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Angústia e Sintoma
Susane Vasconcelos Zanotti
ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
O objetivo deste presente trabalho é fazer uma retomada nas primeiras considerações
sobre o conceito de angústia na obra de Freud, mais precisamente o entendimento sobre
a neurose de angústia. Pontuando as questões econômicas da angústia, tanto a ligação da
angústia com o recalque e a neurose de angústia, averígua-se que em ambas ocorre uma
transformação da libido, e também, nos sonhos, a angústia surgiria ligada as questões
sexuais. Mas o que podemos ressaltar é que, se na neurose de angústia a origem da
angústia se dá pela abstinência sexual ou pela prática do coito interrompido, e esta
concepção de angústia seria ampliada pela condição do recalcamento. Podemos
considerar que encontramos nesse modelo de angústia conjunto com o recalcamento, ou
melhor, essa angústia em segundo grau, a ideia de não-emprego de excitação sexual e,
por isso, a sua transformação em angústia, como ocorre na neurose de angústia. Mas,
para ampliar essa compreensão, necessita-se explicar o mecanismo da angústia que
Freud postulou nas psiconeuroses, onde acontece uma transformação de uma quantidade
de libido em angústia, mas agora mediada pelo recalcamento. Não podemos, dessa
forma, dizer que este entendimento da angústia e recalque é visto como um novo
modelo, distinto daquele da neurose de angústia. O modelo de angústia é o mesmo, o da
não-descarga, mas na psiconeurose e no sonho, o recalcamento é o seu grande
responsável, tanto quanto a abstinência na neurose de angústia.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste presente trabalho é fazer uma retomada nas primeiras considerações
sobre o conceito de angústia na obra de Freud, mais precisamente o entendimento sobre
a neurose de angústia. Será feito uma retomada breve na compreensão desta neurose,
mas o foco principal é o esclarecimento da questão econômica da angústia. E para
finalizar, será comparada a angústia presente na neurose de angústia com a consideração
da angústia presente na obra Interpretação dos sonhos. Para uma melhor compreensão
da angústia, far-se-á uma retomada á alguns textos de Freud que fale sobre este
conceito, usando como alicerce o livro Angústia e sociedade na obra de Sigmund Freud
de Mello Neto (2003).
Freud, em suas primeiras publicações sobre as neuroses, distingue as chamadas
neuroses atuais, dentre as quais se encontra a neurose de angústia, das psiconeuroses.
Diferente das psiconeuroses, a neurose de angústia pode ser comumente entendida, nas
palavras de Freud (1895), como uma grande acumulação de tensão sexual, e a
elaboração psíquica dessa excitação sexual esta ausente ou é insuficiente. Desta forma,
compreende-se que na neurose de angústia ocorre um défict de libido psíquica e
excessiva libido somática. Sendo assim, o indivíduo que sofre desta neurose não
consegue ter uma descarga adequada desta energia somática, pelo contrário, acumula-se
essa tensão porque não consegue elaborar tal excitação psiquicamente.
Segundo Mello Neto (2003) foi na década de 1890 que Freud começa a introduzir na
sua obra o conceito de angústia, e o que provocaria á angústia nos indivíduos seriam os
fatores sexuais. Para uma melhor compreensão de a sexualidade estar envolvida com a
angústia, Freud pontua na sua carta a Fliees, no rascunho “E”, datado de 1894, que o
campo sexual esta na etiologia das neuroses e na angústia dos neuróticos. Ele nos dá o
exemplo de que a prática do coitus interruptus está intrinsecamente ligada aos sintomas
da neurose de angústia. Praticamente em todos os casos em que a angústia esta presente
aparece uma conexão com a sexualidade, e mais precisamente, com a abstinência
sexual. Outros exemplos que envolvem a ligação da sexualidade com a neurose de
angústia é a angústia que aparece nas mulheres anestésicas, nas pessoas abstinentes e
nas virgens. Também é comumente aparecer sintomas em mulheres cujo marido sofre
de ejaculação precoce, em homens que não aproveitam sua excitação sexual para o coito
e dos neurastênicos que abdicaram sua compulsão a masturbação.
Segundo Freud (1894), no “rascunho G”, através das suas observações de pacientes que
apresentam o quadro melancólico, o autor chegou à conclusão que estes sujeitos
freqüentemente não possuem desejo sexual, não querem ter relações desse gênero, são
praticamente anestésicos, e por isso não sentem necessidade de uma satisfação sexual,
mas necessita de amor, este de ordem psíquica (Freud, 1894). Desta forma, a melancolia
parece ser o inverso da neurose de angústia, pois enquanto na primeira tem-se uma
acumulação psíquica, de necessidade de amor, a segunda trata de uma acumulação
somática, e de uma fraca ou inexistente elaboração psíquica. Assim sendo, Freud
observa que, enquanto as pessoas impotentes têm tendência a adquirir a melancolia, as
potentes contraem neurose de angústia. Neste mesmo rascunho Freud ainda nos diz que
os sintomas de angústia também aparecem ao mesmo tempo em que advêm os sintomas
de neurastenia, histeria, obsessões e melancolia, originando as neuroses mistas.
