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Lembranças de um Louco

Amor

Gayle achava que só poderia amar uma vez na vida... Até encontrar Jared!

A vida de Gayle como secretária era o lago sereno que ela desejava desde a morte
de Craig, há sete anos. Ainda o amava e ninguém poderia substituí-lo. Ela era, por isso,
uma opção segura para o plano maluco de Jared, seu chefe: um noivado de fingimento, a
fim de que ele pudesse conseguir um contrato de negócios sem ter que aceitar também um
contrato de casamento. Não haveria rompimentos dolorosos, flores no dia seguinte,
nenhuma emoção. Seu chefe, porém, podia mandar em sua vida quanto quisesse, mas
nunca mandaria em seu coração!

Título original: Touch Not My


Heart
Digitalização e revisão: Marina

Formatação: Edina
CAPITULO 1

O edifício estava silencioso quando Gayle atravessou o piso de mármore polido


do vestíbulo. Olhando para o teto abobadado, para os painéis de ferro forjado do mezanino,
e para os valiosos candelabros de cristal, ela pensou no contraste entre o prédio centenário
e a indústria de alta tecnologia que ali se abrigava. Somente a Logan Eletrônica ousaria
projetar computadores novos e avançados num ambiente tão elegante do século passado.

O rapaz do balcão de informações levantou os olhos do jornal e sorriu ao vê-la.

— Bom dia, Srta. Bradley. Chegou cedo. Quase não se vê nada lá fora.

— Pensei que estivesse escuro por causa da tempestade que se aproxima.

De fato, Gayle quase não reparara no céu fechado e no sol pálido de inverno que
lutava para atravessar a névoa da manhã. Sua mente já estava no escritório. Uma boa
secretária executiva não permitiria que coisas como o tempo ou problemas pessoais
interferissem em seu trabalho. E Gayle Bradley orgulhava-se de ser profissional.

O rapaz olhou-a, espantado, mas não discutiu. Então, ao perceber que não havia
ninguém por perto, ele disse em voz baixa:

— A senhorita não precisava ter se preocupado para chegar no horário. O sr.


Logan vai demorar horas para descer. Numa manhã fria como esta, com a sra. Weston para
entretê-lo, dificilmente ele deixará seu ninho de amor antes do meio-dia.

Gayle parou de repente, com a mão na porta do elevador.

— O que foi que você disse? O rapaz retraiu-se.

— Desculpe-me Srta. Bradley. Escapou sem querer. Mas todo mundo sabe sobre
o apartamento do sr. Logan. . .

— Thomas, você não é pago para discutir sobre a vida particular do sr. Logan!

— Ora, por favor, Srta. Bradley. A senhorita não é cega. Sabe tão bem quanto eu
o que acontece lá em cima!

— Isso não é da minha conta. O Sr. Logan é meu patrão, e o modo como ele
passa seu tempo não me diz respeito.

— Puxa, Srta. Bradley, não consigo entender por que o defende tanto!

— É ele quem assina meus cheques de pagamento, Thonuis Seria bom que você
também pensasse nisso — acrescentou, entrando no elevador.

Gayle tinha certeza de que enrubescera ao ouvir a conversa a respeito de Jared


Logan. Mas, será que estava sendo leal demais com o patrão? Não saíra em defesa dele por
respeito ao homem; disso não restava dúvida, pois não morria de amores por ele. No
entanto, se todos os empregados do prédio sabiam quem o visitava lá em cima, já era hora
de alguém fazer alguma coisa.

Obviamente não seria o próprio Jared, que pouco ligava se seus casos fossem de
conhecimento público. Se por acaso Thomas lhe perguntasse sobre Natalie Weston e seu
ninho de amor, ele se limitaria a rir, divertido. Ninho de amor... Francamente! Se tivesse
que escolher um nome para o apartamento de cobertura do edifício Logan, com certeza
Gayle encontraria meia dúzia de adjetivos muito mais apropriados!

Ainda mal-humorada quando o elevador chegou ao décimo oitavo andar, ela abriu
a porta do escritório e ficou parada durante um longo tempo, até esquecer a irritação
quanto ao chefe. A janela de vidro, de onde se avistava o panorama da cidade e as
Montanhas Rochosas que ficavam além, sempre lhe tirava o fôlego. Agora, o céu estava
cinzento, com promessa de nevasca, e os contrafortes, escondidos atrás das nuvens
pesadas. Apesar disso, a beleza de Denver, logo abaixo da janela, compensava o horizonte
escuro.

Gayle pendurou o casaco de lã no armário, ajeitou os cabelos e alisou a saia de


seu vestido preto, bem talhado e de boa qualidade, mas um pouco fora de moda. Aquele
era o típico uniforme de uma profissional que procurava atrair a menor atenção sobre si
mesma. A boa secretária permanecia num segundo plano e deixava as honras para o chefe.

Como acontecia todas as manhãs, ela fez ronda pelas salas, para se certificar de
que a faxineira deixara tudo em ordem. Endireitou o mata-borrão na mesa de tampo de
vidro de Jared, e em seguida, enquanto a máquina preparava o café, abriu um pacote de
lápis e apontou três deles. Isso tudo era feito automaticamente, com experiência de dois
anos de prática.

"Deus, já faz tanto tempo que trabalho aqui?", perguntou-se, admirada por ainda
não conhecer seus companheiros de empresa melhor do que no dia em que cruzara o hall
de mármore para a primeira entrevista.

Pouco depois, Gayle sentou-se à escrivaninha para enfrentar os problemas do dia.


As amostras da nova propaganda haviam chegado; as primeiras de uma campanha que se
iniciaria dentro de algumas semanas, quando seria lançado o último computador da Logan
Eletrônica, o mais recente de uma longa série. Gayle tirou as fotos da pasta e espalhou-as
em cima da mesa.

O fotógrafo aproveitara todos os contrastes do saguão do prédio, colocando a


nova máquina no grande vestíbulo, de modo a refletir o brilho do piso de mármore antigo.

O resultado era uma fotografia soberba de contrastes nítidos e atraentes. E a


modelo também fora bem escolhida: Natalie Weston, com um vestido de baile de antes da
Guerra Civil, segurando uma sombrinha com rufos, fazia o papel de uma beldade, perplexa
diante de um objeto desconhecido.

Se Natalie já era uma modelo competente, naquelas fotos parecia ter superado as
exigências do gerente de publicidade.

Numa das poses, porém, ela imitava uma estrela do cinema, saia-balão levantada
de modo excessivamente provocador.
Intrigada, Gayle examinou a fotografia durante um longo tempo, curiosa para
saber por que cargas d'água o sujeito do marketing a incluíra na série, quando era evidente
que jamais poderia aparecer numa revista. Talvez fosse melhor retirá-la do meio das
outras, antes que Jared a visse. Será que o Sr. Logan

acharia a foto engraçada? Ou, quem sabe, censuraria o responsável por tomar o
seu tempo? Era difícil prever suas reações, mesmo depois de dois anos de convivência... £
se, de fato, Natalíe Weston fosse a mulher que se encontrava agora no apartamento de
cobertura, então não havia como saber de que modo ele reagiria àquela foto de mau gosto.

Afinal, Gayle resolveu deixá-la na pasta, pois não lhe cabia censurar o que o chefe
examinava. Mas prometeu a si mesma conversar com o homem da publicidade. Caso ele
estivesse procurando acrescentar um pouco de humor à campanha, teria de adverti-lo de
que estava navegando em águas perigosas.

Jared Logan apareceu uma hora mais tarde.

—- Bom dia, Srta. Bradley — disse ele, sem a olhar, entrando direto em sua sala.

Gayle seguiu-o, com um caderno de anotações na mão, e sentou em silêncio


diante de sua mesa. Jared pegou uma xícara de café, depois correu os dedos na superfície
do novo computador, e então virou-se na cadeira giratória para encará-la.

Ao vê-lo tão elegante, Gayle sentiu o mesmo choque que experimentara em seu
primeiro encontro com ele. Na ocasião só sabia que Jared construía computadores, e fora
para a entrevista imaginando-o um homem exótico, barbudo e de olhar selvagem, que só
falasse o jargão da eletrônica. Em vez disso, encontrara um homem vestindo camisas de
seda e gravatas de cem dólares, que se divertia tanto quanto trabalhava, e que usava um
pequeno bigode escuro muito bem aparado. De repente ela se deu conta de que o encarava
fixamente e baixou os olhos para o caderno de anotações.

— Passei pela inspeção de hoje, Srta. Bradley? — perguntou Jared, calmamente.


Sem se perturbar, Gayle retrucou:

— Você ficaria melhor se fosse ao barbeiro. Surpreso, ele levou a mão até os
cabelos castanho-escuros,

fazendo com que o anel de sinete de ouro reluzisse sob as luzes do escritório.

Antes que o chefe dissesse algo, Gayle perguntou:

— Quer que eu lhe marque uma hora?

Jared estudou-a durante um longo momento, como um gato prestes a dar um bote.
Então sorriu, e seus olhos azuis brilharam, divertidos.

— Você venceu, Srta. Bradley.

— Não sei a que você se refere, Sr. Logan.

— Não tem importância. Vamos falar de negócios. A nova campanha de


publicidade deveria estar pronta hoje. Gayle entregou-lhe a pasta, informando:
— Separei o material da Softek para que você o examine antes de sair.

— Ótimo. Quero ter tudo na ponta da língua quando for conversar com Russell
Glenn — disse ele, examinando a primeira fotografia da pasta.

— Se quiser, posso vir trabalhar no fim de semana, caso precise de' mais
informações.

— Não acredito! Você renunciar ao seu fim de semana só para tentar me ajudar?

Gayle não gostou do seu tom de voz. Jared parecia insinuar que ela era uma
adolescente ansiosa, que não podia perder uma oportunidade para estar com o namorado.

— Por que não, Sr. Logan? Há muita coisa que precisa ser feita por aqui.

— Não será necessário. Além disso, não espero chegar a um acordo neste fim de
semana. Russell diz que quer vender a Softek, mas se esperou tanto tempo, pode esperar
mais três dias.

Na realidade, fazia meses que a Logan Eletrônica negociava a compra daquela


empresa, visando dobrar os serviços oferecidos a seus clientes, mas não chegara ainda a
qualquer resultado. Pensando nisso, Jared comentou:

— Não entendo por que Russell resiste tanto com essa companhia aqui em
Denver, quando todos os negócios dele estão na Califórnia. Isso não faz sentido. Ele devia
aproveitar a chance de vendê-la enquanto é tempo! Gayle ficou em silêncio por alguns
instantes, sabendo que ele não esperava nenhum comentário, pois estava apenas pensando
em voz alta. Depois ela consultou o caderno de anotações e disse:

— Peters telefonou, perguntando se você quer que ele embale alguma coisa para
o fim de semana.

— Ligarei para ele mais tarde — retrucou fared, examinando uma das fotografias
que ela lhe entregara.

— Ele perguntou também se você vai a Pino Reposo antes de partir, ou se deveria
trazer sua bagagem para Denver. Disse que não o vê há bastante tempo.

— Não precisa transmitir o recado por palavra, Srta. Bradley. Sei muito bem o
que o caseiro pensa de mim. — Então, separando uma fotografia da pilha, colocou-a num
canto da mesa, guardando as restantes na pasta. — Diga a Ron que as fotos estão ótimas.
Ele pode usar qualquer uma. E pergunte-lhe sobre as tomadas para televisão.

— Ele falou que estarão prontas na semana que vem.

— Ótimo! Precisamos começar os preparativos para a festa de lançamento. Só


temos três semanas. Ah, sim. . . mande duas dúzias de rosas para a Srta. Weston.
Amarelas! Ela está hospedada no Brown Palace. Gayle não se surpreendeu com aquele
pedido, pois Jared sempre expressava sua admiração pelas pessoas, mandando-lhes um
buquê de flores.
O que lhe chamou atenção foi a quantidade de rosas. Afinal, ele nunca enviava
mais que uma dúzia. . .

— Você e meu caseiro se dão bem, não é verdade, Srta. Bradley? Mas parece que
nenhum dos dois tem bom conceito de mim...

— Sua vida particular não é da minha conta, Sr. Logan. E agora, se não precisar
mais de mim, vou retornar ao meu trabalho.

Com um aceno em direção à porta, fared dispensou-a, concentrando-se então no


novo computador.

Devido à neve que caíra durante o dia, o ônibus percorria as ruas com dificuldade.
Consultando o relógio, Gayle perguntou-se se Jared já estaria voando para a Califórnia, a
fim de se encontrar com Russell Glenn, ou seu avião ficara encalhado no Aeroporto
Internacional de Stapleton. Na certa ele devia estar ;i caminho do sol e do mar, enquanto
todo mundo continuava cm Denver, lutando contra o inverno. Aliás, mesmo que passasse o
fim de semana inteiro discutindo com Russell, Jared voltaria bronzeado na segunda-feira à
tarde!

Gayle levantou-se ao se aproximar do ponto onde descia. Ainda bem que seu
irmão tivera o bom senso de comprar uma casa a apenas um quarteirão dali. Caso
contrário, ela teria seguido para seu apartamento e ligado de lá, avisando que não iria jantar
com ele, como fazia todas as sextas-feiras.

Foi com alívio que encontrou Darrel parado perto da porta, esperando-a. O rapaz a
cumprimentou, conduzindo-a então para dentro da casa.

— Se eu adivinhasse que ia nevar tanto, teria ido buscá-la.

— Que bobagem, Darrel! Até o ônibus teve problemas. Você nunca conseguiria
sair com seu carro. . . Hum, o cheiro está delicioso! — comentou, enquanto Rachel se
aproximava.

— Hoje vamos comer ravióli. Passei a semana toda usando a máquina de fazer
massas que você me deu no Natal.

— Ótimo! Isso quer dizer que fiz uma boa escolha.

Gayle entregou o casaco a Darrel e seguiu a cunhada até a cozinha. Lá, sentada no
chão, a pequena Amy, que tinha três anos de idade, estava colorindo as figuras de um livro,
mas quando a tia entrou ela deixou o lápis de lado e correu ao seu encontro. Gayle
suspendeu-a nos braços e a beijou. Depois comentou com Rachel:

— Você arrumou cinco lugares à mesa? Mas nós só somos quatro.

— Um amigo de Darrel vem aqui esta noite.

— Por favor, Rachel, pensei que já tivesse chegado a um acordo com você sobre
isso. No momento não estou interessada em conhecer ninguém!

— Pelo jeito, nunca vai estar. Quero saber até quando você vai fugir dos homens.
— Não há nenhum que esteja à altura das minhas exigências.

— Minha querida, conheço uma centena de homens que adorariam namorar você.
..

— E esse que vem hoje, o que tem de tão especial que os outros noventa e nove
não têm?

— Ah, eu sabia que você ia ficar curiosa! Para começar, ele possui seu próprio
negócio, está com trinta e cinco anos. . .

— É casado?

— Claro que não! Acha que eu marcaria um encontro para você com um homem
casado?

— Há quanto tempo ele está divorciado?

— Faz um ano. . . Mas você sabe que um marido perfeito não cai do céu de uma
hora para outra. Todo homem tem um passado. . .

— Ele tem filhos?

— Sim. . . três. Mas é a ex-esposa quem está com a custódia.

— Rachel, francamente!

— Ter filhos não é nada demais, pelo amor de Deus! Afinal, você gosta de Amy
— disse, apontando para a filha, aninhada no colo de Gayle.

— São coisas completamente diferentes. Adoro tomar conta de Amy, porque é


minha sobrinha. Mas ser madrasta, não, obrigada.

, — O que você quer então, Gayle?

— Apenas que me deixem em paz! Prefiro minha vida do jeito que ela é. Gosto
de meu trabalho, ganho o suficiente para me sustentar e não preciso de ninguém!

— Você às vezes não se sente sozinha?

— Isso acontece com qualquer um. Além disso, depois de amar Craig e perdê-lo,
sé um super-homem me faria esquecê-lo.

— Não estou pedindo que o esqueça, mas você precisa viver sua vida. Afinal, ele
está morto! Não é a mesma coisa se vocês fossem casados. . . — Rachel interrompeu-se ao
ver a expressão da cunhada. E depois de uma pausa, desculpou-se: — Sinto muito. Só
queria ver você feliz, Gayle. Infelizmente já usei todos os recursos a minha disposição e
até agora não a ajudei em nada.

— Não se preocupe, Rachel. Quando achar que estou pronta para isso, eu
rnesma me encarregarei de procurar alguém. Mas se você me arranjar outro convidado
especial de novo, nunca mais voltarei aqui.
— Está bem... Se você ficar agora para conhecer Larry, prometo nunca mais
fazer isso.

— Não confio nem um pouco na sua palavra, mas de qualquer modo esperarei
pelo jantar. Principalmente porque o cheiro do ravióli está delicioso.

Mais tarde, Gayle arrependeu-se por não ter ido embora antes. Larry era simpático
do ponto de vista físico, mas não possuía nenhum atrativo capaz de chamar sua atenção.
Por mais que mostrasse disposição para entabular uma conversa, não acertava num único
assunto que o interessasse. Tanto que, após o jantar, ela se sentia tão pouco à vontade,
com o rosto tão marcado pela preocupação, que Rachel se surpreendeu.

— O que aconteceu com você, Gayle?

— Nada, estou bem — afirmou ela, forçando um sorriso. — Preciso ir para casa.
Tive uma semana cansativa.

— Eu a levarei — ofereceu Larry de imediato.

— Não, obrigada. Vou chamar um táxi. Moro fora de seu caminho, e numa noite
como esta.. .

Antes que ela terminasse de falar, Rachel trouxe seu casaco e o cachecol,
ajudando-a vestir-se. Indiferente aos seus protestos conduziu-a para o carro de Larry,

Assim que se sentou ao volante, ele comentou bem-humorado:

— Não valia a pena você gastar com uma corrida de táxi. Estou acostumado a
dirigir na neve.

A tempestade cessara há algum tempo, e no céu sem nuvens apareciam estrelas


brilhantes. Enquanto isso, máquinas de limpar neve trabalhavam na rua para desimpedir o
trânsito.

Quando Larry parou o carro diante do prédio, Gayle consultou o relógio, e como
não fosse tão tarde para alegar que estava exausta, resolveu ser gentil.

— Que subir para tomar um café, Larry?

Ao notar o sorriso tímido com que ele acedia Gayle perguntou a si mesma se não
fora injusta ao tratá-lo friamente na casa de Rachel. Mesmo assim, nada acrescentou
enquanto o conduzia

rumo ao elevador.

Quando acendeu a luz do apartamento ela olhou em volta como se visse aquele
ambiente pela primeira vez. Sua casa em nada lembrava a da cunhada, que se caracterizava
pela descontração típica dos casais jovens. Aqui, cada livro estava arrumado na prateleira,
cada quadro em perfeita simetria na parede, e as almofadas bem arrumadas no sofá. Não
havia brinquedos espalhados pelo chão, nem qualquer vestígio de que alguém vivesse entre
aquelas quatro paredes. Apesar disso, o apartamento refletia seu gosto, seu modo de vida.
E ela levara anos até deixá-lo exatamente do jeito que queria.
— Bonito apartamento — comentou Larry, enquanto olhava para uma gravura de
Salvador Dali em cima da lareira.

Como ele estivesse intrigado diante daquele quadro, que era um dos mais realistas
do pintor, Gayle ficou curiosa por saber o que Larry acharia das obras surrealistas do
pintor.

Quando ela foi à cozinha preparar o café, o rapaz perguntou,

da sala:

— O que vem a ser isto?

— Refere-se ao Dali?

— Não, este daqui.

— Bem... é um quadro de Salvador Dali... o pintor — informou Gayle, mal-


humorada, percebendo que ele não tinha a mínima noção de arte.

Minutos mais tarde, indo até a cozinha, Larry disse:

— Puxa, você falava sério quanto ao café, não?

— Claro. O que você pensava?

— Imaginei que se tratasse de outras coisas...

— Tais como um convite para passar a noite aqui? Não seja tolo, Larry! Nós nos
conhecemos há pouco mais de três horas!

— Por mim, isso não é problema. Eu sou fácil de agradar.

— Pois eu não sou. Se quiser tomar o café, ótimo; se não, a porta está aberta.

— Não vai me oferecer um biscoito?

— Ah, deixe de bobagem! Acabamos de jantar.

Larry não respondeu, e instantes depois tomaram o café nu mais absoluto silêncio.
Sem Darrel e Rachel para participarem da conversa, não tinham nada a dizer um ao outro.
Portanto, foi com alívio que Gayle o acompanhou até a porta menos de dez minutos
depois. Assim que ele saiu, ela se encostou na porta, sentindo-se bem por estar tudo
terminado.

Agora, tinha diante de si um fim de semana inteiro para descansar. Decidiu ir no


sábado ao museu de arte e em seguida à pequena galeria onde comprou a gravura de Dali
— sua conta bancária suportaria mais uma aquisição. Então tomaria chocolate quente e
caminharia pela neve; e na segunda-feira estaria preparada para enfrentar o mundo novo.

CAPÍTULO II
Larry ligou para Gayle três vezes no sábado: uma, quando ela entrava no banho;
outra, no momento em que ela saía do apartamento; e a terceira quando estava no meio de
uma máscara facial que a impedia de falar. Depois disso, Gayle decidiu tirar o fone do
gancho, pois de qualquer modo não esperava telefonema de ninguém. Na manhã da
segunda-feira saiu cedo de casa, feliz por notar que, apesar do ar gelado, o dia prometia ser
claro e sem nuvens.

— Gayle! — chamou alguém de um carro estacionado defronte do seu prédio.

Ela sentiu um aperto no coração ao reconhecer a voz de Larry.

— Bom dia — cumprimentou com secura, procurando não perder a calma.

— Eu estava a caminho do trabalho e pensei em lhe oferecer uma carona.

— Não, obrigada. Meu ônibus virá num instante.

— Tentei ligar para você agora cedo, mas ninguém atendia. Imaginei que o
telefone estivesse com defeito, por isso resolvi dar uma paradinha aqui.

— Larry, meu ônibus...

— Esqueça isso. Eu a levarei até seu escritório — disse o rapaz, puxando-a pelo
braço até o veículo.

Na noite de sexta-feira, preocupada demais com a neve, Gayle não reparou no


carro dele. Agora, surpreendeu-se ao verificar que era um modelo bonito e luxuoso. Com
razão Rachel dissera que ele tinha uma situação financeira estável, negócio próprio. . .

Mas isso não importava. Mesmo que Larry fosse o homem mais rico do Estado,
ela não mudaria de opinião a seu respeito. Não que tivesse alguma coisa contra ele;
simplesmente não queria se envolver com ninguém.

— Posso vir buscá-la para almoçar? — perguntou ansioso por puxar assunto. —
Vou ficar no centro da cidade e poderia. . .

— Não. É difícil eu sair do escritório na hora do almoço. Há sempre uma coisa


ou outra para se fazer.

— Se é assim, que tal se jantarmos juntos?

— Hoje eu não posso. Meu chefe vai chegar à tarde e talvez eu tenha que
trabalhar até a noite.

— Então você deveria almoçar!

— Não, Larry — cortou ela, começando a se aborrecer. Que belo início de


semana!

Dirigindo devagar, como se não tivesse a menor pressa, Larry demorou mais a
chegar ao edifício Logan do que um ônibus. Gayle ficou irritada, pois não costumava
entrar atrasada no serviço. Mesmo que o chefe só voltasse à tarde, não queria dar motivo a
ninguém para qualquer reclamação.

— Posso lhe telefonar mais tarde, ou seu chefe também não gosta disso?

— Eie detesta telefonemas pessoais na hora do serviço. Eu poderia perder o


emprego.

Larry sorriu, aparentando calma.

— Não se preocupe, Gayle. Pelo que Darrel disse, uma mulher competente como
você encontraria emprego em qualquer lugar. Aliás, talvez eu até precise de uma boa
secretária. Ligarei para sua casa hoje à noite, está bem?

Resmungando um "obrigada", Gayle abriu a porta do carro e saiu para a neve, que
lhe chegava até os tornozelos. Assim que ela atravessou a calçada do prédio, ouviu a voz
do chefe que se aproximava, vindo pelo outro lado.

— Srta. Bradley, estou surpreso com você!

Com um movimento ágil, ele empurrou a porta giratória, de modo a que os dois
entrassem no saguão.

— Surpresa estou eu! Por que voltou tão cedo?

— Qual o problema? Estava planejando algum golpe durante minha ausência? —


perguntou Jared, sorrindo.

— Claro que não. Simplesmente imaginei que nada seria capaz de afastá-lo do
sol da Califórnia.

— Pois se enganou. Voltei para casa no sábado.

Seu aspecto cansado levou Gayle a supor que Natalie Weston não lhe dera a
menor folga na noite anterior. Ou será que ele já mudara de amante? Logo iria saber,
quando ele lhe dissesse para onde mandar flores

— Bem, Srta. Bradley, passei o fim de semana em Pino Re-poso. Portanto, nem
você nem Peter podem falar que deixei de ir lá.

Enquanto conversavam, seguiram até o elevador, e só quando este começou a


subir foi que Gayle comentou:

— Fazia um mês que você não ia lá. Não sei por que alguém mantém uma casa se
não gosta dela.

— Eu adoro o lugar. O único problema é a distância de Denver.

— Por que não a vende e compra outra mais perto?

— De jeito nenhum. Tenho o melhor de dois mundos: o apartamento de cobertura


aqui, onde estou perto de meu trabalho, e Pino Reposo, onde posso me refugiar do mundo.
— Repouso do pinheiro. . . Soa muito melhor em espanhol, especialmente
quando você fala...

— Hum, você está quase romântica! Ela sorriu.

