelência, foi completamente financiado
as boas-vindas à ganhadora do Prêmio Nobel em por instituições estrangeiras. Em particular, os
física do ano de 2020, Andrea Ghez, para uma pa- Anais serão patrocinados inteiramente pela Uni-
lestra especial. Foi uma imensa honra ouvir uma versidade de Jyväskylä.
das quatro cientistas que já receberam essa hon- Hoje, quando o Brasil é ameaçado pelo negaci-
raria para falar em nossa conferência. Ela é uma onismo e os abissais cortes de verbas destinadas
inspiração para toda uma geração de meninas e a ciência e tecnologia, o sucesso do Astrocientis-
mulheres na física, e não podemos agradecê-la o tas nos oferece um raio de esperança. Ainda há
suficiente por sua participação. muito a aprender e melhorar em nossa sociedade,
Outro ponto de discussão durante a organiza- mas esses pequenos passos se mostram como a
ção foi como abordar a participação dos homens melhor maneira de seguir em frente. Esta será a
neste evento. As Astrocientistas seria uma cele- primeira de muitas edições que visam criar diver-
bração de mulheres e meninas na ciência e en- sidade, equidade e inclusão para a comunidade
tendemos isso como uma causa que pode e deve científica brasileira.
ser comemorada pelos homens também. Abrimos
as inscrições para apresentações orais e pôsteres
a todos, mas, para nos mantermos fiéis ao tema, 4 Convidadas
pedimos aos homens que apresentassem o traba-
A fim de homenagear e dar visibilidade às pes-
lho de mulheres cientistas, sejam estas colabora-
quisadoras brasileiras ou com vínculos fortes com
doras ou outras pesquisadoras que eles admiram.
o Brasil, o comitê organizador do As Astrocien-
Essas informações estavam explícitas em nosso
tistas convidou 13 mulheres a apresentarem seus
site e nas nossas redes sociais e, ainda assim, a
trabalhos nas áreas de astrofísica, gravitação e
pergunta mais frequente que recebíamos era se
cosmologia. A seleção das convidadas foi feita
homens também poderiam participar da confe-
por todos os membros do comitê em conjunto, le-
rência. Isso nos indicou que a comunicação não
vando em consideração a abordagem de diferentes
foi suficientemente efetiva, pois mesmo os interes-
temas, diversidade regional e representatividade
sados em homenagear as nossas convidadas não
de mulheres pertencentes a outros grupos margi-
tinham a certeza do nosso objetivo, embora não
nalizados. A grande dificuldade não foi encontrar
saibamos o que poderíamos ter feito melhor neste
pesquisadoras de excelência, mas sim selecionar
sentido.
um pequeno grupo em uma lista tão extensa.
Desde o início, o registro de participantes do As convidadas da primeira edição do evento
sexo feminino superou o número de participantes foram Angela Olinto (Universidade de Chicago),
do sexo masculino por uma margem significativa. Beatriz B. Siffert (UFRJ), Carolina Loureiro Be-
Para nós, foi a primeira vez que participamos de none (UFPA), Dinalva Aires de Sales (IMEF -
uma conferência de física com mais participantes FURG), Elisa G.M. Ferreira (USP e Instituto
do sexo feminino. Foi uma vitória! Com opor- Max Planck para Astrofísica), Leila Graef (UFF),
tunidades e um espaço seguro, as mulheres po- Maria Elidaiana da Silva Pereira (Universidade
dem prosperar neste ambiente. Mas a vitória foi de Hamburgo), Mariana Penna-Lima (UnB), Mi-
agridoce ao mesmo tempo. Essa razão de mu- col Benetti (Universidade de Nápoles Federico II),
lheres para homens não reflete o cenário atual Miriani Pastoriza (UFRGS), Natalia Vale Asari
das astrociências brasileiras, que ainda é predo- (UFSC), Rita de Cássia dos Anjos (UFPR) e
Vivian Miranda (Universidade do Arizona). Os a chance de perceber com mais clareza algumas
títulos das palestras e uma breve introdução às das dificuldades impostas às pessoas marginaliza-
carreiras acadêmicas das palestrantes convidadas das na ciência e, por fim, aprender com elas.
podem ser encontrados no Apêndice A. Também Um dos primeiros problemas que tivemos que
convidamos a pesquisadora Érica de Mello Silva endereçar foi a dificuldade de estabelecer o ca-
(UFTM), que integra o Grupo de Trabalho so- ráter científico do evento. Por mais que o site
bre Questões de Gênero da Sociedade Brasileira e as mídias sociais do encontro deixassem clara
de Física desde 2019, para liderar uma discussão uma proposta acadêmica nas áreas de astrofísica,
mais aprofundada sobre a participação de mulhe- gravitação e cosmologia, muitos dos receptores
res na ciência. da divulgação tomaram o evento única e estri-
O fechamento do evento aconteceu no Dia In- tamente como uma discussão sobre gênero. Esse
ternacional de Meninas e Mulheres na Ciência, foi, certamente, um tema abordado durante as
celebrado anualmente em 11 de fevereiro. Para a discussões. Organizamos uma mesa redonda inti-
palestra de encerramento, tivemos a imensa honra tulada Mulheres e Meninas na Ciência - Desafios
de receber Andrea Ghez (Universidade da Califór- e Oportunidades, que contou com a participação
nia), vencedora Prêmio Nobel de Física no ano de das pesquisadoras Érica de Mello Silva, Dinalva
2020. Além da oportunidade de ouvir sobre seu Aires de Sales, Leila Graef e Micol Benetti, sem
trabalho, vimos que a trajetória de uma mulher mencionar a ativa participação dos inscritos. En-
na ciência é desafiadora, ainda que se trate de tretanto, o foco principal, desde o início, foi pro-
uma futura Prêmio Nobel. O convite à Ghez, que mover a interação e a discussão entre estudantes
é americana e apresentou em inglês, foi além da e pesquisadoras atuantes nas áreas mencionadas.
proposta inicial de homenagem à pesquisadoras Abrimos espaço para a discussão de temas cientí-
brasileiras ou com vínculos com o Brasil. Den- ficos relevantes, com mesas redondas focadas no
tre os 219 laureados com o Nobel de Física até cenário atual das astrociências, com a participa-
então, apenas 4 são mulheres, correspondendo a ção de Caroline Benone, Natália Vale Asari e Vi-
aproximadamente 1,83%. Por isso, julgamos que vian Miranda, e o futuro das pequisas em astro-
a participação da Ghez seria encorajadora, não só física cosmologia e gravitação, cuja discussão foi
por ela ser uma mulher pesquisadora, mas porque liderada por Angela Olinto, Elisa Ferreira, Maria
sua contribuição científica é de extrema relevân- Elidaiana da Silva e Mariana Penna-Lima.
cia para as astrociências. Ghez foi laureada pela
Apesar da surpresa inicial que tivemos ao nos
descoberta de um objeto compacto supermassivo
deparar com essa situação em que os objetivos
no centro de nossa galáxia [9, 10], partilhando o
do evento foram de certa forma mal interpreta-
prêmio com Roger Penrose e Reinhard Genzel.
dos, não é difícil relacioná-la ao constante distan-
O evento também contou com a apresentação
ciamento imposto entre o feminino e o científico.
de 11 comunicações orais e 25 pôsteres, cujos tí-
Da mesma forma que mulheres enfrentam obs-
tulos e autores também podem ser encontrados
táculos para serem identificadas como cientistas,
no Apêndice A.
um evento sobre pesquisas de mulheres enfrentou
problemas para ser identificado como científico.
Apesar de termos, por fim, alcançado o caráter
5 O que aprendemos com o evento almejado na primeira edição do encontro, hoje
Organizar o evento As Astrocientistas foi uma compreendemos que esforços extras nesse sentido
experiência enriquecedora e desafiadora em diver- são fundamentais.
sos aspectos. Além de todo o trabalho usual atri- A fim de aproveitar ao máximo a oportuni-
buído a comitês organizadores em geral, tivemos dade apresentada com este tipo de evento, um
que nos atentar ao caráter social e político do en- contraespaço para dar voz às mulheres cientistas,
contro. Em um momento de tamanha intolerân- coletamos algumas informações dos participan-
cia e negacionismo em nosso país, quisemos criar tes através de uma pesquisa (opcional) disponível
um meio de discussão científica inclusivo e recep- para participação durante esta primeira edição
tivo, assegurando o espaço e a participação ativa do evento As Astrocientistas. Os dados coleta-
das minorias. Na prática encontramos diversos dos sobre gênero confirmam a pouca participação
desafios a esse objetivo e, ao enfrentá-los, tivemos masculina. Ao contrário da imensa maioria dos
dade e a ativa participação dos inscritos nos mos- constante do tema se faz cada vez mais necessário.
trou que este foi também um espaço de reflexão Mudanças simples podem ajudar bastante a dimi-
e colaboração para o combate à desigualdade de nuir esta lacuna, como abrir oportunidades para
gênero dentro da academia. a contratação de mulheres qualificadas, orientar
Neste artigo, discutimos nosso aprendizado uma mudança sugestiva no programa de mentores
pessoal com a organização do evento As As- e analisar a possibilidade de patrocínio. Ou, no
trocientistas e, para contextualizar essas ques- mínimo, encorajar a participação de grupos mi-
tões, apresentamos de forma introdutória o cená- noritários em processos seletivos. Pesquisas mais
rio atual, global e brasileiro, identificando alguns robustas também podem nos ajudar a compreen-
fenômenos que se manifestam em diferentes está- der as implicações da relação entre hábitos cultu-
gios de formação acadêmica e dificultam o avanço rais, gênero e pesquisas científicas. Na realidade,
de carreira de mulheres dentro da academia. Per- atuais avanços na discussão de igualdade de gê-
cebemos que, apesar da demanda crescente por nero na física já fornecem possíveis indicativos de
estatísticas e análises comparáveis entre países so- como enfrentar o problema. Algumas ações são
bre mulheres na ciência, os dados nacionais e seu de fácil implementação, como por exemplo:
uso na formulação de políticas costumam ser li-
• A valorização da diversidade dentro de uma
mitados. Mas que, felizmente, há um contínuo
equipe, em oposição ao enfoque em pesqui-
esforço para trazer luz para este problema tão
sadores autossuficientes [11–13];
debilitante para a ciência.
Dentro da academia, em particular em depar- • Desenvolver mecanismos para evitar vieses
tamentos e institutos de física, há uma crença contra grupos minoritários, o que pode ser
de que o cientista deve ser racional ao ponto de feito através de treinamentos de conscienti-
supressão de qualquer outro aspecto do consci- zação.9 Além da formação, também é impor-
ente humano. Este estereótipo do cientista como tante observar a atuação dos vieses constan-
um homem branco cuja personalidade é moldada temente em encontros, seleções de comitês, e
em torno do seu entendimento de racionalidade etc. [14];
é prejudicial para a ciência, pois diminui ou sim-
plesmente apaga contribuições valiosas de pontos • Estar atento às microdesigualdades10 que
de vista diversos. Um resultado científico pode ocorrem no dia a dia acadêmico e são ex-
ser objetivo e removido de qualquer contexto hu- tremamente prejudiciais para o desenvolvi-
mano, mas as práticas científicas não são. A per- mento de relações saudáveis dentro de uni-
petuação da ideia de que mulheres não são ca- versidades e instituições de pesquisa [15];
pazes de fazer ou não se interessam por ciência
• Levar em consideração perspectivas de gê-
é prejudicial para o meio científico em mais de
nero no desenvolvimento dos trabalhos de
uma forma. Enquanto cientistas, devemos ter o
pesquisa. É necessário lembrar que ciência
entendimento do quanto a ciência é essencial para
só acontece através de cientistas, então há
a sociedade e o futuro da nossa espécie. Mulheres
um acoplamento entre objeto de estudo e su-
correspondem a pouco mais da metade da popu-
jeito, e por isso representatividade é funda-
lação do nosso planeta, com capacidade para deci-
mental;11
dir, inclusive através do voto, a direção do nosso
futuro. Desencorajar a participação e mesmo o • A produção de contraespaços para dar su-
interesse delas pela ciência se torna, então, con- porte aos grupos que são marginalizados e
traintuitivo, visto que precisamos deste engaja- discriminados.
mento para continuar pautando nossas futuras
9
decisões na ciência, que não é infalível, mas que é Um exemplo de atuação deste mecanismo pode ser
encontrado em https://implicit.harvard.edu/implicit/.
a aposta mais segura para deliberações políticas 10
Microdesigualdades é um termo cunhado por Sue Ros-
e econômicas. ser para descrever as desvantagens sutis mas que desem-
As pesquisas internacionais evidenciam que, penham um papel central em todos os estágios da carreira
da mulher.
apesar de conseguirmos um progresso significa- 11
Informações sobre como sexo/gênero podem ser ca-
tivo, é possível que as desigualdades de gênero racterísticas do que estudamos podem ser encontradas em
se repitam de outras formas, e por isso o debate http://genderedinnovations.stanford.edu/.
7 Agradecimentos
Apêndice A: Palestras, comunicações
Gostaríamos de agradecer primeiramente aos orais e pôsteres
membros do comitê organizador, Emmanuel
Frion e Rodrigo von Marttens, que abraçaram a Importantes contribuições foram dadas por
causa e foram indispensáveis durante a organiza- pesquisadoras, pós-graduandos e estudantes em
ção do evento. Eles dividem os louros conosco, diversos níveis acadêmicos. A seguir apresenta-
ativamente participando para a criação de um mos os títulos e autores das palestras, comunica-
ambiente acadêmico diversificado. Agradecemos ções orais e pôsteres que participaram do evento
à Débora Menezes por nos dar permissão para As Astrocientistas em fevereiro de 2021.
apresentar os gráficos de sua pesquisa. Também
estendemos os agradecimentos ao Prof. Nelson A.1 Palestras
Pinto Neto, que muito gentilmente se prontificou • Multi-mensageiros cósmicos e suas mensa-
a estabelecer nosso contato com a Prof a Angela gens na física de astropartículas - Angela
Olinto, nos Estados Unidos. Olinto (Universidade de Chicago).
