Você está na página 1de 748

2

I CONGRESSO INTERNACIONAL DE

PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS

ORGANIZAÇÕES

12 – 13 de julho de 2012

Universidade Católica Portuguesa

Centro Regional de Braga

Faculdade de Filosofia

LIVRO DE ATAS

Dezembro 2012

3
FICHA TÉCNICA

Título: I Congresso Internacional de Psicologia do Trabalho e das Organizações


"Trabalho, Riscos Psicossociais e Saúde: Conceptualização, Diagnóstico e
Intervenção"

Organização: Fátima Lobo | Universidade Católica Portuguesa – Centro


Regional de Braga, Faculdade de Filosofia.

Edição: ALETHEIA – Associação Científica e Cultural


Faculdade de Filosofia
Universidade Católica Portuguesa
Praça da Faculdade, 1
4710-297 BRAGA
Tel. 253208080 | Fax. 253213940
www.publicacoesfacfil.pt

Tiragem: 50 exemplares

Fevereiro 2013

Depósito Legal: 354884/13

ISBN: 978-972-697-207-5

Nota: Os artigos que integram as atas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores.

4
ÍNDICE

Organização e Secretariado ........................................................................ 9


Apresentação ...........................................................................................11
Presidência, Comissão Organizadora e Comissão Científica ............................15
Comunicações Paralelas .................................................................... 17
1. PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO ...................................... 19
- Suicídio no Trabalho: como se encaminha essa jornada? ...................20
- Workplace aggression in organizational changing processes: The
mediation role of political behavior and organizational cynicism ............32
- Sofrimentos no cotidiano do trabalho de limpeza de shopping centers no
Brasil e no Canadá..........................................................................39
- Mitigando a fadiga ocupacional: contribuições do trabalho em equipa .82
- Prazer, sofrimento e superação no trabalho de uma equipe
multiprofissional na atenção primária à saúde ....................................90
- O impacto da justiça organizacional nas intenções de turnover: um
estudo em Portugal e Cabo-Verde................................................... 108
- Prazer e sofrimento no trabalho: teoria(s) e prática(s) contemporâneas
em psicodinâmica do trabalho ........................................................ 131
- A Psicologia Positiva e as Organizações ......................................... 139
- Prazer e sofrimento no trabalho .................................................. 163
- Atividade educativa como possibilidade de reflexão e prevenção do
adoecimento ................................................................................ 178
2. DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL ............................................ 187
- O conflito e os seus consequentes na eficácia grupal: o papel mediador
das emoções. ............................................................................... 188
- Oficinas de Treinamento: o trabalho com famílias........................... 207
- Processos de terceirização e suas implicações na saúde do trabalhador:
um estudo de caso na construção civil do Brasil ............................... 214
- Reflexões sobre os factores psicossociais envolvidos no processo de
afastamento do trabalho - análise de um contexto brasileiro .............. 232
- Perspetivando uma triologia da fadiga ocupacional: contributos das
neurociências organizacionais ........................................................ 250
- Stress Ocupacional, Burnout e estratégias de coping em profissionais de
saúde: estudo nos cuidados de saúde primários ............................... 258

5
- Estudio sobre el comportamiento ético en las organizaciones - ¿por qué
la ética se queda en las palabras?................................................... 286
- A Humanização da Instituição Pública no Brasil – Projeto H&QVT...... 324
- Educação Especial: Representações Cognitivas numa amostra de
estudantes de mestrado ............................................................... 333
- Diagnóstico de Burnout, os principais instrumentos de avaliação:
Maslach Burnout Inventory,Burnout Measure e Copenhagen Burnout
Inventory .................................................................................... 341
3. TRABALHO, FÉRIAS E RECOVERY EXPERIENCES ....................... 357
- The Work-Related Quality of Life (QoWL) Scale. Estudo piloto para
adaptação à população portuguesa. ................................................ 358
- Recovery Experiences Questionnaire. Adaptação para a população
portuguesa ................................................................................. 361
4. TRABALHO E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA ............................ 371
- Trabalho e Realização Pessoal – Uma leitura da Laborem Exercens de
João Paulo II................................................................................ 372
- Trabalho, Sofrimento e Dignidade Humana: tópicos para uma reflexão a
partir de fontes da Antiguidade Clássica .......................................... 383
- Doutrina Social da Igreja – Evolução e Desafios numa globalização
complexa e polissémica ................................................................. 399
5. MOBBING, CLIMA E CULTURA ................................................... 417
- Assédio moral no ensino superior: o caso português – resultados
preliminares................................................................................. 418
- Compliance sustentada com os prodedimentos de segurança
organizacional .............................................................................. 420
- Análise da relação entre a perceção de justiça organizacional e o
burnout em professores do ensino superior...................................... 427
- Alcoolismo em contexto organizacional ......................................... 448
- Sociedade de Consumo e Neuromarketing .................................... 462
6. LIDERANÇA............................................................................... 471
- Contribuições para o estudo da liderança política nas organizações:
antecedentes, consequentes, variáveis mediadoras e moderadoras..... 472
- Agressão laboral nas equipas: um olhar sobre o impacto dos estilos de
gestão de conflito e do clima ético .................................................. 480
- Pesquisas em liderança: uma trajetória. ........................................ 491
- Implicações da inteligência emocional no processo de liderança ....... 493

6
- Suporte Social e Stress em idosos residentes no meio rural: estudo
comparativo entre idosos institucionalizados e idosos a viver no domicílio.
.................................................................................................. 509
- Liderança e bem-estar em idosos institucionalizados ...................... 530
- Sofrimento e Lazer nas Organizações............................................ 543
7. CONFLITO E NEGOCIAÇÃO ........................................................ 553
- Humanização no trabalho como dispositivo de intervenção em psicologia
do trabalho .................................................................................. 554
8. DIREITOS E DEVERES DOS TRABALHADORES ........................... 565
- Como as perceções de climas autentizóticos explicam os
comportamentos inovadores e o desempenho individual: o caso de uma
multinacional ............................................................................... 566
- Práticas de RSO e bem-estar no trabalho - Implicações das práticas de
responsabilidade social no bem-estar dos trabalhadores .................... 587
- A criança que falamos (ou não)? .................................................. 596
9. O TRABALHO E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO ............................................................................. 599
- Estudo da Perceção do Impacto da Escolha de Sistemas Antivírus no
Stress Laboral ............................................................................. 600
- Estudo do Impacto do Uso de ERP na Cloud na Percepção do Conceito
de Trabalho ................................................................................ 609
- A gestão do conhecimento em Portugal ......................................... 617
- Are Lifelong Learning centers “great places to work”? The Relationship
between occupation, work orientation and climate perceptions in a special
kind of educational system ............................................................ 619
Simpósios ........................................................................................ 643
- Por uma leitura sui generis do sofrimento e prazer no trabalho
intensificado do professor na universidade pública brasileira: articulações
entre a teoria marxista da subjetividade, psicossociologia e psicodinâmica
do trabalho. ................................................................................. 645
- O professor diante da violência juvenil: contradições, discursos e
práticas ....................................................................................... 668
- Profissão professor: imagens do sentimento de insegurança na escola
.................................................................................................. 685
- Stress profissional na perspetiva dos técnicos de SHT ..................... 701
Conferências Plenárias .................................................................... 705

7
- Liderança .................................................................................. 707
- A clínica da cooperação: contribuições da psicodinâmica do trabalho
para as práticas de promoção da saúde nas organizações .................. 722
Oficinas ........................................................................................... 731
- Crise económica não pode servir para menos saúde e segurança no
trabalho ...................................................................................... 733
- Dar o peixe ou ensinar a pescar ................................................... 741

8
ORGANIZAÇÃO E SECRETARIADO

Organização

Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga – Faculdade


de Filosofia;
Universidade de Brasília,
Universidad a Distancia de Madrid (UDIMA).

Secretariado

Margarida Pinheiro (Coordenadora)


Mestres e Mestrandos de Psicologia do Trabalho e das Organizações da
Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga – Faculdade de
Filosofia:
Alice Semedo, Amadeu Brito, António Carvalho, Isaura Gomes, João
Gomes, Maria Cecília Cruz, Maria do Céu Maciel, Marina Pereira e Ricardo Araújo.
Alunos da Licenciatura em Psicologia da Universidade Católica Portuguesa –
Centro Regional de Braga – Faculdade de Filosofia:
Adriana Sofia Araújo; Anabela Azevedo e Miguel Cerqueira.

9
10
APRESENTAÇÃO

A psicologia – como estudo da psychê – concentra-se, em princípio, no


estudo dos dinamismos imanentes ao sujeito humano, considerado
individualmente. Mas é precisamente nessa concentração que se apercebe de
que nada é exclusivamente imanente a cada sujeito. Os dinamismos psíquicos de
cada um são sempre já marcados pelas relações inter-humanas, normalmente
organizadas institucionalmente. Assim sendo, uma psicologia do indivíduo não
pode, nunca, ignorar os efeitos sobre ele das organizações sociais.
Mas a questão pode ser considerada também no sentido inverso. As
organizações sociais funcionam de acordo com o modo como funcionam os
indivíduos que as constituem, com as suas características psicológicas. Assim
sendo, não é possível compreender o funcionamento complexo das organizações
humanas sem compreender a complexidade de cada sujeito que delas faz parte.
Para além de tudo isto, as relações entre sujeito e organização são
circulares, a ponto de ser difícil definir o que vem em primeiro lugar. Por isso, a
abordagem psicológica é sempre a do sujeito na organização e a da organização
de sujeitos. Parece-me ser, este, o grande desafio da psicologia, de toda a
psicologia, mas de modo especial da psicologia das organizações.
O assunto tem a sua dimensão filosófica. Por isso, penso ser adequado
estudá-lo numa faculdade de filosofia. Mas não se limita à reflexão filosófica,
comportando uma abordagem científica epistemologicamente típica da
psicologia. É de saudar, pois, que a psicologia, num contexto de certo modo
filosófico, decida estudar a relação entre sujeito e organização.
No contexto atual da sociedade portuguesa, esta abordagem manifesta-se
acrescidamente importante. De facto, as condições de exercício da atividade dos
indivíduos nas organizações, sobretudo nas organizações empresariais como
principal contexto do exercício do trabalho humano, são especialmente
complexas, mesmo difíceis. O que terá, certamente, impacto sobre a psicologia
individual. Ao mesmo tempo, o modo como os sujeitos individuais encaram a
situação será fulcral no desempenho das organizações laborais. O elemento
psicológico, em todo este contexto, será provavelmente o elemento mais
importante de todos.
Em nome do Centro Regional de Braga da Universidade Católica
Portuguesa, saúdo, portanto, a organização deste congresso dedicado à

11
psicologia do trabalho e das organizações, saudando de modo especial a
publicação do seu resultado, como contributo notável para o estudo de assunto
tão fundamental nos momentos que atravessamos. Que esta publicação sirva
para maior aprofundamento e consolidação desta área de estudo na
Universidade Católica, em Braga.

João Manuel Duque


Presidente do Centro Regional de Braga
da Universidade Católica Portuguesa

12
O que pode a investigação científica e, mais especificamente, a Psicologia
do Trabalho e das Organizações fazer por todos nós? Qual o primeiro capital a
preservar e a valorizar? Na génese do I Congresso Internacional de Psicologia do
Trabalho e das Organizações estão estas e outras questões, porque se a
investigação científica não se pode desviar da realidade social também é da sua
natureza procurar o sentido daquilo que acontece. Ora, embora as organizações
apresentem a sua especificidade, há variáveis universais: mobilidade laboral,
desregulamentação, condições de trabalho, precariedade, desigualdades
salariais, descriminação de género, assédio moral, ritmo de trabalho,
insegurança, sofrimento, entre outras, geradoras de instabilidade psicológica,
impeditivas de percursos coerentes de vida, degradantes para a condição
humana e potenciadoras de desperdício social.
É certo que o mundo em que vivemos foi criado pelo homem e, como
afirma o Prof. José Maria Peiró, em boa medida é um mundo artificial. Assim,
compete-nos descrever o que acontece, descobrir as suas leis e utilizá-las para
intervir, num quadro de transformação das perceções, no sentido atribuído pelo
Prof. Jorge Correia Jesuíno ou, na perspetiva da Prof.ª Ana Magnólia Mendes, é
necessário repensar a organização do trabalho e a sua transformação através do
espaço público de discussão sobre o sofrimento no trabalho e as estratégias para
ressignificá-lo em contextos organizacionais marcados pela lógica do capital
flexível e pela racionalidade económica.
Incitados pelos alunos das várias edições do Mestrado de Psicologia do
Trabalho e das Organizações e pelo ideário pedagógico da Universidade Católica,
para o qual o centro e o fim da vida académica é a valorização dos seus alunos e
a aquisição de competências científicas e humanas, assim surgiu a necessidade
de refletir com a comunidade científica nacional e internacional aquelas e outras
questões.
O congresso constituído por sessões plenárias, mesas paralelas,
simpósios e apresentação de posters - três sessões plenárias, proferida pelos
Professores José Maria Peiró, Jorge Correia Jesuíno e Ana Magnólia Mendes, 23
sessões paralelas, 7 simpósios e 50 posters - estiveram envolvidos 238
investigadores das seguintes instituições: Universidade de Valencia,
Universidade de Brasília, ISCTE, Universidade de Santiago de Compostela,
ISMAI, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Escola Superior de Comunicação Social – Instituto Politécnico de
Lisboa, ISPA – Instituto Universitário, Universidade Federal do Reconcavo da

13
Bahia, Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, Escola Superior de
Tecnologia e Gestão – Instituto Politécnico de Leiria, Conservatoire National des
Arts et Metiers – Centre de Recherche sur le Travail et Developpement,
Universidade de Aveiro, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto,
Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Instituto de Psicologia Essência
(Aracatuba), Universidade Federal de Lavras, Agrupamento de Centros de Saúde
Grande Porto I – Santo Tirso/Trofa, UDIMA, Escola Superior de Enfermagem de
Coimbra, Instituto Politécnico de Setúbal, Escola Superior de Ciências
Empresariais – Universidade de Aveiro, Instituto de Biociências – Universidade
Estadual Paulista, UNESP - Rio Claro – SP, Instituto Piaget, CIS – ISCTE,
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, Centro
Regional da Bahia – Ministério do Trabalho, Universidade Federal de São Carlos,
Departamento de Educação – IB – Universidade Estadual Paulista, Instituto
Superior Miguel Torga, Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas,
Universidade Técnica de Lisboa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
Superior de Engenharia do Porto, Universidade Cruzeiro do Sul, Universidade de
São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul, Universidade
do Minho, Faculdade de Ciências Sociais, de Teologia e de Filosofia da
Universidade Católica Portuguesa – Braga.
A organização do Congresso entendeu, também, que a Universidade devia
auscultar a sociedade civil e as suas forças vivas. Neste sentido, teve lugar, no
último dia do Congresso, a «Oficina», que contou com a presença de deputado
do Parlamento Europeu, José Manuel Fernandes, tendo abordado a Estratégia
Europeia para a produtividade, a saúde e a segurança no trabalho; José Maria
Costa, do Centro Social das Lameiras, Associação sediada na cidade de
Famalicão; Miguel Madeira, mestre em Psicologia do Trabalho e das
Organizações pela UCP – Braga e António Barros, empresário local.
A todas as instituições, investigadores, profissionais, participantes e
alunos da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga,
agradeço a qualidade das intervenções e o empenho manifestado ao longo de
todo o evento. À Mestre Catarina Carvalho, responsável pelo Gabinete de
Relações Públicas e Comunicação da Universidade Católica – Braga, agradeço
reiteradamente a dedicação, o esforço e o profissionalismo.

Fátima Lobo

14
PRESIDÊNCIA, COMISSÃO ORGANIZADORA E COMISSÃO CIENTÍFICA

Presidência

Fátima Lobo - Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga,


Faculdade de Filosofia – PORTUGAL
Ana Magnólia Mendes - Universidade de Brasília – BRASIL
Djamil Tony Kahale Carrillo - Universidad a Distancia de Madrid (UDIMA) -
ESPANHA

Comissão Organizadora

Fátima Lobo (Coordenadora) - Universidade Católica Portuguesa


António Melo - Universidade Católica Portuguesa
Eleonora Costa - Universidade Católica Portuguesa
José Maria Carneiro Costa - Centro Social das Lameiras / V.N. de Famalicão
José Rui Costa Pinto - Universidade Católica Portuguesa
Miguel Gonçalves - Universidade Católica Portuguesa
Teresa Costa - Liga Operária Católica
Mestres e Mestrandos de Psicologia do Trabalho e das Organizações -
Universidade Católica Portuguesa: Alice Semedo, Amadeu Brito, António
Carvalho, Isaura Gomes, João Gomes, Maria Cecília Cruz, Maria do Céu
Maciel, Marina Pereira e Ricardo Araújo.

Comissão Científica

Álvaro Roberto Crespo Merlo - Universidade Federal do Rio Grande do Sul -


BRASIL
Ana Magnólia Mendes - Universidade de Brasilia - BRASIL
Benjamin Júnior - Universidade de Florianópolis - BRASIL
Christophe Dejours - Conservatoire National des Arts et Métiers - FRANÇA
Dâmaso Rodriguez - Universidade de Santiago de Compostela - ESPANHA
Domingo Esteban Gómez - Universidade de Santiago de Compostela - ESPANHA
Eduardo Santos - Universidade de Coimbra - PORTUGAL
Eleonora Costa - Universidade Católica Portuguesa - PORTUGAL

15
Engrácia Leandro - Universidade Católica Portuguesa - PORTUGAL
Fátima Lobo - Universidade Católica Portuguesa - PORTUGAL
Fátima Maria Bezerra Barbosa - Universidade do Minho - PORTUGAL
Fernando de Oliveira Vieira - Universidade Federal Fluminense - BRASIL
Isabel Torres - Universidade Lusíada do Porto - PORTUGAL
Janine Kieling Monteiro - Universidade do Vale do Rio dos Sinos - BRASIL
João Batista de Oliveira Ferreira - Universidade Federal do Rio de Janeiro -
BRASIL
Jorge Correia Jesuíno - Professor Emérito do ISCTE- IUL - PORTUGAL
José Carlos Miranda - Universidade Católica Portuguesa - PORTUGAL
José Costa Dantas - Instituto Superior da Maia - PORTUGAL
José Maria Peiró - Universidade de Valência - ESPANHA
Katia Barbosa Macedo - PUCSP - BRASIL
Leda Gonçalves de Freitas - Universidade Católica de Brasília - BRASIL
Marianne Lacomblez - Universidade do Porto - PORTUGAL
Maria Teresa Pulido Picouto - Universidade de Vigo - ESPANHA
Mary Sandra Carlotto - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
BRASIL
Richard Mababu - UDIMA - ESPANHA
Rodrigo Martín Jiménez - Universidade Rey Juan Carlos - ESPANHA
Rosângela Dutra de Moraes - Universidade Federal do Amazonas - BRASIL
Rudolf Moos - Stanford University - EUA
Soraya Martins Rodrigues - Laboratório de Psicologia do Trabalho / UFSC -
BRASIL
Suzana Canez Cruz Lima - Universidade Federal Fluminense - BRASIL

16
Comunicações Paralelas

17
18
1. PRAZER E SOFRIMENTO NO TRABALHO

19
TÍTULO: Suicídio no Trabalho: como se encaminha essa jornada?

AUTOR(ES): Cleverson Pereira de Almeida, Erica Benjamin Duarte,

Gabriela Kreimer, Heloísa Ferreira de Oliveira, Henrique Cézar Barros,

Mariana Cancoro de Matos, Rafael Trindade e Vinicius Silva Lopes

INSTITUIÇÃO: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – BRASIL.

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar por me deixar existir
Deus lhe pague.
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
(Chico Buarque de Hollanda, em “Deus lhe Pague” e “Construção”)

Introdução
“France Télécom: um assalariado suicida-se e culpa a sua hierarquia”1 é
a manchete do jornal Liberation-fr, no caderno de Economia do dia 27 de julho
de 2009. A reportagem narra a história de um engenheiro de 51 anos, dirigente
daquela empresa de telecomunicações, que põe fim à sua vida, deixando mulher
e filho, no dia 14 de julho de 2009, em Marselha. Ele assinou uma carta para a
família, que foi publicada no jornal. Nela, explicita o que lhe motivou: “Suicido-
me devido ao meu trabalho na France Télécom. É a única causa.” Indica, ainda,
condições trabalhistas as quais o levaram a por fim à sua jornada de trabalho: “a
urgência permanente”, “a sobrecarga de trabalho”, “a ausência de formação”, “a
desorganização total da empresa” e “a gestão terror”.
Prosseguindo com casos de suicídio como o da empresa francesa,
encontra-se artigo de Santos, Siqueira e Mendes (2010)2, no qual três pessoas
relatam suas próprias tentativas de suicídio, cujo foco reside na forma muito
subjetiva com que cada um percebe seu sofrimento, sem disponibilizar dados

1
Retirado do dossiê SUICÍDIOS NA FRANCE TÉLÉCOM: AS CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS DE UM
MODELO DE GESTÃO SOBRE A SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES. Segunda Versão. Período: 27
de julho a 02 de dezembro de 2009, Prof. Álvaro Roberto Crespo Merlo.
2
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rac/v14n5/v14n5a13.pdf

20
pessoais e contextos de trabalho específicos. O relato de Elaine coloca que suas
dificuldades no trabalho deviam-se à falta de tarefas substanciais para realizar, o
que a fazia se sentir inútil e desnecessária. Caio, porém, atesta que sua angústia
era resultado das metas de trabalho impostas pela empresa, que lhe pareciam
inalcançáveis, o que gerava um ambiente de trabalho altamente competitivo. O
terceiro relato foi de Márcia Cristina, que entrou para o setor administrativo de
uma empresa onde só trabalhavam homens. Ela diz que ninguém explicava o
serviço direito e os colegas a desrespeitavam, gritavam e eram rudes. A falta de
apoio e sentimento de solidão são aspectos comuns nos três casos.
Ainda no Brasil, o médico Frederico José Rabe, 58 anos, cometeu
suicídio em São Francisco do Sul, Estado de Santa Catarina. Frederico era
funcionário público e prestava serviços ao Hospital de Caridade daquela cidade,
onde atuava como o único radiologista, havia quase 30 anos. De acordo com a
assessoria de imprensa da prefeitura, pós-demissão ele teria procurado Nadir (a
Secretária), para que a situação fosse reavaliada e ele pudesse voltar a
trabalhar. Durante a conversa, ele atirou contra a própria cabeça.
Na China, mais precisamente na fábrica Foxconn Technology, sucessivos
suicídios ocorreram no presente século, dentre eles o de um jovem de apenas 19
anos, que se atirou de seu alojamento, em um andar alto (conclusão da polícia).
Ele trabalhava na empresa por volta de 286 horas por mês (equivalente a 71,5
horas por semana, em média, ou 11,9 horas por dia, contando que se trabalhe
de segunda a sábado), recebendo cerca de US$1,00 por hora para limpar
banheiros.
Um trabalhador parece resistir bastante antes de tomar essa decisão
fatal e carrega um peso enorme até concluí-la. É importante entender o caminho
que o leva a “bater (picar) seu último ponto”. A pressão que enfrenta no
trabalho, as condições com as quais se defronta, suas relações com chefe e
colegas; tudo isso pode ajudar a entender como e porquê esses acontecimentos
tem se tornado relativamente frequentes em determinadas empresas. Também é
importante analisar a situação além do ambiente de trabalho, como sua relação
familiar. A questão continua posta (e “não quer calar”): como se encaminha a
jornada de um trabalhador ao suicídio (relacionado ao trabalho)?

Contextualização
Com a Revolução Industrial, as relações de trabalho alteraram-se. Nessa
nova organização, o trabalhador não possui os meios de produção, por isto

21
vende sua força de trabalho para o produtor que detém a tecnologia, as
máquinas, as ferramentas para a realização do trabalho. Surgem o Taylorismo
(1911, como ano de referência), e o Fordismo (basicamente concebido em
1913), com princípios e técnicas voltados para o aumento da produtividade, e
tanto produção como consumo em massa. Na sequência, emergem Fayolismo, e
sua visão do homem econômico e busca da máxima eficiência (em 1916), e
Toyotismo, com a produção enxuta e o sistema just in time, após a II Guerra
Mundial. Esta nova forma de organização separa o trabalhador em várias etapas
do desenvolvimento da produção. Desta forma, o trabalhador não se reconhece
mais no produto final pelo qual ele mesmo é o responsável.
No fim do Século XIX, Marx realiza uma crítica a essa forma de
economia política. Sua investigação do sistema econômico mostrou contradições
na forma como a mercadoria era produzida e consumida. Usando o método
dialético, desenvolvido por Hegel, Marx percebeu na luta de classes a principal
causa para mudanças históricas, e a mais-valia como uma forma de
expropriação do trabalho do proletário, que produz, mas não tem condições de
consumir aquilo que é consequência de seu esforço. Ele argumenta que a luta de
classes se utiliza de sistemas repressores, igreja, estado, polícia, forças
armadas, leis, para uma classe manter sua dominância sobre a outra: “O poder
político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe economicamente
dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal e jurídico
apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos
economicamente poderosos, para servir seus interesses e privilégios, e garantir-
lhes a dominação social” (Chauí, 2000). Para Marx, o trabalho alienado produz,
em consequência, um ser humano alienado, que não consegue ver sua condição
de explorado por causa da ideologia dominante. Analisando a luta de classes
imagina-se que seria possível perceber a diferença de interesses, mas a
ideologia, outro conceito importante da teoria marxista, impede o trabalhador de
ver sua condição de explorado (Marx, 1965). Isso fica claro ao se deparar com
frases (slogans) referentes ao trabalho contemporâneo como, por exemplo, “dar
o sangue”, “vestir a camisa”, “o trabalho dignifica o homem”; “Deus ajuda quem
cedo madruga”; “mente vazia, oficina do diabo”. Como expõem Aranha e Martins
(1986), “a ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos
homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indivíduos às
tarefas prefixadas pela sociedade”.

22
Nessa ideologia liberal disseminada pelo capitalismo, há duas
características fundamentais para a compreensão do suicídio: o individualismo e
a competitividade. Portanto, a falta de solidariedade entre os trabalhadores e a
competição que o próprio capitalismo gera entre eles os deixa cada vez mais
sozinhos e sem apoio no ambiente de trabalho. Nesta forma em que está
organizada a sociedade, se sofrem pressões e/ou assédio moral, podem não ter
a quem recorrer, nem podem demonstrar isso.

Hipótese
Incidentes críticos associados a registros de suicídio de trabalhadores,
tendo o contexto de trabalho como fonte “geradora”, estão predominantemente
vinculados à dimensão “organização do trabalho” desse contexto, frutos de
diferentes formas e intensidades de violência e dominação, intrínsecas a práticas
contemporâneas de gestão.

Objetivo
Investigar incidentes críticos presentes em contextos de trabalho, que
levam indivíduos a “baterem (picarem) seu último ponto”.

Abordagem Metodológica
O presente estudo fez uso da abordagem qualitativa, com base em
pesquisa bibliográfica como instrumento de investigação. Logo, tratou-se do
levantamento teórico dos trabalhos realizados na área e sua articulação de
maneira crítica, a fim de compreender e discutir o assunto de interesse.
O levantamento bibliográfico restringiu-se aos anos de 2005 a 2011, nos
idiomas português, espanhol, inglês e francês. As palavras-chave escolhidas para
fazer esse levantamento foram “suicídio e trabalho”, nos referidos idiomas, e as
bases de dados consultadas foram: PSYCHOINFO, PROQUEST, LILACS, SCIELO,
BVSPSI, CAPES.

Resultados e Discussão
De acordo com toda a literatura levantada, constituída por 22
documentos (dos quais três livros e uma dissertação de mestrado), pode-se
constatar que a sociedade está organizada a partir dos interesses do sistema
capitalista com ênfase na produtividade no trabalho.

23
Pode-se fazer uma analogia com uma grande e complexa engrenagem
que produz uma força motriz, na qual, ironicamente, a energia produzida é a
mesma que muitas vezes consome (os seres humanos que labutam). Neste
“maquinário” apresentam-se três importantes roldanas que estabelecem o
período e frequência de rotação, são elas: contexto de trabalho, incidentes
críticos e resiliência.
(1)Contexto de trabalho
O contexto de trabalho é constituído por três dimensões interdependentes:
a) A organização do trabalho, que, nas palavras de Ferreira (2011),
“engloba as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho
presentes no locus de produção e que balizam o seu funcionamento (p. ex.,
divisão do trabalho, produtividade esperada, regras formais, temporalidade,
ritmos, modalidades de controle, tarefas)”. Em pesquisas etiológicas, citadas por
Dejours (2009)3, tem-se observado no campo das novas patologias que a
deterioração da saúde mental no trabalho está intrinsecamente ligada à evolução
da organização do trabalho.
b) As condições de trabalho, que expressam os elementos naturais
presentes no locus da produção e que caracterizam sua infraestrutura, apoio
institucional e práticas administrativas.
c) As relações socioprofissionais, que constituem a dimensão social do
trabalho em termos de interações hierárquicas, interações intra e intergrupos e
interações externas (Pagès; Bonetti; Gaulejac & Descendre, 1993).
(2)Incidente Crítico
Trata-se de uma situação dentro do ambiente de trabalho que destoa da
normalidade, situação que resulta um prejuízo ou dano, seja mental, físico,
financeiro ou social – segundo a definição de Sá (2004). Assim, constatou-se,
com base no levantamento levado a efeito (como, por exemplo, Barreto, Venco,
2010; Barreto, Netto, Pereira, 2011; Santos, Siqueira, 2011), que há um
predomínio de incidentes críticos que se instauram no cotidiano laboral sob
forma de:
a) (Falta de) Reconhecimento
Dados os conceitos de absenteísmo e presenteísmo, o primeiro definido como
sequente ausência do funcionário por se sentir desnecessário para o
funcionamento da empresa, e o segundo, a presença comprometida do

3
Dejours, C. Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho. Revista Cult v.139,
2009. Disponível em http://xa.yimg.com/kq/groups/24043157/1596571076/name/Revista+Cult+-
+Dejours+Entre+o+desespero+e+a+esperan%C3%A7a.pdf

24
funcionário mesmo com adversidades (seja ela de saúde física ou psíquica), em
busca de um reconhecimento por seu esforço, a falta de reconhecimento
dispensada ao trabalhador aparece em ambos os casos. A impossibilidade de ele
estar produzindo em seu maior grau – seja pelo motivo que for – dá uma
imagem ruim a tal funcionário: descomprometido, desinteressado,
incompetente, etc. A empresa visa a produtividade máxima de cada empregado,
ignorando ou tendo visão bastante parcial (ou viesada) de saúde.
b) Competitividade, falta de solidariedade e solidão
Com o advento do Capitalismo, que tem como premissa maximização dos lucros,
por meio da minimização de seus custos seja de produção ou de pessoal, criou-
se uma esfera competitiva para que se aflore o melhor de cada um. Nesse
contexto, o funcionário não deve ser apenas bom, ele precisa ser “o
excepcional”, aquele que produz mais, executa melhor, faz hora extra e leva
serviço para casa. Tal competitividade pode gerar intrigas entre funcionários,
radicalizando os interesses individuais sobre os coletivos. Diante desse cenário, o
indivíduo fica com medo de ser superado por seus colegas. Assim, o sujeito é
sugestionado a crer que seu colega é um oponente.
c) Humilhação
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1999), o verbo
humilhar significa “tratar desdenhosamente, com soberba, afronta, ultraje,
rebaixamento moral, vexame; ato de oprimir, abater, submeter, tornar humilde,
referir-se com menosprezo”. Esse tratamento pode ocorrer de várias maneiras,
como: revistar o funcionário averiguando se ele não furtou nenhum objeto
pertencente à empresa; obrigá-lo a vestir adereços indicando que foi o último
colocado na realização de metas; exposição em “brincadeiras” vexatórias. O
empregado é impedido pela hierarquia organizacional de se defender diante
dessas situações.
d) Violência, ameaça com a demissão e assédio moral
A violência está associada à humilhação. Constitui-se por submeter o sujeito a
situações constrangedoras, ofendê-lo com xingamentos, com palavras de baixo
calão e pejorativas, por vezes indo além da agressão verbal. A violência também
se dá pela ameaça de demissão, fazendo uso do medo do funcionário de perder
seu sustento. Trabalhar em um lugar cheio de humilhação, violência e sob a
ameaça de ser desligado deste ambiente funcionam como um açoite e uma
tortura psíquica contundente.
e) Alienação e robotização dos trabalhadores

25
Esta base de produção capitalista tende a impedir a consciência do trabalhador,
pois ele não reconhece tal produção como fruto do seu trabalho, mas sim como
pertencente à empresa (Marx, 1989). O controle da subjetividade é sutil, pois o
trabalhador estabelece laços afetivos com esse trabalho e incorpora as regras
(im)postas. Os valores da empresa e do empregado misturam-se, trazendo uma
fragilização da subjetividade, pois não há como burlar aquilo que não se
reconhece como controle (Gounet, 2002). Dejours (1999) alerta que, embora os
trabalhadores incorporem estratégias de defesa ao seu repertório contra o
sofrimento padecido no trabalho, na tentativa ou esperança de suportá-lo sem
literalmente sucumbir, e que essas “são sutis, cheias mesmo de engenhosidade,
diversidade e inventividade”, há um risco iminente: “necessárias à proteção da
saúde mental contra os efeitos deletérios do sofrimento, as estratégias
defensivas podem também funcionar como uma armadilha que insensibiliza
contra aquilo que faz sofrer”.
(3)Resiliência
Para Rodriguéz (2005), resiliência é a resposta criativa para superação da
adversidade. Conceito psicológico, emprestado da física, definido como a
capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à
pressão de situações adversas –choque, estresse, etc. – sem entrar em surto
psicológico. Esse conceito é utilizado, muitas vezes como apoio a práticas de
dominação e violências dirigidas ao trabalhador. Essa justificativa do empregador
tem por finalidade a tentativa de esquivar-se da responsabilidade da agressão,
alegada como falta de perfil do agredido (Barlach; Limongi-França e Malvezzi,
2008). Dessa forma, desconsidera-se a falta de limites das exigências
corporativas.
Diante desta engrenagem apresentada, o que se vê é uma relação
assimétrica entre empregado e tempo: o trabalho sem dúvida é objeto no qual
se investe e consome a maior parte do tempo. Esse adquire uma grande
importância no cotidiano, pois a maior parte das pessoas passa mais tempo em
atividades voltadas para o contexto empregatício do que em qualquer outra
atividade. Outra relação assimétrica aparece entre empregador e empregado, na
qual há um desequilíbrio de forças, sendo os vetores coorporativos sobre o
empregado evidentemente mais intensos do que o vetor de reação do
empregado sobre o empregador.
O trabalho pode ser enriquecedor para o individuo a partir do momento
em que ele é fonte de conquistas intelectuais, financeiras e pessoais. Em

26
ambientes de troca, cooperação, respeito, reconhecimento e solidariedade, o
empregado pode sentir-se realizado pelos seus feitos e, portanto, o trabalho
resultaria em qualidade de vida, autoestima, autorrealização e satisfação
pessoal. Entretanto, o trabalho é apresentado e exigido – reflexo do capitalismo
antiutópico – de forma antagônica a esse cenário.
Numa perda sutil e corrosiva, o trabalhador não percebe sua identidade
sendo diluída no trabalho. Confunde os valores coorporativos com os seus,
entrelaçando-os à sua subjetividade, que se mostra por: desapropriação do
saber, padronização das rotinas e comportamentos, esgotamento profissional,
retraimento da consciência moral, entorpecimento do caráter. Extingue-se a
capacidade de questionar a realidade, que se tornou alienada. Isso está presente
no imaginário paternalista, tão fortemente arraigado na psique do trabalhador, o
qual se mostra por uma postura submissa, de servidão voluntária, em que o
colaborador é incentivado a se disponibilizar integralmente para fazer jus à
“dádiva” de permanecer empregado.
Assim, fica estabelecido um estresse, uma agonia de difícil descrição. O
trabalhador não consegue interpretar que seu sofrimento e sentimento de
fracasso se devem ao “furto” de sua subjetividade. Então, por meio do suicídio
ele tenta resgatar a sua autonomia, reassumindo o controle da própria vida, por
mais incoerente que a ideia possa parecer, porque morto ele já se sente há
algum ou muito tempo.
Seguindo essa linha de raciocínio, apresenta-se uma questão
complementar: Por que o sujeito não se demite ou procura ajuda?
Entende-se que, por conta da subtração de sua subjetividade, o sujeito
se sente infeliz e estressado, mas tende a se imaginar como único culpado e
responsável, um fracassado. O trabalho tanto atordoa como sustenta o sujeito e
seus familiares, o que inviabiliza uma demissão. Além disso, também existe uma
dificuldade por parte de muitas pessoas de aceitarem o fato de que precisam de
ajuda profissional devido ao preconceito social com relação ao processo
terapêutico. A má formação do profissional também é um fator a ser
considerado, que o torna incapaz de reconhecer o caráter social desse processo,
gerando uma “culpabilização” no indivíduo pelo seu sofrimento, o que pode
acarretar em maiores prejuízos. Cabe ao psicólogo refletir, discutir, estudar e
agir sobre essa situação percebendo o indivíduo em suas singularidades dentro
de um contexto social massacrante, em busca do resgate de sua subjetividade
através da compreensão da amplitude situacional. Ainda que a terapia caiba no

27
orçamento desse indivíduo, muitas vezes, existe uma dificuldade em encontrar
tempo no seu cotidiano.

Considerações finais
A finalidade desta pesquisa foi levantar dados relacionados ao trabalho
que possam estar vinculados ao suicídio de trabalhadores. É importante ressaltar
que o presente texto restringiu-se à pesquisa bibliográfica, considerando apenas
as bases de dados encontradas no intervalo de 2005 a 2011 nos seguintes
idiomas: português, inglês, francês e espanhol. Neste cenário, foi feita uma
breve análise da sociedade capitalista contemporânea e como ela tem marcado
os contextos de trabalho. A partir de relatos na literatura de suicídios ou
tentativas de suicídio que apresentam associações à vida profissional / laboral,
foi possível detectar incidentes críticos relacionados ao trabalho que marcam tais
casos. Dessa forma, no presente estudo buscou-se fazer uma articulação crítica,
e preliminar, de todo este conteúdo.
Assim, pôde-se verificar uma convergência quanto ao contexto de
trabalho, no qual há predomínio da falta de reconhecimento, competitividade,
falta de solidariedade, solidão, humilhação, violência, ameaça de demissão,
assédio, alienação, robotização, constrangimento, desqualificação das
contribuições, desmoralização, jornadas prolongadas e excesso de tarefas, que
caracteriza o cotidiano de vários trabalhadores e que pode ser protagonista
numa história de conflitos e sofrimento, com potencial para o trágico final do
suicídio. De fato, a dimensão “organização do trabalho” invariavelmente aparece,
de forma explícita ou subliminar, exclusiva ou combinada, protagonista ou
coadjuvante, nos roteiros laborais em cujo final há um óbito não natural e não
acidental.
Não se trata de “culpabilizar” exclusivamente o trabalho, mas é de
fundamental importância apontar a relevância deste quadro quando um
trabalhador comete suicídio, ou tenta fazê-lo. Trata-se de uma situação grave,
logo, é preciso reconhecê-la e lidar com ela, especialmente dentro das
empresas, privadas e públicas, e no meio acadêmico. Em muitos casos, é
possível encontrar motivações em outras esferas que possam ter levado os
indivíduos ao suicídio, mas é preciso lembrar que a vida fora do trabalho não fica
segregada da vida profissional, pois o ser humano é indivisível. Logo, assim
como um divórcio pode prejudicar o rendimento profissional de uma pessoa,

28
uma situação difícil no contexto de trabalho também pode gerar ou agravar
problemas familiares.
Por vezes, é esperado que o trabalhador dedique-se integralmente a
suas atividades profissionais, que “vista a camisa” (de força?) da empresa.
Demanda-se um envolvimento tão grande que, em alguns casos, ocorre uma
perda de si mesmo, da pessoa que seria fora dali.
A seguir, transcreve-se um trecho de uma reportagem do jornal Valor
Econômico, intitulada “Executivos vestem a camisa da companhia”. Trata-se da
Alpargatas e o incentivo ao uso das sandálias Havaianas no ambiente de
trabalho. “Mas todos concordam que não pode haver cobrança ou obrigação – é
preciso que a escolha seja pessoal. ‘Tem que usar o produto com prazer’, diz
Carla [diretora de sandálias da fabricante, que tem 35 pares de Havaianas para
trabalhar], que costuma dirigir até o trabalho com sapato fechado e calçar a
sandália assim que chega à sede. ‘Se forçar a barra, as pessoas percebem’.”4
Dessa forma, o esforço precisa ir além das obrigações formais. O
empregador precisa sentir total envolvimento e comprometimento com as
orientações e metas da empresa, a vontade do empregado fica condicionada aos
projetos da mesma. Logo, é preciso questionar se essa “escolha pessoal”
mencionada no texto reflete a liberdade do trabalhador ou um comprometimento
que é exigido de maneira implícita pela empresa, que, dessa forma, padroniza os
funcionários, usando-os como um recurso de marketing.
A partir dos pontos aqui abordados, sugere-se que sejam feitas mais
pesquisas empíricas sobre o assunto, de forma a serem entrevistadas pessoas
que tentaram cometer suicídio e familiares e colegas de trabalho de pessoas que
se suicidaram, com foco nas motivações que possam estar vinculadas ao mundo
do trabalho. Recomenda-se, também, estudos aprofundados a respeito da
política das empresas com relação ao bem estar físico, mental e emocional de
seus funcionários. Além disso, aponta-se para a forma como essas situações
(suicídios e tentativas) são tratadas pelas empresas que, muitas vezes, é
inapropriada, falhando em preservar integridade e respeito com a vítima.
O presente tema tem sido evitado pela sociedade brasileira. Isso
acontece até mesmo no meio acadêmico, no qual se encontram poucas
publicações sobre suicídio relacionado ao trabalho. Desta forma, mantém-se uma
postura conivente com relação ao problema. Pode-se considerar o quadro aqui

4
Jornal Valor Econômico, Caderno “Eu e Carreira”, do dia 23 de fevereiro de 2012, disponível em
http://www.valor.com.br/carreira/2538242/executivos-vestem-camisa-da-companhia.

29
apresentado como um não-comprometimento com a vida humana, pela qual,
muitas vezes, percebe-se uma “solene” indiferença. Sendo todos membros
inseridos neste sistema, há que estar em cena uma responsabilidade social e
ética para com a vida, principalmente em se tratando de psicólogos e
profissionais com outras formações comprometidos com e que priorizam o ser
humano, sua vida e saúde em perspectiva holística, o que, evidentemente, não
pode excluir o mundo do trabalho.

Referências Bibliográficas
Aranha, M. L. A.; Martins, M. H. P. (1986). Filosofando: introdução à filosofia.
São Paulo: Moderna.
Barlach, L.; Limongi-França, A. C. & Malvezzi, S. (2008). O conceito de
resiliência aplicado ao trabalho nas organizações. Revista Interamericana de
Psicologia, São Paulo, v. 42, n.101-112.
Barreto, M.; Venco, S. (2010, maio). O sentido social do suicídio no trabalho.
Revista Espaço Acadêmico, v. 9, n.108.
Barreto, M.; Netto, N. B. & Pereira, L. B. (2011). Do assédio moral à morte em
si: significados sociais do suicídio no trabalho. São Paulo: Matsunaga.
Bastos, A. V. B.; Gondim, S. M. G. (2010, set/out). Documentos e Debates:
Réplica 1 - Suicídio e Trabalho: Problemas Conceituais e Metodológicos que
Cercam a Investigação dessa Relação. Revista de Administração
Contemporânea, Curitiba, v.14, n.5.
Chauí, M. (2000). Convite à Filosofia. 12. ed., 4ª impressão. São Paulo: Ática.
Dejours, C. (1999). A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas.
Dejours, C.; Bègue, F. (2010). Suicídio e trabalho: o que fazer. Brasília: Paralelo
15.
Ferreira, A. B. H. (1999). Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa.
3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Ferreira, M. C. (2011). Custo Humano do Trabalho. In Cattani, A. D. &
Holzmann, L. (orgs). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. Porto Alegre:
Zouk. p. 97-100.
Gounet, T. (2002). Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo:
Boitempo Editorial.
Mafra, A. P.; Saraiva, L. M. (2009). O Mobbing nas Organizações de Trabalho,
Vale do Itajaí, n.45-77.

30
Marx, K. (1965). A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Global.
Marx, K. (1989). O Capital: Crítica da Economia Política. Livro 1. V I. 13ª edição.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Mendes, A. M.; Santos, M. A. F. & Siqueira, M. V. S. (2011). Sofrimento no
Trabalho e Imaginário Organizacional: Ideação suicida de trabalhadora
bancária. Psicologia & Sociedade, v. 23, n. 2.
Mendes, A. M.; Santos, M. A. F. & Siqueira, M. V. S. (2010, set/out).
Documentos e Debates: Tréplica - Relações entre Suicídio e Trabalho:
Diferenças Epistemológicas e (Im)possibilidade de Diálogo. Revista de
Administração Contemporânea, Curitiba, v.14, n.5.
Pagès, M.; Bonetti, M.; Gaulejac, V. & Descendre, D. (1993). O poder das
organizações. 3. ed. Atlas. São Paulo.
Rodriguéz, D. (2005). El humor como indicador de resiliencia. In. Merillo, A;
Ojeda, E. N. S. Resiliencia: descobrindo las próprias fortalezas. Buenos
Aires: Paidos.
Sá, A. L. (2004). Dicionário de administração. 7. ed. São Paulo: Atlas.
Santos, M. A. F. (2009). Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto
da nova organização do trabalho. Dissertação (Mestrado em Administração)
– Universidade de Brasília, Brasília – DF.
Santos, S. M.; Queirós, C. (1998). Um estudo exploratório sobre o suicídio nas
forças policiais portuguesas. Psicologia, Saúde e Doenças, Porto, v. 9, supl.
1.
Santos, M. A. F.; Siqueira, M. V. S. (2011). Considerações sobre trabalho e
suicídio: um estudo de caso. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v.36,
n.123.

31
TÍTULO: Workplace aggression in organizational changing processes: The

mediation role of political behavior and organizational cynicism

AUTOR(ES): Sandra Lopes Miranda (smiranda@escs.ipl.pt)¹, Ângelo

Guerreiro Vicente², Ana Cristina Antunes¹, Bruno Soares Rodrigues²,

Teresa D’Oliveira²

INSTITUIÇÃO: ¹Escola Superior de Comunicação Social – Instituto

Politécnico de Lisboa; ²ISPA – Instituto Universitário

Abstract
Workplace aggression is a factor that shapes the interaction between individuals
and their work environment and produces many undesirable outcomes,
sometimes introducing heavy costs for organizations. Only through a
comprehensive understanding of the genesis of workplace aggression is possible
to develop strategies and interventions to minimize its nefarious effects.
The existent body of knowledge has already identified several individual,
situational and contextual antecedents of workplace aggression, although this is
a research area where significant gaps occur and many issues were still not
addressed (Dupré & Barling, 2006). According to Neuman and Baron (1998) one
of these predictors is organizational change, since certain changes in the work
environment (e.g., changes in management) can lead to increased aggression.
This paper intends to contribute to workplace aggression research by studying its
relationship with organizational change, considering the mediation role of
political behaviors and organizational cynicism (Ammeter, Douglas, Gardner,
Hochwarter, & Ferris, 2002). The literature review suggests that mediators and
moderators that intervene in the relationships between workplace aggression
and its antecedents are understudied topics. James (2005) sustains that
organizational politics is related to cynicism and the empirical research of
Miranda (2008) has identified leadership political behavior as an antecedent of
cynicism but these two variables were not yet investigated regarding their
relationship with workplace aggression.
This investigation was operationalized using several scales including the
Organizational Change Questionnaire-climate of change, processes, and
readiness (Bouckenooghe, Devos, & Broeck, 2009), a Workplace Aggression

32
Scale (Vicente, 2008, 2009), an Organizational Cynicism Scale (Wanous,
Reichers, & Austin, 1994) and a Political Behavior Questionnaire (Yukl & Falbe,
1990).
Participants representing a wide variety of jobs across many organizations were
surveyed. The results of the study and its implications will be presented and
discussed. This study contribution is also discussed in what concerns
organizational change practices in organizations.

Key words: Workplace aggression, organizational change, organizational


cynicism, political behavior.

1. Literature review
1.1. Workplace aggression
Workplace aggression has been acknowledged as an important and
evolving area of research within business management, human resource
management, and organizational behavior. Workplace aggression can be defined
as "efforts by individuals to harm others with whom they work, or have worked,
or the organizations in which they are presently, or were previously, employed"
(Neuman & Baron, 1998, p.38).
There is a growing interest in this field, and an expanding body of
knowledge and empirical research within this domain. Since its inception,
advances have been made in understanding and delimiting the concept
(Hershcovis, Turner, Barling, Arnold, Dupré, Iness, Leblanc, & Sivanathan, 2007)
and classifying the various types of aggression at work (Bailien & De Witte,
2009; Greenberg & Barling, 1999; LeBlanc & Kelloway, 2002). Antecedents
(Hershcovis et al., 2007; Inness, LeBlanc & Barling, 2008) as well as possible
outcomes (Hershcovis & Barling, 2010) have been subjects of research. Although
that, according to Dupré and Barling (2006) the extant empirical literature
reveals that significant gaps still remain in the knowledge of this phenomenon,
and scarce research has examined the predictors of workplace aggression in
specific organizational situations.

1.2. The predicting effect of climate of organizational change


A powerful predictor of workplace aggression is organizational change
(Neuman & Baron, 1998). But organizational change takes place in a specific
context, leads to a specific change process and asserts the readiness for change

33
of the employees, and these aspects refer to the climate of organizational
change (Johns, 2006). Climate of organizational change is the climate perceived
by employees during the change process, reflecting the individual interpretation
of the change context and process and its readiness for change (Bouckenooghe
& Devos, 2007; Bouckenooghe, Devos, & Van den Broeck, 2009). We propose
that this perception of the organizational change process and context may have
an impact on the individuals’ behaviour, more specifically on individual reactions
that reveal aggression in the workplace.
Altogether, this suggests that workplace aggression may result from the
climate of organizational change. Consistently to this discussion, we formulate
our first hypothesis:
Hypothesis 1 – The climate of organizational change influences the
reported frequency of workplace aggression.

1.3. The mediated effect of leader political behavior


The literature review suggests that mediators and moderators that
intervene in the relationships between workplace aggression and its antecedents
are understudied topics. The current study examines the mediating effect of
leader political behavior and organizational cynicism as mediators of the
relationship between organizational change and workplace aggression.
The interest of academy in leader political behavior has grown
substantially in the last decade (Miller, Matthew, & Kolodinsky, 2008; Vigoda &
Drizin, 2008, Miller & Nichols, 2009; Steel, Bond, & Levitt, 2010; Tziner,
Kaufmann, Vasiliu, & Tordera, 2011; Ullah, Jafri & Dost, 2011). According to
Valle and Perrewé (2000), leader political behaviors consist of those actions the
leader undertakes in response to a perceived opportunity to influence a target
and secure desired outcomes for one or more collective bodies he represents.
Building on Kipnis, Schmidt, and Wilkinson (1980) groundbreaking research into
influence tactics, Yukl and colleagues (Falbe & Yukl, 1992; Yukl, Kim, & Falbe,
1996) developed an extensive and refined taxonomy, including political behavior
like: rational persuasion, apprising, inspirational appeals, consultation,
exchange, collaboration, personal appeals, ingratiation, pressure and
legitimation.
Studies conducted on leader political behavior have mixed opinion about
its consequences, however negative and dysfunctional outcomes are more
highlighted than positive results. Miller, Rutherforn, and Kolodinsky (2008)

34
concluded that political behavior potentiate key outcomes like job stress and
turnover intentions, and has an inverse effect on job satisfaction, organizational
commitment and organizational citizenship (Peled, 2000; Kacmar, 2011). Frost
(1996), Gilmore, Ferris, and Dulebohn (1996) and Kacmar and Baron (1999)
founded a close association between organizational politics, workplace deviance
and retaliatory behavior. Spector and Fox (2004) also sustain that power and
politics may play a nontrivial role in workplace aggression.
Other investigations stressed the mediator effect of political behavior.
Miranda (2010) suggested that in organizational change processes leader’s
political soft and hard behavior could mediate the relation between leader´s
personal characteristics and followers levels of organizational trust,
organizational satisfaction and organizational commitment. Cropranzano and Li
(2006) defended that perceived organizational politics has a mediated effect in
organizational stress. Miller and Nichols (2008) examines the mediating influence
of perceptions of organizational politics in the relationship between the
interactive effects of work locus of control and leader-member exchange on
distributive justice. Breaux, Munyon, Hochwarter, and Ferris (2009) concluded
that accountability predicted lower levels of job satisfaction for those who
perceived high levels of political behavior in organizations. Considering the
theoretical and empirical evidences we suggest that:
Hypothesis 2: Leader’s political behavior mediates the relation between
organizational change and organizational aggression.

1.4. The mediator effect of organizational cynicism


Organizational cynicism is an emerging topic in the organizational science
literature (Mirvis & Kanter, 1989, Anderson & Bateman, 1997; Fleming, 2005;
James, 2005; Brown & Cregan, 2008; Arabaci, 2010; DeCelles, Tesluk, &
Taxman, 2012). Abraham (2000) states that it is a negative attitude towards one
employing organization composed of the belief that “principles of honesty,
fairness and sincerity are sacrificed to further the self-interests of the leadership,
leading to actions based on hidden motives and deception” (p. 269). When
understanding cynicism about organizational change, Reichers, Wanous, and
Austin (1997) defend that itself combines pessimism about the likelihood of
successful change with blame of those for change program. Thereby, if
employees see organizations as generally insincere and duplicitous, then it

35
makes sense that organizational changes will not be expected to be seriously
undertaken and, therefore, will be expected to fail.
Like political behavior, cynicism has been generally associated with
negative consequences for organizations. Anderson and Bateman (1997), and
Abraham (2000) found negative correlations between organizational cynicism,
organizational commitment, and job satisfaction. Wanous, Reichers, & Austin
(2000) concluded that increases grievance felling, James (2005) and Bedeian
(2007) reported high levels of turnover and counterproductive work behavior
among cynics.
Apart consequences, other researchers started examining the mediating
effect of organizational cynicism. Johnson and O'Leary-Kelly (2003) found that in
changing environment cynicism partially mediated the effects of psychological
contract breach on work-related attitudes (organizational commitment and job
satisfaction). Similarly, Wan (2007) concluded that employees’ organizational
cynicism mediated between psychological contract breach and exit intention.
Considering the theoretical and empirical evidences we suggest that:
Hypothesis 3: Organizational cynicism mediates the relation between
organizational change and organizational aggression.

2. Method
2.1. Participants
The convenience sample used in this study comprises 121 working adults,
holding a variety of occupations. To enhance the external validity of results the
sample was drawn from different organizations. Participants, 37.5% males and
62.70% females, represented the general working population. Participant’s age
ranged from 19 to 56 years, with an average of 35.62 (SD= 10.17) and held
different educational qualifications: 11.60% held a primary school, 1.70%
complete the secondary school, 78.50% complete their graduation and 8.30%
had a PhD.

2.2. Measures
Workplace aggression. Vicente and D’Oliveira (2008, 2010, 2011) twenty-
five item instrument was used to measure workplace aggression (α=.956). The
Workplace Aggression Scale (WAS) was constituted for five dimensions: hostility,
non interaction, gossip, depreciation and organizational deviance. The authors
reported acceptable psychometric properties and validity for the WAS. A sample

36
item was: “Spreading rumours about someone”. Participants were asked to rate
the frequency of a variety of behaviours in their workplace in general using a
five-point response scale (1 =never to 5=always).
Political behaviour. To assess political behaviour was used the twenty-five
item instrument named Leader’s Political Behaviours (Yukl & Falbe, 1990). A
sample item was: “Promises to reward me if I act on your request”. Ratings were
made on a 1 to 5 scale, with 1 representing “strongly disagree” and 5
representing “strongly agree”.
Organizational Cynicism. Ten items from the Organizational Cynicism
Scale (Wanous, Reichers, & Austin, 1994) were used to measure the loss of faith
in the leaders of change. A sample items was “People responsible for resolving
the problems of the organization have the resources to perform their tasks”. The
response scale for all items ranged from “1 = strongly disagree” to “5=strongly
agree”.
Organizational change climate. Organizational change climate was
measured using the “involvement in the change process” (7 items), participatory
management (3 itens), and “trust in leadership” (3 items), three dimensions of
the Organizational Change Questionnaire-Climate of change, processes, and
readiness developed by Bouckenooghe, Devos, and Van den Broeck (2009). A
sample items was “We are sufficiently informed of the progress of change”. Each
item was rated on a five-point response scale ranged from “1 = strongly
disagree” to “5=strongly agree”.
Furthermore, on the beginning of the questionnaire, an additional 13
items adopted by Baron and Neuman (1996), asked participants to rate the
extent to which various change events had occurred in their organization within
the past twelve months. The changes rated were downsizing, layoffs, budget
cuts, technological change, increased diversity, introduction of new affirmative
action policies, use of computers to monitor employee performance, change in
management, restructuring, reengineering, pay cuts or freezes, increased use of
part-time workers, job sharing. A final section of the questionnaire was
concerned with demographic data. Items asked individuals to indicate their
gender, age, qualifications, type of work contract (effective, fixed term,
uncertain term and temporary), which the duration of the daily work (full-time or
part-time), how long working in the organization and carry out its functions,
current position (leader or not leader), and what is the function that performs.

37
2.3. Design and Procedure
An online survey was used to collect data on the predictor and dependent
variables from a heterogeneous group of employees from a wide variety of jobs
and organizations. The convenience target sample received an e-mail requesting
their participation in an online survey assessing the organizational changes that
occurred in their workplace, political behaviors, organizational cynicism and
workplace aggression and socio-demographical information. The subjects were
informed that they were participating in a study examining several aspects
regarding their job. Counterbalancing the order of the measurement of the
predictor and criterion variables was also carried out. Individuals were first asked
to report the specific changes that occurred in their workplace in the last twelve
months, then to mention the workplace aggression behaviors and political
behaviors existent in their organization, organizational cynicism, and finally to
report their perception about the climate of change.

3. Results
All variables’ descriptive statistics and correlations are shown in table 1.
The variable “Number of changes” represents the sum of the changes stated by
the participants that occurred in their workplace over the last year (e.g.
Downsizing, Budget Cuts). This variable does not establish any significant
association with other studied variables. Unlike the variable Number of changes,
Workplace aggression establishes significant and negative association with
Political behavior, Organizational cynicism and Organizational change climate.
Also, Organizational change climate was positively related to Political behavior
and Organizational cynicism.

Table 1. Means, standard M SD α 2 3 4 5


deviations, reliabilities, and
correlations Variables
1. Workplace aggression 53.28 18.69 .960 -.235** -.541** -.571** .046
2. Political behavior 68.88 14.88 .832 - .460** .464** .074
3. Organizational cynicism 30.32 6.53 .763 - - .677** -.152
4. Organizational change climate 35.06 13.87 .961 - - - -.145
5.Number of changes 3.37 2.15 - - - - -

38
TÍTULO: Sofrimentos no cotidiano do trabalho de limpeza de shopping

centers no Brasil e no Canadá

AUTOR(ES): Valquíria Padilha (valpadilha@usp.br)

INSTITUIÇÃO: Universidade de São Paulo (USP) – BRASIL

A parte da pesquisa realizada no Brasil, entre 2009 e 2012, foi financiada pela FAPESP
(Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo) e outra parte realizada no
Canadá, em 2010, foi financiada pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior).

Resumo
Este artigo visa apresentar resultados de uma pesquisa realizada em Montreal
(Canadá) e em Ribeirão Preto (Brasil), com trabalhadores terceirizados de
limpeza de shopping centers. O objetivo principal deste artigo é analisar
criticamente as emoções de sofrimento que estão ancoradas no trabalho
precarizado de limpar shopping centers. Trata-se de uma pesquisa qualitativa
que utiliza basicamente as técnicas de observação e entrevistas semi-
estruturadas (Beaud e Weber, 1997) com 12 trabalhadores de limpeza
terceirizados de shopping centers no Brasil e no Canadá. Para análise das
entrevistas, segui as táticas de interpretação sugeridas por Huberman e Miles
(1991): buscar regularidade dos assuntos recorrentes; agrupar elementos para
constituir os núcleos temáticos de análise; construir uma rede lógica de indícios
para realizar a coerência conceitual e teórica a partir da interpretação das
descobertas sistematizadas. A pesquisa mostrou que os trabalhadores de
limpeza de shopping centers no Canadá e no Brasil relatam com bastante ênfase
que o sentimento de nojo e de humilhação ao terem de lidar com o lixo,
excrementos, vômitos e sujeiras deixados pelos clientes em praças de
alimentação e banheiros é causa de sofrimento na realização de seu trabalho.
Uma limitação da pesquisa é que o número de entrevistas realizadas pode
parecer insuficiente quanto à generalização das análises. No entanto, foi possível
encontrar os núcleos temáticos de análise a partir das entrevistas e observações
realizadas nos dois países. Os três núcleos analíticos desenvolvidos neste artigo
são: o nojo, a humilhação, o controle. Este artigo relata um estudo inédito que
vem preencher uma lacuna nas referências bibliográficas sobre emoções no
trabalho, humilhação e a realidade do trabalho de profissionais terceirizados de
limpeza de shopping centers.

39
Palavras-chave: Trabalhador de limpeza; Terceirização; Nojo; Humilhação;
Trabalho Emocional; Shopping Center

Introdução
Quando uma pessoa entra num shopping center, em qualquer lugar do
mundo, está entrando numa cidade artificial, mais limpa, segura, bonita,
moderna, prática e atraente do que a cidade real que está no “mundo de fora”
(Padilha, 2006a). Mergulha num “shopping center híbrido” (Padilha, 2006a;
2006b) que oferece ao mesmo tempo oportunidades de compras, alimentação,
lazer, cultura e sociabilidade espalhadas em lojas, restaurantes, cinemas, salas
de jogos, espaços de eventos, exposições de arte, academias de ginástica,
clínicas médicas e até capelas.
Na grande maioria dos shopping centers existentes hoje no mundo, a
higienização destes espaços é um importante fator para atrair e manter os
clientes. É por isso que os shopping centers devem ter um mutirão de
profissionais de limpeza que, 24 horas por dia, todos os dias da semana,
colocam seus corpos e suas emoções a seu serviço. Os trabalhadores da limpeza
são quase os únicos - juntamente apenas com os responsáveis pela segurança -
que permanecem nos shopping centers quando ele está fechado ao público. A
limpeza e a segurança, atividades laborais mais importantes destes centros
comerciais, são feitas por trabalhadores terceirizados, sob a alegação de que não
representam a chamada “atividade-fim” neste setor.
Estamos diante de um fenômeno global, que é a tendência de terceirizar
tudo que se puder terceirizar numa empresa, seja ela pública ou privada, uma
indústria, uma escola, um hospital ou um shopping center. No Brasil e no
Canadá - países que foram olhados mais de perto no desenvolvimento da
pesquisa que gerou este artigo - a terceirização pode ser pensada
metaforicamente como um jogo que traz vantagens para os shopping centers e
para as empresas terceiras - os players que lucram - mas desvantagens para os
trabalhadores terceirizados – os players expropriados e precarizados. Esta forma
de contrato, para além de um instituto legal, é também um modo específico de
organizar e administrar o trabalho. As empresas terceiras fazem a mediação
entre trabalhadores terceirizados e clientes (no caso, os shopping centers), em
nome de oferecerem um serviço no qual são especializadas - o que garante, em

40
última instância, maior qualidade do trabalho e maior satisfação dos clientes (no
caso, tanto os shopping centers quanto seus consumidores).
Compartilho com alguns autores a visão de que há uma relação intrínseca
entre terceirização e precarização do trabalho (Carelli, 2003; Druck, 2009; Druck
e Franco, 2007 e 2009; Dau et. al., 2009; Marcelino, 2004; Santos et al., 2009)
na “nova realidade da organização produtiva capitalista” (LOPES, 2009).
Trabalho precário, sob a lógica do capital, é quase expressão de tautologia, visto
que os padrões de acumulação capitalista que vem se instalando no mundo
desde o final do século XIX até os dias de hoje (taylorismo, fordismo, toyotismo)
dá-se por meio da superexploração da força de trabalho (articulação entre
baixos salários, jornadas de trabalho prolongadas, intensidade do ritmo de
trabalho, subcontratação e terceirização). É possível afirmar que a terceirização
é uma estratégia baseada numa visão de contrato essencialmente mercantil
(Russo; Leitão, 2006) que vem, nas últimas décadas, agravando e solidificando -
ao mesmo tempo em que generaliza - uma vulnerabilidade socioeconômica e
emocional no chamado “mundo do trabalho” (Kergoat, 1998; Antunes, 1999).
É visualizando esse cenário que insiro algumas questões norteadoras da
pesquisa que desenvolvi com trabalhadores de limpeza de shopping centers no
Brasil e no Canadá, no período entre 2009 e 2012. Estas questões envolvem
aspectos objetivos e subjetivos do trabalho: Quem são os trabalhadores
terceirizados destes centros de consumo e de lazer? Como se caracterizam suas
atividades laborais cotidianas? Como seu trabalho é organizado e administrado?
Como estes trabalhadores vivem prazeres e desprazeres na realização de suas
profissões? Quais são as emoções mobilizadas quando estes trabalhadores
entram em contato com os clientes dos shopping centers? Como se sente uma
pessoa que trabalha limpando onde os outros consomem em seu tempo livre?
Será que a sensação de bem-estar e de segurança relatada pelos consumidores
de shoppings (Padilha, 2006a) se estende a estes trabalhadores de limpeza?
Tendo estas questões em mente, mobilizei diferentes matrizes
epistemológicas para formatar meus conhecimentos e responder a estas
perguntas norteadoras da pesquisa. Procurei inicialmente análises teóricas nos
campos da sociologia do trabalho, da psicodinâmica do trabalho e da psicologia
social do trabalho. No decorrer da pesquisa entrei em contato com as teorias
sobre trabalho emocional. Nos últimos meses da investigação, encontrei-me com
autores franceses da recém-nascida psicossociologia do trabalho. Neste artigo,
utilizo referenciais destas áreas do saber. Cada uma a sua medida lançou luz

41
sobre o meu campo de pesquisa e participou da elaboração dos núcleos
analíticos.

I. Metodologia
Além do levantamento bibliográfico que possibilitou aprofundar os
conhecimentos sobre os campos teóricos, fiz a leitura e análise de documentos
como Acordo Coletivo da categoria, no Brasil e no Canadá; dados estatísticos
oficiais disponibilizados em sites da Internet, revistas especializadas em limpeza
terceirizada de shopping centers e sites dos sindicatos e das empresas terceiras
prestadoras de serviços de limpeza em shopping centers.
As pesquisas também tiveram uma parte empírica, que se baseou em
observações e entrevistas individuais no âmbito de uma metodologia
etnográfica, tal como sugerem Beaud e Weber (1997). Assim, a) realizei
observação sistemática desses trabalhadores nos shopping centers atuando em
banheiros e praças de alimentação e fiz registros em meu diário de campo; b)
realizei entrevistas em profundidade individuais com alguns dos trabalhadores
observados; (c) retornei à observação de campo.
Para a análise das entrevistas, segui as táticas de interpretação sugeridas
por Huberman e Miles (1991): a) a busca de regularidade de modo a iluminar os
assuntos recorrentes e importantes; b) o agrupamento de elementos com o
objetivo de constituir os núcleos temáticos de análise; c) a construção de uma
rede lógica de indícios para realizar a coerência conceitual e teórica a partir da
interpretação das descobertas sistematizadas.
No Canadá, nas cidades de Montreal e Longueuil (Província de Québec),
realizei sete entrevistas em profundidade (qualitativas) com cinco mulheres e
dois homens que trabalham como terceirizados em seis shopping centers
diferentes. Vários registros fotográficos foram feitos ao longo da pesquisa de
campo, que durou três meses, no ano de 2010. Os entrevistados – como a maior
parte da força de trabalho no Canadá – tinham suas origens em países diversos
como Haiti, França, Colômbia, Brasil e Canadá. Suas idades variavam entre 20 e
55 anos. As entrevistas foram audiogravadas com prévia autorização dos
entrevistados e posteriormente transcritas por mim mesma.
No Brasil, na cidade de Ribeirão Preto (Estado de São Paulo), em 2009 e
2011, realizei cinco entrevistas em profundidade (qualitativas) com mulheres
que trabalham como terceirizados em dois shopping centers diferentes. Também
entrevistei a analista de recursos humanos de uma empresa terceira que vende

42
a dois dos shoppings da cidade a mão de obra de limpeza. Nesta mesma
empresa - que foi bastante aberta e colaborativa com minha pesquisa - pude
também entrevistar a diretora regional. Além destas entrevistas, participei, como
ouvinte e observadora, de um dia de treinamento com dezenas de faxineiros
terceirizados de um shopping center de Ribeirão Preto. Foram feitos 3
treinamentos para contemplar os trabalhadores dos 3 turnos (manhã, tarde e
noite). Eu participei de todos, em abril de 2012.

Quadro 1: Perfil dos trabalhadores de limpeza que participaram destas pesquisas, no Canadá e no
Brasil
NOME* IDADE GÊNERO PAÍS ONDE SALÁRIO MENSAL (em
TRABALHA dólar americano)**
Marie 39 feminino Canadá US$ 3.000,001
Mariola 52 feminino Canadá US$ 1.900,00
Dominique 55 masculino Canadá US$ 2.330,00
Rodolfo 27 masculino Canadá US$ 2.330,00
Jennifer 20 feminino Canadá US$ 3.300,00
Lucie 53 feminino Canadá US$ 1.400,00
Jeanine 55 feminino Canadá US$ 1.400,00
Diana 25 feminino Brasil US$ 280,002
Maria 46 feminino Brasil US$ 280,00
Camila 20 feminino Brasil US$ 280,00
Ivone 58 feminino Brasil US$ 280,00
*Os nomes são fictícios
** Relativos ao ano de 2010.

Nenhum dos entrevistados, no Canadá e no Brasil, possui curso superior


completo. Apenas Mariola, que é colombiana, trabalhava como advogada na
Colômbia e hoje, na condição de imigrante, trabalha como faxineira de shopping
em Montreal3.
A diferença de faixa salarial no Brasil e no Canadá, para esta categoria de
trabalhadores terceirizados é assustadora, evidenciando que o nível de vida
destes faxineiros no Brasil é muito pior que no Canadá. No Brasil, estes
terceirizados moram em favelas, em bairros periféricos da cidade, enquanto que
no Canadá eles podem comprar bons apartamentos em bairros de boa

1
Os salários no Canadá são calculados por dia e variam conforme o gênero (homens ganham mais
que mulheres) e conforme o cargo que ocupam (supervisores ganham mais que serventes). Os
salários são mais variados, então, em função da carga horária semanal que cada um cumpre, do
gênero e da função exercida. Um homem supervisor ganha US$ 30,25 por hora enquanto uma
mulher, na mesma função, ganha US$ 28,95. O salário mínimo, no Canadá, era, em 2010, US$
1.200,00.
2
No Brasil os serventes terceirizados que fazem limpeza em shopping centers recebem um piso
salarial muito próximo ao salário mínimo mensal, o que equivalia, em 2011, a cerca de US$ 280,00.
Esse piso salarial refere-se a uma jornada de 44 horas semanais de trabalho, num sistema de 5 por
1, ou seja: trabalham 5 dias corridos e folgam 1 dia.
3
Mariola contou que muitos estrangeiros médicos, advogados, engenheiros e dentistas que tentam
se estabilizar legalmente no Canadá, pelas dificuldades do idioma acabam aceitando trabalhar como
faxineiros terceirizados em shopping centers. Este acaba sendo, para grande parte dos imigrantes,
um primeiro emprego no Canadá.

43
qualidade, podem pagar seus estudos e até comprarem carros. No Brasil, quase
todos os trabalhadores que entrevistei e que observei, têm dentes faltando na
boca, o que mostra a falta de acesso a boas condições de saúde. Um fator
fundamental e decisivo quanto aos salários é a participação dos sindicatos. No
Canadá, o sindicato da categoria é mais presente e combativo e os trabalhadores
são mais politizados, enquanto no Brasil (na cidade de Ribeirão Preto), chega a
ser.vergonhosa a ausência do sindicato, que atua mais em favor das empresas
terceiras e dos shoppings, que em favor dos trabalhadores - os quais são
totalmente apáticos em relação a seus direitos.
A analista de recursos humanos, Lilian e a Gerente Regional, Neuza,
trabalham na parte de administração da empresa terceira que presta serviços a
dois shopping centers na cidade de Ribeirão Preto, em São Paulo, no Brasil.
Estas funcionárias, por meio de entrevistas, forneceram muitas informações
sobre como se dá a contratação, o treinamento e a retenção dos trabalhadores
de limpeza terceirizados. Lilian é formada em administração, com especialização
em Recursos Humanos e Neuza é formada em Administração, com especialização
em Marketing.

Quadro 2: Perfil das funcionárias administrativas da empresa terceira que presta serviços a dois
shopping centers na cidade de Ribeirão Preto, Brasil
NOME* IDADE GÊNERO PAIS ONDE SALÁRIO MENSAL**
TRABALHA
Neuza 37 feminino Brasil não declarado
Lilian 25 feminino Brasil US$ 1.250,00
*Os nomes são fictícios
** Relativos ao ano de 2011.

II. Os olhares possíveis a partir dos campos teóricos sobre trabalho


Da Sociologia do Trabalho (Ricardo Antunes, Graça Druck, István
Mészáros, Paula Regina Marcelino, dentre outros) apreendo as análises críticas
sobre o fenômeno da terceirização num mundo do trabalho precarizado, que
mina a estabilidade e as garantias legais dos trabalhadores. Vasapollo (2006)
mostra que a flexibilização e desregulamentação do trabalho na ordem
capitalista gera um mal-estar geral no trabalhador, intensificado pelo medo de
perder o emprego: “é o processo que precariza a totalidade do viver social”
(VASAPOLLO, 2006, p.45). Concordo com este autor quando, logo no título de
seu texto afirma que a flexibilização do trabalho é sinônimo de precariedade e de
“trabalho atípico”, elementos estratégicos do padrão de acumulação do capital
na era pós-fordista.

44
Compõem o quadro de flexibilização do trabalho fatores como trabalho
parcial, contratos temporários, bolsas de estágio e aprendiz, terceirização e
outsourcing, trabalho em domicílio, banco de horas, dentre outros. Cada país
tem suas particularidades em relação à maior ou menor regulação do trabalho
pelo Estado e pelos sindicatos. No Canadá, por exemplo, os sindicatos são mais
atuantes em defesa dos interesses dos trabalhadores terceirizados de limpeza de
shopping centers que no Brasil, onde verificamos um sindicato completamente
ausente e “cheio de mistérios” (para dizer o mínimo). Em Montreal, Canadá,
onde realizei parte da pesquisa, o sindicato já organizou e deflagrou uma greve
dos funcionários de limpeza, como forma de pressão para conseguir aumento de
salários, por exemplo.
A partir das análises propostas no interior da Psicodinâmica do Trabalho
(Christophe Déjours), pude compreender a composição da realidade do trabalho
(organização do trabalho, relações de trabalho e condições de trabalho) e como
o sofrimento do trabalhador surge nesta realidade. Para a psicodinâmica do
trabalho, a questão central que se coloca é: Quando um sujeito se confronta
com a realidade do trabalho, quais são os processos psíquicos que ele mobiliza?
Este campo teórico me inspirou a pensar, a partir da escuta dos trabalhadores,
nos nexos causais existentes entre condições de trabalho, organização do
trabalho, relações de trabalho e as formas de sofrimento.
Leituras em Psicologia Social do Trabalho possibilitou-me incluir nestas
pesquisas os fenômenos da humilhação, da invisibilidade social e do sofrimento
em relação com a condição de subalternidade da categoria de trabalhadores que
estudo. Inspirada em autores como Simone Weil, Guillaume le Blanc, Fernando
Braga da Costa, José Moura Gonçalves Filho, Bader Sawaia, dentre outros,
consegui analisar o sofrimento gerado a partir da humilhação e da invisibilidade
vividos no cotidiano de trabalho por trabalhadores de limpeza de shopping
centers. Acrescento a esses sentimentos, a tensão vivida por estes sujeitos
devido ao rígido sistema de controle ao qual são submetidos no seu trabalho.
Este fenômeno será aprofundado adiante, neste artigo.
Ao estudar as teorias do Trabalho Emocional, a partir dos textos de Arlie
Hochschild e seus inúmeros debatedores no cenário internacional, pude entender
como estes trabalhadores elaboram suas respostas emocionais no setor de
serviços. Ao se relacionarem com os consumidores dos shopping centers, que
emoções devem ser trabalhadas ou administradas por estes trabalhadores para
evitarem confrontos? Quando os clientes sujam banheiros e praças de

45
alimentação, corredores e até calçadas do lado de fora dos shopping, o que estes
trabalhadores sentem quando devem limpar? Essas questões me levaram a
problematizar o conceito de Trabalho Emocional, tal como se apresenta na
literatura internacional, inserindo no debate a sócio-materialidade. Dito de outra
forma, o que pude analisar, principalmente na pesquisa feita em Montreal, no
Canadá, é que os trabalhadores de limpeza sentem nojo e humilhação ao se
depararem com substâncias nojentas e sujas deixadas pelos clientes, ou seja, há
uma materialização do sentimento: o nojo nasce do contato com sangue, urina,
fezes, vômitos, restos de comida e lixos diversos. Como eles não podem ser mal
educados com os clientes, realizam o trabalho emocional. Este mecanismo de ter
de trabalhar as emoções será analisado mais adiante.
Dos recentes contatos com a Psicossociologia do Trabalho (Dominique
Lhuilier, Yves Clot, Eugène Enriquez, dentre outros), tenho tido inspiração para
pensar os problemas de ordem institucional enfrentados por estes sujeitos que
limpam os shopping centers, tais como o abismo existente entre o trabalho
prescrito e o real e também as relações de poder e controle que geram conflitos
entre os trabalhadores e seus supervisores. Afirmou-se ainda mais, para mim, a
necessidade de realizar a escuta do trabalhador para compreender seu trabalho,
suas emoções, sua vida.

III. Os achados da pesquisa e os núcleos analíticos


Os aportes teóricos e as pesquisas empíricas realizadas no Brasil e no
Canadá com trabalhadores terceirizados de limpeza de shopping centers
levaram-me a eleger três núcleos analíticos para compreender como se dá as
formas de sofrimento destes trabalhadores no seu cotidiano de trabalho. Os
núcleos analíticos que explico a seguir são: 1) o nojo; 2) a humilhação e 3) o
controle.

III.1. O trabalho emocional ao lidar com o sentimento de nojo


Estes profissionais de limpeza lidam cotidianamente com substâncias
sujas e repugnantes. Precisam enfrentar o nojo que sentem ao lidar com o lixo
deixado pelos clientes e devem aprender a administrar suas emoções porque não
podem tratar mal estes clientes. Nesse sentido, eles realizam um “trabalho
emocional”, nos termos descritos por Hochschild (1979; 1983). A teoria do
trabalho emocional (TE) foi consolidada em 1983, quando a socióloga Arlie

46
Hochscild lançou seu livro The Managed Heart. The Commercialization of Human
Feelings.
Hochschild reivindica a formulação de um novo campo de pesquisas
quando propõe uma sociologia das emoções que insere os sentimentos num
complexo jogo de estruturas denominado por ela de “o império das regras
sociais” (Hochschild, 1979, p.551). No seu livro The Managed Heart, a autora
diferencia “emotion work” (trabalho das emoções) de “emotional labor” (trabalho
emocional) da seguinte maneira:
Eu uso o termo trabalho emocional para significar a administração dos
sentimentos para criar uma aparência facial e corporal publicamente
observável; trabalho emocional é vendido em troca de um salário e, portanto,
tem um valor de troca. Eu uso o termo sinônimo trabalho das emoções ou
gestão das emoções para me referir a estes mesmos atos num contexto
privado, quando eles têm um valor de uso. (Hochschild, 1983, p.7. Grifos no
original).
Nesse sentido, de um lado, quando se trata de "tentar mudar o grau ou a
qualidade da emoção ou sentimento” (Hochschild, 1979, p.561), usa-se a
expressão “emotion work” (ou trabalho das emoções), que é a administração da
emoção feita de forma consciente para que a pessoa possa sentir o que ela acha
que deveria sentir, mas não está sentindo. Por exemplo, quando um filho sai em
viagem, a mãe sente alegria porque vai descansar, mas sabe que tem que sentir
(e demonstrar) saudades. O esforço de sentir o que deveria, na vida privada, é
denominado de “emotion work”. Bonelli (2003, p.357) explica que o conceito de
trabalho das emoções refere-se
[...] ao processo no qual as pessoas tomam como referência um
padrão de sentimento ideal construído na interação social e procuram
manusear e administrar suas emoções profundas para adequá-las a essa
expectativa quando não estão sentindo assim internamente.
De outro lado, quando se trata de realizar o “sentimento correto” no
trabalho, a autora fala em “emotional labor”. Trabalho emocional pode então ser
compreendido como a atuação da pessoa sobre os sentimentos, no trabalho,
para produzir um resultado em si mesmo e nos outros - o que é visto por
Hochschild (1983) como algo que é comercializado em troca de salário,
expropriando o sentimento do trabalhador. Nesse sentido, TE é um “trabalho
extra” para articular mente e sentimentos que os trabalhadores precisam
empreender no trabalho, além dos trabalhos físicos e mentais já inerentes às
tarefas. A autora explica que

47
[…] Esse trabalho emocional exige que o indivíduo induza ou suprima
emoção para sustentar a expressão facial externalizada que produz em
outros indivíduos o estado da mente adequado. Esse tipo de trabalho pede
uma coordenação entre mente e emoção, e por vezes inspira-se em uma
fonte do self que nós honramos como profunda e integral para nossa
individualidade. (Hochschild, 1983, p.7).
No TE, segundo Hochschild (1983; 2003b), o indivíduo sente um mal-
estar ou divergência entre o que ele sente e o que ele quer sentir, influenciado
pelo que ele crê que deve sentir numa determinada situação, condição
denominada pela autora de “dissonância emocional”.
Mas, de onde vem esse sentimento de dever em relação às emoções?
Hochschild (1979; 1983; 2003b), evidenciando uma influência de Freud (1971),
fala que as pessoas têm que administrar suas emoções em função das regras
sociais e, assim, realizam “emotion work” (na esfera privada) ou “emotional
labor” (na esfera do trabalho). A autora afirma que “fatores sociais influenciam o
modo como nós tentamos administrar sentimentos [...]”. (Hochschild, 1979,
p.557). Sentimentos e emoções podem sempre ser modelados a uma
configuração social para terem um uso cívico (Hochschild, 1983).
Trabalho emocional - no sentido de “usar uma máscara” – é parte das
tarefas do trabalhador de serviços, é um recurso para ser usado no trabalho
enquanto venda de mão-de-obra. O TE é requerido dos trabalhadores de serviço
que interagem com clientes e consumidores. “Regras sobre como sentir e como
expressar sentimentos são postas pela administração” (Hochschild, 1983, p.89).
Ou seja, é a gerência ou os gestores que determinam as regras a serem
seguidas da performance do trabalho emocional.
Na teoria de TE, aparência refere-se ao que Hochschild (1983) chama de
“atuação superficial” (surface acting) em relação com “atuação profunda” (deep
acting). A atuação superficial acontece quando os trabalhadores não precisam
sentir o que mostram com o corpo: eles agem na superfície da aparência
procurando mudar o modo como aparentam e não o modo como se sentem. É a
necessidade de sorrir, de tratar bem o cliente, de se vestir apropriadamente. Em
contraste, a atuação profunda engloba todo o ser, de forma que o trabalhador
precisa convencer a si mesmo da sinceridade emocional que expõe (Hochschild,
1983; MacDonald e Sirianni, 1996). Na “atuação profunda”, o trabalhador engaja
sua subjetividade no trabalho, misturando muito mais as fronteiras entre o
mundo público e o privado.

48
Trabalho emocional é, então, uma gestão das emoções no trabalho tendo
por objetivo criar uma fachada publicamente observável (“usar uma máscara”)
de modo a gerar um comportamento esperado no cliente ou consumidor - que
pode ser simpatia, amabilidade ou até raiva e medo, conforme for o caso.
Aeromoças devem sorrir, cobradores profissionais devem fazer caretas, policiais
devem fazer expressões sérias e até assustadoras. Os empregados do setor de
serviços são chamados a gerir suas emoções uma vez que estabelecem relações
com os clientes. No seio destas relações, eles devem manifestar corretamente
suas emoções em função das “regras de sentimentos” (ter que fazer de conta
que sente o que não necessariamente sente) (Hochschild, 1979, 1983).
No setor de serviços, o trabalhador vende a empresa e sua marca.
“Quanto mais os serviços tornam-se uma arena para a competição entre
companhias aéreas, mais os trabalhadores são chamados a fazer relações
públicas para promover vendas.” (Hochschild, 1983, p.92). Nesse processo, a
aparência física do trabalhador torna-se instrumento fundamental, inclusive
como sinônimo de profissionalismo. “O apelo ao controle da aparência física
pelos trabalhadores foi apoiado pela contínua referência à necessidade de ser
profissional.” (Hochschild, 1983, p.103). “Entre a aparência física e crenças
profundamente arraigadas está uma zona intermediária, a zona de gestão das
emoções.”(Hochschild, 1983, p.104).
Para Hochschild (1983) alguns empregos exigem TE dos trabalhadores,
outros não. Três características em comum tipificam o TE, conforme explica a
autora:
Primeiro, requer contato face-a-face ou voz-a-voz com o público.
Segundo, requer que o trabalhador produza um estado emocional na outra
pessoa – gratidão ou medo, por exemplo. Terceiro, permite ao empregador,
através de treinamento e supervisão, exercer um grau de controle sobre as
atividades dos empregados (Hochschild, 1983, p.147).
No caso dos trabalhadores de limpeza de shopping centers, pude
constatar que há um elemento novo a ser considerado quando se analisa o
trabalho emocional: o contato material com substâncias nojentas deixadas pelos
clientes nos banheiros e praças de alimentação dos shopping centers. A matéria
(o lixo, vômitos, urina, fezes, restos de comida etc) atua como mediadora na
relação entre estes trabalhadores e os consumidores dos shoppings. Nesse
sentido, proponho uma materialização do conceito de trabalho emocional a partir
da categoria do nojo.

49
Com o objetivo de saber se há uma relação entre a performance do TE
pelos trabalhadores e o fato de manipularem lixo, sujeira, substâncias nojentas,
ou seja, toda matéria deixada pelos clientes nos banheiros e praças de
alimentação de shopping centers, parto da suposição de que os limpadores dos
shopping centers efetuam o TE quando devem administrar seus sentimentos e
mostrar emoções adequadas tanto à empresa quanto aos clientes. Assim, esses
trabalhadores devem efetuar TE para suscitar sensações de limpeza e bem-estar
nos clientes (sorrindo e se mostrando polidos) gerindo suas emoções quando
têm de lidar com substâncias nojentas e repugnantes deixadas por esses
mesmos clientes. Assim, acredito que haja uma relação entre a performance do
TE e a sociomaterialidade no trabalho dos limpadores de shopping centers. Essa
relação passa pelo sentimento de nojo quando eles devem limpar a sujeira dos
clientes, especialmente nos banheiros. Dessa forma, o conceito de TE deveria ser
ampliado para dar conta de trabalhos como os realizados por faxineiros de
lugares públicos.
Assim, escolhi focar na experiência de trabalhadores de limpeza de
shopping centers não só porque eu já vinha estudando esse espaço como lócus
privilegiado da sociedade de consumo (Padilha, 2006a, 2006b) mas,
principalmente, porque eles lidam diariamente com substâncias plenas de
aspectos sociomateriais como sujeira, pó, lixo, vômitos, excrementos. Essas
substâncias não são apenas físicas, mas também são imbuídas de significados
socioculturais como o sentimento de nojo e repugnância.
Mais precisamente, exploro como o TE é produzido por esses
trabalhadores quando precisam limpar espaços confrontando-se com substâncias
repugnantes ao mesmo tempo em que encontram com os clientes que as
produziram. Certamente, eles realizam TE para gerar sentimentos de conforto,
limpeza, higiene e bem-estar aos consumidores ao mesmo tempo em que
precisam lidar com suas emoções de nojo e repugnância pelas substâncias
deixadas por aqueles para quem devem sorrir amigavelmente.
A percepção de que esse trabalho está relacionado com a satisfação dos
clientes – e por isso requer TE – tornou-se evidente durante a realização das
minhas pesquisas no Brasil e no Canadá. Trabalhadores de limpeza são
normalmente considerados como back stage (Grove e Fisk, 1992; Grayson,
1998), porque eles não participam ativamente das relações diretas com os
clientes, como um vendedor, por exemplo. No entanto, observei que eles
estabelecem várias relações diretas com os clientes durante boa parte de seu

50
trabalho e que, portanto, engajam-se emocionalmente tanto quanto os
trabalhadores front-line no setor de serviços. Observando que os trabalhadores
de limpeza realizam TE e que sua relação com os clientes é mediatizada por
objetos sociomateriais, foi possível repensar a teoria do TE e propor avanços na
sua conceitualização.
Mas, este artigo não tem o objetivo de apresentar essa revisão teórica
que proponho sobre o conceito de trabalho emocional. Outros artigos estão
sendo elaborados com esse fim. Nesse momento, interessa entender o nojo
como importante categoria analítica do sofrimento no trabalho destes faxineiros
e faxineiras de shopping centers.
O nojo, como uma experiência de materialidade que é comum entre os
seres humanos, envolve a consciência de que há contaminação (Jones, 2000,
p.65). Em qualquer cultura, há substâncias que geram esse sentimento
psicológico de contaminação se houver um contato físico com elas (Rozin e
Fallon, 1987, p.29). Limpar o lixo produzido pelos corpos humanos e animais
parece ser uma atividade indigna em muitas sociedades porque diz respeito ao
contato direto com a sujeira e o material nojento. Na Índia, por exemplo, há a
casta dos “intocáveis”, que são formalmente proibidos de serem tocados porque
são considerados membros da classe excluída e suja. Os intocáveis são também
denominados de “dalit”, que significa “oprimido”. Para esses membros da
sociedade são atribuídas tarefas impuras e degradantes, como a de limpar os
excrementos dos membros das castas superiores.
O nojo é um sentimento complexo de “retração emocional” (Angyal,
1941; Jones, 2000), envolvendo respostas humanas negativas como repulsa,
aversão, rejeição, desprazer e esquiva. Ele gera um desejo físico por eliminação
(Angyal, 1941), o qual se manifesta através de gestos, caretas e sons que
exprimem a rejeição aos objetos repugnantes (Rozin e Fallon, 1987). Além
destes sentimentos, algumas reações físicas também ocorrem, como náusea,
vômito e esquiva. O nojo, como uma experiência emocional, afeta todos os
sentidos humanos: paladar, olfato, tato, visão e audição. Situações de nojo
invocam sentimentos sociais e julgamentos morais em oposição a uma “estética
do gosto”(Jones, 2000, p.62).
Portanto, pode-se deduzir que o nojo deriva do contato com a
materialidade: fezes, suor, secreções, mucosas, partes do corpo humano ou
animal, cheiros etc. Essa materialidade é normalmente associada com algo
ofensivo, inferior ou perigoso (Jones, 2000; Pelzer, 2002). Em muitos casos,

51
está conectado com restos produzidos pelos corpos humanos e animais, vistos
como algo inferior ou algo que contém fontes de contaminação. Assim, a ideia de
ingerir ou tocar esse material parece ser violenta e ofensiva (Angyal, 1941;
Rozin e Fallon, 1987). “[...] mesmo quando foi cuidadosamente limpo, ninguém
gosta de tomar uma sopa num pote que continha excrementos” (Pelzer, 2002,
p.847).
Certamente, fezes são consideradas como símbolo universal de nojo entre
adultos (Angyal, 1941; Rozin e Fallon, 1987; Jones, 2000). Sua materialidade,
como em outras substâncias repugnantes, sugere que na experiência do nojo, o
toque é a chave sensorial. “[…] itens nojentos são indesejáveis em qualquer
estágio de interação quando há potencial de ingestão (pré-ingestão, contato com
a pele, com a boca ou com o corpo). O contato com a boca é ainda mais
indesejável.” (Rozin e Fallon, 1987, p.25).
Nojo é socialmente e culturalmente construído, variando conforme o
tempo e o lugar (Pelzer, 2002; Jones, 2000). Ele é aprendido durante a
educação, quando as crianças são treinadas para usar o banheiro e aprendem a
identificar seus excrementos e urina como substâncias ofensivas e perigosas.
(Rozin e Fallon, 1987; Angyal, 1941; Jones, 2000). Na adolescência, garotos e
garotas adquirem uma sensibilidade para o nojo, primeiramente provocada pela
iniciação sexual e as mudanças do corpo: menstruação, espinhas, mudanças de
voz, odores do corpo, crescimentos de pelos pelo corpo (Jones, 2000, p.58). O
significado do nojo também varia em como as substâncias nojentas são
associadas com pessoas amadas (Rozin e Fallon, 1987), rituais eróticos ou
marcas de distinção social, como escargot e caviar. O nojo pode ser, nesses
casos, tolerado e até causar atração ou fascínio.
Observando e escutando trabalhadores de limpeza no seu trabalho
cotidiano, nas cidades de Montreal (Canadá) e Ribeirão Preto (no Brasil), ficou
claro que a interação com os clientes é central na sua rotina. No Canadá,
Jennifer disse que trabalha em relação direta com os clientes e: “quando o
cliente não está satisfeito, ele reclama com o supervisor que pode tirar pontos
no meu relatório mensal. Se nós perdemos mais do que três pontos, podemos
ser suspensos. Então, nós precisamos trabalhar para fazer os clientes felizes.
Nosso trabalho é fazê-los felizes”.
Jennifer realiza um trabalho emocional árduo quando está em contato
com os clientes. Quando eu perguntei a ela sobre isso, ela disse “o mais
importante é ser duro emocionalmente”. Ela precisa ser resistente para não se

52
chatear com os clientes quando eles reclamam ou perdem o respeito, mas
mesmo assim relatou que às vezes chora ou fica doente por causa disso. Quando
um cliente reclama de seu trabalho, ela tem que pedir desculpas e diz que vai
fazer melhor da próxima vez. Conta que sua mãe ensinou a fazer assim, de
modo que o cliente fique sempre satisfeito. Quando passa um dia inteiro sem
nenhuma reclamação de cliente, ela comemora.
Em outra situação, TE não é produzido com base na resistência ao
sofrimento, mas na supressão ou indução de sentimentos. Isso pode ser
compreendido como um mecanismo de defesa contra o sentimento de
humilhação. Por exemplo, Marie conta que a empresa pede que eles sejam
polidos com os clientes. Eles devem dizer sempre “Sim, senhora”, “Sim, senhor”,
mesmo quando os clientes não são amigáveis. Ela conta que um dia uma cliente
disse grosseiramente “Minha mesa está suja, venha limpar” e ela não resistiu e
respondeu: “Não se pede ‘por favor’?” e a cliente disse: “Mas isso é seu
trabalho”, e ela retrucou “Eu sei que é meu trabalho, senhora, mas se a senhora
disser ‘por favor’ eu vou fazer meu trabalho com mais prazer”.
Para Marie, a maneira como os clientes pedem algo a ela demonstra
discursivamente a suposição de que sua condição social é inferior.
Constantemente clientes julgam as pessoas de acordo com seus diplomas,
concluindo que os trabalhadores de limpeza não têm conhecimentos intelectuais.
Certa vez, Marie escutou quando uma mãe, apontando para ela, disse: “Olhe
bem filha, se você não estudar é isso que você vai se tornar!”.
A materialidade e o significado negativo do nojo sustentam o processo de
TE no contexto de limpeza de shopping centers. Trabalhadores percebem o ato
de limpar a sujeira dos outros como uma atividade inferior ou desprezada.
Limpar banheiros não demanda apenas um esforço físico, mas um esforço
emocional associado com a humilhação, rebaixamento e baixa autoestima.
Limpar banheiros é a pior parte do trabalho, segundo os entrevistados. Algumas
falas ilustram os sentimentos de nojo, rebaixamento e humilhação.
Mariola, num depoimento emocionado, relata:
- Você pensa que teu emprego exige alguma habilidade emocional?
- Sim, muito, porque eu tenho que demonstrar tranquilidade, ser amável,
fazer de conta que eu estou bem mesmo quando eu não estou. Eu creio que
eu faço mais esforço que os outros... Aliás, já me aconteceu de estar
trabalhando e chorar... Porque... [Começou a chorar, dei um lenço,
esperamos um pouco].
- O que é que é mais difícil para você?

53
- Quando tenho que limpar banheiros. No outro shopping onde eu trabalhava,
eu não tinha que limpar banheiro. É um trabalho muito difícil. [Ela chorou de
novo]. Os banheiros são muito sujos. Eu não estudei para isso, para limpar
banheiros! Os que limpam banheiros são os que não vão à escola.
- Você acha teu trabalho nojento?
- Sim, sim! É assim em todo lugar, mas aqui as mulheres são muito porcas!
Quando estão menstruadas, elas sujam tudo e não limpam. Tem papel sujo
por todo lugar.
- Por que elas fazem isso?
- Eu acho que elas pensam que nós somos pagas para limpar. É como quando
as pessoas comem e deixam os pratos sobre as mesas porque sabem que tem
alguém que vai limpar. Eles pensam que nós somos escravos!
- Você se sente como uma escrava neste trabalho?
- Não fisicamente, pois não preciso fazer muito esforço físico, é mais no
aspecto emocional.
- Você acha que em outro trabalho seria diferente?
- Sim, acho que para a autoestima, sabe? Porque nós estamos no chão neste
tipo de trabalho, eu estou tão no chão que às vezes eu sinto como se
estivesse num filme. Como se não fosse verdade o que estou vivendo.

O depoimento de Jennifer revela os mesmos sentimentos:


- O que eu detesto é limpar banheiro.
- O que há nos banheiros que ninguém gosta?
- [Risos] Tem clientes sujos, que jogam lixo no chão, o odor é muito ruim. Um
dia eu limpava um banheiro e uma mulher não se sentia bem. Ela não
conseguiu chegar até a privada e cagou nas calças, sujou todo o chão, o
cheiro estava muito forte. Eu chamei uma colega para me ajudar a limpar e
quando ela chegou, ela vomitou e partiu.
- E você não vomitou?
- Não, eu tenho estômago forte! [Risos] Mas eu tive que limpar. Depois que a
cliente terminou de fazer suas necessidades eu limpei, ela pediu desculpas,
mas eu disse que não era culpa dela.
- E quando uma coisa dessas ocorre e tem mais clientes no banheiro, o que
eles dizem?
- Ah, eu não posso fazer nada! Se alguém reclama do cheiro, eu digo que
preciso esperar a pessoa sair e depois eu limpo. Algumas pessoas diriam:
“Limpe isso!”, não têm a menor consideração. Alguns clientes são mais
compreensivos e diriam: “Coitada de você que tem que limpar isso!”

54
Sentir humilhação em relação aos clientes e lidar fisicamente com as
substâncias nojentas são chaves para a produção de trabalho emocional. Esses
trabalhadores devem mostrar aos clientes sentimentos que eles não
necessariamente sentem. Principalmente quando têm que limpar banheiros e
praças de alimentação, lugares de maior contato com substâncias nojentas como
fezes, urina, menstruação, restos de comida e vômitos. Durante minhas
observações, pude fotografar banheiros muito sujos e até com fezes na parede e
no chão.
Muitos trabalhadores não suportam substâncias nojentas e vomitam
quando devem limpar vômitos de clientes - o que ocorre com bastante
frequência em praças de alimentação e banheiros de shopping centers. Muitas
vezes, esse tipo de tarefa impede que os trabalhadores consigam almoçar,
porque eles sentem nojo e não conseguem nem comer.
Uma estratégia para produzir o TE pode ser a racionalização e a
indiferença, como relatou Dominique:
- O que tem de mais nojento no teu trabalho?
- Quando as pessoas fazem suas necessidades lá fora [na calçada] e eu tenho
que limpar. [risos] Um dia tinha um senhor com seu filho e eles foram fazer
xixi num vaso e... Todo tipo de coisas passou na minha cabeça naquele
momento. Então eu disse: “Senhor, há banheiros no interior!” E ele me olhou
como querendo dizer: “E eu com isso?” [...] Às vezes nós sentimos isso, uma
falta de respeito. Por exemplo, os engravatados que trabalham nos escritórios
e que vão fumar lá fora e depois jogam as pontas dos cigarros no chão. Eu
acho isso uma falta de respeito, eu nunca disse, mas um dia ainda vou ter
coragem de dizer que eu não vou ao escritório deles mijar sobre as mesas,
então eu queria mais respeito. [Risos] É meu trabalho, mas eu queria
respeito. Eu não vou sujar os documentos deles, eles não deveriam vir sujar
minhas plantas e calçada... Eu me sinto exatamente como se eles tivessem
vindo mijar nos meus documentos, sabe?

Dominique demonstrou ter realizado o TE quando teve vontade de dizer,


mas não disse, “um dia ele vai ter coragem de dizer”... ou seja, um dia ele vai
deixar de realizar o trabalho emocional que o impede de ser áspero com os
clientes. Ele racionaliza o sentimento de nojo para reduzir sua importância e
estabelecer um limite entre a condição de trabalhador e a de nãotrabalhador.Ele
diz: “O segredo é não pensar nisso e apenas fazer”.
- Mas como você consegue não pensar num cheiro ruim?

55
- Ah, o odor é como... por exemplo, se você entra numa sala perfumada você
sente na hora que entra, mas depois de algum tempo você não sente mais,
precisa sair da sala e entrar de novo para sentir.
- Você acha que se acostuma com o cheiro ruim dos banheiros?
- Sim, a gente se acostuma.
- E na primeira vez que você fez?
- Ah, na primeira vez a gente sente sim. Mas depois se acostuma, apenas faz
o seu trabalho.
- O que você pensa de ter que trabalhar com a sujeira, o lixo? Qual é o
sentido desse trabalho?
- Hum... [pausa e suspiro] É apenas um trabalho. Precisa fazer e pronto. É
apenas um trabalho. [pausa] É preciso viver, é preciso fazer o trabalho. Eu
me limito ao meu trabalho.

Figura 1: Trabalhadores lidando com o lixo, sem luvas e com luvas, em Montreal, Canadá, 2010.

Na entrevista com Rodolfo, um brasileiro que mora em Montreal e


trabalha de faxineiro para poder pagar a faculdade, ele descreve situações de
enfrentamento do nojo:
- Você disse que no teu horário de pausa você conversa com teus colegas,
com os brasileiros, ai vocês conversam sobre o que?
- Eles contam estórias bizarras de mulheres que esquecem coisas pessoais no
banheiro. depois vai lá buscar, elas deixam roupa íntima lá...
- Mas de propósito? Não entendi...
- Sei lá.... tem mulher que deixa calcinha suja no banheiro, não sei se fez na
calça.... Mulher aqui é bem porca, vamos falar a verdade? Porque aqui é pior
que homem. Uma vez uma senhora fez uma substituição e ela esqueceu de
trancar o lugar onde fica o papel higiênico com chave. E uma senhorita
chegou no banheiro e tirou o rolo todo do papel e ficou sujando todos os

56
banheiros, jogou tudo nas privadas, no chão. E as outras meninas fizeram as
sujeiras nas privadas...
- Mas alguém viu isso?
- Não tinha como ver, mas vieram reclamar que o banheiro tava todo
bagunçado e eu tive que ir lá limpar, era meu turno.
- Como é que você faz pra limpar isso?
- [Fez gestos] Eu tenho uma luva, um saco plástico, aí eu respiro, conto até
dez, tranco a respiração, imagino uma paisagem bem bonita e meto a mão na
privada pra tirar aquele papel sujo cagado.
- Papel sujo de fezes?
- É, eu não acreditei. As mulheres fizeram isso! Mulher aqui é muito porca.
Elas comem no banheiro, é inacreditável, jogam tudo no chão, pedaço de
comida, lanche, copinho de suco, tudo.
- Elas jogam no chão?
- Ou no chão ou naquela caixinha onde elas tem que colocar absorvente,
sabe?
- Sei.
- Nossa, aquelas caixinhas são um horror. É triste. No primeiro dia foi uma
tristeza. Aquela caixinha cheira extremamente mal. No calor então, é um
fedor. Tem absorvente sujo, tem te tudo lá dentro. Tem mulher que eu acho
que não toma banho, sei lá, tem dia que só de passar perto daquela caixinha
eu já sentia aquele cheiro forte. Imagina absorvente sujo como fede! [risos]
- Mesmo com a caixinha fechada?
- É, mesmo fechada! Eu tenho que abrir, tampar a respiração, enfiar a mão
com a luva e tirar aquilo tudo lá e jogar no saco.
- Não tem um spray com perfume para ajudar?
- Não tem, mas não adianta muito, principalmente no calor, aquele cheiro fica
impregnado. Nos primeiros dias eu quase vomitei.
- Você já acostumou?
- Acho que já, no começo era pior. Tem muita gente que vomita também na
praça de alimentação. Tem muita gente que vem bêbada e ai fica vomitando
e eu tenho que limpar. Teve um dia que um cara tava com dor de barriga e
vomitou ao mesmo tempo, [risos] é uma situação tão constrangedora, [risos]
ele não sabia o que fazia primeiro, aí ele foi vomitar no chão e cagou na porta
do banheiro. Graças a Deus não era o meu turno.
- Como é que limpa isso?
- Tem que fechar o banheiro e aí tem que jogar água com um produto lá e ai
passa um aspirador que aspira tudo.
- Não tem que colocar a mão na sujeira?

57
- Não, a mão não, mas o cheiro é insuportável. E vômito de bêbado é mais
forte o cheiro, porque tem uma coisa que vem do fígado e que tem um cheiro
muito forte. Eu odeio o festival da cerveja por causa disso, eu nunca fui nem
quero ir. As pessoas sempre saem de lá extremamente bêbado. Teve um dia
que um cara veio de lá e dava 10 passos, vomitava, dava 10 passos,
vomitava de novo, dava mais 10 passos e vomitava de novo. Ele foi
vomitando na praça de alimentação toda. E eu tive que limpar. Era um
monte! Pobre de mim, né? Eu joguei um produto forte com cheiro de limão, ai
as pessoas ficavam “ãrg, ãrg”, todo mundo com pena de mim. Eu não tenho
tanto nojo de vômito de criança como eu tenho de vômito de bêbado. Os
comerciantes estavam todos com nojo! Aí eu tive a ideia de jogar papel em
cima de todo o vômito pra poder varrer na pá e jogar no lixo para depois
limpar o resto, sabe? Mas eu consegui varrer uns 70%, o resto eu tive que
passar água, lavar, passar pano, lavar, passar pano... Foi horrível!

Marie, numa primeira conversa que tive com ela quando a abordei no
banheiro de um shopping em Montreal, disse que as pessoas que entram nos
banheiros são mais esnobes e conversam menos com ela do que quando ela está
nas praças de alimentação. E acrescentou: “Talvez elas pensam que como eu
lido com sujeira eu sou suja também.”
Em diversas situações e por meio de várias estratégias, trabalhadores de
limpeza lidam física e psicologicamente com substâncias nojentas carregadas de
significados negativos, humilhação, repulsa. Esses sentimentos são reforçados
todos os dias quando eles interagem com os clientes. Eles encontram, no
cotidiano de seu trabalho, maneiras de lidar com o sentimento de nojo associado
às substâncias deixadas pelos clientes e transmitir a eles sensações de limpeza,
higiene, bem-estar. Nesse caso, o TE é intensamente mediado pelo contato
sócio-material com as substâncias repulsivas.

58
Figura 2: Um banheiro sujo de shopping em Longueuil, Canadá, 2010.

III.2. A Humilhação
O sentimento de humilhação está diretamente ligado ao nojo de lidar com
sustâncias repugnantes e sujas deixadas pelos clientes nos banheiros e praças
de alimentação dos shopping centers. Mas não é só isso. A atividade laboral de
limpar shopping centers tem todas as características de um trabalho subalterno
e penoso.
Considero trabalho subalterno o que não é exercido como uma escolha
pessoal, oferece baixa remuneração, é desempenhado por pessoas de baixa
qualificação e escolaridade que devem obediência às ordens e mandos de
superiores. Normalmente, trabalho subalterno é terceirizado e se reveste de
características de precariedade. “O subalterno é detido na figura de quem
depende do seu superior, que, por sua vez, fica entretido na ilusão de não
depender de nada e de ninguém (Gonçalves Filho, 2004, p.43)”. Entendo a
limpeza como trabalho subalterno por se tratar de uma atividade considerada
historicamente como inferior, sem valor, “apêndice inútil da sociedade” (Sawaia,
2002, p.104) e que implica numa relação clara de mando e obediência que pode
ser revestida de invisibilidade social e de humilhação social (Costa, 2004;
Gonçalves Filho, 1998, 2004).
Inspiro-me no conceito de humilhação social desenvolvido por Gonçalves
Filho (1998; 2004): “uma modalidade de angústia disparada pelo impacto
traumático da desigualdade de classes.” Trata-se de um fenômeno ao mesmo
tempo psicológico e político, com aspectos subjetivos e objetivos na organização

59
capitalista da sociedade. Utilizo também as reflexões psicanalíticas de Carreteiro
(2003) para pensar as relações entre trabalho subalterno e humilhação. A autora
afirma que os excluídos e marginalizados têm mais possibilidades de
experimentar o sofrimento social “que deixa marcas psíquicas com pouca ou
nenhuma visibilidade social (Carreteiro, 2003, p.59)”. A hipótese da autora fica
clara na seguinte passagem:
[...] nossa análise se volta a certas dimensões do sofrimento social
(humilhação, vergonha, falta de reconhecimento) vivido por categorias
subalternizadas e aos efeitos produzidos na dimensão comunitária, social e
grupal. A hipótese desenvolvida é a de que esse sofrimento não tem
visibilidade; ele se inscreve no interior das subjetividades sem, no entanto,
ser compartilhado coletivamente (Carreteiro, 2003, p.60).
A autora denomina “lógica da invisibilidade do sofrimento” este processo
de “silenciamento dos afetos” pelo qual passam os sujeitos que integram as
“categorias mais subalternizadas”, “indivíduos que compõem o imaginário da
inutilidade” (Carreteiro, 2003, p.60).
A subalternidade com uma conotação de inferioridade aparece em vários
aspectos deste trabalho. O uso do uniforme pode ser apontado como algo
interessante, pois quase todos os trabalhadores entrevistados apontam o
uniforme como instrumento necessário de trabalho mas, como marca de
distinção social e de inferioridade. Portar um uniforme de médico ou uma farda
não significa, no imaginário coletivo, a mesma coisa que portar um uniforme de
faxineiro.
No primeiro contato por telefone que eu fiz com Maria, por exemplo,
tentando agendar uma conversa na casa dela, ela insistiu para eu ir conversar
com ela no próprio shopping, no horário do almoço. Ela disse que é obrigada a
tirar o uniforme no horário de pausa e para andar no shopping fora do horário de
serviço. Maria explicou: “Quando eu tiro o uniforme eu sou uma pessoa normal
igual a qualquer um”, ilustrando a afirmação de Costa (2004, p.123): “para
quem o uso do uniforme é obrigatório existe um lugar social específico (grifo no
original).” Será que Maria me alertaria sobre isso se sua profissão exigisse o uso
de jaleco branco ou de farda, por exemplo? A identidade de Maria com uniforme
de trabalho subalterno é uma, sem a marca da subalternidade, ela adquire o
status de ser igual aos outros, normal, apenas gente. “Para os outros, não
aparecem como pessoas. Aparece o uniforme. Desaparecem os homens (COSTA,
2004, p.123).” O antagonismo entre ser normal, igual aos outros, ou não a partir

60
do uniforme depende da marca da condição de classe por trás desse uniforme
(Padilha, 2011b).
Nesse diálogo com Mariola, fica clara a relação emocional e o sentimento
de humilhação pelo uso do uniforme de uma profissão rebaixada socialmente:
- Você sai de uniforme de sua casa pra ir trabalhar?
- Sim, para ganhar tempo. Mas eu escondo, eu estou sempre de jaqueta.
Quando é verão, eu coloco uma camiseta em cima do uniforme, me sinto
melhor assim. O que importa é que eu não gosto.
- Você sente vergonha?
- Não gosto. Ninguém me conhece aqui, mas não me interessa, eu não gosto!
Eu penso que o uniforme é uma marca, como uma etiqueta, um aviso do que
a pessoa faz, do que ela é, é uma marca da diferença, entende?

Marie, por sua vez, declara sentir-se disfarçada de outra pessoa quando
usa uniforme, pois a roupa de trabalho corta sua identidade em duas: uma Marie
no trabalho, outra fora do trabalho. Na verdade, o que ela quer dizer, segundo
minha interpretação, é que o uniforme a rebaixa socialmente a um nível que não
é aquele com o qual ela se identifica. Ela se percebe como a Marie quando está
fora do trabalho e tirar o uniforme é simbólico desta libertação do ser rebaixado
pelo trabalho.
- O que você pensa do teu uniforme de trabalho?
- Eu chamo de disfarce! [Risos]
- Disfarce? Por quê?
- Porque eu só uso o uniforme para o trabalho. Eu coloco quando chego e tiro
antes de sair do shopping. Nunca saio do shopping de uniforme. Porque sem
uniforme eu sou a Marie. No trabalho eu sou outra pessoa. Eu não sou a Marie
no trabalho! Eu não gosto de levar meu trabalho pra casa, então eu não vou
pra casa de uniforme. Quando eu vou sair, eu me corto, sabe? Eu tiro o
uniforme. [Risos] Por isso que eu digo que meu uniforme é meu disfarce.
- Você acha que teu uniforme afeta tuas emoções no trabalho?
- Sim, claro. Porque o uniforme reflete o que você faz. Uma enfermeira usa
um uniforme branco, você sabe que é uma enfermeira. Nosso uniforme faz as
pessoas associarem com o lado negativo, inferior de nosso trabalho, sabe?

É humilhante também, para estes trabalhadores, terem um espaço feio,


abafado, sem boas condições, reservado a eles no interior do shopping, na parte
escondida que ninguém vê, a parte de “serviços”. Num shopping de Canadá e
num shopping do Brasil tive acesso a estas áreas restritas aos funcionários e vi

61
vestiários, refeitórios e depósito de material - às vezes isso está tudo num
mesmo lugar. No Canadá, os funcionários não possuem um banheiro só para
eles, devem usar os banheiros dos clientes. Na figura 3, percebe-se uma
faxineira usando o banheiro dos consumidores para se maquiar antes de
começar seu turno. Marie me contou que fez inúmeros pedidos aos superiores
para que disponibilizassem a eles sabonete e toalha para poderem lavar as
mãos, dentro da salinha onde realizam algumas tarefas, como lavar as bandejas
das praças de alimentação, por exemplo (como mostra a figura 4). Demorou
muitos meses para que os superiores concedessem esse “favor” aos serventes.
No Brasil, quando entrei no vestiário feminino das faxineiras, senti muito
calor e abafamento, pois há todo um espaço utilizado pela empresa terceira no
shopping que não tem janelas nem ar condicionado. Quando cheguei, tinha 3
funcionárias se arrumando para entrar no turno e elas disseram: “Aqui é quente
como o inferno!” A figura 5 mostra o vestiário feio, apertado, cinza, mal
iluminado e quente. Por que estes trabalhadores não têm à sua disposição
espaços bonitos e modernos como o que se vê nos shopping centers? Por que
eles não merecem beleza nos seus espaços de descanso, refeição, de vestir-se
para o trabalho? O refeitório é muito pequeno, com poucas mesas e é muito feio,
sem nada decorativo para enfeitar o espaço.
Vale lembrar que, conforme relatos dos trabalhadores entrevistados,
mesmo os espaços restritos aos funcionários tem câmeras que filmam o tempo
todo o que eles fazem ali.

Figura 3: Trabalhadora se maquia antes de começar o seu turno, Montreal, Canadá, 2010.

62
Figura 4: Trabalhadora lava bandejas numa máquina que fica no mesmo espaço onde os
trabalhadores devem descansar nos horários de pausa e é também seu vestiário. Montreal, Canadá,
2010.

Figura 5: Vestiário feminino em shopping no Brasil, 2012.

Outro fator bastante importante em relação ao sentimento de humilhação


apareceu com mais ênfase no depoimento dos trabalhadores brasileiros: a
humilhação causada pelos supervisores. Na hierarquia, há elementos de relações
conflituosas geradas pelo sentimento de rebaixamento. Quando eu iniciei estas
pesquisas, tinha em mente a ideia de que estes trabalhadores de limpeza de
shopping centers seriam humilhados pelos consumidores. Mas no decorrer da
pesquisa empírica fui percebendo que nas relações com os superiores, nasce
também este sentimento de humilhação.

63
As encarregadas, principalmente no Brasil, “ficam no pé”, “querem
judiar”, “gostam de humilhar”. No Brasil, no dia em que assisti ao treinamento
oferecido aos faxineiros pela empresa terceira, testemunhei a supervisora
abordando um trabalhador que estava chegando para o treinamento. Ele passou
caminhando na nossa frente quando a supervisora disse, em voz alta: “Tire essa
sua camisa feia e vai colocar o uniforme para ir bonitinho ao treinamento, né?”
Senti-me verdadeiramente constrangida e automaticamente abaixei a cabeça,
para não ver a expressão no rosto do trabalhador. O que me remete a uma
passagem de Sirota (2008) quando explica que a humilhação é uma
manifestação perversa aliada à intenção de desqualificar o outro, mas afirma que
“nem toda conduta perversa emana de um sujeito perverso. Não é perverso
quem quer. [...] Talvez esteja impregnado por uma cultura hierárquica que
aprendeu a utilizar (SIROTA, 2008, p.559).”
Num momento da conversa, Diana revelou que se sentia humilhada pelos
superiores:
- O que você poderia falar que tem de bom nesse teu trabalho?
- Lá não é uma firma ruim de trabalhar. Lá é uma firma boa. O ruim lá é que
tem as pessoas que gostam de humilhar...
- Quais pessoas?
- A encarregada e o supervisor.
- Por que você acha que eles querem humilhar?
- Ah, acho que eles pensam que são mais do que a gente, né? Daí acha que
pode humilhar. Eles acham que são mais que as limpadoras, então eles
acham que podem humilhar.
- E o consumidor, as pessoas que vão ao shopping, como eles agem em
relação ao trabalho de vocês?
- Algumas pessoas passam pela gente e faz de conta que nem tava vendo.
- Você pode me dar um exemplo?
- Ah, quando a gente vai limpar o chão, por exemplo. A gente coloca a
plaquinha amarela. E tinha umas pessoas que passavam por cima da placa.
- Isso é uma coisa que marca você, num dia de trabalho?
- Todos são iguais a todos, não tem ninguém melhor do que ninguém.

64
Vale mencionar um dado, disponível na revista Higiplus: 2 a cada 3
trabalhadores de limpeza que pedem demissão colocam o seu chefe direto como
responsável pelo pedido4.

III.3. O Controle
A humilhação sentida na relação hierárquica está relacionada com as
formas de se exercer o controle destes trabalhadores. Quando eu conversei com
a gerente regional da empresa terceira que presta serviços de limpeza a dois
shoppings na cidade de Ribeirão Preto (Brasil), disse a ela que os trabalhadores
reclamam que são humilhados pelos supervisores e perguntei o que ela achava
disso. Sua resposta foi a seguinte:
- O que acontece: Isso era até um tema que no passado sempre o supervisor,
o encarregado tinha esse foco de ser agressivo, militar, mas hoje isso tá
deixando de existir. Por quê? Porque o tratamento com essa equipe tem que
ser o mais tranquilo, transparente possível, porque nós dependemos do
trabalho deles. Então, hoje nós treinamos mensalmente essa parte
comportamental, essa parte de lideranças. Essa questão de relacionamento
interpessoal entre eles, não é mais aceito esse estilo de tratativa com os
nossos serventes.
- Vocês têm o controle disso?
- Temos, porém, às vezes tem um desvio, que é uma questão de pressão. Nós
temos um quadro que no dia a dia, às vezes existe uma falta, que é um dos
problemas que hoje nós temos, que é repor essas faltas, então nós
trabalhamos com um quadro sempre a maior, porque sob pressão, realmente
os encarregados, supervisores, eles ficam, realmente, sem o domínio
emocional, e acaba repassando alguma situação ou outra delicada pro
servente. Mas não é o nosso papel, o nosso papel é treinar, focar pra ter esse
domínio da emoção perante essa equipe. E nos treinamentos em que eu
participo junto com eles eu sempre falo: “Vocês, se não for a principal
ferramenta dentro de um shopping, é a segunda, por quê? Porque sem vocês,
o shopping não tá limpo pra receber um público, não tá limpo pra receber o
superintendente na sala dele, então vocês é o que o shopping mais precisa, a
qualidade da empresa pra receber o público alvo dele, que é os clientes.
Então , isso daí acontece em algumas situações, mas pra nós é

4
Cf. palestra de Luiz Carlos Gonçalves, O valor das pessoas no negócio da limpeza profissional. In:
Higiplus, Ano 4, nº 15, 3º trimestre de 2011. A revista Higiplus é uma publicação da FEBRAC -
Federação Nacional das Empresas de Serviços de Limpeza Ambiental e da ABRALIMP - Associação
Brasileira do Mercado de Limpeza Profissional. Disponível também em <
http://www.revistahigiplus.com.br/digital/Higiplus_15/#/46/>

65
importantíssimo esse treinamento pra trazer o supervisor junto com a equipe
sem ressentimentos, sem essa tratativa um pouco agressiva.

Algumas análises podem ser feitas a partir dessa fala, pois ela revela
dados importantes. Em primeiro lugar, evidencia um problema de ingerência
muito comum nesse tipo de trabalho terceirizado que é o problema de
sobrecarga de trabalho para supervisores e serventes quando há faltas ou folgas
de trabalhadores - o que ocorre com bastante frequência, tanto no Brasil quanto
no Canadá. Alguns entrevistados revelaram que nem sempre conseguem
cumprir seus dias de folga (garantidos por lei) porque sempre falta algum
trabalhador e de última hora eles são chamados para cobrir o serviço. Maria, por
exemplo, relatou que por muito tempo trabalhou 7 dias da semana, 12 horas por
dia, sem parar, cobrindo faltas e folgas de colegas. Resolver este tipo de
problema não seria complicado, numa gestão que não se preocupasse em
economizar dinheiro em contratação de mais trabalhadores, com condições de
trabalho e salários melhores.
Outro aspecto importante é que a gerente aponta a necessidade dos
líderes serem treinados para realizar um trabalho emocional não só com os
consumidores dos shoppings, mas na relação com os seus subalternos. “Sob
pressão” é normal perder a paciência e descarregar nos subalternos. Mas, por
que eles trabalham “sob pressão”? O que existe, do ponto de vista
organizacional, neste tipo de trabalho, para que eles sejam como “bomba
relógio” que podem explodir a qualquer momento? Há um descompasso evidente
entre as demandas do trabalho e a oferta de mão de obra. Quem mais sofre com
isso é quem está no final da cadeia: o servente terceirizado.
Curioso perceber na fala desta gerente que ela sabe e deixa saber que os
encarregados de limpeza de um shopping center são os trabalhadores mais
importantes desses locais, porque sem limpeza e higiene, eles não poderiam
garantir o fluxo intenso de consumidores todos os dias da semana, em qualquer
lugar do mundo (Padilha, 2006a). Por outro lado, as queixas destes
trabalhadores, principalmente no Brasil, são de baixíssimos salários e de
jornadas muito extensas. Parece contraditório escutar da gerente responsável
por vender o serviço terceirizado aos shoppings que eles são protagonistas
quando, ao mesmo tempo, oferecem empregos precários, penosos e mal pagos.
Mas ela reforça, em outro momento da entrevista, que a vantagem para estes

66
trabalhadores é que eles não têm escolaridade, mas mesmo assim, eles têm
empregos como faxineiros terceirizados.
Quando eu disse a ela que minhas pesquisas vinham mostrando que as 3
principais queixas destes trabalhadores eram os baixos salários, o fato de
trabalharem demais (mesmo nos dias de folga as mulheres pegam serviços de
faxineira em casas particulares para aumentarem a renda do mês) e o
tratamento humilhante dos encarregados, ela disse que muitas mulheres não
têm mais o homem provedor em casa e têm muitos filhos, então ficam
sobrecarregadas mesmo. Foi interessante perceber como ela desviou a
responsabilidade da empresa para a condição de vida dessas mulheres, quase
que as acusando por serem promíscuas e terem filhos demais, cada um com um
homem diferente, sem poder sustentá-los. Em seguida ela diz que algumas
dessas mulheres até se esforçam e estudam de noite para poderem ganhar
progressão na carreira mas, a maioria delas não se interessam muito por
crescer, preferem ficar como estão. Tudo na fala da gerente leva à
responsabilização dos trabalhadores por suas condições precárias de vida e de
trabalho.
Outro fator bastante importante de se examinar quando tratamos de
controle é o caso do “cliente oculto”, que existe tanto no Canadá quanto no
Brasil.
No longo trecho que transcrevo a seguir, é possível perceber na fala de
Mariola, dentre outras coisas, como funciona a dinâmica do “cliente oculto” ou
“cliente surpresa” em Montreal:
- Você recebe treinamento de como deve agir com os clientes?
- Quando eu comecei a trabalhar lá no XX tinha uma colega colombiana
também, ela me explicou o que eu tinha que fazer. Aqui no YY, os diretores
do prédio são muito preocupados com as relações com os clientes. As vezes,
eles chamam a gente para uma reunião e nos dizem como devemos tratar
bem os clientes.
- Mas os diretores do shopping ou da empresa terceira?
- Do shopping. Eu, por exemplo, tenho que saber quantas lojas tem no YY,
onde fica cada uma. As vezes aparece um “cliente surpresa” ou um “cliente
oculto”, pode ser qualquer pessoa que trabalha na administração, eles vem
me perguntar onde é tal loja, por exemplo, eu tenho que saber indicar onde
é, tenho que tratar bem. Um dia me perguntaram onde era uma bijuteria e eu
só lembrava de uma, esqueci de indicar que no segundo piso havia outra,

67
então eles colocaram uma pontuação pra mim. Eles me avaliam com pontos,
entende? Até 100. Então, como eu errei nesse dia, eu recebi 90 pontos.
- Mas não é sua função fazer isso, orientar as pessoas, é?
- Não, não, não. Mas eles supõem que temos que saber onde são todas as
lojas. Eles nos avaliam por isso.
- E quanto a limpeza, como eles avaliam o teu trabalho?
- Eles não avaliam não, não dizem nada. De vez em quando eles passam, mas
nunca falaram nada.
- O que é para você ser um bom profissional de limpeza?
- Ah, fazer de tudo! [risos] Trabalhar bem, colocar amor, carinho. Não é só
porque vão me pagar que não vamos colocar gosto, carinho. Mesmo que seja
um trabalho mais simples. Eu não gosto do que faço.
- Você conhece alguém que gosta de fazer isso?
- Tem algumas pessoas que fazem isso por 30 anos, então imagino que
gostam, porque ficam tanto tempo. Mas eu não gosto, mas eu faço com
carinho, faço direito, mas não gosto disso. Mas esse trabalho me permite
viver. Eu não preciso de um supervisor - eu chamo de polícia - ao meu lado
todo dia para que eu faça o trabalho direito, entende? Eu faço meu trabalho
direito, mas não gosto. [...] Mas eu sou simpática. As vezes tem que gente
que fala: “a senhora é muito simpática, de onde vem? Ah, é latina, claro!”
[risos] Nós que somos latinos temos mais calor humano, né? [risos] Então eu
trato todo mundo bem, estou sorrindo sempre. [...] Não sei como é no Brasil,
mas na Colômbia as mulheres que fazem limpeza são também mulheres que
fazem programa com os homens, sabe? Então as vezes aqui tem homens
clientes que depois que sabem de onde eu sou, falam comigo meio diferente,
então perguntam que horas eu saio, o que vou fazer de noite, sabe? Como:
“Ei senhorita colombiana...!” Sabe? Eu nem respondo, não olho, para que eles
saibam que comigo não.

Nessa passagem da entrevista percebe-se que a pontuação atribuída aos


funcionários se dá em função de um controle oculto, inclusive cobrando
habilidades que não seriam, a princípio, atribuídas a uma pessoa responsável
pela limpeza. Dar informações aos consumidores foi sendo uma “atividade extra”
incorporada à função dos faxineiros e faxineiras de todos os shoppings que eu
pesquisei, no Brasil e no Canadá. Além disso, aparece nesse trecho da entrevista
a percepção dos supervisores como controladores com poder de punição,
similares aos da polícia (o que remete a um controle feito militarmente). A
simpatia com os consumidores é uma exigência importante para estes
trabalhadores, o que justifica o fato de eles necessitarem realizar o “trabalho

68
emocional”, conforme analisei anteriormente. Outra informação interessante é o
relato de que na Colômbia, as mulheres que fazem limpeza são comumente
associadas a prostitutas, o que traz um elemento novo (marcado culturalmente)
ao estigma dessa profissão.
Em outros momentos (Padilha, 2011a; 2011b) analisei a relação entre o
“cliente oculto” e o controle destes trabalhadores. Foi com surpresa que, diante
da dificuldade de conseguir agendar entrevistas com serventes no Brasil,
descobri a figura do “cliente oculto”. Quando abordo estes trabalhadores nos
shoppings para me apresentar e solicitar uma entrevista em suas residências,
fora do local e do tempo de trabalho, todos olham para mim com muita
desconfiança e muitos desconversam. Uma senhora disse certa vez: “Aqui tem
câmera filmando a gente em todo lugar. Não posso falar nada moça. A única
coisa que eu queria falar é que nosso horário de trabalho aqui é muito ruim”.
A maioria delas (inclusive um homem que abordei) passou números de
telefones celulares errados. As que me deram os números de telefone corretos,
não estavam na casa delas no dia e hora marcados para a realização da
entrevista. Esta dificuldade de aproximação estava me inquietando. A
compreensão deste “mistério” começou quando uma faxineira me perguntou:
“Você não vai me comprometer? Tem umas colegas que responderam umas
perguntas de pessoas estranhas durante o serviço e foram despedidas.” Eu dei a
ela meu cartão de visita que indicava meu cargo de professora na universidade e
expliquei novamente quem eu era e o que eu queria. Aí ela disse: “Então eu vou
confiar no teu cartão e vou te dar meu telefone”.
Mas tudo isso ficou mais claro quando, na entrevista com a Analista de
Recursos Humanos da Prestadora de Serviços no Brasil, ela comentou que o
grupo ao qual pertencem dois dos shopping centers da cidade criou uma política
de avaliação dos trabalhadores que eles chamam de “Cliente Oculto” ou “Amigo
Oculto”. Posteriormente, numa conversa aprofundada que tive com a Assistente
de Recursos Humanos da mesma empresa, essa política de avaliação dos
trabalhadores das empresas terceirizadas foi explicada.
O grupo proprietário de vários shoppings no Brasil, provavelmente
seguindo a tendência de outros shoppings no mundo, possui uma equipe de
profissionais treinados para avaliarem todo o pessoal que trabalha nos centros
comerciais, mas atuam disfarçados de clientes: são os “clientes ocultos”. Eles
abordam um faxineiro, por exemplo, e perguntam onde fica uma loja ou onde
fica o banheiro e enquanto a pessoa explica, eles estão filmando com uma

69
câmera escondida para depois preencherem fichas de avaliação que contém
itens que vão desde a apresentação física (cabelo, maquiagem, limpeza do
uniforme) e o jeito de falar e dar orientações até a limpeza dos espaços no
interior do shopping. Eu perguntei se todos os funcionários terceirizados passam
por esse tipo de avaliação e ela confirmou, dizendo que inclusive ela mesma
poderia ser avaliada por um “cliente oculto”. A assistente de RH contou que
quando faz a integração com os novos contratados já explica que eles estarão
sendo constantemente “visualizados”. Ela completou: “Eu digo visualizados e não
vigiados, porque só será vigiado quem faz alguma coisa errada. Se todo mundo
fizer tudo certinho, será apenas visualizado. Eu explico isso a eles quando são
contratados”.
Estes faxineiros/as de shoppings são controlados de forma contínua por
seus superiores que estão tanto de corpo presente no seu cotidiano de trabalho
quanto do outro lado das câmeras de filmar (que estão instaladas por todo o
shopping e que podem estar também escondidas na roupa de um “amigo oculto”
disfarçado de cliente). Ficou claro que o segredo do controle está no fato de que
estes trabalhadores nunca têm certeza se estão ou não sendo “visualizados” por
um agente de inspeção. Estamos diante de um tipo de panóptico?
Em 1787, Jeremy Bentham escreveu uma série de cartas com um plano
de administração contendo os princípios de construção para estabelecimentos
“no qual pessoas de qualquer tipo necessitem ser mantidas sob inspeção (SILVA,
2000, p. 13)”. O panóptico, ou a casa de inspeção, seria útil em penitenciárias,
hospícios, abrigos para pobres, indústrias, escolas e hospitais.
É óbvio que, em todos estes casos, quanto mais constantemente as pessoas a
serem inspecionadas estiverem sob a vista das pessoas que devem
inspecionálas, mais perfeitamente o propósito do estabelecimento terá sido
alcançado. A perfeição ideal, se esse fosse o objetivo, exigiria que cada
pessoa estivesse realmente nessa condição, durante cada momento do
tempo. Sendo isso impossível, a próxima coisa a ser desejada é que, em todo
momento, ao ver razão para creditar nisso e ao não ver a possibilidade
contrária, ele deveria pensar que está nessa condição (SILVA, 2000, p.17.
Grifo no original).

Na ideia original de Bentham, a casa de inspeção deveria ser construída


de forma a nunca mostrar se há ou não o inspetor no seu interior, gerando um
controle disciplinar pela incerteza dos vigiados. “[...] tão poderoso como um
controle sobre o poder subordinado quanto como uma prevenção da

70
delinquência; tão eficiente como uma proteção à inocência quanto como um
castigo para o culpado (SILVA, 2000, p.27)”, uma das vantagens deste sistema
seria o fato de que todos os subordinados abaixo do inspetor-mor, da mesma
forma que prisioneiros ou outras pessoas a serem governadas, estariam sob o
mesmo controle. No caso do shopping center, as câmeras visíveis e camufladas
vigiam faxineiros e pessoal administrativo. Em nome da segurança dos clientes,
não estariam estas câmeras instaladas nos shoppings também com o propósito
de vigiar e controlar os trabalhadores?5
O olhar contínuo da autoridade, aleatório e incessante, é a essência do
panóptico e do poder absoluto - o que Foucault considerou ser uma maquinaria
diabólica do controle social num regime disciplinar que possibilita intensificar o
poder ao mesmo tempo em que multiplica a produção (Foucault, 1984, p.183). A
“máquina panóptica”, para usar uma expressão foucaultiana, consegue
acrescentar a vigilância ao “universo onírico do shopping center” (Padilha,
2006b).
A vigilância autoritária e repressora acaba se configurando numa forma
de violência psíquica típica da organização contemporânea do trabalho, onde
reina um clima constante de ameaças que colocam em risco a estabilidade, o
emprego, a saúde, a sanidade, o prazer, a solidariedade, a auto-estima, o
sentimento de ser útil, o orgulho, o respeito, a construção de uma identidade
positiva etc. (De Gaulejac, 2005; Freitas et al., 2011; Heloani, 2003, 2008,
2011).
O controle supõe, então, uma relação de poder entre superiores e
subalternos que pode ser considerado um importante fator que permeia a
humilhação vivida pelos trabalhadores de limpeza de shopping centers, como
pretendo argumentar. A humilhação é compreendida como
[...] uma situação particular na qual se opõem, em uma relação desigual, um
ator (individual ou coletivo) que exerce uma influência, e, do outro lado, um
agente que sofre esta influência. A situação humilhante é, por definição,
racional: comporta uma agressão na qual um sujeito (individual ou coletivo)
fere, ultraja uma vítima sem que seja possível uma reciprocidade. [...] Nesta
humilhação, a vítima é confrontada a uma situação ou a um acontecimento
contrários às suas expectativas, contrários aos seus desejos, sem sentido

5
Vale lembrar que Bentham apresentava seu plano do panóptico como especialmente útil para casas
penitenciárias onde os presos estavam submetidos a trabalhos forçados (Silva, 2000). O trabalho
prazeroso, autônomo, não-precário precisaria ser controlado desse jeito?

71
para ela, representando a negação da imagem que faz de si próprio (ANSART,
2005, p.15. Grifo no original).

A humilhação é sofrimento que nasce em situações de impotência, de


inferioridade e desvalorização. Está no campo das emoções, mas não deixa de
ser um problema ético-político revelador de determinada estrutura
socioeconômica (Barreto, 2006; Costa, 2004; Gonçalves Filho, 1998). As
condições de trabalho, a organização e as relações de trabalho tecem situações
que podem levar os trabalhadores a esse sentimento. Na realidade do trabalho,
“a prática da humilhação é, portanto, uma arma do poder instalado, uma arma
estratégica que visa à perfeita docilidade do cidadão (ANSART, 2005, p.18).”
A docilização pela humilhação, a gestão pelo medo, o desrespeito aos
limites do corpo, o roubo do tempo da vida pelo trabalho, salários aviltantes são
impostos aos faxineiros/as terceirizados de shopping centers - no Brasil e no
Canadá, guardadas as devidas proporções. “Condições de trabalho e condições
de existência humilhantes encontram-se entrelaçadas numa mesma tela para
estes sujeitos” (PADILHA, 2011a, p.7).
Vale relatar que eu mesma não consigo fotografar dentro dos shopping
centers sem dificuldade, pois em todo lugar há câmeras de vigilância e em pouco
tempo um segurança se aproxima de mim e pede que eu não fotografe. O
controle (em nome da segurança?) está em toda parte nessas cidades artificiais
chamadas shopping centers (Padilha, 2006a).
Outro fato que pude constatar tanto nos shoppings do Canadá quanto no
Brasil é que há, normalmente, nos banheiros, fichas de controle de limpeza
pregadas nas paredes ou atrás das portas de entrada. Nessas fichas constam os
horários no dia em que deve ser feita a limpeza daquele banheiro e o
trabalhador que fizer esse serviço deve colocar o nome dele naquele papel e a
hora em que terminou. Dominique explicou que isso é uma forma de eles serem
controlados não só pelos seus superiores como também pelos clientes do
shopping, pois se eles acharem algum lugar sujo eles podem ver o nome do
funcionário e preencher uma ficha de reclamação aos superiores, o que gera
uma perda de pontuação na avaliação mensal deste trabalhador. A figura 6
mostra essa ficha, num banheiro feminino.

72
Figura 6: Ficha de controle de limpeza do banheiro feminino num shopping em Montreal, Canadá,
2010.

III.3.1. Um dia de treinamento no Brasil


Impossível não inserir no núcleo analítico do controle relatos da
experiência que tive ao assistir, em 2012, a três sessões de um treinamento
realizado pela empresa terceira aos funcionários que atuam na limpeza de um
shopping center no Brasil. A sede, que fica na capital do estado, em São Paulo,
envia uma vez por mês uma funcionária especializada em dar treinamentos e ela
faz 3 sessões do mesmo treinamento para as equipes (referentes aos 3 turnos)
que trabalham naquele dia. Eu assisti aos três encontros, com equipes
diferentes. O tema desse treinamento - escolhido em função das queixas e
demandas dos trabalhadores - foi “O problema não é meu!”. A técnica
responsável pelo treinamento me explicou que esse tema surgiu de uma queixa
dos supervisores que percebem no cotidiano de trabalho um empurra-empurra
de responsabilidades ou a fuga de tarefas sob a alegação de que “isso não é
minha responsabilidade”.
A presença nestes treinamentos não é totalmente obrigatória. Eles devem
chegar uma hora antes de entrar no turno e não recebem hora-extra por
estarem lá mais cedo. A técnica que coordenou o treinamento, a quem vou
chamar de Simone, repetiu em todas as sessões a seguinte frase: “Todos nós
queremos as mesmas coisas aqui, não é verdade?” Esse é um discurso típico da
área de Recursos Humanos de uma empresa que tenta, ao chamar a todos de
equipe ou time, fazer parecer real o compartilhamento de interesses entre
capital e trabalho, como se não houvesse – e não devesse haver - uma clara
divisão de classes no mundo do trabalho. Trata-se de uma ideologia de harmonia

73
cujas práticas discursivas buscam justificar a velha exploração do homem pelo
homem que se propaga até hoje, não mais unicamente na relação de escravidão,
mas nas empresas modernas. Esse discurso tenta mostrar uma suposta
humanização no trabalho que, como bem asseverou Araújo (2008, p.64), trata-
se da “falácia da cooperação harmoniosa entre capital e trabalho”, “uma secular
insistência do capital”.
O tempo todo, em todas as sessões, Simone e ridicularizou os
trabalhadores tratando-os como crianças, com uma fala infantilizada ou fazendo
humor quando eles expunham seus sentimentos. Eu me sentia como se tivesse 5
anos de idade e estivesse na escola, sendo obrigada a escutar tudo aquilo,
concordar com a professora e ainda participar. Em um momento, quando ela
perguntava a opinião dos trabalhadores sobre algo e ninguém respondia, ela
dizia: “Gente, vocês estão muito calados. Quem não falar nada não vai comer
bolo depois!6” Quando ela via algum trabalhador dormindo, ela dizia em voz alta:
“Acorda ela gente!” ou “Se alguém dormir eu sento no colo, e olha que eu sou
pesadinha, heim?” Um homem que estava dormindo explicou que acordava às 5
horas da manhã todo dia para fazer trabalhos extras (chamamos de “bico”, no
Brasil), por isso estava com sono. Já era 22 horas e ele iria entrar no turno da
noite. Pensei comigo: quando é que ele dorme e descansa?
Simone disse que é preciso dar o máximo de si no trabalho, enfatizando
que ela própria é “casada com a empresa há 13 anos”. E ela completou,
perguntando a todos: “Quando eu dou o máximo de mim, quem sai ganhando?”
E todos responderam em coro a resposta esperada: “Nós!” Mas, uma das
trabalhadoras disse: “Eu dou o máximo de mim, tanto que eu chego em casa
quebrada todos os dias!” Ao que Simone completou: “Parabéns, nós temos
mesmo que vestir a camisa da empresa!”
De Gaujelac (2005, p.101) afirmou:
A falta do antagonismo entre o interesse individual e o interesse coletivo, a
celebração do risco dos acionistas e a apresentação da lógica do lucro como
força criativa são argumentos face aos estragos que este sistema de gestão
engendra. Eles justificam as desigualdades sociais, a pressão do trabalho, a
desregulação, a discussão da proteção social e a luta dos lugares.
Vale mencionar ainda um diálogo que Simone travou com uma das
participantes:
- (Simone) A partir de hoje, tudo vai mudar aqui, não é gente?

6
Ao final de cada sessão do treinamento, a empresa oferece bolo, salgadinhos e refrigerantes aos
participantes, cantando parabéns aos aniversariantes do mês.

74
- (Trabalhadora) Não muda não! Pau que nasce torto não se endireita!
- (Simone) Tem uma segunda opção: pau que não endireita a gente corta ele
e joga fora!

Fica evidente que há um gap enorme entre o discurso e a prática na


realidade do trabalho destes faxineiros terceirizados de shopping centers. O
discurso é de democracia, de participação e de escuta dos trabalhadores. A
prática é de intimidações, de tratamento infantilizado e autoritário. Observei que
todas as vezes em que Simone solicitava a participação dos participantes
dizendo que era muito importante para a empresa escutar a opinião deles,
alguns trabalhadores relutavam, mas acabavam dizendo suas percepções e suas
queixas. Todas as vezes em que isso ocorreu, Simone entrou com uma fala
repressora, culpabilizando o próprio trabalhador por aquilo do qual ele se
queixava ou com uma piada, minimizando a importância daquela queixa. Ficou
evidente que não existe uma gestão que valoriza a prática daquilo que Zarifian
(2006) chamou de “comunicação autêntica” - herança difícil do taylorismo,
segundo o autor.
Há uma total privação da palavra e da emoção para estes trabalhadores
terceirizados. Certa vez uma entrevistada me contou que, quando a mãe de um
faxineiro morreu e ele voltou ao trabalho no dia seguinte, a supervisora o viu
chorando e disse a ele: “Vá chorar na tua casa, aqui é teu lugar de trabalho!”
Parece estar presente nesse tipo de gestão de pessoas o que Le Blanc (2009)
denominou de “invisibilidade social”, situação que está inserida numa estrutura
social de dominação em que se coloca o outro numa condição de fragilidade
social, na medida em que ele torna-se inaudível e invisível. “A perda da voz
gerada pela perda da audição completa o processo de invisibilidade social” (LE
BLANC, 2009, p.6). Em última instância, o que ocorre é a marginalização que
desqualifica esses sujeitos assujeitados pela perversa lógica de nossa “sociedade
doente da gestão”, para lembrar De Gaulejac (2005). Para Le Blanc (2009), este
sistema reduz milhares de pessoas marginalizadas a nada, à desumanização.
No entanto, não podemos culpar Simone, ela mesma tornou-se uma
presa da armadilha que ajuda a propagar. No final das três sessões do
treinamento que assisti, ela me confessou: “Fiquei morrendo de medo de que
você fosse um cliente oculto que veio aqui para me avaliar!”.

Considerações finais

75
As pesquisas que realizei no Canadá e no Brasil, entre 2009 e 2012, com
trabalhadores terceirizados que realizam a limpeza de shopping centers trazem
resultados que corroboram as inúmeras análises já feitas, na sociologia e na
psicologia social, sobre o quadro de precarização do trabalho no mundo
capitalista de hoje. Aspectos objetivos e subjetivos do trabalho se misturam
numa teia que revela aspectos das condições de trabalho, da organização do
trabalho e das relações de trabalho no contexto estudado. A terceirização
reinante nesse setor é mais um agravante dessa precarização, evidenciando uma
forma de contrato que fragiliza estes trabalhadores do ponto de vista econômico,
social, político e emocional.
Nesse artigo, selecionei três núcleos analíticos para apresentar algumas
considerações teóricas. Estes núcleos analíticos - o trabalho emocional aliado ao
nojo, a humilhação e o controle - são apresentados de forma separada apenas
para efeito didático da análise, mas no cotidiano de trabalho são fenômenos que
se entrelaçam.
Poucas são as diferenças, nesses aspectos, entre Brasil e Canadá, com
exceção de dois fatores interligados: o nível salarial e a participação dos
sindicatos. Como já foi apontado anteriormente, no Brasil, o piso salarial dos
faxineiros (que são chamados de serventes ou agentes de asseio) terceirizados é
vergonhoso, ficando quase equiparado ao salário mínimo - o qual é insuficiente
para manter uma vida digna fora do trabalho. O sindicato da categoria, no
estado de São Paulo, onde realizei a pesquisa, recusou todas as minhas
inúmeras tentativas de contato para entrevistas, mostrando-se bastante arredio.
Por pesquisas que fiz via Internet e por acompanhar os Acordos Coletivos
assinados, pude deduzir, lamentavelmente, que este sindicato não tem nenhum
interesse em realmente colocar-se ao lado dos trabalhadores que legalmente
representa.
No Canadá, tive a oportunidade de me aproximar e manter um
relacionamento mais duradouro com uma trabalhadora, a Marie, com quem me
encontrei inúmeras vezes depois de nosso primeiro encontro no shopping, em
Montreal. Ela foi sempre muito simpática e solícita, demonstrando, inclusive,
muito interesse em minha pesquisa. Ela é sindicalizada e participa ativamente do
sindicato em defesa dos direitos de sua categoria e, por causa disso, pude
conhecer melhor como esse sindicato atua de forma muito mais dinâmica e
politizada que o brasileiro. Dessa forma, eles conseguem garantir salários
maiores que o mínimo no país. Bancários, vendedores de lojas e caixas de

76
supermercado, por exemplo, recebem salários menores que os trabalhadores
terceirizados que limpam shoppings em Montreal, e isso é motivo de muito
orgulho para eles. No Canadá, ninguém me convidou para ir às suas residências,
tive que realizar as entrevistas na universidade. O brasileiro, por sua própria
cultura, aceita com bastante rapidez abrir as portas de suas casas para uma
pessoa estranha. Isso me possibilitou constatar que eles não moram em casas
decentes, em bairros dignos. A vida no trabalho e fora dele é aviltante. Estas
trabalhadoras brasileiras com quem conversei revelaram a luta inglória no tempo
de trabalho e na vida fora dele: baixa ou nenhuma escolaridade, penosidade que
gera cansaço crônico e dores no corpo, humilhações de supervisores e de
clientes, jornadas extensas e intensas, salários baixíssimos, condições materiais
de vida insuficientes para vivê-la em plenitude, falta de tempo e espaços de
lazer, famílias desfeitas ou permeadas por situações de violências. A
desumanização no trabalho se estende ao tempo e ao espaço de não trabalho.
Vi situações semelhantes as do Brasil no Canadá, mas com salários e
condições materiais de vida melhores que compensam, de alguma forma, a
humilhação sofrida no trabalho. A precariedade da condição de ser imigrante no
Canadá é uma realidade que não conhecemos no Brasil - apesar de existir um
fluxo migratório de estados mais pobres do norte/nordeste do país para São
Paulo. Interessante observar que Diana, no Brasil, disse que é muito mais
humilhante saber que sua supervisora, que a trata mal, é migrante como ela e
vem do mesmo estado nordestino. Por serem conterrâneas, ela acha que não
deveria haver relações abusivas de poder de uma sobre a outra.
Marie, que é de origem haitiana, me disse: “Esse trabalho é humilhante,
eu não gosto de limpar banheiros. Mas uma mulher imigrante e negra no Canadá
não poderia fazer outra coisa. Pelo menos eu tenho um bom salário e posso
comprar o que eu quiser, como qualquer outra pessoa”.
Todos os achados destas pesquisas que realizei mostram o que
Dominique Lhulier afirmou recentemente num colóquio do qual participei7. Para
ela, o trabalho não é apenas uma atividade, é uma instituição e, como tal, é uma
formação social, cultural e psíquica. A instituição trabalho é uma criação humana
e é onde se localiza o sentido do trabalho. Lhulier ainda completou afirmando

7
I Colóquio Internacional de Psicossociologia do Trabalho: elaborações atuais em pesquisa e
intervenção. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte - MG (Brasil), 12 a 14 de
abril de 2012. Dominique Lhulier fez a conferência intitulada “Construindo a Psicossociologia do
trabalho: desafios e perspectivas atuais”, no dia 13 de abril. Cf.
<http://www.fafich.ufmg.br/psicossociologia/>

77
que a organização do trabalho não é apenas social e técnica, mas também moral
e psicológica. É o que permite a existência de trabalhos sujos e marginais,
muitas vezes potencializando de forma negativa a necessidade de realizar
trabalho emocional.
Nesse sentido, posso concluir que os sofrimentos vividos pelos
trabalhadores terceirizados de limpeza de shopping centers com quem convivi,
conversei ou que observei na realização de suas atividades laborais, estão
diretamente ligados à forma como as empresas organizam o trabalho - tanto a
empresa que terceiriza a mão de obra quanto o shopping center. Enquanto o
trabalho for tratado por elas como uma atividade meramente técnica, a
subjetividade e o sofrimento não serão enfrentados. A psicossociologia tem
ensinado a olhar para o trabalho como uma instituição e suas redes de poder.
Assim, analisar as relações de submissão e tudo que elas implicam torna-se
fundamental para a compreensão do sofrimento do trabalhador.

Referências8
Angyal, A. (1941). Disgust and related aversions. Journal of Abnormal
and Social Psychology, 36, 393-412. Ansart, P. (2005). As humilhações políticas.
In: MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (Orgs.), Sobre a humilhação: sentimentos,
gestos, palavras, Uberlândia: EDUFU.
Antunes, R. (1999), Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e
a negação do trabalho, São Paulo: Boitempo.
Araujo, J.N.G. (2008). Entre servidão e sedução do trabalhador: uma
secular insistência do capital. In: MENDES, A.M. (Org.), Trabalho e saúde. O
sujeito entre emancipação e servidão, Curitiba: Juruá Editora.
Beau, S.; Weber, F. (1997). Guide de l’enquête de terrain. Produire et
analyser des données ethnographiques, Paris : Editions La Découverte.
Bonneli, M. da G. (2003). Arlie Russell Hochschild e a sociologia das
emoções, Cadernos Pagu, 21, 357-372.
Carelli, R. de L. (2003), Terceirização e Intermediação de Mão-de-Obra.
Ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social, Rio
de Janeiro/São Paulo: Renovar.
Carreteiro, T. C. (2003). Sofrimentos sociais em debate. Psicologia USP,
14 (3).
Clot, Y. (2010), Trabalho e poder de agir, Belo Horizonte: FABREFACTUM.

8
De acordo com o estilo APA – American Psychological Association.

78
Costa, Fernando Braga da. (2004), Homens Invisíveis: relatos de uma
humilhação social, São Paulo: Globo.
Dau et. al. (Orgs.) (2009), Terceirização no Brasil. Do discurso da
inovação à precarização do trabalho, SP: Annablume/CUT.
De Gaulejac, V. (2005). La société malade de la gestion. Idéologie
gestionnaire, pouvoir managérial et harcèlement social, Paris: Seuil.
Déjours, C.; Abdoucheli, E. (2007). Itinerário teórico em psicopatologia
do trabalho. In: Déjpurs,
C.; Abdoucheli, E.; Jayet, C. (ORGS.). Psicodinâmica do trabalho.
Contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e
trabalho, São Paulo: Atlas.
Druck, G. (2009), Principais Indicadores da Precarização Social do
Trabalho no Brasil (Versão Preliminar). Rio de Janeiro: XIV CONGRESSO
BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 28 a 31 de julho de 2009.
Druck, G.; Franco, T. (Orgs.) (2007), A perda social da razão social do
trabalho. Terceirização e precarização, São Paulo: Boitempo.
______. (2009), Terceirização: a chave da precarização do trabalho no
Brasil. In: Navarro, V.;
Padilha, V. (Orgs.), Retratos do Trabalho no Brasil, Uberlândia: EDUFU.
Foucault, M. (1984). Vigiar e punir. História da violência nas prisões,
Petrópolis: Vozes.
Freitas, M. E. de; Heloani, R.; Barreto M. (2011), Assédio Moral no
trabalho, São Paulo: Cengage Learning (Coleção Debates em Administração).
Freud, S. (1971). Malaise dans la civilisation, Paris: PUF.
Gonçalves Filho, J. M. (1998). Humilhação social: um problema político
em psicologia, Psicologia USP, São Paulo, 9 (2).
______. (2004). Prefácio: A invisibilidade pública, In: COSTA, F. B.
(2004). Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social, São Paulo: Globo.
Grayson, K. (1998). Customer responses to emotional labour in discrete
and relational service exchange. International Journal of Service Industry
Management, 9, 126-154.
Grove, S. J.; Fisk, R. P. (1992). The Service Experience as Theater.
Advances in Consumer Research, 19, 455-461.
Heloani, R. (2003), Gestão e organização no capitalismo globalizado.
História da manipulação psicológica no mundo do trabalho, São Paulo: Atlas.

79
______. (2008), Saúde Mental no trabalho: algumas reflexões. In:
MENDES, Ana Magnólia (Org.), Trabalho e saúde: o sujeito entre emancipação e
servidão, Curitiba: Juruá Editora.
______. (2011), A dança da garrafa: assédio moral nas organizações,
GVexecutivo, Vol. 10, nº1, jan./jun. 2011. Caderno Especial: Pressões e
angústias do mundo corporativo.
Hochschild, A. R. (1979). Emotion Work, Feeling Rules, and Social
Structure. The American Journal of Sociology, 85(3), 551-575.
______. (1983). The Managed Heart. Commercialization of Human
Feeling. Berkeley, University of California Press.
______. (2003a). The Commercialization of intimate life. Notes from
home and work. California: University of California Press.
______. (2003b). Travail émotionnel, règles de sentiments et structure
sociale. Travailler, 1(9), 19- 49.
Huberman, A. M.; MIiles, M. B. (1991). Analyse des données qualitatives.
Recueil de nouvelles méthodes. Bruxelles, De Boek-Wesmael.
Jones, M. O. (2000). What's Discusting, Why, and What Does It Matter?
Journal of Folklore Research, 37(1), 53-71.
Kergoat, J. et. al. (Orgs.) (1998), Le monde du travail, Paris: Éditions La
Découverte.
Le Blanc, G. (2009), L’invisibilité sociale, Paris: PUF.
Lopes, M. C. R. (2009), Subjetividade e trabalho na sociedade
contemporânea, Trabalho, Educação e Saúde, v.7, n.1, mar./jun. 2009.
MacDonald, C. L.; Sirianni, C. (1996). The Service Society and the
Changing Experience of Work. In: MacDonald, C. L.; Sirianni, C. (Eds.) Working
in the Service Society. Philadelphia: Temple University Press.
Marcelino, P. R. P. (2004), A logística da precarização. Terceirização do
trabalho na Honda do Brasil, SP: Expressão Popular.
Padilha, V. (2006a), Shopping center, a catedral das mercadorias, São
Paulo: Boitempo.
______. (2006b), Consumo e lazer reificado no universo onírico do
shopping center. In: Padilha, V. (Org.), Dialética do Lazer, São Paulo: Cortez.
______. (2011a), O trabalho precarizado de faxineiros(as) terceirizados
de shopping centers. XXVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAS (Associação
Latino-Americana de Sociologia), 6 a 11 de setembro de 2011, UFPE, Recife-PE,
Brasil.

80
______. (2011b), A realidade do trabalho subalterno de limpeza em
shopping center, Perspectivas, São Paulo, v. 39, p. 75-98, jan./jun. 2011.
Pelzer, P. (2002). Disgust and organization. Human Relations, 55(7),
841-860.
Rozin, P.; Fallon, A. E. (1987). A perspective on disgust. Psychological
Review, 94, 23-41.
Russo, G.M.; Leitão, S. P. (2006), Terceirização: uma análise
desconstrutiva, Organização & Sociedade (O&S), v.13, n.36, jan./mar. 2006.
Santos, M. C. de O. et al. (2009), Desregulamentação do trabalho e
desregulação da atividade: o caso da terceirização da limpeza urbana e o
trabalho dos garis, Produção, v.19, n.1, jan./abr. 2009.
Sawaia, B. (2002), O sofrimento ético-político como categoria de análise
da dialética exclusão/inclusão. In: Sawaia, B. (Org.), As artimanhas da exclusão.
Análise psicossocial e ética da desigualdade social, Petrópolis: Vozes.
Silva, T. T. da (Org.). (2000). O Panóptico, Belo Horizonte: Autêntica.
Sirota, A. (2008).Humilhação social: uma reflexão sob o ponto de vista
psicanalítico. Estudos de Psicologia, Campinas, 25 (4), out./dez. 2008.
Vasapollo, L. (2006), O trabalho atípico e a precariedade: elemento
estratégico determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: ANTUNES,
Ricardo (Org.), Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, São Paulo: Boitempo.
Zarifian, P. (2006). Comunicação e subjetividade nas organizações. In:
Davel, E.; Vergara, S.C. (Orgs.), Gestão com pessoas e subjetividade, São
Paulo: Atlas.

81
TÍTULO: Mitigando a fadiga ocupacional: contribuições do trabalho em

equipa

AUTOR(ES): Teresa C. D’Oliveira (Teresa.Oliveira@ispa.pt) e Ana Sofia

Lopes

INSTITUIÇÃO: ISPA – Instituto Universitário

O conceito de Fadiga ocupacional


O conceito de fadiga aparece associado a uma multiplicidade de domínios que
vão desde a síndrome de fadiga crónica ou fibromialgia, a esclerose múltipla, a
depressão, o desporto e as atividades de lazer, o trabalho (atividades
executadas, horários, trabalho por turnos) a alguns contextos de trabalho
específicos como o contexto militar, a aviação, o transporte ferroviário e
rodoviário ou, ainda, os serviços de saúde.
Apesar da ubiquidade do tema e da sua relevância aplicada, não foi possível até
agora encontrar uma definição consensual de fadiga (Matthews, Desmond,
Neubauer e Hancock, 2012). A tabela 1 apresenta alguns exemplos das
definições que podem ser encontradas na literatura.

Tabela 1. Algumas definições de fadiga

Um sentimento não específico e subjetivo de cansaço físico e/ou


mental.
(Loge, 2003, p. 14)
Fadiga é um estado de cansaço que é associado a longas horas de
trabalho, períodos prolongados sem sono ou a exigência para
trabalhar em momentos em que há “falta de sincronização” com os
ritmos biológico do corpo ou ritmos circadianos.
(Caldwell e Caldwell, 2003, p. 15)
Um estado fisiológico de reduzida capacidade para desempenhar
mentalmente ou fisicamente que resulta da perda de sono ou
“wakefulness” extensa e/ou actividade física que pode condicionar o
nível de alerta de um membro da tripulação e a capacidade para
operar com segurança uma aeronave ou desempenhar funções com
segurança.
(NPA 2009-02c; 30 Jan 2009; p. 11)

2. Antecedentes de Fadiga Ocupacional


Privação do Sono
Os trabalhos enquadrados no âmbito da privação do sono contemplam a
necessidade homeostática de sono de oito horas por dia em média. Apesar da

82
simplicidade desta formulação, a investigação rapidamente se complexificou com
a introdução de uma variedade de conceitos associados. O conceito de dívida de
sono remete para as situações em que não se concretiza o princípio de oito
horas de sono, podendo daqui resultar fadiga que aguda (i.e., número de horas
acordado nas últimas 24 horas) ou crónica (i.e., padrão de dívida de sono num
horizonte temporal mais alargado). As potenciais sobreposições entre fadiga,
sleepiness , somnolence ou drowsiness como resultado da dívida de sono, são
uma das áreas exploradas na literatura (Shahid, Shen e Shapiro, 2010; Shen,
Barbera e Shapiro, 2006). Independentemente dos conceitos utilizados, os
estudos aplicados destacaram contextos de trabalho com características
específicas nomeadamente com trabalho por turnos e, em particular, o trabalho
noturno.
Neste segundo grupo de trabalhos é salientado como o ciclo do sono está
associado a outros ritmos circadianos humanos e como as perturbações do
primeiro poderão estar na origem de consequências crónicas para o marca-passo
circadiano (i.e., circadian pacemaker).
Para além da organização temporal do trabalho já mencionada, os
estudos mais recentes têm alertado para os longos horários de trabalho cujos
início antecipado e fim adiado caracterizam as sociedades contemporâneas
(D’Oliveira & Marques, 2009: D’Oliveira, 2011).
Um último grupo de antecedentes que tem sido explorado diz respeito às
atividades desempenhadas e progressivamente tem incluído fatores distintos.
Enquanto trabalhos como o de Karasek (1979) destacaram exigências do
trabalho diferenciadas com consequências também distintas nomeadamente
fadiga física, fadiga psicológica ou fadiga cognitiva, Harrison e Horne (2000)
isolaram a simplicidade e monotonia das tarefas incluídas na maioria dos estudos
laboratoriais (e.g., tempo de reação), defendendo que tais características que as
tornam particularmente vulneráveis à fadiga. De igual forma, Whitmore et al
(2008) e Chaiken et al (2011) apontam para a relevância da variedade e da
complexidade das atividades de contextos aplicados e a inexistência de
decréscimos ou perturbações do desempenho.
Para além destes aspetos, é possível constatar que a maioria dos
trabalhos analisa a fadiga a um nível individual e, de alguma forma num vácuo
social. Tal situação é particularmente relevante quando a literatura tem
destacado dimensões distintas do desempenho diferenciando uma componente
técnica de uma outra mais relacional. Para Scotter, Motowildo e Cross (2000), o

83
desempenho contextual remete para padrões de comportamento que estruturam
ou apoiam o contexto psicológico e social nos quais as atividades são executadas
(i.e., interações com colegas e chefias, comportamentos que revelam
autodisciplina, persistência ou determinação para exercer esforço. Neste âmbito,
o presente trabalho propõe que o contexto social, e em particular as descrições
associadas às equipas de trabalho, pode atuar como um atenuador ou um
catalisador da fadiga.
Face a este enquadramento, neste trabalho foram formuladas as
seguintes hipóteses.

H 1 - Descrições positivas do trabalho estão associadas a níveis de fadiga


mais baixos.

Para além dos trabalhos previamente mencionais, outros estudos


contemplaram diretamente a relação entre exigências no trabalho e fadiga.
Num trabalho abrangendo uma variedade de indústrias, D’Oliveira e Palma
(2006) verificaram que níveis mais elevados de fadiga psicológica estavam
associados a exigências psicológicas mais reduzidas (menores exigências de
criatividade, de aprendizagem de novas tarefas, menor variedade de atividades
ou exigências de competências).
Por sua vez, Pilcher et al. (2011) referem que o envolvimento
(“engagement”) nas atividades direcionam a atenção do indivíduo o que introduz
uma certa resistência à privação do sono ou períodos prolongados sem dormir.

H 2 - Descrições positivas da equipa de trabalho estão associadas a níveis


de fadiga mais baixos.

O trabalho em equipa é apresentado como crucial para a melhoria do


desempenho e segurança numa grande variedade de indústrias (Guzzo &
Dickson, 1996; West et al., 1998, Salas et al., 2004).
Por sua vez, Barnes e Hollenbeck (2009) destacam a necessidade de
considerar os efeitos grupais cumulativos da fadiga, entendendo que a fadiga
total não tem que ser idêntica ao somatório dos níveis de fadiga individuais.
Contemplando o contexto da aviação e a atual formação das tripulações,
Thomas e Ferguson (2010) destacam que para além da fadiga individual, a

84
formação deverá destacar as consequências da fadiga num grupo de trabalho
contemplando entre outros aspetos o conformismo grupal e a visão de túnel.

H 3 - Descrições positivas da equipa de trabalho mediam a relação das


exigências do trabalho com a fadiga.

Método
Participantes
Um total de 1588 indivíduos da população ativa geral, representando uma
multiplicidade de funções e sectores de atividade foi convidada a participar neste
trabalho. A amostra foi dividida em dois grandes grupos, sendo o primeiro grupo
trabalhado a nível exploratório e o segundo grupo para a análise do modelo
estrutural. A tabela 2 sintetiza as principais caraterísticas de ambas as amostras.

Tabela 2 – Principais características da amostra

Amostra A Amostra B
N 803 785
Género 46.3% Homens e 53.7% 49.3% Homens, 50.7%
Mulheres Mulheres
Idade M = 38.04 SD = 10.58 M = 37.60 SD = 10.58
Contrato permanente 76.8% 73.4%
Trabalho por turnos 40.4% 42.4%
Trabalho no período 24.2% 26.0%
02.00-05.00am
Horas extraordinárias 32.4% 33.7 %

Medidas
Três grandes medidas foram utilizadas neste trabalho. Para avaliar a
fadiga foi utilizada a Checklist Individual Strength (CIS) desenvolvida por
Bultmann et al. (2000)que contempla quarto fatores: severidade da fadiga,
fadiga física, motivação e concentração (α=.807 para a amostra A).
Para a descrição das caraterísticas do trabalho foi utilizada uma versão
simplificada do Job Content Questionnaire desenvolvido originalmente por
Karasek (1979). Três grandes dimensões são consideradas na descrição do
trabalho: latitude de decisão, ritmo de trabalho e carga de trabalho ( α=.750
para a amostra A).
Por ultimo, o grupo de tralho foi descrito com base no questionário
proposto por Aubé e Rousseau (2005) que contempla comportamentos de apoio,

85
desempenho da equipa, clima de equipa e viabilidade da equipa (α=.936 para a
amostra A).

Resultados
Os principais resultados das análises efetuadas são apresentados na
figura 1. O modelo de mediação do trabalho em equipa sobre a fadiga
ocupacional tem um ajustamento razoável à estrutura de covariância analisada
(χ2/df= 2.694, CFI=.900, GFI=.873, RMSEA=.046 P[rmsea≤.05]=.005, I.C. a
90% ].044; .049[. Todos os itens apresentam pesos fatoriais elevados e a
percentagem da variância do trabalho em equipa sobre a fadiga explicada pelo
modelo é de 4%. O trabalho em equipa apresenta um efeito direto na fadiga
ocupacional (β =.182, p <.001). As características do trabalho apresentam um
efeito direto (β =-.105, p =.042) e um efeito mediado pelo trabalho em equipa
de (β= -.028, p =.007) sendo ambos estatisticamente significativos.

Figura 2. Modelo de mediação o trabalho em equipa sobre a fadiga ocupacional

Discussão
Contemplando algumas das mais recentes recomendações no âmbito da
fadiga ocupacional, este trabalho teve como objetivo estudar o efeito mediador
do trabalho em equipa sobre a relação das características do trabalho na fadiga
ocupacional.
Uma primeira hipótese contemplou o efeito positivo que as características
do trabalho podem ter sobre a fadiga ocupacional, i.e., atividades descritas como
envolvendo uma maior diversidade, mais criatividade, oportunidades para
aprender novas tarefas, etc. pelo efeito estimulante que têm nos indivíduos
estariam na origem de menores níveis de fadiga. A não confirmação desta
hipótese leva à necessidade de reanalisar as atividades desenvolvidas pelos
participantes bem como as suas principais caraterísticas.

86
Uma segunda hipótese confirmou o efeito de um melhor clima de equipa,
da cooperação e do apoio como possível medida mitigadora da fadiga
ocupacional.
Por último, os resultados confirmaram o efeito mediador da equipa de
trabalho na relação entre as características das atividades e a fadiga
ocupacional. No entanto, e dado o valor negativo desta mediação, os resultados
destacam como um bom equipa de trabalho não é suficiente para inverter uma
relação negativa das características do trabalho na fadiga ocupacional. Estudos
futuros deverão explorar outras relações entre diferentes níveis de análise já que
as caraterísticas do trabalho remetem para um nível de análise mais micro e a
equipa para uma análise mais meso. Por último, recomenda-se igualmente que
seja explorado o apoio da equipa e, se possível, que se diferencie um apoio mais
relacional de um suporte mais técnico, este último mais associado às
característica do trabalho e à interdependência de atividades.

Referências
Aubé, C e Rousseau, V. (2005). Team goal commitment and team effectiveness:
The role of task interdependence and supportive behaviors, Group
Dynamics: Theory, Research, and Practice, 9, 189–204, DOI:
10.1037/1089-2699.9.3.189
Barnes C. M. and Hollenbeck J. R. (2009). Sleep deprivation and decision-making
teams: burning the midnight oil or playing with fire. Academy of
Management Review, 34, 56-66.
Bültmann, U., de Vries, M., Beurskens, A. J. H. M., Bleijenberg, G., Vercoulen J.
H. M. M. & Kant, I. (2000). Measurement of prolonged fatigue in the
working population: Determination of a cut-off point for the checklist
individual strength. Journal of Occupational Health Psychology, 5, 411-416.
DOI: 10.1037//1076-B998.5.4.411
Caldwell, J. A. and Caldwell, J. L. (2003). Fatigue in Aviation: A guide to staying
awake at the stick. Aldershot, England: Ashgate.
Chaiken, S. R., Harville D. L., Harrison, R., Fischer, J., Fischer, D. and Whitmore,
J. (2011). Fatigue impact on teams versus individuals during complex
tasks. In P. L. Ackerman (Ed.). Cognitive fatigue: Multidisciplinary
perspectives on current research and future applications (pp. 273-285).
Washington, DC; APA.

87
D´Oliveira T. & Palma P.J. (2006). Occupational fatigue and job characteristics.
Proceedings do IV Congreso Internacional de Prevención de Riesgos
Laborales, Maio 10-12, Sevilha, Espanha.
D’Oliveira, T. & Marques, P. (2009). Fatigue in occupational settings: Objective
and subjective indicators and practical implications. Proceedings da XI
Conferência Europeia ENOP, 22-24 Outubro, ISCTE-IUL, Lisboa, Portugal.
Salas E., Stagl K. C. and Burke C. S. (2004). 25 Years of team
effectiveness in organizations: research themes and emerging needs.
International Review of Industrial and Organizational Psychology, 19, 47-
91
D'Oliveira, T. (2011). Occupational fatigue: Implications for aviation. In K. W.
Kallus (Ed.). Aviation Psychology in Austria 2 (pp. 51-59) Vienna, Austria:
facultas.wuv universitatsverlag.
Guzzo R. A. & Dickson M.W. (1996). Teams in Organizations: recent research on
performance and effectiveness. Annual Review of Psychology, 47, 307-338
Harrison, Y. & Horne, J. A. (2000). The impact of sleep deprivation on decision
making: A review. Journal of Experimental Psychology: Applied, 6, 236-
249. DOI: 10.I037//1076-8O8X.6.3.236
Pilcher, J. P, Wood M. A. V. and O’Connell, K. L. (2011). The effects of extended
work under sleep deprivation conditions on team-based performance.
Ergonomics, 54, 587-596. DOI:10.1080/00140139.2011.592599
Scotter, J.R., Motowildo, S.J. & Cross, T. C. (2000). Effects of task performance
and contextual performance on systemic rewards. Journal of Applied
Psychology, 85, 526-535 DOI: 10.1037//0021-9010.85.4.526
Shahid, A., Shen, J. & Shapiro, C. M. (2010). Measurements of sleepiness and
fatigue. Journal of Psychosomatic Research, 69, 81–89.
DOI:10.1016/j.jpsychores.2010.04.001
Shen, J., Barbera, J. & Shapiro, C. M. (2006). Distinguishing sleepiness and
fatigue: focus on definition and measurement. Sleep Medicine, 10, 63-76.
DOI:10.1016/j.smrv.2005.05.004
Thomas, M. J., W. and Ferguson, S. A. (2010). Prior sleep, prior awake and crew
performance during normal flight operations. Aviation, Space and
Environmental Medicine, 81, 665-670. DOI: 10.3357/ASEM.2711.2010
West, M. A., Borrill, C. S. e Unsworth K. L. (1998). Team effectiveness in
organizations. International Review of Industrial and Organizational
Psychology, 13, 149-196.

88
Whitmore, J. Chaiken, S., Fischer, J., Harrison, R. Harville, D. (2008). Sleep loss
and complex team performance. Air Force Research Laboratory Human
Effectiveness Directorate Biosciences and Protection Division Biobehavioral
Performance Branch (AFRL-RH-BR-TR- 2008-0005). Brooks-City-Base,
Texas: Air Force Research Laboratory Human Effectiveness.

89
TÍTULO: Prazer, sofrimento e superação no trabalho de uma equipe

multiprofissional na atenção primária à saúde

AUTOR(ES): Sueli de Santana Reis Melo, Elaine Andrade Leal Silva,

Thereza Christina Bahia Coelho, Tânia Maria de Araújo

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - BRASIL

RESUMO
O trabalho pode promover um estado ou sentido de realização para a
pessoa que trabalha e o alcance desta realização é gerador de prazer, enquanto
que o processo de busca para esta realização envolve sofrimento. São com os
modos de agir, através da discussão, cooperação e ressignificação do sofrimento
que se administra ou melhora a situação. O sofrimento, então, é transformado
num processo chamado superação e isso traz uma contribuição que favorece a
identidade, aumenta a resistência do trabalhador ao risco de instabilidade
psíquica e somática e funciona como intermediador para a saúde dos mesmos.
Considerando a relevância dessa temática, este estudo objetivou discorrer
acerca do prazer, sofrimento e superação no trabalho de uma Equipe
Multiprofissional em unidades de saúde da Atenção Primária à Saúde em Santo
Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Trata-se de um estudo descritivo exploratório,
de natureza qualitativa sob análise de conteúdo. Os principais resultados
encontrados apontaram que o prazer no trabalho é expresso através da ação de
ajudar aos outros, ser reconhecido, do relacionar-se com outro, e o sofrimento é
refletido na ausência de recursos financeiros, adesão da população,
comunicação, espaço, resultados e o próprio fracasso no planejamento de
algumas ações que levam muitas vezes a situações de esgaste físico e
emocional, cansaço, desconforto, estresse e a própria frustração. No intuito de
buscar subsídios tanto no âmbito coletivo quanto no individual esses
trabalhadores buscam um novo redirecionamento ao seu trabalho para
superarem essas dificuldades amenizando o sofrimento em seu espaço de
trabalho. Diante dos resultados, pode-se perceber o quanto se faz necessário o
investimento em estudos e pesquisas acerca desse tema.

PALAVRAS-CHAVES: TRABALHO, PRAZER E SOFRIMENTO.

90
ABSTRACT
The work can promote a state or sense of accomplishment for the person who
works and the scope of this embodiment generates pleasure, while the search
process for achieving this involves suffering. They are with the ways of acting,
through discussion, cooperation and redefinition of the suffering that manages or
improves the situation. The suffering is then transformed into a process called
overrun, and this brings a contribution that favors the identity of the worker
increases the resistance to the risk of psychic and somatic instability and acts as
intermediary for the health of ourselves. Considering the relevance of this
theme, this study aimed to talk about pleasure, suffering and overcoming the
work of a Multidisciplinary Team in health units of Primary Health Care in Santo
Antonio de Jesus, Bahia, Brazil. This is a descriptive, exploratory qualitative in
content analysis. The main results indicate that the pleasure in the work is
expressed through action to help others, be recognized, the relationships with
others, and suffering is reflected in the lack of financial resources, membership
of the population, communication, space, and the results own failure to plan
some actions that often lead to situations of physical and emotional exhaustion,
fatigue, discomfort, stress and even frustration. In order to get subsidies in both
the collective and the individual workers they seek a new direction to his work to
overcome these difficulties easing the suffering in your workspace. From the
results, one can see how much investment is needed in studies and research on
the subject.

KEYWORDS: LABOR, PLEASURE AND SUFFERING.

INTRODUÇÃO
O trabalho ocupa, na vida dos seres humanos, papel fundamental, pois é
através dele que podemos atingir satisfação e realização profissional e é a partir
dele que nos projetamos no mundo, sendo que o mesmo pode se apresentar
como fonte de prazer, mas, também, de sofrimento. É comum conviver-se com
uma gama de problemas que alteram intensamente a capacidade dos
profissionais de saúde em responderem de forma eficaz às demandas por saúde
na vida individual e na vida coletiva (GOMES; LUNARDI FILHO; ERDMANN,
2006).
Assim, o trabalho só é apresentado como fonte de prazer quando permite
o desenvolvimento e aperfeiçoamento das potencialidades do trabalhador, que

91
por sua vez, libera-se para criar e executar o próprio trabalho, levando-o à sua
satisfação e a conscientização de que seu papel vai muito além da organização
na qual trabalha, mas também, para a sociedade em que está inserido.
Dejours (1992) afirma que trabalhar é uma atividade central na vida
humana e de vital importância para o fortalecimento da identidade. Entretanto, o
sofrimento no trabalho, é inevitável, visto que trabalhar é fazer a experiência
com o real, enfrentar o que não foi previsto, pois o trabalho nunca é neutro e
sempre proporciona uma experiência com o real, isto é, o prazer e o sofrimento
no trabalho não existem como organizações absolutas, isoladas e independentes
de sua forma de expressão e manifestação, porém relacionado aos
conhecimentos de cada profissional, nas suas vivências, no seu entendimento da
relação trabalho, prazer, sofrimento como um processo histórico (GOMES;
LUNARDI FILHO; ERDMANN, 2006).
Deste modo, no trabalho o sujeito se depara com o inesperado e é diante
do sofrimento que os trabalhadores utilizam a mobilização subjetiva para
transformar a situação. Quando o sujeito consegue negociar as regras da
organização de trabalho, ultrapassar os obstáculos e realizar sua tarefa
conquista-se o prazer. Por outro lado, quando isso não é possível, perdura o
sofrimento, persiste a experiência de fracasso que, quando demorada,
representa um risco para a saúde, porque atinge a identidade do sujeito e pode
acarretar à doença (LANCMAN & SZNELWAR, 2004).
Vieira (2005) corrobora ao ressaltar que o trabalho pode representar uma
fonte de prazer, quando os trabalhadores conseguem transformar situações
causadoras de sofrimentos, por meio de mobilização subjetiva e coletiva ou
ainda por meio do reconhecimento no trabalho. A mobilização subjetiva é um
meio para lidar com o sofrimento e buscar o prazer, uma vez que, o trabalho
também pode ser caracterizado como fonte de sofrimento, onde o trabalhador,
através da sua subjetividade, lança mão de recursos intelectuais para
transformar as situações causadoras de sofrimento e lidar com as dificuldades
(DEJOURS, 1992).
Dito isto, Braga (2007) fala que as influências da satisfação no trabalho,
às condições e a qualidade de vida sobre a saúde dos trabalhadores têm sido
abordadas por disciplinas como psicologia, sociologia, medicina do trabalho,
ergonomia, economia e administração sobre o papel do trabalho na vida das
pessoas, e as influências que exerce sobre o grau de saúde desses
trabalhadores. Tornando-se cada vez mais imprescindível um campo ampliado

92
da saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS), sistema este, que
propõe abordagens interdisciplinares, intersetoriais e de fortalecimento da
sociedade rumo a mudanças eficazes para a promoção da saúde de quem
trabalha na Atenção Primária à Saúde (LOURENÇO; BERTANI, 2007).
No Brasil, o trabalho da Atenção Primária à saúde é definido como um
conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a
promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o
tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. (BRASIL, 2011, p. 48).
Neste contexto de trabalho existe a equipe multidisciplinar que segundo Peduzzi
(2001) consiste em uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na
relação recíproca entre as diferentes áreas profissionais.
Desse modo, neste espaço, é interessante fazer uma reflexão sobre o
prazer, sofrimento e superação no trabalho em saúde, em especial ao da Equipe
Multiprofissional, nos alicerçando na fala de Chiodi e Marziale (2006) que
definem o trabalho dos profissionais nas Unidades de Saúde envolto em vários
fatores de risco ocupacional, que podem ocasionar danos à saúde destes
trabalhadores e, consequentemente, interferirem na qualidade do trabalho
desenvolvido com os usuários.
Sendo assim, objetivou-se conhecer as situações de prazer, sofrimento e
superação vivenciadas pelos trabalhadores de uma Equipe Multiprofissional de
Santo Antonio de Jesus, Bahia, Brasil.

MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, de natureza qualitativa. A pesquisa foi
realizada em Santo Antonio de Jesus, um município brasileiro do estado da
Bahia, localizado na região do Recôncavo Sul, situado a 187 km da capital
Salvador e com uma área de 259 Km², possuindo uma população, segundo a
contagem do IBGE, realizada no censo nacional de 2010 de 90.949 habitantes. A
escolha do campo de estudo está ligada ao fato de que neste município localiza-
se o Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB), mostrando-se como pólo de investigação científica, apoio teórico-
estrutural e, o fato de maior relevância, pelo município contar com as Equipes
Multiprofissionais.

SUJEITOS

93
Os sujeitos do estudo são os trabalhadores da Equipe Multiprofissional:
Farmacêutica, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Educador Físico, Nutricionista e
Terapeuta Ocupacional. Estabelecemos como critérios de inclusão: ser trabalhador
da equipe há mais de seis meses, considerando que é o tempo mínimo para que
possam ter clareza e apropriação do seu processo de trabalho, além de já ter
tempo suficiente para a aproximação, mínima, com o prazer, sofrimento e
superação.

INSTRUMENTOS
Foram utilizadas uma entrevista semi-estruturada na coleta de dados e
um gravador de voz.

PROCEDIMENTOS
Toda pesquisa que envolve seres humanos, precisa ser avaliada por um
Comitê de Ética em Pesquisa para que assim obtenha o respaldo legal/jurídico e
possa ser realizada de acordo com a resolução nº 196/96 a qual diz respeito às
Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
Assim, este projeto de pesquisa foi submetido à apreciação de um Comitê de
Ética em Pesquisa.
Após a aprovação pelo conselho a coleta de dados foi desenvolvida em
duas etapas: Na primeira etapa, foi entregue uma carta ao Núcleo de Saúde
Coletiva (NUSC) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), junto
com um resumo deste projeto e seus objetivos solicitando a permissão para
utilizar o banco de dados do subprojeto intitulado: Processo de Trabalho em
Saúde na Atenção Básica, que faz parte do projeto Condições de trabalho,
condições de emprego e saúde dos trabalhadores da saúde, que tem como
pesquisadoras Drª Tânia Maria de Araújo, Drª Maura Maria Guimarães de
Almeida e Thereza Christina Bahia Coelho. Na segunda etapa, foi entregue um
ofício a Secretaria de Saúde de Santo Antonio de Jesus solicitando a permissão
para a coleta de dados com os profissionais da Equipe Multiprofissional do
município. Após a permissão, as entrevistas foram realizadas no mês de
fevereiro 2012, orientadas por um roteiro que possibilitou aos entrevistados
colocarem-se, quanto ao seu prazer, sofrimento e superação no trabalho.

