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Patrick dos Santos Alves

Teorema Espectral

Volta Redonda, RJ
2021
Patrick dos Santos Alves

Teorema Espectral

Trabalho de Conclusão de Curso submetido


ao Curso de Matemática com ênfase em
Matemática Computacional da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Matemática.

Universidade Federal Fluminense


Instituto de Ciências Exatas
Curso de Matemática

Orientador: Leandro Gines Egea

Volta Redonda, RJ
2021
Ficha catalográfica automática - SDC/BAVR
Gerada com informações fornecidas pelo autor

A474t Alves, Patrick dos Santos


Teorema Espectral / Patrick dos Santos Alves ; Leandro Gines
Egea, orientador. Volta Redonda, 2021.
50 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Matemática)-


Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências
Exatas, Volta Redonda, 2021.

1. Espaços de Hilbert. 2. Teorema Espectral. 3. Problema de


Dirichlet. 4. Produção intelectual. I. Egea, Leandro Gines,
orientador. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de
Ciências Exatas. III. Título.

CDD -

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368


Patrick dos Santos Alves

Teorema Espectral

Trabalho de Conclusão de Curso submetido


ao Curso de Matemática com ênfase em
Matemática Computacional da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Matemática.

Trabalho aprovado. Volta Redonda, RJ, 03 de maio de 2021:

Prof. Dr. Leandro Gines Egea – UFF


Orientador

Prof. Dr. Alan Prata de Paula – UFF

Prof. Dr. Alessandro Gaio Chimenton – UFF

Prof. Dr. Honório Joaquim Fernando – UFF

Volta Redonda, RJ
2021
A minha família.
Agradecimentos

Quero agradecer primeiramente a Deus por ter me dado forças e me capacitado em


todo o tempo de estudo na graduação. Tenho total convicção que Ele me capacitou para
poder conseguir concluir cada matéria, superar cada barreira que aparecia e me animar
nos dias em que não tinha vontade de continuar.
Sou grato também a meus pais, Cleveci Alves e Débora dos Santos Alves, e minha
irmã Amanda dos Santos Alves por terem investido em mim, sendo com carinho, orientando
e acreditando no meu potencial.
Aos meus amigos, Guylherme Barros, Guilherme Saroka, João Pedro Vasconcellos,
Joel Marques, Mariana Macedo, Nelson Assis, Rayan Gustavo e Taís Carvalho por terem
feito parte de todo meu trajeto acadêmico e auxiliado no meu desenvolvimento, pelos
momentos jogando UNO no corredor, pela união e companheirismo.
Ao meu orientador, Leandro Egea, por ter me acolhido como orientando, mesmo
em dias difíceis de pandemia, por ter sido bem paciente ao tentar saciar minhas dúvidas e
por toda a dedicação que teve me auxiliando em todo o desenvolvimento deste trabalho.
“E tudo o que pedirem em oração,
se crerem, vocês receberão.”
(Bíblia Sagrada, Mateus 21, 22)
Resumo
Neste trabalho estudaremos o Teorema Espectral para operadores compactos em espaços
de Hilbert. Este teorema permite decompor certos tipos de operadores como soma direta
de projeções ortogonais, parametrizadas pelo espectro do operador. Em outras palavras, o
Teorema Espectral caracteriza os operadores diagonalizáveis por operadores auto-adjuntos.
Mostraremos também uma aplicação deste teorema a Equações Diferenciais Parciais. O
Teorema Espectral em espaços de Hilbert é uma generalização do Teorema Espectral em
dimensão finita.

Palavras-chave: Espaços de Hilbert. Teorema Espectral. Problema de Dirichlet.


Abstract
In this work we will study the Spectral Theorem for compact operators in Hilbert spaces.
This theorem allows to decompose certain types of operators as a direct sum of orthogonal
projections, parameterized by the operator’s spectrum. In other words, the Spectral
Theorem characterize the diagonalizable operators by self-adjoint operators. We will also
show an application of this theorem to Partial Differential Equations. The Spectral Theorem
in Hilbert spaces is a generalization of the Spectral Theorem for a finite dimensional inner
product space.

Keywords: Hilbert spaces. Spectral Theorem. Dirichlet’s problem.


Lista de símbolos

L(X, Y ) Espaço vetorial das transformações lineares de X em Y

L(X) Espaço vetorial das transformações lineares de X em X

B(X, Y ) Espaço vetorial das transformações lineares contínuas de X em Y

B(X) Espaço vetorial das transformações lineares contínuas de X em X

K(X, Y ) Espaço vetorial das transformações lineares compactas de X em Y

K(H) Espaço vetorial das transformações lineares compactas de H em H

∆ Operador Laplaciano

∂Ω Fronteira de Ω

C(Ω) Espaço das funções contínuas definidas de Ω para R

C0∞ (Ω) Espaço das funções infinitamente diferenciáveis com suporte compacto
definidas de Ω para R

L1loc (Ω) Espaço das funções localmente integráveis


Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 ESPAÇOS DE HILBERT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.1 Espaços Normados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.2 Espaços com Produto Interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.3 Espaços de Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3 TRANSFORMAÇÕES LINEARES EM ESPAÇOS DE HILBERT . . 15


3.1 Transformações Limitadas em Espaços Normados . . . . . . . . . . . 15
3.2 Transformação Adjunta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.3 Espectro de uma Transformação Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

4 TEOREMA ESPECTRAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.1 Operadores Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.2 Aplicação do Teorema Espectral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

5 APLICAÇÃO DO TEOREMA ESPECTRAL A EDP . . . . . . . . . 43


5.1 Problema de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.2 Espaços de Sobolev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.3 Solução do Problema de Dirichlet usando o Teorema Espectral . . . 47

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
1

1 Introdução

Uma das formas mais simples de enunciar o Teorema Espectral em dimensão finita
é que toda matriz simétrica com entradas reais é ortogonalmente semelhante a uma matriz
diagonal, ou seja, A = P −1 DP onde D é uma matriz diagonal formada por todos os
autovalores de A, e P é ortogonal, cujas colunas são os autovetores de A. Em termos de
operadores, o Teorema Espectral diz que um operador linear simétrico é diagonalizável e
que o espaço vetorial admite uma base ortonormal de autovetores. O Teorema Espectral
para matrizes simétricas reais foi provado por Cauchy em 1826, e estendido para o caso
complexo por Hermite em 1855. Uma consequência direta do Teorema Espectral é o
Teorema dos Eixos Principais que diz que toda forma quadrática pode ser reescrita sem os
termos mistos. Essa aplicação é importante para classificação de formas quadráticas.
Uma pergunta sobre o estudo da Teoria Espectral é: Um operador linear em espaço
de dimensão infinita também apresenta uma forma “diagonal”?
Neste trabalho nosso objetivo é generalizar o Teorema Espectral para operados em
espaços de dimensão infinita. Para isso iremos trabalhar em espaços de Hilbert e veremos
em que condições é possível obter uma forma “diagonal” para este tipo de operador.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira. No Capítulo 2, introduziremos
Espaços Normados e Espaços de Hilbert, com suas propriedades. No Capítulo 3, serão
estudados operadores em espaços de Hilbert, tais como operadores adjuntos e normais. O
Teorema Espectral será apresentado no Capítulo 4, junto com o estudo dos operadores
compactos. No Capítulo 5, trataremos uma Equação Diferencial Parcial (Problema de
Dirichlet) sob o ponto de vista da Teoria Espectral.
2

2 Espaços de Hilbert

Neste capítulo revisaremos algumas propriedades de espaços vetoriais, todo o


desenvolvimento será em um corpo K (R ou C). Esses conceitos nos auxiliarão no estudo
do cerne deste trabalho, os espaços de Hilbert. Nestes espaços a norma é induzida por um
produto interno, isso nos permite ter uma ideia da estrutura geométrica que é similar ao
espaço euclidiano n-dimensional.
O estudo dos espaços de Hilbert requerem alguns conceitos topológicos que serão
objetivo do início deste capítulo. Como nosso interesse é utilizar uma teoria mais geral,
será necessário apresentar noções de espaços vetoriais e convergência.

2.1 Espaços Normados

Definição 2.1. Seja X um espaço vetorial sobre K. Uma norma em X é uma função
k · k : X → R tal que para todo x, y ∈ X e α ∈ K,

(i) kxk ≥ 0;

(ii) kxk = 0 se e só se x = 0;

(iii) kαxk = |α|kxk;

(iv) kx + yk ≤ kxk + kyk.

Chamamos de Espaço Normado um par (X, k · k) de um espaço vetorial X e uma


norma k · k em X. Neste capítulo adotaremos a notação (X, k · k) para nos referirmos a
um espaço vetorial normado. Seja x ∈ X. Dizemos que x é unitário se kxk = 1.

Exemplo 2.2. A função k · k : Kn → K definida por:


n
X 1
2 2
k(x1 , . . . , xn )k = |xi |
i=1

é a norma usual de Kn .
Sejam x, y ∈ Kn e α ∈ K,então

n
X 1
2
(i) kxk = 2
|xi | ≥ 0;
i=1

n
X 1
2
(ii) kxk = 0 ⇔ |xi |2
= 0 ⇔ xi = 0 ⇔ x = 0;
i=1
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 3

n
X 1 n
X 1
2 2
(iii) kαxk = (|αxi |)2 = |α| |xi |2 = |α|kxk;
i=1 i=1

(iv)
n
kx + yk2 = |xi + yi |2
X

i=1
n
(|xi |2 + |yi |2 + 2|xi yi |)
X

i=1
n
X 1  X
n 1
2 2
2 2 2 2
≤ kxk + kyk + 2 |xi | |yi |
i=1 i=1
2 2
= kxk + kyk + 2kxkkyk
= (kxk + kyk)2 .
Exemplo 2.3. Seja C([0, 1]) o espaço vetorial das funções contínuas definidas no intervalo
[0, 1] com valores em R. Então a função k · k : C([0, 1]) → R definida por:

kf k = max{|f (x)|; x ∈ [0, 1]}

é a norma em C([0, 1]). De fato, sejam f, g ∈ C([0, 1]) e α ∈ R.

(i) kf k = max{|f (x)|; x ∈ [0, 1]} ≥ 0;

(ii) kf k = max{|f (x)|; x ∈ [0, 1]} = 0 ⇔ |f (x)| = 0 ∀x ∈ [0, 1] ⇔ f (x) = 0 ∀x ∈


[0, 1] ⇔ f ≡ 0.

(iii) kαf k = max{|αf (x)|; x ∈ [0, 1]} = |α| max{|f (x)|; x ∈ [0, 1]} = |α|kf k

(iv) Seja x ∈ [0, 1]. Então:

|(f + g)(x)| ≤ |f (x)| + |g(x)| ⇒ kf + gk ≤ kf k + kgk.

Para trabalharmos em espaços de dimensão infinita será necessário algumas noções


topológicas, uma delas é olhar um espaço normado como um espaço métrico em que a
métrica utilizada é a norma do espaço. Alguns conceitos de espaços métricos e topolo-
gia foram estudados em [1]. As seguintes definições serão necessários para falarmos de
convergência em espaços de normados.

Definição 2.4. Seja V um espaço vetorial. Uma sequência em V é uma aplicação x : N →


V de modo que o elemento x(n) será denotado por xn e (xn ) representará a sequência
(x1 , · · · , xn , · · · ).

Definição 2.5. Sejam (X, k · k) um espaço normado e (xn ) uma sequência em X. Dizemos
que xn converge para x se:

∀ > 0 ∃n0 ∈ N; n > n0 ⇒ kxn − xk < .