PCMD agradece o financiamento Nº UMO-
2018/30/Q/ST9/00795 do National Science Cen- Angela Olinto é doutora em física pelo Insti-
tre, Polônia. TM agradece ao Prof. Tomas Brage tuto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
por uma conversa estimulante e referências após e atuou em várias posições de destaque no ce-
uma sessão especial de diversidade apresentada nário internacional, sendo inclusive diretora
no evento Physics Days 2021, que ocorreu virtu- do Departamento de Astronomia e Astrofí-
almente na Universidade de Jyväskylä. sica da Universidade of Chicago. Também
Por fim, nosso muito obrigada a todos que par- foi vencedora de diversos prêmios e, mais re-
ticiparam do evento As Astrocientistas, professo- centemente, tornou-se membro da Academia
ras, jovens pesquisadoras e a todos os inscritos. Americana de Artes e Ciências. Seu trabalho
Vocês foram a razão do sucesso do evento. tem como foco raios cósmicos de altas ener-
gias, assinatura indireta de partículas de ma-
téria escura, efeitos cosmológicos de campos
Sobre as autoras magnéticos, inflação natural e a estrutura in-
terna de estrelas de nêutron, dentre vários
Carla R. Almeida (cralmeida00@gmail.com) é outros interesses. Ela está à frente do pro-
Mestra em Matemática e Doutora em Física pela jeto POEMMA, sigla em ingês para Sonda
Universidade do Espírito Santo. Ela é atualmente Astrofísica Multi-Mensageira [16].
pós-doutoranda no Instituto de Física da Univer-
sidade de São Paulo e atua nas áreas de cosmolo- • Astrobiologia: descobrindo novos planetas -
gia quântica e história da física do século XX. Beatriz B. Siffert (UFRJ).
Beatriz Siffert é doutora em física pela Uni- futuras [20]. Ela também é membro de cola-
versidade Federal do Rio de Janeiro. Tem borações internacionais como o Prime Focus
experiência nas áreas de cosmologia e astro- Spectrograph e o Telescópio BINGO.
física, tendo trabalhado com detecção indi-
reta de matéria escura, modelos cosmológi- • Conectando o universo primordial e recente
cos com ricochete, e, atualmente, com su- através das ondas gravitacionais e eletromag-
pernovas do tipo Ia [17] e astrobiologia. É néticas - Leila Graef (UFF).
professora adjunta de física no Campus Du-
Leila Graef é doutora em física pela Univer-
que de Caxias da UFRJ.
sidade de São Paulo, com período sanduíche
• Análogos gravitacionais: Histórico, modelos na Univesidade McGill. Atualmente é pro-
e perspectivas - Carolina Loureira Benone fessora adjunta no Instituto de Física da Uni-
(UFPA). versidade Federal Fluminense e trabalha na
área de cosmologia, atuando principalmente
Carolina Loureiro Benone é doutora em física nos seguintes temas: universo primordial,
pela Universidade Federal do Pará, com pe- perturbações cosmológicas, radiação cósmica
ríodo sanduíche na Universidade de Aveiro. de fundo, energia escura e gravitação quân-
Atualmente é professora adjunta da Univer- tica [21].
sidade Federal do Pará - Campus Salinópolis.
Seu trabalho tem ênfase em relatividade ge- • Pesando gigantes no céu: Cosmologia com
ral, trabalhando com modelos análogos gra- aglomerados de galáxias - Maria Elidaiana
vitacionais. [18]. da Silva Pereira (University of Michigan).
8. Skewness como um teste para a energia es- 10. Base Lunar Divulgação de astronomia
cura - Raquel Fazolo (PPGCosmo); através de ilustrações Ingrid dos Santos
Beloto (IAG - USP);
9. Nova parametrização para a energia escura
baseada no gás de Chaplygin generalizado - 11. Propriedades Fotométricas de Grupos e
Dinorah Barbosa da Fonseca Texeira (ON); Aglomerados de Galáxias - Kethelin Parra
Ramos (USP);
10. Relatividade especial invariante sob o grupo
de de Sitter e as curvas de rotação de galá- 12. Um estudo comparativo do cometa C/1977
xias - Adriana Victoria (Universidad Sergio R1 (Kohler): Analisando fosseis do Sistema
Arboleda); Solar - Loreany Ferreira de Araújo (USP);
2. Tópicos da astronomia que contestam a te- 16. Anisotropia de raios cósmicos de Altíssimas
oria da Terra plana - Alice Taís Dummel Energias - Maria Clara Dari Gomes (UFPR);
Weide (EEEM Guararapes);
17. Identifying protoclusters in distant universe
3. Ensino e divulgação de astrobiologia no - Mariana Rubet (UFRJ);
ensino médio - Angela Ferreira Portella
18. Estudo da formação de exoplanetas terres-
(UFRJ);
tres em regiões de ZH de sistemas binários -
4. Caracterização mineralógica do meteorito Mayra Meirelles Marques (UFRJ);
brasileiro Serra Pelada e suas implicações 19. Magnetic effects of electrical discharges on
para a história geológica do asteroide (4) Mars - Melissa de Andrade Nunes (IAG -
Vesta - Bruna Mayato Rodrigues (Museu Na- USP);
cional/UFRJ);
20. Em busca de sinais de crescimento de bura-
5. Sobre quasares, a formação de estruturas no cos negros supermassivos em galáxias ultra-
Universo e tudo o mais - Carolina Queiroz compactas brilhantes no ultravioleta usando
de Abreu Silva (USP); espectroscopia no infravermelho médio -
Rayssa Guimarães Silva (Observatório do
6. Projeto meninas na ciência incentiva a for-
Valongo - UFRJ);
mação da identidade do grupo “Meninas do
Guara” - Cristine Inês Brauwers (EEEM 21. Um breve estudo sobre a estrutura das estre-
Guararapes); las compactas - Tatiane Corrêa (UERJ);
7. Campos magnéticos e seus efeitos na propa- 22. Análise química e mineralógica dos condri-
gação de partículas - Débora Beatriz Götz tos carbonáceos Allende e Murchison: impli-
(UFPR); cações no surgimento da vida no Universo
- Tatiane Peters Donato (Museu Nacional -
8. Propriedades do contínuo e do gás emissor UFRJ);
de linhas largas em AGNs emissores de FeII
- Denimara Dias dos Santos (INPE); 23. Relatividade especial de deSitter: impli-
cações para a massa de aglomerados de
9. Terraformação de Marte - Gabriela Medeiros galáxias - Thais Campos Santiago (IFT-
de Carvalho (IFCE); UNESP);
24. Rotating neutron stars and modified gravity: [7] D. Menezes, C. Brito e C. Anteneodo, Mu-
Scalar charges and pulsar-timing observables lheres na física: Efeito tesoura - da olim-
in the presence of nonminimally coupled sca- píada brasileira de física à vida profissional,
lar fields - Tulio Ottoni Ferreira da Costa Scientific American Brasil (177), 76 (2017).
(PPGCosmo);
[8] C. Anteneodo et al., Brazilian physicists
25. Analema: descrição da trajetória aparente community diversity, equity, and inclusion:
do Sol durante o período de translação da A first diagnostic, Phys. Rev. Phys. Educ.
Terra - Yalle Carolina Ferreira da Silva Res. 16, 010136 (2020).
(UESB);
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cluster weak lensing mass modeling library
Resumo
Este artigo tenta apresentar um panorama simples de vários aspectos da estrutura modal na termodinâmica rela-
tivística fora do equilíbrio. Seu foco pedagógico está na relação entre os modos de perturbações de comprimento
de onda longo da teoria causal de Müller-Israel-Stewart (MIS) e os modos da teoria tradicional de Eckart. Esta
questão foi esclarecida, principalmente, em uma série de artigos assinados por Hiscock e Lindblom (veja [1–3]).
Aqui, compilo algumas características essenciais sobre esse tópico que não exigem todo o formalismo da teoria
completa.
Abstract
This paper tries to present a simple picture of several aspects of the mode structure in relativistic non-equilibrium
thermodynamics. Its pedagogical focus is on the relation between long-wavelength perturbation modes of the
causal Müller-Israel-Stewart (MIS) theory and those of the traditional Eckart theory. Principally, this issue was
clarified in a series of papers by Hiscock and Lindblom (see [1–3]). Here, I put together some essential features
of this topic which do not require the entire formalism of the complete theory.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.36856
fluid at rest in Minkowski-space. This excludes frame the particle number flow vector N ↵ is given
all gravitational degrees of freedom. But since by
fluid-dynamical scales in most applications are N ↵ = nu↵ , (5)
smaller than gravitational scales, e.g., the Hubble
where n is the particle number density.
scale in cosmology, the restriction to a flat back-
ground may nevertheless capture astrophysically
2.2 Conservation equations
and cosmologically relevant situations. Conside-
ring plane-wave solutions, the linearized conser- The basic set of hydrodynamical equations fol-
vation equations are then boiled down in Sec. 4 to lows from the conservation laws N;↵ ↵ = 0 and
are those of the Eckart theory. This will allow We have neglected here products of dissipative
us to treat the first- and second-order theories in quantities. It is obvious that the perfect-fluid li-
parallel. mit is
Combining the conservation equations (41) and
(42) with (49)-(51), our system reduces to ! 2 = c2s k 2 , (⇣ = = ⌘ = 0) . (57)
@p n̂ With the help of the definitions (46), (47), and
!T i! 2 T
@T n (48) for ⇣ , , and ⌘ , respectively and neglec-
ting higher-order terms in ⇣, , and ⌘, we may
@⇢ T̂ write (56) as
+ !T + ik 2 T = 0 (52)
@T T
T
and i! 4
+ ! 3 2 2
!k cs (1 + i!⇣ 0 )
" ! ⇢+p
4
2 n @p 2 2 3⌘ +⇣ 4
⌘+⇣
! k i!k
⇢ + p @n ⇢+p ⇥ (1 + i! T 1 ) (1 + 2i!⌘ 2 ) i! 2 k 2 3
⇢+p
# " @p
T n̂ T @p 2 1 2 @T
i! 3 + k i! 2 k 2 T @⇢
⇢+p n ⇢ + p @T T @T ⇢ + p @⇢
@T
# @p
n
2 T T̂ + ik 4 @n
= 0. (58)
+ i!k = 0, (53) ⇢+p @⇢
@T
⇢+p T
Let us now look at the long-wavelength limit
respectively. The set of equations (52) and
k ! 0. We obtain
(53) describes first-order perturbations within the
MIS theory where the coupling between heat flux T ⇥
i! 4 + ! 3 (1 + i!⇣ 0 ) (1 + i! T 1 )
and viscous pressures was neglected. The corres- ⇢+p
⇤
ponding perturbations of the Eckart theory follow ⇥ (1 + 2i!⌘ 2 ) = 0, (k ! 0) . (59)
for ⇣ ! ⇣, ! , and ⌘ ! ⌘. Notice that ⇣ ,
, and ⌘ depend on !. The last relation allows us to point out the diffe-
The system (52) and (53) provides us with the rent stability behavior of the MIS theory compa-
relation red with Eckart’s theory. Besides of the always
" ✓4 ◆ #
existing threefold solution ! = 0 we have, in the
2 n @p 2 2 3⌘ + ⇣ 3 T
!
⇢ + p @n
k i!k
⇢+p
i!
⇢+p Eckart case 0 = 1 = 2 = 0, the solution
" # " ⇢+p
⇥ !T
@⇢
+ ik 2 T
T @p 2
k
i!LE = . (60)
@T ⇢ + p @T T
#" # As long as the right-hand side of (60) is positive,
T @p
+ i!k 2
!T i! 2
T = 0. (54) this means an imaginary frequency which, accor-
⇢+p @T
ding to (39), describes an exponential instability
By multiplying this equation by (T @⇢/@T ) 1 on extremely short timescales which are much be-
and introducing the square of the sound velocity low any hydrodynamic scale [2].
c2s by It is obvious, how the situation changes in the
⇣ ⌘2 MIS theory, where we find, besides of ! = 0 (th-
@p
n @p T @T reefold)
2
cs ⌘ + , (55) 1
⇢ + p @n ⇢ + p @⇢ i!L0 = , (61)
@T 0⇣
we obtain the dispersion relation ⇢+p
4
i!L1 = , (62)
T ⌘ +⇣ T [ 1 (⇢ + p) 1]
i! 4 + !3 !k 2 c2s i! 2 k 2 3
⇢+p ⇢+p 1
@p i!L2 = , (63)
1 2 2 2⌘
i! 2 k 2 T @⇢
@T
@⇢
T @T ⇢+p @T instead of (60). Since 1 (⇢ + p) > 1 (see formula
n
@p
(134) in [1]), we conclude, that none of these mo-
+ik 4 @n
= 0. (56)
⇢+p @⇢ des is unstable. While there is no counterpart of
@T
the modes (61) and (63) in the Eckart theory, the where
unstable mode (60) of the latter becomes stable
1 @⇢ ⇢+p
according to (62). (For comparison: The modes cv ⌘ , cp ⌘ cv @p
c2s . (71)
(61)-(63) are (37)-(39) in [3]). n @T n @n
All the modes (60)-(63) describe perturbations
It is remarkable that all the quantities 0 , 1
which are far away from the perfect fluid behavi-
and 2 cancel and do not influence the modes
our (57). In fact, in obtaining (59) by formally
up to the order k 2 . (This property is mentio-
putting k = 0 in (58), one considers the dissipa-
ned in [3] following formula (40). The modes
tive terms retained in (59) to be of higher order
(65) with (66)-(70) exactly coincide with those
than the perfect fluid contribution which leads to
of the Eckart theory. They were first derived by
c2s k 2 in (57). These modes do not respect the
Weinberg [20] and also in [21]). The coefficients
requirement that dissipative terms should pro-
(69) describe a damping of the propagating (with
vide small correction to the perfect-fluid beha-
the sound velocities (66) and (67)) modes, while
vior. The modes (61)-(63) are strongly damped
the third mode, characterized by (68) and (70)
on time scales much smaller than any hydrody-
is simply overdamped. These modes characterize
namic time scale.