ANÁLISE DOS DADOS

94
A análise dos dados foi realizada de acordo com a técnica de análise de
conteúdo descrita por Minayo (2004).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Prazer no Trabalho e os dispositivos elencados: o reconhecimento, o
relacionar-se, o trabalho e a ajuda.
Prazer no trabalho de acordo com Dejours (1996) é um dos caminhos
para a saúde do trabalhador, tendo em vista que possibilita a criação da
identidade pessoal e social do mesmo.
Quando questionados acerca do que proporciona prazer no trabalho, os
mesmos responderam, em sua maioria, que o reconhecimento do trabalho tanto
pelos profissionais quanto pelas pessoas trazia grande satisfação. A ideia
mencionada acima foi evidenciada na seguinte fala:
Quando o trabalho também é reconhecido pela é, por
pessoas e por, por setores superiores a gente, [...] aí
também dá prazer. É quando eu tenho, quando eu tenho
um retorno, né do, do, das coisas que a gente realiza,
quando a gente tem um retorno [...] Teve algum tipo de,
de resultado, teve algum retorno, é positivo das pessoas
que participam isso dá mais prazer. (ENT 2).
Nota-se que na fala do entrevistado o reconhecimento é elemento
fundamental para sentir prazer no trabalho e o mesmo funciona como um
motivador para o trabalhador. Na visão de Dejours (2004) o reconhecimento é
elemento fundamental para o prazer. E o reconhecimento possui dois aspectos:
o reconhecimento pronunciado pelos membros da equipe ou da comunidade e o
reconhecimento pronunciados pelos superiores hierárquicos e subordinados.
Outro ponto bastante relevante para o alcance desse prazer no trabalho
está no fato de poder relacionar-se, criar vínculos com os usuários do serviço,
uma vez que a Equipe Multiprofissional funciona como uma retaguarda
especializada às equipes de referência, o que favorece o vínculo, e esse processo
de formação de vínculo entre usuários e profissionais de saúde da Atenção
Primária é fundamental para garantir laços de confiança, cumplicidade e
afinidade entre os mesmos, bem como se torna uma estratégia para a melhor
assistência à saúde.
O que os entrevistados dizem sobre o relacionar-se no serviço de saúde é
comprovado na entrevista seguinte, onde o trabalhador descreve o prazer em

95
trabalhar com pessoas companheiras, de forma humanizada que sempre estão
abertas a diálogos.
Trabalhar com as pessoas que são companheiras e que
sempre tá aberta a conversa, a diálogos. É, pessoas
que está sempre com a gente de uma forma amigável,
que sempre procura tá ajudando o outro, não existe
aquela coisa de hierarquia, existe um coleguismo entre
todos, todo mundo [...] todos trabalham da mesma
forma, de uma forma bem humana, humanizada ( ENT 3).
A questão dos relacionamentos interpessoais é de intrínseca extensão
emocional e é decisiva para a vida integrada, uma vez que, na dinâmica das
boas relações é importante entendermos que cada ser é único, individual, com
liberdade de escolhas, de pensar, sentir e agir do seu modo. (LEITÃO;
FORTUNATO; FREITAS, 2006).
Realizar com êxito aquilo que foi planejado e ter o reconhecimento da sua
ação traz grande satisfação para o trabalhador e aqui neste contexto, satisfação
e prazer ganham o mesmo significado como pode ser observado na entrevista
seguinte:
Posto ficou lotado [no dia da realização do projeto] e isso
pra gente foi muito bom, a gente não esperava esse
resultado, tá, porque assim, tinha criança, tinha idoso,
tinha adolescente, tinha adulto, homem, mulher, então a
gente conseguiu atender todo o público, todo o tipo de
público nesse projeto, então isso pra gente é, deixou a
gente muito satisfeito (ENT 4).
Satisfação é, neste contexto, um sentimento elencado pelo entrevistado e
traduzido como sinônimo de prazer. No trabalho segundo Martinez e Paraguay
(2003) vem sendo definida como um estado emocional positivo que exerce
influências sobre o trabalhador relacionado ao prazer ou à felicidade no trabalho
manifestado através de sua saúde, qualidade de vida e comportamento.
Entretanto, apesar da influência que a mesma pode exercer na vida dos
trabalhadores não existe um consenso sobre conceitos e teorias referentes a
esse tema e as teorias que existem evoluíram de uma visão em que o
trabalhador reage mecanicamente a fatores externos e que a satisfação no
trabalho existe unicamente em função de salários.

96
A análise das respostas dos entrevistados permitiu inferir o que os motiva
ao trabalho, o que lhes dá prazer. Consideramos que para os trabalhadores de
uma equipe multiprofissional, o prazer no trabalho possui como dispositivos: o
reconhecimento advindo dos gestores, o retorno da comunidade pelo
reconhecimento das estratégias e planejamentos no trabalho, bem como o
princípio de plantar e colher, ao se deparar com os resultados positivos do
trabalho, como o posto lotado, atendimento de todo mundo, e a própria relação
interpessoal desenvolvida entre trabalhadores/comunidade/gestores, onde se
encontra o prazer de se trabalhar de forma humanizada, com coleguismo e
diálogo. E o próprio fato de trabalhar e assim poder ajudar as pessoas com o seu
trabalho a partir das informações e melhora da saúde da comunidade.

Sofrimento no trabalho: A intersecção entre ausência, planejamento e


sentimentos.
O sofrimento, no trabalho, pode ser caracterizado pela não satisfação das
necessidades do trabalhador. Porém, Dejours (1996, p. 137) afirma que: “O
sofrimento é inevitável e ubíquo. Ele tem raízes na história singular de todo
sujeito, sem exceção. Ele repercute no teatro do trabalho ao entrar numa
relação [...] com a organização do trabalho”.
Para o entrevistado 5 o sofrimento está relacionado com a ausência, a
falta de recursos, que por sua vez acaba prejudicando na qualidade do trabalho.
[...] Às vezes, falta recursos né? audiovisuais né? E
assim de uma forma geral esses materiais muitas vezes
faltam [...] diminuição da qualidade do que dentro do
que a gente propôs a gente acaba fazendo limitado por
causa disso. (ENT 5).
Além disso, nota-se pelo sentimento de frustração dos mesmos, ao
planejar fazer algo e que por algum motivo, seja ele, falta de recursos, apoio da
comunidade, burocracia não ocorre da maneira prevista. Isto ocasiona a
diminuição da qualidade no trabalho, e o mesmo acaba se tornando limitado,
uma vez que segundo Dejours (1999, p.113) “As dificuldades estruturais
aumentam a distância entre o trabalho idealizado e o que os trabalhadores
devem desempenhar de fato”.
Neste sentido, o entrevistado 2 define seu sofrimento sob a perspectiva
de algo que “machuca” e, isso ocorre quando o mesmo não consegue

97
desempenhar o seu trabalho de maneira satisfatória como podemos observar na
a seguir:
Sofrimento é quando alguma coisa machuca, quando
você não tá, não, não consegue realizar, no caso do
trabalho, não consegue realizar seu trabalho bem feito,
ou então alguma coisa de ruim te atrapalha [...] (ENT 2).
O sentimento causado por não conseguir realizar o trabalho “bem feito”,
ou seja, atingir seus objetivos desencadeia a frustração, que é resultante das
expectativas ou desejos que não se realizam, provocando mal-estar. Os
trabalhadores saem motivados de casa para o trabalho, mas a sensação ao
voltarem para casa é, invariavelmente, de cansaço e frustração frente ao não
alcance dos seus objetivos profissionais (ASSIS, 2006).
O entrevistado 1 afirma na fala abaixo que sofre pelo fato da demora que
se tem nos processos de abertura de medicamentos, que ocorre devido a grande
demanda de pessoas que necessitam dos mesmos.
Quando eu tento fazer algo, por exemplo: é a gente
sabe né? que a abertura de processo de medicamentos
por terem um grande número de pessoas que precisam
a gente abre, geralmente demoram um certo tempo,
atrasa um pouco [...] e causa um pouco de sofrimento
(ENT 1).
A demora nesses processos, o grande número de pessoas que precisam
dos medicamentos e o fato da demora e atraso dos mesmos causam sofrimento
para esse entrevistado. Isso ocorre, muitas vezes, porque as próprias demandas
da comunidade, a qual o trabalhador deve oferecer assistência, na maioria das
vezes, estão carregadas de dor e sofrimento e ocasionalmente com pouca
possibilidade de ajuda real, ou eventualmente, bastante semelhantes às próprias
dificuldades pessoais desses trabalhadores o que de alguma forma sobrecarrega
e desgasta o trabalhador (BENEVIDES-PEREIRA; MORENO-JIMÉNEZ, 2003).
Diferente do entrevistado 1, o entrevistado 3 refere como sofrimento o
fato de se trabalhar em um local pequeno, a não existência de um espaço
próprio para a equipe multiprofissional e a própria dependência dos
trabalhadores da equipe multiprofissional em relação aos outros profissionais
quanto à disponibilização da sala para fazer o atendimento, como observado a
seguir:

98
Porque a gente sabe que o Posto é muito é, é pequeno,
a estrutura dele não requer tanto paciente porque, a
gente não tem, é [...] não tem sala própria pra atender,
então a gente depende de alguém pra tá é,
disponibilizando essa sala [...] (ENT 3).
Em meio a essas dificuldades destaca-se ainda o fato de que muitas
Unidades não seguem o preconizado pelo Ministério da Saúde e a precariedade
da infraestrutura física dos estabelecimentos de saúde gera sofrimento tanto
para seus trabalhadores como para os usuários do serviço. Contudo, pelas
características do processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família, é
necessária a projeção de espaços físicos compatíveis com as atividades que
serão realizadas. De acordo com o Manual de estrutura física das Unidades de
Saúde, os espaços e salas da Unidade têm a sua utilização compartilhada por
todos os profissionais da Equipe de Saúde da Família. Com o intuito de orientar
os projetos arquitetônicos, para cada um desses espaços ou salas cabe definir
precisamente a finalidade e o uso de cada um, caracterizando os ambientes
específicos e as dimensões necessárias ao desenvolvimento das ações de
atenção Básica à Saúde (BRASIL, 2008).
O trabalho coletivo da equipe multiprofissional, algumas vezes, causa
sofrimento como pode ser identificado na fala do entrevistado 5.
Porque o trabalho da gente é mais no coletivo e é
nessa parte que entra a parte do sofrimento, que às
vezes, você quer montar, você quer é, fazer um trabalho
com né? é, é com as pessoas e não tem adesão né?
Talvez porque o agente não se propôs porque a gente
sabe que o agente (ACS) é esse elo né intermediário é
com eles. E agente tem a questão de avisar né? e se num
for bem propagado na comunidade, então aí quando a
gente vem aí não tem paciente, isso dá uma frustração
para a gente [...] (ENT 5).
Na fala do entrevistado supracitada, nota-se que o sofrimento no trabalho
ocorre pela falta de adesão da comunidade. O mesmo relata que o trabalho
multiprofissional “é mais no coletivo”, porém, a falta do trabalho coletivo do
Agente Comunitário de Saúde (ACS), quando o mesmo, não avisa, não comunica
a comunidade, demonstra a fragmentação do trabalho coletivo e isso gera
sofrimento. Pinho (2006) traz que o trabalho coletivo é uma tática para modificar

99
o trabalho e promover a qualidade dos serviços, no entanto, apesar dos
benefícios apontados, surgem algumas dificuldades quando não se entende os
objetivos de um trabalho compartilhado, pois ainda resiste à lógica da visão
fragmentada e reducionista do indivíduo, que ainda está enraizada no
comportamento tanto de alguns profissionais, como da própria comunidade.
Desse modo, a análise permite inferir que é necessário entender a
influência da organização do trabalho na qualidade de vida, na geração de
sofrimento físico e psíquico, no desgaste e no adoecimento dos trabalhadores,
sendo de fundamental importância para a compreensão e para a intervenção em
situações de trabalho que podem levar a diversas formas de sofrimento e
adoecimento. Portanto, os desafios para a classe trabalhadora são enormes,
tornando-se vital a organização e articulação destes para a preservação da
saúde e da sua capacidade no trabalho.

Superação: A busca do coletivo, do individual e do redirecionamento.


A psicodinâmica do trabalho parte da hipótese de que os trabalhadores
possuem aptidão de se proteger, de procurar alternativas para a modificação e
reconstrução de uma realidade que está colocada, e em especial, da maneira
como o processo de trabalho está constituído. Deste modo, os trabalhadores
estabelecem estratégias individuais e coletivas, para combater as dificuldades e
poder procurar recursos coletivos ou individuais para impedir ou abrandar os
sentimentos de sofrimento (MARTINS; ROBAZZI; BOBROFF, 2010).
A partir da pesquisa realizada, foi possível observar que os trabalhadores
da equipe multiprofissional usam como forma de enfrentar as dificuldades o
auxílio de novas alternativas, através do redirecionamento de algumas ações,
onde buscam mecanismos de defesa pautados na mudança de estratégias e na
elaboração de novos planos, como se observa abaixo:
E a gente tem que se virar com o que aquilo que a
gente tem né [...] estratégia de enfrentamento, bom
que, é, é, a gente tem que procurar encarar as coisas não
com, com tanta é, como é que eu poderia dizer? [...] não
ficar tão focada de, de que a frustração que você tenha te
impeça de você continuar [...] mas assim, sempre na
esperança de que a gente vai fazer algo melhor né?
(ENT 5).

100
Procuro sempre, quando a gente não tem, é formas, por
exemplo: pedido de medicamentos, ele não chega, então
o que é que eu faço? Por possuir carro, não espero o
almoxarifado vim buscar, porque eu sei que a demanda
é muito grande, então eu geralmente, eu não necessito do
carro pra vir buscar o pedido do medicamento, eu
sempre vou buscar, então isso é uma diminuição da
demanda pra não haver atraso [...] vou e entrego, dá
um jeito, sabe? de ajudar realmente a diminuir esse
atraso [...] (ENT 1).
De acordo com as falas dos entrevistados 5 e 1 percebe-se a
convergência nas mesmas. Nesse sentido, os entrevistados trazem como
mecanismos de defesa para o sofrimento o fato de "se virar com aquilo que se
tem” com o intuito de melhorar a situação, bem como driblar o sofrimento no
trabalho.
Entretanto, esses mecanismos são caracterizados como estratégias
defensivas, e essas muitas vezes trazem à tona a impotência do trabalhador
frente a essas dificuldades, uma vez que ao usar estes mecanismos de defesa
constatam que são incapazes de mudar a tarefa ou de encontrar uma
significação ao realizá-la. Nesta perspectiva, os mecanismos de defesa ou as
estratégias defensivas têm como principal alvo camuflar o sofrimento existente,
o que explica o fato de trabalhadores apresentarem características de
normalidade aparente mesmo estando em processo de sofrimento psíquico
(DEJOURS, 1992).
Os trabalhadores discursam sobre as estratégias defensivas necessárias
para a atuação profissional de qualidade. Os mesmos buscam alternativas fora
do ambiente de trabalho para superar o sofrimento e assim melhorar as
condições de trabalho uma vez que, não exigir tanto de si, relaxar, descansar,
assistir filmes e conversar são maneiras de driblar o sofrimento no trabalho. Isso
fica evidenciado na fala a seguir:
Eu procuro sempre tentar resolver da melhor forma assim,
é descanso [...], então pra não tá exigindo tanto de
mim, um esforço físico e mental [...] Sempre procuro
chegar em casa e fazer alguma técnica de relaxamento,
assitir algum, algum filme, pra tentar amenizar minha

101
ansiedade, converso com colegas, tiro dúvidas (ENT
3).
A realização de terapia, exercícios físicos, qualificação profissional e
aperfeiçoamento das competências ajuda no combate ao sofrimento no trabalho.
Desse modo, segundo Marcelino (2006) o trabalhador tem que buscar atividades
que visem à satisfação e que sirvam como estratégias de enfrentamento para as
dificuldades no trabalho. Essas atividades incluem descansar, recuperar as
energias, distrair-se, entreter-se, recrear-se, enfim, o descanso e o divertimento
são os valores comumente mais associados ao lazer.
Contudo, o fato de buscarem atividades físicas e de lazer fora do
ambiente de trabalho expressa uma estratégia de compensação mais próxima da
defesa, que a priori pode ser positivo para minimizar o sofrimento representado
no estresse, tendo em vista que esta estratégia evita o contato com o sofrimento
advindo das situações de trabalho, mas não se busca mudanças das causas do
sofrimento e sim, formas de controlá-lo (MENDES; COSTA; BARROS, 2003).
Nesta perspectiva, os trabalhadores, além das estratégias individuais
também fazem uso das estratégias coletivas que são utilizadas com o propósito
de driblar o sofrimento como pode ser verificado na fala a seguir:
[...] quando eu vejo né? que eu sozinho não tô sendo
capaz né, de resolver, eu busco apoio ou dos outros
profissionais que trabalham comigo, ou é também da
Equipe de Saúde da Unidade, até porque se eu faço
parte de um grupo né, não posso me ver sozinho [...]
(ENT 4).
Para o entrevistado 4, “buscar apoio” dos outros trabalhadores ou da
“Equipe de Saúde da Unidade” quando se dá conta de que individualmente não
vai conseguir resolver as dificuldades são formas de superar os problemas
encontrados no trabalho.
A psicodinâmica do trabalho parte da hipótese de que os trabalhadores
possuem aptidão de se proteger, de procurar alternativas para a modificação e
reconstrução de uma realidade que está colocada, e em especial, da maneira
como o processo de trabalho está constituído. Desse modo, os trabalhadores
estabelecem estratégias coletivas, para combater as dificuldades e poder
procurar recursos coletivos para impedir ou abrandar os sentimentos de
sofrimento (MARTINS; ROBAZZI; BOBROFF, 2010).

102
O entrevistado 6 traz a relação de “troca” entre os profissionais,
caracterizando o trabalho coletivo do NASF como importante no combate ao
sofrimento no trabalho. A existência de um grupo unido ajuda a lidar com a
pressão que sofrem, uma vez que, ao colaborar um com o outro sempre que é
preciso é importante instrumento de defesa coletiva contra o sofrimento. O
entrevistado 2 complementa o 6 ao afirmar que os profissionais unidos tentam
modificar e/ou contornar a situação de dificuldade, com a inclusão de novas
ideias, estratégias que possibilitem a resolução dos problemas no ambiente de
trabalho.
[...] quando a gente tá dentro do grupo [Equipe
Multiprofissional] a gente procura passar mesmo essa
coisa de troca entre eles (ENT 6).
A gente tenta ir contornando né? [...] se a dificuldade
for de comunicação a gente tenta procurar as pessoas pra
poder tentar resolver a situação, se a dificuldade for
material a gente também procura entrar em contato com
a Secretaria de Saúde, é, se a dificuldade for de convidar
as pessoas é com os ACS a gente também tenta é, é
montar outro tipo de estratégia que seja atrativo mas
é sempre tentando contornar a situação e tentando
resolver lá mesmo (ENT 2).
O entrevistado 6 e o entrevistado 2 definem bem o trabalho coletivo da
equipe multiprofissional, ao dizer que quando trabalham unidos, somando forças
com os outros profissionais, elaboram projetos coletivos que servem para a
população, mas também para os próprios trabalhadores em si, que unidos
traçam novas estratégias e acabam melhorando as condições de dificuldades do
trabalho.
O trabalho da equipe multiprofissional é um trabalho coletivo que requer
também pensar no cuidado de quem cuida. Nesse sentido, quando se esgota a
possibilidade de negociação entre trabalhador e organização do trabalho, surge o
sofrimento. Assim, a luta contra esse sofrimento caracteriza-se por estratégias
coletivas de defesa que podem ser úteis, pois permitem que as pessoas
continuem trabalhando e sobrevivendo às dificuldades no ambiente de trabalho e
melhorando a relação: trabalhador – usuário; trabalhador – outros
trabalhadores, uma vez que, o trabalhador, quando em sofrimento, pode ter

103
dificuldade de ser responsável pelo sofrimento do outro, o que repercute de
forma negativa no cuidado em saúde (GLANZNER; OLSCHOWSKY, 2008).
Com base nos resultados das respostas dos entrevistados, identificou-se o
uso tanto de estratégias defensivas quanto de estratégias criativas no trabalho.
Dentre essas estratégias utilizadas pelos trabalhadores destacam-se: fazer o que
está ao alcance deles, saber dividir o tempo, diminuir o ritmo de trabalho, driblar
as dificuldades, descansar, relaxar, assistir filmes, conversar com os amigos e
elaborar coletivamente novas estratégias, com a ajuda tanto dos profissionais da
Unidade como da própria gestão municipal. Consideramos então, que para os
trabalhadores da equipe multiprofissional o enfrentamento do sofrimento no
trabalho, perpassa tanto pelo âmbito individual, coletivo quanto pelo
redirecionamento das estratégias, com o intuito de se buscar o prazer no
ambiente de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa visava responder ao seguinte problema, quais as situações
de prazer, sofrimento e superação enfrentadas pela equipe multiprofissional da
Atenção Primária à Saúde? Neste sentido, foi elencado o reconhecimento, o
relacionar-se, o trabalho e possibilidade de ajudar as pessoas como fatores
determinantes para a obtenção de prazer no trabalho, bem como a ausência,
planejamentos fracassados e sentimentos de cansaço, frustração e desgaste
físico e mental determinantes para o sofrimento no mesmo. No que concerne à
superação das dificuldades no trabalho, a busca do coletivo, do individual e do
redirecionamento, eram essenciais para gerir situações desfavoráveis,
invertendo-lhe o sentido e transformando o sofrimento em prazer.
Dessa forma, é importante salientar que para nós, profissionais da saúde
e parte integrante da equipe de saúde, é imprescindível condições de trabalho
que possibilitem uma melhora na qualidade de vida. Cabe pontuar que, para
conseguir a obtenção de prazer no trabalho, são necessários investimentos
nesses trabalhadores e novos estudos acerca do tema. Por fim, considera-se que
estudos abordando o referido objeto de pesquisa devem ser incentivados por
parte da gestão do trabalho, da universidade, da comunidade e do próprio
trabalhador da saúde para ter o trabalho motivado pelo prazer e não somente
por um bem capital, com a finalidade de contribuir para a aquisição de
conhecimentos que possam subsidiar melhorias no trabalho.

104
Por fim, revelou-se a importância de um trabalho prazeroso em que se
permita ir além das normatizações e ações do ambiente de trabalho. Diante dos
resultados, pôde-se perceber como o prazer, e a transformação do sofrimento
pela superação das dificuldades no trabalho tem vital impacto sobre a saúde, isto
porque contribui para a constituição de uma sociedade mais saudável, gerando
condições de vida e trabalho seguras, estimulantes, satisfatórias e agradáveis
oferecendo-se assim o pleno e satisfatório desenvolvimento e desempenho do
mesmo. Com a finalidade de contribuir para a aquisição de conhecimentos que
possam subsidiar melhorias nas condições de trabalho e para a elaboração de
estratégias educativas direcionadas aos trabalhadores resultando assim em
qualidade de vida no trabalho.

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, F. B. Síndrome de burnout: um estudo qualitativo sobre o


trabalho docente e as possibilidades de adoecimento de três professoras
das séries iniciais. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2006.
BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. B; MORENO-JIMENÉZ, B. M. Burnout e o
profissional de psicologia. Revista Eletrônica InterAção Psy – Ano 1, nº 1-
Ago 2003 – p. 68-75.
BRAGA, L. C. Condições de trabalho e saúde dos profissionais da
rede básica de saúde de Botucatu, SP. Dissertação, Curso de pós-graduação
em saúde coletiva da Faculdade de Medicina de Botucatua- UNESP, 2007.
BRASIL. Ministério da saúde. Secretaria de atenção à saúde.
Departamento de atenção Básica. Manual de estrutura física das unidades
básicas de saúde: saúde da família / ministério da saúde, secretaria de
atenção à saúde, Departamento de atenção Básica – 2. ed. – Brasília: ministério
da saúde, 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica.
Brasília, 2011.
CHIODI, M. B; MARZIALE, M. H. P. Riscos Ocupacionais para
Trabalhadores de Unidades Básicas de Saúde: Revisão bibliográfica. Acta Paul
Enfer, 19(2): 212-7, 2006.

105
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do
trabalho. 5 ed.ampliada- São Paulo: Cortez- Oboré, 1992.
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações.
In: CHANLAT, J. F (Org). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas.
São Paulo: Atlas, p. 150-173, 1996.
DEJOURS, C. Banalização da injustiça social. Rio de Janeiro, Editora
FGV, 1999.
DEJOURS, C. In LANCMAN, S; SZNELWAR, L. Christophe Dejours. Da
psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz;
Brasília: Paralelo 15, 2004.
GLANZNER, C. H; OLSCHOWSKY, A. Avaliação dos fatores de
sofrimento e prazer no trabalho em um centro atenção psicossocial.
Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade
de Enfermagem. Porto Alegre, 2008.
GOMES, G. C; LUNARDI FILHO, W. D. L; ERDMANN, A. L. O sofrimento
psíquico em Trabalhadores de UTI Interferindo no seu modo de Viver a
enfermagem. R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 14(1): 93-9, 2006.
LANCMAN, S; SZNELWAR, L. Christophe Dejours: Da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho/ Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Brasília: Paralelo
15, 346 p, 2004.
LEITÃO, S. P; FORTUNATO, G; FREITAS, A. S. Relacionamentos
interpessoais e emoções nas organizações: uma visão biológica. Rap, Rio de
Janeiro, 40 (5): 883-907 set./out, 2006.
LOURENÇO, E. A. S; BERTANI, I. F. Saúde do trabalhador no SUS:
desafios e perspectivas frente à precarização do trabalho. Revista Brasileira de
Saúde Ocupacional, São Paulo, 32 (115): 121-134 2007.
MARCELINO, Nelson Carvalho. Estudos de lazer: Uma introdução.
Campinas-SP: Ed.Autores Associados, 2006.
MARTINEZ, M. C; PARAGUAY, A. I. B. B. Satisfação e saúde no trabalho –
aspectos conceituais e metodológicos. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho, 2003, vol. 6, pp. 59-78.
MARTINS, J. T; ROBAZZI, M. L. C. C; BOBROFF, M. C. C. Prazer e
sofrimento no trabalho da equipe de enfermagem: reflexão à luz da
psicodinâmica Dejouriana. Rev Esc Enferm USP; 44 (4): 1107-11 2010.

106
MENDES, A. M; COSTA, V. P; BARROS, P. C. R. Estratégias de
enfrentamento do sofrimento psíquico no trabalho bancário. Estudos e
Pesquisas em Psicologia, 3 (1), 59-72, 2003.
MINAYO, M.C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 8 ed. São Paulo. HUCITEC, 2004.
PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev
Saúde Pública; 35(1):103-9 103, 2001.
PINHO, M. C. G. Trabalho em equipe de saúde: limites e possibilidades de
atuação eficaz. Ciência e Cognição; vol 08: 68-87, 2006.
VIEIRA, A. P. Prazer, Sofrimento e saúde no Trabalho de
Teleatendimento. Dissertação apresentada ao instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de mestre
em Psicologia. Brasília, DF, 2005.

107
TÍTULO: O impacto da justiça organizacional nas intenções de turnover:

um estudo em Portugal e Cabo-Verde

AUTOR(ES): Manuela Freire (manuela.freire@sapo.pt), Suzete Semedo

(asd.semedo@gmail.com), Neuza Ribeiro (neuza.ribeiro@ipleiria.pt)

INSTITUIÇÃO: Faculdade de Economia da Universidade do Algarve; CIGS

– Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Instituto Politécnico de Leiria

Resumo
O presente estudo procura investigar o impacto da justiça organizacional
nas intenções de turnover em duas amostras, uma portuguesa e outra cabo-
verdiana. Pretende-se responder à sugestão de alguns investigadores (Rego,
2002; Rego & Souto, 2004), para que as perceções de justiça organizacional
sejam exploradas por forma a compreender e predizer o comportamento dos
indivíduos em ambiente de trabalho, nomeadamente o que leva um indivíduo a
demonstrar maior ou menor intenção de abandonar o seu emprego. O turnover é
encarado como um dos aspetos mais importantes da dinâmica organizacional.
Pelos seus impactos diretos e indiretos, constitui um dos indicadores mais
determinantes da eficiência da gestão de recursos humanos (Bancaleiro, 2007).
A realidade do abandono voluntário das organizações pelos seus melhores
talentos tem merecido, assim, a atenção de muitos investigadores. Participaram
neste estudo 345 indivíduos de 8 empresas de uma organização portuguesa do
sector das telecomunicações e 431 indivíduos oriundos de 26 empresas de Cabo
Verde (mais concretamente, da ilha de Santiago) pertencentes aos sectores de
atividade comercial, industrial, saúde, serviços, turismo, ensino e administração
pública. Para a amostra portuguesa, os principais resultados sugerem que a
justiça organizacional explica 17% das intenções de turnover. As dimensões que
denotam maior poder preditivo são a “justiça procedimental” e “justiça
interpessoal”. Na amostra cabo-verdiana, as perceções de justiça organizacional
explicam 10% de variância única das intenções de turnover, verificando-se neste
caso que as dimensões “justiça distributiva” e “justiça interpessoal” denotam
maior poder preditivo. O estudo ajuda a compreender o papel da justiça
organizacional na retenção dos melhores talentos. O seu contributo é maior pelo
facto de combinar dados de duas culturas distintas.

108
Palavras-chave: Justiça organizacional, intenções de turnover.

Introdução
Num contexto onde os mercados estão em constante mudança, devido a
um ambiente muito competitivo caracterizado pela incerteza, as organizações
precisam de colaboradores que com elas se identifiquem, adotando como seus
os objetivos das mesmas. A manutenção e reforço da posição competitiva das
organizações passa pela capacidade dos gestores gerirem os processos de
mudança, conseguindo pessoas com níveis elevados de empenhamento
organizacional, e criando vantagens sustentáveis. Deste modo, a relação laboral
traz consigo muitos aspetos de relacionamentos implícitos, sugerindo promessas,
expetativas e obrigações das partes envolvidas. A conjuntura económica, fiscal,
financeira e política atual tem criado pressões que influenciam esta relação
(Schalk, 2004), fazendo emergir novas formas de gerir, e tomadas de decisão,
por vezes, difíceis de entender ou até mesmo aceitar.
Estudar o impacto das perceções de justiça organizacional (JO) nas
intenções de turnover (IT) torna-se, assim, relevante. Para isso, é necessário
perceber como os indivíduos percecionam a sua relação de trabalho dentro da
organização, e como a mesma tem influência no seu bem-estar profissional.
O ambiente organizacional é cada vez mais complexo, instável e
turbulento, o que significa que mesmo em contexto de crise os indivíduos
procuram novas oportunidades de emprego, por forma a reproduzirem a sua
subsistência material. No que se refere à rotatividade, Cunha, Rego, Cunha,
Cabral-Cardoso, Marques, e Gomes (2010) consideram que a constante
saída/entrada de colaboradores pode afetar o trabalho de quem permanece e
prejudicar o clima e a satisfação no trabalho.
Isto, porque muitas das forças que atuam no ambiente organizacional são
baseadas, não só em pressões sociais e culturais, mas também em pressões
económicas, financeiras e políticas que levam os colaboradores a procurar novas
oportunidades. Nesse sentido, estudar estas problemáticas, torna-se relevante
devido às tendências que cada vez mais emergem no mundo do trabalho,
originadas por essas pressões, visto que dificultam as organizações de
cumprirem com as expectativas criadas nos colaboradores. De referir que,
quando isso acontece, os colaboradores diminuem as suas contribuições, tendo

109
atitudes e comportamentos negativos para com a organização (Cunha et al.,
2010).
A literatura mostra que a justiça, nas suas diversas dimensões, é
importante para a existência de um ambiente produtivo e saudável nas
organizações, evidenciando que a perceção de um ambiente organizacional justo
promove atitudes positivas (Rego & Cunha, 2005; Rego, Ribeiro, & Cunha,
2010).
Começaremos por apresentar os aspetos concetuais da JO e as suas
dimensões, procedendo de forma idêntica para as IT. Seguidamente,
apresentam-se as presumíveis relações entre os referidos construtos o objetivo
da investigação. Depois, expõem-se a metodologia e os resultados empíricos.
Por último, seguem-se as principais conclusões, limitações e sugestões para
estudos futuros.

1. Justiça organizacional
O conceito de JO tem sido uma preocupação ao longo dos tempos,
constituindo um objeto de interesse crescente junto dos investigadores, tanto ao
nível das suas dimensões como das suas consequências. Fazendo parte da vida
quotidiana e social das organizações, a JO desempenha um papel importante no
funcionamento eficaz destas, bem como na satisfação dos indivíduos que nela
trabalham (Cropanzano & Greenberg, 1997). Estudos sobre esta matéria
revelam que julgamentos sobre o que é justo e merecido, sobre o certo ou
errado, direitos e deveres estão na base de sentimentos, comportamentos e
atitudes que o indivíduo tem na sua interação com os outros (Cox, Griffiths,
Barlowe, Randall, Thomson, & Rial–Gonzalez, 2000; Cropanzano, 2001;
Greenberg & Colquitt, 2005; Rego, 2002).
O conhecimento das perceções da JO constitui pois um fator importante
para fundamentar a tomada de decisão a nível organizacional. As diversas
investigações sobre o tema explicam como estas se relacionam com as IT,
comportamentos de cidadania organizacional, compromisso organizacional,
confiança, satisfação do cliente, desempenho no trabalho, roubo por parte do
funcionário, alienação, liderança, e trocas interpessoais.
A JO é um construto multidimensional, onde a sua dimensionalidade ainda
hoje é debatida. Os diversos teóricos e investigadores contemporâneos têm
argumentado que esta pode ter desde uma única dimensão até quatro
dimensões (Colquitt, Greenberg, & Zapata-Phelan, 2005; Rego, 2001).

110
Relativamente à multidimensionalidade da JO, os diversos autores referem que a
compreensão do significado das perceções de justiça implica a tomada em
consideração de três dimensões fundamentais (Byrne & Cropanzano, 2001;
Cropanzano & Greenberg, 1997; Rego, 2001): (1) Justiça distributiva; (2)
Justiça procedimental; (3) Justiça interacional. Estudos empíricos mais recentes
dão ênfase a outras duas dimensões: a interpessoal e a informacional (Colquitt,
2001; Rego, 2002), que se distinguem no âmbito da justiça interacional.
A justiça distributiva foi a primeira que suscitou a atenção dos
investigadores organizacionais. Focaliza-se no conteúdo, isto é, na justiça dos
fins alcançados ou obtidos, tais como: salários, notações de desempenho,
sanções disciplinares, promoções, aceitação/rejeição de candidatos, resultados
dos testes de deteção de consumo de droga, fatia orçamental atribuída às
unidades organizacionais subsidiárias, lucros distribuídos pelos trabalhadores
(Rego, 2001). Esta diz respeito à distribuição de recompensas, baseada no
princípio da equidade (Adams, 1965).
Segundo Tetrick (2004), a relação laboral é definida como sendo uma troca
entre empregado e empregador e, na sua forma mais básica, pode ser descrita
como “o empregador paga ao empregado em troca de trabalho”. Para este autor,
tem havido relativamente pouca investigação sobre a relação de trabalho a partir
da perspetiva organizacional, e tem havido muito menos pesquisas que
incorporem tanto a estrutura organizacional como a perspetiva individual. Nesta
ótica, empregado e empregador encontram-se envolvidos numa relação de troca
e se o empregador não cumpre as suas obrigações, os colaboradores tendem a
responder através da redução das suas contribuições. Os resultados negativos
que daí advêm reforçam a importância de compreender os seus antecedentes,
natureza e consequências (Taylor & Tekleab, 2004).
A justiça procedimental focaliza-se no processo, ou seja, na justiça dos
meios usados para alcançar tais fins. Refere-se aos procedimentos usados nos
acréscimos salariais, processos disciplinares, sistemas de avaliação de
desempenho, processos de recrutamento e seleção (Rego, 2001). Esta pretende
aferir a perceção associada aos procedimentos e tomadas de decisão para
determinados resultados, focalizando-se no processo, mais em concreto, na
justiça dos meios usados para alcançar os fins.
Apesar de na literatura prevalecerem conceitos de JO voltados para as
vertentes distributiva e procedimental, estudos empíricos mais recentes dão
ênfase a outras duas dimensões, a interpessoal e a informacional (Colquitt,

111
2001; Rego, 2002), que se distinguem no âmbito da justiça interacional. Embora
alguns autores compreendam que essas dimensões são ramificações da justiça
procedimental (Cropanzano & Greenberg, 1997), outros entendem que são
construtos que devem ser tratados diferenciadamente (Colquitt, 2001; Rego,
2002). A justiça interacional é uma das mais recentes perspetivas da JO, que
reflete a qualidade da interação com os decisores (e.g., o decisor age com
dignidade e respeito? oferece justificações às pessoas afetadas pelas decisões?)
(Rego, 2001). O interesse por esta vertente da JO aumentou quando os
investigadores se focalizaram nos elementos sociais da justiça. A justiça
interacional foca o aspeto interpessoal das práticas organizacionais, mais em
concreto, o tratamento interpessoal e a comunicação entre a chefia e os seus
subordinados. Esta pretende aferir as perceções referentes às relações
interpessoais entre o indivíduo e a organização. Reflete, por exemplo, a
qualidade da interação entre os indivíduos e chefias (Rego, 2000, 2002).
Segundo Colquitt (2001), a justiça interacional estrutura-se não só por
meio das perceções do indivíduo em relação ao tratamento recebido da
organização, mas também pelas justificações dadas nas tomadas de decisões. O
critério utilizado para avaliar as perceções, encontra-se no que é dito ao
indivíduo durante o processo de tomada de decisão e na forma como é dito, sem
ter em conta os resultados obtidos. Deste modo, a justiça interacional é
fracionada em justiça informacional e interpessoal. Na relação de troca é
essencial considerar a natureza interpessoal do empregado-empregador, visto
que existe impacto no relacionamento entre ambos, devido às perceções de cada
um. A qualidade, valor e bem-estar são três perceções importantes que o
empregado-empregador têm no que se refere ao seu relacionamento (Shore,
Tetrick, Coyle-Shapiro, & Taylor, 2004).
Torna-se também importante perceber como os colaboradores percecionam
as práticas de RH, visto existir uma relação entre gestão de pessoas e trocas
sociais. Coyle-Shapiro, Shore, Taylor, e Tetrick (2004) ajudam-nos a entender
este conceito no contexto da gestão de recursos humanos. Neste
enquadramento, as práticas de recursos humanos são vistas pelos indivíduos
como um compromisso personalizado entre eles e a organização (Hannah &
Iverson, 2004).
A literatura mostra que a justiça, nas suas diversas dimensões, é
importante para a existência de um ambiente produtivo e saudável nas

112
organizações, evidenciando que a perceção de um ambiente organizacional justo
promove atitudes positivas.

2. Intenções de Turnover
Mobley (1992) define turnover como sendo um movimento, voluntário ou
involuntário, de entrada e saída de colaboradores. Segundo Gomes, Duarte, e
Neves (2010), o termo turnover remete para a saída voluntária dos
colaboradores da organização para a qual trabalham, sendo um processo
mediante o qual o colaborador se desliga física e psicologicamente desta. Os
mesmos autores referem que o impacto do turnover numa organização é
significativo, sendo reconhecido pela literatura da especialidade, onde é possível
encontrar diversos estudos (Chang, 1999; Trevor, Gerhart, & Boudreau, 1997)
que sustentam a sua pertinência e consequências associadas.
Deste modo, perceber as IT torna-se importante para as organizações que
atuam em cenários cada vez mais competitivos e exigentes, pelo que antecipar e
até contrariar a saída de colaboradores, constitui-se como uma função chave da
gestão de recursos humanos (Gomes et al., 2010).
Num ambiente altamente competitivo, perder talentos pode criar algum
desconforto nos gestores de recursos humanos, tendo em conta que são ativos
essenciais e diferenciadores em qualquer negócio. A perda de colaboradores
pode comprometer resultados há muito conquistados, significando perda de
conhecimento, know-how, capital intelectual, controlo de processos e perda de
ligações com clientes, tendo impacto na produtividade e lucros.
De acordo com Chang (1999), os custos de turnover podem incluir os
custos de oportunidade, os custos necessários para voltar a formar um novo
colaborador e a diminuição do moral dos restantes trabalhadores. Para o referido
autor, estes custos tornam-se ainda mais graves quando a empresa perde
colaboradores valiosos, altamente comprometidos com a organização, sendo
necessário um melhor entendimento das relações entre as IT e o empenhamento
organizacional.
Os investigadores consideram o turnover voluntário, um importante tema
de estudo para melhor compreender as formas de agir dos indivíduos no seu
ambiente profissional, procurando identificar as causas e eventuais
consequências para a organização. Griffeth, Hom, e Gaertner (2000) verificaram
que os resultados da sua meta-análise sugeriam que alguns modelos de gestão
podiam dissuadir as IT.

113
Uma saída voluntária implica custos ao nível da burocracia contratual,
gastos com formação, níveis de desempenho que se perdem, assim como custos
inerentes a uma nova contratação (Trevor et al., 1997). As IT são vistas como
hipóteses subjetivas que os indivíduos estimam para abandonar a organização,
sendo um antecedente da decisão efetiva de saída. Na literatura, podemos
encontrar fatores determinantes das IT relativos ao stresse, bem-estar físico e
psicológico no ambiente de trabalho, satisfação no trabalho e JO.
De acordo com (Wisner, 1994), as más condições de trabalho podem
causar um sofrimento mental ao trabalhador, ganhando proporções elevadas, ao
ponto do indivíduo ver como única saída o abandono da organização.
Vandenberg e Nelson (1999) consideram que para melhor compreender e
controlar as IT, torna-se necessário identificar e conhecer as causas que levam
ao seu aparecimento. O turnover pode então ser considerado como o resultado
da insatisfação dos trabalhadores, uma vez que, pessoas que não gostam do seu
trabalho, tentam encontrar alternativas. As pessoas quando estão insatisfeitas
com o seu trabalho disponibilizam-se para outras oportunidades no mercado de
trabalho.
O bem-estar vivido no ambiente de trabalho condiciona as decisões de
saída ou permanência na organização, por parte dos indivíduos. Dado que o
empenhamento afetivo resulta da ligação emocional à organização, Rego e Souto
(2004) consideram que é provável que os indivíduos mais afetivamente
comprometidos com a organização, possuam uma maior motivação para
contribuírem mais vigorosamente para a organização, por exemplo, com um
menor turnover, absentismo mais baixo e desempenho mais elevado.
DiRenzo e Greenhaus (2011) acreditam que a turbulência da economia e a
consequente ênfase na empregabilidade individual, sugerem um papel diferente
para a satisfação no trabalho. Estes autores vêem a oportunidade de mudança
de emprego, em geral, e a satisfação no trabalho, em particular, não como um
“gatilho” para a procura de emprego e IT, mas sim como um fator de
contingência que determina o modo como se procura emprego e afeta a decisão
final de saída.

3. Fundamentação teórica e objetivos de investigação


Para Cox et al. (2000), o “novo” ambiente organizacional é propício a
aumentos de resistência por parte dos indivíduos, decorrentes de uma atmosfera
impulsionada pelo conflito, stresse e, muitas vezes, uma visão deturpada da JO.

114
A maioria destes conflitos são atribuídos, segundo os autores, à organização,
gestão do trabalho, contextos sociais e ambientais onde se encontra inserido o
indivíduo, podendo-lhe causar danos psicológicos, sociais e físicos.
A teoria da equidade de Adams (1965) tinha em consideração a
distribuição de resultados e recompensas, ou seja, a forma como o indivíduo
compreendia a proporção entre o seu investimento e as recompensas por ele
recebidas, comparando-se com os seus colegas de trabalho. De facto, quando
um indivíduo percebe uma injustiça, pode responder de várias formas,
procurando sempre estabelecer um novo equilíbrio através de ações que
compensem a injustiça nas recompensas, tais como: diminuir os níveis de
trabalho, sair mais cedo, deixar de apoiar colegas, ausências ou atrasos,
chegando a abandonar a organização.
Para Rego (2000), as diferentes vertentes da justiça interagem entre si,
visto que, se um indivíduo perceciona que os resultados recebidos são injustos,
mas os procedimentos justos, estes últimos podem inibi-lo de agir contra a
organização. No entanto, se o indivíduo perceciona que quer os resultados, quer
os procedimentos são injustos, as suas reações negativas tendem a ser fortes.
Cada dimensão substitui parcialmente outra na produção de efeitos: a justiça
procedimental/interacional exerce maior impacto quando o resultado é injusto ou
desfavorável e a distributiva exerce maior efeito quando os procedimentos são
injustos (Rego, 2002).
Os estudos sobre JO de Cropanzano (2001) e Greenberg e Colquitt (2005)
mostram que o ambiente de trabalho se revela como um dos locais de
convivência social que apresenta um maior número de acontecimentos de
injustiça. Estas injustiças, presentes no local de trabalho, afetam o
comportamento e atitudes dos indivíduos, diminuindo a sua satisfação,
desempenho, degradando o empenhamento organizacional que, por seu lado,
prejudicam o desempenho da organização. Daqui resulta que, caso exista a
perceção por parte dos indivíduos de que estão a ser vítimas de injustiças, estes
tendem a responder negativamente com comportamentos retaliatórios (Cohen-
Charashy & Spector, 2001) ou abandonam a organização.
As várias dimensões da JO possuem definições e características próprias
que revelam as diversas conceções sobre o que é justo e o que não é justo no
contexto laboral. Segundo Colquitt (2001), os indivíduos, a partir do que
consideram justo, ajustam as suas interações com os outros. Deste modo,
perante um mesmo processo organizacional, podem surgir diferentes perceções

115
de justiça desencadeando diferentes atitudes e comportamentos por parte dos
indivíduos e entre eles. Os investimentos na JO, percebidos pelos indivíduos,
podem dar-lhes a sensação de que a organização valoriza as suas contribuições
e se preocupa com o seu bem-estar. Como reconhecimento, o indivíduo retribui
através de atitudes e comportamentos positivos para com a organização
(Hannah & Iverson, 2004).
No entanto, um fato muitas vezes negligenciado é existirem diferentes
atores que influenciam as perceções de JO dentro da organização. Contudo, as
chefias também têm uma responsabilidade substancial nestas perceções dentro
das organizações contemporâneas. O que significa que não só a organização
enquanto entidade, mas também as chefias, têm um papel muito importante no
estabelecimento de relações de sucesso na troca social no seio da organização.
Relativamente às IT, Gomes et al. (2010) referem que compreender o
processo que leva os colaboradores a querer abandonar as organizações
constitui uma questão relevante. Isto porque o impacto do turnover numa
organização é significativo, sendo reconhecido pela literatura onde diversas
investigações sustentam a importância do seu estudo e respetivas
consequências.
A ideia de movimento de um indivíduo dentro e fora da organização é um
conceito dinâmico e as suas implicações são de interesse para os investigadores
devido às consequências a ele associadas. Num estudo efetuado por Barrett,
Riggar, Flowers, Crimando, e Bailey (1997), estes encontraram correlações entre
o excesso de trabalho, o downsizing, reduzidas recompensas ou reconhecimento,
entre outros fatores que conduziam ao stresse e burnout e, posteriormente, ao
turnover, devido aos danos causados por estes.
Anjos e Chambel (2010) sublinharam que os trabalhos produzidos no
âmbito das dimensões da justiça nas organizações têm sugerido que, tanto a
justiça distributiva como a procedimental e a interacional, têm implicações nas
intenções de permanência na organização. Ou seja, as principais causas
motivadoras da rotação de pessoal/turnover são, na sua maioria, fatores
internos à organização.
Desde a década de 60 que os investigadores em gestão têm dado mais
forte atenção às questões do ambiente organizacional, por forma a aumentar a
produtividade, satisfação do trabalho e, consequentemente, aumentar a
qualidade deste, reduzindo o absentismo e turnover (Cunha et al., 2010;
DiRenzo & Greenhaus, 2011).

116
Face à fundamentação teórica apresentada, esta investigação procurou
testar se a JO se relaciona negativamente com as IT, tanto na amostra
portuguesa como na cabo-verdiana.

4. Metodologia
4.1 Procedimentos e amostra
Com o objetivo de analisar as diferenças entre as duas amostras e os
possíveis impactos da JO nas IT, neste estudo empírico, inquiriram-se
colaboradores de empresas portuguesas e cabo-verdianas, sendo as amostras de
conveniência constituídas por 345 e 431 indivíduos, respetivamente.
O tratamento estatístico dos dados recolhidos foi efetuado com recurso ao
SPSS (Statistical Package for Social Sciences). As técnicas estatísticas utilizadas
no tratamento dos dados passaram pelo recurso a estatística descritiva
univariada, regressão linear simples e análise fatorial.
A amostra portuguesa é constituída por 345 indivíduos dos quais 56%
pertencem ao sexo masculino. Os dados relativos a idade, habilitações
académicas, empresa e antiguidade no grupo mostram uma distribuição mais
heterogénea dos indivíduos. Os maiores índices de frequência obtidos foram
todos inferiores a 50%, não existindo, deste modo, um perfil significativamente
predominante de indivíduos na amostra com referência a esses dados. Na
distribuição por classes de idades, verifica-se que 46% dos inquiridos tem entre
41 e 50 anos. Relativamente à formação académica, 47% são detentores de
formação superior.
A amostra cabo-verdiana é constituída por 431 indivíduos dos quais 53%
pertencem ao sexo masculino. Em relação à antiguidade, 53% dos respondentes
possuem menos de 5 anos de exercício profissional. Os dados relativos a idade,
habilitações literárias e área de atividade mostram uma distribuição mais
heterogénea dos indivíduos. Os maiores índices de frequência obtidos foram
todos inferiores a 50%, não existindo, deste modo, um perfil significativamente
predominante de indivíduos na amostra com referência a esses dados. Na
distribuição por classes de idades, verifica-se que 44% dos inquiridos tem entre
25 e 35 anos. Relativamente à formação académica 54% são detentores de
formação superior. No que diz respeito à área de atividade da empresa, 41%
trabalham na área de serviços.
Foram considerados para análise apenas os indivíduos que trabalhavam nas
organizações há pelo menos 6 meses, por se presumir que é o tempo mínimo

117
necessário para ter uma noção fiável da realidade organizacional (Subrahmaniam
& Ramanujam, 2008).
Quanto à recolha de informação, a fonte foi a mesma. Procurámos
minimizar os riscos de variância do método comum. Recorremos a alguns
métodos procedimentais propostos por Podsakoff, MacKenzie, Lee, e Podsakoff
(2003): (1) aleatoriedade na ordenação dos vários itens; (2) formatos escalares
distintos (amplitude e semântica); (3) a não utilização de escalas com valores
numéricos bipolares e a atribuição de designações verbais para os pontos médios
das escalas; (4) garantia de total anonimato e afirmada a inexistência de
respostas certas ou erradas. Entendeu-se por pertinente averiguar a robustez
dos dados a eventuais erros introduzidos pela variância de método comum.
Neste sentido, de acordo com as recomendações de Podsakoff et al. (2003),
procedeu-se à aplicação do teste de Harman, teste este que revelou que os
dados apresentados são robustos a este tipo de erros.

4.2 Medidas
Justiça Organizacional: As perceções de JO foram medidas recorrendo a 14
itens propostos por Rego e Souto (2004). Aos inquiridos foi apresentada uma
escala tipo Likert de 6 pontos (1: completamente falso a 6: completamente
verdadeiro). Para a amostra portuguesa, a justiça distributiva, procedimental,
interacional, interpessoal e informacional apresentam Alphas de Cronbach de
0.90, 0.82, 0,96, 0.92 e 0.96, respetivamente. No que se refere a amostra cabo-
verdiana, podemos constatar que os Alphas de Cronbach encontrados nas
quatros dimensões da JO, também revelam boa consistência interna. Estes
apresentam valores de 0.86, 0.83, 0,90, 0.76 e 0.89, respetivamente.
Intenções de Turnover: Foram avaliadas mediante dois itens adaptados de
Peters, Jackofsky, e Salter (1981): (1) “Eu estou ativamente à procura de uma
oportunidade para sair da organização”; (2) “Dentro de um ano espero estar
noutro emprego, noutra empresa”. Tendo em conta que as IT têm apenas dois
itens, medimos a correlação inter-itens, tendo obtido um valor de 0.81 na
amostra portuguesa e de 0.82 na amostra cabo-verdiana. Os inquiridos foram
convidados a responder através de uma escala de tipo Likert de concordância,
composta por 7 pontos (1-Discordo completamente a 7-Concordo
completamente).

5. Resultados

118
Os dados relativos ao construto JO foram submetidos a análises fatoriais
exploratória, com recurso à análise de componentes principais. Antes de
proceder à análise fatorial, e pressupondo que os dados provêm de uma
população normal multivariada, foi efetuado o teste de esfericidade de Bartlett e
a estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). Através da análise do nível de
significância do teste de esfericidade de Bartlett (Sig=,000), concluímos que há
evidência de que existe uma correlação entre as variáveis, sendo possível
prosseguir a análise. A estatística KMO, superior a 0.9 em ambas as amostras,
indica que a análise de componentes principais pode ser realizada.
Verificámos que nestas amostras é evidente a existência de três fatores
correspondentes às dimensões justiça distributiva, justiça procedimental e
justiça interacional (Tabela 1). Deste modo, para estas amostras é mais
apropriado um modelo de três dimensões, agrupando a justiça informacional e
interpessoal em interacional. Na amostra cabo-verdiana, aplicando a análise
fatorial de modo a excluir componentes com valores próprios inferiores a um,
obteve-se de imediato um modelo de três fatores, correspondente às três
principais dimensões da JO. No caso da amostra portuguesa, ao aplicar este
mesmo critério, obteve-se um modelo com dois fatores. No entanto, a análise do
scree plot evidenciou a inclusão de um terceiro fator, e deste modo obteve-se
um modelo com componentes suficientes para explicar mais de 70% da
variância. Os três componentes obtidos, ajustam-se melhor aos dados de ambas
as amostras, e explicam 79% dos dados na amostra portuguesa e 69% dos
dados na amostra cabo-verdiana.

Tabela 1 –Matriz das 3 componentes principais rodadas pelo método varimax.


Amostra Amostra cabo-
portuguesa verdiana
Justiça Organizacional
Fator Fator Fator Fator Fator Fator
1 2 3 1 2 3
O meu superior explica muito claramente qualquer
0,894 0,106 0,229 0,742 0,145 0,320
decisão relacionada com as minhas funções.
(interpessoal + informacional)

O meu superior oferece justificação adequada para


0,891 0,119 0,224 0,802 0,167 0,261
as decisões relativas ao meu trabalho.
Justiça Interacional

Ao decidir sobre o meu trabalho, o meu superior


0,890 0,136 0,200 0,794 0,072 0,269
dá-me explicações com sentido para mim.
O meu superior fornece-me informação acerca do
modo como eu estou a desempenhar as minhas
0,885 0,092 0,198 0,809 0,128 0,162
funções, permitindo-me aprender a fazer melhor o
meu trabalho.
O meu superior é completamente sincero e franco
0,871 0,167 0,158 0,604 0,172 0,451
comigo.
O meu superior mostra interesse genuíno em ser
0,840 0,220 0,196 0,545 0,333 0,496
justo comigo.
10-O meu superior trata-me com respeito e -
0,826 0,090 0,122 0,747 0,182
consideração. 0,110

119
Se tiver em conta a minha experiência, sinto-me
Justiça Distributiva
0,145 0,904 0,202 0,174 0,728 0,343
justamente recompensado.
Tendo em conta o meu esforço, julgo que sou
0,150 0,889 0,211 0,154 0,776 0,336
recompensado justamente.
Se considerar os restantes salários pagos nesta
0,095 0,873 0,165 0,158 0,796 0,159
organização, reconheço que o meu salário é justo.
Em geral as recompensas que recebo são justas. 0,148 0,719 0,262 0,148 0,832 0,098
Por meio de vários canais, a minha organização
Justiça Procedimental

tenta compreender as opiniões dos empregados


0,189 0,264 0,805 0,240 0,186 0,810
relativamente às decisões e políticas de
remuneração.
As questões que os empregados colocam a respeito
da remuneração e da avaliação de desempenho
0,342 0,278 0,787 0,148 0,283 0,818
são normalmente respondidas pronta e
satisfatoriamente.
A minha organização tem um mecanismo que
0,271 0,293 0,687 0,230 0,284 0,712
permite aos empregados apelarem das decisões.

Procedeu-se à análise sumária das correlações de Pearson entre a JO e as


IT de modo a averiguar as relações entre estes construtos. O cálculo do R de
Pearson, dado que inclui a noção de variáveis estandardizadas, permite
comparar duas variáveis medidas em unidades ou escalas diferentes (Pestana &
Gageiro, 2008). Deste modo, a Tabela 2 evidencia as médias, desvios-padrão e
correlações entre as variáveis em estudo.
Levando em consideração, a evidência teórica e empírica insinuadora da
pertinência da distinção entre as duas facetas da justiça interacional (Rego &
Souto, 2004), procedeu-se ao tratamento diferenciado das três vertentes
(interacional, interpessoal e informacional). Com este tratamento, pretendeu-se
verificar se esta diferenciação permite explicar de forma mais apurada as IT.
Assim, para aferir a pertinência de considerar as duas facetas interacionais de
justiça ou a sua agregação, foram realizadas as correlações e regressões para as
duas hipóteses.
Em ambas as amostras, tomando como referência a amplitude da escala
usada (1-6), as perceções de JO podem considerar-se moderadas para as
dimensões da justiça distributiva e procedimental e elevadas para a justiça
interpessoal e informacional, evidenciando-se a justiça interpessoal com o valor
médio mais elevado. Considerando a amplitude da escala das IT (1-7), verifica-
se que a média é baixa para a amostra portuguesa e moderada para a amostra
cabo-verdiana, 2.07 e 3.29, respetivamente. Ao analisar o histograma das
respostas às questões referentes às IT, verifica-se na amostra portuguesa uma
maior predominância de respostas inferiores a 4, associadas a baixas IT.
A análise da Tabela 2 permite referir que existem correlações positivas e
negativas significativas entre os itens, em ambas as amostras. Neste sentido, e

120
evidenciando apenas as correlações estatisticamente significativas, verifica-se
que na amostra portuguesa, a variável género apresenta uma fraca correlação
positiva com as variáveis idade e antiguidade na empresa. A variável idade
apresenta uma fraca correlação negativa com as habilitações literárias, turnover
e a justiça informacional na amostra portuguesa. Em ambas as amostras se
verifica uma correlação fraca positiva com a justiça distributiva. Destaca-se uma
forte correlação positiva entre idade e antiguidade para a amostra portuguesa,
sendo moderada para a amostra cabo-verdiana. Na amostra portuguesa, as
habilitações literárias têm uma fraca correlação negativa com a antiguidade na
empresa e positiva com o turnover. Analisando a amostra cabo-verdiana
constata-se uma fraca correlação positiva entre as habilitações literárias e a
justiça interpessoal. Em ambas as amostras, verifica-se uma fraca correlação
negativa entre a antiguidade na empresa e três dimensões da justiça
(procedimental, interpessoal e informacional). A antiguidade na empresa apenas
apresenta uma fraca correlação negativa com o turnover na amostra portuguesa.
O turnover apresenta uma fraca correlação negativa com todas as dimensões da
justiça. As dimensões da JO correlacionam-se positivamente entre si, sendo mais
forte as relações entre as duas facetas internacionais (Rego & Souto, 2004).
Relativamente à justiça distributiva verifica-se uma fraca correlação positiva com
as dimensões interpessoal e informacional para a amostra portuguesa, sendo
moderada nos restantes casos. Analisando a justiça procedimental, verifica-se
uma moderada correlação positiva com a justiça interpessoal e informacional.
Por último, a justiça interpessoal apresenta uma forte correlação positiva com a
justiça informacional.
Assim, numa primeira análise, os resultados sugerem que, na amostra
portuguesa, os indivíduos mais velhos possuem menos habilitações literárias
comparativamente com os indivíduos mais novos, sendo mais antigos no grupo.
Em ambas as amostras, os inquiridos percecionam maior justiça distributiva
(para um nível de significância de 0,05). Na amostra portuguesa, percecionam
mais injustiça informacional, ou seja, consideram receber pouca informação
acerca do modo como desempenham as suas funções.
Os indivíduos mais novos, na amostra portuguesa, denotam maiores
intenções de saída da organização, bem como os indivíduos com mais
habilitações. Os indivíduos com maior antiguidade denotam que a justiça
procedimental é inferior. Na tabela 2, verifica-se a existência de uma correlação

121
negativa (para um nível de significância de 0,01), entre a antiguidade e a
dimensão justiça procedimental.
As relações interpessoais entre colaboradores/chefias são melhores quanto
mais os indivíduos consideram que os procedimentos são corretos e justos. Pela
análise da Tabela 2, em ambas as amostras, verifica-se a existência de uma
correlação fortemente positiva entre a dimensão da justiça interpessoal e as
dimensões justiça distributiva e procedimental, para um nível de significância de
0,001.

Tabela 2 – Médias, desvios-padrão, correlações e consistências internas


País
Desvio Hab. Antig. JO JO JO JO JO
Variáveis de Média Género Idade IT
Padrão Literárias Empresa Distrib. Proced. Inter. Interp. Inform.
origem
(a)
Género - - -
(b)
(a) 0,257*** -
Idade - -
(b) 0,051 -
-
Hab. (a) -0,042 -
- - 0,184***
Literárias
(b) 0,003 -0,002 -
-
Antig. (a) 0,224*** 0,787*** -
- - 0,312***
Empresa
(b) 0,067 0,603*** -0,09 -
-
(a) 2,07 1,44 0,101 -,211*** 0,23*** (,89)
IT 0,226***
(b) 3,29 1,87 -0,052 -0,043 -0,069 -0,092 (,82)
-
(a) 2,93 1,12 -0,009 0,116* 0,066 0,012 (,90)
0,212***
JO Distrib.
-
(b) 3,35 1,2 0,042 0,141** 0,093 -0,041 (,86)
0,288***
-
(a) 3,12 1,07 -0,041 -0,04 0,094 -0,151** 0,569*** (,82)
JO Proced. 0,275***
(b) 3,39 1,2 -0,012 0,092 -0,014 -0,142** -0,138** 0,563*** (,83)
-
(a) 4,28 1,11 -0,041 -0,120* 0,034 -0,142** 0,340*** 0,539*** (,96)
0,316***
JO Inter.
- -
(b) 4,20 1,03 0,030 -0,015 0,075 0,474*** 0,579*** (,90)
0,209*** 0,211***
-
(a) 4,38 1,14 -0,014 -0,089 0,061 -0,118* 0,342*** 0,504*** (,92)
0,348***
JO Interp.
-
(b) 4,26 1,1 0,023 -0,027 0,097* -,199*** 0,487*** 0,564*** (,76)
0,225***
-
(a) 4,2 1,18 -0,058 -0,134* 0,012 -0,15** 0,315*** 0,526*** - 0,836*** (,96)
JO 0,272***
Inform. -
(b) 4,15 1,13 0,031 -0,004 0,05 -0,190** 0,407*** 0,519*** - 0,72*** (,89)
0,176***
a) Amostra portuguesa; b) Amostra cabo-verdiana; * p < 0,05; * *p < 0,01; * **p < 0,001;
Valores de alpha de Cronbach na diagonal entre parêntesis; Justiça: escala de 6 pontos; Intenções
Turnover: 7 pontos.

Foram realizadas análises de regressão, para ambas as amostra, visando


compreender como as perceções dos colaboradores relativamente à JO explicam
as suas intenções de abandono da organização onde exercem a sua função. Os
resultados expostos na Tabela 3 ajudam-nos a perceber a relação entre as
perceções de justiça nas organizações e as IT por parte dos seus colaboradores.

122
Numa primeira etapa, foram inseridas as variáveis de controlo: o género, a
idade, a antiguidade e habilitações literárias. Estas variáveis foram inseridas
porque encontrámos algumas correlações significativas a idade e a justiça
distributiva e informacional e as IT, as habilitações literárias e as IT, a
antiguidade e as dimensões de JO (Distributiva, Procedimental e Informacional)
e as IT. Numa segunda etapa, foram inseridas, para além das variáveis de
controlo acima referidas, as dimensões da JO (justiça distributiva; justiça
procedimental; justiça interacional; justiça interpessoal, justiça informacional)
com o intuito de determinar a variância adicional para além da facultada pelas
variáveis de controlo, de modo a analisar o poder explicativo das perceções de
justiça para as IT.
Os resultados da Tabela 3 mostram que, para a amostra portuguesa, a
consideração separada das duas vertentes da justiça interacional permite
aumentar as variâncias únicas explicadas das IT. Quando consideramos o
modelo de três dimensões as perceções de JO explicam 14% das IT. No entanto
quando consideramos as quatro dimensões as perceções de JO explicam 17% de
variância única das IT, sendo a justiça procedimental e interpessoal as que
denotam maior poder preditivo. O poder explicativo da justiça interpessoal para
as IT é forte, pois o Beta na regressão é significativo para um nível de
significância de 0,001.
Relativamente a amostra cabo-verdiana, verifica-se que a antiguidade
poderá influenciar os empregados quanto à sua decisão de deixar a organização.
Ou seja, a antiguidade relaciona-se negativamente com as IT, sugerindo que os
trabalhadores com mais tempo de trabalho são os que tem menos intenções de
deixar a empresa. Nesta amostra, a consideração separada das duas vertentes
da justiça interacional, não altera as variâncias únicas explicadas das IT. A
justiça percebida pelos colaboradores explica 10% da variância adicional das
suas intenções de abandono das organizações. Mais concretamente, a justiça
distributiva e a interpessoal são as facetas da JO com poder explicativo das IT.
Por conseguinte, os dados confirmam a influência de duas dimensões da justiça
nas IT, isto é, os indivíduos com melhores perceções quanto à justiça distributiva
e quanto à justiça procedimental são os que têm menos intenções de abandonar
a organização.

123
Tabela 3 – Regressões: Como a JO explica as IT.
Intenções turnover
Etapa Variáveis
Portugal Cabo Verde
Género ,48** -,17
Idade -,25 ,05
Hab. Literárias ,17*** -,10

Antig. no Grupo -,70 -,15
F 10,35*** 1,82
R2Aj ,10 ,01

Género ,46*** ,49*** -,10 -,10


Idade -,19 -,18 ,20 ,20
Habilitações Literárias ,18*** ,19*** -,06 -,05
Antiguidade -,15* -,15* -,26** -,26**
Justiça distributiva -,03 -,01 -,43*** -,41***
2ª Justiça procedimental -,23** -,24** ,11 ,12
Justiça Interacional -,34*** -,27*
Justiça interpessoal -,51*** -,24*
Justiça informacional ,14 -,05
F 16*** 16*** 7,98*** 7,14***
R2Aj 0,24 ,27 ,10 ,10
∆R2Aj 14% 17% 10% 10%

* p < 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.

6. Conclusões, limitações e pesquisas futuras


As amostras analisadas neste estudo apresentam algumas características
semelhantes, nomeadamente ao nível da distribuição por género e por
habilitações literárias. Pode observar-se na tabela 2 de correlações que os
resultados obtidos para as perceções de JO e IT são similares nas duas
amostras. Em ambas as amostras, a JO correlaciona-se negativamente com as
IT.
A análise fatorial aplicada às duas amostras confirmou a existência de três
fatores correspondentes às três principais dimensões da JO, ou seja, justiça
distributiva, justiça procedimental e justiça interacional. No entanto, no que se
refere a amostra portuguesa, há vantagem em considerar a justiça interacional
de forma desagregada (interpessoal e informacional) (Rego & Souto, 2004),
visto que os poderes explicativos sofrem incremento. De salientar também, que
em ambas as amostras, com esta desagregação, verifica-se que a dimensão
interpessoal denota poder preditivo e a dimensão informacional não tem
qualquer poder explicativo sobre as IT.
Na amostra portuguesa, os resultados mostram que os indivíduos que
percecionam justiça procedimental e interpessoal nas suas organizações, têm
menos intenções de as abandonar. Provavelmente, a perceção destas
dimensões de justiça conduz a um forte empenhamento afetivo dos

124
colaboradores para com a sua organização diminuindo, por sua vez, a sua
intenção de saída. De igual modo, quando se sentem mais apoiados, essas
intenções diminuem. Como a justiça interpessoal se refere à qualidade das
interações sociais, ou seja, focaliza-se nas considerações pessoais que o decisor
faz relativamente aos resultados recebidos pelas pessoas (Rego, 2000), quando
os níveis de perceção desta são elevados, denota-se um sentimento de maior
apoio. O que justifica eventualmente a relação forte e negativa entre justiça
interpessoal e as IT.
No entanto, na amostra cabo-verdiana, a justiça distributiva e a
interpessoal são as facetas da JO com maior poder explicativo das IT,
provavelmente, os indivíduos com melhores perceções quanto à justiça
distributiva e quanto à justiça procedimental, são os que têm menos intenções
de abandonar a organização. Isto leva-nos a concluir que, quanto melhor for a
perceção do colaborador em relação aos resultados recebidos, assim como as
suas perceções em relação ao tratamentos dado pelo superior, menor serão as
suas intenções de abandonar o local de trabalho. O que significa que os salários,
as classificações obtidas nas avaliações de desempenho, as sanções
disciplinares e o tratamento concedido pelo superior são aspetos que poderão
ter bastante impacto na decisão quanto à permanência na organização.
Levando em linha de conta que as IT são um importante antecedente do
abandono efetivo (Mobley, 1992), é relevante que as organizações percebam os
mecanismos que as influenciam. Através do reconhecimento de que o abandono
efetivo origina custos, diretos e indiretos, para as empresas, estas devem
implementar políticas de retenção de talentos, quando estes contribuem de
forma positiva para o desempenho da organização.
Este estudo padece de algumas limitações que permitem deixar em aberto
alguns pontos de partida para futuras investigações. Desde logo, a limitação de
ter sido inquirida uma amostra de conveniência cuja representatividade pode ser
questionável. A natureza correlacional do estudo impede a inferência de nexos
de causalidade entre a variável independente e dependente. Os dados foram
recolhidos na mesma fonte o que pode acarretar riscos de variância do método
comum (Podsakoff et al., 2003; Podsakoff & Organ, 1986), embora no decurso
da construção e da aplicação do instrumento tenham sido seguidos cuidados
metodológicos que ajudam a minimizar esses efeitos. Não foram consideradas
variáveis moderadoras nem mediadoras. Deste modo, para pesquisas futuras,
sugerimos o estudo das emoções positivas como variável mediadora. É ainda

125
importante referir que os dados foram recolhidos num único período de tempo e
analisados de forma transversal, um estudo longitudinal permitiria estabelecer
relações causais entre as variáveis em análise.
O debate na literatura sobre estas temáticas conduz a um consenso sobre
a necessidade de mais investigação que, não só considere o impacto das
perceções de JO, mas também que relacione o conceito das IT com a natureza
multifacetada das organizações, que só por si são complexas, e a possibilidade
de considerar múltiplas relações interdependentes, que formam a relação
empregado-empregador (Taylor & Tekleab, 2004). Pode assim concluir-se que,
dentro da análise necessária para melhor compreender a influência das
perceções de JO, é importante levar em consideração a importância da
componente humana e das relações sociais, bem como os aspetos culturais e
económicos.
Cabe no entanto ressaltar, que a resposta a estas problemáticas, depende,
em última análise, dos pontos de vista e dos interesses que temos em entender
a organização em primeiro lugar, ou os colaboradores. Se por um lado é
razoável esperar retribuições por parte das organizações, como referem DiRenzo
e Greenhaus (2011), é razoável esperar que os indivíduos cada vez mais
reconheçam a importância da empregabilidade numa economia dinâmica e
muitas vezes hostil, que provoca o declínio da estabilidade do emprego.

Bibliografia
Adams, J. S. (1965). Inequity in social exchange. In L. Berkowitz (Ed.),
Advances in experimental social psychology (Vol. 2, pp. 267-299). New
York: Academic Press.
Anjos, M., & Chambel, M. J. (2010). A distribuição de lucros: Consequências na
percepção de justiça e na satisfação dos trabalhadores. In E. Vaz & V.
Meirinhos (Eds.), Recursos humanos: das teorias ás boas práticas (pp.
257-271). Porto: Editorial Novembro.
Bancaleiro, J. (2007). La marca "Activos Humanos". Capital Humano, 214, 66-71
Barrett, K., Riggar, T. F., Flowers, C. R., Crimando, W., & Bailey, T. (1997). The
Turnover Dilemma - A Disease with Solutions. Journal of Rehabilitation,
63(2), 36-42.
Byrne, Z. S., & Cropanzano, R. (2001). The history of organizational justice: the
founders speak. In R. Cropanzano (Ed.), Justice in the workplace: From
theory to practice (pp. 3-26). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

126
Chang, E. (1999). Career Commitment as a Complex Moderator of
Organizational Commitment and Turnover Intention. Human Relations,
52(10), 1257-1278.
Cohen-Charashy, Y., & Spector, P. E. (2001). The Role of Justice in
Organizations: A Meta-Analysis. Organizational Behavior and Human
Decision Processes, 86(2), 278-321.
Colquitt, J. A. (2001). On the dimensionality of organizational justice: A
construct validation of a measure. Journal of Applied Psychology, 86(3),
386-400.
Colquitt, J. A., Greenberg, J. A., & Zapata-Phelan, C. (2005). What is
organizational justice? A historical overview. In J. Greenberg & J. A.
Colquitt (Eds.), Handbook of organizational justice (pp. 3-56). Mahwah,
NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
Cox, T., Griffiths, A., Barlowe, C., Randall, R., Thomson, L., & Rial–Gonzalez, E.
(2000). Organizational interventions for work stress: A risk management
approach: Sudbury: HSE Books.
Coyle-Shapiro, J. A. M., Shore, L. M., Taylor, M. S., & Tetrick, L. E. (2004). The
employment relationship: examining psychological and contextual
perspectives. Oxford, UK: OxfordUniversity Press.
Cropanzano, R. (2001). Justice in The Workplace - From Theory To Practice (Vol.
2). Mahwah, NJ: Lawrence.
Cropanzano, R., & Greenberg, J. (1997). Progress in organizational justice:
Tunneling through the maze. In C. L. Cooper & I. T. Robertson (Eds.),
International review of industrial and organizational psychology (Vol. 12,
pp. 317–372).
Cunha, M. P., Rego, A., Cunha, R. C., Cabral-Cardoso, C., Marques, C. A., &
Gomes, J. F. (2010). Manual de gestão de pessoas e do capital humano.
Lisboa: Edições Sílabo.
DiRenzo, M. S., & Greenhaus, J. H. (2011). Job Search and Voluntary Turnover
in a Boundaryless World: A Control Theory Perspective. Academy of
Management Review, 36(3), 567–589.
Gomes, D., Duarte, A. P., & Neves, J. (2010). E quando os efectivos pretendem
sair? Contributo para a compreensão do processo psicológico subjacente
às intenções de abandono. Paper presented at the VII Simpósio Nacional
de Investigação em Psicologia.

127
Greenberg, J., & Colquitt, J. A. (2005). Handbook of organizational justice.
Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.
Griffeth, R., Hom, P., & Gaertner, S. (2000). A meta-analysis of antecedents and
correlates of employee turnover: Update, moderator tests, and research
implications for the next millennium. Journal of Management, 26(3), 463–
488.
Hannah, D. R., & Iverson, R. D. (2004). Employment Relationships in Context:
Implications for Policy and Practice. In J. A. M. Coyle-Shapiro, L. M.
Shore, M. S. Taylor & L. E. Tetrick (Eds.), The employment relationship:
examining psychological and contextual perspectives (pp. 332-350).
Oxford, UK: OxfordUniversity Press.
Mobley, W. H. (1992). Turnover: causas, consequências e controle. Porto Alegre:
Ortiz.
Pestana, M. H., & Gageiro, J. N. (2008). Análise de Dados para Ciências Sociais -
A Complementaridade do SPSS (Vol. 5). Lisboa: Edições Sílabo.
Peters, L., Jackofsky, E., & Salter, J. (1981). Predicting Turnover: A Comparison
of part-time and full-time Employees. Journal of Occupational Behaviour,
2, 89-98.
Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., Lee, J., & Podsakoff, N. P. (2003). Common
method biases in behavioral research: A critical review of the literature
and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-
903.
Podsakoff, P. M., & Organ, D. W. (1986). Self-reports in organizational research:
Problems and prospects. Journal of Management, 12(4), 531-544.
Rego, A. (2000). Justiça e comportamentos de cidadania nas organizações: Uma
abordagem sem tabus. Lisboa: Edições Silabo.
Rego, A. (2001). Percepções de justiça: estudos de dimensionalização com
professores do ensino superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 119-
131.
Rego, A. (2002). Comportamento Afectivo dos Membros Organizacionais: o Papel
das Percepções de Justiça. Revista de Administração Contemporânea, 6,
209-241.
Rego, A., & Cunha, M. P. (2005). Como os climas organizacionais autentizóticos
explicam o absentismo, a produtividade e o stress. Um estudo luso-
brasileiro Documentos de Trabalho em Gestão: Universidade de Aveiro:
DEGEI, G5.

128
Rego, A., Ribeiro, N., & Cunha, M. P. (2010). Perceptions of organizational
virtuousness and happiness as predictors of organizational citizenship
behaviors. Journal of Business Ethics, 93, 215-225.
Rego, A., & Souto, S. (2004). A percepção de Justiça como Antecedente do
Comprometimento Organizacional: um Estudo Luso-Brasileiro. Revista de
Administração Contemporânea, 8, 151-177.
Schalk, R. (2004). Changes in the employment relationship across time. In J. A.
M. Coyle-Shapiro, L. M. Shore, M. S. Taylor & L. E. Tetrick (Eds.), The
employment relationship: Examining psychological and contextual
perspectives (pp. 284–311). Oxford, UK: OxfordUniversity Press.
Shore, L. M., Tetrick, L. E., Coyle-Shapiro, J. A. M., & Taylor, M. S. (2004).
Directions for future research. In J. A. M. Coyle-Shapiro, L. M. Shore, M.
S. Taylor & L. E. Tetrick (Eds.), The employment relationship: Examining
psychological and contextual perspectives (pp. 352–364). Oxford, UK:
Oxford University Press.
Subrahmaniam, T., & Ramanujam, R. (2008). Employee silence on critical work
issues: the cross level effects of procedural justice climate. Personnel
Psychology, 61(1), 37-68.
Taylor, S. M., & Tekleab, A. G. (2004). Taking stock of psychological contract
research: assessing progress, addressing troublesome issues, and setting
research priorities. In J. A. M. Coyle-Shapiro, L. M. Shore, M. S. Taylor &
L. E. Tetrick (Eds.), The employment relationship: examining
psychological and contextual perspectives (pp. 253- 283). Oxford, UK:
Oxford University Press.
Tetrick, L. E. (2004). Understanding the employment relationship: Implications
for measurement and research design. In J. A. M. Coyle-Shapiro, L. M.
Shore, M. S. Taylor & L. E. Tetrick (Eds.), The employment relationship:
Examining psychological and contextual perspectives (pp. 312–331).
Oxford, UK: Oxford University Press.
Trevor, C., Gerhart, B., & Boudreau, J. (1997). Voluntary Turnover and Job
Performance: Curvilinearity and the Moderating Infuences of Salary
Growth and Promotion Working Paper Series. Center for Advanced Human
Resource Studies: Cornell University ILR School.
Vandenberg, R. J., & Nelson, J. B. (1999). Disaggregating the motives
underlying turnover intentions: when do intentions predict turnover
behavior. Human Relations, 52(10), 1313-1336.

129
Wisner, A. (1994). A Inteligência no Trabalho: Textos Seleccionados de
Ergonomia. São Paulo, Brasil: Fundacentro.

130
TÍTULO: Prazer e sofrimento no trabalho: teoria(s) e prática(s)

contemporâneas em psicodinâmica do trabalho

AUTOR(ES): Duarte Rolo

INSTITUIÇÃO: Conservatoire National des Arts et Métiers – Centre de

Recherche sur le Travail et Développement – FRANÇA

Palavras-chave: prazer e sofrimento no trabalho, psicodinâmica, prática, acção

Introdução
A análise e compreensão das dimensões do prazer e do sofrimento no
trabalho constituem um dos objectos principais da psicodinâmica do trabalho,
disciplina criada no início dos anos 90 por Christophe Dejours e seus
colaboradores. Desde então, diversos estudos e investigadores adoptaram como
refêrencia central a psicodinâmica do trabalho, tanto em França, como noutros
países, como o Canadá, o Brasil ou a Austrália.
A contínua evolução do mundo do trabalho e o acréscimo das patologias
laborais que os têm acompanhado levou a psicodinâmica do trabalho a
desenvolver novas propostas teóricas assim como dispositivos de intervenção
centrados numa abordagem etiológica das patologias relacionadas com o
trabalho. Uma das preocupações neste campo de investigação tem sido de
articular, de forma coerente, o enquadramento teórico e as exigências práticas
decorrentes da análise da relação entre saúde e trabalho.
No entanto, o carácter inédito da situação actual bem como a expansão
internacional da psicodinâmica do trabalho conduziram a que a disciplina
encarasse contextos científicos, culturais, políticos e sociais diversos, os quais
exerceram uma influência inegável sobre as suas orientações. De facto, tal como
referem Mendes & Araújo1 a propósito do caso brasileiro, «a trajetória da
Psicodinâmica do Trabalho [no Brasil] não é linear e apresenta controvérsias em
relação à obra inaugural de Dejours». Tendo em conta esta afirmação, parece-
me essencial examinar as ditas trajetórias assumidas pelos estudos
contemporâneos em psicodinâmica do trabalho. De facto, a crescente difusão da
disciplina obriga-nos actualmente a rever e a redefinir os seus fundamentos.

1
Mendes A. & Araújo L. (2011). Clínica psicodinâmica do trabalho: práticas brasileiras. Editora Ex
Libris.

131
Para tal será necessário referirmos as principais descobertas da psicodinâmica do
trabalho e aludir brevemente à história da sua constituição, para que, em
seguida, possamos abordar as propostas teóricas e práticas que têm vindo a
emergir neste campo.

Primeira fase: constituição da PDT


Sem qualquer pretensão historiográfica, começarei por tentar delinear a
forma como a psicodinâmica surgiu e se implantou enquanto disciplina científica.
Esta primeira tentativa para construir uma genealogia da disciplina terá a sua
importância quando nos debruçarmos sobre os trabalhos contemporâneos em
psicodinâmica do trabalho. Isto porque, tendo em conta que se trata de uma
disciplina recente, só fazendo referência ao seu projecto inicial poderemos
estabelecer um termo de comparação relativamente aos estudos actuais.
Partindo deste princípio, caber-nos-à avaliar de que forma as produções
contemporâneas constituem emanações do projecto inicial da psicodinâmica do
trabalho, que caminhos tomaram as propostas actuais e que inflexões ou
alterações sofreram.
Nesta comunicação, escolhi adoptar como momento chave para a
constituição da psicodinâmica do trabalho o “Seminário Interdisciplinar: Prazer e
Sofrimento no Trabalho” (1986-88) que reuniu, em torno da discussão entre
trabalho e subjectividade, investigadores de diversos horizontes disciplinares. O
debate que occorreu nesta ocasião levará Christophe Dejours e os seus
colaboradores a uma reformulação das questões herdadas da psicopatologia do
trabalho. Dito de forma resumida, os estudos levados a cabo nesse período
demonstraram que, contrariamente às hipoteses da psicopatologia do trabalho,
os trabalhadores não sofriam passivamente os constrangimentos da organização
do trabalho taylorista e que o confronto entre sujeito e organizaçao do trabalho
não conduzia invariavelmente à doença. Antes pelo contrário, os trabalhadores
estavam em condições de agir sobre a organização do trabalho e, dessa forma,
se protegerem dos seus efeitos nocivos. Para além disso, contrariamente ao que
supunha a psicopatologia do trabalho, não foi possível identificar uma síndrome
específica associada a uma qualquer situação de trabalho: a descompensação
psicológica, quando ocorre, depende mais da estrutura de personalidade do
sujeito do que da natureza da organização do trabalho.
No entanto, se nos baseássemos nos estudos precursores da psicopatologia
do trabalho, tudo indicava que o destino do confronto entre o sujeito que

132
trabalha e a organização do trabalho taylorista seria forçosamente o
adoecimento. Mas como podemos então explicar que, numa grande maioria dos
casos, os trabalhadores consigam manter a sua saúde?
Esta é uma das questões levantadas pelo “Seminário Interdisciplinar”.
Desde logo, não são apenas as causas da doença que importa elucidar mas,
sobretudo, aquilo que permite a numerosos trabalhadores permanecer na esfera
da normalidade. A normalidade torna-se enigmática na medida em que o que
devemos explicar não são apenas os processos que conduzem à doença mas sim
aqueles que permitem evitá-la. A preocupação central da psicodinâmica passa a
ser perceber de que forma é que os sujeitos agem sobre a organização do
trabalho para protegerem a sua saúde. Dito isto, a investigação não se focaliza
unicamente sobre a dimensão do sofrimento no trabalho mas igualmente sobre
as vivências de prazer.
A principal consequência do “Seminário Interdisciplinar: Prazer e Sofrimento
no Trabalho” será uma «reviravolta» da problemática científica da disciplina, que
constituirá um momento fundamental. As questões herdadas da tradição da
psicopatologia do trabalho, cuja preocupação essencial era de comprender de
que forma o trabalho conduzia à doença, são reformuladas e a preocupação
central torna-se outra: perceber e explicar a normalidade, tendo em conta os
constrangimentos patogénicos impostos pela organização do trabalho aos
trabalhadores.
Esta mudança de perspectiva está intimamente ligada à descoberta
fundamental das estratégias de defesa contra o sofrimento no trabalho. De
facto, a partir da primeira publicação do livro de Dejours - “Travail, usure
mentale”, evidenciou-se a existência de estratégias defensivas contra o
sofrimento no trabalho ou seja, um conjunto de operações mentais que
permitem aos trabalhadores ocultar, alterar ou ignorar as fontes de sofrimento
reais. As estratégias de defesa são comportamentos intencionais, podem ser
individuais ou colectivas, operam num plano simbólico e têm um efeito
considerável sobre os afectos, ideias e comportamentos dos trabalhadores.
Todas elas têm um impacto sobre a percepção da realidade e sobre a cognição
dos sujeitos.
Se tentarmos recapitular os principais avanços da psicodinâmica do
trabalho, nesta fase inicial, podemos sintetizá-los, correndo o risco de um certo
simplismo, da seguinte forma:

133
- para o estudo e compreensão do homem em situação de trabalho, importa
possuir uma teoria do trabalho que permita analisar a actividade concreta dos
trabalhadores assim como os imprevistos suscitados pela realidade do trabalho.
Apoiando-se conjuntamente nos estudos da tradição ergonómica francesa e no
seu próprio trabalho empírico, a psicodinâmica do trabalho procurou construir
uma teoria do trabalho e da sua análise (teoria da inteligência prática, do
trabalho colectivo, etc.).
- solidamente ancorada numa antropologia psicanalítica (nesta altura
sobretudo na teoria da terceira tópica de Dejours e, mais tarde, nos trabalhos de
Jean Laplanche sobre a teoria da sedução generalizada), a psicodinâmica do
trabalho formulou igualmente uma teoria do sujeito no trabalho, sujeito esse que
luta constantemente para preservar a sua saúde intacta e que, para isso, se vê
obrigado a subverter as prescrições da organização do trabalho. Na concepção
da subjectividade defendida pela psicodinâmica do trabalho, o sujeito é portador
de uma história singular, de um inconsciente, e de uma vontade própria que
poderá opôr-se, ou não, às imposições da organização do trabalho.
- por fim, a discussão entre psicodinâmica do trabalho e diversas áreas da
sociologia que ocorreu durante o “Seminário Interdisciplinar: Prazer e Sofrimento
no Trabalho” levou igualmente esta disciplina a adoptar uma teoria social
baseada essencialmente nos trabalhos da sociologia das relações sociais de
género, raça e classe (Kergoat & Hirata). A referência a uma teoria social torna
visível o facto de o trabalho constituir um campo de análise perpassado por
relações de poder e de dominação entre diferentes grupos sociais.
Finalemente, para além de uma teoria do sujeito, de uma teoria do trabalho
e de uma teoria social que permitam compreender e analisar as situações reais
de trabalho, é necessária uma teoria da acção que apoie o desenvolvimento de
modos de intervenção tendo em vista a melhoria das condições de trabalho e a
redução do sofrimento. O dispositivo metodológico utilizado nas intervenções em
psicodinâmica do trabalho foi construído tendo em conta estes vários aspectos,
dispositivo cujo modelo mais consagrado se pode encontrar no anexo
metodológico à edição de 1993 de “Travail, usure mentale”.
Numa fase de desenvolvimento já posterior, correspondendo ao final dos
anos 90, nomeadamente em torno da publicação de “Souffrance en France”
(1998), assistimos à introdução de alguns novos temas de investigação. Vêmos
então surgir o conceito de sofrimento ético, e a questão da servidão voluntária é
problematizada a partir da obra fundadora de La Boétie. Inicia-se neste período

134
uma discussão com a filosofia moral e política, nomeadamente com a teoria
social crítica, em torno das dicotomias conceptuais autonomia/alienação e
dominação/emancipação bem como a propósito das teorias do reconhecimento.
Simultaneamente, os trabalhos de Pascale Molinier evidenciam a importância da
dimensão do género e da identidade sexual para a compreensão da relação entre
trabalho e saúde, dimensões que, graças a essa autora, passarão a integrar o
corpus teórico da psicodinâmica. Complementarmente, o aparecimento de novas
patologias, tais como o suídicio no trabalho, influenciarão o percurso da
disciplina. Desde então, os temas acima referidos têm vindo a merecer uma
atenção especial nos trabalhos do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho e da
Acção dirigido por Dejours.

Segunda fase: consolidação e difusão


Após esta primeira fase de afirmação da disciplina, as ideias da
psicodinâmica do trabalho começaram a interessar investigadores de outros
países e de horizontes disciplinares diferentes. Assistimos então a uma nova fase
de desenvolvimento, marcada por uma crescente internacionalização e difusão
das ideias de Dejours e seus colaboradores. Neste período, que começou há já
alguns anos mas prossegue actualmente, o número de estudos com referência à
psicodinâmica do trabalho multiplica-se e surgem grupos de investigadores que
adoptam a psicodinâmica do trabalho no Brasil, no Canadá, na Bélgica etc...
Mas, tal como seria de esperar, este processo de «exportação» da
psicodinâmica não ocorreu de forma linear. A circulação das ideias e a sua
utilização foi fortemente influenciada pelos seus contextos de recepção,
específicos e fortemente diferenciados. Se até recentemente se notavam
diferenças pouco significativas entre as diversas abordagens que se inspiravam
na psicodinâmica do trabalho, a tendência actual aponta para um acentuar das
divergências. Com efeito, o processo de expansão e difusão da disciplina, tanto
na direcção de outras áreas disciplinares, como para além das fronteiras
francesas, trouxe desenvolvimentos diversos. Ainda que hoje não disponhamos
do distanciamento histórico suficiente para realizar uma ánalise aprofundada das
causas e consequências das alterações que têm vindo a sofrer partes do sistema
conceptual da psicodinâmica do trabalho, podemos desde já indicar que as
inovações contemporâneas implicam inflexões - tanto teóricas como
metodológicas - que merecem ser discutidas.

135
As inovações actuais acarretam riscos, riscos que são inerentes a qualquer
processo de circulação de ideias: o risco de alteração do sentido inicial do
sistema teórico, da deformação dos seus conceitos, de perca de coêrencia
interna ou ainda de especificidade do modelo em questão.
Permitam-me sublinhar que a minha intenção não é, de forma alguma,
defender qualquer tipo de ortodoxia, nem o que poderia aparecer sob a forma de
uma psicodinâmica «verdadeira», conforme a uns quaisquers canones, o que, a
meu ver, teria pouco sentido. Trata-se sim, modestamente, de tentar identificar
as orientações da disciplina desde a sua constituição até hoje, de forma a
podermos, eventualmente, isolar um núcleo conceptual próprio à psicodinâmica
do trabalho. Porque, se nem todas as utilizaçães da psicodinâmica do trabalho
são legítimas, parece-me óbvio que podem existir diferentes aplicações da
psicodinâmica cuja validade não é questionavél. Para as podermos distinguir
importa, por um lado, não ceder à máxima pós-moderna com base na qual
«tudo serve» (e portanto todas as propostas teóricas se equivalem quanto à sua
legitimidade para explicar o real); por outro lado, devemos identificar os
elementos nucleares, tanto em termos teóricos como metodológicos, que
conferem à psicodinâmica do trabalho a sua especificidade face a outras
abordagens que tratem do prazer e do sofrimento no trabalho. Isto porque a
exigência de coêrencia e o carácter sistemático sempre foram requisitos
subjacentes à evolução da psicodinâmica do trabalho. Para Dejours (neste ponto
fortemente influenciado pela reflexão metodológica de Jean Laplanche), a
psicodinâmica do trabalho sempre se apresentou como uma disciplina que vai
para além de uma psicanálise aplicada ao trabalho, possuindo a capacidade de
formular os seus próprios conceitos e produzir conhecimentos a partir de uma
articulação rigorosa entre actividade de investigação empírica e formulação
teórica.
Aquilo que entrevemos em algumas abordagens actuais são diferentes
formas de tratar esta articulação exigente entre teoria, prática e acção no campo
da psicodinâmica do trabalho. Com efeito, em alguns casos tende-se a privilegiar
uma versão que poderíamos apelidar de «funcional» da psicodinâmica do
trabalho, concentrando-se sobre as possibilidades que esta oferece em termos
de intervenção sobre o sofrimento no trabalho, deixando para segundo plano as
exigências em termos de coêrencia teórica. Neste primeiro caso, são os efeitos
práticos, em termos de acção, que justificam a adopção do referencial da

136
psicodinâmica do trabalho, podendo esta ser conciliada e associada a outros
modelos explicativos, por vezes com referências epistemológicas diferentes.
Noutros casos, a referência à psicodinâmica do trabalho vem, pelo contrário,
alimentar uma reflexão teórica sem que os seus efeitos práticos sejam de uma
importância particular. É o que se verifica quando a psicodinâmica do trabalho é
convocada para argumentar em favor da tese da centralidade do trabalho numa
antropologia filosófica (Deranty), por exemplo.
Mas, em qualquer abordagem que se refira à psicodinâmica do trabalho,
parece-nos importante ter em consideração os elementos acima referidos acerca
da teoria do trabalho, do sujeito, da sociedade e da acção. Pois é a articulação
destas diversas dimensões, assim como a focalização nos objectivos práticos da
psicodinâmica do trabalho - favorecer processos de emancipação sempre que
estes forem iniciados e motivados pelos próprios trabalhadores – que constitui a
força e a especificidade desta disciplina. Finalmente, apenas tendo em conta
estes diferentes aspectos se poderão conceber acções racionais no campo da
saúde no trabalho e, desta forma, contribuir para uma redução das causas de
doenças laborais.

Conclusão: eclectismo e sincretismo


Para minha grande pena, não poderei desenvolver mais este aspecto da
minha exposição, sobretudo devido ao tempo reduzido de que disponho. No
entanto, se escolhi insistir sobre este ponto é porque a concepção de acções
racionais no campo da saúde no trabalho passa forçosamente por uma
articulação rigorosa das diferentes dimensões acima referidas e,
consequentemente, por uma atenção especial à coêrencia entre a teoria, a
metodologia e a acção. Daí decorre a importância dos princípios metodológicos
adoptados: neste campo, a metodologia encontra-se primeiramente ao serviço
das acções de transformação das causas do sofrimento no trabalho; e nesse
sentido que os dispositivos de intervenção escolhidos adoptam invariavelmente
uma abordagem etiológica das patologias profissionais.
Ao propôr diferentes adaptações e inovações, tanto no que diz respeito ao
corpus teórico, como aos dispositivos metodológicos utilizados, algumas
abordagens actuais correm o risco de entrar em contradição com o projecto
incial da psicodinâmica do trabalho. Embora um certo eclectismo seja sempre
bem-vindo e contribua para a renovação e desenvolvimento deste campo, a
psicodinâmica do trabalho permanece uma disciplina exigente, de difícil

137
manuseamento. Para nos assegurarmos da sua pertinência, devemos
constantemente articular teoria do sujeito, teoria do trabalho, teoria social e
teoria da acção, considerando, para além disso, as exigências práticas em
termos de saúde no trabalho.
Desde logo nos podemos aperceber de que a integração de novos elementos
ao modelo inicial, sejam eles conceptuais ou metodológicos, constitui um desafio
consideravél. Ao ignorar as intenções principiais da psicodinâmica do trabalho ou
os fundamentos do seu edifício teórico, o risco em que incorre qualquer tentativa
de adaptação do sistema original é o de cair em diferentes formas de
sincretismo.
A presente comunicação constitui um primeiro passo no sentido de tornar
visíveis os principais elementos conceptuais, assim como a sua articulação com a
questão da prática, que fundamentam a psicodinâmica do trabalho. Acredito que
ao tornar inteligíveis estes elementos, contribuimos para que esta disciplina se
desenvolva em Portugal no sentido de uma melhor compreensão daquilo que
poderá vir a ser uma acção racional em saúde no trabalho.

138
TÍTULO: A Psicologia Positiva e as Organizações

AUTOR(ES): Carla Alexandra Magalhães Meireles e Fátima Lobo

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

Resumo: Nas últimas décadas a Psicologia Positiva emergiu como uma área de
estudo científico multifacetada que vai para além de uma abordagem centrada
nos problemas e nas patologias para se endereçar teórica e empiricamente à
construção de qualidade de vida, nas organizações, no indivíduo e no grupo.
Embora a Psicologia Positiva não tenha ignorado totalmente o local de trabalho,
só mais recentemente dois desenvolvimentos tiveram expressão no foco e
aplicação às organizações e ao desempenho dos recursos humanos: Positividade
em Contexto Organizacional/Positive Organizational Scholarship (POS) e o
Comportamento Organizacional Positivo/Positive Organizational Behaviour (POB).
Desenvolveu-se em paralelo, no seio das ciências sociais e humanas, práticas
inovadoras como o Inquérito Apreciativo que promove a mudança positiva por
intervenções sistémicas e comunicacionais nas organizações. No presente estudo
procedeu-se uma breve revisão teórica da Psicologia Positiva, do seu percurso
em contexto organizacional, bem como dos recentes desenvolvimentos e
aplicações práticas em Portugal, explicitando as razões defendidas pelos seus
autores para a sua integração na intervenção organizacional.
Palavras-chave: Psicologia Positiva, intervenção, organizações positivas, bem-
estar, resiliência, otimismo e motivação.

Abstract: In recent decades Positive Psychology emerged as an area of scientific


study that goes beyond multi-faceted approach focused on the problems and
pathologies, to address theoretically and empirically to improve quality of life in
organizations, individual and group. Although positive psychology has not totally
ignored the workplace, only recently two developments have focused on the
expression and enforcement to organizations and the human resources
performance: POS (Positive Organizational Scholarship) and the POB (Positive
Organizational Behaviour). It was developed in parallel within the social sciences

139
and humanities, innovative practices such as appreciative inquiry that promotes
positive change by systemic interventions and communication in organizations.
The present study describes the model of Positive Psychology, his course and
objectives regarding organizations, and reviewing its recent developments and
practical applications in Portugal, explaining the reasons advocated by the
authors for their integration in the organizational intervention.
Keywords: Positive Psychology, intervention, positive organizations, well-being,
resilience, optimism and motivation.

Introdução:
Nas últimas décadas a Psicologia Positiva emergiu como uma área de
estudo científico que vai para além de uma abordagem centrada nos problemas
e nas patologias, para se endereçar teórica e empiricamente à construção da
qualidade de vida nas organizações, no indivíduo e no grupo (Csikszentmhihalyi
& Csikszentmhihalyi, 2006; Seligman, 2002; Seligman & Csikszentmhihalyi,
2000; Seligman, Steen, Park & Peterson, 2005; Pina e Cunha, Rego, & Campos e
Cunha, 2007). Sendo este trabalho uma pesquisa de revisão bibliográfica
procurou-se salientar a importancia de alguns dos conceitos da Psicologia
Positiva e sua aplicação e relação para com e nas organizações. O objectivo é,
sistematizar o manancial de informação abordado em matéria de investigação
e/ou na literatura sobre a Psicologia Positiva e as organizações. A metodologia
escolhida para a recolha de informação de forma a clarificar o seu objecto,
recorreu a um recorte temporal referente aos últimos anos com foco nos estudos
desenvolvidos ao nível do comportamento organizacional positivo, pretendendo
descrever brevemente o processo histórico da psicologia positiva e defini-la a
partir das suas áreas de investigação com particular atenção aos conceitos
ligados às organizações, tendo em conta o objectivo de melhorar as
potencialidades e qualidades de vida dos seus colaboradores.
Na revisão bibliográfica sobre o tema foram perscrutadas as seguintes
palavras-chave: psicologia positiva, estratégias de intervenção em psicologia
positiva, psicologia positiva em Portugal, organizações positivas, bem-estar,
resiliência, optimismo e motivação.
Acontecimentos à escala global como a segunda grande guerra
provocaram consequências ao nível das perturbações e distúrbios mentais que
conduziram os estudos da psicologia na direcção da recuperação e remediação
de défices e patologias. Em sequência disso, autores como Seligman e

140
Csikszentmhihalyi (2000) consideram que se abordou e ao mesmo tempo se
desenvolveu uma concepção do ser humano baseado e influenciado pela doença
mental, fomentado pelas disfuncionalidades dos sistemas e organizações. Foi-se
inadvertidamente construindo um enviesamento em relação ao défice, ao
negativo e ao menos bem-sucedido da experiência humana, num horizonte que
sublinhou a fragilidade e as limitações de pessoas e organizações (Cameron,
Dutton & Quinn, 2003; Seligman & Csikszentmhihalyi, 2000; Snyder & Lopez,
2002). Para Seligman, Steen, Parks e Peterson (2005), apesar do foco no
patológico ter ajudado a desenvolver e a construir uma ciência psicológica
direccionada à perturbação psicológica, negligenciando uma importante fatia do
estudo dos seres humanos, demonstrou contudo a possibilidade de se intervir de
modo a tornar menos problemática a vida das pessoas em sofrimento ou em
disfunção fazendo uso de intervenções remediativas.
As raízes da Psicologia Positiva remontam aos trabalhos iniciais do
domínio da Psicologia Humanista, Existencialista e “Gestalt”, “…aos escritos de
William James, naquilo que ele chamou de “mentalidade saudável” em 1902, ao
interesse de Allport pelas características positivas humanas em 1958, à defesa
do estudo de pessoas saudáveis (…) de Maslow em 1968, e à investigação de
Cowan sobre resiliência em crianças e adolescentes” (Gable & Haidt, 2005,
p.105). Contudo, a referência mais comum ao surgimento da Psicologia Positiva
toma habitualmente como marco os finais dos anos noventa em que Seligman,
fazendo uso de seu cargo como de presidente da American Psychological
Association, estimulou o movimento da Psicologia Positiva focando as forças
humanas e a construção de uma vida melhor. O posicionamento do professor
Seligman, relativamente à necessidade da ciência psicológica “olhar o outro
lado” da experiência humana, não apenas o negativo e patológico (Seligman,
2002; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), levou a que em colaboração com
Csikszentmihalyi e outros investigadores da área, se debruçassem sobre “o que
faz a vida valer a pena ser vivida” assistindo-se ao crescimento do interesse pelo
movimento da Psicologia Positiva (Fredrickson, 2003). O rápido avanço
tecnológico e as mudanças bruscas no contexto social e organizacional que
caracterizam os finais do séc. XX, conduziram as empresas e a sociedade em
geral para uma maior competitividade levando à necessidade do reconhecimento
do que caracteriza as pessoas e os sistemas humanos no seu melhor.
A Psicologia Positiva é considerada uma nova perspectiva de investigação
e intervenção, considerando Gable e Haidt (2005), que esta promove o estudo

141
das condições e processos que contribuem para o florescimento ou
funcionamento óptimo das pessoas, grupos e instituições, pretendendo
debruçar-se sobre as experiências positivas tais como, as emoções positivas
(felicidade, esperança, alegria), as características positivas individuais (carácter,
forças e virtudes) e as instituições positivas (organizações, comunidades,
sociedades ou ambientes físicos a todos os títulos saudáveis baseadas no
sucesso e potencial humano). Estudos de diversos autores comprovam essa
nova perspectiva de investigação e intervenção podendo ser enumerado alguns
como Csikszentmihalyi (1990), Fredrickson (2003), Fredrickson e Losada (2005),
Larrauri (2006), Parks e Peterson (2007), Peterson e Seligman (2004) Seligman
(2002), Seligman e Csikszentmihalyi (2000), Snyder e Lopez (2002) e Wright
(2003), sendo base de consenso geral que a Psicologia Positiva promove a
criação de métodos preventivos através do conhecimento dos factores, do
aprimorar de técnicas de avaliação psicológica para identificação das virtudes e
dos aspectos positivos, ampliando o foco de estudo nas Ciências Sociais e
Humanas.
Globalmente tem crescido o interesse da Psicologia Positiva pelas áreas
de intervenção da educação social, saúde, comunitária, bem como nas
organizações. A sua linha de investigação tem vindo de encontro à abordagem
sistémica, mais especificamente o construcionismo social, pretendendo-se
desenvolver uma perspectiva orientada para as soluções e recursos tornando,
enquanto profissionais, promotores de bem-estar individual, familiar e dos
sistemas alargados. Em Portugal são exemplos disso a Associação Portuguesa de
Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva (APEIPP), associação criada com o
objectivo de divulgação científica, formação de profissionais, promoção de
investigação e intervenção na área da Psicologia Positiva, sendo de realçar o
clube do optimismo que se define como um centro de formação que utiliza a
Psicologia Positiva como base da sua intervenção, recorrendo, paralelamente, às
mais modernas e eficazes tecnologias de desenvolvimento do potencial humano.
Verifica-se que as áreas de gestão, economia e sociologia dão valor e
importância à Psicologia Positiva nas suas investigações, recorrendo a esta como
modo de compreender a liderança, a competitividade, o sucesso das
organizações e o comprometimento organizacional, entre outros factores críticos
dos sistemas organizacionais, sendo de realçar que a maioria dos trabalhos
desenvolvidos até ao momento tem incidido mais na investigação e teorização
no âmbito das experiências emocionais e características positivas individuais.

142
Recentemente têm começado a manifestar o interesse na sua aplicação à
vida das organizações e instituições, surgindo estudos com enquadramentos
comunitários, culturais e sociais (Cameron, Dutton & Quinn, 2003; Delle Fave,
2007; Hupert, 2006; Luthans & Youssef, 2004; Marujo & Neto, 2000; Neto &
Marujo, 2007; Peterson & Seligman, 2004; Verducci & Gardner, 2006; Pina e
Cunha, Rego & Campos e Cunha, 2007; Santos, Ferreira, Figueiredo, Almeida &
Silva, 2010). Os estudos organizacionais positivos procuram exactamente
compreender a dinâmica dentro das organizações que produzem resultados
extraordinários, tanto para as organizações como para os seus membros.
Embora não se possa afirmar que a Psicologia Positiva tenha ignorado
totalmente o local de trabalho, só mais recentemente dois desenvolvimentos
tiveram expressão no foco e aplicação às organizações e ao desempenho dos
recursos humanos: o POS, direccionado para uma larga escala e o POB,
direccionado para uma escala mais restrita, sendo estes dois desenvolvimentos
explorados mais adiante.

2- As Organizações
As organizações são entidades sociais complexas, que se expandem às
instituições e comunidades de um modo geral, podendo ser positivas sendo uma
fonte de desenvolvimento de identidade, de impactes virtuosos na comunidade e
de pertença, ou podem ser negativas, tóxicas, rodeadas de vivências infelizes,
regidas pela noção do lucro como fundamento de sua existência organizacional,
marcadas pelo cinismo, pelo isolamento individual, pelo desencanto e pelo
stress. A vida organizacional moderna e competitiva tem fomentado a
focalização em objectivos onde com facilidade as pessoas se tornam rudes e
desinteressadas com os outros membros da organização, sendo contudo de
evidenciar que basicamente as suas principais diferenças subsistem nos
pequenos detalhes, nos seus comportamentos diários e nas relações
interpessoais que criam e que reforçam determinados padrões culturais.
A «organização máquina», assim definida por Pina e Cunha, Rego, e
Campos e Cunha (2007), tem sido fomentada pelo establishment jurídico, assim
como, por educadores da área de negócio e comunidade financeira, incorrendo
no erro de se focarem quase que exclusivamente na actividade económica de
produção de bens e serviços, negligenciando a sua natureza de comunidade de
seres humanos. É certo e até compreensível que as organizações competem com
outras organizações, mas os seus membros devem colaborar entre si,

143
constatando-se que as sociedades pós-industriais revestiram-se de um
gigantismo impessoal que conduz a humanidade à automatização e à
programação dos seus comportamentos individuais. A desumanização das
organizações e do trabalho tem contribuido para a degradação de sua reputação
verificando-se um cinismo progressivo que marca a ligação das pessoas e as
organizações para qual trabalham. As pessoas quando se juntam em
organizações despoletam colectivamente processos e despertam energia
colectiva ou preguiça social. Como tal, trabalhar numa organização pode
potenciar o crescimento psicológico ou, pelo contrário, ser um travão às
potencialidades individuais, sendo reconhecido que “...os custos de trabalhar em
organizações deflagradoras de experiências negativas não são apenas
estritamente individuais/laborais.” (Pina e Cunha et al., 2007, p.61), ou seja,
uma organização que origina experiências negativas, stress ou medo nos seus
colaboradores, não gera apenas custos laborais como também prejudica a vida
pessoal de cada colaborador resultando em eventos de inadaptação às funções,
de desapontamento com a carreira ou numa liderança tóxica (Harter, Schmidt &
Keys, 2003).
Em muitas organizações contemporâneas, o trabalho realizado pelos seus
funcionários não tem significado para as suas vidas. Vários factores são
apontados, entre os quais, a fragmentação do trabalho sem significado em si
mesmo, a utilização do funcionário como um mero instrumento ao serviço de
critérios exclusivamente económicos, o ambiente de grande stress, a falta de
controlo sobre o seu trabalho e suas vidas, não conseguindo desfrutar das
funções desempenhadas. As organizações existem para alcançar objectivos e
resultados em que as pessoas estão lá meramente para esse fim, não ocorrendo
equilíbrio entre as necessidades económicas e as práticas típicas de um colectivo
social saudável. A virilidade e agressividade imperam nos “mercados” na
sociedade em geral, podendo até ser interpretadas como terrenos de batalha
sendo exemplo disso a apetência pelo uso de metáforas militares e bélicas como:
missão, estratégia, táctica, guerra de preços, hipercompetição, “target”, entre
outras. No entanto, começa-se hoje a estruturar novos parâmetros de análise,
diagnóstico e intervenção organizacional numa perspectiva positiva das
organizações e do comportamento organizacional, que se expandem às
instituições e comunidades de um modo geral. Devido ao contexto actual em que
se exige uma necessidade de repensar as formas de organização,
desenvolveram-se e dinamizaram-se processos de mudança que envolvem e

144
incluem os diversos intervenientes e interessados, fazendo com que a
governança se tenha tornado uma palavra de uso frequente e que o sentido que
lhe é atribuído tenha vindo a evoluir de forma significativa (Cardoso, Souza de
Castro & Gomes 2011)
Vários modelos teóricos e de intervenção prática no que diz respeito ao
conceito de saúde organizacional foram propostos, no entanto, o conceito de
organizações positivas em relação ao conceito de organizações saudáveis é
relativamente recente. A primeira tentativa de definir este conceito foi realizada
por Keyes, Hysom e Lupo (2000), em que consideram que as organizações
positivas serão todas aquelas que de modo a se manterem lucrativas e eficientes
ao nível do mercado, estabelecem medidas para promover o bem-estar dos seus
colaboradores tendo em conta outros resultados que não só o financeiro. Como
tal, para estes autores, as organizações que promovem uma gestão positiva
devem ter em conta o equilíbrio entre as necessidades económicas e as práticas
sociais saudáveis, levando em conta a gestão apropriada do stress, o estímulo
de competição justa e o encorajamento dos mais fracos. Estas ideias permitem
aos colaboradores desenvolverem um capital psicológico e social com níveis
elevados de confiança, redes interpessoais robustas, comunidades de trabalhos
energéticos e dedicados. A gestão positiva promove uma compreensão mútua e
sentimento de participação dentro das organizações, surgindo assim as
organizações positivas como um constructo constituído por três dimensões:
Percepção de suporte organizacional; Percepção de justiça organizacional;
Confiança do colaborador na organização. Então, reconhecem-se as organizações
positivas como aquelas em que o colaborador reconhece justiça e suporte por
parte da organização e por isso desenvolve um sentimento de confiança para
com estas, contribuindo para um clima de lealdade. Estas, para Fagulha e
Moreira (2011), caracterizam-se também pelo esforço em criar um ambiente em
que os seus colaboradores se sintam reconhecidos pelas suas contribuições,
promovendo-se uma comunicação frequente e honesta, que passa desde logo
pela acessibilidade das chefias, as quais se esforçam por estabelecer interacções
positivas com os membros das suas equipas.
Este modelo apoia-se na visão de bem-estar subjectivo (Diener, 2009) e
bem-estar no trabalho (Siqueira & Padovam, 2008), não realçando só a
importância das patologias relacionadas com o trabalho dos indivíduos mas
também as características ligadas ao bem-estar e superação de desafios
contribuindo assim para o crescimento pessoal. De acordo com esta perspectiva,

145
as organizações devem garantir oportunidades de desenvolvimento humano
partindo das emoções positivas e duradouras como resultado do sucesso e do
progresso, pretendendo-se com isso consequências positivas tanto para as
organizações como para o próprio colaborador.

Conceptualização teórica da gestão positiva


A abordagem positiva estimula, de maneira construtiva, o repensar da
gestão de recursos humanos. Esta, passa por incentivar as virtudes, respeitar a
dignidade humana, prezar a excelência, zelar pela busca da felicidade, promover
a cooperação e a confiança. Uma gestão que tem impactos positivos para os
colaboradores, para a organização e também a nível externo, considerando uma
maior satisfação dos clientes e da comunidade circundante. Em contexto
organizacional, Ribeiro (2009) refere que as forças de carácter, que constituem
uma das preocupações da Psicologia Positiva, podem ser definidas como traços
positivos que se reflectem nos pensamentos, sentimentos e comportamentos, e
conduzem à realização e à excelência humana. Estas existem em diferentes
graus e podem ser medidas enquanto diferenças individuais (Park, Peterson, &
Seligman, 2004), sendo também designadas de “virtudes”, de promotoras da
capacidade de adaptação (resiliência) e da responsabilidade nos indivíduos e nas
famílias. As emoções podem ser positivas, felicidade e optimismo, ou podem ser
negativas, raiva ou frustração (MacColl-Kennedy & Anderson, 2002). Fredrickson
(2003) afirma ainda que as emoções positivas condicionam de forma significativa
o bem-estar e a satisfação individual, neste sentido é então sugerido que as
emoções positivas possam predizer os comportamentos e as atitudes humanas
positivas, assim como auxiliar o indivíduo a lidar com as adversidades, o
compromisso, a satisfação, a performance, o stress e os objectivos a longo
prazo.
O comportamento organizacional começou a ser uma área com interesse
e a ser mais estudada, sendo de realçar suas características que permitem uma
relação mais positiva entre as organizações e os seus colaboradores. Estas
organizações desenvolveram uma nova corrente de estudos organizacionais
positivos em que, comum à Psicologia Positiva, trabalham conceitos como:
motivação, esperança, optimismo, resiliência, autoconfiança, inteligência
emocional e bem-estar subjectivo. Esforços não têm sido medidos para a criação
e aperfeiçoamento de técnicas e instrumentos de medidas a fim de facilitar e
promover o desenvolvimento dessa nova área da ciência, tendo como principal

146
missão, no momento, a operacionalização de instrumentos para a avaliação e a
classificação das virtudes e das forças pessoais. Existe uma relação entre a
percepção no ambiente de trabalho e os resultados obtidos pela organização
dando origem a uma maior satisfação do cliente e, consequentemente, mais
lucro e menor rotatividade de profissionais. Sendo assim, uma organização
positiva terá que ter em conta a gestão das capacidades psicológicas positivas
para ter impacto a nível micro, colaboradores e equipas, e a nível macro,
resultados da organização e produtividade.

3.1 – Motivação
A motivação no trabalho tem ocupado um lugar central na Psicologia das
Organizações e do Trabalho sendo também do interesse da Psicologia Positiva.
Para Chiavenato (2004), não há um conceito unânime nem um consenso para
motivação mas, numa visão ampla, entende por motivação como o processo do
comportamento humano que surgida a necessidade interna, é impulsionada para
um objectivo ou incentivo a fim de alcançá-la. A motivação é um tema presente
em praticamente todas as esferas da vida. Por vezes perguntamos por que será
que alguém aceita os sacrifícios que algumas religiões implicam para alcançar
resultados que muitos não compreendem, ou o porquê da escolha deliberada em
privações e riscos corridos para chegar ao cume de uma montanha. A motivação
ou termos similares são muitas vezes usados para explicar acções e atribuir-lhes
sentido. Ainda no âmbito desportivo, usa-se muitas vezes o termo motivado
quando um atleta apresenta elevados níveis de desempenho. É, ainda, a
motivação que permite o facto de alunos com aptidões intelectuais semelhantes
terem desempenhos escolares discrepantes. A mesma explicação poderá ser
utilizada para desempenhos diferenciados no trabalho. Actualmente, as
empresas enfrentam constantes mudanças e muita turbulência num mercado
altamente globalizado e competitivo, e uma ferramenta que muito contribui
como estratégia de sobrevivência é o talento humano. Para isso, a motivação
das pessoas é fundamental para a superação rápida e eficiente de novos
desafios, com elevados padrões de desempenho organizacional.

Autoconfiança
Do ponto de vista de Bandura (2000), se as pessoas não acreditarem que
conseguem atingir os objectivos desejados e evitar os indesejados, elas não
terão incentivos para agir. A base da motivação consiste em acreditar que se

147
consegue produzir resultados. Segundo o mesmo autor, a autoconfiança/auto-
eficácia refere-se à convicção de que se é capaz de executar uma tarefa de
forma adequada. As pessoas têm uma noção subjectiva das suas capacidades,
como tal, a autoconfiança promove um impacte sobre os indivíduos, estando as
expectativas e experiências anteriores relacionadas com a diferença entre ser ou
não autoconfiante. Pode ser que não corresponda às reais capacidades
individuais mas uma auto-avaliação positiva dessas capacidades pode gerar bons
resultados em dominios como as escolhas positivas, o esforço motivacional,
perseverança, padrões de pensamento positivo e resistência ao stress. A relação
entre autoconfiança e sucesso organizacional é positiva em termos de
desempenho sendo superiores ao das características da personalidade e ao da
satisfação com o trabalho (Luthans, & Jensen, 2005).
É preciso no entanto reconhecer que em algumas condições, a elevada
autoconfiança pode ser prejudicial, tanto para o próprio individuo como para as
pessoas com quem trabalha e para organização (Pina e Cunha et al., 2007).
Pessoas que combinam uma elevada autoconfiança com fraca competência na
tarefa podem apresentar maior dificuldade em aceitar uma crítica ao seu
desempenho e até apresentar renitências em mudar seu modus operandis. Pode
influenciar negativamente a vida dos outros membros da organização com
avaliações negativas ao bom trabalho de outros realmente competentes. Daqui
decorre que uma forma de melhorar o desempenho organizacional consiste em
actuar sobre a autoconfiança dos colaboradores onde os líderes podem
desempenhar um papel importante nesta matéria. Várias medidas podem ser
usadas de modo a desenvolver a autoconfiança, entre as quais, a aprendizagem
vicariante onde a equipa é o espelho do chefe, reflectindo o seu comportamento,
ou seja, líderes positivos criam equipas positivas e líderes negativos criam
equipas problemáticas. Outra das medidas passa pelas experiências de sucesso
em que uma forma de facilitar a construção de uma elevada autoconfiança
consiste em proporcionar experiências de sucesso. A persuasão positiva também
permite desenvolver a autoconfiança sendo necessário proporcionar feedback
positivo e informação útil alertando para modos de acção inadequados e
ajudando a superar dificuldades e a celebrar os êxitos, assim como, a
estimulação física e psicológica proporcionando um ambiente de trabalho
vibrante marcado pela energia positiva também pode promover a autoconfiança.
Por conseguinte, as organizações e os seus líderes podem influenciar as
bases da positividade e, dessa forma, o comportamento dos seus membros; “A

148
forma como decorre a vivência organizacional quotidiana faz a diferença entre a
existência ou a ausência de confiança, entre a criação de ambientes de
segurança psicológica ou o medo de falhar, entre a vontade de aplicar
criatividade ao serviço da equipa ou o desejo de ficar «encasulado», entre ter
disponibilidade para ajudar ou ter receio de, ajudando, ser prejudicado – e assim
sucessivamente.” (Pina e Cunha et al., 2007, p.161).

Esperança
No dia-a-dia, esperança é uma palavra muito comum que representa o
suportar das dificuldades, a ajuda para superar obstáculos; a esperança projecta
o indivíduo num futuro promissor. Em termos psicológicos, é o processo que
reflete a convicção de que um objectivo é alcançável e de que é possível definir
os planos para que esse objectivo seja realizável. Snyder e Lopez (2002),
consideram que a esperança é caracterizada pela determinação na orientação
nos objectivos e na identificação e definição do caminho para atingir esses
objectivos. Esta tem impacte positivo na realização individual decorrendo de uma
dinâmica que proporciona efeitos individuais positivos: desafio pelos objectivos;
valorização do progresso na direcção desses objectivos; apreciação no alcance
desses objectivos; adaptação a novas situações e estabelecimento de relações
de colaboração; resistência ao stress e controlo da ansiedade. No plano do
trabalho, a esperança relaciona-se positivamente com um conjunto de processos
como as expectativas, a auto-estima, as emoções positivas e o controlo
percebido.

Optimismo
Carver e Scheier abordaram o estudo do optimismo, estudando uma
variável da personalidade, identificando o «optimismo disposicional». Esta
perspectiva baseia-se na forma como as pessoas tentam cumprir os objectivos a
que se propõem, optando por uma postura de confiança e persistência, mesmo
perante dificuldades, ou com uma atitude de dúvida e hesitação. Um modelo de
auto-regulação, tendo subjacente a ideia de que a pessoa optimista persiste em
atingir seus objectivos, ao passo que a pessimista evidência uma tendência para
desistir dos objectivos a que se colocou. O optimismo é uma característica ou
dimensão importante da personalidade e mais em concreto um estilo cognitivo-
afectivo sobre como o sujeito processa a informação quanto ao futuro,
considerando Carver e Scheier (1990) que o optimismo não provém

149
exclusivamente da inteligência ou da cognição contendo também uma grande
componente emocional e motivacional.
Para melhor se compreender a matéria em questão é necessária uma
análise ao locus de controlo, somos nós ou são os factores externos que nos
ultrapassam que regulam as ocorrências nas nossas vidas? Esta combinação das
duas variáveis permite compreender melhor os efeitos, nefastos ou positivos, do
optimismo e do pessimismo, enriquecendo-se esta análise com o realismo. Os
graus de optimismo e o locus de controlo combinam-se e as suas diferentes
características potenciam os seus respectivos efeitos, individuais e nas
organizações. “É por essa razão, também, que o posicionamento ideal na vida e
nas organizações parece ser o optimista realista ou flexível, isto é, uma dose de
optimismo/pessimismo adaptada às circunstâncias.” (Pina e Cunha et al., 2007,
p.174).

Inteligência emocional
Inteligência emocional pode ser descrita como a capacidade para conciliar
emoções e razão. A relação entre a inteligência emocional e a satisfação com a
vida e com o trabalho tem vindo a ser debatida no seio da comunidade científica.
Wong e Law (2002) realçam que a inteligência emocional dos líderes está
correlacionada com o empenhamento e satisfação dos colaboradores,
considerando Goleman (1998;2001), que o sucesso da liderança é de natureza
emocional e social em que os níveis de inteligência emocional são transmissíveis
ao longo da organização podendo esta ser explicada pelo contágio emocional e
pela “regulação límbica interpessoal”.

Resiliência
A resiliência é frequentemente referida por processos que explicam a
«superação» de crises e adversidades em indivíduos, grupos e organizações
(Yunes & Szymanski, 2005; Yunes, 2001; Tavares, 2001). Por tratar-se de um
conceito relativamente novo em Psicologia, a resiliência tem sido discutida do
ponto de vista teórico e metodológico pela comunidade científica, considerando
alguns a necessidade de cautela no uso “naturalizado” do termo enquanto outros
reconhecem a resiliência como um fenómeno comum e presente no
desenvolvimento de qualquer ser humano (Masten, 2001). Para Luthans, Youssef
e Avolio (2007), o conceito resiliência relaciona-se com o actual contexto do
trabalho, que é caracterizado pelo aumento da competitividade e pela mudança

150
constante. Para estes autores, resiliência no âmbito do PsyCap (Capital
Psicológico), inclui não só a capacidade para recuperar perante as adversidades
e perante eventos estimulantes e positivos, como também a vontade de ir além
do ponto de equilíbrio. Luthans e Youssef (2004) definem esta dimensão como a
capacidade para ultrapassar as adversidades, as falhas, assim como, o aumento
de responsabilidade. Jensen e Luthans (2006), defendem que resiliência é
considerada como a capacidade dos indivíduos enfrentarem com sucesso a
mudança desafiante, a adversidade e o risco. Com as dificuldades de recursos e
riscos nos dias de hoje leva os psicólogos a tentar compreender o que promove
mais eficientemente a resiliência dos membros organizacionais. Luthans sugere
que a resiliência é um processo dinâmico que envolve fazer balanços entre as
forças favorecedoras e as forças vulneráveis em diferentes contextos de risco.
De acordo com Coutu (2002) os elementos de resiliência mais comuns incluem
uma paragem para aceitar a realidade, uma profunda crença frequentemente
suportada por valores fortes e uma capacidade invulgar para improvisar e
adaptar-se às mudanças significativas.
Investigações recentes sugerem que as pessoas resilientes podem
progredir e crescer quando enfrentam dificuldades e contrariedades.
Normalmente, melhoram os seus níveis de desempenho e encontram significado
e valor para as suas vidas, uma vez que possuem uma capacidade de prosperar
e crescer através das contrariedades e dificuldades com que se deparam
(Luthans & Youssef, 2004). Alguns investigadores (Luthans & Jensen, 2005;
Luthans, Youssef & Avolio, 2007) referem que os seus trabalhos indicam que a
resiliência produz ganhos significativos no desempenho dos indivíduos, e
apontam outros resultados potenciais positivos que a resiliência pode ter no local
de trabalho como o aumento da satisfação face ao trabalho, o aumento do
comprometimento com a organização e a melhoria do capital social. O conceito
de resiliência aplicado às organizações define-se como o saber o que faz de uma
entidade colectiva capaz de reagir de uma forma adequada aos riscos e às
ameaças. Por sua vez, Park, Peterson e Seligman (2004) procuraram a relação
entre várias forças de carácter e o bem-estar subjectivo, observando,
especificamente, a satisfação com a vida (aspecto cognitivo do bem-estar
subjectivo) que reflecte a apreciação, por parte do indivíduo, da sua vida como
um todo. O Bem-estar subjectivo (BES) constitui um campo de estudo recente
inserindo-se no campo da psicologia positiva em que se inclui a dimensão
cognitiva e a afectiva, procurando compreender as avaliações que as pessoas

151
fazem de suas vidas (Diener, Suh & Oishi, 1997). Danna e Griffin (1999),
citando Diener (1984), referem o termo BES, como o descrever da experiência
total da pessoa, reflectindo a felicidade, a satisfação, a qualidade e uma
avaliação positiva da vida. De acordo com Novo (2003), o BES é actualmente
definido como um domínio que se refere ao bem-estar global do indivíduo,
avaliado a partir da satisfação com a vida e da felicidade. Sobre a felicidade é
comum combinar a frequência e a intensidade das emoções agradáveis. Galinha
(2008), refere que as pessoas consideradas mais felizes são aquelas que são
mais intensamente felizes na maior parte do tempo e que uma pessoa tem um
nível elevado de BES, quando se verifica preponderância do afecto positivo sobre
o negativo. Portanto, o bem-estar subjectivo integra três características: baseia-
se na experiência pessoal do sujeito, recorre a medidas positivas, não se
traduzindo apenas pela ausência de medidas negativas, e inclui a avaliação
global dos vários aspectos da vida do sujeito (Ribeiro, 1998). Compton (2005)
definiu seis variáveis: Auto-estima positiva, Sentido de controlo percebido,
Optimismo, Sentido de significado e propósito na vida, Extroversão e Relações
sociais positivas.

Bem-Estar no Trabalho
A palavra trabalho deriva do latim de "tripalium", que significa
instrumento de tortura. Neste sentido, a palavra trabalho está associada à ideia
de sofrimento desde tempos ancestrais. Apesar do conceito de trabalho ter
evoluído, a dimensão de constrangimento perdura através da noção de esforço e
da ideia de mobilização da energia para atingir fins e objectivos. A forma como
os indivíduos se sentem no trabalho encontra-se muito relacionada com a forma
como se sentem na vida. A vida pessoal e a vida no trabalho não são entidades
separadas, ao contrário, são domínios inter-relacionados, que têm efeitos
recíprocos. O conceito de Bem-estar no trabalho (BET), abre uma nova
perspectiva de investigação que se apoia na Psicologia Positiva, tendo como foco
os aspectos positivos dos indivíduos e das organizações, contrapondo-se às
abordagens que enfatizam o stress e os mecanismos geradores de doenças,
procurando-se identificar estratégias psicológicas que promovam a melhor forma
de enfrentar as situações adversas. Este conceito foi muito influenciado por
Diener e Scollon (2003). Com base no conceito de BES, como um modelo
hierárquico de felicidade, de satisfação geral com a vida e em domínios
específicos como no trabalho. Este modelo entende o BET como um constructo

152
psicológico multidimensional, integrando por: prazer no contexto de trabalho/
satisfação no trabalho; prazer resultante do ambiente/relacionamentos com as
chefias e com os colegas de trabalho; salário pago pela empresa; oportunidades
de promoção e das satisfações com as tarefas realizadas; o comprometimento
organizacional afectivo como a adopção dos objectivos da organização.

Estratégias de intervenção positiva


Autores eminentes da área das dinâmicas organizacionais, como Fred
Luthans, Kim Cameron, Robert Quinn ou Thomas Wright, têm-se dedicado a
teorizar e testar a aplicação dos conceitos da Psicologia Positiva aos estudos do
capital humano, e das suas capacidades psicológicas e sociais em contexto
organizacional. Têm defendido, igualmente, o estudo do bom desempenho nas
organizações, propondo intencionalmente um olhar enviesado positivo, já que
baseado nas forças, talentos e excelências, e em formas energizantes e
generativas para desenvolver o potencial total de indivíduos e sistemas
(Cameron, Dutton & Quin, 2003; Luthans & Youssef, 2004; Wright, 2003). As
estratégias são menos direccionadas à recuperação e remediação de défices e
patologias e transportam para o desenvolvimento óptimo e para a satisfação
com a vida de uma forma mais equilibrada. Desenvolveram-se práticas, como o
Inquérito Apreciativo (IA), focadas no que de mais saudável há nas situações,
promovendo e fortalecendo uma maior justiça social, qualidade e satisfação para
com a vida quer a nível individual e organizacional (Marujo & Neto, 2010;
Santos, Ferreira, Figueiredo, Almeida & Silva, 2010).

O Inquérito Apreciativo
O Inquérito Apreciativo tem sido descrito como um novo modelo de
gestão e implementação da mudança nas organizações e comunidades (Marujo,
Neto, Caetano & Rivero, 2007). É um processo baseado na narrativa, que integra
metodologias de impulso à mudança em larga escala, pretendendo inspirar ao
envolvimento de todos os intervenientes na construção do futuro da
organização, e na descoberta e potenciação de forças e vantagens estratégicas,
com ganhos financeiros e sociais (Rivero, 2007). Implica um conjunto de
práticas de mudança apoiada na ideia de que as organizações têm um centro
positivo que, ao ser tornado explícito, libertará energia positiva e melhorias na
performance do sistema (Cooperrider & Whitney, 2005, cit in Marujo, Neto,
Caetano & Rivero, 2007). Pressupõe-se que actua numa organização ao Inquirir

153
– um acto de exploração e descoberta – e facilita a mudança positiva ao
Apreciar, reconhecendo e valorizando o melhor do que é vivido e experimentado
(Sampaio, 2008). O Inquérito Apreciativo baseia-se em princípios fundamentais
relacionados com as crenças e valores sobre os sistemas humanos e a mudança,
através dos quais teremos uma concepção mais clara da forma como as
mudanças positivas acontecem, sendo a abordagem e estudo do que funciona na
organização, do que dá sentido e vida àquele sistema e do que pode florescer,
tendo sido criado e desenvolvido a partir de três correntes de pensamento
(Marujo, Neto, Caetano & Rivero, 2007) denominadas de construcionismo social,
teoria das imagens do futuro e a investigação qualitativa.
Entre nós, Eduardo Santos, Joaquim Ferreira, Helena Marujo, Fátima
Perloiro, Luís Neto, entre outros, têm-se dedicado a esta área de estudo das
ciências psicológicas, seguindo novos conceitos e linguagem como a Positividade
em Contexto Organizacional/Positive Organizational Scholarship (POS), o
Comportamento Organizacional Positivo/Positive Organizational Behavior (POB) e
a Gestão Positiva de Capital Psicológico, defendendo a integração e
complementaridade na intervenção em organizações dos modelos de Psicologia
Positiva.
O movimento POS defende o estudo de melhores práticas, do que é
positivo e próspero, conduzindo alegadamente ao desempenho individual e
organizacional excepcional. Cameron, Dutton e Quin (2003), referem que é a
dinâmica nas organizações que conduz ao desenvolvimento de força, vitalidade e
prosperidade nos empregados. Inclui preocupações instrumentais mas,
contrariamente aos tradicionais estudos de eficácia organizacional, coloca uma
maior ênfase em ideias de “bondade” e potencial humano positivo procurando
compreender o que representa e se aproxima do melhor da condição humana.
Segundo estes autores, o POS consagra a atenção aos facilitadores (processos,
capacidades, estruturas, métodos), às motivações (generosidade, altruísmo) e
aos resultados ou efeitos (evitalidade, significado, relações de elevada
qualidade) associados a fenómenos positivos. As suas várias perspectivas são
mais facilmente compreendidas atendendo aos três conceitos que compõem a
designação – Positive Organizational Scholarship. Positive, refere-se à orientação
e tendência afirmativa tendo em conta a perspectiva positiva, a ênfase na
bondade ou no melhor da condição humana e a desviância positiva ou resultados
extraordinariamente bem-sucedidos. Organizational enquadra-se na dinâmica
interpessoal e estrutural activada dentro e através das organizações,

154
especialmente, tendo em conta o contexto em que os fenómenos positivos
ocorrem, enquanto Scholarship engloba a investigação científica teórica e
rigorosa do que é positivo em contextos organizacionais. Contudo à maioria
destas contribuições falta credibilidade empírica e explicações teóricas no que
respeita à forma e razões do seu funcionamento, daí que para Cameron, Dutton
e Quin (2003) existe a necessidade de cuidado nas definições dos termos, uma
base racional para prescrições e recomendações, consistência com os
conhecimentos resultantes de trabalho anterior e com os procedimentos
científicos no desenho de conclusões.

Conclusão
A Psicologia Positiva, nomeadamente ao nível organizacional, ainda tem
um longo caminho a percorrer e muitas outras questões para investigar. A
abordagem positiva das organizações pode ser usada como alavanca para
estimular uma forma construtiva de (re) pensar a gestão podendo inclusive os
efeitos da positividade organizacional transcorrer para o exterior – gerando
impacto positivo na satisfação dos clientes e na comunidade circundante. Apesar
do desenvolvimento que esta área de estudo científico especifica demonstra a
nível internacional, ainda é pouco divulgada e trabalhada a nível nacional. A
generalidade das considerações apresentadas remetem-se para o facto de
indivíduos, organizações e sociedades beneficiarem da institucionalização das
virtudes e da nobreza de comportamentos para virem a atingir resultados
positivos, diminuir os negativos e a conseguir a realização total. Ao mesmo
tempo, apontam para o poder e para a força generativa do acto de apreciar as
forças individuais e colectivas quando se promove a mudança organizacional. O
melhor do passado, os pontos altos da acção, as virtudes e os sonhos individuais
e colectivos são mobilizadores eficazes e poderosos para a transformação. Não
negligenciado o negativo mas tornando-o irrelevante quando comparado com o
positivo em que o acto de sublinhar o bom e sua correspondente potenciação
permitem um grau de florescimento dos sistemas, fazendo a diferença dos que
estão em apatia ou desânimo.
Realça-se que a importância que se dá ao/e ao focar em emoções
negativas não trás consideráveis mais-valias para uma organização sendo mais
importante que as mesmas se focalizem e desenvolvam técnicas e oportunidades
de gestão de emoções positivas. As emoções positivas trazem, por um lado, o
crescimento e desenvolvimento organizacional e, por outro, o individual. Já não

155
basta que uma organização tenha em conta apenas o Capital Financeiro, Social e
Humano sendo necessário ter em conta o Capital Psicológico Positivo em todas
as suas dimensões para se poder diferenciar no mercado mutável do hoje em
dia. Tornar uma organização positiva e desenvolver o seu capital psicológico não
é apenas uma mais-valia para a organização, também é uma garantia em como
a mesma irá alcançar resultados micro e macro. Como foi dado a entender,
várias são as variáveis que podem e devem ser trabalhadas para que as
organizações sejam organizações positivas. Segundo os trabalhos revistos, as
instituições positivas contribuem para a coesão e a interacção da sociedade em
harmonia, a partir de confiança mútua, ética do trabalho, reciprocidade, senso
comunitário, valorização social do mérito e do esforço individual, respeito à
propriedade, cumprimento fiel dos contractos, despertando autoconfiança e
espírito empreendedor nos indivíduos, a convicção da viabilidade do esforço
individual e colectivo.
Um sistema, organização ou sociedade, pode enveredar pelo
desenvolvimento de uma espiral de enfraquecimento progressivo como também
pode, em alternativa e através da natureza auto-reforçadora das emoções e
relações positivas, criar espirais de virtuosidade que desenvolvam e substanciem
os comportamentos positivos. O significado atribuído à experiência é outro
elemento saliente das propostas oriundas do cruzamento da Psicologia Positiva
com as teorias e vida organizacional, deixando claro que não há neutralidade nas
condições organizacionais, e que a criação de valor e sentido é essencial para a
experiência de bom trabalho, e para o desenvolvimento de organizações que
sejam fontes positivas de conexões e coordenações. A atenção científica ao
positivo, e a integração coerente de conceitos e dados empíricos até aqui dispare
e não relacionados, surgem como consequências relevantes destes novos
modelos.
O desenvolver de novas intervenções que se focam nas forças e metas a
partir do potencial humano, promove maior coesão das equipas e bem-estar de
todos os intervenientes sendo reconhecido pelos vários investigadores e
trabalhos revistos, que o Inquérito Apreciativo tem sido um dos grandes
impulsionadores desta perspectiva. Aquela, implica a participação de todos os
actores independentemente do nível hierárquico de modo a dar voz a todos os
que fazem a vida organizacional acontecer. A partilha de narrativas e os diálogos
focados no que há de positivo permitem, em conjunto, visualizar para além dos
obstáculos de modo a tornar possível a construção de uma nova realidade mais

156
inclusiva e participada. Novos conceitos e linguagem como a Positividade em
Contexto Organizacional e o Comportamento Organizacional Positivo, estão a ser
seguidos, defendendo a integração e complementaridade na intervenção em
organizações dos modelos de Psicologia Positiva. Estes, são diferentes mas
complementam-se diferindo principalmente quanto ao nível de análise em que se
desenvolvem apresentando construtos distintos.
A Psicologia Positiva também foi implementada na prática de gestão de
negócios reconhecendo-se que embora os líderes possam introduzir este
conceito para um local de trabalho, eles nem sempre têm a capacidade de
aplicá-la aos empregados de uma forma positiva. Além disso, a Psicologia
Positiva deve ser aplicada a uma organização com transparência e comprometida
se é para ser bem-vinda pelos funcionários. A liderança deve entender que a
aplicação pura da psicologia positiva não irá combater qualquer
compromisso/desafios que possam ter de enfrentar, no entanto, pode contribuir
para funcionários mais optimistas para com novos conceitos ou práticas de
gestão. Quando aplicada correctamente pode fornecer aos funcionários uma
maior oportunidade de usar as suas habilidades e funções sendo importante
lembrar que a mudança das condições de trabalho e funções podem levar ao
stress entre os funcionários se não forem devidamente apoiadas pela gestão da
empresa, ou seja, a mudança tem que ser transparente e transversal em toda a
organização demonstrando um compromisso e uma participação activa de todos.
Só assim, e de acordo com esta perspectiva, é que as organizações podem
conquistar o progresso e a prosperidade.
Este estudo apresenta limitações metodológicas e o período de análise foi
reduzido. Foram encontrados estudos efectuados a nível nacional em escolas,
empresas e instituições, mas o referencial teórico e mesmo os casos de estudos
levados em prática são em número reduzido frente à relevância e
desenvolvimento que esta área de estudo científico apresenta a nível
internacional.

Referências Bibliográficas
Bandura, A. (2000). «Cultivate self-efficacy for personaland organizational
effectiveness». In E. A. Locke (Ed.), The Blackwell handbook of principles of
organizational behavior (pp.120-136). Oxford: Blackwell ;

157
Cameron, K. S., Dutton, J. E., & Quinn, R. E. (Eds.) (2003). Positive
organizational scholarship: Foundations of a new discipline. San Francisco;
Berret – Koehler.

Cardoso, L., Souza de Castro, S., & Gomes, D. (2011). Organizações


comprometimento e identificação: Semelhanças e diferenças entre modelos e
uma perspectiva de integração. In D. Gomes (Coord.), Psicologia das
Organizações do Trabalho e dos Recursos Humanos (pp.355-374) Coimbra;
Imprensa da Universidade de Coimbra
Carver, C. S., & Scheier, M. F. (1990). Origins and functions of positive and
negative affect: A control-process view. Psychological Review, 97, 19-35.
Reprinted in E. T. Higgins & A. W. Kruglanski (Eds.), (2000), Motivational
science: Social-personality perspectives. Philadelphia: Psychology Press.
Chiavenato, I., (2004) Comportamento Organizacional: a dinâmica do sucesso
das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 539p.
Compton, W. (2005). An introduction to positive psychology. Australia:
Belmonte, CA.
Cooperrider, D. L., & Whitney, D. (2005). Appreciative Inquiry: A positive
revolution in change. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers, Inc.
Coutu, D. L. (2002). How resilience works. Harvard Business Review, 46–55.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The Psychology of Optimal Experience. New
York: Harper and Row.
Csikszentmihalyi, M., & Csikszentmihalyi, I. S. (Eds.) (2006). A life worth living:
contributions to positive psychology. New York: Oxford University Press.
Cunha, M. P., Rego, A., Cunha, R. C., & Cabral-Cardoso, C. (2006). Manual de
Comportamento Organizacional e Gestão (5ª Ed). Lisboa: RH Editora.
Danna, K., & Griffin, R. W. (1999). Health and Well-Being in the Workplace: a
Review and Synthesis of the Literature. Journal of Management. 25 (3): 357-
384.
Delle Fave, A. (2007). Individual development and community empowerment:
Suggestions from studies on optimal experience. In J. Haworth & G. Hart
(Eds.), Well-being: individual, community, and societal perspectives (pp. 41-
56). London: Palgrave McMillan.
Diener, E. (1984). Subjective well being. Psychological Bulletin, 95, 542-575.

158
Diener, E., & Scollon, C. (2003). Subjective well-being is desirable, but not the
summum bonum» Interdisciplinary workshop on well-being, 1-20. University
of Minnesota.
Diener, E. (2009). Positive Psychology: Past, Present, and Future. In C. R.
Snyder & S. J. Lopez (Eds.), Oxford Handbook of Positive Psychology. Oxford:
Oxford University Press.
Diener, E., Suh, E., & Oishi, S. (1997). Recent findings on subjective well being.
Indian Journal of Clinical Psychology, 24(1), 25-41.
Fagulha, A., & Moreira C. (2011). Organizações Positivas, Organizações
Saudáveis. Lisboa: Instituto Superior Psicologia Aplicada.
Fredrickson B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist,,
91, 330-335.

Fredrickson, B. L., & Losada, M. F. (2005). Positive affect and the complex
dynamics of human flourishing. American Psychologist, 60, 678-686.
Gable, S., & Haidt, J (2005). What (and Why) is Positive Psychology? Review of
General Psychology, 9(2), 103–110.
Galinha, I.C. (2008). Bem-Estar Subjectivo – Factores Cognitivos, Afectivos e
Contextuais. Colecção Psicologias: série Psicologia e Saúde. Lisboa: Quarteto.
Goleman, D. (1998). Working with emotional intelligence. New York: Bantam
Books.
Goleman, D. (2001). Emotional intelligence: perspectives on a theory of
performance. In C. Cherniss & D. Goleman (Eds.), The emotionally intelligent
workplace. San Francisco: Jossey-Bass
Huppert, F. A. (2006). Positive mental health in individuals and populations. In
F. A. Huppert, N. Baylis, & B. Keverne, The science of well-being (pp. 307-
339). Oxford: Oxford University Press (2nd Edition).
Jensen, S. M., & Luthans, F. (2006). ntrepreneurs as Authentic Leaders: Impact
on Employees' Attitudes. Leadership and Organizational Development Journal,
27(7/8), 646-666.
Keyes, C, Hysom S., & Kim Lupo. (2000). The Positive Organization: Leadership
Legitimacy, Employee Well-being, and the Bottom Line. The Psychologist
Manager Journal, 4, 143-153.
Larrauri, B. G. (2006). Programa para mejorar el sentido del humor. Porque la
vida con buen humor merece la pena! Madrid: Ediciones Pirámide.

159
Luthans, F., & Youssef, C. M. (2004). Human, Social, and Now Positive
Psychological Capital Management: Investing in people for competitive
advantage. Organizational Dynamics, 33(2), 143-160.
Luthans, K. W., & Jensen, S. M. (2005). The linkage between psychological
capital and commitment to organizational mission: A study of nurses. Journal
of Nursing Administration, 35(6), 304-310.
Luthans, F., Youssef, C., & Avolio, B. (2007). Psychological Capital. Developing
the Human Competitive Edge. New York: Oxford University Press.
Marujo, H., & Neto, L. M. (2000). Educating for optimism: New attitudes towards
the self, the culture and the relationships. In Actas del IX Congresso INFAD
2000, Infancia y Adolescencia.
Marujo, H. A., Neto, L. M., Caetano, A., & Rivero, C. (2007). Revolução Positiva:
Psicologia positiva e práticas apreciativas em contextos organizacionais.
Comportamento Organizacional e Gestão, 13(1), 115-136.
Marujo, H. A., & Neto, L. M. (2010). Psicologia Comunitária Positiva: Um
exemplo de integração paradigmática com populações de pobreza. Análise.
Psicológica, 28(3), 517-525.
Masten, A. S. (2001). Ordinary magic: Resilience processes in development.
American Psychologist, 56, 227-238.
Neto, L. M., & Marujo, H. A. (2007). Propostas estratégicas da Psicologia Positiva
para a prevenção e regulação do stress. Análise Psicológica, 4(25), 585-593.
Disponível em www.scielo.octes.mtes.pt
Novo, R. F. (2003). Para além da Eudaimonia: O Bem - Estar Psicológico em
Mulheres na Idade Adulta Avançada. Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação
para a Ciência e a Tecnologia/ Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
Coimbra: Dinalivro.
Palma, P., Cunha, M. & Pereira, M. (2007). Comportamento organizacional
positivo e empreendedorismo: Uma influência mutuamente. Comportamento
Organizacional e Gestão, 13(1), 93-114. Disponível em
http://www.scielo.oces.mctes.pt
Park, N., Peterson, C., & Seligman, M. (2004). Strengths of character and well-
being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23, 603-619.
Park, N., & Peterson, C. (2007). Methodological Issues in Positive Psychology
and the assessment of character strengths. In A. D. Ong & M. H. M. van
Dulmen (Eds.), Oxford Handbook of methods in positive psychology (pp. 292-
305). New York: Oxford University Press.

160
Peterson, C., Park, N., & Seligman, M.E.P. (2005). Orientations to happiness and
life satisfaction: The full life versus the empty life. Journal of Happiness
Studies, 6(1), 25 – 41.
Pina e Cunha, M., Rego, A., & Campos e Cunha, R. (2007). Organizações
Positivas. Dom Quixote. Lisboa.

Rego, A., Souto, S., & Cunha, M.P. (2007). Espiritualidade nas organizações,
positividade e desempenho. Comportamento Organizacional e Gestão, 13(1),
7-36.
Rivero, C. (2008). Inquérito Apreciativo: Sonhar as organizações, co-construir
um futuro positivo e inovador. Elaborado para o site da PessRH.
http://inqueritoapreciativo.com/ (acedido em 22.02.12).
Sampaio, A. L. V. (2008). O papel do optimismo no ajustamento psicossocial do
doente fibromiálgico.
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/859/1/18831_ulsd_dep.17430_O_Pa
pel_do_Optimismo.pdf (acedido em 18.10.12).
Santos, E., Ferreira, J., Figueiredo, C., Almeida, J., & Silva, C. (2010).
Organizações positivas. Pessoas & Sintomas, 11, 37 – 44.
Seligman, M. (2002). Positive psychology, positive prevention, and positive
therapy. In C. R. Snyder, & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive
psychology (pp. 3-9). New York: Oxford University Press.
Seligman, M., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An
introduction. American Psychologist, 55, 5-14.
Seligman, M.E.P., Steen, T.A., Park, N., & Peterson, C. (2005). Positive
psychology progress: Empirical validation of interventions. American
Psychologist, 60, 410–421.
Siqueira, M. M. e Padovam, V. A. (2008). Bases teóricas de bem-estar
subjectivo, bem-estar psicológico e bem-estar no trabalho. Psicologia: Teoria
e Pesquisa. 24(2). Brasília. http://www.scielo.br/pdf/ptp/v24n2/09.pdf
(acedido em 02.3.12)
Snyder, C. R., & Lopez, S. (Eds.). (2002). Handbook of positive psychology. New
York: Oxford University Press.
Tavares, S. (2001). Vinculações dos Indivíduos às Organizações. In J.M.C.,
Ferreira, J. Neves, & A. Caetano (Coord.), Manual de Psicossociologia das
Organizações. Lisboa: McGraw-Hill.

161
Verducci, S., & Gardner, H. (2006). Good work: its nature, its nurture. In A. F.
Huppert, N. Baylis, & B. Keverne, The science of well-being (2nd Edition) (pp.
343-360). Oxford: Oxford University Press.
Wong, C. S., & Law, K. S. (2002). The effects of leader and follower emotional
intelligence on performance and attitude: An exploratory study. The
Leadership Quarterly, 13, 243–274.
Wright, T. A. (2003). Positive Organizational Behavior: An idea whose time has
truly come. Journal of Organizational Behavior, 24, 437-442.
Yunes, M. A. M. (2001). A questão triplamente controvertida da resiliência em
famílias de baixa renda. Tese de Doutorado Não-Publicada, Programa de
Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Yunes, M. A. M. & Szymanski, H. (2005). Entrevista reflexiva & Grounded-
Theory: estratégias metodológicas para a compreensão da resiliência em
famílias. Revista Interamericana de Psicologia, 39(3), 1-8.

162
TÍTULO: Prazer e sofrimento no trabalho (Pleasure And Suffering At

Work)

AUTOR(ES): Anabela Azevedo (anabela.paiga.azevedo@gmail.com) e

Fátima Lobo (flobo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

OBJETIVO: analisar a dinâmica prazer e sofrimento no trabalho e as estratégias


mediadoras adotadas pelos indivíduos face ao sofrimento psíquico. Foram
revistas as contribuições de Dejours, Marrone, Mendes entre outros, para o
desenvolvimento da psicodinâmica do trabalho. É abordada a transição da
psicopatologia, para a psicodinâmica, comparando os objetos de estudo e a
concetualização do trabalho. Também é relevada a importância do modelo da
organização enquanto fator (des)promotor da saúde no trabalhador. Do ponto de
vista da psicodinâmica pode-se considerar, que tanto o modelo de organização,
como as relações de subjetividade dos indivíduos com o mundo do trabalho são
preponderantes na determinação das vivências de prazer e sofrimento e com
consequências para a organização.
METODOLOGIA: O estudo foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica
de artigos produzidos nos últimos dez anos, sobre prazer, sofrimento,
psicodinâmica e modelos de organização do trabalho.
LIMITAÇÕES DA PESQUISA: Para uma pesquisa apenas teórica são
expectáveis limitações, por ausência de investigação empírica. As investigações
sobre a saúde do trabalhador no nosso país atualmente são relativamente
poucas e ainda assim orientadas para a sociologia e medicina do trabalho com
contribuições pouco significativas para a psicologia do trabalho e organizações.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS: A psicodinâmica propõe uma análise dos processos
intersubjetivos e interativos que se desenvolvem no ambiente de trabalho, do
sofrimento criativo e patológico que podem acometer o indivíduo e das
estratégias de defesas individuais e coletivas. Salienta a importância do estudo

163
dos modelos de organização, pelo impacto que estes podem causar no indivíduo
podendo determinar a relação entre saúde mental e trabalho. Desta forma o
estudo pode trazer contribuições para as organizações através do
questionamento do modelo por estas adotado e as suas influências na saúde
mental do trabalhador.
Palavras-chave: psicodinâmica, prazer – sofrimento, subjetividade, saúde
mental, organização do trabalho.

ABSTRACT
OBJETIVE: the analysis of the pleasure/suffering dynamic at work as well as on
strategies of mediation adopted by workers in order to face their psychic
distress. Contributions from Dejours, Marrone and Mendes, among others, have
been reviewed attending to the development of Psychodynamics of Work. The
transition from psychopathology to psychodynamics is approached, comparing
both their study objects as their conceptualization of work. It’s also revealed the
importance of the organizational model, simultaneously a booster and an
obstacle, to a healthy condition at work. From a psychodynamics’ point of view
not only the organizational model but also human subjective relationships with
the world are considered of utmost importance in determining both pleasure and
suffering experiences as well as their consequences towards the organization.
METHODOLOGY: The presented study is mainly built on a bibliographic
research on articles produced in the last ten years, concerning the themes of
pleasure/suffering, psychodynamics and organizational models of work.
RESEARCH BOUNDARIES: Attending to the fact that this study is largely
theoretical, some boundaries are expected, due to the absence of an empirical
research. Research and study on workers’ health in our country are in short
supply and still sociologically and medically oriented, with very few actual
contributions to the Psychology of Work and Organizations.
PRACTICAL IMPLICATIONS: Psychodynamics suggest an analysis of the
intersubjective and interactive processes that have developed at work
environment, creative and pathological suffering, and individual and collective
defensive strategies. It also stresses the importance of research on
organizational models, mainly concerning their impact on the individual,
determining the relationship between mental health and work. Therefore, this
study might bring some valuable contributions to the organizations through the

164
questioning of their previously adopted organizational models and their
consequent influence on their workers’ mental health.
KEYWORDS: Psychodynamics; Pleasure, Suffering; Subjectivity; Mental Health;
Organization of Work.

INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo das relações entre o trabalho e a saúde/doença


mental tem aumentado nos últimos anos, sobretudo pelo crescimento dos
transtornos mentais associados ao trabalho. O presente estudo tem como
objetivo investigar as relações entre os processos de trabalho e a saúde na
sociedade contemporânea. Descreve-mos o trabalho como uma atividade central
que ocupa grande parte do espaço e do tempo no qual se desenvolve a vida das
pessoas. O trabalho possui um significado que permeia as necessidades, os
valores e a subjetividade daquele que trabalha e atua como importante fonte de
auto-realização, de experiencias psicossociais e de sentido de vida. Entende-se a
saúde a partir da perspetiva de uma dinâmica constante, de luta, negociação e
capacidade de enfrentar situações adversas para conferir significado á vida.
Relaciona-se o sentido do sofrimento com saúde, assinalando que esta não
significa apenas ausência de sofrimento e angústia. Alega-se que mesmo diante
de tantas inquietudes no mundo do trabalho, é possível um indivíduo vivenciar
situações de prazer na sua atividade laboral. Por fim enfatiza-se a importância
de espaços para criação, inovação e intervenção, para que o trabalhador possa
deixar o seu cunho, transmitindo toda a sua experiencia vivida ao enfrentar o
sofrimento provocado pelas constantes alterações nas novas formas de
organização e de reestruturação do trabalho.
O trabalho assume um papel fundamental, na formação da identidade do
indivíduo, na construção de relações e de trocas afetivas e económicas entre as
pessoas. O confronto entre mundo real do trabalho (modelo de organização,
competição, regras e valores) e as características pessoais de cada trabalhador,
pode originar sofrimento psicológico. Há uma contradição entre a posição central
das organizações, voltadas para o lucro e para a produtividade, e o senso do
indivíduo, que perante as suas angústias, desejos e medos procura manter a
saúde mental no meio deste emaranhado de relações.

165
Dejours afirma que a evolução contemporânea de formas de organização
do trabalho, de gestão e de administração assenta sobre os princípios que
sugerem, precisamente, sacrificar a subjetividade em nome da rentabilidade e
da competitividade. As consequências desses princípios de organização são, por
um lado, o crescimento extraordinário da produtividade e da riqueza, mas por
outro, o desinteresse da subjetividade na relação com o trabalho. Nesse
contexto, é necessária a criação de um espaço público para que o trabalhador
possa expressar-se e dar sentido ao seu sofrimento psíquico, na tentativa de
transformar algo de patológico em criativo. Dessa forma, em contacto com o
coletivo, é possível encontrar e implementar formas de trabalho mais adaptadas
à realidade, levando o trabalhador a dar um novo sentido à sua atividade. No
entanto, quando esse espaço é negado e o trabalhador perde o direito à palavra,
é obrigado a recorrer a estratégias coletivas de defesa para se proteger e
enfrentar o sofrimento psicológico, podendo chegar à concepção de ideologias
defensivas alienando-o e impossibilitando-o de promover a transformação do seu
sofrimento (Dejours 1994).
O trabalho é essencial na vida de qualquer indivíduo e tornou-se num
objeto de estudo de vários teóricos. As condições a que são sujeitos os
trabalhadores e os impactos da organização sobre a vida destes, ganharam
particular importância na medida em que são considerados como
desencadeadores ou constituintes do processo de saúde ou doença mental.
Atualmente as mudanças no mundo do trabalho provocam ingerências nos
trabalhadores e na forma como estes se relacionam com o contexto de trabalho,
pois são obrigados a conviver com políticas de mercado extremamente variáveis.
As vivências de constante instabilidade e de ameaça são um mal inevitável dos
tempos modernos. Perante este pressuposto a abordagem de referência utilizada
neste estudo é a psicodinâmica do trabalho, que considera que o trabalho pode
levar a sobrecarga física e psicológica, dando origem ao sofrimento.
Pressionados por situações que levam ao sofrimento, os indivíduos
desenvolvem formas de resistência, estratégias de defesa que tanto o podem
conduzir ao prazer como ao sofrimento e à doença. Segundo Mendes (2007), o
sofrimento é algo inerente ao processo de trabalho, não havendo possibilidade
de eliminá-lo. A psicodinâmica do trabalho tem como objeto de estudo as
relações dinâmicas entre a organização do trabalho e os processos de
subjetivação. Processos estes que se manifestam nas vivências de prazer-
sofrimento, nas estratégias de ação usadas para mediar as contradições da

166
organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no adoecimento
(Mendes, 2007).

SUBJETIVIDADE NO TRABALHO

O processo de construção da subjetividade está relacionado com as


particularidades de cada ser humano. Muito além de aspetos fisiológicos e
biológicos, o indivíduo dotado de todas as capacidades, possui formas distintas
de modificar e de ser modificado pelo meio, dependendo do nível de sublimação
a que se submete, podendo defender ou mesmo ignorar as suas necessidades,
desejos, sentimentos (angústia, medo, alegria). Ao conceber este perfil humano,
não se pretende ver o homem como um ser dotado de mera racionalidade, nem
reduzir a sua subjetividade a algo meramente cognitivo, mas sim interligado com
a consciência e a praxis social. Apesar do conceito de subjetividade acompanhar
o estudo do desenvolvimento humano há muito tempo, ainda é recente a sua
conceptualização no contexto do trabalho. O pensamento administrativo foi
desenvolvido ao longo das várias análises do fenómeno organizacional,
iniciando-se com a Escola Clássica, que teve como principais precursores Taylor
e Fayol, cuja característica fundamental é a organização dos sistemas e métodos
de uma empresa, a fim de racionalizar processos, e simplificar o trabalho.
Define-se esta Escola, como mecanicista, com alto rigor científico no sistema
organizacional, mas abstendo-se da figura humana na essência fundamental do
processo produtivo. As organizações, ainda hoje, concebem o ser humano como
um “recurso” para obtenção dos seus objetivos, retirando do mesmo a sua
capacidade de criar, recriar, enfim de transformar o ambiente no qual se insere.
Para que este cenário se altere é importante que a organização se preocupe em
elaborar tarefas e atividades de modo a favorecer a eficácia e o cumprimento de
seus objetivos, ao mesmo tempo que envolve todos os trabalhadores nesse
processo. Dessa forma, está a atribuir significado e valor ao trabalho realizado,
condição indispensável para que se crie espaço para o exercício da subjetividade.
Entende-se por subjetivação o “processo de atribuição de significado com base
na relação do trabalhador com sua realidade de trabalho, expressando-o em
formas de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos” (Mendes, 2007). Entrar
no mercado de trabalho representa, além da garantia de um salário, a conquista
de uma identidade social pela qual o reconhecimento surge, possibilitando ao
indivíduo pertencer a uma comunidade, e a uma cultura. Contudo, nem sempre

167
é fácil obter o sentimento de pertença. Acima de qualquer coisa, o indivíduo
precisa de se sentir reconhecido pela sua produtividade, pelo valor que adiciona
à organização a qual pertence. A subjetividade permeia o dia a dia das pessoas
sem que estas, na sua maioria, se apercebam da influência que exerce nas suas
vidas, nos seus comportamentos e relacionamentos interpessoais. Apesar de
pouco percebido, sabe-se que o processo provocado pela negação da
subjetividade, ou seja, da supressão do Eu, gera impactos negativos e, em
muitos casos, faz-se notar através da doença física e mental. A saúde no
trabalho é hoje mais do que nunca um objeto de estudo das organizações, uma
vez que influência diretamente a produção e os lucros. Contudo, somente o
sofrimento físico, os acidentes de trabalho e outras patologias profissionais são
dignos de atenção por parte destas. Ocasionando péssimas repercussões tanto
para as empresas como para os trabalhadores, que acabam por sentir os
reflexos do sofrimento na sua vida pessoal e familiar. Para assumir o papel
exigido pela organização o indivíduo inicia um processo de negação da sua
subjetividade dando origem a um comportamento modelado e adaptado.
Entende-se a negação da subjetividade como uma “limitação do espaço
subjetivo” e como fenómeno atual e preponderante nas organizações produtivas,
originando transtornos significativos na vida dos trabalhadores, tais como stress,
depressão, etc. Sendo assim, torna-se importante o estudo dos impactos deste
processo não só para os futuros gestores e administradores, mas também para
as organizações como forma de os alertar acerca das disfunções do modelo por
eles assumido. Através desta negação, segundo Dejours (1997) o trabalhador
sente-se à margem e não um ser integrante, constituinte da construção do
crescimento e reconhecimento da organização onde trabalha. Emerge um
sentimento de indignidade e insignificância, que se baseia na negação das
qualidades profissionais e técnicas do trabalhador para desempenhar as tarefas,
em virtude de não vislumbrar o impacto do seu trabalho no resultado final obtido
pela organização.

VIVÊNCIAS DE PRAZER E SOFRIMENTO

Estudos de (Dejours & Abdoucheli, 1994) demonstram que a origem e a


transformação do sofrimento estão relacionados com as condições de trabalho e
com as pressões provenientes da própria organização. As vivências de
sofrimento estão assim associadas por um lado com a divisão do trabalho que

168
compreende a padronização das tarefas, a subutilização do potencial técnico e
criativo do indivíduo, e por outro lado com a divisão dos homens, que
compreende, rigidez hierárquica, excesso de burocratização, centralização da
informação, privação da participação nas decisões e pouca perspetiva de
desenvolvimento profissional.
Se as condições de trabalho atuam no corpo do trabalhador, a
organização do trabalho, por sua vez, atua a nível do funcionamento psicológico.
Para estes autores, o sofrimento patológico surge quando todos os recursos
defensivos do trabalhador já foram explorados. O sofrimento criador acontece
quando este pode ser transformado em criatividade, aumentando a resistência
do sujeito à doença.
Para Ferreira & Mendes (2003) o prazer é uma vivência individual e ou
compartilhada por um grupo de trabalhadores, de experiências de gratificação
provenientes da satisfação dos desejos e das necessidades do trabalhador.
A partir de pesquisas e reflexões teóricas é possível verificar que o prazer
apresenta-se como resultado das vivências de sentimentos de valorização e
reconhecimento no trabalho, possibilitando a estruturação psicológica, a
identidade e a expressão da subjetividade individual. Contribuindo para um
antecedente de bem-estar no trabalho e consequentemente um indicador de
saúde. Desta forma, Mendes (1999) destaca a importância não só do prazer mas
também do sofrimento para a saúde do trabalhador. Verificou-se também que
vivências de prazer experienciadas pelo trabalhador são determinadas pela
compatibilidade entre a função designada e atividade real ou a flexibilidade na
organização que permita a negociação. A procura do prazer no trabalho e o
evitamento do desconforto e mal-estar constituem um desejo permanente do
trabalhador em face das exigências compreendidas nas relações e na
organização do trabalho. Enquanto expressão dinâmica, o sofrimento consiste na
luta do sujeito contra as adversidades da organização do trabalho, que tanto
podem conduzir à doença mental, como ao desenvolvimento de estratégias
defensivas.

PSICODINÂMICA DO TRABALHO - origem e evolução do conceito

A Psicodinâmica do Trabalho, surge com Christophe Dejours, psiquiatra e


psicanalista francês que desenvolveu esta teoria e método de investigação com
base em estudos da Psicopatologia do Trabalho iniciados em1980.

169
Mas após alguns anos de investigação sobre os quadros psicopatológicos
associados ao trabalho e à falta de evidência de que a doença era causada a
partir deste, (embora muitos trabalhadores enfrentassem condições bastante
adversas), dá-se o ponto de partida para uma inversão na orientação da
pesquisa. A passagem da Psicopatologia para a Psicodinâmica do Trabalho em
(1992), teve implicações práticas e teóricas muito importantes, pois ao desviar o
objeto de estudo ligado à análise e ao tratamento das doenças mentais, para a
normalidade, a Psicodinâmica do Trabalho abre caminho para perspetivas mais
amplas, que não abordam apenas o sofrimento, mas também o prazer, não só o
homem, mas também o trabalho, não só a organização, mas toda sua dinâmica
interna. A psicodinâmica do trabalho emerge nesta relação com o trabalho,
entendida como uma relação indissociável entre o sujeito que trabalha e o ato de
trabalhar com todas as relações inerentes a esse confronto e não somente entre
a patologia e a normalidade (Dejours, 2004).
Partindo da conceção de sujeito, tal como compreendido pela psicanálise,
a psicodinâmica do trabalho entende que o trabalhador não é passivo frente aos
constrangimentos organizacionais, é capaz de se proteger dos efeitos nocivos da
organização mediante estratégias defensivas. Para Dejours (1999; 2004a), as
estratégias de defesa, são formas de agir específicos individuais ou coletivas que
ajudam os trabalhadores a resistirem psicologicamente às condições adversas
impostas pelo contexto de trabalho atenuando o sofrimento.

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Atualmente a entrada no mercado de trabalho representa a conquista de


uma identidade social, pela qual o reconhecimento surge, dando possibilidade ao
indivíduo de pertencer a uma comunidade e uma cultura. Contudo, nem sempre
é fácil obter o sentimento de pertença.
A organização do trabalho é concetualizada por (Ferreira & Mendes 2003)
para além do contexto de produção de bens e serviços, a existência de um outro
contexto formado pelas condições de trabalho e relações sociais do trabalho. As
condições de trabalho são representadas pelos aspetos físicos, mecânicos,
químicos e biológicos do posto de trabalho, e neste sentido têm como alvo,
principal, o corpo do trabalhador. A organização do trabalho, por outro lado, atua
ao nível do funcionamento psicológico do trabalhador. A dimensão das relações
sociais de trabalho é expressa nas relações socioprofissionais e caracterizam a

170
dimensão social do mesmo. Segundo Mendes a organização do trabalho deve
proporcionar três condições essenciais às vivências de prazer : i) possibilidade
de utilização por parte do trabalhador dos seus recursos pessoais de inovação e
criatividade de forma a tornar os procedimentos mais eficazes e ir de encontro
aos objectivos do trabalho; ii) criação de um espaço de escuta e discussão, que
permita ao trabalhador poder expressar as suas opiniões com os pares e chefias;
iii) cooperação como resultado das contribuições de cada trabalhador.
A investigação conclui que a existência de vivências de prazer e
sofrimento nos processos de trabalho é reconhecida pelos trabalhadores e está
relacionada com a qualidade das relações interpessoais e com o modelo de
organização.
A definição do conceito de prazer é representada mediante a associação
ao sucesso do empowerment das equipas, aos sentimentos de satisfação e
realização pessoal e ao reconhecimento por parte dos superiores hierárquicos.
As representações sobre o sofrimento são construídas pelos trabalhadores
baseadas em situações decorrentes de falta de condições de trabalho, de
perceção de injustiça, de falta de poder de decisão, de falta de diálogo e de
reconhecimento.
Os trabalhadores que percecionam a organização onde trabalham
alicerçada em valores de justiça e igualdade, com uma estrutura mais flexível e
integradora, adotam estratégias criativas como sinónimo de condições externas
favoráveis ao prazer e à transformação do sofrimento. Os trabalhadores que têm
perceção da sua organização como uma estrutura rígida, conservadora e mais
voltada para a produtividade, vivenciam sofrimento e adotam estratégias
defensivas, caracterizadas por comportamentos de isolamento, resignação,
descrença, indiferença e apatia.

ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO

Conforme assinalam (Dejours & Abdoucheli 1994), estas estratégias são


defesas que os trabalhadores utilizam para minimizar a percepção das pressões
da organização que geram sofrimento e desconforto. É uma atividade realizada a
nível cognitivo, já que não estabelece nenhuma mudança no contexto real da
organização. As estratégias de defesa podem ser individuais ou coletivas. As
estratégias coletivas funcionam como regras que supõe um acordo entre os
indivíduos coletivamente, sendo sustentadas por consenso. São fundamentais

171
para enfrentar o sofrimento causado pela organização, possibilitando ao sujeito
uma estabilidade que ele, unicamente com as suas próprias defesas individuais
não conseguiria atingir. São entendidas como forma de adaptação às pressões
da organização. Os efeitos nocivos da organização do trabalho serão vivenciados
por todos os membros de um determinado coletivo de trabalho, e a elaboração
das estratégias de defesa contra esse sofrimento é empreendida por todos os
envolvidos, mas de maneira inconsciente, pois eles não se apercebem da sua
elaboração nem contra o que ela se manifesta. No que concerne às estratégias
defensivas individuais, Dejours (1987) procurou demonstrar que a segmentação
das tarefas no trabalho, o aumento de competitividade e a divisão entre trabalho
intelectual e manual levam o trabalhador à solidão, com a procura de
mecanismos compensatórios para tal situação. Surgem as defesas
individualizadas, que, por vezes, tomam o lugar das defesas coletivas.
As pesquisas realizadas sobre esses mecanismos indicaram que, para
enfrentar essa complexa variedade de possibilidades de vivências que nasce da
interação com os contextos de trabalho, os trabalhadores constroem estratégias
de mobilização coletiva, estratégias defensivas (individuais ou coletivas) e
estratégias criativas. As estratégias de mobilização coletiva, conforme afirmam
Ferreira & Mendes (2003), são modos de agir em conjunto dos trabalhadores,
através da discussão e da cooperação, para eliminar o custo negativo do
trabalho, (re)significar o sofrimento, fazer a gestão das contradições e
transformar a organização, as condições e as relações sociais em fonte de prazer
e bem-estar. Mendes & Morrone (2002) analisam o uso das estratégias
defensivas como uma das formas de enfrentar o sofrimento e para estas
autoras, a utilização destas defesas podem ter um aspeto positivo, porque pode
contribuir para o equilíbrio psíquico e desta forma, ajustar o trabalhador às
situações de desgaste emocional. E podem ter um aspeto negativo porque,
podem provocar uma falsa estabilidade, ocultando o sofrimento psicológico. É
importante salientar que para a psicodinâmica do trabalho as estratégias de
defesa, não são analisadas como aspetos positivos que mantêm o trabalhador
produtivo, mas como um processo que desencadeia um estado de aparente
normalidade e que não se traduz na ausência de sofrimento, (Lancman & Uchida,
2003). Apresenta-se aparentemente como um equilíbrio saudável. Pois permite
que os trabalhadores acometidos por um sofrimento patológico, realizem a sua
atividade laboral, sem causar prejuízo ao processo de trabalho. As estratégias de
defesa e a aparente normalidade têm ainda outra função que, pode ser

172
explorada pelas organizações do trabalho; atenuam o sofrimento, sem
proporcionar a cura e bloqueiam a capacidade de reflexão do trabalhador sobre o
seu sofrimento. Nesse processo psíquico a elaboração inconsciente das
estratégias de defesa é fundamental para que o sujeito possa viver sem ter que
se confrontar com o sofrimento desadaptativo. A patologia surge quando as
estruturas defensivas que iam permitindo a manutenção da dita normalidade
deixam de funcionar. Ou seja, o aparelho psíquico não consegue equilibrar-se
contra as forças desestruturantes provenientes do sofrimento vivenciado no
trabalho. Surge a depressão, stress, alcoolismo, burnout, suicídio no local de
trabalho (Dejours & Bégue, 2010) são patologias que têm sido relacionadas com
o sofrimento psíquico experienciado no trabalho. Desta forma, Mendes (1999)
destaca a importância não só do prazer mas também do sofrimento para a saúde
do trabalhador. O prazer é entendido como um elemento central para o equilíbrio
psicológico. Mas o sofrimento, por outro lado, funciona como um sintoma que
alerta o trabalhador de que algo não está bem e neste sentido também é
importante para que ocorram mudanças na dinâmica de interação do indivíduo
com o trabalho.

CLÍNICA DO TRABALHO

A psicodinâmica do trabalho considera que as vivências de prazer-


sofrimento não são relações lineares. Cada trabalhador é influenciado pelo
modelo de organização ao qual está submetido, e pela forma como percebe e
interpreta esse modelo, baseado nos seus processos psicológicos internos ou na
gestão coletiva da organização do trabalho. Apreender e compreender as
relações de trabalho exige mais do que a simples observação, exige sobretudo
uma escuta voltada para quem executa o trabalho, pois este implica relações
subjetivas menos evidentes que precisam de ser desvendadas. A escuta
proposta pela psicodinâmica do trabalho é realizada de forma coletiva e
desenvolvida a partir de um processo de reflexão, com o grupo de trabalhadores.
É a partir desse processo reflexivo sobre o próprio trabalho que o indivíduo se
torna capaz de se reapropriar da realidade do seu trabalho, e é essa
reapropriação que permite a mobilização dos trabalhadores promovendo as
mudanças necessárias para tornar esse trabalho mais saudável.
Para tal, a Psicodinâmica do Trabalho utiliza um método específico que
liga a intervenção à pesquisa e devido às suas especificidades é intitulada

173
clínica do trabalho. Este método de intervenção procura desenvolver a área da
saúde mental e trabalho, partindo duma pesquisa de campo, deslocando-se e
retornando a ela constantemente. Segundo Dejours, a Psicodinâmica do
Trabalho é antes de mais uma clínica, pois pretende apreender e compreender
as relações de trabalho, exigindo mais do que uma simples observação mas
sobretudo exige uma escuta voltada para quem executa o trabalho, não
procurando transformar o trabalho, mas modificar as relações subjetivas no seu
contexto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se o homem passa a maior parte do seu tempo a trabalhar, as suas


relações pessoais fora de casa deveriam ter valor afetivo. No entanto, as
relações de companheirismo e de amizade no trabalho não se concretizam, pois
elas são passageiras, imediatas, competitivas. O mundo do trabalho tem
utilizado como critério para avaliar o bom desempenho, a capacidade de superar
com eficiência e eficácia os obstáculos advindos das mais variadas situações.
A Psicodinâmica do Trabalho trouxe consideráveis contribuições teórico-
metodológicas para o campo da Psicologia do Trabalho e, em especial, para a
área da Saúde Mental e Trabalho. A abordagem de Dejours contemplou todas as
dimensões do ser humano e avaliou a influência dos modelos de organização do
trabalho na obtenção da saúde e bem-estar dos trabalhadores. Veio suprir uma
lacuna histórica nos estudos sobre os impactos do trabalho sobre a vida mental
ao reforçar a centralidade do trabalho na compreensão não apenas da doença,
mas também da saúde e do prazer. As vivências de prazer e sofrimento revelam
o sentido que o trabalho tem para o indivíduo, com origem no confronto entre a
organização e o aparelho psíquico do trabalhador. Para a psicodinâmica do
trabalho mais importante que estudar as doenças psíquicas é entender e
compreender as estratégias de defesa individuais e coletivas utilizadas pelos
trabalhadores para encontrarem o seu equilíbrio psicológico.
A investigação conclui que a existência de vivências de prazer e
sofrimento nos processos de trabalho é reconhecida pelos trabalhadores e está
relacionada com a qualidade das relações interpessoais e com o modelo de
organização.
Como ficou demonstrado com os estudos de Mendes e Abrahão, o prazer
é vivenciado quando o trabalho favorece a valorização e o reconhecimento,

174
especialmente pela realização de uma tarefa significativa e importante para a
organização e para a sociedade. O uso da criatividade e a possibilidade de
expressar uma marca pessoal também são fontes de prazer, além do orgulho e
da admiração por aquilo que o trabalhador realiza, juntamente com o
reconhecimento das chefias e dos colegas. A luta pela manutenção das vivências
de prazer no trabalho justifica-se pelo facto do trabalho ser uma importante
dimensão, que contribui para o equilíbrio psicológico. Esta pesquisa revela que
as estratégias defensivas têm um papel de proteção e adaptação e parecem
atuar de forma a evitar o adoecimento.
Contudo, atendendo ao número de casos cada vez maiores de doenças
físicas e emocionais verificados no contexto de trabalho, verifica-se que alguns
trabalhadores não conseguem evitar o sofrimento, nem individualmente nem
coletivamente. A investigação efetuada indica alguns aspetos relacionados com o
trabalho tais como: a introdução de novos métodos de avaliação, em particular a
avaliação individual do desempenho que na sua sequência levou à introdução de
técnicas ligadas ao controlo de qualidade com o objetivo de obter bens e
serviços, por um custo menor e maior qualidade assim como a subcontratação
de mão-de-obra que tornou o trabalho mais precário. Para além disso, novas
formas de gestão e de organização não favorecem um espaço de participação e
diálogo no qual os trabalhadores possam discutir publicamente os seus
problemas de trabalho, pois isoladamente não conseguem alterar as situações de
trabalho, surgindo o sofrimento através de sentimentos de incapacidade e
incompetência.
A clínica do trabalho como método de investigação e intervenção da
psicodinâmica alerta para a importância dos espaços de discussão como
mobilizadores e potencializadores de saúde nas organizações. Estes espaços
podem possibilitar ao trabalhador o encontro com o sentido do trabalho através
da elaboração dos seus sentimentos e emoções, do fortalecimento do sentimento
de equipa e dos laços de solidariedade. A partilha destas vivências pode levar ao
encontro de saídas e soluções rumo ao alcance dos objetivos da organização,
tornando visível a contribuição deste trabalhador através da expressão da sua
criatividade.
É necessário despertar as organizações para a importância desta relação,
sendo uma contribuição que deve ser da responsabilidade do Psicólogo das
Organizações e do Trabalho. Essas especificidades da ação do psicólogo
permitem diferencia-las de outras práticas mais usuais dentro das organizações

175
e desenvolver competências para pesquisar e intervir em situações de
sofrimento no contexto de trabalho.

BIBLIOGRAFIA
Dejours, C. (1987). Loucura do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré.
Dejours, C. (1994). Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Atlas.
Dejours, C. & Abdoucheli, E. (1994). Itinerário Teórico em Psicopatologia do
Trabalho. In M.L.S. Betiol, (Coord.). Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições
da Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho
(pp.119-145). São Paulo: Atlas.
Dejours, C. (1997). O fator humano. Rio de Janeiro: FGV.
Dejours, C. (1999). A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV
Dejours, C. (2004a). Addendum: da psicopatologia do trabalho à psicodinâmica
do trabalho. In: Selma Lancman; Laerte Sznelwar (orgs.). Christophe
Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho (pp.47-104). Brasília:
Paralelo. Acedido em novembro de 2011 em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2005000300039
Dejours, C. (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Acedido em novembro de
2011 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103
Dejours, C., & Bègue, F. (2010). Suicídio e trabalho: o que fazer? Brasília:
Paralelo 15.
Ferreira, M. C. & Mendes, A. M. (2003). Trabalho e riscos de adoecimento: o
caso dos auditores-fiscais da previdência social brasileira. Brasília: Ler, Pensar
e Agir. Acedido em dezembro de 2011 em
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v27n2/a07v27n2.pdf
Lancman, S., & Uchida, S. (2003). Trabalho e subjetividade: o olhar da
psicodinâmica do trabalho. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 6, 79-
90. Acedido em março de 2012 em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S151637172009000200002&script=
sci_arttext
Mendes, A.M., Abrahão, J.I. (1996). A influência da organização do trabalho nas
vivências de prazer-sofrimento do trabalhador: uma abordagem
psicodinâmica. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, 2 (26), 179-
184.

176
Mendes, A. M. (1999). Valores e vivências de prazer-sofrimento no contexto
organizacional. Tese de doutoramento. Brasília: Universidade de Brasília.
Acedido em janeiro de 2012 em
http://lpct.com.br/site/index.php?secao=dissertacoes_mestrado
Mendes, A. M., Marrone, C. F. (2002). Vivências de Prazer-Sofrimento e Saúde
Psíquica no Trabalho: Trajetória Conceitual e Empírica. In: Mendes, A. M.,
Borges, L. O. & Ferreira, M. C. (Ed). Trabalho em transição, saúde em risco.
Brasília: Editora UnB. Acedido em dezembro de 2011 em
http://lpct.com.br/site/index.php?secao=dissertacoes_mestrado
Mendes, A. M. (2007). Pesquisa em Psicodinâmica: a clínica do trabalho. In: A.M.
Mendes, (org). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São
Paulo: Casa do psicólogo. Acedido em janeiro de 2012 em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S180842812011000300007&script=
sci_arttext

177
TÍTULO: Atividade educativa como possibilidade de reflexão e prevenção

do adoecimento

AUTOR(ES): Lissa Barreto Ungar (lissa.ungar@gmail.com) e Maria

Engrácia de Carvalho Chaves (mechaves@fundacentro-ba.gov.br)

INSTITUIÇÃO: Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina

do Trabalho; Centro Regional da Bahia – Brasil – Ministério do Trabalho -

FUNDACENTRO

Parceiros: APLB Sindicato***; Maria Lúcia M. R. Lino**

RESUMO
Em dezembro de 2009, a FUNDACENTRO-BA, representada pelos setores de
Educação e Medicina do Trabalho, ofereceu o Curso “Organização do trabalho e
saúde mental: Professores” para docentes de Salvador-BA, através de contato
com seus Sindicatos. Um ponto instigante aconteceu com todos - ou quase todos
- os participantes: muito falantes, os professores não trouxeram a questão do
adoecimento/sofrimento na categoria. Quando aparecia, dizia respeito ao outro,
raramente a si. Isso foi devolvido ao grupo, com o pedido de uma reflexão.
Restou o desejo de investigar, em outra oportunidade, os mecanismos de defesa
utilizados pela categoria na tentativa de dar conta do seu sofrimento físico e
psíquico. No segundo curso, “Limites e Possibilidades na construção de um
trabalho mais saudável”, realizado 5 meses depois, para os mesmos
participantes, retomamos essa questão, após a realização de um trabalho de
grupo com o tema “Relações Trabalho/Saúde de Professores”, com questões que
abordaram o prazer e o sofrimento no trabalho; surgiram pouquíssimas queixas
relacionadas às consequências do trabalho sobre a sua saúde. Quando isso foi
revelado ao grupo, sob a forma de uma interpretação, começaram a emergir
queixas de saúde que variavam de dores de garganta e rouquidão a
somatizações, distúrbios músculo-esqueléticos, estresse e depressão.Deram-
seconta de que havia um mecanismo de defesa, o da negação, que os impedia
de falar sobre sua saúde e seu sofrimento. Realizamos mais alguns cursos com a
APLB-Sindicato, que tem como afiliados professores da rede pública do município
e do estado daBahia, mantendo o mesmo formato e mudando as turmas. Em

178
setembro de 2011, fizemos os dois cursos condensados em um só momento,
com a mesma programação, o que nos deu uma visão mais concentrada do
trabalho e estimulou o setor de Medicina do Trabalho, junto com sua estagiária,
a relatar essa experiência.