— Não se iluda, Sr. Logan...

Naquele exato momento, o elevador parou e as luzes se apagaram.

— Que diabos está acontecendo? — resmungou Jared. — Bem que eu queria


instalar um sistema automático nessa droga de elevador!

— Desconfio que faltou energia. Portanto, um sistema automático também não


iria funcionar.

— Por incrível que pareça, você sempre está certa! Oh, desculpe-me — disse,
quando tocou de leve no rosto de Gayle. — Como o ventilador parou, estou tentando tirar o
casaco para não sufocar. Nunca vi um elevador tão minúsculo!

— A energia deve voltar num instante.

— Não sou tão otimista como você. Por isso vou sentar no chão.

— Que andar estamos?

— Imagino que entre o décimo e o décimo primeiro. Com um elevador moderno,


teríamos chegado lá em cima antes que isso acontecesse.

— Pensei que você gostasse desse prédio antigo, Sr. Logan.

— Só quando ele funciona direito. . .

À medida que os minutos se passavam, o pequeno elevador ia ficando cada vez


mais abafado. Mas nem por isso Jared deixou de brincar.

— Talvez você não esteja certa, srta. Bradley. É melhor tirar seu abrigo e se
sentar junto comigo, aqui no tapete. Gayle, que não se mexera desde que as luzes tinham se
apagado, suspirou, antes de retrucar:

— Isso aqui está ficando cansativo, mas prefiro continuar de pé.

Foi então que abriu o pequeno compartimento de emergência, mas para sua
surpresa não havia ali um aparelho de telefone.

— Essa droga aqui não tem nada!

— O pessoal da manutenção comentou que havia problemas com a fiação de


emergência. Será que alguém sabe que estamos aqui?

— Thomas viu quando chegamos.

— Só espero que ele tome alguma providência — disse Gayle, enquanto tentava
soltar um dos grampos que seguravam seus cabelos, que se enganchara na parede de ferro
trabalhado. Ao sacudir a cabeça, o coque se desfez.
— Era só o que faltava! Meus cabelos se soltaram. Pode me emprestar seu
isqueiro por um instante?

— Para procurar os grampos? Não vale a pena. É melhor economizarmos o gás


para o caso de ter que sair daqui. . . de maneira pouco convencional, Sente-se, srta.
Bradley.

— Estou me sentindo como se estivesse numa tumba!

— Não me diga que sofre de claustrofobia. .,

— Por sorte, não — disse Gayle, procurando encontrar uma posição cômoda no
chão. — Você não tem a menor consideração pelo conforto de seus empregados. Poderia
pelo menos colocar bancos nos elevadores — brincou, sentando-se ao lado dele.

— Se houvesse um banco aqui, só sobraria espaço para uma pessoa. Ou para


duas, se fossem muito íntimas... Como ela não respondesse, Jared perguntou:

— Quem era aquele homem que a trouxe aqui agora cedo?

— Ele. .. ele é um amigo de meu irmão.

— É seu namorado fixo?

— Não, não é — respondeu ela secamente.

— A julgar pelo fim de semana, tenho minhas dúvidas.

— O que você quer dizer com isso?

— Imagino que você passou todo o dia de ontem conversando com alguém. Não
seria com aquele sujeito? Afinal, seu telefone só dava ocupado.

— Ah, deixei o fone fora do gancho. Mas por que tentou ligar para mim? E como
conseguiu o meu número?

— Ora, da maneira mais simples: pela lista telefônica! A propósito, esqueci-me


por completo de seu primeiro nome, de tanto chamá-la de Srta. Bradley.

— Bem,-adquiri o hábito de assinar só com as iniciais, por que seria tolice morar
sozinha e colocar meu nome inteiro na caixa do correio. As iniciais podem dar a impressão
de que é um homem que mora lá, e isso é menos perigoso.

— Como você se chama, Golda, Gertrudes, Gladys, Genoveva...

— Você acha que eu tenho cara de Genoveva?

— Não. Mas até aí também não parece que se chama Gladys.

— Obrigada. Meu nome é Gayle — informou, com uma ponta de ressentimento


por ele ter se esquecido disso.

Depois de algum tempo, jared perguntou:


— Será que alguém está tentando nos tirar daqui?

— Há quanto tempo o elevador está parado?

— Quase vinte minutos!

— Não brinque! Tudo isso?

— Não conte a ninguém que ficar presa num elevador comigo é uma coisa
maçante. Iria arruinar minha reputação. Vou dai um prazo de mais cinco minutos, depois
começaremos a bater na porta. Alguém deve ouvir.

— Do jeito como esse edifício é construído, duvido muito. As paredes têm mais
de vinte centímetros de espessura! Ah, antes que me esqueça: por que tentou ligar para
mim ontem?

— Como você estava disposta a trabalhar no fim de semana, pensei em


resolvermos algumas coisas pelo telefone.

— Sinto muito. Realmente eu tirei o fone do gancho.

— Não faz mal. Houve um longo silêncio entre os dois, até que Gayle decidiu
insistir na conversa, a fim de não se aborrecer tanto.

— Como foi de viagem? Imagino que chegou a um acordo com Russell, uma vez
que você voltou tão cedo.

— Ao contrário! Ele tinha acrescentado novas exigências para a venda...

Naquele momento a energia voltou, fazendo com que Jared se levantasse de um


salto e apertasse o botão do andar seguinte.

— Vamos descer logo desta coisa!

O elevador sacolejou um pouco, mas meio minuto depois sua porta se abria para
um pequeno grupo reunido no corredor do décimo segundo andar. Entre eles estava
Thomas ao lado de dois trabalhadores.

— O que estão fazendo aqui? — resmungou Jared, dirigindo-se ao supervisor de


manutenção.

— íamos jogar uma corda no poço para resgatá-los. Ainda bem que não foi
preciso.

— Qualquer coisa que tenha sido, quero telefones de emergência colocados em


todos os elevadores até o meio-dia!

Assim que Jared e o supervisor de manutenção se afastaram, Thomas aproximou-


se de Gayle, os olhos fixos em seus cabelos despenteados.

— Sinto muito, srta. Bradley.

— A culpa não foi sua, ora!


— Mas eu me esqueci de que a senhorita estava aí. E pelo jeito não gostou da
experiência. . .

— Se estou despenteada, isso não significa que fui atacada, Thomas. O sr. Logan
não é exatamente o que você pensa.

— Será que não?

— Pode ter certeza. Agora me diga como faço para chegar a minha sala?

— Os elevadores já estão bons. Faltou energia porque um caminhão colidiu com


um poste de alta-tensão. O problema ocorreu em diversos quarteirões. Mas os fios foram
consertados.

— É, parece que vou ter que subir nesse elevador mais cedo ou mais tarde.. .

— Então comece desde agora. Posso acompanhá-la, se quiser.

— Não é preciso.

Momentos mais tarde, em sua sala, Gayle procurava dar um jeito nos cabelos
quando uma das datilógrafas aproximou-se com a correspondência. Com malícia, a moça
comentou:

— Ouvi dizer que você passou uma meia hora excitante esta manhã. . Que tal
ficar presa no elevador com o chefe?

— Não há nada de mais.

— Será que não?

— É tão excitante quanto extrair um dente.

— Jura que não houve nada fora do comum? Outra coisa: é verdade que na sala
dele tem um sofá que se transforma em cama?

— Não sei de nada disso — retrucou Gayle, irritada, levan-tando-se para atender
o telefone. Era Rachel, que parecia preocupada.

— Acabei de saber que você ficou presa no elevador, Gayle!

— Deus do céu! Como as notícias voam! Não aconteceu nada de anormal —


garantiu, enquanto a datilografa desistia de esperar o fim da conversa e saía da sala.

— Liguei para saber se você e Larry se divertiram no fim de semana. . .

— De jeito nenhum! Aliás, não tenho o menor interesse nele.

— O que há com você. Gayle? Ele é um homem maravilhoso, bom, carinhoso...

— Mas não faz o meu tipo. Além do mais preciso de privacidade, não quero
ninguém que me absorva.
— Privacidade foi só o que você teve nesses últimos anos. Será que ainda não
está pronta para o convívio com outra pessoa?

— Larry não serviria para isso. Obrigada, Rachel, mas pode deixar que eu
procuro alguém que me agrade.

— Já é mais do que tempo de fazer isso, minha querida. Você se esconde em sua
casa, não aproveita a vida...

— Que tal se deixarmos esta conversa para sexta-feira à noite?

— Santo Deus! Você insiste em morrer com Craig! Se fosse viúva dele, seria
fácil compreender. Mas nem chegou a usar a aliança de noivado!

— Não é um anel o que faz as pessoas se amarem. Agora, preciso trabalhar.


Falarei com você mais tarde — concluiu, desligando o telefone antes que a cunhada tivesse
chance de discutir.

Meia-hora depois, Gayle já tinha separado a correspondência e começado o seu


trabalho da manhã. Nervoso, o homem apontou com a cabeça para a porta fechada,
comentando:

— O chefe está uma fera hoje!

— Ninguém pode culpá-lo. . .

— Claro. Mas você também ficou presa no elevador, e nem por isso está
querendo me esganar. Não tive culpa se faltou energia no bairro!

Naquele instante, o intercomunicador soou na mesa de Gayle.

— Venha até aqui, Srta. Bradley! — disse o Sr. Logan num tom seco.

Jared estava de costas, olhando a cidade pela janela, e não notou que ela havia
entrado. Gayle permaneceu em silêncio durante alguns instantes, e depois perguntou:

— Sr. Logan. .. prefere que eu volte mais tarde?

— Ah, você está aí? — disse ele, voltando-se. — Sente-se, pois vou ditar
algumas notas sobre minha viagem.

Começaram a trabalhar, e algum tempo depois Gayle parou de escrever,


comentando:

— Não entendi bem a última frase.

— Releia tudo — disse ele, recostando-se no espaldar da cadeira, dedos das mãos
entrelaçados atrás da cabeça.

Gayle pegou o caderno e leu em voz alta:

— "O Sr. Glenn afirmou que perdera o interesse em vender a Softek, mas que
gostaria de associar-se com a Logan Eletrônica. Sugeriu que a melhor maneira de fazer
isso seria que eu me casasse com a filha dele"... É isso mesmo?
— Você entendeu tudo, palavra por palavra!

— Não é de se admirar que o senhor estivesse tão nervoso logo cedo...

— Como vê, motivos não faltam.

— Mas ele disse isso mesmo?

— Não de maneira clara. Primeiro, disse que uma fusão seria melhor que uma
venda; minutos depois, perguntou: "Você conhece minha filha? Ela vai herdar meus
negócios", e assim por diante.

— Então você concluiu que ele quer casar a filha? Parece-me um raciocínio um
tanto forçado.

— Acontece que eu estava lá e percebi logo a jogada.

— O que lhe dá tanta certeza, Sr. Logan?

— Um homem visado como eu sabe quando alguma coisa ameaça sua liberdade.

— Qual é a idade da moça? Será que não é apenas uma garotinha. . .

— Ela tem vinte e um anos e está se formando na universidade.

— Bom, nem tudo está perdido. Ela pode não estar interessada em casamento, e
do mesmo modo você não tem simpatia pela idéia.

— Ela não terá chance de escolha.

— Sendo assim. . . não seria melhor eu arquivar as pastas da Softek?

Jared levantou-se da cadeira e foi até a janela.

— De maneira alguma. Não vou desistir enquanto não comprar aquela empresa.

Depois de alguns minutos de silêncio, Gayle resolveu dar um toque de brincadeira


àquela situação.

— O sr. Glenn merece um prêmio por essa nova idéia nos negócios. E um
casamento pode ser mais interessante do que a simples compra da companhia.

— Para mim, não! — declarou Jared com firmeza.

— Então qual é seu plano?

— Estou numa situação difícil. Se Russell se ofender, não vai me vender a firma
por preço nenhum. Mas se eu não sair dessa enrascada, talvez seja obrigado a me casar
com uma estranha!

— Ainda acho que ela pode pensar de maneira diferente.

— Obrigado por tentar me animar, srta. Bradley, mas infelizmente eu sou um


homem disputado.
— Ê... parece que o problema é sério...

— Você não tem nenhuma sugestão a me dar?

— Impossível ter! Nunca imaginei que essas coisas acontecessem na vida real. Só
na Idade Média os pais incluíam filhas em seus negócios.

— Pois eu desconfio que a idéia desse casamento partiu dela, e não do velho.

— O que você pretende fazer?

— Eu disse a Russell que ficaria encantado em conhecer sua filha. Convidei-os


para vir a Pino Reposo no próximo fim de semana... — E, depois de uma pausa, Jared
completou: — Onde minha noiva e eu iremos recebê-los.

— Meus parabéns! Agora entendo por que você estava tão preocupado com a
proposta de Russell!

— Só que não tenho a menor intenção de me casar. Vou apenas convencer


Russell de que não estou livre para a filha dele. Então, quando os papéis estiverem
assinados, pronto! Acabou-se o noivado.

— Imagino que Natalie Weston não vai gostar de saber que esse noivado é
temporário. De qualquer modo, como boa atriz que é, será perfeita no papel!

— Natalie é casada. Russell dificilmente se convenceria de que é minha noiva.

— Céus, como pude me esquecer disso! Jared começou a sorrir, antes de


comentar:

— O sr. Glenn está ansioso para conhecer você, Gayle. Eu lhe disse que você
ficaria feliz em recebê-lo em Pino Reposo neste fim de semana.

CAPITULO III

— Espere um pouco, Sr. Logan. . . — disse Gayle, num tom de voz nervoso. —
Que brincadeira é essa?

Em vez de responder, Jared limitou-se a rir, como se tudo não passasse de uma
piada.

— Não vejo nada engraçado nessa situação!

— Pois eu estou começando a me divertir com ela!

— Deve haver outra saída. Talvez se você. . .

— Já encontrei a única solução, Gayle.

— Não aceito a proposta, sr. Logan!


— O quê? Nunca pensei que seria rejeitado na primeira vez que me decidisse por
uma moça!

— Acontece que você está propondo uma farsa. E eu não vou fazer isso.

— Você não gosta de seu emprego aqui?

— O que isto tem a ver?

— Se quiser conservá-lo, vai ter que encarar essa nova tarefa. Sinto muito se seu
namorado não gostar. . . Para ser franco, eu não sabia que você estava saindo com alguém.

— Pois estou! E não quero me arriscar a perdê-lo só porque você se meteu numa
encrenca.

Jared enxaminou-a de alto a baixo, antes de perguntar:

— Você está dormindo com ele?

— Minha vida particular não interessa a você nem à empresa!

— Bem, desde que seja discreta, não me importa o que você faça. Prometo não
tocá-la, e você poderá voltar para ele assim que eu tiver assinado o contrato com Russell.

Pensando sobre o assunto, Gayle percebeu que através daquela farsa talvez fosse
mais fácil livrar-se de Larry. Mas, como ela nada dissesse, Jared prosseguiu:

— Em todo caso, será só por alguns dias. Russell e Krystal. . .

— Pensei que você não se lembrasse do nome dela — comentou Gayle, sorrindo.

— Passei o fim de semana inteiro procurando esquecê-lo.

— Você chegou a conhecê-la?

— Não. Como ela se formou no mês passado, recebeu uma viagem de presente
do pai e só vai voltar esta semana. Os dois chegarão em Denver na sexta-feira e partirão na
segunda. Depois, Russell estará na Califórnia, e aí estaremos livres, só continuaremos com
a farsa se ele por acaso nos procurar. Do contrário, terminado o fim de semana. . .

— Ainda não me convenci desse projeto, sr. Logan. Não tenho o menor talento
para ser atriz. Por que não procura outra pessoa?

— Por que você acha que eu a escolhi?

— Não sei.. . Com certeza não foi por causa de meu charme. Mas qualquer uma
das suas conhecidas ficaria lisonjeada em fingir que é sua noiva...

— O problema é que todas elas logo se esqueceriam da encenação. E como você


sabe, não estou disposto a colocar o pescoço no laço.

— Puxa, seu conceito de casamento é encantador!


— Até que me provem o contrário, vou pensar assim. Não existe nenhuma
mulher que eu suporte ver à mesa do café pelo resto da vida...

— Isso é fácil de se resolver. Sirva-lhe o café na cama todas as manhãs —


retrucou Gayle, num tom brincalhão.

— Não adianta desconversar, minha querida. Você foi a escolhida, e o jeito é


acostumar-se com a idéia.

— Não, não aceito. Tenho certeza de que você encontrará alguém que se
interesse pela proposta.

— Precisa ser você, Gayle, pois eu contei a Russell que tinha me apaixonado pela
secretária. . .

— Você não devia ter inventado essa história!

— Acontece que fui pegado de surpresa. De qualquer forma, não fique com essa
cara. Esse papel não vai lhe exigir qualquer esforço e também não será por muito tempo.
Talvez ele até assine os contratos no final de semana.

— Só tenho medo de que apareça algum imprevisto!

— Fique tranqüila quanto a isso. Além do mais, vou lhe pagar todas as horas
extras a que você fizer jus. — Jared fez uma pausa, examinando seu vestido, depois
acrescentou: — Se você deixar de usar o preto o tempo todo, melhoraria bastante sua
imagem. . . Faça o seguinte: tire a tarde de folga e compre algumas roupas novas. Pode pôr
na minha conta. E considere isso um abono.

— Não, obrigada. Não costumo aceitar presente de homens, Sr. Logan.

Surpreso com sua reação, Jared retrucou:

— Não se trata de presente. É uma gratificação.

— Estou espantada com sua segurança em relação a esse plano maluco. Não é tão
fácil convencer alguém de que estamos apaixonados um pelo outro! .

— Na verdade, também tenho algumas dúvidas quanto a isso. Talvez seja mais
difícil do que pensei no início. Só que não tive escolha. Fui obrigado a inventar essa
história antes que o velho fizesse uma sugestão clara. Você foi a única possibilidade que
me veio à mente. E para ser franco, não imaginei que você se importasse.

— Enganou-se por completo. Vou fazer esse papel ridículo apenas porque não
tenho outra alternativa.

— Tudo agora depende de você. Quanto mais depressa Rus-sell se convencer de


que estamos apaixonados, mais rápido me venderá sua firma. Então daremos por encerrado
esse jogo, e você voltará para seu namorado.

Lembrando-se de Larry, ela retrucou:

— Ninguém mais do que eu está ansiosa por terminar logo com essa confusão.
"Não acredito que me meti nessa encrenca", disse Gayle a si mesma, momentos
mais tarde, ao entrar no toalete. Com a impressão de que tudo aquilo fosse um pesadelo,
lavou o rosto com água fria antes de voltar à escrivaninha, Então atirou-se ao trabalho
disposta a não pensar no assunto até que surgissem os primeiros problemas.

Jared fora à fábrica, que ficava nos arredores de Denver, mas nem assim ela
conseguiu tranqüilizar-se, pois a cada vez que a porta se abria, imaginava que era ele
voltando com alguma idéia nova.

O gerente de propaganda apareceu no fim da tarde, encontrando-a concentrada no


serviço. Era um homem alto e enérgico, que gostava de paletós em padrão xadrez e sempre
usava roupas em cores berrantes.

— O chefe está, Srta. Bradley?

— Não, ele foi à fábrica, Ron.

O rapaz sentou-se na beira de sua mesa, com um sorriso malicioso nos lábios.

— Quer dizer então que a deixou sozinha e solitária? Se precisar de companhia...

— É muito gentil da sua parte — interrompeu ela, rindo. — Mas nunca vou levar
você a sério. Então, veio até aqui só para conversar?

— Infelizmente, não. Vim tratar de negócios. Queria saber se Logan já tinha visto
o material da campanha. Como ele não está, acho melhor...

— Tem isso aqui para você — disse Gayle, entregando a pasta. — Da próxima
vez, seria conveniente deixar de fora as fotos engraçadas. A menos, é claro, que você
queira colocar em risco seu emprego. Natalie Weston no momento não é um bom tema
para piadas.

— Estou pouco me importando. Duvido que Natalie faça Logan perder seu senso
de humor. Até que eu gostei daquela foto — disse o rapaz, enquanto folheava a pilha de
retratos.

— Não está aí. — Ele tirou-a do meio das outras, e não parecia satisfeito.

— Ah, ele deve ter juntado à coleção de beldades que já passaram por sua cama.
Pelos meus cálculos, no mínimo três álbuns de fotos! O que é que esse homem tem para
agradar tanto às mulheres, Gayle?

— Sou a pessoa menos indicada para lhe dar essa informação, Ron. Por que não
tenta conversar com Natalie, por exemplo?

O gerente de marketing balançou a cabeça, parecendo realmente intrigado com


aquele assunto.

— Não deve ser por causa do dinheiro. . . Se fosse assim, ele arranjaria mulheres
sem graça. E ao que eu saiba, acontece exatamente o contrário! A única mulher
interessante que não gosta dele é você, Gayle! Por que será que o charme desse homem
não afeta você?
Por sorte o telefone tocou nesse momento, livrando-a de responder àquela questão
embaraçosa.

— Srta. Bradley? — perguntou do outro lado da linha uma voz suave e


agradável.

— Alõ, é a sra. Logan?

— Exatamente! Não é de se admirar que meu cunhado diga que tem uma
secretária maravilhosa. Você é ótima! Eu telefonei para agradecer pelo lindo vaso de cristal
que Jared me mandou no meu aniversário.

— O sr. Logan não está no momento. . .

— Minha querida, não liguei para falar com ele, mas sim com você. Sei muito
bem que Jared não distingue um Steuben de um Lalique, por isto não precisei pensar muito
para descobrir quem o escolheu. Obrigada, srta. Bradley.

Gayle não conhecia pessoalmente Elizabeth Logan, que vivia com o marido,
irmão de Jared, em Chicago, e nunca em Denver. Mas pelo pouco que sabia sobre ela,
tratava-se de uma mulher culta e de bom gosto.

Elizabeth continuava falando quando Natalie Weston entrou na sala, espalhando


no ar uma onda de perfume caro. A modelo olhou em volta, acenou de leve para Ron e
então parou frente à mesa de Gayle, batendo com a ponta do pé no carpete num gesto de
impaciência.

Aborrecida, Gayle pôs a mão no bocal do fone e perguntou:

— Posso ajudá-la em algo, srta. Weston?

— Não estou atrapalhando seu bate-papo ao telefone? — perguntou a recém-


chegada num tom petulante. E sem esperar resposta, continuou: — O Sr. Logan está?

— Não, senhora. E ele não disse quando voltaria.

— Vou esperá-lo. — Natalie sentou-se, cruzando as pernas de modo a exibir um


sapato de salto incrivelmente alto.

Enquanto isso, Elizabeth perguntava no telefone:

— Você ainda está aí, Srta. Bradley?

— Sim, claro, Sra. Logan. Eu avisarei a ele que a senhora telefonou ...

— Sra. Logan! — exclamou Natalie perplexa.

Ron não perdeu a oportunidade para fazer uma ironia:

— Qual o problema com a sra. Logan? Afinal, deve existir um sr. Weston em
alguma parte, e isso nao parece atrapalhá-la em nada.

— Por que não cuida de sua própria vida? — Natalie retrucou, irritada.
— Pelo jeito você não foi convidada a vir aqui, do contrário saberia que Jared
não estava. Acho melhor não esperá-lo. Ele detesta encontrar gente que não convidou.

A modelo lançou-lhe um olhar fulminante, mas Ron não se impressionou.

— Aposto cem dólares como os planos de Jared para hoje já estão feitos. E mais
cem, como você não está incluída neles, Nat.

Naquele exato momento Jared Logan, que chegara sem ser percebido, entrou
dizendo:

— Você ganhou a aposta, Ron. E agora, se vocês dois fizerem o favor de dar o
fora, minha noiva e eu vamos à joalheria comprar um anel. Está pronta, Gayle?

Atônita, ela fechou os olhos, como se assim pudesse evitar o rubor do rosto, e
quando os abriu, Natalie e Ron já haviam desaparecido.

— Esse telefonema é para mim? — perguntou Jared. • Ela fez que sim,
entregando-Ihe o fone.

— É sua cunhada.

Sentando-se na beira da mesa, ele atendeu:

— Elizabeth? Lamento deixá-la esperando. . .

Gayle desligou-se da conversa, imaginando o horror e a fúria estampados no rosto


de Natalie. Quanto a Ron, sua expressão era mais cômica do que qualquer outra coisa
quando ele saíra da sala.

Por que diabo Jared Logan provocara aquela cena? Haviam combinado que ela
passaria três dias entretendo os Glenn. Portanto não fazia sentido espalhar isso para todo o
mundo!

Quando ele recolocou o fone no gancho, Gayle havia recobrado o autocontrole.


Então ela perguntou:

— Por que você fez aquilo?

— O quê? Conversar com Elizabeth? Ora, ela ficaria desconfiada se eu não o


fizesse.

— Você sabe a que me refiro. Por que contou a Ron e à Sra. Weston que
estamos., . bem. . .

— Noivos? Foi um impulso irresistível. Eu sempre quis saber como reagiriam


numa situação desta.

Controlando-se para não gritar, ela replicou:

— isso vai se espalhar por todo o edifício até amanhã de manhã!

— Tem toda razão. Aliás, eu ficaria surpreso se levasse tanto tempo.


— E você não se importa?

— Por que deveria? Ê um fato, embora não seja a história completa.

— Nós não combinamos anunciar isso para ninguém!

— Bem Gayle, a regra número um nos negócios é não guardar segredo do que
fatalmente será do conhecimento de todos. As informações sempre vazam, e então
ninguém mais tem controle sobre os boatos.

— Como assim? Explique-se melhor.