Next we study the dispersion relation for small perturbations which are close to the perfect fluid
but finite values of k. Up to linear order in the behaviour. The dissipative terms describe small
transport coefficients, Eq. (58) is equivalent to deviations from equilibrium.
4 T
i! ( 1 (⇢ + p) 1) + 0⇣ +2 2⌘ + !3 4.2 Transverse modes
⇢+p
✓ ◆
i! 2 k 2 4 Using (13) and (14) we find for the dissipative
+!k 2 c2s + 2c2s 2 (⇢ + p) ⌘ terms in (27) up to linear order
⇢+p 3
@p
+ 1+ 4 n @n "amn q̇m,n = T [2ẅa + 1 "amn q̈m,n ] (72)
0 (⇢ + p) ⇣ + ik @⇢
⇢+p @T
@p
! and
2 ⇢+p
+ T 1 cs (⇢ + p) + @⇢
2 @T
@⇢
= 0. (64)
T @T @T "amn ⇡mp,pn = 2⌘ [ wa + 2 "amn ⇡
˙ mp,pn ] . (73)
We are now interested in the solutions ! = ! (k)
For plane-wave solution of the type (39), Eq. (27)
for small values of k about the mentioned three-
becomes
fold solution ! = 0. To this purpose we expand
the dispersion relation (64) about ! = 0 accor- 2i! (⇢ + p) wa kp kn "amn ⇡mp
ding to
+ i! ( ikn ) "amn qm = 0, (74)
! = aL k + bL k 2 + ..... (65)
and compare different orders of k separately. At while the relations (72) and (73) transform into
lowest order which is k 3 we find
i! ( ikn ) "amn qm = 2 T ! 2 wa (75)
a L1 = cs , (66)
a L2 = cs , (67) and
a L3 = 0. (68) kn kb "amn ⇡mb = 2⌘ k 2 wa , (76)
The k 4 -order terms provide us with respectively, where is given by (47) and ⌘ by
" ✓ ◆ (48). Use of (75) and (76) in (74) provides us
i 43 ⌘ + ⇣ T 1 1 with the dispersion relation
bL1,2 = +
2 ⇢+p nT cv cp
!# i! (⇢ + p) + ⌘ k 2 + T ! 2 = 0, (77)
@p
1
+ c2s 2 @T
, (69)
⇢+p @⇢ which for ⌘ ! ⌘ and ! coincides with the
@T
corresponding relation of Eckart’s theory. We in-
i vestigate the dispersion relation (77) analogously
bL 3 = , (70) to its counterpart (56) for longitudinal modes.
ncp
[6] I. Müller, Zum Paradoxon der Wärmelei- [14] M. Zakari e D. Jou, Equations of state and
tungstheorie, Zeitschrift für Physik 198(4), transport equations in viscous cosmological
329 (1967). models, Phys. Rev. D 48, 1597 (1993).
Resumo
Neste trabalho, apresentamos uma proposta de introdução à astrofotografia planetária que foi desenvolvida no
projeto de extensão “Astronoifsc” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina,
Campus Jaraguá do Sul – Centro. A proposta foi separada em duas etapas: i) acoplamento do instrumento
fotográfico no telescópio e ii) processamento das imagens. Para a obtenção das imagens, utilizamos um aparelho
celular e uma webcam, onde relatamos as particularidades na construção do suporte para seus respectivos
acoplamentos. Apresentamos os resultados que obtivemos de Júpiter e Saturno, discutindo algumas de suas
características visíveis nas fotografias e a potencialidade da astrofotografia na divulgação científica, através de
transmissões ao vivo que podem beneficiar a popularização da astronomia, e nas aulas de ciências.
Abstract
In this work, we present a proposal to introduce planetary astrophotography that was developed in the extension
project “Astronoifsc” of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Santa Catarina, Campus
Jaraguá do Sul – Centro. The proposal was separated into two steps: i) coupling the photographic instrument
to the telescope and ii) image processing. To obtain the images, we used a cell phone and a webcam, where
we report the particularities in the construction of the support for their respective couplings. We present the
results we obtained from Jupiter and Saturn, discussing some of their visible characteristics in photographs
and the potential of astrophotography in scientific dissemination, through live broadcasts that can benefit the
popularization of astronomy, and in science classes.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.36834
rina, Campus Jaraguá do Sul - Centro e que bus- [...] os pixels do seu CCD devem ter algum tipo
cou divulgar a astronomia à comunidade atra- de filtragem, o que significa selecionar a luz pro-
vés de exposições das astrofotografias obtidas pe- veniente da cena fotografada e atribuir valores
los integrantes deste projeto. Visando contribuir maiores as cores mais intensas presentes. O sis-
tema mais empregado é o CCD de matriz RGB,
com a popularização da astronomia, relatamos
isto é, os pixels apresentam filtros nas cores ver-
neste trabalho a metodologia de instrumentação melho (R), verde (G) e azul (B) e atuam de forma
necessária para a astrofotografia e também para seletiva para estas cores [3].
o processamento de imagens planetárias que em-
Grande parte das webcams encontradas no mer-
pregamos neste projeto, onde utilizamos quatro
cado já possuem este tipo de filtragem, apenas
softwares: Sharpcapture, Castrator, Autostak-
basta evidenciar se esta é uma câmera colorida.
kert e Registax, todos de livre acesso. Ao final,
A resolução da webcam a ser escolhida é outro
apresentamos os resultados obtidos com Júpiter
fator importante a ser discutido:
e Saturno utilizando uma webcam e um celular.
a fotografia de planetas, tal como alguns aspec-
tos da fotografia solar e lunar, pode ser consi-
derada como fotografia de alta resolução e cons-
2 Materiais e métodos titui um domínio relativamente especializado e
exigente da fotografia astronômica. A fotografia
O procedimento aqui descrito pode ser reali-
de alta resolução está relacionada com a obten-
zado com qualquer aparelho celular ou webcam. ção de imagens planetárias, lunares e solares com
Entretanto, algumas especificações do fabricante um pormenor considerável, isto é, próximo do li-
podem indicar a qualidade das fotografias ao final mite de resolução do instrumento utilizado [4].
do processamento. Em ambos os casos, deve-se
O produto da quantidade de pixels presentes
estar atento às dimensões do sensor digital ou à
em um sensor digital da fileira horizontal com a
resolução da câmera.
fileira vertical é o que define a resolução da câ-
Para o aparelho celular, a técnica de gravação
mera. Por exemplo, uma câmera com resolução
é chamada de afocal e funciona através da proje-
de 16 megapixel (Mp) pode ser entendida como
ção da luz do corpo celeste observado pela ocu-
o produto de 4000 pixels por 4000 pixels. Con-
lar do telescópio. Isto é, dispondo do telescópio
tudo, é relevante mencionar que a maioria das câ-
com a ocular desejada para a observação, basta
meras possuem uma resolução variável, este valor
aproximar a câmera do celular na ocular do teles-
apresentado pelo fabricante diz respeito a maior
cópio que a gravação já será possível, salvo ins-
resolução possível [2]. Ainda, é de referir que os
tabilidades de posição. Para a webcam, é preciso
aparelhos celulares com câmera possuem, em sua
remover sua lente e após o acoplamento no te-
grande maioria, o sensor digital tipo CMOS, que
lescópio, a lente ou espelho do mesmo servirá de
pode ser entendido como um sucessor do CCD.
lente focalizadora da luz proveniente do objeto a
A diferença fundamental entre estes dois sensores
ser observado, não necessitando assim, da ocular.
é que o primeiro realiza o trabalho de conversão
Esta técnica é chamada de focal e é semelhante
digital antes mesmo de enviar ao processador da
ao acoplamento das câmeras fotográficas profissi-
câmera [5].
onais [2].
O princípio de funcionamento de um CCD
2.1 Acoplamento do instrumento
(Dispositivo de Carga Acoplada), amplamente
fotográfico no telescópio
encontrado em webcams e câmeras profissionais, é
a conversão da luz em cargas elétricas. Em cada Utilizamos neste trabalho o aparelho celular
pixel está presente um fotodiodo que é respon- de um dos integrantes deste projeto de extensão,
sável por liberar elétrons de acordo com o fluxo cuja resolução da câmera é de 8Mp e adquirimos a
de luz, ou fótons incidentes. Estes, passam então webcam com resolução de 1280x720, também co-
para um conversor analógico-digital que analisa nhecido como 720p, em uma loja física em nossa
e associa um número de sistema binário a este cidade. Para o celular, desenvolvemos um suporte
pixel [3]. para melhorar a estabilidade da gravação, como
Por facilidade no tratamento das imagens pla- pode ser visto na Figura 1.
netárias, é preferível que o sensor digital possa Este suporte foi construído com peças de um
produzir imagens coloridas. Para isto, mini tripé para celular, especialmente a região
Com o vídeo produzido pela webcam ou pelo Ainda, é importante que, se o vídeo no Sharp-
aparelho celular, podemos seguir para o próximo capture anteriormente gravado for colorido, a op-
software. É importante mencionar que o formato ção “RGB24” deve ser selecionada para que o ví-
do vídeo deve estar em “.avi” e que aparelhos ce- deo siga para a próxima etapa ainda em cores. A
lulares normalmente filmam em “.mp4”, sendo as- partir disso, podemos clicar em “Process AVI” e
sim, é necessário fazer esta conversão para o pró- finalizar o processo de compactação e centraliza-
ximo software. ção da imagem planetária realizada pelo Castra-
tor. O novo vídeo será salvo na mesma pasta que
O software Castrator é responsável por recor-
o anterior e com o acréscimo “castr”.
tar o vídeo e centralizar o objeto observado, eli-
minando aqui as instabilidades do acompanha- Na sequência, utilizaremos o próximo software,
mento convencional. O desenvolvedor deste soft- o AutoStakkert. Segundo Emil Kraaikamp [8],
ware, Emil Kraaikamp [8], justifica este recorte também desenvolvedor deste software, o mesmo
indicando que “a maior parte desse espaço não é extrai os frames mais nítidos de um vídeo e os
realmente necessária porque o planeta ocupa ape- combina em uma única imagem minimizando as
nas uma pequena parte da gravação e esses dados distorções atmosféricas. Sua praticidade o torna
em massa também tornam o processamento des- um dos softwares mais populares entre os astrô-
necessariamente lento”. nomos amadores.
Com o Castrator aberto (Figura 6), podemos Desta forma, ao abrir o AutoStakkert, po-
clicar em “Open AVI File” e escolher a filma- demos selecionar o vídeo anterior com o sufixo
gem anterior. O desenvolvedor recomenda uti- “castr” e arrastá-lo ao software, ou também po-
lizar um valor de 5 para o “Planet detection th- demos clicar em “open” e selecionar o vídeo ante-
reshold”, isto indicará que o vídeo, ao final do rior. Na tela da direita podemos ver o vídeo com
processamento, terá a centralização do globo pla- o planeta ou objeto filmado centralizado e na tela
netário em 95% aproximadamente, porém, nada da esquerda o painel onde serão ajustadas as pri-
impede que sejam investigados outros valores. meiras configurações (Figura 7).
Além disso, é possível estabelecer uma nova di- Em “Image stabilization” recomendamos utili-
mensão para o vídeo nas opções “width” (largura) zar a opção “planet (COG)”, a qual Lodriguss [9]
e “height” (altura), mantendo o planeta centrali- indica que é referente a filmagens de planetas e
zado. para esta opção, devemos acionar a caixa “Dyna-
mic background” logo abaixo. Para as filmagens vídeo e criará um frame de referência para que
das crateras da Lua e também das manchas sola- todos os pontos de alinhamento sejam alinhados
res, o autor indica que devemos utilizar a opção com este [9].
“surface”. Após a conclusão desta análise, aparecerá um
No quadro abaixo, em “Quality Estimator” po- gráfico de qualidade no quadro da esquerda.
demos selecionar a opção “Gradient” a qual é Neste gráfico, constarão duas funções: a função
utilizada para planetas maiores como Júpiter e do ruído da filmagem, que será mais irregular; e
Saturno. A opção “Edge” deve ser selecionada a função verde, que foi construída na análise da
quando o intuito é capturar planetas menores qualidade dos frames feita pelo Autostakkert an-
como Marte, Mercúrio e Vênus. teriormente.
Em “Noise Robust” ajustamos a quantidade de Devemos agora, selecionar os frames que esta-
detalhes e ruído no vídeo. Se a filmagem do rão mais próximos daquele frame de referência
planeta em questão for de boa qualidade, com produzido pelo Autostakkert. Clicamos no ponto
pouquíssimos ruídos, percebemos que um número de intersecção da função verde com a função irre-
pequeno, como quatro, já basta para o vídeo ficar gular, uma vez que neste ponto, os frames estão
com melhor qualidade. Se houver muito ruído, é mais próximos do nosso frame de referência [9].
possível utilizar um número maior. Após isso, de- A partir daí, o Autostakkert gerará um valor per-
vemos selecionar a opção “Global (Frame)” uma centual no canto superior esquerdo da janela da
vez que isso indicará ao Autostakkert para utili- direita, conforme aponta a seta branca da Figura
zar o mesmo subconjunto de frames para o empi- 8.
lhamento. Desta forma, copiamos o valor da porcentagem
Com isso, podemos clicar em “Analyse” e o Au- na linha do frame (no nosso caso é de 49%, pois
tostakkert examinará cada frame individual do o software aceita apenas números inteiros) e co-
relho celular (Figura 10 e Figura 11) e a webcam apresentavam um diâmetro angular de aproxi-
(Figura 12 e Figura 13). Ambas passaram pelas madamente 45” e 17” de arco, respectivamente.
etapas de processamento descritas neste artigo. Sabendo que Saturno está aproximadamente 650
Apresentamos na Tabela 1 as configurações de milhões de quilômetros de distância de Júpiter,
nosso conjunto óptico para a obtenção destas optamos por utilizar a ocular de 10 mm para Sa-
imagens. turno, aumentando seu diâmetro angular em 75
vezes, e a ocular de 23 mm para Júpiter, com
ampliação de 32 vezes, como pode ser visto na
Tabela 1: Configurações do conjunto óptico
Tabela 1.