Palavras chave: Organização do trabalho, prazer/sofrimento no trabalho,


prevenção do adoecimento.

OBJETIVOS
• Discutir aspectos do curso “Professores: Limites e Possibilidades
na construção de um trabalho mais saudável”, que visou a debater
as possibilidades individuais e coletivas implicadas nessa
construção, passando pela análise do trabalho docente e suas
relações com prazer/sofrimento/saúde /adoecimento;
• Analisar o processo de desenvolvimento do curso, percebendo-se a
evolução do posicionamento dos professores diante da questão
sofrimento e prazer no trabalho;
• Levantar a hipótese de que uma atividade educativa que busque a
reflexão dos participantes sobre o tema em pauta favorece a
prevenção do adoecimento no trabalho.

METODOLOGIA
O Curso foi realizado pela FUNDACENTRO/BAHIA, em parceria com o
Sindicato dos Trabalhadores em Educação do estado da Bahia-APLB Sindicato-
para 25 professores da rede pública da capital e do interior do estado da Bahia,
em setembro/2011. Utilizaram-se trabalhos de grupo e exposições interativas,
nessa ordem, com o objetivo dos alunos construírem conhecimento a partir da
própria experiência, para posteriormente discutirem aspectos teóricos.
A metodologia utilizada foi referenciada teoricamente na Psicodinâmica do
Trabalho e na Psicanálise, com observação participante, anotações durante o
curso pelas docente e estagiária, fala/escuta e intervenções, tanto nas
exposições interativas quanto nas discussões dos grupos de trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O resultado principal encontrado no nosso estudo diz respeito às
mudanças no posicionamento do grupo diante do sofrimento. Inicialmente com

179
dificuldade de abordar o sofrimento em si e na categoria, com a evolução do
Curso os professores começaram a posicionar-se de forma diferente, admitindo a
possibilidade de deparar-se com o sofrimento e percebê-lo sob a forma de
isolamento, sintomas, adoecimento. No trabalho de grupo sobre as relações
entre organização do trabalho e saúde psíquica, foram ressaltados apenas
aspectos relacionados à organização do trabalho, sem que pudessem fazer a
relação entre o trabalho e o sofrimento/adoecimento, adotando-se um
posicionamento de estratégia de defesa coletiva. No trabalho de grupo sobre
trabalho e saúde de professores, instigamos a reflexão sobre como o trabalho
adoece, consequências sobre a saúde e o que se faz diante do sofrimento no
trabalho. Nesse grupo, o penúltimo realizado, apareceram detalhes do desprazer
e do sofrimento no trabalho.
À terceira pergunta, surgiram negação do adoecimento, isolamento,
adoecimento,e vislumbres do enfrentamento do sofrimento. No último trabalho
de grupo, “Limites e possibilidades na construção de um trabalho mais
saudável”, emergiram significantes que apontavam para o trabalho em grupo e
busca de saídas coletivas.
O tema do Trabalho de grupo ”Organização do Trabalho e Saúde Psíquica”
foi desenvolvido de duas formas por turmas diferentes, que discutiram: Fatores
da organização do trabalho que interferem positivamente sobre a saúde psíquica
e suas consequências, por um lado, e, por outro, Fatores da organização do
trabalho que interferem negativamente sobre a saúde psíquica e suas
consequências, conforme detalhado e discutido à miúde nos principais resultados
a seguir:

QUADRO 1 - ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE PSÍQUICA

VIVÊNCIAS POSITIVAS CONSEQUÊNCIAS

Mais satisfação; Percepção do ‘sentido’ do


Planejamento; Criatividade
trabalho

Ritmo regular; Maior valorização pessoal e profissional;

180
Tempo para descanso Maior relacionamento (menos isolamento)

Domínio de conteúdo; Autonomia Diminuição da ansiedade;

Interação (compartilhar) Menor probabilidade de adoecer

Segundo Ferreira (2007), a “Organização do trabalho é um processo


intersubjetivo resultante da interação das pessoas com as situações de trabalho
que produzem significações psíquicas e a construção de relações sociais.
Operacionalmente é entendida nas dimensões divisão do trabalho e divisão dos
homens. A divisão do trabalho está relacionada à divisão de tarefas, cadências,
ao modo operatório prescrito. A divisão dos homens diz respeito às relações de
poder, ao sistema hierárquico e às responsabilidades. Os efeitos da divisão dos
homens sobre a saúde e adoecimento no trabalho evidenciam primeiramente a
construção social determinante da divisão dos homens”.

QUADRO 2 - ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE PSÍQUICA

VIVÊNCIAS NEGATIVAS CONSEQUÊNCIAS

Sobrecarga de atividade Adoecimento; Desmotivação

Assédio Moral Estresse; Baixa imunidade

Impotência; Descompromisso

Baixa auto-estima

O assédio moral é uma patologia descrita na atualidade como patologia


da solidão,representada por um significativo risco laboral. Sua incidência é
caracterizada por diversos fatores no ambiente de trabalho, dentre eles podemos
destacar: o isolamento e exclusão de atividades sociais da empresa,comentários
desrespeitoso e antiético, referências maldosas sobre aspectos físicos, caráter,
crenças, condutas, dentre outros fatores que podem resultar em graves
consequências para as vitimas. Dentre os sintomas psicossomáticos e

181
psicológicos, podemos destacar: transtornos digestivos, alterações no sono,
ansiedade, estresse, crises de auto-estima, sentimento de culpa, uso de álcool
ou drogas, dentre outros meios que caracterizam o quadro (FERREIRA, 2007).

QUADRO 3 - RELAÇÕES TRABALHO E SAÚDE DOS PROFESSORES

COMO O TRABALHO NOS ADOECE? CONSEQUÊNCIAS

Desmotivação ; Desprazer; Ansiedade; Fadiga;

Pressão; Sobrecarga física e mental; Esgotamento; Medo;

Transtornos psíquicos;
Desrespeito; Competitividade;
Insônia;
Estresse; Descontrole
Autoritarismo; Desvalorização;
emocional;
Doenças físicas X
Inadequação profissional; Falta de apoio;
emocionais; Depressão;
Desmotivação e
Condições de trabalho inadequadas; descrença gerando
imobilidade;
“definhamento
Falta de infra-estrutura; psicológico que se
reflete no físico”

Falta de solidariedade; diminuição da libido

Falta de um sindicato mais bem estruturado para atender às demandas relacionadas


impotência
à saúde do trabalhador

O tema do Trabalho de grupo ”RelaçõesTrabalho e Saúde dos


Professores” foi desenvolvido de três formas por turmas diferentes, que
discutiram: Como o trabalho nos adoece? Consequências sobre a nossa saúde?
Segundo Codo (1999) e Carlotto (2005), citados por Leite e Souza
(2007), a despersonalização é o elemento principal da síndrome de burnout,
acompanhado do sentimento negativo na hora de se auto-avaliar. Estudos feitos
com professores, sobre a síndrome de burnout, estão diretamente ligadas às
respostas individuais emitidas pelo trabalhador aos estressores interpessoais e
laborais ocorridos no ambiente de trabalho. Dentre os componentes que

182
caracterizam o burnout podemos destacar: a exaustão emocional, a
despersonalização e a redução da realização profissional. Tais fatores ocorrem
quando o indivíduo sente que é exigido além do que pode dar, distanciando-se
do trabalho.
A resiliência dos professores fica clara durante os depoimento
compartilhados no curso, porém, eles não tinham o conhecimento de que eram
vítimas da síndrome de burnout. Por diversas vezes, somente foi possível a
partir do compartilhamento coletivo dos fatores estressores laborais, vivenciados
diariamente nas relações de trabalho, organização do trabalho, gestão de força
de trabalho e as condições precárias nas quais o trabalho educacional é
realizado. Além de impactar diretamente na saúde física e mental dos
professores, há implicações na qualidade do trabalho realizado. Algumas
sugestões para minimizar ou evitar o burnout são: realização de atividades
prazerosas fora do ambiente de trabalho, socialização e elaboração de
estratégias coletivas entre os professores, participação na organização e
planejamento do seu trabalho, boa alimentação, exercícios físicos, atendimento
psicológico e principalmente a criação de uma relação dialógica com os alunos,
pois colabora no reconhecimento do trabalho impactando diretamente na
qualidade do ensino

QUADRO 4 - RELAÇÕES TRABALHO E SAÚDE DOS PROFESSORES

O QUE FAZEMOS DIANTE DO SOFRIMENTO NO TRABALHO?

Admitir a doença=>
Isolar-se
buscar ajuda profissional

Procurar o sindicato para


Negar a doença como forma de defesa atuar e buscar uma forma
de organização

Entrar em um processo depressivo

183
QUADRO 5
LIMITES E POSSIBILIDADES NA DIREÇÃO DE UM TRABALHO MAIS SAUDÁVEL

POSSIBILIDADES
LIMITES

Mais flexibilidade; Mais


Desrespeito às regras; Desrespeito ao espaço do outro
cuidados consigo

Falta de um plano de ação; Quebra de paradigmas, que muitas vezes causa Ousadia de seus agentes;
resistências Mudança de conduta

Gestão participativa e
Descompromisso da família do aluno; Omissão do ‘sistema’ democrática; Maior
integração escola x família

Busca de apoio (parcerias);


Pressão do ‘sistema’; Questões burocráticas Mais participação da família
dos alunos

Comunidade escolar; Grupos


Descrédito; Medo
de estudo

Sindicato; Médico do
Falta de estrutura; Falta de Democracia
trabalho

Banco de dados

LIMITAÇÕES
A principal limitação encontrada foi a resistência inicial dos participantes
em deparar-se com seu próprio sofrimento.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
A implicação prática é favorecer a prevenção do adoecimento
ministrando-se cursos para várias turmas, evitando que os espaços de discussão
restrinjam- seapenas a resoluções burocráticas e registros comportamentais dos
alunos, tendo a possibilidade de elaboração criativa e coletiva no trabalho e o
não enfraquecimento e limitação da prática da categoria frente às dificuldades

184
encontradas na organização e condições do seu trabalho que, diariamente, os
levam ao isolamento e adoecimento físico e psíquico.

ORIGINALIDADE
A originalidade deste trabalho deve-se à possibilidade de refletir e discutir
em outras instâncias a utilidade de um trabalho educativo no enfrentamento do
sofrimento no trabalho, redirecionando-o para o prazer.

CONCLUSÕES
O principal resultado encontrado no nosso estudo diz respeito às
mudanças no posicionamento da maioria dos participantes do grupo diante do
sofrimento no trabalho. Observou-se que a posição dos sujeitos, na discussão
dos trabalhos de grupo, passou de uma defesa coletiva diante do sofrimento no
trabalho para seu enfrentamento, culminando, no trabalho de grupo “Limites e
possibilidades na construção de um trabalho mais saudável”, com a emergência
de significantes que apontavam para busca de soluções coletivas, como:gestão
democrática e participativa, ousadia dos professores para buscar o novo,
trabalho em grupo nas escolas, espaço de fala/escuta e busca de apoio do
Sindicato.
Prazer, sofrimento e adoecimento no trabalho dos professores não são
compartilhados no cotidiano, levando-os a isolar-se e a adoecer física e
psiquicamente.Os participantes do curso sinalizaram que desejam partilhar
coletivamente suas vivências subjetivas e que cursos dessa natureza podem
ajudar na busca desse objetivo e, consequentemente, na prevenção do
adoecimento. Espaços de fala e escuta como o curso promovido são estratégias
de enfrentamento coletivas e solidárias, não mais solitariamente, que promovem
um autoconhecimento e auto-percepção do seu trabalho bem como fatores que
fazem adoecer nesse ambiente. O sujeito que se faz ouvir percebe e valoriza o
seu trabalho a partir do compartilhamento de suas dificuldades, seus limites e a
construção de possibilidades diante da realidade precária apresentada nos
relatos de muitos professores, acerca das condições do trabalho de muitos na
rede municipal e estadual.

REFERÊNCIAS
FERREIRA, J. B. Trabalho, sofrimento e patologias sociais: Estudo
com trabalhadores bancários e anistiados políticos de uma empresa pública.

185
Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. Disponível
em: http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/1432/1/Dissert%20-
%20Joao%20Batista%20Ferreira.pdf.
LEITE, M. de P.; SOUZA, A. N. de. Condições do trabalho e suas
repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil,
Estado da Arte. São Paulo: FUNDACENTRO, 2007. Disponível em:
http://www.fundacentro.gov.br/dominios/CTN/anexos/relatorio_unicamp_corrigi
do.pdf .
MENDES, A. M. Trabalho e Saúde, O sujeito entre emancipação e
servidão. Curitiba: Juruá, 2008.

186
2. DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL

187
TÍTULO: O conflito e os seus consequentes na eficácia grupal: o papel

mediador das emoções.

AUTOR(ES): Ana Paula Giordano¹ (anagiordano@ucp.pt), Isabel Dimas

(idimas@ua.pt)² e Paulo Renato Lourenço (prenato@fpce.uc.pt)³

INSTITUIÇÃO: ¹Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga; ²Universidade de Aveiro; ³Faculdade de Psicologia e de Ciências

da Educação da Universidade de Coimbra

Resumo
Nos últimos anos, os estudos desenvolvidos na área dos conflitos intragrupais
têm apontado para a existência de um efeito negativo de ambas as dimensões
dos conflitos – conflito de tarefa e conflito socioafetivo – na eficácia grupal e têm
sugerido a necessidade de adotar abordagens mais contingenciais, nas quais se
procuram integrar variáveis moderadoras e variáveis mediadoras da relação
entre os conflitos e a eficácia grupal. O presente estudo insere-se nesta corrente
de investigação e com ele pretendemos contribuir para clarificar o efeito do
conflito na eficácia grupal (desempenho grupal e satisfação dos membros com o
grupo) através da análise do papel mediador desempenhado pelas emoções
sentidas pelo grupo.
O estudo empírico desenvolvido é de natureza não experimental, tendo sido
recolhidos, através de questionários autoadministrados, dados de 74
grupos/equipas do contexto organizacional português. Para avaliarmos o tipo de
conflito presente na equipa utilizámos a Escala de Avaliação do Conflito
Intragupal (Dimas, Lourenço, & Miguez, 2005); as emoções foram aferidas
através da Portuguese Job Related Affective Well-Being Scale (Ramalho,
Monteiro, Lourenço, & Figueiredo, 2008). No que diz respeito às medidas de
eficácia grupal, o grau de satisfação dos membros com a equipa foi medido
através da Escala de Satisfação Grupal (Dimas, 2007) e o desempenho foi
aferido através da Escala de Avaliação do Desempenho Grupal (Dimas, 2007).
Foram encontradas evidências relativamente ao papel mediador das emoções
negativas na relação entre os dois tipos de conflito e a satisfação grupal. Não
encontrámos, no entanto, suporte para a relação entre os dois tipos de conflito e
o desempenho do grupo.

188
Os resultados encontrados sugerem que o desenvolvimento no grupo de
estratégias capazes de prevenir a escalada de emoções negativas aquando da
vivência de conflitos, poderá atuar de uma forma positiva ao nível da dimensão
socioafetiva da eficácia grupal.

Introdução
A adoção dos grupos de trabalho como forma privilegiada de organização
do trabalho tem conduzido a uma aproximação e intensificação das interações
entre indivíduos com características muito diversas, tornando os conflitos um
fenómeno cada vez mais visível nas Organizações. Como consequência, os
estudos sobre o conflito têm marcado presença cada vez mais frequente na
literatura organizacional, maioritariamente a partir da última metade do século
XX, tendo por base esta maior visibilidade do fenómeno no contexto
organizacional.
Os conflitos são analisados na literatura como podendo estar centrados na
tarefa ou ter por base questões relacionais e afetivas (e.g., Guetzkow & Gyr,
1954; Jehn, 1997). No âmbito de alguma literatura de divulgação, existe a noção
generalizada de que o conflito de tarefa pode ser produtivo enquanto o conflito
socioafetivo será necessariamente disfuncional, posição defendida, também, por
alguns investigadores da comunidade científica. No entanto, duas meta-análises
mostram-nos que quer os conflitos de foro relacional quer os conflitos baseados
na tarefa aparecem como estando negativamente relacionados com
consequentes como a satisfação (De Dreu & Weingart, 2003; De Wit, Jehn &
Greer, 2012).
Partindo do pressuposto de que os conflitos são acontecimentos grupais
emocionalmente intensos (e.g., Frijda, 1996) parece possível supor que as
emoções desempenham um papel importante no surgimento, desenvolvimento e
gestão de conflitos (Morris & Keltner, 2000).
Tendo em conta que todos os conflitos envolvem tensão, parece-nos
primordial atender aos componentes emocionais que estão envolvidos neste
processo, a fim de melhor compreender a natureza complexa do conflito
intragrupal, tanto mais que a ligação entre os conflitos e o seu conteúdo
emocional ainda não foi suficientemente explorada na literatura (Nair, 2008).
Pretendemos, por isso, enriquecer e contribuir para as abordagens contingenciais
do conflito analisando o papel das emoções na associação dos dois tipos de
conflito (de tarefa e socioafetivo) com duas dimensões de eficácia (socioafectiva

189
e económica/tarefa). Pretendemos, assim, ir além das posições maioritariamente
presentes na literatura que apresentam as emoções negativas somente como
consequente dos conflitos, investigando em que medida constituem variáveis
explicativas da relação entre os conflitos e a eficácia (e.g. Lovelace, Shapiro &
Weingart, 2001).

Os conflitos nos grupos/ equipas de trabalho


Existem muitas definições de conflito presentes na literatura. Adotámos a
definição avançada por De Dreu e Weingart (2003), assim como por Dimas,
Lourenço e Miguez (2005), que conceptualizam o conflito como sendo uma
discordância de perspectivas que causa tensão em, pelo menos, uma das partes
envolvidas numa interação. Optámos por esta definição por comportar três
características essenciais de uma situação de conflito intragrupal: interação;
divergência; perceção de tensão. Nesta perspectiva, vemos o conflito como mais
de que uma discussão, divergência ou discórdia, já que implica um elevado
envolvimento na situação, a emergência de uma certa intensidade de emoções e
a perceção da existência de tensão entre as partes.
Historicamente existem três abordagens diferentes ao conflito. Os estudos
clássicos do comportamento organizacional, onde se situam, por exemplo, Fayol,
Taylor e Weber, realçavam a natureza negativa do conflito e defendiam que
estes deveriam ser evitados (Rahim, 2001). No âmbito da Escola das Relações
Humanas, iniciada por Elton Mayo, e dominante nos anos 30 e 40 do século
passado, os conflitos eram vistos como consequência inevitável da diversidade
das organizações e defendia-se a sua aceitação, pese embora ainda se
considerasse que era decisiva a sua resolução (Robbins, 1978).
Uma abordagem interacionista surgiu mais recentemente. De acordo com
esta perspetiva, o conflito é positivo e deverá ser encorajado, já que contribui
para a eficácia organizacional. Esta abordagem não advoga, no entanto, que
todos os conflitos são vantajosos para a organização. O que propõe é que haja
uma gestão adequada dos conflitos, capaz de diminuir/eliminar o seu potencial
destrutivo e de os estimular quando relacionados com o trabalho propriamente
dito e sempre que a sua intensidade seja inferior ao nível necessário para
manter uma organização criativa e inovadora (Robbins, 2009). Daí ser
necessário entender-se o conflito tendo em conta a sua natureza.
Guetzkow e Gyr (1954) foram os primeiros a distinguir os conflitos
baseados na tarefa dos que envolvem incompatibilidades interpessoais. Nesta

190
linha, Jehn (1995) distinguiu dois tipos de conflitos1: conflito de tarefa e
confl1ito socioafetivo.
O conflito de tarefa prende-se a situações de tensão vividas no grupo,
devido à presença de diferentes perspectivas em relação à execução de uma
tarefa. Por outro lado, o conflito socioafetivo pode ser definido como tensão
resultante da perceção de diferenças de valores, personalidades e atitudes entre
os membros do grupo.

O impacto dos diferentes tipos de conflito na eficácia do grupo


Dentro da comunidade científica coexistem diferentes perspectivas e
representações sobre a eficácia do grupo, denotando maneiras diferentes de
olhar para um grupo (Lourenço, Miguez & Carvalho, 2004). Neste estudo temos
por base a conceção de eficácia grupal proposta por Beaudin e Savoie (1995). Os
referidos autores concebem a eficácia de um grupo como um constructo
multidimensional com quatro dimensões: Social (qualidade da experiência do
grupo); Económica (desempenho do grupo), Política (avaliação feita por
membros exteriores ao grupo em relação à legitimidade da ação do grupo) e
Sistémica (subjacente a esta dimensão estão as ideias de perpetuidade,
crescimento, adaptação e estabilidade do grupo ao longo do tempo e face às
alterações na sua envolvente) (Beaudin & Savoie, 1995; Lourenço & Gomes,
2003).
Neste trabalho, seguindo também a linha sociotécnica em que nos
situamos, focamos a nossa análise nas dimensões social e económica da eficácia
– satisfação e desempenho do grupo.
Os investigadores, no âmbito das ciências organizacionais, têm procurado
clarificar o impacto que os diferentes tipos de conflitos podem gerar na eficácia
grupal. De uma forma global, encontramos na literatura uma ideia
genericamente aceite de que o conflito de tarefa tende a ser conectado mais
frequentemente com resultados positivos do que o conflito socioafetivo.
Com efeito, Amason, Thompson, Hochwarter e Harrison (1995) sugerem
que as diferentes opiniões e ideias no âmbito do processo decisório da equipa

1
Jehn (1997) identificou um terceiro tipo de conflito – conflito de processo - que a autora definiu
como “the conflict about how task accomplishment should proceed in the work unit, who’s
responsible for what and how things should be delegated” (p. 540). No entanto, seguindo o ponto de
vista de Dimas et al. (2005), que considera que o conflito de processo está relacionado com a tarefa
desenvolvida pelo grupo, e tendo por base que no presente estudo adotámos o paradigma
sociotécnico, olhamos para o conflito intragrupal como um fenómeno bidimensional: com uma
dimensão de tarefa e outra socioafetiva.

191
são benéficas já que requerem o envolvimento das equipas em atividades que
promovam a discussão de diferentes alternativas, encorajando soluções criativas
e positivas para a produtividade do grupo. Na mesma linha, Jehn e Mannix
(2001) verificaram que os grupos de alta performance experienciam mais
conflito de tarefa e menos conflito socioafetivo no início da sua interação. De
facto, o conflito socioafetivo parece estar relacionado com processos decisórios
empobrecidos (Amason, 1996).
No que diz respeito aos resultados afetivos, tais como a satisfação e o
desejo de deixar a equipa, por um lado, encontramos quer o conflito socioafetivo
quer o conflito de tarefa ligados negativamente à qualidade das relações entre os
membros da equipa (Amason & Sapienza, 1997; Medina, Munduate, Dorado,
Martínez & Guerra, 2005) e como causadores da diminuição do desejo de
permanecer na equipa (Jehn, 1995, 1997).
A meta análise de De Dreu e Weingart (2003), que englobou 30 estudos
empíricos sobre o conflito intragrupal, mostra-nos que o conflito de tarefa e o
conflito socioafetivo têm um impacto negativo nos resultados do grupo.
Mais recentemente, De Wit, Jehn e Greer (2012) realizaram uma nova
abordagem meta-analítica aos estudos dos conflitos intragrupais englobando 116
estudos. Examinaram-se os três tipos de conflitos (tarefa, socioafetivo e de
processo) e os seus consequentes proximais (por exemplo, a satisfação dos
membros do grupo) e consequentes distais (como a performance). Como
resultado, foi encontrada uma relação negativa mais forte entre os diferentes
tipos de conflito e os resultados proximais do que entre os diferentes tipos de
conflito e os resultados distais como a performance. O conflito de tarefa aparece
aqui como não estando nem negativa nem positivamente associado à
performance do grupo e, como esperado, o impacto negativo do conflito
socioafetivo na performance é encontrado com evidências mais sólidas nos
estudos analisados.
Em síntese, ao longo dos estudos que vêm sendo realizados, as
conclusões acerca do impacto do conflito centrado na tarefa não é ainda
consistente visto ser relacionado por vezes positivamente, outras vezes
negativamente com os consequentes de eficácia. Por seu lado, o carácter
negativo das consequências do conflito socioafetivo aparece como largamente
consensual, tanto ao nível afetivo como no âmbito do desempenho da tarefa.
Devido a estes resultados por vezes contraditórios um grande corpo de
investigação centra-se em identificar em que circunstâncias e de que forma o

192
conflito intragrupal poderá ser benéfico para o grupo (e.g., De Dreu, 2006;
Gamero, González-Romá, & Peiró, 2008), apontando para uma abordagem
contingencial do conflito.
Do nosso ponto de vista, o conteúdo emocional dos conflitos pode
contribuir para entendermos os seus consequentes na eficácia do grupo.
Baseamos esta nossa afirmação em contributos teóricos e empíricos que
apontam para o facto de que o conteúdo emocional dos conflitos exerce um forte
impacto nos resultados do grupo.
De facto, Pondy (1967) observou que há uma distinção importante entre o
conflito quando percebido (ao nível da cognição) e do conflito quando sentido
(envolvendo afeto), afirmando que o conflito não se manifesta até que seja
sentido. Em linha com estas explicações, Jehn (1997) afirma que as emoções
definem as interpretações subjetivas da realidade dos indivíduos e as suas
reações a situações atuais, reforçando que todos os tipos de conflito geram
tensão emocional.
Tendo por base a Teoria dos Eventos Afetivos (Weiss & Cropanzano, 1996),
os conflitos podem ser explicados como acontecimentos afetivos, ou seja, fatores
do ambiente de trabalho que causam reações afetivas e imediatas nos
indivíduos. Assim, a experiência de conflito influencia as perceções dos membros
do grupo, atitudes, emoções e comportamentos, que por sua vez influenciam os
processos de interação entre os membros do grupo.
Desta forma, a interligação existente entre os conflitos e as emoções
negativas poderá contribuir para clarificar a ligação dos primeiros com os
consequentes indesejados da eficácia. Amason, Thompson, Hochwarter e
Harrison (1995) encontraram evidências que mostram que as divergências mais
personalizadas, sobre assuntos orientados para temas individuais, causam
hostilidade, desconfiança, cinismo e apatia entre os membros da equipa.
Lovelace, Shapiro e Weingart (2001) sugeriram que, durante o conflito, a
personalização das comunicações contenciosas pode contribuir para a escalada
de emoções negativas. Jehn (1997) constatou que, independentemente de o tipo
de conflito, todas as emoções exibidas em resposta ao conflito tinham uma
valência negativa. Além disso, a emotividade negativa mostrou-se associada ao
baixo desempenho e satisfação dos membros do grupo. Mais recentemente, o
conflito foi positivamente relacionado com a exaustão emocional, absentismo, e
intenções de abandono da organização (Giebels & Janssen, 2005).

193
Hipóteses de investigação
No presente estudo, como referido anteriormente, pretendemos contribuir
para a abordagem contingencial dos conflitos, analisando o papel mediador das
emoções negativas. Visamos compreender, de uma forma particular, se as
emoções negativas sentidas pelo grupo são responsáveis pela ligação entre os
diferentes tipos de conflitos e a eficácia, medida pela satisfação dos membros do
grupo e pela performance grupal.
Consequentemente, e ancorados na revisão da literatura efetuada, as
seguintes hipóteses foram formuladas:
H1a: O conflito de tarefa tem um impacto positivo nas emoções negativas.
H1b: O efeito negativo do conflito de tarefa na satisfação grupal é mediado pelas
emoções negativas.
H1c: O efeito negativo do conflito de tarefa no desempenho grupal é mediado
pelas emoções negativas.
H2a: O conflito socioafetivo tem um impacto positivo nas emoções negativas.
H2b: O efeito negativo do conflito socioafetivo na satisfação grupal é mediado
pelas emoções negativas.
H2c: O efeito negativo do conflito socioafetivo no desempenho grupal é mediado
pelas emoções negativas.

Método
Este é um estudo empírico de natureza não experimental. A amostra do
presente estudo é constituída por equipas de trabalho de diferentes organizações
portuguesas dos sectores industrial e dos serviços. Foram recolhidos dados de
74 grupos/equipas (333 indivíduos). As equipas eram compostas por uma média
de 4 elementos (D.P. = 1,83), em que 61.9% dos elementos eram do sexo
feminino. Os membros das equipas foram questionados acerca da frequência dos
conflitos vividos no grupo, das emoções sentidas e do nível de satisfação. O
desempenho da equipa foi aferido através da avaliação feita pelos líderes do
grupo.

a. Escala de Avaliação do Conflito Intragrupal (EACI; Dimas,


Lourenço, & Miguez, 2005).

O conflito intragrupal foi medido através da Escala de Avaliação do


Conflito Intragrupal (EACI; Dimas, Lourenço, & Miguez, 2005). Esta escala tem
como objetivo avaliar a frequência dos dois tipos de conflito – de tarefa e

194
socioafetivo – segundo a tipologia elaborada por Jehn (1995). Os conflitos são
medidos através de 9 itens que avaliam a frequência de situações de tensão
relativas a diferentes aspetos da vida grupal (e.g., “Ideias diferentes
relativamente às regras e aos objetivos da equipa” - conflito de tarefa;
“Divergências entre os membros do grupo associadas a diferenças de
personalidade” - conflito afetivo). As respostas são dadas numa escala de Likert
de 7 pontos (entre 1- Nunca acontece a 7- Acontece sempre).

b. Portuguese Job Related Affective Well-Being Scale (PJAWS;


Ramalho, Monteiro, Lourenço & Figueiredo 2008).

A Portuguese Job Related Affective Well-Being Scale (PJAWS; Ramalho,


Monteiro, Lourenço & Figueiredo 2008) tem como objetivo identificar e analisar a
ocorrência de emoções negativas no contexto de grupos de trabalho, e baseia-se
no Modelo Circumplexo das Emoções de Russel (1980). A escala completa é
composta por 28 itens (13 emoções positivas e 15 emoções negativas), e mede
as emoções vivenciadas no trabalho em grupo, através de um Escala de Likert
variando de 1, “Nunca” a 5, “Sempre”. Para o presente estudo foram utilizados
apenas os itens relacionados com as emoções negativas.
c. Escala de Satisfação Grupal (ESAG; Dimas, 2007).
Este é um instrumento desenvolvido por Dimas (2007), e que tem como
objetivo caracterizar o grau de satisfação dos membros com a equipa a que
pertencem. Esta escala foi aplicada aos membros que compunham as equipas de
trabalho. Os 7 itens que compõem a ESAG são avaliados numa escala de Likert
com 7 opções de resposta (1=totalmente insatisfeito a 7= totalmente satisfeito)
e abrangem questões relacionadas com o sistema socioafetivo (e.g., “Relações
entre os membros da equipa de trabalho”, “Relações entre os membros da
equipa e o líder.”) e o sistema de tarefa (e.g., “Resultados alcançados pela
equipa de trabalho”, “Forma como o líder organiza e coordena as atividades da
equipa.”).
d. Escala de Avaliação de Desempenho Grupal (EADG; Dimas,
2007).
Este instrumento também foi desenvolvido por Dimas (2007) para avaliar
o desempenho das equipas. O desempenho grupal foi medido através de uma
escala de oito itens (e.g., “Cumprimento dos níveis de produção exigidos”,
“Empenho na produção de trabalho de qualidade”, “Apresentação de sugestões”)
que avalia diferentes aspetos relativos à qualidade e à quantidade de trabalho

195
produzido pelas equipas. Os itens são avaliados pelos líderes numa escala de 10
pontos (1 = mau; 10 = excelente).

Resultados
As respostas dadas pelos membros das equipas quanto aos conflitos
percecionados, emoções e satisfação foram agregadas para o nível grupal
através do índice AD (Average Deviation Index) de Burke e Dunlap (2002). A
agregação dos dados permite atenuar o impacto das diferenças individuais
dentro de cada equipa, levando à criação de indicadores mais representativos
das características dos grupos (Simons & Peterson, 2000). De acordo com Dimas
(2007), a principal vantagem da utilização deste índice é a criação de um ponto
de corte a partir do qual se presume a discordância entre os elementos da
equipa. A agregação das respostas individuais foi feita através do cálculo dos
valores médios obtidos pelos membros de cada grupo nos questionários.
O valor de corte é calculado dividindo o número de respostas possíveis
para um item (i) por 6. Se AD> i / 6, não podemos assumir que os resultados
representam a realidade do grupo. Por outro lado, se AD ≤ i / 6, então é possível
admitir que os resultados são representativos do nível grupo (Burke & Dunlap,
2002; Dimas, 2007). Assim, considerando as cinco opções de resposta da
PJAWS, foi utilizado como critério de corte AD ≤ .83, enquanto 1.17 foi utilizado
como ponto de corte na EACI e na ESAG devido às suas sete opções de resposta
(Burke & Dunlap, 2002).
Na Tabela 1 são apresentadas as médias, desvios-padrões e
intercorrelações entre todas as variáveis, assim como o valor da fiabilidade das
escalas de medida.
Analisando as correlações bivariadas entre os tipos de conflito e as
emoções, podemos verificar que o conflito de tarefa está positivamente
relacionado com as emoções negativas (r = .616, p <.01), sustentando
empiricamente H1a. Da mesma forma, o conflito socioafetivo está positivamente
relacionado com as emoções negativas (r = .429, p <.01), como previsto pela
hipótese H2a.

196
Tabela 1- Estatísticas Descritivas e intercorrelações para todas as variáveis em estudo.

M DP α 1 2 3 4 5

1.Conflito de tarefa 3.00 .67 .89 --

2. Conflito socioafetivo 2.97 .63 .85 .780** --

3.Emoções negativas 2.41 .27 .91 .616** .429** --

4. Satisfação 5.40 .68 .93 -.712** -.492** -.562** --

5 Desempenho 7.21 1.27 .79 -.282* -.148 -.256 0,288* --

Nota. ** Correlações significativas a .01. * Correlações significativas a .05.

O papel mediador das emoções sobre a relação entre os tipos de conflito


e a eficácia da equipa (satisfação e desempenho) foi testado através da análise
de regressão múltipla.
Segundo MacKinnon (2000, cit. in Frazier, Baron & Tix, 2004), a
regressão é o método mais comum para testar a mediação na literatura do
domínio da psicologia.
De acordo com Baron e Kenny (1986) existem quatro passos de
regressão (realizada em três equações de regressão) para estabelecer que um
mediador é responsável pela ligação entre uma variável preditora e uma variável
critério.
Para a mediação existir, a relação entre o mediador (no caso do presente
estudo, as emoções negativas) e a variável critério (desempenho/satisfação)
deve ser significativa, assim com a relação entre a variável preditora (tipos de
conflito) e a mediadora. Igualmente a relação entre a variável preditora e os
resultados terá de ser significativa.
Com efeito, segundo estes autores, se a relação entre as conflitos e a
eficácia, na equação de regressão, for significativa e se esta relação se tornar
não significativa controlando o efeito da variável mediadora pode explicar-se a
relação entre as variáveis preditora e critério através da mediação. Os autores
avançam ainda que esta relação ao tornar-se não-significativa na equação de
regressão pode ser considerada como plena ou completa. Por outro lado, se a
relação variável preditora - variável critério na equação de regressão é ainda
estatisticamente significativa, mas significativamente menor do que a mesma
relação na segunda equação de regressão, então a mediação é apenas parcial
(Frazier et al., 2004). Neste estudo, o teste à significância desta descida será
realizado através do teste de Sobel (Preacher, 2010).

197
Assim, como é possível observar na tabela 2, no que diz respeito à
hipótese H1b, o conflito de tarefa mostra-se inversamente associado à satisfação
(β = -.712, p <.001.), e as emoções negativas igualmente apresentam uma
relação negativa e significativa com a satisfação (β = -.562, p <.001). Após
controlarmos o efeito das emoções negativas, o conflito de tarefa permaneceu
significativamente associado à satisfação (β = -.580, p <.001). O resultado do
teste de Sobel sugere que a descida do beta estandardizado após controlar o
efeito mediador das emoções negativas é significativo (z = -1.950, p = .05). A
análise aponta para a evidência de que as emoções negativas medeiam
parcialmente a relação negativa entre o conflito de tarefa e a satisfação da
equipa.

Tabela 2 - Passos da regressão múltipla para testar a relação de mediação das emoções negativas
entre o conflito tarefa e a satisfação

B SEB β R2 ∆R2

Passo 1
.50
Critério: satisfação

Preditor: conflito de tarefa -.83** .112 -.71**

Passo 2 .53 .03

Critério: satisfação

Mediador: emoções negativas -.61** .29 -.23*

Predictor: conflito de tarefa -.67** .13 -.58**

z= -1,950, p= .05

Nota. ** Correlações significativas a .01. * Correlações significativas a .05.

No que diz respeito ao teste à hipótese H2b, o conflito socioafetivo


mostra-se inversamente associado à satisfação (β = -.492, p <.001.), e as
emoções negativas estão também significativa e inversamente associadas à
satisfação (β = -.562, p <.001). Após controlarmos o efeito das emoções
negativas o conflito socioafetivo permaneceu significativamente associado à
satisfação (β = -.330, p <.001). O resultado do teste de Sobel sugere que a
descida do beta estandardizado após controlar o efeito mediador das emoções
negativas é significativo (z = -2.623, p <.05). A análise aponta para a evidência
de que as emoções negativas medeiam parcialmente a relação negativa entre o
conflito socioafetivo e a satisfação da equipa.

198
Tabela 3 - Passos da regressão múltipla para testar a relação de mediação das emoções negativas
entre o conflito socioafetivo e a satisfação

B SEB β R2 ∆R2

Passo 1
Critério: satisfação
.23

Preditor: conflito
-.56** .135 -.49**
socioafetivo

Passo 2 .39 .16

Critério: satisfação

Mediador: emoções
-1.14** .30 -.44*
negativas

Preditor: conflito -.37** .13 -.33**


socioafetivo
z= -2,623, p<
.05

Nota. ** Correlações significativas a .01. * Correlações significativas a .05.

Testando a hipótese H1c, verificamos que o conflito de tarefa mostra-se


inversamente associado ao desempenho (β = -.282, p <.05), no entanto as
emoções negativas não estabelecem uma ligação significativa com o
desempenho (β = -.256, ns).
Referente à hipótese H2c, a relação do conflito socioafetivo com o
desempenho da equipa apresenta-se como não significativa (β = -.148, ns)
impossibilitando assim o estudo deste modelo. Desta forma, e seguindo as
recomendações de Baron e Kenny (1986), não podemos sustentar que as
emoções negativas tenham um papel mediador na relação negativa entre os dois
tipos de conflito e o desempenho.

Discussão
Não obstante o facto de o conflito intragrupal ser um dos temas que tem
recebido uma maior atenção na investigação sobre grupos (Dimas, 2007), a
ligação entre os conflitos e o seu conteúdo emocional ainda não foi
suficientemente explorada (Nair, 2008), embora o papel central desempenhado
pelas emoções em fenómenos de conflito esteja estabelecido na literatura
(Bodtker & Jameson, 2001; Pondy, 1967).
Com efeito, as emoções fazem parte da vivência do conflito. Quando

199
indivíduos fazem parte de um grupo são expostos a emoções dos outros
membros e as experiências emocionais são compartilhadas e disseminadas por
todo os membros, através de um processo que foi cunhado como "contágio
emocional" (Bartel & Saavedra, 2000). Bodtker e Jameson (2001) argumentam
que, ao estarmos em conflito já estamos emocionalmente ativados, uma vez que
um conflito não nos é consciente a menos que reconheçamos que nos sentimos
emocionalmente alterados. Assim, estudar fenómenos grupais como o conflito
tomando em consideração a emotividade do grupo constitui uma via para uma
melhor compreensão do conflito e, consequentemente, do próprio funcionamento
e dinâmica de um grupo.
Pondy (1967) já havia observado que as emoções desempenham um
papel essencial na perceção da vivência do conflito. Sobre isto, Jehn (1997)
afirma que todos os tipos de conflito,e não apenas o conflito socioafetivo, são
fenómenos emocionalmente intensos.
Em linha com a investigação de Jehn (1997), este estudo aponta para a
evidência de que, independentemente do seu tipo, o conflito contribui para a
emergência de emoções negativas. Para além disto, a emotividade negativa
parece contribuir para a relação negativa entre os conflitos e a satisfação do
grupo.
As emoções sentidas pelo grupo no conflito parecem estar mais
claramente ligadas a critérios afetivos da eficácia, como a satisfação – resultados
proximais, na terminologia de De Wit e colaboradores (2011) – do que a critérios
económicos da eficácia, como o desempenho grupal – os resultados distais,
adotando a terminologia dos mesmos autores. A não confirmação dos modelos
que considerámos inicialmente, e que atribuíam a função mediadora às emoções
na relação entre os conflitos e o desempenho poderá apontar para a evidência
do conteúdo notoriamente afetivo dos conflitos. De facto, estes resultados
parecem dizer-nos que as emoções sentidas pelo grupo face ao conflito poderão
não estabelecer uma ligação direta com os consequentes técnicos da tarefa mas
terão um papel de grande importância no bem-estar socioafetivo dos seus
elementos.
Com efeito, Giebels e Janssen (2005) explicam que o conflito está ligado
a sentimentos de obstrução de ações direcionadas por objetivos, levando à
resposta de stress. O stress emergente em resultado da vivência do conflito
também pode promover respostas que têm impacto na eficácia da equipa:
exaustão emocional, intenções de absentismo e abandono da equipa (Hardy,

200
Woods, & Wall, 2003; Wright & Cropanzano, 1998).
Tomando estes contributos em consideração à luz dos resultados
apontados pelo presente estudo, podemos inferir que as emoções negativas são
um consequente dos conflitos de tarefa e socioafetivo, que parecem contribuir
para a criação de estados de insatisfação nos grupos de trabalho, não
produzindo, no entanto, impacto significativo ao nível do desempenho de tarefa.

Conclusão
Este estudo ajuda a clarificar o papel das emoções negativas enquanto
mediadoras entre os ambos os tipos de conflito (de tarefa e socioafetivo) e a
satisfação grupal. Aponta, assim, para a importância e pertinência da
investigação sobre os diferentes tipos de conflito e a eficácia grupal levar em
consideração a inclusão de variáveis que desempenhem o papel de mediadores
(ou moderadores), dando suporte às abordagens de natureza contingencial no
estudo do conflito intragrupal.
Ao nível da intervenção, os nossos resultados poderão, também,
contribuir para o desenho de estratégias e práticas organizacionais com vista a
aumentar a satisfação e o desempenho organizacionais.
Com efeito, o desenvolvimento de recursos humanos no âmbito da
atribuição emocional de forma a facilitar a interpretação de eventos
naturalmente evocadores de emoções poderão contribuir para o quebrar do ciclo
da escalada das emoções negativas (Gross, 1998). No contexto do conflito de
tarefa, esta estratégia pode ser exemplificada através de técnicas de mudança
cognitiva, em que os membros do grupo se tornam mais conscientes de que as
divergências de tarefas podem revelar questões de desacordo somente ligadas à
tarefa e não de hostilidade pessoal.
Yang e Mossholder (2004) apontaram três moderadores que poderão
contribuir para o impedimento da escalada emocional face aos conflitos: a
inteligência emocional dos grupos, o fortalecimento dos laços entre os membros
das equipas e o estabelecimento de normas para reduzir ou prevenir a
emotividade negativa. Estas recomendações encorajam os psicólogos do
trabalho e das organizações a explorarem formas de promover a expressão
emocional saudável e a consciência da emoção no local de trabalho.
Além disso, Simons e Peterson (2000) sugerem que a estimulação de
laços de confiança poderá contribuir para um melhor desempenho face ao

201
conflito e Amason e Sapienza (1997), na mesma linha, afirmam que a abertura à
discussão sem o fomento da cooperação pode levar a conflitos socioafetivos.
Apesar do contributo do estudo que realizámos, este comporta, no
entanto, também, algumas limitações. Desde logo o facto de os resultados terem
sido obtidos usando medidas autoadministradas, o que conduz à ameaça de
variância do método comum, que pode, por isso, constituir uma explicação
alternativa para os resultados.
No entanto, esse risco é mitigado pelo uso de instrumentos padronizados
e devidamente desenvolvidos (Spector, 1987) como é o caso dos instrumentos
usados neste estudo e, também, pelo facto de terem sido utilizadas duas
distintas fontes de dados (os membros das equipas e os seus líderes).
Adicionalmente, o tamanho da amostra poderá criar entraves à generalização
dos resultados. Além disso, devido à natureza não- experimental do nosso
estudo, é arriscado inferir relações causais entre as variáveis.
Ainda assim este é um estudo que chama a atenção para a emotividade
do grupo face ao conflito, contribui com novas pistas e desafios para futuras
investigações e abre campo para o desenvolvimento de novos estudos que, por
exemplo, analisem o papel das emoções positivas. Embora seja um domínio
menos explorado, existem já evidências que apontam para o estímulo de
emoções positivas em equipas de trabalho como facilitador da discussão aberta
de diferenças que, por sua vez, leva a uma gestão de conflitos mais construtiva
(Ayoko & Hartel, 2002; Hobman, Bordia, & Gallois, 2003; Kay, Shapio &
Weingart, 2001). De igual modo, e na mesma linha, encontra-se evidência de
que o contágio emocional positivo melhora os comportamentos de cooperação
dos membros da equipa (Barsade, 2002; Totterdell, 2000). E se as emoções
negativas parecem desempenhar um papel de ligação entre os conflitos e os
resultados negativos da eficácia, as emoções positivas poderão ser a resposta
para a promoção de equipas de trabalho mais eficazes.

Referências bibliográficas
Amason, A. C., & Sapienza, H. J. (1997). The effects of top management team
size and interaction norms on cognitive and affective conflict. Journal of
Management, 23, 496-516.
Amason, A. C., Thompson, K. R., Hochwarter, W. A., & Harrison, A. W. (1995).
Conflict: An important dimension in successful management teams.
Organizational Dynamics, 24(2), 20-35.

202
Ayoko, O. B., & Hartel, C. E. J. (2002). The role of emotion and emotion
management in destructive and productive conflict in culturally
heterogeneous workgroups. In N. M. Ashkanasy, C. E. J. Hartel, & W. J.
Zerbe (Eds.), Managing Emotions in the Workplace (pp. 77–97). Armonk:
M.E. Sharpe.
Baron, R.M., & Kenny, D.A. (1986). The Moderator-Mediator variable distinction
in Social Psychological research: Conceptual, strategic, and statistical
considerations. Journal of Personality and Social Psychology, 51, 1173-
1182.
Barsade, S. G. (2002). The ripple effect: Emotional contagion and its influence
on group behavior. Administrative Science Quarterly, 47, 644-675.
Bartel, C. A., & Saavedra, R. (2000). The collective construction of workgroup
moods. Administrative Science Quarterly, 45, 197-231.
Beaudin, G. & Savoie, A. (1995). L’éfficacité des équipes de travail: definitions,
composants et mesures. Revue Québecoise de Psychologie, 116 (1), 185-
201
Bodtker, A. M., & Jameson, J. K. (2001). Emotion in conflict formation and its
transformation: Application to organizational conflict management.
International Journal of Conflict Management, 12, 259-275.
Burke, M. J., & Dunlap, W. P. (2002). Estimating interrater agreement with the
average deviation index: Auser’s guide. Organizational Research Methods,
5, 159-172.
De Dreu, C. K. W., & Weingart, L. R. (2003). Task versus relationship conflict,
team performance, and team member satisfaction: a meta-analysis.
Journal of Applied Psychology, 8, 741-749.
De Dreu, C.K.W. (2006). When too much and too little hurts: Evidence for a
curvilinear relationship between task conflict and innovation in teams.
Journal of Management, 32, 83 – 107.
De Wit, F., Greer, L.L., & Jehn, K.A. (2012). The paradox of intragroup conflict:
A meta-analysis. Journal of Applied Psychology, 97, 360-390.
Dimas, I. (2007). (Re)pensar o conflito intragrupal: Níveis de desenvolvimento e
eficácia. Unpublished Doctoral Thesis. Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Coimbra.
Dimas, I., Lourenço, P., & Miguez, J. (2005). Conflitos e desenvolvimento dos
grupos e equipas de trabalho: Uma abordagem integrada. Psychologica,
38, 103-119.

203
Frazier, P. A., Tix, A. P., & Baron, K. E. (2004). Testing moderator and mediator
effects in counseling psychology research. Journal of Counseling
Psychology, 5(1), 115-134.
Frijda, N. H. (1993). Moods, emotion episodes, and emotions. In M. Lewis, & J.
M. Haviland (Eds.), Handbook of emotions (pp. 381-403). New York:
Guilford Press.
Gamero, N., González-Romá, V., & Peiró, J. M. (2008), The influence of intra-
team conflict on work teams' affective climate: A longitudinal study.
Journal of Occupational and Organizational Psychology, 81, 47-69.
Gross, J. J. (1998). Antecedent- and response-focused emotion regulation:
Divergent consequences for experience, expression, and physiology.
Journal of Personality and Social Psychology, 74(1), 224-237.
Guetzkow, H., & Gyr, J. (1954). An analysis of conflict in decision making
groups. Human relations, 7, 367-381.
Hardy, G. E., Woods, D., &Wall, T. D. (2003). The impact of psychological
distress on absence from work. Journal of Applied Psychology, 88, 306 –
314.
Jehn, K. A. (1995). A multimethod examination of the benefits and detriments of
intragroup conflict. Administrative Science Quarterly, 40(2), 256-282.
Jehn, K. A. (1997). A qualitative analyses of conflict types and dimensions in
organizational groups. Administrative Science Quarterly, 42(3), 530-557.
Kay, L., Shapio, D., & Weingart, L. (2001). Maximizing cross- functional new
product teams innovativeness and constraint adherence. A conflict
communications perspective. Academy of Management Journal, 44, 779–
793.
Lourenço, P. R., Miguez, J., Gomes, A. D., Carvalho, C. (2004) Eficácia grupal:
análise e discussão de um modelo multidimensional. Psychologica. Extra-
Série: 611-621.
Lourenço, P.R., & Gomes, A.D. (2003). Da pluralidade à bidimensionalidade da
eficácia dos grupos/equipas de trabalho. Psychologica, 33, 7-32.
Lovelace, K., Shapiro, D., & Weingart, L. R. (2001). Maximizing cross-functional
new product teams’ innovativeness and constraint adherence: A conflict
communications perspective. Academy of Management Journal, 44, 779-
794.

204
Medina, F. J., Munduate, L., Dorado, M. A., Martínez, I., & Guerra, J. M. (2005).
Types of intragroup conflict and affective reactions. Journal of Managerial
Psychology, 20, 219–230.
Morris, M.W., & Keltner, D. (2000). How emotions work: An analysis of the social
functions of emotional expression in negotiations. Review of
Organizational Behavior, 22, 1-50.
Nair, N. (2008). Towards understanding the role of emotions in conflict: a review
and future directions. International Journal of Conflict Management,
19(4), 1044-1068.
Pondy, L.R. (1967), Organizational conflict: Concepts and models, Administrative
Science Quarterly, 12, 296-320.
Pondy, L.R. (1967), Organizational conflict: Concepts and models, Administrative
Science Quarterly, 12, 296-320.
Preacher, K. J. (2010). Calculation for the Sobel Test. An interactive calculation
tool for mediation tests. Retrieved from
http://people.ku.edu/~preacher/sobel/sobel.htm
Rahim, M. A. (2001). Managing conflict in organizations. Westport, CO: Quorum
Books.
Ramalho, C., Monteiro, J., Lourenço, P., & Figueiredo, C. (2008). Emoções e
grupos de trabalho: Adaptação de uma escala de medida das emoções,
para situação normal e para situação de conflito. Psychologica, 47, 145-
163.
Robbins, S. P. (1978). “Conflict management” and “conflict resolution” are not
synonymous terms. California Management Review, 21(2), 67-75.
Robbins, S. P., & Judge, T. A. (2009). Essential of Organizational behavior.
Upper Saddle River: Prentice Hall.
Roseman, I. J., Antoniou, A. A., & Jose, P. E. (1996). Appraisal determinants of
emotions: Constructing a more accurate and comprehensive theory.
Cognition and Emotion, 10, 241-277.
Russell, J. A. (1980). A circumplex model of Affect. Journal of Personality and
Social Psychology, 3, 1161-1178
Simons, T. L., & Peterson, R. S. (2000). Task conflict and relationship conflict in
top management teams: The pivotal role of intragroup trust. Journal of
Applied Psychology, 85, 102-111.

205
Spector, P. E. (1987). Method variance as an artifact in self-reported affect and
perceptions at work: Myth or significant problems?. Journal of Applied
Psychology, 72, 438-443.
Totterdell, P. (2000). Catching moods and hitting runs: Mood linkage and
subjective performance in professional sport teams. Journal of Applied
Psychology, 85, 848-859.
Weiss, H. M., & Cropanzano, R. (1996). An affective events approach to job
satisfaction. In B. M. Staw & L. L. Cummings (Eds.), Research in
organizational behavior (Vol. 18, pp. 1-74). Greenwich, CT: JAI Press.
Wright, T. A., & Cropanzano, R. (1998). Emotional exhaustion as a predictor of
job performance and voluntary turnover. Journal of Applied Psychology,
83, 486 – 493.
Yang, J., & Mossholder, K. (2004). Decoupling task and relationship conflict: the
role of intragroup emotional processing. Journal of Organizational
Behavior, 25, 589- 605.

206
TÍTULO: Oficinas de Treinamento: o trabalho com famílias

AUTOR(ES): Mirella Martins Justi (mirella.mjusti@hotmail.com) e Simone

Pantaleão Macedo

INSTITUIÇÃO: Instituto de Psicologia Essência (Araçatuba) – São Paulo –

BRASIL

Resumo
No Brasil, os serviços de proteção social básica (PSB) destinados à população em
situação de vulnerabilidade social são disponibilizados aos usuários através dos
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Os serviços e atividades,
desenvolvidos por psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
nutricionistas e assistentes sociais, visam prevenir as situações de risco, reforçar
o papel da família como referência para seus integrantes e fortalecer vínculos
internos e externos. A família, um dos focos primordiais deste trabalho,
corresponde a um eixo fundamental da rede de apoio social, pois se configura
como uma instituição que exerce influência durante todo o ciclo vital. O objetivo
central deste trabalho foi o desenvolvimento e a execução de um modelo para
treinamento de equipes do CRAS no sentido de possibilitar capacitação e
autonomia das equipes e, conseqüentemente, a autonomia da comunidade como
o seu próprio agente de mudanças. A estratégia concentrou-se em oficinas
teórico-práticas conduzidas por psicólogos com experiência no trabalho com
famílias e que tinham como princípio proporcionar escuta aos envolvidos para
estabelecer prioridades de aprimoramento para uma atuação mais efetiva com o
público alvo. Os cinco eixos de conhecimento, chamados de módulos, foram
desenvolvidos de acordo com o perfil das equipes, tiveram duração de quatro
horas cada e ocorrência quinzenal, sendo seguidos de quatro reuniões mensais
de monitoramento das novas práticas. Os resultados obtidos com este trabalho
foram coletados, principalmente, durante a reunião de encerramento. A equipe
apontou que o treinamento possibilitou momentos importantes de reflexão sobre
o trabalho realizado no CRAS, a aproximação da equipe, o fortalecimento de
parcerias para a construção da rede de apoio social, a criação de novos projetos
e forneceu novas ferramentas de enfrentamento dos conflitos inerentes ao

207
trabalho. E a comparação dos patamares de avaliação anual indicou aumento
das possibilidades de atendimento aos usuários.

Palavras-chave: Humanização do atendimento; Saúde da família; Equipes


multidisciplinares.

Introdução
A sociedade contemporânea vem apresentando grande emergência na
contingência da saúde pública em que a atenção se volta especialmente para as
doenças crônicas, ou até mesmo, para as doenças do mundo moderno, tais
como a drogadição e a depressão que acometem cada vez mais precocemente os
indivíduos. Destarte, freqüentemente fala-se na emergência da
multidisciplinaridade no contexto dos serviços à população, demandando o
preparo dos profissionais envolvidos para atuar de forma assertiva.
Partindo desta necessidade, que se valida no pressuposto de que a
instituição familiar se encaixa como o abarque das relações primeiras e,
posteriormente, no desenvolvimento destas; compreende-se que o modelo
burguês paternalista adotado (pai, mãe e filhos) sofre modificações
consideráveis na perspectiva social vigente, ao que se pode observar seus
reflexos no acometimento do abuso de drogas, violência, negligencia, etc.
Dessa forma, essas transformações no processo de constituição e função
familiar acabam por se vincular diretamente à problemática. E a importância da
prevenção e do suporte e preparação no tratamento são fundamentais para as
equipes multidisciplinares.
Até final do século XX, vários problemas de saúde pública tinham por
método e foco de tratamento apenas o sujeito doente. Não obstante, hoje se
comprova a eficiência do mesmo ao englobar a família neste processo.
A família corresponde a uma instituição que exerce influência significativa
durante todo o processo de desenvolvimento do indivíduo (BIASOLI-ALVES,
2004 apud PRATTA & SANTOS 2007). Na família se dimensiona e têm início as
práticas da educação e da socialização das crianças, pois no seu interior se
adquirem os valores, as normas, as crenças, as idéias, os modelos e os padrões
comportamentais necessários à integração social do indivíduo (SCHENKER &
MINAYO, 2003; ANTÓN, 1998 apud PRATTA & SANTOS 2007).
O homem continua depositando nessa instituição a base de sua segurança
e bem estar, o que por si só torna-se o indicador da valorização da família no

208
contexto do desenvolvimento humano (PRATTA & SANTOS, 2007), e também
justifica a multidisciplinaridade e o preparo especifico para lidar neste sistema.
A família como um micro-sistema conserva e reverbera nos papéis que
constituem sua estrutura, modelos, condutas e valores socialmente adquiridos,
preservando suas qualidades particulares. Portanto, sob a ótica sistêmica, os
micro e macro sistemas estão inter-relacionados: família e comunidade,
comunidade e sociedade.
No Brasil, país que tem como realidade uma situação de desigualdade
social importante, a desintegração dos valores familiares tem urgência de
cuidados. Atualmente, os serviços de proteção social básica destinados à
população em situação de vulnerabilidade social são disponibilizados por meio
dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Os serviços e atividades
de prevenção e intervenção são realizados por psicólogos, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais, nutricionistas e assistentes sociais e visam prevenir as
situações de risco, reforçar o papel da família como referência para seus
integrantes e fortalecer vínculos internos e externos.
O presente projeto tem por objetivo o treinamento dos profissionais cujo
trabalho tem como foco o atendimento à famílias, visando possibilitar a
capacitação e a autonomia de ação e também o empoderamento da comunidade
como o seu próprio agente de mudanças.

METODOLOGIA
Oficinas de Treinamento:
As oficinas de treinamento foram conduzidas por psicólogos
(facilitadores/pesquisadores) que possuem experiência teórica-prática no
trabalho com famílias e também com trabalhos de equipe.
As oficinas abordaram a sensibilização e o treinamento dos profissionais
para humanização de suas atuações envolvendo-os, através de processo
integrado, e favorecendo uma atuação voltada para o acolhimento e para a
promoção de processos preventivos na área da saúde da família; favorecendo a
reflexão e a auto-motivação com mudanças focalizadas para uma nova postura
profissional, na qual estejam priorizados: autonomia, criatividade, orientação
para resultados, comprometimento, valorização do trabalho em equipe e do
trabalho multidisciplinar.
Os temas que constituem este treinamento foram chamados de módulos
e foram realizados a partir de atividades vivenciais determinadas pelos

209
facilitadores de acordo com o perfil dos grupos de treinamento. A aplicação deu-
se em de cinco módulos, sempre com duração de quatro horas cada, seguidos de
reuniões mensais de monitoramento.
Os objetivos específicos do projeto enquadraram os módulos, que tiveram
como eixo central a prevenção. De modo geral, o conteúdo previsto para cada
módulo segue descrito:
Módulo I. Desenvolvimento do trabalho em grupo; Relações inter e
intrapessoal; Motivação e automotivação; Atividade vivencial com foco na
reflexão e na avaliação das atuações.
Módulo II. Família: separação, violência, delinqüência e negligência;
visão e abordagem sistêmica; O sistema familiar e a relação com a
drogadependência e alcoolismo.
Módulo III. Adolescência: abuso sexual; conflitos familiares; bullying e
sexualidade; Orientação profissional.
Módulo IV. A comunidade como agente de mudança; Grupos
terapêuticos em saúde.
Módulo V . Feedback e auto-avaliação; indicadores de avaliação do
CRAS.
As ações educativas sobre as quais o projeto se apóia têm como
fundamento teórico os Quatro Eixos do Saber (DELORS et al., 1997). Segundo
estes autores, para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a
educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais
que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os
pilares do conhecimento, são elas: aprender a conhecer, isto é adquirir os
instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio
envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os
outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial
que integra as três precedentes. Estas quatro vias do saber constituem apenas
uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de
relacionamento e de permuta.
Esses eixos dos saberes permearam a metodologia do projeto e foram a
base para as oficinas de treinamento.

Reuniões de Acompanhamento
Além do treinamento, propôs-se um mínimo de quatro reuniões de
acompanhamento após o término dos módulos, com ocorrência mensal e

210
duração de três horas, cujo principal objetivo foi dar vazão às angústias
relacionadas à nova práxis, além de manter e aprimorar a excelência do
atendimento das famílias.

Análise de resultados
A verificação e comprovação dos resultados positivos obtidos após a
realização das oficinas foram realizadas exclusivamente de forma qualitativa,
através da observação de mudanças comportamentais nos profissionais e,
posteriomente, na comunidade. Por fim, fez-se a comparação dos patamares
atingidos através da avaliação destes realizada anualmente pelo Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome disponível no site deste ministério.

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Este trabalho de oficinas com profissionais que trabalham com famílias
nasceu da solicitação por parte da Secretaria de Assistência Social da cidade de
Sud Menucci (São Paulo, Brasil), após a verificação da necessidade em capacitar
suas equipes para um trabalho assertivo junto às famílias desta comunidade.
Neste relato conta-se o trabalho realizado na pequena cidade cuja equipe
de atenção psicossocial era composta por 20 profissionais de diversas áreas,
entre elas a Psicologia, a Fisioterapia, a Assistência Social e a Terapia
Ocupacional que trabalham no CRAS.
As atividades desenvolvidas neste centro de atenção psicossocial são
compostas por reuniões com grupos específicos e ações para cadastramento,
monitoramento e acompanhamento da população.
As reuniões grupais têm o intuito de prevenir as situações de
vulnerabilidade e risco social da população através de ações de convivência,
educativas e reflexivas com temas focais, entre estes grupos estão os grupos de
apoio à crianças e jovens, aos idosos, às gestantes e mães (Mães de Creche,
Mães da APAE), à família, aos beneficiários de programas de assistência e
inserção social (Ajuda Alimentar, Bolsa Família/Renda Cidadã), à hipertensos e
diabéticos, à pessoas com disfunções alimentares, transtornos mentais
(depressão, síndrome do pânico, etc...), além do oferecimento de oficinas
terapêuticas e acompanhamento terapêutico (AT).
As ações para cadastramento, monitoramento e acompanhamento da
população incluem as visitas domiciliares, o acompanhamento das famílias em
descumprimento de condicionalidades dos Programas Bolsa Família (PBF) e

211
Benefício de Prestação Continuada (BPC), busca ativa de usuários, orientação,
encaminhamento e acompanhamento para inserção de famílias no CadÚnico,
viabilizando a utilização dos serviços sociais brasileiros.
Após o desenvolvimento das oficinas com os profissionais, durante as
reuniões mensais de acompanhamento da equipe, verificou-se importantes
mudanças comportamentais nos profissionais relacionadas ao comprometimento
com a atuação e à priorização de aspectos saudáveis da vida pessoal e
profissional.
Nestas reuniões, além do acolhimento das angústias cotidianas e dúvidas
acerca da aplicação prática dos conhecimentos adquiridos, foi possível coletar
depoimentos importantes a respeito da percepção da comunidade quanto a
modificações na qualidade do atendimento e maior efetividade nas ações,
aspectos que geraram alterações comportamentais positivas também na
comunidade.
Quanto à comparação dos patamares de avaliação anual das metas do
CRAS antes e depois da realização das Oficinas de Treinamento observa-se que,
apesar de ter havido diminuição dos recursos humanos com manutenção do
horário de funcionamento (10 horas/dia em cinco dias/semana) ocorreu
ampliação nas possibilidades de atendimento dos usuários do BPC, incluindo
maior acompanhamento de beneficiários idosos e com deficiências, além do
aumento da inserção de usuários no Serviço de Proteção e Atendimento Integral
à Família (Paif).
E ainda, a ampliação da realização de atividades de gestão de território,
com maior articulação da Rede de Proteção Social Básica (PSB), gerando maior
efetividade das atuações.
Por fim, vale ressaltar que após a execução do trabalho nesta pequena
comunidade brasileira, outros gestores municipais da região de Araçatuba (São
Paulo, Brasil) solicitaram que o mesmo trabalho fosse realizado com suas
equipes, o que está sendo feito neste ano de 2012.

REFERÊNCIAS
DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir –
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional para a Educação do
século XXI. UNESCO. São Paulo: Cortez, 1997.

212
PRATTA, E. M. M. & SANTOS, M. A. Família e Adolescência: A influência do
contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia
em estudo, vol.12, n.2, p. 247-256, 2007.
SCHENKER, M. & MINAYO, M. C. S. A implicação da família no uso abusivo
de drogas: uma revisão crítica. Ciência e Saúde Coletiva, v.8, n.1, p. 299-309,
2003.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
AFONSO, M.L.M. Oficinas em dinâmicas de grupo na área da saúde.
Casa do Psicólogo. São Paulo: 2006.
BLEGER, J. Temas de Psicologia – Entrevista e Grupos. Martins
Fontes. São Paulo:1991.
____________. Psico-Higiene e Psicologia Institucional. Artmed.
Porto Alegre: 1984.
CREVELIM , M.A. e PEDUZZI, M. A participação da comunidade na equipe
de saúde da família. Como estabelecer um projeto comum entre trabalhadores e
usuários? Ciência & Saúde Coletiva, v. 2 n.10, 2005.
FORTUNA, C.M; MISHIMA, S.M, MATUMOTO. S. e PEREIRA, M.J.B. O
trabalho de equipe no programa de saúde da família: reflexões a partir de
conceitos do processo grupal e de grupos operativos. Rev Latino-am
Enfermagem v.13 n.2 p. 262-268, 2005.
PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev
Saúde Pública, v.1 n. 35 p. 103-109, 2001.

213
TÍTULO: Processos de terceirização e suas implicações na saúde do

trabalhador: um estudo de caso na construção civil do Brasil

AUTOR(ES): Alessandro Vinicius de Paula (avpaula@yahoo.com.br) e

Alessandra de Souza Mazelli

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Lavras - BRASIL

Resumo:
O presente estudo teve como objetivo compreender como as novas exigências
do mercado de trabalho globalizado (especialmente, o processo de terceirização
do setor de serviços) podem estar associadas aos danos à saúde física e mental
dos trabalhadores envolvidos no setor da construção civil (setor de grande
relevância para a economia do Brasil). A pesquisa foi realizada em uma empresa
brasileira privada que presta serviços no setor de construção civil. Utilizou-se
uma abordagem qualitativa, empregando-se observação de campo e entrevistas
semiestruturadas com trinta trabalhadores que atuavam como funcionários
terceirizados na referida empresa. A análise dos dados foi realizada a partir da
técnica de análise de conteúdo, permitindo compreender o fenômeno do trabalho
terceirizado e suas implicações na saúde dos trabalhadores. Os resultados
apontaram que os sujeitos investigados encontravam-se sob condições precárias
de trabalho, o que foi evidenciado por manifestações de grande insatisfação com
a atividade que executavam. Também há evidências de que a organização e as
condições de trabalho propiciaram o desenvolvimento de patologias
físicas/psíquicas nos trabalhadores investigados. Constatou-se, ainda, que a
incidência de adoecimento físico/psíquico está associada, principalmente, à falta
de segurança/instabilidade no trabalho, baixa remuneração e demais
precariedades encontradas neste contexto laboral. Foi identificado que o
reduzido nível de escolaridade/qualificação, associado à baixa remuneração da
categoria, limitam as possibilidades dos trabalhadores desse setor saírem desse
ciclo de pobreza/precariedade. Percebeu-se, na maioria dos entrevistados,
sentimentos de inferioridade e exclusão social por pertencerem a uma categoria
pouco reconhecida/valorizada na sociedade. A frustração pela escolha
profissional também está presente nos entrevistados, porém eles relataram não

214
possuir outras opções de trabalho devido a sua baixa escolarização. Espera-se
que as considerações aqui levantadas permitam subsidiar práticas mais
adequadas de Gestão de Pessoas para o setor da construção civil, bem como
fornecer aportes para a implantação de políticas públicas que garantam os
direitos dos trabalhadores.

Palavras-chave: terceirização; construção civil; saúde do trabalhador;


condições de trabalho.

Introdução
O trabalho ocupa um lugar central na vida dos seres humanos. Através de
sua ação, os seres humanos transformam a natureza conforme seus interesses e
necessidades e se transformam ao mesmo tempo. Trata-se de uma categoria
estruturante na vida do ser humano, pois quanto mais o homem interage com o
seu meio, através do seu trabalho, mais ele se apropria da natureza e
transforma a si mesmo e ao seu mundo, de forma que tais transformações
permitem a ele participar e dar continuidade à sua existência através do tempo,
realizando-se historicamente e socialmente (Paula, 2008). No entanto, em
decorrência das inúmeras transformações do sistema capitalista vivenciadas no
último século, o trabalho tem sofrido modificações em seus significados/sentidos
e comprometendo o potencial criativo dos trabalhadores, podendo, inclusive,
desencadear patologias físicas e/ou psíquicas.
Hickmann (2006) ressalta que com a industrialização, a partir dos séculos
XVIII e XIX, foi estabelecido o trabalho formal com tarefas e remuneração
definidas. Pode-se afirmar, com isso, que o trabalho como se conhece hoje,
caracterizado pela força de trabalho remunerada, se consolida efetivamente no
século XX. Com a maior estruturação das formas de trabalho daí decorrentes, e
com o advento das “forças” capitalistas que passaram a reger as relações
trabalhistas, algumas leis foram instituídas no intuito de regular tais relações. No
Brasil, em 1943, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que
representou um avanço nas formas de se estabelecer o vínculo entre patrão e
empregado. Com a instituição desta lei muitos direitos foram alcançados pelos
trabalhadores, garantindo o reconhecimento dos direitos humanos e benefícios
como forma de garantir maior estabilidade aos trabalhadores.
As organizações capitalistas, em resposta às novas exigências de um
mercado cada vez mais competitivo, adotaram formas de sustentar a

215
competitividade reduzindo custos e, ao mesmo tempo, aumentando a produção.
Neste contexto, surge o processo de terceirização que se consolidou no mercado
de trabalho, ganhando grande destaque e ampla adoção em grande parte no
mercado global, de forma que:
O processo de globalização e reestruturação produtiva em
diversos segmentos da economia implicou inúmeros ajustes, o
que resultou no enxugamento de pessoal nas empresas e no
surgimento de novas formas de acumulação flexível de capital
como, por exemplo, a terceirização. Essas medidas
intensificaram o crescimento do desemprego, a precarização das
relações de trabalho e a sobrecarga de serviços. Neste sentido, o
indivíduo ficou a mercê do sistema econômico (Barros, 2005, p.
12).
Tal processo de terceirização traz como resultado possíveis distúrbios na
saúde física/mental do indivíduo que opta por este modelo de trabalho. Com o
intuito de analisar essas mudanças na saúde do trabalhador inseridos no
processo de terceirização, o presente estudo1 investigou como as exigências do
mercado globalizado, em especial, apresentados na forma de trabalho
terceirizado, podem gerar danos à saúde física e mental dos trabalhadores
envolvidos no setor da construção civil. Nesse sentido, busca-se no presente
estudo de caso levantar os elementos relacionados à saúde física e psíquica de
um grupo de trabalhadores do setor da construção civil que se encontrava em
um contexto relação de trabalho terceirizado. A pesquisa foi realizada em uma
empresa privada que será denominada como empresa “X” para manter o sigilo
dos participantes e da empresa. Tal empresa está localizada em uma cidade na
região sul do estado de MG/Brasil e é especializada em prestação de serviços,
em regime de terceirização, no setor da construção civil - setor esse que nos
últimos anos tem experimentado grande crescimento no Brasil.

O trabalho humano e a flexibilização das relações de trabalho via


terceirização
Para entendermos como essas mudanças no mundo do trabalho afetam a
saúde dos trabalhadores, é preciso recuperar a noção de centralidade do
trabalho na vida do ser humano, compreendendo tal atividade como um ação
humano por excelência e uma via de (re)construção da identidade dos seres

1
Os autores agradecem o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisas do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG).

216
humanos. Paula (2008) indica que trabalhar é uma forma de encontrar um lugar
no interior de um grupo social - através do processo de criação e do
reconhecimento por tal criação. Atualmente, a existência de todos é perpassada
pelo trabalho, sendo esta a atividade que regula os diversos horários e rotinas
do seu cotidiano - incluindo os momentos de lazer e repouso. É ela também que
define as relações interpessoais - formas de inclusão, participação e
reconhecimento social, status, além de ocupar importante papel na formação da
identidade.
No entanto, na atual forma de organização capitalista do trabalho temos
percebido grandes transformações, acarretando mudanças nos significados de tal
atividade e dificultando a manifestação da auto-realização e dos processos
criativos por parte dos trabalhadores, o que pode estar na origem de diversas
patologias físicas e psíquicas (Jacques & Codo, 2002; Jacques, 2007). Tais
adoecimentos podem estar associados, por exemplo, à sensação de perda do
sentido da atividade, sensação que os trabalhadores experimentam
freqüentemente em nossa atual sociedade capitalista pautada pela
produtividade.
Com o aumento da competitividade no mercado de trabalho e uma
crescente diversificação laboral, as empresas passaram a visar maior agilidade,
produtividade e menor custo valendo-se da flexibilização das relações de
trabalho via processo de terceirização. A terceirização de mão-de-obra pode ser
definida como a contratação de uma pessoa (preferencialmente jurídica) para
prestação de serviço, determinado e específico, à outra empresa (tomador de
serviços), fora do âmbito das atividades-fim e normais desta. Pode se notar que
o foco central da terceirização é a busca de qualidade em serviços prestados com
baixo custo. O processo de terceirização se concretizou entre as empresas que
se encontravam em cenários de alta competitividade, como citado por Valença e
Barbosa (2002, p. 164):
Há três propósitos básicos na mente de quem decide terceirizar:
a diluição dos custos diretos e indiretos; a elevação do nível de
eficiência dessa atividade, pela sua execução terceirizada; e a
manutenção de um nível mínimo aceitável de lealdade à
empresa, por parte dos novos executores das atividades
terceirizadas.
As rápidas transformações na área da ciência e da tecnologia, juntamente
com um processo de abertura dos mercados econômicos, criaram uma acirrada
competição nas relações comerciais e econômicas. O processo de globalização

217
dos mercados e as inovações tecnológicas exigiram novos modelos de gestão e
(re)organização do trabalho. Assim, a transmutação da economia mundial exige
uma flexibilização nas relações de trabalho na busca pela “harmonia” nos
interesses empresariais e profissionais. Essa flexibilidade se tornou mais comum,
levando os trabalhadores a “optarem” por ela como uma forma de sair do
desemprego ou da informalidade. Por parte de algumas empresas, entretanto,
passou a ser adotada como uma forma de obter mais lucro e menores gastos.
Cabe ressaltar, que a flexibilização das relações de trabalho está ligada ao
mercado de trabalho, ao salário, à jornada de trabalho ou às contribuições
sociais.
De acordo com a pesquisa concluída em 2009 pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI, 2009) a terceirização já é utilizada por 54% das empresas
industriais com intenção de continuidade deste serviço, sendo 79% neste caso,
propõe manter ou mesmo aumentar este tipo de atividade. Embora tais medidas
tenham sido planejadas com a finalidade de reduzir o número de desemprego e
a informalidade, gerando mais empregos e flexibilidade no mercado de trabalho,
houve a emergência de conseqüências adversas.
O objetivo de terceirizar os serviços para as empresas que adotam este
modelo de trabalho está na redução de custos, de vínculos empregatícios,
encargos sociais, entre outras vantagens. A preocupação com a saúde do
trabalhador inserido nessa flexibilização do trabalho fica comprometida, já que
este se encontra muitas vezes em condições precárias de trabalho. As
exigências, pressões e mudanças na organização e/ou condições de trabalho
estão entre os principais fatores que mais contribuem para o estresse
ocupacional. Trabalhadores de diversas instituições, níveis hierárquicos ou
segmentos de atuação têm apresentado distúrbios físicos e psíquicos em
decorrência do trabalho que desenvolvem (Jacques & Codo, 2002; Jacques,
2007).

A terceirização e seus reflexos na saúde do trabalhador


O tipo de relação de trabalho flexível abordado no presente estudo é a
terceirização de mão-de-obra, prática muito recorrente e muito aceita pelas
empresas brasileiras, que a empregam com a finalidade de reduzir custos e
manter elevado o padrão de produtividade e qualidade. Tal cenário com pressões
de um mercado altamente competitivo, associado às cobranças por alto
desempenho profissional, baixos salários e extensas jornadas de trabalho -

218
especialmente, porque esses trabalhadores prestarem serviços como
funcionários “não efetivados” - podem causar frustrações e anseios nos
trabalhadores inseridos neste contexto, que podem se agravar para quadros de
sofrimento físico e psíquico.
Sennett (2007) enfatiza os efeitos do capitalismo flexível e da
flexibilidade do trabalho na esfera pessoal, expondo a confusão de sentimentos
que ocorre devido a tais mudanças e como tais transformações afetam a
formação do caráter dos seres humanos, ao se depararem com uma sociedade
impaciente e imediatista em uma economia fugaz. O adoecimento laboral pode
surgir nesse contexto, pelo fato das pessoas estarem expostas a um tipo de
trabalho em que os laços de afeto dependem das relações constituídas em longo
prazo, onde se podem estabelecer compromissos uns com os outros. Essa
lealdade entre os trabalhadores não é permitida neste novo sistema da
flexibilidade do trabalho. Sennett (2007) complementa dizendo:
[...] que o distanciamento e a cooperatividade superficial são
uma blindagem melhor para lidar com as atuais realidades que o
comportamento baseado em valores de lealdade e serviço. O
capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo,
aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns
aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade
sustentável [...]. (Sennett, 2007, p. 27).
O trabalhador inserido neste contexto flexível e precário de trabalho - por
meio dos processos de terceirização - não consegue estabelecer ou manter laços
nos ambientes de trabalho, prejudicando as relações interpessoais necessárias
para a manutenção da saúde tanto pessoal quanto profissional. São nessas
relações de troca entre os trabalhadores que se compartilham experiências,
desejos e projetos entre os seres humanos, permitindo a formação do gênero
profissional (Clot, 2006).
Por vezes, também se constata certo sentimento de inferioridade ou
situações de humilhação daquele trabalhador que presta este tipo de serviço
terceirizado. Geralmente, nota-se no ambiente de trabalho uma desigualdade
entre as duas modalidades de trabalhadores - os efetivos e os terceirizados. As
diferenças de comportamento, entre estas duas categorias, são claramente
vistas como no plano de carreira, salários, direitos sociais (quadro de férias,
regalias internas, participação dos lucros da empresa, salas individuais, entre
outros fatores). Atribuídos a esta diferenciação estão as conseqüências:

219
Neste ambiente inicialmente hostil, ressaltam as desigualdades
entre os dois grupos de trabalhadores. Estas são claramente
visíveis na disparidade salarial, ou no plano de carreira, na
maioria das vezes inexistente para os terceirizados. Outras
vezes, as desigualdades ficam implícitas nas diferenças em
questões de direitos sociais, como gratificação de férias,
participação nos lucros da empresa, uso de clubes destinados a
trabalhadores, e até mesmo em regalias internas – como a
possibilidade de escolher onde se sentar para trabalhar. Some-se
a estas diferenças, a ocorrência de sentimentos de baixa
autoestima e de rejeição do status de empregado terceirizado
observado, por exemplo, na ocultação do crachá de identificação
profissional pelo empregado que não deseja ser reconhecido
como pertencente ao grupo. (Batista & Maia, 2010, p. 03-04).
A falta de regulamentação destes serviços também acarreta sérios
transtornos tanto por parte dos contratantes quanto por parte dos trabalhadores,
o chamado “trabalho precarizado”, e, segundo a CNI (2009), a ausência de
legislação específica gera insegurança jurídica para empresas e trabalhadores. O
resultado dessa demanda está na instabilidade destes trabalhadores, pois,
enfrentam uma grande rotatividade, salários baixos, ameaças de desemprego
pela alta competitividade e as relações sociais deslocadas, uma vez que estes se
vêem na diferenciação de tratamento dos funcionários contratados. Ao estudar
as novas formas de organização do trabalho no Brasil, Lima (1994) observou que
enquanto os efeitos nocivos do modelo de produção do modelo taylorista
incidem, principalmente, sobre o corpo do trabalhador, as novas práticas
gerenciais atingem, de forma privilegiada, a subjetividade do trabalhador. A
autora aponta os impactos psicológicos provocados pelas mudanças na
organização do trabalho: tensão emocional exacerbada, fadiga mental,
problemas de humor, irritação, ansiedade, entre outros que acometem a vida
psíquica.

Práticas de terceirização e a saúde dos trabalhadores da construção civil


A indústria da construção civil tem uma representação marcante no
mercado de trabalho brasileiro e, historicamente, é a principal via de entrada no
mercado utilizada por trabalhadores que se encontram “desqualificados” para
outros setores de atuação. A grande demanda nesta área ocorre, principalmente,
pela baixa exigência de escolaridade, a crescente demanda pela mão-de-obra e

220
a facilidade de acesso/ingresso neste serviço. São inúmeros os sofrimento
causados ao trabalhador deste setor e devem ser analisados levando-se em
consideração todo contexto em que o operário está inserido (Saad, 2008).
Necessita-se verificar as condições do ambiente físico, segurança do trabalhador,
a relação interpessoal, a carga horária, remuneração, rotatividade, entre outros
fatores.
Borges e Martins (2004) ressaltam que tal categoria apresenta quadros
de alcoolismo, doenças mentais e psicossomáticas, acidentes de trabalho que
podem ser interpretados como sintomas do sofrimento de tais trabalhadores.
Cabe ressaltar os motivos/causas que levam estes trabalhadores a optarem por
este tipo de trabalho, sendo importante descobrir quais os fatores
influenciadores para a tomada de decisão na hora da escolha profissional. Uma
das causas mais freqüentes para trabalhadores terceirizados da construção civil
é a influência familiar que colabora para a escolha profissional do sujeito. Esses
sujeitos, tendo como cultura em sua estrutura familiar este tipo de profissão
seguem, geralmente, a profissão dos parentes mais próximos como sua escolha
profissional.
Muitos fatores influem na escolha de uma profissão, de
características individuais a convicções políticas e religiosas,
valores e crenças, situação político-econômica do país, a família
e os pares. A literatura aponta a família como um dos principais
fatores que ajudam ou dificultam no momento da escolha e na
decisão do jovem como um dos fatores de transformação da
própria família. [...] Por isso, é considerado essencial para a
escolha não somente o conhecimento que ele tem de si mesmo,
mas também o conhecimento do projeto dos pais, o processo de
identificação e o sentimento de pertencimento à família, o valor
dado às profissões pelo grupo, assim como a maneira como o
jovem utiliza e elabora os dados familiares (Santos, 2005, p.
58).
Além da influência familiar considera-se também a indução dos pais em
relação ao jovem a se inserir no mercado e exercer a profissão que lhe é
conveniente, como forma de colaborar no sustento da família, assim este jovem,
se vê sem opção na escolha profissional, focando apenas para a necessidade
situacional. Verificaram-se também causas atribuídas a este adoecimento como
a precariedade do trabalho, o medo pelo desemprego, acidentes de trabalho, as
relações interpessoais e a baixa remuneração.

221
A oferta de mão de obra para a construção civil é
abundante, pois, como já foi citado, normalmente não
requerer elevado grau de escolaridade. Os trabalhadores
que não conseguem se adaptar a este modelo de
produção são substituídos. Sabendo deste fato, os
obreiros acabam realizando as tarefas recebidas sem
grandes questionamentos ou exigências. Eles sofrem a
pressão constante do desemprego, da substituição rápida,
sem garantias, e acabam por aceitar esta forma de
realização do trabalho e suas exigências produtivas.
(Saad, 2008, p. 19).
A precariedade do trabalho está relacionada às condições em que este
empregado está inserido, como as situações encontradas em seu ambiente de
trabalho: higiene do local, a falta de estrutura como o local para se alimentarem,
a própria alimentação, banheiro, muitas vezes um banheiro para o grupo todo de
uma determinada obra, exposição ao sol por um período longo de trabalho, o
esforço físico para a execução das tarefas, entre outros fatores que interferem
em sua saúde. Questiona-se porque esses trabalhadores se submeterem a essas
condições de trabalho. Na maioria dos casos a justificativa está no medo pelo
desemprego. A rotatividade dentro deste setor é muito alta, são substituídos
facilmente, este motivo resulta na insegurança do trabalhador em relação à sua
estabilidade no emprego. Assim, estes trabalhadores aceitam as situações
recorrentes em seu ambiente de trabalho (Barros, 2005).
A pressão decorrente desse fator faz com que a cobrança desses
trabalhadores seja muito maior, oferecendo mais facilidade para o
desenvolvimento do adoecimentos psíquicos. Uma das finalidades de terceirizar
certos serviços está na redução de custo e os resultados disso reflete
diretamente nos trabalhadores como ilustrado por Saad (2008, p. 19-20):
Em algumas empresas do setor da construção civil, são cortados
gastos que seriam utilizados para a manutenção da saúde do
trabalhador para se reduzir custos. As boas condições ambientais
por vezes são esquecidas, deixando-se de lado acomodações
como refeitório, lugar apropriado para descanso, banheiros com
pelo menos as mínimas condições de utilização necessárias. Os
trabalhadores por sua vez, conheceram esta única realidade de
trabalho, não tendo parâmetros comparativos necessários para
julgarem se estas condições são adequadas ou não para um

222
ambiente laboral. Cabe aos gestores da construção civil
proporcionar condições adequadas de trabalho nos canteiros de
obras, tanto em sua macroestrutura, quanto nos postos de
trabalho, proporcionando melhores índices de qualidade de vida
no trabalho e menor número de doenças ocupacionais.
A precariedade do trabalho é uma realidade muito recorrente e
enfrentada por trabalhadores que se encontram em tais condições pelo medo ao
desemprego. Para Saad (2008), eles sofrem a pressão constante do
desemprego, da substituição rápida, sem garantias, e acabam por aceitar esta
forma de realização do trabalho. Para compreender melhor as condições em que
o trabalhador da construção civil se encontra, o objetivo deste estudo esteve em
analisar os agravos à saúde física e mental dos trabalhadores da construção civil
advindos com as novas formas de trabalho terceirizado, buscando alternativas
para prevenir tais riscos à saúde do trabalhador.

Metodologia
Participantes
Participaram do estudo trinta sujeitos do sexo masculino que atuavam
como trabalhadores terceirizados da construção civil em uma empresa privada
especializada em prestação de serviços localizada em uma cidade na região sul
do estado de MG/Brasil. Todos os trabalhadores participantes desse estudo
estavam prestando serviços nas obras de expansão universitária em um campus
de uma Instituição de Ensino Superior Federal da região. No que se refere à
distribuição sócio-demográfica dos participantes, a idade variou entre 22 e 53
anos (média de 37.5 anos). Quanto ao estado civil, os dados indicam que a
amostra é composta de 17% de sujeitos solteiros e 20% amasiados, sendo
então maior parte (63%) casada. Em relação à escolaridade, 67% dos
trabalhadores encontram-se no ensino fundamental incompleto, seguido por
fundamental completo 3% e analfabetos funcionais 30%. Todos os participantes
possuem uma renda mensal fixa, sendo o salário diferenciado de acordo com sua
função. Os participantes foram entrevistados pelos pesquisadores e ocorreram
no período de maio a julho do ano de 2010.

Procedimentos para coleta e análise dos dados


Esta pesquisa qualitativa teve como finalidade estudar as implicações do
processo de terceirização do trabalho na saúde dos trabalhadores da construção

223
civil. Empregou-se um roteiro de entrevista semi-estruturada que era
subdividido em duas partes: a primeira parte do roteiro recolheu informações
sócio-demográficas de cada participante (sexo, idade, renda etc) e algumas
informações sobre a formação profissional. A segunda parte do roteiro buscou o
contexto de produção de bens e serviços em suas três dimensões, sendo elas a
organização do trabalho; as condições de trabalho; e as relações sociais de
trabalho, bem como a diversidade das situações de trabalho e das possíveis
vivências de sofrimento.
A metodologia que melhor se enquadrou nesta perspectiva foi a de
análise de conteúdo proposta por Bardin (1995), onde o material coletado pode
ser precisamente pontuado dentro dos objetivos do estudo. O método de análise
de conteúdo também pode ser aplicado para complementar o que foi relatado.
Vai além dos significados, ultrapassando a leitura simples e real. Aplica-se a tudo
que é dito em entrevista ou depoimentos ou escrito em textos, artigos. É um
conjunto de técnicas de análise das comunicações. É usado para analisar
material qualitativo, buscando completar a análise de discurso extraindo
aspectos mais relevantes.

Resultados e discussão
Através das categorias de análise foi possível identificar algumas causas
de adoecimento físico/psíquico dos trabalhadores participantes da pesquisa. Para
uma melhor compreensão da problemática em questão, analisaram-se algumas
variáveis como a forma em que o indivíduo se insere no mercado de trabalho.
São várias formas de ingresso, porém, no estudo presente estudo constataram-
se dois tipos de ingresso na empresa X: por indicação, no qual, uma pessoa
física indica este trabalhador para alguém responsável pela empresa (este caso
correspondeu a 78% dos entrevistados) e por análise de currículo, em que o
trabalhador entrega seu currículo ao responsável da empresa pela parte de
contratação (este caso responde a 22% dos entrevistados).
Cabe salientar que a insatisfação no trabalho foi um dos principais fatores
indicativos de possíveis adoecimentos desencadeados pelo trabalho. Na empresa
estudada, o índice de insatisfação correspondendo a 60% destes trabalhadores.
A forma como o trabalhador lida e vivencia o trabalho são fatores relevantes
para detectar possíveis comprometimentos na saúde do trabalhador. Mais da
metade dos participantes (64%) relataram apresentar algum tipo de
comprometimento físico ou psíquico devida às condições de trabalho, sendo que

224
destes, 54% que apresentaram comprometimento com a saúde, 65% relataram
estresse ocupacional, 35% danos físicos como: problemas de hipertensão; dores
na coluna, joelho entre outros fatores.
Os trabalhadores identificaram como elemento de risco à saúde a pressão
para cumprirem os prazos de entrega das obras, muitas vezes sentem que
precisam acelerar a obra para cumprir o cronograma estipulado, especialmente,
quando se trata de trabalhadores terceirizados que se sentem ameaçados pelos
prazos - o não cumprimento das atividades pode acarretar na perda de contratos
por parte da empresa prestadora de serviços e a demissão do trabalhador
terceirizado. Frente a esta ameaça, procuram produzir o máximo que podem, às
vezes, excedendo seus limites como forma de permanecer no emprego, se
mostrando produtivo e eficaz. Com todas essas pressões, não percebe a
importância de se proteger perante aos riscos expostos e esquece (“deixa
passar”) as precauções necessárias para sua segurança, conforme constatados
nos relatos abaixo:
“Fizemos tudo correndo pra ganhar tempo. Como sou novato
aqui, gosto de mostrar que sou produtivo. Nessa correria acabo
me descuidando.” (Participante 9 – 37 anos).
“Aqui não posso vacilar, tenho que cumprir o serviço no tempo
deles, eles podem me demitir. Fico na correria e nessa correria
não lembro dessas coisas. [Normas de segurança]” (Participante
11 – 46 anos).
Os fatores psicossociais - especialmente, os fatores familiares - também
foram identificados pelos entrevistados como um fator que pode causar
preocupações/distrações e, consequentemente, acidentes. Problemas familiares,
financeiros e o próprio estresse do dia a dia abalam o equilíbrio dos
trabalhadores, aumentando as chances de se acidentarem:
“Já sofri acidente de trabalho aqui quando tive uma briga feia
com minha esposa por causa de dinheiro. Meu filho estava
doente e ela me culpou por isso. No outro dia cheguei com a
cabeça quente aqui no trabalho e acabei caindo do andaime.”
(Participante 14 – 31 anos).
“Não é fácil a vida quando se ganha pouco. Me sinto muito mal
de não poder dar uma vida boa aos meus filhos. Fico pensando
nisso todo dia. Fico meio estressado com tudo isso sabe [...] já
me machuquei muito por ficar muito pensativo. Acabo
esquecendo e quando vejo já me machuquei de novo. Tenho

225
medo de um dia acontecer uma coisa grave comigo.”
(Participante 16 – 25 anos).
As conseqüências da baixa remuneração e a preocupação com o futuro
dos filhos também podem ser observados no relato anterior. Somada a tais
precariedades, há o sentimento de insegurança por estarem em uma situação de
“temporários” ou “descartáveis” no canteiro de obras, como eles citaram. Os
trabalhadores percebem que possuem uma baixa capacidade reivindicatória
frente aos problemas que vivenciam, experimentando grande frustração por isso.
Muitos, por estarem em situação de trabalhadores terceirização não reivindicam
seus direitos por acreditam que não possuem tais direitos, assim se sentem
desprotegidos e desvalorizados no seu trabalho:
“Uma semana atrás quebrei meu dente por acidente mesmo. Um
amigo não me viu e empurrou o andaime, bateu no meu dente e
quebrou. Como sou terceirizado, não pude fazer nada. Aqui não
tenho direitos, agora estou aqui com o dente quebrado e sem
dinheiro pra arrumar isso [...] vou falar o que né? Sou
terceirizado, ganho nada aqui, se reclamar ainda corro o risco de
ficar desempregado. Isso é muito ruim, porque não tenho direito
nenhum aqui dentro. Parece que ninguém olha pra gente.”
(Participante 25 – 24 anos).
O resultado desse conjunto de fatores é a falta de motivação destes
trabalhadores e um grande sentimento de medo e insegurança frente a pressão
de estarem na condição de descartáveis. A vivência cronificada de tais
sentimentos pode ser devastador para a saúde física e psíquica desses
trabalhadores terceirizados. Além da precariedade do trabalho, percebeu-se
também na verbalização dos participantes o medo pelo desemprego, ou seja, o
medo que o trabalhador tem frente ao grande índice de desemprego, visto que a
rotatividade do seu setor é muito elevada, acaba por se submeter a condições de
trabalho precárias. O alto índice de rotatividade é uma das conseqüências
relevantes do sistema de emprego terceirizado e é uma das realidades
enfrentadas pela maioria dos sujeitos entrevistados. O resultado dessa
rotatividade está no medo, por parte dos empregados, de serem substituídos
facilmente em sua função, como retratado nessa fala abaixo:
“Não posso errar no meu trabalho, tenho que fazer tudo
corretamente para que eu não perca meu emprego. Se eu for
mandado embora, tem uma fila lá fora esperando para entrar no
meu lugar.” (Participante 19 – 28 anos)

226
A pressão decorrente desse fator faz com que a cobrança desses
trabalhadores seja muito maior, predispondo-os ao quadros de adoecimento
psíquico. Como ilustrado por Saad (2008), uma das finalidades do processo de
terceirizar de certos serviços está na redução de custo, os resultados disse
processo refletem diretamente nos trabalhadores. Estes dados podem ser
comprovados nos relatos abaixo, ilustrando de forma mais clara as condições em
que estes sujeitos se encontram:
“Aqui não tem banheiro pra usar, almoço em um gramado aqui
próximo porque tem uma sombrinha pra gente ficar, não tem
refeitório não. Mais tá bom, tem sombrinha.” (Participante 23 -
36 anos).
“Almoço aqui é marmita e a comida, geralmente, já está fria. O
banheiro aqui é um para mais de trinta homens e não acho ruim,
sempre trabalhei nessas condições.” (Participante 26 - 28 anos).
Para Saad (2008), tais trabalhadores sofrem uma constante pressão do
risco do desemprego, da substituição rápida, sem garantias, e acabam por
aceitar essas condições de realização do trabalho. As falas descritas acima
retratam a realidade da maioria (76%) dos trabalhadores entrevistados por esse
estudo, sempre apresentando as mesmas queixas. É recorrente o fato de que
estes trabalhadores se submetam a tais condições de trabalho por se sentirem
incapacitados para exercer outros tipos de trabalho e/ou por terem como
realidade este tipo de situação que “naturaliza” a precariedade das condições e
organização do trabalho.
Para muitos entrevistados, tal realidade é corriqueira, pois em muitos
casos, os pais ou outros familiares exercem, ou já exerceram tal ofício por
gerações. Na maioria dos casos, a influência da família colaborou para a escolha
profissional do sujeito que atua na construção civil. Esses sujeitos, tendo como
cultura em sua estrutura familiar este tipo de profissão seguem, geralmente, a
profissão dos pais ou parentes mais próximos, inclusive, entrando no mundo do
trabalho quando ainda estão na infância:
“Meu pai sempre trabalhou em obras, quando tinha uns 12 anos
ele começou a me levar no trabalho, junto com ele, para
aprender o serviço. Com 17 anos já estava trabalhando em
outras obras como servente. Já estou neste ramo há uns 15
anos.” (Participante 11 – 46 anos).
“Na minha casa todos os homens trabalham em obras, meu pai,
meus irmãos, eu, e pretendo que meus filhos sigam o caminho

227
do pai. O mais velho já to levando para as obras já, pra ele ir
aprendendo.” (Participante 23 – 36 anos).
“Hoje sou servente, mas ainda pretendo ser pedreiro como meu
pai.” (Participante 20- 46 anos).
Na maioria dos casos, o canteiro de obras da construção civil é
vislumbrado por esses sujeitos como a única realidade possível, a única chance
de ingressarem no mercado formal de trabalho. E essa situação foi exposta por
mais da metade dos participantes. Como citado anteriormente, a falta de
parâmetros de comparação ou reais possibilidades de escolarização/qualificação,
associada ao medo pelo desemprego, deixa o trabalhador sem perspectiva de
mudanças, levando-os a aceitar - quase que incondicionalmente - as situações
precárias de trabalho por não vislumbrarem possibilidades de mudança em sua
realidade social. A maioria dos entrevistados relatou iniciar sua vida profissional
muito precocemente, em geral, “para ajudar em casa” devido às dificuldades
financeiras. A maioria dos trabalhadores do setor da construção civil - o
chamado peão - é procedente de comunidades carentes com longo histórico de
sobreposições de carências sociais, educacionais etc. A necessidade de trabalhar
para ajudar no sustento da família de origem (pais, irmãos) ou para cuidar da
própria família (filhos, esposa) é algo muito real e presente para os
trabalhadores do setor da construção civil.
Em geral, freqüentar a escola não foi uma realidade vivenciada por esses
sujeitos, que tiveram (e ainda tem) como prioridade exercer atividades que
poderão suprir suas necessidades financeiras imediatas. Tal histórico de
abandono da trajetória escolar é uma decisão que pode ser construída através
da cultura familiar, dos exemplos ou mesmo exigência que vem dentro de seu
contexto família. Levenfus (2004, p. 125) ressalta que “a ideologia familiar gera
uma imagem vocacional que se interpõe entre o individuo e sua percepção,
influenciando, sobremaneira, a idéia que os indivíduos tem de uma determinada
profissão”.
“Não pude estudar para ajudar na minha casa. Desde cedo
acompanho meu pai. Ele sempre trabalhou nesse ramo, hoje sou
servente, amanhã também quero ser pedreiro como ele.”
(Participante 5 – 22 anos).
Enfim, o baixo nível de escolaridade foi uma das justificativas recorrente
nas falas dos entrevistados ao mencionam os motivos pelos quais permanecerem
em um trabalho em que a remuneração é tão baixa e as condições de trabalho
tão desgastante. Uma conseqüência desse quadro, segundo relatos dos

228
entrevistados, foi o sofrimento psíquico oriundo do sentimento de inferioridade,
desmotivação e humilhação experimentado frente às preocupações financeiras e
as dificuldades para o próprio sustento ou da família:
“Não é fácil a vida quando se ganha pouco. Me sinto muito mal
de não poder dar uma vida boa aos meus filhos. Fico pensando
nisso todo dia. Fico meio estressado com tudo isso sabe [...]”
(Participante 16 - 25 anos).
“A desvantagem que vejo neste trabalho é o salário muito baixo,
mal dá para pagar as minhas contas. Gostaria de ter tanta coisa,
mas não posso. Não estudei, agora tenho que agüentar ganhar
muito pouco.” (Participante 5 - 22 anos).
Além das questões concretas trazidas pela baixa remuneração
(dificuldade e restrições na compra de alimentos, desequilíbrio financeiro, etc),
existem os sentimentos de auto-desvalorização e desmotivação, fazendo com
que trabalhadores estreitem suas perspectivas de crescimento e mudança.

Considerações finais
Por meio da análise do contexto de vida e trabalho em que estes sujeitos
estão inseridos, percebeu-se alguns elementos fundamentais que indicam que a
vivência continua de sentimentos de inferioridade, desvalorização, falta de
reconhecimento social, insegurança, medo, tensão, angústia, ansiedade,
frustração, culpa, estresse, dentre outros, podem favorecer o desencadeamento
do adoecimento psíquico do trabalhador. Esse sentimento de pouco
reconhecimento social pelo trabalho desenvolvido pode desencadear sentimentos
de inferioridade em relação à sociedade. Outro fator desencadeador de
sofrimento são as relações interpessoais que ficam comprometidas pela
diferenciação de tratamento destes sujeitos em relação aos trabalhadores
efetivos.
O reduzido nível de escolaridade/qualificação associado à baixa
remuneração limitam as possibilidades dos trabalhadores desse setor (assim
como sua família) saírem desse ciclo de pobreza/precariedade. A maioria dos
entrevistados se encontra em um contexto familiar e com um histórico
profissional familiar restrito, limitando a construção de outras perspectivas de
atuação profissional, acarretando um sentimento de inferioridade e exclusão
social presente na maioria dos entrevistados. O presente estudo também
permitiu identificar que a escolha profissional, no caso da atuação na construção
civil, está ligada a falta de opção relatada pela população pesquisada. A

229
frustração pela escolha está presente na maioria dos entrevistados, porém
relataram não possuírem outras opções de trabalho ou que sofrem influências
familiares.
Por fim, ressalta-se que a identificação e compreensão dos elementos
aqui debatidos (agravos físicos e psíquicos ligados a insegurança/instabilidade,
sentimentos de inferioridade, tensão pela ameaça do desemprego, etc) não
devem representar apenas um potencial nocivo para o surgimento de
adoecimento dos trabalhadores. Deve-se pensar que as categorias de análise
levantadas, são tanto indicativas de um possível adoecimento do trabalhador,
quanto de medidas protetivas para o mesmo. Uma vez que sinalizado um destes
elementos na fala do sujeito adoecido, torna-se possível uma intervenção
diretiva com vistas à eliminação do sofrimento psíquico e físico. As
particularidades apresentadas nesse estudo podem auxiliar nas práticas de
gestão de organizações que fornecem ou contratam os serviços terceirizados -
em especial, no setor da construção civil.

Referências
Bardin, L. (1995). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Barros, P. C. R. (2005) Prazer e sofrimento dos trabalhadores
terceirizados da construção civil do Distrito Federal. Dissertação de mestrado -
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - UnB, Brasília, Brasil.
Batista, C. R. R.; Maia, P. M. C. (2010). Terceirização do trabalho:
metodologia de avaliação de desigualdades entre empregados próprios e
terceirizados. Anais do VII Seminário do trabalho - Trabalho, educação e
Sociabilidade. Marília: UNESP.
Borges, H.; Martins, A. (2004). Migração e sofrimento psíquico do
trabalhador da construção civil: uma leitura psicanalítica. Physis, 14 (1), 129-
146.
Clot, Y. (2006). A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes.
Confederação Nacional da Indústria - CNI (2009). Sondagem Especial.
Ano 7, n 2, Brasília.
Hickmann, L. T. (2006). Comprometimento Organizacional: um estudo de
caso com funcionários da enfermagem na unidade de internação do Hospital
Sarmento Leite. Trabalho de conclusão curso de especialização - UFRGS, Porto
Alegre.

230
Jacques, M. G. (2007). O nexo causal em saúde/doença mental no
trabalho: uma demanda para a psicologia. Psicol. Soc., Porto Alegre, 19 (n. spe),
112-119. Acessado em:http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19nspe/v19nspea15.pdf
Jacques, M. G.; Codo, W. (orgs.) (2002). Saúde mental & trabalho -
Leituras. 2. ed. Petrópolis: Vozes.
Levenfus, R. S. (org.) (2004). Psicodinâmica da escolha profissional. 4.
ed., Porto Alegre: Artes Médicas.
Lima, M. E. A. (1994). Novas políticas de Recursos Humanos: seus
impactos na subjetividade e nas relações de trabalho. Rev. adm. empres., São
Paulo, 34 (03), 115-124.
Paula, A. V. (2008). O alcoolismo entre os mecânicos de manutenção de
veículos: um estudo de caso em Belo Horizonte - MG. Dissertação de mestrado,
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Saad, V. L. (2008). Análise ergonômica do trabalho do pedreiro: o
assentamento de tijolos. Dissertação de mestrado - Universidade Tecnológica
Federal do Paraná, Ponta Grossa, Brasil.
Santos, L. M. M. (2005). O papel da família e dos pares na escolha
profissional. Psicologia em Estudo, Maringá, 10 (01), 57-66.
Sennett, R. (2007). A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do
trabalho novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record.
Valença, M. C. A.; Barbosa, A. C. Q. (2002). A terceirização e seus
impactos: um estudo em grandes organizações de Minas Gerais. Rev. Adm.
Contemp., Curitiba, 6 (01), 163-185.

231
TÍTULO: Reflexões sobre os factores psicossociais envolvidos no processo

de afastamento do trabalho - análise de um contexto brasileiro

AUTOR(ES): Alessandro Vinicius de Paula, Ximena Christina de Carvalho

Oliveira, Júlia de Moura Martins Guimarães e Ana Alice Vilas Boas

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Lavras - BRASIL

Resumo:
O trabalho é uma atividade fundamental para os seres humanos, não só por
fornecer uma remuneração, mas também porque possibilita ao sujeito elaborar
angústias primitivas que somente são evocadas no enquadramento da relação
homem-trabalho. No contexto brasileiro, os trabalhadores afastados são, em
geral, vítimas de um preconceito que ultrapassa o espaço da organização,
desencadeando sentimentos de fragilidade e inutilidade. Considerando que o
afastamento do trabalho pode comprometer a saúde física e mental do indivíduo,
o presente estudo objetivou compreender os fatores psicossociais envolvidos no
processo de afastamento do trabalho e seus desdobramentos na vida das
pessoas afastadas. Foi adotada uma abordagem qualitativa para levantamento e
análise dos dados, utilizando-se entrevistas individuais semiestruturadas.
Participaram da pesquisa quatro trabalhadores de diferentes categorias
profissionais que se encontravam afastados do trabalho. Verificou-se que deixar
de trabalhar trouxe sérias implicações para a vida dos sujeitos investigados, que
relataram sentimentos de estranhamento, medo, vazio, depressão, inutilidade e
dependência. Embora tenham sido atribuídos diferentes sentidos, todos os
participantes evidenciaram benefícios que a atividade de trabalhar representava
em suas vidas. As dificuldades mais frequentes em relação ao afastamento
referem-se à ruptura com parte do vínculo social e à questão financeira. A
principal estratégia de enfrentamento dos problemas advindos com o
afastamento do trabalho foi a busca de apoio de amigos e da família. Quanto aos
planos e perspectivas, os entrevistados relataram ter passado, inicialmente, por
um período crítico (imobilização), sendo necessário um processo de
(re)adaptação frente à nova situação de vida. Diante do exposto, ressalta-se que
compreender as consequências/ambiguidades do afastamento laboral torna-se
uma medida necessária para preservar a saúde física e mental dos sujeitos

232
afastados, uma tarefa aberta às intervenções da Psicologia do Trabalho e das
Organizações.

Palavras-chave: afastamento do trabalho; fatores psicossociais; trabalho.

Introdução
A categoria trabalho ocupa um lugar central na vida dos seres humanos.
O homem “se faz” na sua relação com o trabalho e é nessa atividade, humana
por excelência, que se realiza a mediação entre o homem (sociedade) e a
natureza (Organista, 2006). Trata-se de uma categoria estruturante na vida do
ser humano, pois quanto mais o homem interage com o meio, através do seu
trabalho, mais ele se apropria da natureza e transforma a si mesmo e a seu
mundo. Tais transformações permitem a ele participar e dar continuidade à sua
existência através do tempo, realizando-se histórica e socialmente (Jacques,
1997, 2007; Organista, 2006).
Na atual configuração de organização da sociabilidade, a existência de
todos é perpassada pelo trabalho, sendo esta a atividade que regula os diversos
horários e rotinas do cotidiano - incluindo os momentos de lazer e repouso. É ela
também que define as relações interpessoais, formas de inclusão, participação e
reconhecimento social, configurando-se, como via de construção da identidade
dos seres humanos (Jacques, 1997, 2007). Percebe-se isso quando verificamos
que, comumente, uma das principais perguntas que fazemos a uma pessoa que
acabamos de conhecer é: “Onde você trabalha, o que você faz”?
Quando estudamos a categoria trabalho, é importante entender as
concepções que os indivíduos possuem sobre a própria atividade profissional. De
fato, o trabalho pode ser definido de várias maneiras e assumir vários
significados para os seres humanos. Assim, é importante identificar o caráter
teleológico da atividade laboral, ou seja, a noção de que o homem trabalha por
uma finalidade já estabelecida antes mesmo da realização do trabalho em si.
Diferentemente da atividade de alguns animais, como a abelha, que produz o
mel devido a uma questão essencialmente biológica. Lukács (1978) explica essa
questão ao afirmar que:
A essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa
fixação dos seres vivos na competição biológica com o mundo
ambiente. O momento essencialmente separatório é constituído
não pela fabricação de produtos, mas pelo papel da consciência,

233
[...], diz Marx, é um resultado que no início do processo existia
“já na representação do trabalhador”, isto é, de modo ideal
(Lukács, 1978, p. 04).
De acordo com Mendes-Silva e Hashimoto (2003), o trabalho é
fundamental para o homem não só porque, no plano concreto, traz um salário
que permite sua sobrevivência ou porque esta remuneração lhe possibilita
estabelecer projetos futuros. É também essencial por garantir que o sujeito
elabore angústias primitivas que somente são evocadas no enquadramento da
relação homem-trabalho. Ou ainda, o trabalho é importante porque, por meio
dele, o sujeito viabiliza seus afetos e potencializa suas capacidades criativa e
produtiva, a partir das quais pode obter o reconhecimento do outro, algo
essencial à construção de sua própria identidade.
O trabalho, além de possuir seus fatores objetivos e materiais, também
exerce um importante caráter subjetivo e uma função psíquica. O trabalho é
fundamental para a constituição dos seres humanos e suas redes de significados,
envolvendo processos de identidade e reconhecimento social, mobilização afetiva
e cognitiva, fortalecimento subjetivo do indivíduo que trabalha e do grupo de
trabalho ao qual pertence (Clot, 2006).
Devido à importância que o trabalho possui na construção da identidade
do ser humano, este é capaz de se perceber de uma forma “completa” enquanto
observa a possibilidade de se transformar através do trabalho. No entanto, em
alguns contextos laborais específicos, esse processo de construção da identidade
via trabalho pode não ocorrer. Existem vários trabalhadores que são obrigados a
sair/afastar-se de sua ocupação profissional devido a fatores nocivos
relacionados ao trabalho. Mesmo aqueles que deixam sua ocupação profissional
por ter chegado o momento de se aposentarem, podem experimentar um
processo similar. Portanto, entender as consequências e a ambiguidade desse
processo de afastamento do trabalho torna-se uma medida necessária para
tentar preservar a saúde física e mental do sujeito.
Ressalta-se que algumas indagações são fundamentais para se (re)pensar
na relação dos trabalhadores com o seu trabalho, em especial nesse contexto de
afastamento - seja tal processo temporário ou uma etapa para chegar à
aposentadoria: Como é, para essa pessoa, não poder exercer sua atividade
laboral? Qual é sua percepção sobre seu novo papel na sociedade? Como
(re)estruturar as relações familiares e sociais? Como esse trabalhador vivencia
esta condição de inativo? Tendo em vista o exposto, a presente pesquisa

234
objetivou compreender quais são os fatores psicossociais envolvidos no processo
de afastamento do trabalho e seus desdobramentos na vida de pessoas que
estão vivenciando esse contexto. Cabe ressaltar que, aqui, estamos
apresentando um recorte de um projeto de pesquisa mais amplo, que visa
compreender as implicações do afastamento laboral para o sujeito, seus
familiares, bem como a concepção da empresa e as políticas públicas voltadas
para a minimização do sofrimento dos trabalhadores envolvidos nesse processo.

Algumas considerações sobre o processo de afastamento do trabalho


O trabalho pode ser fonte de prazer ou apenas uma forma de
sobrevivência. Nem todos os trabalhadores tiveram a oportunidade de exercer a
profissão que gostariam ou mesmo de ter um trabalho satisfatório. Alguns não
puderam dispensar tanto tempo ou dinheiro no processo de educação formal -
para muitos, a escolha atividade é determinada por ser mais prática, rápida e
rentável. Em qualquer situação, o significado do trabalho deve ser analisado
para estas pessoas, uma vez que, conforme apontam Romanini, Xavier e
Kovaleski (2005), o trabalho é uma importante fonte de significado na vida dos
seres humanos.
Ao serem afastadas do trabalho, algumas pessoas acabam perdendo uma
importante referência de vida. Para esses indivíduos, pode significar um grande
impacto o fato de estar ativo profissionalmente e, de repente, por fatores
inesperados como um acidente dentro do próprio trabalho ou por problemas de
saúde, ter que abandonar aquele ambiente onde construiu grande parte da sua
história. Ambiente este que foi tido como uma forma de sobrevivência. O
afastamento da atividade laboral, neste contexto, por representar a ruptura com
o papel profissional formal, ao invés de ser vivenciado como um repouso
merecido, pode ser vivenciado como uma situação ameaçadora e de
insegurança, levando a um desequilíbrio psicológico.
Estar afastado do trabalho significa muito mais que estar impedido de
exercer seus compromissos profissionais. Os trabalhadores afastados são, em
geral, vítimas de um preconceito que ultrapassa o espaço da organização e
invade as esferas sociais e privadas (Mendes-Silva & Hashimoto, 2003). Isso
porque, segundo Antunes (2000), o trabalho perpassa todas as esferas da vida
do sujeito, o que significa que uma “desefetivação” no interior da vida laborativa
comprometerá, em alguma medida, as realizações das esferas “fora do
trabalho”.

235
Além disso, existe uma representação social preconceituosa destinada ao
indivíduo que se afasta do trabalho, sendo “taxado” como inválido, doente,
aleijado, encostado, etc. E, dentro destes estereótipos, tudo o que diz respeito à
sua estrutura psíquica se torna suscetível e extremamente frágil. Como
ressaltam Mendes-Silva e Hashimoto (2003), o indivíduo sente-se imobilizado,
fragilizado e, em muitos momentos se auto desqualifica, o que impede a
elaboração de planos e o estabelecimento de projetos pessoais e profissionais.
Além dessas situações de preconceito, trabalhadores cujo afastamento se
dá em função de algum problema de saúde frequentemente queixam-se da
postura de descaso e desatenção da empresa onde trabalhavam no
acompanhamento da evolução de seus casos. Esse descaso deixa os
trabalhadores sem saber exatamente quais são seus direitos trabalhistas, suas
reais condições de saúde e suas possibilidades de restabelecimento. Mas há,
ainda, uma consequência mais grave: os afastados, muitas vezes, vivenciam o
alto custo de um preconceito infligido pela própria família. Neste caso, não fica
difícil entender que essa situação os leva a uma condição de impotência
(Mendes-Silva & Hashimoto, 2003).
Para completar esse quadro, pesquisas têm mostrado que, quanto maior
o envolvimento e satisfação com o trabalho, mais difícil se torna o seu
desligamento. A função e o cargo desempenhado podem não determinar o
envolvimento e a satisfação, mas, quanto maior o status gerado pelo cargo,
mais difícil será ficar sem ele. Portanto, é fundamental a análise do que o cargo
ou a função representa para aquela pessoa que desempenha tal ocupação
(França, 2002). Como podemos observar, o afastamento do trabalho reflete-se
em uma mudança de vida, sendo que, para a maioria das pessoas que vivenciam
esse contexto, essa nova condição é perpassada por um misto de sentimentos
de repulsa, revolta, medo e insegurança, principalmente por não saberem o que
fazer e por quanto tempo tal condição permanecerá.
Em geral, no contexto brasileiro, estas pessoas são direcionadas à
Previdência Social e submetidas a longos processos de exames, perícias, etc. E
isso gera sofrimento e indagações como: “Quando poderei voltar a trabalhar?”;
“Será que voltarei?”; “Será que serei aceito(a) no meu antigo trabalho?” E as
expectativas vão gerando conflitos, causando ansiedade, medo, enfim, um
sofrimento que só finda quando se chega ao ponto de aposentar-se (por
invalidez) ou com o retorno ao trabalho. Com o fim da vida profissional, muitos
outros fatores acabam por extinguir-se como uma parcela significativa da vida

236
social, o reconhecimento da sociedade, a referência na profissão, os
compromissos, os horários, e o “ser útil” (Romanini; Xavier & Kovaleski, 2005).
A principal função do afastamento do trabalho deveria ser a de propiciar a
oportunidade do tratamento. No entanto, ocorre que esse tipo de interrupção
das atividades gera múltiplas e diferentes repercussões no trabalhador, o que
engloba aspectos de sua personalidade imbricados com o contexto social em que
vive. O trabalho exerce uma função central na constituição da identidade,
portanto, as dificuldades experimentadas em seu âmbito tendem a ter grande
peso na dinâmica psíquica (Souza & Faiman, 2007). De maneira geral, pode-se
afirmar que quanto menor a autonomia do trabalhador na organização da sua
atividade, maiores as possibilidades de que a atividade gere transtornos à saúde
mental (Glina, Rocha, Batista & Mendonça, 2001).
Além do comprometimento físico e psíquico, o afastamento do trabalho
também pode representar perdas materiais e sociais, como a queda dos
rendimentos financeiros, desligamento do grupo de colegas que o trabalho
proporcionava, entre outros, podendo incidir na diminuição da autoestima e da
motivação, ocasionando adoecimento mental que se reflete em crises
depressivas, ansiedade, alcoolismo e até mesmo no suicídio (Rodrigues et al.,
2005). Em relação à questão econômica, observa-se, mesmo entre os que
fizeram alguma poupança, uma incerteza em relação ao futuro. Tanto que, para
algumas pessoas, é imperativo que, mesmo depois de se aposentarem,
continuem com uma atividade laborativa para complementação de renda
(França, 2002).
O retorno ao trabalho também é um processo complexo. Em muitos
casos, os trabalhadores são transferidos para cargos com pouco reconhecimento
ou hierarquicamente inferiores, ou seja, são vistos como “inúteis”. Alguns
colegas acabam se afastando e toda a angústia de estar de volta, de estar em
outra fase de vida, além do temor de não conseguir ser competente o suficiente
como antes, acabam gerando novos sintomas, o que tem grande probabilidade
de agravar o caso, podendo levar a consequências nocivas. Assim, pode ser um
problema interminável, já que nunca se está preparado para enfrentar este
preconceito. De acordo com Uvaldo (1995 como citado em Rodrigues et al.,
2005):
[...], a perda do vínculo, com tudo o que representa “estar
trabalhando”, pode ter influência na identidade pessoal, uma vez
que a aposentadoria acarreta modificações nas relações

237
instituídas entre o indivíduo e o sistema social. A aposentadoria
traz para os indivíduos um conjunto de perdas que eram valores
importantes, tais como o convívio com os colegas, o “status”
social de pertencer a uma organização, o poder de exercer
influência sobre os outros, assim como a própria rotina enquanto
referencial de existência. (Uvaldo, 1995 como citado em
Rodrigues et al., 2005, p. 55).
Diante do exposto nesta breve revisão sobre o significado do trabalho e o
impacto do afastamento para a saúde física e psíquica, pode-se afirmar que
tanto o afastamento, quanto o retorno ao trabalho podem trazer impactos para a
saúde dos trabalhadores. Cabendo assim, estudos empíricos para estudar os
efeitos do afastamento em profissionais de diferentes áreas.

Metodologia
Esta pesquisa teve como finalidade investigar as condições psicossociais
de trabalhadores em situação de afastamento do trabalho (seja este
afastamento permanente ou temporário). Para Duarte (2002), na construção do
objeto é necessário optar por alternativas metodológicas mais adequadas à
análise do objeto escolhido. Minayo (2004) acrescenta que os métodos de
abordagem qualitativa são aqueles que permitem incorporar a questão do
significado e da intencionalidade dos sujeitos como inerentes aos atos, às
relações e às estruturas sociais, sendo estas últimas consideradas como
construções humanas históricas. Assim, foi adotada uma abordagem qualitativa
para o levantamento e análise dos dados, a fim de investigar quatro
trabalhadores afastados do trabalho, buscando-se estudar e resgatar as
experiências e as repercussões psicossociais por eles vivenciadas.
Os pesquisadores realizaram as entrevistas individuais para a coleta de
dados com a orientação de um roteiro semiestruturado. Conforme Minayo
(2004), a entrevista é um procedimento muito usual no trabalho de campo
realizado pelas ciências humanas por permitir ao pesquisador obter uma gama
de informações contidas nas falas dos atores sociais. Um fator relevante para o
uso da entrevista como técnica de investigação científica encontra-se no fato de
que ela permite, através da fala, a revelação de dados objetivos e subjetivos,
tais como: condições estruturais, sistemas de valores, normas e símbolos.
Quanto à representatividade da fala individual - para compreender e generalizar
as descobertas para um contexto mais amplo - deve-se lembrar que a fala de

238
um sujeito representa, em grande medida, a fala de muitos, porque ele está
submetido a um conjunto de normas comuns a seus pares (Minayo, 2004).

Participantes
O contato inicial com os participantes ocorreu no posto de atendimento do
Instituto de Previdência Municipal de uma cidade do sul de Minas Gerais, local
para onde são encaminhados casos de afastamento do trabalho. Dentre os vários
casos existentes no momento investigado, apenas quatro sujeitos aceitaram
participar da pesquisa como voluntários. Não houve preferência ou sequer uma
investigação prévia para saber qual o perfil dos sujeitos ou o motivo pelo
afastamento.
Dentre os quatro participantes, três são do sexo feminino e um pertence
ao sexo masculino. Suas idades variam de 31 a 57 anos. Quanto à escolaridade,
dois possuem o ensino fundamental completo e os outros dois, o ensino superior
completo. Em relação ao estado civil, dois sujeitos são casados, um viúvo e
outro solteiro. Sobre os motivos do afastamento, há variabilidade entre
aposentadoria por invalidez (dois sujeitos), aposentadoria por tempo de trabalho
(um sujeito) e afastamento do trabalho devido a um problema de saúde
degenerativo (um sujeito).

Procedimentos de coleta e análise de dados


Em princípio, foram realizadas, durante duas semanas, visitas ao Instituto
de Previdência Municipal mencionado com o intuito de conhecer o lugar e de
abordar os sujeitos. Após esta etapa, todos os participantes foram submetidos
ao mesmo procedimento de coleta de dados que ocorreu no período de agosto a
outubro de 2011. Após o fornecimento de informações/esclarecimentos sobre os
objetivos da pesquisa, bem como orientações acerca do caráter voluntário de
participação no estudo, foi apresentado e assinado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (conforme Resolução n.º 196 do Conselho Nacional de Saúde)
e, por fim, a realização individual das entrevistas de acordo com a
disponibilidade de cada um. Utilizou-se, nas entrevistas, um roteiro com
perguntas abertas, de forma a permitir que os entrevistados abordassem as
várias dimensões de suas experiências e enriquecessem suas narrativas com
opiniões e eventos pessoais. As entrevistas ocorreram em uma Clínica Escola de
Psicologia do município em questão e tiveram duração média de 60 minutos.

239
Com o consentimento dos participantes, as conversas foram gravadas e,
posteriormente, transcritas para permitir uma análise consistente dos dados.
O método de análise que melhor se enquadrou na pesquisa foi a análise
de conteúdo (Bardin, 1995), onde as entrevistas e observações coletadas no
campo de pesquisa foram analisadas dentro dos objetivos deste estudo. Após o
processo de coleta dos dados foi realizado uma ampla leitura de todo o material
obtido. Para a realização de tais análises e criação das categorias, considerou-se
os discursos verbais e não-verbais dos participantes. Os resultados formam uma
série de discursos-síntese (que são os discursos do sujeito coletivo) que
representam discursos individuais semelhantes agrupados, ou seja, as próprias
representações sociais daquele grupo ou subgrupo sobre os temas discutidos,
mantendo a ideia de grupos de pessoas diante de um tema. A seguir,
apresentam-se fragmentos desses discursos coletivos e uma série de inferências
e comentários sobre as ideias. Buscando compreender os discursos dos
trabalhadores, utilizou-se a análise por categorias que foi dividida em três fases:
1) pré-análise; 2) exploração do material ou codificação e, por fim, 3)
tratamento, inferência e interpretação dos resultados. A categorização
possibilitou a organização dos elementos coletados semelhantes entre si,
permitindo a atribuição de sentido e a interpretação qualitativa dos discursos.

Resultados e discussão
As informações a serem discutidas aqui foram coletadas por meio das
entrevistas realizadas com os participantes do presente estudo. Os diálogos
estabelecidos com esses sujeitos buscaram investigar a percepção dos mesmos
sobre o sentido do trabalho e do trabalhar, a situação do afastamento, o apoio
recebido de amigos e familiares e a reconstrução de projetos de vida. Para
ilustração e melhor compreensão dessas questões, serão apresentados a seguir
alguns relatos dos participantes.

Percepções sobre o trabalho e o trabalhar


Observa-se que o trabalho tem uma função de estabilidade econômica
marcante, mas não se limita especificamente a isto. Estar ativo, produzindo, ter
uma ocupação e vínculos decorrentes das atividades laborais tornam o trabalho
necessário à vida do homem. Portanto, perguntamos sobre o que é trabalhar e
qual o sentido do trabalho para os sujeitos, que responderam da seguinte forma:

240
“Trabalhar é um grande marcador no caráter. Dá liberdade e
independência, e você não tem tempo pra adoecer
emocionalmente”. (Participante 1)
“O trabalho é gratificante. Ficamos atualizados e sempre
envolvidos com pessoas diferentes. O trabalho é necessário para
o homem. Como espécie de complemento ao que vivemos ou
precisamos para viver.” (Participante 3)
“Trabalho é para distrair mesmo. Não sou ambiciosa. O trabalho
é uma realização e não obrigação. É uma maneira de realizarmos
alguma coisa. Eu sempre passo por situações chatas quando
estou na roda de amigos. Aí vem a pergunta: O que você faz? Eu
respondo que já trabalhei muito. Logo vem a outra pergunta:
Porque você não trabalha? É como eu digo: Eu dou muito valor
naquilo que faço e consigo fazer, e se as pessoas enxergam isso,
que bom! Caso contrário, tanto faz. Não me esforço para ser o
que os outros querem. Pelo fato de não trabalhar não me sinto a
pior. Trabalhar não é tudo! (Participante 4)
Araújo e Sachuk (2007) apontam que:
É cada vez mais evidente que, na contemporaneidade, o
trabalhador é solicitado a participar, a envolver-se e
comprometer-se com seu trabalho e sua carreira.
Desconsiderando-se o aspecto explorador presente nesse
contexto [o capitalismo], esta nova condição poderá propiciar
espaços de realização e prazer se for capaz de apresentar
significados além daqueles alicerçados nos aspectos econômicos
e cuja característica maior seja o de permitirem a criação
humana no sentido da autoexpressão (Araújo & Sachuk, 2007, p.
64).
Percebe-se que, embora sejam atribuídos diferentes sentidos, todos
evidenciam benefícios que a atividade de trabalhar representa. Apesar de
compreendermos o trabalho como uma categoria complexa, que pode associar-
se a experiências de prazer e sofrimento, não se pode deixar de frisar que esta
atividade é a principal via de crescimento individual e reconhecimento social,
sobretudo quando se trata de uma ocupação dotada de sentido para o sujeito.

O processo do afastamento do trabalho


Vários são os prejuízos que o afastamento do trabalho pode ocasionar
para o sujeito. Por ser o trabalho uma atividade estruturante da vida do ser
humano, qualquer modificação ocorrida nesse contexto interfere também nos

241
demais âmbitos protagonizados por ele. Jacques (1997), ao debater sobre a
relação entre identidade e trabalho e suas implicações para as pessoas que não
se encontram inseridas no mercado de trabalho, ressalta que:
Quando um conjunto social se pauta por valores utilitários como
no caso da sociedade contemporânea, a ausência de inserção
nesse modelo e/ou em suas formas organizativas e relacionais
representam experiências de sofrimento e repercutem na
qualidade de vida de sua população. É sobre esse enfoque que a
articulação entre identidade e trabalho se torna dispensável ou
indispensável, conforme prioritária ou não a ênfase atribuída à
qualidade de vida da população por uma determinada sociedade.
Dessa perspectiva, o desemprego, a aposentadoria e a
inatividade, revelam uma dimensão subjetiva e uma repercussão
social para além dos dados estatísticos e dos parâmetros
econômicos (Jacques, 1997, p. 45).
Desse modo, as principais dificuldades em relação à experiência de estar
afastado do trabalho identificadas nas falas dos participantes referem-se à
ruptura com parte do vínculo social, representado principalmente pelos colegas
de trabalho, e à questão financeira, gerando insegurança em relação ao que está
por vir. Os depoimentos quanto a esta condição são expostos da seguinte forma:
“No primeiro mês da aposentadoria, a sensação era de que
estava de férias. Depois veio o vazio, as amizades foram se
distanciando naturalmente. Aí veio a depressão. Eu ficava
apática, desanimada, com sensação de inutilidade, e sempre
sentindo falta da convivência com meus alunos e colegas de
trabalho”. (Participante 3)
“Foi uma sensação muito estranha. Parecia que algo tinha
acabado pra mim. Eu me perguntava: E agora acabou? Como
será? Como vou fazer? A preocupação com o dinheiro foi grande,
tive medo de abaixarem muito o meu salário”. (Participante 2).
“O que eu mais senti foi pelo fato de ser independente. Eu ia
onde queria e não precisava dar satisfação. Tive que me
readaptar com a dependência. Hoje me sinto incomodada em
pedir dinheiro pro meu pai, pois não é obrigação dele. Com a
minha doença não tem como trabalhar e o INSS não colabora.
Eu hoje ajudo em casa quando estou bem”. (Participante 4)
Observa-se o sofrimento dos entrevistados quando eles relatam
sentimentos de vazio, depressão, inutilidade, estranhamento, preocupação,
medo e dependência em decorrência da ausência do trabalho em suas vidas.

242
Isso pode ser explicado pelo trabalho ser considerado “como um dos
componentes da felicidade humana, onde a felicidade no trabalho é tida como
resultante da satisfação plena de necessidades psicossociais, do sentimento de
prazer e do sentido de contribuição no exercício da atividade profissional”
(Alberto, 2000 como citado em Martinez & Paraguay, 2003, p. 72). Ao falarmos
em afastamento do trabalho, é importante considerarmos o comprometimento
físico e mental ocasionados pelas mudanças bruscas, tais como queda dos
rendimentos financeiro, a perda de conato com os colegas de trabalho. Desta
forma, o sujeito pode sofrer alteração em sua autoestima (diminuição), assim
como da própria motivação. Estes fatores podem ocasionar depressão,
ansiedade, busca por bebida alcoólica e até mesmo o autoextermínio (Rodrigues
et al., 2005).

A percepção das mudanças: o antes e o agora


Para Mendes-Silva e Hashimoto (2003), há uma imobilização e
mobilizações referentes ao afastamento. Sendo assim, num primeiro momento,
o próprio indivíduo tende a se desqualificar e isso se torna um fator
determinante no impedimento da elaboração de planos e estabelecimento de
projetos pessoais e profissionais. Porém, conforme aponta Moreira (2000), o ser
humano se caracteriza, necessariamente, por uma constante busca de bem-
estar, de querer viver bem, sendo capaz de “vislumbrar novas condições para
melhoria do cotidiano, de tentar superar as condições mais adversas por outras
um tanto melhores” (Moreira, 2000, p. 29).
Ao falarem de planos e perspectivas, os entrevistados relatam uma
transição ocorrida em suas vidas. Após passarem por um período mais crítico, de
imobilização, hoje já conseguem lidar com o fato de não estarem mais
trabalhando, demonstrando terem passado por um processo de adaptação frente
à nova situação de vida em que se encontram:
“Antes eu queria ser professora. Hoje tenho vontade de comprar
um sítio ou de morar em um lugar bem longe e tranquilo. Quero
curtir a família e só. Por incrível que pareça, eu não penso em
mais nada. Não tenho necessidade de trabalhar mais e estou
feliz assim”. (Participante 1)
“Hoje minha vida está estável. Penso deixar do jeito que está.
De vez em quando faço uns bicos para distrair e não ficar atoa.
Não tenho planos pro futuro, já me acostumei com a condição.
Hoje estou tranquilo. Meus dias hoje se resumem em fazer as

243
coisas que gosto. Não tenho compromisso diário com horários
fixos como antes e nem amolação de chefe ou patrão”.
(Participante 2)
“Meus planos eram de realizar trabalhos voluntários e é o que
faço hoje. Aquela ‘vontade’ de trabalhar passou. Meu lazer é a
leitura, e quero continuar fazendo meus trabalhos voluntários e
resolvendo os problemas do lar. Hoje não tenho planos pro
futuro a não ser a realização da minha filha. Continuo tendo
minha rotina, mas agora de forma diferente. Eu antes não tinha
tempo para almoçar, descansar ou até mesmo para me dedicar a
mim mesma. Hoje eu faço de tudo um pouco e ainda cuido da
minha vaidade.”. (Participante 3)
“Eu sempre passo por situações chatas quando estou na roda de
amigos. Aí vem a pergunta: O que você faz? Eu respondo que já
trabalhei muito. Logo vem a outra pergunta: Porque você não
trabalha? É como eu digo: eu dou muito valor naquilo que faço e
consigo fazer, e se as pessoas enxergam isso, que bom! Caso
contrário, tanto faz. Não me esforço para ser o que os outros
querem. Pelo fato de não trabalhar não me sinto a pior. [...]
Hoje eu frequento academia para distrair um pouco a cabeça,
saio e cuido da casa quando estou bem. Estou correndo atrás da
aposentadoria, pois quero fazer algo pra minha saúde e investir
nela sem depender do meu pai. Tenho vontade de crescer,
comprar casa, montar minha vida. Os planos de hoje são de
viver. Viver o hoje. Estou vivendo sem sonhar demais. Sejamos
objetivos [sorri]”. (Participante 4)
Essa reação positiva relatada pelos trabalhadores pode ser explicada
pelos mesmos se encontrarem em um estado emocional benéfico, o qual
permitiu que eles se utilizassem de “estratégias de enfrentamento saudáveis,
como tranquilidade, esperança e bem-estar, que são sentimentos que atuam no
sentido de um bom funcionamento do próprio organismo, favorecendo
comportamentos de saúde e potenciando relações interpessoais gratificantes”
(Chamon et al., 2006 como citado em Olivier; Perez; Behr, 2011, p. 999).
Olivier, Perez e Behr (2011), em estudo que investigou trabalhadores afastados
por problemas de saúde, também constataram a importância do envolvimento
da família nesse processo, visto que “exerce papel fundamental, ao dar apoio e
força para que o afastado volte mais confiante para o trabalho” (p. 1010).

Considerações finais

244
Ao longo deste estudo, procurou-se compreender como a situação de
afastamento do trabalho repercute na vida dos sujeitos afetados. O
levantamento bibliográfico sobre o tema permitiu-nos entender a complexidade
desse processo, uma vez que, para o trabalhador que deixa sua ocupação,
grande parte do que foi construído até o momento, inclusive os planos
profissionais e pessoais são postos à prova das mudanças que reconfiguram sua
vida. Além disso, conforme afirma Enriquez (1999, p. 69), “toda perda do
trabalho provoca uma ferida profunda na identidade de diferentes pessoas,
concorrendo para a desagregação de suas personalidades”.
Os resultados encontrados a partir dos depoimentos dos participantes,
não diferente do que aponta a literatura, mostraram que sentimentos de
estranhamento, medo, vazio, depressão, inutilidade e dependência fazem parte
da realidade de quem é desligado de sua atividade laboral, indicando a grande
insegurança gerada por essa situação. Situação esta que também pode levar à
desvalorização social e consequente crise de identidade, já que o trabalho é
fonte de reconhecimento do outro e de si mesmo. Deparar-se com a realidade da
ruptura e/ou afastamento, pode inicialmente levá-los à perda significativa de sua
existência por não saberem qual caminho percorrer e o que planejar para o
futuro. O trabalho até o momento foi o objeto do qual ele se apropriou
inteiramente, e isto pode tê-lo desvinculado de outras vivências.
O contato com os colegas de trabalho e o ambiente do mesmo são
estimulantes e se tornam parte da vida do sujeito. Desta forma, trabalhar não se
restringe unicamente ao lucro, renda. Isso implica que o ser humano estabelece
relações através do trabalho e nestas relações estão inclusas a rotina, o horário
fixo, as pessoas, a sua atividade, o reconhecimento. Ressalta-se também que a
família é um importante suporte. Funcionando como alicerce, acolhimento e
refúgio para a inconformidade de ter que voltar para casa. Quando a família está
presente e apoia, o indivíduo pode sentir amenizada a sensação de finitude, de
impotência e invalidez. Muitos se voltam unicamente para a família, talvez pelo
conforto da proximidade e pelo medo e insegurança do mundo lá fora, ou seja,
dos comentários e do preconceito social.
O ser humano anseia pelo reconhecimento. Isto é algo característico em
todos nós, e a sua ausência pode dificultar o planejamento e formulação de
ideias inovadoras para mudança de atividade e/ou prosseguimento de uma vida
ativa dentro das condições que sua saúde lhe permite. O processo de
afastamento do trabalho é doloroso para muitos, embora não consigam

245
representar o que sentem. E o que se pode perceber é que as pessoas tendem a
se acostumar, se ofuscar ou se acomodar com a condição. Com o decorrer do
tempo perdem-se os valores, anseios, desejos. Tudo passa a ser visto como
estável. Eles dizem estar bem do jeito que está. Sua visão de mundo se encolhe
e não conseguem observar o campo de oportunidades de explorar outras
habilidades. E é por meio deste fator que muitos adoecem, se deprimem e vão
se tornando cada vez mais suscetíveis aos problemas emocionais. Carecem de
uma atividade que substitua a ocupação que sempre tiveram, mas acabam se
perdendo nesse impacto.
Conforme destacam Costa e Soares (2009), é possível visualizar que
mesmo após a ruptura com o trabalho, ainda encontramos muitos sujeitos que
continuam trabalhando em busca de uma renda maior, assim como outros que
mesmo com renda garantida, não conseguem se distanciar de suas atividades
laborais após depararem com a necessidade de saúde psíquica. Dentro desta
perspectiva, o psicólogo tem suma importância em estar junto a estas pessoas,
promovendo a saúde psíquica, fazendo com que estes indivíduos passem por
estes processos de mudanças de forma estruturada e com perspectivas. Desta
forma, eles poderão se encontrar em outras atividades e renascerem em outras
experiências e ocupação. O papel do psicólogo vem como necessário para
orientar este sujeito e mostrar-lhe a sua valorização e as alternativas existentes,
assim como novos projetos de vida a ser construído (Costa & Soares, 2009).
Levando em consideração os impactos psicossociais relacionados a esse
processo, faz-se necessário investir em mais pesquisas que abordem tal
temática, visando contribuir para o campo dos Estudos Organizacionais e da
Psicologia Organizacional e do Trabalho. As questões aqui debatidas tornam-se
importantes para a reflexão sobre a necessidade não só dos sujeitos que já se
encontram em situação de afastamento do trabalho, mas também trazem suma
importância na relação do trabalhador com a sua própria atividade laboral e suas
perspectivas além deste vínculo. Foi possível observar que a saúde mental do
trabalhador que está prestes a se aposentar e/ ou aqueles que se afastam
abruptamente ainda carece de meios e formas aplicativas e científicas para
melhoria e garantia da sua segurança. É importante investir em mais pesquisas
que abordem tal temática, visando contribuir para o campo dos Estudos que
abordem a saúde do trabalhador.

Referências

246
Alberto, L. C. F. R. (2000). Os determinantes da felicidade no trabalho:
um estudo sobre a diversidade nas trajetórias profissionais de engenheiros.
Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP,
Brasil. Citado por Martinez & Paraguay (2003).
Antunes, R. (2000). Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e
a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.
Araújo, R. R. & Sachuk, M. I. (2007). Os sentidos do trabalho e suas
implicações na formação dos indivíduos inseridos nas organizações
contemporâneas. Revista de Gestão USP, 14 (1), 53-66. Acessado em:
http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rege/v14n1/v14n1a5.pdf .
Bardin, L. (1995). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Chamon, E. M. Q. O.; Marinho, R. C. & Oliveira, A. L. (2006, setembro).
Estresse ocupacional, estratégias de enfrentamento e síndrome de Burnout: um
estudo com a equipe de enfermagem de um hospital privado do Estado de São
Paulo. Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração - XXX EnANPAD, Salvador, BA, Brasil, 30. Citado por
Olivier, Perez e Behr (2011).
Clot, Y. (2006). A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes.
Costa, A. B. & Soares, D. H. P. (2009). Orientação psicológica para a
aposentadoria. Rev. Psicol., Organ. Trab., 9(2), 97-108. Acessado em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v9n2/v9n2a09.pdf.
Duarte, R. (2002). Pesquisa Qualitativa: Reflexões sobre o Trabalho de
Campo. Cadernos de Pesquisa, 115, 139-154. Acessado em:
www.scielo.br/pdf/cp/n115/a05n115.pdf.
Enriquez, E. (1999). Perda do trabalho, perda da identidade. Em: Nabuco,
M. R. & Carvalho-Neto, A. (orgs.). Relações de trabalho contemporâneas (pp.
69-83). Belo Horizonte: PUC Minas - Instituto de Relações de Trabalho.
França, L. H. F. (2002). Repensando Aposentadoria com qualidade: Um
manual para facilitadores de programas de educação para aposentadoria em
comunidades. Rio de Janeiro.
Glina, D. M. R.; Rocha L. E.; Batista, M. L.; Mendonça, M. G. V. (2001).
Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o
diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17
(3), 607-616. Acessado em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v17n3/4643.pdf .

247
Jacques, M. G. (2007). O nexo causal em saúde/doença mental no
trabalho: uma demanda para a psicologia. Psicol. Soc., Porto Alegre, 19 (n. spe),
112-119. Acessado em:http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19nspe/v19nspea15.pdf.
Jacques, M. G. C. (1997). Identidade e trabalho: uma articulação
indispensável. Em: Tamayo, A.; Borges-Andrade, J. E. & Codo, W. (orgs.).
Trabalho, organizações e cultura (pp. 21-26). São Paulo: Cooperativa de Autores
Associados.
Lukács, G. (1978). As bases ontológicas do pensamento e da atividade do
homem. Em: Temas de Ciências Humanas, São Paulo: Livraria Editora Ciências
Humanas Ltda.
Martinez, M. C. & Paraguay, A. I. B. B. (2003). Satisfação e saúde no
trabalho: aspectos conceituais e metodológicos. Cad. psicol. soc. trab., São
Paulo, 6, 59-78. Acessado em:
http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v6/v6a05.pdf.
Mendes-Silva, M. A. S. & Hashimoto, F. (2003). Afastados do trabalho:
repercussões na vida do indivíduo. Pulsional Revista de Psicanálise, 16 (171),
32-37.
Minayo, M. C. S. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
em saúde. (8a ed.) São Paulo: Hucitec.
Moreira, M. C. S. (2000). Trabalho, Qualidade de Vida e Envelhecimento.
Dissertação de mestrado, Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Acessado em:
http://portalteses.icict.fiocruz.br/pdf/FIOCRUZ/2000/moreirammsm/capa.
pdf .
Olivier, M.; Perez, C. S. & Behr, S. C. F. (2011). Trabalhadores afastados
por transtornos mentais e de comportamento: o retorno ao ambiente de trabalho
e suas consequências na vida laboral e pessoal de alguns bancários. Revista de
Administração Contemporânea, 15 (6), 993-1015. Acessado em:
http://www.scielo.br/pdf/rac/v15n6/03.pdf .
Organista, J. H. C. (2006). Lukács: a centralidade do trabalho em sua
ontologia do ser social. Em: Organista, J. H. C. O debate sobre a centralidade do
trabalho (pp. 127-150). São Paulo: Expressão Popular.
Rodrigues, M.; Ayabe, N. H.; Lunardelli, M. C. F. & Canêo, L. C. (2005). A
preparação para a aposentadoria: o papel do psicólogo frente a essa questão.
Revista Brasileira de Orientação Profissional, 6 (1), 53 - 62. Acessado em:
http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/rbop/v6n1/v6n1a06.pdf .

248
Romanini, D. P; Xavier, A. P & Kovaleski, J. L. (2005). Aposentadoria:
período de transformações e preparação. Revista Gestão Industrial, 1(3), 91-
100.
Souza, M. E. L. & Faiman, C. J. S. (2007). Trabalho, saúde e identidade:
repercussões do retorno ao trabalho, após afastamento por doença ou acidente,
na identidade profissional. Saúde, Ética & Justiça, 12 (1/2), 22-32.
Uvaldo, M.C.C. (1995). Relação homem-trabalho: Campo de estudo e
atuação da Orientação Profissional. Em Bock, A. M. A escolha profissional em
questão. São Paulo: Casa do Psicólogo. Citado por Rodrigues et al (2005).

249
TÍTULO: Perspetivando uma triologia da fadiga ocupacional: contributos

das neurociências organizacionais

AUTOR(ES): Teresa C. D’Oliveira (Teresa.Oliveira@ispa.pt)

INSTITUIÇÃO: ISPA – Instituto Universitário

Apesar de todos os trabalhos desenvolvidos nos últimos 100 anos, não é possível
afirmar que exista hoje uma teoria consolidada sobre a fadiga, as suas origens e
as suas funções (Hockey, 2011). Não obstante a relevância aplicada da fadiga
para uma variedade de áreas aplicadas e/ou sectores de atividade (e.g., saúde,
desporto, trabalho), uma definição rigorosa da fadiga está ainda por ser
formulada (Matthews, Desmond, Neubauer & Hancock, 2012). Este trabalho
considera uma área específica de estudo da fadiga, a fadiga em contexto de
trabalho ou fadiga ocupacional. Apesar de a fadiga em contexto de trabalho
poder decorrer de eventos ou fatores associados a condições extra-trabalho
(e.g., estabilidade familiar), entende-se por fadiga ocupacional a fadiga que
resulta das atividades laborais (i.e., atividades cujas componentes principais
remetem para trabalho físico ou mental) ou das condições em que estas são
executadas (e.g., condições físicas de trabalho, organização temporal do
trabalho, ritmos de trabalho ou carga de trabalho).
A variedade de antecedentes e mediadores da fadiga ocupacional poderá em
parte ajudar a compreender os paradoxos associados a esta temática podendo
estes ser agrupados em três áreas.

1. Privação do sono
Os trabalhos enquadrados no âmbito da privação do sono contemplam a
necessidade homeostática de sono de oito horas por dia em média. Apesar da
simplicidade desta formulação, a investigação rapidamente se complexificou com
a introdução de uma variedade de conceitos associados. O conceito de dívida de
sono remete para as situações em que não se concretiza o princípio de oito
horas de sono, podendo daqui resultar fadiga que aguda (i.e., número de horas
acordado nas últimas 24 horas) ou crónica (i.e., padrão de dívida de sono num
horizonte temporal mais alargado). As potenciais sobreposições entre fadiga e
sonolência como resultado da dívida de sono, são uma das áreas exploradas na
literatura. Shahid, Shen e Shapiro (2010) e Shen, Barbera e Shapiro (2006) vão

250
um pouco mais longe e diferenciam Sleepiness (tendência para adormecer) de
Somnolence ou Drowsiness (um estado de transição entre o estar acordado e o
estar a dormir).
Independentemente dos conceitos utilizados, os estudos aplicados
destacaram contextos de trabalho com características específicas nomeadamente
com trabalho por turnos e, em particular, o trabalho noturno. Outras atividades
que possam incluir a privação de sono são igualmente contempladas como os
“bancos” na área da saúde ou as noites de serviço em militares.

2. Perturbações do sono
Este segundo grupo de trabalhos decorre do primeiro na medida em que
pode estar associado ao trabalho por turnos, mas destaca consequências
distintas. Nesta área é salientado como o ciclo do sono está associado a outros
ritmos circadianos humanos e como as perturbações do primeiro poderão estar
na origem de consequências crónicas para o marca-passo circadiano (i.e.,
circadian pacemaker). Por exemplo, hormonas, como a hormona do crescimento,
são segregadas durante o sono pelo que alterações no ciclo do sono têm
inevitavelmente implicações para o seu ritmo circadiano.
Para além da organização temporal do trabalho já mencionada, os
estudos mais recentes têm alertado para os longos horários de trabalho cujos
início antecipado e fim adiado caracterizam as sociedades contemporâneas
(D’Oliveira & Marques, 2009: D’Oliveira, 2011).

3. Atividades desempenhadas
Este grupo de trabalhos tem sofrido uma evolução onde
progressivamente têm sido salientados fatores distintos. Numa fase inicial,
trabalhos como o de Karasek (1979) destacaram exigências do trabalho
diferenciadas com consequências também distintas nomeadamente fadiga física,
fadiga psicológica ou fadiga cognitiva. Mais recentemente, decorrente do
trabalho emocional e da dissonância emocional, é igualmente mencionada a
fadiga de compaixão.
Numa fase mais recente, Harrison e Horne (2000) isolaram a simplicidade
e monotonia das tarefas incluídas na maioria dos estudos laboratoriais (e.g.,
tempo de reação), características que as tornam particularmente vulneráveis à
fadiga. De igual forma, Whitmore et al (2008) e Chaiken et al (2011) apontam

251
para a relevância da variedade e da complexidade das atividades de contextos
aplicados e a inexistência de decréscimos ou perturbações do desempenho.
Uma última tendência de estudo contempla a organização ou
enquadramento social em que se realizam as atividades e como tais
características podem potenciar ou atenuar a fadiga.
Barnes e Hollenbeck (2009), por exemplo, consideram a necessidade de
se estudar os efeitos individuais cumulativos da fadiga nos grupos de trabalho.
Para estes autores, é importante analisar os efeitos que pode decorrer do fato de
ambos os membros de uma díade poderem ter níveis de fadiga elevados.
Thomas e Ferguson (2010) consideram o contexto da aviação e ponderam como
a formação comportamental CRM (Crew Resource Management) poderia
englobar os efeitos cumulativos da fadiga nos grupos de trabalho.
A natureza apelativa do tema tem estimulado interesse e investigação
numa grande variedade de disciplinas como a Biologia, Medicina, Psicologia,
Gestão, Neurociências, entre outras. Não obstante tal riqueza científica, a
integração dos resultados e sua incorporação em medidas aplicadas apenas
agora como a ser materializada.
Uma outra forma de analisar a ubiquidade do tema é através da
contemplação da variedade de revistas científicas nos quais os trabalhos sobre
fadiga têm sido publicados (tabela 1).

Journal of Sleep Research Journal of Circadian Rhythms

Journal of Occupational Health Occupational & Environmental


Psychology Medicine

Occupational Medicine Work & Stress

European Journal of Work Aviation, Space &Environmental


&Organizational Psychology Medicine

Journal of Experimental Psychology Human Factors

Sleep Medicine Chronobiology International

Sleep &Biological Rhythms Cellular &Molecular Life Sciences

Scandinavian Journal of Work, Accident Analysis & Prevention


Environment & Health

Biological Psychology Personality & Individual Differences

Tabela 1. Principais revistas científicas onde têm sido publicados trabalhos sobre fadiga

252
A avaliação da fadiga é a área que tem estado envolvida em mais
contradições e dispersão de iniciativas. Em particular, é possível fazer uma
distinção entre abordagens científicas associadas à Biologia ou à Medicina e
perspetivas mais relacionadas com as Ciências Sociais e Humanas como a
Psicologia. Embora ambas utilizem informação relativa a horários de trabalho
(i.e., trabalho por turnos, horários regulares, horário de apresentação e fim do
dia de trabalho) e em algumas situações dados comportamentais decorrentes de
provas ou tarefas laboratoriais simples como o tempo de reação, a principal
diferença reside nos antecedentes identificados: enquanto que as primeiras
recorrem a indicadores fisiológicos como atividade cardiovascular ou respostas
do sistemas endócrino, as ciências sociais e humanas têm tendência para utilizar
medidas de autorrelato onde se destacam escalas como Fatigue Scale (Chalder
et al, 1993), Fatigue Assessment Scale (FAS, (Michielsen et al, 2004) ou a
Checklist Individual Strength (CIS) (Bültmann et al, 2000).
Tal situação conduziu a um estado da arte que se caracteriza por uma
fragmentação disciplinar evidente.
Uma exceção a este panorama é apresentada pelo Modelo do Controlo
Compensatório de Hockey (1997, 2011) onde a combinação de abordagens
fisiológicas e psicológicas são centrais na proposta apresentada.
Hockey (1997, 2011) parte do princípio que o ser humano não tem
apenas um papel passivo nas imposições com que se depara no seu contexto de
trabalho estando a regulação do esforço, pelo menos parcialmente, sobre o
controlo do individuo. O autor considera que em determinadas condições, o
indivíduo poderá exercer um esforço adicional na execução das suas atividades
nomeadamente quando existe um maior interesse na atividade, um maior
envolvimento no trabalho (i.e., task engagement), um sistema de recompensas
mais aliciante ou quando as consequências associadas a potenciais decréscimos
do desempenho são consideradas inaceitáveis pelo sujeito. Desta forma, a fadiga
não é considerada como o resultado de uma exaustão de recursos (i.e.,
esgotamento de recursos ou capacidades de resposta do indivíduo) mas como
um disputa motivacional entre os objetivos da tarefa ou atividade e outros
cursos de ação (Hockey, 2011).
O efeito de compensação diz respeito ao esforço adicional que os
indivíduos estão dispostos a aplicar para evitar a detioração do desempenho.
Central em toda a abordagem de Hockey (1997, 2011) é o nível de
controlo percecionado pelo sujeito, característica comparável à latitude de

253
decisão no modelo de Karasek (1979). É a perceção de que se tem um papel na
definição das atividades de trabalho, na forma como estas são executadas e os
seus timings que determina o desencadear do esforço compensatório. Em
termos fisiológicos, as situações em que tal controlo ou latitude de decisão não
são percecionados estão associados a níveis elevados de cortisol e de ansiedade.
Consoante o maior ou menor envolvimento do sujeito, assim se terá níveis de
adrenalina ou noradrenalina mais ou menos elevados e, como consequência,
presença ou ausência de fadiga. Em contraste, nas situações que se caraterizam
por elevado controlo ou latitude de decisão e um envolvimento do indivíduo nas
suas atividades, registam-se níveis de adrenalina ou noradrenalina elevados
(i.e., ativação do esforço compensatório) mas níveis de cortisol, de ansiedade e
fadiga baixos.
Apesar da riqueza conceptual da abordagem de Hockey e da integração
científica proposta, poucos estudos têm procurado adotar ou seguir perspetivas
semelhantes.
Este estado da arte da literatura sobre fadiga ocupacional está na base da
apresentação das seguintes proposições concetuais.

Proposição 1. Abordagem integradora da fadiga ocupacional.


A literatura sobre fadiga está repleta de abordagens fragmentadas,
modelos e definições pouco consensuais, resultando em perspetivas incoerentes,
divididas e cientificamente enviesadas cuja integração se considera necessária e
urgente. A incorporação dos resultados destas abordagens em medidas
mitigadores aplicadas está, ainda, por se materializar. De igual forma, existe
uma necessidade óbvia de clareza concetual que contemple e diferencie
conceitos como fadiga, sleepiness, drowsiness, fadiga física, mental, cognitiva,
psicológica e de compaixão, ou ainda, fadiga aguda ou crónica.

Proposição 2. Consiliência na avaliação da fadiga ocupacional.


A variedade de marcadores de fadiga ocupacional inclui avaliações
subjetivas, análises comportamentais e marcadores psicofisiológicos é, como
referido, uma característica desta área de trabalho. O acordo ou convergência na
avaliação através da utilização de diferentes métodos, i.e., consiliência na
avaliação, é central para o desenvolvimento de um modelo integrador de fadiga
ocupacional. Neste âmbito, considera-se que as Neurociências Organizacionais
poderão apresentar um contributo importante.

254
Cacioppo e Decety (2011) defendem um determinismo recíproco entre
fatores biológicos e sociais na definição comportamental, abordagem que exige
uma análise multinível. De acordo com os autores, “ um comportamento
específico num nível de organização pode ter múltiplos antecedentes entre ou
dentro outros níveis de organização (p. 166).
Tal determinismo mútuo é particularmente relevante em áreas onde
existe uma discordância clara entre indicadores objetivos e medidas subjetivas
como é o caso da fadiga ocupacional (Akinola, 2010; Van Dogen, Caldwell,
Caldwell, 2011).
Novas abordagens metodológicas podem elucidar como os processos
psicofisiológicos podem modelar ou mediar processos afetivos, cognitivos e
motivacionais relevantes para o contexto organizacional (Akinola, 2010). A
monitorização ambulatória (e.g., registos da atividade cardiovascular) e a
utilização de técnicas não intrusivas (e.g., ensaios salivares) são exemplos dos
desenvolvimentos mais recentes neste âmbito.
Embora algumas áreas de trabalho tenham já sido alvo de tais
perspetivas integradores (i.e., stress, emoções, competição), existe um potencial
incalculável para aprofundamento teórico sobre os fenómenos individuais,
grupais e organizacionais associados às neurociências organizacionais.

Proposição 3. Estratégias mitigadoras integradas


Por último, em contexto de elevado risco como é o caso da aviação, têm
sido propostos sistemas de modelação da fadiga cujo desenvolvimento tem no
seu âmago, a privação do sono e as perturbações circadianas. Apesar de se
reconhecer que a fadiga ocupacional pode ter múltiplos antecedentes, os
benefícios decorrentes destas estratégias mitigadoras são coartados pela
limitação conceptual de partida. Tal como proposto por Smith (2011), o
desenvolvimento de instrumentos ou metodologias de auditoria que se baseiem
múltiplos fatores e não apenas nas potenciais perturbações que podem ser
introduzidas nos ritmos circadianos.

Referências
Akinola, M. (2010). Measuring the pulse of an organization; integrating
psychological measures into the organizational scholar’s toolbox. Research
in Organizational Behavior, 30, 203-223

255
Aubé, C e Rousseau, V. (2005). Team goal commitment and team effectiveness:
The role of task interdependence and supportive behaviors, Group
Dynamics: Theory, Research, and Practice, 9, 189–204, DOI:
10.1037/1089-2699.9.3.189
Barnes C. M. and Hollenbeck J. R. (2009). Sleep deprivation and decision-making
teams: burning the midnight oil or playing with fire. Academy of
Management Review, 34, 56-66.
Bültmann, U., de Vries, M., Beurskens, A. J. H. M., Bleijenberg, G., Vercoulen J.
H. M. M. & Kant, I. (2000). Measurement of prolonged fatigue in the
working population: Determination of a cut-off point for the checklist
individual strength. Journal of Occupational Health Psychology, 5, 411-416.
DOI: 10.1037//1076-B998.5.4.411.
Bültmann, U., de Vries, M., Beurskens, A. J. H. M., Bleijenberg, G., Vercoulen J.
H. M. M. & Kant, I. (2000). Measurement of prolonged fatigue in the
working population: Determination of a cut-off point for the checklist
individual strength. Journal of Occupational Health Psychology, 5, 411-416.
DOI: 10.1037//1076-B998.5.4.411.
Cacioppo, J. T. and Decety, J. (2011). Social neuroscience: challenges and
opportunities in the study of complex behavior. Annals of the New York
Academy of Sciences. 1224, 162-173.
Chaiken, S. R., Harville D. L., Harrison, R., Fischer, J., Fischer, D. and Whitmore,
J. (2011). Fatigue impact on teams versus individuals during complex
tasks. In P. L. Ackerman (Ed.). Cognitive fatigue: Multidisciplinary
perspectives on current research and future applications (pp. 273-285).
Washington, DC; APA.
Chalder, T., Berelowitz, G., Pawlikowska, T., Watts, L., Wessely, S., Wright, D.
& Wallace, E. P. (1993). Development of a fatigue scale. Journal of
Psychosomatic Research, 37, 147-153.
Harrison, Y. & Horne, J. A. (2000). The impact of sleep deprivation on decision
making: A review. Journal of Experimental Psychology: Applied, 6, 236-
249. DOI: 10.I037//1076-8O8X.6.3.236.
Hockey, G. R. (2011). A motivational control theory of cognitive fatigue. In P. L.
Ackerman (Ed.). Cognitive fatigue: Multidisciplinary perspectives on current
research and future applications (pp. 167-183). Washington, DC; APA.
Hockey, G., R. J. (2003). Operator functional state as a framework for the
assessment of performance degradation. In G. R. J. Hockey, A. W.K.

256
Gaillard and O. Burov (Eds). Operator Functional State: The assessment
and predictions of human performance degradation in complex tasks. NATO
Science Series, Life and Behavioural Sciences, vol. 355. (pp. 8-23).
Amsterdam, Netherlands: IOS Press.
Michielsen, H.J., De Vries, J., Heck, G. L., Vijver, F. J. R. & Sijtsma, K. (2004).
Examination of the dimensionality of fatigue: The construction of the
Fatigue Assessment Scale (FAS). European Journal of Psychological
Assessment, 20, 39–48. DOI: 10.1027//1015-5759.20.1.39
Shahid, A., Shen, J. & Shapiro, C. M. (2010). Measurements of sleepiness and
fatigue. Journal of Psychosomatic Research, 69, 81–89.
DOI:10.1016/j.jpsychores.2010.04.001.
Shen, J., Barbera, J. & Shapiro, C. M. (2006). Distinguishing sleepiness and
fatigue: focus on definition and measurement. Sleep Medicine, 10, 63-76.
DOI:10.1016/j.smrv.2005.05.004.
Smith, A. (2011). From brain to the workplace: studies of cognitive fatigue in the
laboratory and onboard ship. . In P. L. Ackerman (Ed.). Cognitive fatigue:
Multidisciplinary perspectives on current research and future applications
(pp. 167-183). Washington, DC; APA.
Thomas, M. J., W. and Ferguson, S. A. (2010). Prior sleep, prior awake and crew
performance during normal flight operations. Aviation, Space and
Environmental Medicine, 81, 665-670. DOI: 10.3357/ASEM.2711.2010.
Van Dogen, H. P. A. , Caldwell, J. A. Caldwell, J. L (2011) Individual differences
in cognitive vulnerability to fatigue in the laboratory and in the workplace.
Progress in Brain Research, 190, 145-167.
Whitmore, J. Chaiken, S., Fischer, J., Harrison, R. Harville, D. (2008). Sleep loss
and complex team performance. Air Force Research Laboratory Human
Effectiveness Directorate Biosciences and Protection Division Biobehavioral
Performance Branch (AFRL-RH-BR-TR- 2008-0005). Brooks-City-Base,
Texas: Air Force Research Laboratory Human Effectiveness.

257
TÍTULO: Stress Ocupacional, Burnout e estratégias de coping em

profissionais de saúde: estudo nos cuidados de saúde primários

AUTOR(ES): Diana Santos, Ana Trovisqueira e Eleonora Costa¹ e Piedade

Vieitas²

INSTITUIÇÃO: ¹Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia; ²Agrupamento de Centros de Saúde

Grande Porto I – Santo Tirso/Trofa

Resumo: A nova estrutura dos ACES trouxe maior competitividade e a


necessidade de obter bons resultados a curto prazo nas unidades de saúde - os
ACES procuram melhorar a qualidade dos serviços prestados e reduzir os custos
a estes associados. Os profissionais de saúde dos ACES, pelas exigências
profissionais com se deparam diariamente, apresentam um risco elevado de
stress ocupacional e de burnout, assumindo as estratégias de coping destes
profissionais um papel fundamental no exercício das suas funções e no seu bem-
estar geral. Este estudo teve como objetivos avaliar os níveis de stress
ocupacional, o burnout e as estratégias de coping utilizadas por uma amostra de
médicos e enfermeiros de dois ACES da região Norte. Foi recolhida uma amostra
consecutiva de 100 participantes: 52 profissionais de enfermagem e 48
profissionais de medicina na região do Grande Porto. Os resultados apontam que
26% dos profissionais de saúde apresentaram valores globais elevados de
stress; níveis intermédios de exaustão emocional e de realização pessoal, e
baixos níveis de despersonalização. Constatou-se que os enfermeiros e os
médicos diferem de forma significativa na perceção de stress: os profissionais de
enfermagem obtiveram valores mais elevados do que os médicos no stress
relacionado com as relações profissionais e carreira/remuneração; por sua vez,
os médicos apresentaram níveis de stress significativamente mais elevados do
que os enfermeiros em relação ao excesso de trabalho. No que concerne às
estratégias de coping, verificámos que a maioria dos participantes utiliza
estratégias de coping proactivas para lidar com situações de maior tensão no
local de trabalho. Na comparação dos grupos profissionais encontraram-se
diferenças estatisticamente significativas nas escalas planear e auto

258
culpabilização, evidenciando os médicos valores mais elevados do que os
enfermeiros. Atendendo às exigências com que estes profissionais de saúde se
deparam nos ACES, mostra-se fundamental implementar medidas ao nível da
prevenção e intervenção no stress ocupacional nestas instituições.

PALAVRAS-CHAVE: Stress Ocupacional; Burnout; Coping; Profissionais de Saúde

Introdução

O stress ocupacional em contexto de saúde e as suas potenciais


consequências no bem-estar e desempenho laboral destes profissionais,
permanece uma temática atual e com extrema relevância do ponto de vista
social e científico. São vários os autores que alertam para a necessidade de
avaliar as consequências do stress ocupacional e do burnout em profissionais de
instituições de saúde, no sentido de promover a resolução e prevenção dos
mesmos (McIntyre, 1994; McIntyre, et al., 1999; Abranches & Napoleão, 2005;
Gomes & Cruz, 2004; Murofuse, Silvab, 2008; Gomes, Cruz & Cabanelas, 2009).
As instituições de saúde constituem ambientes laborais com
especificidades organizacionais normalmente associadas a stress ocupacional:
níveis múltiplos de autoridade, heterogeneidade do pessoal, interdependência
das responsabilidades e especialização profissional (Calhoun, 1980; Rodrigo,
1995; cit in McIntyre, McIntyre & Silvério, 1999). Nestas instituições, por vezes
as condições de trabalho não são favoráveis o que contribui para a sobrecarga
do trabalho ocasionada pelo número insuficiente de enfermeiros (baixo rácio
enfermeiro/doente), instalações e material por vezes desadequado, assim como
o recurso a horários acrescidos (Silva, 2008a).
Os profissionais de saúde experienciam várias fontes de pressão laboral.
Sofrimento, deficiência e dor física são exemplos de situações com as quais os
profissionais de saúde se deparam no seu quotidiano e que podem aumentar a
sua suscetibilidade para o burnout (McIntyre, 1994; Melo, Gomes & Cruz, 1997).
Sublinha-se ainda, que o facto de terem que lidar com as pessoas face-a-face
tem sido estudado em diversas profissões como um aspeto fulcral no
desenvolvimento de exaustão emocional. Jiménez e Puente (1999; cit in Oliveira
& Guerra, 2004) consideram a elevada sobrecarga de trabalho, a inadequação
dos recursos, a comunicação de más notícias, as necessidades emocionais dos
pacientes, o seu grau de dependência, o sentimento de inutilidade e,

259
principalmente, a preocupação e medo de má prática profissional ou acusação de
negligencia, como as principais fontes de stress. Estes elementos enumerados, e
outros poucos referidos na literatura, fazem com que esta classe profissional
seja mais vulnerável ao stress (Chambers, 1998; Hespanhol, 1996; Oliveira &
Guerra, 2004). Nesse sentido, os profissionais de saúde são apontados como
uma classe profissional de risco de desenvolvimento de perturbações do foro
psíquico causadas pela profissão, sobretudo associadas à tomada de decisão face
à saúde dos utentes. De facto, a opção pelo tipo e curso de intervenção, pode
resultar no comprometimento do estado de saúde do paciente ou mesmo na sua
morte (Dorz, Novara, Sica & Sanavio, 2003; Gomes, Cruz & Cabanelas, 2009;
Sauter & Murphy, 1995; Silva & Gomes, 2009). Quando tal ocorre, o profissional
de saúde pode experienciar fracasso pessoal e inutilidade (Felton, 1998).
Quando as fontes de stress laboral e as exigências profissionais
permanecem continuadamente, o profissional pode experienciar uma síndrome
designada Burnout. Trata-se de um conjunto de sintomas caracterizado
essencialmente por exaustão emocional, despersonalização e baixa auto-
realização (Farber, 1991; Ferreira, 2008; Gomes, 1998; Maslach, 1976; Maslach
& Jackson, 1981; Maslach & Leiter, 1997; Maslach & Schaufeli, 1993; Vara,
2007). A experiência de burnout surge associada a diferentes défices no
indivíduo incluindo exaustão física, insónia, consumo excessivo de álcool e/ou
outras substâncias, bem como a problemas conjugais e familiares (Schaufeli,
Maslach & Marek, 1993). E, especificamente em profissionais de saúde, acarreta
consequências para o seu bem-estar. Um dos efeitos do stress ocupacional
crónico nos profissionais de saúde baseia-se no pressuposto de que o próprio
stress pode gerar stress e afetar aquele que deveria ser o centro de atenção: o
doente/utente (Melo, Gomes & Cruz, 1997).
Os efeitos do stress laboral em excesso e de forma continuada no tempo,
não comprometem apenas a saúde do indivíduo. De facto, o stress ocupacional
crónico, para além de poder conduzir ao desenvolvimento de inúmeras doenças
(Lipp & Tanganelli, 2002), particularmente em profissionais de saúde pode
resultar em consequências nefastas para a saúde e bem-estar de outros
indivíduos. Estudos com profissionais de medicina evidenciam, para além das
consequências individuais, efeitos negativos na qualidade dos cuidados de saúde
providenciados, na satisfação dos utentes e na adesão terapêutica dos pacientes
(Blegen, 1993; Ferreira, 2008; Hillhouse & Adler, 1997; Melo, Gomes & Cruz,
1997; Cooper, Dewe & O´Driscoll, 2001; Gaba & Howard, 2002)

260
A resposta dos profissionais de saúde ao stress ocupacional
crónico/burnout constitui outra temática de interesse e investigação científica.
De facto, a resposta do profissional de saúde à ameaça laboral ao seu bem-estar
pode assumir diferentes formas. Neste sentido, mostra-se pertinente abordar os
estilos de coping. Os estilos de confronto dos indivíduos perante situações
adversas e as estratégias para lidar com circunstâncias indutoras de stress,
designam-se estilos de coping (Lazarus & Folkman, 1984; Carver, et al., 1989;
Ribeiro & Rodrigues, 2004; Pocinho & Capelo, 2009). O coping refere-se assim
ao conjunto de meios e esforços desenvolvidos pelo sujeito para enfrentar uma
dada situação que ameaça o seu bem-estar (Lazarus & Folkman, 1984; Lazarus
& Folkman, 1988; Lazarus & Folkman, 1991). Algumas estratégias individuais de
coping com o stress laboral mostram-se mais eficazes do que outras que podem
mesmo resultar em prejuízo para o indivíduo. Por conseguinte, determinadas
estratégias de coping como o evitamento e a negação podem produzir efeitos
negativos no profissional de saúde (e.g. sintomatologia psicológica;
somatização; dificuldades familiares) (Lazarus & Folkman, 1991; Pocinho &
Capelo, 2009). Por outro lado, estratégias de coping denominadas proactivas,
que se focam na resolução de problemas, representam formas ajustadas do
profissional de saúde se ajustar às situações indutoras de stress (Ribeiro &
Rodrigues, 2004; Haish & Meyers, 2004; Pocinho & Capelo, 2009)
Os cuidados de saúde primários, particularmente os Agrupamentos de
Centros de Saúde (ACES), constituem um dos contextos profissionais associados
a grande stress ocupacional e onde as estratégias de coping pessoais assumem
um papel preponderante. Os ACES prestam cuidados de saúde primários aos
utentes de uma dada região, permitindo assim que os cuidados de saúde
alcancem diferentes grupos populacionais. Estes agrupamentos desenvolvem
diversificadas atividades que visam a saúde da população: promoção da saúde,
prevenção da doença, tratamento da doença, articulação a outros serviços que
garantam a continuidade dos cuidados de saúde prestados aos utentes,
atividades de vigilância epidemiológica, investigação em saúde, formação de
diversos de profissionais (DR, 2005). Os médicos e os enfermeiros dos cuidados
de saúde primários procuram dar resposta a esta missão dos ACES, constituindo
dois dos grupos de profissionais que mais experienciam o stress ocupacional. De
facto, os ACES procuram otimizar a qualidade dos cuidados prestados aos
utentes, exigindo assim aos profissionais de saúde atualização no que concerne
a conhecimentos científicos e tecnológicos em saúde, bem como melhores

261
resultados no mais breve espaço de tempo. Por outro lado, e paralelamente às
recentes mudanças no sistema nacional de saúde, o próprio contexto
socioeconómico atual resulta na intensificação das fontes de stress
experienciadas pelos profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários.
Atendendo ao exposto, especificamente aos efeitos do stress laboral em
profissionais de saúde e às especificidades do contexto ocupacional nos ACES,
esta investigação procurou contribuir com mais conhecimento no âmbito do
stress ocupacional em profissionais dos cuidados de saúde primários. Os
objetivos delineados para este estudo foram: a) caracterizar a amostra ao nível
das diferentes variáveis em estudo: burnout; fontes de stress; estratégias de
coping; b) estudar a variação dos resultados de acordo com o grupo profissional;
c) estudar a variação dos resultados de acordo com as variáveis sócio-
demográficas seleccionadas (e.g. anos de prática profissional; idade); d)
contribuir para um conhecimento mais aprofundado no domínio do burnout nos
profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários, no sentido de promover
o desenvolvimento de planos de ação interventiva no âmbito da prevenção do
stress ocupacional nestas unidades de saúde.

Método
Procurando aprofundar os conhecimentos acerca do stress laboral nos
profissionais nos cuidados de saúde primários e das estratégias de coping
utilizadas por estes profissionais, foi desenhado um estudo observacional
analítico-transversal, cujo objectivo geral consistiu em estudar as fontes de
stress ocupacional, os níveis de burnout e as estratégias de coping utilizadas
numa amostra de médicos e enfermeiros do ACES Grande Porto I e ACES do
Grande Porto III.

Participantes
A amostra foi constituída por 100 profissionais de saúde dos cuidados de
saúde primários: 48 médicos e 52 enfermeiros do ACES Grande Porto I e do
ACES Grande Porto III. A média de idade dos participantes é 41.4 anos
(DP=10,38). A maior parte dos participantes é do género feminino (n=84; 84%)
e situa-se no estrato etário dos 31 aos 50 anos (n=52; 52%). 11 médicos são do
género masculino e 37 do género feminino; no grupo dos enfermeiros
encontram-se 5 enfermeiros e 47 enfermeiras. Em termos de experiência
profissional, a maioria dos sujeitos tem 16 ou mais anos de prática profissional

262
(n=48; 48%). A maior parte dos participantes são casados (as) (n=70; 70%) e
os restantes são solteiros ou divorciados (n=30; 30%). Quanto ao grau
académico, com excepção de um profissional de saúde que possui o bacharelato,
os participantes possuem grau académico igual ou superior à licenciatura (99%).
A maioria dos profissionais de saúde que participaram neste estudo não exerce
atividade profissional privada (n=71; 71%).

Material e Instrumentos de Avaliação


Os instrumentos de avaliação selecionados para este estudo encontram-
se validados para a população portuguesa e apresentam bons resultados no
estudo da fidelidade. Foi estudada a consistência interna das escalas totais e das
subescalas dos instrumentos na presente amostra de profissionais de saúde (os
valores de alfa são apresentados após a descrição de cada instrumento).

Questionário de Dados Sócio-Demográficos: este questionário procura obter


informações de cariz sócio-demográfico acerca dos participantes. É constituído
por seis questões de escolha múltipla e nove de resposta direta acerca do
género, idade, estado civil, formação académica, estatuto profissional e
informação geral acerca da profissão e condições gerais do trabalho (e.g. horas
por semana; anos de serviço).

Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde (Gomes, Cruz & Cabanelas,


2009; Gomes, Melo & Cruz, 2000): este instrumento avalia as fontes de stress
dos profissionais da área da saúde, tendo sido desenvolvido a partir dos
trabalhos originais de Cruz e Melo (1996), Gomes, Melo e Cruz (2000) com
amostras de psicólogos portugueses. Este questionário é composto por duas
partes distintas: i) avalia o nível global do stress experienciado na actividade
laboral, por meio de um único item (0=Nenhum stress; 4=Elevado stress) e ii)
avalia as potenciais fontes de stress no exercício da actividade dos profissionais
de saúde (indistintamente ao contexto, área e/ou domínio de acção). Este
instrumento compreende 44 itens relativos às potenciais fontes de stress no
trabalho, numa escala de likert de cinco pontos (0=Nenhum stress; 4=Elevado
stress). No sentido de avaliar a consistência interna da escala na presente
amostra, foi calculado o alfa de Cronbach para as seis dimensões: lidar com
clientes (α=.61); relações profissionais (α=.82); excesso de trabalho (α=.81);
carreira e remuneração (α=.85); ações de formação (α=.84) e, por último,

263
problemas familiares (α=.71). No total da escala, obteve-se um α-Cronbach
igual a .86. Todas as sub – escalas deste instrumento, excepto a dimensão lidar
com clientes, situaram-se acima de.70, dando assim indicações favoráveis
acerca da constituição dos respectivos factores. Os dados de consistência
assemelham-se ao estudo efectuado por Silva (2008b), embora a dimensão lidar
com clientes tenha demonstrado um α-Cronbach mais baixo.

Maslach Burnout Inventor MBI-HSS: este inventário resulta da tradução e


adaptação do Maslach Burnout Inventory – Human Services Survey (Maslach &
Jackson, 1986; Cruz, 1993; Cruz & Melo, 1996; Gomes, 1998). O instrumento
contém 22 itens de auto-registo acerca dos sentimentos relacionados com o
trabalho, sendo distribuídos por três dimensões: i) Exaustão Emocional (9 itens)
avalia sentimentos de sobrecarga emocional e a incapacidade de dar resposta às
exigências interpessoais do trabalho; ii) despersonalização (5 itens) mensura as
respostas “frias”, impessoais ou até negativas, conduzidas àqueles a quem
prestam serviços (e.g. “sinto que trato alguns clientes como se fossem objectos
impessoais”); iii) Realização pessoal (8 itens) avalia sentimentos de (in)
competência e (falta de) realização (e.g. “neste emprego consegui muitas coisas
que valeram a pena”). Estes itens são avaliados numa escala de Likert de sete
pontos, que alterna entre o mínimo de 0 (Nunca) e o máximo de 6 (Todos os
dias). A pontuação é adquirida através do somatório dos itens de cada
subescala, sendo possível calcular os valores baixos, intermédios e altos de cada
dimensão. Desta forma, na dimensão exaustão emocional, os valores entre 0-16
são considerados baixos, entre 17-26 intermédios e elevados com uma
pontuação igual ou superior a 27. Na dimensão despersonalização, os valores
entre 0-6 são baixos, 7-12 são intermédios e valores entre igual ou superior a 13
são elevados. A dimensão realização pessoal apresenta valores invertidos
(Maslach & Jackson, 1996). No sentido de avaliar a consistência interna do
instrumento na amostra em estudo, foi calculado o α-Cronbach para a escala
total do Inventário de Burnout de Maslach, assim como para as respectivas
subescalas. Na análise das dimensões, observamos uma elevada consistência
interna na subescala relativa à exaustão emocional (α-Cronbach = .91),
enquanto a dimensão despersonalização aponta para uma consistência interna
razoável (α-Cronbach =.77). Por último, a subescala realização pessoal aponta
um α-Cronbach de .68, o que nos indica uma consistência interna baixa mas
ainda aceitável.

264
COPE Inventory (Ribeiro & Rodrigues, 2004): este instrumento foi desenvolvido
por Carver (1997) e adaptado para a população portuguesa por Ribeiro e
Rodrigues (2004). Trata-se de uma versão abreviada do instrumento original
que apreende somente 28 itens, divididos por 14 subescalas (2 itens por cada
escala). Os itens são respondidos numa escala do tipo Lickert de 4 pontos, de
“nunca faço isto” até “faço sempre isto”. Para determinar a fidelidade destas
escalas na presente amostra procedemos ao cálculo dos coeficientes α-
Cronbach: Coping Ativo (α=.60); Planear (α=.64); Utilizar Suporte Instrumental
(α=.69); Utilizar Suporte Emocional (α=.74); Religião (α=.90); Reinterpretação
Positiva (α=.78); Auto culpabilização (α=.45); Aceitação (α=.44); Expressão de
Sentimentos (α=.75); Negação (α=.60); Auto-distracção (α=.61);
Desinvestimento Comportamental (α=.63); Uso de Substâncias (α=.80) e, por
último, Humor (α=.71). Deste modo, na presente amostra de profissionais de
saúde, apesar de duas subescalas apresentarem valores de consistência interna
baixos, podemos considerar que o COPE Inventory conserva as propriedades da
versão de 28 itens desenvolvida por Carver.

Procedimentos
Obtida a autorização para a realização deste estudo pela ARS-Norte e
pelos diretores dos Centros de Saúde, os objetivos e procedimentos da
investigação foram apresentados aos coordenadores das Unidades de Saúde
Familiar (USF), às Unidades de Saúde Pública (USP) e às extensões.
Posteriormente, e através dos coordenadores das respetivas unidades, foram
contactados os participantes (médicos e enfermeiros) diretamente nas
instituições onde desempenham funções. Foi realçado a cada profissional de
saúde o fato dos investigadores serem elementos externos à instituição, não
havendo assim partilha de informação com profissionais da mesma. Os
profissionais que aceitaram colaborar no estudo receberam um envelope com a
bateria dos instrumentos de avaliação e uma carta de apresentação com
informação pormenorizada acerca da finalidade do estudo, dos procedimentos da
investigação e acerca do potencial contributo da mesma para a produção
científica. Todos os documentos foram identificados com um código, o qual foi
posteriormente utilizado na construção da base de dados, permitindo o
anonimato dos participantes. Após o preenchimento da bateria de instrumentos,
foi solicitado a cada participante a colocação do envelope selado numa caixa

265
devidamente identificada e fechada que se encontrava no secretariado da
unidade de saúde.
Os dados foram processados e analisados através do programa SPSS
(Statistical Program for Social Studies – versão 18). Foram realizados diferentes
procedimentos estatísticos na caracterização da amostra, no estudo da relação
entre as variáveis e nas análises exploratórias. A análise descritiva dos dados
incidiu sobre as frequências absoluta (n) e relativa (%) para as variáveis
qualitativas, e sobre a média (M) e o desvio-padrão (DP) para as variáveis
quantitativas. A consistência interna de cada questionário foi avaliada através do
valor α-Cronbach. O estudo da normalidade das distribuições das variáveis
estudadas foi realizado pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e pelos valores de
assimetria e curtose. A homogeneidade das variâncias foi avaliada pelo teste de
Levene. A comparação entre grupos (médicos e enfermeiros) foi efectuada pelo
teste t para amostras independentes ou pelo teste U Mann-Whitney consoante a
distribuição da variável em estudo. A comparação simultânea entre três grupos
foi efectuada pelo teste de Kruskal-Wallis ou pela one-way ANOVA. O post-hoc
foi efectuado pelo teste de Bonferroni. O nível de significância estatística adotado
foi de 5% (p≤.05). Valores de significância superiores a 5% e inferiores a 10%
foram considerados tendência de significância (p≤.10).

Resultados
Os resultados foram organizados de acordo com os objetivos delineados
para este estudo. Inicialmente serão apresentados os resultados descritivos
obtidos nos diferentes questionários na amostra total, no grupo dos profissionais
de medicina e nos profissionais de enfermagem. Os resultados são apresentados
para cada variável: fontes de stress, burnout e coping. Posteriormente
apresentam-se os resultados dos testes estatísticos de comparação dos dados
nos dois grupos de profissionais de saúde.