Podemos escrever também lim xn = x.


n→∞
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 4

Teorema 2.6. Sejam (X, k · k) um espaço normado, (xn ) e (yn ) sequências em X que
convergem para x, y ∈ X respectivamente e (αn ) uma sequência em K a qual converge para
α ∈ K. Então:

(a) n→∞
lim kxn k = kxk;

(b) lim (xn + yn ) = (x + y);


n→∞

(c) lim (αn xn ) = αx;


n→∞

Demonstração. (a) Como lim xn = x e |kxk − kxn k| ≤ kx − xn k para todo n ∈ N, segue


n→∞
lim kxn k = kxk.
que n→∞

(b) Sendo lim xn = x e lim yn = y, temos que


n→∞ n→∞

k(xn + yn ) − (x + y)k = k(xn − x) + (yn − y)k


≤ kxn − xk + kyn − yk

para todo n ∈ N. Aplicando limite na desigualdade segue que lim (xn + yn ) = x + y.


n→∞

(c) Como (αn ) é convergente, ela é limitada. Então existe K > 0 tal que |αn | ≤ K para
todo n ∈ N. Além disso,

kαn xn − αxk = kαn (xn − x) + (αn − α)xk


≤ |αn |kxn − xk + |αn − α|kxk
≤ Kkxn − xk + |αn − α|kxk

para todo n ∈ N. Portanto, n→∞


lim αn xn = αx.

Definição 2.7. Sejam (X, k · k) um espaço normado e (xn ) uma sequência em X. Dizemos
que (xn ) é de Cauchy se para todo  > 0 existem n0 ∈ N tal que m, n > n0 implica
kxn − xm k < .

Se toda sequência de Cauchy em um espaço X converge para algum ponto do


espaço então X é um espaço normado completo.

Definição 2.8. Duas normas k · k1 e k · k2 num espaço vetorial X são equivalentes se


existem A, B > 0 de forma que

Akxk2 ≤ kxk1 ≤ Bkxk2 ∀x ∈ X.

Exemplo 2.9. Abaixo listaremos algumas normas mais conhecidas em Rn .


Capítulo 2. Espaços de Hilbert 5

n
X 1
2
• kxk = |xi |2 (norma usual);
i=1

n
• kxkS = |xi | (norma da soma);
X

i=1

• kxkM = max{|x1 |, · · · , |xn |} (norma do máximo).

O Teorema 2.10 nos diz que as normas vistas acima são equivalentes em Rn .

Teorema 2.10 (Teorema 1.7 [2].). Se k · k1 e k · k2 são duas normas em um espaço


normado de dimensão finita então elas são equivalentes.

Corolário 2.11 (Corolário 1.8 [2]). Se k · k é alguma norma em um espaço de dimensão


finita X, então este é um espaço normado completo.

Definição 2.12. Um espaço de Banach é um espaço vetorial normado e completo.

Para o estudo dos espaços abaixo é necessário um conhecimento mais aprofundado


em Teoria da Medida, como este não é nosso foco principal comentaremos um pouco sobre
os espaços Lp por terem grande importância quando querermos falar de um espaço de
funções. Mais detalhes sobre estes espaços podem ser encontrados em [3] e [4].

Exemplo 2.13. Os seguintes exemplos são espaços de Banach. O espaço Lp é o conjunto


das classes de equivalência de funções p-integráveis (quando |f |p é integrável) por Lebesgue
e são iguais em quase todo ponto, ou seja, assumem o mesmo valor, exceto em um conjunto
de medida nula. Listamos abaixo apenas os casos p = 1 e p = 2, pois serão os espaços de
nosso interesse neste trabalho.
Z
• L(Ω) = {f : Ω → R; |f |dµ < ∞}

Z
• L (Ω) = {f : Ω → R;
2
|f |2 dµ < ∞}

Estes espaços vetoriais são espaços de Banach com a norma p dada por:
Z 1
p
p
kf kp = |f | dµ .

Seja V o espaço das sequências com valores reais. Temos um outro espaço que
também é de Banach e é dado por:

`2 = {(xn ) ∈ V ; |xn |2 < ∞}.
X

n=1

É o espaço das sequências ao qual a soma dos termos ao quadrado é convergente.


Capítulo 2. Espaços de Hilbert 6

Lema 2.14 (Desigualdade de Hölder - Lema A.12 [4]). Sejam f, g funções mensuráveis
em Ω para p, q ≥ 1 com 1/p + 1/q = 1,

kf gkL(Ω) ≤ kgkLp (Ω) kf kLq (Ω) .

A Desigualdade acima é uma generalização da desigualdade de Schwartz para


funções contínuas com a norma usual do espaço das funções. Este último pode ser
encontrado como exercício de Análise Real em [5].

Definição 2.15. Seja (xn ) uma sequência num espaço vetorial normado (X, k·k). Definimos

X
a série de termos xn sendo xn .
n=1


X
Definição 2.16. Seja (X, k · k) um espaço normado. Uma série xi converge para x se:
i=1

n
X

∀ > 0 ∃n0 ∈ N; n > n0 ⇒
xi − x < .
i=1

n
X
Denotamos de n-ésima soma parcial a parcela sn = xi e a série é absolutamente
i=1

X
convergente se kxi k converge.
i=1

Teorema 2.17. Sejam X um espaço de Banach e (xn ) uma sequência convergente em X.


∞ ∞
Se a série kxk k converge. Então a série xk também converge.
X X

k=1 k=1

n
Demonstração. Tome  > 0. Seja sn =
X
xk a n-ésima soma parcial da sequência. Como
k=1

X n
X
kxk k converge a sequência das somas parciais ||xk || é Cauchy, assim existe n0 ∈ N
k=1 k=1
tal que
m
X
||xk || < 
k=n+1

quando m > n ≥ n0 . Logo, pela desigualdade triangular temos que


m n m m
X X X X
ksm − sn k =
xk − xi =
xk ≤ ||xk || < .
k=1 i=1 k=n+1 k=n+1


X
Portanto, (sn ) é uma sequência de Cauchy em um espaço de Banach. Assim, xk
k=1
converge.
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 7

2.2 Espaços com Produto Interno

Definição 2.18. Seja X um espaço vetorial sobre um corpo K. Um produto interno em


X é uma função h·, ·i : X × X → K tal que para todo x, y, z ∈ X e α ∈ K,

(a) hx, xi ≥ 0;

(b) hx, xi = 0 ⇔ x = 0;

(c) hx + y, zi = hx, zi + hy, zi;

(d) hαx, zi = αhx, zi;

(e) hx, yi = hy, xi

Um par (X, h·, ·i) é chamado Espaço com Produto Interno.


n
Exemplo 2.19. A função h·, ·i : Kn × Kn → K definida por hx, yi = xi yi , é um produto
X

i=1
interno em Kn . Este produto interno é chamado de produto interno usual de Kn .
De fato,

n n
(a) hx, xi = |xi |2 ≥ 0;
X X
xi xi =
i=1 i=1
n
(b) hx, xi = |xi |2 = 0 ⇔ |xi | = 0 ⇔ xi = 0;
X

i=1
n n n n
(c) hx + y, zi =
X X X X
(xi + yi )zi = (xi zi + yi zi ) = xi zi + yi zi = hx, zi + hy, zi;
i=1 i=1 i=1 i=1
n n
(d) hαx, yi =
X X
(αxi )yi = α xi yi = αhx, yi;
i=1 i=1

n n n
(e) hx, yi =
X X X
xi yi = y i xi = yi xi = hy, xi
i=1 i=1 i=1

Exemplo 2.20. Se f,Zg ∈ L2 (Ω) então f g ∈ L1 (Ω) e a função h·, ·i : L2 (Ω) × L2 (Ω) → K
definida por hf, gi = f gdµ é um produto interno em L2 (Ω). Este produto interno é

chamado de produto interno usual em L2 (Ω). Sejam f, g ∈ L2 (Ω). Então, pela Desigualdade
de Hölder, com p = q = 2 e a definição de L2 (Ω),
Z Z 1  Z 1
2
|f g|dµ ≤ |f | dµ 2
|g|2 dµ 2
< ∞,
Ω Ω Ω

então f g ∈ L1 (Ω) e a fórmula hf, gi = Ω f gdµ está bem definida. Agora vamos mostrar
R

que a forma acima define um produto interno em L2 (Ω) verificando todas as propriedades.
Usando as propriedades de integral teremos que:
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 8

Z
(i) hf, f i = |f |2 dµ ≥ 0;

Z
(ii) hf, f i = 0 ⇔ |f |2 dµ = 0 ⇔ f ≡ 0;

Z Z Z
(iii) hf + g, hi = (f + g)hdµ = f hdµ + ghdµ = hf, hi + hg, hi;
Ω Ω Ω
Z Z
(iv) hαf, hi = αf hdµ = α f hdµ = αhf, hi;
Ω Ω
Z Z
(v) hf, gi = f gdµ = gf dµ = hg, f i.
Ω Ω

Lema 2.21. Sejam X um espaço vetorial com produto interno h·, ·i e x, y ∈ X. Então:

(a) |hx, yi|2 ≤ hx, xihy, yi;


q
(b) A função k · k : X → R definida por kxk = hx, xi, é uma norma em X.

Demonstração. (a) Se x = 0 ou y = 0 o resultado é verdadeiro.


hx,yi
Suponha ambos não nulos, então podemos tomar α = − hx,xi e teremos:

0 ≤ hαx + y, αx + yi
= |α|2 hx, xi + αhx, yi + αhy, xi + hy, yi
hx, yi 2 hx, yi hx, yi

= hx, xi − hx, yi − hx, yi + hy, yi
hx, xi

hx, xi hx, xi
|hx, yi|2 |hx, yi|2
= −2 + hy, yi
hx, xi hx, xi
|hx, yi|2
=− + hy, yi
hx, xi

Consequentemente, |hx, yi|2 ≤ hx, xihy, yi.

(b) Tome x ∈ X e note que são satisfeitas as seguintes propriedades:


q
(i) kxk = hx, xi ≥ 0;
q
(ii) kxk = 0 ⇔ hx, xi = 0 ⇔ x = 0;
q √ q
(iii) kαxk = hαx, αxi = αα hx, xi = |α|kxk;
(iv) Para a desigualdade triangular segue que:

kx + yk2 ≤ kxk2 + 2Re(hx, yi) + kyk2


≤ kxk2 + 2kxkkyk + kyk2
= (kxk + kyk)2 .
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 9

O item (a) do Lema 2.2 é conhecido como Desigualdade de Cauch-Schwartz. Já o


item (b) nos diz que o produto interno induz uma norma (chamamos de norma induzida).
A norma induzida será necessária quando introduzirmos espaços de Hilbert.

Teorema 2.22. Sejam X um espaço vetorial com produto interno h·, ·i e norma induzida
k · k. Então, para todo x, y ∈ X:

kx + yk2 + kx − yk2 = 2(kxk2 + kyk2 );

Demonstração. De fato, temos que

kx + yk2 + kx − yk2 = hx, xi + hx, yi + hy, xi + hy, yi


+ hx, xi + hx, −yi + h−y, xi + h−y, −yi
= hx, xi + hy, yi + hx, xi + h−y, −yi
= 2(kxk2 + kyk2 )

Um meio de mostrar que a norma de um espaço vetorial não é induzida por um


produto interno é verificar que a lei do paralelogramo ou a identidade de polarização não
é satisfeita.

Exemplo 2.23. A norma usual do espaço C([0, 1]) não é induzida por nenhum produto
interno. Considere as funções f, g ∈ C([0, 1]) dadas por f (x) = 1 e g(x) = x, x ∈ [0, 1].
Pela definição da norma em C([0, 1]) temos que:

kf + gk2 + kf − gk2 = 4 + 1 = 5,
2(kf k2 + kgk2 ) = 2(1 + 1) = 4.

Como Teorema 2.22 não é satisfeito temos que a norma não pode ser induzida por um
produto interno.

Definição 2.24. Seja X um espaço vetorial com produto interno h·, ·i. Dizemos que
x, y ∈ X são ortogonais se hx, yi = 0. Um conjunto A ⊂ X é ortogonal se hx, yi = 0
∀x, y ∈ A com x 6= y.

Definição 2.25. Sejam X um espaço vetorial com produto interno h·, ·i e A um subcon-
junto de X. O complemento ortogonal de A é o conjunto

A⊥ = {x ∈ X; hx, yi = 0 ∀y ∈ A}.

Lema 2.26. Sejam X um espaço vetorial com produto interno h·, ·i e A ⊂ X um subcon-
junto. Então:
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 10

(a) A⊥ é subespaço vetorial de X;

(b) Se Y ⊂ A então A⊥ ⊂ Y ⊥ ;

(c) A ⊂ (A⊥ )⊥ .