Diâmetro do espelho 150 mm Considerando o diâmetro de Júpiter de 139.800
km e também as imagens processadas pelo celular
Distância focal do telescópio 750 mm
com dimensões de 640x640 pixels cada, podemos
Razão focal f/5 estimar a escala do plano focal em segundos de
Distância focal das oculares 10 mm 23 mm arco por pixel destes planetas. Obtivemos como
solução aproximada 0,69”/pixel.
Ampliação 75x 32x
Segundo Staudt et al. [11], “para obter ima-
Astrofotografia Saturno Júpiter gens de céu profundo devem-se utilizar amostra-
gem da ordem de 1,5 a 2,5"/pixel e na obten-
Nas noites de observação, Júpiter e Saturno ção de imagens de planetas (alta resolução) as
Figura 10: Saturno pelo celular. Figura 11: Júpiter pelo celular.
amostragens devem ser cerca de 0,25 a 0,5"/pi- uma dimensão de 368x384 pixels. Novamente cal-
xel”. Desta forma, acreditamos que as imagens culando a escala de placa a partir das imagens
que conseguimos obter com esta técnica se apro- obtidas, obtemos como resultado 1,68”/pixel.
ximam da qualidade desejada, sendo possível ob- Analisando estes resultados, podemos inferir
servar importantes detalhes dos planetas. que a webcam utilizada neste projeto pode re-
Na sequência, apresentamos as imagens obtidas solver melhores detalhes em céu profundo, isto
com a webcam. Como já mencionado, para a téc- é, com a fotografia de nebulosas, aglomerados e
nica focal é necessária a remoção da ocular, jus- galáxias, apesar de edições nas etapas de proces-
tificando a mesma ampliação das fotografias ob- samento ainda serem possíveis. Além disso, é pos-
tidas com a webcam. Ambas as imagens tiveram sível experimentar técnicas de redução e aumento
Figura 12: Saturno pela webcam. Figura 13: Júpiter pela webcam.
em http://www.camboriu.ifc.edu.br/wp- em https://g1.globo.com/fato-ou-fake/
content/uploads/2018/05/astro.pdf, noticia/2021/05/28/e-fake-video-que-
acesso em jan. de 2022. mostra-lua-bloqueando-o-sol-por-
cinco-segundos.ghtml, acesso em jul. de
[12] R. Domingos, É #FAKE vídeo que mostra 2021.
Lua bloqueando o Sol por cinco segundos,
G1 – Fato ou Fake (2021). Disponível
Resumo
Neste trabalho descrevemos uma das atividades da disciplina “AST929 – Conceitos de Astronomia” do curso
de Licenciatura em Física da Universidade Federal de Itajubá. Essa disciplina foi criada em 2007 e integrada
à matriz curricular com base nos inúmeros trabalhos que apontam as contribuições que a astronomia pode
oferecer para o ensino de ciências. A atividade consiste na medida do raio da Terra com base no método que
foi empregado por Eratóstenes (276 a.C. - 195 a.C.). Apresentamos em detalhes a construção do roteiro, para
que o docente possa realizar a atividade sempre que desejar, aplicando as adaptações necessárias ao material.
Trazemos também alguns relatos para ilustrar os procedimentos e os resultados que foram obtidos. Os valores
determinados pelos estudantes apresentaram desvio inferior a 6% com relação ao valor teórico (em módulo) e
a média dos valores apresentou um desvio de apenas -0,3%. A qualidade dos resultados e também o fato de
que os estudantes não manifestaram dificuldades durante a realização da atividade indicam que se trata de
um material didático com grande potencial pedagógico. Considerando ainda o fato de que a abordagem da
disciplina AST929 é majoritariamente conceitual, por ser oferecida no primeiro ano, é razoável supor que a
atividade seria adequada também para os anos finais da Educação Básica, em que os conceitos de astronomia
podem ser explorados de maneira multidisciplinar.
Abstract
In this paper, we describe one of the practical activities of “AST929 - Concepts of Astronomy” of the Physics
undergraduate course at the Federal University of Itajubá. The subject was created in 2007 and integrated into
the curriculum taking into account several works available in the literature which indicate the vast contributions
Astronomy can offer to Science teaching. The activity refers to the measurement of the Earth�s radius according
to the method employed by Eratosthenes (276 b.C. - 195 b.C.) in ancient Greece. We describe how to build
the script for the activity, so teachers can use it whenever wished as long as they perform the appropriate
adjustments to the material. In this paper, we also bring some narratives about the activity within the context
of the subject AST929 hoping that this might better illustrate the procedures and the results obtained. The
values determined by the students are within less than 6% of deviation related to the theoretical value (absolute
value) and the average showed only -0.3% of deviation. The quality of the results and also the fact that the
students have manifested no difficulties during the activity indicate that this is material with great pedagogical
potential. Also considering the fact that the approach of the AST929 course is mostly conceptual, as it is a
subject from the first year, it is reasonable to assume that the activity would also be suitable for the final years
of Basic Education, in which the concepts of Astronomy can be explored in a multidisciplinary way.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.36681
mente no que concerne à religião. Os fenômenos mia” e a mesma foi integrada à matriz curricular
astronômicos e sua periodicidade constituíram a do curso de Licenciatura em Física da Universi-
base para a marcação do tempo, para a criação dade Federal de Itajubá (Unifei). A disciplina foi
dos calendários e determinação das principais fes- oferecida pela primeira vez no ano de 2007 e está
tividades religiosas. Os astros receberam nomes localizada no primeiro semestre do curso, o que
próprios em cada cultura, não raramente associ- significa que os estudantes apenas recentemente
ados às divindades de cada povo [5–7]. concluíram o Ensino Médio (via de regra). Por-
De tempos remotos à renascença, uma rica he- que esses estudantes tiveram pouco contato com
rança nos foi deixada. Ainda hoje utilizamos o as ferramentas matemáticas do ensino superior,
sistema sexagesimal para a medida dos ângulos a proposta da disciplina é que ela seja sobretudo
e para a marcação das horas – não que ambos conceitual e que abranja o máximo possível do
os conceitos sejam completamente independentes. conteúdo de diversas áreas em astronomia. A
O calendário Gregoriano, o nosso calendário, é o ideia é fornecer um panorama da área para os
resultado de um longo processo de observações estudantes e despertar assim o seu interesse pelo
e aferições. As principais festividades religiosas tema e também pelo curso. Isso vai ao encon-
continuam a ser definidas a partir de eventos as- tro de um outro objetivo da disciplina, qual seja,
tronômicos como o equinócio de outono (no he- combater o índice de evasão durante o primeiro
misfério sul, equinócio de primavera no hemis- ano do curso. Nesse contexto, atividades didáti-
fério norte, aproximadamente em 21 de março). cas focadas nos conceitos, com caráter mais prá-
Na cartografia temos as linhas imaginárias, tró- tico e metodologias inovadoras são exemplos de
picos, círculos, os quais são definidos a partir do alguns dos elementos que têm espaço privilegiado
estudo do movimento do nosso planeta em sua dentro da AST929.
órbita. E, na era da astronomia moderna, tem-se Algumas atividades práticas são propostas du-
uma revolução: o sistema de mundo passa a ser rante a disciplina e nesse trabalho descrevemos
heliocêntrico e, a partir dos esforços para com- uma delas, que se refere à medida do raio da
preender a mecânica dos astros, surge o cálculo Terra segundo o método que foi empregado por
diferencial e integral e as leis fundamentais da Eratóstenes na antiguidade. Trazemos também
dinâmica. Para muitos, esse momento marca o alguns relatos a partir da realização dessa ativi-
nascimento da própria física [3, 4, 8, 9]. dade, onde é possível constatar que foram obtidos
Dessa forma, ensino da astronomia pode ofe- bons resultados. Além disso, descrevemos com
recer contribuições extremamente significativas detalhes como é feita a construção do roteiro para
para o ensino de ciências, ao passo que possibi- a atividade, para que os professores tenham auto-
lita aos estudantes o contato com aspectos episte- nomia e possam realizá-la sempre que desejarem,
mológicos da área, a familiarização com questões com os devidos ajustes ao material.
pertencentes ao domínio da natureza da ciência e A estrutura do trabalho está organizada da se-
com os seus métodos, com a sua história. O es- guinte maneira: primeiramente fazemos uma des-
tudo da astronomia permite conhecermos e com- crição da atividade em linhas gerais, trazendo
preendermos a evolução dos conceitos em certas alguns aspectos históricos relevantes e apresen-
áreas, notavelmente na área de mecânica, em fí- tando também os objetivos de aprendizagem. Na
sica. Todas essas contribuições e muitas outras seção seguinte são apresentados alguns conceitos
já estão bem estabelecidas e existe um amplo re- básicos de astronomia que serão empregados re-
ferencial teórico em que esse assunto é adequada- petidas vezes durante a explicação sobre a cons-
mente discutido [10–15]. De um modo particular, trução do roteiro. Na sequência, a próxima seção
nos trabalhos [16–18] há uma revisão da pesquisa descreve em detalhes a construção do roteiro e é
relativa à educação em astronomia e os trabalhos dado um exemplo, o qual pode ser encontrado em
mostram que a produção na área tem crescido de anexo a este trabalho. Para ilustrar os procedi-
forma acelerada nas últimas décadas, tendo ocor- mentos e os resultados, como uma forma de de-
rido, inclusive, o surgimento de periódicos espe- monstrar a validade do que está sendo proposto,
cíficos no início do novo milênio. inserimos uma seção com alguns relatos baseados
Considerando a importância do tema, foi cri- na aplicação da atividade feita durante a disci-
ada a disciplina “AST929 – Conceitos de Astrono- plina AST929. Finalizamos o trabalho com algu-
mas considerações finais e a discussão de algumas Esses dados são fornecidos aos estudantes. Na
possibilidades. data prevista para a realização da atividade, os
estudantes devem construir um gnômon e realizar
a medida do comprimento da sombra projetada
2 A atividade em linhas gerais no solo no momento exato indicado no roteiro,
o qual corresponde ao instante da passagem do
A atividade consiste na determinação do raio Sol pelo zênite – ou muito próximo a ele – na ci-
da Terra conforme o método utilizado por Eratós- dade que foi escolhida. Ao final da atividade é
tenes (276 a.C – 194 a.C.), matemático, gramá- esperado que os estudantes sejam capazes de:
tico, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrônomo
da Grécia Antiga. • construir um gnômon;
Enquanto ocupava o cargo de diretor da biblio-
teca de Alexandria, Eratóstenes teria tomado co- • realizar medidas simples de comprimento;
nhecimento de que durante o solstício de verão,
na cidade de Siena (atual Assuão, Egito), o Sol • determinar o ângulo implícito entre o gnô-
passava muito próximo do zênite ao meio-dia, de mon e os raios solares incidentes;
forma que podia ser visto a partir do fundo de • determinar o ângulo de elevação do Sol;
um poço naquela cidade. Em Alexandria, entre-
tanto, na mesma data e hora, isso não era possí- • descrever o método empregado por Eratós-
vel, pois o Sol não se encontrava no zênite. Refle- tenes para a determinação do raio da Terra;
tindo acerca disso, Eratóstenes teria então perce-
bido que se fosse possível medir essa inclinação e • deduzir as equações 1 e 2;
se a distância entre as duas cidades fosse conhe-
• explicar porque a medida da sombra do gnô-
cida, seria possível determinar a circunferência da
mon não foi feita em um horário mais pró-
Terra.
ximo do meio-dia;
Conforme mostra a Figura 1, na ocasião do
solstício de verão que acabamos de descrever, os • determinar o raio da Terra através da Equa-
raios solares incidem perpendicularmente na ci- ção 2.
dade de Siena. Portanto, um gnômon – uma
haste vertical de tamanho conhecido, cuja som- Dependendo das circunstâncias em que a ativi-
bra projetada é utilizada para indicar a passagem dade é realizada, podemos ter ainda os seguintes
do tempo – nessa cidade exibiria nenhuma som- objetivos de aprendizagem adicionais:
bra. Já no caso da cidade de Alexandria, os raios
solares incidentes e o gnômon formam um ângulo • buscar por localidades com a ferramenta Go-
↵. A seguinte relação é verdadeira: ogle Maps, seja através do nome ou das co-
ordenadas geográficas;
S ↵
= (1)
C 2⇡ • determinar a distância entre dois pontos so-
em que ↵ está em radianos, S é a distância en- bre a superfície da Terra com essa ferra-
tre as duas cidades, medida sobre a superfície da menta.
Terra, e C é a circunferência da Terra. A Equação
1 é equivalente à relação, Um bom exemplo de um cenário em que esses
últimos objetivos se tornam parte da atividade é
S aquele que estamos vivenciando no momento, em
R = . (2)
↵ que as medidas restritivas de combate à pandemia
Portanto, para que seja possível elaborar o ro- inviabilizaram a prática de atividades na modali-
teiro da atividade serão necessárias duas coisas: dade presencial. Por consequência desse cenário
a) identificar uma cidade a partir da qual o Sol os estudantes encontram-se dispersos geografica-
poderá ser visto no zênite na data em que a ativi- mente, em suas residências, razão essa pela qual
dade deve ser realizada e b) determinar a distân- é necessário que cada um determine a distância
cia entre essa cidade e a cidade onde a atividade do local onde se encontra até a cidade onde pode
será realizada – medida da sombra do gnômon. ser observada a passagem pelo zênite.
Figura 1: Representação do método utilizado por Eratóstenes. Os raios solares incidem perpendicularmente ao plano
horizontal com relação a cidade de Siena, onde o gnômon é paralelo aos raios. Na cidade de Alexandria, os raios formam
um ângulo ↵ com relação ao gnômon.
(a) (b)
Figura 2: Representação do plano do horizonte com os principais pontos cardeais. a) Mostra o observador e a trajetória
aparente do Sol na Esfera Celeste, além dos pontos cardeais norte e sul. b) Mostra como são medidos os ângulos que
correspondem às coordenadas horizontais. O azimute é representado pela letra z e a altitude ou elevação do astro é
representada pela letra h.