Resultados descritivos das variáveis estudadas


Os resultados relativos ao nível global de stress revelaram que 26% dos
profissionais de saúde assinalaram níveis elevados de stress (opção elevado
stress na escala de likert). Nas dimensões lidar com clientes (27%), excesso de
trabalho (28%), carreira e remuneração (29%) e ações de formação (23%)
predomina uma perceção de moderado stress; na dimensão relações
profissionais (23%) predominam de forma equitativa os estados de pouco stress

266
e moderado stress; a dimensão problemas familiares é avaliada como geradora
de pouco stress, ainda que muito próximo do moderado stress (13%). A
perceção de elevado stress é inexistente nas relações profissionais e problemas
familiares, baixa nas ações de formação (4%), carreira e remuneração (5%) e
lidar com clientes (6%), e considerável no excesso de trabalho (11%). Por sua
vez, baixas frequências na ausência de stress regista-se em apenas um caso no
excesso de trabalho e em quatro casos no lidar com clientes, mas em
frequências mais elevadas nas restantes dimensões.
No que concerne às principais fontes de stress ocupacional, observa-se na
presente amostra de profissionais de saúde que as dimensões que mais geram
stress são o excesso de trabalho e lidar com clientes, cujos valores médios 2,7 e
2,5 respectivamente, se aproximam da classificação bastante stress (quadro 1).
Por sua vez, as dimensões problemas familiares e relações profissionais são as
menos geradoras de stress (valores médios: 1,6 e 1,9 respetivamente) situando-
se, contudo, próximo da classificação moderado stress.

Quadro 1. Média (M), desvio-padrão (DP), valores mínimo e máximo na amostra total (N=100), nas
dimensões do QSPS
M DP Mín Máx
QSPS – dimensões
- Lidar com Clientes 2,5 0,76 0,3 3,8
- Relações Profissionais 1,9 1,04 0,0 3,8
- Excesso de Trabalho 2,7 0,86 0,8 4,0
- Carreira e Remuneração 2,3 1,08 0,0 4,0
- Ações de Formação 2,1 0,98 0,0 4,0
- Problemas Familiares 1,6 0,93 0,0 3,5

Uma análise mais pormenorizada acerca das fontes das principais fontes
de stress profissional nesta amostra de profissionais de saúde revelou que 72%
dos participantes apresentam como principal fonte de stress a tomada de
decisões (e.g. os erros podem ter consequências nefastas para os pacientes);
64% apresenta a sobrecarga/excesso de trabalho como indicador importante de
elevado stress ocupacional; 63% dos profissionais sentem pressão do tempo na
realização das suas funções profissionais; 62% revelam que uma das principais
fontes de stress ocupacional se prende com a falta de perspetivas de progressão
na carreira.

Quadro 2. Ranking das fontes de stress experienciados pelos profissionais de saúde (N=100)

267
Item – Fontes de Stress %
1. Tomar decisões onde os erros podem ter consequências graves para os 72
clientes.
22. A sobrecarga ou excesso de trabalho. 64
16. Falta de tempo para realizar adequadamente as minhas tarefas 63
profissionais.
3. A falta de perspetivas de desenvolvimento e progressão na carreira. 62
10. Falta de perspetivas de progressão na carreira. 59
12. O excesso de trabalho e/ou tarefas de carácter burocrático. 58
14. Gerir problemas graves dos meus clientes. 58
20. Sentir que não há nada a fazer para resolver os problemas dos meus 55
clientes.
4. Trabalhar muitas horas seguidas. 51
23. Salário inadequado/insuficiente. 50

Relativamente aos resultados obtidos na avaliação do Burnout


(esgotamento) nesta amostra de profissionais de saúde, no quadro 3 verifica-se
que os valores médios das dimensões exaustão emocional e realização pessoal
revelam uma classificação de intermédio burnout. Por sua vez, a dimensão
despersonalização com um valor médio de 4,5 é classificada com baixo burnout.

Quadro 3. Média (M), desvio-padrão (DP), valores mínimo e máximo na amostra total (N=100), nas
dimensões do MBI-HSS
MBI-HSS – dimensões M DP Mín Máx
- Exaustão Emocional 21,5 12,27 1,0 53,0
- Realização Pessoal 36,4 7,04 16,0 48,0
- Despersonalização 4,5 4,39 0,0 19,0

Foi ainda estudada a prevalência de burnout entre os profissionais de


saúde em cada subescala. Valores percentuais mais elevados indicam maiores
níveis de exaustão emocional, despersonalização e baixos níveis de realização
pessoal (recorda-se que nesta dimensão os resultados devem ser lidos em
sentido inverso). O quadro 4 classifica o burnout, nas dimensões do MBI-HSS,
em 3 categorias: baixo, intermédio e elevado. Os resultados mostram que 34%
dos profissionais de saúde apresentam elevados níveis de exaustão emocional e
7% dos profissionais de saúde revelam elevada despersonalização; 25% da
amostra experiencia um nível intermédio de exaustão emocional e 14% de
despersonalização. Estes dados indiciam a presença de consideráveis níveis de
burnout associados à atividade profissional.

268
Quadro 4. Frequência absoluta (n) e relativa (%) em cada opção de resposta (baixo, intermédio e
elevado) dos sujeitos da amostra, relativamente às dimensões do MBI (N=100)

Baixo Intermédio Elevado


n % n % n %
Exaustão Emocional 41 41,0 25 25,0 34 34,0
Realização Pessoal 47 47,0 32 32,0 21 21,0
Despersonalização 79 79,0 14 14,0 7 7,0

Em relação ao estilo de coping, constata-se que as estratégias a que os


participantes desta amostra mais recorrem (“em média é isto que faço”) para
lidar com situações de stress/ameaça são planear (M=2,1) e coping activo
(M=1,9); os participantes referem não recorrer (“nunca faço isto”) ao uso de
substâncias (M=0,1), ao desinvestimento comportamental (M=0,4) e à negação
(M=0,7). Os profissionais de saúde deste estudo assinalaram que apenas
recorrem esporadicamente (“faço isto por vezes”) às estratégias: religião
(M=1,1); auto-distração (M=1,2); humor (M=1,2); auto-culpabilização (M=1,3);
suporte instrumental (M=1,5); reinterpretação positiva (M=1,7) e aceitação
(M=1,7). Recorda-se que as respostas nesta escala situam-se entre 0 (“nunca
faço isto”) e 3 (“faço sempre isto”).

Quadro 5. Média (M), desvio-padrão (DP), valores mínimo e máximo no total da amostra (N=100),
das dimensões do Brief-Cope.
BRIEF-COPE M DP
- Coping ativo 1,9 0,63
- Planear 2,1 0,58
- Utilizar Suporte Instrumental 1,5 0,67
- Utilizar Suporte Emocional 1,7 0,72
- Religião 1,1 0,91
- Reinterpretação Positiva 1,7 0,69
- Auto culpabilização 1,3 0,58
- Aceitação 1,7 0,62
- Expressão de Sentimentos 1,6 0,74
- Negação 0,7 0,58
- Auto Distração 1,2 0,66
-Desinvestimento Comportamental 0,4 0,50
- Uso de Substâncias 0,1 0,36
- Humor 1,2 0,69
Resultados das análises de comparação dos grupos profissionais

A análise comparativa entre médicos e enfermeiros em relação às fontes


de stress, mostra a existência de diferenças estatisticamente significativas em

269
três dimensões: relações profissionais, excesso de trabalho e
carreira/remuneração. Na dimensão relações profissionais os enfermeiros
apresentam uma ordem média (mean rank=59,1) mais elevada do que os
médicos (mean rank=41,2) (z=-3.08, p=.002). Na dimensão carreira e
remuneração os enfermeiros revelaram um valor médio mais elevado (M= 2,8)
do que os médicos (M=1.9) (t=-4.9; p<.001). Na dimensão excesso de trabalho
também se verificaram diferenças com significância estatística (p=.041)
evidenciando os médicos resultados mais elevados (M=2,9) do que os
enfermeiros (M=2,5). As dimensões lidar com clientes, acções de formação e
problemas familiares apresentam valores homogéneos entre os grupos (p>.05),
sendo a perceção de stress equivalente entre os grupos.

Quadro 6 – Resultados do t-test e do teste U-Mann-Whintey na comparação entre médicos e


enfermeiros, relativamente às dimensões do Questionário de Stress (N=100)

Médicos (n=48) Enfermeiros (n=52)

QSPS – dimensões M DP Mean M DP Mean t/ Z p


Rank Rank

- Lidar com Clientes 2,5 0,79 49,9 2,6 0,73 51,0 -0,187 0,851

- Relações 1,6 0,96 41,2 2,2 1,02 59,1 -3,080 0,002*


Profissionais

- Excesso de Trabalho 2,9 0,86 --- 2,5 0,83 --- -2,074 0,041*

- Carreira e 1,9 1,00 --- 2,8 0,94 --- -4,899 <0,001*


Remuneração

- Ações de Formação 2,0 1,02 --- 2,2 0,93 --- 0,989 0,325

- Problemas Familiares 1,6 0,93 49,5 1,7 0,94 51,4 0,336 0,737

* p<0,05 ** p<0,01

Na comparação dos valores percentuais nas diferentes dimensões da


escala de stress, verificamos que no grupo dos médicos o excesso de trabalho
(77%) e lidar com clientes (68.8%) surgem como principais fontes de stress,
enquanto nos enfermeiros, verificamos que as dimensões carreira e
remuneração (80.7%) e lidar com clientes (78.8%) constituem as principais
fontes de stress. Constatou-se ainda que as relações profissionais e os

270
problemas familiares constituem as fontes de menor stress tanto nos médicos
como nos enfermeiros.
Os resultados da comparação entre médios e enfermeiros em relação aos
Burnout revelaram a inexistência de diferenças estatisticamente significativas
nas três dimensões do MBI-HSS (quadro 7). Em termos médios, podemos
afirmar que os médicos e os enfermeiros possuem níveis intermédios de
exaustão emocional, níveis intermédios de realização pessoal e baixos níveis de
despersonalização.

Quadro 7 - Resultados do teste U Mann-Whitney e do teste t para amostras independentes na


comparação entre médicos e enfermeiros, nas dimensões do MBI-HSS.

Médicos (n=47) Enfermeiros (n=52)

MBI-HSS – dimensões M DP Mean M DP Mean t /Z p


Rank Rank

- Exaustão Emocional 22,7 12,34 --- 20,3 12,2 --- -0,987 0,326

- Realização Pessoal 36,4 6,47 48,9 36,5 7,59 51,0 -0,351 0,726

- Despersonalização 4,2 4,24 49,0 4,7 4,55 50,9 -0,331 0,740

No que concerne às estratégias de coping, o estudo das diferenças entre


médicos e enfermeiros efetuado com base no teste U Mann-Whitney, revelou
diferenças estatisticamente significativas nas escalas planear, auto-
culpabilização e desinvestimento comportamental. Nas escalas planear (z=.62,
p<.05) e auto-culpabilização (z=2.28, p<.05), os médicos apresentam
classificações médias mais elevadas (M=55,7; M=56,2) do que os enfermeiros
(M=44,1; M=43,6); na escala desinvestimento comportamental (z=1.49;
p=0,013) os enfermeiros revelam uma classificação média mais elevada
(M=55,6) relativamente aos médicos (M=42,6). Também se registam tendências
de significância nas escalas negação (p=.07) (classificação média mais elevada
nos enfermeiros) e uso de substâncias (p=.097) (classificação média mais
elevada nos médicos). Nas restantes escalas não se verificaram diferenças
estatisticamente significativas.

271
Quadro 8. Resultados do teste U Mann-Whitney na comparação entre Médicos e Enfermeiros, nas
escalas do Questionário Brief-Cope

Médicos (n=48) Enfermeiros (n=52)

BRIEF-COPE – subescalas MeanRank Mean Rank Z p

- Coping ativo 51,32 47,89 0,62 0,535

- Planear 55,66 44,05 2,09 0,036*

- Utilizar Suporte
50,28 48,81 0,27 0,789
Instrumental

- Utilizar Suporte Emocional 49,98 49,08 0,16 0,872

- Religião 49,97 48,13 0,33 0,740

- Reinterpretação Positiva 51,71 48,45 0,58 0,562

- Auto culpabilização 56,16 43,61 2,28 0,022*

Médicos Enfermeiros
BRIEF-COPE – subescalas Z p
(n=48) (n=52)
- Aceitação 50,17 49,85 0,06 0,954

- Expressão de Sentimentos 50,12 49,89 0,04 0,968

- Negação 44,16 54,22 1,81 0,070

- Auto Distração 50,35 48,75 0,29 0,772

- Desinvestimento
42,63 55,58 2,49 0,013*
Comportamental
- Uso de Substâncias 52,38 47,85 1,66 0,097
- Humor 49,85 50,13 0,05 0,960

* p<.05

Uma análise mais pormenorizada permitiu especificar as estratégias de


coping mais utilizadas pelos médicos: planear - item 25 (85,5%) e item 14
(77,1%); coping ativo (item 7) (70,9%); e aceitação - item 24 (66,7%) (quadro
9).

Quadro 9. Ranking das estratégias de coping mais utilizadas pelos médicos (n=48)
Item – Estratégia de Coping %
25. Penso muito sobre a melhor forma de lidar com a situação. 85,5
14. Tento encontrar uma estratégia que me ajuda no que tenho que 77,1
fazer.
7. Tomo medidas para tentar melhorar a minha situação. 70,9
24. Tento aprender a viver com a situação. 66,7
2. Concentro os meus esforços para fazer alguma coisa que me permita 64,6
enfrentar a situação.
12. Tento analisar a situação de maneira diferente, de forma a torná-la 58,3

272
mais positiva.
13. Faço críticas a mim próprio. 58,3
10. Peço conselhos e ajuda a outras pessoas para enfrentar melhor a 54,2
situação.
21. Sinto e expresso os meus sentimentos de aborrecimento. 52,1
15. Procuro o conforto e compreensão de alguém. 50

No que concerne às estratégias de coping mais utilizadas pelos


enfermeiros são: planear item 14 (84,6%) e item 25 (77%); coping ativo - item
7 (76,9%) e item 2 (69,2%); e aceitação, item 24 (67,3%) (quadro 10).

Quadro 10. Ranking das estratégias de coping mais utilizadas pelos enfermeiros (n=52)
Item – Estratégia de Coping %
14. Tento encontrar uma estratégia que me ajuda no que tenho que 84,6
fazer.
7. Tomo medidas para tentar melhorar a minha situação. 76,9
25. Penso muito sobre a melhor forma de lidar com a situação. 77
2. Concentro os meus esforços para fazer alguma coisa que me 69,2
permita enfrentar a situação.
24. Tento aprender a viver com a situação. 67,3
12. Tento analisar a situação de maneira diferente, de forma a 59,6
torná-la mais positiva.
17. Procuro algo positivo em tudo que está a acontecer. 59,6
15. Procuro o conforto e compreensão de alguém. 55,8
5. Procuro apoio emocional de alguém (família, amigos). 51,9
9. Fico aborrecido e expresso os meus sentimentos. 50
Variação dos resultados em função das variáveis socio-demográficas e características profissionais

Na análise da variação dos resultados nas variáveis estudadas em função


das variáveis demográficas e características profissionais foram realizadas
análises de variância (one-way ANOVA).
Avaliamos a variação dos resultados em função da idade dos profissionais
de saúde, formando três grupos diferentes que reflectissem as várias etapas de
desenvolvimento profissional (até aos 30 anos de idade, dos 31 aos 50 e mais de
50 anos de idade). Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas
nas variáveis em estudo. De salientar no entanto que, em relação às fontes de
stress, se verificou uma tendência de significância na subescala carreira e
remuneração (p=,062), evidenciando os profissionais com idade inferior a 30
(M=2,7) valores superiores em relação aos profissionais na faixa etária dos “31

273
aos 50 anos de idade” (M=2,4) e aos profissionais com “51 ou mais anos de
idade” (M=2,0).
Procuramos também discriminar, na amostra total, os profissionais de
saúde de acordo com a experiência profissional, categorizando esta variável em
três grupos: profissionais em início de carreira (até 5 anos), profissionais com
experiência intermédia de trabalho (6 a 15 anos) e profissionais com mais de 15
anos de prática profissional (>15 anos experiência profissional). Foi utilizado o
teste Kruskal-Wallis e a one-way ANOVA. A generalidade das variáveis revelou a
presença de homogeneidade dos resultados entre os grupos, pela proximidade
dos valores/classificações médias. O estudo da variação dos resultados em
função dos anos de serviço foi também efetuado em cada grupo profissional. Na
amostra de médicos, a dimensão do Burnout Exaustão Emocional revelou
diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes grupos de
experiência profissional (F=7,32; p=.002). As análises post-hoc de Bonferroni,
revelaram diferenças significativas entre os médicos com 5 ou menos anos de
experiência profissional e os médicos com 6 a 15 anos de serviço (p=.002);
havendo também diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de
médicos com menos anos de prática profissional (0-5 anos) e o grupo de
médicos com 16 ou mais anos de serviço (p=.011). Nas restantes variáveis
predomina o equilíbrio entre os grupos de experiência profissional, seja pela
proximidade dos valores médios, seja pela proximidade das classificações
médias.

Discussão
A análise dos dados obtidos na avaliação dos níveis de stress na amostra
em estudo demonstrou, em termos médios, que cerca de 26% dos profissionais
de saúde apresentaram valores globais elevados de stress na sua prática
profissional. Este valor aproxima-se dos valores anotados em estudos realizados
com outros profissionais. Um estudo realizado por Gomes (1998), revelou que
aproximadamente 30% dos psicólogos apontaram níveis elevados de stress. Já
num estudo realizado por Silva (2008b) com profissionais de saúde, 15% dos
participantes assinalou valores elevados de stress – estes resultados situam-se
abaixo dos valores apontados no nosso estudo.
Numa observação mais detalhada, podemos identificar na presente
amostra de profissionais de saúde, as principais fontes de stress que conduzem
a uma experiência profissional mais negativa: tomada de decisão com potencial

274
risco para os utentes (72%), excesso de trabalho (64%) e falta de tempo para
desempenhar as funções profissionais adequadamente (63%). Estes resultados
assemelham-se a outros estudos realizados com profissionais de saúde
portugueses, em que a sobrecarga de trabalho e a pressão de tempo, bem como
os aspetos relativos à carreira e remuneração, surgem como os fatores
geradoras de maiores níveis de stress (Silva, 2008b; Melo, Gomes & Cruz, 1997).
Mostra-se pertinente assinalar também as diferenças encontradas entre
os diferentes grupos profissionais (e.g. médicos e enfermeiros) no que concerne
às fontes de stress ocupacional. Observaram-se diferenças estatisticamente
significativas entre os dois grupos profissionais nas seguintes dimensões:
“relações profissionais”, “carreira e remuneração”, “lidar com clientes” e
“excesso de trabalho”. Neste sentido, os enfermeiros obtiveram valores mais
elevados de stress na dimensão “relações profissionais” e “carreira e
remuneração”, enquanto os médicos parecem experienciar níveis
significativamente mais elevados na dimensão “lidar com clientes” e na
dimensão “excesso de trabalho”. A elevação nestas dimensões pode dever-se a
rigidez e inflexibilidade de profissionais com cargos superiores ou a necessidade
de mais orientação, enquanto o nível da subescala “carreira e remuneração”
parece indicar que a amostra em estudo poderá apresentar falta de perspectivas
de progressão, baixo salário e a falta de infra-estruturas para realizar
adequadamente as suas funções, tal como sugere Gomes (1998), na
interpretação dos resultados obtidos no seu estudo. A classe médica, por sua
vez, quando comparada com o grupo dos enfermeiros, pontuou níveis mais
elevados na dimensão “lidar com clientes”. De facto, esta elevação pode dever-
se ao facto deste grupo profissional ter frequentemente de enfrentar diversas
exigências a nível emocional, pelo facto de lidar directamente com os doentes e
familiares, comunicando notícias graves, o que não acontece com os
enfermeiros. De salientar, que nesta investigação, verificou-se que os médicos
passam em média 40,5 horas por semana em contacto direto com os pacientes.
No presente estudo os médicos também obtiveram valores mais elevados na
subescala “excesso de trabalho”, tal como no estudo se Silva (2008b) realizado
com profissionais de saúde. Este facto pode ser explicado pelo número médio de
horas de trabalho que os médicos exercem semanalmente (43,1) relativamente
aos enfermeiros (36,1), assim como também pelo tempo gasto em deslocação
da residência até ao local de trabalho (os médicos demoram aproximadamente

275
25 minutos no percurso até à unidade de saúde, enquanto os enfermeiros
gastam 15, 7 minutos).
Diversas investigações demonstram que as instituições de saúde (e.g.
hospitais e centros de saúde) contêm características organizacionais associadas
ao stress, como múltiplos níveis de autoridade, interdependência das
responsabilidades e especialização profissional, que conduzem a ambientes de
trabalho de grande tensão (Calhoun, 1980; Rodrigo, 1995, cit in McIntyre,
McIntyre & Silvério, 1999). Os resultados encontrados no presente estudo
reforçam que os profissionais de saúde estão em contacto com muitos estímulos
que podem ser percepcionados como fontes de stress. Assim, estes dados
permitiram ilustrar a multiplicidade de problemas que os dois grupos
profissionais enfrentam, realçando assim a necessidade de futuras investigações
neste âmbito.
No que se refere aos indicadores de burnout, e recorrendo à utilização de
valores normativos, constata-se na presente amostra de profissionais de saúde a
inexistência de valores acentuados nas três dimensões do MBI-HSS. Os
resultados evidenciaram valores médios na dimensão “exaustão emocional” e na
dimensão “realização pessoal”, enquanto na dimensão “despersonalização”
obteve-se uma pontuação baixa. Estes resultados vão de encontro a um estudo
recentemente realizado com profissionais de saúde portugueses, efectuado por
Silva (2008b), na medida em que não se registaram valores acentuados em
nenhuma das dimensões do Inventário de Burnout de Maslach (na exaustão
emocional – valor intermédio; na realização pessoal e na despersonalização –
valor baixo). Um outro estudo, realizado por Ferreira (2008) também com
profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários (Unidades de Saúde
Familiar), obteve resultados semelhantes na medida em que apresentaram
valores igualmente baixos nas dimensões exaustão emocional (M=16,98) e
despersonalização (M=2,37) e valores elevados na dimensão realização pessoal
(M=38,5). Os resultados obtidos neste estudo vão também de encontro a um
outro estudo realizado na Austrália por Patrick (2007), no qual se verificou que
os profissionais de saúde apresentaram níveis significativamente baixos de
despersonalização. Estes resultados podem ser explicados de acordo com a
formulação teórica de Pearlman e Hartman (1982) acerca do fenómeno de
burnout. Para os autores anteriormente mencionados, o burnout manifesta-se
sobretudo através da dimensão de exaustão emocional, que ocorre quando as
fontes de stress excedem as suas capacidades de coping ou estes não estão em

276
congruência com o sistema de crenças e valores do sujeito e, desse modo, não
pode reconciliar cognitivamente com as fontes de stress ou utilizar as suas
estratégias de coping. O baixo nível de despersonalização poderá estar associado
a uma capacidade benéfica de identificação e empatia com os clientes/pacientes.
Tal como aponta Müller (2004), os sintomas de despersonalização estão
relacionados com condutas defensivas, desmotivação e falta de entusiasmo e
interesse. Por sua vez, níveis intermédios de “realização pessoal” podem indicar
que os profissionais de saúde percepcionam o seu trabalho como uma “prática
de ajuda”, obtendo como recompensa a experiência de gratificação pessoal.
Na análise dos níveis de Burnout por grupo profissional, não houve
variação nos resultados em relação aos dados obtidos na amostra total,
revelando ambos os grupos profissionais níveis intermédios de exaustão
emocional, níveis intermédios de realização pessoal e baixos níveis de
despersonalização. Estes resultados podem ser comparados com o estudo de
Ferreira (2008), no qual se salientou a inexistência de diferenças significativas
nas três dimensões do burnout no que se refere à atividade profissional. Os
resultados do presente estudo vão também de encontro a um estudo realizado
com enfermeiras dos cuidados de saúde primários do interior-norte de Portugal,
no qual se verificou elevada realização pessoal e baixo burnout (Silva, 2008c)
Sublinha-se, contudo, que os resultados deste estudo e do estudo de Silva
(2008) em relação ao Burnout, mostram-se mais positivos do que os dados
encontrados em estudos realizados anteriormente em Portugal com amostras
semelhantes. Um estudo realizado por Fasquilho (2005) com uma amostra de
médicos, revelou que cerca de metade dos profissionais se encontravam em
estado de burnout. Num outro estudo, realizado Queirós (2005), observou-se
que 27% dos enfermeiros assinalaram exaustão emocional (elevada) e 16%
despersonalização (elevado).
No que concerne ao coping em profissionais de saúde, os estudos
salientam que estes profissionais recorrem frequentemente a estratégias de
coping proativas para lidar com o stress no local de trabalho. Tal confirma-se
com os dados do presente estudo em que a subescala planear do Brief-Cope foi
a mais utilizada pelos profissionais de saúde (81%), seguida da subescala
“coping activo” (item 7: 74%; item 2: 67%). Estes dados sugerem que os
profissionais de saúde em estudo parecem avaliar de forma tendencialmente
positiva as situações de maior ansiedade ou de stress. Nesta variável, os
resultados encontrados na presente amostra mostram-se similares a um estudo

277
realizado na Tailândia (Pongruengphante & Tyson, 2000, cit in Britto & Carvalho,
2003), em que os autores salientaram que os profissionais de saúde utilizavam
estilos de coping proactivos para evitar o stress ocupacional. Outro estudo com
resultados análogos foi efectuado no Canadá (Delmos & Duquette, 2000, cit in
Britto & Carvalho, 2003), onde se verificou que 60% dos profissionais de saúde
também utilizam estratégias de coping proactivas.
No estudo comparativo entre médicos e enfermeiros, verificamos a
existência de diferenças estatisticamente significativas nas escalas “planear” e
“auto- culpabilização”, evidenciando os médicos classificações médias mais
elevadas do que os enfermeiros. Verifica-se, deste modo, que os médicos
planeiam e pensam em estratégias para confrontar o agente stressante, embora,
por vezes, se culpabilizam pelo sucedido. Por outro lado, na escala
“desinvestimento comportamental”, os enfermeiros demonstram uma
classificação média mais elevada do que os profissionais de medicina, o que
pode indicar um menor esforço para alcançar os objectivos quando algo
stressante possa estar a interferir no desempenho profissional. Foram também
assinaladas diferenças marginalmente significativas na escala “negação”. Estes
resultados são semelhantes a um estudo realizado por Pocinho e Capelo (2009)
com docentes, em que os sujeitos não recorreram apenas a estratégias
tendencialmente adaptativas e funcionais para lidar com as dificuldades e
exigências da profissão.
Verificámos, em relação ao estilo de coping, que as estratégias mais
utilizadas quer pelos médicos quer pelos enfermeiros, são: “planear” (médicos
85,5%; enfermeiros 84.6%), “coping activo” (médicos 70,9%; enfermeiros
76.9%) e “aceitação” (médicos 66,7%; enfermeiros 67.3%). Estes resultados
indicam que os profissionais de saúde reconhecem que o factor stressante
ocorreu e é real, fazendo esforços para o eliminar ou reduzir os seus efeitos
através de alternativas para lidar com a situação. Neste sentido, os profissionais
de saúde tendem a utilizar maioritariamente estratégias de coping que produzem
provavelmente melhores resultados. Desta forma, depreende-se, que para lidar
com as exigências/obstáculos associados à profissão, tanto os médicos como os
enfermeiros optam por estratégias adaptativas e funcionais, orientadas para a
resolução de problemas. Estes profissionais de saúde tendem a basear-se em
ações e reavaliações cognitivas proactivas o que, tal como aponta (Latack, 1986,
cit in Pocinho & Capela, 2009), se associa a uma menor vulnerabilidade ao stress
.De facto, valores não elevados na exaustão emocional e na despersonalização

278
estão positivamente associados ao coping proactivo, bem como resultados mais
elevados na realização pessoal tenderá a significar uma maior utilização desta
estratégia de coping.
No último conjunto de análises efectuadas, consideramos a variação dos
resultados de acordo com a idade e com os anos de prática profissional dos
profissionais de saúde em estudo. Nas variáveis estudadas não se registaram
diferenças significativas entre os grupos. Nesse sentido, independentemente da
faixa etária, salientamos um padrão de resposta semelhante entre os sujeitos.
Estes resultados não estão de acordo com a literatura, pois os profissionais
jovens são geralmente aqueles que possuem uma jornada de trabalho mais
ampla. Esta situação, de acordo com Soratto e Oliver-Heckler (1999), envolve
um maior esforço e adaptação por parte dos profissionais mais jovens, para não
aumentar o sentimento de sobrecarga laboral. No estudo realizado por Silva
(2008b), verificou-se que os profissionais mais jovens relataram experiências de
stress mais elevadas. Também um estudo efectuado por Gomes e colaboradores
(2009) com profissionais de saúde destacou que os mais novos e inexperientes
descreveram mais queixas relativas ao salário e instabilidade laboral. De acordo
com a literatura, os factores que estão associados a níveis mais elevados de
stress na faixa etária mais jovem são: excesso de trabalho; carreira profissional
e remuneração auferida. Relativamente ao tempo de prática profissional também
não se verificaram diferenças significativas entre os profissionais com mais
tempo de serviço dos profissionais com menos experiência profissional, quer na
amostra total, quer no grupo de médicos e no grupo enfermeiros. Assim, os
resultados encontrados nas variáveis estudadas (fontes de stress, burnout e
estratégias de coping), não variam com a idade dos participantes nem com os
anos de prática profissional. Esta não existência de diferenças na avaliação das
fontes de stress ocupacional e na experiência de burnout, poderá dever-se às
novas e recentes exigências colocadas globalmente aos profissionais de saúde
dos ACES (independentemente da idade e dos anos de experiência laboral), o
que poderá ter resultado numa maior homogeneidade na experiência do stress
nestas instituições de saúde.
No presente estudo, ao contrário de estudos anteriores (e.g. Queirós,
2005; McIntyre et al., 1999; Silva, 2008b), não se verificaram diferenças
significativas entre os anos de experiência profissional e problemas ao nível da
exaustão emocional. O número de profissionais de saúde na presente amostra
com 0-5 anos de prática profissional (n=19) era reduzido relativamente aos

279
restantes dois grupos, podendo constituir uma das possíveis explicações do facto
destes resultados não corroborarem os dados de estudos semelhantes. Na
investigação de Silva (2008b), as diferenças relativas à experiência profissional
assumiram maior stress associado à instabilidade profissional nos profissionais
com menos prática profissional (0-5 anos) comparativamente aos mais
experientes (mais de 15 anos de prática profissional), pois estes últimos
evidenciaram menor preocupação no que concerne à remuneração auferida e ao
estatuto socioprofissional. Igualmente no estudo realizado por McIntyre e
colaboradores (1999), com 62 enfermeiros portugueses, os sujeitos com menos
anos de experiência mencionaram a baixa remuneração como um problema mais
significativo na sua actividade ocupacional. Segundo Maslach e Jackson (1984),
a faixa etária mais jovem experiencia maior desgaste emocional devido à busca
de melhores condições profissionais e económicas, o que pode proporcionar
maior distanciamento na relação médico/enfermeiro-paciente.
A interpretação dos resultados anteriormente descritos deve ser feita com
alguma precaução, dadas as limitações metodológicas do presente estudo.
Salienta-se que a recolha da amostra foi realizada em dois ACES na região Norte
do País, devendo assim ter-se em consideração as características sociais e
culturais dessa região e manter alguma precaução na generalização dos
resultados a outras regiões do país. Por outro lado, tanto os médicos como os
enfermeiros que não se voluntariaram a participar no estudo, poderiam
apresentar elevados níveis de burnout e evidenciar falta de motivação para
colaborar. De salientar ainda, que o número reduzido de participantes também
constituiu uma limitação ao nível das análises de comparação de grupos. Um
outro aspeto que se mostra pertinente sublinhar, é o fato do fenómeno do stress
ocupacional e do burnout, pelo carácter delicado das questões que implica, ser
passível de ser particularmente sensível à desejabilidade social. Assim, embora
se tenha garantido a confidencialidade das respostas dos sujeitos no
procedimento da recolha de dados, o efeito da desejabilidade social poderá ter
estado presente no preenchimento da bateria de instrumentos de avaliação.
Contudo, e apesar das limitações apontadas, este estudo permitiu apontar
conclusões relativamente ao stress ocupacional e às estratégias de coping
utilizadas nesta amostra de profissionais de saúde dos cuidados de saúde
primários.
Este estudo permitiu ainda constatar a necessidade de dar continuidade à
investigação científica neste domínio. Sugere-se que no futuro as investigações

280
ultrapassem a natureza transversal e descritiva deste estudo, procurando
compreender padrões temporais e testar novos pressupostos baseados em
modelos conceptuais neste âmbito. A replicação deste estudo em amostras mais
alargadas e recolhidas em várias regiões do país, permitirá não só realizar
diferentes análises comparativas de grupos (e.g. género), como uma maior
segurança na generalização dos resultados encontrados. Assinala-se ainda a
necessidade de desenvolver programas de intervenção quer a nível individual
quer no âmbito institucional, de forma a prevenir e reduzir a taxa de burnout e a
promover estratégias de coping adaptativas e eficazes. Por fim, enfatiza-se a
necessidade de uma maior produção científica qualitativa nesta área, de modo a
que possa proporcionar um conhecimento mais aprofundado e compreensivo
acerca desta temática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Blegen, M.A. (1993). Nurses´ job satisfaction: A meta-analysis of related
variables. Nursing Research, 42, 36-41.
Britto, E.S., & Carvalho, A.M.P. (2003). Stress, coping e saúde geral dos
enfermeiros que actuam em unidades de assistência a portadores de AIDS e
problemas hematológicos. Revista Gaúcha Enfermagem, 24(3): 365 – 72.
Cooper, C.L., Dewe, P.J., & O´Driscoll, M.O. (2001). Organizational
Stress: A review and critique of theory, research and applications. London: Sage.
Carver, C., Scheider, M.F. (1989). Assessing coping strategies: A
theoretically based approach. Journal of Personality and Social Psychology,
56(2), 267-283.
Craver, C. S., & Scheier, M. F. (1985). Optimism, coping and health:
Assessment and implications of generalized outcome expectancies. Health
Psychology, 4, 219 - 247.
Carver, C.S. (1997). You want to measure coping but your protocol’s too
long: consider the brief COPE. International Journal of Behavioral Medicine, 4(1),
92-100.
Chambers, R. (1998). Health at work in the general practice. British
Journal of General Practice, 48, 433, 1501-1504.
Cruz, J.F., & Melo, B.M. (1996). Stress e burnout nos psicologos:
Desenvolvimento e caracteristicas psicométricos de instrumentos de avaliação.
Manuscrito não publicado. Braga: Universidade do Minho.

281
Diário da República (2005). Linhas de ação prioritária para o
desenvolvimento dos cuidados de saúde primários. Resolução do Conselho de
Ministros n.º 86/2005, Diário da República, 81, I Série-B.
Dorz, S., Novara, C., Sica, C., & Sanavio, E. (2003). Predicting burnout
among HIV/AIDS and oncology health care workers. Psychology and Health, 18
(5), 677-684.
Farber, B.A. (1991). Crisis in education. Stress and burnout in the
American teacher. S. Francisco: Jossey-Bass Inc.
Felton, J.S. (1998). Burnout as a clinical entity – its importance in health
care workers. Occupational Medicine, Vol. 48, nº 4, 237-250.
Ferreira, F.M.J. (2008). Burnout e satisfação no trabalho nos cuidados de
saúde primários: um estudo exploratório com médicos, enfermeiros e
administrativos. Tese de mestrado. Porto: Universidade do Porto.
Gomes, A.R. (1998). Stress e burnout nos profissionais de psicologia.
Tese de mestrado. Braga: Universidade do Minho.
Gomes, A.R., & Cruz, J.F. (2004). A experiencia de stress e burnout em
psicólogos Portugueses: um estudo sobre as diferenças de género. Psicologia,
Teoria, Investigação e Prática, 2, 193-212.
Gomes, A.R., Cruz, J. F., & Cabanelas, S. (2009). Estresse ocupacional
em profissionais de saúde: um estudo com enfermeiros portugueses. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 25, 3, 307-318.
Gomes, A. R., Melo, B., & Cruz, J. F. (2000). Estudo do stress e do
burnout nos psicólogos portugueses. In J. F. Cruz, A. R. Gomes, & B. Melo
(Orgs.), Stress e burnout nos psicólogos portugueses (pp. 73-130). Braga: SHO
– Sistemas Humanos e Organizacionais.
Hespanhol, A. (1996). Condições do Exercício da Clínica Geral no Norte de
Portugal. Dissertação de Doutoramento em Medicina Familiar. Porto: Faculdade
de Medicina da Universidade do Porto.
Hespanhol, A. (2005). Burnout e stress ocupacional. Revista Portuguesa
de Psicossomática, 7 (1/2): 153 – 162.
Hillhouse, J.J., & Adler, C.M. (1997). Investigating stress effect patterns
in hospital staff nurses: Results of a cluster analysis. Social Science & Medicine,
45, 1781 1788.
Lazarus, R.S., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. New
York:Springer.

282
Lazarus, R.S., & Folkman, S. (1988). Coping as a mediator of emotion.
Journal of personality and social psychology, 54, 466-475.
Lazarus, R.S., & Folkman, S. (1991). Coping and emotion. In A. Monat,
R.S. Lazarus (Eds.), Stress and coping, an Antology. New York: Colombia
University Press.
Lipp, M., & Tanganelli, M.S. (2002). Stress e qualidade de vida em
magistrados de Justiça do trabalho: diferenças entre homens e mulheres.
Psicologia: Reflexão e critica, 15 (3), 537-548.
Maslach, C. (1976). Burned-out. Human Behaviour, 5, 16-22.
Maslach, C., & Jackson, S.E. (1984). Burnout in organizational settings.
Applied Social Psychology Annual, 5, 133-153.
Maslach, C., & Jackson, S.E. (1986). Maslach Burnout Inventory. Palo
Alto, Califórnia: Consulting Psychologist Press.
Maslach, C., & Leiter, M.P. (1997). The truth about burnout: How
organizations cause personal stress and what to do about it. San Francisco:
Jossey-bass Publishers.
Maslach, C. & Schaufeli, W.B. (1993). Historical and conceptual
development of burnout. Recent developments in theory and research.
Washington: Taylor & Francis.
McIntyre, T. (1994). Stress e os profissionais de saúde: os que tratam
também sofrem. Análise Psicológica, 12, 2/3, 193-200.
McIntyre, T., McIntyre, S., & Silvério, J. (1999). Respostas de stress e
recursos de coping nos enfermeiros. Análise psicológica, 3 (XVII), 513-527.
Melo, B.T., Gomes, A.R., & Cruz, J.F.A. (1997). Stress ocupacional em
profissionais de saúde e do ensino. Psicologia: teoria, investigação e prática, 2,
53-72.
Melo, B.T., Gomes, A.R., & Cruz, J.F. (1999). Desenvolvimento e
adaptação de um instrumento de avaliação psicológica do burnout para os
profissionais de psicologia. Avaliação psicológica: Formas e Contextos, 4, 596-
604.
Müller, D.V. K. (2004). A síndrome de burnout no trabalho de assistência
à saúde: estudo dos profissionais da equipe de enfermagem do Hospital Santa
Casa da Misericórdia de Porto Alegre. Tese de Mestrado. Porto Alegre: Escola de
Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

283
Murofuse, N.T., Abranches, S.S., & Napoleão, A.A. (2005). Reflexões
sobre estresse e burnout e a relação com a enfermagem. Revista Latino-
Americana de Enfermagem, 13, 255-261.
Oliveira, M.A. & Guerra, M.P. (2004). Burnout nos profissionais de saúde
mental: expectativas, auto-actualização e outras variáveis associadas. Saúde
Mental, VI, 1, 15 25.
Pallant, J. (2007). SPSS Survival Manual: a step by step guide to data
analysis using SPSS. 3ª Edição. Australia: Allen & Unwin.
Patrick, N. (2007). Burnout in Nursing. Australian journal of advanced
nursing, 24(3), 43-48.
Pearlman, B., & Hartman, E.A. (1982). Burnout: summary and future
research. Human Relations, 35(4), 283-305.
Pestana, M.F. & Gageiro, J.N. (2005). Análise de dados para ciências
sociais: a complementaridade do SPSS. 4ª Edição. Lisboa: Edições Lisboa.
Pocinho, M. & Capelo, M. (2009). Vulnerabilidade ao stress, estratégias
de coping e auto - eficácia em professores portugueses. Educação e Pesquisa, 35
(2), 351 367.
Queirós, P. J. (2005). Burnout no trabalho conjugal em enfermeiros
portugueses. Coimbra: Edições Sinais Vitais.
Ribeiro, J. P., & Rodrigues, A. (2004). Questões acerca do coping: a
propósito do estudo de adaptação do brief cope. Psicologia, Saúde & Doenças,
5(1), 3-15.
Sauter, S.L., & Murphy, L.R. (1995). Organizational risk factors for job
stress. Washington, DC: American Psychological Association.
Schaufeli, W.B., Maslach, C., & Marek, T. (1993). Professional burnout:
recent developments in theory and research. Washington: Taylor & Francis.
Silva, L. (2008a). Riscos ocupacionais e qualidade de vida no trabalho em
profissionais de enfermagem (Dissertação de mestrado, Universidade Aberta,
2008). Disponível em: http://repositorioaberto.univ-ab.pt/handle/10400.2/1322
Silva, M. (2008b). Stress ocupacional em profissionais de saúde: um
estudo com médicos e enfermeiros. Dissertação de Mestrado em Psicologia da
Saúde. Braga: Universidade do Minho.
Silva, M.P. (2008c). Ansiedade e burnout em enfermeiros dos cuidados de
saúde primários do Interior-Norte de Portugal. Tese de mestrado. Porto:
Universidade do Porto.

284
Silva, R.M.F. (2009). Burnout, coping e resiliência em auxiliares de acção
educativa. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde. Porto:
Universidade do Porto.
Silva, M., & Gomes, A.R. (2009). Stress ocupacional em profissionais de
saúde: Um estudo com médicos e enfermeiros portugueses. Estudos de
Psicologia, 14 (3), 239-248).
Soratto, L., & Oliver-Heckler, C. (1999). Os trabalhadores e o seu
trabalho. In W. Codo (Org.), Educação: Carinho. Rio de Janeiro: Vozes, 278-281.
Vara, N. (2007). Burnout e satisfação no trabalho em bombeiros que
trabalham na área de emergência pré-hospitalar. Dissertação de Mestrado em
Psicologia da Saúde. Porto: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.

285
TÍTULO: Estudio sobre el comportamiento ético en las organizaciones -

¿por qué la ética se queda en las palabras?

AUTOR(ES): Inmaculada Cerejido Santos e Sonia Janet Romero

INSTITUIÇÃO: UDIMA – ESPANHA

Palabras claves: ética profesional, cultura empresarial, compromiso

1. Resumen
En esta investigación estudiamos los factores comportamentales de la práctica
profesional que hacen posible o inviable la implantación de modelos
empresariales éticos. El trabajo pretende ofrecer soluciones para la implantación
real de políticas organizativas vinculadas con la ética. Hemos medido el grado en
el que están presentes en las empresas las “competencias proto-éticas” o
aquellas actitudes que hacen posible la ejecución profesional desde modelos
comprometidos con la persona y el entorno. En nuestro estudio se demuestra
que el conjunto de competencias que hemos definido se comporta como un único
bloque. También se encuentran las diferencias de comportamiento entre
diferentes colectivos en función de edad, sector, nivel jerárquico...
Adicionalmente se aporta una herramienta capaz de medir la presencia de estas
competencias en los entornos profesionales.

2. Introducción

Las investigaciones sobre “business ethics” ética empresarial pueden


realizarse atendiendo a tres niveles dentro de las organizaciones, nivel filosófico,
nivel metodológico o de definición del modelo y nivel comportamental. El nivel
filosófico aborda las reflexiones y el marco conceptual que inspira el modelo de
empresa. El nivel metodológico ofrece directrices para definir los procesos y
estrategias que garanticen una ejecución ética. Siendo el nivel comportamental
quien estudia las conductas concretas que se producen en las organizaciones.
La ética empresarial se materializa en tres niveles: Una empresa ética es
aquella que tiene una filosofía ética, es decir que en su misión, visión y valores
se recogen los principios éticos. Un modelo empresarial que hace posible el
cumplimiento de estos principios, desde el que se define la política de RSC, las

286
normativas de igualdad, el código ético, la dirección por valores, el
departamento que vela por los derechos de los clientes... y otras muchas
herramientas que convierten en realidad la filosofía definida en la visión, misión
y valores de la organización. El tercer nivel involucra colaboradores que se
comportan siguiendo los principios del comportamiento éticos.
Nuestra investigación parte de la premisa de que los niveles filosóficos y
metodológicos se dan en un porcentaje muy alto de las organizaciones de
nuestro tiempo, bien por decisión propia de la organización, bien por las
derivaciones del cumplimiento con las normativas legales o por la concepción de
que el uso de estos conceptos puede mejorar la imagen de la organización entre
sus clientes. El impacto de las investigaciones en innovación social y de los
nuevos modelos sociales y empresariales se deja notar en las definiciones de la
misión, visión y valores de muchas organizaciones, además de en las
definiciones de las políticas de gestión que tratan de implementar.
Sin embargo a nivel comportamental, parecen no verse reflejados los
cambios que en la práctica profesional cabria esperar del nuevo marco filosófico
y metodológico que se propone como nuevo modelo empresarial. Son más las
palabras que los hechos en cuanto al cambio de modelo empresarial. Hemos
querido saber qué sucede en la práctica y qué dificulta que los marcos teóricos
no lleguen a materializarse en el tejido empresarial.
¿Por qué los valores y códigos éticos organizaciones son teoría? Es la idea
que ha conducido nuestra inquietud, haciéndonos buscar respuestas veraces
sobre el estado de este cambio empresarial que parece estar gestándose en
nuestro tiempo.

3.Objetivo

El objetivo general
Este trabajo consiste en la realización de un estudio empírico del
comportamiento en lo referido a valores dentro de las organizaciones. Hemos
querido llevar a elementos tangibles el concepto de ética profesional. Se trata de
un trabajo inédito, no tenemos constancia de ningún estudio experimental
similar.
Partimos de la definición de que el comportamiento ético requiere de la
presencia de seis variables o factores: la responsabilidad, el compromiso, el
respeto, la coherencia, el esfuerzo y la sinceridad. Entendemos que estos
elementos son previos al cumplimiento de los código éticos y los valores de las

287
organizaciones. Sin las bases de comportamiento humano que sustentan los
modelos de ética empresarial, no es posible aplicar políticas de bien común, de
integración de la diversidad, servicios responsables con el entorno, o un largo
listado de valores definidos por las organizaciones.
El objetivo general de trabajo es medir el grado en el que están presentes
estos elementos en la empresa española.

Los objetivos específicos son:


a) El diseño y análisis de las propiedades psicométricas de un cuestionario para
medir las competencias proto-éticas entre los profesionales de las organizaciones
b) Estudio de las relaciones entre los factores que componen el comportamiento
ético y variables como: género, edad, personas a cargo (directivo o no
directivo), tamaño de la empresa y sector al que pertenece.

4. Hipótesis del estudio

La ética empresarial no consiste en unos principios abstractos sino que debe


materializarse en conductas concretas a nivel individual, a nivel organizacional y
en los sistema de mercado. Desde la aparición del concepto en Estados Unidos
de “Business Ethics” a finales de los 70, el interés por integrar la ética en la
práctica profesional no ha hecho más que crecer. Sin embargo, siguiendo a
Alvarez y Torres (2005) hay algunas ambigüedades que han impedido un
desarrollo real de los modelos de comportamientos éticos en en el entorno
empresarial.

Las ambigüedades definidas por Alvarez y Torres Diaz (2005) son:


− El objetivo de la ética empresarial no desea cambiar la estructura
de la organización, se contenta con mejorar los corazones y conciencias o
educar voluntades.
− Centrar las intervenciones en ética profesional en el éxito y como
ésta contribuye al mismo. (Juan M. Elegido, en su libro “fundamentos de
ética de empresas” (1998) IPADE. Mexico, afirma que desde el punto vista
de la rentabilidad, la ética no modifica en nada los resultados, pues una
empresa ética puede obtener peores resultados que una empresa que
ignora la ética.)
− Legitimar la autorregulación del funcionamiento ético de las
organizaciones ante el miedo a la regulación externa.

288
− Trata de dar respuesta a la incertidumbre ante el futuro,
confundiendo las respuestas de gestión a largo plazo con los principios
éticos.

Nuestra aportación añade un elemento más a estos impedimentos que es


la no presencia de las competencias proto-éticas que hacen posible el desarrollo
de modelos éticos en las organizaciones.
Los elementos descritos por Alvarez y Torres y los propuestos en nuestros
estudio llevan con demasiada frecuencia a discursos en los entornos
profesionales llenos de palabras como valores, integridad, honorabilidad,
transparencia dónde no se producen comportamientos coherentes con tales
conceptos.
Patrus (2007) afirma que hablar de modelos éticos de gestión empresarial
exige de las empresas mucho más que la aprobación de un código de ética y el
mero apoyo a proyectos sociales reunidos bajo el nombre de responsabilidad
social empresarial. La ética profesional exige una serie de condiciones sin las
cuales lo que se piensa que puede ser una revolución no pasa de un recurso
legitimador de prácticas empresariales tradicionales. El modelo de la empresa
ética es el modelo antropológico, que promueve la persona y la afirma como fin.
Mientras que la empresa no-ética puede tener un modelo mecanicista o psico-
sociológicista, envuelto en un discurso ético.
Conseguir que la ética sea algo más que un discurso requiere de
comportamientos concretos en todos los niveles de organización. El presente
estudio partiendo de lo que la literatura define como las competencias éticas
(compromiso, responsabilidad, sinceridad, coherencia, respeto y esfuerzo),
hemos definido seis comportamientos en el entorno profesional, siendo estos los
pilares básicos para que pueda existir un paradigma o modelo de gestión ético
en la organización.
A partir de este marco teórico y situacional, el estudio trata de refutar las
siguientes hipótesis:
− Hipótesis 1. Todas las variables definidas, como competencias proto-
éticas, deben producirse en el mismo nivel, sin que puede haber
diferencia significativa entre ellas, pues juntas componen las
variables que posibilitan estilo de comportamiento profesionalmente
ético.
− Hipótesis 2. El nivel de competencias proto-éticas no superará 2,5 de

289
media, pues la ética empresarial es más un discurso que una realidad.
− Hipótesis 3. Existen diferencias en la percepción del comportamiento
ético en la empresa entre directivos y colaboradores.
− Hipótesis 4. La mujeres son más sensibles que los hombres a los
comportamientos ético en la empresas.
− Hipótesis 5. El sector financiero es el sector con perores puntuaciones
en las variables que determinan el comportamiento ético.
− Hipótesis 6. Los profesionales más jóvenes serán los más sensibles a
las variables básicas que posibilitan el comportamientos ético en la
empresas.
− Hipótesis 7. Las empresas de mayor tamaño están más
comprometidas con los valores de la ética empresarial

5. Implicaciones prácticas

Pretendemos que nuestro trabajo y por tanto los datos que se extraen de
él sirvan:
1-. Para ofrecer una visión real del grado de sensibilización y ejecución de
comportamientos éticos en las organizaciones.
2-. Para tomar decisiones a cerca de la necesidad de formación, sensibilización o
planificación de acciones concretas que resuelvan los problemas detectados.
3-. Para ayudar a desarrollar modelos de gestión éticos que materialicen la
filosofía que a ellos subyace.
4- Para generar un instrumento fiable y válido para la medición del
comportamiento ético profesional en las organizaciones.

6. Metodología

Se ha realizado un estudio empírico en el que 187 empresarios han


respondido el cuestionario y las otras variables de interés, el estudio es
cuantitativo, causal y explicativo. En primer lugar, para analizar la composición
de las escalas y calidad del test se ha realizado un análisis factorial confirmatorio
(AFC) mediante un modelo de ecuaciones estructurales en LISREL (Jöreskog,
1967). El método de estimación empleado fue WLS, el modelo ha sido ajustado a
la matriz de correlaciones policóricas por la naturaleza politómica de los datos
previo cálculo de la matriz de covarianzas asintóticas. Para la evaluación del

290
ajuste del modelo hemos utilizado el criterio mixto de Hu y Bentler (1999) en el
que se considera ajuste adecuado cuando el índice RMSEA <0,05 y el índice CFI
>0,95. También se examinaron los residuos estandarizados. La fiabilidad del
cuestionario se ha analizado mediante el coeficiente Alfa de Cronbach.
En segundo lugar, con el objeto de analizar la relación entre las variables
de interés (sexo, edad, tamaño de la empresa, número de personas a cargo y
sector al que pertenece la empresa) y sus efectos sobre el comportamiento ético
en las organizaciones se ha utilizado el análisis de varianza de un factor,
considerando como variable dependiente la puntuación total en el test y la
puntuación media de cada uno de los seis factores por separado.
Los análisis de las propiedades psicométricas del test y el análisis de
varianza se han realizado en SPSS.

6.1. muestra
La muestra que ha respondido el cuestionario ha sido 187 profesionales
de diferentes ciudades y sectores del tejido empresarial español. Las respuestas
al cuestionario han sido de carácter voluntario y anónimo. El acceso al
cuestionario ha sido mediante una dirección web.

6.2.cuestionario
Hemos diseñado un cuestionario de 24 items. Para la confección del
cuestionario las preguntas han sido validadas mediante un pequeño grupo de
expertos, quien realizó un prueba piloto para evaluar la comprensión y
adecuación de las preguntas. El cuestionario se estructura en seis factores.
Responsabilidad (RP): Asimilación las consecuencias de los actos y
decisiones de los profesionales en el desempeño de su tarea. ( Items 1, 2, y 3)
Compromiso (C): nivel de implicación de la organización y de los
profesionales con el proyecto compartido. (Items 4, 5, 6, y 7)
Respeto (RS): Trato respetuoso con las personas en todos lo niveles de la
organización y en todos los procesos. (Items 8, 9, 10, 11 y 12)
Coherencia (CH): Relación entre lo que se dice y lo que hace (items 13,
14 y 15)
Esfuerzo (E): Capacidad de los miembros que forman parte de una
organización para mantener el nivel de trabajo ante las dificultades y los
objetivos. (Items 16, 17,18 y 19)

291
Sinceridad (S): Capacidad de los miembros que forman parte de una
organización para comunicarse con veracidad y generar entornos confiables.
(Items 20,21,22,23 y 24)
El encuestado no conoce al grupo de variables que pertenece el item que
está respondiendo.
El cuestionario tiene 6 elementos de identificación o clasificación de la
muestra (edad, sexo, , ciudad, sector, tamaño de la organización, personas a
cargo...). En el anexo I se recoge el cuestionario.

7. Resultados

1. Análisis factorial confirmatorio mediante ecuaciones estructurales

En el anexo II se presenta el diagrama “path” con las saturaciones


estandarizadas resultantes en el modelo de ecuaciones estructurales que se está
probando. En dicho diagrama se puede apreciar la mayoría de las saturaciones
son positivas y altas. Como se esperaba, la escala de responsabilidad se
compone de los ítems 1, 2 y 3 con cargas factoriales significativas: i1 (0.49, t no
estimado), i2 (0.67, t = 7.60) e i3 (0.84; t = 2.95). La escala compromiso se
compone de los ítems 4 (0.96; t no estimado), 5 (0.70; t = 2.88) y 7 (0.49; t =
3) puesto que la saturación del ítem 6 no es significativa (-0.13; t = 1.66). El
factor respeto está medido por los items 8 (0.49; t no estimado), 9 (0.27; t =
4), 10 (0.66; t = 15.07), 11 (0.13; t = 2.01) y 12 (0.80; t = 7.42).
La escala de coherencia está conformada por los items 13 (0.93; t no
estimada), 14 (0.83; t = 11.01) y 15 (0.88; t = 12.69). El factor esfuerzo se
compone por los ítems 16 (0.81; t no estimada), 17 (1, t = 18) (0.88; t = 6.68)
y 19 (0.36; t = 5.10). Finalmente, la escala de sinceridad se compone de los
items 20 (1; t = 16), 23 (0.96; t = 1,98) y 24 (0.68; t = 13,46); porque las
cargas factoriales de los ítems 21 y 22 no son significativas: i21 (-0.03; t = -
0.33) e i22(-0.10; t = -0.29).
En cuanto al ajuste del modelo, el valor “Root Mean Square Residual
(RMR)” ha sido 0.022 y el valor RMR estandarizado 0.022. Los índices de bondad
de ajuste “Goodness of Fit Index (GFI)” ha sido 0.95; “Adjusted Goodness of Fit
Index (AGFI)” ha sido 0.91y “Parsimony Goodness of Fit Index (PGFI)” ha
resultado 0.77; de acuerdo a los criterios establecidos en el epígrafe de
metodología podemos aceptar que el modelo presenta buen ajuste.

292
Para terminar el estudio de las propiedades del test se ha realizado el análisis de
la fiabilidad mediante el coeficiente de consistencia interna Alfa de Cronbach
cuyo valor ha sido 0.887 indicando una alta precisión en la medida.

2. Análisis de varianza de un factor considerando como variable

dependiente la puntuación total en el test

2.1 Efectos de la variable SEXO


En la tabla 1 podemos apreciar que participaron un total de 116 varones
y 71 mujeres y que la puntuación media en el test fue muy similar para los dos
sexos, las diferencias en dichas medias no fueron significativas (F = 0.359; P =
0.55)

Tabla 1. Estadísticos descriptivos sexo

sexo Media N Desv. típ.

Varón 57.69 116 14.471

Mujer 56.44 71 12.828

Total 57.21 187 13.849

2.2 Efectos de la variable EDAD


En la tabla 2 podemos apreciar que la mayoría de profesionales que
participaron tienen edades entre 30 y 50 años y que los participantes de edades
extremas (menores de 20 años y mayores de 60 años) presentan una media
más alta en el test de comportamiento ético (ver figura 1), sin embargo, dichas
diferencias no son significativas para ninguno de los grupos de edad (F = 0.813;
P = 0.542)

293
Figura 1. Medias de la puntuación total en el test de comportamiento ético por categoría de edad

Tabla 2. Estadísticos descriptivos edad

edad Media N Desv. típ.

menos de 20 60.00 4 21.970

20-30 56.74 34 10.364

30-40 57.64 64 13.889

40-50 56.00 64 15.208

50-60 55.67 12 10.849

más de 60 65.44 9 15.322

Total 57.21 187 13.849

2.3 Efectos de la variable PERSONAS A CARGO

294
En la tabla 3 podemos apreciar que 82 participantes tienen más de 3
personas a cargo (directivos) y 105 no tienen más de 3 personas a cargo. Los
directivos tienen una media en la puntuación total del test significativamente
más alta (F = 4.83; P = 0.029) que los no-directivos, esto también se puede
apreciar en la Figura 2.

Tabla 3. Estadísticos descriptivos personas a cargo

Más de 3 Media N Desv. típ.

SI 59.71 82 14.61

NO 55.27 105 12.96

Figura 2: Medias de la puntuación total en el test en las categorías directivo no-directivo.

2.4 Efectos de la variable TAMAÑO DE LA EMPRESA


En la tabla 4 podemos apreciar que 71 empresas tienen menos de 50
empleados y 55 tienen más de 1000 siendo las cantidades más frecuentes. Las
puntuaciones más altas en el test de comportamiento ético se dan en las

295
empresas más pequeñas, existiendo diferencias estadísticamente significativas
entre los diversos tamaños (F = 3.128; P = 0.015) estas diferencias también se
pueden observar en la Figura 3.
Un análisis “post hoc” mediante Bonferroni revela que la diferencia
significativa ocurre entre las empresas más pequeñas (con menos de 50
empleados) con respecto a las más grandes (más de 1000 empleados)
hallándose una diferencia de medias igual a 8.51 con un error típico de 2.419 (P
= 0.014).

Tabla 4. Estadísticos descriptivos tamaño de la empresa

N Media Desv. típ.

menos de 50 71 61.17 15.096

50-100 15 59.60 12.982

100-300 22 58.73 11.323

300-500 15 53.13 12.761

500-1000 9 50.78 19.110

más de 1000 55 53.02 11.080

Total 187 57.21 13.849

296
Figura 3: Medias de la puntuación total en el test según el tamaño de la empresa.

2.5 Efectos de la variable SECTOR


En la tabla 5 podemos apreciar que 71 empresas pertenecen al sector
servicios, 36 a la industria y 25 al sector de telecomunicación. La media más alta
en el test de comportamiento ético se encuentra en el sector de enseñanza y
formación mientras que la más baja ocurre en la administración pública como se
puede observar en la figura 4. A pesar de que la diferencia de medias entre
sectores es apreciable no es estadísticamente significativa (F = 1.584; P =
0.154)

297
Tabla 5. Estadísticos descriptivos sector

N Media Desv. típ.

servicios 71 58.27 14.477

telecomunicaciones 25 56.60 13.019

enseñanza y formación 18 61.06 13.614

banca y seguros 14 58.29 8.371

sociosanitario 7 59.71 16.919

administración pública 14 47.36 12.376

industria 36 56.61 14.096

Total 185 57.22 13.84

Figura 4: Medias de la puntuación total en el test según el sector.

298
3. Análisis de varianza de un factor considerando como variable
dependiente la puntuación media en cada una de las sub-escalas que
componen el test:
Las variables entre las que se han encontrado diferencias significativas a
nivel de las subescalas que componen el test de comportamiento ético son:
PERSONAS A CARGO, SECTOR y TAMAÑO DE LA EMPRESA, los efectos sobre
dichas variables se presentan a continuación.

Tabla 6. Estadísticos descriptivos personas a cargo en cada subescala

Media Desv. típ.

responsabilidad no 2.51 0.73

si 2.72 0.79

Total 2.6 0.76

respeto no 2.28 0.7

si 2.42 0.7

Total 2.34 0.71

sinceridad no 2.5 0.63

si 2.58 0.7

Total 2.53 0.66

compromiso no 2.37 0.65

si 2.47 0.66

Total 2.41 0.65

esfuerzo no 2.4 0.7

si 2.64 0.81

Total 2.5 0.76

coherencia no 2.35 0.86

si 2.62 0.91

Total 2.47 0.86

299
3.1. Efectos de la variable PERSONAS A CARGO en los
factores que componen el comportamiento ético
La tabla de ANOVA (tabla 7) muestra que las diferencias significativas
ocurren en las escalas de responsabilidad, esfuerzo y coherencia, combinando
dichos resultados con los de la tabla 6 podemos apreciar que la diferencia de
medias favorece al grupo que tiene más de 3 personas a su cargo, en otras
palabras, estas personas presentan un comportamiento ético significativamente
superior en las escalas de responsabilidad, esfuerzo y coherencia.

Tabla 7. Tabla de ANOVA para la variable personas a cargo en cada subescala

Suma de Media
grupos cuadrados gl cuadrática F Sig.

responsabilidad Inter 2.264 1 2.264 3.936 .049

Intra 121.931 212 .575

Total 124.195 213

respeto Inter 1.027 1 1.027 2.071 .152

Intra 102.621 207 .496

Total 103.648 208

sinceridad Inter .351 1 .351 .800 .372

Intra 90.804 207 .439

Total 91.155 208

compromiso Inter .554 1 .554 1.304 .255

Intra 88.020 207 .425

Total 88.575 208

esfuerzo Inter 3.044 1 3.044 5.406 .021

Intra 122.201 217 .563

Total 125.245 218

coherencia Inter 3.949 1 3.949 5.455 .020

Intra 155.641 215 .724

Total 159.590 216

300
3.2. Efectos de la variable SECTOR en los factores que
componen el comportamiento ético
En la tabla 8 se puede observar que existen diferencias significativas de
acuerdo al sector en los factores de responsabilidad, respeto, esfuerzo y
coherencia.

Tabla 8. Tabla de ANOVA para la variable sector en cada subescala

Suma de Media
grupos cuadrados gl cuadrática F Sig.

responsabilidad Inter 9.149 6 1.525 2.738 .014

Intra 114.149 205 .557

Total 123.298 211

respeto Inter 6.259 6 1.043 2.161 .048

Intra 96.534 200 .483

Total 102.793 206

sinceridad Inter 3.664 6 .611 1.420 .208

Intra 85.989 200 .430

Total 89.653 206

compromiso Inter 1.517 6 .253 .593 .735

Intra 85.239 200 .426

Total 86.756 206

esfuerzo Inter 8.795 6 1.466 2.658 .017

Intra 115.811 210 .551

Total 124.607 216

coherencia Inter 9.006 6 1.501 2.095 .055

Intra 149.011 208 .716

Total 158.018 214

En cuanto a la subescala responsabilidad el análisis “post hoc” de


comparaciones múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias
significativas ocurren entre el sector administraciones públicas y los sectores

301
servicios (diferencia de medias = -0.647; error típico = 0.,199 y P = 0.028);
telecomunicaciones (diferencia de medias = -0.751; error típico = 0.227 y P =
0.024), enseñanza y formación (diferencia de medias = -0.887; error típico =
0.240 y P = 0.006) e industria (diferencia de medias = -0.721; error típico =
0.213 y P = 0.019). La media de comportamiento ético en dicha escala es más
baja en el sector de administraciones públicas como se puede apreciar en la
Figura 5.

Figura 5. Medias de la puntuación promedio de la subescala responsabilidad según el

sector.

302
En cuanto a la subescala respeto el análisis “post hoc” de comparaciones
múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias significativas ocurren entre
el sector administraciones públicas y el sector servicios (diferencia de medias = -
0.616; error típico 0.185 y P = 0.022), como se puede apreciar también en la
figura 6.

Figura 6. Medias de la puntuación promedio de la subescala respeto según el sector.

Respecto a la subescala esfuerzo el análisis “post hoc” de comparaciones


múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias significativas ocurren entre
el sector administraciones públicas y el sector enseñanza y formación (diferencia
de medias = -0.917; error típico 0.239 y P = 0.004) como se evidencia también
en la figura 7.

303
Figura 7. Medias de la puntuación promedio de la subescala esfuerzo según el sector.

Finalmente, en cuanto a la subescala coherencia el análisis “post hoc” de


comparaciones múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias
significativas ocurren entre el sector administraciones públicas y enseñanza y
formación (diferencia de medias = -0.866; error típico 0.280 y P = 0.049), como
también se puede apreciar en la figura 8.

304
Figura 8. Medias de la puntuación de la subescala coherencia según el sector.

3.3. Efectos de la variable TAMAÑO DE LA EMPRESA en

los factores que componen el comportamiento ético

En la tabla 9 se puede observar que existen diferencias significativas de


acuerdo al tamaño de la empresa en los factores de responsabilidad, sinceridad
y esfuerzo.

305
Tabla 9. Tabla de ANOVA para la variable tamaño de la empresa en cada subescala

Suma de Media
grupos cuadrados gl cuadrática F Sig.

responsabilidad Inter 9.939 5 1.988 3.619 .004

Intra 114.256 208 .549

Total 124.195 213

respeto Inter 4.961 5 .992 2.041 .074

Intra 98.687 203 .486

Total 103.648 208

sinceridad Inter 10.963 5 2.193 5.550 .000

Intra 80.192 203 .395

Total 91.155 208

compromiso Inter 2.851 5 .570 1.350 .245

Intra 85.723 203 .422

Total 88.575 208

esfuerzo Inter 11.202 5 2.240 4.18 .001

Intra 114.044 213 .535

Total 125.245 218

coherencia Inter 4.511 5 .902 1.228 .297

Intra 155.079 211 .735

Total 159.590 216

En cuanto a la subescala responsabilidad el análisis “post hoc” de


comparaciones múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias
significativas ocurren entre el tamaño más pequeño (menos de 50 empleados) y
el más grande (más de 1000 empleados). diferencia de medias = -0.449; error
típico = 0.125 y P = 0.006), la media de las empresas más pequeñas en esta
subescala ha resultado significativamente mayor que la media de las grandes
como se puede apreciar en la Figura 9.

306
Figura 9. Medias de la puntuación de la subescala responsabilidad según el tamaño de la empresa.

En cuanto a la subescala sinceridad el análisis “post hoc” de


comparaciones múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias
significativas ocurren entre el tamaño más pequeño (menos de 50) y los
tamaños 100-300 (diferencia de medias = -0.428; error típico = 0.142 y P =
0.044) y más de 1000 (diferencia de medias = -0.498; error típico = 0.106 y P
= 0.000). Al igual que en el factor anterior, la media de las empresas más
pequeñas en esta subescala ha resultado significativamente mayor (ver Figura
10).

307
Figura 10. Medias de la puntuación de la subescala sinceridad según el tamaño de la empresa.

Finalmente, respecto a la subescala esfuerzo el análisis “post hoc” de


comparaciones múltiples con Bonferroni muestra que las diferencias
significativas ocurren entre el tamaño más pequeño (menos de 50 empleados) y
el más grande (más de 1000 empleados). Con una diferencia de medias = -
0.493; error típico = 0.122 y P = 0.001. La media de las empresas más
pequeñas en esta subescala ha resultado significativamente mayor que la media
de las grandes como se puede apreciar en la Figura 11.

308
Figura 11. Medias de la puntuación de la subescala esfuerzo según el tamaño de la empresa.

4. Análisis de las puntuaciones de los items respecto al punto de corte

2,5

En el anexo III se presentan los estadísticos descriptivos de cada uno de


los items del test y los resultados de una prueba t para comprobar si la media se
acerca o se aleja significativamente del valor de corte 2.5. En dichas tablas se
puede observar que los ítems cuya puntuación media es significativamente
inferior a 2.5 son las preguntas 1, 4, 6, 9, 10,12, 17, 18 y 20. Por el contrario,
las preguntas cuya puntuación es significativamente mayor a 2,5 son las
preguntas 2, 3, 7, 8 y 19.

5.Análisis de las relaciones entre los factores

309
En tabla 12 se presentan las estimaciones en el modelo de ecuaciones
estructurales de la matriz de varianzas y covarianzas entre los factores
(coeficientes “phi”), con su respectivo valor t de significación estadística. En la
tabla se puede apreciar que todas las correlaciones son positivas, fuertes y
significativas, son especialmente altas las correlaciones entre el el compromiso
(C) y la coherencia (CH), el compromiso (C) y el esfuerzo (E), y la sinceridad (S)
y el esfuerzo (E).

RC C RS CH E S

RP 0.24 (2.49)

C 0.52 (7.59) 0.92 (2)

RS 0.33 (4.81) 0.62 (4.15) 0.24 (5.41)

CH 0.39 (6.72) 0.73 (4.34) 0.49 (10.06) 0.86 (9.24)

E 0.46 (4.31) 0.72 (1.67) 0.45 (7.02) 0.62 (2.23) 0.65 (1.57)

S 0.56 (5.13) 1 (11.28) 0.63 (2.73) 0.64 (4.18) 0.72 (5.65) 1 (2.59)

Tabla 12. Coeficientes “Phi” estimados en el modelo de ecuaciones estructurales.

6.Conclusiones

ANALISIS DEL CUMPLIMIENTO DE LAS HIPOTESIS

Hipótesis 1. Todas las variables definidas deben producirse en el mismo


nivel, sin que puede haber diferencia significativa entre ellas, pues
juntas componen un estilo de comportamiento profesionalmente ético.

El estudio demuestra que esta hipótesis es cierta.


Todas las variables medidas obtienen puntuaciones que no tienen diferencias
significativas. Las variables parecen comportarse como elementos de un mismo
concepto tal y como habíamos previsto. Son variables que correlacionan
positivamente constituyéndose en un conjunto de elementos que marcarán lo
que llamaremos competencias éticas, prueba de ello es son lo resultados
estadísticos conseguidos en el estudio. (véase tabla 12)
Estos datos nos permiten concluir, entre otras afirmaciones:

310
− Que el comportamiento comprometido profesionalmente irá acompañado
de respeto, responsabilidad, esfuerzo, coherencia y sinceridad
profesional.
− Que la responsabilidad si no está acompañada de las cinco variables
restantes no será un elemento provocador de comportamientos éticos.
− Que la sinceridad sin el respeto, la coherencia, la responsabilidad... no
garantiza un comportamiento profesional ético.
− Que sin respeto no son posibles ninguna de las otras cinco variables.
− Que el esfuerzo debe estar presente en los comportamientos vinculados
con la ética.
− Que la coherencia es un elemento que posibilita que un individuo posea
competencias éticas.
− Que es necesaria la incentivación y formación del capital humano en las
seis variables definidas si queremos que una organización implante
modelos éticos de negocio.
− Que muchas políticas de recursos humanos centradas en aumentar el
compromiso de las plantillas, quizás no hayan encontrado el impacto
esperado por no haber contemplado el resto de factores que
correlacionan con tal comportamiento.

Hipótesis 2. El nivel global de competencias éticas no superará 2,5 de


media del cuestionario, pues la ética empresarial está más en discurso
que la realidad.

El estudio demuestra que esta hipótesis es cierta.


El resultado global del cuestionario no alcanza el valor medio, según nuestra
muestra en la empresa española el nivel de comportamiento ético es bajo. No
alcanza el punto medio de la escala utilizada para evaluar (2.5).
En el análisis de los valores medios de cada uno de los factores (véase anexo
III) podemos afirmar que tan sólo la Responsabilidad (2.60) y sinceridad (2.53)
superan escasamente el valor medio y que el Esfuerzo (2.50) se sitúa justo en la
media. Tradicionalmente la responsabilidad y el esfuerzo han sido cualidades se
han considerado elementos claves del buen profesional, independientemente de
la perspectiva ética de estos factores. La sinceridad emerge con un factor
novedoso que comienza a configurarse como un elemento importante para los
profesionales.

311
Se sitúan por debajo de la puntuación objetivo el compromiso (2.41), el respeto
(2.34)y la coherencia(2.46). Por tanto podemos afirmar que en las empresas el
compromiso, el respeto y la coherencia son elementos claramente mejorables
para alcanzar un comportamiento profesional ético.
Tanto los valores que sitúan por debajo como los que se sitúan por encima no
poseen diferencia significativa entre ellos, lo que nos lleva a afirmar que la
puntuación global posee un mayor valor explicativo que el análisis por factores.
Puntuaciones tan bajas como las registradas nos llevan a concluir que resultan
difícil que los valores vinculados con la ética puedan convertirse en prácticas
reales en las dinámicas de funcionamiento organizaciones.

Hipótesis 3. Pueden existir diferencias en la percepción del


comportamiento ético en la empresa entre directivos y colaboradores.

El estudio demuestra que esta hipótesis es cierta.


En la puntuación global existe diferencia significativa entre la percepción de las
personas que tienen personas a su cargo y aquellas que no lo tienen, a favor de
aquellos que tienen personas a su cargo. Podemos afirmar que en términos
globales los directivos tienen una mayor sensibilidad ética empresarial, pero esta
afirmación no es del todo cierta, pues cuando analizamos los datos en mayor
profundidad, se perciben diferencias que matizan la afirmación.
Los directivos puntúan más alto en los factores de responsabilidad, esfuerzo y
coherencia. Frente a los colaboradores que tienen mayores puntuaciones en los
factores de compromiso, respeto y sinceridad, luego hay dos sensibilidades en lo
que a comportamiento ético se refiere. No sería del todo cierto que los directivos
poseen una mayor sensibilidad, si que son más propensos a comportarse
siguiendo tres de los seis factores definidos como elementos determinantes del
comportamiento ético (responsabilidad, esfuerzo y coherencia) y que los
colaboradores centran su comportamiento de desempeño profesional ético en
función de los otros tres factores (compromiso, respeto y sinceridad).
Ante estos datos cabe preguntarse: ¿hay dos éticas?. O ¿ambos colectivos
deben completar su perspectiva del comportamiento ético profesional?. Los
colaboradores deben mejorar su responsabilidad, coherencia y esfuerzo y los
directivos el nivel sinceridad, respeto y compromiso.

312
Hipótesis 4. Las mujeres son más sensibles que los hombres a los
comportamientos ético en la empresa

Los datos nos muestran que no hay diferencia significativa en función del sexo,
luego la hipótesis no se cumple.
No hay diferencias significativas ni en las puntuaciones globales del cuestionario.
Ni en cada una de las subescalas que lo conforman. De lo que cabe deducir que
la sensibilidad, la percepción y la acción centrada en los valores éticos en el
entorno profesional es altamente similar entre hombres y mujeres. Luego
afirmaciones como “las mujeres son más sensibles al comportamiento ético en la
empresa” , no encuentra datos que la refrenden.

Hipótesis 5. El sector financiero es el sector con peores puntuaciones en


comportamiento ético.

La hipótesis no se cumple.
Administración pública es el sector con peores puntuaciones, no sólo en la
puntuación global sino en cada uno de los factores: Respeto (1.7), Coherencia
(1.8), Esfuerzo (1.9), Compromiso (1.9), Responsabilidad (1.9), Sinceridad
(2.2). Estos datos han resultado del todo inesperados para las investigadoras y
despiertan en nosotros una gran preocupación sobre de la percepción que tienen
las personas que trabajan en la administración pública tienen de las
competencias éticas que en ella se practican.
En un entorno profesional no respetuoso, sin esfuerzo, sin sentido de la
responsabilidad, con valores muy bajos de compromiso, sinceridad y coherencia
se hace imposible un modelo de empresa ética y socialmente responsable.
Como principal conclusión extraemos la necesidad de abordar de manera más
profunda un estudio dirigido únicamente a este sector.

Hipótesis 6. “Los profesionales más jóvenes serán los más sensibles a


los comportamientos ético en la empresas”.

La hipótesis no se cumple.
Los datos nos muestran que el colectivo con mejor percepción y sensibilidad al
comportamiento ético es el colectivo de mayores de 60 años. Este colectivo

313
muestra una diferencia positiva (aunque no significativa) respecto los tramos de
edad comprendidos entre los 20 y los 59.
Los menores de 20 años también presentan puntuaciones más altas, con
diferencia positiva que no significativa respecto al colectivo (20-59 años),
aunque con puntuación menores que los mayores de 60.
Aunque de manera no significativa el colectivo que manifiesta mayor sensibilidad
al comportamiento ético no son los más jóvenes sino las personas con más edad.
Los mayores de 60 años quizás han sido formados en otros modelos
empresariales o en otro entorno cultural dónde los valores básicos de las
competencias éticas ocupaban un puesto de mayor relevancia. De igual modo
que entre los más jóvenes comienza a despertar una conciencia ética. No
debemos perder de vista que las diferencias son tan sólo descriptivas, pues
significativamente no hay diferencia entre ningún colectivo. Tienen más fuerza
para determinar nuestro comportamiento, el entorno en el que trabajamos que
las diferencias generacionales. Luego nos atrevemos a afirmar que si el entorno
profesional es capaz de impactar tan fuertemente, también puede modificar las
conductas a pesar de las diferencias generacionales y sociales.

Hipótesis 7. “Las empresas de mayor tamaño están más comprometidas


con los comportamiento éticos”

Esta hipótesis no sólo no se cumple, sino que los datos son contrarios a tal
afirmación, los mejores resultados se producen en todos los grupos que
representan a aquellas empresas con menos de 300 empleados, situándose a la
cabeza las más pequeñas, (las menores de 50 empleados). Este dato contrasta
con el que estas empresas son las que menos inversión realizan en los
programas de responsabilidad social corporativa, en códigos éticos o en
sensibilización sobre ética profesional. Mientras que los empleados de las
empresas más grandes son las que obtienen peores puntuaciones, siendo las
empresas que tienen entre 500 y 1000 empleados las que se sitúan el peor
valor.

La interpretación de estos datos nos permite hacer afirmaciones como:


− El anonimato de la empresa grande parece favorecer al surgimiento
de comportamientos menos éticos, frente a los entornos pequeños
que resultan más “humanizadores”.

314
− La inversión el políticas de RSC o en modelos éticos parece tener poco
impacto en el comportamiento de los colaboradores. Hecho que
refuerza la primera hipótesis, pues el conjunto de conductas
estudiadas se constituye como bloque independiente de la filosofía y
los modelos organizacionales.

ANALISIS PUNTUAL DE RESULTADOS


Los factores están constituidos por un conjunto de comportamientos concretos
que marcan un estilo comportamental en las organizaciones. Dado que se
recogen conductas altamente impactantes en la práctica profesional hemos
considerado que merecen ser analizados de manera independiente.
Existen diferencias significativas respecto a la media global en algunos items.
Estás diferencias pueden ser positivas o negativas. Indicando en tales casos un
resultado positivo o negativo respecto a la generación de entornos profesionales
éticos.
El cuestionario nos arroja puntuaciones especialmente bajas en algunos items.

− Existencia de políticas de gestión que se anticipan a los


problemas.
Marcando la presencia de un grave problema de gestión en la mayoría de las
organizaciones españolas.
− Existencia de incentivos para aquellos que demuestran su
compromiso con la organización.
No se observa el compromiso de los colaboradores, una de las mayores
preocupaciones de los gestores, lo que parece un dato muy a tener en cuenta
para definir programas de compensación para premiar las actitudes de
compromiso.
− Las promociones se producen como fruto del trabajo. Las políticas
para clientes son coherentes con las políticas para empleados, y
existe una política de RRHH que trata a cada trabajador de
manera única.
La ausencia de estos tres elementos de manera generalizada en las
organizaciones nos hace pensar que son necesarias algunas mejoras importantes
en lo referente a políticas de recursos humanos si queremos hablar de un
segundo nivel de comportamiento profesional (no sólo motivados, sino
comprometidos y éticos).

315
− En esta organización hay muchos profesionales que sienten
reconocida su valía. El esfuerzo es premiado de manera justa.
No sólo no se reconoce en compromiso sino que tampoco se reconoce la
aportación, ni el esfuerzo.
− La percepción de que muchos colaboradores están buscando otras
opciones profesionales.
Como derivada del item anterior cabe esperar que este item también puntúe
negativamente. Este estudio enciende una luz roja a cerca de la fidelidad y/o
fidelización del capital humano, pues independientemente de la crisis los
profesionales siguen buscando otras opciones, obviamente porque no se
encuentran satisfechos con al que tienen.
− Es sancionado cualquier colaborador por una falta de respeto en
el trato a un compañero o subordinado.
No podemos hablar de valores, ética, responsabilidad social, sin atender al
respeto. En nuestras empresas tenemos un problema previo que resolver y es la
impunidad con las faltas de respeto que se producen.

Estos items reflejan puntos sobre los que reflexionar, pues son elementos con un
fuerte peso en la generación de comportamiento ético. Sin la presencia de los
elementos descritos se hace difícil implantar prácticas profesionales éticas.
Siendo ésta la razón por la que hemos definido al conjunto de factores
competencias proto-éticas.

Como elementos positivos que este estudio podemos afirmar que las mayoría de
los profesionales que respondieron al cuestionario afirmaron que les resulta fácil
conciliar vida laboral y profesional, que se siente cómodo trabajando en equipo,
que los errores o dificultades no se ocultan sino que se afrontan y corrigen, que
la dirección acepta como responsabilidad las consecuencias de sus acciones y
decisiones y que saben donde recurrir para conseguir la información que
necesitan para su trabajo.
El instrumento para medir el comportamiento ético en las organizaciones puede
ser utilizado en el contexto empresarial español ya que presenta adecuadas
propiedades psicométricas, sin embargo, se recomienda realizar un análisis de la
validez de la medida con muestras más grandes que las utilizadas en este
trabajo.

316
Bibliografía Consultada

Alvarez , D. y Torres, J. (2005). 100 preguntas sobre ética de la empresa.


Madrid: Dykinson
Altarejos, F.; Bouché, J.; Escámez, J.; Fullat, O.; Fermoso, P.; Gervilla, E.;
Gil, R.; Ibáñez
Brouwer, S. A. (2002) Ética General de las Profesiones. Bilbao: Desclée De
Cobo, J. M. (2001). Ética profesional en ciencias humanas y sociales.
Madrid: Huerga Fierro Editores.
Comunidad Europea (2004) Proyecto Respect, Código para la conducta de
la investigación social en la Unión Europea
(http://www.respectproyect.org/code).
Cortina, A. (1997). Ciudadanos del mundo. Hacia una teoría de la
ciudadanía. Madrid: Alianza Editorial.
Cortina, A. y Conill, J. (2000). 10 Palabras Clave en Ética de las
Profesiones. Navarra, : Verbo Divino.
Escámez J. y Ortega, P . (1988). La enseñanza de actitudes y valores,
Valencia: Nau Llibres
Escámez, J. y GIL, R. (2001). La educación en la responsabilidad. Madrid:
Ediciones Paidós Ibérica S.A.
Etxeberria, X. (2002). Ética de las profesiones. Bilbao: Desclée de Brouwer
S.A.
Fernandez, J. y Hortal, A. (1994). Ética de las Profesiones. Madrid:
Publicaciones de la Universidad Pontificia Comillas.
Fisher, C. (2003) Developing a Code of Ethics for Academics. Commentary
on Ethics for All: Differences across Scientific Society Codes, A Special Issue of
Science and Engineering Ethics. The Role of Scientific Societies in Promoting
Research Integrity, 9 (2), pp.171 – 179.
Fontela, E. y Sainz, J. (2008). Ética y legalidad en los negocios. Madrid:
Difusión Jurídica y Temas de Actualidad.
Fontrodona, F. (2010). La ética de la empresa en la encrucijada.
Pamplona: EUNSA.
George R.T. (1987). “The Status of Business Ethics, Past and Future” en
Journal of Bussiness Ethics nº 6.
Goñi, J. (2011). Ética empresarial y códigos de conducta. Madrid: La Ley-
Actualidad.

317
Guitian,G.(2011). Negocios y moral. El dilema del camello y la aguja.
Pamplona: EUNSA.
Hirsch, A. (2001). Educación y Valores, México: Ediciones Gernika.
Hirsch, A. y Lopez, R. (2003) Elementos significativos de la ética
profesional, en Ética profesional e identidad institucional. México: Universidad
Autónoma de Sinaloa
Hu, L. y Bentler, P.M. (1999). Cutoff criteria for fit indexes in covariance
structure analysis: Conventional criteria versus new alternatives. Structural
Equation Modeling, 6 pp 1-55.
Joreskog, K.G. (1967). Some contributions to maximum likelihood factor
analysis. Psychometrika, 32, pp. 443-477.
Hoyk, R and Hersey, P. (2008) The Ethical Executive Becoming Aware of
the root Causes of Unethical Behaviour: 45 Psychologycal Traps that Everyone of
Us Falls Prey To. California, Standford University Press.
Lozano, F. (2000) Pedagogía de la ética de la Ingeniería, Revista Educación
y Pedagogía, XII (28),pp. 59 - 67.
Lozano, J.M. (1999). Ética y empresa. Madrid, Trotta.
Martín, J. A.; Marín, R.; Pérez, P. M. y Sacristán, D.(1991). Actitudes en
educación, en. Filosofía de la Educación Hoy. Madrid: Dykinson,
Martin, E. (2004). Otro mundo es posible: diálogos sobre el
comportamiento ético de las personas y las organizaciones. Madrid.Trotta.
Mitcham, C. (2003) Co-Responsibility for Research Integrity, A Special
Issue of Science and Engineering Ethics. The Role of Scientific Societies in
Promoting Research Integrity, 9 (2),pp. 273 - 290.
Pizzolante, I. (2009). De la responsabilidad social empresarial a la empresa
socialmente responsable. Madrid: Ciencias Sociales.
Patrus, R. (2007). La empresa ética: ¿un nuevo paradigma? condiciones,
desafíos y riesgos del desarrollo de la business ethics” de la revista Gestão e
Planejamento nº 1 pp 16-33.
Sanchez, M.; Saez, J. y Svenssson, L (2003). Sociología de las
profesiones. Pasado, presente y futuro. Murcia: Diego Marín Librero-Editor.
Toulouse, G. (2003). Mirada sobre la ética de las ciencias. Madrid:
Ediciones del Laberinto.

REVISTAS ESPECIALIZADAS.
Acción Empresarial. Acción Social Empresarial, Madrid.

318
Bulletin Etique des Affaires. Université de Sherbrooke, Quebec.
Business and Professional Ethics Journal. University of Florida.
Business and Society. Journal of the International Association for
Business and Society. University of Washington.
Business Ethics, A European Review. London Business School.
Business Ethics. The Magazine of Socially Responsible Business.
Minneapolis.
Business Ethics Resource. Revehen Consultants. New York.

Anexo I. Cuestionario
Este cuestionario tiene como objetivo recopilar información acerca del comportamiento en las
organizaciones. Con fines de investigación
Gracias tu colaboración y tiempo

Edad Menos de 20 años


20-30 años
40-50 años
50-60 años
más de 60
Sexo Hombre Mujer
Cuidad
Tienes más de tres personas a tu cargo Si No
Sector al pertenece tu organización
Nº aproximado de empleados Menos de 50
50-100
100-300
300-500
500-1000
mas de 1000

Evaluar en una escala del 1 al 4, lo adecuado de estas afirmaciones para tu


organización. Siendo cuatro el mayor grado de acuerdo

1RP Existen políticas de gestión que se anticipan a los problemas. 1 2 3 4


2RP Los errores o dificultades no se ocultan sino que se afrontan y corrigen. 1 2 3 4
3RP Los profesionales son proactivos en su formación, buscan estar al día. 1 2 3 4
4RP Por parte de la dirección se acepta como responsabilidad las consecuencias las 1 2 3 4
acciones y toma decisiones.
1C Existen incentivos para aquellos que demuestran su compromiso con la organización. 1 2 3 4
2C Los profesionales entienden su tarea como una contribución para el crecimiento de la 1 2 3 4
organización.
3C Crees que hay profesionales en tu empresa buscando otras opciones fuera de la 1 2 3 4
organización.
4C En esta empresa te resulta fácil conciliar tu vida laboral y profesional. 1 2 3 4
1RS Los profesionales aquí nos sentimos cómodos trabajando en equipo. 1 2 3 4

319
2RS Es sancionado cualquier colaborador por una falta de respeto en el trato a un 1 2 3 4
compañero o subordinado.
3RS Existe un política de rrhh que trata a cada trabajador de manera única. 1 2 3 4
4RS Se respeta la opinión del experto independientemente de su puesto. 1 2 3 4
5RS En esta organización hay muchos profesionales que sienten reconocida su valía. 1 2 3 4
1CH Los directivos se comportan de manera coherente con los valores de la organización. 1 2 3 4
2CH Los valores de la organización posibilitan los objetivos. 1 2 3 4
3CH Las políticas para clientes son coherentes con las políticas para empleados. 1 2 3 4
1E Los lideres de la organización son modelo de esfuerzo. 1 2 3 4
2E El esfuerzo es premiado de manera justa. 1 2 3 4
3E Las promociones se producen como fruto del trabajo. 1 2 3 4
4E En esa casa no se aplica la máxima “da lo mismo, tampoco le dediques mucho 1 2 3 4
tiempo”.
1S Los directivos asumen que son vulnerables y no tratan de defenderse 1 2 3 4
innecesariamente.
2S La gente sabe donde recurrir para conocer la información que necesita. 1 2 3 4
3S En esta organización es habitual que haya varias personas haciendo lo mismo. 1 2 3 4
4S A veces llegan noticias y decisiones que nadie sabe de dónde vienen. 1 2 3 4
5S A los jefes se les habla con franqueza. 1 2 3 4

320
Anexo II.

Estadísticos para una muestra

321
Anexo III.

Desviación Error típ. de


N Media típ. la media
i1 219 2.31 .870 .059
i2 217 2.76 .940 .064
i3 218 2.74 .964 .065
i4 215 2.23 1.124 .077
i5 217 2.59 .982 .067
i6 219 2.10 1.145 .077
i7 217 2.74 1.009 .069
i8 217 2.83 .861 .058
i9 218 2.15 1.028 .070
i10 214 01/01/91 1.005 .069
i11 218 2.51 .975 .066
i12 216 2.31 .970 .066
i13 219 2.48 .988 .067
i14 219 2.54 .925 .062
i15 218 2.37 .986 .067
i16 220 2.55 1.069 .072
i17 219 2.10 .923 .062
i18 220 2.14 .995 .067
i19 220 3.25 .851 .057
i20 216 2.26 .909 .062
i21 219 2.64 .874 .059
i22 219 2.57 1.022 .069
i23 215 2.51 1.036 .071
i24 217 2.62 1.007 .068

Prueba t para una muestra

Valor de prueba = 2.5


Diferencia de 95% Intervalo de confianza
t gl Sig. (bilateral) medias para la diferencia

Inferior Superior Inferior Superior Inferior Superior


i1 -3.225 218 .001 -.189 -.31 -.07
i2 4.151 216 .000 .265 .14 .39
i3 3.724 217 .000 .243 .11 .37
i4 -3.489 214 .001 -.267 -.42 -.12
i5 1.347 216 .179 .090 -.04 .22
i6 -5.164 218 .000 -.400 -.55 -.25
i7 3.464 216 .001 .237 .10 .37
i8 5.718 216 .000 .334 .22 .45
i9 -5.073 217 .000 -.353 -.49 -.22
i10 -8.567 213 .000 -.589 -.72 -.45
i11 .208 217 .835 .014 -.12 .14
i12 -2.877 215 .004 -.190 -.32 -.06
i13 -.239 218 .811 -.016 -.15 .12
i14 .621 218 .535 .039 -.08 .16

322
i15 -1.924 217 .056 -.128 -.26 .00
i16 .693 219 .489 .050 -.09 .19
i17 -6.405 218 .000 -.400 -.52 -.28
i18 -5.355 219 .000 -.359 -.49 -.23
i19 12.987 219 .000 .745 .63 .86
i20 -3.894 215 .000 -.241 -.36 -.12
i21 2.358 218 .019 .139 .02 .26
i22 1.025 218 .307 .071 -.07 .21
i23 .165 214 .869 .012 -.13 .15
i24 1.787 216 .075 .122 -.01 .26

323
TÍTULO: A Humanização da Instituição Pública no Brasil – Projeto H&QVT

AUTOR(ES): Mirella M. Justi (mirella.mjusti@hotmail.com), Adriana C.

Zavanelli e Ana Lúcia F. Damaceno

INSTITUIÇÃO: PromoVi – Centro de Promoção da Qualidade de Vida – FOA

– UNESP – BRASIL

Resumo
Estudos recentes apontam que, apesar da alta carga tributária, o brasileiro é o
cidadão que tem um dos piores serviços públicos do mundo em proporção aos
impostos que paga. Este fato contradiz o movimento trabalhista moderno que
preza, cada vez mais, pela excelência do atendimento. De acordo com a
literatura da área, a qualidade de vida no trabalho (QVT) é considerada
fundamental para a obtenção de maior produtividade e qualidade dos serviços
realizados. Com o objetivo de avaliar a percepção da QVT foi realizado estudo
observacional transversal, nos anos de 2010 e 2011, tendo como população-alvo
1050 servidores públicos. O projeto de extensão, denominado H&QVT –
Humanização e Qualidade de Vida no Trabalho consistiu na aplicação de
instrumentos para diagnóstico de clima organizacional e qualidade de vida antes
e depois da participação destes trabalhadores em um treinamento, cujas
temáticas desenvolvidas consistiram em abordagem teórica e práticas vivenciais.
Tais estratégias foram dispostas em cinco módulos de quatro horas cada com os
seguintes assuntos: liderança, tolerância, comunicação, criatividade, trabalho em
grupo, relações inter e intrapessoal, motivação e ética no trabalho. A
comparação dos dados iniciais e finais proporcionou a comprovação da
efetividade deste trabalho, já que houve significância estatística importante.
Também foi possível observar resultados significativos relacionados à mudanças
comportamentais da população-alvo e apontamentos acerca de necessidades
específicas desta população (espaços de escuta e aprimoramento, valorização do
trabalho, entre outros).

Palavras-chave: Humanização; Qualidade de Vida no Trabalho; Diagnóstico


Organizacional.

324
INTRODUÇÃO
Os conceitos que alicerçam a noção de saúde têm plasmado ações
públicas com contingências cada vez mais participativas das comunidades
beneficiárias pelos serviços da estrutura que lidam com sua promoção.
Desde 1946, a Organização das Nações Unidas, na fundação da
Organização Mundial da Saúde, inaugurou oficialmente uma premissa básica: “A
saúde não é apenas a ausência de distúrbios e doenças e sim o bem estar físico,
mental e social”. Desde então, a valorização de aspectos transversais à Biologia
e suas Patologias têm demonstrado crescente complexidade, alinhando os
objetivos dos serviços para a qualidade de vida de indivíduos e nações (PORTAL
DA WORD HEALT ORGANIZATION, s.d.).
No Brasil, as mudanças ocorreram a partir da legislação de 1988 com o
advento do Sistema Único de Saúde (SUS) onde a idéia de saúde coincide com
aquela proposta pela Declaração de Alma Ata e cujo princípio fundamental é a
equidade (PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, s.d.).
Em 2004, a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde do Brasil criou o
Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização (PNH) que lançou o
programa HumanizaSUS, o qual busca alcançar a interatividade do profissional
com o paciente, sua cultura e comunidade e defende reflexões desde a gestão
participativa até critérios de arquitetura de ambientes na valorização do bem-
estar (PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, s.d.).
Esta política (PNH) baseia-se no entendimento de humanização como
sendo: “valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção
de saúde: usuários, trabalhadores e gestores; fomento da autonomia e do
protagonismo desses sujeitos; aumento do grau de co-responsabilidade na
produção de saúde e de sujeitos; estabelecimento de vínculos solidários e de
participação coletiva no processo de gestão; identificação das necessidades de
saúde; mudança nos modelos de atenção e gestão dos processos de trabalho
tendo como foco as necessidades dos cidadãos e a produção de saúde;
compromisso com a ambiência, melhoria das condições de trabalho e de
atendimento”, desconstruindo um conceito pejorativo deste termo, em
aprofundamento de reflexões para mudanças estruturais, da forma de trabalhar
e das pessoas (PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, s.d.; COELHO & JORGE,
2009).

325
Em relação à qualidade de vida, esta recentemente tem sido aplicada à
situação de trabalho, sendo um meio para alcançar o engrandecimento do
ambiente de trabalho e obtenção de maior produtividade e qualidade do seu
resultado, vista hoje como um conceito global e como forma de dimensionar tais
fatores, adotando filosofia e métodos para uma maior satisfação do trabalhador
em sua atividade profissional (MINAYO, HARTZ & BUSS, 2000).
Ao mesmo tempo em que as políticas de gestão e atendimento em saúde
foram repensadas, a satisfação no ambiente de trabalho também foi discutida
como aspecto fundamental para o processo produtivo pessoal e a lucratividade
da empresa (TEIXEIRA, 2005; COELHO & JORGE, 2009).
Deste modo, numa perspectiva mais abrangente, qualidade de vida no
trabalho diz respeito a: remuneração, em seus aspectos de eqüidade ou justiça
interna ou externa; condições de saúde e segurança no trabalho, oportunidades
para utilização e desenvolvimento de capacidade, oportunidade de crescimento
profissional, com segurança de empregos, renda integração social no ambiente
de trabalho, proporção ou nível em que direitos e deveres encontram-se
formalmente estabelecidos, cumpridos pela organização, além de valorização da
cidadania, imparcialidade nas decisões, influência de trabalho em outras esferas
de vida do trabalhador, como por exemplo, as relações familiares e relevância
social da vida no trabalho ou valorização e responsabilidade das organizações
pelos seus produtos e pelos seus trabalhadores, com implicações na imagem e
credibilidade da empresa (COELHO & JORGE, 2009; FLECK et al., 2002).
Como se pode perceber, o conceito de qualidade de vida no trabalho é
extremamente mais amplo do que aquele que normalmente se procura delimitar.
Envolve aspectos multidisciplinares e multifatoriais e em interação (MARTINEZ &
PARAGUAY, 2003; FLECK et al., 2002). Assim, as ações organizacionais em
qualidade de vida no trabalho precisam ser planejadas e implementadas de
forma cuidadosa, mas podem fornecer elementos importantes e indispensáveis
para estruturação das políticas de recursos humanos institucionais
(TRIERWEILER & SILVA, 2007).
Segundo Lacaz (2000) a qualidade do produto tem estrita relação com a
qualidade dos ambientes e condições de trabalho, o que seria sobremaneira
auxiliado pela democratização das relações sociais nos locais de trabalho.
A qualidade de vida no trabalho, de acordo com Chiavenato (1999),
representa em que graus os membros da organização são capazes de satisfazer
suas necessidades pessoais através do seu trabalho na organização. O mesmo

326
autor destaca os fatores envolvidos na qualidade de vida no trabalho, que são: a
satisfação com o trabalho executado; as possibilidades de futuro na organização;
o reconhecimento pelos resultados alcançados; o salário recebido; os benefícios
auferidos; o relacionamento humano dentro do grupo e da organização; o
ambiente psicológico e físico do trabalho; a liberdade e responsabilidade de
decidir e as possibilidades de participar.
Segundo estudos realizados em diversos países, o estresse e outras
doenças têm sido relatados entre profissionais de saúde por situações geradas
em ambiente de trabalho (NUNES & FREIRE, 2006; HSIU-CHAO et al., 2006).
Muitos deles abordam disfunções de origem ergonômica ou de
biossegurança, e o Brasil segue esse mesmo padrão (LEWCZUK, AFFESKA-
JERCHA & TOMCZYK, 2002).
Além disso, a satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de difícil
definição por se tratar de um estado subjetivo, podendo variar de pessoa para
pessoa, de circunstância para circunstância e, ao longo do tempo, para a mesma
pessoa. A satisfação está sujeita a influências de forças internas e externas ao
ambiente de trabalho imediato (FRASER, 1983).
Nesse sentido, as pesquisas bibliográficas sugerem diretrizes para
mudanças na organização e concepção do trabalho, direcionadas aos aspectos
psicossociais; satisfação no emprego; saúde ocupacional; saúde mental;
condições de trabalho e ambiente de trabalho.
A insatisfação e o estresse do trabalhador produzem na empresa
importantes efeitos que não podem ser negligenciados, entre os quais se inclui a
elevação de custos de assistência médica, rotatividade, absenteísmo e violência
no local de trabalho.
Enfim, a integração e o bem estar dos trabalhadores são aspectos
fundamentais para que as instituições públicas alcancem a excelência nos
serviços prestados. Apesar da alta carga tributária, o brasileiro é o cidadão que
tem um dos piores serviços públicos do mundo em proporção aos impostos que
paga. Este fato contradiz o movimento trabalhista moderno que preza, cada vez
mais, pela excelência do atendimento.
Neste contexto, a qualidade de vida no trabalho (QVT) aparece como
elemento fundamental para a obtenção de maior produtividade e qualidade dos
serviços realizados.
Buscando colaborar para o maior entendimento acerca do assunto
supracitado, o PromoVi (Centro de Promoção da Qualidade de Vida) elabora o

327
projeto de extensão H&QVT – Humanização e Qualidade de Vida no Trabalho,
cujo objetivo principal foi de avaliar a percepção da QVT pelos trabalhadores de
instituições públicas brasileiras.

MATERIAIS E MÉTODOS
Como meio para alcançar o objetivo proposto foi realizado estudo
observacional transversal, nos anos de 2010 e 2011, tendo como população-alvo
1050 servidores públicos, sendo estes, servidores da Universidade Estadual
Paulista – Câmpus de Araçatuba (350) e da Secretaria Municipal de Saúde da
cidade vizinha de Birigui (700).
A execução do projeto deu-se através da aplicação de cinco módulos de
treinamento com quatro horas cada, totalizando 20 horas concretizadas com
atividades teóricas e práticas que abordaram temáticas relacionadas à
autoavaliação e ao desenvolvimento pessoal como relações interpessoais e
intergrupais; padrões de relacionamento e de comunicação; canais de
comunicação; estilos de liderança; processos assertivos de tomada de decisão e
resolução de problemas; planejamento; clima organizacional e motivação.
Foi realizada uma abordagem quantitativa por meio de coleta de dados
utilizando duas escalas padronizadas: a adaptação do diagnóstico organizacional
de Rosa R. Krausz (KRAUSZ, 1994) para avaliar clima e cultura organizacional, e
o instrumento de qualidade de vida da OMS, na sua versão abreviada, WHOQOL-
Bref (FLECK et al., 2000) para avaliar qualidade de vida (THE WHOQOL GROUP,
1998).
Nesta investigação, propos-se aplicar as escalas padronizadas antes e
após a realização da aplicação dos módulos do treinamento. Ambas as escalas
foram aplicadas em todos os profissionais que participaram do treinamento
(1050).
Após a coleta dos dados elaborou-se um banco das informações com a
utilização do programa EpiInfo for Windows - versão 3.4 (EpiInfo Inc. Chicago,
USA) para o processamento dos resultados. Para a análise estatística, os dados
foram importados para o software SPSS versão 17.0 (SPSS Inc. Chicago, USA),
no qual realizou-se a descrição das freqüências simples, o cruzamento de
variáveis e os testes estatísticos para verificação das significâncias.

RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

328
A comparação dos dados iniciais e finais proporcionou a comprovação da
efetividade deste trabalho, já que houve significância estatística discreta, mas
significativa (tabela 1). Quanto aos parâmetros questionados pode-se inferir
melhora depois da aplicação do projeto, já que as respostas tenderam a ser mais
afirmativas e positivas em cada possibilidade de resposta.

Tabela 1. Dados estatísticos gerais.


STATISTICAL TESTS Chi-square 1-tailed p 2-tailed p
Chi-square – uncorrected 0.0003 0.9873680618
Chi-square - Mantel-Haenszel 0.0003 0.9873764739
Chi-square - corrected (Yates) 0.1949 0.6588643114
Mid-p exact 0.4963448464
Fisher exact 0.6696992004

Um dado bastante interessante foi a melhora na qualidade de sono dos


trabalhadores que teve significância estatística (p>0,0396), demostrando que as
reflexões e dinâmicas propostas tiveram interferência positiva podendo ser
medida biologicamente (figura 1).

Figura 1. WHOQOL-Bref - Q16. Quão satisfeito você está com seu sono? (1 = muito
insatisfeito até 5 = muito satisfeito).

Na literatura científica tem-se muitas comprovações que demonstram a


interrelação entre o sono e a qualidade de vida, considerando a multiplicidade de
aspectos que envolvem o conceito de qualidade de vida disseminado pela

329
Organização Mundial da Saúde (físicos, mentais, sociais, espirituais,
características ambientais e grau de independência).
Estudos como o de Muller e Guimarães (2007), referem que “a qualidade
de sono e a qualidade de vida estão intimamente relacionadas”, isto significa que
alterações em um desses fatores influenciarão direta ou indiretamente o outro.
No caso do presente estudo entende-se que a melhora do sono está fortemente
relacionada com a melhora no ambiente de trabalho e, conseqüentemente, na
qualidade de vida.
A análise qualitativa possibilitou observar resultados importantes
relacionados à mudanças comportamentais da população-alvo e apontamentos
acerca de necessidades específicas desta população (espaços de escuta e
aprimoramento, valorização do trabalho, entre outros).
No momento posterior ao treinamento, antes da aplicação dos testes,
solicitou-se que os participantes escrevessem comentários sobre o trabalho
executado, as respostas, após categorizadas, indicaram que estes consideraram:
que tanto os testes quanto o treinamento foram de fácil entendimento e, por
isso, favoreceram a avaliação e a reflexão sobre a qualidade de vida nos âmbitos
pessoal e profissional, colaborando para o aprimoramento dos participantes; a
importância e a necessidade de refletir sobre as temáticas propostas
constantemente.
A continuidade deste projeto se faz necessária já que ainda existem
lacunas a serem respondidas e também para que a manutenção das boas
práticas iniciadas após a aplicação do projeto possam ter continuidade mediante
o acolhimento das angústias e o entendimento dos conflitos frente à nova práxis.

REFERÊNCIAS
COELHO, M.O.; JORGE, M.S.B. Tecnologia das relações como dispositivo
do atendimento humanizado na atenção básica à saúde na perspectiva do
acesso, do acolhimento e do vínculo. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:1523-
1531.
CHIAVENATO, I. Introdução à moderna gestão de pessoas. In: Gestão de
pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de
Janeiro: Elsevier, 1999.
FLECK, M.P.A.; LIMA, A.F.B.S.; LOUZADA, S.; SCHESTATSKY, G.;
HENRIQUES, A.; BORGES, V.X. Associação entre sintomas depressivos e

330
funcionamento social em cuidados primários à saúde. Rev Saúde Pública 2002;
36:431-8.
FLECK, M.P.A.; LOUZADA, S.; XAVIER, M.; CHACHAMOVICH, E.; VIEIRA,
G.; SANTOS, L.; et al. Aplicação da versão em português do instrumento
WHOQOL-Bref. Rev Saúde Pública 2000; 34:178-83.
FRASER, T. M. Human stress, work and job satisfaction: a critical
approach. German: International Labour Office, 1983.
HSIU-CHAO, C.; CHOU, F.; CHEN, M.C.; SU, S.F.; WANG, S.Y.; FENG,
W.W.; et al. A Survey of Quality of Life and Depression for Police officers in
Kaohsiung, Taiwan. Quality of Life Research 2006; 15: 925-932.
LACAZ, F.A.C. Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença. Ciênc
Saúde Coletiva 2000; 5:151-161.
LEWCZUK, E.; AFFESKA-JERCHA, A.; TOMCZYK, J. Occupational health
problems in dental practice. Med Pr. 2002; 53:161-5.
MARTINEZ, M.C.; PARAGUAY, A.I.B.B. Satisfação e saúde no trabalho –
aspectos conceituais e metodológicos. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho 2003; 6:59-78.
MINAYO, M.C.S.; HARTZ, Z.M.A.; BUSS, P.M. Qualidade de vida e saúde:
um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5:7-18.
MULLER, M.R.; GUIMARÃES, S.S. Impacto dos transtornos do sono sobre
o funcionamento diário e a qualidade de vida. Estudos de Psicologia
(Campinas) 2007; vol. 24, n.4, pp. 519-528.
NUNES, M.F.; FREIRE, M.C.M. Qualidade de vida de cirurgiões-dentistas
que atuam em um serviço público. Rev Saúde Pública 2006; 40:1019-26.
PORTAL DA WORD HEALT ORGANIZATION. Conceito de Saúde.
Disponível em: http://www.who.int Acesso em: 2009.
PORTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Humanização.
Disponível em: http://portal.saude.gov.br. Acesso em: 2009.
KRAUSZ, R.R. Diagnóstico Organizacional Forma I e Forma II - Kit
Completo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
TEIXEIRA, R.R. Humanização e atenção primária à saúde. Cienc Saúde
Coletiva 2005; 10:585-597.
THE WHOQOL GROUP. Development of the World Health Organization
WHOQOL-Bref quality of life assessment. Psychol Med. 1998; 28:551-8.

331
TRIERWEILER, M.; SILVA, N. Perspectivas e desafios para a gestão da
qualidade de vida nas organizações de trabalho. Estudos de Psicologia 2007;
12:185-186.

332
TÍTULO: Educação Especial: Representações Cognitivas numa amostra de

estudantes de mestrado (Special Education: Cognitive representations in

a sample of post-graduate students)

AUTOR(ES): Maria João Carapeto (mjoaocarapeto@gmail.com)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga, Faculdade de Ciências Sociais

RESUMO: As representações que os profissionais da Educação Especial


constroem sobre a sua realidade profissional podem influenciar os seus
comportamentos, emoções, bem como as suas opções em contexto de trabalho.
Objectivos: explorar as representações da Educação Especial numa amostra de
candidatos a docentes de Educação Especial. Metodologia: trinta estudantes de
Mestrado em Educação Especial efectuaram um auto-registo de pensamentos
automáticos sobre o tema “Educação Especial”, a que se seguiu uma análise de
conteúdo dos pensamentos registados. Resultados: estabeleceram-se oito
categorias de significado sendo as mais frequentemente referidas Características
Pessoais (do Aluno), Valores / Ideologia e Natureza da Relação, que foram
também as categorias referidas por mais participantes. As categorias menos
referidas foram Características Pessoais / Relacionais (do Educador) e Recursos
Educativos. Os participantes diferiram quanto à complexidade com que elaboram
cognitivamente a Educação Especial, isto é, na quantidade de significados
gerados e na diversidade do seu conteúdo. Limitações: pequena dimensão da
amostra, limitado conhecimento das qualidades métricas do sistema de
categorias utilizado. Implicações práticas: de fácil utilização nos contextos da
investigação e da prática das organizações educativas, este procedimento de
avaliação é um contributo, a aprofundar, para o conhecimento das cognições dos
profissionais da Educação Especial, aplicável também ao estudo das
representações de diferentes actores na educação, bem como sua relação com
práticas profissionais concretas, bem-estar e saúde mental, tempo de serviço,
etc. Originalidade: aplicação de procedimento de avaliação individual da área
da Psicologia Clínica, a um contexto profissional específico, o da Educação
Especial, possibilitando o estudo dos sistemas cognitivos dos seus profissionais.

333
Palavras-chave: Representações cognitivas; Educação Especial; Docentes

ABSTRACT: Cognitive representations constructed by Special Education


professionals about their professional domain influence their behaviors,
emotions, and decision taking in the work context. Goals: to explore
representations about Special Education in a sample of candidates to be Special
Education teachers. Method: thirty post-graduate students in a Special
Education program self-reported automatic thoughts about “Special Education”,
which content was analyzed afterwards. Results: eight categories of meaning
were defined, where Personal Characteristics (Student), Values/Ideology, and
Nature of the Relationship received the great number of thoughts, and those
referred by more participants. Least referred categories were Personal/Relational
Characteristics (Teacher) and Educational Resources. Inter-individual variability
was observed concerning the complexity of cognitive constructions on Special
Education, e. g., the quantity of meanings reported and the diversity of their
content. Limitations: the sample’s small size, and the limited knowledge about
the metric qualities of content categories system. Implications for practice:
easy to use in both research and practice in educational organizations, the
procedure used offers an alternative to the assessment of cognitions constructed
by Special Education professionals, that deserves further research; in addition,
the cognitive representations of other agents in the educational settings need to
be explored, as the relation between these cognitions and the concrete
professional practices, well-being and mental health, years of professional
experience, etc.. Originality: application of an assessment technique from the
field of Clinical Psychology, to the understanding of part of the cognitive system
of Special Education professionals.

Keywords: Cognitive representations; Special Education; Teachers

INTRODUÇÃO
Embora existindo algum consenso sobre influenciarem, as cognições, a
vida emocional e o comportamento das pessoas, não abundam entre nós
estudos que dêem a conhecer o que pensam os profissionais sobre a sua área
profissional. Este é um estudo exploratório que se propõe dar um pequeno

334
contributo para o conhecimento do que pensam profissionais da Educação
Especial sobre a própria Educação Especial.

REVISÃO DE LITERATURA
São as representações que a pessoa constrói sobre a realidade, e não tanto
a realidade ela própria, que influenciam o comportamento, emoções e, em
última análise, o seu ajustamento psicossocial (Gonçalves, 2001; Kelly, 1955). O
quotidiano das profissões da Educação Especial, assentes em relações de ajuda,
é feito de múltiplas tomadas de decisão, grandes e pequenas, mais ou menos
conscientes, em que as representações cognitivas sobre a sua área profissional
terão um papel importante. As representações que estes profissionais constroem
sobre a sua realidade profissional podem influenciar os seus comportamentos,
emoções, bem como as suas opções em contexto de trabalho ou o seu
ajustamento psicossocial. Não se tendo encontrado nenhum estudo sobre o
tema, o objectivo deste estudo é precisamente o de explorar os pensamentos
automáticos de uma amostra de estudantes de Mestrado em Educação Especial
sobre a “Educação Especial”.

MÉTODO

Amostra
Trinta estudantes do Mestrado em Ciências da Educação – Educação
Especial da Universidade Católica Portuguesa, Braga.
Instrumentos
Foi utilizado o método de auto-registo de pensamentos automáticos sobre
o tema “Educação Especial”, que ocorressem durante um intervalo de cinco
minutos. As instruções foram: “Registe numa folha de papel todas as ideias que
lhe ocorram sobre o tema “Educação Especial”: tome nota daquelas palavras-
chave ou ideia-chave, pequenas frases, flashs, ou outras expressões breves, que
lhe acudam à mente durante os próximos cinco minutos. Não se trata de
organizar um texto mas somente de registar ideias mesmo que dispersas.
Recordo que é uma tarefa individual”.
Procedimentos
A recolha de dados decorreu durante o tempo de uma aula e as instruções
foram enunciadas em voz alta para o grupo que incluía o total dos participantes.
Depois, os pensamentos registados foram alvo de uma análise de conteúdo

335
(Bardin, 2004). A leitura cuidada dos registos de pensamentos dos participantes
sugeriu a definição de oito categorias que se apresenta no Quadro I.

Quadro I – Categorias de análise de conteúdo


Categorias Exemplos

Valores / Ideologia “inclusão”, “igualdade de oportunidades”

Auto-Realização / Experienciação “realização pessoal e profissional”, “estudo”, “acariciar”


“auxílio”, “cuidar”, “contribuir para que tenham um futuro
Natureza da Relação (geral)
melhor”
“estimular”, “ensino individualizado”, “instrução
Aspectos da Relação Técnico-Pedagógica
sensorial”, “reinventar estratégias”
“alunos com necessidades educativas especiais”, “criança
Características Pessoais (alunos)
diferente”, “crianças com uma grande força de vencer”
Características Relacionais/Pessoais “dar aos outros o que temos de melhor”, “paciência”,
(educadores) “acto de altruísmo”
Recursos Educativos “tempo/disponibilidade”, “cif”, “trabalho multidisciplinar”

Outros “problemas”, “taxa de sucesso”, “carências”

Alguns pensamentos automáticos foram decompostos em mais do que uma


unidade de significado (ex.: “inclusão de / crianças com necessidades educativas
especiais”). Cada unidade de significado foi codificada apenas numa categoria.

RESULTADOS
Os participantes registaram um total de 254 unidades de significado, com
um valor médio de 8,47 por participante, com uma distribuição que foi de 2
unidades (ocorreu com dois participantes) a um máximo de 30 unidades
(ocorreu com um participante) por participante (Quadro II). Cada participante
apresentou pensamentos automáticos relativos a uma média de 3.37 categorias
de conteúdo (eram oito as categorias encontradas), sendo que houve
participantes referindo somente uma categoria de significado (pouco
diferenciados na sua perspectiva sobre a educação especial) enquanto outros
referiam 6 (mais diferenciados na sua perspectiva sobre a educação especial).

Quadro II – Estatísticas descritivas


Desvio-
Média Mediana Moda Mínimo Máximo
padrão
Nº de unidades de
8,47 7 9 6,12 2 30
significado por participante
Número de categorias
3,37 3 3 1,50 1 6
usadas por participante

336
O Gráfico I mostra a distribuição as unidades de significado, em
percentagem, pelas categorias de conteúdo. As categorias que registaram mais
unidades de significado foram Características Pessoais (do Aluno) (22,44%),
seguida de Valores / Ideologia (20,01%) e Natureza da Relação (16,14%). As
categorias menos referidas foram Características Pessoais / Relacionais
(Educador) e Recursos Educativos (6,3% cada).

Gráfico I – Percentagem de significados em cada categoria

Por outro lado, nem todos os participantes registaram pensamentos em


todas as categorias. Como ilustra o Gráfico II, as categorias de significado que
foram referidas por mais participantes foram Características Pessoais (Aluno)
(80% dos participantes), seguida de Valores/Ideologia (73,33%) e de Natureza
da Relação (60%). As referidas por menos participantes foram Auto-
realização/Experienciação, Características Pessoais/Relacionais (Educador) e
Recursos Educativos (cada uma referida por 23,33% dos participantes).

Gráfico II – Percentagem de participantes que refere cada categoria

337
Finalmente, o Gráfica III mostra a percentagem de participantes que
utilizaram de uma a seis (o máximo) de categorias de significado, ilustrando
assim, de algum modo, o nível de diferenciação cognitiva dos participantes. A
maior parte dos participantes apresentou pensamentos automáticos que dizem
respeito a três (30%) ou quatro (20%) categorias de significado diferentes. Mas
três participantes (10%) apresentaram ideias que se distribuiram por seis das
oito categorias, sugerindo-se, da parte deles, um sistema cognitivo mais
diferenciado sobre a educação especial.

Gráfico III – Percentagem de participantes por número de categorias referidas

338
CONCLUSÕES
Foi possível agrupar os pensamentos automáticos dos participantes em
sete categorias de significado (mais uma categoria residual). As categorias que
registaram mais unidades de significado foram Características Pessoais (do
Aluno) (22,44%), seguida de Valores / Ideologia (20,01%) e Natureza da
Relação (16,14%) (Figura 1). As categorias menos referidas foram
Características Pessoais / Relacionais (do Educador) e Recursos Educativos
(6,3% cada).
Por outro lado, nem todos os participantes investiram em todas as
categorias. As categorias de significado que foram referidas por mais
participantes foram Características Pessoais (Aluno) (80% dos participantes),
seguida de Valores/Ideologia (73,33%) e de Natureza da Relação (60%).
Referidas por menos participantes foram as categorias de Auto-
realização/Experienciação, Características Pessoais/Relacionais (Educador) e
Recursos Educativos (cada uma referida por 23,33% dos participantes) (Figura
2).
Finalmente, verificou-se que os participantes diferem quanto à quantidade
de significados gerados (de 2 a 30) e quanto à diversidade do seu conteúdo
(referindo desde uma até seis categorias) (Quadro 1 ), sendo que metade dos
participantes usou três ou quatro categorias de significado (Figura 3). Os
resultados sugerem pois que a complexidade cognitiva das representações da
Educação Especial (isto é, quantidade e diversidade das categorias de significado

339
utilizadas) (Feixas & Cornejo, 2002), tal como avaliadas pelo sistema de
categorias utilizado, apresenta-se com alguma variabilidade entre os
participantes.
Este estudo exploratório sugere a importância de se aprofundar o
conhecimento dos sistemas de representações cognitivas em estudos futuros que
considerem, entre outros aspectos, amostras mais amplas, aperfeiçoar o sistema
de categorias também recorrendo ao acordo entre observadores, comparar os
sistemas de representações de diferentes actores na educação, explorar
possíveis relações com outras variáveis (idade, sexo, actividade profissional,
possíveis relações com práticas profissionais concretas, bem-estar e saúde
mental, tempo de serviço, etc.) e as diferenças interpessoais na estrutura
cognitiva sobre o tema (Feixas e Cornejo, 2002).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.


Feixas, G., & Cornejo, J. M. (2002). A manual for the repertory grid using the
GRIDCOR programme (Version 4.0). Barcelona: Psimedia.
Gonçalves, O. (2001). Terapias cognitivas: teorias e práticas. Lisboa:
Afrontamento.
Kelly, G. A. (1955). The Psychology of Personal Constructs. New York: Norton &
Company.

340
TÍTULO: Diagnóstico de Burnout, os principais instrumentos de avaliação:

Maslach Burnout Inventory,Burnout Measure e Copenhagen Burnout

Inventory

AUTOR(ES): Ricardo Manuel Marinho Araújo

(ricardo.araujo.ucb@gmail.com)

INSTITUIÇÃO:

O trabalho é fundamental para o bem-estar físico e psicológico dos indivíduos. A


consequência que advém da relação indivíduo-trabalho tem constituído objecto
de investigação científica quer ao nível da conceptualização teórica quer do
diagnóstico. O estudo da síndrome de burnout iniciou-se em 1970 e é definido
hoje como uma resposta ao stresse crónico, que ocorre em âmbito laboral e
afecta os profissionais a nível físico e mental. E tem sido entendido por certas
investigações como preditor da baixa produtividade e diminuição da qualidade
dos serviços prestados.

Objectivo: A prevenção do burnout é um tema especialmente relevante no


âmbito da Psicologia, desta forma, o presente estudo visa identificar e analisar
alguns instrumentos de diagnóstico do burnout – Maslach Burnout Inventory,
Burnout Measure e The Copenhagen Burnout Inventory - procurando apresenta-
los e identificar as diferenças entre eles.

Metodologia: A metodologia adoptada para elaboração da investigação foi a


revisão bibliográfica.

Implicações práticas: Este estudo poderá ser profícuo para aqueles que se
dedicam ao estudo do stresse laboral e burnout, auxiliando a recolha de
informação em contexto laboral.

Palavras-Chave: Burnout, Diagnóstico

341
Title: Burnout Diagnosis, the main assessment instruments: Burnout: Maslach
Burnout Inventory, Burnout Measure and Copenhagen Burnout Inventory

Abstract: Burnout diagnosis: Maslach Burnout Inventory


The work is fundamental to the well-being of individuals, physically and
psychologically. The outcome from the relationship between individual and the
work has been the subject of scientific research both at theoretical
conceptualization or diagnosis. The burnout research began in 1970 and is
defined today as a response to chronic stress, which occurs in the workplace and
affects the professionals physically and mentally. And it has been understood by
some research as a predictor of low productivity and decreased quality of
services provided.

Objective: Preventing burnout is an especially relevant topic in the context of


psychology, thus, the present study aims to identify and analyze some diagnostic
instruments - Maslach Burnout Inventory, Burnout Measure and The Copenhagen
Burnout Inventory – with the purpose of introducing and identify the differences
between them.

Methodology: The methodology adopted for this research was the literature
review.

Practical implications: This study can be beneficial for those who devote
themselves to the study of workplace stress and burnout, helping to gather
information in the workplace context.

Key-Words: Burnout, Diagnosis

Diagnóstico de Burnout: Maslach Burnout Inventory

Introdução
O trabalho desempenha um papel central no bem-estar físico e
psicológico das pessoas. Desta forma, os perigos físicos, em termos de lesões e
doenças causadas pelo trabalho, têm sido a preocupação da área de saúde
ocupacional. Mais recentemente é dada mais atenção aos factores de risco

342
sociais e psicológicos. Muita desta atenção centrou-se sobre o stresse
ocupacional (Correia, Gomes & Moreira, 2010; Frasquilho, 2005; Hespanhol,
2005; Pereira, Rodrigues & Cunha, 2010; Rubino, Luksyte, Perry & Volpone,
2009; Souza & Silva, 2002), denominação para o impacto das exigências do
trabalho, sobre a experiência interna do trabalhador, e os resultados
subsequentes do processo. O stresse prejudica o desempenho no trabalho,
reduzindo a capacidade dos profissionais e perturbando o funcionamento
cognitivo (Maslach & Leiter, 2005).
O trabalho não é apenas uma forma de obter uma melhoria na qualidade
de vida, é também considerado um elemento vital do status social do indivíduo e
uma fonte de significado na sua vida (Iacovides, Fountoulakis, Kaprinis &
Kaprinis, 2003). Assim, o trabalho é uma parte importante da vida. De facto os
indivíduos podem passar mais tempo no trabalho do que com amigos ou
familiares. Desta forma, o senso de identidade e auto-estima pode ser
completamente “mergulhado” nas tarefas que se fazem nesse trabalho (Leiter &
Maslach, 2005).
Leiter e Maslach (2005) indicam a existência de dois elementos-chave em
qualquer relacionamento laboral: o indivíduo e o emprego. Segundo os autores,
a conexão que se estabelece entre estes dois elementos é fundamental. Quando
há uma boa adaptação entre os dois, o indivíduo sentir-se-á envolvido com o
emprego. Sentir-se-á feliz, energético, confiante e pronto para se empenhar
num relacionamento produtivo e a longo prazo. Mas quando há uma adaptação
pobre e uma grande incompatibilidade entre o indivíduo e o emprego, então o
indivíduo irá experienciar Burnout. Vai sentir-se infeliz, exausto, e pronto para
abandonar o emprego.
O estudo do burnout iniciou-se em profissionais dos serviços humanos,
tendo sido identificado inicialmente nos contextos assistenciais. Desta forma,
para Gomes e Cruz (2004), o burnout nos profissionais de saúde mantêm-se
actualmente um tema muito importante, uma vez que as consequências
resultantes do burnout reflectem-se, no profissional, bem como em todos
aqueles que irão ser alvo da sua intervenção. Verifica-se que em Portugal os
estudos sobre este síndrome mantêm a tendência, debruçando-se
maioritariamente sobre os profissionais de saúde e do ensino (Gomes,
Cabanelas, Macedo, Pinto & Pinheiro, 2008; Gomes, Cruz & Cabanelas, 2009;
Gomes, Silva, Mourisco, Silva, Mota & Montenegro, 2006; Melo, Gomes & Cruz,

343
1997; McIntyre, McIntyre & Silvério, 1999; Ribeiro, Gomes & Silva, 2010; Silva
& Gomes, 2009).

O conceito de Burnout
O fenómeno do Burnout emergiu como uma importante questão social
nos estados unidos (Maslach & Schaufeli, 1993; Maslach, Leiter, & Schaufeli,
2008) em meados da década de 1970 e a sua importância tem vindo a crescer
significativamente nos últimos trinta anos (Maslach, Leiter, & Schaufeli, 2008). O
conceito de Burnout, foi inicialmente bastante inconstante. Não existia um
conceito padrão que o definisse, todavia, existia uma variedade alargada de
opiniões sobre o que seria o Burnout e o que poderia ser feito. Diferentes
teóricos utilizavam o termo para designar juízos diferentes, portanto, não existia
uma base para uma comunicação construtiva sobre o problema e as suas
soluções (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2008; 2001).
O Burnout é um síndrome psicológico de exaustão emocional,
despersonalização e redução da realização pessoal que pode ocorrer entre
indivíduos que trabalham com outras pessoas de alguma forma (Maslach, &
Jackson, 1981; 1985; Maslach, Jackson & Leiter, 1997). Assim, foi durante
muitos anos, reconhecido como um risco ocupacional para diversas profissões
orientadas para as pessoas, como os serviços humanos, educação e saúde. As
relações terapêuticas ou serviço que os fornecedores desenvolvem com os
clientes exigem um nível contínuo e intenso de contacto pessoal e emocional.
Embora tais relações possam ser gratificantes e envolventes, podem também ser
muito stressantes (Maslach & Leiter, 2005). O Burnout é sempre mais provável
de ocorrer quando existe uma grande incompatibilidade entre a natureza do
trabalho e a natureza do profissional que faz o trabalho (Maslach & Leiter,
1997).
Para Schaufeli e Greenglass (2001), Burnout pode ser definido como um
estado de exaustão física, emocional e mental resultante de um envolvimento a
longo prazo em situações de trabalho que são emocionalmente exigentes; Foi
ainda definido como sendo uma resposta prolongada aos stressores emocionais e
interpessoais no trabalho, e é definido por três dimensões: exaustão,
despersonalização e realização pessoal (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001;
Maslach & Leiter, 2005).

Dimensões

344
A exaustão (qualidade central do Burnout) é a manifestação mais clara do
síndrome. Os indivíduos quando se descrevem ou quando descrevem outros
sujeitos que experienciam o Burnout usualmente referem-se à experiência de
exaustão. Assim, das três dimensões, a exaustão parece ser a dimensão mais
referida e a mais analisada (Maslach & Leiter, 1997; Maslach, Schaufeli & Leiter,
2008; 2001).
Os indivíduos quando sentem exaustão, sentem-se sobrecarregados,
tanto emocional como fisicamente. Sentem-se, usados e incapazes de relaxar e
recuperar. Quando acordam pela manhã, sentem-se tão cansados como no dia
anterior. Falta-lhes a energia para enfrentar outro projecto ou outra pessoa. A
exaustão é a primeira reacção ao stresse das exigências do emprego ou a uma
mudança importante (Maslach & Leiter, 1997).
A despersonalização representa a dimensão de distanciamento
interpessoal do Burnout (Maslach, Leiter, & Schaufeli, 2008), e é vista como uma
tentativa de estabelecer uma distância entre si próprio e os utentes, ignorando
conscientemente as qualidades destes como pessoas. Há maior facilidade de
atender às necessidades dos utentes quando estes são considerados como
objectos do seu trabalho (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).
A terceira e última dimensão refere-se à reduzida realização pessoal. A
exaustão e despersonalização interferem com a eficácia no trabalho: é difícil
possuir um sentimento de realização pessoal quando os indivíduos se sentem
esgotados ou quando ajudam aqueles para com as quais se sentem indiferentes
(Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).
Quando se sentem ineficazes, os indivíduos sentem um crescente
sentimento de inadequação. Cada novo projecto parece esmagador. O mundo
parece conspirar contra cada uma das tentativas de fazer progressos, e o pouco
que conseguem realizar pode parecer trivial. Perdem confiança na sua
capacidade de fazer a diferença. E perdendo a confiança em si, os outros perdem
a confiança neles (Maslach & Leiter, 1997).

Avaliação
O instrumento de avaliação do burnout mais frequentemente utilizado na
investigação/diagnóstico é o Maslach Burnout Instrument (MBI). Este
instrumento foi desenvolvido por Maslach e Jackson (1981), com base na
investigação no campo da saúde e dos serviços humanos. Após a primeira fase
de pesquisa qualitativa, envolvendo entrevistas exploratórias e estudos de caso,

345
foi criada a primeira escala MBI, contendo vinte e dois itens distribuídos ao longo
de três subescalas. Nove itens correspondem à dimensão da exaustão,
descrevendo os sentimentos de estar emocionalmente sobrecarregado e
esgotado pelo trabalho. Na subescala de despersonalização encontram-se cinco
itens que descrevem uma resposta insensível e impessoal relativamente aos
destinatários dos cuidados ou do serviço. Por fim, a subescala de realização
pessoal é constituída por oito itens associados aos sentimentos de competência e
obtenção de sucesso no trabalho com outras pessoas. Para as escalas de
exaustão e despersonalização, quanto maior for a média obtida maior será o
grau de burnout experienciado. Relativamente à escala de realização pessoal,
quanto menor a média obtida maior será o grau de burnout experienciado
(Maslach & Jackson, 1981; Maslach, Leiter & Schaufeli, 2008; Maslach, Jackson
& Leiter, 1997).
O MBI foi assim criado para avaliar as três dimensões do síndrome de
burnout: exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal. Os itens
que o compõem são escritos em forma de afirmações sobre sentimentos ou
atitudes em relação ao trabalho, sendo respondidos em termos da ocorrência
desses sentimentos numa escala de Likert de 7 pontos variando entre: 0 –
Nunca e 6 - todos os dias (Maslach, Jackson & Leiter, 1997).

Formas alternativas do MBI


O primeiro MBI foi concebido para avaliar o síndrome de burnout numa
variedade de profissões relacionadas com os serviços humanos. Contudo, foram
desenvolvidas duas versões alternativas, uma para avaliar o burnout nas
profissões de ensino e outra para avaliar o burnout na generalidade das
ocupações (Maslach, Jackson & Leiter, 1997).
A versão para professores é denominada de MBI Educators Survey (MBI-
ES) e de forma idêntica avalia as três dimensões do burnout como o MBI
original, com diferenças em alguns dos itens, alterando a palavra beneficiário
para a palavra aluno (Maslach, Jackson & Leiter, 1997). Esta mudança teve
como intuito assegurar a clareza e coerência na interpretação dos itens
(Maslach, Leiter & Schaufeli, 2008).
De seguida foi desenvolvida a escala MBI General Survey (MBI-GS), com
o objectivo de abranger o MBI original a profissões que não possuíssem o
contacto directo ou frequente com o beneficiário do serviço. Não se centra na
relação com os serviços prestados mas sim no desempenho do trabalho em geral

346
(Maslach, Jackson & Leiter, 1997). Nesta escala ocorreu uma diminuição dos
vinte e dois itens originais para dezasseis itens, a subescala exaustão mantém a
sua designação e possui cinco itens, enquanto a subescala despersonalização é
apelidada de cinismo e possui cinco itens, a última subescala realização pessoal
passa a ser apelidada de eficácia profissional e sendo constituída por seis itens.
Os itens da subescala exaustão incluem referências à fadiga física como à
emocional, não fazendo referências directas a pessoas como fonte desses
sentimentos. A nova subescala cinismo reflecte a indiferença ou uma atitude de
distanciamento em relação ao trabalho, referindo-se somente ao trabalho e não
a relações interpessoais no trabalho. A subescala de eficácia profissional é
semelhante à subescala de realização pessoal, porém, possui um focus mais
amplo reunindo aspectos sociais e não sociais de feitos profissionais,
concentrando-se nas expectativas do indivíduo face à eficácia contínua no
trabalho (Maslach, Jackson & Leiter, 1997; Maslach, Leiter & Schaufeli, 2008).
Os autores Melo, Gomes e Cruz (1999) realizaram a tradução e adaptação
do MBI (versão para os serviços humanos) para a população portuguesa, o
estudo possuiu como amostra profissionais de psicologia, porém, o MBI foi
inicialmente construído para abranger as restantes profissões dos serviços
humanos, assim, esta adaptação pode servir como base para estudos futuros de
investigação e intervenção psicológica em profissionais de outros domínios dos
serviços humanos, com a devida preocupação de replicação e validação dos
resultados nessas amostras. Como resultado da adaptação os autores obtiveram
um instrumento de auto-registo constituído por dezoito itens relacionados com
sentimentos ligados ao trabalho, distribuindo-se por três dimensões:
Exaustão emocional - analisa os sentimentos de sobrecarga emocional e
exaustão devido às exigências do trabalho (e.g., “sinto-me esgotado(a) com o
meu trabalho”), explicando 21,9% da variância total.
Despersonalização - pretende medir as respostas “frias”, impessoais,
negativas dirigidas aos indivíduos a quem se prestam serviços (e.g., “sinto que
trato alguns clientes como se fossem objectos impessoais”), explicando 12,7%
da variância total.
Realização pessoal - avalia os sentimentos de competência profissional e
de sucesso no trabalho com pessoas (e.g., “neste emprego consegui muitas
coisas que valeram a pena”), explicando 8,7% da variância total.
Os valores obtidos nas três dimensões permitiram explicar 43,4% da
variância total. A escala total obteve um alfa de Cronbach de 0.75, tendo a

347
dimensão da exaustão emocional obtido o valor de 0.80, a Despersonalização
0.71 e a Realização pessoal 0.70.
Os autores Maroco e Tecedeiro (2009) traduziram e adaptaram para a
língua portuguesa o MBI-GS, numa amostra de estudantes universitários.
Obtiveram através da análise factorial para a dimensão da Exaustão um alfa de
Cronbach de 0.836, para a dimensão Descrença 0.882 e para a dimensão
Eficácia 0.791. A variância média extraída foi de 0.518 relativamente ao factor
Exaustão, 0.656 para a Descrença e de 0.384 na Eficácia. Os autores admitem a
existência de limitações psicométricas no seu estudo, indicando uma fiabilidade
de constructo inferior ao desejável do factor eficácia. Contudo, defendem que o
instrumento demonstra ser sensível, válido e fiável na avaliação do burnout.

Copenhagen Burnout Inventory


Kristensen, Borritz, Villadson e Christensen (2005) elaboraram um novo
instrumento de avaliação do burnout apelidado de Copenhagen Burnout
Inventory (CBI).
Os autores afirmam que o MBI ao ser utilizado em mais de 90% dos
estudos empíricos em todo o mundo permite que este esteja próximo de obter o
monopólio no campo teórico do burnout. E como consequência deste domínio a
definição de burnout e o inventário de Maslach tornam-se dois lados da mesma
moeda: o burnout é aquilo que o instrumento mede e o instrumento mede o que
o burnout é.
Os autores explicam a sua decisão de criar um novo instrumento em
oposição ao MBI através de seis razões: Argumento circular – os autores
criticam a circularidade inerente ao MBI, que pela definição clássica de Maslach e
Jackson (1981) é restrito aos serviços humanos. À sua restrição é ainda
acrescentado o facto de o burnout ser causado especificamente por factores
associados ao trabalho dos serviços humanos, particularmente a elevada carga
emocional. Consequentemente, várias questões do MBI foram formuladas de
forma a só poderem ser respondidas por pessoas que trabalhassem nos serviços
humanos. Desta forma criando um argumento circular, uma vez que a
conjectura básica de que o burnout é restrito ao contexto dos serviços humanos
não pode ser confrontada e a hipótese principal de que as exigências emocionais
intrínsecas ao contexto dos serviços humanos aumenta o risco de burnout não
pode ser testada uma vez que não é possível utilizar o questionário clássico num
grupo distinto aos serviços humanos. Não é clara a relação entre o MBI e o

348
conceito de burnout – Aparentemente a definição de burnout de Maslasch e o
MBI coincidem perfeitamente dado que tanto a definição como o instrumento
reúnem as mesmas três dimensões. Porém, o burnout é caracterizado pela
ocorrência simultânea das três dimensões, exaustão emocional,
despersonalização e reduzida realização pessoal, e de acordo com o manual do
MBI as três dimensões devem ser consideradas e medidas de forma
independente, resultando em três medidas independentes e apenas um conceito.
Portanto, pode considerar-se que os indivíduos são analisados como possuindo
três níveis de burnout e que cada dimensão possui precursores e consequências
próprias, tornando a correspondência entre conceito e avaliação pouco clara. É
uma mistura de um estado individual, uma estratégia de coping e um
efeito – para os autores o síndrome definido por Maslach e Jackson consiste em
três componentes que não deveriam ser conciliados mas sim estudados de forma
autónoma. O burnout medido pelo MBI consiste em aspectos teóricos distintos:
um estado individual (exaustão emocional), a despersonalização como forma de
distanciamento é uma estratégia de coping, desenvolvida em situações
específicas e deveria ser analisada como tal, e por fim, a reduzida realização
pessoal deveria ser considerada como uma consequência do stresse prolongado.
Os três factores deveriam ser estudados individualmente em vez de serem
agregados e designados de burnout. Questões inaceitáveis – No seu estudo
piloto os autores aplicaram o MBI e devido à natureza extrema e franca das
questões, alguns itens desencadearam respostas hostis dos entrevistados. Não
é claro o que mede o MBI-GS (general survey) – Após a alteração dos itens
do MBI original, o qual foi desenvolvido exclusivamente para os serviços
humanos, para itens mais gerais que pudessem abranger um maior número de
profissões, não ficou claro o que realmente mede o MBI-GS. Torna-se difícil
compreender como um questionário de dezasseis itens (MBI-GS) permite o
mesmo grau de avaliação comparativamente a um questionário constituído por
vinte e dois itens (MBI). Ainda, ao longo de mais de 20 anos de estudos relativos
ao burnout a mensagem central de que o síndrome é específico do sector dos
serviços humanos manteve-se, e não tendo conhecimento de que esta posição
teórica tenha sido alterada, abandonada ou da existência de uma nova definição
de burnout, os autores colocam a pergunta: o que mede então o MBI-GS?
Acesso do Público - a ultima razão prende-se com o facto de não
estarem acessíveis ao público os três inventários (MBI, MBI-ES e MBI-GS),

349
sendo distribuídos através de companhias comerciais e indisponíveis para
consulta através de jornais científicos.
Tendo em causa as razões anteriores, Kristensen e colaboradores (2005)
elaboraram um questionário com três subdimensões, burnout pessoal, burnout
relacionado com o trabalho e burnout relacionado com o cliente. As perguntas
relativas ao burnout pessoal foram formuladas de forma a poderem ser
respondidas por todos os indivíduos. As questões relativas ao burnout
relacionado com o trabalho assumem que o entrevistado executa um trabalho
remunerado. Relativamente ao burnout relacionado com o cliente incluem o
termo cliente ou um termo similar apropriado.
Os autores atribuem a fadiga e a exaustão a domínios específicos ou a
esferas da vida pessoal. Na escala de burnout pessoal é possível comparar os
indivíduos independentemente do seu estado ocupacional (Jovens,
desempregados, reformados, etc.) e tem a intenção de responder à questão
quão cansado ou exausto o indivíduo se sente. O burnout pessoal é o grau de
fadiga e exaustão física ou psicológica experienciada.
O burnout relacionado com o trabalho é definido como o grau de fadiga e
exaustão que é percebido pelo indivíduo em relação ao seu trabalho. Destaca-se
o facto da atribuição de sintomas pelo próprio indivíduo. Comparando a escala
do burnout pessoal com a escala de burnout relacionado com o trabalho é
possível identificar indivíduos que estão exaustos, contudo, atribuem a fadiga a
factores não ligados ao trabalho. O burnout relacionado com o cliente é definido
como o grau de fadiga e exaustão que é percebido pelo indivíduo em relação ao
trabalho com os clientes.
Fonte (2011) procedeu à tradução e validação para português do CBI
tendo utilizado uma amostra de profissionais de saúde, nomeadamente
enfermeiros. Como resultado da adaptação o autor obteve os seguintes dados de
consistência interna: na escala de burnout pessoal um alfa de Cronbach de
0,845, a escala de burnout relacionado com o trabalho obteve 0,866 e a escala
de burnout relacionada com o utente 0,843.
Os dados obtidos indicam assim uma boa consistência interna na
validação da escala para o português. O autor afirma ainda que as suas boas
características psicométricas possibilitam a aplicação do CBI na detecção de
burnout nos enfermeiros e na utilização em contexto de investigação.

Burnout Measure

350
O Burnout Measure (MB) surgiu no seguimento do MBI e é considerado o
concorrente directo do MBI sendo o segundo instrumento mais utilizado para
avaliar o burnout. O instrumento foi criado por Pines e Arolson (1988; cit in
Schaufeli, Enzmann & Girault, 1993) definindo o conceito de burnout como um
estado de exaustão física, mental e emocional, originado pelo envolvimento dos
indivíduos em determinadas situações que são emocionalmente exigentes. Desta
forma, não consideram o burnout restrito a determinados grupos profissionais.
A estrutura do Burnout Measure é composta por vinte e um itens que
expressam o estado de exaustão, sendo pontuados numa escala de likert de sete
pontos variando desde “nunca” até “sempre” (Schaufeli, Enzmann & Girault,
1993).
Apesar da definição multidimensional do síndrome de burnout defendida
pelos autores do instrumento, o BM está concebido apenas numa única
dimensão. Desta forma, pode-se argumentar que o BM não é uma boa
operacionalização da definição de burnout defendida.

Conclusão
Verifica-se que a maioria dos instrumentos utilizados são de auto-relato
sendo o MBI o instrumento de avaliação psicológica mais utilizado e é
usualmente considerado como o instrumento de excelência na investigação do
síndrome de burnout.
De todos os instrumentos de avaliação psicológica referidos, o Maslach
Burnout Inventory é aquele que parece ter um maior potencial na investigação e
consequente intervenção do síndrome de burnout. Os contextos da saúde, pelas
suas características específicas, propiciam mais acentuadamente o
desenvolvimento do síndrome, tornando-se assim uma área privilegiada de
estudo, contudo, esforços foram feitos para adaptar o instrumento a outros
contextos organizacionais de forma a abranger um leque mais variado de
profissões e áreas (Educators e General).
A procura de instrumentos válidos que possibilitem a mensuração do
síndrome de burnout é um factor de grande importância no que diz respeito à
investigação sobre o tema. A aplicação do MBI pressupõe a aceitação do conceito
multidimensional do burnout proposto por Maslach, desta forma os psicólogos,
investigadores, etc., devem analisar cuidadosamente os resultados obtidos nas
três dimensões de forma a traduzirem os resultados de forma correcta. Ainda, o

351
MBI pode ser complementado no futuro com entrevistas individuais para uma
melhor compreensão e validação dos resultados.
O instrumento de avaliação Copenhagen Burnout Inventory amplia o
conceito de burnout a áreas não relacionadas com o trabalho. Schaufeli e Taris
(2005) concordam que o burnout possa ser aplicado a actividades semelhantes
ao trabalho mas fora do contexto ocupacional, ou seja, actividades estruturadas,
de natureza coerciva e com objectivos específicos. Actividades que de uma
perspectiva psicológica se assemelham à actividade laboral e que possuam um
funcionamento nuclear que pode ser considerado como trabalho. Esta visão é
exemplificada através da actividade de estudante: os alunos frequentam as aulas
e elaboram trabalhos académicos, demonstrando aqui a estrutura coerciva, e
realizam exames de forma a alcançarem um objectivo, adquirirem um grau de
ensino. Desta actividade podem surgir nos indivíduos sentimentos de exaustão
consequentes das exigências académicas e sentimentos de afastamento face aos
estudos, manifestando assim o síndrome. Contudo, os autores não crêem que os
resultados obtidos pelo CBI possam diferir bastante dos resultados obtidos pelo
MBI.
Em relação ao Burnout Measure, o seu uso parece ser bastante limitado
devido à sua medida unidimensional, desta forma resumindo um fenómeno
psicológico complexo à mera exaustão.
Verifica-se assim que existe uma tendência positiva na investigação do
síndrome e uma ampliação das áreas de estudo, o que demonstra que o tema do
burnout permanece muito actual e que os instrumentos utilizados são um auxílio
importante na sua avaliação. Contudo, profissionais com noções profundas sobre
este tema, podem através de entrevistas e de análises organizacionais
diagnosticar a ocorrência de burnout bem como a sua gravidade.

Bibliografia

Correia, T., Gomes, A. R. & Moreira, S. (2010). Stresse ocupacional em


professores do ensino básico: um estudo sobre as diferenças pessoais e
profissionais. In C. Nogueira, I. Silva, L. Lima, A. T. Almeida, R.
Cabecinhas, R. Gomes, C. Machado, A. Maia, A. Sampaio, & M. C. Taveira
(Eds.), Actas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
(1477-1493). Lisboa: Associação Portuguesa de Psicologia. Lisboa:

352
Associação Portuguesa de Psicologia. Disponível em
http://www.actassnip2010.com
Fonte, C. M. S. (2011). Adaptação e validação para português do Questionário
de Copenhagen Burnout Inventory (CBI). Dissertação de mestrado não
publicada, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra,
Portugal.
Frasquilho, M. A. (2005). Medicina, uma jornada de 24 horas? Stress e burnout
em médicos: prevenção e tratamento. Saude mental, 23 (2), 89-98.
Gomes, A. R., Cabanelas, S., Macedo, V., Pinto, C. & Pinheiro, L. (2008).
Stresse, “burnout”, saúde física, satisfação e realização em profissionais de
saúde: análise das diferenças em função do sexo, estado civil e agregado
familiar. In M. G Pereira, C. Simães & T. McIntyre, (Eds.), Actas do II
congresso família, saude e doença: Modelos, investigação e prática em
diferentes contextos de saúde (2ª ed., Vol. IV, 178-192). Braga:
Universidade do Minho. Acedido em
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7824/1/2-Actas-
Enfermeiros-Fam%C3%ADlia.pdf:
Gomes, A. R., Silva, M. J., Mourisco, S., Silva, S., Mota, A. & Montenegro, N.
(2006). Problemas e desafios no exercício da actividade docente: Um
estudo sobre o stresse, "burnout", saúde física e satisfação profissional em
professores do 3o ciclo e ensino secundário. Revista Portuguesa de
Educação, 19(1), 67-93.
Gomes, A.R, Cruz, J. F. & Cabanelas, S. (2009). Estresse Ocupacional em
Profissionais de Saúde: Um Estudo com Enfermeiros Portugueses. 25 (3),
307-318.
Gomes, A.R. & Cruz, J.F. (2004). A experiência de stress e “burnout” em
psicólogos portugueses: um estudo sobre as diferenças de género. Teoria,
Investigação e Prática, 2, 193-212.
Hespanhol, A. (2005). Burnout e stress ocupacional. Revista portuguesa de
psicossomática, 7(1-2), 153-162
Iacovides, A., Fountoulakis, K. N., Kaprinis, S., & Kaprinis, G. (2003) The
relationship between job stress, burnout and clinical depression. Journal of
Affective Disorders, 75, 209-221.
Kristensen, T. S., Borritz, M., Villadsen, E. & Christensen, K. B. (2005). The
Copenhagen Burnout Inventory: A new tool for the assessment of burnout.
Work & Stress, 19(3), 192-207.

353
Leiter, M. P. & Maslach, C. (2005). Banishing Burnout: Six Strategies for
improving your relationship with work. San Francisco: Jossey-Bass
Publishers.
Maroco, J. & Tecedeiro, M. (2009). Inventário de burnout de Maslach para
estudantes portugueses. Psicologia, Saúde & Doenças, 10 (2), 227-235
Maslach, C. & Jackson, S. E. (1981).The measurement of experienced burnout.
Journal of occupational behaviour, 2, 99-113.
Maslach, C. & Jackson, S. E. (1985). The Role of Sex and Family Variables in
Burnout. Sex Roles. 7/8 (12). 837-851.
Maslach, C. & Leiter, M. P. (1997). The truth about burnout: how organizations
cause personal stress and what to do about it. San Francisco: Jossey-Bass
Publishers.
Maslach, C. & Leiter, M. P. (2005). Stress and burnout: The critical research. In
C. L. Cooper (Ed.), Handbook of stress medicine and health, 2nd ed. (153-
170). Boca Raton, FL: CRC Press LLC.
Maslach, C. & Schaufeli, W. B. (1993). Historical and conceptual development of
burnout. In: W.B. Schaufeli, C. Maslach & T. Marek (Eds.), Professional
Burnout: Recent developments in theory and research (1-16). New York:
Taylor & Francis.
Maslach, C., Jackson, S. E. & Leiter, M. P. (1997). Maslach Burnout Inventory. In
C. P. Zalaquett & R. J. Wood (Eds.), Evaluating Stress: a book of resources
(191-218), London: Scarecrow Press.
Maslach, C., Leiter, M. & Schaufeli, W. (2008). Measuring burnout. In C. L.
Cooper & S. Cartwright (Eds.), The Oxford handbook of organizational well-
being (86-108). Oxford UK: Oxford University Press.
Maslach, C., Schaufeli, W. B. & Leiter, M. (2001). Job Burnout. Annual Review of
Psychology, 52, 397-422.
McIntyre,T. M., McIntyre, S. E. & Silvério, J. (1999). Respostas de stress e
recursos de coping nos enfermeiros. Análise Psicológica. 17 (3), 513-527.
Melo, B. T., Gomes, A. R. & Cruz, J. F. A. (1999). Desenvolvimento e adaptação
de um instrumento de avaliação psicológica do burnout para os
profissionais de Psicologia. In A. P. Soares, S. Araújo & S. Caires (Orgs.),
Avaliação psicológica: formas e contextos (vol. VI, pp. 596-603). Braga:
APPORT (Associação dos Psicólogos Portugueses) - Universidade do Minho

354
Melo, B. T., Gomes, A. R., & Cruz, J. F. (1997). Stress ocupacional em
profissionais da saúde e do ensino. Psicologia: Teoria, Investigação e
Prática, 2, 53-71.
Pereira, P. J., Rodrigues, J. & Cunha, M. J. (2010). Stress, Burnout e Desordens
Emocionais em Profissionais de Saúde de Oncologia. In C. Nogueira, I.
Silva, L. Lima, A. T. Almeida, R. Cabecinhas, R. Gomes, C. Machado, A.
Maia, A. Sampaio, & M. C. Taveira (Eds.), Actas do VII Simpósio Nacional
de Investigação em Psicologia (1448-1462). Lisboa: Associação Portuguesa
de Psicologia. Lisboa: Associação Portuguesa de Psicologia. Disponível em
http://www.actassnip2010.com
Ribeiro, L., Gomes, A. R. & Silva, M. (2010). Stresse ocupacional em
profissionais de saúde: um estudo comparativo entre médicos e
enfermeiros a exercerem em contexto hospitalar. In C. Nogueira, I. Silva,
L. Lima, A. T. Almeida, R. Cabecinhas, R. Gomes, C. Machado, A. Maia, A.
Sampaio, & M. C. Taveira (Eds.), Actas do VII Simpósio Nacional de
Investigação em Psicologia (1494-1508). Lisboa: Associação Portuguesa de
Psicologia. Disponível em http://www.actassnip2010.com
Rubino, C., Luksyte, A., Perry, S. J. & Volpone, S. (2009). How Do Stressors
Lead to Burnout? The Mediating Role of Motivation. Journal of Occupational
Health Psychology, 14 (3), 289–304
Schaufeli, W. B. & Greenglass, E. R. (2001). Introduction to special issue on
burnout and health. Psychology and Health. 16, 501-510.
Schaufeli, W. B. & Taris, T. W. (2005). The conceptualization and measurement
of burnout: Common ground and worlds apart. Work & Stress, 19 (3), 256-
262.
Schaufeli, W.B., Enzmann, D. & Girault, N. (1993). Measurement of burnout: A
review. In W. B. Schaufeli, C. Maslach & T. Marek (Eds.), Professional
burnout, recent development in theory and research (199-215).
Philadelphia, PA: Taylor & Francis.
Silva, M. C. M & Gomes, A. R. S. (2009). Stress ocupacional em profissionais de
saúde: um estudo com médicos e enfermeiros portugueses. Estudos de
Psicologia, 14 (3), 239-248.
Souza, W. C. & Silva A. M. M. (2002). A influência de factores de personalidade e
de organização do trabalho no burnout em profissionais de saúde. Rev.
Estudos de Psicologia, 19 (1), 37-48.

355
356
3. TRABALHO, FÉRIAS E RECOVERY EXPERIENCES

357
TÍTULO: The Work-Related Quality of Life (QoWL) Scale. Estudo piloto

para adaptação à população portuguesa.

AUTOR(ES): José Hermínio Gomes (herminio@esenfc.pt)

INSTITUIÇÃO: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, UC – ICS

Porto

A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) está diretamente relacionada à


satisfação e ao bem-estar do indivíduo na execução de suas tarefas, é
indispensável à produtividade e à competitividade, sem as quais uma
organização não sobrevive ao mercado. Segundo Fernandes (1996), a QVT pode
ser considerada como uma gestão dinâmica de fatores físicos, sociológicos,
psicológicos e tecnológicos da organização do próprio trabalho, que afetam a
cultura e interferem no clima organizacional refletindo na produtividade e na
satisfação dos clientes.
Ao longo dos anos, vários investigadores têm-se dedicado à elaboração
de modelos que procuram avaliar a Qualidade de Vida no Trabalho sob diversos
aspetos, entre esses citamos: Hackman & Oldham (1975); Walton (1973);
Westley (1979); e Davis & Werther (1983).
Entretanto, ao investigar a formulação dos modelos referidos, observou-
se que nenhum deles incorporou todas as dimensões e indicadores da Qualidade
de Vida no Trabalho cientificamente reconhecidas. Verificamos que, de acordo
com a natureza da organização e das atividades nela realizadas, o modelo de
avaliação deve ser adaptado para avaliar mais precisamente a Qualidade de Vida
no Trabalho.
A Escala da Qualidade de Vida Relacionada com o Trabalho, sendo um
instrumento de fácil e rápida aplicação, parece-nos um constructo de
autoavaliação acessível e adequado aos indivíduos ativos, a introduzir na prática
profissional que retrate as dimensões do bem-estar geral, relação casa-trabalho,
satisfação profissional, controlo no trabalho, condições de trabalho e stresse no
trabalho, que estiveram na construção do "The Work-Related Quality of Life
(QoWL) Scale" (Van Laar, Edwards & Easton, 2007).
A versão individual da Escala de qualidade de vida relacionada com o
trabalho apresenta-se normalmente como uma escala de folha única com 24

358
itens. Apesar, da escala possuir apenas 23 itens, habitualmente é adicionada
uma questão que serve como indicador de validade e fidelidade da escala e
fatores. Este 24º item é: “Estou satisfeito com a qualidade geral da minha vida
profissional”.
A folha de resposta da escala QVT é usada para pontuar a versão
individual do questionário QVT. A folha de resposta mostra como o questionário
fornece valores de 6 subfatores da QVT e como cada item contribui para os
fatores.

Quadro 1 -Dimensões do QVT e valor dos scores


DIMENSÕES DO QVT SCORES

BEG - Bem-estar geral 6 - 30

RCT - Relação casa-trabalho 3 -18

SP - Satisfação profissional 6 - 30

CNT - Controlo no trabalho 3 - 18

CDT- Condições de trabalho 3 - 18

ST - Stress no trabalho 2 - 10

Item 24 - Estou satisfeito com a qualidade geral da minha vida profissional 1-5

Fonte: Copyright (c) 2011 QoWL Ltd.

Obtida a autorização dos autores, a escala já foi por nós traduzida da


língua original Inglês Inglês para Português e submetida à retrotradução.
Posteriormente foi analisada, na equivalência conceptual e linguística, em
reunião de peritos de Língua Portuguesa, Psicologia e Saúde Ocupacional.
Aplicada a uma amostra de 30 professores do ensino superior em
exercício. Para a elaboração da versão final, foram considerados os aspectos
assinalados relativamente a possíveis dificuldades de compreensão,
ambiguidades e problemas de interpretação.
Para avaliar as características psicométricas, nomeadamente a validade e
fiabilidade procedeu-se à análise da consistência interna das suas variáveis. A
escala é composta por 24 itens, distribuídos por seis subescalas: bem-estar
geral; relação casa-trabalho; satisfação profissional; controlo no trabalho;
condições de trabalho e stresse no trabalho, cujos Alpha de Cronbach são
respetivamente: 0,834; 0,715; 0,762; 0,794; 0,708; 0,723.
Face aos resultados obtidos conclui-se que este instrumento de medida
pode ser utilizado com um grau de confiança aceitável.

359
Palavras-chave: qualidade de vida; qualidade de vida no trabalho; professores
de enfermagem.

360
TÍTULO: Recovery Experiences Questionnaire. Adaptação para a

população portuguesa (Recovery Experiences Questionnaire. Adaptation

in a Portuguese sample)

AUTOR(ES): Fátima Lobo (flobo@braga.ucp.pt) e Margarida Pinheiro

(margarida_006@sapo.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

Objetivos: adaptação para a população portuguesa, do “Recovery Experiences


Questionnaire”.
Metodologia: o questionário foi objeto de tradução-retroversão, mantendo a
sua estrutura e número de itens. Posteriormente, entre Dezembro de 2011 e
Fevereiro de 2012 foi efetuada a recolha de dados numa população trabalhadora,
cujo exercício de atividade é igual ou superior a cinco anos. O tratamento dos
dados foi realizado em SPSS, versão 18,0, tendo-se efetuado análises
exploratórias e confirmatórias da estrutura fatorial.
Resultados: o questionário mantém o número de itens da versão original (16),
apresenta valores de consistência interna satisfatórios e a análise fatorial
identificou 4 fatores explicando respetivamente: 29%, 18%, 12% e 8%. O
questionário mantém, portanto, a estrutura original. Os fatores identificados
reportam ao Relaxamento, Procura de desafios, Afastamento Psicológico e
Controlo.
Limitações: o tamanho da amostra, a ausência de definição de um grupo
profissional e o facto de ser uma investigação ainda em curso.
Implicações práticas: do ponto de vista individual esta investigação permite
repensar as estratégias de enfrentamento individuais dos riscos psicossociais no
trabalho; do ponto de vista organizacional contribui para a promoção de
estratégias de intervenção na organização, capazes de fomentar o bem-estar e a
qualidade de vida.
Palavras-chave: Recovery Experiences Questionnaire, adaptação.

361
Purpose: the aim of this work was to examine the psychometric properties of
the Portuguese version of the “Recovery Experiences Questionnaire”, developed
by Sonnentag e Fritz (2007).
Design/Methodology: after a process of translation-retroversion, the
questionnaire maintained its original structure and number of items. The
collection of the data has been carried out between 2011 and 2012 in a sample
made up of professionals from diverse sectors. Data analysis was performed
using SPSS version 18.0.
Results: results from the exploratory factor analysis suggested the possibility of
considering a four factor structure, as the original. Therefore, the questionnaire
maintains the four recovery experiences: psychological detachment from work,
relaxation, mastery experiences and control. Reliability analysis showed good
internal consistency for this scale.
Limitations: the sample size, the absence of a definition of a professional group
and the fact that this is an investigation in course constitutes some limitations of
this study.
Practical implications: from the individual perspective it is quite clear that we
must rethink strategies for dealing with psychosocial risks at work; from the
organizational point of view, this investigation helps the promotion of
intervention strategies to favour well being and quality of life.
Originality/Value: this is the first validation for Portuguese population
extremely important due to the changes that are undergoing within Portuguese
organizations because of the entry into the European Union and globalization.

Keywords: “Recovery Experiences Questionnaire”, adaptation.

Introdução
Nos últimos anos assiste-se a um crescente interesse e debate em torno das
actividades de recuperação do trabalho (Fritz & Sonnentag, 2006; van Hooff,
Geurts, Beckers & Kompier, 2011; Sonnentag, 2001; Sonnentag, Binnewies &
Mojza, 2008; Sonnentag & Fritz, 2007; Sonnentag & Zijlstra, 2006; Trougakos,
Beal, Green & Weiss, 2008). A importância deste construto torna-se evidente se
se considerarem as implicações que variáveis relacionadas com o trabalho têm

362
ao nível individual, afectando a vida profissional e não profissional dos
trabalhadores.
A recuperação, como processo, resulta no restabelecimento dos níveis de
actividade e humor e reflecte-se, com frequência, numa diminuição de pressão
nos indicadores fisiológicos (Sonnentag & Fritz, 2007). Neste sentido, a
recuperação refere-se a um processo geral através do qual os indivíduos deixam
de enfrentar uma situação exigente a fim de recuperarem energias para
continuar e renovar os recursos investidos na referida situação (Sanz-Vergel,
Sebastián, Rodríguez-Muñoz, Garrosa, Moreno-Jiménez & Sonnentag, 2010). O
objetivo deste estudo é analisar as propriedades psicométricas do Recovery
Experiences Questionnaire, analisando a sua estrutura fatorial assim como a sua
consistência interna.

Atividades de recuperação
A exposição às exigências do trabalho requer esforço e tem por base os
recursos individuais o que, pode resultar em fadiga, perda de vigor e respostas
fisiológicas associadas ao stress (van Hooff, Geurts, Beckers & Kompier, 2011).
A literatura tem demonstrado que indivíduos que enfrentam situações de
trabalho caracterizadas por elevados níveis de stress experimentam baixos níveis
de bem-estar psicológico e tendem a sofrer de problemas de saúde (de Lange,
Taris, Kompier, Houtman, & Bongers, 2003). Especificamente, indivíduos
expostos a factores stressantes no trabalho têm maior probabilidade de
desenvolver burnout e outros sintomas associados a reduzido bem-estar
(Demerouti, Bakker, & Bulters, 2004; Garst, Frese, & Molenaar, 2000).
Neste sentido, as atividades que permitam relaxar e descomprimir dos
factores profissionais causadores do stress podem ser relevantes para a saúde e
bem-estar individuais (de Croon, Sluiter, Blonk, Broersen, & Frings-Dresen,
2004). No entanto, pouco ainda se sabe acerca do tipo de actividades que
concorrem para que a pessoa possa se restabelecer das exigências profissionais
(Sonnentag, 2001) assim como, do impacto que essas mesmas atividades têm
sobre o processo de recuperação (van Hooff et al., 2011).
De acordo com Sonnentag e Fritz (2007), o processo de recuperação não
depende apenas das atividades e experiências levadas a cabo fora do trabalho
mas também do estado atual do indivíduo e a avaliação que ele faz dessas
atividades (e.g., como agradáveis ou difíceis). Procurando analisar o impacto do
tempo gasto em atividades profissionais e não profissionais e o esforço e prazer

363
experienciado nessas atividades, nas mudanças dos níveis de fadiga e energia
durante e após o trabalho, van Hooff e colaboradores (2011) concluíram que,
quanto maior é a satisfação em atividades de trabalho ou de lazer, maior será a
energia sentida e, consequentemente, os níveis de fadiga serão mais baixos. Ou
seja, emoções positivas têm um efeito benéfico no bem-estar sentido (van Hooff
et al., 2011). Para além disso, os autores concluem que participar em atividades
profissionais que exigem grande esforço não é necessariamente negativo, desde
que, essas atividades sejam agradáveis para o indivíduo (van Hooff, 2011).
Investigações anteriores têm-se focado sobretudo no efeito de experiências
específicas como as férias, pequenas pausas durante o trabalho, o período ao
fim do dia, o fim-de-semana ou ainda atividades específicas fora do trabalho,
como por exemplo, atividades físicas ou sociais. Num estudo acerca do processo
de recuperação numa amostra de 100 professores, Sonnentag (2001) procedeu
a uma diferenciação das atividades levadas a cabo fora do trabalho,
nomeadamente: a) tarefas relacionadas com o trabalho ou com a vida privada
(e.g.: pagar contas); b) tarefas domésticas e cuidados com as crianças; c)
atividades de lazer, incluindo, atividades passivas (e.g.: ver televisão), sociais
(e.g.: sair com os amigos) e físicas (e.g.: praticar um desporto). A autora
concluiu que quanto maior é o tempo gasto em atividades relacionadas com o
trabalho, menor é o bem-estar sentido. Neste tipo de atividades os sujeitos
utilizam recursos semelhantes aos usados no trabalho, o que aumenta mais
ainda a pressão e, desta forma, a necessidade de recuperação (Sonnentag,
2001). Por outro lado, quanto maior é o tempo gasto em atividades sociais,
físicas ou passivas, maior é o bem-estar sentido, isto é, atividades que não
exigem muito dos indivíduos são sentidas como relevantes para o bem-estar
individual (Sonnentag, 2001).
Mais recentemente, Sonnentag e colaboradores (2008) procurando analisar as
experiências de recuperação e a qualidade do sono como preditores do estado de
recuperação matinal, encontraram efeitos positivos de algumas experiências de
recuperação, nomeadamente as experiências de afastamento psicológico,
relaxamento e procura de desafios, e a qualidade do sono sobre o estado de
recuperação matinal. Por outro lado, Binnewies, Sonnentag e Mojza (2009)
concluíram que o estado de recuperação durante o tempo livre é um fator
preditor do aumento do desempenho das tarefas ao longo do tempo.

364
No seu conjunto, os estudos apresentados demonstram que o estado de
recuperação relaciona-se não só com a saúde e bem-estar dos trabalhadores,
mas também com o desempenho das tarefas durante o trabalho.

Metodologia
Amostra
A amostra deste estudo empírico é constituída por 88 sujeitos, 39,8% do
género masculino e 59,1% do género feminino, com idades compreendidas entre
os 23 e os 50 (M=33,85; DP=6,97). A maioria dos inquiridos possui habilitações
ao nível da licenciatura (50%), seguidos dos que possuem mestrado (5,7%) e
doutoramento (2,3%). Do total da amostra, a maior parte dos sujeitos trabalha
no sector da educação (51,1%) e é trabalhador com contrato a termo (37,5%),
seguidos dos que estão efetivos (19,3%).

Instrumento
O questionário é composto por 16 itens, apresentados numa escala de
resposta de cinco pontos (desde 1=discordo totalmente até 5=concordo
totalmente). A versão original do questionário é constituída por 4 fatores:
Relaxamento, Procura de desafios, Afastamento Psicológico e Controlo.

Resultados
Na análise dos dados, para além das estatísticas descritivas dos itens, tais
como média, desvio-padrão, mínimo e máximo, foram também realizadas a
análise da consistência interna (através da análise do coeficiente de alfa de
Cronbach) e da dimensionalidade dos itens (através da análise fatorial
exploratória em componentes principais) tendo em vista avaliar a validade de
construto do instrumento.

Quadro 1. Estatísticas descritivas dos itens do Work Recovery Experiences.


Itens Média D.P. Mínimo-Máximo
1 2,33 1,003 1-5
2 1,89 0,863 1-5
3 2,80 1,186 1-5
4 3,19 1,230 1-5
5 3,33 1,036 1-5
6 3,43 1,081 1-5
7 3,47 0,946 1-5
8 3,85 0,794 2-5
9 3,98 0,711 2-5
10 3,80 0,860 2-5

365
11 3,76 0,871 1-5
12 4,09 0,797 1-5
13 3,95 0,843 1-5
14 3,18 1,067 1-5
15 3,56 1,020 1-5
16 3,72 0,922 1-5

No quadro 1 apresentam-se as estatísticas descritivas dos itens do


questionário. Os valores médios dos itens variam entre 1,89 e 4,09 e com uma
dispersão que varia entre 0,711 e 1,230. Os itens 2, 1 e 3 são aqueles que
apresentam média mais baixa e cujo conteúdo é o seguinte: “…não penso no
trabalho de modo algum”, “…eu esqueço-me do trabalho” e “…distancio-me do
trabalho”. Por outro lado, os itens com peso mais elevado são o 12, 9 e 13.
Estes itens dizem respeito a “…eu procuro alargar os meus horizontes”, “…eu
aprendo coisas novas” e “…eu sinto que sou capaz de decidir sobre aquilo que
quero fazer”.

Resultados relativos à precisão


Para análise da coerência existente nas respostas dos sujeitos aos itens do
questionário foi usado o coeficiente alfa de Cronbach.

Quadro 2. Consistência interna do Work Recovery Experiences


Dimensões N.º de itens Alfa de Cronbach
Relaxamento 4 .82
Procura de desafios 4 .81
Afastamento Psicológico 5 .76
Controlo 3 .73

A análise dos valores obtidos, apresentados no quadro 2, permite assegurar


que as dimensões do questionário possuem consistência interna satisfatória.

Resultados relativos à validade


No que diz respeito à validade, procedeu-se a uma análise fatorial dos itens
(método de componentes principais, com rotação varimax), forçando-se a 4
fatores, conforme estrutura da escala original (Sonnentag & Fritz, 2007.
Previamente à análise fatorial procedeu-se à aplicação do teste de esfericidade
de Bartlett e ao coeficiente de KMO. o valor do teste era 585,446, apresentando
um valor de significância p =.000. Por outro lado, o valor do KMO era 0,761.
Estes valores indicam que a matriz é suscetível de ser submetida e avaliada a
partir de procedimentos de análise fatorial.

366
Através deste procedimento foi possível encontrar uma solução fatorial com
quatro fatores, com valores-próprios superiores à unidade, e que explicaram, no
seu conjunto, 66,51% da variância total. A estrutura fatorial do Work Recovery
Experiences é apresentada no quadro 3.

Quadro 3. Estrutura fatorial do Work Recovery Experiences


Fatores
Item Fator Fator Fator Fator
1 2 3 4
8. … eu tiro tempo para desfrutar momentos de lazer. ,809
6. … eu pratico actividades relaxantes. ,771
7. … eu aproveito o tempo para relaxar. ,766
5. … eu descanso e relaxo. ,637
9. … eu aprendo coisas novas. ,810
12. … eu procuro alargar os meus horizontes. ,796
11. … eu procuro actividades desafiantes. ,789
10. … eu procuro desafios intelectuais. ,784
2. … não penso no trabalho de modo algum. ,806
1. … eu esqueço-me do trabalho. ,806
3. … distancio-me do trabalho. ,677
4. … eu faço uma pausa nas exigências do trabalho. ,528
13. … eu sinto que sou capaz de decidir sobre aquilo que ,434
quero fazer.
14. … eu decido o meu horário. ,849
15. … eu próprio determino de que forma aproveitarei o ,849
tempo.
16. … eu cuido da planificação das minhas actividades. ,622
Valor próprio 4,648 2,820 1,866 1,307
% variância 29,051 17,626 11,665 8,167

Pela análise do quadro 3 verifica-se a existência de uma boa estrutura


fatorial, em que os itens apresentam saturações elevadas (superior a 0,40) nos
fatores a que pertencem. A estrutura apresentada é em quase tudo, semelhante
à original, exceto um item que saturava o Fator 4, satura o Fator 3.
Desta forma, verifica-se que o fator 1 (n=4) apresenta valor próprio de 4,65 é
composto por itens que contribuem para explicar 29,05% da variância total e
cujas saturações se situam entre 0,637 e 0,809 e estão relacionados com
atividades de Relaxamento.
O fator 2 (n=4) com valor próprio de 2,82 é composto por itens com
saturações compreendidas entre 0,784 e 0,810 e que contribuem para explicar
17,63% da variância total e avaliam a Procura de desafios, ou seja, atividades
fora do trabalho que providenciam experiências desafiantes e oportunidades de
aprendizagem em outros domínios.
O fator 3 (n=5) tem valor próprio de 1,87 e explica 11,67% da variância
total, com itens que saturam entre os 0,434 e 0,806 e estão relacionados com
atividades que implicam um Afastamento Psicológico do trabalho, isto é, que
permitam que o indivíduo não pense no trabalho.

367
O fator 4 (n=3) com valor próprio de 1,31 é composto por itens com
saturações que se situam entre 0,622 e 0,849 e que contribuem para explicar
8,17% da variância total. Os seus itens avaliam atividades relacionadas com o
Controlo, isto é, com a possibilidade de o sujeito controlar o seu próprio tempo
livre.

Quadro 4. Correlações entre as dimensões


1 2 3 4
1.Relaxamento -
2.Aprendizagem -.103 -
3.Distanciamento Psicológico .572** -.030 -
4.Controlo .383** -.069 .270* -
Nota. ** p <.01; * p <.05

As correlações entre as diferentes dimensões estão apresentadas no quadro


4. Os resultados mostram correlações significativas entre as dimensões
Relaxamento e Afastamento Psicológico (r =.572, p =.000), Relaxamento e
Controlo (r =.383, p =.000) e Afastamento Psicológico e Controlo (r =.270, p
=.011).

Discussão e conclusão
O objetivo do presente estudo era analisar as propriedades psicométricas da
versão portuguesa do questionário “Work Recovery Experiences” construído por
Sonnentag e Fritz (2007). Os resultados obtidos vão ao encontro da escala
original, distinguindo-se quatro processos psicológicos que poderão aumentar a
probabilidade de recuperação de recursos durante o tempo livre: Relaxamento,
que inclui atividades como meditação, caminhadas, leitura, etc…; Procura de
desafios, que diz respeito a atividades que impliquem o desenvolvimento de
competências (e.g., aprender uma nova língua ou um novo desporto);
Afastamento Psicológico, que implica o envolvimento em atividades que
permitam o afastamento físico e psicológico do trabalho; e Controlo, que diz
respeito ao grau em que a pessoa pode decidir quando, onde, como e que
atividade quer fazer durante o tempo de lazer.
Por outro lado, a análise da consistência interna indica que todos os fatores
possuem adequados indicadores de fiabilidade. No que diz respeito às
correlações entre as diferentes dimensões os resultados indicam que aquelas
que mais se correlacionam são as dimensões Relaxamento e Afastamento
Psicológico e Relaxamento e Controlo, resultados estes que vão ao encontro de
investigações anteriores que encontraram resultados semelhantes (Sonnentag &

368
Fritz, 2007; Sonnentag et al., 2008; Sanz-Vergel et al., 2010). Neste sentido, os
resultados da análise preliminar efetuada mostram que se trata de uma medida
válida e fiável para estudar o processo de recuperação do trabalho, e desta
forma, pode ajudar a alcançar um conhecimento mais amplo acerca deste
fenómeno.
No entanto, para além dos aspetos positivos resultantes deste instrumento,
este estudo necessita de investigações complementares. Aumentar o tamanho
da amostra e alarga-la a outros contextos e ocupações com o objetivo de
confirmar os resultados obtidos e estabelecer comparações. Por outro lado,
analisar as características do trabalho relacionadas com as experiências de
recuperação e analisar a relação entre estas e outras variáveis positivas como o
bem-estar serão questões a trabalhar em estudos futuros.
Em síntese, este questionário é um instrumento útil para aumentar a
compreensão dos mecanismos subjacentes ao efeito do stress no trabalho sobre
os indivíduos. Tendo em conta a literatura, o desenvolvimento de experiências
deste tipo tem efeitos benéficos sobre a saúde e o bem-estar e, neste sentido,
este instrumento pode ajudar no desenvolvimento de estratégias a nível
individual e organizacional. Do ponto de vista individual o estudo apresentado
permite repensar as estratégias de enfrentamento individuais dos riscos
psicossociais no trabalho; do ponto de vista organizacional contribui para a
promoção de estratégias de intervenção na organização, capazes de fomentar o
bem-estar e a qualidade de vida.

Bibliografia
Binnewies, C., Sonnentag, S., & Mojza, E.J. (2009). Feeling recovered and
thinking about the good sides of one’s work. Journal of Occupational Health
Psychology, 14(3), 243-256.
de Croon, E.M., Sluiter, J.K., Blonk, R.W.B., Broersen, J.P.J., & Frings-Dresen,
M.H.W. (2004). Stressful work, psychological job strain, and turnover: A 2-year
prospective cohort study of truck drivers. Journal of Applied Psychology, 89(3),
442-454.
Demerouti, E., Bakker, A.B., & Bulters, A.J. (2004). The loss spiral of work
pressure, work home interference and exhaustion: Reciprocal relations in a
three-wave study. Journal of Vocational Behavior, 64, 131-149.

369
Garst, H., Frese, M., & Molenaar, P.C.M. (2000). The temporal factor of
change in stressor-strain relationships: A growth curve model on a longitudinal
study in East Germany. Journal of Applied Psychology, 85(3), 417-438.
Etzion, D., Eden, D., & Lapidot, Y. (1998). Relief from job stressors and
burnout: Reserve service as a respite. Journal of Applied Psychology, 83, 577-
585.
Fritz, C., & Sonnentag, S. (2006). Recovery, well-being and performance-
related outcomes: The role of workload and vacation experiences. Journal of
Applied Psychology, 91, 936-945.
van Hooff, M.L.M., Geurts, S.A.E., Beckers, D.G.J., & Kompier, M.A.J. (2011).
Daily recovery from work: The role of activities, effort and pleasure. Work &
Stress, 25(1), 55-74.
de Lange, A.H., Taris, T.W., Kompier, M.A., & Houtman, I.L.D. (2003). “The
very besto f the Millenium”: Longitudinal research and the Demand-Control-
(Support) Model. Journal of Occupational Health Psychology, 8(4), 282-305.
Sanz-Vergel, A. I., Sebastián, J., Rodríguez-Muñoz, A., Garrosa, E., Moreno-
Jiménez, B., & Sonnentag, S. (2010). Adaptación del «Cuestionario de
experiencias de recuperación» a una muestra española. Psicothema, 22(4), 990-
996.
Sonnentag, S. (2001). Work, recovery activities and individual well-being: a
diary study. Journal of Occupational Health Psychology, 6(3), 196-210.
Sonnentag, S., Binnewies, C., & Mojza, E.J. (2008). “Did you have a nice
evening?” A day-level study on recovery experiences, sleep, and affect. Journal
of Applied Psychology, 93(3), 674-684.
Sonnentag, S., & Fritz, C. (2007). The Recovery Experience Questionnaire:
Development and validation of a measure assessing recuperation and unwinding
at work. Journal of Occupational Health Psychology, 12, 204-221.
Sonnentag, S., & Zijlstra, F.R.H. (2006). Job characteristics and off-job
activities as predictors of need for recovery, well-being and fatigue. Journal of
Applied Psychology, 91(2), 330-350.
Trougakos, J.P., Beal, D.J., Green, S.G., & Weiss, H.M. (2008). Making the
break count: na episodic examination of recovery activities, emotional
experiences, and positive affective displays. Academy of Management Journal,
51(1), 131-146.

370
4. TRABALHO E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

371
TÍTULO: Trabalho e Realização Pessoal – Uma leitura da Laborem

Exercens de João Paulo II

AUTOR(ES): Marina Cunha e José Carlos Miranda

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Ciências Socias

No livro do Génesis encontramos o fundamento da convicção da Igreja de


que o trabalho é uma dimensão essencial da vida humana. A terra foi dada ao
Homem com o fim de que este a domine. E é pelo trabalho que os seres
humanos alcançam domínio sobre a terra. Por outro lado, é através do trabalho
que as pessoas se realizam como seres humanos, pois o trabalho promove o
bem comum e, por isso, aumenta a herança de toda a família humana. A estes
dois aspectos, João Paulo II chama dimensão objectiva e dimensão subjectiva do
trabalho.
Com as duas “revoluções” de oitocentos, a liberal e a industrial, o
trabalho tende a ser visto como uma forma de mercadoria ou como uma força
necessária à produção. O trabalhador veio a ser entendido como um instrumento
para produzir mais e não como um verdadeiro autor ou criador do seu trabalho.
Com a crescente mediação da máquina, esta tendência tem vindo a ensombrar a
dimensão subjectiva e, portanto, a desumanizar o trabalho.
A encíclica Laborem Exercens representa um alerta para a perda de
sentido que ameaça o trabalho reduzido à sua dimensão objectiva. Se souberem
centrar-se na prioridade da pessoa sobre o trabalho, os modelos de organização
laboral garantirão, a um tempo, a sua eficácia económica e a realização de todo
o trabalhador que, antes de o ser, é Pessoa.