Demonstração.

(a) Sejam x, y ∈ A⊥ e α ∈ K. Para qualquer z ∈ A teremos que hαx + y, zi =


hαx, zi + hy, zi = αhx, zi + hy, zi = 0. Assim, αx + y ∈ A⊥ .

(b) Seja x ∈ A⊥ e y ∈ Y . Como Y ⊂ A segue que y ∈ A. Logo, 0 = hx, yi = hy, xi.


Portanto, x ∈ Y ⊥ .

(c) Seja x ∈ A e y ∈ A⊥ . Por definição temos que 0 = hx, yi = hy, xi, como y ∈ A⊥
segue que x ∈ (A⊥ )⊥ .

2.3 Espaços de Hilbert


No estudo de espaços vetoriais com dimensão infinita é notável que muitas proprie-
dades que validas em espaços vetoriais n-dimensionais não são preservadas. Nesta seção
veremos que no caso dos espaços de Hilbert, mesmo a dimensão sendo qualquer ainda é
possível manter muitos resultados desde que o espaço seja fechado.

Definição 2.27. Um espaço vetorial com produto interno (H, h·, ·i) é de Hilbert se é
completo na norma induzida por h·, ·i.

Abaixo temos alguns espaços já mencionados que são de Hilbert.

Exemplo 2.28. (a) Todo espaço de dimensão finita é um espaço de Hilbert;


Segue do Corolário 2.11.

(b) L2 (Ω) com o produto interno usual.


Como L2 (Ω) é completo. Basta mostrar que a norma do espaço é induzida, neste
caso note que com o produto interno usual de L2 (Ω) temos que
Z Z
hf, f i = f f dµ = |f |2 dµ
Ω Ω

Logo, obtemos que


q Z 1
2
kf kL2 (Ω) = hf, f i = |f |2 dµ .

Capítulo 2. Espaços de Hilbert 11

Definição 2.29. Um espaço de Hilbert H é dito separável se admite um subconjunto


denso e enumerável em H, ou seja, existe X ⊂ H enumerável tal que H ⊂ X.

Proposição 2.30 (Proposição 3.25 [3]). Sejam M um espaço normado separável e F ⊂ M


algum subconjunto. Então F também é separável.

O seguinte Teorema nos diz sobre quais condições o espaço Lp (Ω) é separável.

Teorema 2.31 (Teorema 4.13 [3]). Seja Ω um espaço de medida separável. Então Lp (Ω)
é separável para 1 ≤ p < ∞.

Lema 2.32. Sejam H um espaço de Hilbert e Y ⊂ H um subespaço vetorial. Então, Y é


um espaço de Hilbert se e somente se Y é fechado em H.

Demonstração. Por definição Y é um espaço de Hilbert se e só se é completo. Mas um


subconjunto de um espaço normado completo é completo se e só se for fechado.

Lema 2.33 (Lema 3.30 [6]). Seja Y um subespaço de um espaço com produto interno X.
Então,

x ∈ Y ⊥ ⇔ kx − yk ≥ kxk, ∀y ∈ Y.

O resultado acima junto como Teorema 2.35 nos dá mais informações sobre os
subespaços Y e Y ⊥ , desde que estejam contidos em espaço de Hilbert H. Para isso
precisaros da definição de conjunto convexo.

Definição 2.34. Um subconjunto A de um espaço vetorial X é convexo se para todo par


x, y ∈ A e todo λ ∈ [0, 1] temos λx + (1 − λ)y ∈ A.

Em outras palavras um conjunto A é convexo se dado dois pontos x, y ∈ A então


qualquer segmento de reta entre eles esta inteiramente contido em A.

Teorema 2.35 (Teorema 3.32 [6]). Sejam A um subconjunto não vazio, fechado, convexo
de um espaço de Hilbert H e p ∈ H. Então existe um único q ∈ A tal que

kp − qk = inf{kp − ak : a ∈ A}.

Teorema 2.36. Seja Y um subespaço vetorial não vazio e fechado de um espaço de


Hilbert H. Dado x ∈ H, existem únicos y ∈ Y e z ∈ Y ⊥ tal que x = y + z. Além disso,
kxk2 = kyk2 + kzk2 .

Demonstração. Como Y é não vazio, fechado e convexo, pelo Teorema 2.35 existe um
único y ∈ Y tal que para todo u ∈ Y , kx − yk ≤ kx − uk. Tome z = x − y, em particular
x = z + y. Portanto, para todo u ∈ Y ,

kz − uk = kx − (y + u)k ≥ kx − yk = kzk.
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 12

Assim, pelo Lema 2.33 z ∈ Y ⊥ . Isso nos mostra que os y, z desejados existem. Para provar
a unicidade suponha que x = y1 + z1 = y2 + z2 , onde y1 , y2 ∈ Y e z1 , z2 ∈ Y ⊥ . Então,
y1 − y2 = z1 − z2 , mas y1 − y2 ∈ Y e z1 − z2 ∈ Y ⊥ . Assim, y1 − y2 ∈ Y ∩ Y ⊥ = {0}. Logo,
y1 = y2 e z1 = z2 e vale a unicidade. Agora, como x = y + z teremos

kxk2 = ky + zk2
= hy + z, y + zi
= kyk2 + hy, zi + hz, yi + kzk2
= kyk2 + kzk2 .

Sabemos que se X é um espaço vetorial fechado de dimensão finita e Y ⊂ X um


subespaço vetorial fechado então podemos escrever X = Y ⊕ Y ⊥ como soma direta. Isso
nem sempre vale para espaços de dimensão infinita, mas o teorema anterior nos garante
que se o espaço for fechado e de Hilbert é possível decompor um espaço vetorial como
soma direta de um subespaço e seu complemento ortogonal.

Corolário 2.37. Se Y é um subespaço vetorial fechado de um espaço de Hilbert então


Y ⊥⊥ = Y .

Demonstração. Pelo Lema 2.26 temos que Y ⊂ Y ⊥⊥ . Agora suponha que x ∈ Y ⊥⊥ . Pelo
Teorema 2.36 x = y + z, com y ∈ Y e z ∈ Y ⊥ . Logo,

0 = hx, zi = hy + z, zi = hy, zi + hz, zi = kzk2 ,

então z = 0 e x = y ∈ Y . Consequentemente Y ⊥⊥ ⊂ Y o que prova o resultado.

Corolário 2.38 (Corolário 3.36 [6]). Se Y é algum subespaço vetorial de um espaço de


Hilbert H então Y ⊥⊥ = Y .

Definição 2.39. Sejam X um espaço vetorial de dimensão finita e {xi }ni=1 um subconjunto
de X. Dizemos que Sp{x1 , . . . , xn } é o espaço gerado por todas as combinações lineares
dos elementos de {xi }ni=1 .

Esta primeira definição nos diz como denotaremos o espaço gerado por um conjunto
finito de elementos. A próxima definição nos diz como podemos caracterizar uma base em
um espaço de Hilbert com dimensão infinita.

Definição 2.40. Seja (Hn ) uma sequência de subespaços fechados de um espaço de Hilbert
L
H. Dizemos que H é a soma de Hilbert dos En ’s e escrevemos H = En se ocorre:

(a) os espaços En são mutualmente ortogonais, isto é,

hu, vi = 0 ∀u ∈ En , ∀v ∈ Em , m 6= n;
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 13

S∞
(b) o espaço linear gerado por n=1 En é denso em H.

Proposição 2.41. Um espaço de Hilbert separável admite base ortonormal.

Demonstração. Seja {xn } um conjunto denso enumerável de H. Para cada n, considere


o subespaço vetorial Hn = Sp{x1 , . . . , xn } gerado por x1 , . . . , xn , (não necessariamente
L.I.). Pelo Processo de Ortogonalização de Gram-Schmidt, existe um conjunto ortonormal
{e1 , . . . , emn }, com mn ≤ n, que é base de Hn . Como o conjunto {xn } é denso, segue que
{en } é denso em H.

Dada uma sequência ortonormal {ej }∞j=1 , definimos o operador Pn como a projeção
ortogonal de um vetor sobre o espaço gerado pelos vetores e1 , . . . , en , ou seja, dado v ∈ H,
n
X
Pn (v) = hv, ej iej .
j=1

Uma propriedade particular das projeções ortogonais é que para todo v ∈ H temos

hv − Pn (v), Pn (v)i = 0.

Teorema 2.42 (Desigualdade de Bessel). Suponha que {en } é um conjunto ortonormal


de H. Para todo v ∈ H, temos que

|hv, ei i|2 ≤ kvk2 ,
X

i=1

onde a igualdade vale se e somente se Pn (v) → v quando n → ∞.

Demonstração. Como Pn é uma projeção ortogonal, segue que para todo v ∈ H,

kvk2 = kv − Pn (v) + Pn (v)k2


= kv − Pn (v)k2 + kPn (v)k2
n
= kv − Pn (v)k2 + |hv, ej i|2 .
X

j=1

Note que
n
|hv, ej i|2 = kvk2 − kv − Pn (v)k2 ≤ kvk2 .
X
0≤
j=1

n
X 
2
Isso nos diz que |hv, ej i| é uma sequência de somas parciais crescente e limitada.
j=1
Logo,

kvk2 = n→∞
lim kv − Pn (v)k2 + |hv, ej i|2 ,
X

j=1

com igualdade ocorrendo se e somente se lim kv − Pn (v)k = 0.


n→∞
Capítulo 2. Espaços de Hilbert 14

O seguinte resultado nos diz sobre quais condições é possível decompor cada
elemento de um espaço de Hilbert como combinação linear de uma base ortonormal.

Teorema 2.43 (Teorema da Estrutura Ortogonal). Se {ej } é uma base ortonormal de


um espaço de Hilbert H, então cada vetor v ∈ H se escreve de forma única como uma
série convergente

X
v= hv, ej iej .
j=1

Mais ainda, kvk2 = |hv, ej i|2 .
X

j=1

Demonstração. Considere a sequência (Pn (v)). Pela desigualdade de Bassel, se n > m,


temos que
n
|hv, ej i|2 .
X
kPn (v) − Pm (v)k =
j=m

Logo (Pn (v)) é de Cauchy. Seja ṽ o limite da sequência (Pn (v)). Para todo j ≤ n, temos
que hej , v − Pn (v)i = 0. Tomando o limite quando n tende a infinito, segue que

hej , v − ṽi = 0 para todo j.

Como {ej } é base, segue que v = ṽ.


15

3 Transformações Lineares em Espaços de


Hilbert

Uma transformação linear entre espaços vetoriais é uma função que preserva a
estrutura linear, ou seja, se T é uma função entre os espaços vetoriais X e Y sobre o
corpo K, então T é linear se satisfaz T (αx + y) = αT (x) + T (y), para todo x, y ∈ X e
α ∈ K. O espaço das transformações lineares de X em Y será denotado por L(X, Y ), em
particular, para X = Y denotaremos apenas por L(X). Devido a estrutura adicional que
os espaços de Hilbert possuem, i.e., produto interno, norma, topologia, existem outras
propriedades a considerar além da linearidade. Neste capitulo estudaremos distintos tipos
de transformações lineares em espaços de Hilbert.

3.1 Transformações Limitadas em Espaços Normados

Definição 3.1. Sejam (X, k · kX ) e (Y, k · kY ) espaços vetoriais normados e T ∈ L(X, Y )


uma transformação linear. T é dita limitada se existe um real positivo k tal que kT (x)kY ≤
kkxkX ∀x ∈ X.

Na definição acima utilizamos k · kX para indicar a norma com respeito ao espaço


vetorial X e k · kY a norma com respeito ao espaço vetorial Y .

Exemplo 3.2. Seja T ∈ L(`2 ) dada por T (x) = (x1 , x22 , x33 , · · · ). Vejamos que T é limitada.
Se x = (x1 , x2 , · · · ) ∈ `2 então
∞ ∞
xn 2

kT (x1 , x2 , · · · )k2 = |xn |2 = kxk2 .
X X

n=1 n n=1

Portanto kT (x)k ≤ kxk ∀x ∈ `2 .