— É algo bastante simples: quando se faz um anúncio público, não ocorre às


pessoas imaginar que talvez haja alguma coisa oculta. No nosso caso, todos ficarão
surpresos com o noivado e ninguém vai suspeitar que existe alguma coisa escondida por
trás disso.

— Para mim, o mais racional seria simplesmente manter o segredo. E então,


quando tudo terminasse. . .

— Você se esquece de algo importante. O que os funcionários diriam quando


você fosse passar o fim de semana comigo em Pino Reposo?

Sem esperar que ela respondesse, Jared continuou:

— Todo mundo notaria alguma coisa suspeita. Se fosse apenas um caso, eu


levaria você ao "Ninho de Amor"... Não à casa do campo.

— Ah, você sabe como o pessoal chama seu apartamento de cobertura!

— Claro que sei. O que me surpreende é que não tenham arranjado um nome
criativo, original... Mas voltando ao que interessa, já pensou nos comentários quando
vissem seu anel de noivado? Alguém fatalmente vai vê-lo em sua mão!

— Não vou usar anel nenhum!

— Deus do céu! Você nunca criou tantos problemas. Acha que Russell vai
acreditar que um homem de minha posição não dê um anel à futura esposa?

— Não me importo com o que Russell pense!

— Mas você quer que ele acredite que estamos noivos, para que eu possa
comprar a Softek e acabarmos com isso, não é mesmo?

— Sim, mas...

— Então vista seu casaco. O joalheiro não pode nos esperar até a noite.

Gayle nada respondeu, e se manteve em silêncio nos dez minutos seguintes,


enquanto Jared a conduzia ao estacionamento do prédio, onde entraram num Jaguar azul-
marinho. Ao sentar-se ao volante, ele comentou:

— É um bonito carro, não acha?


— Sr. Logan... eu mudei de idéia. Quero voltar ao escritório e escrever minha
carta de demissão. Pelo menos lhe poupa o trabalho de me despedir...

— Agora é tarde. Eu teria que processá-la por quebra de promessa se você


voltasse atrás.

— O quê? Você está brincando! lared virou-se para ela, sorrindo.

— Você não imagina o que se consegue com um bom advogado. No mínimo, lhe
daria alguns meses de dor de cabeça.

— Sr. Logan, acho que. . .

— Para início de conversa, é melhor parar de me chamar de senhor. A propósito,


o palheiro é meu amigo. Eu lhe contei que você tem um senso de humor fora do comum,
por isso ele não vai acreditar se você protestar e disser que está sendo forçada a alguma
coisa.

— Mesmo assim, devemos reconsiderar nosso acordo!

— Por quê? Só estou pedindo sua ajuda. E isso faz parte de seu trabalho.

— Fingirmos que estamos noivos?

— Se eu estivesse a caminho de Tóquio para uma conferência, você não hesitaria


em me acompanhar.

— É muito diferente!

— Claro. Você teria que encontrar alguém para tomar conta do cachorro.

— Quem disse que tenho cachorro?

— Se não tem, melhor. Então não precisamos nos preocupar com isso. Está tudo
resolvido.

Resignada, Gayle afundou-se no assento do carro, e não abriu a boca até


chegarem ao centro da cidade. Assim que estacionou no meio-fio Jared contornou o
veículo para ajudá-la a sair.

— Isso é uma palhaçada! — exclamou ela, furiosa.

— Tenha calma, minha querida. Se eu a estivesse obrigando a se casar comigo,


você teria motivos para se queixar. Não é esse o caso!

— Graças a Deus! Eu jamais me casaria contra a vontade!

— Tudo bem. Agora, por favor, pare de gritar como se estivesse prestes a ser
violentada.

Gayle mordeu o lábio, encabulada, depois comentou:

— Sei que é tolice pensar que corro perigo com você, mas.. . — ; Realmente.
Você é uma moça simpática, tem seus encantos, porém não...
— Não sou o seu tipo!

— Isso mesmo. Pouco depois Jared abria a porta de uma das joalherias mais
exclusivas de Denver, deixando que Gayle o precedesse. Um homem de terno escuro
aproximou-se, sorrindo.

— Sejam bem-vindos! Deixem seus casacos aqui e acompanhem-me à minha


sala. Já separei alguns anéis para lhes mostrar. .. Temos lindos brilhantes que poderão ser
engastados em alguma armação especial, se quiserem.. .

— Bem, Gayle acabou de me dizer que se recusa a usar um anel de brilhantes.

— Não foi bem isso que eu disse! — protestou ela.

Jared dirigiu-lhe um sorriso, enquanto a ajudava a tirar o casaco. Instantes depois,


sentava-se ao lado dela, e dizia:

— De fato, um noivado como o nosso não deve ser simbolizado por um bilhante
comum.

O joalheiro pôs os óculos e olhou para Gayle.

— Que tipo de pedra a senhorita prefere?

— Alguma coisa incomum — Jared respondeu.

— Que tal rubis, ou então esmeraldas?

— São comuns demais!

— Então alexandrite. . . Ou um topázio precioso. . .

— De modo algum.

— Então pérolas ou opalas. . . mas são frágeis demais para durarem.

— Então servem! — disse Gayle, com ironia.

— Tem preferência por alguma cor? — perguntou o joalheiro. Ela pensou um


pouco, e logo ergueu a cabeça com uma expressão de desafio.

— Laranja! — disse, achando que Jared iria protestar. Mas ele apenas sorriu.

— Excelente idéia! Vai combinar com seus cabelos e olhos castanhos. Depois
podemos comprar um vestido da mesma cor, algo para você usar no fim de semana.. . que
sirva para aumentar o impacto do anúncio do noivado.

Nesse momento o joalheiro levantou-se dizendo:

— Tenho uma! É ela mesmo! Está no cofre. .. Uma padpara-dschah de cinco


quilates, cercada por camafeus cênicos incrustados numa armação de platina... — E saiu
cantarolando baixinho.

— O que foi que ele disse? — Gayle perguntou, intrigada.


— Não faço a menor idéia.

Quando o homem voltou à sala, ela disse:

— Não entendi o que o senhor falou. O joalheiro sorriu.

— Claro que não. A padparadschah é a mais rara da família das safiras.

— E é azul? Eu disse que...

— Oh, não. As safiras podem ser violetas, amarelas, verdes... de todas as cores
exceto vermelho. Sabe por que não existem safiras vermelhas? — perguntou, com um
sorriso satisfeito.

— Nem desconfio.

— Porque o coríndon vermelho é conhecido como rubi. A padparadschah é...


bem, digamos que ela tem um tom alaranjado e queimado. A palavra significa flor de lótus.

— E quanto ao resto da descrição? O que significa? — Jared quis saber,


inclinando-se para dar uma olhada na caixa de veludo que o joalheiro trouxera.

— Um momento, sr. Logan. A família das safiras é associada ao planeta Vênus,


assim chamado por causa da deusa do amor. Ê uma escolha oportuna para um anel de
noivado. Vejam...

Gayle prendeu a respiração quando o homem abriu o pequeno estojo. O anel tinha
uma enorme pedra laranja-rosada, em volta da qual, atraindo a atenção para o centro, havia
uma dúzia de chuveiros de brilhantes, parecendo raios que fluíam da fonte central de luz.

Então o joalheiro explicou:

— Como podem ver, as baguettes são cortadas num ângulo oblíquo, para realçar
a pedra central. E em vez de serem sustentadas por pinos, são montadas num canal
formado pela base de platina.

Jared, que estava recostado na mesa, perguntou:

— Gostou, Gayle?

— É bonito.. .

— Então vamos levá-lo. Pegando a etiqueta no anel, o joalheiro começou:

— Ele custa... Porém Jared silenciou-o com um aceno de mão.

— Mande-me a conta. A noiva nunca deve saber o preço de seu anel.

— Vejamos a medida de seu dedo — disse o homem, enquanto se afastava para


apanhar o equipamento necessário.

Gayle apanhou a caixa e olhou fascinada para o anel.

— Você se apaixonou por ele à primeira vista, não? —- Jared comentou, curioso.
— De fato, é lindo...

— Se concluir esse trabalho e conseguir convencer Russell, pode ficar com ele.

— Outro suborno?

— Não. Apenas um presente de agradecimento por sua assistência.

— Você está ansioso para efetuar aquela compra, não?

— O setor de computação de Russell é tão importante para mim que faria


qualquer coisa para adquiri-lo!

CAPÍTULO IV

Gayle consultou o relógio e olhou para a pilha de roupas que estava em cima da
cama. Dentro de quinze minutos Jared Logan viria buscá-la, e ela mal havia começado a
fazer a mala. Mas, mesmo que já estivesse com tudo pronto, continuaria tensa diante da
prova que teria pela frente.

Momentos mais tarde, Í» campainha da porta e o telefone tocaram quase ao


mesmo tempo. Atendendo o telefone, ela disse:

— Espere um instante, por favor. — Deixou o fone em cima de uma poltrona.

A campainha da porta tocou de novo. Era Jared, com certeza, refletiu, enquanto
abria a porta.

— Estou falando ao telefone...

— Tudo bem, eu espero. Mas não lhe avisei para aumentar seu guarda-roupa e
comprar outras coisas que não fossem pretas?

— Ainda não tive tempo de trocar de roupa. Eu havia planejado fazer as malas à
tarde, mas você resolveu que iríamos de manhã.

Sem lhe dar chance de responder, Gayle voltou ao telefone. Era Larry.

— Rachel disse que você ia viajar neste fim de semana — disse o rapaz,
queixoso.

— Isso mesmo.

— Eu esperava passar algum tempo com você... quem sabe um jantar...

— Sinto muito, é impossível.

— Por que você demora tanto para tomar uma decisão?

— O quê? Oh... É melhor conversarmos sobre isso na semana que vem, Larry.
Até logo! — disse, e desligou o telefone antes que ele pudesse protestar.
— Seu namorado não estava satisfeito? — perguntou Jared, enquanto observava
a gravura de Dali.

— Você estaria? Pense bem. De repente sua namorada aparece noiva de outro
homem. . . Você se sentiria feliz?

— Não consigo me imaginar numa situação como essa. Mas creio que eu daria
uns bofetões no sujeito.

— Para sua sorte, Larry não é desse tipo.

— Bonita gravura. Você gosta de pintura surrealista? — indagou Jared,


apontando para o quadro na parede.

— Por que essa cara de espanto? Esperava encontrar aqui fotos de gatinhos e
cachorrinhos recortadas de velhos calendários? Bem, vou terminar de fazer as malas. Tem
café na cozinha, se você quiser.

Gayle levou quase meia hora para acabar de arrumar suas coisas, e a essa altura já
estava desesperada. Normalmente, faria aquilo em dez, quinze minutos. Desta vez, porém,
sentia-se totalmente confusa. Devia levar roupas esportivas? Trajes de noite?

— Jared! — gritou do corredor — Vocês se vestem para o jantar em Pino


Reposo?

Surgindo, ele respondeu:

— Em geral, sim. Peters ficaria aborrecido se eu aparecesse sem roupa na sala de


jantar.

— Não foi isso que eu quis dizer!

Voltando para o quarto, ela resolveu não levar mais nada, e fechou a mala.
Chegando em seguida, Jared comentou:

— Sua idéia é interessante, Gayle, uma perspectiva inteiramente nova às


palavras. Quer ajuda?

— Sempre fechei uma mala sozinha. Obrigada!

— Esse apartamento me espanta! Eu esperava que você vivesse numa espécie de


cela de convento ou coisa parecida.

— Alguém já lhe disse que você não tem o menor tato? — retrucou ela,
embaraçada por vê-lo examinar cada detalhe do seu quarto.

Foi então que Jared apontou para o retrato emoldurado em cima da mesinha de
cabeceira e perguntou:

— É seu namorado?

— Sim, é — mentiu ela.

— Precisa tê-lo tão pertinho da cabeceira para se lembrar de como ele é?


Sem lhe dar atenção, Gayle apanhou um casaco e saiu em direção à porta do
apartamento. Jared encarregou-se de levar sua bagagem até o Jaguar, estacionado junto ao
meio-fio.

—- Parece que eu disse alguma coisa inconveniente. Queira me desculpar, Gayle.


Não é da minha conta que você esteja dormindo com ele.

— E não estou!

— Ah, é?

— Há pessoas que se interessam por outras coisas além de sexo, Jared. Mas gente
como você não acredita que existe o amor.

— Quem disse que não acredito? Já vi homens fortes se transformarem por


completo por causa dele. Meu irmão Grady, por exemplo, parece um rapazinho quando
Elizabeth sai de suas vistas. Acho engraçado, para falar a verdade. E espero que isso nunca
aconteça comigo. — Depois de uma pequena pausa, ele acrescentou: — Eu desconfiava
que, por trás de sua fachada prática, você era uma romântica incurável. Entende agora por
que pensei logo em você quando precisei de uma noiva?

— Claro. Porque não represento nenhuma ameaça à sua paz de espírito.

— Não foi isso que eu quis dizer. Você é atraente, quando não se veste como
uma viúva desconsolada. Mas eu me referia ao fato de você não estar mais interessada em
mim do que eu em você.

— Está insinuando que a convivência gera o desprezo mútuo?

— Droga! Parece que estou me atrapalhando cada vez mais. Em todo caso, você
tem seu namorado para me manter na linha.

— Isso mesmo. Portanto, não importa o que faça, você sempre estará seguro
comigo.

Jared deixou escapar um suspiro estudado.

— Você me tranqüiliza, Srta. Bradley!

Em dois anos na Logan Eletrônica, Gayle nunca tinha ouvido falar que alguém da
empresa tivesse ido a Pino Reposo, que Jared considerava como uma espécie de refúgio do
mundo e de seus problemas. Assim, foi por pura curiosidade que ela perguntou pelo
caseiro.

— Como é esse Peters, hem, Jared? É tão afetado quanto parece ao telefone?

— Claro. E ele está tão ansioso por conhecê-la, que tem medo de derramar a sopa
em você na hora do almoço!

Atravessaram as ruas de uma pequena cidade, e depois tomaram uma estrada que
cruzava os campos.
— Você contou a ele que nosso noivado era apenas uma simulação? —
perguntou Gayíe, pouco depois.

— Claro que não. Essa é a segunda regra dos negócios: nunca incluir num
segredo alguém que não precise sabê-lo.

— Quando acabarmos com essa encenação, terei aprendido um bocado de coisas!

— Espero que você faça bom proveito disso. Pode até tentar um emprego como
executiva júnior em qualquer grande empresa da região.

— Ah, eu não gostaria de ser chefe! Prefiro deixar as dores de cabeça para você.

— Puxa, que honra! Mas eu sentiria sua falta no escritório. Você é a melhor
secretária que já tive.

— Seria bom que você tivesse lembrado disso antes de me arrastar para esse
plano maluco!

Sorrindo, Jared diminuiu a marcha, cruzando os portões de ferro que antecediam


uma alameda margeada por pinheiros, ao fim da qual havia uma casa em estilo espanhol,
com o telhado coberto de neve, parecendo um cartão de Natal.

Quando o Jaguar parou defronte às arcadas que se alinhavam na frente da casa,


Gayle murmurou:

— Não posso fazer isso...

— Acalme-se. Peters está com mais medo de você do que você dele.

— Não é isso...

No instante em que Jared saía do carro para apanhar a bagagem, a porta da casa se
abriu e um animalzinho peludo irrompeu latindo furiosamente. Parecia um brinquedo
mecânico, e se movia tão rapidamente diante dos olhos espantados de Gayle que ela só
conseguia ver o seu vulto.

— Que bicho é esse? — perguntou atônita.

Jared teve dificuldade para cercar o pequeno animal, e quando o segurou o


cachorrinho continuou a espernear no ar.

— Parece um esquilo, não? É um yorkshire terrier chamado Pobre Coitado.

— Isso é nome que se dê a um cão?

— Por que não? Não há nada estranho nisso.

— Aliás, eu esperava que você possuísse um pastor alemão, um doberman. . .

— Pobre Coitado foi encontrado ferido e nós o curamos aqui — informou Jared,
voltando-se então para o homem que estava parado à porta. — Peters, quer guardar este
bichinho em algum lugar?
— Deixe-me pegá-lo — pediu Gayle.

Em seguida ela tomou o animalzinho no colo, surpreendendo-se, por ele ser tão
carinhoso.

Peters aproximou-se sorrindo, e disse:

— Seja bem-vinda a Pino Reposo, srta. Bradley. O almoço está pronto. Posso
pegar seu casaco? E o cachorro também?

Pobre Coitado protestou, mas foi levado pelo caseiro em direção à casa.

Lado a lado com Jared, Gayle correu os dedos pelos cabelos, enquanto chegava ao
hall de entrada, que se estendia por toda a largura da casa, embora tivesse poucos metros
de profundidade. O lugar estava decorado com algumas folhagens verdes, dois bancos
pequenos e uma impressionante escultura. O piso era de lajota vermelha. Mas o que mais
chamava atenção era uma parede de vidro no lado oposto à porta de entrada, além da qual
um pátio, totalmente cercado pela casa, contendo um pequeno lago, uma fonte e árvores:
um parquezinho completo sob uma cobertura de vidro.

— Que lindo — murmurou Gayle, impressionada.

— Você verá tudo depois do almoço. Mas se quiser atravessá-lo agora, tudo bem.

Ela esperava sentir a brisa fria no interior do pátio, mas em vez disso o tempo ali
era cálido, e o ar estava impregnado pelo perfume das flores.

— Puxa, é um jardim tropical em pleno inverno! — exclamou, tocando em um


arbusto, encantada.

Então seu sangue gelou quando Jared aproximou-se para beijá-la. Foi uma carícia
leve, quase casual, um simples roçar de lábios que logo terminou. Em seguida ele disse:

— Você vai ter que reagir melhor se quiser convencer Russell Glenn.

— Por que fez isso? — retrucou ela, ofegante de fúria.

— Em primeiro lugar porque Peters está nos observando da sala de jantar, Ele
esperava ver alguma coisa assim. Além disso, eu não queria surpreendê-la mais tarde,
quando Russell e Krystal estiverem aqui.

— Por que me apanhar de surpresa? Você não falou nada sobre isso...

— Ora,, imaginei que tivesse lhe ocorrido. Ê natural que um casal de noivos se
toque de vez em quando, não importa quem esteja na sala. Você não será nada convincente
se se retrair cada vez que eu estiver por perto. O que me leva a outra pergunta... é só
comigo que você é fria ou com qualquer um?

— Isso não é da sua conta, Sr. Logan!

— Por que não? Vou ter que ensiná-la a beijar; já me conformei com a idéia. Mas
só queria saber. . .
— Não se preocupe. Farei o que for necessário... e não preciso aprender a beijar,
obrigada! De resto, não importa que eu seja frígida, pois você não terá chance de
descobrir!

— Não existem mulheres frígidas. Simplesmente você ainda não encontrou um


homem que a tocasse como se deve.

. — Que tal mudar de assunto? Vamos almoçar! Jared sorriu.

— Adoro mulheres práticas. Tudo bem. À tarde iniciaremos seu treino de


sensibilidade.

Gayle quase não tocou na comida, embora todos os pratos estivessem deliciosos.
Para não desapontar Peters, explicou que a mudança de ar lhe tirara o apetite. Jared nada
comentou, e depois do almoço levou-a para conhecer o resto da casa.

O pátio era realmente o centro da mansão, com todos os aposentos abrindo-se para
ele. Na área dos dormitórios, cada quarto tinha sua própria saleta com vistas para o jardim
interno.

A certa altura Gayle perguntou:

— Por que você não coloca números nas portas? Ou então cores diferentes, para
que os convidados não se percam?

— A casa não é tão grande. São cinco quartos de hóspedes, além da minha ala
particular, biblioteca, sala de jogos, de estar, de jantar. ..

— E você acha pouco?

— Não dá para ninguém se perder.. . Você gostaria de ver meus aposentos? Não?
Foi o que pensei. Mas se mudar de idéia, fique à vontade para usar a sauna ou a
hidromassagem.

— Vou me lembrar disso.

— Pode confiar em mim, Gayle. Não tenho a menor intenção de seduzi-la. Isso
só causaria problemas no futuro.

— Graças a Deus! — retrucou ela, enquanto seguiam para a sala de estar.

— Os Glenn devem chegar a qualquer momento. Eles iam alugar um carro no


aeroporto.

Naquele momento, percebendo um quadro emoldurado na parede, Gayle


atravessou a sala para examiná-lo. Então comentou:

— Agora compreendo que você tenha ficado surpreso ao ver o Dali em meu
apartamento.

— Realmente, levei um susto. Esse aí poderia fazer conjunto com o seu.


— O meu não é tão bonito. Este é carregado de simbolismo. Eu não sabia que
você tinha quadros de Dali.

— Só possuo esse, que minha mãe me deu no último Natal. Ela me disse que o
tempo fugia de mim e me recomendou olhá-lo todos os dias.

— Ela tem razão! A face do relógio derretendo-se numa poça, a torre de pedras
desmoronando.. .

— Sim, não há dúvida de que é um quadro bonito.

— Não é só isso, Jared. Você não vê nada poético nessas cores?

— Infelizmente sou ignorante em relação à pintura. No entanto, desde pequeno


minha mãe levava a mim e a meu irmão aos museus de arte de Nova York, um em cada
semana.

— E não aconteceu nada?

— Bem, eu gosto das figuras de Frederic Remigton. Mas só porque são cowboys.

— E a escultura no hall de entrada?

— Sinto muito, ela veio com a casa.

Naquele instante, o pequeno cão apareceu no pátio, latindo excitado.

Jared praguejou.

— Qualquer dia destes, vou fazer um churrasco desse cachorro!

— Estou entendendo porque o nome dele é Pobre Coitado. Ele é tão bonitinho!

— Quando se trata de animais inúteis, você se transforma numa maria-mole!

Sem olhar para trás, ele foi para o hall de entrada, enquanto Gayle curvava-se para
pegar o cãozinho, antes de segui-lo até a porta.

Um frio percorreu todo o seu corpo quando ela percebeu que a presença de Peters
junto às portas indicava a chegada dos visitantes.

Russell Glenn subia os degraus da entrada, mostrando no rosto um ar franco e


amigável. Levemente rechonchudo, era como ela o imaginara nas conversas telefônicas
que tinham mantido.

Ao seu lado vinha uma figura esguia, vestindo um casaco de pele de raposa, a
cabeça curvada para se proteger do vento. Assim que alcançou o hall, a moça riu, tirando o
gorro de pele e soltando os cabelos loiros sobre os Ombros. Seus olhos eram de um azul
intenso e suas faces estavam avermelhadas por causa do frio.

Gayle sentiu o chão sumir sob seus pés. Onde diabos estava com a cabeça quando
aceitara o papel que agora precisava representar? O que mais a impressionava naquele
momento era descobrir que tinha diante de si a mais bela mulher que jamais vira em toda
sua vida. E mais: tinha certeza de que o mesmo ocorria com Jared!
CAPÍTULO V

Do alto de uma elevação que assomava sobre Pino Reposo, Gayle olhou para a
casa banhada pelo sol fraco de fim de tarde. O ar frio e seco trazia de longe um perfume de
pinho, que penetrava em suas narinas. A colina estava silenciosa, dando a impressão de
que não havia viva alma pela redondeza. O que em parte era verdade, não fosse a presença
de um falcão que sobrevoava a paisagem gelada à procura de alguma caça que se
aventurasse a sair nessa tarde fria.

Foi então que uma risadinha nervosa rompeu o silêncio do panorama, fazendo
com que Gayle olhasse por cima do ombro.

Krystal Glenn, envolta num casaco vermelho, procurava subir a pequena colina.
Mas, naquele exato momento, perdia o domínio dos esquis, caindo pesadamente sobre a
neve. Diante daquela cena que se repetira durante todo o fim de semana, Gayle por pouco
não soltou uma gargalhada.

Então Jared abaixou-se para ajudar a moça a se levantar, e em seu rosto havia uma
expressão divertida, como se aquilo fosse a tarefa mais agradável do mundo. Aliás, Krystal
não perdia uma oportunidade de ser tocada por ele desde o momento que chegara na sexta-
feira. Como nunca esquiara antes, usava isso agora como desculpa para mantê-lo perto de
si.

E se essa desculpa não funcionasse, na certa inventaria outra. Gayle só queria


desaparecer daquele cenário. De que valia passar toda a tarde de domingo daquele jeito?
Jared não precisava de sua presença, se estava se saindo tão bem com Krystal!

Para piorar as coisas, a visitante entendia bastante de eletrônica, como se durante


toda a sua vida só se dedicasse a esse assunto. Jared parecia encantado com isso,
conversando com ela horas a fio sobre as novas aplicações dos computadores Logan,
enquanto Gayle era obrigada a fazer companhia a Russell Glenn.

Pensando nisso, ela decidiu deixar a colina antes que os dois a escalassem. Os
esquis curtos que estava usando não- reagiam tão bem quanto os longos, que eram usados
em competições, mas o ar frio que lhe soprava no rosto deixou-a mais animada. Ao chegar
a Pino Reposo, deixou os esquis nos degraus e entrou enquanto tirava os agasalhos mais
pesados. Estava passando pela porta da sala de estar quando Russell Glenn apareceu com
um copo na mão.

— Você se perdeu de Krys e Jared? — ele quis saber.

— Os dois já estão vindo. Krystal deve estar exausta. Ele riu.

— Então foi bom eu ter ficado em casa. Você não gostaria de carregar um velho
de volta à civilização.

— Bobagem! Um amigo meu distendeu o joelho no inverno passado, mas


conseguiu esquiar por quinze quilômetros de volta à cidade. Aliás era a única forma de se
salvar, pois não podia andar pela neve.
— Prefiro continuar com meu golfe. É mais tranqüilo — disse Russell, no
momento em que a porta da frente se abria, dando passagem à sua filha.