Palavras-Chave: Doutrina Social da Igreja, Trabalho, Organização


Laboral

1. O Trabalho e a Pessoa

O homem é essencialmente sapiens, pois é sujeito de um saber, é dotado


de corpo e espírito e o trabalho é fruto de uma mão e de uma mente. Os actos

372
do homem colocam em evidência o carácter histórico e dinâmico do ser humano.
O trabalho humano e o mundo do trabalho constituem a chave essencial de toda
a questão social, que condicionam o desenvolvimento, não só económico, mas
também cultural e moral da sociedade da família e da Pessoa humana enquanto
tal.
A encíclica Laborem Exercens de João Paulo II versa sobre o trabalho
humano. Nesta encíclica, João Paulo II considera as mais diversas facetas desta
questão na actualidade. O trabalho é a característica que distingue o homem das
demais criaturas, cuja actividade, relacionada com a própria vida, está também
no centro da chamada questão social.
Nos tempos de Leão XIII, a questão do trabalho coincidiu com a relação
entre patrões e operários. Hoje, o mesmo problema, suscita conotações muito
diferentes. A humanidade considera-se no fim da civilização, com a ciência e a
automação, que têm vindo a revolucionar os nossos tempos. Por outro lado, o
homem apreende a sua autonomia e o trabalho assume um papel
eminentemente antropológico. Assim, a pós-modernidade leva-nos a uma nova
concepção que se deve sobretudo à fé depositada na ciência, que tem vindo a
transmitir no homem o convencimento do poder de criar o próprio destino.
O Livro do Génesis afirma-nos que o trabalho é essencial à vida humana,
pois contribui para a vida do homem. Por “trabalho” entendemos toda a
actividade da vida, ou seja, tudo o que é realizado pelo homem. Daí também a
sua importância para a vivência plena do ser humano na Terra, “mediante o
trabalho deve o homem ganhar o pão de cada dia” (Jer, 22, 13).
Acerca deste trabalho pelo qual o homem deve ganhar o pão de cada dia,
podemos dizer que este tem uma tripla finalidade: primeiro, permitir ao mesmo
obter aquilo de que necessita, dado que as necessidades humanas não são
meramente biológicas, mas também são culturais, educativas e familiares. Em
segundo, o trabalho organiza e transforma o meio natural no qual vive o
homem, (o homem pode transformar o mundo e, assim, tem a dócil tarefa de
cuidar do mesmo, mediante o domínio de Deus, seu Criador). Em terceiro e, não
menos importante, é mediante o trabalho que o homem se aperfeiçoa a si
mesmo, uma vez que adquire novos hábitos e torna-se apto para novas tarefas.
A dignidade do homem tem a sua origem no facto de ser criado por Deus.
Feito à sua imagem e radicado na sua natureza corpórea e espiritual, está
intrinsecamente ordenado pelo seu Criador aos fins naturais e a um fim
sobrenatural. A Pessoa humana tem também como fim imediato o

373
desenvolvimento e perfeição de todas as suas faculdades e, o fim último,
conhecer e amar a Deus.
Deus deu ao homem a terra para que este a domine, “sede fecundos e
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a”, lemos no Génesis. O homem
domina a terra, quer pelo facto de domesticar os animais e tratar deles, quer
pelo facto de poder extrair da terra e dos mares diversos recursos naturais.
Indirectamente, é nestas afirmações que Deus se dirige a ele, dado que o
domínio deste sobre a terra só se realiza no trabalho e pelo trabalho. Logo, o
trabalho é entendido como uma actividade transitiva, na medida em que, uma
vez iniciado no sujeito humano, pressupõe o domínio do homem sobre a terra.
No entanto, esta linha de pensamento não surgiu de forma linear ao
longo da história. O século XIX trouxe grandes mudanças nos contextos político,
económico e social. Foi a chamada era da máquina, onde o homem foi
substituído por esta na realização do seu trabalho e, por isso, o trabalho humano
deixa de ser visto como a condição essencial entre o homem e o ser Criador,
bem como entre o homem e a própria sociedade, dado que o trabalho é também
a condição essencial à produção e à riqueza de uma sociedade. A verdade é que,
ao longo dos tempos, o trabalho tem também vindo a desempenhar uma função
social, uma vez que o trabalho de um só homem se entrelaça no trabalho dos
outros homens. Reflictamos sobre a nossa contemporaneidade, onde trabalhar é
cada vez mais trabalhar com os outros, é um fazer qualquer coisa com alguém e,
sobretudo, para alguém. Também os frutos do trabalho são trocas de relações e
de encontros.
Chegamos assim à distinção conceptual mais significativa do nosso
documento: o trabalho humano tem também uma dupla dimensão, a objectiva e
a subjectiva. O trabalho em sentido objectivo constitui-se como o agir do homem
enquanto ser no mundo à imagem de Deus, seu Criador. É quantificável e
constitui-se como o conjunto de actividades, recursos, instrumentos e técnicas
de que o homem se serve para produzir bens a partir da natureza e da sociedade
e para dominar a terra. Mas ele é sempre trabalho de alguém, de um Sujeito que
nele se realiza enquanto Pessoa e centro de relações livres. Neste sentido, o
trabalho humano é percebido não só como uma necessidade, mas também como
uma obrigação, particularmente uma obrigação moral. O homem deve trabalhar,
seja em prol de si mesmo, da família ou da sociedade que o acolhe.
Porém, temos vindo a assistir a uma sobreposição do capital à Pessoa, o
que equivale a uma “priorização” da dimensão objectiva (a quantificável) sobre a

374
subjectiva. Nos nossos dias assistimos frequentemente à produção em série, no
qual o homem tem apenas um papel instrumental. Desta forma, o homem não é
mais do que um ser que vende a sua força de trabalho e jamais será reconhecido
o seu nome na esfera social. A questão ética que aqui se levanta é então saber
se as pessoas são para o trabalho ou o trabalho é para as pessoas. Na realidade,
o trabalho deve ser entendido como uma coisa boa, não só porque através dele
a natureza é transformada, mas também porque nele os seres humanos se
realizam como Pessoas. Além disso, é mediante o trabalho que as pessoas
entram numa sociedade mais ampla, uma vez que o trabalho promove o bem
comum e, como tal, aumenta a herança de toda a família humana.
A Igreja sempre apregoou a prioridade do trabalho sobre o capital. O
trabalho é a expressão da grandeza e da dignidade do homem e é, também, a
continuidade da obra do Criador. O capital nasceu do trabalho e, por isso, é
portador das marcas do trabalho humano.
Para concluir, podemos dizer que o homem, à imagem do seu Criador, é
chamado ao trabalho, está destinado a ganhar o pão “com o suor do seu rosto”.
Porém, se acreditamos na dignidade humana e se defendemos que o homem é
dado a si mesmo e domina a terra, também acreditamos que o trabalho é dado
ao homem como uma dádiva de Deus e que este é para o homem e não o
homem para o trabalho.
Por isso, a verdade cristã deve desde sempre opor-se às correntes de
pensamento materialistas e aos seus reflexos na própria economia, na qual, na
maioria das vezes, é privilegiado o capital em detrimento do trabalho. “Este erro
ameaça ainda hoje a sociedade e não poderá ser suplantado, se não se instaurar
entre os homens contemporâneos a firme convicção do primado da pessoa sobre
as coisas e do trabalho do homem sobre o capital, entendido como conjunto dos
meios de produção” (LE, 12 e 13).

2. O Trabalho e a organização laboral

Outra das questões que se levanta nesta encíclica é a da propriedade


privada, na sua intersecção com o trabalho. Aplicada aos meios de produção, a
propriedade está na origem da noção de “emprego”. Se de um lado temos o
proletariado (que oferece a sua força de trabalho) e, de outro, o dono do capital
(detentor dos meios de produção), assistimos a uma colisão no que respeita ao
direito à propriedade privada.

375
De diversas formas se tem discutido a propósito dos direitos do homem,
da família e, sobretudo, da propriedade. De facto, o direito à propriedade é um
direito fundamental para a Doutrina Social da Igreja, bem como o direito aos
bens de produção e a função social inerente a essa propriedade. Se recuarmos
um pouco atrás, já na encíclica Rerum Novarum, escrita por Leão XIII,
encontrámos a fundamentação de que este direito está inscrito na própria
natureza humana, como extensão da sua natureza de sujeito responsável.
Sabemos que a origem da história da propriedade, enquanto instituto
jurídico positivo, remete para Roma, mas a história das sociedades, desde as
mais antigas às mais modernas, conhece o direito à propriedade privada. Na
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, o art.º 17 consagrou
alínea 1º “todo o ser humano tem direito à propriedade” e, na 2º, “ninguém
pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade”. Logo concluímos que
nesta declaração o direito à propriedade se consagra inerente à realização do
homem enquanto Pessoa e que ninguém, senão Deus, o pode tirar de si.
Porém, a propriedade privada adquire-se com o trabalho e só pelo
trabalho (através do esforço humano). O mesmo se aplica à propriedade dos
meios de produção, uma vez que estes não devem ser possuídos contra o
trabalho. O único título legítimo para os possuir é que estes estejam ao dispor
deste. “À luz desses princípios, percebe-se que é inaceitável o capitalismo rígido,
o qual defende o direito à propriedade privada dos meios de produção, sem
apontar para a necessidade de que o uso de tais bens sirva aos interesses
comuns” (LE, 14,15).
Na intersecção entre trabalho e propriedade deve colocar-se a questão do
emprego ou, por outras palavras, a falta deste. O desemprego constitui-se no
presente como uma autêntica calamidade social, dado que atinge cada vez mais
jovens que, depois de se terem preparado por via de uma formação adequada,
vêem traídos os seus sonhos de trabalhar e de contribuir para o bem-estar da
sua sociedade.
No que toca a esta calamidade, há também outra questão que, segundo
João Paulo II, deve merecer especial atenção. Enquanto que, por um lado,
muitos e importantes recursos da natureza permanecem inutilizados, por outro,
surge uma massa imensa de desempregados. Isto só demonstra que, tanto no
interior das comunidades políticas como nas relações efectuadas entre estas a
nível mundial, ocorrem grandes falhas que devem ser reparadas com brevidade.
Assim, a imagem do desemprego que muitas vezes se encontra nos relatórios

376
técnicos e mesmo nos discursos oficiais contrasta, em larga escala, com a
realidade controversa que vivem os desempregados.
É nos nossos dias que o encerramento das fábricas e a redução dos
empregos são dados como inevitáveis. A economia só cresce pelo que um
mercado de trabalho rígido não é competitivo e até a permanência num mesmo
emprego torna-se, por vezes, desaconselhável (Araújo, 2008).
É perante esta ameaça de encerramento que se derruba um mundo, o da
fábrica. Perdem-se as regras, os hábitos, os valores e até a cultura. Perdem-se
também as recordações e todas as referências a um passado que fez sentido na
história. O futuro turva-se e obscurecem-se os projectos de vida, muitos deles
cuidadosamente alicerçados em créditos que se revelam agora incomportáveis
(Linhart, 2003 cit. in Araújo, 2008).
Para uns, interrompem-se heranças de trabalho e, sobretudo, o futuro
garantido da descendência. Para outros, soçobram as possibilidades de ver
concretizadas, noutros que não neles, as esperanças acumuladas ao longo de
uma vida de sacrifícios, o futuro comprometido da descendência. Em todos eles,
um sentimento de perda perante o fim de um tempo e de um mundo que é seu,
o mundo no qual tinham aprendido a navegar e onde, sobretudo, alicerçaram a
própria vida (idem, ibidem).
O medo do desemprego sustenta o que Santos (2001, cit. in Araújo,
2008) designa por “fascismo de insegurança” e, com ele, caminha o
aproveitamento da própria insegurança das pessoas e dos grupos sociais
vulneráveis à precariedade do trabalho.
É neste sentido que se torna urgente o pensamento de João Paulo II. O
trabalho, uma vez precário e instável, jamais terá o papel de integrador. Muito
pelo contrário, limitar-se-á, nestas condições, a exercer uma função
disciplinadora na desregulamentação das relações laborais, bem como na
degradação dos direitos dos trabalhadores.
Este ambiente enredador vem contribuir para as fortes desigualdades
sociais. É inegável que o desemprego não espelha os sucessos de crescimento
mas constitui-se, desde sempre, como uma grande ameaça à coesão social. O
desempregado desestrutura-se da economia da sua sociedade mas desestrutura-
se, acima de tudo, da sua rede social. Tantas vezes ouvimos “não conheci outra
vida” ou até “é tudo o que sei fazer”. O trabalho é, antes de mais uma entrega a
si e aos outros com quem se convive. É uma comunidade de homens. É, tal
como nos referiu Araújo (2008), é um mundo que vive e que jamais se estanca.

377
É preocupante que o mundo laboral da actualidade seja marcado pela
incerteza quanto ao futuro. A única certeza que temos realmente é que o
presente é de crise e de grandes transformações.
As transformações nos sistemas de relações laborais levantam questões
que devem ser discutidas por todos, pois todos estamos sujeitos a ter de acolher
o desemprego no nosso lar. Depois, é o futuro dos filhos, é o crédito da casa e
do carro, é a mesa que todos os dias deve ter pão. É desta forma que João Paulo
II defende que as instituições devem ter então um papel considerável. É
importante actuar contra o desemprego, é importante atribuir fundos aos pobres
e, agora, desempregados. É importante ajudar os jovens que esperam o
primeiro emprego. É importante criar estratégias para que se fale,
pacificamente, em emprego. É importante ajudar os que ficam desalojados
porque o empréstimo da casa constituiu-se demasiado pesado num tão pequeno
orçamento. E, por último, mas muito importante, há que acabar com a fome
num lar onde já não há pão.
O desemprego não é o problema de um país mas, infelizmente, constitui-
se hoje uma realidade do mundo inteiro. É um problema da sociedade dos
homens. É um problema real e mundial. Daí o apelo às nações mais ricas para o
princípio da solidariedade, a fim de auxiliar as nações mais pobres neste
domínio, seja esta ajuda de carácter material ou social.
Sabemos que a justiça de um sistema económico passa também pela
forma como o trabalho humano é remunerado. Tal como nos diz João Paulo II
“no mundo actual, não há maneira mais importante para realizar a justiça nas
relações entre trabalhadores e dadores de trabalho” (LE, 20). Com isto pretende
dizer que a cada trabalhador deve ser dado o que é justo pelo seu trabalho, para
que este possa governar o seu lar, sem ter de recorrer a outros meios para tal.
Se acharem que esta remuneração não é justa, os trabalhadores têm o
direito de recorrer aos sindicatos, a fim de reivindicar os seus direitos. Assim,
estes constituem-se como um elemento indispensável da vida social, sobretudo
nos nossos dias. Por isso, os representantes de todas as profissões devem
servir-se deles, aquando acharem necessário para fazer valer os seus direitos
enquanto trabalhadores. “São um expoente da luta pela justiça social, pelos
justos direitos dos trabalhadores segundo as suas diversas profissões” (LE, 20).
Com isto pretende-se dizer que estes não são mais do que um
compromisso dos trabalhadores a favor do bem comum e nunca estão a fim de
uma luta contra os outros. Tal como já afirmamos ao longo deste texto, o

378
trabalho tem como finalidade máxima aproximar os homens do seu Criador, mas
também pretende unir os homens/trabalhadores entre si.
Por fim, podemos dizer que os sindicatos se envolvem no campo político,
uma vez que esta deve ser, prudentemente, a solicitude pelo bem da
comunidade. O seu papel, como é de entender, não é fazer política partidária. Os
sindicatos não são mais do que um meio de que os trabalhadores possuem para
garantir os seus direitos neste enorme mundo, o do trabalho. O direito à greve
é, por exemplo, um meio que estes dispõem quando se vêem esgotadas todas
as possibilidades de negociação entre patrões e trabalhadores. Embora este
recurso seja para a DSI como legítimo, deve reconhecer-se que este é um meio
extremo e, por isso, deve apenas ser exercitado em situações de carácter de
grande extremidade.

3. Organização laboral e integração social

Em último lugar, João Paulo II remete-nos ainda para duas situações que,
não menos importantes do que as expostas, têm vindo a merecer uma atenção
especial por parte dos homens do mundo contemporâneo. Referimo-nos, em
primeiro lugar, à situação da mulher nos nossos dias e, sobretudo, à situação da
mesma no mercado de trabalho.
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e criou-o homem e
mulher “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar
semelhante a ele” (Gen, 2, 18-24). Na relação de comunhão recíproca, homem e
mulher realizam-se a si próprios profundamente, redescobrindo-se como pessoas
através do dom sincero de si. O seu pacto de união é apresentado nas Sagradas
Escrituras como uma imagem do Pacto de Deus com os homens (Ef 5, 21-33) e,
ao mesmo tempo, como um serviço à vida. O casal humano pode participar,
assim, da criatividade de Deus: Abençoando-os, Deus disse-lhes: “Crescei e
multiplicai-vos, enchei e dominai a terra” (Gen 1, 28).
Os homens e as mulheres devem ser igualmente activos na obra de Deus.
Nenhum deles deve fazer o que Deus não lhes atribuiu, mas quando cada um
trabalha dentro do papel que Deus ordenou, o nome do Senhor será glorificado e
sua obra será cumprida.
Como tal, antes de trabalhadora, a mulher é quase sempre mãe e esta
função jamais lhe poderá ser negada. Ninguém poderá pôr em causa o amor de
uma mãe a um filho ou mesmo a relação sólida entre ambos. Por isso, hoje mais

379
do que nunca, a sociedade deve esforçar-se por revalorizar socialmente as
funções maternas no que toca ao cuidar dos próprios filhos, para que estes se
possam desenvolver adequadamente, tanto no aspecto físico como no aspecto
moral. Ninguém conhecerá melhor um filho do que a sua mãe e, por isso,
ninguém saberá responder melhor às suas exigências de amor e afecto.
Por tudo isto, à mãe deve ser dada a possibilidade de se dedicar aos seus
filhos e à educação deles, segundo as condições diferentes da sua idade, sem
colocar obstáculos à sua liberdade. É certo que, em muitas sociedades, as
mulheres trabalham em quase todos os sectores de vida. Convém, no entanto,
que elas possam desempenhar plenamente as suas funções, segundo a índole
que lhes é própria. “Reverterá em honra para a sociedade o tornar possível à
mãe – sem pôr obstáculos à sua liberdade, sem discriminação psicológica ou
prática e sem que ela fique numa situação de desdouro em relação às outras
mulheres – cuidar dos seus filhos e dedicar-se à educação deles, segundo as
diferentes necessidades da sua idade. O abandono forçoso de tais tarefas, por
ter de arranjar um trabalho retribuído fora de casa, é algo de não correcto, sob o
ponto de vista do bem da sociedade e da família, se isto estiver em contradição
ou tornar difíceis tais objectivos primários da missão materna” (LE, 19).
Por estas razões, João Paulo II refere a existência de um salário único,
que seja suficiente para as necessidades da família e, se tal acontecer, a esposa
não será obrigada a assumir um trabalho fora do lar e poderá cumprir este papel
insubstituível, que é o papel de mãe e também de esposa.
Em segundo e último lugar coloca-se o problema em relação às pessoas
deficientes ou às pessoas com necessidades especiais no mundo do trabalho.
Deficiência não significa condição especial ou muito menos falta de direitos ou de
dignidade humana. A pessoa que tem quaisquer “deficiências” é um sujeito
dotado de todos os seus direitos, deve facilitar-se-lhe a participação na vida da
sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para
as suas possibilidades. “A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente
da mesma humanidade que nós” (LE, 22).
Por tais razões, compete às diversas entidades implicadas no mundo do
trabalho promover, com medidas eficazes e apropriadas, o direito da pessoa
deficiente à preparação profissional e ao trabalho, de modo que ela possa ser
inserida numa actividade produtiva para a qual seja adequada. Porém,
apresentam-se muitos problemas de ordem prática, legal e também económica
mas, cabe à comunidade, sobretudo às autoridades públicas, às associações e

380
aos grupos intermédios pôr em comum ideias e recursos para se alcançar esta
finalidade inabdicável: é importante proporcionar um trabalho às pessoas
deficientes, segundo as suas possibilidades, porque o requer a sua dignidade de
homens e de sujeitos do trabalho.
Por fim, podemos ainda dizer que há uma situação que se destaca neste
trabalho de João Paulo II; o árduo trabalho agrícola. O trabalho do campo é
aquele que fornece à sociedade os bens necessários para o seu quotidiano. É
fisicamente desgastante e muito pouco apreciado socialmente. Vejamos, em
certos países do mundo, por exemplo, muitos homens são explorados ao
trabalharem as terras de outros, sem um ordenado justo e muito menos digno.
É perante esta realidade que o homem de bem deve estar atento,
privilegiando a dignidade do trabalho agrícola, não só pela sua dureza mas
também porque é nesta realidade que o homem se submete ao dom da terra sob
o domínio de Deus, seu Criador. “Diante de tais falhas, os homens de bem
tomam consciência da necessidade de promover especialmente a dignidade do
trabalho agrícola, pelo qual o homem de maneira tão expressiva submete a terra
recebida de Deus como um dom e afirma o seu domínio sobre o mundo visível”
(LE, 21).

Conclusão

Em jeito de conclusão, afirmamos que o trabalho é a estrada para a


realização plena do homem. A nossa profissão, independentemente de esta se
constituir como uma profissão de esforço ou por via da intelectualidade, é uma
forma de pôr em prática os valores e ideais e, assim, caminhar para a nossa
realização ética enquanto pessoas. A ética exige, acima de tudo, realizar bem o
nosso trabalho. Um trabalho não é realmente bom se não for moralmente
correcto.
Nesse trabalho realizado, o homem deixa a sua marca, porque os frutos
do trabalho são da sua criação. Tal como afirmou Aristóteles “a obra é, de certo
modo, o fazedor em acção”. O homem ama o seu trabalho quando sente prazer
ao criar em prol dos outros. Pelo contrário, não pode amar quando o fim é
meramente a troca da sua obra por um salário.
O trabalho será, por todos os tempos, prioritário ao capital. É pelo
trabalho que o homem toma consciência da sua posição perante Deus, que o

381
criou. É também por este que o homem recria e transforma o mundo,
continuando a obra do seu Criador.
O trabalho projecta-se também numa dimensão espiritual que, do ponto
de vista cristão, o insere no mistério da Redenção humana: “é no trabalho
humano que o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de Cristo e aceita-
a com o mesmo espírito de redenção com que Cristo aceitou por nós a sua cruz”
(LE, 88).

Referências bibliográficas:

ARAÚJO, Pedro (2008), A Tirania do Presente – Do trabalho para a vida


às incertezas do desemprego, Quarteto Editora, Coimbra.
GARCÍA, José (2002), Introdution à la Doctrina Social de la Iglesia, Ariel
Editores, Barcelona.
GUERREIRO, Maria; PEREIRA, Inês (2006), Responsabilidade Social das
Empresas: Igualdade e Conciliação Trabalho e família, Comissão para a
Igualdade no Trabalho e no Emprego, Lisboa.
HERVADA, Javier (1988), Princípios de Doutrina Social da Igreja, Edições
Promo, Lisboa.
LANGLOIS, José (1987), Doctrina Social de la Iglesia, Universidade de
Navarre, Espanha.
NÚNCIO, Maria (2006), Mulheres em dupla jornada: a conciliação entre o
trabalho e a família, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas, Lisboa.
PARKER, Victoria (2000), Os Direitos das Mulheres, Gradiva, Lisboa.
SANTA BARBARA, Luis (2006) En defesa de los humillados e ofendidos –
los derechos humanos ante la fé, Sal Terrae Editora, Espanha.
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Nações Unidas, 1948.
STREFLING, Sérgio (2006), O Trabalho Humano na perspectiva filosófica
da Encíclica Laborem Exercens, acedido em 01 de Junho de 2012, disponível em
http://www.revistaselectronicas.pucrs.br.
http://www.vatican.va, acedido em 11 de Junho de 2012.
http://www.portal.eclesia.pt, acedido em 13 de Junho de 2012.

382
TÍTULO: Trabalho, Sofrimento e Dignidade Humana: tópicos para uma

reflexão a partir de fontes da Antiguidade Clássica

AUTOR(ES): António Maria Martins Melo (antmelo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

Resumo: O trabalho é, hoje, um bem escasso; o número de desempregados


não pára de crescer a tal ponto que a angústia ameaça paralisar a Europa do
Sul. O mesmo não parece suceder nas economias emergentes, como é exemplo
eloquente o Brasil. Ali está a formar-se uma classe média forte. O ex-presidente
Lula da Silva, numa curta declaração de anúncio do seu regresso à vida política
activa, dizia que o fazia para «melhorar o nível de vida de milhões e milhões de
brasileiros que conseguiram chegar à classe média e não querem voltar para
trás, e para aqueles que sonham em chegar à classe média…». Aqui se perscruta
uma concepção de trabalho sinónimo de progresso, de realização das aspirações
do homem, trabalho enquanto força criadora, nas palavras do filósofo português
Agostinho da Silva, seja esse trabalho de natureza manual ou intelectual…
trabalho enquanto sinónimo de felicidade!... Um pensamento que nos conduz até
Hesíodo e à sua celebérrima obra Trabalhos e Dias, em que este autor grego faz
a apologia do valor do trabalho: «trabalho não é vileza, vileza é não trabalhar».
Um valor reiterado, séculos mais tarde, na cultura romana, pela pena do escritor
Catão: «é que a vida humana é como o ferro: se se exercitar, gasta-se; se não
se exercitar, a ferrugem aniquila-o». Mas hoje, entre nós, milhares de homens e
de mulheres, diariamente, demandam o trabalho, tantas vezes sofrimento,
tormento. O que nos aproxima da etimologia desta palavra, proveniente do latim
vulgar, tripalium, instrumento de tortura. O trabalho, enquanto tortura,
sentiram-no os escravos que serviam nas minas de prata de Láurion, na Ática da
Grécia Antiga; sentiram-no os hilotas, em Esparta, mas também os escravos na
capital do império, Roma; célebre havia de ficar a revolta dos escravos, dirigida
por Espártaco.

Palavras-Chave: Grécia; Roma; Cultura Clássica; Literatura Latina; Terêncio;


trabalho; sofrimento.

383
Abstract: Nowadays the work is scarce; the number of unemployed is
constantly growing so much that the anguish threatens to paralyze the South
Europe. The same does not appear in emerging economies like Brazil where is
being formed a strong middle class. The former president Lula da Silva, in a
short statement, speaking about his return to active politics, said that he did it
"to improve the living standards of millions of Brazilians who managed to reach
the middle class and don’t want to go back and for those who dream achieve the
middle class ... ". In these words we can see the use of the word work as
synonymous of progress, as the realization of the man’s aspirations, the work as
a creative force, in the words of the Portuguese philosopher Agostinho da Silva,
whether it’s a manual or a intellectual work… work as synonymous of
happiness!... One thought that guide us to Hesíodo and his famous work Works
and Days, in which these greek author makes the apology to the value of the
work: “work it’s not vilness, vilness is not work”. This value was expressed again
centuries later, on the Roman culture, by the writer’s Catão feather pen: «is that
human life is like iron: if you exercise, it takes if it does not work, rust destroys
it.» But today, between us, thousands of men and women daily, demanding
work, often suffering, torment. What brings us closer to the etymology of this
word, from Vulgar Latin, tripalium, instrument of torture. The work, while
torture, felt the slaves who served in the silver mines of Laurion in Attica of
ancient Greece; felt the helots in Sparta, but also felt the slaves of the empire's
capital, Rome; would be the famous revolt of the slaves, led by Spartacus.

Key words: Greece; Rome; Classical Culture; Latin Literature; Terence; work;
suffering.

Denique, nullum est iam dictum quod non dictum sit prius, isto é, «Em
suma, já nada há que se possa desenvolver que não tenha sido desenvolvido
antes» (Terêncio, 2008a: 356) proclamava um jovem, de seu nome Publius
Terentius Afer, de aproximadamente 24 anos, há mais de vinte séculos atrás, na
capital daquele que foi um dos grandes impérios da Antiguidade, Roma. Um grito
de revolta contra os detractores contemporâneos que o caluniavam de pelágio e,
dessa forma, pretendiam silenciar a sua voz. Porventura, por duvidarem da sua
capacidade, que os conduziria às mais díspares interrogações, como esta: como
é possível que esta produção literária, com um pensamento novo, possa sair da
pena deste liberto, outrora escravo proveniente das longínquas terras africanas?!

384
Isto reflecte bem as dificuldades da busca de originalidade na área das
Humanidades, um drama comum a este nosso tempo em que vivemos. Daí,
entre outras, a acusação que lhe era dirigida pelo facto de persistir na imitação
daquilo que os antigos fizeram, os Romanos, em primeiro lugar, mas também os
Gregos. Na verdade, e como à saciedade já se demonstrou, foi nos autores da
comédia nova grega que ele se inspirou, sendo dominante a influência de
Menandro, um autor da segunda metade do séc. IV a. C. Por isso, este
comediógrafo implorava ao público compreensão, pois os que o precederam já
haviam recorrido ao mesmo processo. Que tomassem consciência por si da real
valia das suas comédias, para que a sua «imparcialidade de juízo aumente no
poeta o empenho de escrever», como ele declara no prólogo da comédia Os dois
irmãos (Terêncio, 2008b: 326).
A frase latina, com que abri esta breve reflexão, pronunciada pelo
dominus gregis Ambívio Turpião, um actor famoso que se empenhou para
assegurar o êxito do nosso poeta, encontra-se no prólogo da comédia Eunuco
(vv. 40-41), a mais feliz e afortunada das suas peças, que lhe rendeu um êxito
comercial inesperado, cerca de oito mil sestércios, valor nunca obtido até então,
como sublinha o tradutor Aires Pereira do Couto, no seu estudo introdutório. As
duas prováveis representações desta comédia no ano da sua estreia, em 161 a.
C., parecem ser um indicador claro do sucesso que alcançou.
Não obstante este seu êxito, recordamos aqui, como contraponto, as
dificuldades que ele havia de enfrentar com a representação da comédia A
Sogra, uma peça muito dada à reflexão em torno das dificuldades de
comunicação entre as pessoas, arrastando consigo uma crescente debilidade dos
laços familiares. Apresentada, pela primeira vez, em 165 a. C., mas
imediatamente preterida em favor de uma exibição de pugilistas e funâmbulos, a
representação desta peça de teatro seria retomada por duas vezes em 160 a. C.,
tendo somente a última delas conhecido o seu desenvolvimento até final, por
ocasião dos Ludi Romani; com efeito, na segunda representação, quando se
celebravam os jogos fúnebres em honra de Paulo Emílio, o vencedor da
Macedónia, em 168 a. C., o povo, de forma semelhante à primeira, havia de
preferir, uma vez mais, um espectáculo de gladiadores. Pois também na
actualidade o desporto se apresenta a disputar a atenção do grande público,
levando, na maioria das vezes, a palma, ficando as Humanidades para um
segundo plano! Ainda que, como nos demonstra o exemplo acima citado,
também elas possam proporcionar riqueza! Com elas, ainda hoje, alguns

385
escritores fazem fortuna, mas sobretudo sobram-nos alguns exemplos
eloquentes da classe política, homens cuja formação muito lhes fica a dever! A
própria Academia não fica isenta de culpas neste movimento de desvalorização
acintosa das Humanidades! Mas retomemos o fio condutor desta reflexão.
O comentário a esta peça, A Sogra, que nos chegou do gramático romano
de meados do séc. IV d. C., Élio Donato, que foi professor de S. Jerónimo,
aponta-nos para o legado de Terêncio, a sua esperança na humanitas (Melo,
1994: 126-135) que a todos os seres humanos une, independentemente da sua
fortuna individual: «A muitas ousadias se abalançou Terêncio – e com êxito,
fiado na sua arte: às sogras, torna-as boas, e às mulheres da vida, fá-las
sedentas de honestidade, contra o que a praxe havia divulgado» (Terêncio, 2008
a: 15). É esta uma reflexão feita à margem das palavras da hetera Báquis (vv.
774-776), que não se poupa à manifestação da grandeza do seu sacrifício e,
simultaneamente, da sua esperança, perante Fidipo, sogro do transviado Pânfilo,
amante que foi seu (Terêncio, 2008b: 230):

(…) Haec res hic agitur: Pamphilo me facere ut redeat uxor


oportet; quod si perficio, non paenitet me famae
solam fecisse id quod aliae meretrices facere fugitant.

A questão está agora neste pé: tenho de fazer que a esposa regresse a
Pânfilo… é necessário. Se o conseguir, não me pesará a fama de ser a única que
fez aquilo que outras mulheres da vida se esquivam a fazer.

Esta uma merecida evocação impulsionada pelo êxito da representação


desta peça, aqui em Braga, no auditório, do Museu D. Diogo de Sousa, ao ar
livre, pelo grupo Thíasos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra;
tratou-se de uma realização que veio até nós integrada no festival de teatro
Mimarte, no primeiro sábado deste mês de Julho do ano de 2012: a exuberância
dos aplausos e o tão numeroso público que assistiu não nos deixam pensar de
forma diferente.
Chegados aqui, forçoso será admitir que as expressões ‘Antiguidade
Clássica’ e ‘Dignidade humana’ se nos apresentam, agora, de alcance bem
definido. Mas também quanto ao método, que me inspira, não quis deixar
dúvidas: vou apoiar a minha despretensiosa argumentação na experiência dos
antigos, nas suas ideias e numa das suas línguas, o Latim, num processo de
criação literária que implica chamar à colação vários testemunhos, um modus

386
operandi semelhante àquele que, no tempo de Terêncio, se designou por
contaminatio, isto é, a fusão de duas ou mais comédia gregas numa só latina.
É assim que, à maneira terenciana, no dealbar da segunda década deste
terceiro milénio da era de Jesus Cristo, me atrevo a reclamar o epíteto de
«novidade» para aquilo que vos estou a apresentar, a propósito de trabalho,
sofrimento e dignidade humana.
Mas fixemo-nos, agora, no primeiro termo desta trilogia, o vocábulo
«trabalho».
Como vemos e ouvimos, e tantos de nós já o sentimos, o trabalho
tornou-se um bem escasso, nas ditas sociedades desenvolvidas, como o
demonstram recorrentemente as estatísticas, que nos dão conta do número de
desempregados, que não pára de crescer, de forma assustadora. Uma angústia
que ameaça paralisar a Europa do Sul.
O mesmo não parece suceder, nos países da dita economia emergente,
como é exemplo eloquente o Brasil. Ali está a emergir uma classe média
robusta, verdadeiro sinal de um desenvolvimento que se traduz em melhores
condições de vida para o povo comum. Pelo menos, nisso nos fazem acreditar as
constantes notícias que daí recebemos. Isso mesmo se lê nas palavras proferidas
pelo ex-presidente Lula da Silva, quando, em São Paulo, no fim do mês de Março
deste ano, abandonava o Hospital Sírio-Libanês, depois de vencer a sempre
difícil batalha do cancro. Na sua curta declaração de anúncio do seu regresso à
vida política activa, dizia ele que o fazia, entre outras razões, para «melhorar o
nível de vida de milhões e milhões de brasileiros que conseguiram chegar à
classe média e não querem voltar para trás, e para aqueles que sonham em
chegar à classe média…».
Aqui se perscruta uma concepção de trabalho enquanto sinónimo de
progresso, de realização das aspirações do homem, trabalho enquanto força
criadora, para citar palavras do filósofo português Agostinho da Silva. Seja esse
trabalho de natureza manual ou intelectual… trabalho enquanto sinónimo de
felicidade!... Uma linha de pensamento que nos conduz até Hesíodo e à sua
celebérrima obra Trabalhos e Dias (vv.308, 309, 311-313, 315-316), em que
este autor grego, do séc. VIII a. C., faz a apologia do valor do trabalho (Pereira,
1998: 97):

ἐξ ἔργων δ' ἄνδρες πολύµηλοί τ' ἀφνειοί τε·


καὶ ἐργαζόµενοι πολὺ φίλτεροι ἀθανάτοισιν.

387
(…)
ἔργον δ' οὐδὲν ὄνειδος, ἀεργίη δέ τ' ὄνειδος.
εἰ δέ κε ἐργάζῃ, τάχα σε ζηλώσει ἀεργὸς
πλουτεῦντα· πλούτῳ δ' ἀρετὴ καὶ κῦδος ὀπηδεῖ.
(…)
εἴ κεν ἀπ' ἀλλοτρίων κτεάνων ἀεσίφρονα θυµὸν
εἰς ἔργον τρέψας µελετᾷς βίου, ὥς σε κελεύω.

Pelo trabalho é que os homens enriquecem em gados e bens.


E aqueles que trabalharem são muito mais caros aos mortais.
(…)
Trabalho não é vileza, vileza é não trabalhar.
Se trabalhares, em breve o indolente te inveja a prosperidade.
Da riqueza é companheira o mérito e a glória.
(…)
Cuida da tua vida, desviando o teu ânimo insensato
das alheias riquezas para o trabalho, como eu te exorto.

Neste poema, onde é feito um grande elogio do trabalho e da justiça,


Hesíodo vai exortar o seu irmão Perses, que havia desbaratado a herança
paterna, a dedicar-se à agricultura, a quem dá indicações precisas.
A valoração do trabalho, enquanto actividade que dignifica a existência
humana, é algo reiterado, séculos mais tarde, desta feita na cultura romana,
pela pena do seu primeiro grande prosador, Catão-o-Antigo, que viveu entre 234
e 149 a. C. Dizia ele, como se pode ler num fragamento do seu Carme sobre os
Costumes (Pereira, 2000: 12), citado por Aulo Gélio (XI.2.6):

"Nam uita" inquit "humana prope uti ferrum est. Si exerceas, conteritur; si
non exerceas, tamen robigo interficit. Item homines exercendo uidemus conteri;
si nihil exerceas, inertia atque torpedo plus detrimenti facit quam exercitio"

É que a vida humana é quase como o ferro: se se exercitar, gasta-se; se


não se exercitar, a ferrugem aniquila-o. Assim vemos os homens desgastarem-se
na sua actividade, mas, se não tiverem actividade nenhuma, a inércia e a torpeza
causam mais prejuízo do que o exercício.

388
Este seu pensamento é reforçado por uma frase lapidar, "Nihil agendo
homines male agere discunt.", que lhe é atribuída pelo escritor latino Columela
(XI.1.26), do início da nossa era e que nos legou o mais completo tratada sobre
a agricultura, intitulado Res Rustica: «sem fazer nada, os homens aprendem a
fazer mal» (Pereira, 2000: 12).
Mas qual será a natureza desta ocupação que o pensamento deste célebre
varão romano há-de privilegiar, ele que tanto se empenhou em reprimir, através
de leis, os gastos sumptuários, excessivos do estado romano naquela época? Ele
próprio se ocupou da educação do filho, elaborando uma espécie de enciclopédia,
Ad filium libri, onde lhe ensinava os rudimentos de retórica, medicina, táctica
militar, de agricultura… Pois foi a agricultura que lhe mereceu a sua atenção, ao
consagrar-lhe um tratado, o único que dele chegou até nós completo, com o qual
pretendia reconduzir a burguesia romana à economia agrária.
No prefácio a este tratado, depois de adiantar a possibilidade de se poder
fazer fortuna no comércio, ou a emprestar dinheiro a juros, se honestamente –
para os prevaricadores, os antepassados haviam determinado que o ladrão era
condenado no dobro, o usurário no quádruplo – bem claro se torna que o
usurário era tido na conta de pior cidadão que o ladrão, sendo enaltecida a
figura do lavrador, digno dos maiores encómios (Pereira, 2000: 11):

Et uirum bonum cum laudabant, ita laudabant, bonum agricolam


bonumque colonum. Amplissime laudari existimabatur, qui ita laudabatur. (…) At
ex agricolis et uiri fortissimi et milites strenuissimi gignuntur, maximeque pius
quaestus stabilissimusque consequitur, minimeque inuidiosus : minimeque male
cogitantes sunt, qui in eo studio occupati sunt.

E, quando elogiavam um homem de bem, elogiavam-no assim: é um bom


lavrador e um bom agricultor; entendia-se que um elogio destes era o maior dos
louvores. (…) Mas é dos lavradores que descendem os homens mais fortes e os
militares mais valentes, são eles que alcançam o ganho mais honesto e mais
estável, e o menos sujeito à inveja; e os que se ocupam deste trabalho são os
que menos têm maus pensamentos.

Esta visão optimista do valor do trabalho tem que ser vista no contexto
do Próximo Oriente, enquadrada por uma tradição oral que, por esta altura, foi
sendo guardada por escrito. Uma afirmação que nos pode conduzir ao Antigo
Testamento da Bíblia Sagrada, mais propriamente, ao primeiro livro do

389
Pentateuco, o Génesis. As raízes orientais deste pensamento podemos
surpreendê-las aqui, quando o narrador nos apresenta a origem do trabalho,
donde o homem tira o seu sustento (Gen. 2.15): «O Senhor Deus levou o
homem e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o
guardar». Isto acontece, sublinhe-se, antes da morte e de outras misérias serem
introduzidas na humanidade, como se pode ler numa passagem da carta que
São Paulo dirigiu aos cristãos de Roma, a partir de Corinto, no Inverno de 55-56
d. C. (cfr. Rom. 5.12)! Deste modo, o homem aproximava-se mais de Deus,
transformando-se em cooperante do Seu acto criador; por este caminho
alcançará o homem a divinização, através do trabalho, condição essencial de
realização humana, ao qual foi concedida uma dimensão sobrenatural pelo
próprio Deus, que a ele não se eximiu, dando o exemplo (Gen. 2.2): «Concluída,
no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou». Daqui resulta que o
trabalho é uma actividade especificamente humana e que, só por extensão, se
poderá falar no trabalho dos animais ou das máquinas.
Mas voltemos os nossos olhos para a actualidade. Hoje, entre nós, ainda
milhares de homens e mulheres, diariamente, demandam o trabalho. Na
indústria e nos serviços. Atormentados pela insegurança, pela ameaça constante
à sua sobrevivência, sua e da sua Família. E quem tem trabalho, diariamente
suporta o tormento de uma jornada extenuante… Trabalho é sofrimento, é
tormento. O que nos aproxima da etimologia desta palavra, proveniente do latim
tardio, «tripalium», instrumento de tortura formado por três paus («tres, palus»,
por isso, também a grafia «trepalium»), onde se aplicavam suplícios
degradantes aos escravos, como se pode ler geralmente nos variados
instrumentos lexicográficos da língua portuguesa. Alguns, contudo, apontam
também para a proveniência agrícola deste instrumento: com bicos de ferro nas
suas pontas, servia este instrumento para a debulha de colheitas cerealíferas.
Ainda hoje, no francês, a variante «travail» conserva esta ambiência rural, pois
serve para designar o instrumento em madeira destinado a imobilizar o cavalo
para se prestar assistência às suas ferraduras ou se proceder a pequenas
intervenções cirúrgicas. De «tripalium» deriva o hipotético vocábulo do latim
vulgar, «*tripaliare», verbo denominativo donde deriva o português «trabalhar»,
que significava torturar alguém no «tripalium», transformando, deste modo, o
«trabalhador» em carrasco, e não na vítima que ele hoje é, efectivamente.
A palavra «trabalho», em português, terá surgido, pela primeira vez, no
século XII, conforme regista José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico

390
da Língua Portuguesa (1977a: 320), mas com o sentido latino de «sofrimento,
dor»; no século seguinte, conserva ainda este significado a palavra «trabalhar»,
como nota este filólogo em passagem citada. Segundo observou judiciosamente
José van den Besselaar (1994: 303-304), douto mestre que foi da Universidade
Católica de Nimega, nos Países-Baixos, num estudo monográfico dedicado à
língua portuguesa, sugestivamente intitulado «As palavras têm a sua história» e
que lhe havia de ocupar os derradeiros anos da sua vida, a palavra «trabalho»,
sobretudo no seu plural, usava-se muitas no período clássico da língua
portuguesa com o sentido de «tribulações, dores, sofrimentos», juntando o
exemplo de um verso de Os Lusíadas, no canto IV, estrofe octogésima segunda:
«de trabalhos mui grande sofredor», para caracterizar o carácter do futuro
comandante da nau Bérrio, Nicolau Coelho, e subordinado de Vasco da Gama.
No séc. XVI, aponta mais um exemplo, o título de um livro do escritor português
Frei Tomé de Jesus (1529-1583?), «Os trabalhos de Jesus», escrito no cativeiro
que se seguiu à sua prisão em Alcácer Quibir e dado à estampa numa edição
póstuma de 1602. Um sentido específico é o de «dores do parto», acrescenta o
filólogo holandês, para concluir que em tudo o mais a evolução semântica foi
muito idêntica nas outras línguas românicas.
Só no séc. XIV é que esta palavra «trabalho» viria a alcançar o sentido
hoje mais corrente de «aplicação das forças e faculdades do homem à
produção», para utilizar as palavras de José Pedro Machado (1991: 374). Por
esta altura, também surge a palavra «trabalhador», embora o seu significado
actual se venha a fixar mais tarde, apenas nos finais do séc. XVII.
De evolução semântica parecida se mostra a palavra portuguesa «labor»,
com étimo latino em «labor, -ōris»: «sofrimento, dor, fadiga (que se
experimenta na realização de um trabalho)», para citar as palavras exactas de
Francisco Torrinha a partir do seu Dicionário Latino-Português (1998: 460).
Sobretudo no seu plural, «labores», conservou, em algumas expressões, o seu
sentido primitivo de «tribulações, provações». De notar, ainda, que o filólogo
José Pedro Machado (1977b: 366) aponta o séc. XVI como a data mais provável
para a sua introdução na língua portuguesa. Antes disso, pelo séc. XI/XII, já há
notícias da forma «lavor» (1977b: 394-395).
Como se vê, a etimologia serve para traçarmos o estudo da origem e
formação das palavras. O mesmo é dizer que, à semelhança do Homem, as
palavras têm uma identidade, que lhe advém da sua história, do contexto em
que aparecem. Transportam consigo a ambiência contextual que as viu nascer.

391
Se recuarmos, no tempo, até ao século XII, no contexto português,
compreenderemos facilmente que o «trabalho» manual, sobretudo o dos
campos, deveria ser um suplício, uma dor permanente, a que não seria alheia a
fome, a miséria, realidade que atingiria as camadas populacionais mais frágeis
que, ainda por cima, eram as principais responsáveis pela produção dos campos.
Ao caracterizar a crise compreendida entre os anos 1190 e 1210, agravada por
grandes intempéries, e depois de referir que o resto da Europa, o Norte de África
e até Inglaterra sofreram prejuízos de natureza idêntica, o historiador José
Mattoso (1993: 102) remata o assunto desta maneira:

Pode concluir-se destas informações que a fome e a peste atingiram mais


fortemente o Norte do país, a região mais densamente povoada, onde o contágio
da doença era mais mortífero. Os outros cataclismos podem ter trazido
perturbações mais limitadas. A situação criava um clima propício a perturbações e
violências. Conhecem-se, de facto, surtos de agitações e de revolta nas cidades e
povoações mais importantes, que alastraram para os meios rurais.

O trabalho, enquanto tortura, sentiram-no os escravos que, na Grécia


Antiga, serviam nas minas de prata de Láurio, situadas junto do cabo Súnio, na
Ática; sentiram-no, em Esparta, os hilotas, como o testemunha Míron de Priene,
num fragamento da sua História da Messénia que chegou até nós (Ferreira,
1996: 128-129) por intermédio de um gramático e retórico grego do séc. II/III
d. C., Ateneu de Náucratis, autor de uma obra famosa, em quinze livros, O
Banquete de sofistas (∆ειπνοσοφίσται, 657d). Em forma de diálogo, imitando
Platão, Ateneu relata ao seu amigo Timócrates tudo o que se passou à mesa de
um sábio e rico romano, Larensis, que reuniu os homens mais ilustres do seu
tempo, médicos, retóricos, artistas, filósofos, em número de 29. É do livro XIV
que se transcreve esta passagem:

‘τοῖς δ᾽ εἵλωσι πᾶν ὑβριστικὸν ἔργον ἐπιτάττουσι πρὸς πᾶσανἄγον ἀτιµίαν. κυνῆν
τε γὰρ ἕκαστον φορεῖν ἐπάναγκες ὥρισαν καὶ διφθέραν περιβεβλῆσθαι πληγάς τε τεταγµένας
λαµβάνειν κατ᾽ ἐνιαυτὸν ἀδικήµατος χωρίς, ἵνα µήποτε δουλεύειν ἀποµάθωσιν. πρὸς δὲ
τούτοις εἴ τινες ὑπερακµάζοιεν τὴν οἰκετικὴν ἐπιφάνειαν, ἐπέθηκαν ζηµίαν θάνατον καὶ τοῖς
κεκτηµένοις ἐπιτίµιον, εἰ µὴ ἐπικόπτοιεν τοὺς ἁδρουµένους. καὶ παραδόντες αὐτοῖς τὴν
χώραν ἔταξαν µοῖραν ἣν αὐτοῖς ἀνοίσουσιν αἰεί’.

392
Aos hilotas prescreveram todo o trabalho infamante, que causava uma
total desonra. De facto, determinaram que cada um deles fosse obrigado a trazer
um barrete de pele de cão, a vestir peles de animais e a receber todos os anos
um número determinado de chicotadas, apesar de não ter cometido qualquer
falta, para nunca se esquecer de que é escravo. A somar a isto, se algum destes
apresentava uma aparência de vigor que excedesse o que convém aos servos,
infligiam-lhe a pena de morte e aos patrões uma punição, por não haverem
impedido que se tivesse robustecido. Ao entregar aos hilotas uma parte de terra,
estipularam que eles deviam sempre pagar-lhes uma renda.

Mas também no império romano eram vistos como proscritos da


sociedade, tão difamante eram as actividades que lhe eram destinadas, que
célebre havia de ficar a revolta dos escravos, conduzida por Espártaco, um trácio
que no ano 73 a. C. comandou a revolta dos gladiadores, iniciada em Cápua, no
sul de Itália.
Esta tradição de desprezo pelo trabalho dos mais humildes de entre os
seres humanos vai reconduzir-nos, de novo, à Sagrada Escritura, ao livro do
Génesis. Àquela passagem (Gen. 3.17-19) que, isoladamente, serve
perfeitamente os intentos daqueles que vêm no trabalho uma punição do
pecado. Falamos da condenação divina de Adão, em resultado da sua
desobediência:

(…) maledicta terra in opere tuo in laboribus comedes eam cunctis diebus
vitae tuae; spinas et tribulos germinabit tibi et comedes herbas terrae; in sudore
vultus tui vesceris pane donec revertaris interram de qua sumptus es quia pulvis
es et in pulveremreverteris.

(…) maldita seja a terra por tua causa. E dela só arrancarás alimento à
custa de penoso trabalho, todos os dias da tua vida. Produzir-te-á espinhos e
abrolhos, e comerás a erva dos campos. Comerás o pão com o suor do teu rosto,
até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás.

O trabalho existe, porque existe o Homem. Em si, o trabalho não pode


ser visto como uma punição; se o é, isso resulta das condições em que ele é
desenvolvido, em que é executado, tornando-se árduo. É verdade que o trabalho
pode ser um meio de tortura, que se procura para expiação de alguma falta. Vou
recordar-vos o exemplo imortalizado numa das seis comédias terencianas, O
Homem que se puniu a si mesmo. Fala assim Menedemo (vv. 131-150), pai de

393
Pânfilo, o jovem que havia partido para a guerra, revoltado com a excessiva
dureza do seu progenitor (Terêncio, 2008a: 223):

«(…) Sed gnatum unicum,


quem pariter uti his decuit aut etiam amplius,
quod illa aetas magis ad haec utenda idonea est,
cum ego hinc eieci miserum iniustitia mea.
Malo quidem me quouis dignum deputem
si id faciam. Nam usque dum ille uitam illam colet
inopem, carens patria ob meas iniurias,
interea usque illi de me supplicium dabo,
laborans, parcens, quaerens, illi seruiens.»
Ita facio prorsus: nihil relinquo in aedibus,
nec uas nec uestimentum; conrasi omnia:
ancilas, seruos, nisi eos qui opere rustico
faciundo facile sumptum exsercirent suom,
omnis produxi ac uendidi; inscripsi ilico
aedis mercede: quasi talenta ad quindecim
coegi; agrum hunc mercatus sum; hic me exerceo.

Decreui tantisper me minus iniuriae,


Chreme meo gnato facere dum fiam miser,
nec fas esse ulla me uoluptate hic frui
nisi ubi ille huc saluos redierit meus particeps.

E entretanto o meu filho único, que devia estar a gozar destas regalias ou
ainda mais, porque a idade que tem é a mais adequada ao seu proveito, eu trato
de o correr daqui para fora… Desgraçado rapaz, que foi vítima da minha injustiça!
Digno de qualquer castigo eu me consideraria, se de tal jeito eu procedesse.
Enquanto ele levar aquela vida de penúria, privado da pátria por culpa dos meus
erros, eu lhe oferecerei como expiação a tortura da minha vida, sofrendo,
poupando, granjeando, levando vida de escravo em seu benefício. Meu dito, meu
feito. Não deixo nada na casa, nem uma taça nem um trapo; liquidei tudo.
Escravos, servos – salvo os que pelo trabalho nos campos fossem capazes de
acudir facilmente à sua própria sustentação –, a todos expus e vendi. Do pé para
a mão, afixei aviso de arrendamento da minha casa. Arrecadei perto de quinze
talentos; comprei este campo; e é aqui que passo o tempo a trabalhar.

Depois de uma pequena pausa, avança para a conclusão:

394
Decretei, Cremes, que estou a cometer um agravo menor ao meu filho,
enquanto eu próprio for desgraçado. E que não tenho direito de gozar prazer
algum nesta vida, enquanto o meu rapaz não tiver regressado aqui são e salvo,
para partilhar comigo dos meus bens.

É curioso registar que antes desta confissão do contristado pai, seu


vizinho Cremes o tinha advertido para o excesso de trabalho que a sua idade
requeria. Que, em momento algum, o via ausente da herdade. Menedemo
advertiu-o da sua solicitude, dizendo-lhe se os seus afazeres lhe davam assim
tanto tempo livre para se ocupar da vida alheia, ao que Cremes, aguentado a
resposta, lhe retorquiu com a mais celebrada das citações terencianas, de
ressonância universal (v. 77): Homo sum: humani nihil a me alienum puto, isto
é, «Um homem eu sou; e nada do que é humano eu considero alheio à minha
natureza».
Na cultura latina, no séc. I d. C., é celebérrima a opinião benevolente de
Séneca acerca dos escravos, exarada em carta dirigida ao seu amigo Lucílio,
natural de Pompeios (V.47). Mas em Roma, no século anterior, um outro grande
escritor, Cícero de seu nome, no tratado Dos Deveres (I.13.4), mostra
preocupação relativamente ao tratamento a dispensar aos escravos, com os
quais se deve agir com justiça (Pereira, 2000: 56):

Meminerimus autem etiam aduersus infimos iustitiam esse seruandam.


Est autem infima condicio et fortuna seruorum, quibus non male praecipiunt, qui
ita iubent uti, ut mercennariis, operam exigendam, iusta praebenda.

Lembremos que mesmo em relação aos mais pequenos se deve observar


a justiça. Ora a condição e sorte mais baixa é a dos escravos. Não dão preceitos
errados aqueles que mandam servir-nos deles como de mercenários: exigir-lhes
trabalho, mas dar-lhes o que é justo.

O foco irradiador deste espírito filantrópico encontra-se já na cultura


grega. Na Atenas democrática, sobretudo, e não obstante ser universalmente
aceite, muitos cidadãos não possuíam escravos e até «a maioria da produção
dependia de homens livres – como observou judiciosamente Ribeiro Ferreira
(1996: 159) – pequenos comerciantes, camponeses, artesãos, marinheiros, ou
mesmo simples assalariados. Eram esses afinal, quem constituía a maioria dos

395
cidadãos – o dêmos». Acrescenta ele ainda acerca da vida ‘amena’ do escravo
nesta pólis: «O escravo gozava de certa liberdade, e o «Velho Oligarca»
queixava-se de que em Atenas um escravo se não distinguia do homem livre. A
mais alta escala de artesãos nas oficinas de escultores era frequentemente
constituída por escravos» (1996: 158). Escravos de nome apenas, que choram a
partida de suas donas, como se pode observar a partir do exemplo de Alceste,
imortalizado por Eurípides, no séc. V a. C., em tragédia homónima, de que
transcrevemos a passagem entre os versos 192 e195 (Ferreira, 1990: 280):

πάντες δ᾽ ἔκλαιον οἰκέται κατὰ στέγας


δέσποιναν οἰκτίροντες, ἡ δὲ δεξιὰν
προύτειν᾽ ἑκάστῳ, κοὔτις ἦν οὕτω κακὸς
ὃν οὐ προσεῖπε καὶ προσερρήθη πάλιν.

Todos os escravos da casa choravam


e tinham compaixão da senhora. Ela a mão direita
estendia a cada um e não havia ninguém tão vil
a quem não dirigisse a palavra e não saudasse.

Por isso, não nos surpreende este pensamento de Alcidamante, inserto


num discurso seu dirigido aos espartanos, exortando-os a libertarem a Messénia,
cujos habitantes são seus servos há muitos anos (Ferreira, 1990: 281): «A
divindade criou todos os homens livres; a natureza não fez nenhuma pessoa
escrava».
Mas a derradeira dignificação do trabalho, ainda daquelas actividades
manuais mais humildes, vamos encontrá-la, de novo, insuflada pelo espírito do
Oriente Antigo, agora renovado para sempre, in aeternum (Matth. 13.54-57):

Et veniens in patriam suam docebat eos in synagogis eorumita ut


mirarentur et dicerent: ‘unde huic sapientia haec et virtutes? Nonne hic
est fabri filius? Nonne mater eius dicitur Maria et fratres eius Iacobus et
Ioseph et Simon et Iudas et sorores eius nonne omnes apud nos sunt?
Vnde ergo huic omnia ista?’ Et scandalizabantur in eo Iesus autem dixit
eis: ‘non est propheta sine honore nisi in patria sua et in domo sua’.

396
Tendo chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga
deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: ‘De onde lhe
vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é Ele o filho do
carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José,
Simão e Judas? Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem,
pois, tudo isto?’ E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus
disse-lhes: ‘Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa’.

Referências
Besselaar, José van den (1994), As palavras têm a sua história, Braga,
Edições da APPACDM Distrital.
Bíblia Sagrada (2003). Para o Terceiro Milénio da Encarnação. Versão dos
textos originais. Lisboa/Fátima, Difusora Bíblica.
Ferreira, José Ribeiro (1990), A democracia na Grécia Antiga, Coimbra,
Livraria Minerva.
Ferreira, José Ribeiro (1996), Civilizações Clássicas I. Grécia, Lisboa,
Universidade Aberta.
Machado, José Pedro (coord.), (1991), Grande Dicionário da Língua
Portuguesa, Vol. VI (SEGR-ZZZ), Lisboa, Círculo de Leitores.
Machado, José Pedro, (1977a), Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa, com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos
vocábulos estudados, Vol. III (F-L), Lisboa, Livros Horizonte.
Machado, José Pedro, (1997b), Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa, com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos
vocábulos estudados, Vol. V (Q-Z), Lisboa, Livros Horizonte.
Mattoso, José (1993), «Dois séculos de vicissitudes políticas», in MATTOSO,
José (dir.), História de Portugal. Vol. II – A Monarquia Feudal, Lisboa, Círculo de
Leitores.
Melo, António Maria Martins, (1994), Ideias pedagógicas na comédia de
Terêncio, Braga, Edições da APPACDM Distrital.
Pereira, Maria Helena da Rocha Pereira, (1998), Hélade. Antologia da
Cultura Grega, organizada e traduzida do original, Coimbra, Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra – Instituto de Estudos Clássicos.

397
Pereira, Maria Helena da Rocha Pereira, (2000), Romana. Antologia da
Cultura Latina, organizada e traduzida do original, Coimbra, Universidade de
Coimbra – Instituto de Estudos Clássicos.
Terêncio (2008a), Comédias, Vol. I, introdução geral de Walter de
Medeiros; introdução, tradução do latim e notas de Walter de Medeiros e Aires
Pereira do Couto, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e
Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
Terêncio (2008b), Comédias, Vol. II, introdução, tradução do latim e
notas de Walter de Medeiros e Aires Pereira do Couto, Lisboa, Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra e Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
Torrinha, Francisco, (1998), Dicionário Latino-Português, Porto, Gráficos
Reunidos, Lda.

398
TÍTULO: Doutrina Social da Igreja – Evolução e Desafios numa

globalização complexa e polissémica

AUTOR(ES): Hermenigildo Moreira da Encarnação1

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

Resumo
Esta nossa breve reflexão sobre a Doutrina Social da Igreja e a
problemática do trabalho, tão candente como atual, visa enfatizar, em primeiro
lugar, o papel da Igreja na leitura e interpretação dos fenómenos sociais e do
trabalho em particular. Em segundo lugar intenta expor algumas das linhas
mestras sobre o trabalho, visto e analisado à luz dos princípios Evangélicos,
aportando assim uma visão global, integral e humanista do trabalho. Finalmente
pretende dar uma resenha da evolução histórica desta mesma Doutrina Social da
Igreja, já que esta pretende perscrutar os sinais dos tempos numa atitude
profética, de guia e leitura analítica - interpretativa, também - tornando-se
operativa em critérios orientadores da ação moral, para a justiça e bem comum.
Sendo uma realidade cada vez mais complexa e global e, como tal, polissémica,
nem sempre será consensual no modus vivendi e no modus operandi, pois os
interesses subjacentes ao mundo laboral nem sempre são coincidentes,
consoante vistos pelos trabalhadores ou dadores do trabalho. A sociedade
hodierna é hoje eivada de valores economicistas, que por vezes põem em causa
valores essenciais do trabalho, como a dignidade humana, o valor do sujeito e
sua valorização, da justiça e solidariedade social, justa distribuição da riqueza e
do bem comum. Nunca foi tão importante a coesão social, dados os graves
problemas económicos e financeiros que a sociedade Europeia e Mundial
atravessam, pondo a nu o relativismo e o individualismo de uma aldeia global
imediatista de vizinhos, mas não de irmãos solidários (CV 25).

Palavras-chave: Desenvolvimento integral, bem comum, solidariedade, justiça


Lucro, globalização, capital-trabalho.

1
Doutorando em Estudos da Religião na Universidade Católica Portuguesa – Braga.

399
Abstract: This reflection about the Church´s Social Doctrine about work, as
broad as embracing, means to emphasize , in the first place the Church’s role on
the reading and interpretation of the social data in general and the work in
particular. Secondly aims to underline and give the guidelines about work, seen
and analyzed from the Evangelic principles point of view, giving a global vision,
integral and humanistic about and on work. Finally pretends to give a historical
flash view of the Church’s Social Doctrine. This Church aims to read the signs of
the times within a prophetic attitude of guidance and analytic-interpretative
reading, becoming in the criteria for justice and the common good. Being a
reality increasingly complex and global, and therefore polysemy, not always will
be consensual on the modus vivendi and on the modus operandi because the
interests do not coincide, as they are seen from the employers or employees
point of view. Modern society is guided by economistic views which sometimes
deny the essential values of work, as human dignity, the subject´s value and its
valorization, just social solidarity, fair distribution and common good. Never has
been so important as now social cohesion, due to the serious financial and
economic problems which the European and the World society undergo, laying
bare relativism and individualism in a global village of immediate neighbors, but
not of solidary brothers.
Keywords: Integral development, common good, solidarity, justice, benefits,
globalization and labor versus capital.

1. Conceito do trabalho e sua evolução histórica


Segundo a introdução da carta encíclica Laborem exercens de João Paulo
II, tida como “magna carta” sobre esta temática, a palavra trabalho “designa a
atividade realizada pelo homem, independentemente das suas caraterísticas e
circunstâncias: por outras palavras, designa toda a atividade humana, que o
homem pode e deve ser reconhecida como trabalho, entre as múltiplas
atividades que o homem é capaz e para os quais está naturalmente predisposto
pela sua natureza” (LE). A valorização do trabalho, em especial, do chamado
manual, teve diferentes considerações ao longo da história. Os gregos e os
romanos viram-no como algo pouco adequado a cidadãos livres. Esta visão
depreciativa fez com que a consideração social do trabalho, sobretudo o manual,
fosse vista com uma carga negativa. Contudo, para o povo judeu este não era
indigno, mas antes querido por Deus, que tinha criado o homem para o trabalho

400
(Gn 2,15). A valorização social do trabalho cresce na época do renascimento,
devido ao exponencial aumento do fluxo comercial, (ofícios) pois na idade média
era ainda visto como penoso (tortura –tripalium). No século XVIII, com a
máquina a vapor e a revolução industrial, a produção alterou-se, de artesanal
para a produção em grandes quantidades e localizada em grandes unidades
fabris. Esta mudança para o trabalho industrial provocou problemas sociais
dramáticos, num contexto em que os salários estavam dependentes da oferta e
da procura. A ideologia vigente era extremamente liberal e os ditos “proletários”
eram mercadorias que se “vendiam” por um salário. Surge o conflito de duas
classes “antagónicas”, gerando a questão operária, ou questão social. É neste
conflito que surge o movimento operário e a luta sindical, influenciada por uma
ideologia socialista radical, contra a propriedade privada e as condições
degradantes do trabalho humano.
De facto no século XIX a propriedade privada era a fonte de todos os
males do ponto de vista da ideologia socialista, e como tal Karl Marx advogava a
sua abolição mediante a luta de classes. Para estes, o trabalho assalariado é
alienante e um roubo dos patrões, despojando os operários daquilo que
produziram com o seu trabalho (Melé, 2003).

2. Resenha histórica: os documentos papais sobre o trabalho


No fim do século XIX (1891) a partir da Rerum Novarum de Leão XIII,
encontramos no magistério da Igreja um “corpus” referente à sociedade. No
início, os papas ocupavam-se sobretudo com a questão operária e outros
aspetos da situação social. Mas, rapidamente, o corpo doutrinal da Igreja
tornou-se, mais amplo e coerente. Se a Rerum Novarum é tida como a “magna
carta” da atividade cristã no campo social, (questão operária e doutrina católica
acerca do trabalho, promovendo a ordem social justa), Pio XI com a
Quadragesimo Anno (1931), reflete sobre os novos aspetos, como expansão dos
grupos financeiros, respeito pela liberdade de associação e as relações entre
capital e trabalho. Este papa não só condenou os regimes totalitários, como
também o liberalismo exacerbado, visto como concorrência ilimitada. Pio XII,
percursor do Vaticano II, faz a ligação entre a moral e o direito, desenvolvendo
também a noção do bem comum e explicitando o conceito de “sinais dos
tempos”. Nos anos 60, João XXIII e o Vaticano II, traçam o rosto de uma igreja
real e ligada ao género humano e à sua história. É a visão antropológica cristã e
da missão da igreja. Paulo VI, com a Populorum Progressio, exorta à

401
necessidade de um desenvolvimento e solidário. Por sua vez, na Octogesima
Adveniens, reflete sobre a sociedade pós industrial, constatando as insuficiências
das ideologias em fenómenos e desafios como: desemprego, emigração…
Noventa anos depois da Rerum Novarum, João Paulo II, com a Laborem
Exercens, apresenta uma reflexão filosófica e teológica sobre espiritualidade
ética no trabalho. Esta encíclica é considerada a “magna carta” da conceção
humanista cristã do trabalho. Na Centesimus Annus, (1991), sobressai a noção
de solidariedade, no autêntico desenvolvimento humano: “reconhecendo Deus
em cada homem, e cada homem em Deus”. Com Bento XVI, em Caritas in
Veritate temos uma análise global e profunda da vida social, bem como da
problemática do trabalho.
Chegados aqui, convém perguntar-nos: Como harmonizar
desenvolvimento integral, bem comum, solidariedade, justiça, direitos, lucro,
globalização e o conflito eventual entre capital e trabalho? A última encíclica
citada pode-nos ajudar a equacionar e a compreender a complementaridade e a
necessidade da interligação cooperante, “sine qua non”, para um
desenvolvimento integral da pessoa humana e do trabalhador em particular. A
sua harmonização e cooperação nem sempre é fácil, pois há interesses
divergentes instalados, que por vezes são antagónicos, numa economia à escala
global, em que o poder financeiro e os fluxos financeiros próprios de uma
economia virtual, fortemente especulativa e complexa, mesmo para
especialistas, não “têm rosto”. Iremos tentar articular os ditos conceitos tendo
sendo por pano de fundo a doutrina social da igreja e as suas propostas.

3. Antropologia e ética no trabalho


Em Gn 1,28, Deus confere ao homem e à mulher o domínio da terra, que
se realiza mediante o trabalho. Deus, ao criar o ser humano, chama-o a
trabalhar. Porém, o trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho
(LE 5).
Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano recebeu a missão
de submeter a terra e todas as coisas que nela existam, governando o mundo na
justiça e santidade, glorificando e prolongando a sua obra criadora. Por outras
palavras, todo o ser humano, enquanto procura o sustento para si e para a sua
família, serve o bem comum dos seus irmãos e contribui de modo pessoal para
que se cumpram os desígnios de Deus na história, como nos diz a Gaudium et
spes (34). Assim, em sentido técnico, o trabalho submete a terra e adapta os

402
produtos às necessidades: atividade transitiva iniciada no sujeito humano mas
que se endereça para um objeto exterior (LE 4 e 5). Está aqui implícita a
santificação do trabalho, pois o próprio filho de Deus, o artesão, filho de Maria e
José, assumiu tudo o que é humano. O trabalho torna-se, por isso,
simultaneamente, um dever e um direito, uma vocação universal.
Numa época em que há sintomas claros de exasperação dos direitos, em
detrimento e até esquecimento dos deveres, este aspeto é vital. Pois estes
mesmos deveres delimitam os direitos, porque remetem para o quadro
antropológico e ético cuja verdade é o âmbito onde se inserem e, deste modo,
não descambam no arbitrário. Sendo a ética amiga da pessoa, a economia, a
fortiori, necessita da mesma para o seu correto funcionamento (C.V 43).

4. Dignidade do trabalho humano


Iremos agora dirigir a nossa exposição para os conceitos essenciais e
estruturantes da Doutrina Social da Igreja. É, novamente, uma visão sumária e
breve, pois não temos a mais leve pretensão de cobrir tão rica e densa matéria.
O problema do trabalho é a chave da questão social e componente fixa na
vida social. Dormir e trabalhar são os dois vetores mais extensos no percurso
biológico e social de qualquer ser humano. A visão cristã do trabalho considera,
que o primeiro fundamento do valor daquele é o homem seu sujeito, defendendo
assim a preeminência e precedência do significado subjetivo, sobre o significado
objetivo. O trabalho tem assim um caráter positivo, criativo, educativo e
meritório (LE 5 e 6). Ao transformar a natureza, o homem, não só se realiza a si
mesmo, como se torna “mais homem”. Assim, a dignidade tem uma dimensão
pessoal característica do chamado “bem árduo”, “bonum arduum” como afirma
João Paulo II ao citar: S. Tomás de Aquino in SUMMA THEOL, I-II, q. 40, a.1, c;
I-II, q. 34, a. 2, ad 1). (LE 9).
Sendo um bem pessoal e coletivo, pertencente à esfera do bem comum -
pois é da responsabilidade de todos - deve a fortiori visar o desenvolvimento
integral do homem em todas as suas dimensões, no cuidado do outro e pelo
outro (CV 11). Por outras palavras, o desenvolvimento integral supõe a liberdade
responsável das pessoas e povos, evitando assim messianismos, fascinantes,
mas construtores de ilusões e falsas seguranças como salienta João Paulo II, na
Carta encíclica Centesimus annus de 1 de maio de 1991, (CA 25). Somente se
for livre, é que o desenvolvimento pode ser integralmente humano, crescendo
adequadamente, estruturalmente e na verdade. Se tal acontecer, o progresso

403
torna-se a via que impele o homem a realizar, conhecer e possuir mais, para ser
mais, nas palavras de Paulo VI, Carta encíclica Populorum progressio de 26 de
maio de 1967 (PP 15).

4.1 Trabalho no sentido subjetivo e objetivo


O domínio do homem sobre a terra realiza-se no trabalho e pelo trabalho.
No sentido subjetivo, o homem pensa e realiza a tarefa. No sentido objetivo,
temos o resultado dessa mesma tarefa ou desempenho, seja ela simples,
sofisticada ou técnica. Assim sendo, o homem é o sujeito do trabalho, possuindo
este um valor ético, pois é esse mesmo sujeito que decide por si mesmo. A
máquina é que trabalha, mas o sujeito é o homem, que a manobra, domina ou
adapta. Deste ponto de vista, o trabalho pode ter mais ou menos valor objetivo,
mas deve ser medido pelo padrão da dignidade do sujeito do trabalho, isto é, da
pessoa, do ser humano que o executa. Todo o trabalho é digno, necessário e
nobre, embora as sociedades tenham critérios quantitativos e qualitativos, para
mensurar o resultado objetivo do trabalho (mérito – salário). Isto não invalida
algo que disso é condição sine qua non, que é promover o homem e todos os
homens para a defesa incondicional da pessoa humana. É o chamado
humanismo transcendental, visando o correto desenvolvimento da ordem
natural, o fim e o bem (Bento XVI, Discurso aos jovens no cais de Barangaroo,
17 de julho de 2008, in (L’Osservatore Romano, 2008).
Daqui se infere que, nesta visão humanista do desenvolvimento, não
pode faltar a verdade e a solidariedade pois, de contrário, a riqueza mundial
absoluta cresce, mas aumentam as desigualdades (CV 22). Isto é, o
desenvolvimento permanece per se positivo, mas continua a ser molestado e
desvirtuado por anomalias e problemas dogmáticos (CV 21). Dito de outra
maneira, a técnica em si é neutra, o uso da mesma é que a torna boa ou má
moral ou imoral.

4.2 Alterações no trabalho e nas relações laborais


O mundo laboral evoluiu sem paralelo, a partir dos séculos XVIII e XIX.
Face ao trabalho eminentemente físico e manual, temos agora tarefas técnicas e
científicas cada vez mais sofisticadas e complexas. A global village e o mundo
virtual, e até as tecnologias de ponta, fazem parte do nosso modus vivendi. A
economia e o trabalho não são exceção. Na chamada era industrial, a Igreja
procurou rebater as várias correntes materialistas e economicistas sobre o

404
trabalho. Como já vimos, no início do século XIX, o trabalho, era visto como uma
espécie de mercadoria que o trabalhador, sobretudo da indústria, vendia ao
dador de trabalho, o qual, ao mesmo tempo, era o dono do capital, isto é, do
conjunto de instrumentos de trabalho e dos meios que tornam possível a
produção (LE 7).
Gradualmente, caminhou-se para uma forma mais humana de pensar e
de avaliar o trabalho. Desenvolveram-se diversas formas de capitalismo e de
coletivismo que, por sua vez, estão na génese de novos factores concretos:
associações de trabalhadores, de poderes públicos reguladores e de sociedades
multinacionais e transnacionais. Contudo, o economismo materialista continua a
ser um perigo bem real, em que a força trabalhadora é vista como uma
mercadoria sui generis ou como uma força anónima. Agora os centros de decisão
são “invisíveis” ou longínquos e regem-se por budgets ou targets sinónimos de
cifras, percentagens e lucros. O homem, muitas vezes, continua a ser tratado
como mero instrumento de produção. Mas há ainda outra vertente: o conceito de
trabalho indireto. Expliquemos: Numa pequena – média empresa, todos
conhecem o seu dador de trabalho direto, vulgo patrão ou administrador. Mas,
adicionalmente, há o dador indireto. Neste, entram pessoas, instituições,
contratos coletivos de trabalho, Estado e dependências-ligações recíprocas entre
Estados e sociedades multinacionais. Estas determinam “princípios de
comportamentos que, estabelecidos por essas pessoas ou instituições,
determinam todo o sistema socioeconómico ou dele resultam” (LE 17).
Temos então, uma realidade laboral e social complexa, à escala global,
polissémica e com diferentes interesses num tabuleiro geoestratégico, difícil de
gerir numa política de trabalho correta do ponto de vista ético, isto é,
salvaguardando o bem comum. A própria Igreja o afirma, e disso tem clara
noção. Será óbvio que a sua opção será pelos mais pobres e desfavorecidos,
numa clara visão evangélica e verdadeira interpretação das sagradas escrituras.

4.3- O capital sem rosto e a especulação financeira


Ganhar o pão com o suor do teu rosto, tem hoje um significado bem
diferente daquele que tinha antes da era industrial. Ao longo do século passado,
este crescendo da força e mobilidade do grande capital, dos fluxos financeiros,
do capital anónimo e deslocalizado, fez crescer uma economia global, virtual,
sem rosto, implacável e fortemente especulativa. A riqueza é agora muitas vezes
obtida, não como fruto do trabalho, mas graças a operações de alto risco e

405
especulativas que, muitas vezes, visam controlar, monopolizar ou direcionar
produtos ou mercados. Estamos assim perante situações beyond control, de
pessoas, instituições ou até Estados. A Igreja tem alertado para este novo
problema, já que os cidadãos mais desfavorecidos - e trabalhadores, em
particular - são os mais diretamente lesados. É o caso das ajudas desviadas, ou
que tornam os doadores benificiários. A mesma Igreja tem consciência de que
este desenvolvimento é policêntrico, do ponto de vista dos atores e causas
múltiplas, bem como das ideologias subjacentes. Este aspeto abrange não só os
centros de decisão, como as novas potências emergentes, quer económicas,
quer tecnológicas.
Esta mobilidade do capital financeiro, caraterística do mercado global, fez
emergir novos actores na cena internacional, em que grupos económicos
controlam matérias-primas; ou estimulou países ricos em busca de áreas para
deslocar atividades produtivas, na mira de rentabilidades mais atraentes. De
novo a Igreja alerta para o valor da justiça económica, favorecendo o bem
comum e a redistribuição, pois a atividade económica não pode resolver todos os
problemas sociais através da pura lógica mercantil (CV 36). Por isso mesmo, a
globalização, não eliminou a fome nem garantiu a paz…Bem pelo contrário, por
vezes, potenciou estruturas ou sistemas económicos que espezinharam e
coarctaram a liberdade das pessoas e dos corpos sociais. Neste sentido, Bento
XVI sublinha que o desenvolvimento económico, social e político necessita de
gratuidade (CV 34).

5. Primado do trabalho sobre o capital


Na época do desenvolvimento industrial, cresceu o conflito entre o mundo
do capital e o mundo do trabalho; explicitando melhor, entre o grupo restrito dos
proprietários ou detentores dos meios de produção, por um lado, e, por outro, a
multidão mais numerosa de pessoas, privadas de tais meios, e que participavam
no processo de produção, apenas mediante o seu trabalho (LE 11). Os operários
punham à disposição dos patrões e empresários a força do trabalho e estes
procuravam manter o salário o mais baixo possível com vista a maximizar os
seus lucros.
Este conflito socioeconómico foi interpretado por alguns como tendo
caráter de classe, manifestando-se assim um conflito ideológico entre o
capitalismo e o marxismo, entendido como ideologia do socialismo científico e do
comunismo. Este último procura intervir como porta-voz da classe operária e de

406
todo o proletariado mundial (LE 11 e 12). Se um promove a livre iniciativa
individual e do capital, o outro propõe a coletivização dos meios de produção,
visando o monopólio estatal através da ditadura do proletariado. Qual a posição
da Igreja nesta aparente dicotomia e, por vezes, conflito de interesses? A Igreja
afirma que o primeiro capital a preservar é a valorização do homem e a sua
integridade. O homem é o protagonista, centro e fim de toda a vida económico-
social (CV 25).

5.1- O bem comum e o conflito: capital versus trabalho


A Igreja advoga e defende a prioridade e primado do trabalho, como
direito e dever. Este pressupõe riquezas que o homem não cria, mas antes
encontra já na natureza como recursos disponíveis de todos e para todos (LE
12). Por outras palavras, realça o primado do homem em relação às coisas,
como senhor das criaturas, ou recursos postos à sua disposição, numa visão
coerente, teológica e humanista. Assim sendo, para a Igreja, o primeiro capital é
a preservação do homem e a sua valorização, defendendo a sua integridade,
pois o ser humano é o protagonista, centro e fim de toda a vida socioeconómica
(CV 25 e 26). Deste modo, poderemos inferir que a propriedade se adquire pelo
trabalho e para servir o trabalho. Não pode, nem deve, ser possuída contra o
trabalho mas para servir este último. A razão é que os bens da criação inteira
servem o vasto direito comum da sua utilização. O direito à propriedade privada
está subordinado ao direito comum: subordinado ao destino universal dos bens e
seu uso comum (CV 14).
A problemática do trabalho terá assim que ser inserida no âmbito do
vasto conjunto de direitos conaturais do homem, condição fundamental para a
paz global e do mundo do trabalho em particular. Esta visão foi posta em
evidência na Encíclica Pacem in terris, em que os direitos que dimanam do
trabalho estão inseridos no conjunto mais vasto dos direitos fundamentais da
pessoa (LE 16). Só assim cairá por terra a antinomia conflitual entre o capital e o
trabalho, visando uma complementaridade e compropriedade dos meios de
trabalho, participação ativa e responsável na empresa e nos lucros no chamado
accionariado operário (LE 14). Esta é a consequência lógica de uma visão do
capital, entendido como conjunto dos meios de produção, mas, sobretudo,
produto do trabalho de gerações, complementado, desenvolvido e efetuado com
a ajuda do mesmo conjunto dos meios de produção, que aparecem como um

407
grande banco de trabalho, junto do qual, dia-a-dia, a presente geração de
trabalhadores desenvolve a sua atividade (LE 14 e 15).
Neste sentido, a Igreja afirma a prioridade do trabalho em relação ao
capital como postulado que pertence à ordem moral – social, bem como o uso
comum da propriedade e o destino universal dos bens, o direito à justiça social,
à justa retribuição salarial e à participação responsável nos destinos da empresa,
vistos como deveres e direitos de todo o trabalhador que simultaneamente, deve
zelar pelo bem e bens da empresa, valorizando-se, e contribuindo eficazmente
para o bem comum. Neste sentido o desenvolvimento livre e responsável,
pressupõe a liberdade responsável (CV 17).

5.2- A empresa produtiva, lucro e comunidade de pessoas


As unidades produtivas necessitam de lucros para se manterem no
mercado e para honrarem os seus compromissos e sobreviverem. Mas o lucro
deve ser visto como um meio e não um fim em si mesmo. Neste sentido, a
Igreja reconhece a justa função do lucro, como indicador do bom funcionamento
da empresa enquanto significa que os fatores produtivos foram adequadamente
utilizados e rentabilizados e, por via disso, honrados os compromissos
financeiros, bem comos as prestações fiscais, e salariais. Porém, não é o único
indicador das boas condições da empresa. Isto é, a contabilidade ou saúde
financeira pode expressar-se num superavit notável e o património mais precioso
da empresa, os homens e mulheres trabalhadores, serem humilhados e
ofendidos na sua dignidade (os recursos humanos como o bem mais precioso
(CA 35). A empresa é uma unidade económica, um centro de relações sociais,
uma entidade jurídica, mas também uma associação de pessoas, homens livres
criados à imagem de Deus. Daí a Igreja insistir que é sobretudo uma
comunidade de pessoas (Melé, 2003).
Esta perspetiva supera certas visões em que a empresa é vista como um
simples instrumento de lucro, ou mera concorrência de interesses. É certo que a
empresa de negócios é um meio para obter lucros e que nela concorrem
interesses às vezes divergentes. Mas uma unidade de negócios não é só isso. A
empresa é, antes de mais, formada por pessoas. Estas, com a sua liberdade e a
sua sociabilidade, estão unidas solidariamente numa obra e bem comum. Dito de
outra maneira, não é só uma sociedade de capitais, é simultaneamente uma
sociedade de pessoas. Estas mesmas participam com responsabilidades

408
específicas, quer aquelas que fornecem o capital para a sua atividade, quer
aquelas que colaboram com o seu trabalho (CA 43).
Assim sendo, o bem comum é a finalidade suprema, estando este acima
dos interesses particulares. Implica isto que as pessoas que formam a empresa
devem ser respeitadas na sua dignidade, de modo a poderem progredir através
do trabalho que realizam. Só assim teremos o desenvolvimento integral da
pessoa humana e a justiça social. Isto implica dizer que fomentar a iniciativa, a
criatividade, a responsabilidade e a participação dos trabalhadores no
desenvolvimento da empresa deve ser encarado como um dever e direito de
trabalhadores e empregadores. Todos são chamados a comprometer-se e a
cuidar do bem comum, na verdade e na justiça. Já que a caridade e a verdade
exigem, antes de mais, justiça e, sobretudo, a justiça social, a justa função dos
benefícios (LE 7; CV 7).
A harmonização destes deveres e direitos, no terreno e nas empresas
concretas, nem sempre é de fácil articulação e concretização, devido por vezes a
um extremar de posições nas reivindicações pelos direitos e deveres
propugnados por ambos os lados.

5.3- Direitos e deveres dos trabalhadores


Ao iniciar a sua atividade numa empresa, o trabalhador (empregado)
assume um conjunto de obrigações implícitas. Estas são expressas em deveres
negativamente expressos e obrigações positivas. As primeiras referem-se às
obrigações de não danificar a propriedade, não ofender os patrões e abster-se de
toda a violência para a defesa dos seus direitos (RN 14). As segundas dizem
respeito às obrigações ou responsabilidades positivas. Neste âmbito
mencionamos as seguintes:
a) Conforme o contrato de trabalho, o empregado deve trabalhar, sob a
direção do empresário, ou pessoas designadas para o efeito, que o contratou.
b) As obrigações do mesmo não podem ser vistas como - nem se
resumem - a um rígido elenco de deveres e direitos, que pressupõem uma
responsabilidade que deve concretizar-se em cada momento.
c) Os trabalhadores devem fomentar a colaboração, atuar com lealdade,
cumprindo os compromissos, bem como manter os segredos profissionais e
empresariais, correspondendo assim à confiança depositada nos mesmos, e à
formação recebida a cargo da empresa (Melé, 2003).

409
Mas, aos deveres correspondem direitos para com os empregados, que o
mesmo empregador deve honrar.
a) Em primeiro lugar, o salário justo, como fruto legítimo da remuneração
do trabalho (CIC 2434). Deste ponto de vista, o contrato celebrado entre ambas
as partes não basta para justificar moralmente o montante do salário. Este deve
ter em conta as funções, a produtividade do trabalhador, bem como a situação
da empresa e o bem comum, a fim de garantir uma vida digna, a si, e aos seus.
Daí a necessidade da Encíclica Centesimus annus afirmar que a sociedade e o
Estado devem assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e
da família, inclusive com uma certa margem de poupança (CA 15).
b) Em segundo lugar, isto implica dar também aos trabalhadores
conhecimentos e comportamentos melhores, visando tornar o seu trabalho mais
qualificado e produtivo. Para uma concretização efetiva desta medida, é
pressuposto existir uma vigilância assídua e medidas legislativas adequadas,
evitando-se assim situações degradantes, ou de exploração, que afetam
sobretudo os mais débeis.
c) Em terceiro lugar, estão as chamadas quotizações. Adicionalmente ao
salário, as quotizações ou prestações sociais, fazem parte integrante da
remuneração do trabalho. Os sistemas variam, de país para país, mas o
“Catecismo” é bem claro: é injusto não pagar aos organismos de Segurança
Social, as quotas estabelecidas pelas legítimas autoridades (CIC 2436).
d) Em quarto lugar, as condições humanas devem respeitar a saúde
física, psíquica e moral. Esse é outro direito básico do trabalhador. É certo que
as condições modernas nas unidades empresariais evoluíram exponencialmente,
ao longo do século passado, sobretudo no mundo Europeu e dos países
desenvolvidos e industrializados. Porém, continuam existindo situações e países
com um grave défice nesta matéria. Os múltiplos exemplos são por demais
evidentes e do conhecimento geral. São os défices gritantes, na higiene e
segurança no trabalho.
e) Além dos aspetos físicos, há também a considerar o respeito pelos
valores morais. Cabem nesta esfera a questão da fraude, assédio sexual e
atuações imorais nos negócios. (CIC 2286).
Finalmente, salientamos o direito de o trabalhador poder manifestar a
personalidade própria (CA 15; LE 15). Explicitando melhor: ao favorecer a
iniciativa, criatividade e responsabilidade, evitamos a visão de um trabalhador
como de uma peça de uma engrenagem ou um simples instrumento de

410
produção. Ao colaborar e participar ativamente na empresa, aquele torna-se um
verdadeiro sujeito do trabalho, dotado de iniciativa própria. Esta participação
fomenta o espírito de grupo e a unidade de direção. A unidade faz a força, como
diz o adágio popular, também rumando à concretização dos objetivos
empresarias e do bem comum.
A sociedade moderna evoluiu também na legislação mais adequada sobre
horários de trabalho e respetivo descanso. Estes visam favorecer as condições
de saúde, relações familiares, da formação pessoal ou das relações com Deus
(LE 19). Há neste último aspeto assinalado o sentido implícito do “santificar” o
domingo, abrangendo e implicando tanto trabalhadores como empregadores.
Diremos com Bento XVI, neste contexto de direitos e deveres, que, sem
verdade, sem confiança e amor, não há consciência e responsabilidade social,
desagregando-se assim progressivamente a sociedade globalizada. É que o bem-
estar social e o desenvolvimento humano integral pressupõem e necessitam
desta verdade (CV 5).

5.4- Conflitos e sindicatos


Uma das finalidades das empresas é produzirem bens e serviços de modo
eficiente. Isto é conseguido através de uma adequada organização de pessoas,
que nela trabalham, cooperando umas com as outras, e com uma apropriada
atribuição de recursos materiais. É portanto inegável que as unidades produtivas
permitem a criação, ou a manutenção de postos de trabalho. Por via desta
organização, são possíveis menores custos de produção, pois esta é feita em
série e com recurso a tecnologia. Por via disso, é possível proporcionar também
novos produtos, novas tecnologias, bem como desenvolver iniciativas
empreendedoras, gerando investimentos produtivos ao serviço da sociedade, à
luz da noção de bem bem-comum e universal (Melé, 2003).
Mas, ao ser uma comunidade de pessoas, nem sempre os interesses
coincidem. Foi nesta tensão, capital versus trabalho, que, como já assinalamos
anteriormente, se desenvolveram os sindicatos. Aliás, desde sempre, como
afirma Leão XIII, a Igreja defende a liberdade de associação que subjaz à
formação de sindicatos, como um direito fundamental (RN 32-38). Estes são
considerados um expoente da luta pela justiça social, pelos justos direitos dos
homens do trabalho, segundo as suas profissões. Sendo uma questão de justiça
social, não pode, nem deve ser entendida como uma luta contra os outros (LE
20). Neste sentido, os sindicatos devem defender os legítimos interesses e

411
direitos dos trabalhadores, mas sempre sob o critério superior do bem comum
(CA 15). Daqui decorre que esta responsabilidade não deve estar ao serviço de
ideologias, seja de que índole for, liberais ou marxistas.
Mas, no terreno, nem sempre o respeito mútuo, estima, compreensão e
cooperação ativa e leal imperam nas relações entre empresários e dirigentes,
por um lado, e os empregados pelo outro (MM 92). As situações de tensão e
rotura são por vezes evidentes. Quando tal acontece, a não ser possível a
negociação, a greve é um recurso lícito, na luta pela justiça. O “Catecismo”
afirma a greve como moralmente legítima, mas sempre como último e inevitável
recurso, ou mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado, sendo
porém a violência liminarmente excluída (CIC 2335). Sabemos porém que a
questão da licitude da greve e da sua efetivação no terreno é por vezes
complexa e comporta riscos. Além de poder ser vista de diferentes maneiras e
pontos de vista, consoante analisadas por trabalhadores ou empregadores, ou
por cidadãos afetados ou beneficiados pelas mesmas greves (LE 18). Deste
modo, o bem comum, a justiça social e a verdade devem estar acima das
questões ou interesses partidários, classes sociais ou ideologias, posto que esta
visão nem sempre é pacífica, pois por vezes os interesses ou reivindicações em
questão são divergentes ou antagónicos. Dito de outra maneira, no terreno, as
situações são complexas e estão interligadas com muitos outros fatores: sociais,
políticos, económicos, ideológicos e partidários, pelo que o extremar de posições
podem dificultar ou inviabilizar o entendimento ou a negociação.

6. Harmonização dos interesses divergentes


Sabemos que o problema do emprego é hoje um grave problema nas
sociedades modernas, a nível mundial, quer se trate de países desenvolvidos,
em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvidos. As taxas de desemprego
dispararam em flecha e, em alguns países, emergem verdadeiras calamidades
sociais, de difícil resolução. Por via disso mesmo, nunca a colaboração universal
foi tão necessária e indispensável. Essa cooperação é necessária e condição sine
qua non. Contudo o progresso harmonioso, não raras vezes, é apenas uma
miragem, apesar de a Igreja apelar a um diagnóstico exato, da complexidade
das situações e condicionalismos universais (LE 17 e 18).
Neste sentido, a DSI não é um manual de luta de classes, mas um
expoente de luta pela justiça social. Aliás, nem a Igreja tem os mecanismos ou
instrumentos para inverter tal situação, nem sequer faz parte do seu múnus ou

412
função, já que faz parte das competências de cada Estado e da sociedade civil
em geral. Aquela visa, sobretudo, um compromisso moral pela defesa do bem
comum, procurando alertar para os graves perigos de uma luta contra os outros,
ou da luta pela luta, tendo como objetivo eliminar ou diminuir, o antagonista. É
neste sentido que as exigências sindicais não se podem transformar numa
espécie de egoísmo de grupo ou de classe, embora possam e devam, também,
tender a corrigir tudo o que é defeituoso, no sistema de propriedade dos meios
de produção (LE 20). Lembremos, que a exasperação dos direitos leva a
esquecer os respetivos deveres. Por isso a Igreja entende que a vida social e
económico-social é como um sistema de vasos comunicantes, propondo assim a
chamada solicitude prudente pelo bem comum. Dito por outras palavras, e
usando as palavras de Bento XVI, a economia necessita da Ética, para o seu
correto funcionamento. Isto porque a Ética é amiga da pessoa (CV 45). Porém, a
realidade está bem longe do ótimo, do aceitável ou da justiça e verdade social, a
saber, o destino universal dos bens e a sua justa distribuição. Veja-se o que hoje
em dia está acontecendo, exageradamente ou não, nas economias mais
desenvolvidas, devido a apertos e constrangimentos financeiros e de budgets
orçamentais: os direitos, ditos adquiridos, estão a ser postos em causa por uns e
defendidos, até à exaustão, por outros.
Diremos por via disso, que a frase de Aristóteles in medio virtus, no
sentido de ponderação média dos factos, deve estar sempre presente à mesa
das negociações, seguindo o fim supremo da justiça social e do bem comum, no
sentido que os bens são universais no seu fim último. Importa portanto afinar a
nossa consciência humana para os direitos, mas também para os deveres a
todos os níveis na nossa vida social, e laboral em particular, fortificando as
razões para justamente e eticamente os defender. Neste campo os últimos
papas e, mais recentemente, de João XXIII a Bento XVI, tiveram uma palavra,
uma orientação muito clarividente, abrangente e esclarecedora sobre os
princípios orientadores de uma harmonização, no contexto laboral, dos direitos e
deveres, visando o primado da pessoa humana, da sua dignidade e da procura
intransigente e incessante do bem comum.
Contudo, uma coisa são os princípios éticos ideais e outra coisa é por
vezes o modus faciendi da nossa sociedade em geral, dos Estados, dos
indivíduos, dos trabalhadores e dos empresários em particular. A globalização, o
capital sem rosto, a deslocalização de fluxos monetários, as multinacionais, a
procura e corrida às fontes e exploração das matérias-primas pelo preço mais

413
rentável, os lucros excessivos e a especulação financeira trazem novos e
complexos dados a um tabuleiro, com intrincadas ligações, interesses e
dependências, de difícil conciliação. Serão por isso necessários valores éticos na
salvaguarda destes direitos e deveres, para um desenvolvimento, valorização e
progresso do ser humano e do trabalhador em particular.
Como conclusão: estes princípios e orientações não devem ser um código
rígido, desde que ambas as partes, empregador e empregado, se sintam unidos
num espírito de equipa, para a concretização dos objetivos gerais da empresa,
valorizando por via disso, os seus mesmos colaboradores. A união faz a força e o
espirito de empresa, remando todos para o mesmo lado, facilitará a
concretização, a uns e a outros, dos seus respetivos objetivos. Trabalhadores
valorizados e motivados otimizam benefícios e produções. Estas, revertem para
o bem da empresa no seu sentido abrangente, melhorando eventualmente as
regalias dos trabalhadores e potenciando novos investimentos, propiciadores de
emprego e postos de trabalho adicionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bento XVI. (2009). Carta Enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009).
(Trad.). A Caridade na Verdade. Braga: Editorial A.O.
Catecismo da Igreja Católica. (2000). (2ª ed). Coimbra: Gráfica de
Coimbra.
Concílio Ecuménico Vaticano II. (1965). Constituição Pastoral «Gaudium
et spes» (1965), AAS 58 (1966), 1025-1120.
Conselho Pontifício «Justiça e Paz». (2005). Compêndio da Doutrina
Social da Igreja. Cascais: Princípia.
João Paulo II. (1981). Carta Enc. Laborem exercens (14 de setembro de
1981). (Trad.). O trabalho humano. Braga: Editorial A.O.
João XXIII. (1961). Carta Enc. Mater et magistra (15 de maio de 1961),
AAS 53 (1961), 401-464.
João XXIII. (1963). Pacem in terris (11de abril de 1963), AAS 55 (1963),
257-304.
João Paulo II. (1991). Carta Enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991),
25: AAS 83 (1991) 822-824.
Leão XIII. (1891). Carta Enc. Rerum novarum (15 de maio 1891), AAS 23
(1890-1891), 647-670.
L’Osservatore Romano (2008). (Ed. Portuguesa). 19/VII/2008,4.

414
Marx, K. (1971). Os manuscritos económico-filosóficos (10ª ed). (Trad.
César Oliveira). Porto: Brasília Editora.
Melé, D. (2003). Cristãos na Sociedade. Introdução à Doutrina Social da
Igreja. Lisboa: Diel.
Paulo VI. (1967). Carta Enc. Populorum progressio (26 de maio de 1967),
15: AAS 59 (1967), 265.
Paulo VI. (1971). Carta Apostólica. Octogesima adveniens (14 de maio de
1971), AAS 63 (1971), 401-441.
Pio XI. (1931). Carta Enc. Quadragesimo anno. (15 de maio 1931). AAS
23 (1931), 199.

415
416
5. MOBBING, CLIMA E CULTURA

417
TÍTULO: Assédio moral no ensino superior: o caso português – resultados

preliminares

AUTOR(ES): Ana Teresa Verdasca

INSTITUIÇÃO: Universidade Técnica de Lisboa

A amostra é constituída por 1.182 respostas (tx de resposta de 25%,


aprox), sendo 57,30% do género feminino e 42,7% do género masculino. A
informação foi recolhida através das Universidades e Politécnicos dos principais
centros urbanos de Portugal (Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Évora, entre
outros).
Relativamente às Habilitações Literárias, 43,4% tem Doutoramento,
sendo a Categoria profissional mais representativa a de Professor Auxiliar
(36,2% do total). O escalão etário mais representado é entre 41 e 50 anos
(32,4% do total), seguido do escalão entre 31 e 40 anos (31,8%). No que se
refere ao vínculo laboral, 55,7% dos inquiridos tem vínculo definitivo (sem
termo) e 34,10% têm contrato a termo. Relativamente à distribuição sectorial,
77% pertencem ao sector público e 23% ao sector privado.
De acordo com uma definição fornecida aos inquiridos (critério
subjectivo), temos uma taxa de incidência de 5,9% de assédio moral de carácter
frequente, 24,1% de carácter ocasional. É ainda de referir que 70 % dos
inquiridos nunca foram alvo de assédio moral no seu local de trabalho, de acordo
com a definição apresentada.
De acordo com o método objectivo (lista de comportamentos NAQ-R
22 itens) existe uma taxa de incidência de 44,5% (assédio moral frequente),
49,1% de assédio ocasional e 6,4% nunca foram alvos de comportamentos de
assédio (o critério operacional utilizado foi de “pelo menos um comportamento”,
“pelo menos uma vez por semana” e uma duração de “últimos 12 meses”).
De entre o total de inquiridos 34,5% testemunhou situações de
assédio no seu local de trabalho, independentemente de ser alvo dos mesmos.
De entre os indivíduos actualmente alvos de assédio moral
frequente e ocasional (30% do total da amostra), 52,2% tinham sido alvos
de assédio na sua vida profissional anterior; mas somente 33,3%
abandonaram o seu local de trabalho. 76,2% dos indivíduos alvo de assédio
subjectivo testemunhou situações de assédio moral no seu local de trabalho.

418
Os comportamentos mais frequentemente encontrados foram:
“É exposto a uma carga de trabalho pesada ou impossível de gerir”
(40,7%, frequentemente);
“São-lhe atribuídas tarefas inferiores às suas competências profissionais”
(29,7%, frequentemente),
“São ignoradas as suas opiniões e pontos de vista” (27,25%,
frequentemente),
“São-lhe retiradas áreas de responsabilidade” (23,5%, frequentemente),
“É socialmente ignorado pelos seus colegas” (20,35%, frequentemente),
“São espalhados rumores e mexericos sobre si” (20%, frequentemente)
entre os principais comportamentos.
Relativamente ao Género, as mulheres têm, uma maior probabilidade de
serem alvo de assédio moral do que os homens (7,6% versus 3,5%, de assédio
moral frequente).
As classes etárias em que se verifica uma maior taxa de incidência é
entre < 30 anos (8,1%, assédio moral frequente), seguida da classe > 51 anos
(6,4%, assédio moral frequente).
O grupo de maior risco de ser alvo de assédio moral é o “Professores
associados com nomeação definitiva” (quer de assédio moral subjectivo, ou seja
de acordo com a definição, quer de assédio moral subjectivo).
Em 62% dos casos a vítima foi alvo dos comportamentos de
assédio de forma isolada e em 36% dos casos foi alvo de assédio
juntamente com o grupo de trabalho.
Em 40,7% dos casos de assédio frequente, existia apenas 1
agressores, em 16% dos casos 2 agressores, em 13,6% dos casos 3
agressores e em 30,2% dos casos 3 ou mais agressores.
Em 76% dos casos as vítimas foram alvo de assédio por parte de
um superior hierárquico.; em 15% dos casos foram alvo de assédio por parte
de colegas de trabalho. Em 9% dos casos a vítima foi alvo de assédio,
simultaneamente, por parte de colegas e superior hierárquico.
A duração da experiência de assédio foi superior a 5 anos em 26% dos
casos, seguida de uma duração inferior a 6 meses em 23% dos casos.

419
TÍTULO: Compliance sustentada com os prodedimentos de segurança

organizacional

AUTOR(ES): Cátia Cunha Vargas de Matos (ccunha@ispa.pt) e Teresa

D’Oliveira

INSTITUIÇÃO: ISPA – Instituto Universitário

O incumprimento das regras de segurança organizacional tem sido estudado na


literatura como sendo um dos principais fatores que influencia a ocorrência de
acidentes organizacionais. No entanto, o incumprimento, apesar de estar
amplamente associado aos fatores humanos (e.g., Reason, 1990), não resulta
da ação deliberada de um indivíduo para provocar dano mas sim de uma rede de
fatores que se associam e contribuem para a ocorrência dos acidentes. Hopkins
(2006) refere a necessidade de afastamento desta falácia de mono-causalidade e
alargar o espectro de investigação aos catalisadores organizacionais que
promovem o incumprimento e potencialmente os acidentes.
O presente trabalho pretende apresentar um contributo para a conceptualização
do incumprimento a um nível macro organizacional, baseando-se assim na
abordagem da literatura relativamente ao estudo e prevenção dos erros e dos
acidentes em local de trabalho, tentando fazer um paralelismo para o estudo e
prevenção do incumprimento.

1. Erro Humano
O erro humano tem sido um objeto de estudo importante para a área da
psicologia organizacional por diversas razões. A primeira é que os erros têm sido
considerados como a matéria-prima para a ocorrência de acidentes
organizacionais, para o aparecimento de problemas relacionados com a
qualidade do trabalho e a performance dos indivíduos e para a existência de um
mau clima de trabalho na organização (Rybowiak et al., 1999).
Na literatura tem sido possível identificar modelos que abordam o erro e
que o distinguem entre erro individual e erro organizacional (e.g., Reason, 1990;
Goodman et al., 2011). A abordagem de Reason (1990), centrada sobretudo nos
erros individuais, foca o facto de o erro acontecer quando o conjunto de ações
que foram planeadas para atingir um determinado objetivo falha. Esta falha

420
ocorre devido à má execução de uma determinada tarefa (“slips” e lapsos) ou ao
mau planeamento de uma ação (“mistakes”).
Goodman et al. (2011) focam a descentralização do estudo dos erros de
um nível de análise individual para uma lógica de reconhecimento de que
existem erros que são, inerentemente, organizacionais. Os autores referem que
os erros organizacionais resultam da ação de múltiplos participantes que se
desviam dos procedimentos, são provocados pelas condições organizacionais
(e.g., escassez de recursos humanos/técnicos, interrupções, estrutura do local
de trabalho, etc.) e podem ocorrer em diferentes níveis da organização.
A abordagem tradicionalista aos modelos do erro humano (e.g., Reason,
1990) tem focado as falhas no processamento de informação individual sem ter
em consideração que os fatores contextuais podem e, efetivamente, têm um
papel preponderante para a segurança organizacional. A abordagem de
Goodman et al. (2011) faz assim uma chamada de atenção para a necessidade
de estudar os erros não só a um nível individual mas, sobretudo a um nível
organizacional.

1.1. Medidas de prevenção do erro


Na literatura têm sido focadas essencialmente duas abordagens à
temática da prevenção do erro nas organizações. A primeira, denominada de
prevenção (e.g., Schulman, 2004), advoga a necessidade de os erros deverem
ser impedidos ou mesmo erradicados, sendo que um nível zero de tolerância é
um objetivo a atingir pelas organizações. Os procedimentos criados tendem a
prevenir ou mesmo evitar a existência de erros. A lógica é elaborar normas,
regras e procedimentos que balizem as atividades potencialmente perigosas dos
colaboradores e também permitir que as organizações as giram. Esta perspetiva
assume que a performance pode ser livre de erro ou melhor, assume que existe
compliance com as normas, regras e procedimentos. Se os indivíduos seguirem
os procedimentos, o erro organizacional pode ser prevenido.
Mais do que uma lógica de prevenção dos erros, as organizações devem
encontrar medidas de mitigação dos mesmos. A noção de que o erro não pode
ser erradicado de uma organização levou autores (e.g., Rybowiak et. al., 1999;
Sutcliffe & Vogus, 2003 cit. por Goodman et al., 2011) a aplicarem o conceito de
resiliência à gestão dos erros organizacionais. A resiliência define-se assim como
a capacidade da organização manter um ajustamento positivo face a situações
desafiantes. Para gerir o erro, a organização deve encontrar formas de fazer

421
uma gestão do mesmo, de o circunscrever ou conter à medida que ele ocorre
antes que os seus efeitos escalem e se ramifiquem pelos diferentes níveis
organizacionais.
Uma cultura de gestão do erro engloba um conjunto de práticas
organizacionais que estão relacionadas com a comunicação dos erros, partilha de
conhecimento acerca dos erros, ajuda em situações em que os erros aconteçam
e com a capacidade rápida de detetar e gerir os erros (van Dyck et al., 2005).

2. Acidentes
A inevitável consequência do incumprimento para as organizações são os
acidentes. Reason (1998) fez a distinção entre acidentes individuais e acidentes
organizacionais. Os acidentes individuais são aqueles em que uma pessoa ou um
grupo específico são simultaneamente os agentes e as vítimas, os danos podem
ser elevados mas são circunscritos. Este tipo de acidentes é mais frequente, as
suas consequências são limitadas, as defesas contra eles são poucas ou
inexistentes, as causas são limitadas, são provocados pelos “slips”, “mistakes” e
lapsos e têm uma história curta. Acontecem em circunstâncias em que os riscos
estão presentes no contexto e as barreiras/defesas são limitadas ou inexistentes.
Já os acidentes organizacionais ocorrem nos sistemas complexos,
nomeadamente em organizações que operam em ambientes de elevado risco,
têm múltiplas causas e envolvem múltiplas pessoas que operam em diferentes
níveis dentro da organização, são raros mas têm consequências adversas, que
normalmente afetam populações, bens e o meio envolvente. São um produto
das inovações tecnológicas que, inevitavelmente, alteraram o interface homem-
sistema. Este tipo de acidentes acontece em sistemas onde existem barreiras
bem definidas – medidas de prevenção que são diversas e redundantes.
Para um acidente acontecer, é necessário que exista uma combinação
pouco provável de diversos fatores que penetram nas diferentes barreiras de
proteção e permitam uma trajetória favorável ao acidente. As barreiras de
proteção contra os acidentes reduzem substancialmente a probabilidade de um
acidente grave mas também transformam todo o sistema numa entidade pouco
clara para as pessoas que o operam (Rasmussen, 1993 cit. por Reason, 1998).
Esta complexidade dos sistemas técnicos e o insuficiente conhecimento que os
operacionais revelam dos sistemas como um todo, pode conduzir à acumulação
de falhas latentes que enfraquecem as barreiras.

422
Reason (1998) referiu que apenas a cultura tem a capacidade para
chegar a todas as partes de uma organização. Uma cultura de segurança pobre
aumenta o número de fragilidades nas barreiras de segurança, devido às falhas
ativas. Os erros realizados nos primeiros níveis de operação são mais prováveis
em organizações que não estão preocupadas com as condições de trabalho que
potenciam os “slips”, lapsos e “mistakes” das equipas e dos indivíduos. Estão
aqui incluídos fatores como formação inadequada, comunicação fraca, maus
procedimentos e deficiências no design do interface homem-sistema. Uma
cultura de segurança pobre encorajará uma atmosfera de non-compliance com
os procedimentos de segurança, as violações serão mais prováveis em
organizações onde as atitudes não-verbais e as crenças definam uma cultura
mais preocupada com a produção e com os objetivos comerciais do que com os
temas da segurança. Uma incapacidade para reconhecer a completa abrangência
dos perigos operacionais também conduz ao surgimento de mais lacunas nas
barreiras de proteção.
Um dos mais importantes efeitos de uma cultura de segurança pobre é a
incapacidade de se lidar de uma forma proactiva com as deficiências, que são
conhecidas, nas barreiras de proteção. A história dos acidentes é rica em
exemplos de negligência por parte do management ou de adiamento da
erradicação das deficiências nas barreiras de proteção.
A trajetória de um acidente só pode incidir nos diversos buracos e lacunas
quando estes se alinham de forma a criar uma via de oportunidade. Tal co-
linearidade é rara por causa das múltiplas barreiras de proteção que existem e
do movimento contínuo dos buracos mas a cultura tem um efeito penetrante
bastante forte que não só permite que os buracos e as deficiências se criem mas
também, e mais importante, que nenhuma ação corretiva seja feita (Reason,
1998).
Deste modo, é importante considerar que o comportamento individual é o
último elo numa cadeia de eventos organizacionais e não necessariamente o
mais adequado quando nos queremos concentrar na prevenção dos acidentes.
Os atos não seguros são apenas a primeira metade dos catalisadores para um
acidente, as condições organizacionais não seguras e uma cultura de segurança
fraca representam a outra metade (Hopkins, 2006).

2.1. Medidas de prevenção dos acidentes

423
As análises aos acidentes revelam que a sua origem esteve numa
tentativa dos indivíduos de resolver os conflitos existentes entre os objetivos de
produção e os objetivos de segurança organizacional. Os “drivers” culturais –
pressão de tempo, política de redução de custos, indiferença relativamente aos
riscos e a necessidade de ganhar vantagem competitiva no mercado, atuam de
forma a conduzir as pessoas na trajetória dos erros e consequentemente dos
acidentes (Reason, 1998). Desta forma, será necessário prevenir os acidentes
recorrendo ao desenvolvimento de uma cultura de segurança efetiva assente,
segundo Reason (1998), em cinco pilares fundamentais: a informação, o
reporte dos erros, a não culpabilização e a existência de uma estrutura
organizacional flexível que incorpore a componente de aprendizagem como
catalisador de mudança.
As abordagens recentes à prevenção dos acidentes consideram sobretudo
os acidentes como um fenómeno que emerge num sistema complexo onde a
performance dos indivíduos é vista como oscilante, devido à variabilidade do
ambiente e dos sistemas. A abordagem sistémica aos acidentes (Hollnagel,
2006) adota um ponto de vista a partir do qual a resiliência é considerada como
a capacidade da organização se ajustar de uma forma eficiente a influências
prejudiciais em vez de as evitar ou lhes resistir. A segurança poderá ficar afetada
não porque algo falhou mas sim porque os ajustamentos do sistema são
insuficientes ou inapropriados. A falha é encarada como o lado contrário do
sucesso, e por isso, um fenómeno normal.
Os processos de trabalho ou as pessoas não escolhem falhar, mas a
probabilidade das falhas aumenta com as pressões para a produção, quando
estas não permitem que exista tempo e esforço para desenvolver e manter as
medidas necessárias para permitir que as falhas estejam afastadas (Woods &
Hollnagel, 2005 cit. por Hollnagel, 2006). A falha individual ou de performance
representa a incapacidade temporária de lidar efetivamente com a
complexidade. O sucesso acontece em organizações, grupos e em indivíduos que
são resilientes, no sentido em que reconhecem, adaptam-se e absorvem as
variações, mudanças e disrupções que os sistemas não têm capacidade para
lidar. A abordagem proposta por Woods e Hollnagel (2005) citados por Hollnagel
(2006) é tal que a segurança é criada através de processos de resiliência
proactivos em vez de barreiras reativas e de defesas que podem ser
corrompidas.

424
Esta abordagem da literatura sobre erros e acidentes individuais e erros
organizacionais está na base da conceptualização das seguintes proposições:

Proposição 1: Estudo e prevenção do incumprimento à semelhança do


estudo e prevenção dos erros e dos acidentes
A literatura tem focado os aspetos individuais para o incumprimento com
os procedimentos de segurança organizacional (e.g., Reason, 1990; Lawton,
1998; English & Branaghan, 2012). Apesar do incumprimento das regras ocorrer
num contexto social que está regulamentado e poder ser imputado ao desvio de
um indivíduo, importa considerar que existem fatores organizacionais que
funcionam como catalisadores para o incumprimento.
A um nível metodológico é necessário, à semelhança do que tem vindo a
ser proposto para a área dos erros e acidentes, conhecer se a cultura
organizacional promove um clima de incumprimento onde os indivíduos
percecionem que a rotina face a determinadas regras é de facto a sua violação.
Importa desenvolver uma lógica de práticas organizacionais, que à semelhança
da abordagem da gestão do erro e da resiliência, mitiguem o incumprimento.

Proposição 2: Diferenciar incumprimento individual e incumprimento


organizacional
É possível diferenciar variáveis de nível individual e organizacional para a
ocorrência dos erros e acidentes. Sendo possível, ao nível individual, identificar
algumas das variáveis responsáveis pelo incumprimento (e.g., violações), existe
a necessidade de conhecer também os fatores macro envolvidos neste
comportamento para se poderem desenvolver estratégias de intervenção
ajustadas.

Referências
English, D., & Branaghan, R. J. (2012). An empirically derived taxonomy
of pilot violation behavior. Safety Science, 50, 199-209.
Goodman, P., Ramanujam, R., Carroll, J., Edmondson, A., Hofmann, D., &
Sutcliffe, K. (2011). Organizational errors: Directions for future research.
Research in Organizational Behavior, 31, 151-176.
Hollnagel, E., (2006). Resilience: The challenge of the unstable. In
Hollnagel, E., Woods, D.D., & Levenson, N. (Eds.) Resilience Engineering:
Concepts and Precepts (pp. 9-19). Aldershot: Ashgate.

425
Hopkins, A. (2006). What are we make of safe behavior programs? Safety
Science, 44, 583-597.
Lawton, R. (1998). Not working to rule: Understanding procedural rule
violations at work. Safety Science, 28 (2), 77-95.
Reason, J. (1990). Human Error. Cambridge University Press
Reason, J. (1998). Achieving a safe culture: theory and practice. Work &
Stress, 12(3), 293-306.
Rybowiak, V., Garst, H., Frese, M., & Batinic, B. (1999). Error Orientation
Questionnaire (EOQ): reliability, validity and different language equivalence.
Journal of Organizational Behavior, 20, 527-547.
Shulman, P. R. (2004). General attributes of safe organizations. Quality
and Safety in Health Care, 13 (Suppl. II), ii39-ii44.
Van Dyck, C., Frese, M., Baer, M., & Sonnentag, S. (2005). Organizational
error management culture and its impact on performance: A two-study
replication. Journal of Applied Psychology, 90(6), 1228-1240.

426
TÍTULO: Análise da relação entre a perceção de justiça organizacional e o

burnout em professores do ensino superior

AUTOR(ES): Gertrudes Barradas (mariagbarradas@gmail.com) e Anabela

Gomes Correia (anabela.correia@esce.ips.pt)

INSTITUIÇÃO: Instituto Politécnico de Setúbal; Escola Superior de

Ciências Empresariais – Universidade de Aveiro

Resumo
O principal objetivo deste estudo foi analisar a relação entre a perceção
de justiça e o burnout em professores do ensino superior. A justiça
organizacional foi definida de acordo com cinco dimensões: interpessoal,
informacional, procedimental, distributiva das recompensas e distributiva das
tarefas. O burnout foi definido de acordo com três dimensões: exaustão
emocional, despersonalização e realização pessoal. A amostra deste estudo é
constituída por 120 professores do ensino superior. Foram utilizados como
instrumentos o MBI – Maslach Burnout Inventory (Maslach and Jackson, 1997) e
a Escala de Perceção de Justiça Organizacional (Rego, 2001). Verificamos que os
professores apresentam níveis mais baixos relativamente à justiça procedimental
e à justiça distributiva das recompensas. Quanto ao nível do burnout este grupo
profissional apresenta níveis médios de exaustão emocional e baixos de
despersonalização e de falta de realização pessoal. Em relação à associação
entre a justiça organizacional e o burnout constatamos que a justiça na
distribuição das tarefas se associa negativamente com a exaustão emocional e a
justiça distributiva das recompensas está mais associada com a falta de
realização pessoal. Os professores ao percecionarem a ausência de justiça na
distribuição de tarefas sentem mais exaustão emocional; no que respeita à
realização pessoal esta está relacionada com a pecepção de justiça na
distribuição de recompensas. Concluímos que, entre as subescalas de justiça
organizacional, a justiça distributiva é a única escala preditora do burnout. Os
resultados obtidos são discutidos no contexto da melhoria do ensino superior.

Palavras-chave: justiça organizacional; burnout; qualidade no ensino superior.

427
Abstract
The aim of the present study was to analyse the relationship between the
organizational justice perceptions and burnout among teachers working in higher
education. The organizational justice was defined according to five dimensions:
interpersonal, informational, procedural, rewards distributive and tasks
distributive. The burnout was defined as a syndrome with three components:
emotional exhaustion, depersonalization and personal accomplishment. Data was
collected using two questionnaires including Organizational Justice Perception
Scale - Rego (2001) and Maslach Burnout Inventory - Maslach (1997). The
sample consists of 120 from a higher education institution (college). We
analysed the relationship between the perception of justice and burnout, from
hierarchical regression. Results reveal that teachers perceived low levels of
procedural and rewards distributive justice. Regarding the level of burnout this
professional group presents moderate levels of emotional exhaustion, low levels
of depersonalization and high levels of personal accomplishment. A significant
negative association between the subscale of tasks distributive justice and
emotional exhaustion and also an association between the subscale of rewards
distributive justice and personal accomplishment was found. It can be concluded
that the perception of injustice in the form of resource distribution justice may
lead to exhaustion and to the lack of personal fulfillment for these teachers. In
addition, among the subscales of organizational justice, distributive justice was
the only that can be considered as a predictor of burnout. The results are
discussed in the context of improving higher education.

Keywords: organizational justice; burnout; quality of higher education

INTRODUÇÃO
A forma como as pessoas são geridas nas organizações influencia o
desenvolvimento da perceção de justiça na organização. De acordo com Rego
(2001a) quando uma pessoa perceciona os resultados como injustos, esta tende
a desenvolver atitudes e comportamentos negativos como insatisfação, baixo
desempenho e absentismo.
Por outro lado, as exigências e os desafios atuais que a evolução dos
mercados coloca sobre as organizações, levam a que os seus trabalhadores se
deparem com situações que geram stress, tensão e insegurança na capacidade
para responder aos desafios. Expostos a tais tensões durante um determinado

428
período de tempo os colaboradores podem desenvolver o burnout. As
consequências refletem-se a nível individual, social e organizacional. O burnout
instala-se de forma lenta e gradual, traduzindo-se por uma diminuição
acentuada de rendimento no trabalho, perturbação na relação com os outros e
no aumento do absentismo.
A prevenção do sentimento de injustiça que pode levar à síndrome de
burnout passará pela alteração da perceção de justiça organizacional dos
trabalhadores e consequentemente levará à diminuição do stress percebido
(Almeida et al., 2006). A perceção adequada de justiça organizacional é muito
importante para a existência de um ambiente produtivo e saudável nas
organizações. A perceção de ausência de justiça pode ser percebida como um
elemento stressante pelos trabalhadores. Os estudos realizados sobre as
consequências da falta de justiça e do burnout, particularmente em
organizações, revelam que estes afetam a produtividade dos trabalhadores
(Greenberg, 1990).
Neste estudo procurou-se estudar as implicações da perceção de justiça
organizacional e a emergência do burnout nos professores do ensino superior.
Foram escolhidos os professores do ensino superior como alvo de estudo, uma
vez que pertencem a um grupo de profissionais que estão sujeitos a níveis
elevados de stress, sobretudo devido à rápida transformação do contexto social
nos últimos anos, que tem gerado um aumento de responsabilidades e
exigências sobre estes (Carlotto, 2004). Por outro lado existem muitos estudos
sobre o desenvolvimento do burnout em diferentes profissões mas existem
poucos para descrever o desenvolvimento do burnout nos professores do ensino
superior (Rush, 2003; Lackritz, 2004). A escolha da justiça organizacional
deveu-se ao facto de ser uma variável de grande importância na organização e
de não existirem muitos estudos que a associam com o burnout. Na literatura
muitos autores recomendam o estudo do burnout com variáveis que não tenham
sido muito estudadas a fim de ampliar a base de conhecimentos (Maslach,
Schaufeli e Leiter, 2001; Rush, 2003). Apesar dos professores do ensino superior
constituírem a nossa amostra tentámos adicionar conhecimento ao já existente
sobre a relação entre a perceção de justiça e o burnout, podendo ser uma mais
valia para outros investigadores, mas também para os gestores que tenham
interesse em conhecer as relações entre esses dois fenómenos tão relevantes
para o mundo organizacional.

429
Justiça Organizacional
Greenberg (1990) refere que a justiça organizacional é a perceção que os
indivíduos têm da justiça sobre as práticas organizacionais. Um ambiente justo e
saudável é imprescindível para o bem-estar e bom funcionamento dos processos
organizacionais. A temática da justiça organizacional é uma das preocupações
fundamentais da sociedade e tem sido um dos tópicos mais investigados nas
últimas décadas, especialmente nas áreas da psicologia organizacional, na
gestão de recursos humanos e no comportamento organizacional (Cropanzano e
Greenberg, 1997). Estando profundamente impregnada na vida social e na vida
organizacional, não surpreende que a justiça possa desempenhar um papel
essencial no funcionamento eficaz das organizações, assim como na satisfação
dos membros que nela trabalham (Greenberg, 1990; Cropanzano e Greenberg,
1997; Kim e Mouborgne, 1997; Rego, 2000).
Os estudos sobre o conceito de justiça foram iniciados por Homans, em
1961, embora se deva à teoria da (in)equidade de Adams, na década de 60, a
transposição do mesmo para o domínio organizacional. Foram os seus estudos
que tiveram como ponto inicial a teoria da equidade, um dos modelos teóricos da
abordagem de justiça distributiva, que foca principalmente a distribuição de
resultados e recompensas e a forma como o indivíduo percebe a proporção entre
o seu investimento e as recompensas recebidas. Foi o conceito de justiça
distributiva que, especialmente nos anos 60 e 70, recebeu a maior atenção e
serviu de guia aos investigadores organizacionais interessados nas questões de
justiça (Austin e Walster, 1974; Rego 2000; Colquitt, et al. 2001). No entanto, a
teoria da equidade e outros modelos de justiça distributiva não conseguiram
explicar completamente as reações das pessoas à ausência de justiça, porque só
consideravam como único causador das reações negativas os fatores
relacionados com a distribuição das recompensas. Surge então a abordagem da
justiça procedimental em meados dos anos 70 (Greenberg, 1990). A partir da
década de 80, os estudos sobre justiça organizacional tendem a sugerir a
existência de três dimensões de justiça, originalmente propostas por os
seguintes autores: distributiva equitativa de Adams (1965); procedimental de
Thibaut e Walker (1975); e interaccional de Bies e Moag (1986), citado por Rego
(2002). Greenberg (1990) foi o primeiro a fazer alusão a quatro dimensões de
justiça, propondo dividir a justiça interaccional em duas novas formas:
interpessoal e informacional. No entanto, não tem havido consenso acerca desta

430
temática, porque tanto existem referências a três dimensões de justiça, como
alusões a quatro dimensões.
A justiça distributiva diz respeito ao conteúdo, à justiça dos resultados e
aos fins alcançados ou obtidos, como por exemplo, quantidade de trabalho,
horários de trabalho, salários, bónus, classificações obtidas nas avaliações de
desempenho, sanções disciplinares, promoções, entre outros (Austin e Walster,
1974; Rego, 2000; Colquitt, et al. 2001). Assim, a justiça distributiva refere-se à
justiça ou à igualdade de distribuição dos recursos e resultados. Rego (2001a;
2001b) num estudo efetuado com professores do ensino superior verificou a
existência de cinco dimensões de justiça. Para além da justiça procedimental a
vertente distributiva foi dividida em duas facetas, designadamente a distributiva
das tarefas e distributiva das recompensas salariais, enquanto a justiça
interaccional surgiu dividida em social/interpessoal e informacional. Neste estudo
a justiça distributiva das recompensas refere-se à estrutura salarial e a justiça
distributiva das tarefas à distribuição do serviço docente.
A justiça procedimental tem a ver com o processo de distribuição de
recursos e recompensas, ou seja, trata-se do processo pelo qual os fins são
alcançados, como por exemplo, os procedimentos usados nos acréscimos
salariais, processos disciplinares, sistemas de avaliação de desempenho,
processos de recrutamento e seleção (Rego 2000). Refere-se à oportunidade de
as pessoas expressarem suas ideias e opiniões no processo decisório, de modo a
influenciar os resultados (Rego, 2001a; Rego, 2002; Almeida et al. 2006;
Escofet, 2009).
A justiça interaccional refere-se aos aspetos sociais envolvidos nas relações
entre pessoas que decidem e as pessoas afetas pelas decisões. Focaliza-se na
importância da qualidade do tratamento interpessoal que os indivíduos recebem
quando os procedimentos são implementados e após essa mesma
implementação. Reflete a qualidade da interação, se o decisor procede com
respeito e fornece justificações às pessoas afetadas pelas decisões, se é sensível
às suas necessidades pessoais, se considera os seus direitos, entre outros
(Colquitt, et al. 2001; Rego, 2001a). Greenberg (1990) refere que a justiça
interaccional repercute aspetos procedimentais e distributivos. Deste modo este
autor considera duas novas dimensões de justiça, nomeadamente a justiça
interaccional social/interpessoal e a justiça interaccional informacional. A justiça
interaccional social/interpessoal é caracterizada pelo grau em que o
superior/gestor adota um tratamento respeitador para com os seus

431
trabalhadores. Quando esse tratamento ocorre, as perceções de justiça são
incrementadas, o grau de aceitação das decisões aumenta e várias reações
positivas emergem. (Rego, 2000; Rego, 2001b; Colquitt et al. 2001; Rego,
2002). A justiça interaccional informacional centra-se no grau em que o superior
fornece informações e a explicação/justificação das decisões acerca das decisões
tomadas que afetam os trabalhadores. A sua relevância advém do facto de os
empregados esperarem que os seus superiores lhes prestem explicações para as
suas decisões, particularmente quando os resultados são desfavoráveis. Os
diversos estudos têm demonstrado que quando há explicações/justificações por
parte dos superiores, as reações negativas das pessoas são suavizadas
relativamente às perceções de injustiça dos resultados (Cropanzano e
Greenberg, 1997; Colquitt et al. 2001; Rego, 2001a; Rego, 2002).
É inquestionável que as pessoas reagem aos sentimentos de (in)justiça.
Muitas organizações em várias partes do mundo tomam o assunto relevante e
traduzem-no em políticas e práticas organizacionais com sucesso. Estudos sobre
a justiça organizacional vêm demonstrando, de forma inequívoca, que os
trabalhadores são sensíveis à justiça organizacional em diversas matérias e
ocorrências (Rego, 2000). O conceito de justiça é um fenómeno complexo e tem
sido interpretado de diferentes formas, pelo que o conceito de justiça
organizacional deve ser analisado e estudado de maneira cuidada. É usado no
ambiente organizacional e possui influência determinante nas atitudes e
comportamentos gerados em ambientes de trabalho (Pourezzat e Someh, 2009).
A perceção de justiça organizacional é necessária para a eficiência da
performance na satisfação pessoal nas organizações. Além disso, este conceito é
considerado um fator importante para manutenção do equilíbrio do
comportamento e saúde organizacional. As injustiças presentes no local de
trabalho afetam, de maneira negativa, o comportamento dos trabalhadores,
podendo diminuir a satisfação e o desempenho, assim como desenvolver
sentimentos negativos em relação à organização, afetando, muitas das vezes, a
própria saúde do indivíduo. Tem sido demonstrado que as perceções de justiça
relativamente a decisões organizacionais, têm implicações para o indivíduo, mas
também ao nível do funcionamento das organizações, na medida em que afetam
emoções, atitudes e comportamentos. Sendo importante não só conhecer as
consequências da perceção de (in)justiça nas organizações, como também
identificar o que provoca sentimentos de injustiça e quais as formas de reposição
da justiça (Rego, 2000).

432
Burnout
O conceito de burnout surge com Freudenberg, na década de 70, como
característica das “profissões de ajuda”, aquelas em que o indivíduo “trabalha
com pessoas”, como são por exemplo os profissionais da saúde (médicos,
enfermeiros) e os profissionais do ensino (professores). Desde Freudenberg um
grande número de definições foram propostas mas a definição mais
referenciada para o conceito de burnout, parece ser a de Maslash e Jackson
(1982), que o definem como um cansaço emocional, levando a uma perda de
motivação, que pode evoluir até sentimentos de inadequação e fracasso. De
acordo com o modelo multidimensional de Maslach e Jackson (1981, citados por
Correia, 1997; 1999) existem três dimensões no burnout: exaustão emocional,
despersonalização e falta de realização pessoal. A exaustão emocional refere-se
à falta de recursos emocionais e ao sentimento de que nada se tem para
oferecer à outra pessoa, a despersonalização ao desenvolvimento de atitudes
negativas e insensíveis para com as pessoas do trabalho (por exemplo: colegas,
clientes, alunos, doentes, etc.) e a falta de realização pessoal é perceção da
impossibilidade de realização pessoal no trabalho, o que provoca uma diminuição
das expectativas pessoais, implicando uma autoavaliação negativa, onde se
inclui a não aceitação de si próprio, assim como sentimentos de fracasso e baixa
autoestima. Na década de 80 o burnout foi estudado em diferentes atividades,
tais como: serviços humanos, Cherniss (1980); ensino, Cedoline (1982);
enfermagem, McConnell (1982); e na medicina, Wessells, et al., (1989), citado
por Skovholt (2001). Schaufeli, Leiter e Maslach (2009) referem que atualmente,
existem mais de 6000 livros, dissertações, capítulos, revistas e artigos
publicados sobre o burnout. Para Gil-Monte e Peiró (1997), o grande interesse
pela investigação do burnout reside na preocupação das organizações de
serviços desejarem simultaneamente prestar serviços de qualidade, bem-estar
psicológico e qualidade de vida laboral, sendo igualmente produtivas.
Vários estudos foram efetuados para identificar as causas do burnout. Os
resultados obtidos nestes estudos, mostraram que as correlações entre o
burnout e os fatores individuais como a personalidade, são menos significativos
que as correlações do burnout com as caratecterísticas organizacionais. Maslach
e Leiter (1999) referem, como causas principais de burnout, a sobrecarga de
trabalho, autonomia, recursos insuficientes, falta de suporte dos superiores
hierárquicos, ausência de justiça e de equidade, desenvolvimento da carreira

433
profissional, as recompensas, falta de espírito de equipa, clima organizacional,
entre outros, levando a que as organizações paguem um elevado preço pelo
burnout, através do aumento do absentismo, da perda de produtividade e da
pobre qualidade de serviço. Para Serra (1999) a personalidade influência não só
as manifestações de burnout, mas também a predisposição para que o mesmo
se manifeste.
O burnout é sem dúvida um dos grandes problemas psicossociais atuais,
que afeta profissionais de diversas áreas, despertando interesse e preocupação,
não só por parte da comunidade científica internacional, mas também pelas
entidades governamentais e empresariais, educacionais e sindicais. Estas
preocupações devem-se ao facto do sofrimento do indivíduo acarretar
consequências para o seu estado de saúde e desempenho, visto que passam a
existir alterações pessoais e organizacionais que causam problemas sociais e
económicos (Ferenhof et al. 2002). Em relação às consequências do burnout este
é considerado um custo organizacional, devido à rotatividade de pessoas,
absentismo, problemas de produtividade e qualidade do serviço prestado
(Maslach e Jackson (1981); Jackson, Schwab e Schuler (1986); Rush, 2003;
Lacktriz, 2004).
Atualmente, o burnout entre os profissionais do ensino é já superior ao dos
profissionais de saúde, sendo esta área profissional mais vulnerável e de maior
risco. O ensino é uma das profissões considerada de elevado níveis de stress e
burnout, porque exige maior contacto com os outros na sua atividade
profissional (Carlotto, 2002). Rush (2003) refere que as consequências desta
síndrome afetam não só os professores, como todo o desempenho das
instituições do ensino superior repercutindo-se na aprendizagem dos alunos.
Em Portugal, os estudos de Marques (2011) e Martins (2008) evidenciam
níveis de incidência desta síndrome nos professores do pré-escolar, do ensino
básico e do ensino secundário. Em Portugal nos últimos 40 anos, as
transformações sociais, políticas, económicas e tecnológicas provocaram
profundas mudanças ao nível do sistema educativo. A partir de 1970, no campo
da educação assiste-se à democratização do ensino e ao grande crescimento do
número de estudantes e docentes, ao mesmo tempo, começaram a ganhar
forma novos indicadores e manifestações de mal-estar e insatisfação no corpo
docente (Nóvoa, 1991). A partir de 1990 surge a discussão de um espaço
europeu de ensino superior que abriu o caminho para a Declaração de Bolonha,
representando uma mudança na organização universitária e exigindo capacidade

434
de adaptação de todos os agentes (alunos e professores). Os problemas que
acompanham estas mudanças, nomeadamente, o debate sobre a autonomia das
universidades, o regime jurídico do desenvolvimento e da qualidade do ensino
superior, o regime jurídico das instituições de ensino superior e, de igual modo,
a recessão económico-social e a diminuição exponencial do número de alunos,
constituem fatores que potencializam, nos docentes, indicadores de mal-estar,
insatisfação, falta de comprometimento com a organização, perceção de falta de
justiça, stress, desgaste emocional e baixa autoestima no seio da comunidade
docente do ensino superior. A atitude docente entendida, em tempos passados,
como uma profissão vocacional de grande satisfação pessoal e profissional tem
dado lugar à redução da amplitude de atuação do trabalho docente. (Borges e
Daniel, 2009). Os indicadores de stress frequentemente associados a esta
problemática revelam-se através da diminuição do prestígio social, a falta de
apoio dos colegas, a indefinição de tarefas, a massificação, uma carreira docente
interminável pelas investigações, incerteza no financiamento e continuidade de
projetos de investigação; meios materiais e recursos económicos escassos e
inexistentes, publicações, etc. (Barona et al. 2002).
O objetivo deste estudo é analisar a relação entre a perceção de justiça
organizacional e o burnout em professores do ensino superior. Especificamente,
este estudo pretende conhecer a perceção dos professores do ensino superior
em relação à justiça organizacional; verificar se os professores apresentam a
síndrome de burnout; e analisar se a perceção de justiça está associada ao
desenvolvimento do burnout.

METODOLOGIA
Amostra
A organização que vai ser objeto de estudo é uma instituição de ensino
superior público, que se situa na região de Lisboa. Para a realização deste estudo
considerámos todos os professores das cinco escolas da instituição. De entre os
580 professores a exercer funções na organização, obtivemos uma taxa de
resposta de 21%, correspondente a 120 docentes, que constituem a amostra do
nosso estudo. Destes 58% são homens e 42% são mulheres. 67% têm entre 30
a 49 anos. 55% são casados. Quanto ao vículo laboral 53% estão a contrato e
43% estão efetivos. 56% dos professores estão na Instituição há mais de 10
anos. Relativamente às habilitações literárias, 51% detém um mestrado e 30%
um doutoramento.

435
Procedimentos
Os questionários foram enviados via e-mail. A amostra foi do tipo
voluntário, sendo garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados
obtidos. A recolha de dados foi realizada no período de abril a maio de 2011.

Instrumentos
Utilizámos neste estudo os seguintes instrumentos:
Escala de Perceção de Justiça Organizacional
A perceção de justiça organizacional foi avaliada através da Escala de
Perceção de Justiça Organizacional desenvolvida por Rego (2001). Esta escala foi
validada pelo autor em amostras com professores portugueses do ensino
superior politécnico e universitário. A escala é composta por 17 itens, cuja
frequência é medida numa escala de Likert de 6 pontos, que varia entre 1 e 6,
em que o valor mais baixo corresponde a “é completamente falsa” e o valor mais
alto a “completamente verdadeira”. A escala avalia a perceção de justiça
organizacional nos professores, considerando cinco dimensões: justiça
interpessoal; justiça informacional; justiça procedimental; justiça distributiva das
recompensas; e justiça distributiva das tarefas.
A justiça interpessoal é representada por três itens que visam avaliar a
perceção dos trabalhadores sobre a forma como são tratados pelos seus
superiores. A justiça informacional consiste de três itens tendo em vista avaliar
se os professores percecionam as informações e explicações dadas pelos seus
superiores, acerca das decisões tomadas que os afetam. A justiça procedimental
é representada por três itens que visam avaliar o processo de distribuição dos
recursos e recompensas, referindo-se ao processo pelo qual os fins são
alcançados. A justiça distributiva das recompensas é representada por cinco
itens sendo utilizada para avaliar as perceções que os docentes têm sobre as
recompensas que sentem que deveriam receber. A justiça distributiva das
tarefas é avaliada através de três itens e visa avaliar as perceções que os
docentes têm sobre como é feito o processo que determina a distribuição das
tarefas.
Com o intuito de averiguar o surgimento ou não de alterações ao nível da
consistência interna entre os itens recorreu-se à análise da consistência interna
através do método de cálculo de Alfa de Cronbach. Verificámos que a escala
possui uma boa consistência interna, atendendo ao valor obtido do Alfa de

436
Cronbach de 0,93. No Quadro 1 apresentamos os coeficientes de fidelidade
encontrados no nosso estudo e no estudo realizado com uma amostra de
professores portugueses (Rego,2001).

Quadro 1 – Coeficientes de Consistência Interna da Escala de Perceção de Justiça


Organizacional
Alfa de Cronbach`s
Subescala (Rego Estudo
(2001)
Justiça Organizacional

Justiça 0,92
0,89
interpessoal
Justiça 0,91
0,85
informacional
Justiça 0,87
0,83
procedimental
Distributiva das 0,95
0,95
recompensas
Distributiva das 0,63
0,73
tarefas

Verificamos que as subescalas da justiça interpessoal, informacional,


procedimental e distributiva das recompensas são mais consistentes do que a
subescala da distribuição das tarefas. No entanto, se retirarmos o item 17, a
fidelidade desta última subescala aumenta para um valor mais consistente
(0.78). Porém, decidiu-se não retirar este item, pois as alterações que ocorrem
não são muito significativas e a consistência interna entre os itens nas outras
subescalas diminui. Podemos considerar que os valores obtidos por nós para a
fidelidade, são semelhantes aos encontrados no estudo de Rego (2001). No
sentido de analisar a adequação da amostra realizou-se a estatística Kaiser-
Maiyer-Olkin (KMO), cujo valor foi de .83, o que permite concluir que a amostra
é adequada. Concluímos em relação às qualidades métricas da escala que os
resultados apontam no sentido da existência de qualidades psicométricas
aceitáveis, tanto no que respeita à fidelidade como à validade.

Maslach Burnout Inventory - MBI


A escala utilizada para avaliar o burnout foi o Maslach Burnout Inventory
(MBI), criada por Maslach e Jackson (1997). Neste estudo foi utilizada a
tradução portuguesa do MBI, que foi utilizada num estudo específico com uma
amostra de professores (Martins, 2008). Foi usada a versão que pode ser
dirigida a qualquer profissão e não a versão dirigida a professores, por
querermos avaliar o sentimento dos professores em relação aos outros em geral
e não apenas em relação aos seus alunos. A escala que é constituída por 22

437
itens, que visam avaliar estados de sentimentos relatados no trabalho. Em cada
afirmação o respondente tem que assinalar a frequência com que vive ou sente
várias situações descritas, numa escala de Likert de 7 pontos, que varia entre 0
(“nunca”) e 6 (“todos os dias”). Procedeu-se à análise da da consistência interna
da escala Maslach Burnout Inventory, utilizada para a avaliação do burnout,
através do Alfa de Cronbach. Pode-se afirmar que a escala no global possui uma
consistência aceitável de 0.76. No Quadro 2 apresentamos os valores obtidos em
cada uma das dimensões.

Quadro 2 – Coeficientes de Consistência Interna da Escala MBI


Alfa de Cronbach`s
Subescala Amostra Amostra Estudo
Americana Portuguesa
Maslach e Martins
Jackson (1997) (2008)
Exaustão 0,90 0,86 0,87
Emocional
MBI

Despersonalização 0,79 0,62 0,68


Realização 0,71 0,77 0,69
Pessoal

Em relação ao nosso estudo e comparando os coeficientes de fidelidade


encontrados tanto no estudo original, como num estudo realizado com uma
amostra portuguesa de professores do ensino público do pré-escolar até ao
ensino secundário (Martins, 2008), verifica-se que os valores relativos à
dimensão de exaustão emocional foram muito semelhantes. Quanto às escalas
de despersonalização e falta de realização pessoal, os valores obtidos são
inferiores aos constatados nos estudos de Maslach e Jackson (1997). No sentido
de analisar a adequação da amostra realizou-se a estatística Kaiser-Maiyer-Olkin
(KMO), cujo valor foi de 0,83, o que permite concluir que a amostra é adequada.
Concluímos em relação às qualidades métricas da escala Maslach Burnout
Inventor, que os resultados obtidos por nós são aceitáveis, mas não ideais.

RESULTADOS
Análise da Perceção de Justiça Organizacional
Os dados descritivos das dimensões de justiça organizacional
(interpessoal, informacional, processual, distributiva das recompensas e
distributiva das tarefas) são analisados de forma a obtermos as médias para
cada subescala, como se pode observar no Quadro 3.

438
Quadro 3 – Análise da Perceção de Justiça Organizacional
Desvio
Escala Média
Padrão
Justiça Interpessoal 4,42 1,18
Justiça
4,03 1,24
Informacional
Justiça
3,68 1,19
Procedimental
Justiça Distributiva
3,95 1,14
das Recompensas
Justiça Distributiva
4,59 0,94
das Tarefas

Os resultados obtidos demonstram que os professores sentem mais


justiça relativamente nas dimensões de justiça das tarefas (M=4,59; Dp=1),
justiça interpessoal (M=4,42; Dp=1,18) e justiça informacional (M=4,03;
Dp=1,24). Por outro lado, sentem-se mais injustiçados no que concerne às
dimensões de justiça procedimental (M=3,68; Dp=1,19) e justiça distributiva
das recompensas (M=3,95; Dp=1,14).
Verificámos ainda que os itens “as decisões são tomadas de modo
consistente para todos os professores”, “os procedimentos da minha instituição
asseguram que as decisões são tomadas sem favorecimentos pessoais” e “os
critérios usados para as promoções são justos”, referentes à subescalas de
justiça procedimental, foram os que obtiveram os resultados menos elevados.
Quanto à justiça distributiva das recompensas a atribuição de
recompensas não depende única e exclusivamente da própria organização mas
sim de fatores legais, estatutários e de política governamental.
Deste modo, concluímos que os professores percecionam de forma
diferente a justiça organizacional, definida nas cinco facetas de justiça, pois
foram confirmados resultados médios diferentes em cada uma das subescalas,
evidenciando-se que os professores do nosso estudo percecionam a existência
de justiça interpessoal, justiça informacional e justiça das tarefas, mas que, pelo
contrário, sentem menos justiça procedimental e de justiça distributiva das
recompensas no contexto organizacional onde estão inseridos. De acordo com
Cunha et al. (2007) a organização só adquire bons níveis de desempenho por
parte dos trabalhadores, se estes atuarem positivamente sobre todas as
dimensões de justiça, pelo facto das diferentes formas de justiça interagirem
entre si. Não sendo possível produzir reações positivas nas pessoas atuando
apenas nestas três dimensões de justiça.

Análise do Burnout

439
Em relação ao burnout, verificou-se que os professores têm um
sentimento moderado de exaustão emocional com o seu trabalho (M=2,28;
Dp=1,21). No entanto os itens desta dimensão “sinto-me cansado no final de um
dia de trabalho” e “sinto que estou a trabalhar de mais” apresentam valores
mais elevados. Em relação aos valores constatados ao nível da subescala de
despersonalização, observa-se que os docentes apresentam resultados baixos,
com uma média de 0,79 (Dp=0,82). Ao comparamos este resultado com os
valores obtidos noutros estudos realizados com professores norte-americanos,
espanhóis e portugueses (Maslach e Jackson,1997; Picado, 2007; Martins,
2008), verificamos que se trata de um valor mais baixo. No que concerne à
subescala de realização pessoal, constata-se que os professores apresentam um
resultado médio superior 4,56 pontos (DP=0,78), o que revela que os
professores se encontram realizados profissionalmente. Em comparação com
outros estudos realizados no mesmo âmbito, observa-se que os professores
inquiridos neste estudo apresentam valores aproximados aos encontrados por
Maslach e Jackson (1997), assim como por Martins (2008). Assim, constatamos
que os professores apresentam um nível médio de exaustão emocional, baixo de
despersonalização e médio superior de realização pessoal.

Análise da Regressão da Relação entre a Perceção de Justiça com o


Burnout
Para a análise das cinco dimensões de perceção de justiça organizacional
consideradas e que podem influenciar o burnout utilizamos a técnica estatística
de regressão múltipla. Os resultados obtidos no Quadro 4 demonstram quais as
dimensões de justiça que são melhor preditoras dos resultados de burnout.

Quadro 4 – Análise da Regressão para Predizer que Dimensões da Justiça Organizacional


Influenciam o Burnout
Despersonalizaçã Realização
Exaustão Emocional
o Pessoal
B T P B T Sig. B T P
Justiça -
,28 ,12 -
Interpessoal -,139 -,778 ,438 1,462 ,05 ,744
0 3 ,327
8
Justiça - - -
- ,22
Informacional ,070 ,434 ,665 ,20 ,23 1,44 ,153
1,173 3
4 2 0
Justiça - - -
,70
Procedimental -,045 -,324 ,746 ,05 -,364 ,14 1,01 ,311
8
4 1 8
Justiça das -
,84 ,40 3,53 ,001
Recompensas ,145 1,260 ,210 ,03 -,250
0 4 9 **
1

440
Justiça da - - -
- ,000 ,15 ,33
Tarefas 3,84 1,385 ,18 1,76 ,081
,402 ** 5 8
2 3 3
R2 ,170 ,049 ,178
F 4,681 1,168 4,943
P .001** .329 .000**
*P<0,05 **P<0,01

Da análise do Quadro 4, verificamos que os coeficientes de correlação (r)


são baixos, existindo uma grande dispersão e uma correlação pouco precisa
entre a justiça e o burnout. Um nível de significância de 0.05 e 0.01 foi utilizado
para identificar que dimensões da justiça influenciam o burnout.
Constatámos que a justiça distributiva das tarefas é a variável preditora
com mais variância na dimensão exaustão emocional (r=17, p<0.01). Neste
caso, os valores negativos (r.-.40) da correlação entre a dimensão de justiça das
tarefas e a exaustão emocional, sugerem que os professores ao percecionarem a
existência de justiça na distribuição das tarefas tendem a os sentimentos de
exaustão emocional. Quanto à despersonalização, verificamos que não existe
associação entre a despersonalização com as cinco dimensões de justiça. No que
diz respeito à realização pessoal, observou-se que justiça distributiva das
recompensas é significativamente preditora da realização pessoal. Constata-se
assim, que pelo facto de os professores percecionarem a existência de justiça
das recompensas, faz com que se sintam realizados pessoalmente.
Assim constatamos que só parcialmente é que existe uma relação
significativa entre a perceção de justiça e o burnout nos professores. Deste
modo, não encontramos resultados com significância estatística entre as cinco
dimensões de justiça com a dimensão de despersonalização e verificamos uma
relação significativa apenas entre as dimensões de justiça das recompensas e
justiça das tarefas, respetivamente, com as dimensões de realização pessoal e
exaustão emocional.

CONCLUSÃO
O trabalho pode ser fonte de grandes recompensas, mas também constituir
uma poderosa fonte de stress, que de forma lenta e gradual pode levar o
indivíduo ao burnout. O principal objetivo desta investigação foi analisar em que
medida a justiça organizacional influenciava significativamente o burnout nos
professores do ensino superior. Neste sentido, pretendemos conhecer a perceção
dos professores sobre a justiça organizacional, verificar se apresentavam

441
síndrome de burnout e avaliar se a perceção de justiça influenciava o
desenvolvimento do burnout.
O conceito de justiça organizacional é complexo e possui influência
determinante nas atitudes e comportamentos gerados em ambientes de trabalho
(Paurezzat e Someh, 2009). Além disso, este conceito é considerado um fator
importante para manutenção do equilíbrio do comportamento e saúde
organizacional do indivíduo. As suas cinco dimensões que constituem este
constructo são a justiça interpessoal, justiça informacional, justiça
procedimental, justiça distributiva das recompensas e justiça distributiva das
tarefas, que, segundo Rego (2001b), revelam-se de extrema relevância em
estudos já efetuados com professores do ensino superior.
O burnout surge muito ligado às profissões de ajuda, nas quais a matéria-
prima do trabalho são as pessoas (Maslach e Jakson, 1981). É um processo de
resposta a agentes de stress crónicos, emocionais e interpessoais envolvidos no
ambiente de trabalho, que se manifesta, principalmente, através de exaustão
emocional, despersonalização e falta de realização pessoal. Este foi amplamente
estudado em profissionais de prestação de cuidados, nomeadamente
professores, psicólogos, médicos, fisioterapeutas e enfermeiros. Tendo sido
comprovada a sensibilidade dos trabalhadores, com funções exigentes de
contacto com o público, em desenvolver este tipo de resposta patológica a
agentes de stress.
A nível metodológico utilizámos duas escalas, a Escala de Perceção de
Justiça Organizacional para a avaliação da justiça e o Maslach Burnourt
Inventory (MBI) para a avaliação do burnout. A investigação implicou um estudo
das características psicométricas das duas escalas. Em termos gerais, os
resultados apontam no sentido da existência de boas qualidades métricas das
duas escalas, quer no que respeita à consistência interna da escala, como à sua
validade. Em ambas as escalas, seria importante efetuar mais estudos em
Portugal, para avaliar as qualidades psicométricas.
No que se refere à forma como os professores percecionam a justiça
organizacional, definida nas cinco facetas de justiça, verificámos que
percecionam a existência de justiça das tarefas, justiça interpessoal e justiça
informacional mas sentem-se injustiçados relativamente à justiça procedimental
e justiça distributiva das recompensas no contexto organizacional onde estão
inseridos. De acordo com Cropanzamo e Greenberg (1997), decisões baseadas
em procedimentos que são percebidos como justos são mais propensos a serem

442
aceites pelas pessoas afetas, do que as decisões decorrentes de procedimentos
que não são percebidas como justos. Inferindo-se assim que as organizações
que transmitem uma sensação de preocupação com o bem-estar dos
trabalhadores contribuem para o sucesso organizacional quando as recompensas
e os recursos são distribuídos de forma justa. A justiça distributiva é também um
fator essencial na determinação da satisfação das pessoas na organização. Assim
como a justiça procedimental, se os processos de decisão forem justos. Por
exemplo, processos de decisão são considerados como justos se envolverem a
participação dos professores proporcionando-lhes oportunidade de contestar as
decisões.
Quanto ao burnout os resultados obtidos demonstraram níveis médios de
exaustão emocional, mas baixos de despersonalização e de falta de realização
pessoal, não corroborando o que é apontado por Maslach e Jackson (1997), que
referem que um nível alto de burnout reflete-se em scores altos nas subescalas
de exaustão emocional e despersonalização e em níveis baixos de realização
pessoal.
No que se refere à existência de uma relação significativa entre a perceção
de justiça organizacional e a síndrome de burnout, verificámos a confirmação
parcial da mesma. Por um lado observámos a existência de uma correlação
significativa entre a dimensão de justiça das tarefas e a exaustão emocional, que
significa que o facto dos docentes percecionarem a existência de justiça
distributiva das tarefas, faz com que não sintam níveis elevados de exaustão
emocional. Assim como, uma correlação significativa entre a justiça distributiva
das recompensas e a realização pessoal, inferindo-se que o facto dos professores
percecionarem a existência de justiça com as recompensas, faz com que se
sintam realizados. Por outro lado, constatou-se a inexistência de resultados com
significância estatística na correlação das cinco dimensões de justiça com a
despersonalização.
O conceito de justiça organizacional é complexo e possui influência
determinante nas atitudes e comportamentos gerados em ambientes de trabalho
(Paurezzat e Someh, 2009). Além disso, este conceito é considerado um fator
importante para manutenção do equilíbrio do comportamento e saúde
organizacional do indivíduo. A investigação sobre a perceção de justiça
organizacional e o burnout ainda se encontra num estado exploratório, mais
estudos sobre a relação entre estas dimensões têm de ser efetuados. Para
atingir este objetivo, um modelo mais compreensivo deverá ser desenvolvido.

443
Devem ser estudados outros preditores de justiça vs burnout, como por exemplo
variáveis do estilo de vida, clima organizacional e satisfação no trabalho, em que
as várias dimensões da justiça e do burnout sejam testadas simultaneamente.
Torna-se assim pertinente pensar na prevenção da perceção de justiça e da
síndrome de burnout dos professores, porque não o fazendo pode-se colocar em
risco o bom funcionamento das instituições. Quanto às correlações existentes
entre as dimensões da perceção de justiça organizacional e as dimensões do
burnout, pretendem constituir-se como linhas orientadoras para a definição de
estratégias a aplicar na gestão de recursos humanos e possibilitar aos gestores
delinear estratégias que minimizem a emergência destes sinais, atuando nos
pontos cuja relação é conhecida.
No que concerne às limitações do estudo, estas prendem-se
fundamentalmente com a amostra. A reduzida dimensão da amostra, não só no
número de indivíduos, mas também na diversidade de organizações, não permite
a generalização das conclusões e poderá ter originado um obstáculo na
verificação dos objetivos definidos. Aliada a esta limitação, sugere-se como
primeira recomendação para investigações futuras, a realização de mais estudos
nacionais sobre estas duas variáveis - perceção de justiça organizacional vs
burnout, alargando também o leque a outras profissões. Por último,
consideramos necessário que em investigações futuras sobre este tema se
desenvolvam estudos longitudinais que permitam estabelecer relações causais
entre as variáveis e acompanhamento contínuo das estratégias, para que seja
possível identificar os mecanismos e processos que minimizam o impacto da
perceção de justiça organizacional na relação com sintomas de burnout.

BIBLIOGRAFIA
Almeida, G. O., Silva, A. M. & Carvalho, D. (2006). Justiça
Organizacional: Implicações para o Burnout e o Comportamento dos
Trabalhadores. 30º Encontro da ANPAD-Salvador/BA-Brasil, 1-15.
Austin, W. & Walster, E. (1974). Participant’s Reactions to Equity with the
World. Journal of Experimental Social Psychology, 10: 528-548.
Barona, E. G. & Castro, F. V. (2002). Un Trabajo de Investigación sobre
Estrés y Burnout en el Profesorado Universitario. Revista de Educacíon, 21: 97-
118.
Borges, L.B. & Daniel, F. (2009). Satisfação Profissional dos Docentes:
Uma abordagem sobre instrumentos de medida, Interações, 16: 101-130.

444
Carlotto, M., S. (2002). A Síndrome de Burnout e o Trabalho Docente.
Psicologia em Estudo, 7 (1): 21-29.
Carlotto, M., S. (2004). Síndrome de Burnout e Características de Cargo
em Professores Universitários. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 4
(2): 145-182.
Colquitt, A. J., Conlon, E. D., Wesson, J. M. & Porter, C. (2001). Justice at
the Millennium: A Meta-Analytic Review of 25 Years of Organizational Justice
Research. Journal of Applied Psychology, 86 (3): 425-445.
Correia, A. G. (1997). O Burnout nos Profissionais dos Centros de
Atendimento de Toxicodependentes: Causas e Consequências. Dissertação de
Mestrado em Comportamento Organizacional, Lisboa: Instituto Superior de
Psicologia Aplicada.
Correia, A. G. (1999). O burnout nos profissionais dos Centros de
Atendimento de Toxicodependentes: causas e consequências. Revista
Toxicodependências, 5, nr. 3: 69-79.
Cropanzano, R. E. & Greenberg, J. (1997). Progress in Organizational
Justice: Tunneling Through the Maze. In Cooper, C.L., e Robertson, I.T. (eds),
International Review of Industrial and Organizational Psychology (pp.317-372).
Chichester: John Wiley e Sons.
Cunha, P. M., Rego, A., Cunha, C.R. & Cardoso, C. C. (2007). Manual de
Comportamento Organizacional e Gestão (6ª ed.). Lisboa: Editora RH.
Escofet, N. C. (2009). Integrating Perspetives on The Management of
Justice in Organizations IESE Business School Universidad de Navarra, 1-33.
Ferenhof, Isaac., A., Ferenhof, & Ester, A. (2002). Burnout em
Professores. Eccos - Revista Científica - Avaliação e Mudanças, 4 (1): 1-17.
Gil-Monte, M. P. & Peiró, J. (1997). Desgaste Psíquico en el Trabajo: El
Síndrome de Quemarse. Madrid: Síntesis.
Greenberg, J. (1990). Organizational Justice: Yesterday, Today, and
Tomorrow. Journal of Management, 16 (2): 399-432.
Jackson, S. E., Schwab, R. L. & Schuler, R. S. (1986). Toward an
Understanding of Burnout Phenomenom. Journal of Applied Psychology, 71 (4):
630-640.
Kim, W. C. & Mauborgne, R. A. (1997). Fair Process: Managing in the
Knowledge Economy. Harvard Business Review, 75 (4): 65-75.

445
Lackritz, J. R., (2004). Exploring Burnout Among University Faculty:
Incidence, Performance and Demographic Issues. Teaching e Teacher Education,
20: 713-729.
Marques, F. M. (2011). As Perceções da Cultura Organizacional e a
Síndrome de Burnout. Dissertação de Mestrado em Economia e Gestão. Lisboa:
Instituto Superior de Economia e Gestão.
Martins, J. M. (2008). Burnout na Profissão Docente. Dissertação de
Mestrado em Psicologia. Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.
Maslach, C. (1982). Burnout: The Cost of Caring. Englewoods Cliffs, NJ:
Prentice-Hall.
Maslach, C. & Jackson, S. E. (1981). The Measurement of Experienced
Burnout. Journal of Occupational Behavior, 2: 99-113.
Maslach, C. & Jackson, S. E. (1997). MBI: Inventario Burnout de Maslach,
Síndrome del Quemado por Estrés Laboral Assistencial - Manual. Madrid: TEA,
Publicaciones de Psicología Aplicada.
Maslach, C. & Leiter, M. P. (1999). Trabalho: Fonte de Prazer ou
Desgaste? Guia para Vencer o Estress na Empresa. São Paulo: Editora Papirus.
Maslach, C., Schaufeli, W. B. & Leiter, M.P. (2001). Job Burnout. Annual
Review of Psychology, 52: 397-422.
Nóvoa, A. (1991). O Passado e o Presente dos Professores. In Profissão
Professor. Porto: Porto Editora.
Picado, L. (2007). Ansiedade, Burnout e Engagement nos Professores do
1º Ciclo do Ensino Básico: O Papel dos Esquemas Precoces Mal Adaptativos no
Mal-Estar e no Bem-Estar dos Professores. Doutoramento em Psicologia da
Educação. Lisboa: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.
Pourezzat, A. A. & Someh, P. Z. (2009). The Study of Personnel and
Customers` Perception of Organizational Justice. Iranian Journal of Management
Studies (IJMS), 2: 97-113.
Rego, A. (2000). Justiça e Comportamentos de Cidadania nas
Organizações. Uma abordagem sem tabus (1ª ed.).Lisboa: Edições Sílabo.
Rego, A. (2001a). Perceções de Justiça – Estudos de Dimensionalização
com Professores de Ensino Superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 (2):119-
131.
Rego, A. (2001b). Perceções de Justiça dos Professores do Ensino
Superior - Um Estudo Confirmatório. Psicologia, 15 (2): 361-377.

446
Rego, A. (2002). Comprometimento Afetivo dos Membros
Organizacionais: O Papel das Perceções de Justiça. Rac, 6 (2): 209-241.
Rush, R. R. (2003). The Influence of Selected Factors on Burnout Among
Faculty in Higher Education. Dissertation Doctor of Philosophy. Louisiana: Faculty
of Louisiana State University and Agricultural and Mechanical College.
Schaufeli, W. B. Maslach, C. & Leiter, M. P. (2009). Burnout: 35 Years of
Research and Practice, Emerald, 14 (3): 204-220.
Serra, A. V. (1999). O Stress na Vida de Todos os Dias. Coimbra: Ed. do
Autor.
Skovholt, T. M. (2001). The Resilient Practitioner: Burnout Prevention and
Self-care Strategies for Counselors, Therapists, Teachers, and Health
Professionals. Boston: Allyn & Bacon.

447
TÍTULO: Alcoolismo em contexto organizacional (Alcoholism in an

organisational context)

AUTOR(ES): Adriana Sofia Araújo (asofia.psipl.facfil@gmail.com) e Fátima

Lobo (flobo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

OBJECTIVOS: Esta investigação tem por objectivo reflectir sobre o


comportamento da organização face ao consumo de álcool dos seus
trabalhadores, analisar as consequências para os trabalhadores e para a
organização, investigar os factores facilitadores do consumo de álcool e as
estratégias preventivas e remediativas da organização.
METODOLOGIA: Esta investigação procedeu à revisão do estado da arte,
tomando como referência a produção científica nos últimos 10 anos.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS: Tomando por referência os estudos realizados nos
Estados Unidos e no Canadá, e a relação do alcoolismo com o trabalho, as
características, causas e consequências, reflecte-se sobre as estratégias de
prevenção a adoptar pelas organizações, no sentido de desenhar um projecto de
intervenção preventiva do consumo de álcool, no local de trabalho, a partir de
uma abordagem multidisciplinar.
LIMITAÇÕES: Aborda a questão do alcoolismo em contexto organizacional,
apenas, na perspectiva teórica.
Palavras-chave: Alcoolismo, Organização, Prevenção, Estratégias.

ABSTRACT
GOALS: reflection on the organisations’ behaviour concerning its workers alcohol
consumption, analyse the consequences to workers and to the organisation and
to analyse the facilitators factors of alcohol consumption and the organisation
preventive and remediative strategies.
METHOLOGY: this investigation proceeded to the revision of the state of the art,

448
having as a reference the last 10 years production.
PRACTICAL IMPLICATIONS: having as a reference the studies done in the
United States and Canada and the relation between alcoholism and work, the
characteristics, causes and consequences, it will be thought about prevention
strategies to adopt by the organisations, as a way to design a preventive
intervention project of alcohol consumption, at the working place, from a
multidisciplinary approach.
LIMITATIONS: approaches the problem of alcoholism in an organisational
context only from a theoretical perspective.
KEYWORDS: Alcoholism, organizations, prevention, strategies.

Introdução
O uso do álcool faz parte da história da humanidade e está fortemente
inserido na realidade social. À medida que as sociedades foram passando por
transformações económicas e sociais, principalmente com a Revolução Industrial,
que provocou grandes concentrações urbanas, multiplicou-se enormemente a
produção e a disponibilidade das bebidas, reduzindo-se o preço e alterando de
forma significativa o modo como a sociedade passou a relacionar-se com as
bebiddas alcoolóicas em geral. Segundo Carrillo (2004), em toda a história da
humanidade e desde o surgimento do trabalho remunerado, encontram-se
diversos exemplos onde a relação álcool / trabalho tem sido utilizada, fomentada,
encoberta, tolerada e, inclusive, perseguida e castigada. Exemplo disso foi a
Inglaterra, durante a Revolução Industrial, onde se tolerava o consumo de
bebidas alcoólicas por parte dos trabalhadores das manufacturas, com o objetivo
de resistirem mais tempo no desempenho de suas atividades na linha de
produção. As profissões de maior risco são aquelas ligadas ao entretenimento
noturno, motoristas e pilotos que dirigem por longas distâncias ou trabalham por
muitas horas, trabalhos noturnos que exigem constante vigilância, e profissionais
que actuam em ambientes de grande stresse. O uso do álcool existe cada vez
mais entre pessoas inseridas na vida activa, trazendo como consequências a
diminuição da produtividade, alteração das relações na ordem laboral,
interpessoal, familiar, social e da saúde.

Evolução do Conceito de Alcoolismo.


O conceito de alcoolismo surgiu no século XVIII, logo após a crescente

449
produção e comercialização do álcool destilado, resultante da Revolução
Industrial. O alcoolismo foi reconhecido como doença pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) desde 1948 e representa um dos problemas sócio- económicos
mais graves para a saúde mundial. Segundo a OMS (1970), o alcoolismo é uma
doença de natureza complexa, na qual o álcool atua como fator determinante
sobre causas psicossomáticas preexistentes no indivíduo e para cujo tratamento
é preciso recorrer a processos profiláticos e terapêuticos de grande amplitude.
Segundo Moraes e Pilatti (2004), o alcoolismo, também denominado “Síndrome
da Dependência do Álcool”, tem como características a compulsão, a perda do
controle, a dependência física e a tolerância (a necessidade de aumentar a
quantidade de álcool ingerida para obter o mesmo efeito). O alcoolismo, por sua
vez, constitui uma das quatro causas mais comuns de morte masculina, no
intervalo de 20 a 40 anos de idade (Moraes & Pilatti, 2004).
O alcoolismo pode ser dividido, grosso modo, em três fases: inicial, de
adaptação; intermédia; e final ou deteriorador. Na fase inicial, o álcoolico parece
funcionar melhor enquanto bebe, isto porque o seu corpo está a adaptar-se
internamente ao consumo do álcool, sendo os danos físicos ainda pequenos, mas
na passagem para a fase intermédia, estes danos tornam-se maiores e, na fase
final, serão devastadores. Beber na fase intermédia é uma questão de
necessidade fisiológica, que se caracteriza por dependência física: álcoolico
deseja a bebida porque as suas células estão fisicamente dependentes do álcool.
Na fase final, de decadência, o álcool serve como alívio dos sintomas que o
próprio álcool causou, como se ele fosse uma espécie de veneno para o corpo e
também seu “antídoto”. Com o tempo e o consumo de mais e mais álcool, o
álcoolico não consegue controlar sua vontade de beber. Na fase final verifica-se
alta taxa de mortalidade entre os alcoólicos direta ou indiretamente relacionada
com o consumo.

Alcoolismo em contexto de trabalho.


O álcool é considerado a substância de abuso mais comum, tanto na
perspectiva da Saúde Pública, como particularmente, na Saúde do Trabalhador.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a faixa etária média da
maior parte dos indivíduos considerados álcoolicos fixa-se entre os 25 e os 45
anos, o que inclui os trabalhadores activos, pelo que aumenta a probabilidade de
uso abusivo no próprio local de trabalho. Para Lucas (2009) falar em alcoolismo
no contexto organizacional deixou de ser tabu, uma vez que as empresas dão

450
atenção a esta problemática e agem de forma a evitar a sua propagação,
promovendo a formação e sensibilização dos trabalhadores. O Alcoolismo é uma
realidade bastante presente no meio laboral e não escolhe estratos sociais,
cargos, funções, sexo, nem idades; verifica-se, também, forte relação entre
fatores stressantes no trabalho (controle, complexidade) e consumo elevado de
álcool.
O paradigma da alienação sugere que o uso de álcool por trabalhadores
pode ser uma resposta direta ou indireta às qualidades físicas e psicossociais do
ambiente de trabalho (Frone, 1999, cit in Castro, 2002). Alguns dos fatores que
contribuem para maior consumo de bebidas em contexto organizacional são: a)
disponibilidade do álcool; b) pressão social para beber; c) separação da norma
social e situações de solidão; d) ausência de supervisão - posições de comando
de alto "status" ou sem chefias; e) alta ou baixo rendimento - indivíduos em
pólos sociais extremos; f) tensão, stress e perigo; g) pré-seleção de população
de alto risco (Araújo, 1986, cit in Vaissman, 1998)
Von Wiegan (1972, cit in Vaissman, 1998) criticou os estudos que só
consideravam associados ao alcoolismo as variáveis: sexo, idade e tolerância do
empregado às insatisfações do trabalho. Assim, propõe que sejam utilizadas
quatro hipóteses de trabalho para análise dessas associações, independentes do
status do trabalhador ou de suas características demográficas, a saber:
1) Modelo estrutural - quando a característica da estrutura do trabalho
produz stress ou alienação, levando à ansiedade, que é aliviada com o beber.
Outros fatores também podem estar associados: trabalhos de baixa
complexidade, falta de organização (estrutura) do trabalho, rotina do trabalho,
pressão no trabalhador, visibilidade do trabalho, pressão nos horários, metas a
serem cumpridas; 2) Controle social - em certas condições do trabalho, há pouca
inibição do uso do álcool, falta de supervisão e pouca visibilidade da performance
e, sob certas circunstâncias, os indivíduos estão mais vulneráveis, podendo
desenvolver o alcoolismo (seria o caso dos empregados de mesa e trabalhadores
de restaurantes); 3) Acessibilidade social - uso do álcool como fator de
socialização dos trabalhadores e daqueles que têm um problema com o álcool; 4)
Modelo motivacional - aponta motivações, em que se justifica o uso do álcool ou
que pode ser induzido: as sexuais, de relacionamento social, de nexo com as
condições de trabalho (frio, calor, sujeira e humidade) e de isolamento social
(Von Wiegan, 1972, cit in Vaissman, 1998). Por sua vez, um estudo efectuado
com estudantes de medicina no último ano e no internato, demonstrou que o

451
consumo de álcool é desencadeado pelo, treino exaustivo, vulnerabilidade da
personalidade, percepção de fragilidade do self e a consequente sensação de
dano psicológico diante do trabalho médico exigente, bem como das relações
interpessoais e stressantes no trabalho, a carga intensa de trabalho, a
necessidade de lidar com situações decisórias que implicam vida e morte, a
passagem abrupta das atividades teóricas para as práticas, acompanhadas de
sensação de falta de apoio institucional que ajude os universitários a
organizarem-se satisfatoriamente frente às mudanças e à alta competitividade
(Araújo, 1986, cit in Vaissman, 1998). Essa mesma pesquisa foi posteriormente
replicada por Andrade, Bahasit, Kerr-Correa, Tonhon, Boscovitz e Cabral (1997)
em várias escolas médicas do estado de São Paulo, a análise dos fatores de risco
associados ao consumo de substâncias psicoativas em estudantes de medicina
corroboraram os dados da primeira, encontraram os mesmos fatores stressores
antes descritos. Como vimos, os fatores de risco ligados ao trabalho podem ser
inerentes à especificidade da ocupação, às condições em que um determinado
trabalho é efetuado, ao tipo de agentes stressores e como eles atuam física e
psicologicamente no trabalhador. Por outro lado, as características e a
vulnerabilidade da personalidade diante do ambiente de trabalho favorecerão ou
não o consumo abusivo de álcool e drogas como forma de atenuar conflitos,
tensões ou mesmo como uma estratégia de socialização entre pares.

Consequências do alcoolismo
Os trabalhadores são os pilares da organização e, neste sentido, é da maior
importância analisar as implicações do consumo de álcool em ambiente laboral.
Esta perturbação pode manifestar-se de várias formas: absentismo, conflitos,
erros de cálculo e decisão, rotatividade, entre outras. O alcoolismo é problema
organziacional grave cujas consequências afetam o comportamento dos
trabalhadores (Vaissman, 1998) e as rotinas institucionais, tais como:
absenteísmo, faltas não autorizadas, licenças por doença, frequente nas
segundas, sextas, ou antes e depois de feriados; ausências no período de
trabalho, atraso excessivo após almoço ou intervalo, saída antecipada, idas
frequentes à casa de banho, sala de descanso; queda na produtividade e
qualidade do trabalho, desperdício de materiais, perda ou estrago de
equipamentos, desculpas inconsistentes, dificuldades com instruções e
procedimentos, alternância de períodos de alta e baixa produtividade, dificuldade

452
com tarefas complexas; mudanças nos hábitos pessoais, trabalho em condições
anormais, comportamento diferente depois do almoço, menor atenção à higiene e
à aparência pessoal; mau relacionamento com os colegas, reação exagerada às
críticas reais ou não, ressentimentos irreais, conversar excessivamente com os
colegas, estados emocionais muito variados, endividamento, pedido de
empréstimo, irritabilidade, explosões de ira, choro ou riso. Estes dados
fundamentam a preocupação e o interesse das empresas em adoptar práticas de
intervenção no ambiente de trabalho de combate ao consumo de álcool, a
implantação e desenvolvimento de programas assistencialistas e de prevenção do
alcoolismo.

Estratégias de prevenção
Actualmente, as organizações têm consciência da importância do
desenvolvimento de estratégias e implantação de programas preventivos do
consumo abusivo de álcool e outras drogas. O que motiva essas ações são as
consequências negativas trazidas à saúde do trabalhador e à produção. O
trabalho é um local privilegiado para a elaboração e execução de programas de
prevenção e recuperação de problemas relacionados com o álcool. A organização
deve elaborar uma política “sob medida”, respeitando as individualidades e
diferenças, envolvendo sempre os responsáveis pela política de recursos
humanos e, na medida do possível, os próprios funcionários (Guimarães &
Grubits, 2004). Para ser mais eficaz, a intervenção deve ocorrer no seio da
comunidade, as campanhas devem ser capazes de fomentar o diálogo entre os
serviços sanitários, e a comunidade, pois este é um trabalho complexo que
envolve diversos fatores, mas certamente de grande importância para as
organizações preocupadas com a saúde dos seus trabalhadores e com o bom
desempenho das suas atividades.
Um programa de prevenção ao alcoolismo num ambiente de trabalho
precisa contar com o apoio das instâncias hierarquicamente superiores para ter
êxito, deve estabelecer normas claras e consensuais sobre o consumo de
substâncias, sem qualquer discriminação ou preconceito, ou seja, de aplicação
universal.O apoio de peritos externos que conheçam o fenómeno e já tenham
ajudado na implementação de programas preventivos é muito importante, mas
tal apoio necessita de adaptação à realidade da organização, isto é, o programa
precisa ser montado a partir da organização, atendendo à cultura organizacional,
ao clima, ao seu ramo de atividade, à dimensão, e aos hábitos de consumo de

453
álcool. Um programa de intervenção ao nível do consumo excessivo de álcool
deve contemplar a prevenção primária, secundária e terciária. A prevenção
primária corresponde a introdução de medidas estruturais e humanizadoras.
Inclui-se aqui a educação para a promoção e medidas sociais e legais. Em alguns
países europeus, as ações preventivas primárias concentram-se em: disciplinar a
oferta e o consumo do álcool nas próprias empresas; treino de grupos de auxílio
e a constituição de grupos de ajuda; treino de pessoas difusoras de idéias
(lideres, supervisores e outros); implementação de equipas de trabalho e de
planos de ação com especifica tarefa de prevenção (Rehfeldt, 1989).
Um dos objetivos da Prevenção secundária é o estabelecimento de normas
e procedimentos no tratamento individual do problema com os envolvidos. A
preparação destas normas deve tanto obedecer aos princípios básicos da
prevenção dos consumos no local de trabalho, garantindo uma melhor
identificação com o programa. A prevenção terciária visa eliminar, ou pelo menos
reduzir, as possíveis causas de uma recaída, ou voltar a um aparentemente
inofensivo beber “social”. A recuperação de um álcoolico jamais deve ser
considerada como efetiva e completa no dia em que termina seu programa
terapêutico. A reintegração do álcoolico na sociedade, principalmente no
ambiente de trabalho, constitui um dos principais pressupostos para uma
recuperação definitiva.
A execução dos programas de prevenção do consumo excessivo de álcool
no trabalho fica centralizada nas ações dos supervisores, que devem ser
treinados especificamente para aprenderem a documentar a produtividade dos
funcionários e aprenderem a abordar estes funcionários para discutir essas
perdas de produtividade. O papel central é do supervisor que exige uma
produtividade minimamente aceitável do funcionário e indica que a organização
possui um programa de apoio aos funcionários, que lhe permitirá cuidar de sua
saúde física e mental. A perda de produtividade deve ser extensamente
documentada pelos supervisores e essa documentação serve tanto para justificar
a intervenção do supervisor junto do funcionário, como também serve para
mostrar ao funcionário que ele está com um problema no seu local de trabalho
que, inclusive, se não for resolvido, resultará em perda de emprego. O apoio das
chefias aos funcionários aquando do seu tratamento e recuperação tem papel
importante e estimulante no processo de participação no tratamento. No entanto,
deparamo-nos também com o papel da chefia agindo negativamente no processo
de recuperação. A paternidade da chefia que abona a falta do funcionário,

454
alcoolizado, não comunica o fato oficialmente ou permite que este trabalhe
alcoolizado é um exemplo disto. Constata-se a importância da chefia como aliada
do tratamento e a necessidade de investimento na conscientização, orientação e
informação, sempre que necessário (Castro, 2009).
O retorno ao trabalho foi considerado como terapêutico, uma vez que
diminui o tempo disponível para o álcool, mas somente se os demais colegas não
fizessem uso abusivo. No entanto, se no local de trabalho houvesse muitos
colaboradores com uso abusivo de álcool, o retorno ao mesmo ambiente
estimulou, por sua vez, uma maior probabilidade de recaída, devido às pressões
sociais exercidas.
Os programas de tratamento do alcoolismo devem focar as diferentes
maneiras potenciais de alterar a organização do trabalho, para diminuir o stress
e aumentar o suporte interpessoal, visto que as características sociais do
ambiente de trabalho, assim como os fatores psicossociais e pessoais afetarão
os motivos ou condutas de beber.
Historicamente, os programas de prevenção e redução do álcool nas
organizações foram desenvolvidos nos EUA e no Canadá (EAPs Employee
Assistence Programs), para lidar com os problemas do consumo excessivo de
álcool pelos trabalhadores industriais norte-americanos, por meio de políticas de
recursos humanos, e tiveram como precursores os programas de alcoolismo
ocupacionais, iniciados na década de 1940, com o Movimento de Alcoolismo
Ocupacional (Occupational Alcoholism Programs – OAPs), ainda relacionado ao
movimento inicial dos Alcoólicos Anónimos, que se estruturava e se difundia
nessa mesma época (Mendes & Dias, 1991).
Ultimamente, os Estados Unidos têm utilizando os chamados Employment
Assistence Programs – EAPs, cujo objetivo e proposta básica de intervenção
caracteriza-se por um escopo bastante abrangente no que diz respeito à saúde
mental e geral nos locais de trabalho, pois envolve programas direcionados para
auxiliar os trabalhadores a lidar com um amplo espectro de problemas ligados às
esferas do abuso de álcool e outras substâncias, problemas emocionais e
psiquiátricos, familiares, conjugais, legais e financeiros. A finalidade dos EAPs é
beneficiar tanto o empregador, que economisa recursos evitando demissões,
rotatividade de mão-de-obra, recolocação e treino de novos empregados. Para se
estabelecer um Programa de Dependência Química nas Empresas, An Employer's
Guide to Workplace Substance Abuse, recomenda os seguintes passos:
1) Primeiro passo: Estabelecer uma política escrita para o abuso de

455
substância. Essa política deverá conter as justificações para a implementação do
programa, enfatizando a segurança para o beneficiário e se incluirá ou não seus
dependentes. Deverá também conter quais os comportamentos que serão
inadmissíveis e proibidos no âmbito do trabalho, tais como: porte, venda, posse e
consumo de álcool e drogas no local de trabalho. Identificará todos os recursos
disponíveis comunitários ou não para o enfrentamento da questão, como a
disponibilidade ou não de um EAP;
2) Segundo Passo: Treino de Supervisores. Gerentes e supervisores deverão
receber formação para serem capazez de identificar sinais de problemas de
performance no trabalho. A formação serve para saber como e quando
referenciar o empregado que apresenta dificuldades no desempenho do seu
trabalho a um EAP;
3) Terceiro passo: Educação dos empregados, basicamente consiste em:
fornecer informações sobre os perigos do álcool e das drogas, alertando o quanto
poderão afetar o indivíduo e a família; descrever o impacto desses programas de
proteção no empregado, em termos de segurança no trabalho, redução de
absentísmo, custos com saúde, taxas de acidentes; esclarecer detalhadamente a
política da empresa em relação ao assunto e as implicações de violação dessas
normas; explicar como funciona o programa, seus componentes, a finalidade do
EAP ou de uma testagem de drogas, caso seja escolhida como parte do
programa; procurar ajuda especializada, seja através de um EAP ou de recursos
da própria comunidade.
4) Quarto passo: Promover a assistência ao empregado. O DOL recomenda a
contratação de um EAP para ajudar o empregado que apresenta qualquer tipo de
desajuste no trabalho, desde que também lhe seja garantido a confidencialidade.
Esta é uma preocupação ética para evitar que sejam estigmatizados ou que
percam futuras oportunidades de carreira dentro da empresa.
5) Quinto passo: Testagem de álcool e drogas na empresa. Esse é um ponto
bastante controverso, por se considerar que a testagem não é parte integrante
de um programa de dependência química.
Finalmente, esses projetos almejam a busca da qualidade de vida no
trabalho, prioritariamente, visualizando o homem na sua integralidade. O mais
inovador nesses programas, sem alteração do âmago de suas propostas, é
considerar que a sua factibilidade depende de ser flexível e adaptável às culturas,
quer sejam do empregado e/ou dos seus representantes, das empresas ou quer
sejam das nações que estarão envolvidas na luta para diminuir os prejuízos

456
provocados pelo álcool e pelas drogas no ambiente de trabalho
(http://www.businessgrouphealth.org/pdfs/SubAb_report_FINAL.pdf)

Considerações Finais
O conceito de alcoolismo surgiu aquando da Revolução Industrial;
posteriormente, em 1948 a OMS reconheceu o alcoolismo como um problema de
saúde, causador de dependência, acarretando evidentes perturbações, afetando a
saúde física e mental exigindo, por isso, tratamento. O alcoolismo pode ser
dividido em três fases: inicial, adaptação e final. Os problemas aumentam à
medida que o sujeito avança de uma fase para outra, passando de uma fase de
dependência e necessidade fisiológica para se tornar incontrolável, bebendo para
se libertar da sua agonia e mau estar. Atualmente é reconhecida a
multicausalidade do alcoolismo, fatores de ordem genética, biológica, psicológica
e sócio-culturais têm maior ou menor peso, na determinação e na instalação do
alcoolismo crónico. Outros fatores contribuem, também, para o consumo de
álcool: a associação com outras drogas, o baixo nível de escolaridade, a classe
social, o estado civil, a faixa etária, o género, a estrutura familiar, as
psicopatologias associadas, dentre outras variáveis socioculturais. Assim, pode-se
concluir que, as causas atribuídas ao consumo do álcool são diversas e de várias
ordens, psíquica, social, emocional, ambiental, genética, entre outras.
Segundo a OIT, a média de idades da maior parte dos indivíduos
considerados alcoólicos situa-se entre os 25 – 45 anos, em plena idade activa,
aumentando a probablididade do uso abusivo de álcool no local de trabalho.
Considera-se haver uma relação entre factores stressantes do local de trabalho e
o consumo de álcool, sendo esta uma consequência das condições físicas e
psicossociais do local de trabalho, mas também de factores relacionados com o
controlo social e acessibilidade ao álcool no local de trabalho, para além das
próprias motivações do indivíduo para beber.
Pode-se concluir que, os fatores de risco ligados ao trabalho podem ser
inerentes à especificidade da ocupação, às condições em que um determinado
trabalho é efetuado, ao tipo de agentes stressores e como atuam física e
psicologicamente no trabalhador. Paralelamente, as características e a
vulnerabilidade daquela personalidade diante do ambiente de trabalho
favorecerão ou não o consumo abusivo de álcool como forma de atenuar
conflitos, tensões ou mesmo como uma estratégia de socialização entre pares.
Este estudo também permitiu conhecer algumas das consequências do consumo

457
de álcool no contexto de trabalho: queda da produtividade e da qualidade do
trabalho, perda e estrago de equipamentos, dificuldades com instruções e
procedimentos, dificuldades com tarefas complexas e hábitos de trabalho
irregulares, deficiente integração na ocupação, perda de rendimento, elevado
absentismo e acidentes. Ao terem consciência desta realidade, as organizações
tornaram-se cada vez mais interessadas em desenvolver estratégias e em
implementar programas preventivos do consumo abusivo do álcool. Alegam ainda
que o trabalho é um local privilegiado para a elaboração e execução de
programas de prevenção e recuperação de problemas relacionados ao álcool, e o
que motiva essas ações, são as consequências negativas trazidas à saúde do
trabalhador e à sua produção. Fatores, como compensação financeira e melhor
resposta terapêutica, aliados à consideração de que os recursos humanos são um
dos grandes patrimonios da empresa, deveriam estimular os empresários a
planear e executar programas de prevenção do consumo de álcool em contexto.
O alcoolismo no trabalho impede a qualidade de vida do trabalhador e da própria
organização do trabalho.
Os programas de tratamento do alcoolismo focam as diferentes maneiras
potenciais de alterar a organização do trabalho, prevêem a redução do stress do
trabalhador e aumentar o suporte interpessoal, visto que as características
sociais do ambiente de trabalho, assim como os fatores psicossociais e pessoais,
afetam os motivos ou formas de consumo. Considera-se que determinadas
relações que se criam no local de trabalho agem de forma positiva, reforçando
outros comportamentos, como a aderência a tratamento com objetivo de
abstinência, sendo aqui importante o apoio da chefia e do supervisor. Os
programas de intervenção do consumo excessivo de álcool contemplam:
prevenção primária e secundária/terciária. A prevenção primária corresponde a
introdução de medidas estruturais na empresa, com o objetivo da humanização
do trabalho no sentido mais amplo. Um dos objetivos da Prevenção secundária é
o estabelecimento de normas e procedimentos no tratamento individual do
problema com os envolvidos. A meta global de todo o programa de prevenção e
recuperação de alcoolismo é a interrupção definitiva do abuso do álcool e a
obtenção da abstinência, a fim de preservar a saúde das pessoas envolvidas e
garantir condições para um desempenho profissional normal. A prevenção
terciária visa eliminar, ou pelo menos reduzir, as possíveis causas que possam
conduzir a um retorno ao alcoolismo.