Como um espaço normado tem uma topologia, faz sentido se perguntar qual é a
relação entre uma transformação linear limitada e continuidade.

Proposição 3.3. Sejam X, Y espaços vetoriais normados e T ∈ L(X, Y ). São equivalentes


as seguintes assertivas:

(a) T é uniformemente contínua.

(b) T é contínua.

(c) T é contínua em 0.
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 16

(d) ∃ k > 0 tal que kT (x)kY ≤ k para qualquer x ∈ X e kxkX ≤ 1.

(e) ∃ k > 0 tal que kT (x)kY ≤ kkxkX para qualquer x ∈ X.

Demonstração. (a) ⇒ (b) e (b) ⇒ (c) são triviais.


(c) ⇒ (d) Por hipótese T é contínua em 0. Então, para  = 1, ∃ δ > 0 tal que kxkX <
δ ⇒ kT (x)kY < 1. Seja w ∈ X com kwkX ≤ 1. Como k 2δ wkX = 2δ kwkX ≤ 2δ < δ, pela
continuidade de T em 0 temos:
δ δ 2
kT ( w)kY = kT (w)kY < 1 ⇒ kT (w)kY <
2 2 δ
2
Tomando k = temos kT (w)kY < k ∀w ∈ X e kwkX ≤ 1.
δ
(d) ⇒ (e) Seja k ∈ R tal que kT (x)kY ≤ k para x ∈ X e kxkX ≤ 1. Como T (0) = 0,
segue que para x = 0 temos kT (0)kY ≤ kk0kX . Agora, tome y ∈ X com y 6= 0. Assim,
y

= 1 e sendo T linear teremos

kykX X
!
kT (y)kY T (y) y


= = T ≤ k.
kykX kykX Y
kykX
Y

Logo kT (y)kY ≤ kkykX ∀y ∈ X.


(e) ⇒ (a) Como T é linear, teremos

kT (x) − T (y)kY = kT (x − y)kY ≤ kkx − ykX ∀x, y ∈ X.


Seja  > 0 e tome δ = . Então, kx − ykX < δ implica kT (x) − T (y)kY ≤ kkx − ykX <
k

k = . Portanto T é uniformemente contínua.
k

O conjunto de todas as transformações lineares contínuas de X para Y será denotado


por B(X, Y ) (ou apenas B(X), desde que X=Y). A proposição acima nos diz que um
elemento em B(X, Y ) também é limitado. Assim, podemos dizer que B(X, Y ) é o conjunto
de todas as transformações lineares limitadas. Além disso, o conjunto B(X, Y ) ⊂ L(X, Y ).
Sejam a, b ∈ R, k : [a, b] × [a, b] → C contínua e

M = sup{|k(s, t)| : (s, t) ∈ [a, b] × [a, b]}.

Se g ∈ C([a, b]), então f : [a, b] → C definida por


Z b
f (s) = k(s, t)g(t)dt
a

está em C[a, b]. Tome  > 0 e s ∈ [a, b]. Seja ks ∈ C([a, b]) a função ks (t) = k(s, t), t ∈
[a, b]. Onde o quadrado [a, b] × [a, b] é um subconjunto compacto de R2 . A função k é
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 17

uniformemente contínua. Então existe δ > 0 tal que |s − s0 | < δ implica |ks (t) − ks0 (t)| <
 ∀t ∈ [a, b]. Portanto,
Z b
|f (s) − f (s0 )| ≤ |k(s, t) − k(s0 , t)||g(t)|dt ≤ (b − a)kgk.
a

Logo f é contínua.

Exemplo 3.4. Se a transformação linear k : C[a, b] → C[a, b] é definida por


Z b
(k(g))(s) = k(s, t)g(t)dt
a

então k ∈ B(C[a, b]) e kk(g)k ≤ M (b − a)kgk. De fato, para qualquer s ∈ [a, b] temos que

Z b
|(k(g))(s)| ≤ |k(s, t)g(t)|dt ≤ M (b − a)kgk.
a

Portanto kk(g)k ≤ M (b − a)kgk. Logo, k ∈ B(C[a, b]).

Exemplo 3.5. Seja P o subespaço vetorial de C([0, 1]) consistindo de todos os polinômios
com coeficientes reais. Seja T : P → P a transformação linear derivada definida por
T (p) = p0 . Então T não é contínua. De fato, se p(t) = tn então

kp(t)k = max{|tn |; t ∈ [0, 1]} = 1.

Mas,
kT (pn (t))k = kp0n (t)k = max{|ntn−1 |; t ∈ [0, 1]} = n.

Logo não existe k ∈ R tal que kT (p)k ≤ kkpk ∀p ∈ P.

Teorema 3.6. Sejam X um espaço normado de dimensão finita, Y algum espaço vetorial
normado e T ∈ L(X, Y ). Então T é contínua.

Demonstração. Para mostrar isso vamos definir uma nova norma em X. Seja k·k1 : X → R
definida por kxk1 = kxkX + kT (x)kY . Mostraremos que k · k1 é uma norma em X. Sejam
x, y ∈ X.

(i) kxk1 = kxkX + kT (x)kY ≥ 0

(ii) Se kxk1 = 0 então

kxkX + kT (x)kY = 0 ⇒ kxkX = 0 ⇒ x = 0.

Reciprocamente, se x = 0, teremos

kxkX = kT (x)kY = 0 ⇒ kxk1 = 0


Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 18

(iii) Seja λ ∈ K,

kλxk1 = kλxkX + kT (λx)kY


= |λ|kxkX + |λ|kT (x)kY
= |λ|(kxkX + kT (x)kY )
= |λ|kxk1

(iv) Para a Desigualdade Triangular,

kx + yk1 = kx + ykX + kT (x + y)kY


= kx + ykX + kT (x) + T (y)kY
≤ kxkX + kykX + kT (x)kY + kT (y)kY
= kxk1 + kyk1 .

Portanto k · k1 é uma norma em X. Agora, como X tem dimensão finita, k · kX e k · k1


são equivalentes e então existe k > 0 tal que kxk1 ≤ kkxkX ∀x ∈ X, pelo Corolário 2.10.
Logo, kT (x)kY ≤ kxk1 ≤ kkxkX ∀x ∈ X. Então, T é limitada, portanto contínua.

Lema 3.7. Sejam (X, k · kX ) e (Y, k · kY ) espaços normados e S, T ∈ B(X, Y ) com


kS(x)kY ≤ k1 kxkX e kT (x)kY ≤ k2 kxkX ∀x ∈ X. Então,

(i) k(S + T )(x)kY ≤ (k1 + k2 )kxkX ∀x ∈ X.

(ii) k(λS)(x)kY ≤ |λ|k1 kxkX ∀x ∈ X.

Demonstração. (i) Pela desigualdade triangular temos que

k(S + T )(x)kY ≤ kS(x)kY + kT (x)kY


≤ k1 kxkX + k2 kxkX
= (k1 + k2 )kxkX .

(ii) Se λ ∈ K,

k(λS)(x)k = |λ|kS(x)kY ≤ |λ|k1 kxkX

O Lema 3.7 nos diz que B(X, Y ) é um espaço vetorial já que o espaço das transfor-
mações lineares limitas é fechado com as operações de soma e multiplicação por escalar.
Em particular B(X, Y ) é subespaço vetorial de L(X, Y ).

Definição 3.8. Sejam (X, k · kX ) e (Y, k · kY ) espaços normados e T ∈ L(X, Y ). Definimos


a norma de T por kT kL(X,Y ) = sup{kT (x)kY : kxkX ≤ 1}.
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 19

Vejamos que kT kL(X,Y ) é uma norma em L(X, Y ). De fato, se kxkX ≤ 1 temos

(i) 0 ≤ kT (x)kY ≤ sup{kT (x)kY : kxkX ≤ 1} = kT kL(X,Y ) .

(ii) kT kL(X,Y ) = 0 ⇔ sup{kT (x)kY : kxkX ≤ 1} = 0 ⇔ T (x) = 0 ∀x ; kxk = 1 ∈ X ⇔


T ≡ 0.

(iii) Se α ∈ K,

kαT kL(X,Y ) = sup{kαT (x)kY : kxkX ≤ 1}


= |α| sup{kT (x)kY : kxkX ≤ 1}
= |α|kT kL(X,Y ) .

(iv) Desigualdade triangular: Sejam T, S ∈ L(X, Y ). Então

kT + SkL(X,Y ) = sup{k(T + S)(x)kY : kxkX ≤ 1}


= sup{kT (x) + S(x)kY : kxkX ≤ 1}
≤ sup{kT (x)kY + kS(x)kY : kxkX ≤ 1}
≤ sup{kT (x)kY : kxkX ≤ 1} + sup{kS(x)kY : kxkX ≤ 1}
= kT kL(X,Y ) + kSkL(X,Y ) .

Uma consequência imediata da norma de um operador é que kT (x)kY ≤ kT kL(X,Y )


quando kxk ≤ 1. Assim, se x 6= 0 temos que kT (x/kxkX )kY ≤ kT kL(X,Y ) ⇒ kT (x)kY ≤
kT kL(X,Y ) kxkX . Com a definição de norma de um operador podemos falar também sobre
convergência de um operador em um espaços de Banach.

Definição 3.9. Sejam X um espaço de Banach e (Tn ) ∈ L(X, Y ) uma sequência. Dizemos
que (Tn ) converge uniformemente para T ∈ L(X, Y ) se:

∀ > 0 ∃n0 ∈ N; n > n0 ⇒ kTn − T kL(X,Y ) < .

Lema 3.10. Sejam (X, k · kX ), (Y, k · kY ) e (Z, k · kZ ) espaços normados, T ∈ L(X, Y ) e


S ∈ L(Y, Z). Então S ◦ T ∈ L(X, Z) e kS ◦ T kL(X,Z) ≤ kSkL(Y,Z) kT kL(X,Y ) .

Demonstração. De fato,

k(S ◦ T )(x)kZ = k(S(T (x))kZ


≤ kSkL(Y,Z) kT (x)kY
≤ kSkL(Y,Z) kT kL(X,Y ) kxkX ∀x ∈ X.

Logo kS ◦ T kL(X,Z) ≤ kSkL(Y,Z) kT kL(X,Y ) .

Lema 3.11 (Lema 4.32 [6]). Seja (X, k · kX ) um espaço normado. Se (Tn ) e (Sn ) são
sequências em B(X) tais que lim Tn = T e lim Sn = S. Então, lim Sn Tn = ST .
n→∞ n→∞ n→∞
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 20

Teorema 3.12. Sejam (X, k · kX ) um espaço normado e (Y, k · kY ) um espaço de Banach.


Então B(X, Y ) é um espaço de Banach com respeito ao corpo K e a norma do operador
k · kL(X,Y ) .

Demonstração. Seja (Tn ) uma sequência de Cauchy em B(X, Y ), isto é, kTn −Tm kL(X,Y ) < 
para todo m, n > n0 . Consequentemente,

kTn (x) − Tm (x)kY ≤ kTn − Tm kL(X,Y ) kxkX < kxkX para todo m, n > n0 . (3.1)

Portanto, a sequência (Tn (x)) é de Cauchy. Como Y é um espaço de Banach, (Tn (x)) é
convergente. Defina,
T (x) = lim Tn (x) para todo x ∈ X. (3.2)
n→∞

Veremos que T é linear. De fato,

T (αx + y) = lim Tn (αx + y)


n→∞

= lim (αTn (x) + Tn (y))


n→∞

= n→∞
lim αTn (x) + n→∞
lim Tn (y)
= α n→∞
lim Tn (x) + n→∞
lim Tn (y)
= αT (x) + T (y)

para todo x, y ∈ X e α ∈ K. Por 3.1 temos

kTn (x)kY = kTn (x) + Tn0 (x) − Tn0 (x)kY


≤ kTn (x) − Tn0 (x)kY + kTn0 (x)kY (3.3)
≤ kxkX + kTn0 (x)kY

para todo n ≥ n0 (). Aplicando limite de n → ∞ em 3.3 teremos

lim kTn (x)kY = k lim Tn (x)kY ≤ ( + kTn0 kL(X,Y ) )kxkX .


n→∞ n→∞

Assim, T é contínua. Tomando o limite de m → ∞ em 3.1 teremos

kTn − T kL(X,Y ) < kxkX

para todo n ≥ n0 () e todo x ∈ X. Consequentemente, kTn − T kL(X,Y ) <  para todo
n ≥ n0 (), isto é, Tn → T em B(X, Y ) quando n → ∞. Isto prova que toda sequência de
Cauchy em B(X, Y ) é convergente, isto é, B(X, Y ) é um espaço de Banach.