A razão pela qual optamos pela primeira ver- altitude. Por último, no menu lateral direito es-
são, em particular, refere-se ao fato de que é uma tão as funções relacionadas à animação do céu e
versão pequena e leve, ou seja, exige poucos re- também algumas funções voltadas para consulta
cursos do computador. Além disso, pode ser exe- ao banco de dados do programa e para a locali-
cutada sem a necessidade de instalação e possui zação de objetos.
uma interface simples. Embora não possua todos Retomemos o nosso primeiro passo: a determi-
os recursos disponíveis nas versões mais recen- nação da elevação do Sol ao passar pelo meridi-
tes, é mais que suficiente para execução da nossa ano local na cidade onde será feita a medida com
proposta. Todos os recursos que serão menciona- o gnômon. Como consequência do movimento de
dos no texto também estão disponíveis em todas translação da Terra, a elevação de um astro, me-
as demais versões do programa e muito provavel- dida sempre em um mesmo instante do dia, varia
mente em outros simuladores dessa categoria. com o passar dos dias. A sua elevação também
A interface do programa é mostrada na Figura depende da posição em que o observador se en-
3. No menu lateral esquerdo encontram-se basi- contra na superfície do globo terrestre. Portanto,
camente os comandos que exibem ou ocultam ele- antes de qualquer outra coisa, é necessário defi-
mentos da apresentação, como os nomes dos ob- nirmos o dia em que a atividade será realizada e o
jetos astronômicos, as representações imaginárias local. À título de exemplo, considere deste ponto
e os limites das constelações, o equador celeste e em diante que a atividade será realizada em 18
a eclíptica e – o mais importante – permite que de junho de 2022, na cidade de Itajubá, Minas
simulemos o céu desconsiderando o efeito provo- Gerais, Brasil.
cado pela nossa atmosfera. Esse talvez seja um No menu superior, selecione a opção Date and
dos recursos mais interessantes deste tipo de si- place of the observation (botão cujo ícone é um
mulador. Durante o dia não é possível observar- pequeno globo terrestre). Uma nova janela irá se
mos as estrelas pois a luz do Sol é espalhada pela abrir, onde poderá informar a data, fuso horário e
nossa atmosfera, com maior intensidade em com- o local – coordenadas geográficas – em que a ati-
primentos de ondas menores (região próxima do vidade será realizada. A cidade de Itajubá está
azul). Com o artifício de um simulador, entre- localizada 3 horas a oeste do meridiano de Gre-
tanto, podemos remover a atmosfera do planeta enwich, suas coordenadas geográficas são aproxi-
e observar as constelações mesmo durante o dia. madamente 22,4 graus de latitude e 45,4 graus
O menu superior contém as funções relaciona- de longitude e está a aproximadamente 800 me-
das à localização e orientação do observador, além tros acima do nível do mar. Caso as coordenadas
de algumas funções típicas de todo programa, geográficas do local não sejam conhecidas, pode-
como imprimir, copiar e colar, abrir e salvar. Uti- rão ser obtidas na internet . O horário não precisa
lizaremos as funções desse menu para informar a ser informado com exatidão, já que iremos ajustá-
nossa posição no globo, o nosso fuso horário e a lo em breve. Qualquer horário próximo ao meio-
Figura 3: Interface do programa WinStars 1.0. 1 – menu lateral esquerdo; 2 – menu superior e 3 – menu lateral direito.
dia é suficiente. Feitas as devidas configurações, formações sobre o objeto. Localize o termo Alti-
pressione o botão Apply. Agora estamos quase tude, na seção Local information. Esse é precisa-
prontos para medir a elevação do Sol no instante mente o valor da elevação do Sol no instante da
da passagem meridiana. Mas em que momento passagem meridiana. Para a data e o local em
exatamente isso ocorre? questão, esse valor é 44o 13’ 8,3”, ou 44,2 graus
Para responder a essa pergunta, precisamos an- decimais, aproximadamente.
tes localizar o Sol em nosso simulador. No menu A perspectiva mostrada na Figura 4 é útil para
lateral direito, utilize a opção Find object (quinta que possamos entender melhor os passos seguin-
opção de baixo para cima). Na janela que irá se tes. Na figura, a posição da Terra com relação
abrir, no grupo Solar System, escolha o objeto ao Sol é aquela que corresponde ao mês de junho,
Sun e pressione o botão Find. Uma outra ja- inverno no hemisfério sul. No detalhe estão repre-
nela irá se abrir com informações do objeto. A sentados o plano do observador, o zênite e uma
passagem pelo meridiano local, ou simplesmente seta que indica a direção do Sol. O ângulo for-
passagem meridiana, é também chamada de trân- mado entre a seta e o plano do observador corres-
sito e o instante em que isso ocorre pode ser en- ponde a elevação do astro. Todos esses elementos
contrado entre as informações disponíveis nessa foram representados considerando um observador
janela. Procure pela seção sob o título Local in- localizado no hemisfério sul, aproximadamente no
formation e anote a hora que é informada em local onde está situada a cidade de Itajubá.
Transit. No nosso exemplo, o valor encontrado O segundo passo na construção do roteiro con-
foi 12h04. siste em encontrar alguma cidade onde o Sol pas-
Vamos agora ajustar as nossas configurações. sará pelo zênite na data em que desejamos que a
Outra vez, clique na opção Date and place of the atividade seja realizada. Para isso, imagine que
observation no menu superior e altere a hora lo- o observador da Figura 4 esteja sobre uma es-
cal (Local time) para o instante da passagem me- fera sólida e estática e que ele comece a caminhar
ridiana. Pressione Apply. Sabemos que o Sol se na direção norte, tomando cuidado para manter
encontra agora exatamente sobre o meridiano lo- sua longitude constante. Ele não se desloca nem
cal. Nos resta apenas obter o valor da sua eleva- para oeste, nem para o leste. Apenas na direção
ção. A maneira mais direta e precisa de se fazer norte. Ele então percebe que, à medida que cami-
isso é através do menu lateral direito, utilizando nha, o ângulo de elevação do Sol vai se tornando
a opção Find object. Da mesma forma que antes, cada vez maior. Eventualmente ele alcançará o
selecione Sun no grupo Solar system e pressione zênite (provavelmente após anos de caminhada).
Find. A janela que irá se abrir contém novas in- Quando isso finalmente acontecer, a latitude do
Figura 4: Representação da Terra em sua órbita durante o inverno no hemisfério sul. O observador da figura está
situado aproximadamente na mesma latitude da cidade de Itajubá. À direita, o observador é mostrado em detalhes.
observador terá se alterado um ângulo equivalente lateral direito, selecione a opção Find object. Se-
ao ângulo ✓, conforme é mostrado na Figura 4. lecione Sun e pressione Find. Na janela que irá
Um raciocínio análogo pode ser empregado para se abrir, anote o horário da passagem meridiana,
outras localizações do observador. que corresponde ao instante em que o Sol estará
No nosso exemplo, o ângulo ✓ equivale a 45,8 no zênite. No exemplo que temos considerado, o
graus. Como a cidade de Itajubá está situada horário encontrado foi 12h39 do dia 18 de junho
a 22,4 graus de latitude, resulta que a cidade de 2022 (horário de Jaumave, México – GMT-6).
que buscamos possui latitude igual a +23,4 graus, Para sabermos o instante em que a atividade
muito próxima ao Trópico de Câncer. Agora é só deve ser realizada na cidade de Itajubá (GMT-
consultar um atlas para escolher uma cidade que 3), precisamos levar em consideração a diferença
satisfaça a essa condição. Há também inúmeros entre os fusos horários. Itajubá está três horas
recursos digitais que podem ser úteis nesse sen- à frente da cidade de Jaumave. Significa que a
tido, como a plataforma Map Maker,1 por exem- atividade deve ser realizada às 15h39 do dia 18
plo. de junho de 2022. É neste exato instante que o
A cidade de Jaumave, no México, está loca- observador deve medir o comprimento da sombra
lizada aproximadamente a +23,40 graus de lati- do gnômon e determinar o ângulo ↵ (Figura 1).
tude, a 99,38 graus de longitude e está 6 horas a Sabemos, portanto, o instante em que a ativi-
oeste do meridiano de Greenwich. São três horas dade deve ser realizada na cidade de Itajubá e
a menos que a cidade de Itajubá. Significa que, identificamos uma cidade onde o Sol estará no
no instante em que o Sol alcançar o zênite na ci- zênite naquele instante. A próxima informação
dade de Jaumave, estaremos três horas à frente, necessária para a construção do roteiro da ativi-
de acordo com o horário de Brasília (GMT-3). dade é a distância entre essas duas cidades. Essa
Recorremos ao programa WinStars mais uma vez informação pode ser obtida facilmente com a fer-
para determinar esse instante. No menu superior, ramenta Google Maps. Pesquise por uma das
selecione a opção Date and place of the observa- duas cidades, clique com o botão direito do mouse
tion. Então insira as coordenadas geográficas de no local desejado e selecione a opção Medir dis-
Jaumave, a data em que a observação deve ser re- tância. Pesquise agora pela outra cidade, clique
alizada (18 de junho de 2022, neste caso) e o fuso com o botão direito do mouse no local desejado
horário (GMT-6). O tempo local não precisa ser e selecione a opção Distância até aqui. No nosso
exato. Qualquer horário próximo ao meio-dia é exemplo, a distância entre Itajubá e Jaumave é
o bastante. Pressione o botão Apply. No menu de 7.743 km, aproximadamente. É importante
notar que essa distância é dada sobre a superfície
1
https://mapmaker.nationalgeographic.org terrestre, como mostra a Figura 5.
Figura 5: Distância entre Itajubá (Brasil) e Jaumave (México), medida sobre a superfície da Terra. Fonte: Google
Maps© .
Enfim, temos todas as informações necessárias gulo de elevação do Sol no instante mencionado
para a construção do roteiro da atividade. Um anteriormente. De modo particular, o item 6b
exemplo está disponível no Apêndice A. Con- expressa bem a simplicidade com que esta ati-
forme os objetivos de aprendizagem, é pedido aos vidade pode ser realizada. O estudante, autor
estudantes que descrevam o método que emprega- da imagem, engenhosamente improvisou um gnô-
ram para a determinação do raio da Terra, apre- mon com uma caneta e uma borracha para servir
sentando e discutindo as relações matemáticas re- de base e manter o objeto na posição vertical.
levantes para os cálculos. Também é pedido que Os resultados do seu trabalho foram bons, ape-
incluam fotografias mostrando o instante exato sar da precariedade do gnômon utilizado por ele.
em que as medidas foram feitas. O valor determinado para o raio da Terra foi de
aproximadamente 6.039 km, um desvio da ordem
de -5% relativamente ao valor de referência (6.371
5 Alguns relatos da disciplina “Conceitos km).
de Astronomia”
A atividade permite que os estudantes reali-
A atividade tem sido realizada nos últimos anos zem as medidas em suas próprias casas, o que
durante a disciplina “Conceitos de Astronomia – é considerado um aspecto positivo. De fato, é
AST929”, oferecida no primeiro semestre do curso possível perceber através da Figura 6 que os gnô-
de Licenciatura em Física da Universidade Fe- mons foram montados em locais variados. Isso
deral de Itajubá. No ano de 2021, em parti- possibilita que a atividade seja realizada mesmo
cular, as medidas foram feitas no dia 6 de ju- durante os finais de semana e em horários extra-
nho, às 14h17 (GMT-3). Neste instante, o Sol classe sem quaisquer dificuldades. Esse aspecto
encontrava-se aproximadamente no zênite para foi especialmente conveniente no ano de 2021, em
um observador localizado na cidade de Remedios, que as aulas da disciplina tiveram que ser ofe-
Cuba. O roteiro da atividade foi construído se- recidas na modalidade online em consequência
gundo os procedimentos que foram apresentados das medidas restritivas de combate à pandemia.
anteriormente. Muitos dos estudantes sequer encontravam-se na
A Figura 6 mostra as fotografias de dois gnô- mesma cidade onde a universidade está situada.
mons que foram construídos pelos estudantes da Por conta disso, além do roteiro utilizado tradi-
disciplina para a realização das medidas do com- cionalmente, também foi necessário fornecer aos
primento da sombra projetada no solo e do ân- estudantes instruções sobre como calcular a dis-
tância entre a cidade onde estavam e a cidade- valores com desvio inferior a 1%, relativamente ao
alvo, ou seja, a cidade na qual um observador valor de referência. Todavia, mais importante do
veria o Sol aproximadamente no zênite na data e que os valores obtidos é o fato de que os resultados
hora indicadas no roteiro. indicam que os estudantes realizaram a coleta de
As instruções foram oferecidas na forma de um dados corretamente e seguiram precisamente os
vídeo-tutorial e consistiram basicamente na úl- passos da atividade.
tima etapa da construção do roteiro, a qual foi
apresentada anteriormente. Os estudantes utili-
zaram a ferramenta Google Maps para obter o 6 Considerações finais
valor da distância medida sobre a superfície da
Terra. Felizmente, todos eles encontravam-se no Neste trabalho buscamos apresentar os deta-
mesmo fuso horário (GMT-3), do contrário tam- lhes da construção do roteiro para uma atividade
bém teria sido necessário realizar ajustes quanto prática em astronomia. A abordagem utilizada é
ao instante das medições. Essa situação é im- essencialmente conceitual e visa também familia-
provável, todavia, considerando a localização da rizar os estudantes com aspectos epistemológicos
universidade e que a maior parte do território bra- da astronomia antiga, em particular com o mé-
sileiro se encontra no horário oficial de Brasília. todo que foi empregado por Eratóstenes de Cirene
A Tabela 1 contém os resultados obtidos por para a determinação da circunferência da Terra.