— Graças a Deus! Nunca mais vou andar naquelas coisas!

— exclamou Krystal num tom dramático.

— Você nunca conhecerá o Colorado até ter descido pelas encostas de Aspen ou
Vail. Isso foi só um treino de aquecimento

— observou Jared, que vinha atrás dela.

— Quer tomar um drinque, Gayle? — perguntou Russell, gentil.

— Espere um pouco até eu prender meus cabelos — respondeu ela, levando a


mão à cabeça para firmar os grampos que haviam se soltado quando tirara o gorro.

— Ah, não faça isso — pediu Jared, aproximando-se. — Gosto deles soltos.

— Mas estão desarrumados. . . precisam ser escovados. . .

— Estamos todos desgrenhados. Isso não tem importância

— disse ele, beijando-lhe a ponta do nariz. — Tome um drinque e deixe para


escovar os cabelos depois.

Krystal, que parará perto da porta em tempo de ver o beijo, fitou-a com olhos
reluzentes de ódio.

— E agora, Gayle, o que você acha do esqui de campo?

— perguntou Jared, desviando sua atenção da moça.

Russell entregou-lhe uma xícara de gemada, que Gayle sorveu com prazer antes
de responder.

— É mais fácil do que esquiar nas encostas, e provavelmente menos perigoso.


Mas nem de longe é tão emocionante.

— Não acredito que você nunca tenha praticado esqui em campo antes.
Principalmente sendo aqui do Colorado. ..

— É que eu nunca me conformei com a segunda melhor opção — retrucou ela,


com um sorriso.

— Você tem anos de prática, não? — perguntou Krystal, num tom de voz doce.

— Eu diria décadas — Gayle respondeu com um sorriso.

— Quebrei a perna numa encosta para principiantes quando tinha seis anos.

— Tudo que se faz durante tanto tempo se torna uma segunda natureza da gente.
Descobri isso praticando surfe. Mas é claro que não comecei há vinte anos — concluiu a
loira, com uma risadinha.
— Eu nunca consegui aprender bem o surfe — disse Jared, sentando-se numa
poltrona.

Krystal então respondeu com entusiasmo:

— Eu lhe ensinarei da próxima vez que você for à Califórnia. Na verdade é fácil.
Alguém com sua graça não tem nenhuma dificuldade para aprender.

Gayle olhou de um para outro, perguntando a si mesma por quanto tempo ainda
iria ver aqueles flertes mal disfarçados. Depois de tomar um gole de sua bebida, Krystal
prosseguiu:

— Vou continuar tentando esquiar. Afinal, se venho morar aqui no Colorado, não
quero ficar de fora durante metade do ano.

Como se tivesse notado a expressão de espanto de Gayle, a moça disse:

— Papai não lhe contou? Resolvi ficar em Denver para dirigir a Softek. Sempre
gostei de trabalhar em programação, e agora que me formei posso me concentrar realmente
nisso.

Gayle disfarçou o melhor que pôde sua surpresa, enquanto que Jared mantinha no
rosto um olhar de indiferença que nada revelava. Quais seriam os planos dele agora? Iria
desistir da Soflek ou reconsiderar as vantagens de se casar com Krystal Glenn? Afinal, ela
era uma moça encantadora. E parecia estar sinceramente interessada nele.

Gayle prendeu os cabelos antes de se vestir para o jantar, pouco preocupada com a
opinião de Jared a esse respeito. No íntimo desconfiava que ele sequer notaria.

Duas horas depois, enquanto atravessava o pátio para ir para seu quarto, estava
ressentida por ele não ter dito uma única palavra sobre seus cabelos ou seu vestido.

RusselI já se recolhera, e Krystal e Jared continuavam na sala de estar, tomando


um drinque e conversando. A loira iniciara uma discussão sobre computadores ao se sentar
à mesa e até agora ainda não esgotara o assunto.

Gayle caminhava sem pressa pelo pátio, lembrando-se de que não dormira bem
nas duas últimas noites. Como não tivesse nada que se entreter, deu várias voltas ao redor
da fonte, aspirando o perfume das flores, e só então dirigiu-se para o quarto.

Quando se sentou diante da lareira na saleta contígua, Pobre Coitado ergueu a


cabeça de debaixo do cobertor que o ocultava, os olhos brilhantes suplicando para que o
pegasse no colo.

Ela o apanhou, voltando a se acomodar na penumbra diante do fogo. Vozes vindas


da janela atraíram sua atenção momentos depois. Como as luzes estivessem apagadas, ela
não se dera ao trabalho de cerrar as cortinas das portas de vidro que davam para o pátio.
Assim, não precisou se mover para ver Jared e Krystal, de braços dados, atravessarem o
pátio em direção aos quartos de hóspedes.

Alguns minutos mais tarde, quando ia fechar as cortinas, um vulto apareceu do


lado de fora da janela, assustando-a.
Ao abrir a porta de vidro, percebeu que era Jared.

— Puxa, pensei que fosse um fantasma de uma das minas abandonadas!

— Hum, você me deu uma ótima idéia para um baile a fantasia . . . Bem, se você
não estiver com pressa de ir para a cama, podemos conversar um pouco? — Notando que
ela corava, Jared acrescentou: — Desculpe-me. Isso soou como um convite, não foi?

— De fato — ela respondeu secamente.Caminhando até a lareira, Gayle fez


menção de acender o abajur, mas ele a impediu com um gesto.

— Não precisamos de luz.

Ela deu de ombros e sentou-se num canto do sofá.

— Sobre o que você quer falar?

— Preciso estar amanhã cedo no escritório. Você pode se aprontar para partir às
sete?

— Claro. Jared também se acomodou no sofá, entrelaçando as mãos atrás da


nuca.

— Alguma coisa é capaz de aborrecê-la, Gayle? De fazer você perder a linha?

— É difícil.

— Você não acha isso monótono?

— Gosto de minha vida tal como ela é. Russell e Krystal também vão partir
cedo?

— Krystal nunca acorda antes das dez. Como os dois só vão até Denver, é
possível que os encontremos por lá. De qualquer modo já me despedi por você. Quanto a
Russell, estará conosco no café da manhã.

Depois de se espreguiçar, ele apoiou o braço no encosto do sofá, deixando-o a


poucos centímetros dos ombros dela. Gayle permaneceu absolutamente imóvel.

— Ainda bem que vamos voltar cedo. Meu trabalho também está acumulado.

— Refere-se à festa de lançamento do computador?

— Exato. Ela exige muita organização.

— Nunca me dei conta antes do quanto você é valiosa nessas coisas. Que
perfume é esse que está usando?

— Chama-se xampu! — respondeu ela, irritada.

Devagarzinho, Jared tocou-lhe os cabelos, até que um grampo caiu em seu colo.
Quando ela insinuou um protesto, ele disse: Só estou verificando o que você falou.

No instante seguinte, soltou-lhe os cabelos e levou uma mecha deles ao nariz.


— Tem razão. Ê xampu.. .

— Claro que é. Posso arrumá-los de novo?

— Não. Prefiro que eles estejam soltos. Faz você parecer mais natural.

Dizendo isso, Jared afundou os dedos em seus cabelos, e em seguida beijou-lhe o


pescoço com lábios quentes, suaves e acariciantes. Percorreu com a boca suas faces, os
olhos, a testa, sem que Gayle se movesse ou pelo menos demonstrasse o menor
entusiasmo. Na verdade ela lutava consigo mesma para não aparentar emoção e dava
graças a Deus por se manter totalmente senhora de si, ainda que o coração lhe batesse um
pouquinho mais rápido do que de costume.

Jared soltou-a de repente, recostando-se no espaldar do sofá.

— Percebe que não retribuiu nenhum de meus beijos nesse íim de semana? Devo
ter beijado você uma dúzia de vezes!

— Vinte e sete, para ser exata!

— E você não se emociona, Gayle?

— Ainda não pensei nisso. Encarei tudo como parte de meu trabalho. A
propósito, por que me beijou agora? Não há ninguém aqui para ver.

— Digamos que foi uma experiência. .. Agora me responda: é você ou eu?

— Como assim?

— Você trata seu namorado desse jeito?

— Isso não vem ao caso. Você está com o orgulho ferido porque não me
disponho a ir para sua cama?

— Claro que não!

— Então porque não se convence de que há mulheres que não se sentem atraídas
por você?

— Para ser franco, prefiro que seja assim. É menos complicado. Mas sua atitude
não vai convencer ninguém.

— Não seria mais simples dizer a todo o mundo que eu gosto de namorar
reservadamente? E por falar nisso, não faz sentido você paquerar outras mulheres.

— Ah, quer dizer que está com ciúmes?

— Claro que não. Só quero saber por que continuamos com esse jogo, quando é
tão óbvio seu interesse por Krystal Glenn.

— É muito simples. Continuo não querendo me casar.

— Entendi! Agora você deixou tudo claro! — exclamou Gayle com ironia.
— É a verdade. Estou apenas sendo amável com ela.

— Tenho uma definição diferente para isso.

Jared deu de ombros e permaneceu em silêncio durante um longo tempo. Depois,


perguntou num tom brando:

— O que acontece com você, Gayle? Não acredito que nunca tenha havido um
homem em sua vida, e no entanto você não namora...

— E Larry, está esquecido?

— Como você explicou essa situação a ele? Estou morrendo de curiosidade.

— Não lhe contei nada, para não aborrecê-lo.

— Foi muito atencioso de sua parte.

Novo silêncio, durante o qual ouvia-se apenas o crepitar da lenha na lareira. Um


tanto encabulada, Gayle sentiu um irresistível desejo de esclarecer de vez o que acontecera
em sua vida sentimental. Com voz pausada, confessou:

— Estive apaixonada uma vez. — As palavras lhe saíram dolorosamente. Ela


jamais tocava naquele assunto. — Craig era meu namorado no colégio. Nós íamos nos
casar.

— Ele encontrou outra moça?

— Não... Morreu de câncer. Há sete anos — disse, mordendo o lábio para conter
as lágrimas.

— E você entrou num luto do qual nunca mais saiu. Por que chamar de amor algo
que prejudica a pessoa que sobreviveu?

— Você não pode saber como foi. Não estava lá.

— Espero nunca chegar a esse ponto. Não sou tolo pan> deixar que minha
felicidade dependa de outra pessoa.

— Por isso mesmo que não simpatizo com você.

— Você me detesta.. . Pessoalmente?

— Não. Mas também não me causa nenhuma emoção. Gayle esperava ferir a
vaidade dele, fazê-lo perder a paciência, mas Jared limitou-se a sorrir.

— Você é indiferente aos homens em geral. Deve ser terrível a solidão de sua
torre de marfim. Pobre Larry!

— Não preciso de nenhum homem em minha vida.

— Bem, eu não preciso de mulheres, mas gosto de tê-las por perto. Que tal
fazermos um acordo, Gayle? Estamos presos a este jogo por mais algum tempo. Vamos
pelo menos nos divertir um pouco enquanto isso.
— Duvido que a sua definição e a minha tenham alguma coisa em comum.
Detesto ser considerada apenas como um objeto de prazer.

— Talvez possamos chamar a isso de uma experiência científica: trazer Gayle


Bradley de volta à vida... é um bonito lema. Quem sabe, ensiná-la a jogar como livre
atiradora e gostar disso. . .

— Não conte comigo para suas loucuras!

— Por que não? Tem medo de descobrir o que perdeu durante os últimos sete
anos?

— Não perdi absolutamente nada.

— Ou será que é apenas covarde? Não pretendo me aproveitar de você...

— Você jamais conseguiria me seduzir! — declarou ela, num firme irritado.

Notando um brilho maroto nos olhos dele, só então se deu conta de que lançara
um desafio.

— Prove que você é intocável, Gayle. Por que não me beija desta vez, mostrando
que não se esqueceu de como se faz?

Trêmula de raiva, ela apontou para a porta.

— Saia daqui, Jared. Saia antes que eu comece a gritar! Ele se levantou
preguiçosamente, e então beijou-a de leve na nuca. — Boa noite, Gayle. Esse é o xampu
mais maldito que já cheirei. — E saiu sem pressa, deixando-a sentada diante de um fogo
que morria na lareira.

CAPITULO VI

Durante a viagem de volta a Denver, Gayie mantinha os olhos fixos na rodovia,


concentrada em pensamentos. Jared tentou em vão abordar vários assuntos, mas como ela
se recusasse a conversar, afinal perguntou:

— Você está só aborrecida ou tem medo de que eu comece a seduzi-la?

— Nenhum dos dois!

— Não se preocupe. Num carro esporte é quase impossível. Gayle mordeu a


língua para não dar uma resposta malcriada,

enquanto ele continuava:

— Mulheres de preto não me atraem. É como flertar num funeral. . . Coisa


realmente de mau gosto.

Ela continuou em silêncio, feliz por ter voltado a usar seu uniforme regular de
escritório. Se isso o irritava, pelo menos impediria uma repetição da noite anterior.
Thomas, de trás do balcão de informações, olhou-os espantado por eles aparecerem tão
cedo no prédio. Chegando ao andar da diretoria, Gayle sentia os nervos em frangalhos. E
só melhorou um pouco quando se sentou à sua mesa. Odiava o fato de todos ficarem
sabendo que haviam passado o fim de semana juntos, por mais inocente que este tivesse
sido.

Jared fechou-se em sua sala, avisando que não queria ser incomodado. O que era
ótimo, pois assim ela teria um mínimo de sossego.

Logo, porém, Natalie Weston telefonou e, reconhecendo sua voz, falou num tom
áspero:

— Quero falar com Jared!

— Sinto muito, sra. Weston, mas ele está ocupado. Se quiser deixar um recado...

— O quê? Deixar um recado com você? Quem me garante que ele irá recebê-lo?

— Estou aqui para isso, senhora. Pode falar.

— Agora que está noiva dele, duvido que você sequer avise t que eu lhe
telefonei...

— Fique tranqüila, que eu transmitirei o recado,

— Talvez seja melhor eu ir até aí e esperar até que ele saia para o almoço!

— Quer deixar seu número para o caso de ele querer comunicar-se?

— Tudo bem. Mas se você tentar impedi-lo de ligar para mim. . .

— Por que eu faria isso? Como futura esposa dele, não tenho motivos para sentir
ciúmes, sra. Weston.

Depois de desligar o telefone, Gayle lamentou ter perdido a paciência. Por mais
que Natalie merecesse isso, era imperdoável que uma secretária profissional procedesse
assim.

Era quase meio-dia quando uma mulher, ainda jovem, entrou silenciosamente em
sua sala. Vestindo-se com elegância, ela segurava um casaco de mink no braço e usava um
conjunto verde-esmeralda que se ajustava com perfeição ao seu corpo esguio. Seus cabelos
eram loiros e os olhos verdes.

— Posso ajudá-la em alguma coisa? — perguntou Gayle.

— Você de,ve ser Gayle Bradley, não?

—Sim.

—Diga a Jared que quero vê-lo.

Antes que Gayle pudesse explicar o que o chefe não atenderia ninguém, a porta
da sala dele abriu e Jared apareceu.
— Gayle, você pode me trazer... — Ele se interrompeu, surpreso ao ver a recém-
chegada

Deixando o casaco de peles numa cadeira, a mulher aproximou-se dele e beijou-o


na face.

— Olá querido!

— Você não vem a Denver há mais de um ano. E sua temporada de esqui só


começa no mês que vem. A que devo atribuir sua visita?

— Ah! Por acaso ouvi outro dia parte de uma conversa interessante pelo telefone,
por isto vim até aqui para saber que travessura você aprontou desta vez. Não vai me
apresentar á sua noiva Jared?

Como ele não respondesse, a mulher aproximou-se de Gayle, a mão estendida.

— Meu nome é Elizabeth Logan. Estou encantada em conhecê-la Gayle.

— A família toda já deve saber da novidade a esta altura — resmungou Jared,


contrariado.

Elizabeth olhou-o espantada.

— Ora, não vejo motivo para que você queira escondê-la, meu querido!

— Não foi isso que eu falei...

— Você esperava manter em segredo o fato de ter encontrado a mulher de seus


sonhos?

Um silêncio carregado abateu-se sobre a sala. Tanto Jared como Gayle pareciam
ter perdido a fala e olhavam para a mulher a cada minuto mais consternados. Elizabeth, por
sua vez, não se deu conta do que ocorria e continuou:

— Bem que lhe disse para tomar cuidado com as morenas, Jared. A propósito,
vou levá-la para almoçar comigo. Apanhe seu casaco, Gayle. Quero saber tudo sobre você.

Gayle continuou paralisada, sem saber que atitude tomar. Jared tampouco foi
capaz de qualquer iniciativa. Foi então que sua cunhada sugeriu:

— Seja bonzinho! Faça uma reserva num restaurante para nós três a noite.

— Eu tenho uma idéia melhor. Vou almoçar com vocês.

— Não, meu querido. Esse almoço é apenas para uma conversa entre mulheres.
Você ficaria entediado.

Jared deu de ombros, fingindo conformar-se, porém lançou um olhar tão


significativo na direção de Gayle, que ela sentiu uma aperto no coração. Sem pronunciar
uma única palavra, ele lhe dizia que era responsabilidade dela convencer a cunhada de que
estavam no melhor dos mundos. A farsa tinha que ser mantida a qualquer preço.

Assim que entraram no elevador, Elizabeth declarou, com um sorriso alegre:


— Fiquei radiante com a notícia, Gayle!

— É... é agradável receber uma acolhida tão calorosa...

— Como você conseguiu agarrá-lo? Faz tempo que desisti de bancar a


casamenteira de Jared!

Gayle fez um gesto vago, como para indicar que aquilo não tinha importância. Era
impossível impedir que Elizabeth tirasse uma série de conclusões. Ah, Jared iria pagar por
isso!

Assim que se sentaram no pequeno restaurante, Gayle fingiu concentrar-se no


cardápio enquanto procurava recuperar a calma. Pediu crêpes recheadas com frango e
cobertas com molho de cogumelos. Elizabeth escolheu o mesmo prato, acrescentando ao
pedido uma garrafa de vinho branco.

— Então, Gayle, quando Jared vai levar você para conhecer os pais dele?

— Ele... eu não... ele não disse. Havia simpatia no olhar de Elizabeth.

— Ele deveria convidar os velhos para virem até aqui. Eles fariam tudo para
conhecê-la, tenho certeza!

— Você lhes contou alguma coisa?

— Para ser franca, não. Mas a primeira coisa que você precisa aprender sobre os
Logan é que não há segredos na família. Não sei por que Jared mantém você escondida... A
não ser que não queira fazer papel de bobo.

— Por ter ficado noivo da secretária?

— Claro que não! Acontece que ele disse tantas vezes, e de forma tão categórica,
que jamais se casaria, que se aparecer noivo vai ouvir piadinhas de todo mundo. O fato de
você ser secretária não tem absolutamente nada a ver com a história. Por favor, não me
entenda mal!

— Só não acredito que os pais dele fiquem satisfeitos com esse noivado — disse
Gayle, antes de provar o vinho. Ainda bem que recuperava o autocontrole e já aparentava
naturalidade.

— Helene, a mãe dele, agirá como uma perfeita dama. E no momento em que
Jared virar as costas, vai morrer de rir! Puxa vida, você é tão diferente das escolhas
habituais de Jared!

— Devo tomar isso como um elogio?

— Mas é lógico! Para que tenha uma idéia, você é a primeira que convidei para
almoçar.

— Bem. Obrigada.

— Fiquei surpresa quando ouvi aquele trecho de conversa ao telefone, mas não
chocada. Evidentemente que Jared algum dia abriria os olhos. . . Depois de perseguir
mulheres deslumbrantes durante anos, ou que é pior, ser perseguido por elas, era difícil que
ele reconhecesse a beleza verdadeira.

Gayle riu.

— É bom ter uma defensora, mas não precisa exagerar, Elizabeth,

— Se há uma mulher adequada para compartilhar da vida de Jared, é você. Porém


devo preveni-la de uma coisa. Os Logan são difíceis, e o casamento é uma sentença de
prisão perpétua. Quando tiver filhos, não espere que se pareçam com você. Não digo
fisicamente... mas, naquilo que conta, serão iguais ao pai. Pode ter certeza.

— Eu não gostaria que eles se parecessem comigo.

— Está falando sério? Você não se acha bonita. . .

— Ora, Elizabeth, as mulheres mais lindas do mundo já passaram pela minha


sala. Não tenho ilusões quanto a isso.

— Espere para vê-las daqui a dez anos. Serão todas umas bruxas. E você, quando
tiver cinqüenta anos, poderá passar por trinta e cinco.

— Terei que esperar tanto tempo? — Gayle disse, rindo.

— Mas o preto não é a sua cor.

— É o que Jared vive me dizendo. Ele se ofereceu para me comprar um guarda-


roupa novo.

— E você recusou? Não me admira que ele tenha resolvido se casar com você.

Após alguns minutos de silêncio, uma reviravolta completa se operou no


comportamento de Gayle. Tornou-se impossível que ela continuasse mentindo. Então
disse:

— Jared é capaz de me matar por lhe contar isso. . .

— Nesse caso é melhor contar logo!.

Sem pensar duas vezes, Gayle relatou as negociações de Jared com a Softek,
concluindo por confessar que seu suposto noivado não passava de um ardil para livrá-lo de
um casamento indesejado.

— Bem que eu desconfiei que havia algo errado nessa história! — exclamou
Elizabeth. — Foi por isso que não contei as novidades a Helene. E agora, em sã
consciência, não posso lhe dizer nada. É uma pena.

— Você não imagina como me sinto aliviada!

— Agora eu gostaria que você me esclarecesse uma coisa. Já sei quais foram as
razões de Jared para montar essa encenação. E quanto às suas? O que você acha dele?

— Bem. . . é um bom patrão. . . justo mas bastante exigente.


— Refiro-me a ele como homem! Gayle deu de ombros.

— Não sei lhe dizer ao certo. Nunca pensei sobre isso. Adoro minha vida de
solteira, não planejo me casar, por isso nunca vejo os homens como possíveis
maridos.Depois de pensar um pouco, Elizabeth perguntou:

— Você não está secretamente apaixonada por ele?

— Por Jared? Claro que não!

— Ótimo. Você trabalha na Logan dois anos, não é? E durante todo esse tempo
cuidou dos encontros dele. . .

— Sim, fiz reservas de mesas, adquiri ingressos para teatros, enviei flores na
manhã seguinte. . .

— Que absurdo! Pensei que pelo menos ele fizesse isso pessoalmente. Quer saber
de uma coisa? Já é hora de Jared receber uma lição. Agora é sua vez de fazer algo em
benefício de todas as mulheres.

— Não sei. . . tenho dúvidas.

— Basta seguir seus instintos, Gayle. . . E lutar com as mesmas armas que ele
utiliza.

— O que você espera que eu faça?

— O que qualquer mulher corajosa adoraria fazer. Ele tratou você como escrava
durante dois anos. Vai ter que pagar!

— Não foi bem assim. . .

— Pelo que eu sei, ele não é capaz de dirigir a empresa sem você. Nesse
momento, Jared precisa mais de você do que você dele.

Aquilo era verdade. Se Jared a despedisse, haveria um caos total no escritório!

— Se ele por acaso a despedir, vá para Chicago. Eu lhe arranjarei um novo


emprego no mesmo dia!

— garantiu Eliza-beth, a cada minuto mais entusiasmada.

— Talvez eu tenha que cobrar isso de você se as coisas não derem certo. Qual é o
seu plano?

— Primeiro termine seu café. Depois vamos a Larimer Square. Você está
autorizada a comprar coisas com os cartões de crédito dele, não é verdade?

— É claro, mas. . . mas seria desonesto!

— Ele não disse que lhe compraria um novo guarda-roupa? Ora, você
simplesmente mudou de idéia e resolveu aceitar. Além disso, podemos fazer compras o dia
inteiro por um preço menor que o desse anel que você está usando.
— Não faço a menor idéia de quanto ele custou.

— Ê até melhor que não saiba. Senão você teria medo de usá-lo.

— É tão valioso assim?

— Claro! Mas não vá guardá-lo num cofre de banco, por favor! Você sempre usa
seus cabelos desse jeito?

— Geralmente, sim.

— Bem, um bom corte e um penteado fariam milagres. Com isso e as roupas...

— Duvido que um corte de cabelo e um vestido novo mudem qualquer coisa!


Jared é capaz de nem notar a diferença.

— Calma, calma. É sua atitude o que vai contar. Faça-o levá-la ao teatro, à
opera... se você gostar, é claro.

— O museu de arte abrirá uma nova exposição na semana que vem — comentou
Gayle, pensativa.

— Puxa, se tivermos um pouco de sorte, ele vai descobrir como é ser usado e
depois deixado. Isso talvez o torne um pouco mais humano.

— Bem, o próximo concerto da sinfônica de Denver. . . Não! Ele tem ingressos


para toda a temporada, de modo que isso não o incomodaria.

Elizabeth aplaudiu.

— Você está começando a entender a idéia. Agora vamos usar o crédito dele.

— Só que agora eu preciso voltar ao trabalho. Já demorei demais na minha hora


de almoço.

— Pelo amor de Deus! Jared me conhece bem e sabe que eu não sonharia em
levá-la de volta antes das cinco! Aturdida por ter concordado com aquele plano maluco,
Gayle disse a si mesma que fora tudo culpa do vinho. Afinal, não costumava beber, muito
menos ao almoço. Porém, no fundo do \ coração, algo ainda incompreensível a instigava a
seguir os conselhos de Elizabeth. Assim, não hesitou antes de ir ao mais famoso
cabeleireiro da cidade, depois à manicure, em seguida a um maquiador profissional...