Definição 3.13. Seja T ∈ L(X, Y ). Definimos os seguintes conjuntos:

(i) ker(T ) = {x ∈ X; T (x) = 0}.

(ii) Im(T ) = {T (x); x ∈ X}.


Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 21

Lema 3.14. Sejam (X, k · kX ), (Y, k · kY ) espaços normados e T ∈ B(X, Y ). Então, ker(T )
é fechado.

Demonstração. Seja (xn ) ⊂ ker(T ) uma sequência convergente tal que xn → x. Como T é
contínua temos que

0 = n→∞
lim T (xn ) = T (n→∞
lim xn ) = T (x).

Assim, x ∈ ker(T ). Logo, ker(T ) é fechado.

Definição 3.15. Sejam (X, k·kX ) e (Y, k·kY ) espaços normados. Um operador T ∈ B(X, Y )
é dito inversível se existe S ∈ B(Y, X) tal que S ◦ T = IX , T ◦ S = IY , onde IX e IY
são respectivamente as transformações lineares identidade nos espaços X e Y . Sendo S a
inversa de T , por convenção denotaremos S por T −1 .

Lema 3.16. Sejam X, Y e Z espaços vetoriais. Se T1 ∈ L(X, Y ) e T2 ∈ L(Y, Z) operadores


invertíveis. Então

(a) T1−1 é invertível com inversa T1 .

(b) T2 T1 é invertível com inversa T1−1 T2−1

Demonstração. De fato,

(T1−1 )−1 T1−1 = I ⇒ (T1−1 )−1 T1−1 T1 = T1 ⇒ (T1−1 )−1 = T1

T1−1 (T1−1 )−1 = I ⇒ T1 T1−1 (T1−1 )−1 = T1 ⇒ (T1−1 )−1 = T1

Para a segunda propriedade teremos

T2 T1 (T2 T1 )−1 = I ⇒ T1 (T2 T1 )−1 = T2−1 ⇒ (T2 T1 )−1 = T1−1 T2−1 .

(T2 T1 )−1 T2 T1 = I ⇒ (T2 T1 )−1 T2 = T1−1 ⇒ (T2 T1 )−1 = T1−1 T2−1 .

Teorema 3.17. Seja X um espaço de Banach. Se T ∈ B(X) é um operador com kT kL(X) <
1. Então I − T é invertível e a inversa é dada por


T n.
X
(I − T )−1 =
n=0
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 22

Demonstração. Como X é um espaço de Banach, pelo Teorema 3.12 B(X) também é. Como

kT knL(X) converge. Além disso, como kT n kL(X) ≤ kT knL(X) ∀n ∈ N,
X
kT kL(X) < 1 a série
n=0
∞ ∞
kT n kL(X) também converge. Logo, T n converge pelo Teorema 2.17.
X X
com isso a série
n=0 n=0
∞ k
T n e seja Sk = T m . Então a sequência (Sk ) converge para S em B(X).
X X
Seja S =
n=0 m=0
Agora,
k
T n − IkL(X)
X
k(I − T )Sk − IkL(X) = k(I − T )
n=0
k
(T n − T k+1 ) − IkL(X)
X
=k
n=0

= kI − T n+1 − IkL(X)
= k − T k+1 kL(X) ≤ kT kk+1
L(X) .

Sendo kT kL(X) < 1 podemos concluir que lim (I − T )Sk = I. Portanto,


k→∞

(I − T )S = (I − T ) lim Sk = I,
k→∞

pelo Lema 3.11. Por outro lado, S(I −T ) = I. Então (I −T ) é invertível e (I −T )−1 = S.

O teorema a seguir nos dá uma série conhecida por Expansão de Newman, em


particular, tomando λ = 1 temos exatamente o Teorema 3.17.

Teorema 3.18. Se T ∈ B(X) é um operador em um espaço de Banach X, e λ é algum


escalar tal que kT kL(X) < |λ|. Então λI − T tem uma inversa em B(X) dada pela seguinte
série uniformemente convergente:
∞ k
1X T

(λI − T )−1 = .
λ k=0 λ

Demonstração. Seja T ∈ B(X) e λ um escalar não nulo arbitrário. Se kT kL(X) < |λ|, segue

k(T /λ)kkL(X) < ∞. Portanto, já que
X
que
k=0

k(T /λ)k kL(X) ≤ k(T /λ)kkL(X)



k(T /λ)k kL(X) converge absolutamente em R. Como
X
para todo k ∈ N segue que a série
k=0

(T /λ)k também converge. Em particular a
X
B(X) é um espaço de Banach então a série
k=0
n
X  ∞
(T /λ)k converge para (T /λ)k uniformemente em B(X). Agora, note
X
sequência
k=0 k=0
que
n n
1X 1X
(λI − T ) (T /λ)k = (T /λ)k (λI − T ) = I − (T /λ)n+1 .
λ k=0 λ k=0
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 23

Porém, (T /λ)n+1 → 0 já que kT /λk < 1. Logo,


∞ ∞
1X 1X
(λI − T ) (T /λ)k = (T /λ)k (λI − T ) = I.
λ k=0 λ k=0

1X
Assim, (T /λ)k = (λI − T )−1 ∈ B(X).
λ k=0

3.2 Transformação Adjunta


Nesta seção mostraremos que toda transformação linear limitada entre espaços de
Hilbert tem associada uma outra (única) transformação linear, a adjunta, que satisfaz a
uma equação em relação ao produto interno. Veremos também distintas propriedades da
transformação adjunta. Para a construção da transformação adjunta será necessário um
importante Teorema da Análise Funcional, o Teorema de Riesz, ele mostra que podemos
definir uma determinada transformação linear (funcional linear) em termos de um produto
interno.

Definição 3.19. Seja H um espaço de Hilbert. Se f ∈ B(H, K) dizemos que f é um


funcional linear. O espaço B(H, K) é chamado de espaço dual de H e será denotado por
H 0.

Teorema 3.20. (Teorema de Riesz) Seja H um espaço de Hilbert e f ∈ H 0 . Então existe


um único y ∈ H tal que f (x) = fy (x) = hx, yi para todo x ∈ H. Além disso, kf kH 0 = kykH .

Demonstração. (Existência) Se f (x) = 0 ∀x ∈ H então y = 0 funciona. Caso contrário,


ker(f ) = {x ∈ H; f (x) = 0} é um subespaço fechado de H pelo Teorema 3.14, e pelo
Teorema 2.36 ker(f )⊥ =
6 {0}. Portanto, existe z ∈ ker(f )⊥ tal que f (z) 6= 0, em particular
podemos tomar z de modo que f (z) = 1. Claramente z 6= 0, pois f ∈ H 0 , então defina
y = z/kzk2H . Para x ∈ H arbitrário e pela linearidade de f teremos

f (x − f (x)z) = f (x) − f (x)f (z)


= f (x) − f (x) = 0.

Assim, x − f (x)z ∈ ker(f ). Então,

hx − f (x)z, zi = 0

Logo,
hx, zi − f (x)hz, zi = 0 ⇒ f (x) = hx, z/kzk2H i = hx, yi.

Agora, se kxkH ≤ 1, pela desigualdade de Cauchy-Schwartz

|f (x)| = |hx, yi| ≤ kxkH kykH ≤ kykH .


Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 24

y
Logo, kf kH 0 ≤ kykH . Por outro lado, se x = teremos kxkH = 1 e
kykH

|f (y)| hy, yi
kf kH 0 ≥ |f (x)| = = = kykH .
kykH kykH

Assim, kf kH 0 ≥ kykH , ou seja, kf kH 0 = kykH .


(Unicidade) Se y e w satisfazem f (x) = hx, yi = hx, wi para todo x ∈ H, então hx, y −wi =
0 para todo x ∈ H. Portanto, y = w.

Veremos em seguida um exemplo no qual não pode ser aplicado o Teorema de


Riesz. Seja P o espaço vetorial dos polinômios com coeficientes reais e defina
Z 1
hf, gi = f (t)g(t)dt ∀f, g ∈ P.
0

ak x k e g = bj xj então
X X
Se f =
X 1
hf, gi = ak b j .
j+k+1
Exemplo 3.21. Seja z um número real e L um funcional linear definido por

L(f ) = f (x).

Vamos mostrar que não existe polinômio g tal que hf, gi = L(f ) ∀f ∈ P.
Suponha que Z 1
f (z) = f (t)g(t)dt
0
para toda f . Seja h(x) = x − z. Então temos que (hf )(z) = 0. Assim,
Z 1
0= h(t)f (t)g(t)dt
0

para toda f . Tomando f = hg segue que


Z 1
|h(t)|2 |g(t)|2 dt = 0.
0

Logo, hg ≡ 0. Como h 6= 0, segue que g ≡ 0. Mas isso implica que L é o funcional nulo.
Assim, g não existe.

Teorema 3.22. Sejam H e K espaços de Hilbert e T ∈ B(H, K). Existe uma única
transformação T ∗ ∈ B(K, H) tal que

hT x, yi = hx, T ∗ yi

para todo x ∈ H e y ∈ K.
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 25

Demonstração. Seja y ∈ K e f : H → K definida por f (x) = hT x, yi. Como T é linear e


h·, ·i é linear na primeira coordenada temos que f também é linear. Pela desigualdade de
Cauchy-Schwartz temos que

|f (x)| = |hT x, yi|


≤ kT (x)kK kykH
≤ kT kL(X,K) kxkH kykH

assim, kf kH 0 ≤ kT kL(X,K) kykH o que implica que f é limitada, ou seja, f ∈ H 0 . Agora,


pelo Teorema 3.20 existe um único z ∈ H tal que f (x) = hx, zi. Tomando T ∗ (y) = z
concluímos que T ∗ é uma função de K para H que satisfaz

hT (x), yi = hx, T ∗ (y)i.

Veremos que T ∗ é linear. Sejam y, z ∈ K, x ∈ H e α ∈ K, temos que

hx, T ∗ (αy + z)i = hT (x), αy + zi


= αhT (x), yi + hT (x), zi
= αhx, T ∗ (y)i + hx, T ∗ (z)i
= hx, αT ∗ (y)i + hx, T ∗ (z)i
= hx, αT ∗ (y) + T ∗ (z)i

Pela generalidade de y, z e α segue que

hx, T ∗ (αy + z)i = hx, αT ∗ (y) + T ∗ (z)i


⇒ T ∗ (αy + z) = T ∗ (y) + T ∗ (z).

Agora provemos que T ∗ é limitada. De fato,

kT ∗ (y)k2H = hT ∗ (y), T ∗ (y)i


= hT (T ∗ (y), yi
≤ kT kL(H,K) kT ∗ (y)kH kykK .

Se kT ∗ (y)kH = 0 vale a desigualdade. Então suponha kT ∗ (y)kH 6= 0, neste caso pode-


mos dividir ambos os lados por kT ∗ (y)kH e obter kT ∗ (y)kH ≤ kT kL(H,K) kykK . Conse-
quentemente kT ∗ kL(K,H) ≤ kT kL(H,K) . Para verificar a unicidade, suponha que exista
S ∈ B(K, H) que satisfazem a condição de T ∗ . Então, para qualquer x ∈ H e y ∈ K
teremos hT (x), yi = hx, T ∗ (y)i = hx, S(y)i. Como vale para todo y ∈ K segue que S = T ∗
e isso conclui a prova do Teorema.

Definição 3.23. Sejam H, K espaços de Hilbert e T ∈ B(H, K). O operador T ∗ é


chamado de adjunto de T .
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 26

Exemplo 3.24. Sejam H um espaço de Hilbert, x, y, z ∈ H e T ∈ B(H) dado por


T (x) = hx, yiz. Vamos encontrar T ∗ . Note que,

hT (x), wi = hhx, yiz, wi = hx, yihz, wi = hx, hw, ziyi.