8 estudantes da disciplina, aqueles que realiza- Algumas tecnologias digitais são fundamentais
ram a atividade e a entrega do relatório. O valor para a construção do roteiro, entre elas um simu-
de referência adotado para o raio da Terra foi lador do céu e a ferramenta Google Maps. Em-
de 6.371 km. Sabe-se que nosso planeta não é bora essas ferramentas sejam normalmente em-
perfeitamente esférico e que esse valor apresenta pregadas exclusivamente pelo professor durante
pequenas variações. Contudo, esse é um valor a fase de construção do roteiro, existe a possibi-
médio e as variações são irrelevantes para a re- lidade de que elas sejam utilizadas também com
alização da atividade proposta, tendo em consi- os estudantes dependendo das circunstâncias em
deração que: i) se trata de uma atividade didá- que a atividade é realizada ou das escolhas feitas
tica focada muito mais no método e nos aspectos pelo docente. No texto foi mencionado o cená-
conceituais e epistemológicos do que na precisão rio atual, por exemplo, em que as medidas de
instrumental e nos valores absolutos; ii) os erros distanciamento social tornaram inviáveis a prá-
associados aos procedimentos adotados pelos es- tica de trabalhos coletivos na modalidade presen-
tudantes, aos instrumentos que foram utilizados e cial. Nesse cenário os estudantes encontram-se
ao próprio método são consideravelmente maiores dispersos geograficamente e, portanto, devem re-
que a amplitude das variações que foram citadas. correr às plataformas mencionadas para o cálculo
da distância entre a sua localização e a cidade
Tabela 1: Resultados das medidas feitas por 8 estudantes onde o Sol poderá ser observado no zênite. Mas é
da disciplina “AST929 – Conceitos de Astronomia” no dia claro que isso não precisa ser sempre determinado
6 de junho de 2021. por fatores extrínsecos. Essa abordagem pode ser
uma opção do docente, para que os estudantes
Raio (km) Desvio relativo (%)
desenvolvam também alguma familiaridade com
E1 6.039 -5.2
esses recursos digitais. Para tanto, basta omi-
E2 6.437 1,0
tir a informação da distância no roteiro e deixar
E3 6.383 0,2
a cargo dos estudantes que obtenham essa infor-
E4 6.354 -0,3
mação.
E5 6.255 -1,8
A preparação do roteiro segundo os procedi-
E6 6.413 0,7
mentos que foram apresentados aqui é uma boa
E7 6.164 -3,2
forma de introduzir o recurso do simulador do
E8 6.769 6,2
céu. Uma vez que tenha domínio dessa ferra-
menta, o docente poderá utilizá-la com os estu-
Apesar de todas as limitações, a tabela mostra dantes em outros contextos. Mesmo na atividade
que os estudantes foram capazes de obter bons proposta a ferramenta pode ser empregada para
resultados, com três deles (E3, E4 e E6) obtendo estender e aprofundar as discussões em torno do
(a) (b)
Figura 6: Dois gnômons construídos pelos estudantes para realização das medidas do comprimento da sombra projetada
no solo em 6 de junho de 2021.
tema. Com respeito a esse aspecto, a proposta nuvens e, portanto, a sombra do gnômon pode
apresentada aqui e o roteiro dado como exem- não ser perceptível no instante em que a medida
plo devem ser vistos também como um ponto de deve ser feita. Ou pode ser que ela esteja dema-
partida para a construção de atividades, sequên- siadamente esmaecida, ao ponto de que o erro as-
cias didáticas, abordagens mais elaboradas. À sociado à medida se torne significativo. Por essa
título de exemplo, depois da atividade concluída, razão, é recomendável sempre fornecer aos estu-
os professores poderão trazer para sala de aula dantes uma segunda chance, pelo menos. Deve-se
– ou para a sala virtual – os resultados obtidos preparar sempre mais de um roteiro considerando
por todos e checar esses valores com auxílio do si- datas diferentes e os prazos de entrega devem ser
mulador. Na ocasião poderão ainda demonstrar flexíveis.
para os estudantes como observadores em diferen- No caso da disciplina AST929, alguns estudan-
tes locais do globo veem o Sol em um mesmo ins- tes relataram que não foi possível realizar a me-
tante, de que forma a elevação do Sol se altera em dida no exato instante indicado no roteiro, mas
função da latitude e como a longitude influencia que a fizeram alguns minutos depois. Isso é algo
no instante na passagem meridiana. Na verdade, que ocorre de forma recorrente devido principal-
existe a possibilidade de que o próprio conceito mente à passagem de nuvens e não compromete a
de fuso horário ganhe um novo significado para atividade desde que o atraso não seja algo signi-
os estudantes nesse processo. ficativo, digamos, superior a 20 minutos. Quanto
Uma possibilidade que deve ser considerada ao mais nos afastamos do horário da medição indi-
planejar a atividade é a de que não seja possí- cado pelo roteiro, seja para mais ou para menos,
vel realizar as medidas na data desejada devido maior será o erro que estaremos cometendo.
às condições meteorológicas. Apesar dessas con- Na Figura 7, a linha vermelha mostra o com-
dições serem em média bastante favoráveis du- portamento da elevação do Sol para o dia 18 de
rante o mês de junho na região sudeste do nosso junho, no período próximo às 15h39. O instante
país, com tempos secos e pouca probabilidade de previsto para a realização da atividade está indi-
chuva, ainda existe uma chance de ocorrência de cado por uma linha tracejada vertical. A linha
Sobre os autores
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editado por H. Weissmann (Artmed, Porto Astronomy & Earth Sciences Education (JA-
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Introdução
No dia 18 de junho de 2022 (sábado) o Sol passará muito próximo do zênite para um observador na
cidade de Jaumave, no México.
Atividade proposta
Defina um gnômon para ser utilizado. O gnômon nada mais é que uma haste vertical cuja sombra
projetada no solo era utilizada para marcação das horas na antiguidade. Nessa atividade iremos utilizar
a sombra projetada por esse objeto para determinar a elevação do Sol na cidade de Itajubá na data e
hora que foram mencionadas.
Com base no método de Eratóstenes e nos dados fornecidos, determine o raio da Terra.
Para entregar
• Fotografias do gnômon, da equipe (se feito em grupo) e da sombra projetada, no momento esti-
pulado.
Resumo
Neste trabalho, nós apresentaremos o relato de uma prática desenvolvida em uma escola da rede pública es-
tadual, a qual, posteriormente foi ampliada para um evento científico externo à escola. A prática objetivou
incentivar o protagonismo dos estudantes, permitindo que os mesmos se apropriassem de assuntos relacionados
à ciência. O percurso metodológico se ancora no paradigma qualitativo. Inicialmente, por meio de uma parceria
com o grupo Show de Física, da Universidade Federal do Espírito Santo, foram apresentados aos estudantes
trabalhos de pesquisadores em diversos campos da ciência, com a elaboração de relatórios e produção de vídeos.
Participaram dessa etapa, 330 alunos do ensino médio da Escola Estadual Professora Filomena Quitiba, locali-
zada no município de Piúma, Espírito Santo. Posteriormente, alguns dos resultados obtidos foram apresentados
na IV Mostra de Astronomia do Espírito Santo, onde foram explorados temáticas como meteoros, buracos
negros e ondas gravitacionais. O desenvolvimento da prática permitiu uma melhor compreensão dos temas
estudados, dos métodos de pesquisa e da produção de conhecimento científico. Os estudantes se apropriaram
de conhecimentos construídos historicamente, além de compreenderem a forma como estes são produzidos pelos
pesquisadores e cientistas.
Abstract
In this work, we will present the report of a practice developed in a state public school, which was later expanded
to a scientific event outside the school. The practice aimed to encourage student protagonism, allowing them to
take ownership of subjects related to science. The methodological path is anchored in the qualitative paradigm.
Initially, through a partnership with the Show de Física group, from the Federal University of Espírito Santo,
the students were presented with the work of researchers in various fields of science, with the elaboration of
reports and the production of videos. 330 high school students from the State School Professora Filomena
Quitiba, located in the municipality of Piúma, Espírito Santo, participated in this stage. Subsequently, some
of the results obtained were presented at the IV Astronomy Exhibition of Espírito Santo, where themes such
as meteor, black hole and gravitational waves were explored. The development of the practice allowed a better
understanding of the topics studied, the research methods and the production of scientific knowledge. The
students appropriated historically constructed knowledge, in addition to understanding how it is produced by
researchers and scientists.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37309
1 Introdução
nimizar tais problemáticas, desenvolvemos uma
A Pandemia mundial da COVID-19 impôs, nos prática abordando alguns temas ligados à ciência
anos de 2020 e 2021, diferentes desafios pedagógi- e tecnologia para que os discentes e docentes da
cos para manter a qualidade do ensino. Conforme educação básica se tornem mais autônomos, refle-
Araújo et al “a imersão dos alunos no ano de 2020, xivos e críticos. Ao realizarmos diagnóstico por
em meio a uma pandemia, mostrou-se desafiador meio de conversas com os alunos, sobre temas ci-
para a instituição, que não apresenta uma estru- entíficos, percebemos que os conhecimentos pré-
tura adequada para o corpo docente e discente de- vios não contemplavam certas temáticas, como
senvolver atividades” [1]. Assim sendo, para mi- por exemplo, modelos cosmológicos, astronomia,
pela dificuldade de compreender o que foi apre- ência do Lençol”, para simular um buraco negro.
sentado pelo pesquisador convidado. Outro grupo com a temática parecida “buracos
negros e ondas gravitacionais”, apresentou difi-
culdades, pois houve também problemas de co-
4 Participação na Mostra de Astronomia municação que afetaram a avaliação do grupo. O
do Espírito Santo grupo que apresentou o tema de meteoros, seguiu
as orientações do professor-tutor durante a pre-
A MAES 2021, reuniu trabalhos com temas de paração do trabalho, respondeu todas as questões
astronomia, astrofísica, astronáutica e cosmolo- levantadas pela banca avaliadora e foi aprovado
gia. O evento possuiu três fases, entre fevereiro e para a última etapa da MAES 2021, o que destaca
dezembro de 2021, e contemplou a diversidade de a qualidade do trabalho preparado pelos alunos.
gênero nos grupos formados, sob a orientação de
Já na segunda fase da MAES 2021, um grupo
um professor-tutor. Participando pela segunda
da escola estava realizando a explicação do tra-
vez do evento, a escola foi representada por qua-
balho, no meio da apresentação citou colisões
tro grupos, formado por alunos da primeira sé-
de buracos negros. Ao final da apresentação foi
rie do ensino médio, e contou com a orientação
feita arguição ao grupo, mas em um dado mo-
dos professores da área de Ciências da Natureza.
mento houve discussão entre dois doutorandos do
As reuniões com os grupos foi realizada através
Cosmo-ufes a respeito do grupo ter citado o termo
da sala de aula virtual, aplicativos de reuniões
colisões de buracos negros. Um dos doutorandos
e mensagens, devido às restrições impostas pelas
que acabara de ministrar palestra para o público
agências responsáveis, para minimizar a propa-
presente, argumentou que não há colisões, e foi
gação do vírus da COVID-19. A primeira fase
rebatido pelo seu colega, de que há colisões, mos-
contou com a submissão de resumo e de um ví-
trando a importância do letramento científico, em
deo explicativo. A avaliação dessa fase ocorreu
particular acerca dos jargões utilizados dentro de
no formato remoto, com pesquisadores do Cosmo-
cada área do conhecimento. O termo “colisões de
ufes, na UFES, Campus Goiabeiras, Vitória/ES,
buracos negros”, aqui em questão, não pode ser
que entrevistaram os grupos de alunos e fizeram
interpretado no sentido literal, como uma “colisão
a seleção dos melhores trabalhos para a segunda
entre duas bolas de bilhar.” Uma interpretação
fase.
mais acessível seria uma fusão entre os buracos
Dos quatro grupos da escola, três estavam em
negros.
consonância com a temática da MAES 2021, (1)
buracos negros; (2) buracos negros e ondas gra- Uma alternativa para atingir os objetivos esta-
vitacionais e (3) meteoros, meteoroides, meteori- belecidos pela nova BNCC, em particular sobre o
tos, asteroides e cometas. Somente um grupo op- letramento científico, mas também para cumprir
tou por trazer para o evento a explicação de pro- a amplitude do currículo, seria utilizar além do li-
posta fora do espectro da astronomia, fato ocor- vro didático, metodologias alternativas de ensino,
rido por problemas de comunicação, portanto, os como por exemplo, oficinas, palestras, pesquisas,
integrantes deste grupo tiveram dificuldade para participação em feiras e mostras, dentre outras.
responder às perguntas quando questionados pela Com relação aos conteúdos de astronomia, no
banca. Na apresentação do trabalho sobre bu- Novo Ensino Médio, é possível, a partir de melho-
racos negros, os alunos tiveram dificuldades na rias na relação ensino-aprendizagem, melhorar a
segunda fase onde apresentaram 18 slides (com formação do egresso institucional, no tocante às
excelentes dados) em 8 minutos e tinham entre habilidades e competências previstas pela BNCC.
15 a 20 minutos para explicitar para a banca e Como é o caso da habilidade EM13CNT204 – cujo
público presente. A intenção foi boa, porém, a significado é: EM13 (Ensino Médio da primeira
cultura de decorar e consultar o celular quando a terceira série) e CNT204 (Ciências da Natureza
dava um “branco”, demonstrou pouco domínio do e suas Tecnologias, habilidade 204). Esta habi-
assunto, entretanto, todas as condições para que lidade deve possibilitar aos discentes elaborarem
o grupo adquirisse o melhor desempenho e classi- explicações, previsões e cálculos a respeito dos
ficação foi dada pelo professor-tutor, e, o tempo movimentos de objetos na Terra, no sistema solar
foi suficiente para a preparação. A banca sugeriu, e no universo com base na análise das interações
caso o grupo fosse para a fase seguinte, a “Experi- gravitacionais, com ou sem o uso de dispositivos e
sar Fabris (Cosmo-ufes), Adriano Mesquita Oli- Goytacazes-RJ. Conduz pesquisas no Labora-
veira (IFES-Guarapari), ao CNPq, a Secretaria tório de Ciências Químicas da UENF e orienta
de Estado da Educação – SEDU, devido ao Pró- alunos de mestrado e doutorado no Programa
Docência Stricto sensu (CEFOPE), aos alunos da de Pós-Graduação em Ciências Naturais, em
escola Professora Filomena Quitiba que se empe- projetos com ênfase em história das ciências e
nharam nas atividades interdisciplinares, e ao pa- ensino de ciências, atuando principalmente nos
recerista pelas sugestões que muito contribuíram seguintes temas: história da química no Brasil
para a versão final deste artigo. e aplicação da história como ferramenta para o
ensino de ciências.