As horas passavam rapidamente, enquanto percorriam lojas e butiques


sofisticadas, comprando roupas de inverno, de primavera, sapatos, bolsas, chapéus, sempre
sob a orientação de Elizabeth.

— Céus, eu nunca usei chapéus! Não vai me cair bem — disse Gayle quando
saíam de um grande magazine.

— Tenho certeza de que vai ficar maravilhosa. O formato do seu rosto é ideal
para... Ei veja ali que linda pintura na vitrina da galeria!
Gayle estava prestes a dizer que já era tarde, mas quando olhou na direção
indicada o quadro atraiu-a como um ímã. Era uma paisagem marinha, com ondas
chocando-se contra uma praia rochosa, tão real que a superfície da tela parecia molhada.
Quase sem fôlego ao contemplá-la, Gayle comentou:

— Como é que eu nunca vi esse quadro antes? Passo por aqui duas vezes por dia!

— Talvez ele não esteja aí há muito tempo. Vamos entrar?

— Não. Prefiro descobrir que não posso comprá-lo. Elizabeth riu.

— Essa é uma atitude negativa que não leva a nada. Mas tudo bem. Já é tarde, e
Jared deve estar furioso.

Gayle viu-se refletida na vitrina da loja e ficou satisfeita com sua nova aparência.
O cabeleireiro cortara apenas alguns centímetros de seus cabelos, mas lhes dera um
ondulado diferente, deixando-os soltos sobre os ombros, com mechas que lhe emol-
duravam o rosto. Seus olhos maquilados pareciam cheios de mistérios.

Ao passarem diante de uma loja de artigos para gestantes e bebês, Elizabeth parou
e disse:

— Pensando bem, vamos deixar Jared esperar por mais alguns minutos.

— Por nada nesse mundo. Assim já é levar as coisas longe demais!

— Bem, não espero que você compre alguma coisa aqui. Desta vez sou eu quem
vai comprar. Quero saber o que usar na próxima primavera.

Entraram na loja, e quando Elizabeth examinava um delicado vestido verde de


gestante, Gayle perguntou:

— Você está grávida?

— Sim. . . Agora já trocamos todos os nossos segredos. Deus do céu! Veja aquele
cabide ali! É preciso ser muito exibicio-nista para usar um agasalho de corrida roxo
enquanto se está grávida!

— Ainda mais com listas cor de rosa! Ah, sim, não vou contar a ninguém sobre o
bebê, Elizabeth.

— Não se preocupe com isso. Helene já sabe. No dia em' que fui ao médico, ela
telefonou por acaso. Parece que a mulher possui uma intuição especial quando se trata de
netos. Detesto ficar sem cintura, mas adoro crianças. O charme dos Logan é fatal!

— Sim, eu já vi Jared usar o dele.

— Depois não diga que eu não avisei que você está brincando com fogo. E mais:
se acha que Jared é capaz de fascinar qualquer uma, espere até conhecer o pai dele. Os
rapazes não passam de principiantes, comparados ao velho.
Examinando alguns negligês, a loira continuou:

— Você acredita nisso? Quem iria usar rendinhas brancas com cinco ou seis
meses de gravidez? Aliás, foi justamente uma peça de rendinhas brancas que me colocou
nessa situação. Bem, eu me recuso a comprar qualquer coisa até ter certeza de que não vou
caber em minhas roupas normais. É melhor voltarmos ao escritório. Eu gostaria de saber se
Jared fez reservas para o jantar.

— Não duvido nada que tenha se esquecido. . .

— É bem capaz.

— Escute Elizabeth. Você e Jared devem ter muito que conversar. .. Assuntos de
família, ou coisas parecidas. Não posso ser dispensada desse jantar?

— Está querendo me deixar na mão? Claro que preciso de sua companhia. Afinal,
você ainda é minha futura cunhada!

— Não é bem assim...

— Até mandá-lo passear, com toda a classe, é claro, não há nada que me
convença do contrário. Vai ser divertido vê-lo padecer!

CAPÍTULO VII

Elizabeth cumpria à risca seu papel de cunhada curiosa e bisbilhoteira. Estava tão
perfeita em seu desempenho, que se nãc soubesse da encenação Gayle seria capaz de
acreditar nela.

Jantavam no Pináculo, um dos mais exclusivos restaurantes de Denver, e durante


a sobremesa Jared mencionou a excursão anual de esportes de inverno que a família Logan
fazia.

— Então todo mundo vem este ano? — perguntou Gayle, apreensiva.

Elizabeth apressou-se a esclarecer:

— Claro! A família inteira passa o Natal em Nova York, depois fica uma semana
com Grady e comigo em Chicago, durante o verão. Mas em março é a vez de Jared bancar
o anfitrião. E este ano minha querida, ninguém perderia a oportunidade de conhecer você!

Percebendo um brilho estranho nos olhos do cunhado, Elizabeth prosseguiu:

— Você vai fazer sua mãe esperar quatro semanas até conhecer a futura nora,
Jared? Que vergonha!

Ele deu de ombros, sorrindo.

— Ela já esperou tanto, que um mês a mais não fará diferença.

— Quando vai ser o casamento? Você precisa nos avisar com bastante
antecedência! Não gostaria que seu irmão fosse o padrinho?
— Na realidade, ainda não discutimos sobre quando e onde. E até que esse novo
computador seja lançado, não terei tempo para me preocupar com o assunto.

— Vou dizer a Grady para não prender a respiração até lá. Nesse meio tempo,
Gayle pode planejar todos os detalhes necessários. Se precisar de um garoto para levar as
alianças, querida, meu filho está às ordens.

— Seria bom para ele ter alguns primos — sugeriu ela, com um olhar maroto.

— Ah, ele adoraria isso. Às vezes, as atenções de sua avó são um tanto
excessivas. Jared, sua mãe ficará encantada com a perspectiva de ter mais netos!

— É... eu imagino — retrucou ele pouco à vontade.

— Será que o noivado vai sair nas revistas da semana que vem? Os preços das
ações da Logan Eletrônica são capazes de subir! Sem falar nas ações do banco de seu pai.
Não seria bom telefonar para alguém da Time? Afinal, é um grande acontecimento!

— Eu farei o anúncio quando achar oportuno — respondeu Jared com firmeza.

— Lamento desiludi-lo, meu querido, mas um noivado é oficial no momento em


que o anel é colocado no dedo da moça. E isso você não pode manter em segredo! —
concluiu a cunhada apontando para o dedo de Gayle.

O garçom voltou à mesa para lhes servir mais vinho, e depois que ele foi embora
Elizabeth perguntou:

— Onde vocês vão morar? Você vai conservar Pino Reposo, Jared? Fica tão
longe de Denver!

Gayle surpreendeu-se ao dizer:

— Vender aquela casa magnífica? Eu não permitiria! Jared achou graça.

— Parece que já está decidido, Elizabeth. Mas ainda não tivemos tempo de
conversar sobre isso. Onde você gostaria de morar, Gayle?

— Qualquer lugar onde você esteja é bom para mim, querido.

— Nesse caso, poderíamos mandar pintar o ninho.. . o apartamento de cobertura.

Gayle respondeu impassível:

— Talvez fosse mais conveniente dar uma olhada nos novos condomínios que
estão construindo. Eu gostaria de ter um apartamento bem no alto, para aproveitar a vista
das montanhas nos dias claros.

— Por que não reformam o apartamento de cobertura? — sugeriu Elizabeth. —


Ele precisa muito mais do que uma simples pintura e a substituição dos papéis de parede.
Mas a paisagem de lá é linda, e alguns cômodos são tão grandes que poderiam ser
divididos. Basta mover algumas paredes, colocar divisórias. Seria muito mais prático para
Jared.
Como não quisesse admitir que nunca estivera no Ninho de Amor, Gayle
respondeu com insegurança:

— É, talvez devamos fazer isso. Afinal, se comprássemos outro apartamento, a


cobertura ficaria lá. . . sem uso — acrescentou, ignorando o sorriso irônico de Jared.

— Vocês poderiam fazer maravilhas com ele! — exclamou Elizabeth, radiante.


— Construir uma suíte grande, um quarto de vestir e. . .

— Calma, minha querida, nenhum apartamento meu vai ter mais que um quarto.
É um desperdício de espaço — declarou Jared, num tom provocativo.

— É por isso que estou hospedada num hotel. Você precisa entender que para
manter a privacidade um casal tem que contar no mínimo com um quarto extra. Você vai
continuar como secretária de Logan, Gayle?

— Nós. . . não conversamos sobre isso.

— Só não pergunto o que vocês discutem porque não quero ser indiscreta.

A conversa continuou no mesmo tom, até que de repente Elizabeth introduziu


Natalie na história.

— Ela tinge os cabelos, Jared. Pensei que você fosse mais exigente com seus
manequins de publicidade. Por que você não utiliza Gayle como modelo? Tenho certeza de
que ela se sairá bem!

— Gayle dá sua ajuda de outras maneiras. Aliás, estou pensando em pôr o nome
dela no próximo computador da série, que também é um modelo de confiabilidade e
eficiência.

Gayle mordeu a língua para não dar uma resposta irônica. Então, notando que
uma mulher na mesa ao lado ouvia a conversa, imaginou que fosse alguma antiga amante
de Jared. Assim estendeu a mão por cima da mesa, segurando a dele, e disse com um
sorriso cativante:

— Você é tão atencioso, meu bem. Quando estivermos sozinhos, eu lhe


agradecerei a honra de ter meu nome num computador.

Sem nada dizer a respeito, ele chamou o garçom pedindo a conta. Porém, quando
o rapaz se aproximou com a nota, Eliza-beth pegou-a e pagou-lhe com um cheque.

— Hoje foi por minha conta — disse depois, guardando o talão na bolsa.

— De jeito nenhum! — reclamou Jared, ofendido. — Nunca permiti que você


pagasse um jantar e não vou abrir uma exceção!

— Infelizmente você não tem alternativa. Fique sabendo que nós usamos seus
cartões de crédito até o limite!

— Todos eles?
— Sim, senhor. Mas nos divertimos à beca. Vamos embora? Como Elizabeth iria
retornar a Chicago na manhã seguinte,

os dois se despediram dela depois que a deixaram no hotel. Voltando ao Jaguar, o


silêncio entre eles era total. Gayle mal conseguia respirar. Sem o apoio de Elizabeth,
sentia-se insegura, desamparada. Ela ainda sugeriu tomar um táxi para sua casa, mas Jared
sequer discutiu o assunto. Simplesmente a conduziu para seu carro, quase que a obrigando
a segui-lo.

Quando pararam diante do prédio em que ela morava, foi que Gayle teve coragem
de romper o silêncio que perdurara durante todo o trajeto.

— Vou devolver as roupas. E pretendo pagar pelas outras coisas.. . corte de


cabelo, a manicure...

Alheio àquelas explicações, Jared continuou em silêncio por mais alguns minutos,
depois saiu do carro, contornou-o, abriu a porta e, segurando Gayle pelo cotovelo,
acompanhou-a até a porta do edifício.

— Chegarei cedo ao escritório amanhã, Jared. Lamento ter passado a tarde fora
hoje. Uma boa secretária não se comporta assim...

— Para de tagarelar, por favor!

— Não sei o que deu em mim.

— Eu imagino.. . Você não vai me oferecer um café?

— Só café, não é?

— Claro! Que mais podia ser?

Quando chegaram ao apartamento, Jared seguiu-a até a cozinha, como se temesse


que ela fosse fugir. Naquele aposento minúsculo, onde mal havia espaço para uma pessoa,
Gayle ficou tão nervosa que não conseguia fazer nada direito. Irritado ele tomou a
iniciativa de pôr o café na máquina e colocá-la para funcionar. Então recostou-se no
balcão, os braços cruzados sobre o peito e perguntou:

— Você está mais ou menos sóbria?

— Estou inteiramente sóbria! Por via das dúvidas, só tomei dois copos de vinho!

— Ótimo. Eu não gostaria que você fosse trabalhar de ressaca amanhã.

— Escute aqui, Jared, entendo que você esteja zangado, mas eu avisei que ia
devolver o que comprei...

— Não me zanguei por causa das roupas. Fui eu que mandei você comprar
algumas coisas novas.

— Bem, não foram só algumas... A compra chega a centenas de dólares...


— Parece que Elizabeth lhe ensinou direitinho a agir como um membro da
família. Pode ficar com as roupas. Não foi grande coisa.

— Se você não está bravo por causa disso, o que aconteceu então?

— Não gostei nem um pouco de ver você sair do escritório sem deixar alguém
em seu lugar!

— Está vendo como essa farsa de noivado é uma loucura? Logan não funciona
sem mim.

— Se eu fosse você, não me sentiria tão segura. E não se esqueça de que só está
usando esse anel por conivência minha. Não há nada de pessoal nessa história.

— Isso eu já estou cansada de saber. Para mim, não existe destino pior do que me
casar com você!

— Até hoje, nenhuma mulher ameaçou minha independência. Nem jamais vai
ameaçar!

— Pior para você!

Houve um longo silêncio, interrompido apenas pelo borbulhar da cafeteira, que


acabava de preparar a bebida. Enquanto ado-çava seu café, Jared perguntou:

— O que você quis dizer com isso?

— Outro dia, você me falou que devia ser muito solitária. Mas eu pelo menos
amei e fui amada. Você sequer sabe o significado dessa palavra!

—- Será que esse seu ex-namorado não é apenas uma desculpa para você evitar os
homens?

— Não é! Tenho plena convicção.

Resolveram então tomar o café na sala de estar. Assim que sentaram no sofá,
Jared apontou para um porta-retratos em cima da cornija da lareira, perguntando:

— Era esse seu namorado?

Embora já tivesse memorizado cada detalhe daquela foto, tirada um ano antes da
morte do rapaz, num piquenique nas montanhas, Gayle olhou outra vez para ela,
confirmando com um gesto de cabeça.

— Como era o nome dele? — Jared perguntou, examinando o retrato.

— Craig. . .

— Você gostava realmente dele! Percebo isso pelo seu tom de voz.

— Você achava que eu estava brincando?

— Não. Só me admiro porque ele não parece do tipo capaz de inspirar devoção
eterna de ninguém.
— A aparência não é tudo, Jared. Mas eu prefiro não falar mais sobre Craig.

— Ele era um bom amante?

— Por que você tem mania de reduzir tudo a sexo? Em vez de responder, ele
apenas comentou:

— Ah, quer dizer que nunca dormiu com ele! Gayle sentiu o sangue lhe subir ao
rosto.

— Esse assunto não é de sua conta!

— Como você vai saber o que está perdendo? A propósito, tem certeza de que
está sóbria?

— Sim. Por quê?

— Porque não quero que você se esqueça disto. — E, antes que Gayle
adivinhasse sua intenção, abraçou-a com força.

' — Pare com isso. Jared! Largue-me!

Alheio aos seus protestos, ele deslizou a boca com uma lentidão torturante na pele
sensível de seu pescoço, dificultando-lhe a respiração. Mesmo assim, ela continuou:

— Você é um machista, que não admite ser rejeitado por uma mulher!

— Quero somente lhe provar que você não é indiferente, como diz. Seus
sentimentos não estão mortos, mas apenas adormecidos.

Lutando consigo mesma para disfarçar a excitação que os carinhos dele lhe
provocavam, Gayle declarou.

— Você com certeza não é o Príncipe Encantado que veio me despertar!

Ele riu, soltando-a. . .

— Você não passa de uma adolescente ingênua e pretensiosa. Teve um namorico


de colegial, mas se considera com experiência suficiente para dizer aos outros como cuidar
do assunto.

Ao vê-lo preparar-se para sair, ela retrucou furiosa:

— Inexperiente, não é? Pois espere um pouco, Jared Logan! Vou lhe dar uma
lição!

Ele cruzou os braços sobre o peito, os olhos brilhando com malícia.

— Estou as suas ordens, mocinha. Quero ver o que tem para me ensinar.

Gayle avançou lentamente em sua direção, nervosa como se estivesse andando


para a guilhotina. A apenas um passo dele, fitou-lhe os olhos azuis, ao mesmo tempo em
que suas mãos deslizavam pela seda macia da camisa dele, subindo até a nuca.
Parou por um momento, percebendo pela primeira vez os fios prateados que
começavam a surgir em suas têmporas. Jared sempre fora um homem atraente, mas aquelas
marcas de preocupação davam-lhe um ar ainda mais sedutor. 70

— Seus cabelos estão ficando grisalhos — murmurou ela, locando-os.

— Garanto que não é por velhice. Tenho trinta e seis anos c me sinto na flor da
idade. Mas vamos ao que interessa. O que você queria me mostrar?

Sem nada comentar, Gayle aproximou o rosto do dele e o beijou cheio de ardor.
Para seu desencanto fared continuou impassível, os braços ainda cruzados, como se nada
estivesse acontecendo. Irritada, ela disse a si mesma que aquele homem não iria tratá-la
com pouco caso. Então, arqueou o corpo contra o dele, afundou os dedos em seus cabelos e
continuou a beijá-lo cada vez mais profundamente.

— Hum, você mudou de xampu — comentou ele, pouco depois, irritando-a.

— Lavei os cabelos no salão antes de cortá-los — explicou secamente, fazendo


menção de se afastar.

— Não é nada divertido beijar sem a colaboração da outra pessoa, não é mesmo,
Gayle? — perguntou ele, puxando-a de encontro ao peito.

—- Eu não pretendia que fosse divertido. Vai me dar uma nota pelo desempenho?
— indagou, num tom cheio de ironia.

— Se você insiste, eu diria que foi regular. . . nada mau para uma amadora. Com
um pouco de prática, pode até se tornar conveniente.

Naquele instante, com um movimento ágil, Jared levou-a para o sofá, de forma tão
inesperada que ela não entendeu o que se passara.

— Cooperação é a chave — disse ele, sorrindo.

— Você fala que não quer dormir comigo, mas. . .

— Se eu quisesse, teria carregado você para o quarto. Só vou lhe dar uma
liçãozinha.

— E depois vai me deixar sozinha?

— Sim, o desafio deixará de existir. Considere isso uma aula em benefício de


Larry. . .

Mal concluiu, a frase, Jared pousou os lábios sobre os seus, de maneira suave e ao
mesmo tempo arrebatadora. Gayle sentiu a pele inteira arrepiar-se de desejo ao contato da
língua quente que invadia sua boca, provocante e sensual.

Depois de algum tempo, Jared afastou-se de repente, correndo os dedos pelos


cabelos.

— Gostei da nossa primeira lição — disse, levantando-se. — Você estará


preparada para um exame até o fim da semana. Até amanhã, no escritório.
CAPÍTULO VIII

A luz forte do sol refletia na neve quando Gayle deixou o edifício Logan. O dia
estava frio e o vento parecia atravessar seu casaco de lã. Ainda bem que o restaurante para
onde se dirigia ficava a apenas um quarteirão de distância.

Em frente à galeria de arte ela parou por um instante para admirar o quadro com a
paisagem marinha. Era incrível como aquela pintura sofria transformações aos seus olhos,
dependendo das diferentes condições de iluminação!

Assim que Gayle entrou no pequeno restaurante, avistou o irmão, que acenava de
uma mesa nos fundos. Seguindo em sua direção, sentiu-se inquieta. O que Darrel queria
lhe falar? Fora uma surpresa quando ele ligara para o escritório naquela manhã, e mais
ainda quando a convidou para almoçar, coisa que realmente não acontecia.

Darrel puxou-lhe uma cadeira e a ajudou a sentar-se.

— Que bom você ter vindo, Gayle!

— Qual é o motivo de comemoração? — perguntou ela, abrindo o cardápio.

— Nada demais. Apenas decidi que era hora de termos uma conversa, sem Amy
lhe pedindo para fazer desenhos e sem Rachel puxando você para o quarto a fim de lhe
mostrar um vestido novo.

— Sinto muito, Darrel, mas você escolheu um péssimo dia. O escritório está uma
loucura — disse ela, colocando o guardanapo no colo, e aproveitando para esconder o anel
de noivado na bolsa.

— Refere-se ao lançamento do novo computador! Li algo a respeito em uma


revista.

— Aquilo foi só especulação. Hoje é a primeira vez que alguém de fora da


empresa vai vê-lo. Ele só começa a ser vendido no mês que vem.

— Bem, o que você vai querer? Filé à moda da casa?

— Pode ser. Mas o que está havendo, Darrel?

!'■>

— Como assim?

— Você só me convida para almoçar duas ou três vezes por ano. Alguma coisa
aconteceu, do contrário não estaríamos aqui sentados. Além disso, você nunca fica batendo
no copo a não ser que esteja nervoso.

Darrel olhou surpreso para a colher que tinha na mão; depois colocou-a na mesa,
dizendo:
— Sim, é verdade. . . Você tem visto Larry ultimamente?

— Não o vejo há uns dez dias. Por quê?

— Ele está apaixonado por você.

— Não tenho nada a ver com a história. Só nos vimos duas vezes. Mas, você
também virou casamenteiro?

— Bem. . . ele é um bom sujeito, Gayle.

— Não faz o meu tipo.

— Quem é seu tipo? Craig, por acaso? Ele está morto. Você não pode continuar
obcecada por esse homem. Isso é uma loucura. Rachel acha que você está se enterrando
viva!

— Só porque não ando à caça de outro para substituí-lo? Olhe, diga a Rachel que
vá cuidar da vida dela que eu sei o que é melhor para mim!

— Às vezes temos que dizer coisas que machucam. E Rachel tem razão nesse
caso. Você vai acabar solteirona. . .

— Eu amava Craig!

— Pelo amor de Deus, Gayle! Você só tinha dezenove anos. De lá para cá já se


passaram sete anos! Será que ainda é pouco?

— Nunca encontrei um homem como ele, Darrel.

— E se encontrar, pode cair num erro ainda maior.

— E o que você quer dizer com isso?

— Com O tempo a gente amadurece, enxerga melhor as coisas do passado. Eu


nunca lhe disse nada sobre Craig, porque esperava que você descobrisse sozinha e, além
disso, não queria magoá-la. Mas chegou a hora de alguém contar a verdade.

— Você gostava dele!

— Sim, claro. Era um sujeito agradável, brincalhão, que não se preocupava com
o futuro. Levava tudo na brincadeira e não queria nada com o trabalho.

— Isso não é verdade, Darrel! Ele tinha planos. ..

— Por acaso executou algum? Eram simples castelos no ar! Por que você não foi
para a universidade?

— Na época, ele adoeceu...

— Se não fosse isso, haveria outro motivo. Craig não queria você na faculdade.
Temia que você encontrasse alguém melhor, que lhe desse mais do que aquilo que ele
podia oferecer. Distante dele, você iria descobrir a fragilidade dos planos, o vazio do
relacionamento dos dois. E mais: tinha medo de que você lhe exigisse que procurasse um
emprego.

— Não foi bem assim. Eu queria ficar com ele cada minuto!

— Se houvesse amor entre vocês, ele iria buscar o melhor para você.

— Mas ir para a universidade...

— Você podia cursar a faculdade, vê-lo todos os dias e ainda se preparar para
uma carreira e uma vida independente. Você queria estudar, mas Craig exigia sua presença
ao lado dele o tempo inteiro, com medo de perdê-la.

— Pare com isso!

— Ainda não, Gayle. Você hoje é secretária porque Craig a convenceu de que era
o único emprego apropriado para uma mulher. E você continua procurando merecer a
aprovação dele. Mas, apesar de todos os esforços para ser o que ele queria, você mudou
nos últimos anos. Se Craig entrasse aqui agora, em cinco minutos você veria que eu tenho
razão e o mandaria passear.

Gayle olhou para a comida que a garçonete trouxera, e empurrou o prato para o
lado, sem o menor apetite. Darrel então continuou:

— Craig se foi e não vai voltar para lhe mostrar o quanto era incapaz. É uma
pena.

— A vida dele foi desperdiçada. . .

— E a sua está no mesmo caminho. Bem, já falei o que tinha que falar. Se quiser
ir embora, não a levarei a mal. Foi um risco que assumi ao abrir a boca.

— Você é meu irmão. Tinha todo o direito de expor seu ponto de vista.

— Lamento ter estragado seu almoço. Eu planejava deixar a conversa para depois
que comêssemos. Dá pena desperdiçar um filé tão gostoso.

Gayle forçou um sorriso.

— Vou tentar comer. A tarde hoje promete ser puxada.

— Para mim também. Preciso acabar o trabalho de duas semanas, porque viajo na
sexta. Era outra coisa que eu queria lhe dizer. Rachel sugeriu que você jantasse em nossa
casa amanhã, em vez de sexta-feira. Ela vai comigo para Phoenix.

— Ela deve estar um bocado ocupada. Prefiro não ir esta semana.

— Por que não? Compreendo que você esteja zangada comigo, mas...

— Tudo bem, eu irei: vocês vão levar Amy?

— Pois é, não temos outra saída.

— Deixe-a comigo. Posso ficar com ela durante o fim de semana.


— Você não sabe em que está se metendo — advertiu-lhe o irmão, sorrindo.

— Já que vocês estão tentando me casar, é justo que eu vá treinando!

— Isso é verdade. Você vai ficar sabendo o que a espera quando tiver uma
criança de três anos. Então, fazemos as pazes? — perguntou Darrel, segurando-lhe a mão.

Depois de instantes de hesitação, Gayle disse:

— Você se engana a meu respeito, mas compreendo sua preocupação por mim.
De qualquer modo, não prometo sair com Larry. Há limites para tudo.

— Se pensar no que eu disse, já me dou por satisfeito. Naquele exato momento


alguém pousou a mão no ombro de

Gayle, por trás, e em seguida beijou-lhe a face, de leve.