Tomando S(w) = hw, ziy segue que S = T ∗ .

Exemplo 3.25. Sejam D o operador derivada e P o espaço vetorial dos polinômios com
coeficientes reais. Considere o produto interno usual em C([0, 1]). Veremos que D∗ não
existe. Note que
Z 1
hD(f ), gi = f 0 (t)g(t)dt
0
Z 1
= f (t)g(t)|10 − f (t)g 0 (t)dt
0

= f (1)g(1) − f (0)g(0) − hf, D(g)i.

Fixe g e suponha que D∗ existe, então temos que

hf, D∗ (g)i = f (1)g(1) − f (0)g(0) − hf, D(g)i

ou
hf, D∗ (g)i = f (1)g(1) − f (0)g(0).

Como g é fixo, L(f ) = f (1)g(1) − f (0)g(0) é um funcional linear do tipo considerado no


Exemplo 3.21 e não pode ser da forma L(f ) = hf, hi a menos que L ≡ 0. Se D∗ g existe,
então podemos tomar h = (D + D∗ )(g) e obter L(f ) = hf, hi, assim g(0) = g(1) = 0 já
que L ≡ 0. A existência de um polinômio D∗ (g) adequado implica em g(0) = g(1) = 0.
Reciprocamente, se g(0) = g(1) = 0, o polinômio D∗ (g) = −D(g) satisfaz hD(f ), gi =
hf, D∗ (g)i para todo f . Se escolhermos g de modo que g(0) 6= 0 ou g(1) 6= 0 não é possível
definir D∗ (g). Assim concluímos que D não possui adjunto.

Neste último exemplo não é possível garantir a existência do adjunto porque o


operador D não é limitado, então ele não satisfaz todas as hipóteses do Teorema para que
haja existência.

Lema 3.26. Sejam H, K e L espaços de Hilbert, R, S ∈ B(H, K), T ∈ B(K, L) e µ ∈ K.


Então

(a) (µR + S)∗ = µR∗ + S ∗

(b) (T R)∗ = R∗ T ∗
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 27

Demonstração. De fato,

h(µR + S)(x), yi = hµR(x) + S(x), yi


= µhR(x), yi + hS(x), yi
= hx, µR∗ (y)i + hx, S ∗ (y)i
= hx, (µR∗ + S ∗ )(y)i

Pela unicidade da transformação adjunta segue que (µR + S)∗ = (µR∗ + S ∗ ).

h(T R)(x), yi = hT (R(x)), yi


= hR(x), T ∗ (y)i
= hx, R∗ (T ∗ (y))i

Consequentemente (T R)∗ = R∗ T ∗ .

Definição 3.27. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ B(H). Dizemos que T é auto-adjunto


se T ∗ = T .

Definição 3.28. Sejam H um espaço de Hilbert. Uma projeção ortogonal é um operador


E ∈ L(H) que satisfaz as seguintes propriedades:

(i) E 2 = E;

(ii) ker(T ) ⊥ Im(E).

Observação. Projeções ortogonais tem a propriedade de Im(I −E) = ker(E), ker(I −E) =
Im(E) e H = ker(E) ⊕ Im(E). Além disso, se Y ⊂ H é um subespaço vetorial fechado
existe uma projeção E ∈ B(H) tal que Im(E) = Y . O Teorema da Estrutura Ortogonal
(Teorema 2.43) nos diz que se H possui uma base ortonormal então é possível decompor o
operador identidade no espaço H como soma de projeções ortogonais, ou seja, I ∈ B(H),
{ej } uma base ortogonal de H, então
X
I(x) = Ej (x) x ∈ H,

onde Im(Ej ) = Sp{ej }. Estas últimas conclusões são discutidas mais detalhadamente nas
seguintes referências [6], [7] e [4].

Lema 3.29. Sejam H e K espaços de Hilbert e T ∈ B(H, K).

(i) ker(T ) = Im(T ∗ )⊥ ;

(ii) ker(T ∗ ) = Im(T )⊥ ;


Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 28

Demonstração. (i) Seja x ∈ H. Então,

x ∈ ker(T ) ⇔ T (x) = 0
⇔ hT (x), yi = 0 ∀y ∈ K
⇔ hx, T ∗ (y)i = 0 ∀y ∈ K
⇔ x ∈ Im(T ∗ )⊥

(ii) Seja x ∈ H. Então,

x ∈ Ker(T ∗ ) ⇔ T ∗ (x) = 0
⇔ hT ∗ (x), yi = 0 ∀y ∈ K
⇔ hx, T (y)i = 0 ∀y ∈ K
⇔ x ∈ Im(T )⊥

Teorema 3.30 (Lema 6.26 [6]). Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ B(H).

(a) T ∗ T e T T ∗ são auto-adjuntos.

(b) T = R + iS onde R e S são auto-adjuntos.

Definição 3.31. Seja H um espaço de Hilbert e S ∈ B(H) auto-adjunto. Dizemos S é


positivo se hS(x), xi ≥ 0 ∀x ∈ H.

Exemplo 3.32. Seja T ∈ B(H) então o operador T ∗ T é positivo. De fato, se x ∈ H


então
hT ∗ (T (x)), xi = hT (x), T (x)i = kT (x)k2 ≥ 0.

Definição 3.33. Seja H um espaço de Hilbert e T ∈ B(H). Dizemos que T é normal se


T T ∗ = T ∗T .

Lembremos que se X é um espaço vetorial, T ∈ L(X), e W ⊂ X é um espaço


invariante se T (W ) ⊂ W .

Definição 3.34. Sejam T ∈ B(H) e W ⊂ H subespaço, dizemos que W reduz T se W e


W ⊥ são ambos T -invariantes.

Proposição 3.35. Sejam T ∈ B(H) um operador normal e M ⊂ H um subespaço vetorial


fechado e invariante então a restrição T |M é normal se e só se M reduz T .
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 29

Demonstração. Sejam x ∈ M e y ∈ M ⊥ . Como T (x) ∈ M , temos que 0 = hT (x), yi =


hx, T ∗ (y)i, ou seja, T ∗ (M ⊥ ) ⊂ M ⊥ . Assim segue que M ser T -invariante implica M ⊥ é
T ∗ -invariante. Como (T ∗ )∗ = T e (M ⊥ )⊥ = M , temos que

T (M ) ⊂ M ⇐⇒ T ∗ (M ⊥ ) ⊂ M ⊥ .

Analogamente, segue que

T (M ⊥ ) ⊂ M ⊥ ⇐⇒ T ∗ (M ) ⊂ M.

Portanto, vale

T (M ) ⊂ M e T (M ⊥ ) ⊂ M ⊥ ⇐⇒ T ∗ (M ⊥ ) ⊂ M ⊥ e T ∗ (M ) ⊂ M.

Sejam agora x, y ∈ M e suponha que M reduz T . Então h(T |M )(x), yi = hT (x), yi =


hx, T ∗ (y)i = hx, (T ∗ |M )(y)i. Como T é normal, segue que T |M é normal. Reciprocamente,
como a restrição de T a M é normal, segue que M é invariante por T ∗ . Portanto M ⊥ é
invariante por T . Logo M reduz T .

3.3 Espectro de uma Transformação Linear

Definição 3.36. Seja H um espaço de Hilbert, I ∈ B(H) o operador identidade e


T ∈ B(H). O espectro de T , denotado por σ(T ) é definido por

σ(T ) = {λ ∈ K : T − λI é não invertível}.

Se (T − λI)v = 0, onde v ∈ H\{0} então v é um autovetor associado a λ.

Observação. λ ∈ σ(T ) não significa que ker(T − λI) 6= {0}, isso não acontece necessari-
amente para todo λ em espaços de dimensão infinita pois T pode ser não sobrejetiva. O
exemplo 3.38 mostra que isso pode acontecer. Assim, definimos o espectro pontual por

σp (T ) = {λ ∈ K : T − λI é não invertível e ker(T − λI) 6= {0}}.

A sutil diferença entre espectro e espectro pontual é que para o espectro pontual é
necessária a condição do operador T − λI ser não injetivo. A partir disso é simples ver que
σp (T ) ⊂ σ(T ) e quando dim(H) < ∞ podemos concluir σp (T ) = σ(T ) já que o operador é
invertível se e só se for sobrejetivo. O exemplo a seguir nos mostra de forma mais clara a
diferença entre ambos os conjuntos e que eles não são necessariamente iguais.

Exemplo 3.37. Seja T ∈ B(`2 ) dado por T (x) = (0, x1 , x2 , · · · ) com x = (x1 , x2 , · · · ).
É claro que 0 ∈ σ(T ), pois T não é sobrejetiva já que (1, 0, 0, · · · ) ∈
/ Im(`2 ). Note que
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 30

T (x) − λx = 0 implica em (0, x1 , x2 , · · · ) − λ(x1 , x2 , · · · ) = 0 que é satisfeita apenas quando


λ = 0 ou x = 0. Suponha λ = 0, então





0 − λx1 = 0

x1 − λx2 = 0






x2 − λx3 = 0

···

e resolvendo este sistema teremos que x1 = x2 = · · · = 0. Portanto λ ∈


/ σp (T ) e σp (T ) = ∅.

Em dimensão finita sabemos que toda transformação sobre o corpo dos complexos
tem ao menos um autovalor, mas em dimensão infinita isso nem sempre acontece, como
mostra o seguinte exemplo.

Exemplo 3.38. Sejam V o espaço das funções analíticas que vão de C em C e T ∈ L(V )
dado por
Z z
T (f )(z) = f (t)dt.
0

Suponha que existe λ ∈ C tal que T − λI seja não invertível. Então existe g ∈ V tal que
T (g) − λg = 0. Isso implica que
Z z
T (g)(z) = g(t)dt = λg(z)
0

e derivando de ambos os lados segue que

g(z) = λg 0 (z).

Se λ = 0 temos g ≡ 0, o que não pode acontecer. Suponha λ 6= 0, assim


1 z
g(z) = λg 0 (z) ⇒ g 0 (z)/g(z) = [ln g(z)]0 = ⇒ g(z) = e λ .
λ
Mas,
1 1
T (e λ ) = λe λ − 1 = λeλz ⇒ 1 = 0

Absurdo, logo para todo λ ∈ C temos que o operador T − λI é invertível.

Teorema 3.39. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ B(H).

(a) Se |λ| > kT k então λ ∈


/ σ(T ).

(b) σ(T ) é um conjunto fechado.

Demonstração. O item (a) segue direto do Teorema 3.18. Defina F : K → L(H) por
F (λ) = T − λI. Então

kF (λ) − F (µ)kL(H) = kT − λI − (T − µI)kL(H) = k(µ − λ)IkL(H) = |µ − λ|.

Portanto F é contínua. Agora, note que {T } é um subconjunto fechado de B(H) e


σ(T ) = F −1 (T ). Pela continuidade da F temos que σ(T ) é fechado.
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 31

O Teorema 3.39 nos mostra que σ(T ) é um conjunto compacto já que é fechado e
limitado em C. Dessa maneira podemos afirmar que se λ ∈ σ(T ) temos |λ| ∈ [−kT k, kT k].

Teorema 3.40. O espectro de um operador auto-adjunto só possui valores reais e autove-


tores correspondentes a autovalores distintos são ortogonais.

Demonstração. Sejam T ∈ B(H) auto-ajunto e x, y ∈ H autovetores tais que T (x) = λx


e T (y) = µy com λ 6= µ. Temos que

λkxk2 = λhx, xi = hT (x), xi = hx, T (x)i = λhx, xi = λkxk2 ⇒ λ = λ.

Além disso,

λhx, yi = hT (x), yi = hx, T (y)i = µhx, yi


⇒ (λ − µ)hx, yi = 0 ⇒ hx, yi = 0

Teorema 3.41. Seja T ∈ B(H) um operador normal. Se λ é autovalor de T então λ é


autovalor de T ∗ .