Sobre os autores
Referências
P. Lucas Antonio Xavier (lucas.perobas@
gmail.com) é professor de física na Escola Es- [1] M. M. de Araújo et al., Feira de Ciên-
tadual Professora Filomena Quitiba (Secretaria cias no Padlet: Usos Tecnológicos aliado
de Educação do Estado do Espírito Santo) em a Práticas Pedagógicas Transgressoras, Re-
Piúma, ES e doutorando em Ciências Natu- vista Tecnologias Educacionais Em Rede
rais na Universidade Estadual do Norte Flumi- (ReTER) 2(1), e10/01 (2021). Disponí-
nense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, vel em https://periodicos.ufsm.br/reter/
Campos-RJ, onde desenvolve pesquisas em En- article/view/65287, acesso em jan. de 2022.
sino de Ciências.
Chirlei de Fátima Rodrigues (chirleifrodri- [2] Brasil, Base nacional comum cur-
gues@gmail.com) tem Mestrado em Educação em ricular (2018). Disponível em
ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ci- http://basenacionalcomum.mec.gov.br,
ências e Matemática (Educimat) do Instituto Fe- acesso em jan. de 2022.
deral do Espírito Santo (IFES) – Vitória-ES, é
professora de química na Escola Estadual Profes- [3] G. Fourez, Alfabetización científica y tecnoló-
sora Filomena Quitiba (Secretaria de Educação gica: acerca de las finalidades de la enseñanza
do Estado do Espírito Santo) em Piúma, ES. de las ciencias (Ediciones Colihue, Buenos
Karoline Vitória Silva da Costa (karolinevito- Aires, 1997).
riasilvadacosta@gmail.com) é aluna da segunda
série do ensino médio, na Escola Estadual Pro- [4] G. Fourez, A construção das ciências: intro-
fessora Filomena Quitiba (Secretaria de Educa- dução à filosofia e à ética das ciências (Edi-
ção do Estado do Espírito Santo) em Piúma, ES. tora da Unesp, São Paulo, 1995).
Foi contemplada com uma bolsa de Iniciação Ci-
[5] P. Freire, Pedagogia do Oprimido (Editora
entífica júnior na IV Mostra de Astronomia do
Paz e Terra, São Paulo, 2014).
Espírito Santo, na categoria ensino médio.
Flávio Gimenes Alvarenga (flavio.alvarenga@ [6] M. Ludke e M. E. D. A. André, Pesquisa em
ufes.br) é professor da Universidade Federal do educação: abordagens qualitativas (E.P.U.,
Espírito Santo. Desenvolve pesquisa na área de São Paulo, 1986).
cosmologia, atuando principalmente no tema cos-
mologia quântica, e na área de ensino de física [7] R. H. Sampieri, C. F. Collado e P. B. Lu-
com trabalhos de inserção da física contemporâ- cio, Metodologia de Pesquisa (Penso, 2017),
nea no Ensino Médio. Membro permanente do 5ª edição ed.
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Fí-
sica (PPGEnFis) - UFES / Mestrado Nacional [8] L. Slovinscki, A. Alves-Brito e N. T. Massoni,
Profissional em Ensino de Física - Polo 12. A astronomia em currículos da formação ini-
Fernando José Luna de Oliveira (fer- cial de professores de física: uma análise di-
nando@uenf.br), trabalha como professor da agnóstica, Rev. Bras. de Ens. de Física 43,
Universidade Estadual do Norte Fluminense e20210173 (2021).
Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos
Figura 1: Divisão da quantidade de trabalhos inscritos por rede de ensino. A cor azul mostra que 15,5%, dos trabalhos
inscritos, foram de alunos do ensino fundamental. A cor vermelha mostra que 5,2% dos trabalhos foram da rede privada
(alunos do ensino médio). A cor verde e roxa correspondem a 39,7% dos trabalhos submetidos, foram de trabalhos da
rede estadual e federal, respectivamente.
Ensino fundamental
Figura 2: Comparativo do número de trabalhos inscritos em todos os anos do evento. Em azul está destacado o
número de trabalhos inscritos da rede municipal. Note-se que no ano de 2018 não tivemos participação de alunos do
ensino fundamental. Em verde, está destacado o número de trabalhos inscritos da rede privada que também não teve
participação no ano de 2018. Em amarelo e vermelho estão os números de trabalhos submetidos pelas escolas estaduais
e federais, respectivamente. Em roxo está representado o número total de trabalhos submetidos.
Ensino médio
Para obter maiores informações sobre a MAES 2021 basta acessar o site www.cosmo-
ufes.org/maes2021.
Esta edição da revista Cadernos de Astronomia traz o seguinte texto construído por alunos
do ensino fundamental em colaboração com seus respectivos professores-tutores:
Resumo
Com o objetivo de avançar nos estudos referentes aos corpos celestes mais distantes do planeta Terra, a sonda
New Horizons foi lançada pela NASA em 19 de janeiro de 2006. A missão não tripulada teve como destino
o Cinturão de Kuiper, região longínqua do sistema solar que abriga o planeta anão Plutão. Nossa pesquisa
procurou informações a respeito da sonda New Horizons, entre elas destacam-se quais foram suas prioridades
de pesquisa e possíveis benefícios para a astronomia, com o principal intuito de participar da IV Mostra de
Astronomia do Espírito Santo e apresentar aos estudantes de nossa escola. Ademais aplica-se também para
o público em geral, que não possui contato com astronomia. Neste artigo discutimos quais foram os dados
coletados pela sonda durante a passagem por Plutão, além de retomar alguns conceitos e teorias da astronomia
e apresentar algumas perspectivas futuras.
Abstract
With the objective of advancing in the studies referring to the most distant celestial bodies from planet Earth,
the New Horizons probe was launched by NASA on January 19, 2006. The unmanned mission was destined
to the Kuiper Belt, a remote region of the Solar System that home to the dwarf planet Pluto. Our research
sought informations about the New Horizons spacecraft, among which were its research priorities and possible
benefits for astronomy, with the main objective of participating in the IV Astronomy Exhibition of Espírito
Santo and presenting to the students of our school . In addition, it also applies to the general public, who have
no contact with astronomy. In this article, we discuss the data collected by the probe during its passage by
Pluto, in addition to resuming some astronomy concepts and theories and presenting some future perspectives.
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37361
Figura 2: Exemplificação da trajetória da sonda desde o Figura 3: Exemplificação da sonda com seus instrumen-
lançamento em 2006 até a exploração de objetos do Cin- tos de pesquisa. Créditos: NASA.
turão de Kuiper. Créditos: NASA.
4. As imagens de 15 de julho 2015 revelaram a cerca de 7 horas para chegar até a sonda, e 14
existência de montanhas congeladas na su- horas para fazer o percurso de ida e volta. Ela
perfície de Plutão, os dados do dia 17 de ju- está aguardando novos objetivos, já tem o status
lho 2015 trouxeram imagens de extensas pla- de quinta sonda mais distante no espaço, ficando
nícies de gelo no planeta, onde não há crate- atrás apenas das Pioneer 10 e 11 e das Voyager 1 e
ras (Figura 6); 2 (Figura 7). Em 25 de Dezembro de 2020 a New
Horizons foi apontada para a direção da Voyager
5. A atmosfera de Plutão é rica em nitrogênio
01 que está 152 UA da Terra, já no espaço inte-
e se estende por até 1.600 km acima de sua
restelar, e conseguiu assim fotografar exatamente
superfície;
o local em que se encontra a outra sonda, reali-
6. Nyx o menor satélite natural de Plutão, foi zando algo jamais visto no contexto da exploração
avistado pela sonda, e mesmo com baixa re- espacial.
solução foi possível determinar que a lua tem
apenas 6 km de diâmetro.
6 Conclusão
Após todo o trabalho realizado para a junção
de material e informações que foram utilizadas na
5 Percurso pelo Cinturão de Kuiper
apresentação na Mostra de Astronomia do Espí-
Após passar por Plutão, a New Horizons teve rito Santo, pode-se concluir que as pesquisas em
sua missão estendida para objetos do Cinturão torno desse assunto ainda são recentes, muitos
Kuiper. O escolhido foi o Arrokoth (Última dados estão sendo tratados, a sonda está ativa e
Thule) que está aproximadamente a 45 UA da podemos esperar ainda grandes avanços.
Terra. A primeira série de dados transmitidos Esta pesquisa proporcionou pelo segundo ano
pela sonda revelou um mundo em duas partes, consecutivo a participação efetiva de nossa es-
um objeto no formato de um boneco de neve. A cola no universo da astronomia. Com objetivo
passagem pelo objeto ocorreu em 1º de janeiro de de apresentar aos estudantes da EMEF “Prefeito
2020, e as fotos foram tiradas dez minutos após Roberto Calmon” um pouco do que é pesquisado
um sobre voo de 8.800 km, revelando caracterís- e publicado sobre o tema, estamos criando em
ticas únicas. nossa escola uma cultura de divulgação cientifica.
A New Horizons se encontra hoje a aproxima- Conforme os anos passam, novas tecnologias
damente 50 UA da terra, os comandos demoram são implementadas nas sondas com o intuito de
Resumo
Apresenta-se uma tradução do alemão, do artigo seminal de Alexander Friedmann publicado em 1922, onde
encontram-se as bases de um modelo cosmológico dinâmico.
Abstract
This is a translation from German to Brazilian Portuguese of the seminal work by Alexander Friedmann,
published in 1922, where the basics of a dynamical cosmological model are developed
DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n1.37322
1 Introdução
A cosmologia relativista é um ramo da ciência
bem estabelecido que tenta fornecer respostas a
algumas das questões que sempre perseguiram o
homem, por exemplo, qual a origem e idade do
universo? Apesar de intrigantes, estas pergun-
tas só puderam ter suas respostas formuladas a
partir dos trabalhos pioneiros de Albert Einstein,
Willem de Sitter, Alexander Friedmann e Georges
Lemaître há cerca de um século.
1
Existe um manuscrito do artigo escrito em russo, dis- Estas soluções tratavam-se, à época, de uma
ponível no site do Insituto Lorentz, Universidade de Lei-
den, Holanda. No entanto, o trabalho foi publicado na
interpretação especulativa da possível dinâmica
revista alemã Zeitschrift für Physik e, portanto, em ale- cósmica e o artigo de Friedmann passou desper-
mão. cebido pelos astrônomos da época.
De fato, apenas ao longo da década de 1920 ter o mais próximo possível da diagramação do
o conceito de galáxia emergiria, culminando nas artigo original de Friedmann. Acreditamos que
observações de Hubble, em 1929, que constata- tal estratégia colabora para a experiência de se
riam a expansão do universo. Maiores detalhes estar estrando em contato com um texto tão icô-
desta história podem ser encontrados no texto de nico quanto este.
Ioav Waga nesta mesma edição do Cadernos de
Astronomia.
1
Rik gik R + gik = Tij (i, k =, 1, 2, 3, 4). (A)
2
Aqui gik são os potenciais gravitacionais, Tik o tensor de matéria, - uma constante, R = g ik Rik ; Rik
é determinado através das equações
p p ⇢✓ ◆ ⇢✓ ◆ ⇢✓ ◆ ⇢✓ ◆
@ 2 lg g @lg g ik @ ik i↵ k
Rik = + , (B)
@xi @xk @x @x ↵
n o
ik
onde os xi (i = 1, 2, 3, 4) são as coordenadas de mundo, e l os símbolos de Christoffel de segundo
tipo6 ).
†
Título original: Über die Krümmung des Raumes. Publicado em: Zeitschrift für Physik 10, 377 (1922).
1
Einstein, Kosmologische Betrachtungen zur allgemeinen Relativitätstheorie, Sitzungsberichte Berl. Akad. 1917.
2
de Sitter, On Einstein’s theory of gravitation and its astronomical consequences. Monthly Notices of the R. Astronom.
Soc. 1916–1917.
3
Sobre “espaço” entendemos aqui um espaço que pode ser descrito como uma variedade em três dimensões; o “universo”
equivale a uma variedade de quatro dimensões.
4
Klein, Über die Integralform der Erhaltungssätze und die Theorie der räumlich-geschlossenen Welt. Götting. Nachr.
1918
5
Veja este nome no livro de Eddington, Espace, Temps et Gravitation, 2 Partie, S. 10. Paris 1921.
6
Nossa escolha do sinal de Rik e de R é diferente do normal.
2. A matéria é incoerente e em repouso relativo; ou, sendo direto e menos rigoroso, a velocidade
relativa da matéria é desprezível em comparação com a velocidade da luz. No que segue a estas
hipóteses o tensor de matéria é dado pelas equações
Tik = 0 para i e k 6= 4,
T44 = c2 %g44 , (C)
aqui % é a densidade da matéria e c a velocidade base; fora isso, as coordenadas de mundo são divididas
em três coordenadas espaciais x1 , x2 , x3 e a coordenada temporal x4 .
3. As hipóteses da segunda classe são as seguintes:
1. Em termos das coordenadas espaciais em x1 , x2 , x3 teremos um espaço de curvatura constante,
mas que pode depender de x4 - a coordenada temporal. O intervalo7 ) ds, determinado através de
ds2 = gik dxi dxk , pode, ao se introduzir coordenadas espaciais adequadas, ser colocado na seguinte
forma:
ds2 = R2 (dx21 + sin2 x1 dx22 + sin2 x1 sin2 x2 dx23 )
+ 2g14 dx1 dx4 + 2g24 dx2 dx4 + 2g34 dx3 dx4 + g44 dx24 .
Aqui R depende apenas de x4 ; R é proporcional ao raio de curvatura do espaço que pode, portanto,
variar com o tempo.
2. Na expressão para ds2 é possível, através de uma escolha apropriada de coordenadas, eliminar
g14 , g24 , g34 , em outras palavras, o tempo é ortogonal ao espaço. Sobre esta segunda hipótese, ao que
me parece, podem não existir motivos físicos ou filosóficos; ela serve apenas para simplificar os cálculos.