Já no rascunho “B”, Freud (1894) nos fala brevemente sobre a neurose de angústia e que
esta pode aparecer sob duas formas: a primeira como um ataque de angústia, sendo que
está pode aparecer conjuntamente com a histeria, e que isto justifica o fato de aparecer
mais freqüentemente em mulheres. A segunda forma, que no caso é o estado crônico de
angústia, aparece comumente nos neurastênicos. Freud destaca vários sintomas,
característicos destes estados crônicos, dentre eles: A angústia em relação ao corpo,
relacionada com o funcionamento deste e a angústia pautada na memória. O autor
considera esses três sintomas próximos, e se indaga sobre a hereditariedade desses
casos, considerando o fator sexual, e afirma que esses sintomas são adquiridos por
cônjuges que praticam o coitus interruptus. Ainda neste rascunho, pontuando as
questões econômicas da neurose de angústia, Freud nos diz que a neurose de angústia e
a neurastenia têm em comum uma característica bem peculiar, pois nas duas neuroses a
fonte da excitação e a causa do distúrbio residem no campo somático e não no psíquico.
Entretanto, existe uma diferença entre os sintomas da neurose de angústia e da
neurastenia; enquanto no primeiro o que encontramos é um acúmulo de excitação, no
último predomina o empobrecimento de excitação.
Freud (1894), nas conclusões do rascunho “B”, propõe aos jovens de boa índole
relações sexuais para a prevenção de afecções, ou senão:
Retomando o rascunho “E”, Freud (1894), nesse rascunho, constata que as mulheres
frígidas estão sujeitas à angústia após o coitus interruptus, isso leva o autor a dizer que
na neurose de angústia se trata de uma questão de acumulação física de excitação. Esta
acumulação acontece porque não ocorreu a descarga desta tensão. Desta forma, a
neurose de angústia se parece com a histeria, pois ambas as neuroses são de
represamento. Freud indaga-se do porque da ocorrência da transformação em angústia
quando há uma acumulação da tensão, e examina o mecanismo normal para lidar com a
tensão acumulada, dando atenção á excitação endógena.
Para Freud (apud Mello Neto, 2003) os acontecimentos são mais simples no caso da
excitação exógena. A fonte da excitação é externa ao indivíduo e transmite para dentro
de seu psiquismo um aumento de excitação, que passa a ser dirigido de acordo com sua
quantidade. Para alcançar a satisfação, deverá ocorrer uma diminuição da quantidade de
excitação psíquica, equilibrando com a excitação externa. Diferente das excitações
exógenas, as endógenas se originam dentro do corpo do sujeito, como exemplos têm a
fome, a sede e a pulsão sexual. Assim, para satisfazer essas excitações, precisa-se de
ações específicas, que são reações que impedem, por um período, o surgimento de
novas excitações nos órgãos internos, sejam essas reações possíveis com maior ou
menor gasto de energia.
Desta forma, Freud (apud Mello Neto, 2003) cria a suposição que a tensão interna, ou
melhor, endógena, pode aumentar sem interrupções, e diminuir conforme ocorra uma
ação específica que impeça seu aumento. Entretanto, só é percebido esse aumento de
excitação endógena quando esta alcança um determinado limiar e esta excitação passa a
ter uma representação psíquica quando fica acima desse limite, fazendo que o psiquismo
procure soluções para acabar com esse aumento de tensão. Como exemplo, podemos
supor o que Freud disse sobre a sexualidade, pois quando a tensão sexual física fica
acima de certo nível, chega ao psiquismo, e este passa a procurar uma ação para
diminuir essa tensão, que no caso é o coito.
O pai da psicanálise, nesta mesma obra supracitada, ainda nos diz que, quando não
ocorre uma ação específica, a tensão aumenta demasiadamente e passa a ser uma
perturbação para o indivíduo, mas ainda não há embasamento para sua transformação.
Mas no caso da neurose de angústia, essa transformação ocorre, pois a tensão física
aumenta, ultrapassando ou atingindo o nível do limiar em que despertar o afeto
psíquico, mas a conexão psíquica com a física não ocorre ou permanece precária.
Assim, um afeto sexual não pôde ser desenvolvido, isto porque faltou algo para ligar-se
aos fatores psíquicos. Desta forma, a tensão física não sendo psiquicamente ligada,
passa a ser transformada em angústia.