Demonstração. Sejam x ∈ H tal que T (x) = λx então x ∈ ker(T − λI). Note que o
operador (T − λI) também é normal. Logo,

k(T ∗ − λI)(x)k2 = k(T − λI)∗ (x)k2


= h(T − λI)∗ (x), (T − λI)∗ (x)i
= h(T − λI)(T − λI)∗ (x), xi
= h(T − λI)∗ (T − λI)(x), xi = 0.

Assim, (T ∗ − λI)(x) = 0 nos diz que T ∗ (x) = λx.

Teorema 3.42. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ B(H) um operador normal. Então,


autovetores associados a autovalores distintos são ortogonais.

Demonstração. Sejam x, y ∈ H tal que T (x) = λx e T (y) = µy com λ 6= µ onde λ, µ ∈ C.


Como T é normal, pelo Teorema 3.41 T ∗ (y) = µy. Assim,

λhx, yi = hλx, yi = hT (x), yi = hx, T ∗ (y)i = hx, µyi = µhx, yi


⇒ (λ − µ)hx, yi = 0 ⇒ hx, yi = 0.

Definição 3.43. O complemento do conjunto σ(T ) é o conjunto resolvente denotado por


ρ(T ). Além disso o resolvente de T em λ é definido por RT (λ) = (λI − T )−1 .
Capítulo 3. Transformações Lineares em Espaços de Hilbert 32

O Teorema 3.39 deixa evidente que o operador RT (λ) existe para todo λ tal que
kT k < λ.

Proposição 3.44. Seja H um espaço de Hilbert e S ∈ B(H). Então, se λ, µ ∈ ρ(S)

1. RS (µ) − RS (λ) = (λ − µ)RS (µ)RS (λ)

2. RS (λ)RS (µ) = RS (µ)RS (λ)

Demonstração. Para a primeira parte temos

(µI − S)−1 = (µI − S)−1 (λI − S)(λI − S)−1


= (µI − S)−1 [(µI − S) + (λ − µ)I](λI − S)−1
= (λI − S)−1 + (λ − µ)(µI − S)−1 (λI − S)−1 .

Portanto, RS (µ) − RS (λ) = (λ − µ)RS (µ)RS (λ). Já no segundo item podemos usar (1).
Logo, teremos que

RS (λ) − RS (µ) = (λ − µ)RS (λ)RS (µ)


RS (µ) − RS (λ) = (µ − λ)RS (µ)RS (λ)

multiplicando a segunda equação por (-1) obteremos (λ−µ)RS (λ)RS (µ) = (λ−µ)RS (µ)RS (λ)
o que implica em RS (λ)RS (µ) = RS (µ)RS (λ).
33

4 Teorema Espectral

Um dos resultados mais importantes da Álgebra Linear é que todo operador auto-
adjunto definido em um espaço com dimensão finita é diagonalizável por uma matriz
ortogonal. Neste capítulo iremos demonstrar uma generalização deste Teorema para
operadores em espaços de Hilbert. Quando o corpo for C consideraremos operadores
compactos e normais, quando for R operadores compactos e auto-adjuntos.

4.1 Operadores Compactos

Definição 4.1. Sejam X e Y espaços normados. Uma transformação linear T ∈ L(X, Y )


é compacta se para qualquer sequência limitada (xn ) em X a sequência (T (xn )) em Y
contém uma subsequência convergente. Equivalentemente, T é compacta se o fecho de
T (K) é um conjunto compacto em Y para K ⊂ X compacto. O espaço das transformações
lineares compactas é denotado por K(X, Y ).

Teorema 4.2. Sejam X e Y espaços normados, T ∈ L(X, Y ) compacta. Então T é


limitado. Ou seja, K(X, Y ) ⊂ B(X, Y ).

Demonstração. Suponha que T seja ilimitada. Então existe uma sequência (xn ) em X
tal que kT (xn )kY ≥ n. Como T é compacto existe também uma subsequência (T (xnk ))
convergente, mas supusemos kT (xnk )kY ≥ nk e isso contraria a convergência da subsequên-
cia.

Teorema 4.3. Seja X um espaço normado de dimensão infinita. Então o operador


identidade não é compacto.

Antes de provar este teorema, precisamos do seguinte resultado.

Teorema 4.4 (Lema de Riesz). Sejam X um espaço normado, Y ( X um subespaço


vetorial fechado e α ∈ (0, 1). Então existe xα ∈ X tal que kxα k = 1 e kxα − yk > α para
todo y ∈ Y .

Demonstração. Seja x ∈ X \ Y . Como Y é fechado, então

d = inf{kx − zk : z ∈ Y } > 0.
Capítulo 4. Teorema Espectral 34

Como α ∈ (0, 1), segue que d < dα−1 . Portanto, existe z ∈ Y tal que kx − zk = dα−1 . Seja
x−z
xα = . Assim, kxα k = 1, e para todo y ∈ Y temos
kx − zk
x−z
kxα − yk = − y
kx − zk
x z kx − zk


= − − y
kx − zk kx − zk kx − zk
1
= (x − (z + kx − zky))
kx − zk | {z }
em Y
−1 −1
> (dα ) d
= α.

Demostração do Teorema 4.3. Provemos que existe uma sequência limitada que não tem
uma subsequência convergente. Seja x1 ∈ X unitário. Como o subespaço Sp{x} gerado
por x é fechado e está contido estritamente em X, pelo Lema de Riesz (Teorema 4.4),
existe x2 unitário tal que
3
kx2 − αx1 k ≥
4
para todo α ∈ K. De forma similar, o subespaço Sp{x1 , x2 } gerado por x1 e x2 é fechado e
está contido estritamente em X. Novamente pelo Lema de Riesz, existe x3 unitário tal que
3
kx3 − αx1 − βx2 k ≥
4
para todo α, β ∈ K. Continuando assim, construímos uma sequência (xn ) de vetores
3
unitários tal que, para todo n 6= m, kxn − xm k ≥ . Portanto, a sequência (xn ) não tem
4
uma subsequência convergente. Agora, como I(xn ) = xn para todo n, segue que I não é
compacto.

Proposição 4.5. Sejam H um espaço de Hilbert de dimensão infinita e T ∈ K(H). Então


0 ∈ σ(T ).

Demonstração. Suponha que 0 ∈ / σ(T ), então T é invertível. Como T é compacto isso


implica que é um operador limitado. Vejamos que T −1 também é limitado. De fato, tome
(xn ) um sequência em H convergindo para o vetor nulo. Então, temos que a sequência
(T (xn )) também converge para o vetor nulo, já que T é contínua. Assim,

lim kT −1 (T (x))k = lim kI(xn )k = 0.


n→∞ n→∞

Pela Proposição 3.3 T −1 é limitada. Logo I = T ◦T −1 é um operador compacto. Contradição.

Teorema 4.6. Sejam T ∈ K(H) e λ 6= 0. Então


Capítulo 4. Teorema Espectral 35

1. dim(ker(T − λI)) é finita.

2. Im(T − λI) é fechado.

Demonstração. 1. Suponha que a dimensão de M = ker(T − λI) é infinita. Como M é


fechado, M é um espaço de Hilbert. Logo existe uma sequência ortonormal (en ) ⊂ M .
Como en ∈ M , então T (en ) = λen para cada n ∈ N. Como λ = 6 0 e os en ’s são
ortogonais, a sequência (λen ) não tem uma subsequência convergente, contradizendo
o fato de T ser compacto.

2. Seja (yn ) uma sequência em Im(T − λI) com lim yn = y. Para cada número n ∈ N,
n→∞
existe xn ∈ X tal que xn = (T − λI)yn . Como o núcleo de T − λI é fechado, temos
que H = ker(T − λI) ⊕ ker(T − λI)⊥ . Assim, existem únicos un ∈ ker(T − λI) e
vn ∈ ker(T − λI)⊥ tal que xn = un + vn . Provemos que a sequência (vn ) é limitada.
Suponha que não é limitada, então lim kvn k = ∞ (tomando uma subsequência
n→∞
vn
caso seja necessário). Considere os vetores unitários wn = . Então, como (yn ) é
kvn k
limitada
yn
(T − λI)wn = → 0.
kvn k
Como T é compacto, temos que a sequência (T (wn )) é convergente (tomando uma
subsequência caso seja necessário). Como λ 6= 0, segue que a sequência (wn ) converge.
Seja w = lim wn . Como T e I são contínuas, segue que w ∈ ker(T − λI). Por outro
n→∞
lado, como wn ∈ ker(T − λI)⊥ , temos que

kwn − wk = hwn − w, wn − wi = kwn k2 + kwk2 = 2,

que contradiz o fato de wn → w. Assim temos que a sequência (vn ) é limitada. Como
T é compacto, segue que (T (vn )) converge (ou uma subsequência). Mais ainda, temos
que a sequência (vn ) também converge pois

vn = λ−1 (T (vn ) − (T − λI)(vn )) = λ−1 (T (vn ) − yn )

é a diferença de duas sequências convergentes. Seja v = n→∞


lim vn . Logo

y = lim yn = lim (T − λI)vn = (T − λI)vn .


n→∞ n→∞

Portanto, y ∈ Im(T − λI), e assim Im(T − λI) é fechado.

Teorema 4.7. Para qualquer real t > 0, o conjunto de todos os autovalores distintos λ de
T com |λ| ≥ t é finito.
Capítulo 4. Teorema Espectral 36

Demonstração. Suponhamos que existe t0 > 0 tal que existe uma sequência de distintos
autovetores (λn ) com kλn k ≥ t0 para todo n. Seja (en ) a respectiva sequência de au-
tovetores unitários. Vamos a construir uma sequência limitada de vetores que não tem
uma subsequência convergente. Seja y1 = e1 . Para cada k ≥ 1, o conjunto {e1 , . . . , ek } é
linearmente independente, e o espaço vetorial Mk = Sp{e1 , . . . , ek } gerado por ele é um
subespaço fechado, e está contido estritamente em Mk+1 . Por outro lado, dado qualquer
x ∈ Mk , existem únicos escalares α1 , . . . , αk ∈ K tal que x = α1 e1 + · · · + αk ek . Logo

(T − λk I)x = α1 (λ1 − λk )e1 + · · · + αk−1 (λk−1 − λk )ek−1 ,

e assim temos que (T − λk I)x ∈ Mk−1 . Agora, como Mk 6= Mk+1 , existe um vetor unitário
yk+1 ∈ Mk+1 \ Mk tal que hyk+1 , xi = 0 e kyk+1 − xk ≥ 1. Repetindo esta construção,
temos uma sequência (yn ). Vejamos que não tem uma subsequência convergente. Sejam
n > m dois inteiros positivos, então

kT (yn ) − T (ym )k = |λn | kyn − λ−1


n (−(T − λn I)yn + T (ym ))k ≥ |λn | ≥ t0 .
| {z }
≥1

Logo temos uma contradição com o fato de T ser compacto. Portanto, temos que o conjunto
de autovalores com módulo maior ou igual a t é finito, para todo t > 0.

Corolário 4.8. O conjunto σp (T ) é enumerável. Seja (λn ) é qualquer sequência de auto-


valores distintos de T . Então n→∞
lim λk = 0.

Demonstração. Para cada n ∈ N, o conjunto dos autovalores λ com |λ| > n−1 é finito.
Logo o conjunto σp (T ) é enumerável.

Teorema 4.9 (Teorema 6.6 [3]). Seja T ∈ K(H). Então, ker(I −T ) = {0} ⇔ Im(I −T ) =
H.

Corolário 4.10. Seja T ∈ B(H) um operador compacto e λ ∈ K não nulo. Então acontece
só uma das seguintes possibilidades:

1. Ou λ ∈ ρ(T ) e λ ∈ ρ(T ∗ ),

2. Ou λ ∈ σp (T ) e λ ∈ σp (T ∗ ).

Demonstração. Primeiro vamos ver que σ(T )\{0} = σp (T )\{0}. Tome λ ∈ σ(T )\{0}.
Então o operador T − λI é não invertível, em particular, T λ−1 − I também não é invertível.
Como T λ−1 é compacto podemos aplicar o Teorema 4.9 e consequentemente ker(T λ−1 −I) =
{0} ⇔ Im(T λ−1 − I) = H. Porém isso implica que ker(T − λI) = {0} ⇔ Im(T − λI) = H,
ou seja, σ(T )\{0} = σp (T )\{0}. Note que λ ∈ σ(T ) ⇔ λ ∈ σ(T ∗ ). E o mesmo vale para
ρ(T ) e ρ(T ∗ ). Agora falta ver que as condições (1) e (2) não são satisfeitas simultaneamente.
De fato, λ ∈ σ(T ) ⇔ λ ∈ / ρ(T ), o que valida o resultado.
Capítulo 4. Teorema Espectral 37

Teorema 4.11 (Lema 30.8 [2]). Seja T ∈ B(H) compacto, auto-adjunto e não nulo. Então
T possui um autovalor não nulo, pois −kT k ou kT k é um autovalor.