É preciso observar que os universos de Einstein e de de Sitter, dentro de nossas hipóteses, são casos
especiais.
Seguindo as hipóteses 1 e 2, ds2 pode ser colocado na forma
ds2 = R2 (dx21 + sin2 x1 dx22 + sin2 x1 sin2 x2 dx23 ) + M 2 dx24 , (D)
onde R é uma função de x4 e M , no caso geral, depende das quatro coordenadas. O universo de
2
Einstein será obtido ao se substituir R2 por Rc2 e, além disso, colocar M igual a 1 em (D), onde R
significa o constante (independente de x4 ) raio de curvatura do espaço.
R2
O universo de de Sitter será obtido ao se substituir R2 por c2
e M por cos x1 em (D):
R2
d⌧ 2 = (dx21 + sin2 x1 dx22 + sin2 x1 sin2 x2 dx23 ) + dx24 , (D1 )
c2
R2
d⌧ 2 = (dx21 + sin2 x1 dx22 + sin2 x1 sin2 x2 dx23 ) + cos2 x1 dx24 .8 ) (D2 )
c2
4. Precisamos agora ter o compromisso de encontrar os limites nos as coordenadas de mundo estão
confinadas, ou seja, quais os pontos da variedade quadridimensional vamos tratar como sendo diferentes.
Sem nos ater a uma explicação mais detalhada, vamos supor que as coordenadas espaciais estão dentro
dos seguintes intervalos: x1 no intervalo (0, ⇡); x2 no intervalo (0, ⇡) e x3 no intervalo (0, 2⇡); com
respeito à coordenada de tempo não vamos fazer por enquanto nenhuma suposição limitadora, mas
vamos considerar esta questão mais abaixo.
§2.1. Das hipóteses (C) e (D) segue que, quando fazemos i = 1, 2, 3 e k = 4 nas equações (A),
@M @M @M
R0 (x4 ) = R0 (x4 ) = R0 (x4 ) = 0;
@x1 @x2 @x3
7
Veja, por exemplo, Eddington, Espace, Temps et Gravitation, 2 Partie. Paris 1921.
8
O ds2 , do qual se supõe que possui dimensão de tempo, designaremos como d⌧ , então a constante terá a dimensão
de comprimento/massa e no sistema c.g.s é igual a 1, 87 ⇥ 10 27 . Veja Laue, Die Relativitätstheorie, Bd. II, S. 185.
Braunschweig 1921.
o que resulta em dois casos: (1.) R0 (x4 ) = 0, R é independente de x4 , queremos descrever esse universo
como estacionário; (2.) R0 (x4 ) não = 0, M depende apenas de x4 , este deve se chamar de universo não
estacionário.
Vamos considerar primeiramente o universo estacionário e escrevemos as equações (A) para i, k =
1, 2, 3 e, além disso, i não = k, obtendo o seguinte sistema de fórmulas:
@2M @M
cotgx1 = 0,
@x1 @x2 @x2
@2M @M
cotgx1 = 0,
@x1 @x3 @x3
@2M @M
cotgx2 = 0.
@x2 @x3 @x3
onde A, B, C são funções arbitrárias de seus argumentos. Resolvendo as equações (A) para Rik e
eliminamos a densidade desconhecida % das, até então não utilizadas equações 9 ), obtemos, utilizando
para M a expressão (1), depois de longos mas elementares cálculos, duas possibilidades para M:
M = M0 = const, (2)
M = (A0 x4 + B0 )cosx1 , (3)
c2 2 4⇡ 2
= , %= , M= R,
R R2
onde M significa a massa total do espaço.
No segundo caso possível, quando M é dado por meio de (3), chegamos, com uma transformação
razoável de x4 10 ), ao universo esférico de de Sitter no qual M = cosx1 ; Com a ajuda de (D2 ) obtemos
as relações de de Sitter:
3c2
= , % = 0, M = 0.
R
Nós temos então o seguinte resultado: o universo estacionário será ou o universo cilíndrico de Einstein
ou o universo esférico de de Sitter.
2. Nós queremos considerar agora o universo não estacionário. Atualmente, M é uma função de x4 ;
com uma escolha adequada de x4 pode-se encontrar (sem perda de generalidade) que M = 1; Para
ligar a nossas ideias comuns, colocaremos ds2 em uma forma que é análoga a (D1 ) e (D2 ):
R2 (x4 )
d⌧ 2 = (dx21 + sin2 x1 dx22 + sin2 x1 sin2 x2 dx23 ) + dx24 . (D3 )
c2
Nossa tarefa agora é determinar R e % a partir das equações (A). É claro que as equações (A) com
índices diferentes não fornecem nada; as equações (A) para i = k = 1, 2, 3 fornecem a relação:
9
A densidade % é uma função desconhecida das coordenadas
p de mundo x1 , x2 , x3 , x4 .
10
Esta transformação é obtida por meio da fórmula dx4 = A0 x4 + B0 dx4 .
R02 2RR00 c2
+ + = 0, (4)
R2 R2 R
a equação (A) com i = k = 4 fornece a relação:
3R02 3c2
+ = c2 %, (5)
R2 R
com
dR d2 R
R0 = e R00 = .
dx4 dx24
Sendo R0 não = 0, então a integração da equação (4) dá, quando escrevemos t para x4 , a equação:
✓ ◆2
1 dR A R+ 3c2
R3
= , (6)
c2 dt R
onde A é uma constante arbitrária. A partir desta equação obtemos R por meio de uma inversão de
uma integral elíptica, quer dizer, com a resolução para R da equação
Z s
1 R x
t= dx + B, (7)
c 0 A x + 3c2 x3
na qual B e A são constantes, onde que deve-se levar em consideração as condições comuns da mudança
de sinal da raiz quadrada. Da equação (5) tem-se como determinar %:
3A
%= ; (8)
R3
através da massa total M do espaço a constante A se exprime da seguinte maneira
M
A= . (9)
6⇡ 2
Se M é positivo, então A é positivo.
3. Para considerar um universo não estacionário devemos ter como base as equações (6) e (7); e
ainda, a quantidade não está determinada; Nós vamos aceitar que ela pode assumir valores arbitrários.
Vamos determinar agora aqueles valores da variável x para os
quais a raiz quadrada da fórmula (7) pode mudar de sinal.
Vamos restringir nossas considerações para raios de curvatura
positivos, ou seja, para x no intervalo (0, 1) e neste intervalo,
os valores de x que façam o radical ser igual a 0 ou 1. Um
valor de x para o qual a raiz quadrada em (7) seja nula é
x = 0; os valores restantes de x para quais a raiz quadrada em
(7) muda de sinal são dados pelas raízes positivas da equação
A x + 3c2 x3 = 0. Vamos denotar 3c2 como y e consideramos
no plano (x, y) a família de curvas de terceiro grau
yx3 x + A = 0. (10)
Da figura é visível que para valores negativos de a equação A x + 3c2 x3 = 0 possui uma raiz positiva
x0 no intervalo (0, A). Considera-se x0 como uma função de e A:
x0 = ✓( , A),
então encontra-se que ✓ é uma função crescente de e uma função crescente de A. Se está no
2
intervalo (0, 49 Ac 2 ), a equação possui duas raízes positivas x0 = ✓( , A) e x00 = #( , A), onde x0 está
no intervalo (A, 3A 2 ) e x0 cai no intervalo ( 2 , 1); ✓( , A) é uma função crescente tanto de
0 3A
quanto
4 c2
de A, #( , A) uma função decrescente de e A. Finalmente, sendo maior que 9 A2 a equação não
possui raízes positivas.
Agora passamos a considerar a fórmula (7) e fazemos a seguinte observação preliminar: seja o raio de
curvatura igual a R0 para t = t0 ; o sinal da raiz quadrada em (7) é positivo ou negativo, dependendo de
que, se o raio de curvatura cresce ou decresce para t = t0 ; substituímos, se necessário, t por t, podemos
sempre fazer a raiz quadrada positiva, ou seja, pela escolha do tempo sempre pode ser alcançado que
o raio de curvatura para t = t0 aumenta com o tempo.
2
4. Vamos considerar primeiro o caso > 49 Ac 2 , ou seja, o caso onde a equação A x + 3c2 x3 = 0 não
possui nenhuma raiz positiva. A equação (7) então pode ser escrita
Z s
1 R x
t t0 = dx, (11)
c R0 A x + 3c2 x3
onde, de acordo com nossas observações, a raiz quadrada é sempre positiva. Segue então que R é uma
função crescente de t; não há restrição sobre o valor inicial positivo R0 .
Como o raio de curvatura não pode ser menor que zero, ele deve, com tempo decrescente t a partir
de R0 , alcançar o valor zero num instante t0 .
O tempo para crescer em R de 0 até R0 gostaríamos de chamar do tempo de criação do universo 11 );
esse tempo t0 é fornecido por:
Z R0
s
0 1 x
t = dx. (12)
c 0 A x+ 3c2
x3
O raio de curvatura varia assim entre 0 e x0 . Chamaremos este universo de universo periódico. O
período do universo periódico. O período do universo periódico aumenta quando aumenta-se e e
2
tende para o infinito quando tende para o valor 1 = 4c 9A2 .
Para pequenos o período pode ser aproximado pela fórmula
⇡A
t⇡ = . (15)
c
No que diz respeito ao mundo periódico, dois pontos de vista são possíveis: contamos dois eventos
como coincidentes, quando suas coordenadas espaciais coincidem e a diferença entre as coordenadas
temporais é um múltiplo inteiro do período, então o raio de curvatura aumenta do valor 0 até x0 e
então diminui até o valor 0; o tempo de existência do universo é finito; por outro lado, quando o
tempo varia entre 1 e +1 (ou seja, consideramos dois eventos como coincidentes apenas quando
não só as coordenadas espaciais mas também suas coordenadas de mundo coincidem), chegamos a uma
periodicidade verdadeira da curvatura espacial.
7. Nossos conhecimentos são totalmente insuficientes para conduzir cálculos numéricos e decidir
qual é o nosso universo; é possível que o problema da causalidade e o problema da força centrífuga
joguem luz sobre esta questão. Ainda se observa que a grandeza “cosmológica” que aparece nas
nossas fórmulas permanece indefinida, uma vez que trata-se de uma constante excedente na tarefa;
possivelmente considerações da eletrodinâmica podem levar à sua avaliação. Se usarmos = 0 e
M = 5 . 1021 massas solares, então o período do universo será da ordem de 10 bilhões de anos. Estes
números podem apenas servir como uma ilustração da aplicação dos nossos cálculos.
Petrogrado, 29 de maio de 1922.
12
Veja, por exemplo, Weierstrass, Über eine Gattung reell periodischer Funktionen. Monatsber. d. Königl. Akad. d.
Wissensch. 1866 e Horn, Zur Theorie der kleinen endlichen Schwingungen. ZS. f. Math. und Physik 47, 400, 1902. No
nosso caso as considerações destes autores devem ser alteradas apropriadamente. No entanto, a periodicidade no nosso
caso pode ser estabelecida por considerações elementares.
Há milagres inexplicáveis, mas há ação no mundo. Mas às vezes é preciso uma pessoa especial
para notar isso. No caso de Friedmann, ele notou e o milagre não passou despercebido.
Nascer em um dos planetas, em um dos mundos, em um instante (comparando com tempo
do universo), no auge do desenvolvimento em um determinado lugar e em um determinado
momento. Olhar ao redor e entender - como viver e o que fazer? No mínimo, proteger-se e ter
direito a um período de vida livre. E depois fazer o que gosta e o que é interessante.
Friedmann apareceu na era das guerras e revoluções. Ele defendeu seu país na Primeira
Guerra Mundial (foi apreciado e premiado por sua coragem) e ganhou uma chance em uma
linha mundial de atividade pela qual poderia seguir em frente - ele se concentrou e decidiu.
A principal escolha para ele foi a matemática como linguagem em que se pode falar sobre o
ambiente em que todos se encontravam e que viam. Mas ele gostaria de saber como tudo
funciona. O principal fator é a gravidade e o espaço-tempo - o que é o mesmo. Isso foi o início
do tempo da iluminação.
A matemática lida com os graus de liberdade de movimento, uma nova visão que pode ser
usada para ver onde estamos. Como tudo funciona? Deve haver dados e teoria. Com a ajuda da
matemática você pode lidar com os dados, construir um modelo, resolver as equações da teoria
e depois testar o modelo com novos dados. A matemática contém todos os traços de como um
mundo observacional complexo se construiu como resultado de uma violação de uma simetria
mais básica. Havia uma teoria – esta foi a teoria da relatividade geral (explicada nas palestras
ministradas por Rozhdestvensky, o aluno de pós-graduação de Einstein, quando retornou a São
Petersburgo). Mas a situação com dados era ruim, eles não existiam ainda. Entretanto, havia
uma compreensão da grandeza de escala e da matéria ao redor.
Quando não há dados, a simetria ajuda. Este é sempre o caso em matemática - a simetria
remove muitos parâmetros desconhecidos e deixa apenas aqueles que não a contradizem. Res-
tam poucos deles, e muitas vezes é suficiente formular o problema com condições iniciais e de
contorno - então resta apenas resolver as equações da teoria e completar o modelo do fluxo de
matéria gravitacional considerando uma determinada simetria.
A simetria escolhida por Friedmann é muito forte. Seis parâmetros do grupo de movimento
em um espaço tridimensional homogêneo e isotrópico. Este foi o próximo passo após o grupo
de simetria de Poincaré com 10 parâmetros = 6 + 4 (tempo homogêneo e isotrópico, a três
direções do espaço e as rotações de Lorentz). Melhor não tocar no tempo - todo mundo tem seu
próprio tempo, que não é homogêneo e é anisotrópico. Então restam apenas seis parâmetros
do que podemos chamar de grupo Friedmann. De onde vinham estes? Ninguém sabia disso.
Talvez foi “Deus deu uma dica”? Mas, na prática, os modelos sempre são construídos a partir
das configurações mais simples. Depois estes modelos devem ser verificados e, se os modelos
simples não se encaixam, modelos mais complexos devem ser construídos para satisfazer todas
V. N. Lukash
Instituto de Física da Academia de Ciências Russa