— Olá, querida! Desculpem-me por interrompê-los, mas quando vejo minha


noiva sou obrigado a me aproximar — disse Jared num tom de desafio.

Gayle fechou os olhos, dizendo-se a si mesma que aquilo não podia estar
acontecendo. Tinha que ser uma alucinação! Depois, voltou-se lentamente.

— Não fica bem você fazer papel de tolo num restaurante!

— Vou pensar no assunto. Posso saber quem é esse cavalheiro, ou não vai me
apresentar?

Darrel levantou-se, uma expressão intrigada no rosto, enquanto Gayle dizia:

— Este é Jared Logan. Darrel Bradley... Ele é meu irmão.

— Você disse... Noiva? — perguntou o rapaz, sem oferecer a mão.

— É apenas temporário — Gayle explicou, encabulada.

— Claro. Só até o casamento — acrescentou Jared, sorridente.

— Não acredito no que estou ouvindo, mana! Por que não me contou isso antes
do sermão?

— Apertando a mão de Jared, ele completou: — Admiro seu bom gosto. Rachel
vai ficar feliz.

— Você não disse que precisava voltar ao escritório, Darrel?

— É verdade. Depois do fim de semana vamos nos reunir. Minha esposa ficará
encantada em conhecê-lo, sr. Logan.

Indiferente à expressão desalentada da irmã, virou-se para ela, com um sorriso


radiante.
— Bem que eu desconfiei que havia alguma coisa diferente em você, além do
novo penteado. Você não perde por esperar! Vamos lhe dar uns puxões de orelha por não
nos avisar nada!

— É que aconteceu tudo há apenas alguns dias — disse ela, a cada minuto mais
aborrecida.

— Sim, percebo que você ainda está sem o anel de noivado. Vou embora. Tem
um cliente esperando por mim. A gente se vê na sexta-feira, quando eu levar Amy para sua
casa. Estou ansioso por conhecê-lo melhor, Jared.

Assim que o rapaz saiu, Jared perguntou:

— Ele sempre matraqueia desse jeito?

Gayle lançou-lhe um olhar gélido e, sem se dignar a responder, estendeu a mão


para pegar seu casaco.

— Por que está tão animada? A propósito, que história é essa de Darrel dizer que
você não tem um anel? O que houve com o que lhe dei?

Em silêncio, Gayle calçou as luvas lentamente, dizendo para si mesma que devia
manter a calma. Na verdade, sentia vontade de esmurrá-lo. Insistente Jared prosseguiu:

— Venha cumprimentar Russell Clenn. Se eu não estivesse aqui almoçando com


ele não teria vindo incomodá-la. Mas a culpa é sua. Não ficaria bem minha noiva ser vista
conversando com outro homem. . .

— Não sou sua noiva! Estou cansada desse jogo ridículo, que não vai levar a
parte alguma! E já não agüento mais. . .

— Russell e eu estávamos discutindo um acordo. Ele concordou em vender a


Softek.

— Ótimo. Então você não precisa mais de mim!

— Tenha calma. .. Krystal não está satisfeita com o negócio, e sé desconfiar que
nosso noivado é uma farsa a transação não será concretizada. Agora, só mais uma coisinha.
..

— Não! Seja lá o que for!

— Quero lhe lembrar que se você prejudicar esse negócio. . .

— Então me despeça!

Sorrindo, beijou-lhe a ponta do nariz, enquanto sua mão se fechava em volta do


braço de Gayle, como uma espécie de alerta de que seria capaz de machucá-la.

Resignada, ela o acompanhou até a mesa de Russell, certa de que Jared não
hesitaria em provocar uma cena. Disfarçando o constrangimento, cumprimentou o
empresário com delicadeza, conversou trivialidades por alguns minutos, e depois seguiu os
dois homens até a calçada do restaurante.
Assim que Russell entrou num táxi, Jared tentou conversar com ela, porém Gayle
não lhe deu atenção. Em silêncio retornaram ao edifício Logan, e só quando chegaram ao
escritório foi que ela falou.

— Quero que você me explique por que fez aquilo no restaurante! Já não basta
que todo mundo pense que estou dormindo com você? Por que comentar sobre o noivado
com o meu irmão?

— Ora, eu não sabia que era seu irmão. Você nunca me disse nada a respeito.

— Não tinha por que dizer! Essa encenação ridícula era para durar só três dias. E
agora minha família está sabendo da história!

— Não foi por minha culpa que esse assunto se arrastou por mais de uma
semana.

— E até quando vai durar essa palhaçada?

— No máximo uns cinco ou seis dias. Russell ainda não assinou os papéis, e pode
se arrepender se descobrir algo suspeito no nosso noivado. Por isso trate de usar o anel —
recomendou, enquanto se dirigia para sua sala.

— Não sei se vou suportar mais uma semana nessas condições — retrucou ela,
antes que ele fechasse a porta.

Momentos depois, ao abrir a bolsa para apanhar o anel, Gayle sentiu um aperto no
coração.

Tinha certeza de que pusera ali, no entanto não o encontrava em nenhum lugar.
Será que caíra no carpete do restaurante no momento em que tentara escondê-lo do irmão?

Com os nervos à flor da pele, ela esvaziou a bolsa em cima da escrivaninha, e por
sorte encontrou a jóia dentro da caixinha de lenços de papel. Colocou-a no dedo, jurando
que nunca mais iria tirá-lo. Então, quando se preparava para guardar suas coisas, Jared
reapareceu à porta e ficou perplexo diante da cena:

— Você não tem nada mais interessante para fazer do que limpar a bolsa?

— Bem, aconteceu um problema e eu...

— Acho melhor você cuidar do seu serviço. Voltarei dentro de alguns minutos.

— Esse anel está no seguro? — perguntou Gayle, ainda preocupada.

— Não sei, não me incomodo com ninharias.

Durante a tarde, trabalhou como um autômato, tentando em vão se esquecer das


palavras duras que Darrel lhe dissera na hora do almoço. Não era possível que seu irmão
estivesse certo! Ela amara Craig acima de qualquer coisa, e aquele período fora o mais
feliz de sua vida!

Quando pegou o elevador para descer ao saguão, onde estavam preparando a festa
de lançamento do computador, Gayle continuou refletindo sobre o assunto. Aos dezenove
anos, inexperiente, pouco vivida, empolgara-se com os planos fantasiosos de Craig, que era
uma espécie de rebelde em relação a compromissos e obrigações. Só agora ela se dava
conta da irresponsabilidade que estava por trás daquela atitude do ex-namorado. Ele jamais
falara sobre algo prático, sobre o hoje; era sempre a semana que vem o ano que vem...
Algum dia.

O que estaria acontecendo agora se ele não tivesse morrido e os dois estivessem
casados? Das duas, uma: ou ela se reduzira à simples condição de dona-de-casa, ou então
teria se separado dele, a fim de obter um mínimo de independência...

Chegando ao térreo do prédio, Gayle sentia-se confusa e ao mesmo tempo com


uma inesperada sensação de bem-estar. Por um lado, descobria que a conversa com Darrel
lhe servira para abrir os olhos: já era hora de pôr um ponto final no seu sofrimento por
Craig. Do mesmo modo, voltava a experimentar o sentimento de confiança e via renascer
dentro de si a capacidade de amar.

No saguão da Logan, várias pessoas se movimentavam de um lado para o outro:


os encarregados do bufê, os trabalhadores, os eletricistas e os carpinteiros. Num dos
cantos, Jared dirigia a colocação de cada computador em seus devidos lugares, para a
exposição.

Gayle impressionou-se com a cena. Ali estava um homem que lutava por seus
sonhos, que cada vez que concretizava um buscava outro mais alto. Jared Logan sabia o
que queria e transformava seus projetos em desafios permanentes, que possuíam a força de
atrair as pessoas.

De repente, Gayle compreendeu algo que a razão não lhe permitira descobrir
antes. Até poucos minutos atrás, quando ainda não fizera o balanço de seu relacionamento
com Craig, fora incapaz de perceber que adoraria fazer parte da vida de Jared. Então, uma
dúvida tomou conta do seu coração. Estaria apaixonada por aquele homem?

CAPITULO IX

Durante a festa, Gayle não se sentia nem um pouco à vontade. Bancar a noiva
feliz diante de algumas pessoas era uma coisa; mas representar para centenas de
convidados no saguão Logan não fazia o seu gênero. Ainda mais agora, que chegara à
conclusão de que sentia algo por Jared. Por isso, fez o possível para não ficar ao lado dele
recebendo as pessoas, mas seus esforços resultaram inúteis.

— Por que não tenta sorrir? — perguntou Jared, baixinho, quando não havia
ninguém por perto.

— Sorrir por quê? Acaso tenho algum motivo para estar contente?

— Por falar nisso, enviei o anúncio do nosso noivado aos jornais — disse ele,
antes de se virar para cumprimentar um convidado.
No início ela pensou que Jared estivesse brincando, porém sua expressão séria
convenceu-a do contrário. Bem, fazer o quê? Se o boato já correra pela Logan, e daí para
uma série de outras empresas, a notícia na imprensa não iria alterar a situação...

— Vou levá-la a ura restaurante depois que a festa terminar — disse Jared,
instantes mais tarde.

— Obrigada pelo convite, mas prefiro ir para casa dormir. Os Glenn apareceram
na metade da festa, no momento em

que Jared fazia uma demonstração do novo computador para um grupo de


jornalistas. Krystal, desinibida como sempre, interrompeu a explicação dele para
cumprimentá-lo, com excesso de euforia.

— Que alegria vê-lo, Jared! Você precisa me ensinar tudo que essa máquina faz!

— Não seja modesta, Krys... Você domina computadores maiores do que esse!
— retrucou ele, sorrindo.

— Puxa, quando penso nas coisas que poderia aprender com você... — E ela
suspirou, com uma expressão sonhadora.

Naquele instante, seus olhos encontraram os de Gayle, que se encontrava por


perto, mas que fingiu não vê-la. Em vez disso, voltou-se para Russell, que se afastara um
pouco da filha.

— Aceita uma taça de champanhe, sr. Glenn? — perguntou com gentileza,


fazendo um sinal para um dos garçons.

O vestido de Krystal refletia as luzes do salão. Muito justo, de um tecido brilhante


e com um decote exagerado tanto na frente quanto nas costas, chamava a atenção de todos
que estavam próximos. Ainda assim, a moça perguntou:

— Gostou de meu vestido, fared?

— Sim, está muito bonito... Agora vou continuar com a demonstração.

Apesar de ter falado num tom neutro, ele a segurou com carinho pela cintura,
puxando-a para o meio do grupo. Foi uma atitude tão indiscreta, que vários repórteres
olharam para Gayle. como se quisessem saber de que maneira ela reagiria. Frustraram-se
todos, pois ela fingiu não ver a cena, assim como ignorou o ar de triunfo que se estampava
no rosto de Krystal.

Vários homens trabalhavam na limpeza do saguão quando Gayle apareceu na


manhã seguinte. Os carpinteiros desmontavam as mesas, e os computadores já tinham sido
levados para a sala de demonstrações.

O porteiro da Logan parecia sonolento atrás da mesa da recepção.

— Por que não toma um pouco de café? — sugeriu Gayle, depois de


cumprimentá-lo.
Thomas assentiu com um gesto de cabeça, enquanto tentava ocultar um copo que
tinha na mão.

— O que você está bebendo, mocinho? — perguntou ela, desconfiada.

— Bem, encontrei uma garrafa de champanhe no gelo, e para não perdê-la. . .

— Thomas, você teve coragem de beber antes do expediente?

— Foi só um pouquinho. . .

— Jogue isso fora! E tome um pouco de café, por favor!

— Eu nunca tinha tomado champanhe, por isso estava curioso. . .

— Você não sabe que isso pode prejudicá-lo?

— Espero que você não conte nada ao chefe. Afinal, tem um bar na sala dele.. .

— É claro que não vou falar com ele sobre isso. O sr. Logan tem coisas mais
importantes para cuidar.

Nas duas últimas semanas, Jared vinha chegando ao escritório bem antes que
Gayle. Agora, ele estava de costas para a mesa e olhava através da janela o sol fraco de
inverno que brilhava sobre Denver. O céu tinha uma coloração clara, mas a oeste nuvens
pesadas pairavam sobre os contrafortes das montanhas.

— Vai nevar antes do anoitecer — comentou Gayle, depois de cumprimentá-lo.

— É uma opinião pessimista. Pouca gente olha o sol e prevê neve.

— Conheço o tempo de Denver e sei que esse sol é enganador.

— Só espero que a neve continue até que minha família chegue para esquiar.

— Faltam três semanas, e até lá a compra de Softek estará concluída. Nosso


suposto noivado também.

Como Jared não respondesse, o olhar absorto na paisagem, Gayle insistiu:

— Esse jogo ridículo vai terminar, não vai?

— Talvez ainda demore um pouco, Russell não quer assinar os papéis até que o
governo dê um parecer sobre a legalidade da operação...

— Isso está me parecendo uma manobra. . .

— Pode ser. Mas tenho a impressão de que Krystal tem algo a ver com a história.

— No começo você me falou que essa situação duraria alguns dias. Agora está
dizendo que talvez demore semanas. Como é que vai ficar isso?

— Precisamos ter calma. Se Russell e Krystal tivessem voltado à Califórnia, tudo


se resolveria logo.
— Você encorajou ela a ficar mais tempo em Denver!

— Eu? Como assim?

— Não banque o inocente! Quero saber o que vamos fazer quando sua família
chegar!

— Ora, vamos esquiar — respondeu Jared com a maior calma.

— Não estou para brincadeiras. Quero saber se você vai lhes contar a verdade?

— Ainda não sei.

— Pois eu acho bom decidir-se logo. É um absurdo sua maneira de fazer


negócios!

— Foi a primeira vez que algo deu errado comigo — disse Jared, com ar
perplexo.

— Se você não contar a verdade a seus pais, pode ficar certo de que eu farei isso!

A tempestade de neve caiu no meio da tarde, uma hora antes que o gerente de
publicidade aparecesse no escritório.

— Desconfio que Jared não irá atendê-lo, Ron — avisou Gayle. — Ele está
concentrado nesse problema com o governo. . .

— Não é para menos. Se o assunto não for solucionado rapidamente, vai nos criar
dificuldades.

— Depois de uma pequena pausa, o rapaz continuou: — É interessante como as


coisas acontecem. Você só chamava o chefe de sr. Logan. Por isso nunca imaginei que
chegariam a ficar noivos. Gostaria que me desculpasse se alguma vez deixei-a pouco à
vontade.

— Não se preocupe com isso. Vou ver se ele pode recebê-lo.

Embora estivesse bastante ocupado, concordou em conversar com Ron. Enquanto


isso, Gayle voltou aos seus afazeres, indiferente ao frio e à neve que caía lá fora. O tempo
mudara tanto que mesmo com as janelas fechadas ainda se escutava o ruído forte do vento.

Às seis da tarde, ela ainda tinha diante de si uma pilha de documentos, quando
Jared chamou-a pelo intercomunícador.

— Gayle, ligue para aquele restaurante que fica nessa rua e peça dois jantares.

— Tudo bem.

— Vamos fazer uma pausa para comer, e depois continuaremos. O trabalho irá
mais rápido quando não houver ninguém para nos interromper.

Meia hora depois, o entregador do restaurante chegava à sala, tiritando de frio


apesar de bem agasalhado.
— A tempestade deve estar forte, não? — comentou Gayle, apanhando a bolsa
para lhe dar uma gorjeta.

— Já vi piores — respondeu o rapaz, a voz abafada sob o pesado cachecol.

Gayle deu-lhe seus últimos cinco dólares. Na confusão dos preparativos para
festa, esquecera-se de ir ao banco, de modo que no dia seguinte precisaria passar por lá e
retirar dinheiro.

Assim que o rapaz foi embora, ela entrou na sala levando o cesto de vime do
restaurante.

— O jantar chegou!

Jared recostou-se na cadeira, espreguiçando-se.

— Estou morrendo de fome! Nós paramos para almoçar?

— Não. Mas só me lembrei disso agora.

Curiosa para saber de que constava o cardápio, Gayle surpreendeu-se ao ver logo
em cima do pacote uma garrafa de champanhe. Aliás nada fora negligenciado:
guardanapos de tecidos, talheres de prata. . .

— Você deve ter um monte de louças do restaurante — comentou ela, tirando


dois pratos cuidadosamente embrulhados.

— O pessoal vem buscar a cesta no dia seguinte.

— Hum, temos aqui costeletas douradinhas!

— Ótimo. Carne de porco é ideal para dias frios.

— Ainda bem que a embalagem conservou tudo quentinho. Estão fumegantes!

— Vamos abrir o champanhe?

— Para depois trabalhar?

— O que você sugere em vez de trabalhar? Gayle sentiu o sangue lhe subir às
faces.

— Quer parar com essas gracinhas?

— Não há nada tão divertido como ver você corar. Jantaram em silêncio, pois os
dois estavam famintos. Em seguida continuaram sentados, absortos em pensamentos.

Jared acendeu uma cigarrilha e se serviu de uma dose de conhaque. Enquanto


jogava a fumaça para o alto, ele perguntou:

— Por que você trabalha como secretária?

— Aposto como você esteve conversando com meu irmão! — retrucou ela de
imediato.
— Com Darrel? Por quê?

— Ele tem uma teoria para tudo. Mas como eu já lhe disse, sou uma pessoa
prática, gosto de fazer as coisas mas detesto tomar decisões.

— É bom saber disso. Vou pensar duas vezes antes de lhe dar uma promoção.

— Não se preocupe. Estou contente com a minha função. E você? Por que
resolveu trabalhar com computadores?

— Desde pequeno eu me interessei por máquinas de calcular e coisas parecidas.


Meu pai não se conformava com isso, achando que tudo não passava de um passatempo
tolo. Afinal de contas, havia um cargo à minha disposição no banco Logan!

— Deve ser ótimo ter um banqueiro na família!

— As aparências enganam. É mais fácil arranjar empréstimos com qualquer


pessoa do que com Whit Logan. O que explica por que as ações do banco dele estão nas
alturas enquanto que várias instituições financeiras começam a falir.

— Agora ele é seu maior cliente...

— De fato. Depois de tudo que ele me ensinou sobre bancos, foi fácil para mim
desenvolver um sistema pioneiro de automatização. Por isso fomos tão bem-sucedidos.

— Você gosta muito dele, não?

— Grady e eu aprendemos desde cedo que ninguém tinha um pai como o nosso.
Ele às vezes é dominador, interfere na vida dos parentes... Mas eu gosto do velho.

— Sua família é fora do comum. Vai no Natal para Nova York...

— Passamos o Dia do Trabalho no lago Michigan, uma semana em março nas


encostas nevadas, e esses são só os encontros oficiais — concluiu, com um bocejo.

Após consultar o relógio, Gayle propôs:

— Vamos voltar ao trabalho.

— Hoje não mais. Seria impossível terminá-lo agora à noite. Vou levar você até
sua casa.

— Não seria melhor chamar um táxi?

— De jeito nenhum. Vá buscar seu casaco.

O vento frio pegou-os em cheio quando saíram do prédio. A neve misturava-se ao


granizo, fustigando-lhes o rosto como se fossem agulhas.

— Como está frio! — exclamou ela, cobrindo as faces com o cachecol.

— Deixei o carro a dois quarteirões daqui...

— Tudo bem. Já andei em piores condições.


— Então vamos lá, não podemos perder tempo!

Só quando contornavam o edifício, Gayle percebeu que nunca presenciara uma


tempestade como aquela. O vento soprava a neve, transformando-a num manto espesso,
que mal lhes possibilitava ver alguns metros adiante. Ela estava arquejante antes de
percorrer o primeiro quarteirão, e se Jared não segurasse seu braço com firmeza, teria caído
mais de uma vez.

De repente ele a puxou para a porta de entrada de um edifício, resmungando algo


baixinho. Aborrecida, Gayle desculpou-se!

— Foi tolice eu não trazer minhas botas de neve hoje. . .

— Não estou reclamando disso. Percebe que não há um único veículo nas ruas?
Esta é uma artéria principal. .. devia haver pelo menos limpadores de neve trabalhando.

— Talvez estejam apenas fora da nossa visão. . .

— Não! A situação está mais séria do que você imagina. É um risco sair com o
carro nessas condições.

— O que fazer, então?

— Como há o risco de ficar preso em algum lugar, prefiro que seja num prédio
quente e não na rua. Vamos descansar um pouco e voltar para a Logan.

Como se a tempestade tivesse piorado no curto espaço de tempo em que ficaram


abrigados na entrada do prédio, chegaram ofegantes ao edifício da empresa.

Gayle ficou sem fôlego ao mirar-se no espelho do elevador: flocos de neve


haviam se acumulado nas dobras de seu cachecol e pequenos cristais de gelo estavam
colados em seus cílios.

— Jared, você não devia sair sem um gorro — disse ela, estendendo a mão para
limpar a neve dos cabelos dele.

Por um breve momento, seus olhares se cruzaram, mas logo Gayle baixou a vista,
temendo revelar a emoção que sentia ao vê-lo tão perto.

Felizmente o elevador não tardou a chegar ao seu destino. Aliviada, ela se virou
para a porta quando esta se abriu, mas então parou, perplexa. Não estavam diante dos
escritórios da diretoria, e sim no apartamento de cobertura. Jared levara-a para o Ninho do
Amor!

CAPITULO X

Jared abriu pesadas portas duplas do apartamento, enquanto dizia:


— É melhor você se secar, Gayle. Não posso me dar ao luxo de ter uma
secretária com pneumonia.

Durante o tempo em que ela se expusera à tempestade, a neve penetrara em seu


casaco e molhara seu vestido. Tirando o abrigo, ela olhou em volta, curiosa para saber
como era o famoso Ninho de Amor.

Uma parede cinzenta separava o hall de entrada da sala de estar. Com pelo menos
seis metros de cumprimento, era recoberto por figuras de formatos irregulares, num padrão
escultural único. À esquerda, dois degraus rasos levavam à sala, onde se podia ver um
piano de cauda.

— Um bom banho quente é a melhor coisa para você, Gayle — sugeriu Jared,
conduzindo-a para a sala. Ali, em vez de abajures com desenhos eróticos, como ela
esperava, a decoração lembrava Pino Reposo pela simplicidade, discrição e elegância. A
um lado, uma grande lareira, diante da qual havia um sofá semicircular revestido em couro,
suficiente para acomodar meia dúzia de pessoas. O móvel estava numa concavidade dois
degraus abaixo que o resto da sala. Além do piano, dos armários de parede, o aposento
tinha um aparelho de som sofisticado e centenas de discos e fitas. A iluminação era suave e
indireta.

—Puxa, não esperava que seu apartamento fosse assim!

—comentou Gayle admirada.

Dando de ombros, Jared abril a porta que dava com o quarto, em cujo centro
estava uma cama de mogno com dossel, coberta por lençóis finos.

—O banheiro fica do outro lado. Vou procurar algo para você vestir.Só não
garanto que lhe sirva direito.

—Nenhuma mulher esqueceu um negligê preto por aqui? — Perguntou ela, bem
humorada.

— Mesmo que houvesse algum eu não lhe recomendaria que usasse.

— Bem, sinto muito por lhe dar esse trabalho...

— Deixe os agradecimentos para depois. Tome seu chuveiro quente, ou se


preferir, use a banheira de hidromassagem. Leva algum tempo para encher, mas vale a
pena esperar.

Enquanto Jared abria e fechava gavetas de um armário, Gayle entrou no banheiro.


A beleza daquele aposento deixou-a impressionada. Era o toalete mais luxuoso que já vira
até então. Quase do mesmo tamanho do quarto, tinha como centro das atenções uma
banheira de hidromassagem, que mais parecia uma piscina. Além das torneiras douradas,
destacava-se o teto baixo, com espelho rodeado de lâmpadas suaves.

Gayle resistiu à tentação de experimentar a banheira, dizendo a si mesma que não


podia agir como as amantes de fared. Na certa, dezenas de mulheres já haviam passado por
ali. . .
A ducha de água quente serviu como um bálsamo para seus músculos tensos. Por
quase meia hora ela permaneceu ali, e só não demorou mais tempo por consideração a
Jared, que talvez quisesse usar o chuveiro também.

Por trás de uma parede espelhada, que ocultava um armário, Gayle encontrou uma
toalha grande, com o qual envolveu o corpo como se fosse uma toga. De volta ao quarto,
viu estendido sobre a cama um robe e um pijama vermelho, de seda. Tocou hesitante na
parte de cima do pijama, sem conseguir acreditar que alguém usasse aquele tipo de coisa,
embora as iniciais "J L" estivessem bordados no bolso.

Conteve o riso ao vestir o casaco, enrolando as mangas para manter as mãos


livres. A calça, do tipo que se amarrava na cintura, ficou tão grande que ela a deixou de
lado. Assim, colocando apenas o robe de veludo, com a barra levantada para não tropeçar,
respirou fundo e saiu para o corredor.

O apartamento estava em silêncio, exceto pelos acordes da Patética de Beethoven,


tocada ao piano. Imaginando que fosse um disco no aparelho de som, Gayle seguiu em
frente, as mãos enfiadas nos bolsos do roupão, sentindo-se como uma heroína
shakespeariana deslizando num palco.

Surpresa ao perceber Jared sentado ao piano, executando o primeiro movimento


da sonata, recuou instintivamente para o corredor, como uma intrusa que tivesse
interrompido um momento de deleite pessoal que ninguém devesse partilhar.

Absorvido na música, Jared não notou seu movimento, continuando a tocar o


instrumento como se nada houvesse ocorrido, até chegar aos triunfantes acordes finais da
melodia.