458
Na parte final é apresentado o EAPs desenvolvido nos EUA e no Canadá
para lidar com os problemas do consumo excessivo de álcool pelos trabalhadores
industriais por meio de políticas de recursos humanos. Ultimamente, os Estados
Unidos têm utilizando os chamados EAPs, cujo objetivo e proposta básica de
intervenção possui um escopo bastante abrangente no que diz respeito à saúde
mental e geral nos locais de trabalho, pois envolve programas direcionados para
auxiliar os trabalhadores a lidar com um amplo espectro de problemas ligados às
esferas do abuso de álcool e outras substâncias, problemas emocionais e
psiquiátricos, familiares, conjugais, legais e financeiros. A finalidade dos EAPs é
beneficiar tanto o empregador, que economisa recursos evitando demissões,
rotatividade de mão-de-obra, como o empregado, promovendo a sua saúde
mental. Não existe um modelo único de EAP, pois esses devem ser adaptados às
circunstâncias de cada companhia, suas necessidades, sua localização, sua
cultura e a outras experiências com programas semelhantes.
Privilegiar a interdisciplinaridade é o ponto essencial para uma intervenção
no contexto organizacional, pois permite a constituição de saberes
compartilhados a partir dos conhecimentos de cada um, pois um modelo único de
abordagem não consegue englobar toda a complexidade do fenómeno. Melhorar
a produção significa desenvolver indivíduos cujas vidas possam ser produtivas
em todos os sentidos, ou seja, significa motivação, dignidade, participação no
desempenho do trabalho e na organização.Os álcoolicos em abstinência
apresentam melhor adaptação e desempenho no trabalho, têm maiores
oportunidades de serem promovidos e seu nível de satisfação aumenta. As
organizações, atualmente, não devem objetivar apenas o lucro, mas também, a
consciência social e ambiental, a valorização do colaborador como ser humano e
a preocupação com a realização profissional deste.

Referências Bibliográficas:

Andrade, A.G., Bassit, A.Z., Kerr – Correa, F., Tonhon, A.A., Boscovitz, E.
P., Cabral, M., Rassi, Rassi, R., Potério, G. M., Marcondes, E., Oliveiro, M. P. M.
T., Dualibi, K., Fukushima, J. T. (1997). Factores de Risco Associados ao Uso de
Álcool e Drogas na Vida entre Estudantes de Medicina do Estado de São Paulo.
Revista ABP – APAL, 19 (4): 117 – 126. http://bases.bireme.br/

459
Carrillo, P. (2004). O Trabalho como Factor de Risco ou Factor de Protecção
para o Consumo de Álcool ou Outras Drogas. Texto e Contexto Enfermagem,
13(2), 217 – 225.
Castro, K. (2002). Álcool e trabalho: uma experiência de tratamento de
trabalhadores de uma Universidade Pública do Rio de Janeiro. Tese de Mestrado,
Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública,
Sub Área Saúde, Trabalho e Ambiente. Universidade do Rio de Janeiro. Acedido a
4 de Fevereiro de 2012, http://teses.icict.fiocruz.br/pdf/castrokcm.pdf
Castro, K. (2009). O papel do local de trabalho no tratamento de
trabalhadores alccolistas. Revista Psicologia Organizacional do Trabalho, 9(1), 24
– 38. Acedido a 5 de Fevereiro, 2012
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rpot/article/view/11833/11073
Guimarães, L. A. M., & Grubbits, S. (2004). Série Saúde Mental e Trabalho.
São Paulo: Artmed. Acedido a 5 de Fevereiro, 2012,
http://www.google.pt/books?hl=pt
Lucas, S. (2009). O Alcoolismo nas Organizações. Estudo de Caso da TAP.
Tese de Mestrado em Gestão, Instituto Supeior de Ciências do Trabalho e da
Empresa. Acedido a 9 de Dezembro de 2012 www.projecto.rcaap.pt
Mendes, R., & Dias, E.C. (1991). Da medicina do Trabalho à Saúde do
Trabalhador. Revista de Saúde Pública, 3, 44-59. Acedido 5 de Fevereiro,2012
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0034-8910
Moraes, M., & Pillatti (2004). Alcoolismo e as Organizações:porque investir
em programas de prevenção e recuperação de dependentes químicos.
Comunicação apresentada XXVIV Encontro Nacional de Engenharia de Produção.
Anais Electrónicos, Acessado a: 8 de Dezembro de 2011,
www.abepro.org.br//biblioteca/ENEGEP2004 - 1055.PDF
Organização Mundial de Saúde (1970). Comité de Peritos da OMS em
Faemacodependência. Genebra. Acedido a 8 de Dezembro, 2012 em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X1996000200006
Rehefeldt, K. (1989). Álcool e Trabalho: Prevenção e Administração do
alcoolismo na empresa. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária. Acedido a 1
de Maio, 2012 http://www.psiquiatriageral.com.br/index.htm
Vaissman, M. (1998). Alcoolismo como Problema de Saúde no Trabalho:
Avaliação de um Programa de tratamento para Funcionários de um a
Universidade. Rio de Janeiro. Acedida a 4 de Fevereiro, 2012,

460
http://centraldosmelhoreslivros.blogspot.pt/2011/09/livros-loureiro-alcoolismo-
como.html
http://www.businessgrouphealth.org/pdfs/SubAb_report_FINAL.pdf

461
TÍTULO: Sociedade de Consumo e Neuromarketing (Consumer Society

and Neuromarketing)

AUTOR(ES): Miguel Pedro Bastos (miguelpedrorob@gmail.com), Fátima

Lobo (flobo@braga.ucp.pt) e Eduardo Santos

(eduardosantos@fpce.uc.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia; Universidade de Coimbra

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a ciência e a


Tecnologia no âmbito do projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

Resumo
Enquadramento – Nas últimas décadas o neuromarketing adquiriu relevo e
centralidade científica na Psicologia do Trabalho e das Organizações.
Objetivo – Esta investigação procede à análise exploratória das percepções dos
consumidores nos diferentes tipos de comércio, urbano e rural, e visa ainda a
identificação das emoções que lhes estão associadas.
Desenho metodológico – Foi construído um questionário constituído por duas
partes; na primeira, o questionário foi estruturado tendo por base as principais
características do comércio tradicional contrastando-as com as principais
características do comércio das grandes superfícies comerciais; na segunda fase,
o questionário foi desenvolvido com base nas principais emoções (felicidade,
tristeza, surpresa, vergonha, entusiasmo, bem-estar, mal-estar, calma, tensão e
tranquilidade) que estão relacionadas com o consumo. A amostra é de 100
sujeitos de diferentes zonas rurais (Vila Verde e Melgaço) e urbanas (Braga,
Porto, Viana do Castelo e Guimarães) do norte do país.
Descobertas - Para as análises estatísticas foi utilizada metodologia
quantitativa com recurso ao programa estatístico SPSS, apontando as conclusões
para a existência de uma correlação entre as emoções e os espaços, serviços e
produtos, embora tenha ficado demonstrado que o critério operativo se sobrepõe
ao critério emocional.

462
Limitações - Este estudo tem limitações metodológicas, foi usada apenas
metodologia quantitativa, o número de sujeitos é reduzido pelo que não é
possível generalizar os resultados.
Implicações práticas – Apesar das limitações de natureza metodológica é
possível verificar as tendências de consumo de bens e serviços e os factores que
condicionam as opções. Em última instância, poder-se-ão enunciar causas para o
sucesso e insucesso, simultaneamente que se poderão definir linhas orientadoras
de acção.
Originalidade - Trata-se de uma investigação pioneira no contexto do comércio
tradicional. Os resultados fornecem informações relevantes sobre a importância
dos deste tipo de investigações para o desenvolvimento e promoção do comércio
local.
Palavras-chave: Sociedade de consumo, comportamento do consumidor,
neuromarketing, emoções.

Abstract
Framework – Over the last decades Neuromarketing has acquired much
importance and scientific relevance in Organizational and Work Psychology.
Objective – This survey aims a thoroughly analysis of the consumers’
perceptions of the different kinds of trade, urban or rural, and also aims at
identifying their emotions.
Methodological design – The questionnaire was composed of two parts, in the
first part, the questionnaire was structured based on the main characteristics of
traditional trade opposed to the main characteristics of trade in large commercial
areas; in a second phase, the questionnaire was structured based on the main
emotions (happiness, sadness, surprise, shame, enthusiasm, well-being,
anguish, calmness, tension and tranquility) which are related to consumption.
The sample consists of 100 people from different rural areas (Vila Verde and
Melgaço) and from urban areas (Braga, Porto, Viana do Castelo and Guimarães)
in the north of the country.
Findings – For the statistics analysis a quantitative methodology was used
through the statistics program SPSS and the conclusions led to the existence of
a connection between emotions and places, services and products, though the
operative criterium has proved to be more relevant than the emotional one.

463
Limitations – This study has methodological limitations, the only methodology
used was the quantitative one and due to the small sample size it is not possible
to generalize the results.
Practical implications – Despite the limitations of methodological nature, it is
possible to verify the consumption trends of goods and services and the factors
which influence the options. Ultimately, causes for the success or failure can be
pointed out and only then guidelines of orientation can be defined.
Originality – This study is a pioneer investigation in what traditional trade is
regarded. The results provide relevant data on the importance of this kind of
investigations for the development and promotion of local trade.
Keywords: Consumer society, consumer behavior, neuromarketing, emotions.

Introdução

Com a atual conjuntura económica, as empresas carecem de mecanismos


que sustentem o bom funcionamento da globalidade dos seus processos, bem
como a fidelização e atração de clientes. Neste contexto, a compreensão e
caracterização da sociedade de consumo e comportamento do consumidor
constitui uma necessidade essencial para o sucesso das organizações (Myers &
Reynolds, 1975).
É fundamental para as organizações conhecer as necessidades e
motivações dos clientes de forma a predizer os seus desejos e preferências.
Torna-se assim pertinente abordar o tema do neuromarketing, que adquiriu
relevo e centralidade científica na Psicologia Organizacional.
Todavia, para Camargo (2009), em neuromarketing é impossível observar
e analisar o comportamento do indivíduo sem pesquisar o sistema nervoso que
processa toda a informação para gerar os comportamentos e as emoções que lhe
estão associadas. Tornou-se assim imperioso abordar nesta pesquisa, o tema
das emoções de forma a determinar a sua influência no acto de consumo.

Sociedade de Consumo e Neuromarketing

Nos finais do século XX, as mudanças sociais, políticas e tecnológicas


protagonizaram-se a um ritmo bastante elevado, orientando de forma gradual a
sociedade ocidental para o consumo. Estas evoluções que se verificam no mundo

464
do trabalho têm levado a sucessivas alterações nas formas que as empresas se
organização e posicionam no mercado (Cortina, 2002; Monteiro, 2008). Desta
forma, a compreensão do comportamento do consumidor revelou-se uma
necessidade fundamental para as empresas e para o mercado de consumo
(Myers & Reynolds, 1975; Yanaze 2007).
Já o neuromarketing surge em meados dos anos noventa, sendo por isso
um tema bastante recente. Apesar de existirem múltiplas definições sobre o
tema, é consensual que este aborda e explora características do marketing
aliado à ciência, no sentido de interpretar os pensamentos, acções e desejos que
motivam as decisões de consumo e relação com os mercados.
Com o surgimento da neuroeconomia, muitos investigadores
questionaram os métodos tradicionais da economia, nomeadamente sobre o
comportamento do consumidor. O neuromarketing surge assim com o intuito de
descodificar a forma como o anúncio publicitário, por exemplo, influência as
pessoas e até que ponto o faz (Camargo, 2009).
O neuromarketing faz uso de tecnologias ligadas à medicina, como por
exemplo a ressonância magnética funcional, com o objectivo de estudar a
localização das áreas estimuladas no cérebro assim como as suas respostas
perante um anúncio de marketing (Camargo, 2009). Deste modo tenta-se
analisar as reacções neurológicas do indivíduo com relação a propagandas e
marcas através de aparelhos de imagiologia que registam imagens do cérebro
(Lewis & Phil, 2004). Para os neurociêntistas é determinante perceber quais as
áreas do cérebro que são activadas quando um indivíduo percepciona
publicidade de televisão, discursos políticos, ou por exemplo, a disposição de
produtos expostos nos estabelecimentos comerciais.
Porém, ao longo da evolução da espécie, o homem, antes de ser racional,
foi um ser emocional e no desenvolvimento do ser humano, as estruturas
emocionais antecedem a maturação das estruturas cognitivas. Neste âmbito,
uma abordagem sobre as emoções remete inevitavelmente para uma
investigação de dispositivos extremamente variados de regulação da vida
presentes no cérebro mas estruturados em princípios que funcionam
autonomamente, até serem reconhecidos e interpretados pela mente como
sentimentos (Damásio, 2010).
No que se refere ao comportamento do consumidor, existe o paradigma
de que o consumidor considera as decisões de compra apenas como um
processo cognitivo, ou seja, um modelo de escolha racional (Cardoso, 2009).

465
Esta consideração, sendo limitada, levou à integração das emoções no processo
de tomada de decisão.
Embora Cardoso (2009) defenda que a emoção e a razão se integrem
conjuntamente no processo de tomada de decisão, este considera, que na
generalidade as emoções precedem os julgamentos racionais. “ De facto, ao
longo da evolução da espécie, o Homem, antes de ser racional, foi um ser
emocional e, no desenvolvimento do ser humano, as estruturas emocionais
antecedem a maturação das estruturas cognitivas. Devemos, assim, estar
equipados para que as respostas emocionais aos estímulos com que nos
confrontamos no dia-a-dia antecedam as racionais” (Cardoso, 2009, p. 48).

É portanto peremptório reconhecer que as emoções estão associadas ao


consumo e que o desenvolvimento de qualquer empresa e seus produtos deve
ser orientado para predizer e satisfazer as crescentes e múltiplas necessidades
dos clientes. Com este pressuposto surgiu a ideia para a presente investigação.
Trata-se de um estudo sobre as percepções do consumidor acerca do comércio
tradicional em contraposição com as grandes superfícies comerciais, com base
nas suas preferências e atribuição de respectivas emoções. Neste sentido,
foram integrados no estudo, participantes das áreas rurais e urbanas de
diferentes localidades da zona norte do país, como o Porto, Braga, Guimarães,
Viana do Castelo, Melgaço e Vila Verde, abrangendo todas as classes etárias, no
sentido de criar uma amostra o mais homogénea possível. Foi construído um
questionário estruturado em duas partes. A primeira caracteriza-se pela
diferenciação de preferências entre o comércio tradicional e as grandes
superfícies comerciais através da apresentação de fotografias representativas
de múltiplas situações de consumo. Numa fase posterior foi pedido aos
participantes que atribuíssem uma emoção às fotografias apresentadas e que
indicassem o local onde acabariam por realizar as suas compras.
O presente estudo desenvolvido está claramente vocacionado para as
empresas e organizações representativas do comércio tradicional do norte do
país e ambiciona compreender os comportamentos dos consumidores através do
neuromarketing, identificando, ao mesmo tempo, os padrões no acto do
consumo. Em última instância, poder-se-ão enunciar causas para o sucesso e
insucesso, simultaneamente que se poderão definir linhas orientadoras de acção.

Resultados

466
Perante os dados obtidos e posterior análise foi possível verificar que os
consumidores inquiridos nas zonas rurais (40%) de Vila Verde e Melgaço, e nas
zonas urbanas (60%) do Porto, Braga, Viana do Castelo e Guimarães, são na
maioria do sexo feminino (58 %). No que se refere às escolhas entre as fotos
representativas dos dois tipos de comércio, verifica-se que em todas as
hipóteses os consumidores preferem o comércio tradicional. No primeiro item
analisado, relativo ao tipo de estacionamento preferido em contexto comercial,
74% dos participantes têm preferência pelos parques ao ar livre perto do
comércio local; já 80% dos inquiridos refere que opta por passear pelas lojas do
comércio tradicional em detrimento do comércio das grandes superfícies,
preferindo a grande maioria (62%) comprar nestes locais e também ser
atendidos neste tipo de comércio (61%). Neste sentido, ficou demonstrado que a
maioria dos participantes (92%) elege as esplanadas ao ar livre em detrimento
das zonas de restauração das grandes superfícies, assim como tem preferência
pelo tipo de alimentação tradicional (88%); os participantes (91%) também
escolheram os parques infantis ao ar livre junto das lojas tradicionais como lugar
preferido para as crianças brincarem.
Como já foi referenciado, os dados desta análise mostram que a grande
maioria dos inquiridos prefere o comércio tradicional em detrimento das grandes
superfícies comerciais nas várias áreas analisadas, desde o tipo de
estacionamento característico de cada comércio ao tipo preferencial de
atendimento. Para justificar os resultados obtidos, grande parte dos
participantes referiu o facto de o comércio tradicional se realizar ao ar livre e a
sua qualidade de serviços como factor influenciador de escolha.
Na generalidade, nas imagens referentes ao comércio tradicional foram
atribuídas emoções de carácter positivo, como bem-estar, calma e felicidade, em
contraste claro com os itens referente às grandes superfícies comerciais, onde
foram atribuídas, em grande maioria, emoções como mal-estar ou tensão.
Curiosamente a grande maioria (75%) realiza as suas compras nas grandes
superfícies comerciais em detrimento do comércio tradicional, referindo o facto
de os produtos estarem todos concentrados (43%) e também o factor tempo
(17%), como factor preponderante de escolha. Desta feita é possível concluir
que o factor de concentração dos produtos e o tempo influenciam directamente o
consumo sendo assim independentes das preferências do tipo de comércio e das
emoções associadas.

467
Conclusões

As conclusões deste estudo convergem, apenas parcialmente, com a


bibliografia revista (Camargo, 2009; Cardoso, 2009); assim é certo que o
comércio em geral e o acto de consumo em particular, está associado a
emoções.
Verificou-se que variáveis de contexto (tempo e concentração)
influenciam a opção pela escolha do local de consumo; fica assim por
demonstrar, que as emoções funcionem como preditores da preferência pelo
local de consumo. Neste contexto, é possível afirmar que as emoções
influenciam a intenção do acto de consumo e que os comportamentos divergem
das emoções. Porém, no caso concreto deste estudo e tendo em conta as
especificações do comércio das zonas rurais e urbanas do Norte do país, verifica-
se curiosamente que os participantes acabam por realizar as suas compras num
tipo de comércio que foi identificado na sua maioria com emoções de carácter
negativo, sobrepondo-se assim factores como o tempo e concentração dos
produtos, por exemplo, às emoções positivas.

Referências Bibliográficas

Camargo, P. (2009). Neuromarketing: Descodificando a mente do consumidor.


Porto: Edições IPAM.

Cardoso, A. (2009). O comportamento do consumidor. Lisboa: Lidel.

Cortina, A. (2002). Por Una Ética Del Consumo. Madrid: Taurus Editora.
Damásio, A. (2010). O livro da Consciência: A Construção do Cérebro
Consciente. Lisboa: Temas e Debates: Círculo de Leitores.
Lewis, D., & Phil (2004). Everything You Wanted to Know About Neuromarketing
But Didn´t Know Who To Ask!. Journal of Advertising Research, 44 (2), 181–
187.
Monteiro, L. (2008). Quando as condições do emprego transformam as
condições de trabalho:um estudo de caso sobre o trabalho temporário em
Portugal. Dissertação de Mestrado em Psicologia não publicada, Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Myers, H, J., & Reynolds, H, W. (1975). Gerência de Marketing e o


Comportamento do Consumidor. Petrópolis: Editora Vozes e Lda.

468
Yanaze, H, M. (2007). Gestão de Marketing: Avanços e Aplicações. São Paulo:
Editora Saraiva.

469
470
6. LIDERANÇA

471
TÍTULO: Contribuições para o estudo da liderança política nas

organizações: antecedentes, consequentes, variáveis mediadoras e

moderadoras

AUTOR(ES): Sandra Marisa Lopes Miranda

INSTITUIÇÃO: Escola Superior de Comunicação Social – Instituto

Politécnico de Lisboa

Resumo
O presente trabalho de investigação propõe-se contribuir para o estudo da
liderança política nas organizações, para o efeito foi construído um modelo
teórico de análise que congrega um conjunto de variáveis, praticamente
inexploradas, e que dizem respeito aos antecedentes dos comportamentos
políticos dos líderes (motivos de poder e maquiavelismo); aos comportamentos
políticos dos líderes (suaves e duros); às implicações dos comportamentos
políticos dos líderes nas atitudes que os colaboradores nutrem em relação às
suas organizações de pertença (satisfação, empenhamento; confiança e cinismo
organizacional); postulando-se, ainda, a interferência de variáveis mediadoras
(habilidade política dos líderes) e variáveis moderadoras das relações aí
desenhadas (reputação pessoal do líderes e clima político), metodologicamente
trianguladas e operacionalizadas por via da aplicação de inquéritos por
questionário a 1192 sujeitos de proveniências organizacionais diversificadas e
entrevistas em profundidade a 8 líderes organizacionais, acopladas de relatos de
incidentes políticos críticos. Os dados foram tratados recorrendo-se ao modelo
de equações estruturais e análise de conteúdo, respetivamente.

Palavras chave: liderança política, comportamento político.

Embora seja hoje objeto de aceitação a ideia de que as organizações são


percorridas por uma delicada teia de interesses e de que são territórios
eminentemente políticos, pluralistas, explicados na base dos objetivos e
estratégias corporizadas nos comportamentos estratégicos dos seus actores
(Baldridge, 1971; Bacharach e Lawler, 1980; Ammeter et al., 2002 e 2004),

472
aquilo que começa paulatinamente, a ter a aquiescência da academia, foi
durante décadas preterido, ignorado ou então, por vezes, abordado de forma
naivë - como seria de esperar face, por um lado, a uma poderosa lente do
paradigma racionalista que (des)focou por, demasiado tempo, o estudo das
organizações e apenas foi capaz de ver a fisionomia extremamente musculada
da sua dinâmica, não reconhecendo importância e funcionalidade aos aspectos
informais e emocionais dos comportamentos dos actores e das organizações
(March e Simon, 1958 e 1993; Peabody, 1963). Por outro lado, a perspectiva
política das organizações debate-se, até aos dias de hoje (Vigoda, 2003; Vigoda
e Drory, 2006; Vigoda e Dryzin, 2006) - agravado pelos inúmeros desaires e
escândalos de corrupção organizacional trazidos a lume pelos media, e pela
crescente desconfiança que os cidadãos ocidentais têm da política e dos
políticos, com o preconceito e o tabu generalizado nos diferentes domínios da
nossa sociedade e que tende a equiparar a política a jogos sujos que ocorrem na
penumbra dos bastidores, encerrando uma dimensão extremamente narcisista,
egoísta e malévola dos indivíduos que tais práticas levam a efeito, movidos por
agendas ocultas, tendo em vista a prossecução dos seus interesses pessoais,
sempre às expensas dos interesses dos outros (Kanter, 1979). Na verdade, é
essa colagem precipitada ao papel de ―vilão organizacional que faz com que
sempre que se pretenda discutir a atividade política interna da organização,
absolutamente ninguém se revê na figura de um político – ou agindo como tal –
com exceção para as práticas e comportamentos que, inusitadamente, são
manobrados para salvaguardar e defender os mais elevados interesses da
organização (Burns, 1961; Drory e Romm, 1990). Sendo certo que o cenário
anteriormente traçado não abona a favor do estudo da política nas organizações
e que, apesar dos avanços registados, é uma matéria que comporta um grande
espaço de progressão (Vigoda e Drory, 2006), o panorama torna-se ainda mais
nebuloso quando procuramos perceber a interconexão e a ligação que o
fenómeno da política estabelece com o da liderança organizacional – aquilo que
encontramos é um terreno, por demais fértil, mas, por demais, bravio (Ammeter
et al., 2002; Ferris et al., 2003). Sublinhe-se que esta cegueira causa-nos
alguma perplexidade, não apenas porque sabemos da clássica atracção, tanto ao
nível da academia como ao nível da literatura (Bass, 1990) do pop management
(Wood Jr., 2000), que existe em torno do tópico da liderança, havendo mesmo
alguns investigadores, como é o caso de Tosi (1982) ou Pfeffer, 1977 (in
Jesuíno, 1987), que dão sinais de algum aborrecimento, falando por isso de uma

473
hiperbolização e de uma excessiva produção hollywoodesca em torno do tema.
Mas também porque, num mundo cada vez mais turbulento e globalizado,
profícuo em incertezas inusitadas oriundas de um, cada vez maior número de
personagens, públicos e stackeholders que querem fazer valer os seus direitos e
as suas vontades, que competem arduamente pelo seu pedaço de território
(Buchanan e Badham, 1999), os líderes que queiram catapultar as suas
organizações para o sucesso não se podem dar ao ―luxo de ter um olho cego
para a dimensão política interna e externa que envolve os seus negócios
(Hartley, 2006; Vigoda e Dryzin, 2006). Afinal conforme Bader (1992), já havia
relatado da sua experiência enquanto CEO, dadas as características das
organizações actuais, o comportamento político, a competição, e o conflito não
podem ser vistos como sinistros, problemáticos, com contornos maquiavélicos.
Para Buchanan e Badham (1999) esta perda de inocência é crucial já que
aqueles que insistirem que o comportamento político é, invariavelmente,
prejudicial e deve ser erradicado não conseguirão progredir em cenários de
trabalho; ou então, aqueles que creem que o envolvimento na trama política é
pouco razoável, tornarão a experiência de liderar absurdamente frustrante,
colhendo apenas o descontentamento, o cinismo, a insatisfação e o
desinvestimento dos seus colaboradores e, por conseguinte, comprometerão os
resultados organizacionais (Hardy, 1995).
Semelhantes ideias e convicções são defendidas por Ammeter et al.,
(2002) em ―Toward a political theory of leadership ao apresentarem uma
revisão da literatura sobre o estado da arte – com um cariz marcadamente
especulativo, e esgrimindo com tenacidade e determinação a necessidade de se
estudar, aprofundar e dar alguma roupagem empírica ao fenómeno da liderança
política nas organizações, apelando para os perigos, pruridos e até teimosia dos
investigadores em preterirem ou então, fingirem não ver, uma das peças mais
reveladoras e determinantes do puzzle organizacional.
Ao enunciarem aquelas que são as grandes imaturidades, lacunas e
silêncios que o tema enforma, os autores elegeram os preditores, as implicações,
as variáveis moderadoras e mediadoras (estas últimas, praticamente arredadas
da discussão), facto que, em função do nível de compreensão atingido, nos leva
a arriscar o atrevimento de que falta estudar um pouco de tudo no âmbito da
liderança política em cenários de trabalho. Assim, e seguindo os reptos de
Ammeter et al., (2002), com o presente trabalho de investigação propomo-nos,
ainda que modestamente, efetuar uma aproximação e contribuir para aprofundar

474
as peculiaridades da teoria política de liderança, procurando fornecer alguma
consistência teórica e evidência empírica a um campo de trabalho deveras
prometedor e revelador, mas praticamente inexplorado.
Para o efeito, e seguindo os reptos para investigação oriundos da
literatura da especialidade, foi construído um modelo teórico de análise
integrativo que congrega um conjunto de variáveis, praticamente negligenciadas
até à data, e que dizem respeito (figura 1):
- Aos antecedentes das táticas e comportamentos políticos dos líderes –
que explicam as motivações, as predisposições disposicionais e as competências
dos líderes para manifestarem comportamentos políticos: referimo-nos aos
motivos de poder (Mcllelland, 1985; Winter, 1998) e ao maquiavelismo (Christie
e Geis, 1970; Biberman, 1985 Morrison, 1997, Sussman et al., 2004); tal como
à habilidade política dos líderes - perspectivada enquanto variável mediadora da
relação entre os motivos de poder, o maquiavelismo dos líderes e as tácticas e
os comportamentos políticos suaves e duros dos líderes (Ferris et al., 1999 e
Ferris et al., 2000).
- Às táticas e comportamentos políticos dos líderes suaves e duros – que
comportam as ações que os líderes adotam quando procuram influenciar e
partilhar significado com os demais indivíduos que compõem a organização (Yukl
e Falbe, 1990; Falbe e Yukl, 1992; Yukl, 2006).
- Às implicações das táticas e comportamentos políticos suaves e duros
dos líderes nas atitudes que os colaboradores nutrem em relação à organização
de pertença: referimo-nos à satisfação organizacional (Christiansen, Villanova e
Mikulay, 1997; Ferris et al., 2003a; Yukl, 2006); ao empenhamento
organizacional: afetivo, calculado e instrumental (Ferris et al., 2003a; Yukl et al.,
2003; Yukl, 2006); à confiança organizacional: afectiva e cognitiva (Ferris et al.,
2003a; Ammeter et al., 2004a); e ao cinismo organizacional: pessimismo,
atribuição individual e atribuição situacional (Ferris et al., 2003a; Treadway et
al., 2004; Yukl, 2006).
- Finalmente, o modelo prevê ainda a inclusão da reputação pessoal dos
líderes (Higgins et al., 2002; Ferris et al., 2003b) e do clima político
organizacional (Kacmar e Ferris, 1991; Vigoda, 2000; Vigoda e Cohen, 2002)
que vão interferir como variáveis moderadoras da relação entre as tácticas e os
comportamentos políticos suaves e duros dos líderes e as atitudes
organizacionais que os colaboradores nutrem face às suas organizações.

475
Figura 1. Modelo teórico de análise

2. Método
2.1. Participantes
Trata-se de uma amostra não probabilística por conveniência composta
por 1192 colaboradores (homens e mulheres), inseridos em cenários de
trabalho, oriundos de proveniências organizacionais diversificadas (públicas,
privadas e ONG’S). De igual modo, foram entrevistados 8 chefias imediatas
oriundas das empresas anteriormente referidas.

2.2. Medidas
2.2.1. Inquérito por questionário
O questionário utilizado encontra-se dividido em duas sessões (A e B). Na
secção A, são consideradas todas as variáveis respeitantes à caracterização do
líder nas suas mais diversas vertentes consideradas no modelo teórico de
análise: motivos de poder (Rego e Carvalho, 2002); maquiavelismo (Christie e
Geis, 1970); habilidade política (Ferris et al., 2005); táticas e comportamentos
políticos: suaves e duros (Yukl e Falbe, 1990) e reputação pessoal. Na secção B,
para além de serem direcionadas um conjunto de questões onde se procura
perceber qual o clima político (Kacmar e Ferris, 1991) vigente na organização

476
são, igualmente, minudências um conjunto de atitudes organizacionais que os
colaboradores nutrem em relação à organização onde estão inseridos, como é o
caso da satisfação (Lima, Vala e Monteiro, 1995); do empenhamento: afectivo,
calculado, normativo (Meyer e Allen, 1991); da confiança: afectiva, cognitiva
(Cummings e Bromiley, 1996) e do cinismo: pessimismo, atribuição individual,
atribuição situacional (Wanous, Reichers e Austin, 1994). Para responder a estas
questões os respondentes utilizaram uma escala de Likert de 6 pontos (1.
Discordo totalmente; 6. Concordo totalmente).

2.2.2. Entrevistas semi-estruturadas e Incidentes Críticos


Políticos
Para além dos inquéritos realizados aos colaboradores foram, igualmente,
levadas a cabo 8 entrevistas a chefias diretas, acopladas de relatos de incidentes
críticos políticos.

3. Resultados e Principais Conclusões


Em termos gerais, pode considerar-se que os instrumentos utilizados no
presente estudo denotam propriedades psicométricas aceitáveis. Os modelos
fatoriais encontrados ajustam-se aos dados e as consistências internas são, de
uma forma geral, superiores a 0,70. Sublinhe-se que, as escalas da habilidade
política, do clima político, das táticas de influência política e do cinismo
organizacional, foram pela primeira vez aplicadas à realidade organizacional do
nosso país.
No que diz respeito ao estudo dos caminhos previstos no modelo teórico
de análise e analisados através dos modelos de equações estruturais, verificou-
se que os antecedentes disposicionais: motivos de poder e maquiavelismo
estabelecem com a habilidade política uma relação positiva e significativamente
muito semelhante, indicando que quanto maiores forem os motivos de poder e
quanto maior for o nível de maquiavelismo dos líderes maior será a sua
habilidade política. De igual, constatou-se que os motivos de poder e o
maquiavelismo têm capacidade preditiva sobre as táticas e os comportamentos
políticos – tanto na sua vertente suave, como na sua versão mais hard. Quer isto
dizer que, com os motivos de poder, não obstante o efeito desta variável seja
mais vincado junto das táticas e comportamentos políticos suaves, quanto mais
saliente for o desejo e a necessidade dos líderes em influenciar e orientar os

477
outros no trilho dos seus intentos, maior tendência terão para se envolverem na
trama política.
Semelhantes ilações foram aferidas com o maquiavelismo enquanto
antecedente das táticas e comportamento políticos de liderança. Neste caso, foi
na ligação maquiavelismo e táticas e comportamentos políticos suaves que
encontramos o caminho mais robusto. Assim, os dados levaram-nos a aduzir que
mais maquiavelismo é fio condutor de incrementos em comportamentos
políticos, principalmente no que se prende com aqueles que se apresentam mais
consistentes com as normas sociais prevalecentes no contexto organizacional.
Na análise da mediação da habilidade política, os resultados mostraram
que não obstante ela medeie todas as relações postuladas, ou seja, entre os
motivos de poder e os comportamentos políticos suaves; entre os motivos de
poder e os comportamentos políticos duros; entre o maquiavelismo e os
comportamentos políticos suaves e entre o maquiavelismo e os comportamentos
políticos duros, os efeitos mediados mais fortes foram aferidos entre os motivos
de poder e as táticas e os comportamentos políticos suaves e, entre os motivos
de poder e os comportamentos políticos duros.
Tendo em conta que as atitudes organizacionais em estudo dizem
respeito à satisfação organizacional, ao empenhamento organizacional, à
confiança organizacional e ao cinismo organizacional, os dados estudados
mostraram que, em termos globais, e com exceção do cinismo organizacional, a
totalidade das táticas e dos comportamentos políticos presentes no modelo de
análise associam-se positiva e significativamente com as referidas atitudes
organizacionais. Em todo o caso, o valor mais elevado de encontrou-se adstrito
ao caminho: táticas e comportamentos políticos suaves- satisfação
organizacional. Em oposição, o valor positivo menos saliente descreve o trilho
traçado entre as táticas e os comportamentos políticos duros e as versões
efetiva e cognitiva da confiança organizacional. De resto, uma tendência que se
protelou ao longo da análise dos dados teve a ver com o facto constatado de que
é a dimensão dura e “musculada” dos comportamentos políticos que dá um
contributo menos vincado e saliente para as atitudes (com exceção do cinismo
organizacional) que os colaboradores nutrem em relação às suas organizações
de pertença.
Os resultados obtidos para avaliar o potencial efeito moderador da
variável reputação pessoal do líder permitiu-nos verificar que a reputação
pessoal dos líderes modera a relação entre os comportamentos políticos suaves

478
e o cinismo organizacional, apenas no fator atribuição individual, significando
quando a reputação pessoal dos líderes é baixa, a relação entre os
comportamentos políticos suaves e o cinismo: atribuição individual é positiva,
logo mais comportamentos políticos suaves conduzem a um maior cinismo:
atribuição individual. Por outro lado, quando a reputação do líder é elevada, a
relação entre os comportamentos políticos suaves e o cinismo: atribuição
individual é negativa logo, quanto maior é o comportamento político suave
menor é o cinismo.
Alterando os termos da interação, concluímos que a reputação pessoal do
líder tem um efeito moderador na relação que as táticas e os comportamentos
políticos duros estabelecem com o fator pessimismo do cinismo organizacional.
Sendo que, quando a reputação pessoal do líder é baixa, a relação entre os
comportamentos políticos duros e o cinismo é positiva e bastante significativa,
indicando que mais comportamentos políticos duros conduzem a um maior
cinismo. Por outro lado, quando a reputação do líder é elevada, a relação entre
os comportamentos político duros e o cinismo é negativa e significativa. Neste
caso, quanto maior é o comportamento político duro menor é o cinismo.
No que diz respeito ao clima político enquanto variável moderadora, os
resultados postos em evidência permitiram-nos confirmar que o clima político
modera apenas a relação entre as táticas e os comportamentos políticos suaves
de liderança e o empenhamento afetivo dos colaboradores. Assim, coligimos que
quando o clima político é baixo a relação entre os comportamentos políticos
suaves e o empenhamento afetivo é positiva e significativa, indicando que mais
comportamentos políticos suaves conduzem a um maior empenhamento afetivo.
Por outro lado, quando o clima político é elevado a relação entre os
comportamentos político suaves e o empenhamento afetivo é negativa e
significativa, indicando que quanto maior for o comportamento político suave
menor é o vínculo afetivo que une os sujeitos à organização.
A análise dos índices de ajustamento do modelo permitiu-nos considerá-lo
bastante adequado para explicar as relações entre as variáveis. Todos os índices
de ajustamento atenderam às recomendações necessárias para que
aceitássemos a hipótese nula de que a matriz de covariância implicada pelo
modelo não é diferente da matriz de covariância observada.

479
TÍTULO: Agressão laboral nas equipas: um olhar sobre o impacto dos

estilos de gestão de conflito e do clima ético

AUTOR(ES): Ângelo Vicente (avicente@ispa.pt) e Teresa C. D’Oliveira

INSTITUIÇÃO: ISPA – Instituto Universitário

Introdução
A agressão tem sido apontada como um stressor e um risco psicossocial em
contexto de trabalho (Zapf & Gross, 2001).
Apesar das diferentes definições e designações existentes na literatura (e.g.
mobbing, assédio moral, violência laboral), a agressão é um comportamento
percebido como intencional e persistente que visa prejudicar ou lesar alguém ou
a organização (Neuman & Baron, 1998; Vicente, 2008).
A literatura destaca a importância do trabalho de equipa no aumento da
qualidade e da eficiência (Campion, Medsker & Higgs, 1993). As organizações
recorrem ao trabalho em equipa para se tornarem mais competitivas, pois
acreditam que o trabalho em equipa melhora a organização e a distribuição do
trabalho, o processamento de informação, a tomada de decisões e a resolução
de problemas (Guzzo & Dickson, 1996; Pina e Cunha, Rego, Campos e Cunha &
Cabral-Cardoso, 2006). No entanto, o comportamento dos grupos e equipas
difere do comportamento individual e o nível grupal é central na interface
indivíduo organização pois fornece um contexto social crítico para as
interpretações feitas pelos colaboradores sobre os sistemas de nível
organizacional (Robinson & O’Leary-Kelly, 1998).
Apesar disto, o estudo da agressão ao nível das equipas tem sido descurado na
literatura. No entanto, a literatura emergente sobre o tópico começa a destacar
a importância de estudar a agressão nas equipas de trabalho (nível meso de
análise) (Barling, Dupré & Kelloway, 2009), algo que tem surgido sobretudo
associado à literatura de equipas disfuncionais (ver e.g. Fleps, Mitchell &
Byington, 2006)
Deste modo, o objetivo geral do presente trabalho procura estudar a agressão
em contexto de equipa, destacando as relações com o clima ético e com os
estilos de gestão de conflito adotados pelos membros de uma equipa.

480
Agressão nas equipas e o desempenho das equipas
A investigação sobre agressão no trabalho tem-se centrado
essencialmente num nível individual. Recentemente alguns autores destacam
que a agressão laboral deve ser estudada ao nível dos grupos e equipas de
trabalho fazendo emergir alguns estudos centrados nas equipas disfuncionais
(Felps, et al., 2006) ou centrados na procura de relações entre a agressão
dentro do grupo e o nível de agressão de cada um dos elementos do grupo
(Glomb & Liao, 2003; Robinson & O’Leary-Kelly, 1998).
O presente trabalho procura encontrar pistas que sustentem a relação
negativa entre a perceção de agressão dentro do grupo e a descrições de
desempenho. Já anteriormente esta associação foi destacada encontrando
efeitos diretos significativos entre estas duas variáveis (Aubé & Rousseau, 2011;
Vicente & D’Oliveira, 2012).

H1: A agressão na equipa tem uma relação negativa com as descrições de


desempenho da equipa.

O papel do clima ético no desempenho e na agressão


O clima organizacional remete para as avaliações e perceções que as
pessoas fazem do ambiente organizacional, resultando da interpretação das
condições de trabalho na organização. É por isso, uma construção psicológica de
um grupo de indivíduos que interagem e partilham um quadro de referência
comum (Pina e Cunha et al., 2006). O clima exerce um forte impacto na
motivação para realizar e concretizar os objetivos e atingir os resultados.
Este tem sido destacado na literatura como fator antecedente relevante
para a frequência de agressão e assédio sexual nos contextos laborais (e.g.
Courcy & Savoie, 2004; Raver & Gelfand, 2005). Climas pouco estimulantes
podem diminuir o desenvolvimento pessoal, com tarefas rotineiras e
desinteressantes; climas informais, nos quais não é percetível o que se considera
ser aceitável nas interações que se estabelecem, e atmosferas de trabalho muito
competitivas são catalisadores de agressão laboral (Andersson & Pearson, 1999;
Einarsen & Hauge, 2006).
Na literatura podem identificar-se diferentes tipos de clima organizacional
(e.g. clima de segurança, clima de mudança), mas no presente estudo apenas o
clima ético é contemplado.

481
O clima ético designa os princípios e normas para a moral e para o
comportamento correto e verdadeiro, aprendidos no processo de socialização
(Appelbaum, Deguire, & Lay, 2005). Além disto, o clima compreende as
perceções coletivas partilhadas sobre os eventos (Peterson, 2002), que
normalmente implica: i) sensibilidade moral, ii) julgamento moral, iii) motivação
moral e iv) caráter moral (Rest, 1986). Arnaud (2010) acrescenta ao clima ético
as dimensões empatia e foco nos interesses dos outros, e o foco nos interesses
do próprio.
O comportamento desviante, do qual a agressão faz parte (Bennett &
Robinson, 2000), pode ser previsto pelo clima ético organizacional. Deste modo,
a segunda hipótese deste trabalho procura analisar as relações entre o clima
ético, o desempenho da equipa e a agressão na equipa.

H2: A perceção de agressão na equipa media a relação entre a perceção de


clima ético e as descrições de desempenho.

Estilos de gestão de conflito como moderadores entre a agressão e o


desempenho das equipas
Uma das abordagens de intervenção na agressão postula que esta é vista
como uma forma particular de escalada de conflito (Zapf & Gross, 2001). Numa
perspetiva semelhante Leymann (1996) havia destacado que o conflito é uma
fase inicial do processo de agressão. No entanto, o conflito pode ser positivo
(Jehn, 1995), pode ocorrer sem diferencial de poder, pode ser resolvido
rapidamente, enquanto a agressão tem efeitos negativos na vítima e consiste
uma série de episódios de conflitos ao longo do tempo, de forma repetida e
prolongada (Zapf & Gross, 2001).
Somech, Desivilva, & Lidogoster (2009) baseando-se em diferentes
abordagens de gestão de conflito procuraram descrever os efeitos diferenciados
que a adoção de um estilo de gestão de conflitos colaborativo ou competitivo
teriam no desempenho. Encontraram uma associação positiva no caso da
cooperação e negativa no caso da competição.
Uma gestão de conflitos colaborativa está presente numa equipa quando:
i) a enfase é colocada nos objetivos comuns, ii) o conflito é encarado como parte
de um problema que precisa de sugestões comuns, iii) existe o reconhecimento
de que o sucesso de uns membros da equipa promove o sucesso de outros e, iv)
os membros da equipa têm a crença de sere bem-sucedida na gestão de

482
conflitos. Já no estilo de gestão competitivo: i) os membros da equipa focalizam-
se em objetivos divergente, ii) o sucesso de um dos membros distancia os
outros no alcance dos objetivos, iii) os conflitos são entendidos como uma luta
de vencedores e vencidos e, iv) a falta de comunicação entre os membros
conduz a impasses ou soluções impostas.
Não existe consenso na literatura relativamente à eficácia dos estilos de
gestão de conflito durante o processo de agressão laboral. Alguns autores
defendem que a uma estratégia adequada de gestão de conflitos pode atenuar a
frequência de agressão em contexto de trabalho, enquanto outros destacam que
a adoção de determinada estratégia pode não ter sucesso num caso de agressão
(Zapf & Gross, 2001). Esta falta de consenso acontece porque na agressão não
existe uma preocupação por resolver a contenda e normalmente a vítima
culpabiliza-se (Harvey et al., 2009) e quando a agressão é severa a estratégia
recomendada é a mediação (Saam, 2010).

H3: Os estilos de gestão de conflito moderam a relação entre a agressão


reportada e o desempenho. Concretamente, espera-se que quando a estratégia
de gestão de conflitos adotada é a cooperação, os efeitos nefastos que a
agressão tem no desempenho possam diminuir.

Método
Participantes
Contou-se com a colaboração de 223 participantes que trabalhavam
numa variedade de setores de atividade apontados pelas estatísticas como
incubadores de agressão em contexto de trabalho (e.g. saúde e educação). Dos
indivíduos que participaram, 39% eram do género masculino e 61% do género
feminino. A maioria dos participantes era licenciada e tinham habilitações ao
nível do ensino secundário (81.1%). A faixa etária dos participantes variou entre
19 e 65 anos (M=37; SD=9,66). Cargos de chefia eram exercidos por apenas
17.9% da amostra e a maioria tinha vínculos contratuais de tempo integral com
a organização na qual trabalha (86.6%).

Variáveis e medidas
Desempenho das equipas: operacionalizado através de 3 itens da Escala de
Eficácia proposta por Aubé e Rousseau (2005), com uma consistência interna de

483
.804. E.g. Os membros da minha equipa alcançam os objetivos que lhes foram
definidos.
Agressão laboral: foi utlizado o Questionário de Comportamentos Agressivos
(25 itens; α=.939) (Vicente, 2008; Vicente & D’Oliveira,2011). Este instrumento
é constituído por 5 dimensões: hostilidade, desvio organizacional, não interação,
boatos e depreciação. E.g. Humilhar alguém em frente dos outros.
Clima ético: para medir o clima ético foi utilizado Questionário de Clima Ético
desenvolvido por Arnaud (2010). Este questionário tinha na sua versão original
21 itens e continha as dimensões: carácter moral, motivação moral, empatia,
foco nos outros, foco no self e consciência moral. Foi feita uma tradução e
retroversão dos itens. Seguidamente foram analisadas as qualidades métricas da
escala. Através de uma análise factorial confirmatória identificou-se a existência
de duas dimensões essenciais: o foco nos outros (α=.851, e.g. aquilo que é
melhor para todas as pessoas no departamento é a principal preocupação) e o
foco no self (α=.861; e.g. as pessoas do meu departamento pensam no seu
próprio bem-estar perante uma decisão difícil).
Estilos de gestão de conflitos: foi seguida a recomendação de Somech et al.,
2009, que mede dois tipos de gestão de conflito diferenciadas na literatura: o
estilo cooperativo (7 itens; α=.886; e.g. os membros do meu grupo trabalham
para uma compreensão adequada dos problemas) e o estilo competitivo (4 itens;
α=.812; e.g. os membros do meu grupo de trabalho usam a sua especialização
para tomar decisões a seu favor).

Design e Procedimento
Foi dito aos participantes que o questionário apresentado abordava
questões relacionadas com a qualidade do ambiente de trabalho e das relações
laborais, na sua organização e no seu grupo de trabalho. Primeiramente foi
solicitado que respondessem a questões relativas a dados pessoais.
Seguidamente, encontravam um conjunto de afirmações às quais teriam que
responder com a maior sinceridade possível, utilizando uma escala tipo Likert 1
(nunca/discordo totalmente) até 5 (sempre/concordo pessoalmente). Os
participantes foram também esclarecidos quanto ao carácter voluntário da sua
cooperação e foi assegurada a confidencialidade e o anonimato das respostas.
Os questionários foram distribuídos via online aos participantes num processo de
recrutamento do tipo snowball. Como critério de inclusão/exclusão todos os
indivíduos teriam que trabalhar em equipa.

484
Resultados
O modelo de mediação da agressão sobre o desempenho foi avaliado
através um modelo causal com variáveis latentes, através do AMOS 20. Este
modelo permitiu testar as hipóteses 1 e 2 deste estudo. O modelo teve um
ajustamento razoável (X2/df=2.60; CFI=.701; GFI=.659; RMSEA=.085). A
percentagem da variância explicada do desempenho pelo modelo foi de 7%.
Verificou-se um efeito direto negativo e significativo da agressão sobre o
desempenho (βD.A=-.219; p=.016) e do clima ético para a agressão (βA.CE=-
.502; p=.073). Já o efeito direto do clima ético sobre o desempenho não foi
significativo. O efeito de mediação foi verificado (βD.CE|A=-.681; p=.021).
Portanto, não existindo um efeito direto do clima ético para o desempenho
obteve-se um efeito de mediação total.
Para testar a terceira hipótese deste trabalho foi realizada uma Path
analysis com o software estatístico AMOS 20. Trabalhou-se sobre as variáveis
centradas para reduzir os efeitos de multicolinearidade com o termo de
interação. A existência de outliers foi avaliada pela distância quadrada de
Mahalanobis (D2) e a normalidade das variáveis foi verificada pelos coeficientes
de assimetria (Sk) e curtose (Ku), tal como recomendado por Maroco (2010). A
significância dos efeitos diretos, indiretos e totais foram avaliadas com testes Z
(Maroco, 2010). O modelo obtido está representado na figura 1.

Figura 1 – Modelo de moderação dos estilos de gestão de conflito sobre o desempenho

485
Há semelhança do que já havia acontecido no modelo testado para a
hipótese 1, também neste modelo a agressão teve um efeito direto significativo
e negativo no desempenho (βD.A=-.137; Z=-1.884; p=.006). Também a
cooperação/colaboração teve um efeito direto significativo mas positivo
(βD.COOP=.333; Z=4.88; p<.001). A competição não teve um efeito direto no
desempenho (βD.COMP=-.012; Z=-.197; p=.844) e não se verificou um efeito
moderador da cooperação no desempenho (βD.A*COOP=-.027;p=.691). No
entanto, o efeito da competição em interação com a agressão tem um efeito no
desempenho significativo (βD.A*COMP=-.135; Z=-2.159; p=.031), destacando a
existência de um efeito moderador do estilo de gestão competitivo.

Discussão e conclusões
O objetivo geral do presente trabalho visou estudar e analisar as relações
entre a agressão nas equipas, o desempenho, o clima ético e os estilos de
gestão de conflito.
A hipótese de que a frequência de agressão na equipa tem um efeito
negativo no desempenho foi confirmada. Este resultado vai ao encontro da
investigação recente que tem reconhecido os efeitos negativos da agressão
percebida nas equipas, nas descrições do desempenho da equipa (Aubé &
Rousseau, 2011; Vicente & D’Oliveira, 2012).
A segunda hipótese postulava a existência de uma mediação da agressão
na equipa na relação entre clima ético e o desempenho. Esta hipótese, tal como
a primeira, foi confirmada, sugerindo que os efeitos que a perceção dos eventos,
práticas e procedimentos éticos têm no desempenho ocorrem por mediação da
agressão percebida no contexto do grupo. Deste modo, se existir uma fraca
perceção de normas para o comportamento correto na organização, a agressão
passa a ser um comportamento frequente e eticamente tolerado (Harvey et al.,
2009), tendo um efeito negativo nas descrições de desempenho da equipa na
qual os indivíduos trabalham. Foi verificado uma mediação total por parte da
agressão laboral, uma vez que o clima ético não teve qualquer efeito direto
sobre o desempenho de equipa. Esta relação direta foi contemplada no modelo
teórico de base com um caráter exploratório. Tal como na literatura podem ser
identificadas relações entre clima organizacional e desempenho (Lichtman,
2007; Popa, 2011), era expectável que, sendo o clima ético um tipo de clima
organizacional existisse também uma relação entre este e o desempenho. Deste

486
modo, a relação entre o clima ético e o desempenho observada neste estudo
aponta pistas que trabalham futuros devem contemplar.
Adicionalmente foi estudado o efeito moderador dos estilos de gestão de
conflito competitivo e cooperativo na relação entre agressão e desempenho
(hipótese três). Este efeito foi parcialmente verificado. Apenas o estilo
competitivo de gestão de conflitos quando combinado com a agressão teve um
efeito negativo no desempenho de equipa, antevendo que não é uma estratégia
eficaz num caso de agressão, por aumentar os efeitos negativos da agressão
sobre o desempenho. Já o efeito atenuador expectável do estilo
cooperativo/colaborativo de gestão de conflitos não foi verificado. Tais resultados
vão ao encontro da literatura que defende que a adoção de estratégias de gestão
de conflito pode não ser um procedimento adequado em casos de agressão (Zapf
& Gross, 2001). Tal pode acontecer por variadas razões. Primeiro porque a
agressão é um processo mais complexo que o conflito e normalmente resulta de
uma escalada do primeiro (Leymann, 1996) que pode implicar a intervenção de
um mediador externo. Segundo, na agressão não se antevê uma tentativa de
resolução da contenda (Harvey, Treadway, Heames & Duke, 2008), deixando de
fazer sentido adotar estratégias de gestão de conflitos nos processos agressivos.
Terceiro, o sucesso e eficácia de uma determinada estratégia de gestão de
conflito pode depender do grau de interdependência e das expectativas de
interação futura (e.g. nestes casos a cooperação é mais adotada) (Neves,
Garrido & Simões, 2008). Estas variáveis devem ser consideradas em futuros
trabalhos no modelo de gestão de gestão de conflitos, agressão e desempenho,
como moderadores. Podem também existir distinções nos estilos adotados pelo
agressor e pela vítima para lidar com a agressão e comportamentos de
retaliação, como sugere o estudo recente de Hershcovis et al. (2012).

Referências
Andersson, M. L., & Pearson, M. C. (1999). Tit for tat? The spiralling
effect of incivility in the workplace. Academy of Management Review, 24, 452-
471.
Appelbaum, S., Deguire, K., & Lay, M. (2005). The relationship of ethical
climate to deviant workplace behaviour. Corporate Governance, 5, 43-55.
Arnaud, A. (2010). Conceptualizing and measuring ethical work climate:
development and validation of the ethical climate index. Business Society, 49,
345-358.

487
Aubé, C., & Rousseau, V. (2005). Team goal commitment and team
effectiveness: the role of task interdependence and supportive behaviours.
Group dynamics: Theory, research, and Practice, 9, 189-204.
Aubé, C., & Rousseau, V. (2011). Interpersonal aggression and team
effectiveness: the mediating role of team goal commitment. Journal of
Occupational and Organizational Psychology, 38, 565-580.
Bennett, J. R., & Robinson, L. S. (2000). Development of a Measure of
Workplace Deviance. Journal of Applied Psychology, 85, 349-360.
Campion, M., Medsker, G., & Higgs, A. (1993). Relations between work
group characterists and effectiveness: implications for designing effective work
groups. Personnel Psychology, 46, 823-850.
Courcy, F., & Savoie, A. (2004). Le role du climat de travail dans la
prédiction différenciée des aggressions en milieu de travail. Psychologie du
Travail et des Organisations, 10, 45-60.
Einarsen, S.,& Hauge, J. L. (2006). Antecedentes y Consecuencias del
acoso psicológico en el trabajo: una revisión de la literatura. Revista de
Psicología del Trabajo y de las Organizacines, 22, 251-273.
Felps, W., Mitchell, T., & Byington, E. (2006).How, when, and why bad
apples spoil the barrel: negative group members and dysfunctional groups.
Research in Organizational Behaviour, 27, 175-222.
Glomb, T., & Liao, H. (2003).Interpersonal aggression in work groups:
social influence, reciprocal, and individual effects. Academy of Management
Journal, 46, 486-496.
Guzzo, R., & Dickson, M. (1996). Teams in organizations: recent research
on performance and effectiveness. Annual Review Psychology, 47, 307-338.
Harvey, M., Treadway,D., Heames, J., & Duke, A. (2009).Bullying in the
st
21 century global organizations: an ethical perspective. Journal of Business
Ethics, 85, 27-48.
Jehn, A.K. (1995). A multimethod examination of the benefits and
detriments of intragroup conflict. Administrative Science Quarterly, 40, 256-282.
Leymann, H. (1996). The content and development of mobbing at work.
European Journal of Work and Organizational Psychology, 5, 165-184.
Lichtman, R. (2007). Effects of an organization’s climate on performance
of supply chain managers in Michigan: a perception study. International Journal
of Quality and Productivity Management, 7, 38-46.

488
Maroco, J. (2010). Análise de equações estruturais: fundamentos
teóricos, software e aplicações. Report Number: Lisboa.
Neves, J., Garrido, M., & Simões, E. (2008). Manual de competências
pessoais, interpessoais e instrumentais. Edições Sílabo: Lisboa.
Neuman, H. J., & Baron, A. R. (1998). Workplace Violence and Workplace
Aggression: Evidence Concerning Specific Forms, Potential Causes, and Preferred
Targets. Journal of Management, 24 (3), 391-419
Peterson, D. (2002). Deviant workplace behaviour and the organization’s
ethical climate. Journal of Business and Psychology, 17, 47-61.
Pina e Cunha, M., Rego, A., Campos e Cunha, R., & Cabral-Cardoso, C.
(2006). Manual de comportamento organizacional e gestão. Rh Editora: Lisboa.
Popa, B. (2011). The relationship between performance and
organizational climate. Journal of Defense Resources Management, 2, 137-142.
Raver, J., & Gelfand, M. (2005). Beyond the individual victim: linking
sexual harassment, team processes, and team performance. Academy of
Management Journal, 48, 387-400.
Robinson, S., & O’Leary-Kelly, A. (1998).Monkey see, monkey do: the
influence of workgroups on the antisocial behaviour of employees. Academy of
Management Journal, 41, 658-672.
Saam, N. (2010). Interventions in workplace bullying: a multilevel
approach. European Journal of Work and Organizational Psychology, 19, 51-75.
Somech, A., Desivilya, H., & Lidogoster, H. (2009). Team conflict
management and team effectiveness: the effects of task interdependence and
team identification. Journal of Organizational Behaviour, 30, 359-378.
Vicente, A., & D’Oliveira, T (2011). Confirmatory study of the
dimensionality of workplace aggression. Poster apresentado no 15 th Conference
of the European Association of Work and Organizational Psychology 2011, de 25-
28 de Maio, Maastricht.
Vicente, A., & D’Oliveira, T. (2012). Mudanças organizacionais e agressão
laboral: uma relação próxima? Comunicação apresentada no 1º Congresso da
Ordem dos Psicólogos Portugueses, de 18-21 Abril, Centro Cultural de Belém:
Lisboa.
Vicente, A. (2008). No trabalho ou na arena : dimensionalidade do
domínio agressão em contexto de trabalho. Tese apresentada para a obtenção
do grau de Mestre em Psicologia Social e das Organizações, no ISPA-IU
(www.rcaap.pt).

489
Zapf, D., & Gross., C. (2001). Conflict escalation and coping with
workplace bullying: a replication and extension. European Journal of Work and
Organizational Psychology, 10,497-522.

490
TÍTULO: Pesquisas em liderança: uma trajetória.

AUTOR(ES): Virgínia Souza Drummond e Marcos Jardim Freire

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro – BRASIL.

Este trabalho apresenta percurso de uma década de pesquisas sobre Liderança


propiciando: (i) construção de conhecimentos, estratégias e instrumentos de
intervenção; (ii) formação de profissionais; (iii) mudanças no campo empírico,
assim como (iv) fortalecimento da integração teoria-prática, no contexto da
Psicologia Organizacional. Liderança é considerada sob o prisma relacional, com
destaque para o papel da confiança e produção de capital social organizacional, a
partir do reconhecimento de gestores como líderes, por seus colaboradores. A
metodologia, baseada na Pesquisa-Ação, considera, complementarmente,
aspectos quantitativos e qualitativos. Instrumentos de coleta de dados,
construídos e validados, são aplicados a grupos de Gestores e Colaboradores de
forma duplamente avaliativa. Resultados apresentados e discutidos em
workshops, preservado o anonimato, estimulam trocas entre os saberes formal e
conhecimento prático do campo. Etapas: Primeira: Liderança, Confiança e
Capital Social Organizacional. Apresentou fortes discrepâncias entre duas
Organizações semelhantes. Apenas a que apresentou melhores resultados teve
interesse em discuti-los. Segunda: Incluídas 04 organizações e acrescentada a
variável Valores no Trabalho ao modelo teórico. Discrepâncias significativas
sinalizaram não reconhecimento dos gestores como líderes, por seus
colaboradores. Adesão à discussão dos resultados foi variável. Terceira:
Aplicação em 03 Empresas Juniores. Resultados altamente positivos. Devolução
valorizada como aprendizado. Quarta: Dados considerando 05 organizações,
analisados sob a ótica de Gênero, indicaram auto-avaliações menos positivas
entre Mulheres que entre Homens Gestores. Desdobramentos acham-se em
curso. Observa-se, entretanto, que, embora a avaliação endógena promovida
facilite a implementação de mudanças desejadas pelo campo, este fenômeno
ocorre, paradoxalmente, nas organizações que apresentam menos dificuldades.
Esses trabalhos tem possibilitado: a elaboração de modelos, estratégias e
instrumentos de intervenção; formação de profissionais capacitados para
atuação estratégica, com maior valorização de seu papel e contribuição. Como
diferenciais: abordagem relacional da liderança – oposta à concepção de senso

491
comum; abordagem longitudinal; integração entre pesquisa, ensino e extensão -
pilares da Universidade, exemplificada.

Palavras-chave: Liderança; Pesquisa-Ação; Mudança Organizacional.

492
TÍTULO: Implicações da inteligência emocional no processo de liderança

(Emotional intelligence implications on the leadership process)

AUTOR(ES): Cristina Rocha (Cristina@ecsaude.uminho.pt) e Fátima Lobo

(flobo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

Resumo
Objetivos: Esta investigação propõe-se analisar o conceito de
inteligência emocional e o seu impacto para o processo de liderança
organizacional.
Metodologia: Este trabalho de investigação assenta numa revisão
teórica, tendo como base três eixos: o conceito de inteligência emocional,
estudado a partir da fundamentação teórica dos modelos de Bar-On, Salovey e
Mayer e Goleman; o conceito de liderança; e as implicações da inteligência
emocional no processo de liderança organizacional.
Resultados: Os resultados da investigação teórica apontam para a
importância do líder primal e da inteligência emocional na construção de relações
pessoais e/ou de formas mais eficazes de liderança.
Limitações: A investigação enferma de limitações teóricas, por efeito da
brevidade da revisão da literatura, e de limitações práticas, por efeito da
ausência de aplicação dos conceitos e modelos num estudo empírico.
Implicações Práticas: Os conceitos e modelos atrás mencionados não
foram objeto de estudo empírico, o que inviabiliza a projeção de conclusões
práticas.
Palavras-chave: Inteligência Emocional, Quociente Emocional e Liderança
Organizacional.

Abstract
Objectives: This study proposes to examine the concept of emotional
intelligence and its impact to the organizational leadership process.

493
Methodology: This study is based on a literature review, built on three
axes: the concept of emotional intelligence, studied from the theoretical models
of Bar-On, Salovey and Mayer, and Goleman; the concept of leadership; and the
implications of emotional intelligence in the organizational leadership process.
Results: The results of the theoretical research indicate the importance
of the primal leader and the emotional intelligence in building personal
relationships and/or more effective forms of leadership.
Limitations: The study has some theoretical limitations, because of the
briefness of the literature review, and some practical limitations, due to the lack
of application of the concepts and models in an empirical study.
Practical Implications: The concepts and models mentioned above
were not object of empirical study, which makes unfeasible the projection of
practical conclusions.
Keywords: Emotional Intelligence, Emotional Quotient and Organizational
Leadership.

Introdução
Atualmente as organizações sobrevivem num ambiente caracterizado pela
crescente concorrência global, pelos desenvolvimentos em curso nas
organizações, que se revelam fundamentais para uma maior rentabilidade, pelos
orçamentos rigidamente controlados e pela crescente competitividade no local de
trabalho. Adicionalmente, aspetos como a reestruturação das organizações, as
revoluções tecnológicas em curso, as mudanças dos mercados, os elevados
níveis de desemprego, a desregulamentação, as privatizações, as fusões, as
aquisições, a deslocalização do trabalho e da mão-de-obra em direção a locais
menos dispendiosos economicamente e o empoderamento dos consumidores,
conjuntamente com as mudanças nos padrões de procura e de exigência, geram
pressões adicionais no ambiente de trabalho (Ramesar, Koortzen & Oosthuizen,
2009). Como resultado, as organizações têm que implementar constantemente
mudanças na sua estratégia, estrutura, processos e cultura, de modo a garantir
o contínuo desempenho organizacional e a manutenção da vantagem
competitiva (Ramesar, Koortzen & Oosthuizen, 2009). Sucede que estas
mudanças nas organizações podem resultar, entre outros, em demissões e
despedimentos, na definição de multitarefas e/ou na reestruturação da
organização. Neste contexto, alguns dos problemas mais frequentemente

494
associados a estas mudanças são a insegurança no emprego, o aumento do
stresse, a perda de colaboradores competentes, assim como o aumento da carga
de trabalho (Goleman, Boyatzis & McKee, 2002). As mudanças repercutem-se,
portanto, não apenas na implementação de novos sistemas e processos, mas
também nas pessoas envolvidas nesse ambiente, nomeadamente no modo como
os indivíduos se comportam, no que pensam, na forma como interagem com
seus colegas de trabalho, nas suas perceções e na sua capacidade para lidar com
o ambiente em permanente mudança e transformação (Ramesar, Koortzen &
Oosthuizen, 2009).
Assim, associada a esta questão das mudanças que se têm vindo a
verificar na economia global e nos mecanismos de concorrência, está também a
questão dos recursos humanos que, neste contexto, precisam de um líder que
tenha um campo de visão que inspire a equipa de trabalho, e que, acima de
tudo, seja capaz de executar a sua visão com sucesso, de modo a garantir que a
mesma se torne uma realidade (Greenockle, 2010). Esta ênfase colocada na
execução requer uma confiança no trabalho de equipa e na cooperação, em
contraste com a abordagem tradicional, na qual a comunicação é descendente.
Este paradigma está assente nas relações interpessoais e nas capacidades do
que Goleman (1995) popularizou como a inteligência emocional (Greenockle,
2010).
O conceito de inteligência emocional, também designado por quociente
emocional, foi primeiramente criado/classificado por Salovey e Mayer (1990),
como sendo uma forma de inteligência social, separável da inteligência geral,
que se situa na interseção entre a emoção e a cognição (Mayer, Salovey &
Caruso, 2000, cit in Slaski & Cartwright, 2002).
Afirma-se que o quociente emocional influencia a capacidade do indivíduo
para lidar eficazmente com as exigências e as pressões ambientais, pelo que se
considera que o quociente emocional é um importante fator na determinação dos
sucessos na vida e do bem-estar psicológico (Bar-On, 1997; Goleman, 1995, cit
in Slaski & Cartwright, 2002). Inúmeros estudos têm-se centrado na
compreensão das implicações do quociente emocional no local de trabalho,
particularmente na ligação entre o quociente emocional e os comportamentos de
liderança (Slaski & Cartwright, 2002).
Este estudo pretendeu, assim, realizar uma revisão da literatura sobre o
conceito de inteligência emocional e sobre as suas implicações no processo de
liderança organizacional. Para o efeito, foram pesquisadas, sobretudo,

495
publicações da última década, nas bases de dados ProQuest, Ebsco, Scielo,
Epnet e Jstor, assim como nos Repositórios da Universidade Católica de Braga e
da Universidade do Minho. Utilizou-se na revisão bibliográfica, para consulta nas
bases de dados acima referidas, as seguintes palavras-chave: inteligência
emocional; quociente emocional; e liderança organizacional, bem como os seus
respetivos correspondentes em inglês e espanhol. Assim, restringiu-se a
pesquisa às publicações em língua inglesa, portuguesa e espanhola, entre os
anos de 1998 a 2011. Esta questão é pertinente, na medida em que, a
constatar-se que a inteligência emocional tem implicações positivas no processo
de liderança organizacional, então, os programas destinados a aumentar a
inteligência emocional podem constituir importantes caminhos a explorar,
nomeadamente como um meio de melhoramento do processo de liderança
organizacional e, consequentemente, da própria organização.
Neste contexto, importa fazer um breve enquadramento histórico e
teórico do conceito de inteligência emocional. Segundo Goleman (2001), as
raízes da teoria da inteligência emocional remontam, pelo menos, até ao começo
do movimento dos testes de inteligência. Acresce que a segunda metade do
século XX foi dominada, por um lado, pelo paradigma behaviorista e, por outro,
pelo movimento dos testes de inteligência, de que é exemplo o Quociente de
Inteligência (QI), tendo o conceito de inteligência emocional permanecido, nesta
fase, pouco explorado (Goleman, 2001). Ainda assim, o mesmo autor destaca
que Wechsler, enquanto continuava a desenvolver o seu teste de QI já
amplamente utilizado, destacou as capacidades afetivas como parte do
repertório humano de capacidades (Wechsler, 1952, cit in Goleman, 2001). Por
outro lado, salienta que Gardner teve uma significativa participação no
“ressurgir” da teoria da inteligência emocional em Psicologia; destaca,
nomeadamente, que o seu influente modelo de inteligências múltiplas incluiu
duas variedades de inteligência pessoal, designadamente a inteligência
interpessoal e a inteligência intrapessoal. No quadro deste modelo, a inteligência
emocional pode ser vista como que se debruçando sobre o papel da emoção
nestes dois domínios (Gardner, 1983, cit in Goleman, 2001).
Contudo, e de acordo com o autor, Bar-On desenvolveu, talvez, a
primeira tentativa para avaliar a inteligência emocional em termos de uma
medida de bem-estar. De facto, na sua tese de doutoramento, Bar-On utilizou o
termo Quociente Emocional (QE) muito antes do mesmo ter ganho popularidade
como uma designação para a inteligência emocional, e antes mesmo de Salovey

496
e Mayer terem publicado o seu primeiro modelo de inteligência emocional (Bar-
On, 1988, cit in Goleman, 2001). Bar-On (2000) define a inteligência emocional
em termos de um conjunto de conhecimentos emocionais e sociais e de
competências que influenciam a capacidade global para lidar eficazmente com as
exigências ambientais.
No início da década de 90, Salovey e Mayer (1990) definiram a
inteligência emocional como: a capacidade de monitorizar os nossos próprios
sentimentos e emoções e as dos outros, de as discriminar e de utilizar essa
informação para guiar/orientar o pensamento e a ação. Para Goleman (2001), o
artigo Emotional Intelligence, publicado por Salovey e Mayer em 1990, consiste
na contribuição mais influente para a teoria da inteligência emocional na sua
forma/versão atual. A definição de Salovey e Mayer (1990) de inteligência
emocional consiste: na capacidade para perceber com precisão, avaliar e
expressar emoções; na capacidade para aceder e/ou gerar sentimentos, quando
estes possibilitam o pensamento; na capacidade para compreender a emoção e o
conhecimento emocional; e na capacidade para controlar as emoções, de modo a
promover o crescimento emocional e intelectual (Salovey & Mayer, 1990).
No âmbito deste enquadramento histórico e teórico, importa destacar que
a noção de inteligência emocional ganhou crescente reconhecimento e aceitação
desde a publicação de Goleman (1995), o qual definiu a inteligência emocional
como uma competência para se gerir a si próprio e aos seus relacionamentos
com os outros, tornando o trabalho em equipa eficaz, assim como a liderança e a
capacidade de previsão do futuro, o que tem efeitos positivos em termos de
eficácia e desempenho no trabalho (Goleman, 1995).
Na sequência deste enquadramento histórico e teórico do conceito de
inteligência emocional, importa, ainda, apresentar diferentes
modelos/perspetivas sobre a inteligência emocional:

Fundamentação teórica do modelo de Bar-On


Os primeiros trabalhos de Darwin sobre a importância da expressão
emocional para a sobrevivência e adaptação influenciaram o desenvolvimento do
modelo de Bar-On, que destaca a importância da expressão emocional e
contempla o resultado do comportamento emocional e socialmente inteligente
em termos “Darwinianos” de adaptação eficaz. Podem atribuir-se como
influências adicionais a este pensamento: a descrição de Thorndike de
inteligência social e da sua importância para o desempenho humano; as

497
observações de Wechsler, relativas ao impacto de fatores não cognitivos e
conativos no que ele se refere como "comportamento inteligente"; a descrição
de Sifneos de alexitimia, com as suas contribuições para o entendimento da
inteligência emocional-social; e a conceptualização de Appelbaum de
mentalidade psicológica (Bar-On, 2006).
Desde Darwin até ao presente, a maioria das descrições, definições e
conceptualizações de inteligência emocional-social incluem um ou mais dos
seguintes componentes-chave: (a) a capacidade para reconhecer, para
compreender e para expressar emoções e sentimentos; (b) a capacidade para
compreender como os outros se sentem e para se relacionar com eles; (c) a
capacidade para gerir e para controlar as emoções; (d) a capacidade para gerir a
mudança, para se adaptar e resolver problemas, tanto de natureza pessoal,
como interpessoal; e (e) a capacidade para gerar afetos positivos e para se ser
automotivado (Bar-On, 2006).
No que diz respeito a Bar-On, este define a inteligência emocional como
um conjunto de capacidades não cognitivas, competências e aptidões,
destacando que estas influenciam a capacidade da pessoa para lidar com as
demandas e pressões ambientais (Bar-On, 1997). Neste contexto, o seu modelo
de inteligência emocional compreende cinco escalas, com quinze subescalas.
Uma escala composta por autoestima, consciência emocional, assertividade,
independência e autorrealização; uma segunda escala que compreende empatia,
responsabilidade social e relações interpessoais; uma terceira escala composta
por tolerância ao stresse e controlo dos impulsos; uma quarta escala que
compreende flexibilidade, teste da realidade e resolução de problemas; e uma
quinta escala composta por otimismo e felicidade (Bar-On, 2000).
Face ao exposto, o modelo de inteligência emocional de Bar-On pode ser
resumido da seguinte forma: i) o modelo compreende cinco escalas, com quinze
subescalas; ii) engloba escalas intrapessoais, interpessoais, de gestão do
stresse, de adaptabilidade e escalas de humor geral; iii) as escalas de gestão do
stresse, de adaptabilidade e de humor geral são únicas para o modelo (Bar-On,
1997).

Fundamentação teórica do modelo de Salovey e Mayer


Salovey e Mayer (1990), que foram os primeiros a utilizar o termo
"inteligência emocional", postularam que a inteligência emocional consistia nas
seguintes três categorias de capacidades adaptativas: avaliação e expressão de

498
emoções; regulação de emoções; e utilização das emoções na resolução de
problemas. Neste contexto:
i) a primeira categoria consistia nas componentes de: avaliação e
expressão de emoções no próprio; e avaliação de emoções nos outros. Contudo,
a componente de avaliação e expressão de emoções no próprio dividia-se, ainda,
nas subcomponentes: verbal e não-verbal; e a componente de avaliação de
emoções nos outros dividia-se nas subcomponentes: perceção não-verbal e
empatia;
ii) a segunda categoria, que dizia respeito à regulação de emoções, era
constituída pelas componentes de: regulação de emoções no próprio; e
regulação de emoções nos outros;
iii) a terceira categoria, que dizia respeito à utilização das emoções na
resolução de problemas, incluía as componentes de: planeamento flexível;
pensamento criativo; atenção redirecionada e motivação (Salovey & Mayer,
1990).
Importa destacar que, apesar das emoções estarem no núcleo deste
modelo, este também compreendia funções sociais e cognitivas relacionadas
com a expressão, regulação e utilização das emoções (Schutte, Malouff, Hall,
Haggerty, Cooper, Golden & Dornheim, 1998).
Contudo, Mayer e Salovey (1997) formularam posteriormente um modelo
revisto de inteligência emocional, sendo que este modelo revisto dá maior ênfase
aos componentes cognitivos da inteligência emocional e concetualiza a
inteligência emocional em termos da sua potencialidade para o crescimento
intelectual e emocional. O modelo revisto consiste nas seguintes quatro
ramificações da inteligência emocional: perceção, avaliação e expressão de
emoções; facilitação emocional do pensamento; compreensão, análise e
emprego do conhecimento emocional; e regulação reflexiva das emoções para
um maior crescimento emocional e intelectual (Mayer & Salovey, 1997).
A perceção, avaliação e expressão de emoções são entendidas como os
processos mais básicos, enquanto a regulação reflexiva das emoções requer o
processamento mais complexo. Adicionalmente, cada ramificação tem associada
a si fases ou níveis de capacidades, que os indivíduos controlam numa ordem
sequencial (Mayer & Salovey, 1997).
Neste contexto, o modelo de Mayer e Salovey, na sua versão mais atual,
foca-se em aspetos cognitivos. Segundo este modelo, a inteligência emocional é
constituída por quatro níveis de capacidades, que vão desde processos

499
psicológicos básicos até processos mais complexos, que integram emoção e
cognição:
i) O primeiro nível deste "modelo de capacidade mental" engloba o
complexo de capacidades que permitem ao indivíduo perceber, avaliar e
expressar emoções. As capacidades, neste nível, incluem a identificação das
próprias emoções e das dos outros, expressando as próprias emoções e
discriminando as diferentes expressões de emoção nos outros;
ii) As capacidades do segundo nível envolvem emoções que facilitam e
dão prioridade ao pensamento, nomeadamente empregando as emoções para
auxiliar os julgamentos, reconhecendo que as mudanças de humor podem levar
a considerações de pontos de vista alternativos, e compreendendo que uma
mudança no estado emocional e na perspetiva podem incentivar diferentes
formas de resolução de problemas;
iii) No terceiro nível encontram-se capacidades como a rotulagem e a
distinção das emoções, compreendendo misturas complexas de sentimentos
(como o amor e o ódio) e a formulação de regras sobre os sentimentos (por
exemplo, que a raiva frequentemente abre caminho para a vergonha, e que a
perda é geralmente acompanhada de tristeza);
iv) O quarto nível deste modelo consiste na capacidade geral de triagem
das emoções em prol de algum objetivo social. Neste nível mais complexo da
inteligência emocional encontram-se as capacidades que permitem aos
indivíduos envolverem-se seletivamente ou desligarem-se das emoções, assim
como monitorizarem e gerirem as emoções em si e nos outros (Mayer & Salovey,
1997).

Fundamentação teórica do modelo de Goleman


Segundo Goleman, o seu próprio modelo formula a inteligência emocional
em termos de uma teoria de desempenho (Goleman, 1998, cit in Goleman,
2001). Para Goleman (2001), uma teoria de desempenho baseada na
inteligência emocional tem aplicabilidade direta nos domínios do trabalho e da
eficácia organizacional, particularmente na previsão da excelência em atividades
de todos os tipos, que podem ir desde as vendas até à liderança.
De acordo com Goleman (1995), um conceito integrado de inteligência
emocional oferece mais do que um quadro para descrever disposições humanas
– antes, oferece uma estrutura teórica para a organização da personalidade e
vincula-a a uma teoria da ação e desempenho no trabalho.

500
Goleman definiu uma "competência emocional" como uma "capacidade
aprendida baseada na inteligência emocional, que resulta num desempenho
notável no trabalho" (Goleman, 1998, cit in Boyatzis, Goleman & Rhee, 1999, p.
3). Neste contexto, Goleman apresentou um modelo de inteligência emocional
com vinte e cinco competências dispostas em cinco clusters/grupos,
nomeadamente:
a) O Cluster da Autoconsciência, que inclui: Consciência Emocional,
Autoavaliação Precisa e Autoconfiança;
b) O Cluster da Autorregulação, que inclui: Autocontrolo, Confiabilidade,
Conscienciosidade, Adaptabilidade e Inovação;
c) O Cluster da Motivação, que inclui: Movimento de Realização,
Comprometimento, Iniciativa e Otimismo;
d) O Cluster da Empatia, que inclui: Entendimento dos outros,
Desenvolvimento dos outros, Orientação para Serviços, Aproveitamento da
diversidade e Consciência Política;
e) O Cluster das Capacidades Sociais, que inclui: Influência,
Comunicação, Gestão de Conflitos, Liderança, Catálise de Mudanças, Construção
de Limites, Colaboração e Cooperação e Capacidades de Equipa (Goleman, 1998,
cit in Boyatzis, Goleman & Rhee, 1999).
No seu trabalho conjunto, Boyatzis, Goleman e Rhee (1999) apresentam
a seguinte definição descritiva de inteligência emocional: "a inteligência
emocional é observada quando um indivíduo demonstra as competências que
constituem a auto-consciência, auto-gestão, consciência social e capacidades
sociais, em momentos e modos apropriados e em frequência suficiente para ser
eficaz face à situação" (Boyatzis, Goleman & Rhee, 1999, p. 3).

Conceito de Liderança
De acordo com White (2007), a liderança envolve a mente e o coração e
é tanto analítica como interpessoal, sendo que ter a capacidade e o repertório
para agir com sangue-frio, para ser racional e decisivo em certos momentos, e
noutros agir com sangue-quente, ser afável e participativo, e ainda saber
diferenciar quando se deve agir de uma ou outra forma, consiste num grande
desafio pessoal. Segundo este autor, ser um bom líder implica que o indivíduo
tenha a capacidade de ser resistente e, simultaneamente, quente e afável, sendo
que alcançar estes dois tipos de excelência se traduz numa condição necessária,
mas não suficiente para se ser um grande líder. Na verdade, para ser um grande

501
líder o indivíduo tem que ser bem-sucedido no alcançar da mudança, isto é, tem
que ser capaz de introduzir mudanças importantes e sucessivas nos resultados
pelos quais é responsável, pelo que executar a mudança com sucesso consiste
num enorme desafio para o líder (White, 2007).
Já Goleman, Boyatzis e Mckee (2002) introduziram um novo conceito, o
conceito de “liderança primal”. De acordo com estes autores, a tarefa primordial
dos líderes reside em promover sentimentos positivos nas pessoas que são
lideradas. Tal ocorre quando o líder gera ressonância, isto é, quando ele
consegue ampliar a intensidade dos sentimentos positivos à sua volta. A
ressonância pode, assim, ser entendida como um armazém de positividade, que
liberta e despoleta o que de melhor há nas pessoas. Assim sendo, a tarefa
essencial da liderança é de índole emocional. Face ao exposto, o modo como os
líderes gerem os seus sentimentos e os direcionam, tendo em vista que o grupo
e/ou colaboradores alcancem os seus objetivos, depende da inteligência
emocional. Assim, a ressonância consiste numa aptidão dos líderes
emocionalmente inteligentes. De facto, estes líderes conseguem que a sua
emoção e a sua energia estimulante ecoe no grupo (Goleman, Boyatzis & Mckee,
2002).

A inteligência emocional – implicações no processo de liderança


organizacional
A inteligência emocional refere-se à compreensão e ao reconhecimento
das próprias capacidades e das capacidades dos outros, à sua perceção e às
atitudes. Esta capacidade mental tem uma importante influência sobre as outras
competências e aptidões de um gestor (Momeni, 2009).
Na verdade, “quando procuramos explicar por que somos tão eficazes,
falamos de estratégia, de visão ou de ideias poderosas. Mas a realidade é muito
mais básica: a Grande Liderança baseia-se nas emoções” (Goleman et al., 2002,
p. 23). Efetivamente, se os líderes não forem capazes de assegurar o
cumprimento da tarefa fundamental, que reside no encaminhar das emoções no
sentido certo, então, mesmo que efetuem corretamente todas as restantes
tarefas, nada do que fizerem funcionará bem, ou não resultará tão bem como
podia ou devia (Goleman et al., 2002). Assim, segundo Goleman e colaboradores
(2002), o papel emocional do líder é primal, na medida em que vem em primeiro
lugar, nomeadamente de duas formas – consiste no primeiro ato da liderança e,
simultaneamente, no mais importante.

502
Porém, há estudos que evidenciam que a compreensão da inteligência
emocional e da sua relação com o desempenho no trabalho é ainda inconclusiva
(Becker, 2003, cit in Moon & Hur, 2011; Landy, 2005, cit in Moon & Hur, 2011),
assim como há numerosos estudos que demonstram o papel e a influência da
inteligência emocional tanto nos indivíduos, como no desempenho organizacional
(Bar-On, 2000; Goleman, 1995; Mayer & Salovey, 1997; Salovey & Mayer,
1990). Face ao exposto, para alguns autores, esta inconsistência contribuiu para
as críticas ao estatuto científico da inteligência emocional na investigação
organizacional (Becker, 2003, cit in Moon & Hur, 2011; Landy, 2005, cit in Moon
& Hur, 2011).
Não obstante o que foi referido, segundo Momeni (2009), mais de 70%
das perceções dos colaboradores sobre o Clima Organizacional formam-se
diretamente a partir do estilo de liderança e comportamento dos gestores,
particularmente a partir do modo como os gestores trabalham para melhorar o
desempenho dos seus colaboradores e recompensá-los. Goleman e
colaboradores (2002) descobriram que, de todos os elementos que afetam os
resultados finais de desempenho nas organizações privadas, o humor e os
comportamentos do líder são os mais influentes. Isto significa que há uma
reação em cadeia, na qual o humor e os comportamentos do líder conduzem ao
humor e aos comportamentos de todos os outros. Na verdade, um chefe mal-
humorado e cruel cria uma organização tóxica, repleta de um baixo desempenho
negativo e de “fracassados” que ignoram as oportunidades, ao passo que um
líder inspirador gera ajudantes e assistentes para quem qualquer desafio se
torna superável. De facto, o elo final na cadeia de desempenho é o lucro ou a
perda organizacional. Assim, Goleman e colaboradores (2002) sustentaram que
o gestor eficiente, com elevada inteligência emocional, pode criar ambientes
onde se corram riscos (e riscos em busca de recompensas) e onde os
colaboradores leais, inteligentes e emocionalmente investidos, se esforçam no
sentido de alcançar grandes metas e objetivos.
A este propósito, uma consideração que importa referir é que, de acordo
com um estudo recente sobre a satisfação no trabalho, as emoções que as
pessoas sentem enquanto trabalham refletem-se na sua qualidade de trabalho –
na verdade, quando as pessoas se sentem bem, trabalham no seu melhor, com
níveis superiores de eficiência mental e, portanto, demonstram uma perspetiva
e/ou panorama mais positivo. De certo modo, os gestores que espalham mau
humor não são bons para os negócios, enquanto que os gestores que espalham

503
bom humor melhoram e/ou aumentam a produtividade e, consequentemente, o
sucesso do negócio (Ramesar, Koortzen & Oosthuizen, 2009).
Afirma-se que a inteligência emocional afeta diversos comportamentos de
trabalho, incluindo o comprometimento dos colaboradores, o desenvolvimento de
talento, a inovação, a qualidade do serviço, a fidelização de clientes e o trabalho
em equipa (Chiva & Alegre, 2008). Neste contexto, a inteligência emocional pode
estar relacionada com as competências sociais necessárias para o
desenvolvimento de trabalho em equipa (Chiva & Alegre, 2008; Mayer &
Salovey, 1997). Segundo Cherniss (2001), os líderes organizacionais com
elevados níveis de inteligência emocional podem afetar as relações no ambiente
de trabalho, o que, por sua vez, afeta a inteligência emocional de grupo e
individual, assim como o comprometimento organizacional. Por outro lado, tem
sido afirmado que a inteligência emocional influencia a capacidade do indivíduo
para ter sucesso ao lidar com as demandas e pressões ambientais, o que
consiste, claramente, num importante conjunto de comportamentos, com os
quais a pessoa se pode escudar, nomeadamente quando se encontra sob
condições de trabalho stressantes (Bar-On, 1997; Chiva & Alegre, 2008). Grande
parte destas condições de trabalho envolve comportamentos que são essenciais
para se lidar com os objetivos organizacionais, tais como a aprendizagem, a
mudança ou a adaptabilidade (Chiva & Alegre, 2008).
Segundo Moon e Hur (2011), a inteligência emocional está diretamente
interligada com o estado psicológico da pessoa. A este propósito, destacam os
estudos de Taylor, que sustentam que os indivíduos emocionalmente inteligentes
lidam melhor com os desafios da vida e com o stresse do trabalho, o que leva a
uma melhor saúde psicológica e física (Taylor, 2001, cit in Moon & Hur, 2011).
Bar-On (1997) também sugere que a inteligência emocional ajuda os indivíduos
a gerir o stresse do trabalho e a promover a adaptabilidade a ambientes
desafiantes, de modo a que a angústia ou o esgotamento possam ser evitados.
A arte da liderança emocional inclui a realização e a superação de
exigências e demandas do trabalho, sem que se perturbem e/ou preocupem
indevidamente os outros (Goleman et al., 2002). Na verdade, a psicologia
sustenta que o aumento da ansiedade e preocupação, para além de um nível
moderado, corrói as capacidades mentais. Sucede que, a angústia não só corrói
as capacidades mentais, como também torna as pessoas menos inteligentes
emocionalmente (Yang & Gu, 2007, cit in Ramesar, Koortzen & Oosthuizen,
2009). Adicionalmente, as pessoas que se encontram perturbadas ou

504
preocupadas, têm dificuldade em ler com precisão as emoções dos outros –
diminuindo, assim, a mais básica competência necessária para haver empatia e,
como resultado, prejudicando e comprometendo as suas competências sociais
(Goleman et al., 2002). Deste modo, manter as emoções angustiantes sob
controlo é a chave para o bem-estar emocional (Goleman, 1995) e lidar de
forma bem-sucedida com encontros stressantes torna-se fundamental para
qualquer constructo de inteligência emocional (Bar-On, 1997).
A este propósito, importa destacar que a inteligência emocional tem sido
relacionada, em diferentes estudos, com vários aspetos que se revestem de
enorme importância, tais como a satisfação com a vida, a qualidade das relações
interpessoais e o sucesso em profissões que impliquem lidar, de forma
considerável, com informação emocional, como profissões que envolvam
liderança e criatividade (Bar-On, 1997; Goleman, 1995; Salovey & Mayer,
1990).
De notar, que as pessoas com elevados níveis de inteligência emocional
experienciam maior sucesso nas suas carreiras, constroem fortes relações
pessoais ou lideram de forma mais eficaz (Cooper, 1997, cit in Chiva & Alegre,
2008). Para além disto, os indivíduos emocionalmente mais inteligentes
conseguem comunicar as suas ideias, objetivos e intenções, de forma mais
interessante e assertiva (Goleman, 1998, cit in Chiva & Alegre, 2008).

Conclusão
Tendo em consideração os desafios que se colocam atualmente às
organizações, que sobrevivem num ambiente caracterizado pela crescente
concorrência global, pela reestruturação das organizações, pelos orçamentos
rigidamente controlados e pelas mudanças dos mercados e nos padrões de
procura e de exigência, traduzindo-se em questões que colocam pressões sobre
todos os colaboradores e, sobretudo, sobre os gestores, torna-se necessário um
líder que tenha um campo de visão que inspire a equipa de trabalho, e que,
acima de tudo, seja capaz de executar a sua visão com sucesso, de modo a
garantir que a mesma se torne uma realidade. Neste contexto, e tendo em
consideração o facto de que a inteligência emocional influencia a capacidade do
indivíduo para lidar eficazmente com as exigências e as pressões ambientais,
assim como para inspirar e motivar os outros, torna-se relevante a análise do
conceito de inteligência emocional e do seu impacto no processo de liderança
organizacional, pois a constatar-se que a inteligência emocional tem implicações

505
positivas no processo de liderança organizacional, então, os programas
destinados a aumentar a inteligência emocional podem constituir importantes
caminhos a explorar, nomeadamente como um meio de melhoramento do
processo de liderança organizacional e, consequentemente, da própria
organização.
Partindo da análise efetuada ao conceito de inteligência emocional e do
seu impacto no processo de liderança organizacional, verificou-se que os
resultados da investigação teórica apontam para o papel emocional do líder
como o aspeto primal, na medida em que vem em primeiro lugar,
nomeadamente de duas formas – consiste no primeiro ato da liderança e,
simultaneamente, no mais importante. Adicionalmente, os resultados apontam
para o facto de que a inteligência emocional afeta diversos comportamentos de
trabalho, incluindo o comprometimento dos colaboradores, o trabalho em
equipa, o desenvolvimento de talento, a inovação, a qualidade do serviço e,
ainda, a fidelização de clientes.
Por outro lado, constatou-se que o humor e os comportamentos do líder
conduzem ao humor e aos comportamentos de todos os outros elementos da
organização, sendo que um chefe mal-humorado e cruel dá lugar a uma
organização tóxica, repleta de um baixo desempenho negativo e de
colaboradores que ignoram as oportunidades, ao passo que um líder inspirador
gera subordinados para quem qualquer desafio se torna superável. Neste
contexto, os resultados desta investigação apontam para o facto de que o
gestor/líder eficiente, capacitado de elevada inteligência emocional, pode criar
ambientes onde se corram riscos (e riscos em busca de recompensas) e onde os
colaboradores leais, inteligentes e emocionalmente investidos, se esforçam no
sentido de alcançar grandes metas e objetivos, sendo que a inteligência
emocional consiste numa aptidão mental que tem uma importante influência
sobre as outras competências e aptidões de um gestor.
Tendo em consideração a análise efetuada, esta investigação revela,
também, que as emoções que as pessoas sentem enquanto trabalham se
refletem na sua qualidade de trabalho, isto é, quando as pessoas se sentem
bem, trabalham no seu melhor, com níveis superiores de eficiência mental e,
portanto, demonstram uma perspetiva e/ou panorama mais positivo. Apurou-se
que este aspeto está profundamente associado ao humor e aos comportamentos
do líder, sendo que os gestores que espalham mau humor não são, de certo
modo, bons para os negócios, ao passo que os gestores que espalham bom

506
humor melhoram e/ou aumentam a produtividade e, consequentemente, o
sucesso do negócio.
Pese embora as limitações desta investigação, que se prendem com a
brevidade da revisão da literatura e com a ausência da aplicação dos conceitos e
modelos num estudo empírico, importa salientar que convém reconhecer que
estamos ainda a começar a aprender sobre a inteligência emocional e que, nesse
sentido, mais estudos devem ser realizados no âmbito desta temática. Na
verdade, só a investigação futura é que poderá melhor esclarecer qual a
importância de competências específicas, sejam elas sociais, emocionais e/ou
práticas, para o indivíduo e para a sua adaptação ao longo da vida, incluindo o
processo de liderança organizacional.

Bibliografia
Bar-On, R. (1997). Bar-On Emotional Quotient Inventory (EQ-i):
Technical manual. Toronto: Multi-Health Systems.
Bar-On, R. (2000). Emotional and social intelligence: Insights from the
Emotional Quotient Inventory. In R. Bar-On & J. D. A. Parker (Ed.), The
handbook of emotional intelligence: Theory, development, assessment, and the
application at home, school and in the workplace (pp. 363-388). San Francisco:
Jossey-Bass Inc.
Bar-On, R. (2006). The Bar-On model of emotional-social intelligence
(ESI). Psicothema, 18, 13-25.
Boyatzis, R., Goleman, D. & Rhee, K. (1999). Clustering Competence in
Emotional Intelligence: Insights from the Emotional Competence Inventory
(ECI). In R. Bar-On & J. D. Parker (Ed.), Handbook of Emotional Intelligence (pp.
1-35). San Francisco: Jossey-Bass Inc.
Cherniss, C. (2001). Emotional Intelligence and Organizational
Effectiveness. In C. Cherniss & D. Goleman (Ed.), The Emotionally Intelligent
Workplaces (pp. 3-12). San Francisco: Jossey-Bass Inc.
Chiva, R. & Alegre, J. (2008). Emotional intelligence and job satisfaction:
the role of organizational learning capability. Personnel Review, 37(6), 680-701.
doi: 10.1108/00483480810906900
Goleman, D. (1995). Emotional Intelligence. New York: Bantam Books.
Goleman, D. (2001). Emotional Intelligence: Issues in Paradigm Building.
In C. Cherniss & D. Goleman (Ed.), The Emotionally Intelligent Workplaces (pp.
13-26). San Francisco: Jossey-Bass Inc.

507
Goleman, D., Boyatzis, R. & McKee, A. (2002). Os Novos Líderes. A
Inteligência Emocional nas Organizações. Lisboa: Gradiva – Publicações, Lda.
Greenockle, K. M. (2010). The New Face in Leadership: Emotional
Intelligence. Quest, 62, 260-267.
Mayer, J. D. & Salovey, P. (1997). What is emotional intelligence? In P.
Salovey & D. Sluyter (Ed.), Emotional development and emotional intelligence:
Educational implications. New York: Basic Books.
Momeni, N. (2009). The Relation Between Managers' Emotional
Intelligence and the Organizational Climate They Create. Public Personnel
Management, 38(2), 35-48.
Moon, T. W. & Hur, W. (2011). Emotional Intelligence, Emotional
Exhaustion, and Job Performance. Social Behavior and Personality, 39 (8), 1087-
1096. doi: 10.2224/sbp.2011.39.8.1087
Ramesar, S., Koortzen, P. & Oosthuizen, R. M. (2009). A The relationship
between emotional intelligence and stress management. SA Journal of Industrial
Psychology, 35 (1), 39-48. doi: 10.4102/sajip.v35i1.443
Salovey, P. & Mayer, J. D. (1990). Emotional Intelligence. Imagination,
Cognition and Personality, 9, 185-211.
Schutte, N. S., Malouff, J. M., Hall, L. E., Haggerty, D. J., Cooper, J. T.,
Golden, C. J. & Dornheim, L. (1998). Development and validation of a measure
of emotional intelligence. Personality and Individual Difference, 25, 167-177.
Slaski, M. & Cartwright, S. (2002). Health, performance and emotional
intelligence: an exploratory study of retail managers. Stress and Health, 18, 63-
68. doi: 10.1002/smi.926
White, B. J. (2007). Become a leader, a better leader, a great leader. In
B. J. White & Y. Prywes (Ed.), The nature of leadership: reptiles, mammals, and
the challenge of becoming a great leader (pp. 1-16). New York: Amacom Books.

508
TÍTULO: Suporte Social e Stress em idosos residentes no meio rural:

estudo comparativo entre idosos institucionalizados e idosos a viver no

domicílio.

AUTOR(ES): Tânia Barbosa (taniabarbosa13@gmail.com) e Fátima Lobo

(flobo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

RESUMO
Esta investigação tem por objectivo avaliar a satisfação com o suporte social e o
stress percebido pelos idosos do meio rural a residir em diferentes contextos.
Tem por base a aplicação de 3 instrumentos: Mini Mental State Examination
(Folstein, Folstein & McHugh, 1975; Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-
Caldas, & Garcia, 1994), Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS
(Ribeiro, 1999), Escala de Estresse Percebido (Luft, Sanches, Mazo &
Andrade, 2007) e Questionário Sociodemográfico. Os dados foram analisados
através do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 16. A
amostra (n=110) é composta por pessoas com 65 e mais anos, que após
consentimento informado, aceitaram participar na investigação; são idosos
institucionalizados e idosos a residir no domicílio, no Concelho de Arcos de
Valdevez. Os resultados revelam a existência de uma relação significativa entre
o suporte social e o stress, visto que à medida que a satisfação com o suporte
social aumenta, o nível de stress percebido diminui. Após estratificação para os
diferentes contextos ambientais verificou-se que, a relação entre stress e
suporte social é diferente de acordo com o local onde o idoso reside,
contrariando o postulado por uma das hipóteses. Para os idosos
institucionalizados, o stress aumenta à medida que percepcionam maior suporte
social, enquanto nos idosos em domicílio verifica-se que o stress aumenta à
medida que o suporte social diminui. A dimensão da amostra e a ausência de
comparação dos resultados com o meio urbano constituem algumas das

509
limitações desta investigação. Contudo, reforça a importância do suporte social
na diminuição dos níveis de stress do idoso, sendo que, a correlação entre o
stress e o suporte social, descrita em alguns estudos, indica uma área de
intervenção comunitária importante, no sentido do aumento e reforço das redes
de apoio de forma directa ou indirecta.

ABSTRACT
This investigation aims to analyze satisfaction with social support and perceived
stress of older people living in different contexts of the countryside. It is based
on the application of 3 instruments: Mini Mental State Examination (Folstein,
Folstein & McHugh, 1975; Guerreiro, Silva, Botelho, Leitão, Castro-Caldas, &
Garcia, 1994), Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS (Ribeiro,
1999), Escala de Estresse Percebido (Luft, Sanches, Mazo & Andrade, 2007)
e Socio-demographic questionnaire. The data were analyzed with Statistical
Package for Social Sciences (SPSS), version 16. The sample (n=) comprised
persons over 65 years old, which after an informed consent accepted to
participate in the research; they were institutionalized and non-institutionalized
elderly from the municipality of Arcos de Valdevez. The results show a significant
relationship between social support and stress, given that as satisfaction with
social support increase the level of perceived stress drop. After stratification for
context it was found that the relationship between stress and social support
varies in accordance with the place of residence contradicting one of the
hypothesis testing. For the institutionalized elderly stress increase as social
support diminish. The sample dimension and the lack of comparison to urban
areas are some of the limitations of this research. However, it reinforces the
importance of social support to reduce stress levels of the elderly and taken that
some studies have found a correlation between stress and social support it
indicates that this is an important area of community intervention in order to
increase and strengthen, directly or indirectly, social networks.

INTRODUÇÃO
O envelhecimento demográfico é o fenómeno mais relevante do séc. XXI
nas sociedades desenvolvidas, devido às suas implicações na esfera
socioeconómica, para além das modificações que se reflectem a nível individual e
nos novos estilos de vida. O facto de as pessoas viverem cada vez mais, faz com

510
que muitas das vezes sobrevivam com incapacidades que as tornam
dependentes de uma terceira pessoa. Esta dependência contribui para a perda
de autonomia na velhice e, se em tempos os idosos viviam inseridos em famílias
alargadas, constituídas por várias gerações, nas quais as mulheres assumiam os
cuidados aos mais velhos, actualmente a situação alterou-se por efeito, entre
outros factores, da entrada da mulher no mercado de trabalho (Barreto, 2002),
aliada à crescente valorização da sua carreira profissional, e mais
especificamente, das novas formas de relacionamento familiar. Perante as
mudanças que foram ocorrendo na sociedade, os estudos que versam sobre a
matéria revelam um aumento do nível de stress percepcionado pela população
em geral, e nos idosos em particular. De acordo com vários autores o suporte
social assume um papel de “amortecedor” do stress, protegendo as pessoas em
situação de crise e acelerando a melhoria do seu estado de saúde em situação
de doença (Cobb, 1976; Ornelas, 2008). O fenómeno do envelhecimento resulta
da transição demográfica, normalmente definida como a passagem de um
modelo demográfico de fecundidade e mortalidade elevados para um modelo em
que ambos os fenómenos atingem níveis baixos, originando o estreitamento da
base da pirâmide de idades, com redução de efectivos populacionais jovens e o
alargamento do topo, com acréscimo de efectivos populacionais idosos.
Este fenómeno social é um dos desafios mais importantes do século XXI e
obriga à reflexão sobre questões com relevância crescente como a idade da
reforma, os meios de subsistência, a qualidade de vida dos idosos, o estatuto
dos idosos na sociedade, a solidariedade intergeracional, a sustentabilidade dos
sistemas de segurança social e de saúde e sobre o próprio modelo social vigente.
Por outro lado, uma sociedade constituída por pessoas mais velhas pode criar
outras oportunidades em diversos domínios: novas actividades económicas e
profissionais, nomeadamente na área da prestação de serviços comunitários e de
redes de solidariedade; ambientes, ergonomias e arquitecturas diferentes;
padrões de consumo específicos, produtos e serviços criados à imagem dos
consumidores mais velhos com necessidades específicas (INE, 2007). A taxa de
crescimento natural, que há muito manifesta uma tendência de redução,
apresentava em 2007, pela primeira vez na história demográfica portuguesa
recente, um valor negativo (-0,01%). Desde o início do século XX apenas em
1918 se havia registado um saldo natural negativo, associado à epidemia de
gripe pneumónica que atingiu o país nesse ano. Contudo, a situação verificada
em 2007 não é única no conjunto dos 27 países da União Europeia. Para além de

511
Portugal, também a Itália, Estónia, Alemanha, Roménia, Hungria, Lituânia,
Letónia e Bulgária apresentaram, em 2007, taxas de crescimento natural de
valor negativo. A diminuição da fecundidade é responsável pelo envelhecimento
ao nível da base da pirâmide etária, situando-se o índice sintético de
fecundidade em 1,33 crianças por mulher, em 2007, o valor mais baixo registado
na demografia portuguesa. Por outro lado, verifica-se um aumento da
longevidade, que contribui para um envelhecimento ao nível do topo da
pirâmide. Em 2007 o índice de envelhecimento atingiu 114 idosos por cada 100
jovens (INE, 2007). De salientar que, a dimensão das famílias situa-se hoje
perto das 2,8 pessoas por agregado (Barreto, 2002). Há assim uma tendência
para a nuclearização acentuada da família, diminuindo então a taxa de
nupcialidade e a taxa de natalidade. Os jovens casam-se cada vez mais tarde,
salientando-se que, desde 1984 a idade média ao primeiro casamento não pára
de aumentar, coincidindo com o período em que se acentuou a diminuição de
nascimentos (Barreto, 2002).
O termo idoso rural é habitualmente usado por referência a pessoas que
residem em zonas não urbanas, em pequenas povoações de menos de 2500
habitantes ou residentes em pequenas comunidades, nas quais a maioria dos
seus habitantes vive ou viveu da agricultura (Paúl, 2005). Também de acordo
com a OCDE (citado por Garcia, 1996) o conceito de meio rural é usado
universalmente para nos referirmos a certas partes do território que tem
populações de baixa densidade e com certas características económicas. Na
perspectiva de Rowles (1984) o meio rural é um contexto privilegiado de
envelhecimento, enaltecendo as seguintes vantagens:
1) O contexto físico dos meios rurais permanece estável durante longos
períodos de tempo, sendo as mudanças implementadas de forma
lenta e gradual, o que possibilita às pessoas maior familiaridade com
o meio;
2) O próprio ritmo de vida é mais lento, e assim mais favorável aos
idosos cujos tempos de reacção possam estar lentificados,
proporcionando maior inclinação para a calma do que para as trocas
sociais rápidas e fragmentadas;
3) Maior estabilidade populacional, que favorece a manutenção dos laços
afectivos, maior contacto, maior rede de vizinhança, que ditará um
maior apoio prático, emocional e psicológico;

512
4) Sentido de identidade. Dado que neste tipo de contextos, as pessoas
têm a oportunidade de promover redes de relação em que cada
indivíduo conhece os nomes, vida, saúde dos outros membros da
comunidade, reduzindo o potencial perigo de anonimato e alienação,
que se vive nos ambientes marcadamente citadinos. Posição
corroborada por Triadó Tur (2003), que se refere ao meio rural como
sendo um núcleo de população em que toda a gente se conhece e se
chama pelo nome ou apelido.

Desta forma, o meio rural é um conceito complexo, estruturado pelos


seguintes conceitos: população; economia/actividade; cultura e relações (Garcia,
1996). No que respeita a atitudes e percepções, os idosos rurais têm maior
preocupação com a saúde/doença, possivelmente devido à menor ajuda
assistencial que recebem; porém sentem-se mais satisfeitos com o meio onde
vivem e com as relações sociais que estabelecem, que são mais intensas e
frequentes do que no caso dos idosos residentes em meio urbano (Garcia,
1997). Apesar de muitas vezes se descurar esta realidade, cada pessoa
envelhece de forma diferente, o que vai fazer com que os resultados em termos
de autonomia e satisfação de vida sejam distintos. Assim, “a compreensão da
diversidade no sucesso de envelhecimento, baseada na perspectiva ecológica é
fundamental para a elaboração de políticas optimizadoras da qualidade de vida
dos idosos” (Paúl, 2005: 248). O ambiente, considerado por Fernández-
Ballesteros (2000), como um complexo de estimulação sócio física, constitui um
dos factores a considerar quando se pretende avaliar o processo de
envelhecimento de um idoso. Afinal, a forma como se envelhece depende
também do lugar em que se vive e do tipo de estimulação física e social
recebido.

MODELOS E PARADIGMAS
A revisão teórica identifica diversos modelos e paradigmas ambientais
cujo objectivo é explicar a influência do ambiente sobre o envelhecimento. Com
o objectivo de perceber o efeito do meio físico e social na adaptação do idoso ao
meio e assim compreender a sua adaptação aos lares de idosos, foram
destacados os modelos mais referenciados, respectivamente: o Modelo de
Pressão-Competência de Lawton e Nahemow’s (1973); o Modelo de Congruência
de Carp (1987); o Modelo de Ecologia Social de Moos e Lemke (1984) e o

513
Modelo Ecológico Comportamental de Fernández Ballesteros (1998). O modelo
de Lawton e Nahemow’s (1973), considera que os aspectos que levam à
adaptação ambiental dos idosos, são respectivamente a sua competência
individual, relacionadas com a capacidade do indivíduo para agir nas áreas da
saúde biológica, sensação-percepção, comportamento motor e cognição; e a
pressão exercida pelo meio sobre o indivíduo. Muitas vezes o que acontece ao
longo da nossa vida, e tal como enuncia este modelo, é que as exigências
excessivas do meio, em relação às competências, provocam resultados negativos
e stress, e as exigências inadequadas levam à perda de competências, por falta
de uso. Desta forma, segundo este modelo o ambiente ideal seria o que fizesse
apelo ao uso pleno de todas as capacidades do indivíduo, ou seja «a zona de
desempenho potencial máximo». Existem vários modelos para explicar a
influência da congruência na adaptação e bem-estar dos idosos
institucionalizados, no entanto aquele que nos parece mais completo é o de Carp
(1987); este define aspectos básicos da congruência, assumindo que esta deve
ser entendida como uma relação entre as necessidades pessoais e as condições
ambientais, dado que estas podem facilitar ou inibir a satisfação das mesmas. A
congruência também é entendida como a complementaridade entre o nível de
competência pessoal e os recursos ou barreiras que um determinado ambiente
apresenta. Este modelo contempla o papel de uma série de variáveis mediadoras
que descrevem as características específicas de cada pessoa como, o estatuto
económico, o sentimento de competência e entre outros, a condição de saúde,
que irão influenciar a forma como as pessoas se adaptam a novos ambientes.
Moos e Lemke (1984), desenvolveram o Modelo de Ecologia Social para explicar
as relações entre pessoa e ambiente, destinado a avaliar estabelecimentos
assistenciais para idosos. Este modelo deu origem ao MEAP “Multiphasic
Environmental Assessment Procedure”. Através deste instrumento é possível
analisar quatro domínios conceptuais, recursos físicos e arquitectónicos,
características de gestão e programas, características dos residentes e dos
funcionários e o clima social. O MEAP foi aplicado em 93 espaços, nos Estados
Unidos da América, de assistência a pessoas idosas (residências, complexos de
apartamentos, assistência especializada), e os resultados a que Moos e Lemke
chegaram, mostram que a percepção de bem-estar e satisfação dependem tanto
de dimensões relacionadas com as características do ambiente (físico e
organizacional) como com as características da população residente. O Modelo
Ecológico Comportamental foi desenvolvido por Fernández Ballesteros (1998)

514
com base no modelo de Moos e Lemke, descrito anteriormente, com o objectivo
de integrar outras variáveis relacionadas com a pessoa e o ambiente. A principal
variável acrescentada é o tempo, considerado nas suas várias dimensões: social,
histórico e pessoal. Por outro lado, este modelo valoriza a existência de uma
relação directa entre a condição de saúde e os níveis de desempenho
comportamental. Este modelo concebe grande importância às condições
ambientais e à sua interacção com variáveis pessoais, considerando estas
últimas na perspectiva do comportamento social.

AMOSTRA
A amostra é composta por dois grupos: (a) idosos residentes no seu
domicílio, no concelho de Arcos de Valdevez, acompanhados pela Unidade Móvel
de Saúde. A técnica de amostragem, no que respeita aos idosos residentes no
domicílio, foi uma amostragem por conveniência, os factores de inclusão foram:
pessoas com 65 e mais anos, acompanhados pela Unidade Móvel de Saúde, que
compareciam no dia previamente divulgado, ou aqueles que, por não se
conseguirem dirigir ao veículo, recebiam a visita da equipa da Unidade nas suas
casas; (b) idosos residentes no Lar Soares Pereira, da Santa Casa da
Misericórdia de Arcos de Valdevez (A) , e no Lar Stº. André, do Centro Paroquial
e Social de Guilhadeses (B), localizados em duas freguesias distintas do concelho
de Arcos de Valdevez. O Lar A, conta com 86 residentes, sendo que, 77 pessoas
são idosas e 9 tem idade inferior aos 65 anos. Depois de aplicado o MMS (Mini
Mental State Examination), verificou-se que 36 dos idosos apresentavam
deterioração cognitiva, como tal foram excluídos da amostra. Durante o período
de aplicação dos instrumentos, 4 idosos rejeitaram colaborar no estudo e 1
faleceu antes de ter dado consentimento informado. Desta feita, fizeram parte
da amostra 36 idosos no Lar A. O Lar B tem 55 residentes, dos quais 3 não são
idosos. Através do MMS, foram excluídos 30 idosos, por apresentarem
deterioração cognitiva, e 22 apresentaram-se aptos para fazerem parte da
amostra, porém 3 idosos rejeitaram participar no estudo. O que confere uma
amostra de 19 idosos, no Lar B. Assim, fazem parte da amostra, todos os
residentes com 65 e mais anos, sem deterioração cognitiva, que se mostraram
disponíveis para participar neste estudo. Assim, a amostra total é constituída por
110 indivíduos, sendo 55 pessoas idosas institucionalizadas em lares de idosos e
55 pessoas idosas a residir no domicílio. A amostra de pessoas
institucionalizadas residentes nos lares A e B é composta por 35 mulheres e 20

515
homens, e apresentam uma mediana de idade de 85 anos. A amostra de
pessoas do domicílio é composta por 42 mulheres e 13 homens, com uma
mediana de idade de 80 anos.

INSTRUMENTOS
A investigação empírica, do tipo quantitativo, tem por base a aplicação de 4
instrumentos, o “Mini Mental State Examination” (Folstein, Folstein & McHugh,
1975, versão portuguesa: Guerreiro et al., 1993) que servirá para avaliar a
incapacidade cognitiva dos idosos, o Inquérito Sócio-Demográfico, a “Escala de
Satisfação com o Suporte Social – ESSS” (Ribeiro, 1999), a “Escala de Estresse
Percebido” (Luft et al, 2007). Os idosos só foram inquiridos após Consentimento
Informado.
O Mini Mental State Examination é um instrumento usado para avaliar a
incapacidade cognitiva dos idosos. A pontuação deste teste varia entre 0 e 30,
sendo consideradas portadoras de deterioração cognitiva as pessoas com
pontuação igual ou inferior a 22. (Folstein, Folstein & McHugh, 1975, versão
portuguesa (Guerreiro et al., 1993). Foi criado um questionário para a
caracterização sócio-demográfica (idade, género, estado civil, grau de
escolaridade, valor da reforma, profissão exercida na vida activa; características
sócio-habitacionais; avaliação da saúde percebida do idoso; necessidade de
apoio para as AVD’s). A Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS é um
instrumento desenvolvido por Wethingson e Kessler (1986) e validado para a
população portuguesa por Ribeiro (1999). Trata-se de um questionário que
permite a operacionalização da variável satisfação com o suporte social, com as
suas quatro dimensões, designadamente: Satisfação com Amigos (SA), que
mede a satisfação com as amizades/amigos que tem; Intimidade (IN), que mede
a percepção da existência de suporte social íntimo; Satisfação com a Família
(SF), que mede a satisfação com o suporte social familiar existente e Actividades
Sociais (AS), que mede a satisfação com as actividades sociais que realiza,
através de 15 itens de diferencial semântico de 5 pontos. A “Escala de Estresse
Percebido”, criada por Cohen em 1983, tem sido validada em vários países,
sendo que os investigadores usaram a versão brasileira de Luft et al (2007).

PROCEDIMENTOS
Após contacto estabelecido com os autores das escalas e parecer
favorável da Direcção dos Lares de Idosos e das Instituições que dinamizam a

516
Unidade Móvel de Saúde, onde se aplicaram os instrumentos, iniciou-se a
recolha de dados. Todos os elementos da amostra foram informados dos
objectivos do estudo, tendo sido garantido o seu anonimato. Sendo de realçar
que, os idosos apenas foram entrevistados após fornecerem ao investigador o
seu consentimento informado. Os participantes residentes nos lares, foram
abordados e convidados a participar pelo investigador, tendo sido cedido por
cada uma das instituições um gabinete para o efeito, de forma a garantirmos a
privacidade dos idosos. Os participantes residentes no seu domicílio são idosos
acompanhados por uma Unidade Móvel de Saúde (UMS), onde lhes são
prestados cuidados de saúde primários e acompanhamento social, através da
intervenção de uma equipa multidisciplinar, constituída por uma Enfermeira e
duas Assistentes Sociais. Pelo que, no âmbito da intervenção da UMS, os idosos
foram convidados a participar no estudo. Os instrumentos foram aplicados no
interior desta Unidade, que comporta dois gabinetes, tendo proporcionado
igualmente condições de privacidade. Os idosos, que por razões de ordem
motora, não são capazes de se dirigir à UMS, foram entrevistados nas suas
casas, após a visita domiciliária da equipa da UMS. O trabalho de campo
decorreu, em simultâneo ao nível das duas amostras, entre o dia 5 de Abril de
2008 e 20 de Fevereiro de 2009. Cada entrevista teve a duração média de 45
minutos, e uma vez que os instrumentos foram aplicados por este meio, houve o
cuidado de se ler as questões e a opção escolhida pelo entrevistado.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Para a comparação de variáveis categóricas foi utilizado o teste do Qui-
quadrado. Sendo que, para comparar variáveis contínuas recorreu-se aos testes
paramétricos (teste t student ou Anova) e não paramétricos (teste de Mann-
Whitney) de acordo com a natureza da variável em estudo. No sentido de
explicar a relação do suporte social e stress foi utilizada uma regressão linear, e
construído um modelo com ajustamento para as variáveis, género, idade, valor
da reforma e problemas de saúde. É possível constatar que em ambas as
amostras a maioria dos idosos são do sexo feminino, respectivamente 76,4%
dos indivíduos residentes no domicílio e 63,6% dos idosos institucionalizados. A
mediana das idades situa-se nos 80 anos, para os idosos residentes no domicílio
e nos 85 anos para os idosos institucionalizados. No que concerne ao estado
civil, a maioria dos idosos de ambas as amostras são viúvos (50,9%). Os idosos
a residirem no seu domicílio apresentaram uma elevada proporção de

517
casados/união de facto (47,2%) e também viúvos (45,5%). Os idosos residentes
em lar apresentam mais frequentemente o estado civil, viúvo (56,4%). A
primeira hipótese de trabalho estabeleceu como meta perceber se efectivamente
não se encontravam diferenças nas características sociodemográficas e
económicas dos idosos da nossa amostra. Comprovou-se de facto que, não se
verificaram diferenças significativas entre os idosos institucionalizados e os
idosos a residir no domicílio, no que concerne às suas características
sociodemográficas, salvaguardando que os idosos institucionalizados são mais
velhos. Neste seguimento, a maioria dos idosos são do sexo feminino, viúvos,
analfabetos, sendo que, na vida activa trabalharam na agricultura, auferem uma
reforma que se situa entre os 187,18€ e os 374,36€ e classificam as condições
habitacionais como sendo “boas”. Os nossos resultados mostram que a maioria
dos idosos referiu como profissão exercida na vida activa, a agricultura, havendo
porém um predomínio desta actividade entre os idosos residentes no domicílio
comparativamente aos idosos institucionalizados. Os resultados, e comparando
as duas amostras, indicam que o grupo dos idosos institucionalizados apresenta
uma mediana de idade superior ao grupo dos idosos residentes no domicílio. A
segunda hipótese partiu do pressuposto de que existiriam diferenças
estatisticamente significativas em termos de necessidades ao nível da realização
das AVD’s e a avaliação da saúde percebida do idoso, que engloba a existência
de problemas de saúde e a percepção do estado de saúde. Neste seguimento e
como era esperado os idosos institucionalizados referem mais frequentemente
sentir necessidade de apoio nas AVD’s. No que concerne à existência de
problemas de saúde e tal como foi sugerido nesta hipótese os idosos
institucionalizados (90,9%) referem mais frequentemente a existência de um
problema de saúde quando comparados com os idosos residentes no domicilio.
Este resultado era espectável dado que a ausência de participação social e a
falta de actividades de lazer nos lares, parecem fazer com os idosos
sobrevalorizem os seus problemas de saúde e canalizem para estes toda a sua
atenção e preocupação.
Relativamente à percepção do estado de saúde, constatamos parte de um
resultado não esperado, visto que, o nosso estudo mostra que os idosos na sua
globalidade (provenientes do lar e do domicílio) tendem a percepcionar o seu
estado de saúde como “razoável”. Num estudo realizado em meio rural
português também é demonstrado que 55% dos idosos inquiridos classificaram a
sua saúde como média (classificação utilizada: boa; média e má) (Sequeira &

518
Silva, 2002). Num outro estudo levado a cabo por Paúl e colaboradores (2003),
considerando a auto-percepção da saúde, os idosos consideraram a sua saúde
“má” ou “nem boa nem má” (razoável).
Em ambas as amostras verificamos que, embora sem significado
estatístico, aqueles que referem ter problemas de saúde apresentam pontuações
mais baixas no que diz respeito ao suporte social. O suporte social percebido
pode ter um papel essencial para manter ou mesmo promover a saúde física e
mental (Cockerham, 1991). Espera-se que sob a presença de suporte social, as
pessoas idosas se sintam amadas e consequentemente seguras para lidar com
problemas de saúde (Cicirelli, 1990). Não podemos deixar de mencionar que,
embora a maioria dos autores enfatize que o suporte social conduz a um melhor
estado de saúde (Umberson, 1991; Cockerham, 1991), outros autores
argumentam que este também pode originar resultados negativos, devido à
excessiva dependência em relação a poucas pessoas que possam prestar ajuda
(Kraus, 1995).
A terceira hipótese procurou determinar se existe relação entre o tipo de
residência (lar de idosos ou domicílio) e a satisfação do idoso com o suporte
social, esperando-se que os idosos que residem no seu domicílio tenham maior
suporte social. Na verdade os idosos residentes no domicílio encontram-se mais
satisfeitos com o suporte social do que os idosos institucionalizados. Os idosos
que residem no domicílio, inseridos no meio rural, beneficiam de maior
estabilidade populacional, que favorece a manutenção dos laços afectivos, maior
contacto, maior rede de vizinhança, que ditará um maior apoio prático,
emocional e psicológico (Rowles, 1984). Apesar da despovoação das aldeias, no
nosso estudo verificou-se a existência de redes de entre-ajuda, marcadas não só
pelos vizinhos e cônjuges, mas também pelos filhos. Sendo de notar que, os
nossos resultados, e tendo em conta apenas a nossa amostra de idosos a residir
no domicílio, demonstram que 32,7% dos idosos residem sozinhos e 67,3%
vivem acompanhados maioritariamente num agregado familiar composto por
mais de três pessoas, sendo estes mais frequentemente, o cônjuge e os filhos.
No que diz respeito aos idosos residentes em lar, é necessário ter em
consideração que a institucionalização implica a mudança e adaptação a um
novo contexto ambiental, o que pode provocar consequências negativas, nos
casos em que o idoso se alheia do mundo exterior e enfrenta dificuldades em
estabelecer laços de afectividade com os outros residentes. É como que o
processo de socialização recomeçasse, numa altura em que a pessoa “carrega”

519
todo um conjunto de vivências e experiências, e muitas vezes, para se proteger
de possíveis danos prefere viver o seu dia-a-dia no lar, de forma isolada, ou
relacionarem-se maioritariamente com os funcionários.
Num estudo em que se procurou a comparação da satisfação com o
suporte social (através da ESSS), numa amostra de idosos institucionalizados
versus idosos a frequentarem a valência Centro de Dia, não se verificaram
diferenças com significado estatístico entre os dois grupos de estudo, excepto no
que se refere ao factor “Actividades Sociais” (uma das dimensões da referida
escala) cujos resultados são superiores para o grupo de utentes dos lares de
idosos (Vieira, 2003). Os nossos resultados não apresentam diferenças
significativas entre o suporte social e o género, idade, escolaridade e estado
civil. A relação entre género e suporte social não é linear e clara, surgindo
estudos que apresentam que esta relação pode ser irrelevante (Ornelas, 2008).
Está descrito que à medida que a idade aumenta, diminui o suporte social, uma
vez que se assiste a um estreitamento das relações sociais (Ornelas, 2008).
Num estudo levado a cabo junto de doentes oncológicos, no qual se avaliou o
suporte social através da ESSS foi concluído que à medida que a idade aumenta,
vai diminuindo a satisfação com o suporte social (Santos et al, 2003). Os nossos
resultados não permitem verificar este efeito porque estes idosos pertencem a
um grupo de idades muito homogéneo.
Está descrito que um maior nível de escolaridade, favorece habilidades
sociais e de comunicação que levam a condições facilitadoras de melhor
percepção do suporte social (Seidl et al, 2005). O estudo de Santos e seus
colaboradores (2003) também encontrou uma relação entre a escolaridade e o
suporte social, visto que, a satisfação com o suporte social percebido cresce à
medida que a escolaridade aumenta. Contudo os nossos resultados não
permitem verificar esta relação, uma vez que os idosos da amostra pertencem
na sua maioria a classes de baixa escolaridade, não havendo grande
heterogeneidade no que respeita ao nível educacional. Embora sem significado
estatístico, os nossos resultados mostram pior pontuação de suporte social nos
viúvos, sendo os solteiros aqueles que obtiveram melhor pontuação. Noutros
estudos, são os indivíduos casados que tendem a apresentar maior suporte
social (Ensel, 1986), embora actualmente haja uma tendência para evitar este
tipo de associação, porque o estar casado não é necessariamente sinónimo de
recepção de suporte social por parte do cônjuge. Explorar a existência de relação
entre o tipo de residência (lar de idosos ou domicílio) e o nível de stress

520
percebido, esperando-se que os idosos institucionalizados apresentem maiores
níveis de stress, era a proposta da quarta hipótese. Sendo que, os nossos
resultados vêm demonstrar o que foi postulado, visto que os idosos
institucionalizados apresentam maior nível de stress quando comparados com os
idosos do domicílio. Este resultado era expectável dado que a mudança de
ambiente constitui um potencial agente desencadeador de stress nestes idosos.
De acordo com Ballesteros (2004), os factores que mais frequentemente causam
stress na pessoa idosa e que constam na bibliografia são os acontecimentos de
vida, nomeadamente a institucionalização.
O stress é considerado um precursor de diversas doenças (Reiche et al,
2004). E para os idosos, os agentes do stress podem ser os mais variados, como
por exemplo, a reforma, a morte de entes queridos, a mudança de papéis sociais
e a mudança de ambiente (Paul, 1997). Contudo, é a forma como o idoso
entende estes agentes que constitui um dos determinantes de como ele será
afectado pelo stress. Neste sentido, julgamos pertinente proceder a uma análise
crítica dos factores analisados que influenciam ou são influenciados pelo stress
percebido.
O stress está entre os factores de risco que podem afectar a saúde física,
emocional e cognitiva dos indivíduos (Ulla & Remor, 2002; Aldwin & Gilmer,
2003; Cappeliez et al, 2004; Sadeh et al, 2004). Em ambos os contextos
residenciais, são as mulheres quem apresenta um maior índice de stress
percebido, resultado este que é corroborado por Luft et al (2007). Esta diferença
de género também é suportada por Oliveira e Cupertino (2005), que consideram
que as mulheres tendem a avaliar situações da vida com maior intensidade e
stress do que os homens. Neste estudo verificou-se também que os idosos
solteiros/divorciados são aqueles que apresentam maiores níveis de stress, o
que vai de encontro às conclusões de Luft e colaboradores (2007); situação
semelhante com os idosos em situação de viuvez (Paul, 1997). De acordo com o
estudo de Luft e colaboradores (2007), os idosos que indicaram ter problemas
de saúde obtiveram média de stress percebido superior aos que não indicaram
doenças, o que se verificou também neste estudo para o grupo de idosos a
residir no domicílio.
O suporte social pode funcionar não só como um elemento amortecedor
do impacto do stress, mas também como um recurso de resolução de problemas
que resulta em stress diminuído. Reciprocamente baixos níveis de suporte social
podem causar ou potenciar os níveis de stress (Cohen, Underwood & Gottlielo,

521
2000). Neste contexto, o suporte social deve ser estudado como um recurso de
coping, diminuindo os efeitos psicológicos adversos dos agentes de stress
ambiental. Assim, a percepção que os outros estão disponíveis para fornecer
conforto emocional ou assistência prática em alturas de necessidade parece ser
particularmente benéfico para a saúde e bem-estar (Navalhas, 1998). Para além
disso, o suporte social está descrito também como um importante factor de
minimização dos efeitos das situações stressantes no funcionamento familiar.
Num estudo levado a cabo com o objectivo de estudar a percepção do stress e
do suporte familiar em familiares cuidadores de indivíduos com paralisia cerebral
foi confirmada a correlação entre o stress e o suporte social, indicando assim
uma área de intervenção comunitária importante, no sentido do aumento ou
reforço das redes de apoio de forma directa ou indirecta (Almeida, 2007).
De acordo com Singer e Lord (1984) citado por Ribeiro (1999) os estudos
que se têm debruçado sobre a relação entre suporte social e saúde podem
agrupar-se em quatro categorias, da seguinte forma: a) a primeira categoria
apresentada sustenta que, o suporte social protege contra as perturbações
induzidas pelo stress, o que significa que o suporte social age como um
moderador do stress; b) a falta de suporte social é geradora de stress, ou seja, a
falta de suporte social é ela própria geradora de stress; c) a perda de suporte
social é um stressor, o que significa que se a pessoa tem uma fonte de suporte
social e a perde, o stress surge; d) o suporte social é considerado benéfico, pois
torna as pessoas mais fortes para enfrentar as adversidades da vida, que podem
ser fontes de stress.
A sexta hipótese pretende saber se a relação entre o nível de satisfação
com o suporte social e o stress percebido é semelhante entre os idosos
institucionalizados e os idosos a residir no domicílio. Os resultados do estudo
permitem concluir que, ao contrário do que foi sugerido através desta hipótese,
a relação entre o nível de satisfação com o suporte social e o stress percebido
não é semelhante nas duas amostras. Isto porque, entre os idosos
institucionalizados, o stress aumenta à medida que percepcionam maior suporte
social, enquanto nos idosos do domicílio se verifica que o stress aumenta à
medida que o suporte social diminui. Relativamente à diferença encontrada na
relação suporte social e stress de acordo com a residência do idoso, lar ou
domicílio, a explicação que parece ir ao encontro deste resultado não esperado,
e não sendo a idade uma variável de explicação dessa diferença.

522
A forma como os idosos percepcionam a vivência em lar é diversificada,
pois se para alguns representa uma melhoria das condições de vida e da sua
estabilidade emocional, para outros significa uma ruptura com o espaço físico e
relacional, geralmente acompanhada pela consciência dolorosa da situação de
exclusão (Pimentel, 2001). Na perspectiva dos idosos residentes no domicílio, a
institucionalização em lar ainda surge como o último recurso aquando da perda
de autonomia e perante a falta de disponibilidade para cuidar (Pimentel, 2001).
Quando a decisão da institucionalização resulta da vontade do idoso, este tende
a sentir maior satisfação com o lar, comparativamente aos idosos
institucionalizados contra a sua vontade (Dias, 2007). A opção (por vontade
própria ou alheia) pela institucionalização pode alterar os resultados, na medida
em que a própria percepção do idoso em relação a si próprio e ao seu estado de
saúde pode ser influenciada. Na concepção do próprio idoso, a residência na sua
casa constitui uma dimensão de independência e de segurança. Esta segurança é
entendida como objectiva, pois protege o idoso das contrariedades do meio
ambiente, ou como subjectiva, na medida em que parece proteger do medo
(Sousa et al, 2004). Entre os idosos residentes no domicílio, os resultados vão
ao encontro daquilo que era esperado, ou seja, o stress aumenta à medida que
percepcionam diminuição do suporte social. A sétima hipótese postulava que as
variáveis sociodemográficas, económicas e de saúde dos idosos, explicassem
parte da relação existente entre o stress e o suporte social, o que não se veio a
verificar.

CONCLUSÃO
A mudança repentina da sociedade, devido ao envelhecimento da
população, ao aumento da longevidade e à baixa taxa de natalidade, exige a
implementação de estratégias sociais e políticas de protecção da pessoa idosa
sustentadas pela investigação científica e pela capacidade desta proceder a
pesquisas nos diferentes meios. No sentido de melhorar as respostas sociais
para idosos e permitir a sua manutenção em domicílio. O Serviço de Apoio
Domiciliário constitui, neste contexto, uma resposta apropriada tal como os
Centros de Dia, propostas que devem ser alargadas em termos territoriais e
melhorada a frequência do apoio. Todavia, nem sempre as habitações dos idosos
se encontram preparadas, em termos de condições de conforto e salubridade,
para lhes garantir qualidade de vida, para tal é necessário que à semelhança de
algumas autarquias do país, seja disponibilizada verba financeira para a melhoria

523
das condições habitacionais dos idosos. O lugar do idoso, sempre que possível,
deve ser na sua casa, objectivo preconizado pela Organização Mundial de Saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abrunheiro, L. (2005). A Satisfação com o Suporte Social e a Qualidade
de Vida no Doente Após Transplante Hepático. [em linha]. Disponível em
http://www.psicologia.com.pt. [Consultado a 28/10/2007].
Aldwin, C.M., Gilmer, D. F. (2003). Health, Illness and Optimal Aging:
biological and psychological perspectives. California: Sage Publications.
Almeida, T., & Sampaio, F.M. (2007). Stress e Suporte Social em Familiares
de Pessoas com Paralisia Cerebral. Psicologia, Saúde & Doenças, 8(1), 143-
149.
Ancântara, A. (2004). Velhos Institucionalizados e Família: entre abafos e
desabafos. Campinas SP: Editora Alínea.
Barrera, M. (1986). Distinctions between social support concepts, measures
and models. American Journal of Community Psychology, 14, 413-445.
Barreto, A. (2002). Mudança social em Portugal, 1960/2000. Lisboa:
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Bowling, A. (1991). Social Support and Social Networks: Their
relationship to the Successful and Unsuccessful Survival of Elderly People in
the Community. Family Practice, 8(1), 68-83. Oxford: Oxford University
Press.
Câmara Municipal de Arcos de Valdevez (2008), Diagnóstico Social de
Arcos de Valdevez. Disponível em http://www.cmav.pt [Consultado em
20/07/2009]
Cappeliez, P., Sevre-Rousseau, S., Landreville, M., Preville, M. (2004).
Physical health, subjective health and psychological distress in older adults:
reciprocal relationships concurrently and over time. Ageing International,
29(3), 247-266.
Carp, F. (1987). Environment and Aging.In D. Stokols & I. Altman (Eds.),
Handbook of Environment Psychology (pp. 329-360). New York: John Wiley e
Sons.
Cassel, J. (1974). Psychological Processes and Stress: Theoretical
Formulations. International Journal of Health Services, 3, 471-482.

524
Cicirelli, V.G. (1990). Family support in relation to health problems of the
elderly. In Brubaker, T.H. (ed.). Family relationships in later life (2nd Ed.)
(pp. 212-228). Newbury Park, CA: Sage.
Cobb, S. (1976). Social Support as a Moderator of Life Stress.
Psychsomatic Medicine, 38(5), 300-314.
Cockerham, W. (1991). This aging society. New Jersey: Prentice Hall.
Coel h o, M., Rib eiro, J. ( 2000) . In flu ên cia d o su p ort e soci al e d o
coping sob re a percepção subjectiva de bem-estar em mulheres
submetidas a cirurgia cardíaca. Psicologia, Saúde e Doenças, 1(1), 79-87.
Cohen, P., Cohen, J., & Brook, J. (1993). En epidemiological study of
disorders in late childhood and adolescence. Journal Child Psychology, 34(6).
Cohen, S., Karmack, T., Mermelsteinm, R. (1983). A global measure of
perceived stress, Journal Health Social Behaviour, 24(4), 385-396.
Cohen, S., Mckay, G. (1984). Social Support, Stress and the Buffering
hypothesis: A theorical analysis. In A. Baum, S. E. Taylor, & J. E. Singer
(Eds), Handbook of Psychology and Health. N. J.: Hillsdale.
Cohen, S., Underwood, S., & Gottlielo, B. (2000). Social Support
measures and intervention. New York: Oxford University Press.
Cram er, D., Hend erson , S., & Scot t, R. ( 1997). Mental h ealth and
d esi red social support: a four-wave panel study. Journal of Social and
Personal Relationships, 14(6), 761-775.
Di ário da R ep ublica, Minist éri o do Trab alho e da Solid ari ed ade
Social , Normas Reguladoras das Condições de Instalação e funcionamento
dos Lares de Idosos, I Série – B, nº417, Despacho Normativo nº12/98, 25 de
Fevereiro de 1998: 767-774.
Dias, I. G. (2007). A Institucionalização Asilar na Percepção do Idoso e da
sua Família: O Estudo do Lar dos Velhinhos. Dissertação de Mestrado em
Economia Doméstica. Universidade Federal de Viçosa do Brasil.
Duarte, M., & Paúl, C. (2006). Avaliação do ambiente institucional-público
e privado: estudo comportamental dos idosos. Revista Transdisciplinar de
Gerontologia, 1(1), 17-29.
Dunbar, M. Ford, G., & Hunt, K. (1998). Why is the receipt support
associated with increased psychosocial distress? An examination of three
hypotheses. Psychology and Health, 13, 527-544.

525
Ensel, W. M. (1996). Social Class and Depressive Symptomatology. In N.
Lin, A. Deca, & W. Ensel (Eds.), Social Support, Life Events and Depression
(pp. 266-294). Orlando: Academic Press.
Fernández-Ballesteros, R. (2000). Gerontologia Social. Madrid: Ediciones
Pirâmide.
Fernández-Ballesteros, R. (2004). Gerontologia Social. Una
Introduccíon. In R. Fernández-Ballesteros (Dir.), Gerontologia Social.
Madrid: Pirámide.
Fernández-Ballesteros, R et al. (1998). Personal and environmental
relationships among the elderly living in residential settings. Archives of
Gerontology and Geriatrics. 262, 185-198.
Figueiredo, D. (2007). Cuidados Familiares ao Idoso Dependente.
Lisboa: Climepsi Editores.
Fortin, M. (1999). O processo de Investigação: da concepção à
realização. Loures: Lusociência.
Garcia Sanz, B. (1996). La sociedade rural ante el siglo XXI. In Mª Triadó
Tur (2003). Envejecer en entornos rurales. Madrid: IMSERSO, Estúdios
I+D+I, nº19 [em linha]. Disponível em
http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/imserso-
estudiosidi-19.pdf. [consultado em 26/05/2010]
Garcia Sanz, B. (1997). Enjecimento en el mundo rural: problemas y
soluciones. In Mª Triadó Tur (2003). Envejecer en entornos rurales. Madrid:
IMSERSO, Estúdios I+D+I, nº19 [em linha]. Disponível em
http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/imserso-
estudiosidi-19.pdf. [consultado em 26/05/2010]
Holahan, C., & Moos, R. (1981). Social support and psychological distress: A
longitudinal analysis. Journal of Abnormal Psychology. 90(4), 365-370 [em
linha]. Disponível em http://psycnet.apa.org/journals/abn/90/4/365/
[consultado a 22/05/2010].
Imaginário, C. (2003). O idoso dependente em contexto familiar. Uma
análise da visão da família e do cuidador principal. Edição FORMASAU.
INE (2001). Censos 2001: Resultados preliminares. Lisboa: Instituto
Nacional de Estatística.
INE (2002). O Envelhecimento em Portugal. Situação demográfica e
socioeconómica recente das Pessoas Idosas. Revista de Estudos
Demográficos, 32, 185-208.

526
INE. (2007). Estatísticas demográficas 2005. Lisboa: Instituto Nacional de
Estatística.
ISS, I.P. (2005). Manual de Boas Práticas, Ed. Instituto da Segurança Social, I.P.
Jabob, L. (2001). Os serviços para idosos em Portugal, Dissertação de
Mestrado, ISCTE.
Krause, N., Borawisk-Clarck, E. (1995). Social class differences in
social support among older adults. The Gerontologist, 35(4) 498-508.
Lawton, M. & Nahemow, L. (1973), Ecology and ageing process. In C.
Eisdorfer & M. Lowton (Eds), Psychology of Adult Development and Ageing
(pp. 619-624). Washington: American Psychological Association.
Lazarus, R. S. & Folkman, S. (1984): Stress, Appraisal and Coping.
Berlin: Springer Verlag.
Lipp, M. (1984). Stress e suas implicações. Estudos de Psicologia, 3/4
(Agosto e Dezembro).
Luft, C., Sanches, S., Mazo, G., & Andrade, A. (2007) Versão brasileira
da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Revista
de Saúde Pública; 41(4), 606-15.
McEwen, B., Sapolsky, R. (2006). The Journal of Clinical Endocrinology
& Metabolism, 91(2).
Moos, R.H., & Lemke, S. (1984). Multiphasic Environmental Assessment
Procedure (MEAP). Stanford, CA: University Medical Center.
Navalhas, J.C.B. (1998). Crise e Suporte Social, Efeitos Potenciais do
Suporte Social. Revista de Psiquiatria do Hospital Júlio de Matos, 11(3), 27-
46.
NOVA ENCICLOPÉDIA LAROUSSE (2004). Círculo de Leitores, Rio do Mouro,
Ed. Nº3887, Vol. II e VI: 375, 1773.
Oliveira, B., & Cupertino, A. (2005). Diferenças entre género e idade
no processo do estresse em uma amostra sistemática de idosos residentes
na comunidade- Estudo PENSA. Textos sobre Envelhecimento, 8 (2).
Ornelas, J. (2008). Psicologia Comunitária. Lisboa: Fim de Século.
Paúl, C. ( 1995) . O p rocesso de Avaliação Ambi ent al Multifási co
( MEAP) , um a aplicação em Portugal. Psicologia, 10(1), 237-264.
Paúl, C. (1997). Lá para o fim da vida: idosos, família e meio
ambiente. Coimbra: Livraria Almedina.

527
Paul, C. (2005). Envelhecimento e Ambiente. In L. Soczka (Org.),
Contextos Humanos e Psicologia Ambiental (pp. 247-268). Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian.
Paúl, C., Fonseca, A., Martín, I., & Amado, J. (2003). Psychosocial Profile of
Rural and Urban Elders in Portugal. European Psychologist, 8(3), 160-167.
Pimentel, L. (2001). O lugar do idoso na família: contextos e trajectórias.
Coimbra: Quarteto Editora.
Ramos, M. P. (2002). Social Support and Health Among Seniors.
Sociologias, 7, Porto Alegre [em linha] Disponível em http://www.scielo.br
[Consultado a 28/10/2007].
Reich, E.M., Nunes, S.O., Morimoto, H.K. (2004). Stress, depression,
the immune system, and cancer. Lancet Oncologic, 5(19), 617-625.
Ribeiro, J.L.P. (1999). Escala de Satisfação com o Suporte Social
(ESSS). Análise Psicológica, 3(17), 547-558.
Rodin, J., Salovey, P. (1989). Health Psychology. Annual Review of
Psychology, 40, 533-579.
Rowles, G. (1984). Aging in rural environments. In I. Altman, M.
Lawton, & J. Wohlwill (Eds.), Elderly people and the environment (pp. 129-
157). New York: Plenum.
Sadeh, A., Keinan, G., Daon, K. (2004). Effects of Stress on Sleep: the
moderating role of coping style. Health Psychology, 23(5), 542-545.
Sandín, B. (2003). El Estrés: Un análisis basado en el papel de los
factores sociales. Revista Internacional de Psicologia Clínica y de la Salud,
3(1), 141-157.
Santos, C., Ribeiro, J., & Lopes, C. (2003). Estudo de Adaptação da Escala
de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) a Pessoas com Diagnóstico de
Doença Oncológica. Psicologia, Saúde e Doenças, 4(2), 185-204.
Seidl, E., Zannon, C., Tróccoli, B. (2005). Pessoas vivendo com
H IV / A I D S : Enfrentamento, Suporte Social e Qualidade de Vida. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 18(2), 188-195.
Sequeira, A. & Silva, M. (2002). O Bem-Estar da pessoa idosa em meio
rural, Análise Psicológica, 3(20), 505-516.
Singer, J.E., & Lord, D. (1984). The role of social support in cooping with
chronic or life-threatning illness. In. Ribeiro, JLP (1999). Escala de Satisfação
com o Suporte Social (ESSS). Análise Psicológica, 3(17), 547-558.

528
Sousa, L., Figueiredo, D., & Cerqueira, M. (2004). Envelhecer em Família:
Os cuidados familiares na velhice. Porto: Âmbar.
Sykiotis, G. P., & Bohmann, D. (2010). Stress-activated cap’n’collar
transcription factors in aging human disease. Science Signaling, 9, 3(112).
Tak, S.H., Hong, S.H., Kennedy, R. (2007). Daily Stress in Elders with
Arthritis. Nursing and Health Sciences, 9, 29-33.
Taylor, S.E. (2010). Effects of a supportive or an unsupportive audience on
biological and psychological responses to stress. Journal of Personality and
Social Psychology, 98(1), 47-56.
Triadó Tur, C. (2003). Envejecer en entornos rurales. Madrid,
IMSERSO, Estúdios I+D+I, nº19.[em linha]. Disponível em
http://www.imsersomayores.csic.es [consultado em 26/05/2010].
Ulla, S., Remor, E.A. (2002). Psiconeuroimunologia e infecção por HIV:
realidade ou ficção? Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(1), 113-119.
Unbersom, D.G. (1992). Marital status, and the social control of health
behaviour. Social Science and Medicine, 34, 904-917.
Underwood, P.W. (2000). Social Support: The Promise and the Reality.
In V.H. Rice (Ed.), Handbook of Stress, Coping and Health: Implications for
Nursing Research, Theory and Practice (pp. 367-391). London: Sage
Publications, Inc.
Vi eira, A. (2003) . Qu alid ad e d e V id a e Sup ort e Social d os Id osos em
A mb ien t e Institucional. Contributos da Bioética. Porto: Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto (Dissertação de Mestrado).
World Health Organization (1998). Health Promotion Glossary. Geneva: WHO
World Health Organization (2002). Active Aging: a policy framework. Madrid:
WHO
Yela, M. (1992). Psicología de la vejez: la Miranda hacia atrás. In A. Reig y
D. Ribera (eds.), Perspectivas en Gerontología y Salud. Valência: Promolibro.
Zimmerman, I.G. (2000). Velhice: Aspectos Biopsicossociais. São Paulo:
Editora Artes Médicas Sul Ltda.

529
TÍTULO: Liderança e bem-estar em idosos institucionalizados (Leadership

and well-being of institutionalized elderly people)

AUTOR(ES): Miguel Cerqueira (migueljcerqueira@gmail.com) e Fátima

Lobo (flobo@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga – Faculdade de Filosofia

(Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT/ Fundação para a Ciência e

Tecnologia no âmbito do Projecto «PEst-OE/FIL/UIO683/2011»)

RESUMO
Esta investigação propõe-se analisar e refletir sobre o modelo de
liderança mais ajustado ao idosos institucionalizados. Assenta numa breve
revisão teórica, tendo como base três eixos: os dados demográficos da
população idosa, a qualidade de vida e bem-estar dos idosos institucionalizados
e a produção científica sobre a liderança enquanto fator preditor de qualidade de
vida e bem-estar.
A literatura converge na constatação de alterações demográficas no
mundo ocidental que se traduzem na modificação e inversão da pirâmide etária.
Tais dados, colocam desafios institucionais ao nível do modelo de liderança e das
estratégias para responder às especificidades desta população no sentido de lhe
proporcionar bem-estar e qualidade de vida. O envelhecimento populacional
pode ser visto como uma consequência do desenvolvimento socioeconómico ao
qual as políticas de saúde se têm procurado adaptar, introduzindo mudanças que
visam a obtenção de melhores padrões de saúde e capacidade funcional dos
idosos, assim como a criação de ambientes que garantam condições de
participação social e segurança para este segmento populacional.
Com o envelhecimento populacional, verifica-se um aumento de doenças
crónicas e incapacitantes que suscitam mudança de paradigma na forma como
se enfrenta o envelhecimento, com especial enfoque no modelo de liderança que
proporcione ao idoso um envelhecimento bem-sucedido. A saúde não é medida
pela presença ou não de doenças, e sim pelo grau de preservação da capacidade
funcional. A capacidade funcional, por sua vez, é influenciada pela perceção do

530
idoso. Esta investigação enferma de limitações teóricas e práticas. Constitui
apenas uma revisão teórica e o modelo não foi objeto de aplicação nas
instituições e na população em análise. Estabeleceu-se uma analogia entre os
modelos de liderança aplicados ao trabalho e as instituições para idosos, tendo
em vista as dinâmicas relacionais que se estabelecem neste contexto, sejam elas
laborais, no grupo de funcionários e colaboradores cuidadores, de convivência
entre os residentes da instituição, com as suas idiossincrasias ou de interacção
entre ambos os grupos.
Palavras-chave: Idoso, envelhecimento, psicodinâmica, liderança.

ABSTRACT
This research proposes to analyze and reflect on the leadership model
better adjusted to the institutionalized elderly. This work is based on a brief
theoretical review of three axes: the demographics of the elderly population, the
quality of life and well-being of institutionalized elderly and scientific literature on
leadership as a predictor of quality of life and well-being.
The literature converges on the demographic changes in the Western
world that resulted in the modification and inversion of the aging pyramid. Such
data pose challenges to the institutional level model of leadership and strategies
to respond to the specific features of this population in order to offer them well-
being and quality of life. Population aging can be seen as a consequence of
socio-economic development to which health policies have to adapt, introducing
changes aimed at achieving better standards of health and functional capacity of
the elderly, as well as the creation of environments that ensure conditions of
participation and social security for this population segment.
As the population ages, there is an increase of chronic and disabling
diseases which cause a paradigm shift in how to face aging, with special focus on
a leadership model that offers the elderly a successful aging. Health is not
measured by the presence or absence of disease, but by the degree of
preservation of functional capacity. Functional capacity, in turn, is influenced by
the perception of the elderly. This research has theoretical and practical
limitations. It is only a theoretical review and the model has not been applied in
institutions and on the population under study. An analogy has been established
between organizational leadership models and institutions for the elderly, in view
of the relational dynamics that are established in this context, whether labour
relations, relations in the group of employees caregivers, or of relationship

531
between the residents of the institution with its idiosyncrasies or interaction
between the two groups.
Keywords: elderly, aging, psychodynamic, leadership.

Introdução
Neste trabalho, procura-se entender o envelhecimento de forma positiva
face às mudanças que este implica. Neste sentido a questão de parida é: o bem-
estar psicológico, social e físico é preditor do envelhecimento bem-sucedido? O
modelo de liderança é promotor de envelhecimento bem-sucedido nos idosos
institucionalizados?
Uma vez que o envelhecimento da população portuguesa é um fenómeno
em crescimento, entendeu-se que seria oportuno efetuar uma revisão teórica
sobre o tema, num horizonte de aproximadamente uma década, que incluísse
uma visão sobre os fatores preditores e envelhecimento bem-sucedido e o tipo
de liderança que se adequa à população idosa em contexto de
institucionalização. É imperativo o desenvolvimento de estratégias para que a
velhice deixe de ser percecionada como o afastamento da vida social, e
proporcionar a permanência da pessoa idosa, se possível, no seu meio, criando e
mantendo ambientes propícios à integração, ou onde exista um ambiente
propiciador de um envelhecimento digno. Trata-se de associar as políticas sociais
nesta matéria ao paradigma do envelhecimento ativo, defendido pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e entendido como o processo de
otimização das oportunidades de vida em termos de saúde, de participação e de
desenvolvimento multidimensional do indivíduo à medida que este envelhece.
Neste contexto, define-se envelhecimento ativo como um processo de otimização
das oportunidades de saúde, participação e segurança, visando a melhoria do
bem-estar das pessoas à medida que envelhecem. Estar ativo significa, nesta
perspectiva, participar de forma contínua em todos os assuntos sociais,
económicos, culturais, espirituais ou cívicos, garantindo uma condição de
autonomia e independência da pessoa idosa. O grande desafio das sociedades
atuais consiste em encontrar formas que possibilitem o aproveitamento do
potencial desta faixa etária, em áreas que correspondam às suas expectativas e
interesses, devendo, para tal, o contexto social oferecer oportunidades
significativas, encontrando respostas para que os idosos continuem a ser parte
integrante da comunidade. Criar condições para que as pessoas idosas sejam

532
atores sociais participativos, proporcionando-lhes acesso à informação, à
formação e ao desenvolvimento pessoal, possibilitados através de programas
educativos, culturais e de ocupação de tempos livres, pode obter como retorno a
sua participação mais ativa na família e na comunidade onde estão inseridos.
Esta participação ativa local implica, assim, a aplicação de políticas que, direta
ou indiretamente, interfiram na sua qualidade de vida e no seu posicionamento
social (Martins, 2010).

O Envelhecimento
Define-se envelhecimento, como processo de mudança progressiva da
estrutura física dos indivíduos que, iniciando-se antes do nascimento, se
desenvolve ao longo da vida (Direcção-Geral da Saúde, 2004) ou mudanças
físicas e cognitivas combinadas com experiências de perdas pessoais e
diminuição de recursos sociais e financeiros que constituem um importante
desafio à experiência de bem-estar do idoso (Schneller, 2008).
Fernandes (2010) refere que o envelhecimento se define por três
componentes, cujo desenvolvimento se dá em paralelo: o envelhecimento
biológico, que resulta da fragilidade a que chama senescência e está associado
às causas do envelhecimento celular; ao aparecimento de perturbações de saúde
e à diminuição da capacidade funcional. Este processo é vivido de uma forma
variável consoante o contexto social de cada indivíduo. Segundo a OMS, a
tipologia do envelhecimento desenvolve-se em quatro estádios. A meia-idade,
que compreende pessoas entre 45 e 59 anos de idade, idosos, pessoas entre 60
e 74 anos, anciães, pessoas entre 75 e 90 anos e velhice extrema, pessoas
acima de 90 anos de idade (Valentini & Ribas, 2003). À crueza dos números
contrapõe-se o facto de eles se referirem a seres humanos que enfrentam uma
inexorável mudança na sua vida, de consequências previsíveis. Impõe-se por
tanto, estudar profundamente este tema no sentido de compreender o
envelhecimento de forma empática, procurando compreender e explicar o seu
mundo interior (Bozharth, 1998). Sentindo o que o idoso sente e liderar a
instituição de acordo com as suas necessidades relacionais mais profundas pode
ser a chave para o pretendido envelhecimento bem-sucedido.
A maior parte das pessoas idosas, aproximadamente 75%, vive nos
países desenvolvidos (Sousa, 2003). Portugal não é exceção. De acordo com os
dados do INE, entre 1960 e 1998 o envelhecimento da população portuguesa
traduziu-se por um decréscimo de 35,1% relativamente à população jovem,

533
entre os 0 e os 14 anos e um acréscimo de 114,4% da população idosa, 65 anos
ou mais (Sousa, 2003), tendência que se manteve segundo o Censos 2011
(Pordata, 2011).
O envelhecimento social resulta da modificação dos hábitos de vida e de
funcionamento do indivíduo na sociedade relacionados com o aumento da idade.
Cada indivíduo leva sua vida de acordo com padrões, normas, expectativas,
experiências, valores e princípios diferentes. É também nessa fase da vida,
justamente quando se está menos preparado para enfrentar uma crise
desenvolvimental, que ocorrem alterações sociais marcantes como a reforma,
viuvez, dependência, perda de autonomia e de papéis sociais, diminuição da
rede social, colocando obstáculos a uma vida de melhor qualidade (Paschoal,
2002). O envelhecimento psicológico refere-se às capacidades de
autorregulação, tomada de decisões, adaptação ao processo do envelhecimento.
Contudo, segundo Agostinho (2004), a atitude e a personalidade, são variáveis
que influenciam a capacidade de o indivíduo enfrentar as mudanças da sua vida;
por exemplo a focalização da atenção numa doença ou na perda de um ente
querido, pode acelerar o processo de envelhecimento.
Para a avaliação global da capacidade funcional de um idoso, foi
desenvolvido, traduzido e adaptado para português, o BOMFAQ (Brazilian version
of OMFAQ) (Ramos, 2003). Em geral, a população de idosos cujos resultados
aqui se revelam, apresentou uma alta prevalência de doenças cronicas; quase
90% referiram pelo menos uma Doença Crónica Não Transmissível (DCNT),
principalmente hipertensão arterial, dores articulares e varizes. Cerca de metade
afirmou precisar de ajuda para realizar pelo menos uma das atividades da vida
diária. Cerca de um quarto apresentou sintomas de tipo distímico.

Envelhecimento bem sucedido


Andrews (2009) e Silva (2009) identificam três componentes para o que
designam envelhecimento bem-sucedido: a manutenção das funções cognitivas,
psicológicas e físicas. Dos autores que apontam o bem-estar psicológico do
ponto de vista cognitivo, Schneller (2008) defende que a noção de autoeficácia é
um dos principais recursos de resiliência do idoso, pois inclui a crença da pessoa
nas suas próprias capacidades e na forma como essas capacidades influenciam
positivamente as suas ações. Também o autoconceito, a imagem que o idoso
tem de si, permite-lhe fazer juízos e obter informação que regula a interação
com os outros (Cappeliez & Guindon, 2010). A autoestima apesenta duas

534
componentes: sentimento de competência pessoal e o sentimento de valor
pessoal; genericamente e enquanto conjunto de aspetos avaliativos pode definir-
se como o resultado de julgamentos, positivos ou negativos que o indivíduo faz
acerca de si próprio, considerando aspetos relevantes do seu modo particular de
existir (Faria, 2004).
Por sua vez o envelhecimento produtivo apresenta duas dimensões: As
duas dimensões inerentes ao conceito de envelhecimento produtivo: a objetiva,
que enfatiza os contributos realizados pelo idoso para com os seus familiares,
grupo social ou comunidade, e outra subjetiva, que privilegia a componente
afetiva do processo, no sentido das suas consequências positivas em termo de
bem-estar e qualidade de vida, que funcionam como reforçadores dessa atitude
(Kaye, 2003). O conceito de envelhecimento produtivo considera a existência de
uma atividades significativa e satisfatória, em que o idoso está envolvido de
forma estruturada e continuada como por exemplo a produção de bens ou
serviços, e que tem um impacto positivo na sua vida. Pode ser voluntária, como
por exemplo, cuidar dos netos ou em serviço comunitário, ou atividade
remunerada, como o trabalho sénior, num regime laboral adequado à idade
(Gonçalves, 2006). O conceito de envelhecimento produtivo no idoso envolvido
com a vida, realça em simultâneo os contributos prestados pelos idosos à
sociedade, através dos bens produzidos, e o bem-estar e qualidade de vida
obtidos derivados do processo (Kaye, 2003).
A forma como a velhice e o envelhecimento são percecionados é
igualmente importante no funcionamento psicológico das pessoas idosas. Assim,
quando são mencionadas como inteligentes ou competentes, o reforço positivo
associado torna-as mais capazes e funcionais; pelo contrário, expressões como
senil, dependente ou frágil contaminar a forma como encaram a sua velhice
(Ribeiro, 2008).
Carneiro (2007) sustenta a importância dos relacionamentos sociais e dos
sentimentos para o bem-estar psicológico na velhice, e consequentemente para
uma vida com qualidade, e argumenta a favor da ideia de que as relações sociais
podem, de várias formas, promover melhores condições de saúde. Indica
também que, ao contrário, a ausência de convívio social causa efeitos negativos
na capacidade cognitiva geral.

Liderança pelo afeto

535
O líder democrático, que se caracteriza por ser muito mais voltado para
as pessoas, possibilitando a participação dos subordinados no processo de
decisão, ou seja, encoraja os membros do grupo a decidirem das suas próprias
políticas. Assim, neste estilo de liderança, as diretrizes são decididas pelo grupo,
que é estimulado e acompanhado pelo líder, o qual previamente descreveu os
passos gerais a seguir, de forma a atingirem os objetivos propostos. A divisão
das tarefas fica ao critério do próprio grupo e os membros têm liberdade para
escolher os seus próprios companheiros de trabalho. Contrariamente ao estilo de
liderança anterior, no estilo democrático, o líder distribui os elogios e as críticas
com objetividade, limitando-se aos factos. O líder “laissez-faire”, traduz-se num
estilo de liderança onde aquele se mantem à margem, distante e indiferente, e
até ausente quando necessário, concedendo total liberdade ao grupo para atuar
como bem entender, e evitando, de certa forma, a aceitação de
responsabilidades.
Estabelecendo um paralelo entre o ambiente organizacional laboral e o da
instituição de idosos, que congrega dois grupos distintos, os idosos e os
cuidadores, esta investigação procura estabelecer uma analogia entre a liderança
num ambiente empresarial e a liderança num ambiente mais próximo dum
sistema familiar, em que ainda assim se procura, ressalvando as devidas
diferenças, proporcionar aos intervenientes a possibilidade de bem-estar pessoal
por via dos sentimentos e da afetividade. Compreende-se portanto a relevância
do afeto, como princípio norteador da autoestima. Sem uma autoestima
estruturada, dificilmente a pessoa conseguirá bem-estar (Valentini, 2003).
Mendes (1999) considera que um dos fatores que pode influenciar o bem-
estar na organização em que estão inseridas é o sofrimento, que de uma forma
geral resulta de sensações dolorosas provenientes do conflito entre desejo e
realidade. Tais sensações podem ser de origem inconsciente e estarem
relacionadas com os desejos mais profundos dos sujeitos. Ainda que esta autora
tenha desenvolvido o seu trabalho referindo-se a organizações laborais, os
pressupostos de relacionamento dum idoso com a instituição, resultam de uma
psicodinâmica análoga à do trabalhador/local de trabalho, já que resulta da
relação que o sujeito estabelece com a realidade. O sofrimento está relacionado
com a história de vida de cada sujeito e dos seus esquemas psicológicos.
Quando as condições do momento recuperam as suas vivências nas relações
infantis, estas podem repetir-se, e criar uma intersubjetividade própria de cada
sujeito, podendo o sofrimento variar de sujeito para sujeito, e dentro da mesma

536
organização, dependendo da dinâmica que produz tais relações. Da mesma
forma, mais uma vez evocando a analogia entre os dois tipos de organização,
considerando essa dinâmica, Mendes (1999) indica que o impacto psíquico que
em certas condições faz emergir o sofrimento, pode ser atribuído a
incompatibilidade entre uma história individual, que traz consigo projetos,
esperanças e anseios e uma organização que os ignora ou contraria. A perceção
de prazer e de sofrimento inscreve-se numa relação subjetiva do idoso com o
seu contexto. Implica intersubjetividade no momento em que esse sujeito passa
a relacionar-se com outros, e o meio onde se encontra. Os valores, os princípios
que guiam a vida da organização e a sua liderança, são um dos elementos
responsáveis e de maior importância para a socialização das normas e regras,
que definem formas específicas de vivenciar e compartilhar as suas relações
sociais. As investigações de Mendes (1999) pretendem demonstrar a dinâmica
que envolve a problemática do trabalho como fonte de prazer e de sofrimento
nas organizações enfatizando a abordagem psicodinâmica do trabalho as suas
contribuições. As suas investigações procuram demonstrar a influência dos
valores organizacionais na qualidade das vivências psicológicas e na construção
de estratégias par o enfrentamento do sofrimento. Estabelecendo uma analogia
entre as organizações de trabalho e as instituições para idosos, o suporte da
analogia radica na necessidade de compreensão dos processos psíquicos
envolvidos em ambas as situações. O reflexo do funcionamento da organização
dentro de uma cultura específica pode interferir nos processos de socialização
dos indivíduos, de adaptação, de escolhas e de possibilidades de viver dentro da
instituição segundo parâmetros de relacionamento que permitem a negociação
entre a natureza pulsional dos sujeitos e as suas dinâmicas culturais.
O bloqueio da participação do idoso num ambiente do qual não se sinta
parte integrante, pode levar à alimentação ou produção de sofrimento, o que
dificulta a identificação das suas causas e as possibilidades para sua
transformação, imperando desta forma, no espaço de vida, o sofrimento e não o
prazer.
A institucionalização para pessoas idosas é a resposta organizativa
desenvolvida em alojamento coletivo de utilização temporária ou permanente
para idosos em situação de maior risco de perda de independência ou
autonomia; as instituições devem prestar todos os serviços básicos, de saúde e
de animação sociocultural. O objetivo desta resposta social é acolher pessoas
idosas com problemas de saúde e problemas sociais proporcionando serviços

537
para que o processo de envelhecimento decorra com o mínimo de degradação
possível e contribuir para a preservação e o desenvolvimento das relações
familiares e bem-estar geral do idoso (Santana, 2009).
Associados aos fatores de bem-estar descritos, promovidos por todos os
agentes, Dejours (2011) acrescenta a psicodinâmica organizacional como
promotor de bem-estar psicológico, paradigma aqui utilizado de forma analógica.
Os primeiros estudos da área organizacional procuravam identificar patologias
mentais específicas de certos tipos de organizações mas nunca ficou
demonstrada a existência de uma síndrome psicopatológica exclusivamente
produzida pela organização. A sintomatologia psicopatológica reflete mais as
características idiossincráticas dos membros da organização do que a natureza
dos constrangimentos organizacionais. Antes do surgimento da sintomatologia, é
possível aplicar estratégias individuais e coletivas cuja riqueza e diversidade
constituem a matéria-prima para a criação de bem-estar. A instituição não
produz só sofrimento psíquico ou doença mental. A organização não produz
apenas o que o indivíduo possui de melhor ou de pior unicamente a nível
individual. Pode também gerar aquilo que há de melhor a nível coletivo ou seja,
a concórdia e o vivre-ensenble, a união de vontades de que resulte a harmonia.
De facto, também a psicodinâmica do trabalho demonstra que a cooperação,
para a realização de um projeto comum deve estar associado à produção de
regras e que tais regras são invariavelmente regras de savoir-vivre e de
convivência. Daí que de forma análoga se possa dizer ser de grande importância
a liderança da instituição.

Conclusão
Em Portugal regista-se a ocorrência de um momento de transição,
originado pelo aumento da esperança de vida e pela diminuição da taxa de
natalidade, com acentuada inversão da pirâmide etária, emergindo novas
responsabilidades sociais que radicam na necessidade de proporcionar aos
idosos acompanhamento adequado às suas necessidades físicas, psicológicas e
sociais. Coloca-se às famílias a tarefa de apoiar o idoso na última fase da vida, o
que dadas as recentes modificações na estrutura familiar, menos filhos,
residência em apartamentos frequentemente exíguos, exigências de cuidado dos
idosos, ou simples falta de tempo ou disponibilidade, dificulta esta tarefa. As
dificuldades que daí advém levam a que seja necessária a institucionalização do
idoso em lares. A literatura consultada aponta para a evidência de ser preferível

538
a sua manutenção na própria residência, com apoio da família de origem. Assim,
verifica-se que a prestação de cuidados aos descendentes, de primeira ou
segunda geração, funciona como um fator promotor do bem-estar dos idosos. A
integração numa estrutura de voluntariado formal permite ao idoso a
manutenção de relações interpessoais, diminuindo o isolamento e o impacto
negativo que este tem na sua saúde. A perda de autonomia provocada pelo
envelhecimento e a crescente falta de disponibilidade e competência das famílias
para acompanharem os idosos, obrigam com frequência à institucionalização. Os
autores consultados identificam três componentes para o que designam por
envelhecimento bem-sucedido: a manutenção das funções cognitivas ou
psicológicas e físicas, e ainda envolvimento com a própria vida, sendo desejável
a criação de novos laços sociais e manutenção de atividades prazerosas, como
estratégias para o enfrentamento do envelhecimento. Igualmente, a constituição
da equipa de trabalho na instituição de acolhimento do idoso, com base numa
liderança suscetível de promover a harmonia dentro da instituição, surge como
fator de elevada importância para a promoção da convivência entre os idosos,
entre os cuidadores e ainda entre idosos e cuidadores não obstante as
idiossincrasias. É ainda apontado que a institucionalização e a instituição, em
analogia com as organizações laborais, não são só por si causadoras de
perturbação psicológica, sendo as particularidades de cada pessoa determinantes
ou não do seu funcionamento problemático. A manutenção das funções
cognitivas, psicológicas e físicas são apontadas como componentes do
envelhecimento bem-sucedido. O bem-estar psicológico e a noção de
autoeficácia são dos principais recursos de resiliência do idoso, que vê a crença
nas suas próprias capacidades uma forma de influenciar positivamente a sua
vida; também o autoconceito surge como importante fator regulador da
interação com os outros. Sentimentos de competência e de valor pessoal, em
resultado de julgamentos positivos ou negativos, que o indivíduo faz acerca de si
próprio, são constituintes do conceito de autoestima. Por sua vez o
envelhecimento produtivo apresenta duas dimensões: a objetiva, que enfatiza os
contributos realizados pelo idoso para com os seus familiares, grupo social ou
comunidade, e outra subjetiva, que privilegia a componente afetiva do processo,
no sentido das suas consequências positivas em termos de bem-estar e
qualidade de vida, como reforçadores dessa atitude. As práticas de lazer
escolhidas pelo idoso enquanto formas de desenvolvimento afetivo,
nomeadamente através da prática dança e de outras atividades prazerosas

539
tendo em vista o contacto físico com outros, proporcionam segurança para
enfrentar e superar o envelhecimento.
Aborda-se ainda o afeto na organização, originado pelo funcionamento da
instituição condicionado pelos fatores de liderança. Tendo em conta os três tipos
de liderança focados neste trabalho, tudo indica que aquele que é capaz de gerar
mais envolvimento dos participantes na atividade é o estilo democrático já que é
igualmente maior promotor de autonomia. A liderança numa instituição de
idosos, logo à partida tem de lidar com dois grupos de pessoas dentro da
instituição: os idosos e os colaboradores e cuidadores. Cada um deles vê a
instituição de forma diferente pois se um considera a instituição como a sua
residência outro vê-a como local de trabalho. Inevitavelmente da interação entre
ambos surge um universo relacional que o líder deve saber gerir em função do
objetivo da instituição: proporcionar ao idoso um local promotor de
envelhecimento bem-sucedido. A instituição, só por si, não é o principal fator
promotor de prazer ou sofrimento. Um dos obstáculos que se opõe ao bem-estar
é o sofrimento, que de uma forma geral resulta de sensações dolorosas
provenientes do conflito entre desejo e realidade. Ora compete ao líder
reconhecer os fatores psicodinâmicos e intervir de acordo com as especificidades
de cada pessoa. Se o cansaço e o desânimo forem substituídos pela motivação e
o reconhecimento de capacidades, também o bem-estar aumenta.
A escassez de literatura a este propósito motivou o estabelecimento de
analogias entre as lideranças empresariais e as de instituições de idosos, sendo
possível obter um vislumbre do que pode contribuir decisivamente para um
envelhecimento bem-sucedido e entender o envelhecimento de forma positiva
face às mudanças que este implica. Trata-se, contudo, de um trabalho que
carece de uma investigação empírica que possa sustentar a sua ideia geral de
que o tipo de liderança influencia a forma como os idosos e cuidadores, mais do
que as caraterísticas socioeconómicas da população institucionalizada ou da
qualidade da instituição, no que diz respeito a instalações e valências que como
sabemos apresentam uma grande discrepância de acordo com a capacidades
financeiras dos idosos e das famílias.

Referências bibliográficas
Agostinho, P. (2004). Perspectiva Psicossomática do Envelhecimento.
Revista Portuguesa de Psicosomática, 6 (1), 31-36.

540
Andrews, M. (2009). The narrative complexity of successful ageing.
International Journal of Sociology and Social Policy, 29 (12).
Bozharth, J. D. (1998). Terapia Centrada na Pessoa: Um Paradigma
Revolucionário. Lisboa: Ediual.
Dejours, C. (2011). Psicopatologia do Trabalho – Psicodinâmica do
trabalho. Laboreal, 1, 13-16.
Direcção-Geral da Saúde (2004). Programa Nacional para a Saúde das
Pessoas Idosas (Nº: 13/DGCG DATA:02/07/04). Lisboa: Ministério da Saúde.
Acedido em 27 de Outubro, 2011 em
http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/1C6DFF0E-9E74-4DED-94A9-
F7EA0B3760AA/0/i006346.pdf
Faria, L., Pepi, A., & Alesi, M. (2004). Concepções pessoais de inteligência
e auto-estima: Que diferenças entre estudantes portugueses e italianos? Análise
Psicológica 4 (22), 747-764.
Fernandes, S. L. (2010). Vivências em lares de idosos: Diversidade de
Percursos Um Estudo de Caso. Acedido em 3 de Dezembro de 2011 em
http://www.google.pt/#hl=pt
Goleman, D., Boyatzis, R. & McKee, A. (2002). Os Novos Líderes. A
Inteligência Emocional nas Organizações. Lisboa: Gradiva.
Gonçalves, D., Martín, I., Guedes, J., Cabral-Pinto, F., & Fonseca, A.M.
(2006). Promoção da qualidade de vida dos idosos portugueses Através da
continuidade de tarefas produtivas. Psicologia, Saúde & Doenças, 7 (1), 137-
143.
INE (2002). O Envelhecimento em Portugal: Situação demográfica sócio-
económica recente das pessoas idosas. Documento preparado pelo Serviço de
Estudos sobre a População do Departamento de Estatísticas Censitárias e da
População.
Jesuíno, J. (1996). Processos de Liderança. Lisboa: Horizonte.
Kaye, L.W., Butter, S.S., & Webster, N.M. (2003). Toward a productive
ageing paradigm for geriatric practice. Ageing International, 28 (2), 200-213.
Martins, M. (2010). Capital social, envelhecimento activo e dinâmicas de
liderança: um estudo sobre as organizações sociais de apoio à população idosa
em oeiras. Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Política Social.
Lisboa: Universidade Técnica. Acedido em 2 de abril de 2012 de
http://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/2979/1/Tese_Isabel_Martins.pdf
Mendes, A. (1999). Valores e vivências de prazer-sofrimento no contexto

541
organizacional. Universidade de Brasília Instituto de Psicologia. Acedido em 5 de
Maio, 2012 em http://www.lpct.com.br/site/dissertacoes/mendes_tese.pdf
Paschoal, S. (2002) Qualidade de Vida na Velhice. Tratado de Geriatria e
Gerontologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A.
Pordata (2011). Acedido em 8 de Dezembro, 2011 em
http://www.pordata.pt/Portugal/Populacao+residente+segundo+os+Censos+tot
al+e+por+grandes+grupos+etarios-512
Ramos, L. (2003). Fatores determinantes do envelhecimento saudável em
idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso, São Paulo. Cad. Saúde
Pública, 19(3), 793-798.
Ribeiro, A., & Sousa, L. (2008). Impacto das imagens na qualidade de
vida e bem-estar dos idosos. Revista Transdisciplinar de Gerontologia. 1, 22-35.
Santana, S. P. S., & Corradini, A. M. (2009). A Dança de Salão e Seus
Benefícios Motores, Cognitivos e Sociais. Anuário da Produção de Iniciação
Científica Discente, 12 (15).
Schneller, D. P., & Vandsburger, E. (2008). Self-Efficacious Behaviors for
Reducing Stress in Older Adulthood. Ageing Int, 32, 78–91.
Silva, S. G. (2009). Qualidade de Vida e Bem-Estar Psicológico em
Idosos. Dissertação de Mestrado em Psicologia da Saúde. Porto: Universidade
Fernando Pessoa Faculdade de Ciências Humana e Sociais. Acedido em 1 de
Novembro, 2011 em
https://bdigital.ufp.pt/dspace/bitstream/10284/1092/3/sarasilva.pdf
Sousa, I., Galante, H. & Figueiredo, D. (2003). Qualidade de vida e bem-
estar dos idosos: um estudo exploratório na população portuguesa. Revista de
Saúde Pública, 37(3):364-7.
Valentini, M. T. P., & Ribas, K. M. F. (2003). Terceira Idade: Tempo para
semear, cultivar e colher. ANALECTA, 4(1), 133-145.

542
TÍTULO: Sofrimento e Lazer nas Organizações

AUTOR(ES): Fátima Maria Bezerra Barbosa e Clara Costa Oliveira

INSTITUIÇÃO: IE – Universidade do Minho; IE- CEHUM – Universidade do

Minho

RESUMO
Objetivo: refletir sobre o sofrimento e o lazer nas organizações laborais;
metodologia qualitativa, de tipo hermenêutico; implicações práticas: sensibilizar
as organizações para possibilidade de articular o lazer com o lucro nas
organizações; originalidade: a denúncia de como algumas organizações
desestruturam a identidade dos seus trabalhadores, e como tal pode ser evitado.
Palavras-chave: sofrimento; lazer; ócio; organizações laborais.

Introdução
Começaremos por caracterizar o sofrimento, a partir do pensamento de
Eric Cassell, identificando-o com uma auto-percepção de desintegração interior
identitária. As organizações laborais a nível internacional, incluindo Portugal, têm
vindo a despoletar situações de sofrimento acrescido face às condições laborais
que estimulam deliberadamente o desejo mimético( R. Girard), base de violência
comunitário-social de todo o tipo. Isto pode ser feito utilizando várias estratégias
desagregadoras da identidade dos trabalhadores, como veremos.
O Ócio/Lazer entendido como um conjunto de ações que proporcionam
satisfação vital e consubstanciando-se numa“…experiência pessoal complexa e
num fenómeno social multidimensional” (Cuenca, 2000, 2004) tem
consequências positivas para o indivíduo e para a sociedade. A nível individual
induz emoções positivas; alegria, amor, afeto, alívio, que se refletem na saúde,
física e psíquica dos indivíduos.
Quando é adotado como complemento formativo nas organizações
promove a motivação gerando sentimentos de respeito, solidariedade e
generosidade, essenciais ao espírito de equipa que, por sua vez, potencia a
realização de metas.
Ao melhorar as relações interpessoais, possibilita a integração gera a
criatividade e a inovação. Neste sentido e tendo em consideração o mundo do
trabalho, os momentos de ócio são essenciais para o indivíduo dado que através

543
deles se pode melhorar a resistência, diminuir o absentismo e aumentar a
produção.

1. O mundo laboral como inimigo da Pessoa


Vivemos numa cultura extraordinariamente preocupada com a doença,
nomeadamente com a dor. O investimento no alívio da dor humana tem sido
enorme, em termos mundiais, quer em termos de investigação neurofisiológica,
bem como na busca de substâncias, ou interações, físico-químicas que permitam
a criação de medicamentos pela indústria. Este sucesso analgésico de uma certa
contemporaneidade geograficamente circunscrita no planeta, levou muitos de
nós a considerarmos que tem havido uma diminuição de sofrimento no mundo,
em geral. De facto, o que nós usualmente fazemos é confundir dor com
sofrimento.
Mesmo que consideremos que avançamos muito no combate à dor (que
possui sempre uma base neurofisiológica, inclusive nas dores neuropáticas, cujo
suporte fisiológico é o sistema nervoso), a verdade é que temos vindo a criar
sociedades com níveis de sofrimento muito graves (Oliveira, 2006, 2008). Para
tal, muito têm contribuído as organizações que fomos construindo no mundo
ocidental após a revolução industrial, nomeadamente as instituições laborais.
Segundo Cassell, o sofrimento caracteriza-se por uma auto-percepção de
desintegração interior. 'Suffering is a state of severe distress associated with
events that threaten the integrity (intactness) of a person. […] Suffering requires
consciousness of the self, involves the emotions, has effects on the person’s
social relationships, and has an impact on the body' (Cassell, 2004, p. 32 e p.
224).
Assim, ainda que o sofrimento esteja usualmente presente nas pessoas
doentes (sobretudo nos doentes crónicos), ele verifica-se em muitas pessoas
consideradas saudáveis (leia-se: com ausência de doença). Continuando
focalizados na definição acima enunciada, percebemos que o sofrimento se
refere a todas as dimensões da existência de uma pessoa, desde a emocional, à
social e à corporal. Notemos que para este autor, ainda que os animais não
humanos tenham dor, somente os animais com consciência de si (de um 'eu')
sofrem, o que remete o sofrimento para os seres humanos e eventualmente
alguns outros tipos de mamíferos superiores, e cetáceos (cfr. estudos sobre
cetáceos de Bateson, 1972).

544
Nas organizações laborais, é exatamente esta consciência de si que mais
contribui para o sofrimento que elas despoletam, e que muitas promovem
deliberadamente. Sabe-se que uma das técnicas organizativas de produtividade
dentro de uma organização é a criação de vínculos emocionais/sentimentais dos
trabalhadores com as empresas. Isso é conseguido através de projetos coletivos
aparentemente rentabilizadores das competências de cada membro da empresa,
na organização departamental e hierarquizada dentro dessa estrutura e dentro
da organização, no seu todo. Salientamos também a criação de objetivos a
alcançar que vinculem as pessoas a uma instituição se elas sentirem que
participam, que são construtores (e não mero executores) de um projeto que é
comum, e que se consegue acreditar que é de excelência. As pessoas começam
a fazer as suas refeições dentro das organizações, a levar trabalho para casa, a
fazerem reuniões no horário pós-laboral ou não-laboral (domingo, por exemplo).
É já prática usual, aliás, as iniciativas outdoors nos fins de semana com os
trabalhadores.
Estas pessoas começam lentamente a perder os seus vínculos com as
pessoas que não fazem parte do seu mundo de trabalho, os seus amigos, os
seus familiares. Deixamos assim lentamente de ter tempo para parar e pensar o
que somos, o que queremos ser, como nos sentimos, ou seja: as pessoas
começam a perder-se de si próprias. Algumas destas pessoas esforçam-se por
articular -tão harmoniosamente quão possível- o seu empenho laboral com a sua
vida familiar e social extra-organizacional. E muitas percebem que não é
possível, que precisam de fazer escolhas, mas sem o reconhecimento
profissional pode-se perder o emprego e a vida familiar ficará (ainda) em pior
estado.
Vivem nesta ambiguidade de modo consciente, ou não, sofrendo, porque
já não sabem quem são; porque as suas referências de significações que
atribuem ao (no) mundo já foram sendo alteradas, porque os seus parceiros na
construção desses sentidos já são outros, com outros valores, outros ritmos,
outras prioridades.
Outras pessoas, porém, embarcam na lógica organizacional de excelência,
que lhes ocupa lentamente todo o seu espaço e até todo o seu ser, sem grandes
questionamentos nem sofrimentos. A carreira e o bem da organização estão
acima de tudo nas suas vidas, assim o determinam, substituindo alegremente a
vida pessoal própria pela vida pessoal organizacional. Este tipo de pessoas

545
causam sofrimento àqueles que faziam parte das suas vidas e que foram sendo
substituídos pela missão organizacional.
O sofrimento dos profisssionais excelentes coloca-se a outro nível: a
existência de muitos outros trabalhadores excelentes!
Réné Girard (1978) explicou-nos, ao longo da sua obra como o desejo
mimético (aquilo a que vulgar, e simplificadamente, chamamos 'inveja') funciona
em cada um de nós. Sendo de ordem filogenética, podemos dizer que dele
ninguém escapa, embora a educação possa ter um papel determinante na
consciencialização do seu poder e, logo, na sua contenção, no que respeita ao
desejo de agir por mimetismo.
O que Girard basicamente nos explicou é que o nosso desejo por bens
materias, por status social, por exemplo, muitas vezes não é realmente um
desejo objectal, mas ontometafísico. Passamos a explicar: o facto de eu querer
aquilo que o outro quer (a sua categoria profissional superior à minha, por
exemplo) faz-me entrar numa guerra tenaz contra essa pessoa (pela difamação,
pela criação de boatos, pela criação indireta de dificuldades laborais), até que se
consiga obter aquele mesmo estatuto profissional. Mas fica a pessoa satisfeita e
passa a ter um comportamento pacificador? Após o gozo do seu triunfo,
infelizmente a maior parte das pessoas retoma o mesmo tipo de
comportamento, e geralmente face até às mesmas pessoas. Porque o que elas
desejam , de facto, não é o seu estatuto nem os seus bens materiais,o que se
deseja é a plenitude onto-metafíscia que acreditamos alguém possuir. Este
desejo mimético é inconsciente na nossa ação individual mas grande parte dos
gestores de organizações conhecem-no, talvez não em teoria, mas pela
observação da sua actuação contínua.
Uma organização à qual os colaboradores se encontrem vinculados
emocional/sentimentalmente é um mundo fértil para a actuação do desejo
mimético, acirrando a competição pessoal e profissional até níveis inimagináveis.
Os lucros das empresas crescem e o sofrimento das pesssoas aumenta
continuamente. O que elas pretendem obter é inatingível, é ser outrem, é agora
alcançar o posto de um, e amanhã o posto de outro. E quem gere as
organizaçãoes pode incentivar, mercantilizar, desfazer as pesssoas no seu
interior num jogo deliberado de as colocar umas contra as outras em nome da
excelência.
É isto inevitável? Pensamos que Não!