Para Freud (apud Mello Neto, 2003), na neurose de angústia ocorre uma
impossibilidade de ligação entre o físico e o psíquico e, conseqüente, uma
transformação, e o motivo esta situado no plano psíquico. Como exemplo, nas mulheres
virgens, observa-se que elas não possuem ou são escassas suas noções sobre a
sexualidade, e mais ainda, essa limitação psíquica pode ser resultante da rígida educação
dos pais. Pode-se também tratar da recusa psíquica da sexualidade dos indivíduos que
escolheram ser abstinentes e das limitações de processos psíquicos nas mulheres cujo
marido pratica o coito interrompido. Desta forma, pode-se deduzir que em todos os
casos ocorre um desvio da excitação física sexual, e o motivo é psíquico. O principal
sintoma da neurose de angústia é o ataque de angústia, e abrange várias características,
como a dispnéia, as palpitações e a própria sensação de angústia, e todas essas
características lembram o coito, como se fosse uma reprodução.
A partir disto, a neurose de angústia passa a ser uma entidade clínica, aparecendo na
forma simples, isolada, ou em forma completamente combinada com outras neuroses,
como por exemplo, combinada com a histeria, obsessões, fobias, denominadas por
Freud de neuroses mistas. O quadro clínico da neurose de angústia, para Freud (1895),
abrange vários sintomas, dentre eles: irritabilidade geral, expectativa angustiada (o
indivíduo acredita que algo muito ruim vai acontecer sem que exista um motivo, um
fundamento peculiar para isso), ataques de angústia acompanhados de pensamentos de
morte, medo de enlouquecer, distúrbios da atividade cardíaca (arritmia, palpitações,
taquicardia), pavor noturno, fobias, distúrbio das atividades digestivas como vômito,
náusea e fome voraz, dentre outros sintomas.
Na etiologia desta neurose, descrita por Freud (1895), aparecem alguns componentes
fundamentais que contribuem para o surgimento da neurose de angústia, dentre os
quais: A pré-disposição, que é similar a hereditariedade; a intensidade da excitação
sexual somática sem a simbolização; e também as causas auxiliares, que não tem um
papel fundamental na gênese da neurose, mas unem-se as demais características
mencionadas, compondo assim o que é chamado por Freud de “equação etiológica”.
Estas causas são perturbações banais, como por exemplo, a exaustão física. Na neurose
de angústia o que é preponderante é a angústia, seja ela em estados mais graves,
crônicos ou leves.
Em sua obra Respostas às criticas ao meu artigo sobre a neurose de angústia, Freud
definiu a neurose de angústia como:
A neurose da angústia é criada por tudo aquilo que mantém a tensão sexual somática
afastada da esfera psíquica, por tudo o que interfere em sua elaboração psíquica. Ao
retrocedermos às circunstâncias concretas em que esse fator se torna atuante, somos
levados a afirmar que a abstinência |sexual|, quer voluntária quer involuntária, a relação
sexual com satisfação incompleta, o coito interrompido, o desvio do interesse psíquico
da esfera da sexualidade e coisas similares são os fatores etiológicos específicos dos
estados que denominei de “neurose de angústia”. (Freud, 1895, p.70).
Para finalizar este breve apanhado sobre a neurose de angústia, retomaremos ao que
Mello Neto (2003) disse sobre a angústia da neurose de angústia. Observando este
sintoma do ataque de angústia, é interessante notar que a excitação sexual não ligada ao
plano psíquico, sem domínio, é retomada por um nível que é estranho ao indivíduo,
como se este não tivesse controle e posse disto, que seria no caso o perigo relacionado
ao que esta fora do sujeito, ao mundo externo, comportando-se como se projetasse a
excitação de dentro para fora.
O que podemos observar, comparando aquilo que Freud falou sobre a neurose de
angústia e essa relação da angústia com o recalcamento, é em que ambas ocorre uma
não ligação da excitação somática com o psíquico, ou seja, enquanto na neurose de
angústia observa-se o excesso somático devido à abstinência sexual e a pratica do coitus
interruptus, no recalcamento acontece uma repressão do pré-consciente dos impulsos
inconscientes, e que, para este conteúdo manifestar-se, ele perde todo seu afeto e sua
representação devido ao recalque. Entretanto, a transformação desta energia, deste
impulso, em angústia, nesta nova consideração da angústia de Freud posterior ao
entendimento da neurose de angústia, é intercedida pelo recalcamento, e as questões
ligadas ao coitus interruptus e a abstinência sexual são entendidas de outra forma:
Enquanto na angústia da neurose de angústia ocorria uma busca voluntária de o
indivíduo abster-se da pratica sexual, no recalcamento acontece um represamento, uma
inibição, que seria uma “abstinência”, mas inconsciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS
Mello Neto, G.A.R. (2003). Angústia e sociedade na obra de S. Freud. Campinas, São
Paulo: Ed Unicamp, no prelo.