Só depois que ele fechou o piano e foi para o bar, Gayle decidiu retornar à sala.
Jared abrira uma garrafa de champanhe, e agora servia duas taças.

— Já saiu do banho? — perguntou, entregando a bebida.

— Sim, pensei que você fosse usar o chuveiro — disse ela, percebendo que Jared
mudara de roupa e agora usava um suéter e uma calça esporte. — O que estamos
comemorando? — perguntou, indicando a taça de champanhe.

— Costumam dizer que o vinho serve para celebrar datas especiais, e que o
champanhe torna especial qualquer ocasião. . . À sua saúde.

Sentando-se diante da lareira acesa, Gayle estendeu as pernas na direção do fogo,


antes de comentar:

— Precisamos pensar direitinho sobre essa situação. Se a neve continuar caindo,


o pessoal não virá ao escritório amanhã. E sem ninguém para incomodar, terminaremos o
serviço em tempo recorde.

— Em compensação acabaríamos fazendo também o trabalho dos outros. Tenho


uma idéia melhor: ir até Pino Reposo no fim de semana. Deixaremos o fone fora do
gancho, e então trabalharemos até terminar tudo.
— Infelizmente não posso. Prometi a Darrel cuidar de minha sobrinha de sexta
até domingo.

— Que idade ela tem?

— Três anos.

— É, isso elimina nossa possibilidade de trabalho no fim de semana. Você quer


tira-gosto para acompanhar a bebida? Tenho caviar e bolachas.

— Obrigada, estou sem fome. Aliás, caviar com bolacha é algo exótico, não?

— Prefiro fazer as coisas certinhas demais. É mais divertido. O pijama não


serviu?

— Cabia duas de mim! Achei melhor não vestir a parte de baixo. Jared examinou
seu corpo envolto no robe e depois comentou, rindo:— Se recebêssemos um convite para
uma festa do tipo "venha exatamente como estiver," eu a rejeitaria.— Para falar a verdade,
eu não esperava encontrar aqui um pijama vermelho de seda. Será que você coleciona
peças raras?

— Aquele lá foi presente de Natal. Você é a primeira a usá-lo.

Dito isso, Jared acomodou-se no sofá, estendendo o braço no encosto, de modo


que seus dedos tocaram de leve os cabelos de Gayle.

— Que tal pôr um disco na vitrola? — sugeriu ela, para ver sua discoteca.

— Que tipo de música? — perguntou Jared, tocando num pequeno painel de


controle embutido na saliência do encosto do sofá.

— Clássica.

Ele apertou outro botão, e então os acordes suaves de Tchai-kovski encheram a


sala.

— É Romeu e fulieta! — exclamou Gayle, levantando-se e rumando em direção à


prateleira de discos.

— Muito bem! Pouca gente reconhece uma música logo nas primeiras notas.
Vamos fazer uma brincadeira? Eu ponho um disco ao acaso, e se você não identificá-lo. . .

— Não estou a fim de ouvir Abertura 1812 — disse ela, ansiosa por fugir de um
clima romântico.

— Precisamos pensar em algo para nos entretermos até a hora de dormir.

Sem nada responder, Gayle pôs o disco que queria e, em seguida, voltou a se
sentar no sofá,

— Então, está pronta para seu exame de beijos? — Jared indagou risonho, antes
de pôr mais uma acha de lenha no fogo. Logo depois, voltou para o lado de Gayle.
Sem lhe dar tempo de reagir, ele a tomou nos braços, fazendo com que suas bocas
se unissem num beijo profundo e sensual. Pouco importava que o fundo musical fosse uma
marcha de acordes marciais. Gayle sentia-se flutuar. Estava indiferente a tudo o mais à sua
volta.

Instantes depois, Jared comentou:

— Você melhorou bastante. Aprendeu depressa! Ainda perturbada, ela tentou


mudar de assunto.

— Você não respondeu à pergunta que fiz lá no escritório — disse, enquanto


procurava controlar a respiração.

— Que pergunta?

— Por que escolheu trabalhar com computadores.

— Tem certeza de que quer conversar sobre isso?

— Absoluta!

Jared rodeou-lhe os ombros com o braço, de modo que ela ficasse encostada nele.

— Hum! Como é bom estar com você, Gayle!

— Deixe de conversa e me responda rápido.

— É curioso que você me questione sobre isso. Aliás, nunca pensei no assunto
seriamente. Mas vou tentar lhe explicar por que os computadores me fascinam. . .

Gayle permaneceu quieta, relaxando aos poucos e se sentindo bem em contato


com o peito dele.

— Talvez o que mais me impressione na informática seja lógica pura. Num


computador, as respostas são sempre sim ou não, isto é, ligado ou desligado. Não existe
meio-termo, talvez provavelmente ou possivelmente. Ê algo muito organizado.

— Mas é tão artificial!

— Pode ser. Porém é esse- justamente o desafio da programação. Reduzir


possibilidades infinitas a uma série de perguntas de sim ou não. Eliminar todas as
incertezas para que a máquina imite o real.

— Ah, é por isso que você quer tanto a Softek.

— Em parte, sim. Porque pretendo expandir a divisão de programação que já


temos, dando início a uma nova linha de jogos por computadores destinada a adultos em
vez de crianças.

— Talvez seja um sucesso de vendas!

— É o que eu espero. Tenho duas idéias para jogos, que são um bocado difíceis
de programar. Mesmo assim continuo querendo a Softek. Afinal de contas, Russell já tem
um nome firmado no mercado...
— Você teria se casado com Krystal Glenn?

— Já lhe disse uma vez o que penso sobre casamento.

— Mas não respondeu a minha pergunta, Jared. Ela é encantadora.

— A mesma coisa pode ser dita de dezenas de mulheres. Mas, ao contrário de


Krystal, nem todas vão se transformar em megeras dominadoras daqui a dez anos.

— Então você não se casaria com ela para conseguir o que quer?

— De jeito nenhum. Continuar solteiro, para mim, é uma questão de honra!

Gayle endireitou-se no sofá e o encarou, um sorriso irônico brincando em seus


lábios.

— Os psicólogos têm uma teoria a respeito desse tipo de comportamento, você


sabia?

— Ah, é? Interessante. . . Não quer me contar?

— Claro! Eles dizem que os dom Juan não se envolvem emocionalmente porque
têm medo de que a mulher descubra todas as suas fraquezas.

— Bobagem! Ninguém é perfeito.

— Não terminei ainda. O dom Juan teme ser rejeitado, por isso descarta antes a
mulher, para impedi-la de conhecê-lo direito.

— Isso é tudo ou há mais coisas?

— Tem uma outra corrente que considera a atitude do mulherengo como uma
espécie de adolescência retardada.

Como se estivesse ofendido, Jared tentou agarrá-la, mas Gayle se levantou


rapidamente do sofá, correndo então para a parte principal da sala.

— Seu interesse pela nova linha de jogos para adultos reforça a segunda teoria —
continuou ela, num tom provocativo.

— Quando eu pegar você, vou lhe mostrar alguns jogos de adultos!

Ela riu, certa de que tudo não passava de brincadeira. Porém, quando procurava
fugir de Jared outra vez, pisou na barra comprida do roupão, justo no momento em que ele
estendia a mão para segurá-la, de maneira que os dois acabaram caindo no carpete.

— Você está bem? — perguntou ele, preocupado.

Tão pronto Gayle assentiu com um gesto de cabeça, Jared segurou-a entre os
braços fortes, fitando-lhe os olhos com uma expressão de desejo. Então pousou os lábios
sobre os seus, num beijo ardente e possessivo, que lhe tirava toda a força, deixando-a
trêmula e excitada. Enquanto isso, pouco a pouco ele afrouxava o braço, ao mesmo tempo
que suas mãos ávidas buscavam o cinto do robe, abrindo-o. Sem que ela oferecesse qual-
quer resistência Jared percorreu-lhe a curva dos seios, por cima do pijama, sorrindo ao ver
as iniciais do monograma no bolso. Gayle fazia o possível para disfarçar as emoções,
porém o toque daqueles dedos gentis tirava seu fôlego, arrepiava seu corpo inteiro. Ainda
assim, conseguiu esboçar um protesto, embora com a voz trêmula:

— Você prometeu que não me seduziria. . .

— Minha querida, quem começou com essa brincadeira foi você...

Lenta e sensualmente, Jared levou o rosto por entre seus seios, mordiscando-os
um a um até vê-la gemer de prazer.

Foi então que ela se deu conta de que precisava recuperar o controle. Do
contrário, cederia à tentação de puxá-lo para si, compartilhar com ele a plenitude do amor,
com conseqüências imprevisíveis. . .

Procurou relaxar o corpo, e quando Jared parou, intrigado, ela perguntou:

— E quanto à música?

Ele se mostrou ainda mais surpreso.

— Se quiser, posso pôr um disco, mas estamos indo muito bem sem ele.

— Eu... eti me refiro à nossa conversa anterior. Você sente-se atraído pela
informática por causa da lógica. O que acontece em relação à música?

— Como assim? Não entendi a pergunta.

— Quero saber como você aprendeu piano.

— Você me ouviu tocando! Não prefere discutir isso em outra ocasião?

— Gostei da sua interpretação da Patética. Você tocaria de novo?

— É bom saber de sua admiração por Beethoven, mas como não posso fazer duas
coisas ao mesmo tempo, você espera até amanhã?

— Não seja mau, Jared. Tenho certeza de que você é apaixonado pelo piano. ..

— Meu Deus, você tira o entusiasmo de qualquer um! Mas vamos discutir sobre
música. O que mais me atrai nela é a simetria dos acordes, que são sempre
matematicamente perfeitos.

— Então tem algo a ver com os computadores, na sua opinião. . . Agora


chegamos às mulheres! Elas também representam alguma coisa relacionada a números?

— Você está querendo que eu pare de beijá-la, não?

— Acertou!

— Não minta para mim, Gayle...

— Por que não me mostra os novos jogos em que está trabalhando?

— Para que você quer vê-los?


— Ora, para testá-los, servir de cobaia, sei lá! Um sorriso divertido apareceu no
rosto de Jared.

— Tem certeza de que é isso mesmo que deseja fazer agora?

— Você nunca acredita no que eu digo!

— Só porque não fala a sério na maioria das vezes. Vamos para o quarto.

— O quê? Que conversa é essa?

— Está vendo? Já quer recuar... Bem, de início imaginei um pôquer mesclado


com strip-tease, algo para adultos, mas como o computador não rouba, perderia a maior
parte da graça.

Meu único aparelho de TV está no quarto, e o computador acoplado nele. Juro que
não quero me aproveitar da situação.

— Já ouvi essa ladainha antes — disse Gayle, enquanto o seguia até o quarto.

Ela sentou-se num canto da cama. E Jared, deitado de bruços sobre o colchão,
abriu uma gaveta da mesa de cabeceira, de onde apertou um botão de um painel embutido.
Do outro lado do quarto uma parede se abriu, fazendo aparecer um telão, que era manejado
por controle remoto.

— Você vai ser uma das primeiras pessoas a levar de zero nesse jogo, Gayle.

— Tudo bem, vamos ver.

Depois de alguns minutos até acostumar com o jogo, ela acumulou pontos e
brincou:

— Com sua habilidade, você pode se tornar o melhor ladrão eletrônico do


mundo.

— Felizmente sou honesto, minha querida. Por que você não fica numa posição
mais cômoda?

— Estou bem assim.

Jared sorriu, puxando a colcha para baixo. Então empilhou alguns travesseiros,
recostou-se neles e limpou o tabuleiro de jogo.

— Entende o que eu quero dizer?

Ao vê-lo tão bem acomodado, Gayle esperou até que ele se se concentrasse na
próxima rodada, antes de ir para a cabeceira e sentar-se ao seu lado.

— Esta deve ser a noite mais incomum que esse quarto já viu. Francamente,
Jared, pensei que lençóis de cetim fossem coisa de lenda!

— Depois de dormir com eles uma vez, você nunca mais vai querer saber dos de
algodão.
— Suas convidadas gostam deles? —• Não comece com isso de novo.

— Por que não? Tanto você como eu sabemos que elas existem. E eu reconheço
que são as mulheres mais lindas da cidade.

— A maioria não tem pernas tão bonitas quanto as suas — replicou ele,
impassível, concentrado no jogo.

Ela riu, tentando disfarçar o embaraço.

— Puxa, você não tem uma tática melhor do que essa?

— Claro que tenho. Acontece que não vi a maioria delas exibidas nessas mesmas
circunstâncias.

Só então Gayle percebeu que o robe se abrira, deixando à mostra boa parte de suas
pernas. Corando, ajeitou-o com cuidado, enquanto Jared dizia:

— Por que você se envergonha de um traço físico bonito? Ainda não aprendeu a
aceitar um elogio?

— Isso não foi um elogio.

— Só porque você não quer — retrucou ele, debruçando sobre a cama até
alcançar seu tornozelo. — Olhe só para isso!

— Não vejo nada demais!

— Pois eu lhe garanto que poucas mulheres têm pernas tão bem-feitas — disse
ele, deslizando a mão sobre seu joelho, empurrando o robe para um lado. — Só falta você
me dizer: "Obrigada, Jared..."

— Por que você me fala isso?

— Ora.. Gayle, seu comportamento é tão puritano que você não sabe reagir com
naturalidade — murmurou, acariciando-lhe a coxa com dedos quentes e sensuais.

Arrepiada de excitação, ela tentou uma saída bem-humorada.

— Você está perdendo todos os pontos que acumulou no jogo...

— Estão sendo sacrificados por uma boa causa.

— Mas você disse que não...

— Eu menti. Avisei-a sobre o negligê preto de rendas, mas não suspeitava que
um pijama de homem fosse tão sexyl — declarou ele, enquanto desabotoava um a um os
botões daquela peça.

— Quem lhe deu esse pijama? —r insistiu Gayle, incapaz de reagir.

— Elizabeth. Ela costuma dizer que todo homem deve ter um pijama vermelho
de seda. Só não sei por quê. Lembre-me de telefonar para ela agradecendo...
Naquele instante, depois de abrir o último botão do pijama, Jared pareceu sem
fôlego enquanto contemplava seus seios perfeitos. Depois, com carinho e paixão, beijou-os
um a um, mordiscando-lhe os mamilos, fazendo Gayle gemer de prazer.

Ela continuava imóvel, desejando pela primeira vez na vida ser tomada por aquele
homem e fazer amor durante toda a noite.

Para sua surpresa, porém, Jared afastou-se de repente, como se estivesse fazendo
algo proibido. Ele se levantou de um salto, murmurou um boa-noite e saiu do quarto sem
olhar para trás.

Perplexa, Gayle afundou a cabeça nos travesseiros, com a estranha sensação de


que fora rejeitada. E não se consolou com a idéia de que no dia seguinte ele não lhe
enviaria rosas.. .

CAPITULO XI

No sábado de manhã, Gayle tomava uma xícara de café enquanto ouvia o


tagarelar de Amy, sentada ao seu lado, fazendo planos para o dia. Porém, por mais que
amasse a sobrinha, não prestava atenção ao que ela dizia. Na verdade, ainda pensava no dia
anterior. Mal acabara de descer para o escritório, os primeiros comentários começaram a
surgir. Às dez da manhã, todos os que tinham ido trabalhar sabiam que ela passara a noite
no Ninho de Amor. Evidentemente ninguém imaginava o que acontecera realmente. . .

Quando Amy desceu de sua cadeira a tia perguntou:

— O que vamos fazer hoje? A garotinha sorriu animada.

— Vamos ao zoológico!

— Está muito frio. Os animais não vão sair para brincar. Mas vou deixar suas
roupas em cima da cama para você vestir.

Seguindo depois para a sala de estar, Gayle parou perto da lareira e apanhou a
fotografia de Craig, que continuava na cornija.

Naquele exato momento, a campainha da porta tocou, sobressaltando-a. Como


não esperava ninguém, surpreendeu-se mais ainda ao ver através do olho mágico.

— Olá! Vai me convidar para um cafezinho? — perguntou Jared quando a porta


se abriu.

— Claro.

Gayle olhou mais uma vez para a fotografia antes de colocá-la sobre a mesa. ]ared
riu, comentando:

— Você tem a mania de levar o porta-retratos para todos os lados?


— Isso não é da sua conta — disse ela, enquanto seguiam para a cozinha.

— Santo Deus! O que aconteceu aqui? Você sempre espalha pedaços de torrada
em cima da mesa?

— Ah! Foi Amy quem tomou café aqui.

— Pelo jeito ela herdou sua obsessão por manter tudo em seus devidos lugares.

— Você precisa compreendê-la. Criança é sempre assim.

— Quando terminaremos o trabalho com a papelada?

— Ficarei na segunda-feira até concluir tudo. Como se não tivesse escutado,


Jared comentou:

— Bonito robe. Cai melhor em você do que o meu. Gayle serviu duas xícaras de
café antes de retrucar:

— Você veio até aqui para falar sobre negócios ou sobre minha roupa?

— Qual dos dois você acha mais divertido?

Amy apareceu à porta naquele instante e se aproximou da tia, que a colocou no


balcão para amarrar os cordões de seus sapatos.

— Quem é esse homem? — perguntou a garota, desconfiada.

— Meu nome é Jared — disse ele, oferecendo-lhe um solene aperto de mão.

Amy logo superou sua resistência inicial ao estranho.

— Tio Jared?

— Se foi isso que sua mãe lhe disse, sim — respondeu Gayle, levando-a de volta
para o chão.

— Você também tem menininhas, tio? — a garota quis saber.

— Não, minha querida. Ele só tem moças maiores — disse Gayle, com malícia.

— Isso é golpe baixo — queixou-se Jared, sorrindo. — Vocês já fizeram planos


para o fim de semana?

— Não. Por quê?

— Vamos para Pino Reposo. Não pensei nisso antes, mas Peters pode entreter
Amy.

— Você está ansioso para acabar logo com o trabalho, não? Tudo bem vou
arrumar a mala.

Quando o Jaguar chegou à cidadezinha próxima de Pino Reposo, Gayle perguntou


preocupada:
— Você telefonou para Peters?

— Claro. Liguei antes de ir ao seu apartamento, e avisei que haveria três pessoas
para o almoço.

— Garanto como não se lembrou de dizer que uma delas é criança e precisa de
alimentação especial.

— É verdade. Dou minha mão à palmatória.

— Então vamos parar na mercearia para que eu possa comprar algo.

— Tudo bem.

Quando abriu a carteira para pegar o dinheiro, Gayle lembrou-se dos últimos
cinco dólares que dera de gorjeta ao rapaz na noite da tempestade. Encabulada, foi
obrigada a pedir a Jared:

— Você me empresta algum dinheiro?

— O seu chefe não lhe paga o suficiente? — brincou ele.

— Ele não me devolveu a gorjeta que dei ao rapaz dó restaurante. Como não fui
ao banco. .. '

— Devo ter algum dinheiro comigo. Duzentos dólares bastam?

— Isso dá para vários fins de semana!

O pequeno armazém do lugarejo parecia algo parado no tempo. Os produtos nas


prateleiras eram modernos, mas a atmosfera, o serviço e os arredores lembravam a época
das minas de prata. Gayle pegou o que precisava, acrescentando um caderno para colorir,
lápis de cor e um pacote de massa para modelagem.

— Isso mantém Amy distraída durante horas — explicou, enquanto Jared


folheava uma revista com dificuldade, pois a garota em seus braços estava sonolenta, com
a cabeça encostada em seu ombro.

— Vamos embora? Já peguei tudo — informou Gayle, percebendo na coluna que


ele lia a notícia de seu noivado. — Jared, você não me avisou que tinha mandado uma nota
para as revistas! E agora, o que vamos fazer?

Ele só respondeu depois que voltaram para o carro.

— Bem, a notícia deve ter se espalhado, mas não houve tempo para que chegasse
às revistas. Isso aqui é obra de sua amiga Elizabeth. Sou capaz de apostar.

— Não acredito que ela tenha feito isso comigo! Agora a situação complicou e
pode ser que esse negócio se arraste durante meses... Isso está me destruindo, Jared!

Quando o carro parou em Pino Reposo, Jared pegou Amy no banco de trás e a
colocou no terraço, voltando então para ajudar Gayle a descer.
— Você parece não perceber como as coisas estão difíceis para mim — disse ela,
lutando para conter as lágrimas.

— Eu compreendo, Gayle. Sei que é difícil ter paciência. Prometo que isso vai
terminar logo...

O fim de semana, apesar do trabalho, foi tranqüilo e sem novidades. Na segunda-


feira cedinho Gayle estranhou a ausência de Amy no quarto. Sua cama estava desfeita e
vazia; e a porta de vidro, aberta. Temendo que ela tivesse ido brincar no pátio, vestiu-se
rapidamente e saiu à sua procura. Ao chegar à varanda, a voz da sobrinha atraiu-a para a
sala de jantar. Lá, a garota saboreava um pedaço de salsicha, com o ár mais inocente do
mundo.

— Ela já comeu metade do meu café da manhã — disse Jared. — Pelo jeito, tirei
seu hábito de só comer iogurte.

— Rachel devia ficar grata por isso — comentou Gayle, servindo-se de uma
xícara de café.

Peters aproximou-se e perguntou:

— O que gostaria de comer, Srta. Bradley?

— Só café, obrigada.

Assim que o rapaz saiu, Jared disse:

— Ele está com o coração partido. Pensa que você não gosta da comida.

— Que bobagem! Simplesmente estou sem fome.

— Depois de tanto trabalho no fim de semana, era para ficar faminta. . . Você e
Amy podem se preparar para partir dentro de um hora?

De imediato Gayle voltou-se para a parede de vidro e para o pátio verdejante. Era
a última vez que via aquilo; a última vez que caminharia pelas trilhas de pedras, que
ouviria o crepitar do fogo da lareira no quarto, que afagaria o pêlo macio do cãozinho. . .

— Jared, você não me contou direito a história do cachorro. . .

— Bem, eu lhe disse que ele foi encontrado. Só não expliquei que quem o achou
foi meu irmão. Fizemos uma troca de presentes. Ele me deu o cão e eu lhe ofereci um
pequeno cagado.

Houve um longo silêncio entre os dois, como se ambos estivessem conscientes de


que aquela conversa era apenas um pretexto para que se mantivessem juntos por mais
algum tempo.

Por fim Jared levantou-se e disse:

— Gayle, gostaria que você arquivasse todos os documentos agora cedo...

— Pode ficar tranqüilo. Eu e Amy estaremos prontas eir meia hora.


Durante a volta para Denver, Gayle não abriu a boca a não ser para responder a
Amy uma vez, quando a garota fez menção de ir para os braços de Jared, que estava na
direção.

Pararam por um momento em frente à casa de Darrel, a fim de que Gayle levasse
a sobrinha para a mãe, depois seguiram direto ao edifício Logan.

— Russell virá ao escritório agora cedo — comentou Jared quando estavam no


elevador. — Faça-o entrar na minha sala e não deixe que ninguém nos perturbe.

Gayle fez que sim com um gesto de cabeça, continuando em silêncio. Quando
chegaram ao décimo segundo andar, quase tropeçaram num pacote grande, que fora
deixado próximo à porta.

— O que isto está fazendo aqui? — resmungou Jared, dirigindo-se a um homem


que esperava pacientemente do lado de fora do escritório.

— É para a Srta. Bradley. Sou da galeria Harrington, e vim entregar esse quadro.
Tentamos entrar em contato com a senhorita durante o fim de semana, mas não foi
possível...

— Você comprou isso com meu cartão de crédito? — perguntou Jared.

— De maneira nenhuma! — protestou ela, indignada.

— Isso deve esclarecer tudo — disse o homem, colocando um envelope em suas


mãos.

Dentro da sobrecarta havia um cartão: "Para a Srta. Gayle Bradley, com amor e os
melhores votos do sr. e Sra. Whitney Logan".

— Pensei que fosse coisa de Elizabeth, mas ê pior ainda! — exclamou Gayle,
mostrando o cartão a Jared.

Depois de lê-lo, ele ficou mais mal-humorado.

— Agora minha mãe vai entrar em cena!

— É claro! Milhões de pessoas lêem aquela revista todas as semanas. Seria


demais que ela não soubesse de seu noivado.

— Srta. Bradley, onde gostaria que eu colocasse o quadro? — perguntou o


entregador.

— Leve-o para dentro do escritório.

A cada minuto mais irritado, Jared entrou em sua sala, avisando:

— Gayle, ligue para o hotel de Russell. Diga-lhe para que não se esqueça da
nossa reunião.

— Está bem.
Ela pegou o telefone no momento que o homem começava abrir o pacote. Tal
como esperava, era o quadro com a paisagem marinha.

Russell chegou à hora combinada e trancou-se com Jared para discutirem detalhes
do negócio. Quinze minutos mais tarde, o telefone tocava.

— Escritório do sr. Logan — disse Gayle.

— Olá! Aqui é Larry. Darrel me contou que você ficou noiva. Só liguei para lhe
desejar felicidades.

Antes que ela se recuperasse da surpresa, Russell foi embora, alegre como
sempre. Jared encostou-se no batente da porta, o rosto fechado, mas quando o empresário
sumiu de vista, ele irrompeu num sorriso descontraído, espreguiçando-se como se cada
músculo de seu corpo clamasse por um alívio de tensão.

— Entre, Gayle. Isso merece uma comemoração!

Ela o seguiu até a sala, sentindo o coração bater mais forte dentro do peito.

— O que aconteceu?

Jared dirigiu-se ao pequeno bar, pegando uma garrafa de champanhe. Depois de


encher duas taças, sentou-se e respondeu:

— Russell afinal assinou os papéis, o contrato de venda da Softek!

— Como você conseguiu isso?