546
2. O mundo laboral como momento de desenvolvimento pessoal e
organizacional
As situações que fomos elencando são consequência direta da
mentalidade tecnocrática que, na época atual, abarca todas as dimensões da
vida. No entanto, a vida escapa a este tipo de posicionamento. Nem o indivíduo
nem a sociedade podem ser encarados como realidades fixas e objetivas, não
sendo por isso possível analisá-los em função de objetivos fixos e regras
técnicas, baseadas em princípios de previsão e de controlo eficaz. A dinâmica
evolutiva, do indivíduo e das sociedades é um processo complexo, interativo e
dinâmico onde a realidade, o desejo e o sonho se misturam (Barbosa, 2004).
Vivemos de tal forma obcecados pela produção e pelo consumo que,
“consideramos ser uma virtude a procura da satisfação material: de facto essa
procura constitui agora o que resta do nosso sentido de finalidade coletiva”
(Judt, 2011, p. 17).
Quando falamos de trabalho esta situação agrava-se. A perspetiva do
lucro sobrepõe-se a tudo e a todos. Considerando que o trabalho é uma
categoria antropológica e epistemológica fundamental, ligada aos interesses e à
possibilidade de conhecimento do mundo, este não se limita só às forças de
produção, há um outro elemento importantíssimo a ter em consideração, as
relações de produção. Neste sentido, “ A par das forças de produção em que a
ação instrumental se sedimenta, a teoria social marxista da sociedade incorpora
também na sua abordagem do quadro institucional, as relações de produção;
pelo que não elimina da prática a estrutura da interação simbólica e o papel da
tradição cultural, que são a base na qual o poder (Herrschaft) e a ideologia
podem ser compreendidos” (Habermas, 1976: 74). No trabalho investimos
também todo o potencial acumulado ao longo da nossa vida, as nossas
tradições, a nossa cultura, os nossos desejos, a nossa visão simbólica do mundo,
que são constituintes da nossa identidade, yo y mis circunstancias… (Ortega y
Gasset, 1914)
Neste sentido é ineludível a necessidade de propiciar aos trabalhadores
espaços de Ócio/Lazer nas organizações laborais. Estas experiências, festivas,
afetivas, emocionais, terapêuticas, sociais ou económicas, têm uma
especificidade própria e distinta de quaisquer outras. Se há uma década atrás
eram importantes “ pelo aumento do «não trabalho» e da redução do período
laboral, a criação de novos hábitos de vida como ver televisão, ouvir rádio, fazer
turismo, fazer desporto, ouvir música, ler livros e revistas, ir ao campo no final

547
da semana, ou consumir álcool nas noites de sexta-feira e sábado” (Cuenca
Cabeza, 1999, p. 13), foram-se criando novas necessidades, novas indústrias e o
desenvolvimento de algumas localidades. Na época atual estas experiências são
importantes por estes e por outros motivos.
A atual crise mundial vem introduzir modificações no quotidiano que se
manifestam a vários níveis. Antes de mais «o tempo de não trabalho» aumentou
e não pelas melhores razões. Surgem e aumentam todos os dias as legiões de
desempregados, o trabalho precário vem também a aumentar
exponencialmente, a segurança diminuiu e, a todos os níveis, a incerteza quanto
ao futuro é enorme. As atividades de Ócio/lazer surgem aqui como terapia, como
possibilidade de preenchimento do vazio existencial ocasionado pela diminuição
do tempo de trabalho ou pela sua ausência.
Para os indivíduos que estão inseridos no mundo de trabalho, as pressões
por parte das entidades empregadoras é cada vez maior, como vimos. Sem
aviso prévio reduzem-se salários e remunerações, aumentam-se o número de
horas de trabalho sem que se aumente o ordenado. Vivemos assustados perante
um futuro que não conseguimos vislumbrar. A angústia, o vazio e a falta de
sentido da vida ameaçam-nos provocando de certo modo uma apatia em relação
à vontade de viver e a investir num futuro que será inevitavelmente diferente
daquele com que contávamos!
Esta situação obriga-nos a repensar a nossa vida a nível individual e
coletivo, a ser criativos e inovadores.
Ao defendermos a introdução de momentos de Ócio nas organizações
laborais pode parecer, num primeiro momento, uma brincadeira de mau gosto.
No mundo do trabalho é fácil compreendermos noções como produtividade,
eficácia, eficiência, utilidade ou qualidade. No entanto estas noções parecem não
ter contribuído muito para o desenvolvimento pessoal e social visando a
promoção da qualidade de vida.
Na verdade, “numa experiência de ócio é fácil determinar o tempo que se
emprega na realização da atividade objetivamente considerada (fazer uma
viagem, ler um livro, jogar uma partida); mas resulta mais difícil fazê-lo com a
sua vivência completa” (Cuenca Cabeza, M.,1999, p. 16). Assim, a vivência de
ócio implica o tempo em que a imaginei, a desejei, o tempo que despendi a
projetá-la, e o tempo em que a recordo com prazer. Desta forma podemos dizer
que “a vivência de ócio ganha significado, importância e qualidade na medida em
que se separa do mero 'passatempo' e se incorpora nas nossas vidas rompendo

548
as barreiras do tempo objetivo “ (Cuenca Cabeza,1999, p. 16). A vivência do
ócio inicia-se antes da sua realização através do desejo da antecipação do que
há-de vir, permitindo-nos viver com esperança e ilusão. É uma experiência que
tão pouco se esgota com a sua consumação, a sua vivência prolonga-se no
tempo promovendo sentimentos de satisfação, eles próprios embriões de novas
vivências, “ a vivência do ócio fecha o seu ciclo em virtude de um dinamismo
temporal que permite unir passado, presente e futuro numa mesma realidade”.
(Cuenca Cabeza, 1999, p. 17).
Este dinamismo, implícito nas experiências de ócio, permite despertar a
criatividade e combater a monotonia que por vezes se instala nas organizações
laborais. A rotina e o aborrecimento levam a perda de dinamismo, provocando a
falta de esperança no futuro, desvalorizando o presente e provocando a anomia
social.
Como facilmente se percebe, as experiências de Ócio/Lazer tem
consequências positivas na formação, a vários níveis.
Assim, nível Individual:
Proporcionam a formação ontológica do indivíduo;
Induzem emoções positivas; alegria, amor, afeto, alívio;
Promovem a saúde, física e psíquica;
Potencializam a realização de metas;
Possibilitam a resistência à dor;
Promovem a motivação;
Consolidam o pensamento;
Geram sentimentos de respeito, solidariedade e generosidade.
Também a nível social e comunitário as vivências do Ócio/Lazer induzem
comportamentos positivos:
Melhoram as relações interpessoais;
Possibilitam a integração;
Promovem o respeito pelo outro;
Geram a criatividade e a inovação;
Potencializam os valores sociais éticos e estéticos;
Promovem a participação e os comportamentos solidários;
Promovem a cultura;
Transformam os cidadãos consumidores em cidadãos ativos e
comprometidos
Favorecem a democracia.

549
Por tudo o que dissemos, as consequências destas experiências no mundo
trabalho são inúmeras:
Induzem a capacidade de envolvimento em projetos comuns;
Promovem o espírito de equipa;
Melhoram as relações interpessoais;
Aumentam a eficiência e a eficácia;
Promovem a criatividade e a inovação;
Melhoram a resistência;
Aumentam a produção;
Diminuem o absentismo.
Abandonar o riso, a alegria, o desejo e a esperança, coisas que muitas
vezes acontecem nas organizações laborais, não é o caminho, mesmo para
aqueles que têm como finalidade ultima o lucro.
A vivência do Ócio/Lazer pode ser fundamental para as mudanças que
urge implementar nas nossas organizações nomeadamente na forma de
entender o mundo do trabalho. O Ócio vive da tradição, da cultura, do momento
histórico e da realidade global que nos circunda. É um fenómeno complexo que a
médio prazo pode proporcionar uma viragem no rumo dos acontecimentos
através de uma visão positiva e otimista da vida, impedindo o sofrimento
desnecessário de muitos seres humanos. Como dizia George Orwell “Ver o que
está á frente do nariz requer uma luta constante” (Orwell e Angus,1968, p. 125)!
É esse o nosso desafio.

Conclusão
O objetivo de qualquer organização (incluindo instituições como a
académica) parece ser unicamente a de obtenção de lucros, a quaisquer custos.
Ora, lucro financeiro pode não ser incompatível com a existência de
trabalhadores que se sintam solidários uns com os outros, que trabalhem
verdadeiramente em equipa, em vez de em competição. Tal implica a construção
de projetos realizados pelos próprios trabalhadores, em vez de a obrigatoriedade
de cumprir em equipa apenas projetos que lhes são impostos 'de cima para
baixo'.
Horários flexíveis em função das necessidades de ócio e de lazer dos
trabalhadores para com as suas famílias e saúde (como a realização de exercício
físico, de ioga, de meditação, etc) podem redundar em projetos de criatividade

550
acrescida para as organizações, já para não falar de motivação acrescida para o
trabalho.
A introdução de momento de lazer nas próprias organizações pode
aumentar a solidariedade, o que rentabilizará sem dúvida a qualidade do
trabalho efetuado em equipa. Valorizar o altruísmo e a colaboração em vez de a
competitividade e a quantidade de trabalho realizado (que nem sempre
corresponde a uma maior qualidade) pode parecer estranho, mas criará laços
entre os trabalhadores que reforçarão o trabalho em equipa.
Uma outra vertente a ter em atenção num mundo altamente dinâmico
como é o mundo atual é, sem dúvida, o desenvolvimento da criatividade e da
inovação. Estas duas vertentes do conhecimento e do desenvolvimento, podem
ser exercitadas nos tempos de ócio/lazer. É nestes tempos, dedicados à
ludicidade, ao sonho e ao desejo, que pudemos entregar-nos a tarefas de
natureza intuitiva, onde o sentimento e a emoção nos levam ao ensaio e á
realização de novas formas de ser e de agir. De facto, nos momentos de ócio/
lazer evadimo-nos das rotinas e, conseguimos jogar com a vida e com o modo
como queremos vivê-la, desenvolvendo deste modo o poder de criar e inovar.
Por tudo o que dissemos, parece-nos evidente a necessidade de introduzir
espaços de ócio/lazer em todas as organizações.

BIBLIOGRAFIA:
BARBOSA, F. (2004). A Educação de Adultos. Uma Visão Crítica. Estratégias
Educativas: Porto.
BATESON, G. (1972). Steps to an Ecology of Mind. New York: Ballantine Books.
CASSELL, E. (2004). The Nature of Suffering and the Goals of Medicine. Oxford:
Oxford University Press.
CUENCA, M. (1999). Ocio y formación. Hacia la equiparación de oportunidades
mediante laeducación del ocio. Universidad de Deusto: Bilbao.
CUENCA, M. (2004). Pedagogía del ocio: modelos y propuestas. Universidad de
Deusto: Bilbao.
CUENCA, M. (coord.) (2000). Ocio y desarrollo humano. Universidad de Deusto:
Bilbao.
GIRARD, R. (1978). Des choses cachées depuis la fondation du monde. Paris:
Grasset.
HABERMAS, J., (1978). Raison et Légitimitè: problemes de légitimation dans le
capitalisme avancè. Paris: Ed. Payot.

551
JUDT, T., (2011). Um tratado sobre os nossos atuais descontentamentos,
Lisboa: Edições 70.
OLIVEIRA, C. C. (2006). A Importância do Sofrimento na Educação para a
Saúde. Pessoas e Sintomas, nº 1: : 22-28.
OLIVEIRA, C. C. (2008). A Medicina é uma Ciência? Uma Interrogação Filosófica.
Pessoas e Sintomas, nº 3: 26-32.
ORTEGA y GASSET (1914). Meditaciones del Quijote. Madrid: Residencia de
Estudiantes edition. 14
ORWELL, S. e ANGUS, I. (ed.) (1968). The Collected Essays, Journalism and
Letters of George Orwell: In Front of Your Nose, 1945-1950. San Diego:
Harcourt Brace Jovanovich

552
7. CONFLITO E NEGOCIAÇÃO

553
TÍTULO: Humanização no trabalho como dispositivo de intervenção em

psicologia do trabalho

AUTOR(ES): Isabela Mendonça da Silva (isabela.net@gmail.com) e

Andréia De Conto Garbin (andreiagarbin@yahoo.com.br)

INSTITUIÇÃO: Universidade Cruzeiro do Sul; Universidade de São Paulo –

BRASIL

RESUMO
Este trabalho relata a experiência de estágio em Psicologia do Trabalho, no qual
foi desenvolvida uma intervenção com os trabalhadores de uma instituição de
longa permanência, como intuito de problematizar as práticas cotidianas de
trabalho e oferecer um espaço de escuta e acolhimento às demandas dos
trabalhadores possibilitando a promoção e prevenção à saúde no trabalho.
Inicialmente, foram realizadas entrevistas individuais com trabalhadores e
observações do cotidiano de trabalho. A seguir, foram estruturados encontros
temáticos, denominados grupos de Acolhimento ao Trabalhador. Os
trabalhadores dividiram-se em dois grupos, sendo os encontros quinzenais. Foi
realizado, também, um encontro com os coordenadores institucionais. Os
resultados apontam que os espaços coletivos propiciaram trocas de saberes, a
identificação das necessidades, os desejos e interesses dos trabalhadores,
enquanto sujeitos do campo da saúde. A humanização, como uma estratégia,
pode ser aplicada em qualquer contexto de trabalho, valoriza o vínculo de
solidariedade coletiva e promove mudanças, envolvendo equipe, familiares e
usuários promovendo saúde e bem estar do trabalhador. Conclui-se que a
humanização é um dispositivo potente para o replanejamento do trabalho em
uma instituição de longa permanência para idosos, pois possibilita rever o
processo de trabalho e o cuidado. Ainda, valoriza os trabalhadores.

PALAVRAS-CHAVE: Humanização; acolhimento; saúde do trabalhador;


instituição de longa permanência; grupo focal.

554
ABSTRACT
This paper reports the internship experience in Occupational Psychology, in
which an intervention was developed with the workers in a long-stay institution,
the intention of questioning the practices of everyday work and offer a space for
listening and welcome to the demands of workers allowing promoting prevention
and health at work. Initially, individual interviews were conducted with workers
and observations of daily work. The following meetings were structured thematic
groups called Hospitality Workers. The workers were divided into two groups,
with fortnightly meetings. It was held also a meeting with the institutional
coordinators. The results show that collective spaces favored the exchange of
knowledge, identification of needs, desires and interests of workers, while
subjects in the health field. The humanization as a strategy can be applied in any
work context, values the bond of collective solidarity and promotes changes
involving staff, users and promoting family health and welfare of the worker. We
conclude that humanization is a powerful device for the redesign of work in a
long-stay institution for the elderly, as it allows reviewing the work process and
care. Still, valued workers.

KEY WORDS: Humanization, host; occupational health; institution long stay;


focal group.

INTRODUÇÃO
Este trabalho foi desenvolvido em uma instituição filantrópica de longa
permanência para idosos, localizada na cidade de Guarulhos, estado de São
Paulo, Brasil.
O objetivo do trabalho foi propiciar o contato direto com a realidade
institucional e viabilizar as possibilidades de atuação do psicólogo do trabalho,
ampliando as ações no futuro a partir da presente experiência do estágio
supervisionado, realizado em 2011.
Para a definição da intervenção, foram realizadas entrevistas com
funcionários, observações do cotidiano da instituição e discussões na sala de
supervisão. Estas etapas foram de suma importância para a definição da
necessidade de um espaço para os funcionários discutirem sobre temas
relacionados à humanização.

555
Para compreendermos o conceito de humanização cito Vila e Rossi (2002)
que ressalta a principal finalidade dos grupos de humanização, no sentido de
promover reflexões entre a equipe de trabalhadores. O ato de humanizar é uma
medida que objetiva tornar efetiva a assistência do indivíduo cuidado, o
considerando como um ser biopsicossocial. Além de envolver o cuidado com os
residentes, o processo de humanização atinge também o vínculo de
solidariedade coletiva, envolvendo todos da equipe, bem como familiares,
ambiente de trabalho e a própria saúde e bem estar do trabalhador. Neste
sentido, tem como principal foco a necessidade dos cidadãos, a produção de
saúde e o fortalecimento das relações na instituição.
A intervenção é uma ação preventiva, que visou o reconhecimento de
valores humanos e o fortalecimento do papel dos trabalhadores. Diante do
exposto, consideramos que esta intervenção pode contribuir com a equipe de
funcionários da instituição bem como, com os residentes nela presentes.
Faz parte da rotina de trabalho desta instituição a valorização do lidar
com os “idosos” que são chamados de residentes, o que favorece os diálogos,
considerações dos valores humanos, éticos, portanto, humanos.

HUMANIZAÇÃO NO TRABALHO
O Grupo de Acolhimento ao Trabalhador constitui-se como uma
intervenção estratégica com ênfase na promoção da saúde dos trabalhadores,
com o olhar psicológico das ações no cotidiano de trabalho, influenciando,
concretamente e subjetivamente a equipe de trabalhadores.
As informações colhidas, nas entrevistas e observações da demanda
institucional, permitiram a visualização da necessidade de convidar os
funcionários para um espaço coletivo, no qual fossem discutidos temas relatados
nas entrevistas como causadores de sofrimento e angústia no trabalho. Os
temas, relacionados ao relacionamento interpessoal, saúde do trabalhador,
relacionamento com os residentes, dificuldades do trabalho e enfrentamento
para vivenciar as situações de luto e perda, foram discutidos no espaço coletivo,
durante os 04 encontros, que cada grupo vivenciou.
Realizamos um grupo direcionado aos coordenadores, focamos a escuta
das problemáticas vivenciadas no trabalho, fortalecimento da equipe e
devolutiva do grupo de funcionários da equipe, que os consideram bons líderes.
De maneira, geral, consideramos que o convite e participação de todos os
funcionários da instituição, possibilitou o cuidado com os trabalhadores e

556
melhoria nas relações com os residentes, pois o auxílio para o cuidado de um
idoso, pode vir das diversas redes de apoio (LAHAM, 2007).
Durante os encontros, o grupo, mostrou-se coeso e participativo. Pichon-
Rivière (1991) considera que um conjunto de pessoas ligadas entre si por um
constante período e espaço, articuladas por sua mútua representação interna,
que propõe explícita ou implicitamente uma tarefa é caracterizado como um
grupo.
Quanto à opção metodológica, o espaço grupal favoreceu a manifestação
de diversas dificuldades do cotidiano de trabalho. A técnica do grupo focal,
segundo Dall´Agnol e Trench (1999), possibilita a averiguação das problemáticas
que se fazem presentes no cotidiano dos trabalhadores, podendo construir
possibilidades e estratégias coletivas.
Inicialmente os trabalhadores, relataram sobre a necessidade de serem
“reconhecidos no trabalho”, da mesma maneira que Gernet e Dejours (2011)
consideram o reconhecimento no trabalho algo significativo para os
trabalhadores, porque possibilita, de modo singular, compreender o motivo pelo
qual os indivíduos instabilizam a sua identidade no campo social.
O impacto na identidade do trabalhador é expressado na fala de um
cuidador ao dizer que alguns residentes se referem a ele da seguinte maneira:
“Me chamam de burro, preto, me xingam muito e todos os dias, eles
tem que ver que quero ajudar e que não estou aqui para ser
humilhado” (M.S, masculino, cuidador).
Neste sentido Lahan (2007) exemplifica que o foco da agressividade do
idoso, será geralmente o cuidador, que está com ele todos os dias e em quem
ele confia que não irá abandoná-lo, podendo compreender o momento de
desabafo. Porém, não é comum que o cuidador compreenda, sentindo-se
magoado, podendo “descarregar” no idoso as suas frustrações. A autora
considera que a insatisfação do cuidador, esta geralmente relacionada à
sobrecarga de tarefas do cotidiano.
Considerando o que foi notado na fala de uma outra integrante ao dizer
que:
“É importante trabalhar em equipe e principalmente ouvir o colega e
saber o que esta acontecendo, porque nem sempre ele esta bem”
(A.C., feminino, atua no departamento de hotelaria)
Gernet e Dejours (2011) definem o conceito de trabalho como uma
“atividade subjetiva”, na qual os trabalhadores se defrontam com
procedimentos, prescrições, materiais ou instrumentos a serem manipulados.

557
Durante os encontros foram feitas referências neste sentido, conforme ilustrado:
“Fica no ar que não é para fazer as coisas de outro departamento”
(B.G.feminino, atua na higienização).
Chanlat (2011) ressalta que os trabalhadores são sujeitos em ação,
capazes de utilizar o seu potencial, não apenas para atingir benefícios próprios,
mas, para incluira humanização como estratégia e mobilizar o que é denominado
subjetividade. A capacidade de olhar para si e perceber a sua existência, que é
notada no trabalho, são fundamentais, para mobilizar a subjetividade, porque
ser tratado como um objeto e um recurso é desagradável. Os potenciais
humanos dos trabalhadores surgiram na maioria dos encontros, como expressa a
fala do participante ao dizer que: “Nem todos são iguais e que pelas diferenças,
não é possível acertar sempre, pois somos seres humanos”. (B.B., masculino,
cuidador).
Em relação à sensibilização das pessoas, o estreitamento dos vínculos
entre a equipe e residentes e a humanização o grupo refletiu no
desenvolvimento dos encontros sobre as reais possibilidades de ação. Os
participantes puderam refletir sobre a sensação de impotência dos residentes da
instituição e sobre o luto diante da perda de um residente. Ao serem orientados
em uma tarefa, em que seriam guiados com os olhos vendados foram
expressados sentimentos através das falas que: “É importante que a pessoa
tenha paciência” (D.A., masculino, atua na nutrição) “Não é fácil ser
dependente... é horrível porque parece que eu ia cair a qualquer momento (R.A.
feminino, atua na hotelaria).
Já os componente que guiaram os participantes disseram que é: “Uma
responsabilidade” (R.A.; feminino, atua na limpeza), “É necessário transmitir
confiança e ter sensibilização”. (A.D.; masculino, atua na nutrição)
Neste sentido a reflexão possibilitou exercitar o alcance da ação de
Humanização que atingiu a qualidade de vida dos trabalhadores que são capazes
de promover ações em seu cotidiano de trabalho, para alcançar mudanças e
objetivos. (OLIVEIRA, COLLET e VIER, 2006)
Nestes encontros, a participante diz que concluiu sobre a: “Importância
do trabalho em equipe, para não sobrecarregar apenas o cuidador e o residente
perceber que todos se preocupam com ele”. (A.B. feminino, atua no
departamento de limpeza)
Oliveira, Collet e Vier (2006) consideram que a humanização depende da
capacidade de falar e de ouvir, pois as coisas do mundo só se tornam humanas

558
quando passam pelo diálogo, não apenas como uma técnica de comunicação
verbal, mas sim como forma de conhecer o outro, compreendê-lo e atingir o
estabelecimento de metas conjuntas que possam propiciar o bem-estar
recíproco.
Para Kovács (1992) a equipe de funcionários, que atuam em contato com
o envelhecimento reage com um olhar voltado para as próprias perdas e
deparam-se em seu cotidiano com a necessidade de lidar a impotência e
angústia, gerado pelo luto, abandono familiar e/ou finitude dos idosos da
instituição. Assim, com o recurso de fotografias e a tarefa de entrevistar os
residentes, os funcionários trouxeram ao grupo que “A gente sabe o quanto é
difícil estar aqui. É dolorido, ser esquecido. Eu faço questão de conhecer cada
um aqui, porque se eu vou lavar a roupa deles, eu tenho que conhecê-los” (A.L.,
feminino, atua na hotelaria). E outra funcionária diz emocionada que: “Eu me
preocupo. Será que vou ficar assim? Eu cuido das minhas filhas tão bem para
que elas não me abandonem” (G.A., feminino, atua como cuidadora)
Um espaço coletivo de apoio aos trabalhadores, para lidarem com as
angústias do cotidiano de uma instituição asilar, torna-se pertinente, a fim de
garantir maior qualidade de vida aos funcionários e idosos (KOVÁCS, 1992).
Diante da fala de uma das participantes que oferece uma estratégia de
enfrentamento ao grupo ao dizer que: “Por isso que, se deve viver o hoje (...)
temos que cuidar da nossa saúde e cuidarmos da nossa família (...) quantos dos
residentes, não queriam ter uma segunda chance?” (A.F. feminino, cuidadora).
Barranco, Moreira e Menezes (2010) consideram que os espaços coletivos
podem propiciam trocas de saberes, além de identificação das necessidades,
desejos e interesses dos trabalhadores, enquanto sujeitos do campo da saúde. A
reflexão dos grupos sobre a relevância da humanização no cotidiano de trabalho
foi observado na fala dos integrantes sobre o conceito de humanização para cada
um ao dizer que é: “O cuidado com o outro” (A.M. masculino, atua na
manutenção), “Olhar para o ser humano” (G.V., masculino, atua como cuidador)
“Ter respeito, atenção e cuidado com o outro” (J.M. masculino, atua na
manutenção), “Olhar para os gostos das pessoas que são diferentes” (A.G.
masculino, atua na nutrição), “Cuidar e respeitar o colega de trabalho” (N.A.,
feminino, atua na higienização), “Cuidar do outro com respeito” (G.A.,
masculino, cuidador)
Consideramos que é possível alcançar reflexões e efetivação dos
pressupostos descritos da Política Nacional de Humanização (PHN) que visam

559
também o incentivo ao compromisso com o sujeito e seu coletivo, estímulo a
diferentes práticas terapêuticas e co-responsabilidade de gestores, trabalhadores
e usuários no processo de produção de saúde.
Estes apontamentos foram considerados pelos trabalhadores, que
problematizaram e questionam sobre a possibilidade de maior liberdade aos
residentes ao dizerem que: “Eles se sentem só e não gostariam de estar aqui”
(A.M., feminino, cuidadora)
Sobre a percepção do sofrimento dos residentes se expressa na seguinte
fala da funcionária de nutrição: “Pior que isso, é perder a liberdade. A gente
sabe, que iremos voltar para casa e teremos a nossa família nos esperando. E
eles não. É sempre a mesma rotina (...) é horário para comer, para dormir, para
tomar banho (...) os outros é que decidem o que e a hora (...) isso não é vida”.
(J.G., feminino, nutrição)
As falas acima expressam claramente o que Goffman (2008) afirma que a
instituição total acarreta prejuízos e impactos na subjetividade e identidade de
todas as pessoas presentes. Neste sentido, concordamos com Sawaia (2004) ao
dizer que a exclusão esta diretamente ligada à ausência de recursos, acesso aos
serviços públicos e, principalmente, à ausência de poder. O movimento da
exclusão atinge o próprio excluído e os que excluem.
Acreditamos que o Grupo de Acolhimento ao Trabalhador, possibilitou a
aproximação dos funcionários aos residentes e propiciou posturas críticas e
positivas, no entanto cabe ressaltar o disposto por Sawaia (2004) ao referir que
os excluídos e os que excluem passam a considerar a exclusão como natural,
representando a aceitação da condição e da desigualdade. Neste sentido, o
espaço coletivo não suscitou a reflexão sobre a condição social de cada residente
e da característica de uma instituição total (GOFFMAN, 2008).
Na realização de um encontro com os líderes foi possível constatar
dificuldades relacionadas ao trabalho, conforme exemplificado a seguir:
“Estamos muito desmotivados. Eu gostaria de fazer cursos e não tem renda
disponível” (líder) “Falta desafios para nós” (coordenadora) “Falta feedback,
aumentar a comunicação e valorização dos funcionários e precisamos de um
psicólogo” (coordenadora)
A fala abaixo da participante expressa o sentimento de onipotência: “As
pessoas acham que por exercemos um cargo de chefia, temos as respostas para
tudo e que somos perfeitos e isso não é verdade” (nutricionista chefe)

560
A humanização depende da capacidade de falar e de ouvir, pois as coisas
do mundo só se tornam humanas quando passam pelo diálogo, não apenas
como uma técnica de comunicação verbal, mas sim como forma de conhecer o
outro, compreendê-lo e atingir o estabelecimento de metas conjuntas que
possam propiciar o bem-estar recíproco (OLIVEIRA, COLLET E VIER, 2006).
Neste sentido, Vila e Rossi (2002) ressaltam que o processo de
humanização atinge também o vínculo de solidariedade coletiva, envolvendo
todos da equipe, bem como familiares, ambiente de trabalho e a própria saúde e
bem estar do trabalhador.
Buscamos sensibilizar os participantes dos grupos tendo como principal
foco a necessidade dos cidadãos, a produção de saúde e o fortalecimento das
relações na instituição.

CONCLUSÕES
A humanização não se aplica exclusivamente aos profissionais da saúde,
como enfermeiros e cuidadores. Para Vergara e Branco (2001) as ações
humanizadas são vistas como fonte de diferenciação no mercado, ou seja, a
humanização como uma estratégia, que pode ser aplicada em qualquer contexto
em que existam trabalhadores, independe mente de suas tarefas na
organização.
Diante do exposto, consideramos que esta intervenção contribuiu com a
equipe de funcionários da instituição bem como, com os residentes nela
presentes. Para tanto, sugerimos que exista o incentivo no desenvolvimento, de
espaços de escuta e discussão sobre as dificuldades do cotidiano de trabalho,
bem como, as possibilidades de novas construções e estratégias na equipe e
discussões que permitiram que o trabalhador se reconheça. Este fator é
importante para a construção da identidade do trabalhador.
Observamos nos grupos as seguintes facilidades: a capacidade de se
relacionarem como um grupo; a utilização do espaço e boa adesão do mesmo
permitindo que ocorresse a troca de experiências e reflexão; possuem
conscientização sobre as dificuldades humanas; importância de conhecer a
história de vida dos residentes, evitando julgamentos e preconceitos; possuem
relacionamentos positivos com os coordenadores; vivenciam-se positivamente
com o luto e as perdas, haja vista a instituição proporciona este espaço e
permite que o luto seja vivenciado e valorizam o afeto, vínculos e atenção com
os residentes e entre equipes.

561
Compreendemos que a relação da equipe com os residentes é importante,
porém, não podemos desconsiderar dificuldades do cotidiano de trabalho, que foi
apontado pelos trabalhadores. Neste sentido, observamos as seguintes
dificuldades: para lidar com atitudes hostis dos residentes; preocupam-se com a
saúde e demonstraram ansiedade perante o futuro; demonstram angústia,
diante da conscientização que a institucionalização causa nos residentes;
necessidade de maior comunicação entre os departamentos e necessidade de
discutir mais sobre o processo de envelhecimento e suas implicações.
Com os grupos de líderes, consideramos como aspecto positivo: a
valorização dos vínculos entre a equipe; proximidade com os funcionários e
residentes; preocupação com o aprimoramento profissional; possibilidade de
trabalho em equipe e bom diálogo com todos da instituição. As dificuldades
deste grupo foram: impotência perante a resolução de regras institucionais;
necessidade de maior autonomia; incomodo com a falta de liberdade dos
residentes; necessitam de desafios profissionais e avaliação de desempenho
realizada por profissionais externos.
Observamos que existiu a preocupação nos grupos, portanto de 100%
dos participantes, sobre a saúde psicológica e física, necessidade de maior
comunicação e preocupação com a autonomia e liberdade dos residentes. Por
este motivo, sugerimos a implementação de projetos de saúde do trabalhador,
que promovam a qualidade de vida dos funcionários, com foco na prevenção e
promoção de saúde. As possibilidades podem ser atingidas em grupos de
caminhada ou convênios com a rede de saúde do território em que a instituição
se localiza.
Sugerimos como alternativa a inserção de espaços coletivos que
promovam a proximidade entre os departamentos, facilitando a integração de
todos e a discussão entre os funcionários. Os comunicados e diálogos foram
apontados como primordiais pelos funcionários, que desejam o aumento de
reuniões, informações nos murais e o uso de som alto falante para o
conhecimento de todos.
Por fim, chamamos a atenção, para a valorização de projetos
terapêuticos, destinados aos residentes, que podem ser avaliados de acordo com
as possibilidades de cada residente presente na instituição. Considerando os
fatores individuais, promovendo a cidadania, autonomia e inclusão, favorecendo
a vida dessas pessoas que são cuidadas por uma equipe de funcionários que
valorizam as relações afetivas. Ressaltamos, que todos os funcionários,

562
colocaram-se à disposição para a construção e participação nos projetos com os
residentes
Neste sentido, consideramos que se estimule através de projetos de vida,
a autonomia e emancipação dos residentes, haja vista Almeida (2005) aponta
que tais esforços não dependem unicamente do sujeito e a emancipação
depende, fundamentalmente, da desconstrução de um imaginário preconceituoso
carregado de estigmas, bem como os reconhecimentos sociais dos que
“envelhecem” e dos que se caracterizam “idosos”.
Neste sentido Sawaia (1994) aponta que para determinar um percurso na
vida de um indivíduo, é preciso ter meios que não restrinjam apenas à
capacidade de reflexão individual, mas também a possibilidades de ter esperança
e potencializar essa esperança em ação.
Para tanto, ressaltamos a importância do envolvimento da instituição e da
equipe institucional após a sensibilização dos trabalhadores no grupo de
humanização, para que seja possível, propiciar espaços e momentos que os
residentes, adquiram um maior sentido na vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGNOL, C. M. D.; TRENCH, M. H. Grupos focais como estratégia
metodológica em pesquisas na enfermagem. R. Gaúcha Enferm., Porto Alegre,
v.20, n.1, p.5-25, jan. 1999.
ALMEIDA, V. L. V. Velhice e projeto de vida: Possibilidades e desafios In:
CÔRTE, B.; MERCADANTE, E. F. e ARCURI, I.G. (Orgs.) Velhice
Envelhecimento: Complex(idade). São Paulo: Vetor, 2005.
BARRANCO, E.; MOREIRA, M. C.; MENEZES, M. F. B. O Líder de
Enfermagem em Unidades Oncológicas: Intervenções da Subjetividade na
Organização de Espaços Saudáveis de Trabalho. Revista Brasileira de
Cancerologia, Rio de Janeiro, 56(2): 213-218, 2010.
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n.º 10.741 de 1.º de outubro de 2003. –
Estatuto do Idoso Diário oficial da República Federal do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 2003.
BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: acolhimento com avaliação
e classificação de risco: um paradigma ético-estético no fazer em saúde.
Brasília: DF, 2004. p. 24.

563
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n° 8.842, de 4 de Janeiro de 1994 –
Política Nacional do idoso. Diário oficial da República Federal do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 1994.
CHANLAT, J. F. O desfio social da gestão: a contribuição das ciências
sociais In: BENDASSOLLI, F. P; SOBOLL, L. A. (Org.) Clínicas do trabalho:
Novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo:
Editora Atlas, 2011, p. 110 – 126.
GERNET, I; DEJOURS, C. Avaliação do trabalho e reconhecimento In:
BENDASSOLLI, F. P; SOBOLL, L. A. (Org.) Clínicas do trabalho: Novas
perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Editora
Atlas, 2011, p. 62 – 65.
GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. 8°ed. São Paulo:
Editora perspectiva, 2008.
KOVÁCS, M. J. Profissionais de saúde diante da morte In: KOVÁCS, M. J.
Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
LAHAN, C. F. O paciente e seu cuidador: perdas e ganhos subjetivos In:
OLIVEIRA, B. R. G.; COLLET, N.; VIER, C. S. A humanização na assistência à
saúde. Rev. Latino-am Enfermagem, v.14, n. 2, p. 277-84, março-abril, 2006.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
SAWAIA, B. B. Refletido sobre a noção de exclusão. 5°Ed. Petrópolis:
Ed. Vozes, 2004.
SAWAIA, B. B. Psicologia Social: aspectos epistemológicos e éticos. São
Paulo: Educ/Brasiliense, 1994.
VERGARA, S. C.; BRANCO, P. D. Empresa humanizada: a organização
necessária e possível. RAE - Revista de Administração de Empresas. São
Paulo, v. 41, n. 2, p. 20-30. Abr./Jun. 2001.
VILA, V. S. C.; ROSSI, L. A. O significado cultural humanizado em
unidade de terapia intensiva: “Muito falado e pouco vivido”. Rev. Latino-Am.
Enfermagem v.10 n.2 Ribeirão Preto mar./abr. 2002.

564
8. DIREITOS E DEVERES DOS TRABALHADORES

565
TÍTULO: Como as perceções de climas autentizóticos explicam os

comportamentos inovadores e o desempenho individual: o caso de uma

multinacional

AUTOR(ES): Joana Matos (joanamcmatos@gmail.com) e Neuza Ribeiro

(neuza.ribeiro@ipleiria.pt)

INSTITUIÇÃO: CIGS – ESTG – Instituto Politécnico de Leiria; Instituto

Superior Miguel Torga

RESUMO
O presente estudo procura investigar como as perceções de climas autentizóticos
(espírito de camaradagem; confiança e credibilidade do líder; comunicação
aberta e franca com o líder; oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento
pessoal; equidade/justiça; conciliação trabalho-família) explicam os
comportamentos inovadores e o desempenho individual. Foram analisados os
dados referentes a um questionário aplicado a 128 colaboradores de uma
multinacional.
Os resultados sugerem que (1) a perceção de espírito de camaradagem por
parte dos colaboradores explica os seus comportamentos inovadores; (2) a
perceção de equidade/justiça e de comunicação aberta e franca com o líder
explica o desempenho individual; (3) o comportamento inovador influencia o
desempenho individual.
Pesem embora as limitações do estudo, a evidência empírica sugere que as
organizações devem promover o clima autentizótico, nomeadamente o espírito
de camaradagem, a equidade/justiça e a comunicação aberta e franca com os
líderes se pretendem que os colaboradores adotem mais comportamentos
inovadores e melhorem os seus desempenhos individuais.

PALAVRAS-CHAVE: Climas autentizóticos; Comportamentos inovadores;


Desempenho individual.

ABSTRACT

566
This study investigates how the perception of authentizotic climate (camaraderie
spirit; leader trust and credibility; the open and frank communication with the
leader; learning opportunities and personal development; equity/justice; work-
family conciliation) explain the innovative behavior and individual performance.
The data was analyzed from a questionnaire answered by 128 employees of a
multinational. The results suggest that (1) the employees perception of
camaraderie spirit explain their innovative behavior, (2) the fairness/justice
perception and open and frank communication with the leader explains the
individual performance, (3) the innovative behavior influences individual
performance.
In spite of the study limitations, empirical evidence suggests that organizations
should promote the authentizotic climate, particularly the camaraderie spirit, the
open and frank communication with the leaders and the equity/justice, if they
want employees to adopt more innovative behavior and improve their individual
performances.

KEYWORDS: Authentizotic Climate; Innovative Behavior; Individual


Performance.

1. INTRODUÇÃO
As mudanças nas empresas contemporâneas e os seus ambientes
competitivos traduzem um novo enfoque em pesquisa organizacional. Assiste-se
a uma crescente preocupação com fatores intangíveis do foro mais
comportamental, mas, concomitantemente, não se relega para segundo plano a
dimensão económica. As empresas são espaços onde se cruzam dois desígnios:
elevados desempenhos com vista à rentabilidade e realização pessoal dos seus
membros.
Nunca foi tão evidente que para as organizações interessadas em dar
resposta aos avanços tecnológicos e às constantes mudanças da conjuntura, em
ultrapassar a concorrência e em alcançar os desejos do consumidor, a promoção
da inovação é fulcral. Para além disso, uma vez que os trabalhadores exercem
uma influência determinante no desempenho da organização, é desejável um
alinhamento estratégico entre os objetivos empresariais e os objetivos
individuais.

567
Os trabalhos de investigação empírica sobre as perceções de pertencer a
uma organização autentizótica são ainda escassos em Portugal (Rego & Cunha,
2008), o que revela a pertinência desta investigação sobre as práticas e
perceções de climas autentizóticos e o seu impacto nas tomadas de iniciativa, de
renovação e de mudança e, consequentemente, na eficiência e eficácia do
trabalho individual, particularmente numa multinacional.
Este estudo insere-se assim na área da gestão de recursos humanos e
pretende trazer evidência empírica, demonstrando como é que seis
características de organizações autentizóticas - espírito de camaradagem,
confiança e credibilidade do líder, comunicação aberta e franca com o líder,
oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento pessoal, equidade/justiça,
conciliação trabalho-família - podem influenciar os comportamentos inovadores e
o desempenho individual. Ou seja, deu-se início a esta investigação com o
intuito de apurar se, numa determinada multinacional, os trabalhadores
encetavam comportamentos inovadores e possuíam melhor desempenho
individual caso a considerassem uma organização autentizótica.
Em termos de estrutrura do artigo, começa-se por descrever os principais
conceitos e dimensões de organizações autentizóticas, dos comportamentos
inovadores e do desempenho individual. Seguidamente, apresentam-se as
presumíveis relações entre os referidos construtos. Depois expõem-se a
metodologia e os resultados empíricos, ao que se segue a sua análise e
discussão. Por fim, retiram-se as principais conclusões, referem-se algumas
limitações do estudo e sugerem-se novos caminhos de pesquisa.

2. ORGANIZAÇÕES AUTENTIZÓTICAS
O conceito de organização autentizótica, proposto por Kets de Vries
(2001), inspira-se num modelo que assenta em cinco dimensões - credibilidade,
respeito, justiça, orgulho/brio e camaradagem – em que as três primeiras seriam
designadas de “confiança” e teriam como objetivo demarcar a importância do
bem-estar psicológico dos indivíduos para o funcionamento das organizações. As
organizações autentizóticas são, essencialmente, as que satisfazem as
necessidades humanas - organizações estas que são o novo paradigma no
mundo global (Kets de Vries & Balazs, 1999; Kets de Vries, 2001).
Este termo deriva de duas palavras gregas: authenteekos e zoteekos. A
primeira transmite a ideia de que a organização é autêntica. No seu sentido mais
amplo, a palavra autêntica descreve algo que está em conformidade com um

568
facto e é, portanto, digno de confiança e pertença. O termo zoteekos significa
"vital para a vida". No contexto organizacional, descreve o modo como o
trabalho revigora as pessoas. Os colaboradores das organizações em que a
etiqueta “zoteekos” pode ser aplicada desenvolvem uma sensação de equilíbrio e
de satisfação (Rego, Moreira, & Sarrico, 2003).
O conceito de organizações autentizóticas resulta das várias teorias
ligadas à psicologia positiva (e.g. Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), como são
exemplo as empresas vivas, a empresa amiga da família, a empresa humanizada
e o sentido psicológico de comunidade de trabalho. No plano grupal, é objetivo
da psicologia positiva o estudo das virtudes cívicas das instituições que podem
mobilizar os indivíduos para uma melhor cidadania: responsabilidade, apoio,
altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e ética profissional (Ceitil, 2008).
As organizações autentizóticas foram estudadas, originalmente, por Kets
de Vries (2001) e, em Portugal, por Rego e colegas (Rego et al., 2003; Rego,
2004; Rego & Souto, 2004; Rego & Cunha, 2008).
Kets de Vries (2001) defende que a “insalubridade” de muitas
organizações atuais se deve precisamente ao facto destas não serem autênticas
e essenciais para a vida e que as autentizóticas podem ser uma âncora para a
saúde e bem-estar psicológico, uma maneira de desenvolver uma autoestima
positiva, e, ao mesmo tempo, uma fonte para aprender a lidar com o stresse.
Quanto a Rego e colegas, estes inspiram-se no conceito de organizações
autentizóticas (Rego, 2004; Rego & Souto, 2004) e operacionalizam o construto
de climas autentizóticos, através de uma estrutura composta por seis
dimensões: (1) Espírito de camaradagem; (2) Credibilidade/confiança no
superior; (3) Comunicação aberta e franca com o superior; (4) Oportunidades de
desenvolvimento/aprendizagem; (5) Justiça/equidade; (6) Conciliação trabalho-
família.
As seis dimensões têm impacto no bem-estar afetivo no trabalho, nas
intenções de não abandono da organização, no empenhamento organizacional e
no desempenho individual (Rego & Cunha, 2008).

3. COMPORTAMENTOS INOVADORES
Inovar é elaborar novas ferramentas, produtos ou processos, criar algo
novo que permita alcançar o que anteriormente era impossível, é implementar
com sucesso ideias criativas dentro da organização (Amabile, Conti & Coon,
1996).

569
Atualmente, comportamentos inovadores por parte dos colaboradores,
que poderiam anteriormente ser vistos como inapropriados, desrespeitosos ou
mesmo subversivos, tornaram-se frequentes e fundamentais em organizações
que tentam competir num ambiente de negócio movimentado, globalizado e
constantemente em mudança.
West e Farr (1989) referem que o comportamento inovador pode ser
definido como a súmula de ações individuais propositadas, destinadas à criação,
introdução e aplicação benéfica de alguma novidade a nível organizacional. Pode
ser argumentado que a relevância atribuída ao conhecimento inovador,
competências, habilidades e outros fatores, tem sido uma força impulsionadora
significativa dos esforços de investigação dos cientistas organizacionais nos
últimos anos (Anderson, De Dreu & Nijstad, 2004).
Adotar um comportamento inovador, de forma genérica, é um processo
de concretização (com alguma originalidade) de uma descoberta, de uma
invenção ou simplesmente de um conceito que a tecnologia permita materializar.
Em Portugal, verifica-se frequentemente a tendência para encarar os
comportamentos inovadores nas organizações como dirigidos apenas às áreas
técnica e tecnológica, o que constitui uma visão bastante redutora. Na verdade,
é possível adotar comportamentos inovadores nas organizações relativamente a
produtos, equipamentos e materiais utilizados na produção, mas também
relativamente aos processos utilizados ou quanto aos modos de gestão.
Hamel e Prahalad (1994) apresentam condicionantes dos
comportamentos inovadores de ordem interna às organizações, como o peso da
experiência e a dificuldade em ultrapassar o passado. Contudo, se pensarmos
que os comportamentos inovadores se revelam na capacidade dos colaboradores
trabalharem em rede, de cooperarem, criando sinergias, rentabilizando
experiências e trocando informações, verificamos ser possível observar-se um
reforço das cooperações locais, as quais se afiguram essenciais à criação de um
ambiente qualificante e facilitador de comportamentos organizacionais
inovadores.
Em suma, podemos compor um encadeamento lógico de conceitos quanto
aos comportamentos inovadores: a inovação baseia-se em diversas práticas
como (1) a exploração de oportunidades, (2) a criação de ideias, (3) a sua
defesa e (4) aplicação (Kleysen & Street, 2001; Kanter, 1988). Ou seja, a
exploração de oportunidades em “coisas” que não cabem nos moldes pré-
estabelecidos; a criação de ideias para gerar conceitos para efeitos de melhoria;

570
a defesa com o objetivo de colocar em prática as ideias criativas e dar-lhes vida;
a aplicação no sentido de desenvolver, testar e comercializar uma ideia
inovadora. A pesquisa de oportunidades e a criação de ideias são
comportamentos importantes na fase inicial do processo de inovação, enquanto
as outras práticas (defesa e aplicação) são essenciais para conseguir
implementar as próprias inovações (Kanter, 1988).

4. DESEMPENHO INDIVIDUAL
Até início dos anos 1990, o desempenho individual era conceptualizado
unidimensionalmente (Campbell, McCloy, Oppler, & Sager, 1993), assumindo-se
que traduzia algo cuja existência não era questionada, não sendo por isso
necessário tecer mais considerações acerca dele enquanto critério. A forma
considerada mais adequada para medir o desempenho individual seria a
utilização de indicadores objetivos das concretizações dos indivíduos, por
exemplo, o número de peças produzidas pelo trabalhador ou os lucros
alcançados com as suas vendas. Essas medidas eram produzidas e tratadas
pelas próprias organizações (Campbell et al., 1993).
Apesar de, atualmente, se verificar consenso quanto à definição do
desempenho individual, enquanto construto multidimensional (Hattrup, Connel,
& Wingate, 1998; Kline & Sulsky, 2009; Motowidlo & Van Scotter, 1994), esse
consenso não se verifica a nível da sua estrutura menos conhecida,
designadamente, no que se refere ao grau de generalidade subjacente aos
modelos propostos (Viswesvaran & Ones, 2000). Os modelos que propõem
conceptualizações da estrutura interna do desempenho individual enquanto
construto multidimensional podem ser analisados considerando duas dimensões:
(1) o seu nível de generalidade e (2) o seu contexto de desenvolvimento
(Viswesvaran & Ones, 2000).
No que se refere ao primeiro ponto, os modelos do desempenho
individual podem possuir um maior ou menor nível de generalidade,
distinguindo-se entre a abordagem específica e a abordagem transversal. Na
abordagem específica enquadram-se as taxonomias que identificam dimensões
de desempenho individual que dizem respeito a diferentes postos de trabalho ou
categorias dos mesmos. Na abordagem transversal enquadram-se as taxonomias
que apresentam as suas dimensões e que são comuns ou transversais a todas as
categorias profissionais.

571
Na abordagem específica do desempenho individual integram-se as suas
dimensões que se aplicam a postos ou famílias de postos de trabalho específicos,
podendo essas dimensões integrar-se apenas numa taxonomia ou ser
autónomas. Alguns postos de trabalho ou categorias profissionais têm suscitado
particular curiosidade por parte dos investigadores, fundamentalmente por se
considerar que o desempenho individual nesses postos é particularmente crítico
para o desempenho organizacional. Incluem-se aqui os postos de fronteira na
organização que estão em constante ligação com os clientes/público (Bertrand &
Guillemet, 1994), de que são exemplo os cargos de gestão. Diversos
investigadores encaram o desempenho individual como um construto que se
compõe de dimensões isoladas generalizáveis aos diferentes postos de trabalho
(e.g., Borman & Motowidlo, 1993; Campbell, McHenry, & Wise, 1990).
Viswesvaran e\ Ones (2000) consideram que as diversas dimensões
transversais do desempenho individual que têm sido propostas podem ser
agrupadas, essencialmente, em três principais dimensões: (1) desempenho de
tarefa, (2) comportamentos de cidadania organizacional e (3) comportamentos
contra-produtivos.
A existência de correlações positivas entre o desempenho de tarefa, os
comportamentos de cidadania organizacional e os comportamentos contra-
produtivos alude para que estas três dimensões integrem um mesmo construto,
ou seja, o desempenho individual (Viswesvaran & Ones, 2000). Contudo, alguns
autores entendem que os comportamentos de cidadania organizacional e os
comportamentos contra-produtivos são duas extremidades de uma mesma
dimensão (e.g., Kelloway, Loughlin, Barling, & Nault, 2002).

5. FUNDAMENTACÃO TEÓRICA E HIPÓTESES DE INVESTIGACÃO


A perceção positiva de climas autentizóticos pode criar resiliência e
esperança nos funcionários (Luthans, 2002; Norman, Luthans, & Luthans, 2005),
o que faz com que os mesmos não só se liguem mais à sua organização como
também a encarem como uma fonte de inspiração, onde vão beber o “sumo” da
criatividade e da inovação.
Na literatura encontramos várias razões para o aumento dos
comportamentos inovadores em organizações com características autentizóticas:
(1) estando mais seguros e ao mesmo tempo mais libertos, os indivíduos
colocam com maior facilidade a sua imaginação em atividade sendo mais
criativos (West & Altink, 1996); (2) sendo os comportamentos inovadores um

572
processo comportamental complexo, os indivíduos necessitam de trabalhar em
condições extremamente favoráveis (Scott & Bruce, 1994); (3) sentindo que são
parte de uma rede de relacionamentos de suporte mútuo, sempre disponível e
da qual podem depender, os indivíduos aumentam a sua auto-eficácia (Sarason,
1974).
Para além disso, quando os indivíduos percecionam características
organizacionais autentizóticas experimentam emoções positivas e,
tendencialmente, alargam os seus “horizontes” de pensamento-ação tornando-se
mais criativos (Fredrickson, 1998, 2001; Wright, 2003) e, provavelmente, mais
propensos a adotarem comportamentos inovadores.
A relação entre o clima autentizótico percecionado e o desempenho
individual pode ser consubstanciada através das perceções de uma comunicação
franca e aberta com os líderes e da consequente melhoria da qualidade da
relação entre membro e líder e do aumento do desempenho individual (Rego &
Cunha, 2008). Para além disso, quando os colaboradores sentem que são
tratados de uma forma justa e respeitosa, experienciam o seu reconhecimento
como indivíduos com valor intelectual e emocional, deixando de ser apenas um
“recurso”. Estes sentimentos podem originar uma melhoria do desempenho
individual e organizacional (Kim & Mauborgne, 1998).
Fredrickson (2003) demonstrou que a positividade no seio organizacional
pode transformar as pessoas para melhor, torná-las mais otimistas, resilientes e
socialmente ligadas. Consequentemente, as pessoas podem tornar-se mais
cooperativas no trabalho e mais empenhadas na organização, o que gera
melhores desempenhos individuais. Assim, trabalhar numa organização
autentizótica significa trabalhar num local que possui características que ajudam
as pessoas a atribuir significado às suas vidas e que capta com maior
profundidade o potencial humano, facilitando o desenvolvimento de um elevado
desempenho (Macedo, 2008).
O desempenho individual está também fortemente ligado aos
comportamentos inovadores dos colaboradores, no sentido em que, quando um
indivíduo aumenta a eficácia e a qualidade pessoal e organizacional, adota mais
comportamentos inovadores e melhora assim o seu desempenho individual.
Logo, proporciona incrementos na rentabilidade, podendo mesmo contribuir para
que a organização obtenha um posicionamento mais competitivo e até uma
melhor cota de mercado (Luecke & Katz, 2003).

573
Para além disso, existem contextos onde esta realidade é fulcral. Por
exemplo, situações imprevistas, ou outras situações em que são necessárias
inovação, criatividade e espontaneidade e em que é particularmente importante
o desempenho individual (Cunha, Rego, Cunha, & Cabral-Cardoso, 2003).
Em suma, a capacidade para gerar, ponderar, e agir sobre os processos
gerais da organização, proporcionando melhorias organizacionais significativas,
em termos de novos produtos, serviços, ou processos internos, cria também
uma evolução do desempenho individual e organizacional (Davila, Epstein &
Shelton, 2006).
Face à fundamentação teórica apresentada, procuraremos testar as
seguintes hipóteses:
H1 – As perceções de clima autentizótico relacionam-se positivamente com os
comportamentos inovadores.
H2 - As perceções de clima autentizótico relacionam-se positivamente com o
desempenho individual.
H3 - Os comportamentos inovadores relacionam-se positivamente com o
desempenho individual.

Figura 1 – Modelo de análise

6. METODOLOGIA
6.1. Participantes e Procedimentos
Inquiriu-se uma amostra de conveniência de 128 indivíduos provenientes
de uma multinacional com sede em Portugal, que atua em várias áreas,
principalmente, na área do retalho. O pedido para inquirir os trabalhadores da
multinacional foi feito ao departamento de desenvolvimento de projetos, que deu
o seu consentimento para abordarmos cerca de 3 a 4 departamentos de modo a
perfazermos um total significativo de respondentes.

574
De forma a testar as hipóteses formuladas e a validade do modelo de
investigação, foi realizado um estudo empírico tendo por base a conceção de um
questionário. A escolha deste instrumento deveu-se ao facto de as hipóteses de
investigação serem muito concretas e existirem diversas medidas já validadas
para avaliar a perceção de clima autentizótico, os comportamentos inovadores e
o desempenho dos indivíduos, embora ainda não tivessem sido aplicadas de
forma conjugada.
A recolha de dados foi assim realizada através de um questionário
colocado online, tendo o endereço sido enviado aos participantes via e-mail.
A idade média dos respondentes situa-se nos 33.8 anos e estes
encontram-se, em média, há cerca de 10 anos nesta organização. Relativamente
à formação académica, constata-se que 42% são licenciados ou estão em fase
de conclusão deste grau académico e 10% têm mestrado/doutoramento.

6.2. Instrumentos
Clima Autentizótico. A perceção de clima autentizótico foi avaliada através
do instrumento de medida de Rego e Cunha (2008) que contém 21 itens. O
instrumento tem uma escala do tipo Likert de 6 pontos (1 - “a afirmação é
completamente falsa” a 6 - "a afirmação é completamente verdadeira"). As
quatro dimensões das organizações autentizóticas - o espírito de camaradagem,
a confiança / credibilidade no superior, a comunicação aberta e franca com o
superior, as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento pessoal –
apresentam Alphas de Cronbach de 0.86, 0.92, 0.85, 0.83, respetivamente. Já
as outras duas dimensões - equidade /justiça e conciliação trabalho-família -
revelam Alphas de 0.62 e 0.60, respetivamente. De acordo com Hair, Anderson,
Tatham e Black (1998), são indicativos de consistência interna aceitável valores
iguais ou superiores a 0.55, enquanto que para Hill e Hill (2000), são
inaceitáveis apenas Alphas inferiores a 0.60.
Os itens foram traduzidos de inglês para português por um primeiro
tradutor e depois, de forma independente, traduzidos de novo para inglês por
um segundo tradutor (Brislin, 1970). Ambos os tradutores discutiram em
conjunto discrepâncias entre o original e a tradução e, posteriormente, foram a
efetuados alguns ajustes.
Comportamentos Inovadores. Para avaliar os comportamentos
inovadores, recorreu-se a um instrumento de medida com base no trabalho de
Gaudêncio (2009) que, por sua vez, se baseou em Kleysen e Street (2001). A

575
escala utilizada contém 8 itens e foi inspirada nas escalas de Likert de 5 pontos,
pretendendo valorizar o grau de aplicação ao inquirido de acordo com a escala
seguinte: 1 - “Definitivamente, não se aplica a mim”, 2 - “Não se aplica a mim”,
3 - “É Indiferente”, 4 - “Aplica-se a mim”, 5 - “Aplica-se a mim completamente”.
Os Comportamentos Inovadores apresentam um Alpha de Cronbach de 0.88.
Desempenho Individual. Para avaliar o desempenho individual, utilizou-se
uma escala construída com três itens de Staples, Hulland e Christopher (1999) e
um de Rego e Cunha (2008). Mais uma vez, utilizou-se o método de tradução
referido anteriormente. Os indivíduos posicionavam o grau em que cada
afirmação se aplicava a eles, numa escala de tipo Likert de sete pontos (1 - A
afirmação não se aplica rigorosamente nada a mim a 7 - A afirmação aplica-se
completamente a mim). Nesta escala, o Alpha de Cronbach encontrado é de
0.80.
Tendo em conta que a informação foi recolhida na mesma fonte,
procurámos minimizar os riscos de variância do método comum. Recorremos a
alguns métodos procedimentais propostos por Podsakoff, MacKenzie, Lee e
Podsakoff (2003): (1) aleatoriedade na ordenação dos vários itens; (2) formatos
escalares distintos (amplitude e semântica); (3) a não utilização de escalas com
valores numéricos bipolares e a atribuição de designações verbais para os pontos
médios das escalas; (4) garantia de total anonimato e afirmada a inexistência de
respostas certas ou erradas. Entendeu-se ainda pertinente averiguar a robustez
dos dados a eventuais erros introduzidos pela variância de método comum.
Neste sentido, de acordo com as recomendações de Podsakoff et al. (2003),
procedeu-se à aplicação do teste de Harman (1967), teste este que revelou que
os dados apresentados são robustos a este tipo de erros.

7. RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta as médias, desvios-padrão e correlações entre as
variáveis do estudo.

Tabela 1 - Médias, desvios-padrão e correlações


Média DP 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1. Idade 34,0 5,8 -


2. Antiguidade 10,4 5,8 0,69**-

3. Habilitações Literárias (a) 2,7 1,6 -0,25*0,45**-

4. Espírito de camaradagem 4,1 0,8 -0,07 -0,09 0,05 (0.86)

576
5. Credibilidade dos superiores 4,1 1,1 0,08 -0,03 0,08 0,69**(0.92)

6. Comunicação aberta com os 4,1 1,0 0,01 0,02 -0,00 0,57**0,65**(0.85)


superiores

7. Oportunidade de aprendizagem 4,4 0,8 0,02 -0,03 -0,11 0,56* 0,66* 0,65* (0.83
e desenvolvimento pessoal

8. Equidade/justiça 3,3 1,1 0,08 0,10 -0,16 -0,28 -0,56 -0,36 0,44* (0.62

9. Conciliação trabalho-família 3,6 0,8 0,03 -0,00 -0,02 0,53* 0,53* 0,54* 0,45* -0,17 (0.60

10. Comportamentos inovadores 4,0 0,5 -0,04 -0,17 0,16# 0,34* 0,29* 0,29* 0,31* -0,14 0,11 (0.88

11. Desempenho Individual 5,6 0,8 0,03 -0,09 0,04 0,28* 0,21* 0,40* 0,19* 0,08 0,12 0,40*(0.80)

# p<0,10 *p<0,05 ** p<0,01 ***p<0.001


Valores de alpha de Cronbach na diagonal, entre parêntesis
(a) 1: Ensino Secundário; 2: CET; 3: Frequência em curso superior; 4: Licenciatura;
5:Mestrado/Doutoramento.
Organizações Autentizóticas: escala 1-6; Comportamentos inovadores: escala 1-5; Desempenho
Individual: escala 1-7

Com a exceção da equidade/justiça e da conciliação trabalho-família,


todas as dimensões de clima autentizótico correlacionam-se positivamente com
os comportamentos inovadores e com o desempenho individual. Os
comportamentos inovadores apresentam uma correlação positiva com o
desempenho individual.
A Tabela 2 reproduz os resultados das análises de regressão efetuadas
para os comportamentos inovadores e para o desempenho individual como
variáveis critério, com as perceções de clima autentizótico como variável
independente. Deste modo, testamos as hipóteses 1 e 2.

Tabela 2 - Regressões: Como as perceções de climas autentizóticos explicam os comportamentos


inovadores e o desempenho individual
Comportamentos Inovadores Desempenho Individual
1ª Etapa Idade 0,13 0,18
Antiguidade -0,22 -0,21
Habilitações literárias (a) 0,08 -0,02
F 1,701 0,858
R 2 ajustado 0,02 0,00
2ª Etapa Idade 0,10 0,15
Antiguidade -0,16 -0,21
Habilitações Literárias 0,13 0,12
1. Espírito de camaradagem 0,25* 0,15
2. Credibilidade dos superiores -0,01 0,06
3. Comunicação aberta com os superio 0,19 0,54***
4. Oportunidade de Aprendizagem e 0,16 -0,03
Desenvolvimento pessoal

5. Equidade / Justiça 0,06 0,33**

577
6. Conciliação trabalho-família -0,18 -0,18
F 2,985** 5,298***
R 2 ajustado 0,13 0,25
R 2 ajustado 11% 25%
* p<0.05 ** p<0.01 *** p<0.001
(a) 1: Ensino Secundário; 2: CET; 3: Frequência em curso superior; 4: Licenciatura;
5:Mestrado/Doutoramento.

Numa primeira etapa foram inseridas, como variáveis de controlo, a


idade, a antiguidade e as habilitações académicas. Na segunda etapa, foram
inseridas as dimensões da perceção de clima autentizótico para se identificar a
variância adicional por ela explicada.
Quanto às perceções de clima autentizótico, estas explicam 11% de
variância única dos comportamentos inovadores. Mais concretamente, o espírito
de camaradagem é a dimensão de clima autentizótico com poder explicativo dos
comportamentos inovadores. Por conseguinte, os dados suportam a hipótese 1
no que respeita à influência da perceção de espírito de camaradagem nos
comportamentos inovadores. Ou seja, os indivíduos com melhores perceções do
espírito de camaradagem existente na organização são os que adotam mais
comportamentos inovadores.
No que diz respeito ao desempenho individual, a variância adicional
explicada pelas perceções de clima autentizótico é de 25%, sendo duas as
dimensões de clima autentizótico com maior poder explicativo do desempenho
individual: a comunicação aberta e franca com os superiores e a
equidade/justiça. Os resultados demonstram que os dados suportam a hipótese
2, ou seja, os indivíduos com melhores perceções de comunicação aberta e
franca com o seu superior e de equidade/justiça na organização são os que
consideram ter um melhor desempenho individual.
Para testarmos a hipótese 3 realizámos análises de regressão visando
compreender como os comportamentos inovadores explicam o desempenho
individual (Tabela 3).

Tabela 3 - Regressões: Como os comportamentos inovadores explicam o desempenho individual


Desempenho Individual
1ª Etapa Idade 0,18
Antiguidade -0,21
Habilitações literárias (a) -0,02
F 0,858
R 2 ajustado 0,00

578
2ª Etapa Idade 0,12
Antiguidade -0,11
Habilitações Literárias 0,06
Comportamentos Inovadores 0,45***
F 7,711***
R 2 ajustado 0,19
2
R ajustado 19%
* p<0.05 ** p<0.01 *** p<0.001
(a) 1: Ensino Secundário; 2: CET; 3: Frequência em curso superior; 4: Licenciatura;
5:Mestrado/Doutoramento.

Os resultados expostos na Tabela 3 mostram que os comportamentos


inovadores explicam 19% de variância única do desempenho individual, uma vez
que foi detetada uma relação positiva entre ambas as variáveis (0.45; p <
0,001).
Por conseguinte, os dados suportam a hipótese 3, sugerindo que os
indivíduos que consideram adotar mais comportamentos inovadores são também
aqueles que assumem um melhor desempenho individual.

8. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo revelam que os indivíduos que percecionam
espírito de camaradagem nas suas organizações adotam mais comportamentos
inovadores. A literatura apoia esta relação (West & Altink, 1996). Mais
concretamente, o comportamento inovador está assente em dois pressupostos:
(1) o ser humano está motivado para explorar e manipular o seu ambiente de
forma essencialmente criativa, (2) o ser humano para prosseguir com esta
atitude necessita de estar livre de ameaças, ter algum conforto psicológico e
sentir-se seguro no trabalho. O espírito de camaradagem proporcionará assim
um sentimento de apoio e conforto psicológico que, por sua vez, motivará o
indivíduo a atuar de forma criativa e inovadora.
Podemos verificar também que as perceções de clima autentizótico
predizem o desempenho individual, no que diz respeito às dimensões:
comunicação aberta e franca com os superiores e equidade/justiça. Os
resultados são consistentes com a literatura (e.g., Baumeister & Leary, 1995;
Deborah, Michelle & Linda, 1993; Martin, Jones & Callan, 2005; Parker, Israel,
Brakefield-Caldwell, Keeler, Lewis & Ramirez, 2003) que sugere que os bons
locais para trabalhar são fundamentais para a felicidade dos indivíduos (Gavin &
Mason, 2004) e que os colaboradores sentem um maior bem-estar psicológico
quando (a) percecionam que o ambiente de trabalho é positivo, respeitador,

579
solidário, psicologicamente seguro e significativo e (b) que tal ambiente,
proporciona condições para satisfazer as suas necessidades sociais, íntimas,
emocionais, de segurança e de aprendizagem (Rego & Cunha, 2008).
Assim, a comunicação aberta e franca com os superiores e a perceção de
equidade/justiça poderá contribuir para a felicidade dos colaboradores que, por
sua vez, conduzirá a comportamentos de cidadania organizacional (Rego, Ribeiro
& Cunha, 2010), tendo estes impacto no desempenho individual (Podsakoff &
MacKenzie, 1997; Podsakoff, Mackenzie, Paine & Bachrach, 2000).
Por outro lado, quando os colaboradores percecionam equidade/justiça na
organização e a comunicação com os seus superiores se estabelece
abertamente, haverá uma maior probabilidade de estes experimentarem um
sentido psicológico de comunidade de trabalho. Burroughs e Eby (1998)
mencionam que quando os colaboradores experimentam um sentido psicológico
de comunidade de trabalho - incluindo o vínculo espiritual - adotam mais
comportamentos de cidadania organizacional, e tendem a melhorar o
desempenho individual e organizacional (Organ & Paine, 1999; Podsakoff &
MacKenzie, 1997; Podsakoff et al., 2000).
Em suma, os indivíduos que percecionam as referidas dimensões de clima
autentizótico nas suas organizações podem sentir-se compelidos a agir em
reciprocidade (Gouldner, 1960), adotando mais comportamentos inovadores e
melhorando o seu desempenho individual.
Por fim, os comportamentos inovadores predizem o desempenho
individual. Vários estudos demonstram que, quanto mais os indivíduos adotam
comportamentos inovadores, melhor é o seu desempenho individual. Gaudêncio
(2009) demonstra a relação positiva entre o comportamento inovador e o
desempenho. Por conseguinte, trabalhadores que se consideram mais
inovadores são também os que relatam melhor desempenho.
A principal conclusão que podemos retirar deste estudo é que as
organizações e os seus líderes podem promover comportamentos inovadores e
melhores desempenhos se encorajarem, de forma genuína e sustentável, climas
autentizóticos, nomeadamente espírito de camaradagem, comunicação aberta e
franca com os superiores e equidade/justiça.
Importa referir que este estudo teve algumas limitações que se
prenderam, por exemplo, com o facto de ter sido inquirida uma amostra de
conveniência. Por outro lado, a recolha dos dados, tendo sido feita numa só
organização, embora fosse esse o mote principal do estudo, pode não ser

580
preditiva de outras realidades organizacionais - mais pequenas, com menos
expansão e desenvolvimento internacional, com recursos humanos menos
qualificados – o que cria a necessidade de testar se os resultados empíricos
obtidos se replicam noutras culturas e em organizações sem estas características
tão vincadas.
Uma outra limitação tem a ver com a recolha dos dados num único
momento temporal e através da mesma fonte, comportando riscos de
contaminação pela variância do método comum (Podsakoff et al., 2003).
Procurámos controlar os referidos efeitos contaminadores recorrendo a métodos
procedimentais propostos por Podsakoff et al. (2003) e realizando o teste do
fator único de Harman (1967) que revelou que os dados apresentados são
robustos a este tipo de erros. Apesar destas medidas adicionais, deve-se, no
entanto, reconhecer que o problema de variância do método comum é abordada
de uma forma restrita. Estudos posteriores deverão contornar estes riscos,
recorrendo ao método da dupla fonte, ou seja, recolhendo dados relativos às
percepções de características autentizóticas junto do colaborador e, por
exemplo, questionar o superior sobre o respetivo comportamento inovador e
desempenho.
A natureza correlacional do estudo impede a inferência de nexos de
causalidade entre variáveis independentes e dependentes. Outras ligações
causais são plausíveis. Por exemplo, o relato positivo do desempenho individual
pode impelir os indivíduos a descreverem os seus comportamentos inovadores
de uma forma também mais positiva. Esta investigação não inclui variáveis
mediadoras nem moderadoras. Estudos posteriores poderão testar a influência
de potenciais variáveis moderadoras, por exemplo, a antiguidade, o nível
hierárquico ou as habilitações literárias.

9. BIBLIOGRAFIA
Amabile, T., Conti, R. & Coon, H. (1996). Assessing the work environment for
creativity. Academy of Management Journal. 39 (5), 1154-1184.
Anderson, N., De Dreu, C. K. & Nijstad, B. A. (2004). The routinization of
innovation research; a constructively critical review of the state-of-the-
science. Journal of Organizational Behavior. 25, 147-173.
Baumeister, R. F., & Leary, M. R. (1995). The need to belong: Desire for
interpersonal attachments as a fundamental human motivation.
Psychological Bulletin, 117, 497-529.

581
Bertrand, Y., & Guillemet, P. (1994). Abordagem sistémica das organizações (D.
Matos, Trad.). Lisboa: Instituto Piaget.
Borman, W. C., & Motowidlo, S. J. (1993). Expanding the criterion domain to
include elements of contextual performance. In N. Schitt & W. C.
Borman (Eds.), Personnel Selection in organizations (pp. 71-98). San
Francisco: Jossey-Bass.
Brislin, R. W. (1970). Back-translation for cross-cultural research. Journal of
Cross Cultural Psychology, 1(3), 185-216.
Burroughs, S. M. & Eby, L. T. (1998). Psychological sense of community at work:
a measurement system and explanatory framework. Journal of
Community Psychology, 26(6), 509-532.
Campbell, J. P., McCloy, R. A., Oppler, S. H., & Sager, C. E. (1993). A Theory of
Performance. In N. Schmitt & W. C. Borman (Eds.), Employee Selection
(pp. 35-70). New York: Jossey-Bass.
Campbell, J. P., McHenry, J. J., & Wise, L. L. (1990). Modeling job performance
in a population of jobs. Personnel Psychology, 43, 313-333.
Ceitil, M. (2008). Gestão de Recursos Humanos para o século XXI. Lisboa:
Edições Sílabo.
Cunha, M. P., Rego, A., Cunha, R. C., & Cabral-Cardoso, C. (2003). Manual de
Comportamento Organizacional e Gestão, (1ª Ed.). Lisboa: Editora RH.
Davila, T., Epstein, M., & Shelton, R. (2006). Making innovation work: How to
manage it, measure it, and profit from it. Upper Saddle River: Wharton
School Publishing.
Deborah, T., Michelle, N., & Linda, P. (1993) Effects of work stress on
psychological well-being and job satisfaction: The stress-buffering role
of social support. Australian Journal of Psycholog, 45 (3), 168-175.
Fredrickson, B. L. (1998). What good are positive emotions? Review of General
Psychology, 2(3), 300-319.
Fredrickson, B. L. (2001). The role of positive emotions in positive psychology:
The roaden-and-built theory of positive emotions. American
Psychologist, 56 (3), 218-226.
Fredrickson, B. L. (2003). Positive emotions and upward spirals in organizational
settings. In K. S. Cameron, J. E. Dutton & R. E. Quinn (Eds.), Positive
Organizational Scholarship (pp. 163-175). San Francisco: Berrett-
Koehler Publishers.

582
Gaudêncio, P. M. (2009). Análise as Percepções e Comportamentos dos
Trabalhadores em Função da Responsabilidade Social Empresarial e o
seu Desempenho Individual. Tese de Mestrado. Universidade de
Coimbra e IPL.
Gavin, J. H. & Mason, R. O. (2004). The virtuous organization: The value of
happiness in the workplace. Organizational Dynamics, 33(4), 379-392.
Gouldner, A. W. (1960). The Norm of Reciprocity: A Preliminary Statement.
American Sociological Review, 25, 165-170.
Hair, J. F., Anderson, R. E., Tatham, R. L. & Black, W. C. (1998). Multivariate
data analysis. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
Hamel, G., & Prahalad, C. K. (1994). Competing for the future. Boston: Harvard
Business School Press.
Harman, H. H. (1967). Modern factor analysis. Chicago: University of Chicago
Press.
Hattrup, K., O’Connell, M. S., & Wingate, P. H. (1998). Prediction of
multidimensional criteria: distinguish task and contextual performance.
Human performance, 11(4), 305-319.
Hill, M. M. & Hill, A. (2000). Investigação por questionário. Lisboa: Sílabo.
Kanter, R. M. (1988). When a thousand flowers bloom: structural, collective and
social conditions for innovation in organization, Research in
Organizational Behavior, 10, 169-211.
Kelloway, E. K., Loughlin, C., Barling, J., & Nault, A. (2002). Self-reported
counterproductive behaviors and organizational citizenship behaviors:
separate but related constructs. International journal of selection and
assessment, 10(1/2), 143-151.
Kets de Vries, M. F. (2001). Creating Authentizotic Organizations: Well-
funcioning Individuals in Vibrant Companies. Human Relations, 54, 101-
111.
Kets de Vries, M. F. & Balazs, K. (1999). Creating the authentizotic organization:
Corporate transformation and its vicissitudes- A rejoinder.
Administration & Society, 2(31), 275-29.
Kim, W. C. & Mauborgne, R. (1998). Procedural justice, strategic decision
making and the knowledge economy. Strategic Management Journal,
19, 323-338.

583
Kleysen, R. F., & Street, C. T. (2001). Towards a multi-dimensional measure of
individual innovative behavior, Journal of Intellectual Capital, 2(3), 284-
296.
Kline, T. J. B., & Sulsky, L. M. (2009). Measurement and assessment issues in
performance appraisal. Canadian Psychology, 50(3), 161-171.
Luecke, R. & Katz, R. (2003). Managing creativity and innovation. Boston, MA:
Harvard Business School Press.
Luthans, F. (2002). The need and meaning of positive organizational behavior.
Journal of Organizational Behavior, 23, 695-706.
Macedo, I. (2008). Como o Clima Psicológico e o Bem-Estar Afectivo no Trabalho
explicam as Intenções de Abandono das Organizações. Tese de
Mestrado. Lisboa: Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa.
Martin, A., Jones, E., & Callan, V.J. (2005). The role of psychological climate in
facilitating employee adjustment during organizational change.
European Journal of Work and Organizational Psychology, 14 (3), 263-
289.
Motowidlo, S. J., & Scotter, J. R. V. (1994). Evidence that task performance
should be distinguished from contextual performance. Journal of applied
psychology, 79(4), 475-480.
Norman, S., Luthans, B. & Luthans, K. (2005). The proposed contagion effect of
hopeful leaders on the resiliency of employees and organizations.
Journal of Leadership & Organizational Studies, 12(2), 55-64.
Organ, D. W. & Paine, J. B. (1999). A new kind of performance for industrial and
organizational psychology: Recent contributions to the study of
organizational citizenship behavior. In C. L. Cooper (Ed.), International
review of industrial and organizational psychology (pp. 337-368).
England: Chichester.
Parker, E. A., Israel, B. A., Brakefield-Caldwell, W., Keeler, G., Lewis, T. C. &
Ramirez, E. (2003). Community Action Against Asthma: Examining the
partnership process of a community-based participatory research
project. Journal of General Internal Medicine 18(7),1-10
Podsakoff, P. M. & MacKenzie, S. B. (1997). Impact or organizational citizenship
behavior on organizational performance: A review and suggestions for
future research. Human Performance, 10(2), 133-151.

584
Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., Paine, J. B., & Bachrach, D. G. (2000).
Organizational citizenship behaviors: A critical review of the theoretical
and empirical literature and suggestions for future research. Journal of
Management, 26(3), 513-563.
Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., Lee, J., & Podsakoff, N. P. (2003). Common
method biases in behavioral research: A critical review of the literature
and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-
903.
Rego, A. & Cunha, M. P. (2008). Perceptions of authentizotic climates and
employee happiness: Pathways to individual performance? Journal of
Business Research, 61, 739-752.
Rego, A. (2004). Organizações autentizóticas: Desenvolvimento e validação de
um instrumento de medida. Portuguese Journal of Management Studies,
9 (1), 53-76.
Rego, A. & Souto, S. (2004). Comprometimento organizacional em organizações
autentizóticas: Um estudo luso-brasileiro. Revista de Administração de
Empresas, 44 (3), 30-43.
Rego, A., Moreira, J. M. & Sarrico, C. S. (2003). Gestão ética e responsabilidade
social das empresas: Um estudo da situação portuguesa. Lisboa:
Principia.
Rego, A., Ribeiro, N. & Cunha, M. P. (2010). Perceptions of Organizational
Virtuousness and Happiness as Predictors of Organizational Citizenship
Behaviors. Journal of Business Ethics, 93(2), 215-235.
Sarason, S. B. (1974). The Psychological Sense of Comumunity: Prospects for a
Community Psychology. San Francisco: Jossey- Bass.
Scott, S. G., & Bruce, R. A. (1994). Determinates of innovative behavior: A path
model of individual innovation in the workplace. Academy of
Management Journal, 137, 580-607.
Seligman, M. E., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An
introduction. American Psychologist, 55(1), 5-14.
Staples, D. S. Hulland, J. S., & Christopher, A. H. (1999). A Self-Efficacy Theory
Explanation for the Management of Remote workers in virtual
organizations. Organization Science, 10(6), 758-776.
Viswesvaran, C., & Ones, D. S. (2000). Perspectives on models of job
performance. International Journal of Selection and Assessment, 8(4),
216-22.

585
West, M. A., & Altink, W. M. (1996). Innovation at work: Individual, group,
organizational and socio-historical perspectives. European Journal of
Work and Organizational Psychology, 5, 3 – 11.
West, M. A. & Farr, J. L. (1989). Innovation at work: psychological perspectives.
Social Behaviour, 4, 15-30.
Wright, T. A. (2003). Positive organizational behavior: An idea whose time has
truly come. Journal of Organizational Behavior, 24, 437-442.

586
TÍTULO: Práticas de RSO e bem-estar no trabalho - Implicações das

práticas de responsabilidade social no bem-estar dos trabalhadores

AUTOR(ES): Sónia P. Gonçalves (sgoncalves@almada.ipiaget.org), Ana

Patrícia Duarte e Sérgio Bogas

INSTITUIÇÃO: Instituto Piaget de Almada; Instituto Universitário de Lisboa

(ISCTE-IUL), Cis-IUL, Lisboa; Linkare TI, Lisboa

Resumo
Estudos publicados nos últimos anos sugerem que a perceção do envolvimento
das organizações em práticas de responsabilidade social (RS) tem um efeito
positivo na relação que os seus trabalhadores estabelecem com as mesmas (e.g.
Brammer et al., 2007; Tziner et al., 2011; Duarte, 2011). Seguindo esta linha de
pesquisa, analisou-se a relação entre a perceção dos trabalhadores acerca da
implementação de práticas de diferentes dimensões de RS e dois indicadores de
bem-estar no trabalho, concretamente o bem-estar afetivo e a satisfação no
trabalho. Participaram no estudo 181 trabalhadores de diferentes empresas, que
responderam a um questionário disponibilizado eletronicamente composto por
medidas referenciadas na literatura da especialidade. Os resultados apontam
para correlações positivas e significativas entre a perceção do envolvimento em
três dimensões de RS (económica, trabalhadores, comunidade e ambiente) e os
dois indicadores de bem-estar no trabalho. Em termos gerais, é legítimo pensar-
se que as organizações mais socialmente responsáveis, ou pelo menos tidas
como tal pelos seus trabalhadores, apresentarão um grupo de trabalhadores
mais satisfeitos e que melhor se sentem melhor no trabalho que as restantes
organizações. Estes resultados reforçam a importância estratégica do
investimento das organizações em práticas socialmente responsáveis e da
comunicação dessas práticas junto dos trabalhadores.

Palavras-chave: responsabilidade social das organizações, bem-estar no


trabalho, bem-estar afetivo, satisfação no trabalho.

Introdução

587
O tema da responsabilidade social das organizações (RSO) é de grande
actualidade, tendo vindo a ganhar uma crescente importância tanto no campo
académico como empresarial (Godfrey & Hatch, 2007). Por RSO entende-se a
integração voluntária pelas organizações de preocupações sociais e ambientais
na condução dos seus negócios e relação com as suas partes interessadas
(Comissão Europeia, 2001). Esta integração traduz-se no desenvolvimento de
um conjunto diversificado de práticas que causam um qualquer benefício social,
indo para além do que está definido pela lei e dos explícitos interesses
económicos da organização (McWilliams & Siegels, 2001).
Os trabalhadores constituem uma das partes mais interessadas no
comportamento das organizações (Rodrigo & Arenas, 2008). Todavia, ainda
pouco se sabe sobre o impacto do envolvimento das organizações em práticas de
RSO nas atitudes e comportamentos dos trabalhadores. A literatura sobre a área
é escassa, sendo necessário um investimento adicional na investigação dos
impactos do desempenho social das organizações a um nível de análise
individual (Aguilera, Rupp, Williams & Ganapathi, 2007; Aguinis & Glavas, 2012).
Não obstante, estudos publicados nos últimos anos têm vindo a sugerir que a
percepção do envolvimento das organizações em práticas de RSO tem um efeito
positivo na relação com que trabalhadores estabelecem com a mesma,
reforçando nomeadamente a sua identificação (Dutton & Dukerich, 1991) e a
implicação com a organização (Brammer, Millington & Rayton, 2007; Duarte &
Neves, 2009; Rego, Leal, Cunha, Faria & Pinto, 2010; Peterson, 2004).
Contribuindo para esta linha de pesquisa, propusemo-nos neste estudo a
analisar a relação entre a percepção de práticas de RSO e o bem-estar dos
trabalhadores, operacionalizado com recurso a dois indicadores: a satisfação no
trabalho e o bem-estar afectivo, com base na conceptualização de Warr (1990).
Ambas as variáveis são centrais na literatura de comportamento organizacional e
saúde no trabalho, estando associadas a um conjunto de outras variáveis
importantes para o desempenho das organizações como, por exemplo, a
intenção de permanência na organização (Falkenburg & Schyns, 2007; Spector,
Dwyer & Jex, 1988).
A satisfação no trabalho diz respeito à “opinião avaliativa positiva (ou
negativa) sobre o trabalho ou situação de trabalho do indivíduo” (Weiss, 2002,
p.6). Estudos recentes sugerem que quanto mais os trabalhadores consideram
trabalhar para uma organização socialmente responsável maior é a sua
satisfação no trabalho (Valentine & Fleishman, 2008) e que isso ocorre não

588
apenas em relação à percepção de práticas em que são os beneficiários directos,
mas também em relação à percepção de práticas económicas e outras dirigidas à
comunidade e ao ambiente (Duarte & Neves, 2010).
O bem-estar afectivo no trabalho pode ser conceptualizado com base em
duas dimensões ortogonais: prazer e activação associadas ao trabalho (Warr,
1990). Estas duas dimensões organizam-se em quatro quadrantes: ansiedade
(elevada activação e baixo prazer), entusiasmo (elevada activação e elevado
prazer), depressão (baixa activação e baixo prazer) e conforto (baixa activação e
elevado prazer). O bem-estar afectivo é tanto maior quanto mais conforto e
entusiasmo e menos ansiedade e depressão o indivíduo sentir. Apesar de ser
apontado como um tema relevante (Salanova, 2009), tanto quanto sabemos,
não existem estudos que procurem relacionar o bem-estar afectivo dos
trabalhadores com a percepção do envolvimento das suas entidades
empregadoras em práticas de RSO. Todavia, tendo em conta a literatura
anterior, espera-se que haja uma relação positiva entre as variáveis, sendo que
se espera que quanto mais os indivíduos percepcionem que a sua organização
investe em práticas de RSO, maior bem-estar afectivo sintam no trabalho.
Os objectivos deste trabalho passam assim por analisar a relação entre a
percepção dos trabalhadores acerca do envolvimento das organizações num
conjunto de práticas de RSO e o bem-estar afectivo e a satisfação no trabalho
numa amostra portuguesa. Com base nos trabalhos de Duarte, Mouro & Neves
(2010) e Duarte (2011) iremos adoptar uma perspectiva multidimensional da
RSO, avaliando três dimensões: a) RS perante os trabalhadores (integra um
conjunto de práticas de gestão de recursos humanos promotoras de qualidade
de vida), b) RS perante a comunidade e o ambiente (integra um conjunto de
práticas destinadas a apoiar a comunidade e proteger o ambiente), e c) RS
económica (inclui práticas relacionadas com a eficácia organizacional). Uma vez
que nem todas as dimensões de RSO poderão ter o mesmo efeito sobre as
atitudes e comportamentos dos trabalhadores, esta abordagem multidimensional
é muito útil (Duarte, 2011). Permite investigar o impacto relativo de diferentes
dimensões de RSO na satisfação no trabalho e no bem-estar afectivo dos
trabalhadores e identificar as que possuem maior relevância. A identificação
destas dimensões é de extrema importância pois permitirá orientar a intervenção
da gestão neste domínio.

Método

589
Amostra e procedimento
A amostra é composta por 181 inquiridos portugueses, dos quais 66,3%
são homens. A média de idades é 40,6 anos (DP=9.1) e de antiguidade 16,2
anos (DP=9.2). A maioria dos inquiridos possui um contrato de trabalho sem
termo (91,2%) e trabalha a tempo inteiro na empresa (68%). Os dados foram
recolhidos através de um questionário on-line enviado para empresas e
profissionais.

Instrumentos
O questionário integra as seguintes medidas:
Percepção de RSO: Para avaliar a percepção dos trabalhadores relativamente ao
envolvimento da organização em práticas de RSO utilizou-se a escala de
percepção de responsabilidade social de Duarte (2011). A escala é composta por
16 itens que permitem avaliar a percepção do envolvimento da organização nas
três dimensões de RSO anteriormente referidas: a) RS perante os trabalhadores
(7 itens, e.g.: “A minha empresa preocupa-se em promover a igualdade entre
homens e mulheres”; “…Promover o equilíbrio entre a vida familiar e a vida
profissional”; α=.86); b) RS perante a comunidade e o ambiente (6 itens, e.g.:
“…desenvolver projectos de conservação da natureza”; “…apoiar causas sociais”;
α= .89); e, c) RS económica (3 itens, e.g.: “…esforçar-se por ser lucrativa”;
“…esforçar-se por ser uma das melhores no seu sector de actividade”; α= .67).
A escala de resposta é de tipo Likert de 5 pontos (1 – Discordo totalmente a 5-
Concordo totalmente).
Satisfação no trabalho: A satisfação no trabalho foi medida através da
avaliação da satisfação dos trabalhadores com cinco facetas do trabalho
(empresa, colegas, superior hierárquico, trabalho realizado, remuneração). Para
tal utilizaram-se 5 itens da escala de satisfação do trabalho de Lima, Vala e
Monteiro (1994) (e.g. “Em relação à colaboração e clima de relação com os
meus colegas de trabalho estou…”; “…ao meu superior hierárquico estou…”; α=
.76). A escala de resposta é de tipo Likert de 5 pontos (1 – Muito insatisfeito a
5- Muito satisfeito).
Bem-estar afectivo: O bem-estar afectivo no trabalho foi avaliado através
do IWP Multi-Affect Indicator (Warr, 1990) constituído por 12 itens (e.g.,
“Descontraído”, “Motivado”; α= .93), medidos numa escala de tipo Likert de 6
pontos (1 - Nunca a 6 - Todo o tempo).

590
Resultados
Os dados foram analisados com recurso ao SPSS 17.0. Conforme se pode
observar na tabela 1, os resultados apontam para correlações positivas e
significativas entre as percepções das três dimensões de RSO e os indicadores
de bem-estar no trabalho, i.e., bem-estar afectivo e satisfação no trabalho, o
que sugere que quanto mais o individuo percepciona que a organização investe
em práticas de RSO, maior é o seu bem-estar geral no trabalho.

Tabela 1. Estatísticas descritivas e correlações

1 2 3 4 5

1.Responsabilidade social perante os (.86)


colaboradores
2. Responsabilidade social perante a ,571** (.89)
comunidade e o ambiente
3.Responsabilidade social económica ,583** ,324** (.67)
** **
4.Bem-estar afectivo ,425 ,290 ,115 (.93)
** ** **
5.Satisfação ,663 ,414 ,422 ,502** (.76)

Média 3,57 3,28 4,026 3,969 3,552


Desvio padrão ,768 ,820 ,779 ,8789 ,705
Nota. **p<0.05; Na horizontal entre parêntesis encontram-se os valores de Alfa de Cronbach

A realização de análises de regressão linear permite verificar que a


percepção das práticas de responsabilidade social explica aproximadamente 20%
da variância do bem-estar afectivo, sendo que as práticas perante os
trabalhadores são as que mais contribuem para o bem-estar afectivo (β=0,503,
p=0,000), seguidas das práticas de responsabilidade social económica (β=-
0,200; p=0,016).
Ao nível da satisfação no trabalho a percepção das práticas de
responsabilidade social explica aproximadamente 43% da sua variância, sendo
que mais uma vez o maior contributo provém da percepção das práticas dirigidas
aos colaboradores (β=0,601; p=0,000) (Tabela 2).

Tabela 2. Resultados das análises de predição


Bem-estar afectivo Satisfação o trabalho

Responsabilidade social perante os colaboradores β=0,503 β=0,601


p=0,000 p=0,000
Responsabilidade social perante a comunidade e o β=0,067 β=-0,054
ambiente p=0,410 p=0,431

β=-0,200 β=0,054
Responsabilidade social económica p=0,016 p=0,438

591
R2 Ajust. 0,197 0,434

Nota. **p<0.05; Foram controladas as variáveis sócio-demográficas; Valores de β e p referem-se a


valores provenientes de análise de regressão linear;

Conclusões
Este estudo pretendeu analisar a relação entre a percepção dos
trabalhadores acerca do envolvimento das organizações num conjunto de
práticas de RSO e o seu bem-estar no trabalho numa amostra portuguesa. Os
resultados encontrados revelam que existe uma relação positiva entre as
variáveis, sugerindo assim que a percepção dos indivíduos relativamente ao
envolvimento da organização para a qual trabalham em práticas de RSO
influencia positivamente o seu bem-estar no trabalho, não só no que se refere à
satisfação com a situação de trabalho em geral, mas também ao nível de bem-
estar afectivo que sentem no mesmo (i.e., prazer e activação). Das três
dimensões de RSO avaliadas neste estudo, a percepção do investimento em
práticas dirigidas aos trabalhadores destacou-se como sendo a que têm maior
efeito sobre o bem-estar dos trabalhadores, o que é compreensível se tivermos
em conta que se trata de um conjunto de actividades que possui uma influência
directa no ambiente de trabalho do indivíduo (Duarte, 2011).
Em termos gerais, é legítimo pensar-se que as organizações mais
socialmente responsáveis, ou pelo menos tidas como tal pelos seus
trabalhadores, apresentarão um grupo de trabalhadores mais satisfeitos e que se
sentem melhor que as restantes organizações. Assim, estes resultados reforçam
a importância estratégica do investimento das organizações em práticas
socialmente responsáveis e da comunicação dessas práticas junto dos
trabalhadores. Para além do impacto que o desempenho social das organizações
pode ter sobre as atitudes e comportamentos de stakeholders externos, como
sejam os consumidores (Bhattacharya, Korschun & Sen, 2009) possuem
claramente um efeito positivo no bem-estar dos seus públicos internos,
potenciando assim o desenvolvimento de comportamentos favoráveis no
contexto de trabalho. A aposta em práticas de RSO parece resultar numa
situação de ganhos triplos: ganham os trabalhadores, ganha a organização e
ganha a sociedade em geral.
Para finalizar, importa referir que a ameaça de ocorrência de erros do
método comum e a amostra restrita em que se baseiam as análises constituem
as principais limitações da pesquisa. A investigação futura para além de

592
ultrapassar estas limitações poderá explorar os processos subjacentes a estas
relações, i.e., que variáveis mediadoras interferem nestas relações (e.g.,
percepção de suporte organizacional), bem como os contextos que afectam as
mesmas (e.g., valores e crenças pessoais como tradicionalismo). Uma vez que
não se conhecem outros estudos sobre o impacto da RS no bem-estar,
pensamos que esta pesquisa contribui para o avanço do conhecimento do
impacto da RS a nível individual. A adoção de uma abordagem multidimensional
na medição do constructo de RS constitui outro contributo para a pesquisa desta
área.

Referências
Aguilera, R., Rupp, D., Williams, C., & Ganapathi, J. (2007). Putting the S Back
in Corporate Social Responsibility: A Multilevel Theory of Social Change in
Organizations. Academy of Management Review, 32, 836-863.
Aguinis, H., & Glavas, A. (2012). What we know and don’t know about corporate
social responsibility: A review and research agenda. Journal of
Management, 38 (4), 932-968.
Bateman, T., & Organ, D. (1983). Job satisfaction and the good soldier: The
relationship between affect and employee citizenship. Academy of
Management Journal, 36, 587-595.
Bhattacharya, C., Korschun, D., & Sen, S. (2009). Strengthening Stakeholder–
Company Relationships Through Mutually Beneficial Corporate Social
Responsibility Initiatives. Journal of Business Ethics, 85, 257–272.
Bowling, N. (2010). Effects of job satisfaction and conscientiousness on extra-
role behaviors. Journal of Business Psychology, 25, 119–130.
Brammer, S., Millington, A. & Rayton, B. (2007). The contribution of corporate
social responsibility to organisational commitment. International Journal of
Human Resource Management, 18 (10), 1701-1719
Comissão Europeia (2001). Green paper: Promoting a European framework for
corporate social responsibility. Brussels: EU Commission.
Duarte, A.P. (2011). Corporate social responsibility from an employees’
perspective: Contributes for understanding job attitudes. Tese de
doutoramento não publicada. ISCTE-IUL.
Duarte, A. P., & Neves, J. (2009). Relação entre responsabilidade social
percebida e implicação dos colaboradores: O papel mediador da imagem
organizacional. In J. Santos (Ed.), Turismo e Gestão: Inovação e

593
empreendorismo no contexto da economia empresarial (pp.275-281). Faro:
FDUALG.
Duarte, A. P., & Neves, J. (2010). Relação entre responsabilidade social
percebida e satisfação no trabalho: O papel mediador da imagem
organizacional. In E. Vaz & V. Meirinhos (Orgs.), Recursos Humanos: Das
teorias às boas práticas (pp.111-125). Penafiel: Editorial Novembro.
Duarte, A., Mouro, C., & Neves, J. (2010). Corporate Social Responsibility:
Mapping its Social Meaning. Management Research, 8 (2), 101-122.
Dutton, J., & Dukerich, J. (1991). Keeping an Eye on the Mirror: Image and
Identity in Organizational Adaptation. Academy of Management Journal, 34,
517-554.
Falkenburg, K. & Schyns, B. (2007). Work satisfaction, organizational
commitment and withdrawal behaviours. Management Research News, 30
(10), 708-723.
Godfrey, P., & Hatch, N. (2007). Researching Corporate Social Responsibility: An
Agenda for the 21st Century. Journal of Business Ethics, 70, 87–98.
Lima, M. L., Vala, J. & Monteiro, M. B. (1994). A satisfação organizacional:
Confronto de modelos. In J. Vala, M. B. Monteiro, L. Lima & A. Caetano
(Orgs.), Psicologia social e das organizações: Estudos em empresas
portuguesas (pp.101-122). Oeiras: Celta Editora.
McWilliams, A., & Siegel, D. (2001). Corporate Social Responsibility: A Theory of
the Firm Perspective. Academy of Management Review, 26, 117-127.
Peterson, D. (2004). The Relationship between Perceptions of Corporate
Citizenship and Organisational Commitment. Business and Society, 43,
296-319.
Rego, A., Leal, S., Cunha, M., Faria, J., & Pinho, C. (2010). How the Perceptions
of Five Dimensions of Corporate Citizenship and their Inter-inconsistencies
Predict Affective Commitment. Journal of Business Ethics, 94, 107-127.
Rodrigo, P., & Arenas, D. (2008). Do employees care about CSR programs? A
typology of employeesaccording to their attitudes. Journal of Business
Ethics, 83, 265-283.
Salanova, M. (2009). Hacia una Psicología de la Salud Ocupacional más positiva.
In M. Salanova (Dir.), Psicología de la salud ocupational (pp.247-283).
Madrid: Editorial Síntesis.

594
Spector, P.E., Dwyer, D.J., & Jex, S.M. (1988). Relation of job stressors to
affective, health, and performance outcomes: A comparison of multiple
data sources. Journal of Applied Psychology, 73, 11-19.
Valentine, S., & Fleishman, G. (2008). Ethics Programs, Perceived CSR and Job
Satisfaction. Journal of Business Ethics, 77, 159-172.
Warr, P.B. (1990). The measurement of well-being and other aspects of mental
health. Journal of Occupational Psychology, 63, 193-210.
Weiss, H. (2002). Deconstructing job satisfaction: separating evaluations, beliefs
and affective experiences. Human Resource Management Review, 12, 173-
194.

595
TÍTULO: A criança que falamos (ou não)?

AUTOR(ES): Carlos Fernando Simões Filho e Elizabeth Portanova Mendes

Ribeiro da Rocha

INSTITUIÇÃO: Prefeitura Municipal de Porto Alegre

Desenvolver atividades com crianças, adolescentes, famílias e


profissionais nos remete ao que deve vir primeiro, onde nós devemos nos
dedicar para implementar um trabalho mais consistente. A quase três décadas
me dedicando ao trabalho de desenvolver ações de atendimento a grupos de
pessoas, percebo cada vez mais que é no grupo de profissionais que temos de
nos focar.
Garantir o acolhimento a estes profissionais que diariamente
experimentam diferentes sensações em cada turno de trabalho, pessoas que
estão expostas diariamente ao conflito, por membros de grupos de atendimento,
no meu caso os da área social, território farto de percentuais desagradáveis ,
histórias pesadas, tristes, no limiar da existência ou da própria desistência e por
isto tudo junto, sobrecarregando os ombros destes profissionais, diuturnamente.
Situo desta forma pois creio que o Tema Trabalho, deve ser melhor
avaliado na sociedade em geral e em específico pelos poderes público ou
privado. Há que investir cada vez mais na humanização das relações, abrindo
espaços para uma psicologia do acolhimento, da escuta e do diálogo permanente
ente o ente contratante e as pessoas contratadas,designadas para desenvolver
ações diárias,quais sejam estas atividades.
Percebo ao longo de minha trajetória, uma explícita exigência cada vez
mais intensa por parte da sociedade para o melhor atendimento e
funcionamento do aparelho público, assim como também percebo e vivo a
sensação de estar fazendo parte deste aparelho, mas lutando para não tornar-
me uma peça, insensível ou improdutiva.
Ao desenvolver um método de trabalho que permite as pessoas, imersas
em Grupos de ONGs (organizações não governamentais), investindo no
vivenciar, trabalhar e desfrutar da elaboração de procedimentos para a
superação dos obstáculos que se interpõe no dia a dia da vida profissional destes
grupos de atendimento a crianças e adolescentes nos diferentes territórios de

596
minha cidade, me permite avaliar que hoje, não se deve medir a qualidade de
um trabalho pelos valores financeiros investidos, mas sim, pelos valores
pessoais, emocionais e o vínculo com estas estruturas de trabalho que estão
distribuídas pela cidade.
Ou pensamos assim, ou estaremos fadados a calar vozes de pessoas
capazes de trabalhar para educar e qualificar esta sociedade, como por vezes se
calam as crianças, muito por falta de uma bagagem histórica, menos pela
capacidade de se posicionar e exigir, pois isto é próprio das crianças,
adolescentes e jovens, sempre. Ainda bem!

597
598
9. O TRABALHO E AS TECNOLOGIAS DA
INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

599
TÍTULO: Estudo da Perceção do Impacto da Escolha de Sistemas Antivírus

no Stress Laboral (Perception Study of the Impact of the Antivirus

Systems Choice in Laboral Stress)

AUTOR(ES): Carlos Gomes1 (carlosafgomes@gmail.com), Sérgio Tenreiro

de Magalhães1,2 (stmagalhaes@braga.ucp.pt) e Vítor J. Sá1,2

(vitor.sa@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: 1Universidade Católica Portuguesa –Centro Regional de


2
Braga - Faculdade Ciências Sociais; Universidade do Minho, Centro

Algoritmi

Resumo
É sabido que qualquer sistema computacional está extremamente exposto a um
conjunto de ameaças, de entre as quais se destacam, pela sua frequência, as
ameaças relacionadas com software malicioso. A solução passa pela instalação
de pacotes antivírus que são de facto, cada vez mais, soluções integradas de
protecção do perímetro informático. Este estudo pretende esclarecer se a
privação total ou parcial no acesso à informação, principalmente no que respeita
ao uso dos sistemas informáticos, gera nos trabalhadores um impacto percebido
nos seus níveis de stress laboral.Recorreu-se a uma sondagem a que
responderam 884 pessoas, concluindo-se que a inibição de uso das Tecnologias
de Informação no local de trabalho é um factor altamente perturbador do estado
de espírito do utilizador.

Palavras-chave: confiança, antivírus, stress

Abstract
It is known that any computer system is extremely exposed to a range of
threats, among which stand out by their frequency, threats related to malicious
software. The solution involves the installation of antivirus packages that are
actually increasingly integrated solutions to protect the informatics perimeter.

600
This study aims to clarify whether total or partial deprivation in access to
information, particularly with regard to the use of computer systems, generates
on workers a perceived impact in their levels of laboral stress. Using a survey, to
which 884 people responded, it was concluded that inhibition of the use of
Information Technology in the workplace is a highly disturbing factor of the
mood of the user.

Keywords: trust, antivirus, stress

Introdução
“A Segurança de Sistemas de Informação é um aspeto crítico para a
maioria dasorganizações. Face à sua dependência relativamente à informação,
aodesenvolvimento das tecnologias de informação e à utilização massiva da
Internet edos serviços que lhe estão associados, o número de ataques a que a
informação estásujeita é cada vez mais elevado, pelo que a necessidade de
proteger os sistemas deinformação torna-se premente”. [1]
O risco de perder acesso à informação pode ser gerido e o seu impato
pode mesmo ser minimizado se os responsáveis estiverem conscientes dos
perigos existentes bem como das medidas existentes e sua aplicabilidade.
Infelizmente, muitas vezes carecem desse conhecimento e assim
consequentemente as suas ações para lidar com o risco de perda de informação
são menos eficazes do que poderiam ser. [2]
Exemplo disto é a falha de um sistema informático por infeção de um
vírus ou, no lado oposto, pelo uso de um sistema de antivírus com proteção
insuficiente ou, ainda, com excessiva proteção, que resulte em bloquear ou
atrasar esse acesso.
Assim, três paradigmas se nos apresentam, quanto à privação no uso da
informação, sendo eles:
- infeção por um vírus;
- antivírus sem protecção suficiente;
- software de antivírus inadequado (por excesso de carga computacional)
para o sistema de computação existente.

Vírus

601
Várias definições se encontram para a palavra “vírus”, a Porto Editora, no
seu dicionário online, define Vírus como sendo um “programa informático capaz
de se copiar a si próprio e que interfere com o funcionamento normal de um
computador”[3].
O termo “vírus de computador” deriva e é análogo do vírus biológico. A
palavra em si vem do Latim “veneno”. O vírus de computador é um segmento de
código informático que irá copiar o seu conteúdo para um ou vários programas,
os hospedeiros, quando é ativado. Quando estes programas infetados são
executados, o código do vírus é executado e assim prolifera através dos
sistemas[4].
No entanto, atualmente, o nome “vírus”, não é definição para todos os
problemas gerados por software mal intencionado na informática, pelo que
surgiu uma nova definição para esses problemas que podem colocar em causa a
informação: o “Malware”, ou software malicioso.
Malware é um pedaço de código que altera o funcionamento ou do
sistema operativo ou de algumas aplicações, sem o consentimento do utilizador,
de tal forma que é impossível detetar essas alterações usando a documentação
do sistema operativo ou das aplicações afetadas[5].
Assim, o vírus do computador não é a única ameaça aos sistemas de
informação e, consequentemente, à possibilidade de estarmos privados do uso
das tecnologias, existe por exemplo o Spyware, o qual, sendo uma ameaça, não
está na forma de ataque direto, tal como o vírus, mas sim de um ataque
indireto, uma vez que um programa é instalado no sistema e copia informações
de uso que posteriormente envia para terceiros [6]. Outro exemplo são os
ataques por “phishing”, estes podem acontecer por email ou acedendo a páginas
infetadas, e consiste na tentativa de levar o utilizador a introduzir e enviar
informações pessoais sensíveis do ponto de vista da sua segurança [7].
Existem, no entanto, sistemas de proteção, os quais têm acompanhado o
crescimento destas novas ameaças, os antivírus.

Antivírus
Os antivírus são programas desenvolvidos com o propósito de detetar,
neutralizar e remover os vírus dos sistemas. Podemos classificar estes
programas consoante a sua forma de atuar, os que fazem as pesquisas por
assinaturas, os que verificam a integridade dos ficheiros e ainda os que não são

602
baseados na integridade, chamados de heurística, por partirem de hipóteses
para detetar um vírus [8].
Quando um novo vírus é descoberto, este é analisado e é-lhe atribuída
uma assinatura, que não deixa de ser uma sequência de bytes, a qual o permite
identificar, tal como a uma pessoa. Com esta informação, os antivírus baseados
nas assinaturas, depois de actualizarem a sua base de dados, percorrem os
ficheiros na tentativa de encontrar a assinatura de um vírus e caso seja
encontrado será marcado como infetado para posterior acção de remoção [8].
No caso dos antivírus que verificam a integridade, o seu funcionamento
parte do princípio de que um sistema não está infetado, o qual guarda
informações da estrutura de cada um dos ficheiros, logo após uma análise ao
sistema, e assim, usa esses dados para em análises futuras poder comparar as
estruturas e verificar se alterações existiram nos ficheiros indiciando infecção
[8].
Por último, os antivírus chamados de heurísticos, procuram nos ficheiros
instruções típicas dos vírus, o que faz com que, ao contrário dos antivírus por
assinatura, estes sejam mais demorados e também mais susceptíveis de erros
[8].
É importante que o software antivírus atualize regularmente e de forma
automática a base de dados.
Uma vez que vírus não são os únicos responsáveis pela limitação ao uso
dos sistemas de informação, os antivírus passaram a ser ferramentas que podem
ir muito mais além do que a simples protecção contra estas infeções e assim
foram desenvolvidos sistemas integrantes em que se estende a proteção contra
vírus, às tentativas de roubo de dados ou de entidade, ou mesmo à possibilidade
de controlo do sistema computacional, entre outras.
Sendo estas ferramentas imprescindíveis num sistema, várias são as
ofertas que existem no mercado, algumas gratuitas e outras com custos
associados. Todavia, não existe uma relação evidente entre maior ou menor
proteção consoante o custo da solução de antivírus. Contudo existe uma relação
entre as funcionalidades que estas podem oferecer em termos de proteção, ou
até de desempenho.
Torna-se essencial que a procura do sistema de protecção, tenha como
análise todo o sistema computacional, incluindo ainda o tipo de utilizadores, para
que este esteja devidamente protegido, tendo em atenção que não seja esta
proteção a causa do problema, pois, tal como anteriormente referido, a privação

603
no acesso à informação, pode ser causado por uma infecção, por um sistema de
antivírus com pouca protecção e consequentemente a uma infecção, mas
também porque o sistema de protecção pode ter elevada carga computacional e
ser ele mesmo o causador do problema.[9]

Metodologia
O estudo recorreu a uma sondagem, a que responderam 884 pessoas. Foi
pedido aos inquiridos que indicassem o nível de stress causado por um conjunto
de factos, entre os quais se incluem a impossibilidade de utilizar funcionalidades
informáticas, nomeadamente no local de trabalho (cenários possíveis em caso de
ataque por software malicioso), permitindo tirar conclusões, ainda que relativas,
da percepção que o trabalhador tem desse impacto nos seus níveis de stress no
local de trabalho.

Resultados
Há pergunta “Já alguma vez foi infectado por algum vírus ou outro
problema relacionado (malware, spyware, phishing, etc.)?” 74% dos inquiridos
responderam “Sim”, os restantes 26% responderam “Não” (fig. 1).

Figura 1: resultadosà pergunta se já foi infectado por malware

604
Foram colocadas várias situações do dia-a-dia para aferir o nível de stress
que estas provocavam aos inquiridos, com possibilidade de escolha entre cinco
categorias de estados de constrangimento, sendo a figura 2 a representação
gráfica das respostas.

A questão colocada foi: “Indique o nível de stress que cada uma das
seguintes situações provoca no seu dia-a-dia. Sendo 1 para "Não incomoda" e 5
para"Incomoda em absoluto".”
Na observação dos dados, podemos identificar claramente que apenas
nas situações ligadas às tecnologias da informação e comunicação,e mais
concretamente em ficar inibido de usar o computador ou não ter acesso à
internet, mais de 60% das respostas encontram-se nas duas categorias máximas
de constrangimento, incomoda bastante e incomoda em absoluto.

Figura 2: nível de stress no dia-a-dia

605
Na posterior questão foram colocadas várias situações relacionadas com o
uso de tecnologias da informação e comunicação, de igual forma para aferir o
nível de stress que estas provocavam aos inquiridos, em que a forma de
resposta era idêntica à pergunta anterior. Na figura 3 estão representados os
dados das respostas.
A questão colocada foi: “Indique o nível de stress que cada uma das
seguintes situações provoca no uso de Tecnologias de Informação no seu local
de trabalho. Sendo 1 para "Não incomoda" e 5 para "Incomoda em absoluto".”
Das respostas apuradas podemos verificar que as situações propiciadoras
de maior stress são aquelas que estão relacionadas com o barramento do acesso
à informação, sobretudo quando os meios estão disponíveis para serem
utilizados e, seja porque a máquina não funciona, ou porque não existe acesso à
Internet ou porque foi infectado por vírus ou outro tipo de “malware”. Com
exceção do não funcionamento da impressora e de se procurar um ficheiro e não
saber onde este se encontra, todas as questões relacionadas com as tecnologias
de informação e comunicação no local de trabalho revelam claramente que são
situações que incomodam bastante ou incomodam mesmo em absoluto, facto
este, constatado pela análise destas duas classificações, as quais quando
somadas, ultrapassam os 50%. Aqui a dependência do uso das tecnologias de
informação e comunicação está presente, sem a menor dúvida e a sua inibição
potencia o aumento dos níveis de stress.

Figura 3: nível de stress no local de trabalho

606
Limitações
Apesar de a amostra ter uma dimensão considerável, não foi possível
comparar a sua constituição com a população, por não ser conhecida a
caracterização da população ativa que recorre a tecnologias de informação online
no seu local de trabalho.

Conclusão
Foi possível concluir que a inibição de uso das Tecnologias de Informação
no local de trabalho é um factor altamente perturbador do estado de espírito do
utilizador, superior a tarefas normalmente associadas a stress, como:“Perder o
autocarro ou ficar preso no trânsito; Não poder atender uma chamada e depois
não ter saldo para retribuir; Esperar na fila de um qualquer serviço público;
Tomar conta de uma criança durante um dia inteiro”. Assim, uma vez que se
demonstrou que o software malicioso é causa de: “O computador não funcionar;
A rede informática não funcionar; A impressora não funcionar; O correio
electrónico não funcionar; Não ter acesso à internet; Lentidão no acesso à
informação; precisar de um ficheiro e não saber onde se encontra” e que, no
outro extremo, um antivírus com excesso de carga computacional também
resulta em redução da eficiência do sistema, conclui-se que a adopção de um
sistema de protecção antivírus correcto é crítico para o controlo dos níveis de
stress laboral. Posto isto, as organizações poderão/deverão ter em atenção os
resultados deste trabalho quer na escolha do software de protecção da sua rede
informática, quer na gestão de falhas do sistema.

Agradecimentos
Este trabalho foi parcialmente financiado por Fundos FEDER através do
Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos
Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do
Projeto: FCOMP-01-0124-FEDER-022674.

Referências
[1] Lopes, I. (2010). Políticas de segurança na administração local.
Revista Interface - Administração Pública, 53(163), 5–9

607
[2] Straub, D. W., &Welke, R. J. (1998). Coping with systems risk:
security planning models for management decision making. Mis Quarterly, 22(4),
441–469.
[3] Definição de vírus no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora
- Acordo Ortográfico. (sem data). Obtido Julho, 2012, de
http://www.infopedia.pt/
[4] Spafford, E. H. (1994). Computer viruses as artificial life. Artificial
Life, 1(3), 249–265.
[5] Rutkowska, J. (2006). Introducing stealth malware taxonomy.
COSEINC Advanced Malware Labs. Obtido de
http://66.14.166.45/whitepapers/compforensics/malware/rk/Introducing%20Ste
alth%20Malware%20Taxonomy.pdf
[6] Stafford, T. F., &Urbaczewski, A. (2004). Spyware: The ghost in the
machine. Communications of the Association for Information Systems, 14, 291–
306.
[7] Tally, G., Thomas, R., & Van Vleck, T. (2004). Anti-Phishing: Best
Practices for Institutions and Consumers. McAfee Research, Mar. Obtido de
http://antifishing.net/sponsors_technical_papers/Anti-
Phishing_Best_Practices_for_Institutions_Consumer0904.pdf
[8] Nachenberg, C. S. (2002, Março 12).Dynamic heuristic method for
detecting computer viruses using decryption ... Obtido de
http://www.google.pt/patents?id=D6SpAAAAEBAJ
[9] Bishop, M., Aeronautics, U. S. N., & Administration, S. (1991). An
overview of computer viruses in a research environment.Obtido de
http://www.cs.dartmouth.edu/cms_file/SYS_techReport/57/TR91-156.pdf

608
TÍTULO: Estudo do Impacto do Uso de ERP na Cloud na Percepção do

Conceito de Trabalho (Impact Study of the Use of ERP in the Cloud in

Perception of Work Concept)

AUTOR(ES): Carlos Dias1 (crd@sapo.pt), Sérgio Tenreiro de Magalhães1,2

(stmagalhaes@braga.ucp.pt) e Vítor J. Sá1,2 (vitor.sa@braga.ucp.pt)

INSTITUIÇÃO: 1Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de

Braga - Faculdade Ciências Sociais; 2Universidade do Minho, Centro

Algoritmi

Resumo
Com o surgimento da Cloud Computing, e com a evolução geral dos sistemas de
computação, já é possível aos utilizadores acederem a plataformas integradas
web, oferecendo estas diversas ferramentas, nomeadamente ERPs de gestão que
permitem ser acedidos dentro e fora das organizações. Não necessitando de ser
instalados numa máquina fisica para funcionar, podem ser utilizados a partir de
qualquer computador sem que a respectiva aplicação esteja configurada
localmente, estando apenas dependente de uma ligação à internet. Perante este
cenário, pretendeu-se saber quais os impactos que esta realidade pode ter no
dia-a-dia do utilizador. Para tal, recorreu-se a uma sondagem à qual
responderam 225 pessoas. Os resultados apresentam, a 95% de confiança, um
erro máximo de 5.3%. Concluiu-se que ERP de Gestão na Cloud ainda é um
conceito ignorado pela maioria dos utilizadores, existindo muitas dúvidas e
receios quanto à sua utilização.

Glossário
Cloud Computing – Computação na nuvem;
ERP Entreprise Resource Planning – Sistemas de Gestão Integrados.

Palavras-chave
Confiança, Cloud Computing, ERP.

Abstract

609
With the advent of Cloud Computing, and the general evolution of computing
systems, it is possible for users to access web integrated platforms, providing
these various tools, including management ERPs that allow to be accessed inside
and outside the organization. Not needing to be installed on a physical machine
to operate, can be used from any computer without the respective application is
configured locally and is only dependent on an internet connection. Against this
background, we sought to know what the impacts that this reality can have on a
day-to-day user. For this purpose, we used a probe which responded 225 people.
The results show, with 95% confidence level, a maximum error of 5.3%. It was
concluded that Management ERP in the Cloud is still a concept ignored by most
users, and there are many doubts and fears about its use.

Keywords
Trust, Cloud Computing, ERP.

Introdução
As soluções informáticas destinadas a fornecer informação aos vários
níveis de gestão organizacional sofreram ao longo do tempo, como toda a
tecnologia, uma evolução nos paradigmas que as suportam. A recente tendência
para a computação e o armazenamento distribuído gerou também novas
alterações na forma de apresentar os serviços digitais. Em destaque tem estado,
por exemplo, a Google que fornece um conjunto de serviços digitais,
disponibilizados na Internet e com alojamento da informação fora dos sistemas
computacionais dos clientes.
Os sistemas de Enterprise Resource Planning (ERP), críticos na gestão de
organizações com alguma dimensão, começam a apresentar soluções assentes
neste novo paradigma a que se tem chamado de computação/armazenamento
na “Cloud”. Este estudo pretendeu apurar se o facto de a informação crítica da
organização estar localizada e acessível fora do seu perímetro de segurança,
com potenciais impactos positivos e negativos, gera uma alteração da percepção
que o trabalhador tem daquele que é o seu papel na organização.

Paradigmas de computação em ERPs

610
Seguindo a evolução geral dos sistemas computacionais, os ERPs
evoluíram desde um paradigma altamente centralizado, até aos actuais sistemas
fortemente distribuídos.
Toda esta evolução teve início com o Mainframe, um computador de
grandes dimensões, dedicado ao processamento de grande quantidades de
dados, e que ao mesmo tempo liga diversos utilizadores aos seus terminais,
directamente ou através da rede [1].Com a evolução das novas tecnologias,
rapidamente se pode reduzir o tamanho do computador, designado por
computador pessoal, e com a compactação dos componentes hoje em dia
dispomos de smartphones e tablets com os seus próprios sistemas operativos.
Além da evolução dos computadores, osurgimento da internet, e a sua
própria evolução cada vez com maior velocidade de transmição de dados,
possibilitou a ligação dos computadores, entre si, ao nível mundial, e como tudo
tende para a evolução, a internet também evoluiu,surgindoo conceitoCloud
Computing.Consistindo num novo conceito de consumo de tecnologia através da
internet, assenta na lógica da partilha de recursos através da rede web,
apresentando um leque de serviços integrados disponíveis a qualquer momento
e em qualquer lugar, pois as aplicações ficam alojadas fora do parque
tecnológico dos utilizadores.
Não foi só o hardware que teve uma evolução, mas também o software
está a evoluira passos largos. No início eram construídos softwares por módulos,
mas hoje já se encontram agrupados tal como acontece nos ERPs (Enterprise
Resource Plannig) - um sistema informático concebido para dar respostas aos
diversos departamentos empresariais, reunindo toda a informação numa única
base de dados [1].
Com toda esta evolução, os ERPs, como era de esperar, também estão
disponíveis em versão Cloud,desta forma os utilizadores deste tipo de software
não necessitam de grandes investimentos para o uso dos mesmos, sendo
suficiente uma ligação à web através de qualquer computador para poder
usufruir dos mesmos.

Metodologia
O estudo recorreu a uma sondagem, a que responderam 225 pessoas.
Foram excluídos aqueles que informaram não conhecer o conceito de ERP Cloud,
o que representou uma limitação aos resultados.

611
Os resultados apresentam, a 95% de confiança, um erro máximo de
5.3%.
As questões colocadas foram as seguintes:
• Conhece o ERP de Gestão na Cloud?
• Considera a informação introduzida no ERP de Gestão na Cloud, segura?
• Neste tipo de ERP de Gestão na Cloud, na sua opinião, a quem pertencem
as Bases de Dados?
• Com a utilização do ERP de Gestão na Cloud, pode trabalhar...
• Acha que o facto de trabalhar na cloud pode afectar as relações
interpessoais com os colegas de trabalho?
• Acha que num futuro próximo, a entidade empresa laboral pode deixar de
existir e começa a trabalhar a partir de casa?
• Num ambiente destes em que podemos trabalhar a partir de casa,
podemos perder a socialização e temos a tendência para o isolamento?

Resultados
Relativamente à questão, “Conhece o ERP de Gestão na Cloud?”,
podemos concluir que, por parte dos utilizadores frequentes da internet, ainda
existe o desconhecimento da aplicação. Este desconhecimento pode originar o
receio da utilização deste tipo de tecnologias, mesmo que traga benefícios
directos aos seus utilizadores .

(Gráfico 1)

Ao nível da segurança, parece não existir receios por parte dos


utilizadores que conhecem o conceitoem colocar a informação crítica, sigilosa, da
organização numa aplicação que desconhecem a sua localização física. Perante a

612
segurança os utilizadores, não se encontram preocupados com a informação
depositada na Cloud, sentindo-se seguros com a segurança que a Cloud oferece.

(Gráfico 2)

A Cloud é um conceito que ainda gera bastantes dúvidas, quer ao nível do


uso da ferramenta, quer ao nível da pertença da informação alojada na Cloud.
Os utilizadores ainda têm bastantes dúvidas de como funciona os ERPs de
Gestão na nuvem, desconhecem potencialidades que podem usufruir, diminuindo
o stress com a segurança e tratamento de dados, assim como, as desvantagem
que dele possam surgir , aumentando o nível de stress pela desconfiança do
sistema, embora sintam segurança no sistema.

(Gráfico 3)

Os utilizadores que dominam o conceito, gostariam de usar esta


tecnologia de informação, de forma a usufruirem de uma maior zona de conforto
pessoal, evitando o stress diário com as deslocações para o local de trabalho,
assim como os horários dos mesmos, e com situações que inesperadamente

613
surgem no dia-a-dia, aumentando o stress face ao problema encontrado versus
tempo de realização, isto é, dentro do horário laboral.
Com a Cloud os utilizadores vêm a possibilidade de trabalhar nas suas
zonas de conforto, como em casa, no café ou até mesmo na praia, sendo os
locais onde por norma os utilizadores se refugiam para libertar o stress diário
obtido no trabalho.

(Gráfico 4)

Além de ser uma coisa positiva a nível emocional e psicológico, o facto de


poder trabalhar em locais onde a zona de conforto e confiança do utilizador é
grande, podemos ver, numa das questões seguintes, que afinal também existe
receios com o desempenho das funções exercidas na Cloud.
Ao responder a esta questão, os questionados provavelmente estariam a
reflectir sobre o ambiente pessoal encontrado nas suas organizações, a mútua
ajuda, a troca de vivências e mesmos os jantares entre colegas de trabalho. Os
inquiridos acham que todos estes factos não sofrem alterações se trabalharem
na Cloud.

(Gráfico 5)

614
Nesta questão os inquiridos encontra-se divididos, pois na utilização das
novas tecnologias que lhes permite trabalhar de qualquer lado, alguns
utilizadores olham para esta ferramenta de forma a exercerem as suas funções
diárias a partir da sua zona de conforto intima, no seu espaço de confiança,
contendo custos com alimentação, transportes e até a redução de stress com as
filas de transito e o cumprimento de horário de trabalho na primeira hora.
Por sua vez, também existem utilizadores que tem a necessidade de ter
uma barreira emocional e física. Existe a necessidade de separar o tempo e
espaço de trabalho, do tempo e espaço pessoal.

(Gráfico 6)

Esta questão também tem um empate técnico, pois os utilizadores


encontrar um receio, uma desvantagem às vantagens que vinham a encontrar
com o uso da Cloud.
O facto de poderem trabalhar na sua zona de conforto, pode trazer
receios e níveis de stress elevados, pois receiam perder a socialização, motivada
pelo isolamento do desempenho das suas funções, a partir das suas residências.
Existe o receio de o humano perder o conceito social e viver através do
conceito virtual, este facto pode gerar conflitos morais, que pode ser a perda de
identidade e socialização motivada pelo isolamento.

615
(Gráfico 7)

Conclusões
O ERP de Gestão na Cloud ainda é um conceito ignorado pela maioria dos
utilizadores das tecnologias de informação.
O conceito Cloud é desconhecido, mas muitas das vezes utilizado
inconscientemente por parte dos utilizadores, atravésde ferramentas que a
própria web fornece.
Neste caso ainda existem muitas dúvidas e receios no uso das aplicações
na web, quer pelas vantagens que podem oferecer, quer pelas desvantagens
com grande relevo para os valores sociais, que pode dar origem ao isolamento
social, motivo de causa de stress ao utilizador.

Agradecimentos
Este trabalho foi parcialmente financiado por Fundos FEDER através do
Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos
Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do
Projeto: FCOMP-01-0124-FEDER-022674.

Referências
[1] Klaus, Helmut, Rosemann, Michael, & Gable, Guy G. (2000) Whatis
ERP? Information Systems Frontiers, 2(2), pp. 141-162.

616
TITULO: A gestão do conhecimento em Portugal

AUTOR(ES): Conceição Viterbo

INSTITUIÇÃO: Instituto Superior de Engenharia do Porto

O objetivo genérico deste trabalho é avaliar de que forma o clima organizacional


e o contrato psicológico, mediante a satisfação laboral, influenciam a gestão do
conhecimento nas empresas de consultoria informática do distrito do Porto.
Utilizamos o Directório Global das Tecnologias de Informação e Comunicação
2011/12, para identificar as empresas. Das 122 empresas identificadas e
contactadas, 17 empresas acederam a participar, resultando por isso uma
amostra constituida por 187 sujeitos.
Realizamos um estudo quantitativo e correlacional, com recolha de dados
através de questionário eletrónico, enviado à Gerência / Diretor de Recursos
Humanos.
Na análise dos dados obtidos e para comparar os valores médios das variáveis
em estudo e das variáveis socio-demográficas, recorremos ao teste t de Student
(SPSS v17). Através da Análise de Equações Estruturais (AMOS 20) examinamos
o teste de hipóteses definido. Verificamos que a satisfação tem um impacto
positivo e significativo na gestão do conhecimento e que os climas de inovação,
regras e metas são predictores da gestão do conhecimento. Comprovamos que a
satisfação é uma variável moderadora entre o clima de apoio e a gestão do
conhecimento. Confirmamos que apenas estão presentes efeitos indiretos entre
o contrato relacional e a gestão do conhecimento.
O estudo apresenta algumas fragilidades, tais como o número de sujeitos da
amostra e os instrumentos usados (que avaliam a perceção dos inquiridos).
Contudo e em termos práticos, este estudo permite às organizações e aos
próprios colaboradores aprender e compreender o que poderão fazer para que a
mútua relação seja favorável para ambos.
Embora individualmente as variáveis estudadas proliferem na literatura
científica, esta investigação é inovadora já que congrega as variáveis clima,
contrato psicológico e satisfação no trabalho e analisa o seu comportamento face
à gestão do conhecimento.

617
Palavras-chave: gestão do conhecimento, clima organizacional, contrato
psicológico, satisfação no trabalho.

618
TÍTULO: Are Lifelong Learning centers “great places to work”? The

Relationship between occupation, work orientation and climate

perceptions in a special kind of educational system

AUTOR(ES): Vitor Manuel Monteiro Seco (victor.seco@gmail.com) e

Miguel Pereira Lopes (mplopes@iscsp.utl.pt)

INSTITUIÇÃO: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas -

Universidade Técnica de Lisboa, Polo Universitário da Ajuda

ABSTRACT

Purpose - This study aims to understand the way in which people regard their
work (work orientations) and the six dimensions of the authentizotic
organizational climate (climate facets) and how these contribute towards the
building of Great Places to Work.
Research Methods/Approach - During a professional convention, data was
collected through a questionnaire, which required employed adults, at
managerial and staff levels in a Portuguese governmental LifeLong Learning
initiative, to report their perceptions of organizational climate and work
orientations. Exploratory and Confirmatory Factor Analysis. The relationship
between the variables was calculated by means of Pearson’s correlations.
Findings - The results suggest that the six facets of authentizotic climates could
be related to the work performed. Despite this, most of the work orientation
dimensions did not correlate with the occupations of the sample. However,
seeing one’s work as a calling is more powerful for those at low and middle
professional occupational levels.
Implications for Research and Practice - We explore the implications of our
findings in relation to the literature on educational occupations and human
resources concerning healthy contexts and political decision-making.

Keywords: Work Orientation; Authentizotic Organizational Climates; Great Places


to Work; Lifelong Learning; New Opportunities Centers.

619
…“Other orientations toward work certainly exist; work can
be experienced as an alienating grind, an opportunity for
challenge and growth, or any number of other framings.
But callings have stolen center stage in our imaginations
as offering some sort of special gateway to fulfillment and
meaning in work.”
Wrzesniewski, A. (2011)

INTRODUCTION
Since the beginning of the 1970’s we have witnessed the emergence of a
new educational paradigm. Differing significantly from the traditional one, which
was based on “preparing for life”, adopted by adults who try to instill society’s
principles and values in children and adolescents, since this paradigm is
essentially on a lifelong scale. A special interaction has been created between
education and each member of the community. As in Blue Mountain, studied by
Giles and Hargreaves (2006, pp. 136-150) “the school established the idea of
being a “learning community” as the core of its mission.” Then the andragogy
construct, elaborated by Knowles (1984 and 1990), and explained later by
Kathleen M. Brown (2006) “as the art and science to help others to learn”,
appears to help governments and politicians to decide a better future for all.
On the other side of the bench the quality of life related to those within
the educational process is crucial in order to develop countries and civilizations
as there are many people in the world who develop lifelong learning processes.
Those persons need to be engaged in doing their job, because working with
adults and their problems is not easy and entails more than merely a salary in
return for their work. It is far more than simply a well-paid job and a structured
career, working in a lifelong learning center requires a special kind of dedication
and a humanitarian predilection towards caring for people. When employees feel
that the organization cares for and is helpful to the whole community, they feel
that they are performing meaningful work. As Kets de Vries (2001, p. 107)
argues, “meaningful activity at work becomes a way to transcend personal
concerns; it becomes a way to create a sense of continuity. Leaving behind a
legacy through work becomes an affirmation of the person’s sense of self and
identity; it can become an important form of narcissistic gratification.”

620
Meaningful work fosters the employees’ self-esteem, hope, health, happiness
and sense of personal growth (Csikszentmihalyi, 2003; Kets de Vries, 2001).
As such, in the current study it is very important to stress Calling as the
Portuguese NOCs most perceived work orientation. As meaningful places to
work, along with professionals touched by calling and in addition to their
authentizotic climate facets, they become “great places to work”, thus defining
NOCs as nontoxic places to work. The NOCs organizational structure, an
innovative group in Portuguese public administration, includes clear political and
operational levels so misunderstandings or interferences between “workers” and
managers are reduced. In public schools in particular, the NOCs represent a new
leadership formula. Those who work in low structural/technical levels are directly
responsible for the success of their own work and that is reflected directly in the
NOCs fixed goals.
Given this, the present paper aims to elucidate on the importance of the
work orientation Calling, its structure, content and the very essence of the
construction of special and great places to work. To achieve this goal we explore
correlations between perceived work orientations, authentizotic climates and the
occupations of the professionals. This paper is structured as follows. After
explaining what work orientation is and which components the construct is
comprised of, we will explore the concept of “Best places to work” and the
relationship with the “authentizotic organizations” construct to capture their
climatic characteristics and the essence of these vibrant and meaningful
workplaces. Next, we will develop some political, physical and professional
observations concerning the occupations performed by the respondents. We will
then follow the usual format: method, results, discussion and conclusions. The
main limitations of the research and suggestions for future research are also
explored.

Work orientations
Employees increase their commitment and quality of life due to
satisfaction with work (Loscoco & Roschelle, 1991, Wrzesniewski et al, 1997).
People who consider their work as a Job live simply to earn money, as that
allows them to do whatever they wish to do outside of their job. They have little
investment and gain little satisfaction other than the paycheck. As Wrzesniewski
et al (1997) said, “The major interests and ambitions of Job holders are not
expressed through their work” (p. 22). When work is perceived as a job, people

621
look forward to taking a break, finishing work, the weekend, public holidays, and
vacations. Outside of their working hours, little or no thought, time, or energy is
devoted to the work. On the other hand, people who believe that the most
important thing in their life is their Career place importance not only on the
money they can possibly earn, but also on their ability to climb to the upper
realms of power or make decisions within their organization. A career is
perceived as a progression of continuous improvement through pay raises,
promotions, better opportunities and experiences regarded as essential to
ongoing advancement. People commit themselves to working far beyond the
normal workday, during evenings, weekends, and vacations. As such, they “have
a deeper personal investment in their work and mark their achievements”
(Wrzesniewski et al, 1997, p.22).
Coetzee (2008) presents a valuable theoretical framework (career
enablers, career drivers, career harmonisers, career preferences and career
values) to help individuals recognise the significance of developing their inner
career resources and drawing on these psychological resources to improve their
universal employability characteristics and abilities. Last but not least, we refer
to Calling as the way people live to work. Their work is something that simply
fulfills their lives. They are unconcerned with earnings or career advancements.
A calling is work that a person feels called to do by a higher power. Work that is
a calling feels like it both contributes to humanity and is also in line with an
individual's purpose in life. Characteristically, people perceiving their work as a
calling indicate they would do the work for little or no pay, so satisfying is it. For
those individuals, it is the work itself which provides satisfaction, rather than any
external recognition or reward. People “find that their work is inseparable from
their life” (Wrzesniewski et al, 1997, p.22). Shoshana Dobrow (2004) proposes a
new calling construct, comprised of seven elements: 1) passion; 2) identity; 3)
need to do it/urgency; 4) longevity; 5) engulfs consciousness; 6) sense of
meaning; 7) self-esteem. The author presupposes that having a calling could be
measured, and its background and consequences (behavioral, cognitive, and
affective) could be explored.

Best places to work


The “Best places to work ” project started in the United States less than
30 years ago (Levering & Moskowitz, 1983). The purpose was to select and
announce the names of organizations with good practices towards their

622
employees. The design of the project belongs to the Great Place to Work
Institute, located in San Francisco, which surveys American and, more recently,
European, Latin American and Asian workplaces, giving employees the
opportunity to evaluate their company regarding its philosophy, policies and
practices. Every year, since 1998, Fortune magazine has published the names of
the “100 best workplaces to work” (e.g., Levering & Moskowitz, 1998, 2003).
The evaluation model includes five dimensions: credibility, respect, fairness,
pride and camaraderie. The model represents the commonly accepted expression
of a focus on the human side of the organization, and is also present in projects
all over the world. The “best places to work” model received the support of the
European Commission (European Commission, 2001), which also set it up as a
way to disseminate best practices of human resource management in the
European Union and as a way to promote corporate social responsibility (Rego e
Cunha, 2005, p. 4).

Authentizotic organizations
The “great places to work” concept is related to the authentizotic
organizations construct referred to by Kets de Vries (2001). In books such as
“Coach and Couch” and “The Leader on the Couch”, Kets de Vries suggests that
organizations should be, what he calls, ‘authentizotic.’ Based on the Greek words
authenteekos (‘authentic’) and zoteekos (‘vital to life’), he says these are
organisations in which “you really feel alive” and are a “flag to show these are
the best companies to work for.” An in-depth analysis of these companies
reveals that they are steeped in human values, such as trust, fun, candor,
empowerment, respect for the individual, fairness, teamwork, customer
orientation, accountability, continuous learning, and openness to change. These
companies are also distinguished as being family friendly. These characteristics
go a long way toward explaining the success of many of Fortune’s forward
thinking organizations. After carrying out exploratory and confirmatory factor
analyses on a measure of the six authentizotic dimensions, Rego and his
colleagues (2004 & 2005) came to a six-factor model: spirit of camaraderie;
credibility of the leader; open and frank communication with the leader;
opportunities for learning and personal development; fairness/equity; work-
family conciliation. The model fits the data well, reliabilities are satisfactory, and
the six climate types predict significant variance of intent to leave, organizational
commitment and individual performance (Rego, 2004; Rego & Souto, 2004a,

623
2004b; Rego, Cunha & Cardoso, 2005; Rego & Cunha, 2005). These findings are
important because they suggest that an exemplary workplace reduces staff
turnover, and promotes organizational commitment, individual performance and
organizational effectiveness. These dimensions are crucial for the understanding
of work orientations, especially if we test how the occupation performed
correlates with that relationship and we could find evidence of healthy
organizations to work in. Based on the aforementioned research findings and the
specific characteristics of those LifeLong Learning organizations (NOCs - New
Opportunities Centers), the following hypothesis was formulated:
H1 Perceived facets of authentizotic climates are significantly related to
work orientations.
H2 Occupations performed are significantly related to perceived facets of
authentizotic climates.
H3 Occupations performed are significantly related to work orientations.

METHOD

Sample
The participants were a convenience sample of employed adults at
managerial and staff levels in a Portuguese governmental LifeLong Learning
initiative. They came from different northern Portuguese locations. Of the 168
respondents, 75% were female, with a mean age of 34.1 years (age range 20–
59). This sample included individuals in a range of occupations related to NOCs,
including directors, coordinators, diagnosis and “pathfinder” counsellors,
recogninizing and validating competences counsellors, trainers, external
evaluators and administrative technicians, distributed as we can see in Table 1.
We have chosen a special type of LifeLong Learning organization found in
Portugal: The New Opportunities Centers. These organizations are generally
composed of young people, who are extremely intrinsically motivated and who
have a high level of training. In 2000, a National System of Recognition,
Validation and Certification of Competences (RVCC) was created in Portugal
resulting from the principles stated in the Memorandum on Lifelong Learning
(2000) and the so-called Lisbon Strategy (2000, 2005 e 2008). NOCs were
created with the main goal of implementing this system, so that adults could be
qualified with a diploma of either basic education level or of secondary education
level. In order to put this into context it seems relevant to clarify that NOCs are

624
officially defined in legal documents as gateways for LifeLong Learning. On
arrival at a New Opportunities Center, adults are interviewed and then go
through a so-called diagnosis step, devised to make them aware of their
competencies and the knowledge acquired throughout their lives (lifelong and
life wide). It seems relevant to mention that each NOC has a technical-
pedagogical team which is composed of: the NOC director, who represents the
center; the pedagogical coordinator, who is responsible for pedagogical,
technical and evaluation supervision; the diagnosis and “pathfinder” counselor,
who gives the adult advice on the best pathway to achieve qualifications
according to his/her character and life experience; the recognizing and validating
competences counselors, who counsel and guide the adults and coach the adults
through the RVCC process; the trainers of the different Key Competences Areas
of the Key Competences Frames of Reference for Adult Education and Training
(basic and upper secondary levels), who help the adult to interpret reference
frameworks and validate their competences and the administrative technician,
who develops administrative work and provides front-office service. There is also
an independent element who does not form part of the technical-pedagogical
team but is crucial to the social recognition of the system: the external
evaluator. All of the members of the NOI (New Opportunities Initiative) are paid
either through European funds or by the Portuguese Government (ANQ report to
Confintea 2008). Both private and public NOCs have a similar organizational
system and similar goals. The major differences relate to the financial budget,
leadership practices and human resources management. NOCs represent a new
level of leadership in Portuguese public administration. In 2010, 43% of NOCs
were based in lower secondary and upper secondary state schools. They are
effectively micro organizations inside a bigger one. Locally ruled by the school
directors they have centrally delegated autonomy given by the Agência Nacional
para a Qualificação (National Qualifications Agency). A Quality Chart has been
designed as a guideline for the NOCs activity, namely action paths and
procedures, which establishes national targets for adult qualifications and the
three performance levels to be obtained by each NOC in order to contribute to
the country’s targets. A national IT appliance (SIGO) was also created to store,
manage and supply information on the outcomes of the NOI. Therefore NOCs
seem to represent new challenges for schools through implementing a new type
of educational provision bringing them closer to the local community and through
enabling them to become a kind of lifelong learning and educational services

625
supplier. This has already led to organizational changes in schools. In each case,
a part of the main building or premises has been allocated to the center, its staff
and the adults who are enrolled in the process of recognizing, validating and
certifying competences. Members of the school teaching staff have already been
allocated a specific type of work required by the center. Partnerships with local
companies and businesses have been established, so that their workers could
begin the process of improving their qualifications. The center’s team meets the
adults at their workplaces or villages as this is a more convenient setting for
them. Other issues are the work and tasks performed by teachers. The teacher
who will be in charge of the coordination of the center has to project a certain
image, have leadership and teamwork skills and be available to embrace this
new full time task because he or she will be the key person in the development
of the NOCs activity and of the pedagogical and “curricular” team. The teachers
who work in the center as trainers deal with new work and tasks: they are asked
to uncover and validate competences based on a Key Competences Frame of
Reference. Even teachers can take on the role of counselors having responsibility
for recognizing and validating competences. In former times there were teachers
who volunteered to work in an NOC because they saw it as a challenge,
something new in the Portuguese educational and training system related to
adult education, something which was worth trying. Now, that could prove to be
a weighty obligation owing to teacher unemployment and while some people
may consider that this kind of provision offered by the school is not part of the
teaching profession but in fact a different job, others consider this kind of work
as a despicable job (Cotrim, 2010). Therefore, this seems to be an adequate
context in which to study career orientations. As we have said this sample
included individuals in a range of occupations related to NOCs, including
directors, coordinators, diagnosis and “pathfinder” counsellors, recognizing and
validating competences counselors, trainers, external evaluators and
administrative technicians, illustrated as we can see in the following table.

Table 1

Cumulative
Frequency Percent
Percent

Director 9 5,4 5,4

626
Coordinator 21 12,5 17,9

Trainer 52 31,0 48,8

Diagnosis 15 8,9 57,7

RVCC 60 35,7 93,5

A.Technicians 5 3,0 96,4

E.Evaluators 6 3,6 100,0

Total 168 100,0

Comparative analysis
We have decided, in order to enable cross-referencing with other data, to
group distinct occupations into four dimensions of authentizotic climates of
decision or participation in the RVCC process: directors and coordinators
(political decisions), trainers (school participation), diagnosis and RVCC
professionals (core workers) and lastly administrative technicians and external
evaluators (out-sourcing the process). We present data similar to the study by
Rego & Pina & Cunha (2005), regarding the dimensions of authentizotic climates,
and to the study by Wrzesniewski et al (1997), concerning the way in which
people regard their work.

Procedure
During a professional convention, we initiated our investigation by
collecting data through a questionnaire, which required individuals to report their
perceptions of organizational climate and work orientations.

Measures
Authentizotic dimensions. Studies conducted by (Rego, 2004; Rego & Souto,
2004a, 2004b; Rego et al., 2005; Souto & Rego, 2003) confirmed the reliability
and validity of the questionnaire in both Portuguese and Brazilian contexts. It is
comprised of 21 six-point self-report scales, measuring the six authentizotic
dimensions described above. A six-point scale ranging from “the statement is

627
completely false” to “the statement is completely true”. Table 2 provides
examples of the issues associated with each dimension.
Table 2

There is a great team spirit.


Spirit of
There is a sense of family between the employees.
Camaraderie
People show concerns for the well-being of the others.

The organization atmosphere is friendly.

Trust and Leaders fulfill their promises.

credibility of the People trust their leaders.

leaders People feel that the leaders are honest.

Open and frank People feel free to show discordances to their leaders.

communication People feel free to communicate frankly and openly with the leaders.

with the leader It is easy to talk withpeople placed at higher positions in the organization.

Opportunities People feel that important responsibilities are assigned to them.

for learning and People can place their creativity and imagination in benefit of the work and the

personal organization.

development People feel that they can learn continuously.

People feel that they can develop their potential.

When good outcomes are reached through the employees’ efforts, the “laurels” (e.g.,

Equity/fairness compensation and praise) are distributed only to a few managers. (r)

There is personal favoritism in the promotions. (r)

People feel discriminated. (r)

To advance in the career, it is necessary to sacrifice the familiar life. (r)

This organization helps employees to reconcile work and family life.

Work-family The organization acts in order to allow people can conciliate work with their familiar

conciliation responsibilities.

The organization creates conditions so that people can keep up the children’s

instruction.

Note: ( r ) means inversed item Adapted from Rego e Cunha (2005)

628
Exploratory Factor Analysis, after varimax rotation. We have found five
factors similar to those of Rego (2003) and similar data is in table 3. The factors
worked on by Rego (2005) at a later date are presented in the left-hand column.

Table 3

Factor Factor Factor Factor Factor


1 2 3 4 5
(0,77) (0.89) (0.67) (-0.31) (0,72)

There is a great team spirit. 0.864


There is a sense of family between the employees. 0.773
People show concerns for the well-being of the others. 0.628
The organization atmosphere is friendly. 0.445

Leaders fulfill their promises. 0.680


People trust in their leaders. 0.698
People feel that the leaders are honest. 0.743

People feel free to communicate frankly and openly with the leaders. 0.770
People feel free to show discordances to their leaders. 0.797
It is easy to talk with people placed at higher positions in the organization. 0.710

People feel that important responsibilities are assigned to them. 0.622


People can place their creativity and imagination in benefit of the work and the
0.543
organization.
People feel that they can learn continuously. 0.732
People feel that they can develop their potential. 0.630

When good outcomes are reached through the employee’s efforts, the “laurels”
0,547
(e.g., compensation and praise) are distributed only to a few managers.(r)
-
There is personal favoritism in the promotions.(r)
0,826
-
People feel discriminated.(r)
0,880

-
To advance in the career, it is necessary to sacrifice the familiar life.(r)
0,698
This organization helps employees to reconcile work and family life’s. 0,666
The organization acts in order to allow people can conciliate work with their 0,681
familiar responsibilities.
The organization creates conditions so that people can keep up the children’s 0,743
instruction.

Note 1: Kaiser-Meyer-Olkin Measure = 0,88 (0,91); Bartlett's Test of Sphericity =


1786,63(2604,99)[p=0,0000]
Note 2: ( r ) means inversed item

629
The findings extracted from the factorial scheme reveal to us that most of
the internal consistency items are above 0,54 except that of the Equity factor
which reports negative values. One probable explanation for that negativity
could be the way question 8, a negatively charged item, may well have been
misunderstood by professionals. In fact, working with people without
qualifications is hard. The “laurels”, namely compensation and praise, are not
the same as in other businesses. So far it is clear that, the most powerful
explanation dimensions are: Spirit of Camaraderie and Respectful Behavior from
the leader (namely, Trust and credibility of the leader and also Open and frank
communication with the leader), which could mean, in our opinion, a great deal
of “complicity” in the local political managers and the followers relationships.

Confirmatory Factor Analysis. The means, standard-deviations and


standardized regression weights (λ) for authentizotic characteristics are
presented in Table 4 and Figure 1.

Table 4

Dimensions of Means Standard Standardized


authentizotic climate deviations Regression
Weights (λ)
Spirit of camaraderie 4,42 0,934
Question 3 4,68 1,180 0,68
Question 12 4,14 1,165 0,66
Question 15 4,35 1,083 0,78
Question 19 4,63 1,075 0,60
Trust and credibility
of the leader 4,40 0,994
Question 6 4,35 1,204 0,60
Question 16 4,36 1,035 0,76
Question 20 4,57 1,092 0,91
Open and frank
communication with
the leader 4,41 1,106
Question 7 4,31 1,243 0,79
Question 17 4,43 1,151 0,96
Question 18 4,55 1,172 0,72
Opportunities for
learning and 4,57 0,836
personal 4,68 1,170 0,33
development 4,70 1,054 0,47
Question 1 4,61 0,922 0,74
Question 4 4,39 1,111 0,84
Question 10
Question 21
Fairness/Equity 3,12 0,896
Question 8 3,77 1,574 0,63
Question 13 2,96 1,732 -0,82
Question 14 2,68 1,617 -0,78
Work-family 3,70 1,008
conciliation 2,64 1,356 0,26
Question 2 4,11 1,345 0,69
Question 5 4,15 1,279 0,90

630
Question 9 3,99 1,252 0,66
Question 11

Adjustment index X2(\df)=325,927; p=,000; x2/df=1,873


Complete CFI=,909; PCFI=,753; GFI=,851; PGFI=,641
standardized solution RMSEA=,072; P(rmsea<=0,05)=,002

Figure 1
Confirmatory factor analysis
Authentizotic dimensions

631
We must point out the most powerful results (>= 0,75) on confirmatory
analysis:
Questions 20, 16 and 17, highlight two special traits of Portuguese NOCs,
the perceived honesty and frank communication of the leader. There is a
perception of a respected and frank relationship between leaders and followers;
Question 15 shows the perception of the NOCs’ spirit of camaraderie, which is
related to work connections, levels of performance and common professional
purposes; Question 21 reflects the NOCs’ employees’ perception of opportunities
for their potential development; Questions 13 and 14 show the NOCs’ members’
perception of equity; finally Question 9 suggests, that professionals perceive that
NOC organizations act in order to enable people to balance work with their family
responsibilities.

Work orientations. We have used a translated adaptation of the “University of


Pennsylvania WORK-LIFE questionnaire” used by Wrzesniewski et al (1997). We
have translated the 18 items into Portuguese asking about specific aspects of
relationships at work ignoring the authors’ true-false proposition. A five-point
Likert-type scale was used for the subjects’ responses to each of the 18 items.
Table 5 shows some examples of the issues associated with each relationship.

Table 5

I am very conscious of what day of the work week it is and I greatly


Job anticipate weekends. I say, ‘‘Thank God it’s Friday!’’

I am eager to retire.

I expect to be in a higher level job in five years.


Career
I feel in control of my work life.

My work makes the world a better place.


Calling
I tend to take my work with me on vacations.

Assuming that “the job-career-calling distinction is not necessarily


dependent upon occupation” (Wrzesniewski et al, 1997), our aim was to observe
whether the three distinct ways people regard their work are available in our
sample. We grouped the questions according to Wrzesniewski’s perception of

632
each dimension. A five-point scale is used ranging from “strongly disagree” to
“strongly agree”.
The exploratory factorial analysis results show Cronbach’s work
dimensions alphas are 0,482 for Job, -0,205 for Career and 0,534 for Calling.
Cronbach’s alpha value of Career dimension is negative, due to a negative
average covariance among items that defy the assumptions of the reliability
model, and so this dimension failed. We have also tried to improve our study
regarding the other two work orientations. So we have eliminated items number
2 and 15 on the reliability analysis of the Job dimension and number 5 on the
Calling dimension. Then we obtained better Cronbach’s alphas of 0,517 for Job
and 0,609 for Calling respectively. We conclude that this instrument was
psychometrically acceptable despite constraints.

RESULTS
The relationship between the variables was calculated by means of
Pearson’s correlations. This method allowed the researcher to identify the
direction and strength of the relationship between each of the variables. As
shown in Table 6, significantly positive and negative relationships were observed
between occupations and authentizotic climate dimensions, job and calling work
orientations.

Table 6
Pearson’s correlations
Job Calling Occupation

Spirit of camaraderie
-0,065 0,161* -0,182*

Trust and credibility


-0,112 0,289** -0,210**
of the leader

Open and frank


communication with -0,157* 0,298** -0,246**
the leader

Opportunities for
learning and
-0,267** 0,257** -0,294**
personal
development

Fairness/Equity 0,044 -0,098 0,118

Work-family -0,010 0,245** -0,150


conciliation

633
Occupation 0,202** -0,156* -

**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).


*. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).

The significant correlations range from r = -0,294 to 0,298 (p ≤ 0,01)


and from r = -0,182 to 0,161 (p≤ 0,05). Table 6 shows a significant positive
relationship between the climate dimensions and calling. Calling has significant
positive Pearson correlations with every climate dimension [from r = 0,245 to
0,298 (p≤ 0,01)], with the exception of equity. Job has only two [r= -0,157 (p≤
0,05) and r= -0,267 (p≤ 0,01)] significant negative correlations with climate
dimensions. Based on the statistical results, H1 (perceived facets of authentizotic
climates are significantly related to work orientations) is only partially accepted
with calling. Table 6 shows that every climate dimension has a significant (0,01
level) negative Pearson correlation with occupation performed, with the
exception of Equity. As we have put occupations in the following order [directors
and coordinators (political decisions = 11), trainers (school participation = 12),
diagnosis and RVCC professionals (core workers = 13) and, in last place,
administrative technicians and external evaluators (out-sourcing the process =
14)] we could conclude that, the facets of authentizotic climates are more
perceptible for people placed on lower levels of decision-making. Focusing on the
statistical results, H2 (occupations performed are significantly related to
perceived facets of authentizotic climates) is totally accepted. Table 6 present
Calling as having a significant negative Pearson Correlation (r= -0,156, p≤ 0,05)
with occupation performed. At the same time Job has a significant Pearson
correlation (r= 0,202, p≤ 0,01). This means that H3 (occupations performed are
significantly related to work orientations) is almost totally accepted.

DISCUSSION
The study explored the relationship between occupation performed in
relation to the authentizotic climate dimensions and work orientations, both
together and separately. There seems to be a need for research on how the
perceived psychological facets of authentizotic climates enhance individuals’
calling and job orientations in the construction of a great place to work. Although
not all of the research hypothesis were accepted, our results indicated a number
of significant relationships between the variables which provided valuable

634
pointers about the relationship between the variables of concern to the present
study. The following socio-demographic characteristics of the sample were kept
in mind when interpreting the data: the participants were predominantly
employed and were mainly women in their early adulthood life/career stages,
mostly occupying middle level staff positions in the field of RVCC training and
education.
Overall, the results suggest that participants who value the spirit of
camaraderie in their occupation are also connected to the calling orientation. The
closely related term vocation has been defined as a calling to something larger
than oneself (Greenbalt & Greenbalt, 2001), such as an over-whelming desire to
find meaning in our lives through work (Fine, 2003). Dobrow (2007) found that
among musicians, perceptions of calling were related to the level of involvement
in musical activities, enjoyment of practicing, having parents involved in the
arts, and enjoyment of socializing with other musicians, but not to their level of
ability or demographic variables. Collectively, results from these studies suggest
that adults who view their career as a calling appear to have higher levels of
well-being, work satisfaction, enjoyment of their work, and occupational
commitment. There is a transcendental dimension of work partnership, beyond
work itself, referred to the whole meaning of the work. In addition, the
significant relationship observed between occupation, calling and the work-family
balance values, suggests that participants who value conciliation, deserve to
improve their employability characteristics and abilities, not forgetting their
highly enthusiastic contribution to the organization. These findings are in
agreement with those of Coetzee and Esterhuizen (2010). The authors found
that if people were clear about their career goals, they would be more optimistic
and emotionally balanced. Moreover, as observed by Meyer and Allen (1997),
having the possibility to influence the goals of the organization seems to increase
the participants’ sense of responsibility towards continuing to work for the
organization. It appears that open and frank communication with the leader plus
opportunities for learning and personal development, both related to occupation
performed, tend to increase a sense of accountability in relation to their to
contribution towards making it a Great Place to Work. Kidd (2008) found that
having positive thoughts and clarity about the future relates to positive career
experiences or feelings. In addition, the findings also suggest that having good
climate perceptions would contribute to the strongest orientation, namely
Calling. These findings are in agreement with those of Meyer et al. (1993), who

635
suggest that affective commitment develops when involvement in one’s
occupation proves to be a satisfying experience (for example being given the
opportunity to do satisfying work or to develop valued skills).

CONCLUSION
The findings of this study could have implications for NQA directors,
education politicians and human resource managers who are responsible for
providing good expectations within a healthy context of talent retention. As Rego
& Cunha (2005) said, “if managers aim to build healthy and effective
organizations, they may want need to pay attention to a number of aspects: (a)
their ethical, honest, respectful and trustful way of acting; (b) the opportunities
for learning and personal development that they provide to employees; (c) the
degree to which they take employees as people in search of meaningful work
and a positive sense for life; (d) the honesty and frankness they place in
communicating with subordinates; (e) the ways they allow their subordinates to
strike a balance between work and family; (f) the ways they promote a spirit of
camaraderie and teamwork; (g) the fairness that they express in their decisions,
namely those involving promotions and rewards.” Coetzee and Bergh (2009)
note that career behaviors and career meta-skills may lead to higher levels of
life and career satisfaction and, as indicated by the results of the present study,
through people’s emotional attachment to the organization. Perhaps in this way
there will emerge a true sense of calling. Dobrow (2004) claimed that a calling
can be considered as an extreme form of subjective career success. It is wise not
to forget Hirschi (2010), who says that sense of calling in one’s career is
supposed to have positive implications for both individuals and organizations but
current theoretical development is plagued with incongruous conceptualizations
of what does or does not constitute a calling. Despite its contributions, this study
has several limitations. The main limitation is that the work orientations results,
mostly the career dimension ones, were not in line with the studies which initially
inspired us. Another limitation could be related to the lower lambdas of some
correlations. This research approach would require a larger sample, in order to
find clusters of a significant size and which were more statistically comparable.
Despite these criticisms, the study indicates that all core elements of
authentizotic organizations may widely contribute to management theory and
practice in educational institutions by clarifying what people potentially expect
from their companies: adequate material conditions plus a meaningful

636
contribution. With this paper, we present some evidence of authentizotic
climates in special organizations of LifeLong Learning. We also prove that the
work and tasks performed are significantly related to those climates. Finally we
conclude that there are some NOCs with authentizotic climates and they are
great places to work. Given the lack of empirical evidence and the limitations in
terms of instruments of measurement, we hope that our work will stimulate
more researchers to study other kind of authentizotic, public and private,
organizations.

REFERENCES
Bellah, R. N., Madsen, R., Sullivan, W. M., Swidler, A., & Tipton, S. M. (1986).
Habits of the heart: Individualism and commitment in American life. New
York: Harper & Row.
Brown, K. (2006). Leadership for Social Justice and Equity: Evaluating a
Transformative Framework and Andragogy. Educational Administration
Quarterly, December 2006; 42(5), 700-745.
Burroughs, S. M. & Eby, L. T. (1998). Psychological sense of community at work:
A measurement system and explanatory framework. Journal of Community
Psychology, 26(6), 509-532.
Coetzee, M. (2008). Psychological career resources of working adults: A South
African survey. SA Journal of Industrial Psychology, 34(2), 32–41.
Coetzee, M., & Bergh, Z.C. (2009). Psychological career resources and subjective
work experiences of working adults: An exploratory study. SA Business
Review, 13(2), 1–31.
Coetzee, M., & Esterhuizen, K. (2010). Psychological career resources as
predictors of African graduates’ coping resources: An exploratory study.
Manuscript submitted for publication.
Coetzee, M. et al (2010). Psychological career resources in relation to
organizational commitment: An exploratory study. SA Journal of Human
Resource management, 8(1), 1–10.
Cotrim, A. (2010), The Impact of New Opportunities Centers (NOC) on school
organization and on teachers’ work, Lisbon University, Institute of
Education.
Csikszentmihaly, M. (2003). Good business: Leadership, flow and the making of
meaning. New York: Viking.

637
De Geus, A. (1997). The living company: Habits for survival in a turbulent
business environment. Harvard Business School Press.
Dobrow, Shoshana R. (2004). “Extreme subjective career success: A new
integrated view of having a calling.” Paper presented at the Annual Meeting
of the Academy of Management, New Orleans, LA.
Dobrow, S. R. (2007). The development of calling: A longitudinal study of
musicians. Best Paper Proceedings of the Academy of Management
Conference, Philadelphia.
Duffy, R. D. (2006). Spirituality, religion, and career development: Current
status and future directions. The Career Development Quarterly, 55,
52−63.
Duffy, R. D., & Dik, B. J. (2009). Beyond the self: External influences in the
career development process. The Career Development Quarterly, 58,
29−43.
Duffy, R. D., & Sedlacek, W. E. (2007). The presence of and search for a calling:
Connections to career development. Journal of Vocational Behavior, 70,
590−601.
Elangovan, A. R., Pinder, C. C., & McLean, M. (2010). Callings and organizational
behavior. Journal of Vocational Behavior, 76, 428−440.
European Commission (2000). Commission Memorandum of 30 October 2000 on
lifelong learning [SEC(2000) 1832 final - Not published in the Official
Journal].
European Commission (2001). Promoting an European tramework for corporate
social responsibility. Luxembourg: European Communities.
Fine, R. M. (2003). Career spirituality-Learning the R.O.P.E.S. (ERIC Document
Reproduction Service No. ED480523).
Gavin, J. & Mason, R. (2004). The virtuous organization: The value of happiness
in the workplace. Organizational Dynamics, 33(4), 379-392.
Giles, C. & Hargreaves, A. (2006). The Sustainability of Innovative Schools as
Learning Organizations and Professional Learning Communities During
Standardized Reform. Educational Administration Quarterly, 42(1), 124-
156.
Gomes, M. & Simões, F. (2007). Carta de Qualidade dos Centros Novas
Oportunidades. Lisboa: ANQ.

638
Greenbalt, A., & Greenbalt, P. (2001). Integrating psychology and spirituality
during career exploration. Paper presented at the National Career
Development Association Global Conference, Vancouver, BC, Canada.
Levering, R. & Moskowitz, M (1983). The 100 Best Companies to Work for in
America. New York: Doubleday.
Levering, R. & Moskowitz, M. (1998). The 100 best companies to work for in
America. Fortune, January 12, 26-35.
Loscocco, K. A., & Roschelle, A. R. (1991). Influences on the quality of work and
nonwork life: Two decades in review. Journal of Vocational Behavior, 39,
182–225.
Hirschi, A. (2010). Callings in career: A typological approach to essential and
optional components. Journal of Vocational Behavior, article in press.
Kets De Vries, M. F. R. (2001). Creating authentizotic organizations: Well-
functioning individuals in vibrant companies. Human Relations, 54(1), 101-
111.
Kets de Vries, M. F. R. (2006). The Leader on the Couch: A Clinical Approach to
Changing People and Organizations. New York: Wiley.
Kets De Vries, M. F. R. & Florent-Treacy, E. (1999). Authentizotic organizations
global leadership from A to Z, Fontainebleau: Insead.
Kets De Vries, M. F. R. & Florent-Treacy, E. (2002). Creating high commitment
organizations. Organizational Dynamics, 30(4), 295-309.
Kets de Vries, M. F. R., K. Korotov and E. Florent-Treacy (2007). Coach and
Couch: The Psychology of Making Better Leaders. New York:
Palgrave/Macmillan.
Kidd, J.M. (2008). Exploring components of career well-being and the emotions
associated with significant career experiences. Journal of Career
Development, 35(2), 166–186.
Knowles, M. et al (1984) Andragogy in Action. Applying modern principles of
adult education, San Francisco: Jossey Bass. A collection of chapters
examining different aspects of Knowles' formulation.
Knowles, M. S. (1990) The Adult Learner. A neglected species (4e), Houston:
Gulf Publishing. First appeared in 1973. 292 + viii pages. Surveys learning
theory, andragogy and human resource development (HRD). Meyer, J.P., &
Allen, N. (1997). Commitment in the workplace, theory, research and
application. California: Sage.

639
Meyer, J.P., Allen, N.J., & Smith, C.A. (1993). Commitment to organisations and
occupations: Extension and test of a three-component conceptualization.
Journal of Applied Psychology, 78(4), 538–551.
Moskowitz, M. & Levering, R. (2003). 10 great companies to work for in Europe.
Fortune, January 20, 26-38.
Rego, A. & Souto, S. (2003). Organizações Autentizóticas: uma investigação
sobre a operacionalização do construto. ANPAD.
Rego, A. (2004). Organizações autentizóticas: Desenvolvimento e validação de
um instrumento de medida. Estudos de Gestão – Portuguese Journal of
Management Studies, IX(1), 53-76.
Rego, A. & Souto, S. (2004a). Comprometimento organizacional em
organizações autentizóticas. Revista de Administração de Empresas, 44(3),
30-43.
Rego, A. & Souto, S. (2004b). La relación entre los climas organizacionales
autentizóticos y las variables intención de salida de la organización, el
compromiso organizacional y el estrés. Revista Lationoamericana de
Administración, 32, 77-101.
Rego, A., Cunha, M. P. (2005), Authentizotic organizing and employee
happiness: an empirical study. Working Papers in Management, G/nº7/
2005. Universidade de Aveiro.
Sheep, M. (2006). Nurturing the whole person: The ethics of workplace
spirituality in a society of organizations. Journal of Business Ethics, 66,
357-375.
Souto, S. & Rego, A. (2003). Organizaciones autentizóticas: Un estudio de
validación del constructo en Brasil. Alcance- Administração, 10 (3), 394-
418.
The development and state of the art of Adult Learning and Education (ALE)
(2008), National report of Portugal at CONFINTEA by Agência Nacional para
a Qualificação (National Qualifications Agency).
Wright, T.A., & Cropanzano, R. (2004). The role of psychological well-being in
job performance: A fresh look at an age-old quest. Organizational
Dynamics, 33(4), 338-351.
Wrzesniewski, A. et al, (1997). Jobs, Careers, and Callings: Peoples’s Relations
to their work. Journal of Research in Personality. Volume 31, Issue 1,
March 1997, Pages 21-33.

640
Wrzesniewski, A. (2011). “Callings” in The Oxford Handbook of Positive
Organizational Scholarship, Kim Cameron and Gretchen Spreitzer, Editors,
Oxford University Press, Pages 45-54.

641
642
Simpósios

643
644
TÍTULO: Por uma leitura sui generis do sofrimento e prazer no trabalho

intensificado do professor na universidade pública brasileira: articulações

entre a teoria marxista da subjetividade, psicossociologia e psicodinâmica

do trabalho.

AUTOR(ES): Eduardo Pinto e Silva (dups@ig.com.br)

INSTITUIÇÃO: Universidade Federal de São Carlos – SP - BRASIL

Introdução:
No presente artigo são analisadas as relações entre trabalho e
subjetividade do professor pesquisador da universidade pública no Brasil sob o
foco do sofrimento e prazer no trabalho. A análise teve como base os dados de
duas pesquisas realizadas em sete instituições federais de ensino superior
(SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009; SILVA JÚNIOR; SILVA et. al., 2011).
Defende-se, para além do que se considerou nestas referências, uma análise sui
generis dos sentidos e significados do trabalho do professor que venha a
articular a concepção de sujeito ontológico do materialismo histórico-dialético às
proposições de duas vertentes críticas da Psicologia Social do Trabalho: a
Psicossociologia e a Psicodinâmica do Trabalho.
Procuramos relacionar a alienação e estranhamento do ser social
professor pesquisador no trabalho aos inelimináveis conflitos eu-civilização e eu-
organização e às contradições entre as exigências institucionais e a
subjetividade. Consideramos que conflitos e contradições podem resultar tanto
na produção da sublimação como recair em mero sofrimento senão adoecimento.
Apontamos para a existência de individualismo e competitividade nas relações de
trabalho e para um caráter heterônomo, senão patogênico, dos modelos de
gestão e organização do trabalho. O sofrimento seria, segundo nossas análises,
preponderante, e, ao mesmo tempo, indissociável do prazer no trabalho, ou
seja, a relação prazer-sofrimento se caracterizaria como dialética, histórica e
contraditória.

1. Considerações iniciais sobre Trabalho & Subjetividade do professor e


a interpolação interpelante entre materialismo histórico-dialético,
Psicossociologia e Psicodinâmica do Trabalho.

645
Trabalho e subjetividade envolvem mediações sociais, econômicas,
políticas, ideológicas, culturais, institucionais, organizacionais e grupais. A
complexidade destas mediações nos remete a um largo espectro de perspectivas
teóricas e metodológicas. Nas Ciências Humanas e Sociais são freqüentemente
consideradas as dimensões do poder, do econômico e do institucional. No campo
da Psicologia, as discussões do tema Trabalho & Subjetividade se caracterizam
por especificidades conceituais nem sempre suficientemente desenvolvidas em
outros campos das Ciências Sociais e Humanas. A partir da assimilação de
algumas críticas do materialismo histórico-dialético ao campo da Psicologia, nos
pautaremos em contribuições da Psicossociologia e da Psicodinâmica do Trabalho
que analisam a subjetividade e sofrimento/prazer no trabalho sem desconsiderar
as dimensões sociais, históricas e políticas da condição humana.
Consideramos ser a individualidade indissociável do que Heller (2000),
Lukács (2009; 2010) e Duarte (2004a; 2004b), com base em Marx (1987),
apontam como o caráter humano-genérico do ser social. Segundo nossa
compreensão, as subjetividades são inevitavelmente constituídas em formas
históricas de relações sociais (sociabilidade). Dada a primazia do social,
enfatizamos o equívoco da assunção de uma concepção de sujeito que, explícita
ou implicitamente, o aprisione, de forma idealista, a uma dimensão psíquica
descolada da realidade concreta. O sujeito, ser social, produto e produtor de
determinadas formas históricas de sociabilidade, tem como atividade
fundamental o trabalho. E é sobre a base sócio-histórica, política, econômica,
institucional, cultural e organizacional desta atividade humano-genérica
constitutiva da subjetividade, que, por sua vez, a subjetividade nela se inscreve,
imprimindo as marcas de uma individualidade não redutível ao indivíduo, mas
que o singulariza.
Trabalho & Subjetividade é um tema complexo, situado na encruzilhada
do social com o individual, e que clama por uma interpolação interpelante de
distintas perspectivas teóricas das Ciências Humanas e Sociais. Faz-se
necessário admitir que o debate interdisciplinar por nós proposto não seja
amistoso ou isento de contradições, uma vez que diferentes paradigmas
epistemológico-políticos implicam em concepções de homem e trabalho com
inevitáveis divergências (DUARTE, 2004b).
Ao tomarmos como objeto de análise o trabalho e subjetividade do
professor no contexto da sociabilidade produtiva buscamos a construção de uma
interpolação interpelante entre a visão ontológica do materialismo histórico e as

646
perspectivas da Psicossociologia e da Psicodinâmica do Trabalho. Argumentamos
que os confrontos da Psicossociologia e da Psicodinâmica do Trabalho entre si, e
destas com as concepções de trabalho e subjetividade do materialismo histórico-
dialético sejam tão polêmicos quanto necessários (BASTIDE, 1974). Em linhas
gerais, postulamos que somente por intermédio da perspectiva interdisciplinar e
do enfrentamento das críticas que ela suscita (DUARTE, 2004b) é que se faz
possível aprofundar a compreensão acerca da intricada, indissociável e
contraditória relação entre sociabilidade, trabalho e subjetividade.
Compreendemos que a perspectiva ontológica do materialismo histórico-
dialético (LUKÁCS, 2009; 2010) analisa o trabalho e a subjetividade no interior
da realidade histórica e concreta da existência e desenvolvimento do ser social,
ou seja, em determinadas formas históricas de relações sociais (sociabilidade)
inevitavelmente permeadas por contradições e tensões. Isto significa assumir
que no trabalho o par histórico, contraditório e indissociável, sociabilidade-
subjetividade, se inscreve num complexo categorial que envolve objetividades e
causalidades postas, possibilidades, alternativas, necessidades,
intencionalidades, alienação, estranhamento e átimos de suspensão da vida
cotidiana alienada (LUKÁCS, 2009; 2010; HELLER, 2000). A subjetividade seria
não-reduzida e irredutível, contraditoriamente humanizada e coisificada. A
discussão sobre o papel da subjetividade no desenvolvimento do ser social se
caracteriza como ponto fundamental da perspectiva ontológica:
Pode-se dizer que o percurso intelectual de Lukács é um esforço de mais
de sessenta anos para circunscrever a subjetividade do sujeito, para
definir as condições de uma unreduzierte Subjectivität (uma subjetividade
não reduzida e irredutível) e, mais precisamente, de uma verdadeira
humanitas do homo humanus. Desde os ensaios da juventude, reunidos
no volume A alma e as formas (de 1991), ele tentou, através de
experiências intelectuais audaciosas, algumas das quais foram
abandonadas ao longo do caminho, reencontrar as figuras da consciência
que poderiam dar corpo a uma verdadeira subjetividade do sujeito, a uma
subjetividade que teria enfim estabelecido um equilíbrio entre sua
heteronomia e autonomia (...). Até o fervor com que abraçou o
pensamento de Marx se explica pela convicção de encontrar ali uma
estrutura de pensamento que faz plenamente justiça à subjetividade do
sujeito, levando em conta a multiplicidade dos condicionamentos objetivos
(TERTULIAN, 2001, p.29-30).

647
Segundo Lukács (2009; 2010) as necessidades culturais se caracterizam
por um salto ontológico em relação às necessidades instintuais, argumento este
que, mutatis mutandis, foi sustentado por Freud (1930). Mas, contrariamente ao
viés freudiano, a personalidade não é compreendida como uma estrutura
psíquica relacionada a uma determinada constituição e direcionamento da
economia libidinal, tal como neurose, perversão e psicose. Para Lukács (2010,
p.260-261) o “anseio humano” por uma “generidade autêntica” desempenharia
“um papel decisivo na formação ideológica do fator subjetivo”. A personalidade
se faria presente na inscrição do sujeito na objetividade que o funda, mas que
também é por ele fundada. Na prática do ser social ocorreria uma “valoração
subjetiva” e no “curso da vida de cada ser humano” haveria uma “cadeia de
decisões” e de “inter-relações” que formariam “aquilo que costumamos chamar,
na vida cotidiana”, “o caráter, a personalidade, do ser humano singular”
(LUKÁCS, 2010, p.95-96). Conforme argumento de Lukács (2010), a construção
da subjetividade e do pôr teleológico se daria sob a mediação da consciência e
do gnosiológico. Esta ênfase na consciência foi reconhecida por Tertulian (2001,
p.29-30), que indicou ser o propósito do filósofo “circunscrever a subjetividade
do sujeito” e “reencontrar as figuras da consciência” que dariam corpo à sua
“subjetividade”. A subjetividade se situaria entre autonomia e heteronomia e as
distintas formas históricas de consciência seriam resultantes de um histórico e
irreversível processo de apreensão da realidade (LUKÁCS, 2010), de uma síntese
dialética entre estrutura, sujeitos e história (MÉSZÁROS, 2011). A origem do
psíquico e da construção da subjetividade como fundamento da condição
humano-ontológica estaria, portanto, relacionada às estruturas sociais
(instituições), ao processo histórico e às suas formas de sociabilidade
(autônomas e heterônomas).
Além de Lukács, há autores que procuram renovar a análise da visão da
individualidade humana na obra de Marx, ou mesmo sistematizar uma teoria
marxista da subjetividade (SÈVE, 1989; CLOT, 1989; VASCONCELOS, 2010).
Eles apresentam o mérito de considerar a realidade psíquica e, ao mesmo
tempo, não tratá-la como autônoma à realidade sócio-institucional. Vasconcelos
(2010, p.81) argumenta que, se por um lado a concepção de subjetividade que
compreende o homem como ser social ontológico, de caráter histórico, e que se
constitui e se define por uma determinada práxis e sociabilidade, e que, em tal
condição, se encontra sujeito à reificação, alienação, estranhamento e
possibilidades, seja indubitavelmente mais abrangente e crítica do que a das

648
discussões da dimensão psicológica, nas quais predominaria a matriz idealista,
por outro, a questão da natureza humana não teria sido suficientemente
desenvolvida e persistiria como um problema aberto. Ao que acrescenta: “como
tudo que se relaciona aos problemas da psicologia individual e social, permanece
negligenciado nos estudos marxistas” (VASCONCELOS, 2010, p.81). Assim,
concordamos com a argumentação de Vasconcelos (2010) sobre a
impossibilidade de uma concepção marxiana mais complexa e dialética de
natureza humana que torne ilegítima teorizações sobre as estruturas
psicológicas, ou ainda, à sua proposição de que, nas doutrinas materialistas,
haveria um superdimensionamento da capacidade intelectiva do homem, o que
denominamos como hipostasia da consciência.
A inobservância às proposições materialistas, históricas e dialéticas não
ocorre em autores que fazem apropriações peculiares do campo psicanalítico e
vice-versa. Há autores que tomam da psicanálise e do marxismo conceitos e
paradigmas de análise que são tanto criticados como apropriados, e, assim,
utilizados, dialeticamente, no fortalecimento destas críticas e apropriações. Suas
proposições são fundamentalmente distintas das do psicanalismo rasteiro e
desatento às releituras freudo-marxistas dos “textos sociológicos” de Freud
(1913; 1921; 1930). Portanto, o fazem de forma peculiar e em conformidade
com o argumento de Bastide (1974) sobre a importância da não segmentação de
saberes nas Ciências Humanas e Sociais para a compreensão das relações entre
sujeito e realidade social.
A psicanálise talvez se apresente em determinados autores como um
sistema fechado, como uma dogmática rígida. No entanto, ela jamais
constituiu, em conjunto, uma coisa concluída, um pensamento fechado.
Sempre foi, pelo contrário, uma ciência em perpétuo devir,
transformando-se e modificando-se pelo contato com os fatos,
complicando-se e enriquecendo-se, por vezes até voltando-se para suas
próprias bases para criticá-las ou corrigi-las. Uma espécie de dialética,
que encontrava obstáculos ao longo de seu percurso, mas que não
procurava contorná-los, tentando pelo contrário incorporá-los ao seu
curso, através de um vigoroso esforço de síntese (...). Graças à influência
da sociologia, os fatores sociais iam sendo cada vez mais integrados aos
complexos do inconsciente e as causas das neuroses estavam sendo
buscadas muito mais freqüentemente nos conflitos da civilização que no
embate entre libido e as inibições culturais. A neurose eterna

649
metamorfoseava-se em neuroses de nossa época (BASTIDE, 1974,
p.271).
Concordamos com Clot (1989, p.180) e sua proposição da necessidade de
não meramente abordar “fronteiras de uma divisão de trabalho teórica”, mas sim
efetivar uma “renovação da abordagem materialista da subjetividade e
objetividade” que enriqueçam a análise do concreto confrontando Marx a autores
como Freud, Bourdieu e Lukács. Dentre autores que buscam sistematizar uma
teoria marxista da subjetividade, destacamos Sève (1989), que não se furta ao
debate sobre a personalidade.
A personalidade não é nem uma constelação de traços psíquicos
cristalizados - na qual se resume a um ‘temperamento’ -, nem um
conjunto de papéis sociais prescritos - em que se reduz a um ‘currículo’.
Trata-se de um sistema temporal de atividades inseparavelmente sociais e
individuais, objetivas e subjetivas, fundado sobre o, e no, ‘conjunto de
relações sociais’ (...). Denomino formas históricas de individualidade todas
essas relações sociais, na medida em que regem as maneiras visíveis
pelas quais os seres humanos se tornam personalidades no decorrer de
sua biografia singular e na medida em que são as ‘formas necessárias nas
quais a sua atividade material e individual se realiza’, de acordo com os
próprios termos de Marx (SÈVE, 1989, p.157).
Portanto, consideramos que as contraposições entre o campo da
Psicologia e a concepção marxista da subjetividade sejam fecundas para a
análise do sofrimento e prazer no trabalho do professor no contexto de expansão
da universidade pública e da sociabilidade produtiva.