— Aleguei que estava perdendo tempo e dinheiro sem que ele assumisse
qualquer compromisso, e ameacei cancelar a transação se ele não firmasse o acordo. Agora
está tudo terminado! Ele vai ter que vender a companhia... não pode voltar atrás.

Gayle assentiu com um gesto e tomou um gole da bebida, procurando disfarçar o


nervosismo.

— Russell e Krystal vão voltar para a Califórnia amanhã. Prometi que


jantaríamos com eles esta noite...Gayle imaginou-se no Pináculo, sentada ao lado de Jared,
fingindo mais uma vez... Não, ela não suportaria a repetição daquela cena!

— Não vou!

— Por que não?

Em vez de responder, ela pôs a taça em cima da mesa, pegou o bloco e o lápis,
perguntando:

— Por onde começamos?

— Do que você está falando?

— Se está tudo terminado, não há necessidade dessa farsa. Vou fazer a lista das
pessoas para as quais vamos notificar.
— Notificar o quê? — resmungou ele, irritado.

— Que não estamos mais noivos. Pessoas que mandam felicitações... Sei que é
um pouco embaraçoso, mas você deve entrar em contato com seus pais e esclarecer a
situação.

— Você não perde tempo, hen?

— Não há necessidade de adiar as coisas. E quanto a Eliza-beth? Quer que eu


fale com ela?

— Não, pode deixar que resolvo.

— Vou telefonar para Darrel, antes que a separação cause o mesmo furor que o
noivado.

— Russell vai achar estranha essa história...

— Agora que ele assinou os papéis, isso não tem importância. Pena que o quadro
tenha sido desempacotado. O homem podia tê-lo levado de volta.

— Por quê? Foi um presente!

— Um presente destinado à sua noiva. O que eu não sou mais.

— Está bem... Vou ligar para a galeria e mandar que venham buscá-lo.

— Você fará isso? Obrigada. Por favor, diga a sua mãe que eu... que eu adorei o
gesto...

Com a voz embargada pela emoção. Gayle tirou o anel do dedo e deixou-o em
cima da mesa.

— O anel é seu. Fizemos um trato, Gayle!

:— Não costumo receber coisas às quais não fiz jus.

— É melhor levá-lo. Ele não significa nada.

— Se me der licença, preciso trabalhar.

Jared pegou o anel e rodou-o entre os dedos, olhando-a.

— Está mesmo terminado, não está? Ela forçou um sorriso.

— Claro, Sr. Logan!

CAPÍTULO XII

Gayle tirou uma carta da impressora e leu-a rapidamente, certa de que não havia
nenhum erro. Então encontrou uma letra trocada, que passara despercebida na tela do
computador. Num acesso de raiva, amassou a página e atirou-a no lixo. Era a terceira
correção que fazia, e estava tão cansada que sentia vontade de chorar.
Os últimos dez dias tinham sido os mais longos de sua vida. Desde aquela
segunda-feira em que tirara o anel de noivado do dedo, cada vez que o intercomunicador
tocava ou a porta da sala ao lado se abria ela sofria um sobressalto. Além disso, o tempo
todo cometia erros que em absoluto não se justificavam com uma secretária experiente.

No meio da tarde, o telefone tocou. Procurando não demonstrar irritação, ela


atendeu:

— Escritório do Sr. Logan.

— Gayle? Que bobagem foi essa de recusar a almoçar conosco na semana que
vem?

— Sou capaz de apostar que faria! Não lhe contei sobre meu primeiro encontro
com ela? Se quiser meu conselho...

— Foi exatamente por ouvir seus conselhos que eu me meti nessa enrascada. A
propósito, a conta do cartão de crédito de }ared chegou hoje pelo correio.

—> De quanto foi?

— Ora, eu não abri a carta, Elizabeth.

— Nunca vi alguém com tanto sangue-frio para não sentir curiosidade. Jared está
sendo grosseiro?

— Não, de jeito nenhum...

Era isso o que tornava as coisas ainda piores. Se ele se mostrasse irrítadiço,
arrogante ou injusto, Gayle se conformaria, sabendo que pelo menos ó estava incomodando
de algum modo... O problema era que a tratava com a mesma indiferença de antes da
história do noivado. Parecia não se dar conta de sua presença.

— Gayle, diga a ele que fui eu quem a obrigou a comprar as roupas. Estou certa
de que ele não vai culpá-la. . .

— Está bem. Agora preciso desligar...

— Vamos para Denver na sexta-feira. Vou procurá-la aí.

— Ora, Elizabeth. . .

— Helene me ligou agora há pouco e leu seu bilhete para mim. Juro que não
gostei.

— Era a única coisa que eu podia fazer. Ela me escreveu antes de saber que o
noivado tinha sido rompido. O convite era dirigido à noiva de Jared. Assim, seria
embaraçoso para todos nós se eu aceitasse.

— Engano seu, Gayle. Para ser franca, ela ficou desapontada.

— Não vejo por quê.


— Conhece a história do pescador que quis dar uma olhada no peixe que
escapou? Dê uma chance a ela. ..

— Não vou almoçar com a mãe de Jared, Elizabeth. Por favor, não insista.

.— Encare as coisas de maneira diferente. O que você prefere, sentar-se num


restaurante, contando comigo para qualquer coisa, ou ver Helene aparecer aí no escritório,
sem avisar?

— Ela não faria isso! Elizabeth riu.

— Quer você decida almoçar conosco ou não.

Rachel apareceu no escritório meia-hora antes do fim do expediente, conduzindo a


filha pela mão.

— A que devo sua visita? — perguntou Gayle, depois de cumprimentá-la.

— Bem, é mais difícil você dizer "não" pessoalmente do que pelo telefone. Por
isso vim convidá-la.. . Darrel e eu vamos levá-la para jantar hoje, em agradecimento por
você ter ficado com Amy no último fim de semana.

— É muita gentileza, mas vocês não precisam...

— Já está decidido. Apanharemos você às sete.

Sem forças para discutir, Gayle concordou. Naquele momento a porta da sala
abriu-se, dando passagem a Jared.

— Vou para casa mais cedo, Gayle, fez minhas reservas para o jantar?

— Sim, claro. Nunca me esqueci de fazê-las.

Ele a fitou por um longo momento, antes de se curvar para Amy, que o puxava
pela mão.

— Tio Jared! Tio Jared!

— Ora. ora, o que é isso? — brincou ele, tomando-a nos braços.

— Quero ir ao zoológico — pediu a pequena.

— Amy! — reclamou a mãe, aproximando-se. jared sorriu ao entregá-la:

— Você só vai ao zoológico quando o tempo melhorar — disse, fazendo um


carinho* em seu rosto.

Um sorriso para Rachel, uma carícia para Amy e. . .

— Telefone para Peters e diga que estarei em Pino Reposo no fim de semana.

"Para mim, nem mesmo uma despedida," Gayle pensou com tristeza.

A noite foi um desastre completo. Tudo, absolutamente tudo, saiu errado para ela.
Gayle começou com a melhor das intenções, ansiosa por divertir-se e ser uma companhia
agradável. Foi então que a cunhada chegou, anunciando que Darrel e Larry a esperavam no
carro.

—. Vou matar meu irmão! — disse ela, perdendo o humor.

Com certeza Larry não teve culpa pelo que aconteceu depois. Afinal de contas,
tratou-a com gentileza, sem forçar qualquer conversa entre os dois. O que a irritou de
verdade foi chegarem a um clube noturno e se sentarem justamente ao lado da mesa de
Jared Logan. Para complicar as coisas, Natalie estava ao lado dele, a mão pousada em seu
braço, os olhos desafiantes ao encontrarem os de Gayle.

Mesmo com os nervos à flor da pele, ela sorriu para o casal, mas teve o cuidado
de escolher uma cadeira que ficasse de costas para eles. Enquanto procurava manter uma
conversa com Larry, percebeu que Jared e Natalie deixavam o clube.

Quando a levaram para a casa, Rachel, preocupada, ofereceu-se para passar a


noite no apartamento. Gayle forçou um sorriso e lhe garantiu que não faria nenhuma
loucura. Só queria tranqüilidade para pensar. A cunhada foi embora, relutante, e durante a
noite Gayle refletiu sobre o que fazer, até chegar à conclusão de que só havia uma saída
para acabar com a sua angústia: desistir do emprego e ir para um lugar onde nunca ouvisse
falar em Jared Logan.

[á estava amanhecendo quando, decidida, ela tomou um banho demorado para


aliviar a tensão. Depois vestiu seu uniforme preto, prendeu os cabelos num coque e foi
para o ponto de ônibus.

O sol de inverno refletia-se com intensidade na neve e reluzia o bronze polido da


entrada do edifício Logan. Gayle parou um instante para examiná-lo, sabendo que talvez
jamais voltasse a vê-lo.

Ao entrar no prédio pela porta giratória, quase esbarrou em Natalie.

— Preste atenção por onde anda, Gayle!

Radiante num casaco, a manequim levava no ombro uma bolsa grande de couro,
com espaço suficiente para um negligê preto de rendas, e outras coisas de que precisasse
para passar a noite no Ninho de Amor. Ou será que ela tomara emprestado o pijama
vermelho de seda?

— Na verdade — disse Natalie —, você tem minha simpatia. Jared não foi
educado ontem à noite, levantando-se e saindo daquele jeito. Receio que isso vá parar nos
jornais.

Como não obtivesse resposta, a mulher continuou:

— Pobrezinha. . . Uma noite no Ninho de Amor, e de repente tudo terminou.


Imagino como é embaraçoso ser rejeitada desse jeito. Também, já era de se esperar. Não se
pode culpar Jared...

Antes que ela completasse a frase, Gayle atravessou o saguão, alheia ao seu
sorriso malicioso.
— Não lhe dê atenção — recomendou Thomas, solidário. — Ela não significa
nada para o Sr. Logan. .. Sou capaz de apostar.

Instantes depois, Gayle parava perto da janela da diretoria e via a luz do sol
banhar o centro de Denver. Pela última vez, preparou o café na sala, apontou os lápis e
endireitou o mata-borrão em cima da mesa.

— Hum, você chegou cedo hoje — murmurou Jared, aparecendo à porta, os


braços cruzados sobre o peito.

— Tenho muitas coisas para fazer, sr. Logan — respondeu ela, enquanto pegava
o bloco de anotações.

— Por que está me chamando de sr. Logan de novo?

— É mais cômodo para mim. Jared sentou-se atrás da mesa, pegando a


correspondência.; Telefone para Peters e verifique como estão os preparativos

para o fim de semana.

— Está bem.

— E ligue para a floricultura, pedindo para enviarem uma dúzia de rosas


vermelhas...

— Não!

Ele a olhou, espantado.

— O que você disse?

— Eu disse não. Nada de reservas para jantares ou pedidos de flores para suas
convidadas. Não faz parte de meu trabalho.Se quiser que essas coisas sejam feitas, trate
disso pessoalmente.

Jared recostou-se no espaldar da cadeira, fitando-a com ar perplexo.

— E mais: se estiver pensando em me despedir, eu lhe poupo esse trabalho.


Trarei minha carta de demissão assim que terminar de escrevê-la.

— Vai me dar uma semana de aviso prévio?

— Não. Quinze minutos é tudo que lhe dou. Telefone para uma agência, pedindo
uma secretária, se quiser ter alguém aqui até a hora que eu sair — disse ela, rumando para
a sala.

Prestes a cair em prantos, Gayle apanhou a bolsa e o casaco, deixando de lado os


poucos objetos pessoais que mantinha na escrivaninha. Depois seguiu apressada para o
elevador, decidida a sair do edifício antes que as lágrimas lhe soltassem dos olhos.

Assim que alcançou o hall de entrada, o rapaz da recepção tentou interpelá-la.


— Srta. Bradley! Houve algum problema?

Sem responder, ela atravessou o saguão, mas naquele momento a voz de Jared
ecoou pelo recinto:

— Gayle, volte aqui senão mandarei processá-la por usar meus cartões de
crédito!

Ela se voltou, indignada.

— Você não pode fazer isso! Eu tinha autorização para usá-los.

— Não para comprar todas as roupas das lojas de Denver! — Aproximando-se,


ele a agarrou pelo braço. — Vamos voltar lá para cima e discutir sobre isso.

—. Não!

Lutando para soltar-se, Gayle quase lhe acertou um pontapé, obrigando-o a


suspendê-la nos braços e carregá-la pelo saguão.

— Agora eu sei de quem Amy herdou o temperamento agressivo. Segure o


elevador para nós, Thomas.

— Não se atreva! — disse ela ao rapaz.

Visivelmente embaraçado, o funcionário hesitou por um momento, mas afinal


desculpou-se:

— Você me disse uma vez, srta. Bradley, que era ele quem assinava meus
cheques de pagamento. Portanto... — E manteve a porta do elevador aberta.

— Você é quem decide, Gayle. Podemos conversar em particular lá em cima, ou


então discutir aqui no saguão, com todo mundo escutando. O que você prefere?

— Vamos subir — resmungou ela, quando o elevador já estava em movimento.


Porém, no momento em que as portas se abriram, perguntou: — Por que não conversamos
no escritório?

— Aqui não seremos interrompidos.

Jared abriu a porta do apartamento de cobertura, puxando-a para dentro com


firmeza.

Gayle parou no hall de entrada, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco, e


protestou quando ele quis tirá-lo.

— Não planejo demorar muito.

— Você é quem sabe.

Chegando à sala de estar, Jared apertou uma série de botões no painel de controle
ao lado do sofá.
— Agora, vou lhe trazer uma xícara de café, se você prometer não atirá-la em
mim.

— E jogou o paletó numa cadeira.

— Não tem medo de que eu fuja? O que você fez... Trancou-me aqui?

— Não... apenas reprogramei o alarme para ladrões. Se a porta de entrada for


aberta, metade da polícia de Denver cercará o edifício antes que você chegue ao saguão.

Nervosa demais para ficar parada, Gayle seguiu-o até a cozinha. Quando, de
repente, ele se virou para apanhar as xícaras, ela recuou de imediato.

— Droga, quer parar de fugir de mim? Não vou bater em você ou coisa parecida.

— Desculpe-me...

— E pare de se desculpar!

Ela mordeu o lábio e se manteve um silêncio até que o café foi servido. Então
disse:

— Se eu não me demitisse, você teria me despedido. Então por que se deu ao


trabalho de me seguir?

— Quem falou que eu a teria despedido? Aliás, por que resolveu sair do
emprego?

— Ora, você estava disposto a sacrificar a compra da Softek para não me ter
atrapalhando ainda mais sua vida.

— Ao contrário! Eu blefei... e Russell não apostou para ver. Eu planejava lhe


oferecer uma promoção, Gayle. Logo que a aquisição da Softek estiver concretizada, quero
o meu pessoal trabalhando lá. Se você tiver interesse em dirigir a divisão. . .

Certa de que ele estava ansioso por vê-la longe do escritório, Gayle não entendeu
por que ele não a deixara ir embora.

— Obrigada, mas não quero o cargo de Krystal. Em todo caso, não precisava me
comprar para eu ir embora.

— Por que essa mania de sair da Logan? Tem um novol emprego em vista?
Trabalhar para Lárry, talvez? Era com elel que você estava ontem à noite, não era?

— Sim. Mas não vou trabalhar para ele. Talvez eu volte a estudar.

— Você está absolutamente confusa em relação ao futuro. E pelo jeito não quer
falar sobre o assunto. Eu tenho uma explicação para isso.

— Para ser franca, a única coisa que eu quero é ficar longe de você!
— Isso é quase a verdade, Gayle. Você não se sente à vontade comigo porque o
simples fato de me ver lhe trás lembranças, de que seu mundo certinho fora virado de
cabeça para baixo, assim como sua devoção a um homem morto.

— Eu amava Craig!

— E agora está tentando refugiar-se atrás dele de novo. O vestido preto, o


penteado.. . Só que agora é tarde. Você pode fugir de mim, mas não da verdade sobre si
mesma.

— Que verdade é essa, Jared?

— Por baixo dessa máscara de gelo existe uma mulher ardente e cheia de vida.
Não me propus a procurá-la, mas de voltar à vida. . . e me orgulho disso.

— É bem do seu feitio esse tipo de coisa! Você se considera o maior amante do
mundo, mas não passa de um presunçoso, arrogante, teimoso, egoísta!

Ele sorriu, divertido.

— Isso prova o que eu digo! A antiga Gayle nunca me xingaria desse jeito. Ao
contrário: me daria um sorriso de Mona Lisa e diria apenas que estou sendo tolo. Você
mudou Gayle. E o fato de usar o velho vestido preto não vai transformá-la na pessoa que
você era.

Conio se de repente a cozinha fosse pequena demais, Gayle depositou a xícara e


seguiu para a sala.

— Não a culpo por querer ir embora. As últimas semanas não foram nada
agradáveis para nós. Mas não vá, Gayle. Por favor, não me deixe.

— Eu sei que você precisa de uma secretária.

— Não. Preciso de você. O noivado começou como um transtorno e terminou


como um hábito... um hábito agradável. É tão repousante estar com você!

— Puxa, obrigada — disse ela, com sarcasmo.

— No início foi uma espécie de brincadeira. Eu achava divertido que você


preferisse suas lembranças de Craig. Então tornou-se um desafio para mim fazê-la
compreender que estava jogando sua vida fora.

— Pessoas param de fumar todos os dias, Jared. Se elas. podem dispensar os


cigarros, você pode passar muito bem sem mim.

Naquele instante, na sala de estar, um feixo de luz cintilou sobre o quadro que
estava pendurado em cima da lareira. E na paisagem marinha apareceu a manhã de um dia
nevoento. Por que Jared levara aquela pintura para o apartamento?

— Você não tinha devolvido esse quadro à galeria?

Jared estava a alguns metros de distância, como se temesse assustá-la caso se


aproximasse.
— Achei que ele pertencia a este lugar. Assim como você também pertence,
Gayle.

Ela se manteve em silêncio, pensativa, incapaz de compreender por que ele


decidira trazer aquela pintura para seu Ninho de Amor. . .

— Eu ia presenteá-la a você, Gayle. Eu lhe darei tudo que estiver ao meu


alcance...

— Não posso ser comprada, Jared. E para seu governo, encontrei Natalie lego
cedo, quando ela saía do edifício.

— Você pensa que ela esteve aqui em cima?

— O que mais devo pensar, se uma hora depois você encomendava flores. . .

— Era para uma amiga que está no hospital.

— Não acredito!

— Pois é verdade! Nos últimos dias, jantei com várias mulheres, tentando
encontrar algum prazer nisso, mas enquanto estava com elas só pensava em você. Está
arruinada minha vida de solteiro, Gayle — concluiu, forçando um sorriso. Em seguida ele
prosseguiu: — Voltei para cá sozinho todas as noites. Ficava entediado com elas. .. como
nunca me entediei com você.

— Não sou nada especial.

— Ê sim. . . Tentei dizer a mim mesmo que você era igual às outras. Quando a
conta do cartão de crédito chegou, quase me convenci disso. Dez mil dólares em roupas é
um enxoval e tanto. . .

— Dez mil dólares! — exclamou ela, arregalando os olhos.

— Elizabeth tem muito a ver com isso. Então me lembrei do anel de noivado.
Qualquer outra mulher o teria conservado. Ele vale muito mais do que dez mil...

Como Gayle continuasse emudecida pelo choque, Jared continuou:

— Você rompeu nosso noivado...

— Eu só coloquei um paradeiro numa farsa ridícula!

— Você agiu por causa de um homem que está morto há sete anos, Gayle. Sei
que o amava, mas não é justo que se enterre com ele!

Antes que ela retrucasse, Jared insistiu:

— Só lhe peço uma chance, uma oportunidade para lhe mostrar que ainda pode
ser feliz sem ele. Não é deslealdade procurar a felicidade com outra pessoa.

— Sim, mas...
— Você deve gostar pelo menos um pouquinho de mim, Gayle. Do contrário
reagiria com frieza aos meus carinhos. No fundo, você também me quer. Talvez não seja o
mesmo amor que você sentia por Craig, mas não me importo. Esperarei o tempo que for
necessário até conquistar seu coração. Vou lutar por você, fazer tudo para despertá-la...

Enquanto se declarava, Jared tirava um a um os grampos dos seus cabelos, até que
eles caíram em mechas em volta do seu rosto

— Assim está melhor... Essa é minha Gayle, com os cabelos soltos e o


temperamento ardente.

Os olhos dele expressavam o carinho e a afeição que o tom de voz demonstrava.

— Gayle, por favor, me dê uma chance. Vamos retroceder um mês, um ano, e


começar tudo de novo.. . Quero apagar todas as tolices que cometi no passado.

— Ê impossível retroceder no tempo, Jared.

— Deixe-me mostrar como podemos nos divertir juntos. Existe alguma coisa
entre nós. . . Você é capaz de negar que seu coração está batendo depressa agora? Mesmo
que seja algo puramente físico, já é um começo. Gayle fechou os olhos por um momento,
hipnotizada pela proximidade dele.

— Por que você não fez amor comigo naquela noite de tempestade?

— Vai parecer bobagem. . .

— Gostaria de saber assim mesmo! Depois de uma longa pausa, ele respondeu:

— Eu não queria que acontecesse com você igual ao qu sempre foi com outras
mulheres. A primeira vez que fizermo amor, Gayle...

— Você parece muito seguro disso!

— E estou mesmo. Em quinze minutos eu teria você suplicando para fazermos


amor.

— Então por que não tenta?

— Bem. . . vou ser franco... Eu tinha medo, Gayle. Medo de que, se tentasse
seduzi-la e você dissesse não... Eu a desejo tanto que não conseguiria parar.

A franqueza daquelas palavras deixou-a com o coração apertado.

— Eu achava ridículo que meu irmão não suportasse ficar um só minuto longe de
Elizabeth. Agora eu sei o que é amar a ponto de a outra pessoa tornar-se a própria vida da
gente.

Sentindo seu desespero, Gayle estendeu a mão para tocá-lo.

— Jared, por favor, não...

Ele lhe tomou a mão e levou-a aos lábios.


— Quando finalmente me apaixonei, tinha que ser da maneira mais dura.

Houve um súbito silêncio, e por um momento Gayle pensou que fosse desmaiar.
Empalideceu tanto que Jared ficou preocupado.

— Desculpe-me. Eu não devia ter dito isso. Não queria chocá-la.

— Não é verdade. Não pode ser verdade — Gayle sussurrou.

— É sim, querida. Eu nunca disse isso a outra mulher.

— Eu.. . eu não acredito.

— Você me perguntou uma vez o que eu faria se a mulher que eu amo estivesse
apaixonada por outro.

— Você riu e disse que provavelmente lhe daria um soco.

— Pois bem. Agora estou nessa situação, e não posso fazer nada contra Craig.
Estou loucamente apaixonado por uma mulher que ama um morto! Mas não vou forçá-la,
Gayle. Nem repetir que a amo, se isto a incomoda. Esperarei até que você esteja preparada
para me ouvir.

— Você sempre foi impaciente!

— Tentarei mudar. Apenas não me deixe, não me abandone. Talvez um dia você
nem ame, Gayle. É só isso que tenho para me segurar. Não me tire essa esperança.
Receberei qualquer coisa que você estiver disposta a me dar, e juro que me contentarei
com isso.

— O que você está pedindo, Jared?

— Certa vez você falou que casar-se comigo seria o pior destino que alguém
poderia ter. Reconheço que eu não ofereço uma grande perspectiva como marido. Só lhe
peço que não me expulse de sua vida...

Gayle levou as mãos ao rosto.

— Meu Deus! Você está me propondo...

— Eu me casaria hoje mesmo se você quisesse. Ou então esperaria para sempre,


e me consideraria um felizardo cada vez que a visse.

Gayle tentou falar, mas sua garganta estava tão apertada que quase não conseguia
respirar. Afinal murmurou:

— Para sempre é um tempo terrivelmente longo...

— Esperarei o quanto for preciso, Gayle. Porque estou certo de que algum dia...
Bem, tenho que pensar assim. Não suportaria se não houvesse esperança...

— Por outro lado, não teria nada para usar num casamento hoje. Precisaria fazer
algumas compras. Que tal na semana que vem, quando sua família estiver na cidade?
Com um sorriso radiante nos lábios, Jared abraçou-a, feliz como nunca.

— Gayle, prometo que você não vai se arrepender...

— Eu também tive dias horríveis. Você estava tão ansioso para acabar com
aquele noivado. . .

Ele riu.

— No começo, talvez. Para ser franco, até que você me devolveu o anel não
percebi como me sentia orgulhoso por você usá-lo .. por dizer que você seria minha
esposa,

Gayle suspirou de felicidade quando ele recolocou o anel em seu dedo. Jared
voltou a abraçá-la, enquanto dizia:

— Craig deve ter sido um sujeito especial. Algum dia. . . Vou querer que você
me fale sobre ele.

— Craig foi meu primeiro amor. Como eu era uma adolescente, cometi o engano
de pensar que seria para sempre. E persisti no erro. . até que você me mostrou a verdade.

Jared segurou-lhe as mãos, fitando-a nos olhos.

— Está me falando para não sentir ciúmes dele?

— Claro. Assim como quero esquecer seu caderninho de telefone.

— Vou queimá-lo hoje mesmo. Você quer realmente partilhar de minha vida,
Gayle?

— Para onde quer que você vá, meu amor. Todos os dias de minha vida.

Jared ficou com a respiração suspensa ao ver o brilho de seu olhar.

— Se continuar me olhando desse jeito, serei tentado a levar para o quarto uma
moça insolente para lhe ensinar uma lição necessária!

Ela sorriu.

— Então me ensine — disse com suavidade, oferecendo os lábios entreabertos.

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