2. Por uma contraposição entre as análises dejouriana e lukacseana do


sofrimento psíquico no trabalho do professor.
A discussão sobre os sentidos e significados do trabalho do professor
(AGUIAR et. al., 2009) deve considerar as crescentes demandas da expansão da
universidade pública, assim como as teorizações sobre o sofrimento e prazer no
trabalho e suas relações com conflitos nas relações de trabalho, adoecimento e
stress. Na conclusão de nossa pesquisa (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al., 2011),
apontamos para uma contraditória, histórica e indissociável relação entre
subjetividades forjadas e sociabilidade produtiva, e tal só foi possível graças ao
fato de termos considerado, nas entrevistas realizadas, a história de vida e a
trajetória acadêmico-científica dos sujeitos. Mediante a escuta da história de vida
pudemos perceber que os processos de constituição da sociabilidade e da

650
subjetividade se davam sob o predomínio de uma ou mais das seguintes
mediações institucionais e sócio-culturais: família, igreja, educação e política. Ao
analisarmos a trajetória acadêmico-científica com o conhecimento dos processos
de formação dos valores de cada um dos professores, pudemos compreender
como, porque e de que forma os sujeitos, ontológicos e de decisão, se
colocavam e respondiam ao cotidiano da sociabilidade produtiva. Alguns se
mostravam adeptos da racionalidade instrumental e do produtivismo acadêmico
sem esboçar críticas. Outros aderiam por não ver saída. Outros sofriam,
vivenciavam conflitos, se estressavam ou mesmo adoeciam. Outros criticavam,
mas se mantinham numa postura defensiva, senão cínica. Os coordenadores de
programa de pós-graduação se diziam divididos: como professores-
pesquisadores achavam que não deveriam as mudanças se dar da forma como
ocorrem; mas, como coordenadores, diziam ter que agir no sentido de
pressionar os colegas, prazos e, assim, se tornavam artífices da produção de
papers e da aceleração dos fluxos. A assunção senão naturalização do
produtivismo acadêmico tendia a se sobrepor às alegadas convicções pessoais,
interferindo nas relações de trabalho e na própria subjetividade. Um dos
entrevistados alegou viver conflitos e ser impelida a descredenciar professores
historicamente significativos à criação e desenvolvimento do programa de pós-
graduação por não preencherem os critérios prescritos. Compreendemos que os
“valores”, constituintes de sua “identidade” foram negados e que “valores
institucionais” foram assumidos, causando-lhe “estranhamento”, e, por meio
deste, um “sofrimento” em face da “contradição entre a dimensão humano-
genérica e a objetivação, por sua iniciativa, do normativo em detrimento do seu
coletivo mais imediato” (SILVA; SILVA JÚNIOR, 2010, p. 225, grifos nossos).
Vale ainda mencionar o caso de professores que se descredenciaram da
pós-graduação, e de alguns que, em condições de se aposentar, optaram por
fazê-lo, mas não sem hesitação e/ou conflito, ou ainda, mágoa face à pressão e
ao que se reiterou como competitividade, individualismo e relações de trabalho
esgarçadas ou dilaceradas. Os professores foram categorizados como
desqualificados/“improdutivos” e produtivos/“engajados”. De modo geral,
apontamos que o institucional relacionava-se à clausura e a sociabilidade
produtiva e que tendia a gerar estranhamento. A condição humana comprimida
era forjada a uma busca da generidade autêntica mobilizada pelo
estranhamento. Mas esta se dava de forma contraditória e, portanto, sujeita a

651
recair novamente em práticas alienadas, justamente quando delas procurava se
libertar (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al., 2001).
As disposições interiorizadas do homo academicus (BOURDIEU, 2008)
parecem sofrer reatualizações conforme a reconfiguração das práticas
universitárias e das distintas formas de reconhecimento social e institucional que
se desenham no contexto de intensificação do trabalho e de expansão da
universidade pública. Tais reconfigurações implicam em conflitos nas relações de
trabalho, e, mais particularmente, entre professores novos e antigos, em um
contexto que se caracteriza por intensa competitividade e individualismo. O
modelo de gestão e avaliação da pós-graduação, heterônomo (SGUISSARDI,
2009) e imbuído de uma racionalidade instrumental, se configura como molde ao
das demais práticas universitárias, quer seja as da certificação em massa da
graduação e dos cursos de tecnólogos, quer seja as das extensão (formação
continuada; prestação de serviços às empresas), quer seja as da EAD,
desenvolvidas pelo trabalho precarizado dos tutores (SEGENREICH, 2009).
Gaulejac (2007) aponta que a racionalidade instrumental se faz presente
em todas as esferas da vida social, e analisa a “gestão” como uma “doença
social”, que a tudo busca medir, inclusive o não mensurável. Sob o discurso da
eficácia se coloca em ação uma “panóplia impressionante de métodos e de
técnicas para medir a atividade humana” e “transformá-la em indicadores” e
“responder às exigências de produtividade”, produzindo insignificância ou vazio
ontológico (GAULEJAC, 2007, p.72). Trabalho e controle, um problema antigo,
assume novas feições (SATO, 2002), repercutindo negativamente no trabalho,
subjetividade e saúde do professor. O sofrimento tende a se configurar como
patogênico e são reduzidas as possibilidades de ele se entrelaçar a um
reconhecimento genuíno que possa transformá-lo em prazer.
O sofrimento e prazer no trabalho são indissociáveis. O trabalho, que na
perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho é compreendido como atividade
mediadora privilegiada entre o campo social e a subjetividade, deve ser
analisado levando em conta a dialética entre prazer, reconhecimento e
sofrimento (DEJOURS, 2004a; 2004b). Tão somente levando-a em conta é que
se faz possível melhor compreender o adoecimento e o não adoecimento no
trabalho. Como aponta Dejours (2004a), o trabalho pode se constituir como
atividade desestabilizadora do equilíbrio psicossomático ou atividade
estruturante da identidade e da subjetividade, fonte de inúmeras doenças ou
atividade vital para a saúde. Gerador de saúde ou de constrangimento

652
patogênico, o trabalho é apontado como atividade que exige ajustes ao
prescrito, criatividade e subversão (DEJOURS, 2004a). No caso do trabalho do
professor, pautado pelo modelo de gestão heterônoma, tende a se impedir
ajustes, redundando na sua negação enquanto atividade livre, criativa e
mobilizadora da inteligência prática e criativa (DEJOURS, 2004e).
As distintas alternativas de defesas - adaptativo-sublimatórias ou
estereotipadas-patogênicas - podem ser compreendidas como o unitário
contraditório de possibilidades e propriedades do ser social (LUKÁCS, 2010).
Para Dejours (2004a) o equilíbrio psicossomático é dinâmico e a saúde se
caracteriza pela capacidade de se enfrentar criativamente constantes imprevistos
e obstáculos da realidade. Sua concepção de saúde se aproxima da proposição
de Clot (2011, p.71-72), que considera o “trabalho real” como o “campo por
excelência da vida contrariada” e o “real do trabalho” como “aquilo que é difícil
executar, fazer ou dizer”, mas também “a prova que podemos dar de nosso
pleno valor”, o “prazer possível” que, inevitavelmente, sofre um “recalcamento
social”.
Mas estaria ausente a mobilização psíquica sublimatória, o
reconhecimento e o sentido no trabalho (DEJOURS, 2004d)? O significado
institucional, predominantemente heterônomo e socialmente posto do trabalho
poderia vir a ser dotado de um sentido autêntico, ainda que de forma
contraditória e indissociável da sociabilidade produtiva? Tais indagações nos
exigem aprofundar proposições da Psicodinâmica do Trabalho. Segundo Dejours
(2004b), assim como para Clot (2011), inexistiria o trabalho sem sofrimento. E,
frente a este, o trabalhador e/ou o coletivo de trabalhadores constituiriam
estratégias defensivas que poderiam atenuá-lo (DEJOURS, 2004b), senão
transformá-lo, de modo a imprimir um sentido ao trabalho (DEJOURS, 2004d).
Tal poderia ocorrer quando as estratégias defensivas não se constituíssem de
forma estereotipada e os modelos de gestão não se configurassem como rígidos
e a tarefa prescrita com reduzidas possibilidades de ser modificada.
A obra de Dejours é imbuída de uma ética de defesa da saúde do
trabalhador e de sua ação autônoma e transformadora das formas patogênicas
de gestão e organização do trabalho. O termo tricherie (“trapaças”) é por ele
proposto para se referir à engenhosidade humana face os aspectos patogênicos
e/ou condições adversas do trabalho e não possui conotação pejorativa
(DEJOURS, 2004e; 2004c). Trata-se de renormatizações do trabalho prescrito
constitutivas do trabalho vivo e de flexibilização do modo operatório da tarefa

653
que a tornam mais eficaz e condizente à subjetividade. Já o agir vivo não
concretizado redundaria em defesa estereotipada e patogênica, limitadora da
autonomia e reforçadora da gestão e organização do trabalho excessivamente
prescritiva. Supomos que, na prática universitária, as “trapaças” estariam se
dando, predominantemente, de forma meramente fraudulenta, via o que foi
expresso, no discurso de um professor, como “escambo”, procedimento
considerado comum no cotidiano da universidade: “Olha, agora eu vou colocar o
seu nome no meu trabalho e meu nome vai no seu” (SGUISSARDI; SILVA
JÚNIOR, 2009, p.227).
Dejours (2004b; 2004d) argumenta que o reconhecimento no trabalho
funcionaria como uma espécie de antídoto ao sofrimento, ou melhor, como uma
forma possível de transformá-lo em prazer. Nesta possibilidade residiria uma
mobilização psíquica, um processo sublimatório no qual haveria uma ressonância
simbólica entre o real do trabalho, trabalho real, corpo e subjetividade. Estariam
em jogo (re)apropriações daquilo que é externo ao trabalhador e externalizações
destas na atividade concreta do trabalho (DEJOURS, 2004d). Neste, então,
poderia ser inscrita a marca do desejo e da subjetividade do trabalhador, de
modo a dotá-lo de um sentido autêntico, e, portanto, distinto do mero
significado da objetividade previamente posta. A referência ao sofrimento no
discurso do trabalhador, contudo, não poderia ser tomada como indício de que a
mediação entre o campo social, desejo e subjetividade (trabalho) seja
patogênica, uma vez que o sofrimento é inerente ao trabalho sublimado. De
outra parte, o sofrimento e, sobretudo, o adoecimento, podem não vir a ser
assumidos pelo/no discurso do professor. Em nossa pesquisa, alguns professores
admitiram adoecimento, ao passo que outros diziam que estavam à beira de.
Estes, quando instigados a falar mais sobre, muitas vezes revelavam que já
haviam passado por stress ou alguma forma de adoecimento. Na pesquisa
realizada por Sguissardi e Silva Júnior (2009, p.238) nos chamou a atenção o
caso de um professor que relutou em assumir que tomava ansiolíticos: “Eu, no
momento, tomo ansiolítico. Estou revelando pra vocês. Eu não ia contar, mas eu
tomo” (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p.238).
Haveria estigmas em torno da assunção de fragilidades ou problemas de
saúde mental por parte do trabalhador intelectual, uma vez que o ser produtivo
frente às crescentes pressões e exigências parecia ser o que carimbava o
significado de professor “competente”. Não obstante, foram feitas alusões ao
“estresse do trabalho”, “depressão forte”, “pânico”, “gastrite hemorrágica” e

654
“úlcera intestinal” (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p.171; p.237-238), ou
seja, a formas de sofrimento e adoecimento que podem ser relacionadas ao
cotidiano de trabalho sob pressão, à heteronomia da gestão e à sociabilidade
produtiva.
Gernet e Dejours (2011) criticam os fundamentos dos processos
avaliativos nas organizações, pois as tarefas imateriais dificilmente poderiam ser
objeto de avaliações quantitativas, ainda que seja o que predomina na cultura da
performance (GAULEJAC, 2007; PAGÈS et. al., 1986). Esta se situa na
contramão da dimensão coletiva do trabalho e do espaço de discussão ou da
palavra defendido por Dejours (2004e). A ausência da discussão dos parâmetros
de avaliação por parte dos que são por eles avaliados é apontada como uma
faceta da “gestão paradoxal” e patogênica criticada por Gaulejac (2007). Esta
racionalidade heterônoma e instrumental da gestão é compreendida por Dejours
(2004c) como uma “patologia da comunicação”, o que indica que sua
compreensão do que seja patológico transcende ao indivíduo e pode se
cristalizar na estrutura de funcionamento organizacional. Esta visão de uma
disfunção antes social do individual foi desenvolvida em nossa conceituação do
stress como processo de desgaste sócio-institucional (precarização social e do
trabalho) que se expressa dialeticamente na dimensão psíquica e na
subjetividade do trabalhador (SILVA, 2005).
Diante deste contexto, nos indagamos a respeito de quando e porque, e
em razão de quais singularidades e aspectos relacionados à subjetividade e à
personalidade, que professores, inseridos na expansão da universidade e
pressionados por suas crescentes demandas, poderiam não sucumbir ao
sofrimento, uma vez que este parece se constituir como pouco afeito a ser
transformado em prazer pela via do reconhecimento.
Gernet e Dejours (2011, p.64) consideram que quando o sujeito “mantém
uma relação suficiente com o real por intermédio de seu trabalho sem que seu
trabalho seja, no entanto, reconhecido pelo outro”, ele estaria condenado à
“solidão alienante”. Segundo seus argumentos, a “validação do trabalho pelo
reconhecimento conferido pelos outros contribui de maneira considerável para a
construção do sentido do trabalho”. Já a sua ausência redundaria em trabalho
“desprovido de significação” e a engenhosidade e criatividade, que parecem ser
aspecto primordial da dimensão sublimatória do trabalho intelectual e imaterial
do professor, poderiam ser colocadas numa espécie de “beco sem saída”
(GERNET; DEJOURS, 2011, p.65).

655
Para Lukács (2010, p.353) a assunção da categoria da contradição e da
condição humana e histórica do ser social implica em uma defesa radical do
homem como, ao mesmo tempo, “produtor de si próprio como individualidade
concreta” e “produto de potências a ele estranhas”. Na sua condição humano-
concreta e contraditória o ser social, ainda que sob as restrições de seu agir
transformador, dado pela objetividade posta, não seria prisioneiro de becos sem
saída. Haveria sempre possibilidades e alternativas, ainda que circunscritas à
objetividade social e ao grau de desenvolvimento e consciência da potencialidade
subjetiva (LUKÁCS, 2010). Para Lukács (2010, p.221) a própria condição
adversa da objetividade social faria com que “o sujeito” fosse “forçado”, “pela
sua atividade”, a “formar dentro de si novas possibilidades” (LUKÁCS, 2010,
p.220-221). Não obstante, ele admite que a “postura ideológica” já teria
redundado em “controle intelectual do ser”, e que “não poucos conduziram a um
beco sem saída”, sendo tanto a “ciência” como a “ideologia” forças ativas no
“controle social do ser” (LUKÁCS, 2010, p.355, grifos nossos).
Dejours também não desconsidera a “parcela subjetiva do trabalho e seu
caráter vivo” (GERNET; DEJOURS, 2011, p.62, grifos nossos). E Clot (2011,
p.77-78), cujas proposições teóricas são mais próximas das de Lukács, já que
mediadas pela obra de Vigostski, considera a possibilidade senão inevitabilidade
de os trabalhadores se apoderarem da “objetividade do mundo profissional” e de
assim re-criar suas atividades e constituir a “função psicológica do trabalho”:
“fonte de alteridade” e “centro de iniciativa e criatividade”. Argumenta ainda que
o “novo arranjo” não se restringe aos que lhe precederam, pois objetivam,
outrossim, “deslocamentos” e “constelação afetiva dos devires, onde o
inconsciente se produz” (CLOT, 2011, p.80).
Os processos de desestruturação das relações sociais e de degradação da
vida e da solidariedade são típicos da cultura da performance e da eficácia e
podem ser relacionados ao adoecimento e ao assédio moral. Heloani (2004, p.6,
grifos nossos) aponta que o assédio abrange “juízes, desembargadores,
professores universitários, médicos e funcionários de funções diversas”. No caso
das relações de trabalho na pós-graduação, os descredenciamentos e/ou
impedimentos de credenciamento aos programas envolvendo professores novos
e antigos por vezes configuram situações propícias às de assédio moral, tal como
a relatada por professora que foi praticamente escorraçada da instituição e
programa de pertença sob forte mágoa. Verificamos, de outra parte, a existência
de casos de professores mais antigos e com maior poder na instituição que

656
tinham força para aprovar regras e exigências de produção praticamente
inatingíveis para os mais novos. Estes eram desqualificados como incompetentes
e se lhes impedia o acesso à pós-graduação, sendo forçados a assumir um
contingente maior de aulas na graduação (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al. 2011).
Já os conceitos que a Psicossociologia toma da Psicanálise - idealização,
identificação, narcisismo - possibilitam considerações mais aprofundadas sobre o
que denominamos fetiche do prazer ou adesão de professores universitários a
processos e práticas que, em certa medida, se voltam contra eles próprios, quer
seja em termos de conflitos senão empobrecimento identitários, quer seja em
termos de sua saúde ou (des)equilíbrio psicossomático (PAGÈS et. al., 1986).
Pagès e colaboradores (1986, p.11) nos fornecem elementos para se refletir
sobre o porquê a “sobrecarga de trabalho” e a “ideologia de lucro e de
expansão” podem ser aceitas e mesmo procuradas por muitos, apesar dos
“conflitos e sofrimentos” que as acompanham. Os autores consideram que o
tema poder é “habitualmente tratado de forma segmentada” e defendem uma
“abordagem pluridimensional” (PAGÈS et. al., 1987, p.11, grifos nossos).
Argumentam que a “perspectiva marxista” enfatiza a “alienação econômica”, ao
passo que autores como Foucault tendem a “privilegiar a dimensão política do
poder”. Os autores apontam ainda para uma terceira corrente de análise, que
teria como base os “textos sociológicos” de Freud (1913; 1921; 1930) e que
enfatiza o poder “ao nível psicológico”, isto é, como fenômeno de “alienação
psicológica” que envolve mecanismos de “projeção e introjeção”, assim como
“sistemas inconscientes de defesa coletivos” (PAGÈS, et. al., 1986, p.12).
Concordamos com os autores quando apontam ser o poder um tema “divergente
e confluente” que inquieta distintas perspectivas teórico-metodológicas pautadas
em uma dimensão ética humano-genérica, assim como com suas considerações
de que a “omissão do marxismo e da psicanálise” teria “graves conseqüências”
quando o objetivo fosse abordar trabalho, subjetividade e poder na “vida
concreta de uma organização” (PAGÈS, et. al., 1986, p.12).
Pagès e colaboradores (1986, p.15) definem o poder como um “sistema
sócio-mental” e argumentam que as dimensões econômica, política, ideológica
da vida organizacional engendram processos de captura da subjetividade dos
trabalhadores. A assunção do inconsciente e de um sistema de poder sócio-
mental que tenta colocar os indivíduos submissos e identificados aos interesses
institucionais em detrimento de sua autonomia seria possível através de uma
gestão infantilizadora do sujeito e manipuladora de seu narcisismo, o que nos

657
parece ser algo que não pode ser omitido em uma abordagem crítica do tema
trabalho, subjetividade e saúde do professor.
Enriquez (1997a) define a organização como um sistema simbólico,
cultural e imaginário, no qual o simbólico e o cultural, permeado por tabus,
mitos e rituais, se subordinariam ao imaginário. Ao considerar a coexistência de
um imaginário criativo e enganoso, aponta que, nas organizações, prevaleceria o
enganoso (ENRIQUEZ, 1997a), a despeito de uma inevitável tensão, cuja síntese
não estaria fadada a ser sempre a mesma, dada a historicidade do trabalho e do
ser social (LUKÁCS, 2010). Tal aspecto foi evidenciado em nossa pesquisa, na
qual apontamos para contradições e indissociabilidades entre sociabilidade e
subjetividade, significados e sentidos do trabalho do professor (SILVA JÚNIOR;
SILVA et. al., 2011).
Com base em Pagès (1987) podemos compreender processos de
identificação de alguns professores com a instituição e de adesão ao
produtivismo e à racionalidade instrumental. De qualquer forma, tratar-se-iam
de subjetividades forjadas pelo modelo de gestão heterônomo, pelo campo
científico, espaço de disputa e busca de prestígio e status (BOURDIEU, 1983).
Não obstante, podemos indentificar, em alguns casos, a pulsão desejante e o
sentido e a criatividade no/do trabalho do professor. Como argumentamos, o ser
social e seu desenvolvimento não são historicamente configurados em um beco
sem saída (LUKÁCS, 2010) e há sempre uma dimensão viva e enigmática do
trabalho que, inevitavelmente, subverte o prescrito (DEJOURS, 2004b).

3. A Psicossociologia entra em cena: do sofrimento patogênico ao fetiche


do prazer
Na pesquisa realizada por Sguissardi e Silva Júnior (2009, p.229), um dos
professores expressou-se da seguinte maneira ao comentar sobre o fenômeno
do poder e sua relação com a exploração e sua subjetividade: “Acho que eu
tenho uma paixão que eu não consigo explicar (...) eu vejo que sou explorada,
mas eu compactuo com essa exploração”. Consideramos ser este depoimento
indicativo de processos inconscientes de participação ativa na configuração de
um sistema de poder.
Com base na análise de alguns depoimentos consideramos a existência de
um fetiche de prazer que se relaciona a um processo de expropriação de si.
Expropriação que, pela via da sedução, redunda em quase servidão ao
gerencialismo e às suas pressões em torno de busca de um suposto sucesso. A

658
“corrida para o sempre mais”, típica dos processos de busca de poder e prestígio
do campo científico, pode ser relacionada ao desejo onipotente de “ser o número
um”, o que implicaria em sofrimento e novas patologias no trabalho (GAULEJAC,
2007, p.162-173) Na armadilha da instituição estratégica (ENRIQUEZ, 1997b) e
de sua sociabilidade produtiva são forjadas “adaptações” das subjetividades por
meio de processos não mediados pela consciência do ser social. Os “engajados”,
neste sentido, o são por intermédio de mecanismos de poder e dominação
persuasivos e insidiosos.
A dimensão institucional patogênica tende a produzir sofrimento, estresse
e/ou adoecimento dos indivíduos. As “formas históricas de individualidades”
(SÈVE, 1989) remodelam as estruturas psíquicas (AUBERT, 1994) e/ou
fomentam os traços de personalidade narcísicos pré-existentes, adequando-os à
sociabilidade produtiva alastrada na instituição universitária. Muitos professores,
grosso modo, se aprisionam aos seus desejos e símbolos de prestígio e poder.
“Apaixonam-se” pela imagem de si enaltecida/auto-enaltecida, e, assim,
submetem-se ao cotidiano estressante/competitivo e até mesmo às “férias no
papel” (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p.235). Fascinados pela
“possibilidade de alcançar o pódio dos melhores na disputa por reconhecimento
profissional”, tendem a se comportar de “forma servil à organização” (CALGARO;
SIQUEIRA, 2008, p.128). No entanto, não se excluem as possibilidades de
reconhecimento com base em práticas alternativas, como a de um conceituado
professor da área de biotecnologia que, diante do estranhamento que lhe
mobilizava práticas de trabalho de sua área, afeitas à subsunção do
conhecimento e à valorização do capital, negava-se a produzir patentes,
renunciando a possíveis ganhos financeiros em prol da publicação de suas
descobertas. A preservação de seus valores e de sua condição humano-genérica,
neste caso, parecia prevalecer sobre a indução à mercantilização do
conhecimento (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al., 2011). Neste sentido, consideramos
que, apesar do predomínio da heteronomia e do sofrimento patogênico, não é
possível considerar que as práticas sociais e universitárias sejam homogêneas.
Ou seja, faz-se mister considerar que os processos de identificação e/ou de
estranhamento do professor em relação à instituição universitária heterônoma,
neoprofissional e competitiva (SGUISSARDI, 2009) são, no mínimo,
contraditórios.
As contradições da subjetividade do professor e das suas relações de
identificação e/ou estranhamento com a organização podem ser relacionadas a

659
alguns aspectos de sua personalidade, desde que não aprisionemos este termo a
uma visão idealista ingênua e a-histórica. A Psicossociologia nos fornece
contribuições às discussões relativas à distinção entre psiconeurose e neurose
profissional (AUBERT, 1994) e ao vínculo indivíduo-organização. Aubert e
Gaulejac (1991) analisam este vínculo sob o eixo do termo francês attachement.
Assim, nos permitem aprofundar o que denominávamos como fetiche do prazer,
assim como melhor compreender os discursos de alguns professores cujos
aspectos potencialmente patogênicos de sua relação com o trabalho eram
mascarados pelo uso de termos como “amor” ou “paixão” pelo trabalho
(SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p.184). Consideramos fundamental este
desfecho para que não desconsideremos, em nome da assertiva de Sève (1989)
- qual seja, a da personalidade como formas históricas de individualidades
socialmente produzidas nas relações sociais - os aspectos singulares das
estruturas psíquicas. Estes, em nosso entender, podem favorecer, ou não,
desfechos ou sínteses distintas e mais ou menos saudáveis das contradições
entre subjetividade e sociabilidade que se colocam inseridas no ineliminável
conflito eu-civilização (FREUD, 1930; AMADO; ENRIQUEZ, 2011). As
contribuições da Psicossociologia lançam luz sobre a adesão ao produtivismo
acadêmico e à sobrecarga de trabalho, justificada pelo “prazer do trabalho”, mas
também relacionada à drogadição:
Uma coisa que eu sempre costumo falar é que a pessoa, quando é
pesquisadora, é quase como um distribuidor de droga, porque isso pega
(...). Não é mais trabalho. É paixão (...). Então você suporta as piores
condições, porque o prazer de achar algo novo (SGUISSARDI; SILVA
JÚNIOR, 2009, p.184-185, grifos nossos).
Outros também fizeram referência à metáfora da droga. Um deles, que
havia adoecido, se referiu de forma preocupada, mas logo depois se defendeu,
com ironia:
Sabe aquela coisa de você ter prazer no trabalho? Mas é um prazer muito
de dependência, como se fosse uma droga (...). Eu tive duas labirintites
(...). Sabe que remédio pra ficar acordado não está sendo usado (...) o
trabalho é a droga! Tem que tomar remédio para desligar, porque você
não consegue desligar! (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009, p.187, grifos
nossos).
O questionamento sobre a aderência dos professores ao ardil do
produtivismo e às demandas multiformes da expansão da universidade sob a
forja do sistema de poder psíquico-organizacional precisam ser ainda melhor

660
investigadas e analisadas. Consideramos ser a neurose profissional, o
individualismo e o narcisismo algumas chaves explicativas, mas destacamos ser
necessário compreendê-los não como aspectos extrínsecos à realidade
socioinstitucional, mas sim fomentados por suas práticas, que se caracterizam
por intensificação do trabalho, sofrimento psíquico e enfraquecimento dos
espaços coletivos de discussão e mobilização.
Aubert (1994, p.166) analisa aspectos da história individual e da
organização do trabalho na eclosão ou produção das neuroses profissionais. Esta
é definida como uma “afecção psicogênica persistente na qual os sintomas são a
expressão simbólica de um conflito psíquico”, sendo que seu desenvolvimento
estaria ligado a uma “situação organizacional ou profissional determinada”
(AUBERT, 1994, p.166). O autor argumenta que a “neurose profissional” pode
vir ser resultante do “stress profissional”, assim como a relaciona ao “burnout”
(AUBERT, 1994, p.164). Salienta que o conceito de “neurose profissional”
possibilita “explicar certos casos de patologias graves instaladas” que seriam
“diretamente relacionadas” às condições e situações objetivas de trabalho, mas
para as quais o conceito de stress seria insuficiente (AUBERT, 1994, p.164,
grifos nossos). O “stress profissional” é apontado como relacionado a uma
perturbação engendrada no indivíduo pela “mobilização excessiva” de sua
“energia de adaptação” para o “enfrentamento” das solicitações do trabalho que
ultrapassam “capacidades atuais, físicas ou psíquicas”, o que foi encontrado em
alguns sujeitos de nossa pesquisa. Já a “neurose profissional” é relacionada a
uma “desorganização persistente da personalidade” (AUBERT, 1994, p.165).
Segundo nossas proposições, a neurose profissional poderia ser
relacionada aos aspectos singulares da estrutura psíquica, às estratégias
defensivas postas em prova no trabalho e ao grau de rigidez e de impedimento
respectivamente presente e gerado em um determinado modelo de gestão e
organização do trabalho. A possibilidade de resistência e de superação às
adversidades poderia se concretizar em função de mudanças das condições
objetivas de trabalho ou mobilização de subversões criativas e reconhecidas no
espaço público da palavra. Porém, os casos de stress profissional são indicativos
de que estas não teriam sido constituídas pelo coletivo de trabalhadores.
Aubert (1994, p.166-167) considera ser possível distinguir “neurose
profissional atual” e “psiconeurose profissional”. A primeira seria ativada pelo
contexto do trabalho, ao passo que a segunda seria produzida no e pelo
trabalho. Segundo seu argumento, nas situações nas quais a organização do

661
trabalho apenas catalisaria e/ou desencadearia uma problemática psíquica
caberia o termo psiconeurose profissional e o argumento da preponderância da
estrutura psíquica sobre a social na produção da doença. Já o termo neurose
profissional atual sinaliza a hegemonia da organização do trabalho na produção
da doença, isto é, a preponderância da estrutura socioinstitucional sobre a
psíquica na etiologia do adoecimento. Neste caso se faria presente um “conflito
psíquico” também ligado a uma “situação organizacional ou profissional precisa”,
mas na qual esta situação determinada seria a “fonte direta do conflito”, e os
ditos “sintomas neuróticos” seriam somente sua expressão (AUBERT, 1994,
p.167).
Em nossa pesquisa nos deparamos com caso de professora que,
envolvida em múltiplas atividades (pós, graduação, EAD e “gestão de conflitos”,
esta última por ser considerada, pelos pares, como “boa administradora de
conflitos”), disse ter chegado numa situação-limite, na qual teve “congelamento
dos membros superiores” (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al., 2011, p.131). Tratava-
se de uma somatização (imobilidade dos membros superiores) derivada de
burnout relacionado à sobrecarga de trabalho e sofrimento com tarefas a ela
atribuídas num contexto de relações de trabalho esgarçadas. Ademais, vale
ressaltar que, em seu relato de história de vida, mencionou ter vindo ao mundo
em parto fórceps, alegando que já teria nascido estressada, ao que
complementou, relacionando seu problema de saúde tanto ao trabalho como a
si: “Eu não quero colocar a culpa toda no trabalho, mas é também; eu acho que
[também] tem a ver com minha personalidade (SILVA JÚNIOR; SILVA et. al.,
2011, p.131).
Mas o que levaria o indivíduo a se ligar tão intensamente à instituição e
ao seu trabalho? Ou, nas palavras de Aubert e Gaulejac (1991, p.233), “como
compreender que o interesse pelo seu próprio trabalho” seja referido como
“amor pela empresa?”. Ao que complementam: “Mas será isso amor?”. E
respondem: “Isto parece com amor, isto tem a aparência de amor, mas não é
amor”. Seria, isto sim, “um vínculo (attachement) profundo pelo qual o indivíduo
se encontra ligado, e do qual não pode e às vezes não quer se desfazer”
(AUBERT; GAULEJAC, 1991, p. 233).
O termo pode ser traduzido como vínculo ou apego, algo a qual nos
prendemos e não conseguimos nos desligar, não porque não queremos com base
em nossa vontade consciente, pois se trata de um processo inconsciente. No
caso do trabalho intelectual e imaterial do professor este desligar-se seria

662
dificultado pelo não-controle da atividade mental, que tende a se sobrepor ao
sujeito nas mais diversas circunstâncias:
Às vezes eu saía pra um congresso, saía até pra uma viagem de três,
quatro dias com a família, mas não dava tempo de desligar. A ponto de eu
não conseguir dormir durante os três, quatro dias fora enquanto eu não
levantasse e colocasse num papel o que tava na minha cabeça (SILVA
JÚNIOR; SILVA et.al., 2011, p.131, grifos nossos).
Aubert e Gaulejac (1991, p.234) apontam que se estabelece uma
“interpenetração” progressiva entre funcionamentos individual e organizacional,
um “sistema” no qual “os elementos constituintes” de um são ligados aos do
outro. O psíquico e o organizacional, aproximados sistematicamente, produzem
ligações (liámes) que “mobilizam e reorganizam” o primeiro no sentido de uma
“congruência” com os objetivos da “organização”. Forja-se a interiorização e
naturalização de “modelos precisos de conduta e personalidade”, uma “economia
psíquica” ativa e inconscientemente servil, uma interiorização da exterioridade
(habitus). No “sistema psíquico-organizacional” a “organização” e a
“personalidade” se influenciam reciprocamente no sentido do agenciamento de
uma correspondência entre os dispositivos de poder e as estruturas mentais. Na
relação indivíduo-organização engendram-se condutas defensivas patogênicas
que implicam em um (pseudo)amor ou sujeição inexplicável, ou ainda, em um
attachement ou apego ao trabalho intensificado, extensificado e heterônomo
(AUBERT; GAULEJAC, 1991, p.236-237; p.254).

Considerações finais
O sofrimento psíquico do professor e os conflitos nas relações de trabalho
não devem ser tomados como expressões de uma personalidade ou estrutura
psíquica encerrada em si mesma. A competitividade, o individualismo e a
sociabilidade produtiva são traços marcantes das organizações de modo geral, e
do campo científico em particular. A lógica instrumental da universidade
heterônoma induz a competitividade e tende a impedir as possibilidades do agir
alternativo do ser social e histórico. Com base nas contribuições da
Psicossociologia consideramos que o estranhamento do professor com o trabalho
intensificado e extensificado na universidade expandida e instrumental por vezes
sequer é colocado em sua consciência. E, para além do estranhamento, ou
mesmo por ele mobilizado, podem se constituir recusas mais ou menos efetivas,
ou mais ou menos nocivas e/ou favoráveis, à saúde e às relações de trabalho

663
permeadas pela competitividade. As formas históricas de individualidade
(personalidade) e de relações sociais (sociabilidade) podem ser apontadas como
indicativas de aprofundamentos em torno da compreensão de como que os
conflitos entre valores éticos, construídos ao longo da trajetória pessoal e da
formação humana (descoberta; criatividade; autenticidade; rigor/excelência
teórica), são, ou não, superados face à racionalidade instrumental da expansão
universitária.
Assim, valendo-nos de interpolações teóricas interpelantes e
reciprocamente críticas entre os campos do materialismo histórico-dialético e da
Psicossociologia e Psicodinâmica do Trabalho, apontamos para algumas análises
que poderão vir a ser aprofundadas por novos estudos sobre as relações entre
trabalho, subjetividade e sofrimento psíquico do professor na universidade
pública.

Referências
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de (et. al.). Reflexões sobre sentido e
significado. In: BOCK, Ana Mercês Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça Marchina
(orgs.). A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica. São
Paulo: Cortez, cap.2, p.54-72, 2009.
AMADO, Gilles; ENRIQUEZ, Eugène. Psicodinâmica do trabalho e
psicossociologia. In: BENDASSOLLI, Pedro F.; SOBOLL, Lis Andrea P. (orgs.).
Clínicas do trabalho: novas perspectivas para compreensão do trabalho na
atualidade. São Paulo: Atlas, parte II, cap.6, p.99-109, 2011.
AUBERT, Nicole. A neurose profissional. In: CHANLAT, Jean-François
(org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas,
v.2, p.163-193, 1994.
AUBERT, Nicole; GAULEJAC, Vincent de. Le coût de l’excellence. Paris:
Editions du Seuil, Cinquiéme Partie (L’individu et l’organization), 233-271, 1991.
BASTIDE, Roger. Sociologia e Psicanálise. São Paulo: Melhoramentos, 1974.
BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana Maria Netto. Reféns da
produtividade: sobre produção do conhecimento, saúde dos professores e
intensificação do trabalho na pós-graduação. Caxambu, MG: 30ª Reunião Anual
da Anped, Disponível em
http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT09-3503--Int.pdf. Acesso
em 12 de dezembro de 2007.
BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008.

664
______. O campo científico. In: ORTIZ, R. (org.) Pierre Bourdieu:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
CALGARO, José Cláudio Caldas; SIQUEIRA, Marcus Vinícius Soares.
Servidão e sedução: duas faces do gerencialismo contemporâneo. In: MENDES,
Ana Magnólia (org.). Trabalho e saúde: o sujeito entre a emancipação e a
servidão. Curitiba, PR: Juruá, 2008.
CLOT, Yves. O marxismo em questão – Posfácio. In: SILVEIRA, Paulo;
DORAY, Bernardo (org.). Elementos para uma teoria marxista da
subjetividade. São Paulo: Vértice, p. 179-191, 1989.
______. Clínica do trabalho e clínica da atividade. In: BENDASSOLLI,
Pedro F.; SOBOLL, Lis Andrea P. (orgs.). Clínicas do trabalho: novas
perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas,
Parte II, cap.4, p.71-83, 2011.
DEJOURS, Christophe. O trabalho como enigma. In: LANCMAN, Selma,
SZNELWAR, Laerte (orgs.). Christophe Dejours: da psicopatologia à
psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, parte I, cap.3, p.127-
140, 2004a.
______. Sofrimento e prazer no trabalho: a abordagem pela
psicopatologia do trabalho. In: LANCMAN, Selma, SZNELWAR, Laerte (orgs.).
Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, parte I, cap.4, p.141-156, 2004b.
______. Patologia da comunicação: situação de trabalho e espaço
público. In: LANCMAN, Selma, SZNELWAR, Laerte (orgs.). Christophe Dejours:
da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
parte II, cap.8, p.243-275, 2004c.
______. Entre sofrimento e reapropriação: sentido do trabalho. In:
LANCMAN, Selma, SZNELWAR, Laerte (orgs.). Christophe Dejours: da
psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, parte
III, cap.10, p.303-316, 2004d.
______. Análise psicodinâmica das situações de trabalho e sociologia da
linguagem. In: LANCMAN, Selma, SZNELWAR, Laerte (orgs.). Christophe
Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, parte II, cap.7, p.197-241, 2004e.
DUARTE, Newton. O bezerro de ouro, o fetichismo da mercadoria e o
fetichismo da individualidade. In:_____. (org.). Crítica ao fetichismo da
individualidade. Campinas, SP: Autores Associados, Introdução, 1-19, 2004a.

665
______. A rendição pós-moderna à individualidade alienada e a
perspectiva marxista da individualidade livre e universal. In:_____. (org.).
Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores Associados,
cap.9, p.219- 242, 2004b.
ENRIQUEZ, Eugène. A organização em análise. Petrópolis, RJ: Vozes,
1997a.
______. O indivíduo preso na armadilha da instituição estratégica. RAE,
São Paulo, 37, (1), p.18-29, 1997b.
FREUD, Sigmund (1913). Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, v.XIII,
p.13-194, 1985.
______. (1921). Psicologia de grupo e a análise do ego. Rio de
Janeiro: Imago, v.XVIII, p.91-167, 1985.
______. (1930). O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago,
v.XXI, p.81-177, 1985.
GAULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideologia, poder
gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007.
GERNET, Isabelle; DEJOURS, Christophe. Avaliação do trabalho e
reconhecimento. In: BENDASSOLLI, Pedro F.; SOBOLL, Lis Andrea P. (orgs.).
Clínicas do trabalho: novas perspectivas para compreensão do trabalho na
atualidade. São Paulo: Atlas, parte II, cap.3, p.61-70, 2011.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
HELOANI, José Roberto. Assédio moral: um ensaio sobre a expropriação
da dignidade no trabalho. RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, jan. jun. 2004. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/raeel/v3n1/v3n1a12.pdf>. Acesso em 23 fev.
2011.
LUKÁCS, György. Trabalho (Tradução Ivo Tonet). Disponível em
http://sergiolessa.com/Novaartigos_etallil.html. Acesso em 13 de outubro de
2009.
______. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. São Paulo,
Boitempo, 2010.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.
MÉSZÁROS, István. Estrutura social e formas de consciência II: a
dialética da estrutura e da história. São Paulo: Boitempo, 2011.

666
PAGÈS, Max (et. al.). O poder das organizações. Rio de Janeiro: RJ:
Atlas, 1986.
SATO, Leny. Saúde e controle no trabalho: feições de um antigo
problema. In: JACQUES, Maria da Graça; CODO, Wanderley (orgs.). Saúde
mental & trabalho: leituras. Petrópolis: RJ: Vozes, cap.1, p.31-49, 2002.
SEGENREICH, Stella Cecília Duarte. ProUni e UAB como estratégias de
EAD na expansão do Ensino Superior. Pro-posições, Campinas, v.20, n.2,
maio/ago, p.205-222, 2009.
SÈVE, Lucien. A personalidade em gestação. In: SILVEIRA, Paulo; DORAY,
Bernard (org.). Elementos para uma teoria marxista da subjetividade. São
Paulo: Vértice, cap.5, p.147-178, 1989.
SGUISSARDI, Valdemar. A universidade neoprofissional, heterônoma e
competitiva. In: SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século
XXI: desafios do presente. São Paulo, SP: Cortez, cap.5, p.140-161, 2009.
SGUISSARDI, Valdemar, SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Trabalho
intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico.
São Paulo: Xamã, 2009.
SILVA, Eduardo Pinto e. O stress no trabalho de guardas municipais:
a dialética entre o desgaste bio-psíquico e o sócio-institucional. Campinas, SP:
Faculdade de Educação da UNICAMP, Programa de Pós-Graduação, Tese de
Doutorado, 2005.
______. SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Estranhamento e desumanização
nas relações de trabalho na instituição universitária pública. Revista Histedbr
On-line, Campinas, número especial, p.223-238, ago. 2010.
SILVA JÚNIOR, João dos Reis; SILVA (et. al.). Os significados do trabalho
do professor pesquisador na universidade estatal pública mercantilizada.
Relatório Científico Final, Processo FAPESP n. 2009/08661-0, set., 2011.
TERTULIAN, Nicolas. Metamorfose da filosofia marxista: a propósito de
um texto inédito de Lukács. Crítica Marxista, São Paulo, n.13, p.29-44, 2001.
VASCONCELOS, Eduardo Mourão. Karl Marx e a subjetividade
humana: balanço de contribuições e questões teóricas para debate. São Paulo,
Hucitec, v.3, 2010.

667
TÍTULO: O professor diante da violência juvenil: contradições, discursos e

práticas

AUTOR(ES): Débora Cristina Fonseca (deboracf@rc.unesp.br)

INSTITUIÇÃO: Dep. de Educação – IB – Universidade Estadual Paulista –

UNESP – Rio Claro – SP – BRASIL

Resumo
Neste trabalho, pretende-se refletir sobre as contradições e o sofrimento
psíquico, vivenciados por professores da rede pública de ensino, diante de
situações de violência protagonizadas por jovens estudantes. Analisaremos os
sentidos e significados construídos por professores para os registros que efetuam
nos “Livros de Ocorrências” das escolas, buscando compreender suas estratégias
de enfrentamento e de redução do sofrimento nas situações em que não se
sentem preparados a enfrentar. Discutiremos como estes profissionais
racionalizam seu sentimento de medo e constroem formas simbólicas de
dominá-lo, mas que se limitam ao uso do dispositivo disciplinar escolar. Além de
vivenciarem um cotidiano em situação de vulnerabilidade, sofrem uma crise de
identidade, na qual tendem a ser destituídos do atributo de autoridade. Se antes
o professor era detentor de determinado respeito pelo seu conhecimento,
atualmente este poder tende a efetivar-se tão somente pelo normativo e ações
de disciplinamento coercitivas, em contradição com o discurso educativo. Neste
contexto, problematizaremos como os sujeitos, cotidianamente constroem
estratégias defensivas meramente adaptativas, na ausência de espaços
concretos para a vivência de práticas reflexivas pessoais e coletivas
transformadoras. Destacamos a relação que se constrói entre sujeitos
vulneráveis, professores e alunos, frente aos desafios do processo educativo.
Esta reflexão tomará como base, entrevistas realizadas com professores, de
duas escolas públicas, que mais registraram nos “livros de ocorrências”,
discutindo dados que integram pesquisa sobre violência de jovens e violência
escolar.

Palavras-chave: Professor, Juventude, Violência, Sofrimento Psíquico.

668
1.Introdução
Nos últimos anos, o cotidiano escolar passou a ser alvo de muitas
notícias, principalmente em relação às situações de violência social que
passaram a adentrar o espaço escolar. Este contexto tem indicado a necessidade
de compreender melhor o fenômeno, principalmente porque muitos episódios de
violência não são necessariamente escolares, mas que ocorrem em seu entorno
ou na escola, mas nem sempre motivado por questões do cotidiano escolar.
A escola desde sua origem apresenta como missão primordial o
disciplinamento de crianças e jovens, supostamente adequando-os ao convívio
social. Assim, a proposta educativa tem sido, em grande medida, a socialização
das pessoas, notadamente no sentido restrito de adequação às normas sociais.
Para cumprir esta missão, foram criados vários mecanismos de controle,
disciplinamento e manutenção da autoridade.
Uma das formas mais tradicionais de controle e disciplinamento
instituído pelas escolas são os chamados “Livros de Ocorrências” ou “Livro
Preto”. Este mecanismo já recebeu várias denominações (Livro de Penalidades
de Alunos, Termo de Censura, Livro de Sanções, entre outros), mas com o
mesmo objetivo: o cumprimento das normas das escolas pelos alunos,
professores e funcionários (MORO, 2002).
No início do Século XXI esta prática ainda vigora, ou seja, os Livros
de Ocorrências ainda são utilizados nas escolas públicas brasileiras. Entretanto,
sua utilização parece ter sofrido mudanças quanto aos objetivos iniciais que
supostamente teriam prescrito os registros.
Procurando entender melhor a função dos Livros de Ocorrências no
cotidiano das escolas públicas, realizamos um estudo desses livros. Os dados
foram coletados buscando-se compreender o cotidiano das duas escolas. A
primeira (Escola 1) era considerada pela mídia e imaginário social como violenta.
A outra (Escola 2), ao menos aparentemente, teria menos problemas
relacionados à violência e seria, grosso modo, mais respeitada pela comunidade.
As Escolas 1 e 2 inseriam-se, não obstante, na mesma comunidade, socialmente
identificada como foco de violência, em uma cidade do interior paulista (Brasil).
Ambas eram unidades escolares pertencentes à rede púbica estadual.
Com os dados levantados nestes livros, passamos a questionar sobre
os critérios de registros por partes do professores e, mais ainda, do significado
dos registros pelos professores das duas escolas públicas pesquisadas.

669
Posteriormente realizamos entrevistas utilizando-se da técnica de grupo focal,
com os professores que mais registros havia feito nos livros analisados no ano
de 2010. Na Escola 1 participaram sete professores, e na Escola 2, cinco
professores, e sobre este material é que nos ateremos nesta análise, buscando
compreender o significado dos registros e como os professores vivencias este
cotidiano escolar. Entretanto, para subsidiar nossa análise, primeiramente
apresentaremos, de forma sucinta, os dados levantados na análise dos livros de
ocorrências das duas escolas.

2. Os Livros de Ocorrências
O trabalho de coleta de dados nos Livros de Ocorrências teve como
precedente entrevistas iniciais com gestores de cada escola, tendo sido solicitado
a eles a indicação/nomeação dos alunos considerados, pela escola, como
protagonistas de violência.
Primeiramente procuramos mapear e identificar os tipos de
ocorrência que são registrados nos livros. Após este primeiro levantamento,
realizamos o mesmo procedimento somente para os alunos considerados
protagonistas de violência.
Na Escola 1, os atos considerados pelos docentes como de
transgressão às normas que fundamentam uma boa aprendizagem escolar,
como não realizar as tarefas escolares e não participar da aula, eram os mais
freqüentes nos cadernos analisados. Registros desta natureza, que eram os mais
repetitivos, totalizavam 174, o que correspondia a 20,37% das ocorrências.
Nos registros apareciam com bastante frequência fatos como: não
levar material para aula, conversar muito, andar pela sala, portar/usar celular,
jogar bolinhas de papel, sair da sala de aula sem autorização, gritar em sala de
aula.
Os registros dos alunos considerados pela coordenação como
protagonistas de violência na escola indicavam que também entre eles os
incidentes mais comumente registrados eram: não realizar as atividades em sala
de aula e/ou não participar da aula, sendo que um mesmo aluno chegou a somar
7 registros neste comportamento, anotado por diferentes professores; agir de
forma indisciplinada, conversando constantemente durante as aulas e
principalmente durante as explicações; atrapalhar a aula; desrespeitar o
professor.

670
Portanto, os registros indicavam que eles constantemente se
envolviam em situações consideradas de desrespeito, de desacato ao professor e
que atrapalhavam a aula. Embora os demais alunos também tivessem registros
nesse sentido, as ocorrências deste tipo pareciam ser mais frequentes entre
estes últimos. Lembramos aqui que, segundo a literatura sobre violência na
escola, os desrespeitos, os desacatos, as pequenas agressões, as grosserias e as
incivilidades que se repetem sem parar são o núcleo da violência que acontece
cotidianamente nas escolas e que cria um clima de insegurança no ambiente
escolar (DEBARBIEUX, 2001, 2002, 2005, CHARLOT, 2002)
Assim, ao observarmos as situações registradas, pôde se verificar
que os alunos em geral e os protagonistas de violência apresentavam
características similares. Os principais itens registrados para os alunos em geral,
repetiam-se quando eram observados os dados dos alunos considerados
protagonistas de violência.
Na Escola 2, os principais motivos foram: brincadeiras/atrapalhar a
aula; não realizar atividades em sala de aula e /ou não participar da aula;
passeando fora da sala de aula (durante horário de aula); indisciplina (conversar
muito). Registros referentes a alunos que permaneceriam fora da sala de aula
em horário de aula eram os mais comuns na Escola 2. Chama a atenção nos
registros desta escola que a atitude tomada pelos professores/escola em relação
a esse comportamento era o de manter os alunos fora da aula. Pareceu-nos a
perpetuação da prática, ou seja, o aluno recebia, como punição “educativa”, a
injunção de permanecer fora da sala de aula.
O uso de palavras consideradas de “baixo calão”, interpretadas como
agressão verbal por alguns professores, são mais recorrentes na Escola 1.
Entretanto, na Escola 2, este comportamento parecia mais evidente em duas
turmas de 7ª série do Ensino Fundamental. Destaque-se que, entre os alunos
considerados protagonistas de violência, este dado não se apresentava
relevante. Assim como na Escola 1, eram bastante comuns registros de: não
levar material para aula, sair da sala de aula sem autorização, desrespeito ao
professor, atrapalhar a aula, dentre outros.
Nas duas escolas, as ocorrências mais registradas remetem-se a
acontecimentos que são comumente presentes no cotidiano escolar: alunos que
não fazem as atividades, que são indisciplinados, que atrapalham a aula. Outro
registro comum se referia a chegar atrasado à aula ou mesmo deixar de entrar
para a sala de aula, sendo que a principal providência tomada pela escola

671
consistia em deixar o aluno fora da sala e registrar os fatos no Livro de
Ocorrência. Esta constatação é valida para os dois grupos de alunos: os
protagonistas de violência e os não protagonistas. Neste sentido, não podemos
deixar de registrar que se um aluno não tem interesse em assistir a determinada
aula, seu objetivo é atingido facilmente, constituindo-se em uma lógica bastante
perversa, que, em nome da disciplina, pouco interfere no processo educativo que
a situação evidencia como necessário.
Uma análise comparativa entre os alunos dos dois grupos – os alunos
em geral e os protagonistas de violência das duas escolas - observa-se, como
começamos a indicar, que em muitos aspectos eles se assemelhavam. Eles se
assemelhavam por não cumprir as regras para uma boa aprendizagem escolar,
no desrespeito aos professores, no uso de palavrões, e mesmo por
protagonizarem agressões físicas. Isto nos permite refletir sobre: 1) o significado
e sentido que é atribuído ao desrespeito no âmbito escolar, e como que a ideia
de respeito é socialmente construída; 2) como a relação professor-aluno foi
construída e quais eram os princípios de respeito ao outro que a permeava; 3)
porque alguns alunos eram considerados protagonistas de violência e outros
não. Cabe questionarmos ainda se as relações de respeito e autoridade eram
construídas ou impostas, e mesmo se os alunos já tinham ou não estas regras
internalizadas.
Situações que envolvem agressões físicas, geralmente evidenciadas
em socos, tapas ou unhadas em colega, eram registradas tanto em relação aos
alunos em geral como em relação aos protagonistas de violência. Por exemplo,
na Escola 1 do total de 14 registros, 8 eram dos alunos classificados como
protagonistas de violência. Assinala-se aqui que apenas uma ocorrência foi
considerada pela escola como grave. Embora, nos relatos dos gestores, exista a
indicação de alunos envolvidos com o tráfico de drogas, nos registros em análise
nenhuma ocorrência deste tipo foi observada.
De forma geral, quando as referências eram os dois grupos de
alunos, os fatos registrados nos “Livros de Ocorrências” das escolas diziam
respeito à suposta inadequação dos alunos às regras da escola e às normas de
uma boa convivência social escolar. Estes dados se assemelham aos de Sousa
(2006) que evidenciou que a não participação na aula é um dos principais
motivos para o registro em livros de ocorrências em escolas.
Desta maneira podemos supor que os atos de violência na escola, no
sentido jurídico do termo, são fatos que continuam muito raros no ambiente

672
escolar. Mas o clima de insegurança atualmente existente é corroborado pela
mídia, que de forma constante apresenta, de maneira dramática, atos de
violência ocorridos em escolas periféricas, atrelando violência e pobreza. Como
nos lembra Coimbra:
Cotidianamente, os meios de comunicação nos fazem crer que se a grande
massa excluída de nossa população age diferentemente das elites é porque
vive e, portanto, pensa, percebe e sente diferentemente de nós. Daí, não
podem receber o mesmo tratamento.(COIMBRA, 2000, p.17)
Estes dados nos permitem pensar que a maioria dos registros não diz
respeito à violência strito sensu, de modo que podem ser mais bem qualificadas
como transgressões e incivilidades. Segundo Charlot (2002):
a transgressão é o comportamento contrário ao regulamento interno do
estabelecimento (mas não ilegal do ponto de vista da lei): absenteísmo, não-
realização de trabalhos escolares, falta de respeito, etc. Enfim, a
transgressão e incivilidade não contradizem nem a lei, nem o regimento
interno do estabelecimento, mas as regras da boa convivência: desordens,
empurrões, grosserias, palavras ofensivas, geralmente ataque quotidiano - e
com frequência repetido - ao direito de cada um (professor, funcionários,
aluno) ver respeitada sua pessoa. (CHARLOT, 2002, p.437)
Os atos de violência stricto sensu registrados na Escola 1
representavam 7,2% do total de registros, sendo consideradas as agressões
físicas e verbais a alunos, professores e funcionários que se referiam a brigas e
discussões que ocorreriam no ambiente escolar e que tinham por motivo a
utilização de apelidos, ou motivos que surgiram depois de conversas não muito
claras ou de conteúdo dúbio. Portanto, estes fatos parecem ser os que menos
ocorrem. Na Escola 2 as agressões físicas, em todos os registros, configuravam-
se como 4,2% e as agressões verbais 3,7%.
No geral, estes atos de violência representavam uma pequena
parcela dos problemas ocorridos nas escolas e que foram registrados nos livros.
Entretanto, é preciso considerar que a compreensão sobre o que é ou
não violento depende dos sujeitos que os identificam e que lhes atribuem
sentidos e significados (VIGOTSKI, 2006). Leontiev (1978) considera que os
sentidos fazem parte do conteúdo da consciência e parecem entrar na
significação objetiva, mas alerta que é o sentido que se exprime nas
significações, e não a significação nos sentidos, sendo, portanto necessário
distingui-los.

673
Desta forma, compreender os sentidos produzidos pelos professores
sobre violência e, mais especificamente sobre os registros que efetuam, nos
coloca o desafio de compreender a constituição histórica dos sujeitos e o
desenvolvimento de sua consciência. Consideramos não ser possível esta
profundidade de análise, mas compreender os sentidos por meio dos significados
partilhados nos discursos dos sujeitos entrevistados e que norteiam sua prática
no contexto escolar cotidiano nos permite compreender o significado dos
registros nos referidos livros das escolas em análise e compreender como os
professores têm vivenciado o clima de insegurança disseminado, principalmente
pela mídia. Como os atos dos alunos acima descritos têm sido significados pelos
professores e como os sentidos construídos têm mediado as ações ou não ações
desses docentes.
Ainda, compreender como este cotidiano pode estar interferindo nas
relações pedagógicas entre professor aluno.

3. O cotidiano dos professores e significados dos registros


As entrevistas foram realizadas, em grupo focal, com os professores
que mais registraram nos Livros de Ocorrências no ano de 2010 nas duas
escolas anteriormente mencionadas. Lembrando que participaram sete
professores da Escola 1 e cinco professores na Escola 2.
Inicialmente os professores demonstraram surpresa em saber que
eles eram os que mais registraram nos livros no ano de 2010. Alguns
mencionaram que não sabiam que outros colegas não adotavam o mesmo
procedimento. Uma professora da Escola 2 contou que além do registro no livro
da escola, ela mantém um caderno de registros pessoal, onde anota como cada
aluno se comporta em sua aula.
Quando questionados sobre os registros nos Livros de Ocorrências e
seu significado, inicialmente alguns afirmaram registrar problemas que ocorrem
em sala de aula, que extrapolam, ficando insuportáveis, como afirmam os
professores.
“A gente tem algum problema na sala de aula, muitas vezes se torna
insuportável, várias vezes de falar com o aluno, a gente comunica a
direção”(E2,P2);
“Geralmente é quando eu não, eu percebo que o problema já agravou, ai sai
da sala” (E2,P3)

674
Enquanto outros afirmaram que registram por solicitação da escola,
como ilustra o trecho: “É porque é pedido para nós que registre, para pedir
ajuda por qualquer motivo” (E2,P1).
Na Escola 1 o registro é apontado como um instrumento a ser
utilizado em situações mais graves, como ilustra o trecho a seguir.
“Quando passa do limite do contornável e eles vão para uma agressão física
ou eles vão para uma agressão verbal com o professor, a gente utiliza, ou
pelo menos deveria ser essa a intenção. O caderno de anotações, o caderno
de advertências, para esses casos mais sérios” (E1, Prof.A).
Outro ponto destacado nas falas dos professores se referia às famílias
que também não apoiavam, pouco se importando com os registros feitos sobre
seus filhos. Quando chamados, muitos pais não compareciam à escola, e quando
o faziam, dificilmente essa presença poderia ser considerada positiva. Os pais
acabavam por se aliar e defender os filhos, criticando os professores, como
ilustra a fala de um professor:
“A postura do pai é igual a do aluno, e às vezes a do pai é pior. Então, ele
está reproduzindo o que ele vê em casa. Aí fica complicado” (E1, Prof. E).
Entretanto, Ratto (2007) nos lembra que:
“não raro, os pais são chamados pela escola na medida em que seus filhos
estão acarretando problemas para o funcionamento escolar, sendo
conscientizados ou cobrados a partir de discursos “prontos e fortes”, que os
colocam, tal qual seus filhos, também em uma posição constrangedora, com
restritas margens de negociação, contestação, relativização ou exposição de
suas dificuldades. Mais uma vez a verdade tende a funcionar a favor da
escola” (p.206).
Não estamos afirmando ser o caso das escolas em análise, mas que
este aspecto deve ser considerado, tendo em vista que historicamente as
relações entre escola e comunidade se constituíram de forma hierárquica, sendo
a primeira, não raramente, colocada na posição da detentora da verdade,
enquanto os pais são muitas vezes considerados os responsáveis pela educação
moral dos filhos. Este código moral, de respeito hierárquico e punitivo, parece
não mais ter um significado socialmente partilhado entre alunos.
Assim, os professores reclamam a ausência dos pais para o diálogo,
mas não indicam os espaços efetivos para esta prática. Vivenciam um duplo
sentimento de angústia, primeiro pelo trabalho que não conseguem realizar, mas
que acreditam ser sua responsabilidade, por outro, a falta de apoio das famílias,
de quem se sentem cobrados, mas não observam a contrapartida.

675
A escola e os professores parecem permanecer na expectativa de que
alguns “ensinamentos” cabem à família e não a escola. Quando esta expectativa
não se realiza, se sentem reféns do sistema, tendo que assumir
responsabilidades pela educação geral do aluno, aquela que para eles deveriam
vir da família, na expressão muito utilizada por professores “deveria vir do
berço”.
Sobre este tema, Clot (2006) expõe a distinção entre a atividade
realizada e a atividade real, sendo esta relacionada àquilo que não pôde ser
feito, mas que não se pode abolir da perspectiva do sujeito, como é o caso da
professora que lamenta a pouca participação da família na vida escolar de seus
filhos. A atividade impedida ou contrariada também requer esforços internos ao
indivíduo e pode gerar riscos de adoecimento, quando se analisa os efeitos sobre
a saúde.
Como consequência dessa vivência conflitiva e, de certo modo,
intensificada do trabalho, já que demandam outras práticas, para além do
trabalho prescrito, alguns professores relatam problemas de saúde ou ainda, o
uso de medicamentos para aliviar/suportar o cotidiano estressante,
consequência do confronto estabelecido entre professores e alunos e, segundo
eles, o descaso da família, como ilustram os trechos a seguir:
“...foi até o ponto em que ele conseguiu atingir uma coisa que eu não
admito, certo? Foi quando ele falou assim – você pensa que é grande coisa,
mas você não é nada, aqui você não é nada (....) e eu na quinta-feira já
estava mal de saúde por causa da traqueíte, eu vou cumprir com a minha
palavra e vou até a PM (....) ai quando eu chego o escrivão falou assim – a
senhora sabe que isto não vai dar em nada? (...) a esta altura os nervos já
tinham pulado fora (...) todo esse questionamento muitas vezes é que leva a
gente ao stress” (E1, Prof.A)
“Ai você chega em casa e toma um Rivotril e fica bem! (Prof.F)
Esses dados encontram ressonância com os achados na pesquisa de
Gasparini et al (2006) que evidenciou que os transtornos psíquicos ocupam o
primeiro lugar entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos (16%) na
rede municipal de ensino em Belo Horizonte. Ainda:
O relato de violência nas escolas foi muito freqüente entre os professores
estudados. Todas as formas de agressões praticadas por alunos, pais de
alunos, funcionários ou colegas de trabalho, ou pessoas externas à escola,
foram fortemente associadas aos transtornos mentais. (GASPARINI et al,
2006, p. 2688)

676
Os professores participantes da pesquisa desenvolvida por Silva e
Ristum (2010) corroboram este dado e afirmam que algumas das consequências
para a atuação de um professor que é vitima de violência por parte dos alunos
“dizem respeito à saúde física e mental, consequências como depressão e
doenças da mente e do corpo” (p. 244); segundo as autoras, “isso seria
indicativo de que consideram a violência no ambiente de trabalho capaz de gerar
consequências ligadas à qualidade de vida que transcendem o exercício da
prática docente” (SILVA; RISTUM, 2010, p. 245).
Segundo Dejour (1993) o sofrimento, principalmente o mental se
desencadeia quando o espaço de negociação ou de liberdade de negociação
entre o ser humano e o modo de organização do trabalho se restringe, existindo
poucas possibilidades de adaptações às necessidades do trabalhador. Deste
modo, os indivíduos tornam-se mais fragilizados e susceptíveis ao adoecimento.
As manifestações sintomáticas variam desde um sentimento de insatisfação e
frustração chegando até uma angústia difusa e um profundo sentimento de culpa
e impotência.
Retornando aos professores de nossa pesquisa, quanto ao que
registrar, na Escola 1, eles afirmaram registrar: agressão verbal a professores,
acusação indevida ao professor, vandalismo, perjúrio, bate-boca com professor,
supostamente para se protegerem; enquanto outros afirmavam que não viam
diferenças entre o registro e não registro. Na Escola 2, se registrava para
supostamente se ter controle da sala, sobretudo quando haviam reincidências de
comportamentos, ou ainda, para justificar para os pais, quando aluno dormia,
quando tinha muitas faltas, e, também, para uma suposta “proteção” do
professor e da escola.
“A gente faz para se proteger, para ter registro ali.” (E1,Prof.D)
“Tomou-se esta resolução para se proteger do ato, porque o professor não
tem mais confiança, perdeu-se o valor, não se confia em professor, não se
confia em escola, e a escola faz tudo errado para o filho. E eu penso que os
registros é no sentido de se proteger mesmo. Eu vejo como para proteger a
escola, a coordenadora, o professor e vejo a todos preocupados com essas
desgraças (...) no sentido de ter um respaldo” (E2, Prof.1).
Observa-se que os professores disseram que os motivos para se
registrar são o de se “proteger”. Afirmam que anotam as situações ocorridas em
sala de aula, aquilo que os alunos fizeram, com o intuito de que se alguém
questionar alguma atitude tomada, os motivos que levaram a isto estão
anotados. Parece evidente, a crise de autoridade do professor, tendo em vista

677
que, o significado socialmente partilhado anteriormente não mais se evidencia
nas relações cotidianas da escola. Assim, é possível entender que, em sua
maioria, os registros se configuravam como uma forma de proteção a si mesmo
e a escola, construindo um “dossiê” do aluno protagonista ou não de violência.
Neste sentido Ratto (2007) corrobora a análise, ao afirmar que
“tendo em vista que, articulados ao contexto do disciplinamento efetuado, os
livros de ocorrências existem para estabelecer a verdade e proteger a escola de
possíveis acusações” (p. 206).
Na perspectiva da autora, os livros precisam funcionar no sentido de
não deixar dúvidas e estabelecer um consenso, mas considera este último
problemático, uma vez que o registro é escrito “em meio a um poder que
beneficia, sobretudo, as verdades que as autoridades escolares querem ou
precisam estabelecer” (RATTO, 2007,p206)
Pelos registros, as trajetórias dos alunos de desacato, de agressões,
de atrapalhar a aula, de ofender e insultar, são construídas e assim se
eventualmente tiver que adotar uma medida mais extremada é possível justificá-
la pela trajetória do aluno que mostra que atos como esses eram recorrentes.
Um docente afirmou ainda que haviam sido instruídos a agir deste modo por um
promotor de justiça.
Tais afirmações podem explicar porque os livros contêm registros
sobre vários alunos e não apenas dos considerados violentos, já que registrar o
comportamento dos alunos pode ser uma atitude preventiva/protetiva da
instituição e dos professores.
As falas dos docentes de que os registros tinham como objetivo
principal da auto-proteção - se defender - evidenciou que os registros podem ter
um sentido que até então não havíamos suposto. A hipótese que tínhamos era a
de que o registro em Livros de Ocorrências, como indicado na literatura, tinha
apenas o objetivo de contribuir para o cumprimento das normas escolares pelos
alunos, disciplinando-os.
No entanto, lembramos que o registro nos Livros de Ocorrências é
uma prática cotidiana da escola e o sentido de usar estes livros para disciplinar
permanece, mesmo entre os professores entrevistados. Também, segundo os
professores, não há apoio da direção em relação aos registros,
contraditoriamente à fala de alguns que afirmam terem sido orientados ao
registro. Aquilo que era colocado no papel - registrado- não tinha consequências.

678
Como apontamos antes, para os professores, registrar se tornou a própria
medida, a própria providencia adotada.
Sobre este processo perverso, Noronha et al (2008), apontam que as
professoras, depois de intervirem inúmeras vezes para separar brigas de alunos
em sala de aula, deixam, outras vezes, de dar atenção ao fato. Ou seja, há um
momento em que elas ignoram os eventos de indisciplina, parecendo expressar
uma estratégia para lidar, no seu limite, com o cansaço e os seus efeitos. Deste
modo, o não registro pode ser resultante desse cansaço apontado pelos autores,
ou ainda, uma forma de manifestação do sofrimento diante de situações de
exaustão cotidiana.
Sendo assim, mais um elemento de desgaste na relação professor
aluno, na construção da identidade do professor, ou ainda, da sua figura de
autoridade a ser respeitada; desgaste este que parece gerar sofrimento psíquico
no trabalho, e, em alguns casos, estresse senão adoecimento.
Este quadro agrava-se constantemente nas rotinas das escolas
públicas, com várias ausências e afastamentos de professores por problemas de
saúde, principalmente de ordem emocional, seguidos de acometimentos físicos.
Portanto, os livros parecem ter perdido, para os professores e alunos,
o significado socialmente construído e partilhado por muitos anos no ambiente
escolar, passando agora a se constituir em uma “prova” dos atos praticados
pelos alunos, construindo-se um novo significado para os registros, a
constituição de um “dossiê” dos alunos que poderá ser utilizado como defesa da
escola em suas práticas cotidianas, como por exemplo: para expulsar/transferir
compulsoriamente alunos; em casos de encaminhamento a outras instituições
como o Conselho Tutelar, Delegacia ou Poder Judiciário.
No âmbito mais pessoal, os professores utilizam-se dos registros
como forma de uma suposta auto-proteção e auto-afirmação diante da crise de
autoridade vivenciada por esta categoria profissional nas últimas décadas, que,
na prática, contraditoriamente evidenciam sua pouca autoridade em sala de
aula. Sua eficácia simbólica nos pareceu um tanto fragilizada.
Franco et al (2010) nos ajuda a compreender esta necessidade de
construir um sistema de auto proteção, quando analisa as dimensões da
precarização do trabalho. As autoras apontam que:
“Consolida-se no imaginário social a noção de descartabilidade das pessoas,
de naturalidade da insegurança e da competição de todos contra todos,
ancorada na fragilização dos vínculos, nas rupturas de trajetórias

679
profissionais, na perda da perspectiva de carreira.( FRANCO ET AL, 2010,
232)
Os docentes começam a buscar outras formas de controle para os
acontecimentos ocorridos na sala de aula que consideram graves. Nos casos que
consideram extremos, recorrem à Ronda Escola e buscam realizar Boletins de
Ocorrência, os BOs - instrumento utilizado pela política para registro de uma
infração ou delito a ser apurado - contra os alunos.
Na Escola 1, dentre os professores entrevistados, três deles já
haviam feito Boletim de Ocorrência, todos eles motivados pelo desrespeito à
figura do professor: uma aluna havia chamado a professora de “biscate” ( no
dicionário da língua portuguesa significa um gíria para prostituta, meretriz),
outro aluno disse que a professora não mandava na sala de aula e outro fez
ameaças a um professor. A procura de advogados para saber quais são os
direitos de uma pessoa perante a lei também foi levantada como uma hipótese
pelos docentes. Entretanto, nos Livros de Ocorrências da Escola 1 não
constavam estes registros, ou seja, os fatos graves acabavam não sendo
registrados, encaminhando-se para providências fora da instituição escolar, o
que, de certa forma, criminaliza os alunos que praticam atos de diferentes
naturezas, podendo alguns ser classificados como indisciplina, incivilidade e
outros como violência stricto sensu.
Na Escola 2 nenhum professor mencionou ter registrado Boletim de
Ocorrência, apesar desse registro constar nos Livros de Ocorrências da escola.
Neste sentido, Franco et al (2010) aponta que o processo de
judicialização das questões sociais, tem sido o foco, em detrimento dos espaços
de organização e mobilização social, conferindo maior importância à instância
jurídica.
É o que podemos perceber na ação dos professores, diante do
sofrimento vivenciado nas situações cotidianas, perdem a legitimidade de
solucionar conflitos, antes tomados como indisciplina, buscam recuperar esta
credibilidade, ou ainda, a punição àqueles que atribuem a responsabilidade pelo
fracasso das relações professor-aluno, junto às instituições externas à escola,
mais especificamente, nas instituições repressoras e legalistas.
Batista e El-Moor (1999), avaliam que o trabalho do professor foi
atingido pela violência em um de seus aspectos mais importantes, que é a
relação afetiva com aquilo que faz e com a sua relação com os alunos. Para o

680
autor: “a ocorrência da violência como integrante do cotidiano da escola é
incompatível com o trabalho de educar”.( BATISTA; ELMOOR , 1999, p.159)
Assim, Vilela (2006) demonstrou em sua pesquisa que parece correto
supor que o trabalho do professor ficou confinado aos limites da sala de aula e
do tempo definido no horário escolar. Ainda, as cenas diárias parecem atrapalhar
até esse limite de ação permitida ao professor. Quando há uma briga dentro da
sala ou um ato de vandalismo percebido por todos, isso interfere no clima da
sala de aula e então até a aula não tem mais condições de se realizar.

Considerações finais
De forma geral, na análise das entrevistas com os professores que
mais registraram nos referidos livros, destaca-se um sentido disciplinar, mas
principalmente um sentido de auto-proteção, “para se defender”, ao possibilitar
a construção de uma trajetória comportamental dos alunos, que justifiquem
medidas mais extremadas e externas à escola. Ao mesmo tempo, indicam uma
fragilização da autoridade do professor, que se sente refém dos alunos, dos
quais precisam se defender constantemente. Nas falas dos professores não
evidenciamos qualquer referência a aspectos pedagógicos ou educativos
atrelados aos registros nos livros de ocorrências.
Assim, é possível perceber que o mal –estar docente constitui-se em
um fenômeno social desencadeado pela desvalorização profissional atrelada às
diferentes exigências cotidianas do contexto escolar, à violência e a indisciplina,
desencadeando a crise de autoridade vivenciada pelo professor, que passa a
questionar o sentido de seu trabalho. Ou seja, o estranhamento do sujeito em
relação à sua prática, ao seu trabalho.
Como apontamos anteriormente, o sofrimento surge como
decorrência do pouco espaço de liberdade que existe entre o ser humano e a
organização do trabalho. Nestas situações é possível a eclosão de um sofrimento
mental, tornando o individuo fragilizado e mais susceptível ao adoecimento. As
manifestações sintomáticas variam desde um sentimento de insatisfação e
frustração chegando até uma angústia difusa e um profundo sentimento de culpa
e impotência (DEJOURS, 1993).
Diante deste quadro, o professor parece se sentir refém deste
sistema, desgastado na sua construção de vínculos no ambiente de trabalho,
gerando sofrimento e adoecimento psíquico. Por outro lado, os dados
encontrados nos registros das escolas, indicam que esses professores têm

681
vivenciando as situações de indisciplina de modo exacerbado, interpretando
como violência toda e qualquer ação dos jovens, considerados à priori
criminosos, de quem esses professores precisam se defender, construindo os
“dossiês” desses alunos. Vilela (2006) sintetiza este quadro da seguinte forma:
Nossa primeira confirmação é de que violência social tem implicações na
atuação profissional dos docentes. A instalação da violência na escola tem
implicações na rotina escolar e no trabalho dos professores. Em primeiro
lugar, o professor é um cidadão amedrontado, e isso limita sua ação como
educador. Ele se afasta afetivamente do aluno e se torna um “tarefeiro”, ele
vai à escola para dar aulas e não quer envolvimento com os alunos (VILELA,
2006, p. 78)
Assim, contraditoriamente, os professores parecem vivenciar
situações nas quais se sentem reféns, sem apoio ou respaldo da instituição
escolar e familiar. No confronto cotidiano, sofrem, se estressam e adoecem, ao
mesmo tempo que buscam mecanismos meramente defensivos de “proteção” a
partir de significados estereotipados atribuídos aos acontecimentos em sala de
aula, geralmente divorciados de um sentido autêntico.
Para Vigotski (2006) os sentidos são pessoais, mas podem e devem
ser acessados por meio do significado, elemento partilhado que possibilita a
compreensão entre os sujeitos. Mas o significado pode vir, grosso modo,
dissociar-se do sentido e, assim, se configurar de forma estereotipada, senão
preconceituosa.
Desta forma, o significado de violência sofrida e de aluno violento é
resultante de uma frágil elaboração, construída sem uma devida reflexão, de
modo que nem sempre a dimensão pessoal é passível de se efetivar. As relações
sociais e culturais estabelecidas e partilhadas no cotidiano da escola tendem a
não possibilitar momentos de suspensão em relação ao cotidiano alienado.
Assim, os professores experienciam o sentimento de impotência, desvalorizado
pelos alunos e por seus pais. Esses sentidos parecem ancorados em suas
representações de violência, juventude, pobreza e contexto sociocultural,
marcadamente vivenciada no confronto entre o aluno esperado e o que
efetivamente adentra as salas de aulas.

Referências Bibliográficas
GASPARINI, S.M.; BARRETO, S.M. & ASSUNÇÃO, A.A. Prevalência de
transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública, 22(12):2679-2691, 2006.

682
BATISTA, A. S.; EL-MOOR, P.D. Violência e Agressão. in: CODO, Wanderley
(org.). Educação: Carinho e Trabalho. Burnout, a Síndrome da Desistência do
Educador, que pode levar à falência da educação. Petrópolis: Vozes, 1999.
CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis. Ed. Vozes: 2006.
COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Doutrinas de segurança nacional: banalizando
a violência. Psicol. estud. [online]. 2000, vol.5, n.2, pp. 1-22. ISSN 1413-7372.
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa
questão. Revista Sociologias. Porto Alegre, n.8, ano 4, p.432-443, jul./dez, 2002.
DEBARBIEUX, E. A violência na escola francesa: 30 anos de construção social
do objeto. (1967-1997). Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n.1, jan./jun., pp.
163-193, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo
_______________. Les dix commandements contre la violence à l'école.
Cahiers Pédagogiques, 10, n. 436, p. 62-63, 2005.
_______________. Violência nas escolas: divergências sobre palavras e um
desafio político In: DEBARBIEUX, E; BLAYA, C. (Orgs.) Violência nas Escolas e
Políticas Públicas. Brasília: UNESCO,2002, p. 59 a 92.
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. O
indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 2º ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 1993,
p.149-173.
FRANCO, T.; DRUCK, G.; SELIGMAN-SILVA, E. As novas relações de trabalho,
o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado.
Rev. Bras. Saude Ocup., São Paulo, 35 (122):229-248, 2010.
LEONTIEV, A.N. O desenvolvimento do psiquismo.São Paulo: Ed. Moraes Ltda,
1978.
MORO, N. de O. O “LIVRO PRETO” nas escolas da região dos Campos Gerais.
Anais da I Jornada do HISTEDBR. Salvador 9-12 de jun, 2002. Disponível em:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada1/recorte2.html.
acessado em 29/05/2011.
NORONHA, M.M.B.;ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. O sofrimento no
trabalho docente: o caso das professoras da rede. Trab. Educ. Saúde, v. 6 n. 1, p. 65-
85, mar./jun.2008.
RATTO, A.L.S. Livros de ocorrência: (in)disciplina, normalização e
subjetivação.São Paulo: Cortez, 2007.
SILVA, J. O. da; RISTUM, M. A violência escolar no contexto de privação de
liberdade. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 30, n. 2,2010 .Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-

683
98932010000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em 30 mar. 2012.
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932010000200002.
SOUSA, C. A. D., NASCIMENTO, K., AZEVEDO, I. A. S. Registros em livros de
ocorrência das escolas públicas de cidades localizadas a leste de Minas Gerais: uma
análise documental. Anais I Seminário internacional de Direitos Humanos, Violência e
Pobreza, Rio de Janeiro, 2006.
VIGOTSKI, L.S. Obras Escogidas IV. Psicologia Infantil. Editorial Pedagógica,
Moscú. 2ª. Ed., 2006.
VILELA, R.A.T. O trabalho do professor nas condições de adversidade:
escola, violência e profissão docente. Relatório Final de Pesquisa, PUC-MG, 2006.

684
TITULO: Profissão professor: imagens do sentimento de insegurança na

escola

AUTOR(ES): Joyce Mary Adam de Paula e Silva (joyce@rc.unesp.br) e

Leila Maria Ferreira Salles (leila@rc.unesp.br)

INSTITUIÇÃO: Instituto de Biociências – Universidade Estadual Paulista –

UNESP-Rio Claro – SP – BRASIL

O presente trabalho trata-se de um estudo realizado em duas escolas


da periferia de uma cidade do interior do Estado de São Paulo/Brasil e aborda o
sentimento de insegurança dos professores em relação a seu espaço de atuação.
O principal objetivo é a análise do imaginário dos professores em relação a seu
espaço de atuação e como esse imaginário contribui para o sentimento de
insegurança presente nas escolas.
A técnica de pesquisa adotada para esta pesquisa foi a utilização de
dinâmica de grupo onde os professores em primeiro lugar responderam a
algumas questões a respeito de seu trabalho nas escolas e depois, em grupos,
foi solicitado aos mesmos que analisassem um conjunto de respostas e fizessem
cartazes utilizando-se de figuras recortadas de revistas que expressassem as
respostas dadas individualmente. Posteriormente foi feita uma discussão coletiva
onde cada pequeno grupo apresentou os resultados e discutiram-se os
significados das figuras apresentadas. Na escola 1 participaram da dinâmica 21
professores e na escola 2, 33 professores.

A contribuição dos estudos sobre imaginário para a análise da


instituição escolar.
O referencial de análise fornecido pela sociologia do imaginário tem
uma contribuição fundamental como referencial metodológico no estudo da
instituição escolar por considerarmos que o conceito de imaginário vai além das
construções intelectuais que podem ser elaboradas pelos sujeitos, manifestando-
se concretamente nas imagens, histórias e lendas criadas por estes. Dessa forma
o imaginário está presente tanto na estrutura e nas ações cotidianas como nos
valores, princípios e cultura de cada grupo social. Assim, consideramos como
Legros et all (2007) que:

685
Tudo que se apresenta a nós, no mundo sócio histórico, está
indissociavelmente tecido no simbólico. Mesmo que as
instituições não se reduzam a esse fenômeno, elas não podem
existir sem ele, cada uma delas constituindo sua própria rede
simbólica de segundo grau; a justiça, a escola, a empresa, o
hospital se caracterizam por operações simbólicas permanentes.
(pág. 95).
Taylor (2006) diferencia imaginário social e teoria social, em primeiro
lugar por considerar o imaginário como sendo a forma como as pessoas
“imaginam” seu entorno social apresentando-o por meio da cultura; em segundo
lugar por considerar que a teoria é limitada a uma pequena minoria, enquanto
que o imaginário é uma concepção coletiva de amplos grupos de pessoas senão
da sociedade em seu conjunto; por último considera que o imaginário social é o
que faz possível as práticas comuns e as legitimações das mesmas, dando
sentido a tais ações enquanto grupo. O imaginário social na concepção de Taylor
não é apenas ideologia, mas define conceitos e práticas que caracterizam os
diferentes contextos históricos econômicos e sociais. Esse autor destaca ainda
que a modernidade tanto em sua origem como na atualidade, com suas
múltiplas modernidades, deve se compreendida a partir dos diferentes
imaginários sociais construídos.
Outro autor que trabalha com o conceito de imaginário e sua
importância para a compreensão das instituições é Castoriadis. Castoriadis
(1982) fala sobre o significado do imaginário na constituição das instituições,
juntando imaginário e funcionalidade como elementos complementares nesse
processo. Afirma que a instituição é uma rede simbólica, socialmente
sancionada, onde combinam em proporções e em relações variáveis um
componente funcional e um componente imaginário. (pág. 159). Aponta a
presença do imaginário nas idéias expressas por Marx quando este se refere ao
fetiche da mercadoria como elemento importante para o funcionamento efetivo
da economia capitalista, apesar de considerar que para Marx este imaginário tem
um papel limitado.
Nessa mesma linha de raciocínio cita Lukacs que afirma que na
economia capitalista as leis só podem realizar-se utilizando as ilusões dos
indivíduos (pág. 160). Tais afirmações de Castoriadis vêm no sentido de
reafirmar o papel do imaginário na constituição das estruturas da sociedade, a
partir da ação humana.

686
Quando afirmamos, no caso da instituição que o imaginário só
representa um papel porque há problemas “reais” que os
homens não conseguem resolver, esquecemos, pois, por um
lado, que os homens só chegam precisamente a resolver esses
problemas reais, na medida em que se apresentam, porque são
capazes do imaginário; e por outro lado, que esses problemas só
podem ser problemas, só se constituem como estes problemas
que tal época ou tal sociedade se propõem resolver, em função
de uma imaginária central da época ou da sociedade
considerada. ( pág. 162)
Tais palavras de Castoriadis chamam a atenção para o poder do
imaginário tanto em relação aos problemas reais criados em cada época como
para a resolução dos mesmos a partir do imaginário. Assim, o imaginário não é
só constituinte do problema como também está presente nos encaminhamentos
dado pela sociedade, encaminhamentos estes que legitimam as ações
correspondentes.
Sintetizando as idéias dos dois autores citados podemos concluir que
estes destacam o papel dos imaginários, criados nos diferentes contextos
econômicos e sociais, como orientadores dos desenhos das estruturas sociais,
bem como das verdades, valores, e ações que são legitimadas pelos indivíduos.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que o imaginário orienta o formato das
instituições ele é construído pelos sujeitos em seu cotidiano.
Adotando este referencial para a análise da escola, consideramos que
o imaginário a respeito da escola construído por seus participantes é um
elemento importante para a compreensão das ações cotidianas, sua estrutura,
relações de poder estabelecidas e os conflitos advindos dessas interações.
Assim, as relações que se processam no cotidiano da escola são práticas
estabelecidas e legitimadas pelo imaginário minimamente compartilhado e
negociado entre seus membros, que se manifesta nas ações cotidianas. No
entanto, lembramos que os dois autores citados referem-se ao imaginário social
como um conceito que possui um componente que não pode ser esquecido que é
o dos sentidos dados pelo contexto social, político e econômico de cada época.
Portanto as relações na escola precisam ser compreendidas nessa
dimensão maior que não somente a do individuo enquanto consciência
individual, mas também enquanto ser social que elabora e reelabora os
conceitos, impressões e sentimentos a partir das relações com o mundo vivido e
experienciado tanto intra como extra-instituição. Nesse sentido, o sentimento de

687
insegurança dos professores no ambiente escolar reflete o sentimento de
insegurança presente na sociedade atual, que tem como um de seus
pressupostos a responsabilização individual pela condição de vida promovendo
uma imagem ameaçadora dos jovens de periferia à sociedade. Esse imaginário
contribui para um distanciamento entre professores e alunos promovendo uma
angustia no cotidiano do professor.

Imaginário Social e Escola no Contexto Atual: subsídios para um Estudo


da violência escolar
Retomando a idéia do imaginário de cada época como elemento
importante na constituição das ações praticadas pelos diferentes setores sociais,
trazemos aqui algumas reflexões sobre algumas características que compõem o
imaginário do contexto econômico, político e social atual.
Taylor (2006) coloca a questão de que o que imaginamos pode ser
algo novo, construtivo, algo que abra novas possibilidades, mas também pode
ser pura ficção, talvez perigosamente falsa. Coloca a pergunta sobre a
possibilidade do falseamento do imaginário no sentido de que este possa
esconder ou ocultar certas realidades cruciais. Para esta questão responde
claramente que sim e como exemplo cita nossa auto-imagem de cidadãos iguais
em um Estado democrático que ignora a exclusão e a desigualdade de nossa
sociedade. Sua argumentação é a de que se entendemos a “igualdade” como
algo mais que um princípio legitimador, quer dizer, se imaginamos isto como
uma realidade plenamente efetiva, o que temos feito é falsear a realidade,
desviar o olhar para não ver os diversos grupos excluídos ou despossuídos ou
imaginar que são os únicos responsáveis por sua situação (p.211).
As conseqüências da desigualdade social para a produção da
violência social e o reflexo na vida dos jovens têm sido estudadas por muitos
pesquisadores em todo mundo. Zaluar, em diferentes artigos (2001, 1994, 1998
e 1999) aponta para o fator institucional da desigualdade no Brasil, e a
conseqüência da mesma para a vulnerabilidade dos jovens pobres. Citando
Dellasoppa et all (1999), destaca que estes consideram o modelo de
desigualdade social do país como o que melhor explicaria as “causas” da
violência no Brasil.
Nessa linha de raciocínio, quando trazemos para análise a escola
imaginada como instituição igualitária e justa, vemos que caímos no mesmo
falseamento da realidade apresentada por Taylor, muito bem colocado por Dubet

688
(2004) e por Martucelli (2001). Esses autores trazem questões que contribuem
para a reflexão sobre o papel da escola e o imaginário que a circunda na
sociedade atual e que são importantes para a discussão sobre a produção e
reprodução da violência em seu interior.
Ao discutir o que seria uma escola justa, Dubet (2004, p. 540)
apresenta as seguintes questões:
- A escola deve ser puramente meritocrática, com uma competição escolar justa
entre alunos social e individualmente desiguais?
- Deve preocupar-se principalmente com a integração de todos os alunos na
sociedade e com a utilidade de sua formação?
- Deve tentar fazer com que as desigualdades escolares não tenham demasiado
conseqüências sobre as desigualdades sociais?
Tais questões colocam em cheque a idéia do modelo de igualdade de
oportunidades meritocrático que pressupõe como sendo justo uma oferta escolar
perfeitamente igual e objetiva, ignorando as desigualdades sociais dos alunos.
Esta é uma questão presente no mundo todo e como aponta Dubet, nos
diferentes países as pesquisas mostram que a escola que é freqüentada por
alunos menos favorecidos, em geral, apresenta problemas semelhantes tais
como: os entraves são mais rígidos para os mais pobres, a estabilidade das
equipes docentes é menor nos bairros difíceis, a expectativa dos professores é
menos favorável às famílias desfavorecidas, que se mostram mais ausentes e
menos informadas nas reuniões de orientação, etc.
Como reflexo dessa situação muitas instituições deixaram de ter
legitimidade para os jovens por não conseguirem oferecer a eles uma
perspectiva de inserção social, mostrando-lhes um horizonte turvo e dentro de
um cotidiano de miséria moral e material. A escola não foge a essa situação
apresentando-se muitas vezes como um espaço sem significado para boa parte
dos jovens de periferia.
Somado-se a essa questões apresentadas, temos ainda a cada vez
mais frequente criminalização de ações que se enquadram na categoria de
incivilidades. O comportamento dos jovens de periferia aparentam ameaçadores
para a sociedade e no caso em particular da escola aos professores. A linguagem
própria, as vestimentas e o imaginário sobre a familia e o envolvimento dos
jovens com o crime e as drogas, sem que haja reais evidências criam um fosso
entre alunos e professores, dificultando as relações pessoais e pedagógicas.

689
O sentimento de insegurança que se observa no corpo docente não
se restringe na relação com o aluno, mas se relaciona também com o espaço
escolar e com os colegas professores. Para refletir sobre essa situação em
particular destacamos a questão apresentada por Senett ( 2006) sobre a três
déficits sociais da cultura do “novo capitalismo”, que seriam: baixa lealdade
institucional; diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e
enfraquecimento do conhecimento institucional.Estes três déficits estariam
ligados por uma ferramenta intelectual que é o “capital social”, que seriam as
redes de relacionamento em que as pessoas estariam vinculadas.O déficit de
lealdade se relaciona diretamente com o nível de capital social. Organizações de
alto capital social têm uma maior lealdade e vice-versa, nas argumentações de
Sennett. O outro déficit, que é a diminuição da confiança informal entre os
trabalhadores, refere-se à questão de saber com quem se pode contar em uma
situação de pressão ou necessidade. Sennett afirma que a confiança informal
necessita tempo para desenvolver-se e em um contexto em que as relações nas
instituições são superficiais e temporárias, ou como afirma Bauman (2004)
líquidas, a dificuldade para o estabelecimento dessa confiança fica prejudicada.
O terceiro déficit apontado por Sennett que é o enfraquecimento do
conhecimento institucional refere-se às certezas que acompanhavam a estrutura
organizacional burocrática, o emprego e o amparo social que nesse novo
contexto da flexibilização e precarização do trabalho se enfraqueceram.

Imaginário sobre os jovens de hoje e violência escolar.


A imagem que os professores têm de seus alunos pode ser observada
nas frases que utilizaram para caracterizá-los. A imagem apresentada é em sua
maioria negativa, sendo apresentada somente uma resposta mais positiva. Em
geral responsabilizam os adultos e a mídia pela situação que enfrentam na sala
de aula, como veremos nos cartazes que elaboraram sintetizando o conjunto de
respostas dadas pelos colegas bem como pelas respostas dadas ao questionário
que responderam individualmente no inicio da atividade. São elas:
- Quando penso nos alunos me vem a imagem da
incerteza e tristeza.
- A maioria dos alunos não tem bons exemplos em casa e
não são incentivados de forma adequada.
- Medo.

690
- crianças que vão à escola para aprender, bater papo ou
beber leite.
- A imagem que vem à cabeça com respeito ao aluno: um
grande vazio e uma sociedade extremamente ignorante.
- os alunos insistem em um comportamento negativo e
falar em punição é proibitivo.
- com muitos problemas pessoais, familiares que acabam
refletindo na vida escolar.
- crianças sem respaldo familiar, sem carinho, sem
orientação religiosa.
- total falta de vontade de aprender por alguns. Brilho nos
olhos dos alunos que desempenham realmente seu papel
em sala de aula.
- criança sem respaldo familiar, sem carinho, sem
atenção, sem pais.
- imagem dos alunos: crianças perdidas, sem orientação.
- imagem boa, futuro promissor.
Como podemos observar somente um professor apresentou uma
visão positiva dos alunos. Um dos professores colocou a expressão “medo”,
refletindo o sentimento que alguns professores têm em relação aos alunos e o
entorno do bairro.
O cartaz de um dos grupos, mostrado abaixo, representa essa
imagem negativa, mostrando preocupações que estariam vinculadas
principalmente ao uso de drogas, álcool e enolvimento com o crime. A duvida
com respeito a se os alunos têm envolvimento com o crime ou não e até que
ponto as falas agressivas dos alunos e os conflitos, verbais em geral, faz com
que os professores concretamente se sintam ameaçados.

691
De pesquisas anteriores, (realizada em 2008Silva,&Salles,2009)
constatamos que a imagem do aluno usuário de droga e associação com o crime
constitui mais um imaginário do que uma realidade. os quadros a seguir
mostram que a questão das drogas aparece, mas sem uma definição significativa
de envolvimento dos alunos ou entorno com as drogas.

Uso de drogas pelos alunos na escola ou nos arredores, segundo os


alunos (Salles & Silva, Relatório FAPESP, 2009)

692
Com respeito às ameaças reais que os alunos poderiam representar
aos professores, podemos ver pelos dois quadros a seguir, que a ideia de que
alunos frequentam a escola armados ou que são abordados com frequência por
criminosos não se confirma. Não significa, no entanto, que essas preocupações
não devam fazer parte das considerações do conjunto de professores e núcleo de
gestão da escola, muito pelo contrário devem ser pensadas medidas preventivas
e coletivas sobre essas questões. O que queremos destacar é que, a ameaça real
é bem menor do que em geral foi colocado nas respostas dadas, que são muitas
vezes influenciadas pela mídia que supervaloriza situações de conflitos na escola.
Os gráficos que seguem são um exemplo disso.

Porte de armas ou faca, segundo os alunos (Salles & Silva, Relatório


FAPESP, 2009)

693
Fala dos alunos sobre se foram abordado por criminosos e traficantes
(Salles & Silva, Relatório FAPESP, 2009).

Questão 08

Sempre; 5; 5%
As Vezes; 6; 5%

Nunca; 99; 90%

Destacamos, no entanto que junto com o sentimento de ameaça boa


parte dos professores apresenta uma imagem de desamparo e desorientação dos
alunos. Tal situação é na maior parte das vezes atribuída à dificuldade das
famílias em orientar e apoiar os jovens. O imaginário sobre os jovens de hoje
apresentados pelos professores se mostrou coerente com o que a mídia
apresenta e que é considerado, pelos professores, como não trabalhado pela
família. Nesse sentido, a escola seria a ilha de sabedoria e virtudes no meio do
caos e da desordem da sociedade, como exemplifica Dubet & Bellat(), ao
descrever a escola francesa segundo elas mesmas.
A mídia aparece como um instrumento de divulgação e muitas vezes
de propagação dos comportamentos de violência. As respostas que seguem
assim como o cartaz feito pelos professores apontam para esse fato.
- A juventude de hoje é mais violenta porque os meios de
comunicação promovem mais rapidamente e em maior
quantidade notícias atuais.
- a divulgação da violência é maior e dá a impressão de
ser maior.
- Os jovens estão mais violentos principalmente por causa
da mídia, tecnologias eletrônicas.
- A impressão que se tem é a de que houve um aumento
da violência, mas o que proporciona esta visão é a mídia.

694
- Os meios de comunicação promovem o comportamento
violento. - os alunos insistem em um comportamento
negativo e falar em punição é proibitivo.
- Antigamente Havia mais respeito entre a sociedade e
mais formas de penalidade
- Violência sempre existiu entre os jovens. A liberdade
atual faz com que as manifestações violentas ocorram
com mais frequência
- Considero que a juventude hoje é mais violenta, na
minha adolescência não se via tantos crimes, violências
em casa e drogas tão abertamente.

A responsabilização das famílias pelo comportamento violento dos


jovens está presente também tanto nas respostas quanto nos cartazes feitos.
Note-se que o imaginário da família tradicional, com pai, mãe e filhos, assim
como o imaginário de uma família alegre, bem vestida e saudável está presente
como modelo necessário, família esta que em sua maioria está distante das dos
alunos que frequentam a escola. As seguintes respostas dadas trazem
claramente essas questões.
- Muita liberdade, falta de referenciais no lar. Os valores
do meio familiar estão perdidos

695
- A juventude de hoje é mais violenta pela ausência dos
pais na educação de seus filhos. Desigualdade social e
valorização dos bens materiais e não mais a família.
- A maioria dos alunos não tem bons exemplos em casa e
não são incentivados de forma adequada.
- a juventude é mais violenta pelas mudanças que vêm
ocorrendo: crise de valores, a família anda
desestruturada, os jovens são influenciados pelos meios
de comunicação. Valores como ética, respeito e hierarquia
estão completamente deixados de lado.
A fala do coordenador da escola também vem corroborar com essa
imagem da família ao afirmar que:
Uma grande maioria é desestruturada, você não vê muito a
figura do pai e da mãe aqui, você vê ou só o pai ou só a mãe ou
muito padrasto e madrasta. Os filhos às vezes são irmãos, mas
não são do mesmo pai. A gente ouve muito eles falarem: meu
pai tá preso ou minha mãe tá presa, sempre tem alguém da
família preso, a grande maioria mesmo. Eles, acho, que já estão
acostumados com isso. Às vezes o aluno não é violento, mas o
pai tá preso. Tem família estruturada e o rendimento dos alunos
é até melhor. Porque senão dá a impressão de que todas as
famílias são desestruturadas, não, tem famílias estruturadas,
mas na grande maioria a mãe cria o filho sozinha, ou o pai, ou
nem a mãe nem o pai é uma tia, uma vó (Professor
Coordenador).
Os cartazes que seguem também mostram o imaginário de uma
família que seria necessária para que o comportamento dos jovens não fosse
violento e para que a violência na escola não acontecesse. Novamente percebe-
se que o ponto de partida dos professores é um imaginário de família e de aluno
irreal e a resistência de partir para a proposição de ações que viessem no
sentido de trabalhar com o material humano concreto.

696
Apesar desse imaginário presente, alguns professores apresentam
uma perspectiva de esperança em relação à escola e aos alunos, como
demonstra o cartaz que segue:

697
Conclusões
Duas questões centrais se destacaram nas respostas dadas pelos
professores se referiram a: o desrespeito com que são tratados pelos alunos e o
medo presente no ambiente das escolas decorrentes de ameaças, muitas vezes,
imaginárias que sentem sofrer por parte dos alunos, comunidade e pais.
A principal conclusão do trabalho é a de que na complexidade dos
conflitos em que se encontra a escola publica brasileira hoje se soma o
imaginário da insegurança social que coloca a responsabilização individual pela
condição de vida promovendo uma imagem ameaçadora dos jovens de periferia
à sociedade e que são incorporadas pelos professores. Esse imaginário contribui
para um distanciamento entre professores e alunos promovendo uma angustia
no cotidiano do professor.
As imagens dos jovens e das famílias apresentadas pelos professores
pode ser vinculado a dois aspectos trabalhados por autores como Robert Castell
que são a produção do sentimento de insegurança e a rápida veiculação dos
eventos sociais por meio de diferentes mídias. Castell (2010) destaca que apesar
de vivermos em sociedades que sem duvida estão entre as mais seguras que já
existiram vivemos angústias alimentadas pela insegurança e pelo pânico. Tal
sentimento de insegurança e de aumento da violência, assim como a intolerância
com ações outrora considera como característica da juventude relaciona-se
também com a questão trazida por Laurent Mucchiell (2009) relacionada ao fato
de que o que é aceitável como violência é uma questão histórica e
temporalmente determinado o que vai alterando a percepção social do que é
aceitável ou não, enquanto regra de convivência social.
À guisa de conclusão, destacamos que a questão central relacionada
aos conflitos e ao sentimento de insegurança dos professores no espaço escolar
requer uma reflexão aprofundada sobre o imaginário de perigo presente na
relação entre professores, alunos, famílias e o entorno da escola. Analisar quais
os reais perigos e as formas de enfrenta-los coletivamente e que situações
demandam uma atitude de maior acolhimento aos alunos e famílias ao invés do
distanciamento e de ações de repressão.

Bibliografia
BODY-GENDROT, S; Violência escolar: um olhar comparativo sobre políticas de
governança in DEBARBIEUX, E; BLAYA, C; Violência nas escolas e políticas
públicas, Brasília: UNESCO, 2002, p. 165-184.

698
CASTELL,R. As metamorfoses da Questão Social. R.J. Vozes, 2010
CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. RJ, 2ª. Edição. Paz e
Terra, 1982.
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa
questão. Revista Sociologias. Porto Alegre, n.8, ano 4, p.432-443, jul./dez.,
2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo
COWIE, H; SMITH, P. K. A violência nas escolas: uma perspectiva do Reino
Unido. In: DEBARBIEUX, E; BLAYA, C. (Orgs). Violência nas escolas: dez
abordagens europeias. Brasília, UNESCO, p. 247- 268, 2002.
DUBET, F O que é uma escola justa? São Paulo: Cadernos de Pesquisa. São
Paulo: vol. 34, n. 123, pp. 539-555, 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo
DUBET, F. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.119, jul,
pp. 29 – 45, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo
DUBET, F. La démocratisation de l'enseignement scolaire et de la justice d
l`’ecole. In: PAUGAM, S. (org). Repenser la solidarité. Paris: PUF, p. 111-
124, 2007.
DUBET, F., MARTUCCELLI, D. Les parents et l’école: classes populaires et classes
moyennes. Lien social et Politiques, n° 35, pp. 109-121,1996.
DUBET, F.; DURU-BELLAT, M. L’hypocrisie scolaire. Pour um collége enfin
démocratique. Paris. Édition du Seuil, 2000.
LEGROS, P. MONNEYRON, F. RENARD, J.B.; TACUESSEL, P. Sociologia do
Imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2007.
MARTUCCELLI, D., BARRERE, A. A escola entre a agonia moral e a renovação
ética. Educação e sociedade, Campinas, ano XXII, v. 22, n.76, p258-277,
Outubro 2001.
MUCCIELL,L. Notre société est-elle plus violente ?
http://www.scienceshumaines.com/notre-societe-est-elle-plus-
violente_fr_25031.html. Acessado em 29/11/2010
SALLES, L M F.; SILVA, J. M. A de P.; F. VILLANUEVA, C; REVILLA, J. C.,
BILBAO, R. D. Violência na Escola: as influências do clima organizacional e
das relações familiares Relatório de Pesquisa, 2009 (Financiamento Fapesp).
SENNETT, R. La cultura del nuevo capitalismo. Barcelona, Editorial Anagrama,
2006

699
TAVARES DOS SANTOS, J V. Violências e dilemas do controle social nas
sociedades da “modernidade tardia”. Perspectiva. São Paulo, vol.18, n.1,
pp.3-12, mar, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
TAYLOR, C. Imaginários Sociales Modernos. Barcelona. Paidós, 2006.
VELHO, G. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade
contemporânea. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1999.
VELHO, G. Violência, reciprocidade e desigualdade. IN: Velho, G. Alvito, M.
(orgs). Cidadania e Violência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editoras UFRJ/FJV,
2000.
WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos.
3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. REVAN, 2007
ZALUAR, A. Exclusão e políticas públicas: Dilemas teóricos e alternativas
políticas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 12, n.35, Fev.
1997.
ZALUAR, A. Para não dizer que não falei de samba, os enigmas da violência no
Brasil". In: Schwartz, L. (org.). História da vida privada. São Paulo, Cia. das
Letras, v. IV, 1998.
ZALUAR, A. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da
redemocratização. São Paulo Perspec. vol.13 no.3 São Paulo July/Sept.
1999. Disponivel em: http://www.scielo.br/scielo.
ZALUAR, A.Violência, crime organizado e poder: a tragédia brasileira e seus
desafios". In: VELLOSO, J.P. (org.). Governabilidade, sistema político e
violência urbana. Rio de Janeiro, José Olympio, 1994

700
TÍTULO: Stress profissional na perspetiva dos técnicos de SHT

AUTOR(ES): Vera Mendes e Sónia P. Gonçalves

INSTITUIÇÃO: Instituto Piaget; CIS – ISCTE – UL

Como objetivos da investigação foram definidos a) o estudo das perceções dos


técnicos de Segurança e Higiene do Trabalho (SHT) sobre stress profissional,
causas e consequências, enquanto risco psicossocial e b) aferir se a formação,
ministrada na formação/currículo académico, destes profissionais acompanha a
nova realidade psicossocial.

Palavras-chave: stress, stress profissional, técnico de SHT, preditores/fontes


de stress e outcomes/consequências do stress.

Metodologia: Os dados foram recolhidos com recurso à ferramenta Qualtrics


(http://www.qualtrics.com/) através da qual foi disponibilizado um questionário
online composto por um conjunto de questões abertas que refletissem os
conhecimentos/opiniões dos profissionais de SHT sobre o STRESS
PROFISSIONAL; as FONTES; as CONSEQUÊNCIAS e formas de INTERVENÇÃO.
Foram ainda associadas questões de escolha múltipla para apuramento das
variáveis sociodemográficas.
O processo de amostragem ocorreu pelo efeito “bola de neve” (divulgação
junto de empresas, instituições de ensino e contactos pessoais) com vista a
obter uma amostra alargada de técnicos e técnicos superiores de SHT. A recolha
decorreu entre os meses de Janeiro e Março de 2012, tendo- se registado uma
estatística de 283 acessos sobre os quais apenas se refletiram um total de 73
respostas efetivas, traduzindo-se numa taxa de 26% de respostas. Importa
ainda referir que a participação foi voluntária e anónima.
Na análise de resultados sobre as questões sociodemográficas foi utilizado
o software IBM SPSS Statistics 20 e para questões abertas incidiu num tipo de
análise qualitativa com recursos ao software MaxQda (versão 2007). O sistema
de categorias utilizado na codificação, destas, foi desenvolvido com base na
técnica bottom-up, codificação emergente, tendo por unidade de análise o tema.

Resultados

701
O acordo inter-juízes obtido foi de 76.7%. Os resultados da análise intra-
categorial revelaram que estes profissionais associam o stress profissional
sobretudo às teorias Cognitivas, que conceptualizam o stress enquanto processo
dinâmico e interativo entre o individuo e a tarefa desempenhada e o meio em
que se insere. Quando questionados sobre o que consideram ser fontes de stress
(preditores) na sua opinião estão maioritariamente ligadas a fatores
Organizacionais, tais como as características intrínsecas do trabalho, as relações
dentro da organização ou o papel na organização. As consequências repercutem-
se sobretudo no indivíduo ao nível emocional (i.e. como a diminuição da
satisfação e envolvimento) e psicológico/cognitivo (i.e. dificuldade na tomada de
decisão, diminuição do desempenho, degradação do pensamento racional).
Sobre as formas de intervenção a mais referida foi a Prevenção Primária
com enfoque nas intervenções de carater organizacional (i.e. incentivo ao
indivíduo na participação de tomadas de decisão e maior autonomia sobre a
execução de tarefas) e de carater individual (i.e. desenvolvimento de
competências individuais na gestão do stress). Facto importante foi a verificação
de uma percentagem significativa de participantes com indicação de
desconhecerem ou não conhecerem aplicadas, ao contexto laboral atual (à data
do estudo), qualquer forma de intervenção traduzindo-se num percentual de
resposta de 17%.
A análise inter-categorial revelou ainda a existência de associações que
os participantes fizeram entre as diferentes categorias, denotando-se uma
multiplicidade de relações entre os diferentes fatores dos temas representados
em cada questão
As principais limitações encontradas refletiram-se sobretudo na
homogeneidade da amostra quanto à classificação profissional, em que apenas
um dos participantes era técnico nível III todos os restantes possuíam
certificação nível V. No decorrer da categorização das respostas denotou-se
ainda a ausência de sólidos conhecimentos teórico-empíricos que terão
repercussão na aplicação de práticas de gestão do stress. De referir, por último,
a própria dimensão da amostra enquanto estudo exploratório.
Todavia, dos resultados obtidos é possível desde já apurar a existência de
um handicap no que são as competências ministradas na formação destes
profissionais, de SHT, e o que são as exigências reais face à nova realidade
psicossocial. Dos programas de formação, quer ao nível técnico e técnico
superior, denota-se uma ausência no enfoque das questões associadas ao stress

702
enquanto risco psicossocial crendo-se que este seja mesmo algo negligenciado
ou pelo menos diminuto face aos restantes riscos profissionais.
A opção de uma investigação sobre o stress profissional aliado às
perspectivas dos profissionais de SHT teve por base uma dupla constatação, o
facto de serem este os profissionais responsáveis por mediar e gerir as questões
do stress profissional dentro das organizações e pela verificação de uma lacuna
existente no estudo do tema associado a estes profissionais, verificando-se que a
maioria das investigações se centra em profissionais que exercem profissões de
risco de stress acrescido.

Referências Bibliográficas
Cunha, M., Rego, A., Cunha, R. e Cardoso, C. (2007). Manual de
Comportamento Organizacional e Gestão (7ª edição). Lisboa: RH Editora.
Paulos, C. I. F. (2009). Riscos Psicossociais no Trabalho. Lisboa: Verlag
Dashöfer.
Weinberg, A., Sutherland, V. J. & Cooper, C. (2010). Organizational Stress
Managment: A Strategic Approach. UK: Palgrave Macmillan

703
704
Conferências Plenárias

705
706
TÍTULO: Liderança

AUTOR(ES): Jorge Correia Jesuíno

INSTITUIÇÃO: ISCTE - IUL

If one compares the book “Changing Conceptions of Leadership” edited by


Graumann and Moscovici in 1986 with the “Bass and Stogdill’s Handbook of
Leadership: Theory, Research and Managerial applications” whose 3rd edition is
dated 1990, one could say that, notwithstanding the fact that they both deal
with the topic of leadership, they have very little in common, being almost
incommensurable. The former is edited by European scholars and the great
majority of the chapters are also European. The only exception is Fred Fiedler, a
well known American expert on leadership. The Bass and Stogdill’s Handbook is
a comprehensive compilation of the most significant scientific studies, produced
almost exclusively by empirically oriented American authors in the last seventy
years. The differences between the two books reflect, to some extent, different
social-cultural backgrounds and traditions. European authors are more
concerned with the political aspects of leadership and its links with power and
societal change. The approach is descriptive, theoretical, social-historical and
idiographic. In contrast, the American approach is normative, empirical, practical
and nomothetic. Fiedler’s chapter on Graumann and Moscovici’s book thus
appears as somewhat awkward and displaced. As a matter of fact, Fiedler
anchors his representation of leadership to different “thêmata”.
However, and again for social-historical reasons, it is the American
approach that became the “normal science”. In leadership as well as in many
other topics, social sciences overlap with economic and managerial activities.
The number of American publications about leadership is astonishing: The
Stogdill and Bass Handbook registers over 5000 entries. As reported by Grint
“between 1986 and 1996, using the Business Periodical Ondisk System, which
covers the vast majority of relevant titles in English, there were 17.800
management journal articles written that concerned leadership. On average, that
means about 1780 per year, or 148 per month, 37 per week, 7 per working day,
1 per hour” (1997, p. 115). Such figures do not necessarily reflect a
correspondent progress in our knowledge about leadership processes. As already
pointed out by Calder (1997), frontiers between common sense and the scientific

707
approach to leadership are not clear. Most of the time the so-called scientific
studies are only concerned with methodological details of how to operationalize
and measure folk concepts and theories. This lack of sounding theory has been
periodically denounced even within the American scientific community.
For Meindl, Ehrlich and Dukerich (1985) the concept of leadership
although remaining “largely elusive and enigmatic” appears as “a permanent
entrenched part of the socially constructed reality that we bring to bear in our
analysis of organisations … gaining a brilliance that exceeds the limits of normal
science inquiry” (p.78). So described the concept of leadership is a social
representation shared by both observers and participants in organisations, one in
which leaders are viewed in a highly “romanticised, heroic” way. “One of the
principal elements in this romanticised conception is the view that leadership is a
central organisational process and the premier force in the scheme of
organisational events, and activities"”(ibid, p.79). It comes of no surprise that
such a view emerges in a culture where individualism and pragmatism are
ideologically pervasive.
Similar critical remarks come from Pfeffer (1977) who, in the same line as
Calder, views the leadership effect mainly as a “protagonist illusion”. In this
sense, the study of leadership represents the “fundamental attribution error”
described by Nisbett and Ross (1980). More recently Pfeffer (1997) examines
three issues related with leadership in organisations: first, whether or not
leadership matters and, if so, in what situations individual leadership action is
likely to be most efficacious; second, whether leadership skills and behaviour can
be learned; and third, what effective leaders make, in terms of specific
behaviour and actions.
These are the typical concerns both of American scholars and practicians.
Leadership has to be studied in terms of effectiveness: to what extent leaders
are actually instrumental and if so how can we design training programs for
people in managerial positions.
In terms of organisational behaviour Pfeffer is willing to espouse the
concern with effectiveness. But he is sceptical about the importance granted by
the literature to the role of leaders in achieving organisational effectiveness.
Empirical evidence does not seem to warrant such a view. Leaders have, at best,
only a symbolic role in organisations whose changes are, to a far greater extent,
dependent on the constraints of the environment (Lieberson and O’Connor,
1972; Salancik and Pfeffer, 1977; Weiner and Mahoney, 1981). Pfeffer is

708
particularly critical towards the “burgeoning market for leadership courses and
leadership training suggesting at least that a substantial number of individuals
and organisations believe that such learning is possible” (1997, p.132). But once
again the empirical evidence is scarce and ambiguous. “There are studies that
rely on the self reports of those who have experienced leadership training. Such
reports should, of course, be viewed with a great deal of caution. Having
invested time and energy in a course of study, one is likely to rationalise that
investment by saying that it was helpful and useful” (ibid, p.134).
The perspectives that enhance the structural and environmental factors
rather than the "leadership effect" are closer to the European views.
Effectiveness becomes more contingent and constrained and less dependent on
the voluntaristic efforts of individual heroes. This does not mean that individuals
do not count at all but rather that the interpersonal influence they exert is a
much more complex process, better understood within the framework of power
as a "symbolically generalized medium" (Luhmann, 1979). In accordance with
Luhmann leadership, like authority and reputation, is an avatar of power. But
while authority is a "temporally generalized influence" and reputation a
"circumstancially generalized influence", leadership is a "socially generalized
influence". Attribution of leadership can certainly be grounded in tradition
(authority) or in reasons as substitutes for truth (reputation) but it is the
consensual sharing of a code that ultimately legitimates the leader's influence.
"Leadership is based on increasing willingness to follow, stimulated by the
perception that others are also following: in other words, it is based on imitation"
(1979, p.157). Such a systemic view is just the opposite of the methodological
individualism usually espoused by the American social scientists. The alternative
institutional framework proposes instead a view of leadership as a socially
constructed process, as a network of constitutive and normative rules. Social
attribution differs therefore from the individual attributional theories. While the
former relies both on horizontal and vertical sources of influence, the latter is
based on the presumably very good cognitive reasons that each follower has, as
an isolated individual, for accepting the leader.
The systemic perspective of power as a communication medium also
makes it clear that power cannot be reduced to force. Power and its avatar of
leadership is a symbolic process whereas force is a symbiotic one. Crude social
structuring based on force can be observed at sub-human levels - pecking order.
It is however not excluded that non human primates already exhibit some

709
evidence of utilizing "criteria concerned with trust", which clearly presupposes
symbolic processes at work (Crook, 1986; Wright, 1994). Power is to force, as
love is to sex, and truth is to perception. It could be argued that power
"supervenes" on force (Hare, 1952, 1984). As a symbolic medium supervening
on physical properties it can increase or decrease, as already noted by Parsons
(1963a, b). Symbolic media are elastic in the sense that they can be shared by
an ever-growing number of participants.
Finally the symbolic approach is not incompatible with the relationship of
power and leadership with effectiveness. Again borrowing from Luhmann "power
is an opportunity to increase the probability of realising improbable selection
combinations" (1979, p.114). In other words, power as a network of shared
influence is a way of reducing uncertainty, which can also be understood as a
"gain in time". Which amounts to saying that power, leadership and decision
making are closely related processes that cannot be dissociated.

Leaders and Managers

The scientific research on leadership based on the methodological


individualistic paradigm can be roughly divided into two successive periods. The
first period covers the first fifty years of empirical research, from the 1930’s until
the 1980’s. The second period, designated by Bryman (1996) as the “new
leadership approach” covers the most recent line of research inspired on the
seminal distinction introduced by Burns (1978) between “transforming” and
“transactional” leadership. It is worthy of note that Burns is to some extent an
outsider, not belonging to the mainstream of the positivist methodology followed
in this field. As a political sociologist he speculates about prominent historical
leaders in the various domains of societal activity borrowing heavily from the
Weberian concept of charismatic authority (Weber, 1947). Maybe this is not an
isolated example of a paradigmatic change triggered by external views.
The first wave of research can itself be subdivided into three stages. In
the first stage the researchers try to identify the personality qualities and
characteristics of effective leaders. The underlying representation or paradigm is
that leaders are born rather than made. The results were nevertheless
disappointing given that virtually any trait and combination of leaders’ traits
were found to be associated with effective group outcomes. As a consequence of
this “disillusionment” the research of the second stage focused primarily on

710
behaviour instead of personality traits. An important lasting finding was the two
independent dimensions of leadership behaviour: the task dimension (initiating
structure) and the human relations dimension (consideration). At the time, high
levels of both dimensions were supposed to correspond to the best leadership
style. The style approach was naturally fitted with the epistemological
assumption of a behaviourist social psychology.
Such a theoretical framework for studying leadership was foreshadowed
by the pioneer experiments conducted by K. Lewin and associates in 1939. The
design conceived by Lewin consisted of manipulating the group climate through
the behaviour styles of confederates - formal leaders performing the role of
monitors of groups of adolescents. He found that the “democratic style”, which is
not less productive than the “autocratic style”, was related with higher levels of
creativity and satisfaction. Another important finding was that “laissez-faire”
style was comparatively very poor, both in terms of productivity and satisfaction.
Democracy must not be confused with anarchy. Kurt Lewin, as is known, was an
escapee of the Nazi regime and one objective of his study was to demonstrate
that democracy is not only viable but also more effective than autocracy.
However seminal and setting the pace for further research, Lewin’s study
represented a return to and, to a certain extent, a yielding to the Aristotelian
way of thinking (Graumann, 1986). Instead of the dynamics of a field, instead of
the genetic process of an autonomous system that characterises the Lewinian
field theory, we have now a structure of static variables regulated, at best, by a
feed system linked to its outcomes. From that standpoint, the Lewinian paradigm
on leadership, although important to opening the way to the study of
organisational leadership, also contributed to its divorce from the ongoing
research on social influence processes (Jesuino, 1996, p.99). Furthermore,
focusing on specific individual behaviour led to disembedding the leadership
processes from the power relations between regions of a differentiated field. As
remarked by Graumann (1986) “the Lewinian concept of power is very close to
system - theoretical conceptions of power as a generalized mechanism or
medium of living systems (as posited by Luhmann and Parsons)” (p.87). But
instead of pursuing along this line K. Lewin apparently yielded to the pragmatic
Zeitgeist dominated by the American pragmatic behaviourism.
But once again the results of this second wave of empirical research led
to a stalemate. The myth of “high task - high relationship” was found to produce
mixed results suggesting the need to introduce situational intermediary variables

711
in order to explain the different effects of leader’s behaviours. This third stage of
research was dubbed as the “contingency approach”. There are at least five
theories that were proposed to reconcile differences among the findings
concerning leader behaviour (House and Aditya, 1997): Fiedler’s Contingency
Theory of Leadership (Fiedler, 1967, 1971), the Path-Goal Theory of Leader
Effectiveness (House, 1971; House and Mitchell, 1974), Hersey and Blanchard’s
(1982) Life Cycle Theory, the Cognitive Resource Theory (Fiedler and Garcia,
1987) and the Decision Process Theory (Vroom and Yetton, 1973).
The contingency approach, although much more specific in the predictions
made, did not produce significantly better results than its predecessors. The
problem with the contingency theories is that the number of intermediate
variables required for rendering the models more realistic rapidly lead to a
multiplication of interaction effects of difficult if not impossible interpretation.
Furthermore, as well known, “coeteris paribus” conditions introduce serious
limitations in the generalization of results.
It is this rather discouraging picture that, notwithstanding the thousands
of studies carried out, led some scholars to proposing the abandonment of the
concept (Miner, 1982), but also to looking for a “new leadership approach”,
which as a matter of fact gave rise to the second period of leadership studies.
To some extent this second period is a recapitulation of the first one at a
different level. While the traditional studies were mostly concerned with the
lower supervisory levels, now the attention turns to the upper managerial levels
of organisations. The work of Mintzberg (1973) gave a significant contribution to
this turn. For the first time top managers were object of a “structured
observation” which led to identifying the major roles they play in managing their
organisations. Among them leadership was described as aiming at motivating the
subordinates. But it could be argued that all the ten roles described by Mintzberg
are related with leadership, understood as the process of getting results through
people. The so-called controversy of leadership versus management is related
with the issue of determining whether they are interchangeable concepts or that
they have to be distinguished. The systemic approach of organisational
behaviour introduced by Katz and Kahn (1966/1978) already differentiated the
mix of required skills at various hierarchical levels. It was they who, maybe for
the first time, suggested that top managers are expected to initiate strategic
changes, which presuppose a strategic vision, and also to be endowed with
charisma by their followers.

712
Charisma was a concept introduced by Weber that was resurrected by
sociologists (Friedland, 1964; Etzioni, 1964, 1966; Wolpe, 1968; Sills, 1968;
Bennett, 1974; Willner, 1984) and social psychologists (Katz and Kahn, 1966;
Berlew, 1974; House, 1977; Burns, 1978; Trice and Beyer, 1986) in his inspiring
book about leadership introduced the distinction between transforming and
transactional leadership, the former closely related with the concept of charisma
and the latter related with more traditional leadership dimensions. All these
approaches were theoretical and speculative. But operationalization did not wait
for long, starting with Bass (1985) and followed by Conger and Kanungo (1987)
and Sashkin (1988).
At first sight, the empirical evidence supporting the neo-charismatic
theories appears quite impressive: over one hundred empirical tests were run
confirming the positive effects of charismatic / transformational / visionary
leaders on organisational performance, and even higher effects on followers’
satisfaction, commitment and organisation identification (Fiol at all, 1999). Meta-
analytical studies also confirm that charismatic attributes are positively
correlated with subordinates’ ratings as well as independent ratings of leader
effectiveness (Lowe et al, 1996; Fuller et al, 1996). Maybe as a consequence of
the encouraging results obtained, Bass and associates have been also very
active in designing leadership development programs. It is the typical north-
american optimism regarding the possibility of transforming people. As reported
by Bass, “generally, positive results have been obtained. However, he adds,
follow-ups six months to two years later suggest modest improvements in
transformational leadership, particularly in those transformational factors on
which participants made plans to improve” (Bass, 1999, p.15). The development
programmes require the identification of leadership qualities of the trainees as
described by their subordinates, to whom MLF (Multifactor Leadership
Questionnaire) are distributed.
This questionnaire, in accordance with the model, is supposed to produce
four factors of Transformational Leadership - Charisma, Inspiration, Intellectual
Stimulation and Individual Consideration; and three factors for Transactional
Leadership - Contingent reward, Active management-by-exception, Passive
management-by-exception, and a non-leadership factor - “Laissez-faire”. The
alleged comprehensiveness of the dimensions justifies, according to Bass, the
labelling of “full-range-theory”.

713
But the optimism of Bass and associates both about the conceptual framework
and its possible application for improving leadership skills has also been the
target of severe criticisms. A number of empirical studies conducted in European
countries revealed that subordinates do not easily distinguish between the four
dimensions of Transformational Leadership. Most likely, in accordance with
findings, all the items of the Transformational Leadership cluster into one factor.
Passive management-by-exception and “Laissez-faire” also tend to converge
(Bycio et al, 1995; Tepper and Percy, 1994; Lievens at al, 1997). As also pointed
by Yukl (1999), combining the MLF items with other traditional scales it was
found that the transformational items tend to ambiguously split between a
“relations-oriented” and “change” factor.
All in all leadership behavioural dimensions as assessed by the MLF do not
seem to dramatically differ from the traditional dichotomy of “task” versus
“relationship” identified during the first period of research.
An alternative view about charismatic leadership within the
psychoanalytical perspectives mainly focus on the personality characteristics of
leaders introduced by Zaleznik and Kets de Vries (1975). Borrowing from William
James’ notion of “twice-born” leader, they distinguished between the “maximum
man” (charismatic leader) and the “minimum man” (consensus leader). The
former are the “creative institution builders” whereas the latter, who lead by
consensus, represent the modern manager. Zaleznik also greatly contributed to
popularizing the distinction between leaders and managers (Zaleznik, 1977) as
corresponding to differences of personality and biographic trajectories.
Charismatic leaders are discribed in this perspective as exhibiting an exceptional
self-confidence and conviction in contrast with consensus leaders who depend on
others. A similar distinction also related with this conceptual framework can be
found in the typology of “mosaic” versus “totemic” leaders proposed by
Moscovici (1981).
McClelland (1975) is another author who, drawing upon the
psychoanalytic views, has proposed a “leadership motive profile” (LMP)
consisting of the following combination: motivation, high concern for the moral
exercise of power, and power motivation greater than affiliative motivation. The
rational for positing this last condition is based on the requirement that to be an
effective leader it is imperative not to yield to affective concerns. However, the
attention given to moral responsibility is a guarantee that charisma does not
turn into crude despotism.

714
A Social Construction Approach

It can be argued that all those notions and distinctions introduced by the
new leadership paradigm remain quite vague in spite of all the attempts for its
operationalization. Besides, when this is done, one gets the feeling that the aura
associated with notions like charisma, vision, transformation, leadership versus
less heroic notions such as consensus, social exchange and management, is
ultimately rather artificial and elusive.
But, as remarked by Meindl “whether or not the leader-manager
distinction has any basis in reality, and whether or not it is useful from either a
scientific or a practical perspective, is beside the point…. The question and its
answer is of interest only because people apparently accept and employ this
distinction - or something like it - when they act and think” (Meindl, 1990,
p.178). To substantiate his point Meindl conducted a series of experiments from
which he concluded that a simple change of context, from one defined in terms
of “management” to one defined in terms of “leadership” led to different patterns
of attribution of responsibility. Such results suggest that popular distinctions
provide different evaluative contexts to give sense to relevant information.
In a study by Pereira (2001) involving 450 lower and middle Portuguese
managers it was also found that their representations of managers were quite
distinct from their representations of leaders and largely in accordance with the
distinctions made by the current literature. Drawing upon the methodology
developed by Flament (1981) and Vergès (1984, 1992), managers were
represented in rather schematic terms, as a “star” where organization is at the
center to which concepts such as “planning”, “coordinating”, “setting objectives”,
“decision-making” are linked.
In contrast, the representation of leaders is much more rich and complex,
with a more differentiated network of conceptual clusters, having as central
anchors concepts such as “charisma”, “communication” and “authority”.
Such findings could be interpreted in terms of the traditional paradigm of
vertical relations between leaders and followers. As the respondents are not
reporting about a common leader, each one of them having their own experience
and evaluation criteria, the common ground found could refer to some sort of
objective reality reflected by the observers. An alternative view is that
respondents, when asked to express their thoughts about what leaders or

715
managers are expected to be, do not necessarily evoke some sort of inductive
knowledge formed through their own contact with managers but rather a
representation socially constructed through direct horizontal influence processes
and exposure to media. The important “nuance” to stress about this view is the
turn towards a “follower-centred approach” (Meindl, 1990). The popularity that
the concept of charisma has acquired is better understood in terms of social
construction than as a significant change in the behaviour of managers and
leaders.
As remarked by Dachler “within the “realist” leadership paradigm, we
reduce the inherent ambiguity of leadership processes: to those aspects that fit
our dominant everyday theoretical preconceptions; and to what our
methodological capabilities define as acceptable. What we accept as objective
facts are then actually nothing more than what we have collectively constructed
within our discipline in the context of our culture” (Dachler, 1988, p.263).
Giving credit to these remarks also means that our agenda for studying
leadership would have to suffer a sort of Copernician revolution: instead of
systematically observing isolated leaders and/or followers or even their
reciprocal interactions, as proposed by the Leader Member Exchange (LMX)
Theory (Graen and Uhl-Bien, 1995), we have rather to look at the social
dynamics that take place among followers. To a certain extent it would be a
return to the Lewinian approach that was not actually pursued by Lewin himself
and even less by his disciples.
An author that seems particularly sensitive to this new approach is
Meindl: leader-follower relations, as he writes, “are a function of processes that
occur within the context of the lateral relations that develop among followers and
subordinates themselves. These are, to a large degree, functionally autonomous
from whatever forces are emanating from the traits and behaviours of leaders
per se. Thus, to those who are exposed to the speeches of politicians, the
preaching of religious leaders, or to the urging of corporate CEOs, the experience
and attribution of charismatic leadership may have less to do with what is
happening up at the podium or pulpit, and more to do with what is being
witnessed off-stage, in the audience, among individuals who are each others’
witnesses (Meindl, 1990, p.197, emphasis by the author).
To Meindl, such “powerful social processes” could be studied in terms of
“social contagion”, a perspective that goes back to the classics of crowd
psychology (Moscovici, 1981) and is also evoked in the Luhmann’s theory of

716
power (see above). We would argue however that there is at least a sort of
“minimal leadership effect” which cannot be discounted. An epistemological
strategy for studying such processes would require a clear distinction between
“emergent leaders” versus “appointed leaders. Their underlying social processes
might not be exactly the same. Within structured small groups “a theory of
leadership processes can benefit from the “apports” of research on social
influence, namely in its most recent development proposed by Moscovici (1976)
and Turner (1987). The genetic theory of Moscovici (1976) is displacing the
forms of influence as the behaviour style is a first step for establishing a link
between social influence and leadership. Furthermore, his theory of innovative
influence gives another important contribution to integrating the role of dissent
behaviour in the leadership process aimed at changing the direction of the
group” (Jesuino, 1996, p. 106). On a larger scale and within organisational and
societal contexts where the distance between leaders and followers is largely
symbolic and groups tend to become nominal, the leadership effect, although not
negligible, is largely mediated by the dynamics of shared representations.
Vertical and horizontal processes, it is posited, always combine to produce both
the effects of leadership and its social perception by the observers. To borrow
from a well known metaphor, it is the whole network that comes to be the actor.

References

. Bass, B. M. (1985). Leadership and performance beyond expectations. NY: Free


Press.
. Bass, B. M. (1999). Two decades of research and development in
transformational leadership, European Journal of Work and Organisational
Psychology, 8(1), 9-32.
. Bennis, W. & Nanus, B. (1985). Leaders: The strategies for taking charge. New
York: Harper & Row.
. Berlew, D. E. (1974). Leadership and Organisational excitement, California
Management Review, 17(2), 21-30.
. Bryman, A. (1996). Leadership in Organisations. In: Clegg, S. R., Hardy, C. &
Nord, W. (eds.), Handbook of Organisations Studies, (pp. 276-292). London:
Sage.
. Burns, J. M. (1978). Leadership. NY: Harper & Row.

717
. Bycio, P., Hackett, R. D. & Allen, J. S. (1995). Further assessment of Bass’s
(1985) conceptualisation of transactional and transformational leadership,
Journal of Applied Psychology, 80, 468-478.
. Calder, B. J. (1977). An attribution theory of leadership. In: Staw, B. M. &
Salancik, G. R. (eds.), New Directions in Organisational Behaviour (pp. 179-
204). Chicago: St. Clair Press.
. Conger, J. A. & Kanungo, R. A. (1987). Toward a behavioural theory of
charismatic leadership in organisational settings, Academy of Management
Review, 12, 637-647.
. Crook, J. H. (1986). The evolution of leadership: A preliminary skirmish. In:
Graumann, C. F. & Moscovici, S. (Eds.),Changing Conceptions of Leadership (pp.
13-31).
. Dachler, H. P. (1988). Constraints on the emergence of new vistas in
leadership and management research: An epistemological overview. In: Hunt, J.
G., Baliga, B. R., Dachler, H. P. & Schriesheim, C. A. (Eds.), Emerging
Leadership Vistas. Lexington Books.
. Etzioni, A. (1964). Modern Organisations. Prentice-Hall.
. Etzioni, A. (1966). A comparative analysis of Complex Organisations. Free
Press of Glencoe.
. Fiedler, F. E. (1967). A theory of leadership effectiveness. NY: McGraw-Hill.
. Fiedler, F. E. (1971). Validation and extension of the contingency model of
leadership effectiveness: A review of empirical findings, Psychological Bulletin,
76, 128-148.
. Fiedler, F. E. & Garcia, J. E. (1987). New approaches to effective leadership:
Cognitive resources and organisational performance. NY: Wiley.
. Fiol, C. M., Harris, D. & House, R. J. (1999). Charismatic Leadership: strategies
for effecting social change, Leadership Quarterly, 10, 3, 449-482.
. Flament, C. (1981). L’analyse de similitudes: une technique pour les recherches
sur les représentations sociales, Cahiers de Psychologie Cognitive, I, 375-385.
. Friedland, W. H. (1964). For a sociological concept of Charisma, Social Forces,
43, 18-26.
. Fuller, J. B., Patterson, C. P., Hester, K. & Stringer, D. Y. (1996). A quantitative
review of research on charismatic leadership, Psychological Reports, 78, 271-
287.
. Graen, G. B. & Uhl-Bien, M. (1995). Relationship-based approach to leadership:
Development of leader-member exchange (LMX) theory of leadership over 25

718
years: Applying a multi-domain perspective, Leadership Quarterly, 6(2): 219-
247.
. Graumann, C. F. (1986). Power and leadership in Lewinian field theory.
Recalling an interrupted task. In: Graumann, C. F. & Moscovici, S. (eds.),
Changing Conceptions of Leadership (pp. 83-89). NY: Springer-Verlag.
. Grint, K. (1997). Fuzzy Management. Contemporary Ideas and Practices at
Work. Oxford University Press.
. Hare, R. M. (1952). The Language of Morals. Oxford: Clarendon Press.
. Hare, R. M. (1984). Supervenience, Proceedings of the Aristotelian Society,
suppl., 58, 1-16.
. Hersey, P. & Blanchard, K. (1982). Management of Organisational Behaviour:
Utilising human resources. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall.
. House, R. J. & Adity, R. N. (1997). The social scientific study of leadership: Quo
vadis, Journal of Management, 23, 3, 409-473.
. House, R. J. & Mitchell, T. R. (1974). Path-goal theory of leadership, Journal of
Contemporary Business, 3, 81-97.
. House, R. J. (1971). A path goal theory of leader effectiveness, Administrative
Science Quarterly, 16, 321-338.
. House, R. J. (1977). A 1976 theory of charismatic leadership. In: Hunt, J. G. &
Larson, L. L. (eds.), The cutting edge. Carbondale, IL: Southern Illinois
University Press.
. Jesuino, J. C. (1996). Leadership: Micro-macro links. In: Witte, E. & Davis, J.
H. (eds.), Understanding Group Behaviour. Small Group Processes and
Interpersonal Relations (Vol. 2, pp. 93-125). Lawrence Erlbaum Associates,
Publishers.
. Katz, D. & Kahn, R. L. (1978). The Social Psychology of Organisations (2nd ed.,
1st ed. 1966). NY: John Wiley.
. Lewin, K., Lippit, R. & White, R. K. (1939). Patterns of aggressive behaviour in
experimentally created social climates. Journal of Social Psychology, 10, 271-
299.
. Lieberson, S. & O’Connor, J. F. (1972). Leadership and organisational
performance: A study of large corporations. American Sociological Review, 37,
117-130.
. Lievens, F., VanGeit, P. & Coetsier, P. (1997). Identification of transformational
leadership qualities: An examination of potential biases. European Journal of
Work and Organisational Psychology, 6 (4), 415-430.

719
. Lowe, K. B., Galen, K. K. & Sivasnbramaniam, N. (1996). Effectiveness
correlates of transformational and transactional leadership: a meta-analytic
review. Leadership Quarterly, 7, 385-425.
. Luhmann, N. (1979). Trust and Power. John Wiley and Sons (1st german ed.
March 1975).
. McClelland, D. C. (1975). Power: The inner experience. NY: Irvington.
. Meindl, J. R. (1990). On Leadership: An alternative to the conventional wisdom.
Research in Organisational Behaviour, 12, 159-203.
. Meindl, J. R., Ehrlich, S. B. & Dukerich, J. M. (1985). The romance of
leadership. Administrative Science Quarterly, 30, 78-102.
. Miner, J. B. (1982). The uncertain future of the leadership concept: revisions
and clarifications. Journal of Applied Behavioural Science, 18, 293-307.
. Mintzberg, H. (1973). The Nature of Managerial Work. NY: Harper & Row.
. Moscovici, S. (1976).Social Influence and Social Change. London: Academic
Press.
. Moscovici, S. (1981). L’âge des foules. Paris: Fayard.
. Nisbett, R. E. & Ross, L. (1980). Human Inference: Strategies and
shortcomings of social judgement. Englewood Cliffs, NY: Prentice-Hall.
. Parsons J. (1963 a). On the concept of political power, Proceedings of the
American Philosophical Society, 232-262. Reprinted on Parsons, J. (1967),
Sociological Theory and Modern Society. NY.
. Parsons J. (1963 b). On the concept of influence. Public Opinion Quarterly, 27,
37-62.
. Pereira, F. C. (2001). A Representação Social do Empresário. Lisboa: Edições
Sílabo.
. Pfeffer, J. (1977). The ambiguity of leadership. Academy of Management
Review, 2, 104-112.
. Pfeffer, J. (1997). New Directions for Organisation Theory. Problems and
Prospects. Oxford University Press.
. Salancik, G. R. & Pfeffer, J. (1977). Constraints on administrator discretion:
The limited influence of mayors on city budgets. Urban Affairs Quarterly, 12,
475-498.
. Sashkin, M. (1988). The visionary leader. In Conger, J. A. & Kanungo, R. A.
(Eds.), Charismatic leadership: The elusive factor in organisational effectiveness.
San Francisco: Jossey-Bass

720
. Tepper, B. J. & Percy, P. M. (1994). Long-term forecasting of transformational
leadership and its effects among naval officers: Some preliminary findings. In:
Clark, K. E. & Clark, M. B. (eds.), Measures of Leadership (pp. 151-175). West
Orange, NY: Leadership Library of America.
. Trice, H. M. & Beyer, J. M. (1986). Charisma and its routinization in two social
movement organisations, Research in Organisational Behaviour, 8, 113-164.
Greenwich C.N.: JAI Press.
. Turner, J.C. (1987). A self-categorization theory. In J.C. Turner (Ed.),
Rediscovering the Social Group. Oxford: Blackwell.
. Vergès, P. (1984). Une possible méthodologie pour l’approche des
représentations économiques, Communication Information, VI, 2-3, 375-396.
. Vergès, P. (1992). L’evocation de l’argent: une méthode pour la definition du
noyan central d’une représentation. Bulletin de Psychologie, XLV, nº 405.
. Vroom, V. H. & Yetton, P. W. (1973). Leadership and decision-making.
Pittsburg, P. A.: University of Pittsburg Press.
. Weber, M. (1947). The Theory of Social and Economic Organisation. Translation
by Henderson, A. M. & Parsons, T. The Free Press.
. Weiner, N. & Mahoney, T. A. (1981). A model of corporate performance as a
function of environmental, organisational, and leadership influences. Academy of
Management Journal, 24, 453-470.
. Willner, A. R. (1984). The Spellbinders: Charismatic Political Leadership.
. Wolpe, H. (1968). A critical analysis of some aspects of charisma. Sociological
Review, 6, 305-318.
. Wright, R. (1994). The Moral Animal. Evolutionary psychology and everyday
life. London: Abacus.
. Yukl, G. (1999). An evaluative essay on current conceptions of effective
leadership. European Journal of Work and Organisational Psychology, 8(1), 33-
48.
. Zaleznik, A. & de Vries, M. K. (1975). Power and the Corporate Mind. Boston,
Houghton Mifflin.
. Zaleznik, A. (1977). Managers and Leaders: Are they different? Harvard
Business Review, 55(5), 67-78.

721
TÍTULO: A clínica da cooperação: contribuições da psicodinâmica do

trabalho para as práticas de promoção da saúde nas organizações

AUTOR(ES): Ana Magnólia Mendes

INSTITUIÇÃO: Universidade de Brasília - BRASIL

A psicodinâmica do trabalho estuda as vivências de prazer-sofrimento


fruto da mobilização subjetiva dos trabalhadores frente aos constrangimentos da
organização do trabalho. O prazer para esta abordagem não é uma relação
direta. É construção intersubjetiva que integra o psíquico e o social de modo
indissociável, no trabalhar, no fazer, na expressão da subjetividade, no coletivo
de trabalho e nos modos como as relações de trabalho se constroem, produzindo
um jogo de forças e uma dinâmica própria aos contextos de trabalho.
Esta dinâmica não está descolada dos efeitos da acumulação flexível do
capital sobre os modelos gerencialista de gestão. Está regida pela lógica da
racionalidade econômica, principal fonte inspiradora para as novas formas de
organização do trabalho, que por sua vez, criam novas formas de subjetivação,
de sofrimento, de patologias e de possibilidades de reação e ação dos
trabalhadores.
Considerado este contexto, a Psicodinâmica insere-se no campo das
teorias críticas do trabalho, mas, sobretudo, é uma teoria clínica. Tem como
objeto central compreender a mobilização subjetiva no trabalho, que é o
engajamento afetivo mediado pelo uso da palavra que o trabalhar, o trabalho
vivo produzido pela organização do trabalho, nas contradições entre o prescrito e
o efetivo, exige do trabalhador. Neste processo, é imprescindível compreender o
sofrimento como o afeto que mobiliza os investimentos do indivíduo para
transformar a organização do trabalho. Quando esta transformação é possível o
prazer é vivenciado.
Trabalhar significa enfrentar o real que é imprevisível, imprevisto,
incontrolável, instável. Este real coloca em xeque as prescrições visíveis e
invisíveis da organização do trabalho. No real do trabalho o sujeito, se mobiliza
para a ação, busca colocar em prática o que pensa sobre o seu fazer, torna o seu
trabalho vivo.

722
Nesta direção, a mobilização subjetiva para o trabalhar provoca uma
desestabilização dos afetos, por isso um sofrimento, denominado de criativo.
Este sofrimento move o trabalhador a buscar soluções para as dificuldades do
seu trabalho e quando consegue encontrá-las vivencia gratificação e prazer.
Assim, a mobilização subjetiva é vivenciar sofrimento criativo e prazer no
trabalho.
Ao contrário, a mobilização pode levar a paralisação frente ao real quando
envolve angústia, medo e insegurança, transformando o sofrimento criativo em
sofrimento patogênico. Torna-se patogênico quando não é exteriorizado, quando
o sujeito é negado, a palavra é interditada, imobilizando-o, uma vez que não
tem mais espaço para se expressar, discutir sobre o fracasso, a dor e a
impotência. É o sofrimento não ressignificado que mantém o trabalhador
queixoso, paralisado, sem ação sobre o real.
Este sofrimento patogênico tem se intensificado diante das novas formas
de organização do trabalho, que revelam um modo de dominação social muito
mais sofisticado e difícil de ser identificado. A flexibilização do capital tem levado
a precarização e a um sofrimento ético, marcado pela banalização das injustiças
e do mal, ocasionando, o surgimento de patologias sociais. Diante desse
contexto, o sofrimento se apresenta como uma reação, uma manifestação da
resistência e da insistência em viver em ambiente precarizado, funcionando
assim, como um mobilizador para luta contra as patologias sociais.
Esta luta é mantida pelo uso de estratégias de defesa. Diante das novas
formas de organização do trabalho, diferentes tipos de defesa individuais e
coletivas vêm sendo construídas pelos trabalhadores. Destacam-se como
exemplos: a aceleração, o individualismo, a banalização, o cinismo,
dissimulação, hiperatividade, desesperança de ser reconhecido, desprezo, infligir
danos aos subordinados, negação do risco inerente ao trabalho e distorção da
comunicação. Funcionam como uma "anestesia", que permite ignorar o
sofrimento patogênico e negar suas causas. Ao mesmo tempo, leva a criação de
um obstáculo à capacidade do trabalhador de pensar sobre o seu trabalho, de
agir e de lutar contra os efeitos deletérios da organização do trabalho, sobre sua
subjetividade, sua saúde e qualidade de vida no trabalho.
Quando se instala este processo de anestesia e atinge o coletivo de
trabalho, considera-se que a luta foi perdida e em seu lugar instalam-se as
patologias sociais, uma delas é a violência e seus desdobramentos como o
assédio moral. O assédio é assim uma experiência coletiva produzida pelas

723
falhas das defesas frente ao sofrimento patogênico gerado na angustia, medo e
insegurança diante da interdição da mobilização subjetiva exigida no confronto
com o real do trabalho.
Neste contexto, é inexistente a qualidade de vida no trabalho. Para
vivenciá-la a luta contra o sofrimento patogênico precisa ser vencida e a
mobilização subjetiva operar em toda sua potência.
A mobilização subjetiva é composta por dimensões indissociáveis como a
inteligência prática, o espaço de discussão, a cooperação e o reconhecimento.
Não depende da vontade do trabalhador. Emerge quando os trabalhadores agem
de forma a subverter os efeitos prejudiciais da organização do trabalho. É uma
mobilização, sobretudo, política.
Viabiliza a dinâmica do reconhecimento, um modo específico de
retribuição simbólica dada ao sujeito, como compensação por sua contribuição
aos processos da organização do trabalho, pelo engajamento da subjetividade e
da inteligência. Prescinde para tal, do coletivo de trabalho construído pelos
trabalhadores. Seus elementos constitutivos são: solidariedade, confiança,
cooperação e pressupõe a existência de um espaço público da fala e da
promessa de equidade quanto ao julgamento do outro.
O trabalhador se mobiliza e se engaja no trabalho pelo seu poder
negociando, pressionando e se apropriando ou rejeitando as regras do coletivo
de trabalho. Sua ação inscreve-se sobre uma dinâmica de troca que tem por
efeito garantir a consecução dos seus objetivos e do coletivo de trabalho. Desse
modo, para que o trabalho seja fonte de qualidade de vida é central a
mobilização das condições políticas capazes de levá-lo a mobilização da
inteligência prática, do espaço de discussão, da cooperação e do reconhecimento
no trabalho possibilitando o sofrimento criativo e o prazer.
Um dos caminhos para viabilizar esta qualidade de vida no trabalho é o
desenvolvimento da clínica da cooperação.
A clínica da cooperação está voltada para tornar viva a mobilização
subjetiva, a construção de regras coletivas de ofício e de convivência para um
coletivo imerso no mesmo cotidiano de trabalho, oferecendo possibilidades para
a gestão coletiva do trabalho. Os princípios e as especificidades da clínica
psicodinâmica exigem uma qualificação teórico-metodológica que articule as
teorias do sujeito e social a uma condução centrada na escuta do outro. O
processo fala-escuta implica condições que vão além do dizer-ouvir. A escuta do
sofrimento decorrente das relações de trabalho requer do clínico escutar o não

724
dito, o oculto, o silenciado, buscando, junto com o coletivo, desvelar a cortina e
construir novas estratégias para ressignificar o sofrimento, atribuindo um novo
sentido ao trabalho e, como conseqüência, abrindo espaço para as ações sobre a
organização do trabalho.
O pensar não está dissociado do sentir. Não é suficiente para a
mobilização subjetiva conhecer o trabalho, saber o que precisa ser feito ou fazer
o que se sabe. O fazer está carregado de saberes e de afetos, principalmente
porque o trabalho implica viver junto. A fala sobre o sofrimento permite essa
associação.
A clínica é desenvolvida por meio de sessões coletivas com grupos de
trabalhadores que estão inseridos na mesma organização do trabalho. Participam
no máximo dez trabalhadores em sessões semanais com duração de 1h30min. O
número de sessões pode variar à medida que a demanda vai sendo esclarecida e
o coletivo se apropria do seu desejo e seus destinos. A participação deve ser
voluntária. Está composta pelos coletivos de trabalhadores e coletivo de
supervisão, que são os especialistas que conduzirão o processo. A sua condução
é desenvolvida em dez etapas, que estão detalhadas na obra de Mendes e
Araujo (2011):
Organização da pesquisa
Construção e analise da demanda
Constituição do espaço da fala e da escuta
Observação clínica
Estruturação do memorial e do diário de campo
Restituição e deliberação
Supervisão
Apresentação dos relatos
Avaliação
Para se chegar a estas etapas, muitos dispositivos na condução da clínica
são importantes como a demanda; a elaboração e perlaboração; a construção de
laços afetivos; a interpretação e a formação clínica.

A demanda
O clínico deva ser capaz de dar visibilidade à demanda e analisar sua
viabilidade antes de iniciar o trabalho. É possível que a prática clínica anteceda
várias sessões de análise da demanda. A demanda precisa ser traduzida para o
coletivo de pesquisa como algo que não será satisfeito, será sempre um

725
processo de negociação e estabelecimento de compromissos entre trabalhadores
e pesquisadores. A demanda exige um tempo para ser desconstruída e
reconstruída, ela não pode ser equivalente a uma solicitação, devendo ser
analisada em todos os aspectos aqui referenciados, principalmente nas suas
relações com o desejo.
A demanda deve ser formulada de acordo com hipóteses, que devem
acompanhar as questões, as quais não devem seguir um roteiro ritualístico.
Deve-se explicitar os riscos: não existe solução urgente. Pode não se obter
respostas às hipóteses pré-formuladas e/ou não se encontrar tudo aquilo que se
esperava, mas outra coisa, com efeito inesperado, que pode levar à
desestabilização do coletivo e à quebra dos mecanismos de adaptação a
situações de trabalho. A própria ideia de sucesso é talvez contraditória com
relação à experiência da clínica do trabalho. Deve ficar clara a independência do
clínico, uma vez que podem ocorrer resultados que suscitem contradições com
relação à gestão da organização do trabalho. É preciso deixar claro que esta
ação clínica não é assistencial. O trabalho consiste em instrumentalizar os
trabalhadores a serem protagonistas no seu ambiente profissional.

A elaboração e perlaboração
Esse processo ocorre quando é propiciada a reintegração, pelo sujeito, da
sua história no trabalho, isto é, em uma dimensão que ultrapassa os limites
individuais. À medida que o trabalhador fala, rememora os acontecimentos
traduzidos no seu sofrimento, comunica-se com o vivido e tem a possibilidade de
reconstruir um significado, que antes era traduzido em lembranças com
manifestações sintomáticas, paralisadas na ação. Dessa forma, o trabalhador sai
do relembrar para reescrever uma história. As defesas construídas, as negações
e as inibições surgem como um material rico de análise. Essa ação se orienta na
realização da verdade do sujeito como a realização de uma dimensão própria,
que deve ser destacada, na sua originalidade, da própria noção da realidade.
A habilidade do profissional, nesse cenário, é mobilizar os integrantes a
apontar os discursos justapostos, que se recobrem uns aos outros como um
arquivo morto, e buscar atuar na resistência do que precisa ser manifestado.
O clínico do trabalho é um agente externo que constituirá o equilíbrio.
Sua escuta é um cuidado para que a palavra circule, possibilitando a expressão
sintomática, uma forma de vida. A dor do sujeito passa a adquirir outras formas
quando acolhida. Contraditória a um paradigma de sucesso, essa prática não

726
visa à conservação do narcisismo, a uma solução pronta. Ao contrário, diz
respeito à coexistência de correntes contrárias, uma vez que o desejo é
ambivalente. O importante é auxiliar os trabalhadores a digerirem as enzimas,
aquelas que, quando paralisadas, se manifestam em sintomas como depressão,
síndrome do pânico, pressão alta, entre outros.

A construção de laços
Elementos como desejos idealizados, dificuldade de castração e
dificuldade de assumir a ferida narcísica devem ser considerados na clínica do
trabalho, uma vez que o trabalho impõe ao sujeito o encontro com o real,
representado pelas contradições da organização do trabalho. As organizações de
trabalho tendem a potencializar o narcisismo e a onipotência por meio de seus
modelos de excelência, mas é na castração que o sujeito se constitui, que pode
estabelecer laços, ao buscar, no outro, o que lhe falta. Sem a presença desses
elementos, a cooperação e a construção do coletivo de trabalho, que passam
necessariamente pelos laços afetivos, não são possíveis.
Cabe ao clínico acolher as falas e os gestos como algo suportável. Dessa
forma, instaura-se o afeto na linguagem. Junto ao grupo, o clínico tenta nomear
o afeto, ou seja, introduzir as palavras que falam desse sentimento, promovendo
a identificação dos presentes. É nesse momento que o sujeito recebe
reconhecimento e encontra, na palavra, um lugar para reconhecer a sua
identidade.
O importante, nesse coletivo formado, é que o indivíduo que se manifesta
não é só o ator principal de um drama que busca esclarecimento, mas também o
porta-voz de uma situação, que deve ser acolhida e discutida, que pode oferecer
ao trabalhador possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade
existencial, de sair dos seus impasses repetitivos e, de alguma forma, se re-
singularizar. Assim, cria-se um dispositivo para mudar um modo de
funcionamento, no qual se encontra suporte para um foco enunciativo. Como
conseqüência, surgem novos tipos de relações e relacionamentos entre os
acontecimentos, abrindo uma oportunidade do coletivo.
A função do clínico é tornar-se um elo nessa cadeia de escuta, possibilitar
a reumanização do sofrimento diante da desumanização vivida e deixar surgir à
oportunidade de uma palavra para que o sujeito construa no coletivo o sentido e
torne a sua realidade suportável.

727
A interpretação
Para acessar o sofrimento, as defesas precisam ser descobertas e, muitas
vezes, estas são insconscientes e aparecem sob a forma de atos falhos, chistes e
silêncio. Assim, é preciso distinguir o sujeito do enunciado; o sujeito gramatical,
que raciocina; e o sujeito da enunciação, que possui na sua linguagem uma
estrutura de descontinuidade, de fenda, que pode fazer uma irrupção na língua
falada, e o corte feito pelo clínico, operado pela interpretação, pode tornar o
conteúdo latente em manifesto.
O clínico do trabalho deve voltar sua interpretação aos comentários do
coletivo, preservando o indivíduo. Dessa forma, ele contribui para desencadear o
surgimento de novos temas e o desejo dos presentes de continuarem falando. A
catalisação da interpretação “correta” mantém a discussão. O contrário leva a
um esfriamento, e acentuam-se as resistências pessoais. A precisão da
observação não deve remeter-se à objetividade de um sofrimento ou de uma
realidade, causa do sofrimento, mas à verdade de uma relação dos participantes
com o coletivo de trabalho. Busca-se interpretar as defesas coletivas sem fazer
delas um ato de violência, já que desnudar o sofrimento e a dimensão subjetiva
pode ocasionar sérias conseqüências aos trabalhadores.
A interpretação ideal seria aquela que desmonta um sistema defensivo e
autoriza simultaneamente a reconstrução de um outro sistema defensivo, ou um
deslocamento deste, de maneira a enfatizar um elo entre sofrimento e trabalho.
O alvo dessa prática é a postura do coletivo no trabalho e os efeitos da
ocultação dos sistemas defensivos coletivos sobre o sofrimento e, além disso,
sobre o modo de ação da organização do trabalho e seu efeito perverso para a
saúde psíquica.

A formação clínica
O clínico é parte indissociável da condução clínica. Sua subjetividade é
uma das dimensões do próprio método. Sua formação não é só técnica e ética,
mas também afetiva. É preciso ser capaz de se afetar pela fala do outro, colocar-
se à disposição do outro, deixar-se surpreender, duvidar, angustiar-se com o
inesperado, suportar o incontrolável. A clínica não busca respostas e soluções de
modo racional e objetivo. O sentir é infinito, bem como a capacidade de nos
afetar pelos outros, sendo assim, a clínica é um processo inacabado. Conviver
com essa frustração é fundamental para que a clínica ocorra.

728
Nesse sentido, fazer a clínica implica um sofrimento frente ao real, o que
requer condições profissionais e institucionais para a mobilização subjetiva do
clínico. Sem essa condição, é muito difícil o engajamento na relação de fala-
escuta.
Esse engajamento é fundamental, uma vez que os conflitos e
contradições, inerentes às relações de dominação presentes no mundo do
trabalho, requerem uma atuação centrada na indissociabilidade entre ideia e
afeto. O fazer envolve conflitos que vão além da capacidade do sujeito de pesar
sobre ele mesmo. O pensar é importante, assim como o conhecer, mas como
este fazer afeta o sujeito é a principal ocupação da clínica. Evidentemente, a
organização do trabalho é definidora desse fazer, não existindo independência do
sujeito em relação à realidade do trabalho, muitas vezes cruel e perverso.
O clínico é o tradutor do que é ocultado pelo coletivo em relação aos
modos de engajamento no trabalho. Escutar o sofrimento implica desvelar as
defesas e traçar os caminhos da mobilização subjetiva por meio da circulação da
palavra no coletivo. Assim, a clínica da cooperação se apresenta como
possibilidade de resgatar o sentido do trabalho, o sofrimento criativo, o prazer e
conseqüentemente a qualidade de vida dos trabalhadores.
Por estas razões pode ser uma prática de promoção de saúde mental a
ser utilizada nos mais diferentes contextos de trabalho, de modo particular nas
organizações. Ainda é um desafio, visto as condições institucionais, políticas e
éticas que envolvem estas práticas e os interesses da racionalidade instrumental
que tem ocupada a maior parte das organizações formais capitalistas.

Referencias teóricas
Mendes, A M & Araújo, L. R. K (2011). Clínica psicodinâmica do trabalho:
práticas brasileiras. Brasília: Editora Ex Libris.
Mendes, A M, Merlo, A, R. C, Morrone, C. F. & Facas, E. P (2010).
Psicodinâmica e clínica do trabalho: temas, interfaces e casos brasileiros.
Curitiba: Editora Juruá.
Mendes, A. M. (org.), (2010) Violência no trabalho: perspectivas da
psicodinâmica, ergonomia e sociologia clínica. São Paulo: Editora Mackenzie.
Mendes, A M. (2008). Trabalho e Saúde – o sujeito entre emancipação e
servidão. Curitiba, PR: Juruá.
Mendes, A. M., Canez, S. C. L. & Facas, E. P (org.), (2007). Diálogos em
psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo 15.

729
Mendes, A. M. (org.), (2007). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método
e pesquisas. São Paulo, Casa do Psicólogo.

730
Oficinas

731
732
TÍTULO: Crise económica não pode servir para menos saúde e segurança

no trabalho

AUTOR(ES): José Manuel Fernandes

INSTITUIÇÃO: Parlamento Europeu

Agradeço o convite que me foi dirigido para participar no Congresso


Internacional de Psicologia do Trabalho e das Organizações.
Cumprimento-os e felicito os organizadores desta iniciativa.
Na impossibilidade de estar fisicamente presente, permitam-me que
recorra a este formato para responder à questão: Qual a estratégia da União
Europeia para a produtividade, a saúde e a segurança no trabalho?
Começo por responder à questão: qual a estratégia da União europeia para
a produtividade, para o crescimento económico?
A UE tem desafios a vencer, alguns deles comuns a todo o planeta, como a
globalização, o crescimento demográfico, a escassez de recursos naturais e as
alterações climáticas.
Há, no entanto, outros que na União Europeia têm maiores repercussões: o
envelhecimento da população, a gestão das migrações e o aprovisionamento
energético.
A União Europeia tem de fazer face a estes desafios, tendo em vista a
melhoria da competitividade, a redução das desigualdades e das disparidades
regionais, a promoção do emprego e da inclusão social, a defesa do nosso
Estado Social.
Para isso, a União Europeia aprovou a estratégia Europa 2020.
A estratégia UE 2020 tem 3 prioridades, 7 ações emblemáticas e 5 grandes
objetivos a atingir em 2020. Os programas e os projetos que vierem a ser
financiados pelo orçamento da União Europeia vão ter de cumprir esta
estratégia.
Cada projeto financiado pela UE deverá, sempre que possível, cumprir as 3
prioridades e atingir simultaneamente vários objetivos.
As três prioridades são:
Crescimento inteligente; Crescimento sustentável e Crescimento inclusivo.
Um crescimento inteligente pressupõe melhores resultados a nível da União
Europeia em matéria de educação, investigação, inovação e sociedade digital.

733
Isso deverá ser conseguido sobretudo através das iniciativas
emblemáticas: Agenda Digital para a Europa, União da inovação e Juventude em
movimento.
Um Crescimento sustentável obriga-nos a que se caminhe para uma
sociedade da reciclagem, da reutilização, eficiente em termos da utilização de
recursos, hipocarbonada.
Tal será conseguido sobretudo através das iniciativas emblemáticas: "Uma
Europa eficiente em termos de recursos" e "Uma política industrial para
a era da globalização"
Relativamente ao Crescimento inclusivo, é importante salientar que a
mão de obra europeia está a diminuir, devido à evolução demográfica, e tem que
custear um número cada vez maior de reformados.
Por outro lado, na União Europeia, a taxa de desemprego juvenil ultrapassa
os 23%.
A União Europeia conta cerca de 80 milhões de pessoas pouco qualificadas
ou com competências básicas que beneficiam menos da aprendizagem ao longo
da vida do que as pessoas mais instruídas.
O número de pessoas em risco de pobreza é de cerca de 100 milhões, onde
estão incluídos mais de 20 milhões de crianças. Temos 8% dos trabalhadores
que não ganha o suficiente para sair do limiar da pobreza.
Estes factos obrigam a aumentar a taxa de emprego da Europa,
criando mais e melhores empregos, especialmente acessíveis às mulheres, aos
jovens e aos trabalhadores mais idosos.
Isso será conseguido, sobretudo, mediante duas iniciativas emblemáticas:
uma Agenda para novas competências e empregos; e uma Plataforma
europeia contra a pobreza.
As ações emblemáticas serão financiadas pelo orçamento da UE a que se
deverão adicionar ações em cada Estado-membro para atingir em 2020 Cinco
grandes objetivos:

1. Emprego
- Aumentar para 75% a taxa de emprego na faixa etária dos 20-64 anos
2. I&D e inovação
- Aumentar para 3% do PIB da UE o investimento (publico e privado) em
I&D e inovação
3. Alterações climáticas e energia

734
-Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 20% relativamente
aos níveis registados em 1990
- obter 20% da energia a partir de fontes renováveis
- aumentar em 20% a eficiência energética
4. Educação
- Reduzir as taxas de abandono escolar para níveis abaixo dos 10%
- Aumentar para, pelo menos, 40% a percentagem da população na faixa
etária dos 30-34 anos que possui um diploma do ensino superior
5. Pobreza e exclusão social
-Reduzir, pelo menos, em 20 milhões o numero de pessoas em risco ou em
situação de pobreza ou de exclusão social

Apresentei-vos a Estratégia Europa 2020.


Será a guia das próximas perspetivas financeiras e das várias ações a
realizar até 2020. É esta a estratégia para o crescimento.
É neste quadro que pretendo falar agora da estratégia da União Europeia
para a saúde e a segurança no trabalho.
Este é um tema influenciável pelo momento económico e financeiro e
necessariamente multidisciplinar, uma vez que inclui, nomeadamente, a
medicina do trabalho, a segurança, a ergonomia, a epidemiologia, a toxicologia,
a higiene industrial e a psicologia.
É consensual dizer-se que a promoção da saúde e segurança no trabalho
permite aumentar a produtividade e a competitividade das empresas.
Note-se que os custos das doenças profissionais e os acidentes de trabalho
representam, em alguns países, para as empresas e os regimes de segurança
social: 5,9% do PIB.
Na UE morrem anualmente 168.000 cidadãos devido a acidentes ou a
doenças relacionados com o trabalho, e cerca de 7 milhões ficam feridos em
acidentes.
Em Portugal estima-se que ocorreram mais de 145 mil acidentes no ano de
2010.
Estima-se que pelo menos 11 milhões de trabalhadores da UE sofrem de
patologias músculo-esqueléticas.
Estes dados estatísticos estão incompletos, até porque não é possível
avaliar com rigor a incidência dos acidentes ligados à utilização das novas
tecnologias e das novas formas de trabalho.

735
A UE tem uma Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho e
comités especializados da Comissão Europeia, como o Comité dos Altos
Responsáveis de Inspeção do Trabalho e o Comité Consultivo para a Saúde e
Segurança no Trabalho.
Nos termos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 4,
a UE dispõe apenas de competência partilhada com os Estados-Membros, nos
domínios do emprego e da saúde pública.
Insiste-se, por isso, no desenvolvimento e na aplicação coerente e
concertada de estratégias nacionais. Para além disso, é necessário criar
coerência, tanto a nível europeu como nacional, entre as políticas de saúde e de
segurança no trabalho e as outras políticas públicas, nomeadamente nos
domínios da saúde, emprego, indústria, investigação, ambiente, transportes,
segurança rodoviária, educação, energia, desenvolvimento regional, concursos
públicos e mercado interno.
As políticas nacionais e comunitárias devem contribuir para criar ambientes
de trabalho e serviços de saúde profissional que permitam aos trabalhadores
participarem plenamente e de forma produtiva na vida profissional até uma
idade mais avançada. Devemos, pois, almejar uma situação em que o trabalho
reforce a saúde e o bem-estar individuais e em que a possibilidade de encontrar
e manter um emprego contribua para melhorar a saúde global da população.
Neste contexto, é importante sublinhar o contributo que uma boa saúde no
trabalho pode trazer à saúde pública em geral.
Efetivamente, o local de trabalho constitui um enquadramento
especialmente adequado à adoção de medidas de prevenção dos riscos e de
atividades de promoção da saúde.
Relativamente à saúde e segurança no trabalho, existe um considerável
acervo comunitário, nomeadamente a Diretiva-Quadro de 1989 e as diretivas
relativas a riscos ou setores específicos, assim como o Regulamento REACH.
Ainda recentemente, foram aprovadas diretivas relativas às condições de
trabalho no setor marítimo e à prevenção de doenças devido ao uso de materiais
perfurocortantes na área hospitalar.
O corpo legislativo existente permite aplicar as disposições dos Tratados
europeus e da Carta dos Direitos Fundamentais no domínio da saúde no
trabalho, garantindo o respeito do direito fundamental à saúde.
Para além desta legislação da UE, a Comissão Europeia, em 2002, definiu
uma estratégia comunitária para o período 2002-2006, visando relançar a

736
política de saúde e segurança no trabalho. Esta tinha por base uma abordagem
global do bem-estar no trabalho, tendo em conta a evolução dos locais de
trabalho e o aparecimento de novos riscos, designadamente de natureza
psicossocial.
A comunicação da Comissão Europeia intitulada "Melhorar a qualidade e a
produtividade do trabalho: estratégia comunitária para a saúde e a segurança no
trabalho 2007-2012" deu seguimento ao trabalho desenvolvido.
Esta estratégia comunitária para a saúde e a segurança no trabalho foi
ambiciosa e fixou como principal objetivo uma redução de 25% na taxa total de
incidência de acidentes de trabalho.
Para tal foram fixadas seis ações:
-Criar um quadro normativo moderno e eficaz;
-Favorecer o desenvolvimento e a execução de estratégias
nacionais;
-Promover mudanças de comportamento;
-Fazer face a novos riscos e a riscos mais sérios;
-Avaliar melhor os progressos realizados;
-Promover a saúde e a segurança a nível internacional.

Criar um quadro normativo moderno e eficaz


A legislação europeia em matéria de saúde e de segurança no trabalho é
por vezes pouco e mal aplicada. A comissão pretende assegurar a efetiva
transposição das diretivas comunitárias.
Os Estados-Membros são também responsáveis pela aplicação da
legislação comunitária. Importa não só aplicar mais frequentemente a legislação
comunitária, como também aplicá-la de forma equivalente em todos os Estados-
Membros, a fim de que os trabalhadores europeus estejam protegidos de forma
idêntica.
É ainda importante uma legislação simplificada, sem no entanto reduzir os
níveis de proteção existentes.

Favorecer o desenvolvimento e a execução de estratégias nacionais


Os Estados-Membros devem definir e adotar estratégias nacionais em
articulação com a estratégia comunitária e fixar, neste contexto, objetivos
quantitativos a atingir. Os Estados-Membros devem prestar atenção a quatro
domínios de ação:

737
• a prevenção e a vigilância da saúde;
• a reabilitação e a reinserção dos trabalhadores;
• as respostas a dar às mudanças sociais e demográficas;
• a coordenação entre, por um lado, as políticas de saúde e de
segurança no trabalho e, por outro, as políticas de saúde pública, de
desenvolvimento regional e de coesão social, as políticas relativas à
contratação pública e as políticas em matéria de reestruturações.

Promover mudanças de comportamento


Pretende-se incentivar as mudanças de comportamento tanto na escola
como na empresa. A Comissão convidou os Estados-Membros a integrarem a
saúde e a segurança nos programas de educação e de formação e para
utilizarem o Fundo Social Europeu.

Fazer face a novos riscos e a riscos mais sérios


É fundamental reforçar a investigação científica a fim de antecipar e
identificar os novos riscos em matéria de saúde e de segurança no trabalho, e de
lhes dar resposta. No plano comunitário, a investigação em matéria de saúde e
de segurança no trabalho é apoiada pelo sétimo programa-quadro de
investigação e desenvolvimento.

Avaliar melhor os progressos realizados


A Comissão pretende coligir dados estatísticos e informações sobre as
estratégias nacionais, e elaborar indicadores qualitativos que permitam conhecer
melhor os progressos realizados em matéria de saúde e de segurança no
trabalho.

Promover a saúde e a segurança a nível internacional


No intuito de elevar as normas laborais em todo o mundo, a União
Europeia procura estreitar a sua cooperação com os países terceiros e com as
organizações internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho ou a
Organização Mundial da Saúde.

Esta estratégia que está a findar permite um balanço:


Os riscos psicossociais não são suficientemente tratados na estratégia
comunitária 2007-2012, nem em muitos Estados-Membros, embora constituam

738
um risco importante em matéria de saúde no trabalho. De um modo geral, as
empresas abordam os riscos psicossociais mediante a prestação de formação,
mas os trabalhadores são afetados em primeiro lugar por uma organização do
trabalho e um estilo de gestão deficientes.
Por outro lado, a redução dos riscos profissionais, que se tem verificado,
não é homogénea:
– certas categorias de trabalhadores continuam a estar demasiado
expostas aos riscos profissionais (jovens, trabalhadores em empregos precários,
trabalhadores mais velhos e trabalhadores migrantes);
– certas categorias de empresas são mais vulneráveis (as PME, em
especial, dispõem de menos recursos para instalar sistemas complexos de
proteção dos trabalhadores, ao passo que outras tendem a ser mais afetadas
pelo impacto negativo dos problemas de saúde e segurança);
– certos setores continuam a ser especialmente perigosos (a
construção/engenharia civil, a agricultura, a pesca, os transportes, a saúde e os
serviços sociais).
Por último, o nível de aplicação concreta da legislação comunitária difere
sensivelmente consoante o Estado-Membro.
A Comissão tarda em apresentar a nova estratégia pós 2013. Segundo o
Comissário László Andor, as principais prioridades da nova Estratégia serão
concentradas em medidas de prevenção especiais e instrumentos de avaliação
de risco eficientes no sentido da promoção da segurança e saúde ocupacional.
As consequências da crise para a economia e a gravidade da recessão, que
observamos em vários Estados-Membros, não devem servir de pretexto para
uma aplicação pouco rigorosa da legislação ou para uma diminuição da ambição
desta nova estratégia. Bem pelo contrário.
O PE defende que a nova estratégia comunitária de saúde e segurança no
trabalho deve:
- Dar prioridade a uma abordagem preventiva e permitir a todos os
trabalhadores a possibilidade de aliarem plenamente a vida profissional e a vida
privada, o que deverá ser valorizado nos planos nacionais de prevenção.
Considera que o local de trabalho deve ser visto como a plataforma privilegiada
para as estratégias de prevenção da União Europeia e dos Estados-Membros.
- Promover o desenvolvimento de um programa europeu de vigilância dos
riscos profissionais (em particular das patologias músculo-esqueléticas e dos

739
problemas psicossociais), com base em indicadores de saúde, definições e
instrumentos epidemiológicos comuns aos 27 Estados-Membros;
- Incidir na utilização do potencial do Regulamento REACH para melhorar a
proteção dos trabalhadores contra os riscos químicos;
- Reforçar o controlo e as responsabilidades da inspeção do trabalho e a
participação dos trabalhadores na conceção, implementação e acompanhamento
das políticas de prevenção;
- Melhorar o reconhecimento das doenças profissionais;
- Abordar a flexibilidade, a insegurança, a subcontratação, enquanto
obstáculos a uma adequada prevenção dos riscos.
- Estar vigilante relativamente a riscos potenciais das novas tecnologias
como a Nanotecnologia, a engenharia genética e a biologia sintética.
É dever de todos defender e promover os direitos sociais fundamentais,
incluindo o direito de todo o trabalhador a: "condições de trabalho que respeitem
a sua saúde, segurança e dignidade", tal como está escrito no artigo 31 da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Faço votos de que a UE e os Estados-Membros estejam à altura deste
desígnio.

740
TÍTULO: Dar o peixe ou ensinar a pescar

AUTOR(ES): José Maria Costa (jmariaccosta@gmail.com)

INSTITUIÇÃO: Centro Social das Lameiras

Este título foi escolhido pela organização deste Congresso a partir da


experiencia positiva e mobilizadora do Bairro Social das Lameiras, em Vila Nova
de Famalicão. É um bairro, também conhecido por Edifício das Lameiras e que
recentemente adquiriu outro título, o de «eco-bairro», quase como um
laboratório sobre o meio ambiente, que, num futuro próximo poderá alargar a
experiencia adquirida a toda a cidade de Vila Nova de Famalicão.
Certamente perguntarão: porque é que este bairro é muito falado e até
tem sido objeto de estudos?

1.º Pela sua configuração


a) A forma de construção, em modelo de quarteirão com o acesso às
habitações por patamares;
b) Pelas suas 290 casas (T0 - 30, T2 – 80, T3 - 150 e T4 – 30), 30 lojas
comerciais e pelo número elevado de habitantes (cerca de dois milhares em
1983) a residir num espaço relativamente pequeno;
c) Pelo tipo de pessoas que albergava/alberga gente muito pobre,
diferentes etnias, (com predomínio para a etnia cigana com 22 famílias)
migrantes, antigos retornados, pessoas tiradas da marginalidade, entre outras…
2.º Porque a partir dos seus moradores foi possível construir uma
Associação de Moradores que se tornou numa IPSS, que construiu de raiz um
Centro Social e Comunitário, que hoje tem mais de 10 respostas sociais, acolhe
cerca de 430 utentes e dá emprego a 82 pessoas.
3.º Porque se tornou numa instituição certificada, com uma gestão
partilhada e que tem como prioridade servir a pessoa humana como centro de
toda a atividade que desenvolve.
4.º Uma experiencia ativa de sustentabilidade da economia social

1.º A forma de construção habitacional, configuração… e o título


Mas o que tem a ver o título desta intervenção com tudo isto: «Dar o
peixe ou ensinar a pescar?». Eu hoje diria que são necessárias as duas coisas,
temos que dar o peixe e ensinar a pescar. Precisamos de ajudar a matar a fome

741
e ao mesmo tempo proclamar e convencer as pessoas de que elas têm que
aprender a sair daquela situação. Mas aqui a pescaria é outra, como mais à
frente explicarei.
Um dia um meu amigo da zona de Aveiro foi passar férias a Moçambique
e ficou hospedado numa casa de amigos junto ao mar. Aproveitou ao máximo
para desfrutar aquelas belezas naturais próprias de Moçambique. Todos os dias
logo pela manhã fazia uma caminhada junto ao mar, não só para manter a
saúde física, mas também para pensar e meditar. Enquanto assim procedia,
todos os dias em certo lugar dessa caminhada havia um homem que vinha com
uma cana de bambu aos ombros. Essa cana em vez de ter carreto e anzol, era
simples, só estava afiada em forma diagonal na ponta. Ele entrava pelo mar
dentro, olhava para suas águas límpidas e escolhia um peixe, espetando a cana
em cima e regressava a casa com o pexe aos ombros. Nos dias seguintes,
enquanto esse meu amigo lá esteve a cena repetiu-se. Um dia esse meu amigo
decidiu abordar aquele bom-homem que, para ele, se tornara numa interpelação
permanente: Ouça-la amigo, perguntou: “porque é que todos os dias vem aqui
ao mar buscar um peixe? Não seria melhor pescar uma boa quantidade e depois
guardar no frigorífico para uma semana?” Ele respondeu, não! Então se eu todos
os dias posso comer peixe fresco e diversificado tirado na hora do mar, porque é
que tenho que ter um frigorífico a servir de armazém lá em casa?
Neste episódio encontramos, desde logo, duas componentes: Primeiro a
calma e descontração deste pescador, apesar de pobre, nada lhe faltava;
segundo o aproveitamento dos recursos naturais com sabedoria; terceiro para
quê armazenar? Quando temos o que precisamos perto de casa?
Outra situação diferente. Esta aconteceu no bairro das Lameiras. Mais ou
menos há 20 anos: O antigo Instituto da Juventude financiava uns programas
com o título “aprende e faz”. Nós candidatamo-nos por diversas vezes a esses
programas. Um dia idealizámos um programa sobre a pesca desportiva. Ora não
faltaram candidatos a pensar em usufruir de uns bons passeios até ao mar, ao
rio ou à barragem. Mas não, o Sr. Américo Rodrigues, coordenador do projeto no
terreno, juntou um grupo de jovens e foi a casa de um lavrador que possuía no
seu quintal muitas canas de bambu e pediu um braçado de canas para fazer
atividades com as crianças e jovens das Lameiras. O lavrador correspondeu,
ofereceu as canas e o Sr. Américo cortou-as e deslocou-se para as Lameiras com
elas cheias de folhas e deixou toda aquela gente admirada. Todos perguntavam:
o que é que vai sair dali? Bom, ele começou um trabalho/oficina com crianças e

742
jovens que consistia em cada um aprender a fazer e a colocar os devidos
mecanismos numa cana, que se iria transformar num instrumento de pesca,
para um pescador desportivo. Uma das condições era que só iria à pesca quem
conseguisse chegar ao fim do curso com a sua cana pronta. Claro que não daria
tempo, uma vez que as canas tinham que secar primeiro e só depois poderiam ir
para a água. Mas quando chegou o tempo necessário de aprendizagem de
construir a cana, conhecer a regras da pesca no rio, nas barragens, no mar, nos
lagos ou nas ribeiras e a proteção das espécies, foi marcada a primeira saída
para um sítio seguro. Um lago na freguesia de Remelhe (Barcelos) com trutas,
onde cada pescador, no final tinha que pagar ao quilo as trutas pescadas. O Sr.
Américo lá combinou com o dono do lago e conseguiu uma parceria. Nesse dia,
carregou a carrinha da Associação e lá foi com as crianças e jovens, alguns
familiares acompanharam nos seus automóveis, foi um dia de festa. Mas o mais
engraçado foi quando uma truta mordeu o anzol e arrastou a cana de um miúdo
para o lago. Bom, não houve nada de grave, no final toda a gente estava feliz e
os pais ficaram muito contentes porque havia chegado a casa peixe fresco que
deu para mais do que uma refeição.
O importante aqui, tal como no primeiro caso foi o Sr. Américo, dirigente
da Associação ter colocado a sua sabedoria ao serviço de crianças e jovens. Este
trabalho prosseguiu e hoje existem alguns clubes de pesca que tiveram origem
nesta ação de aprendizagem.
A história da Associação de Moradores das Lameiras também tem muito a
ver com isto. Estávamos em 1983, fomos colocados num local desconhecido.
Muita gente não estava habituada às regras da cidadania, eram pessoas muito
pobres, algumas nem móveis tinham, incluindo a cama de dormir.

2.º Mudar por, com e para os moradores


Na vizinhança o bairro começava a ser conhecido pelas piores formas
trazidas de outros locais. Havia que ensinar os novos residentes a modificar
comportamentos, sobretudo ao nível da diferença entre viver num sítio individual
e depois num espaço coletivo. Eles tinham que ser os protagonistas desses
novos comportamentos. As pessoas precisavam de descobrir que uma coisa é
viver individualmente com a sua família, outra é ir viver para um local coletivo e
partilhar o espaço com mais 320 famílias. Tivemos que interrogar cada um se
gostava que dissessem mal do novo local onde morávamos, claro que as pessoas
diziam que não, mas havia sempre alguém que furava o esquema.

743
Então que fazer, como tornar cada um/a protagonista da mudança? –
Aproveitando e colocando a render os valores que cada um/a possuía dentro de
si, mas que se encontravam amarfanhados. Começamos por aquilo que nós hoje
designamos de «chuva de ideias». Surgiram muitas: fizemos cursos de
bordados, de culinária e administração doméstica, de dança folclórica, teatro
música (cavaquinhos) e trouxemos o ensino recorrente para o bairro.
Marcávamos atividades públicas para mostrar o saber de cada um, organizamos
festas, exposições e concursos. Passamos a editar o Boletim Lameiras, que ainda
hoje existe. A preocupação era tornar o trabalho desenvolvido pelos diferentes
grupos conhecido no meio. Os jornais começaram a falar das Lameiras pela
positiva. Estávamos no início de um processo de um trabalho organizado por
moradores, com moradores e para os moradores.
Almada Negreiros dizia: “Quando eu nasci, as palavras que deviam salvar
a humanidade estavam ditas, só faltava uma coisa: salvar a humanidade”. Aqui
faltava assumir a forma de construir uma nova comunidade, onde todos
soubessem pescar e dar o melhor de si.

3.º Os pobres também têm direito a serviços de qualidade


Fomos residir para o Edifício das Lameiras em 1983. Em Maio de 1984,
depois de muitas reuniões e assembleias, constituímos e legalizamos a
Associação de Moradores das Lameiras. Em Maio de 1985 inauguramos o Centro
Social das Lameiras, para que as mães pudessem trabalhar, dispondo de um
local, mesmo precário, onde pudessem colocar os seus filhos.
Em 1995, depois de muita luta e pressão junto da autarquia foi
inaugurada a escola primária das Lameiras e três anos depois o polidesportivo.
Em 2003 inauguramos instalações, construídas de raiz do Centro Social das
Lameiras. Em 2007 certificamos duas respostas sociais, (CATL e SAD) num
trabalho em parceria com mais cinco instituições. Em 2008 certificamos as
restantes respostas sociais. Em 2010 alargamos o Lar de idosos de 26 para 35
camas e em 2011 construímos novas salas de atividades para pessoas idosas.
Em 2011 editamos o primeiro livro que descreve algumas experiencias vividas
nas Lameiras. Ainda naquele ano, aprovamos um novo projeto educativo com o
título Interlaçar raízes. Foi a primeira vez que chamamos a participar neste
projeto a comunidade envolvente quer na discussão quer na elaboração do
projeto educativo.

744
Desenvolvemos um trabalho intergeracional, a partir de um espaço
comum de serviço de refeições para crianças, jovens e idosos.
É verdade que no início alguns idosos têm dificuldades em se adaptarem,
mas passadas umas semanas, já não são nada sem elas. Quando os visito aos
fins-de-semana e pergunto se está tudo bem, dizem-me que não e eu pergunto
porquê. Eles respondem, porque nos faltam os nossos meninos. Temos a certeza
que as crianças que passam pelas Lameiras, mais tarde, quando forem adultas
saberão respeitar os mais idosos com carinho e amor.
Bom, a pescaria tornou-se rentável, porque temos muita gente a pescar
para a comunidade.
Hoje é a Associação de Moradores que faz a gestão do Complexo
Habitacional e ao mesmo tempo do Centro Social. Se em 1985 tivemos que
definir cotas de entrada no Centro Social, para evitar a criação de um gueto,
com 80% para as Lameiras e o restante para o exterior, hoje essas cotas
desapareceram e se quisermos quantificar podemos dizer que os utentes do
Centro Social são 80% de não residentes e os restantes das Lameiras.
Os bairros sociais não são espaços habitacionais de residência
permanente, eles devem permitir aos seus habitantes uma melhoria da sua
qualidade de vida. Adquirida essa melhoria, devem partir para outra residência,
própria ou alugada e dar lugar a outras famílias mais pobres. Passados 29 anos
de residência naquele espaço, posso afirmar que mais de 60% dos residentes
nas Lameiras foram viver para outros locais, a fim de dar lugar a novos
moradores. Houve um erro que o IGAPHE e os sucessivos executivos municipais
cometeram: não deixaram que o desdobramento de famílias se fizesse, isto é;
mesmo havendo casas disponíveis, os nossos filhos que quisessem residir
naquele espaço depois de constituir família, não o podiam fazer. Moral da
história, hoje as Lameiras tem uma população envelhecida, que fez com que a
autarquia reconhecesse o erro e tivesse mudado de opinião há quatro anos. Mas
veio atrasada.

4.º Sustentabilidade duma instituição da economia social


Na inauguração de um centro social nas redondezas de Vila Nova de
Famalicão, o então ministro da Solidariedade, Segurança Social e do Trabalho,
Vieira da Silva, afirmou, que para construir uma estrutura social que permitisse
a criação de cerca de 65 novos postos de trabalho, bastaria investir cerca de um
milhão e meio de euros. Para criar uma empresa de alta tecnologia, com apenas

745
trinta postos de trabalho, eram necessários 300 milhões de euros. (Não estou a
por em causa as empresas tecnologias, apenas a citar palavras de um antigo
ministro)
Hoje ensinar a pescar, para esta associação, representa novos desafios:
apelamos aos desempregados que não desistam de lutar pelo seu próprio
emprego. Não podemos arranjar emprego para todos, mas reconhecemos que a
economia social continua a ser uma resposta sustentável, com muitas áreas
ainda por explorar, desde que haja vontade politica para o fazer.
Depois temos a questão da sustentabilidade da instituição:
Recentemente concretizamos um projeto denominado de eco-bairro, que
entre outras iniciativas contou com a substituição de lâmpadas incandescentes
por lâmpadas de baixo consumo, entrega de ecopontos domésticos que fez
aumentar a recolha seletiva de lixos (papel, vidro e plásticos) domésticos para
reciclagem em 45% e a realização num bairro social (única no país) de uma
mostra de energias alternativas. Montamos vários painéis solares para
aquecimento de águas quentes sanitárias, tornamo-nos num pequeno produtor
de energia elétrica através da instalação de painéis fotovoltaicos, que produzem
energia elétrica e a injetam na rede pública. Por fim, compramos o primeiro
carro elétrico para apoio domiciliário a idosos, que gasta apenas um euro por
cada 100 quilómetros, protege o ambiente e pagar-se-á, em pouco tempo a si
próprio, pois trocamos seis litros de gasóleo por um euro de energia elétrica para
carregar baterias em gel em vez dos ácidos.
Estamos no ano internacional do cooperativismo, uma boa oportunidade
para jovens recém-licenciados criarem a sua própria cooperativa ou
empreenderem na criação do seu próprio posto de trabalho como alternativa à
economia de mercado.
Ensinar a pescar é ensinar a organizar ideias, é pensar que o futuro do
trabalho está sobretudo na mente de cada um/a e na inovação que esta for
capaz de produzir.
Nas Lameiras, em 1984, dissemos ao presidente da Câmara da altura,
confie em nós, ajude-nos que nós somos tão capazes como os outros residentes
da cidade. Ele acreditou, ajudou, o resultado foi este que vos apresentei. Não se
aprende a pescar sozinho. No início são sempre necessárias ajudas, mas depois
os novos pescadores se encarregarão de ensinar outros. A nossa vida é um
constante aprender, um acumular de saberes e um repartir desses saberes pela
comunidade a que pertencemos.

746
Dar o peixe ou ensinar a pescar?
Sem esquecer os casos graves de pobreza imerecida, onde é mesmo
necessário dar o peixe, temos todos que ensinar a pescar. Uma pescaria, em
sentido figurado, que envolva as pessoas, porque acredito que cada um/a,
individualmente e em grupo possui um manancial enorme de ideias, que
representam sementes prontas a germinar, que devem saltar cá para fora, para
que possamos fazer deste país e da Europa a que pertencemos, espaços onde
seja bom viver.

747
748

Você também pode gostar