O resultado abaixo é fundamental para conseguirmos concluir nosso objetivo que é


demonstrar o Teorema Espectral. Ele nos mostra que é possível decompor um subespaço
invariante como soma de subespaços ortogonais.

Teorema 4.12. Se {λk } é um conjunto não vazio de escalares complexos e T ∈ B(H) é


normal. Então
X
M= ker(T − λk I)
λk

reduz T e a restrição T |M ∈ B(M ) também é normal.

Demonstração. Cada subespaço Nλk = ker(T − λk I) é invariante por T . De fato, seja


x ∈ Nλk . Então:

(T − λk T )(T (x)) = (T 2 − λk T )(x) = T (T − λk I)(x) = 0,

e assim, T (x) ∈ Nλk . Note que a restrição de T a ker(T − λk I) é λk I. Portanto, T |Nλk ∈


B(Nλk ) e é normal. Então pela Proposição 3.35, Nλk reduz T , e Nλk é T ∗ -invariante.
X
Seja x ∈ M , então podemos escrevê-lo de forma única (Teorema 2.43) como x = uλk
X
com uλk ∈ Nλk . Como T e T ∗ são contínuos, então T (x) = T (uλk ) ∈ M e T ∗ (x) =
T ∗ (uλk ) ∈ M . Logo T restrita a M é normal. Portanto, pela Proposição 3.35, segue
X

que M reduz T .

No caso em que {λk } é o conjunto de autovalores de T , temos que cada subespaço


ker(T − λk I) é invariante por T .

Teorema 4.13. (Teorema Espectral - Caso Complexo) Seja H um espaço de Hilbert sobre
o corpo C e T ∈ B(H) um operador normal e compacto. Então existe uma família de
projeções ortogonais {Ek } sobre cada auto-espaço ker(T − λk I) satisfazendo
X
T = λk E k .
k

Se a soma for infinita ela converge uniformemente no espaço B(H).

Demonstração. Se T ∈ B(H) é compacto e normal então o conjunto σp (T ) é não vazio. O


primeiro passo é mostrar que o operador T possui uma quantidade suficiente de autovalores
de modo que a soma de todos os autoespaços possam gerar todo o espaço de Hilbert H.
Para isso vamos verificar que
X
H= ker(T − λI)
λ∈σp(T )
Capítulo 4. Teorema Espectral 38

X
De fato, tome M = ker(T − λI) que é subespaço de H. Suponha M 6= H então
λ∈σp (T )
M ⊥ 6= ∅. Considere T |M ⊥ como a restrição de T sobre M ⊥ . Como T é normal, pelo Teorema
4.12 temos que M reduz T , e assim M ⊥ é T -invariante. Portanto T |M ⊥ ∈ B(M ⊥ ) é normal.
Se T é compacto a restrição também tem que ser compacta. Assim, o operador T |M ⊥ é
normal e compacto em um espaço de Hilbert M ⊥ que é não nulo. Assim, σp (T |M ⊥ ) 6= ∅, ou
seja, ∃λ ∈ C e x ∈ M ⊥ tal que T |M ⊥ (x) = λx. Portanto λ ∈ σp (T ) e x ∈ ker(T − λI) ⊂ M
que é uma contradição, pois M ∩ M ⊥ = {0} e 0 6= x ∈ M ∩ M ⊥ . Logo M = H. Sendo T
compacto o conjunto σp (T ) é enumerável e limitado. Então podemos escrever σp (T ) = {λk }
onde {λk } é o conjunto de todos os autovalores de T . Como T é normal o Teorema 3.42 nos
diz que cada auto-espaço ker(T − λk I) ⊥ ker(T − λj I) para k 6= j e assim (ker(T − λk I))
é uma sequência de subespaços ortogonais que geram H. Portanto cada x ∈ H pode
P
ser escrito da forma x = k Ek (x). Como T é linear e contínua temos também que
T (x) = k T Ek (x) para todo x ∈ H. Mas cada Ek (x) ∈ Im(Ek ) = ker(T − λk I) e então
P

T Ek (x) = λk Ek (x), para cada k e para todo x ∈ H. Portanto, para cada x ∈ H podemos
escrever
X
T (x) = λk Ek (x)
k

Se a soma for finita então acabou. Caso seja infinita, a identidade acima nos diz que
X X
T → λk Ek quando n → ∞. Isto é, a sequência ( λk Ek (x)) converge em B(H). Vamos
k k
verificar que a convergência também é uniforme. De fato,

n
X 2



X

(T
− λk Ek )(x) =
λk Ek (x)
k=1 H H k=n+1 H

|λk |2 kEk (x)k2H
X
=
k=n+1

≤ sup |λk |2 kEk (x)k2H
X
k≥n+1 k=n+1

≤ sup |λk | kxk2H


2
k≥n

para todo inteiro n ≥ 1. Portanto,


n 2 n 2
≤ sup |λk |2
X X
0≤ T
− λk Ek ≤ sup (T
− λk Ek )(x)
k=1 L(H) kxk=1 k=1 H k≥n

para todo n ∈ N. Como T é compacto temos que (λk ) é uma sequência de distintos
lim sup |λk | = 0 o que conclui o resultado final.
autovalores tendendo a zero. Portando n→∞
k≥n

Esta versão do Teorema Espectral não exige que o espaço H seja separável. C seja,
é possível conseguir uma base {ek } ortonormal de autovetores. Se H não for separável
Capítulo 4. Teorema Espectral 39

podemos escrever H = ker(T ) ker(T )⊥ onde ker(T )⊥ é a soma direta de cada autoespaço
L

para os autovalores não nulos e ker(T )⊥ é separável, já que cada ker(T −λk I) tem dimensão
finita, isso nos garante que é possível conseguir uma base αk finita e ortonormal para cada
autoespaço de modo que αk é base para ker(T )⊥ , ou seja, ker(T )⊥ é separável, porém na
S

condição de H não ser separável o espaço ker(T ) também não é e conseguimos apenas uma
base ortonormal para Im(T ) ⊂ H. Se H for separável, então ker(T ) também é. Assim, é
possível obter uma base ortonormal de autovetores para todo o espaço H. Logo em seguida
veremos uma versão do Teorema para operadores auto-adjuntos em um espaço de Hilbert
separável.

Teorema 4.14. (Teorema Espectral - Caso Real) Sejam H um espaço de Hilbert separável
e T ∈ B(H) um operador normal e auto-adjunto. Então, H possui uma base ortonormal
de autovetores de T .

Demonstração. Sendo T auto-adjunto temos que autovetores associados autovalores dis-


tintos são ortogonais. Assim, se λ, µ ∈ σp (T ) então ker(T − λI) ⊥ ker(T − µI) quando
λ 6= µ. Logo, podemos escrever o conjunto
M
M= ker(T − λk I).
06=λk ∈σ(T )

Tome x ∈ M ⊥ . Então para todo y ∈ ker(T − λk I) com λk 6= 0, tem-se que hT (x), yi =


hx, T (y)i = λk hx, yi = 0, o que nos diz que T (x) ∈ ker(T − λk I)⊥ e pela generalidade de λk
segue que T (x) ∈ M ⊥ , ou seja, M ⊥ é invariante por T . Agora veremos que ker(T ) = M ⊥ .
De fato, se x ∈ ker(T ) e y ∈ ker(T − λk I), então λk hx, yi = hx, T (y)i = hT (x), yi =
0 ⇒ hx, yi = 0, assim ker(T ) ⊂ M ⊥ . Como T é auto-adjuto e M é invariante, então
M ⊥ também é invariante por T . Além disso a restrição S = T |M ⊥ é um operador auto-
adjunto e compacto. Se S 6= 0, então existe λ ∈ R não nulo e w ∈ M ⊥ um vetor não
nulo tais que S(w) = λw, assim, por construção w ∈ M que é um absurdo. Portanto
M ⊥ = ker(T ). Sendo ker(T ) fechado podemos escrever também H = M ⊕ M ⊥ . Além
disso podemos tomar α uma base ortonormal de ker(T ), pois ker(T ) é separável. Como
dim ker(T − λk I) = dk < ∞ para λk 6= 0 podemos tomar βk sendo uma base ortonormal
para cada ker(T − λk I) e consequentemente o conjunto
h[ i
βk ∪ α

é uma base ortonormal de autovetores de T .

Para o operador normal a condição do espaço vetorial ser sobre um corpo complexo
é necessária. Tome por exemplo, o operador T ∈ B(R2 ) tal que T (x, y) = (y, −x). É fácil
verificar que T ∗ (x, y) = (−y, x). Além disso,

T (T ∗ (x, y)) = T (−y, x) = (x, y) = T ∗ (y, −x) = T ∗ (T (x, y)),


Capítulo 4. Teorema Espectral 40

e assim, T é normal e compacto, pois é um operador em um espaço de dimensão finta.


Mas T não é diagonalizável em R2 , pois seus autovalores são λ1 = −i e λ2 = i. Logo, o
operador não possui base ortonormal de autovetores.

4.2 Aplicação do Teorema Espectral


Na seção anterior demonstramos um importante resultado da Álgebra Linear que
nos diz que um operador possui uma base ortonormal de autovetores quando está sob
as condições de auto-adjunto, compacto e definido em um espaço de Hilbert. Agora
iremos expandir o Teorema a uma forma bilinear. Essa aplicação terá grande importância
posteriormente para podermos aplicar o Teorema Espectral no operador Laplaciano.
Utilizaremos este caminho para encontrar soluções de uma determinada Equação Diferencial
Parcial. Para isso, precisamos das seguintes condições.
Sejam H e K espaços de Hilbert de dimensão infinita. Suponha que o produto
interno em H seja denotado por hu, viH e o produto interno em K denotado por hu, viK .
Suponha também que,

1. K é continuamente e densamente mergulhado em H, ou seja, existe uma injeção


linear e contínua i : K → H com i(K) denso em H.

2. A injeção é compacta.

3. Temos um mapa a : K × K → K que é bilinear, contínuo e simétrico.

4. a é elíptico em K, ou seja, a(u, u) ≥ Ckuk2K ∀u ∈ K e para algum C > 0.


Uma consequência da simetria e elipcidade de a é que a(u, v) define um produto
interno em K, no qual é uma norma equivalente a norma k · kK em K.

Teorema 4.15. Dadas as condições acima temos que existe uma sequência de vetores
{u1 , u2 , · · · } ∈ K e números

0 < γ1 ≤ γ2 ≤ · · · → ∞

tais que:

• {uj } é um autovetor de a(·, ·) com autovalor γj , ou seja, a(uj , v) = γj huj , viH


∀v ∈ K,

• {uj } é uma base ortonormal para H,



• {uj / γj } é uma base ortonormal para K com respeito ao produto interno a(·, ·).
A decomposição
X
f= hf, uj iH uj
j
Capítulo 4. Teorema Espectral 41

converge em H para cada f ∈ H, e converge em K para cada f ∈ K.

Demonstração. Vamos começar com a seguinte afirmação.


Afirmação. Para cada f ∈ H existe um único u ∈ K tal que

a(u, v) = hf, viH v ∈ K.

Fixe f ∈ H e defina o funcional linear F (v) = hv, f iH , com v ∈ K. Vamos ver que
F é limitado. De fato,

|F (v)| ≤ kvkH kf kH
≤ CkvkK kf kH , →H
pois K ,−
1
≤ Ca(v, v) 2 kf kH , pois Ckvk2K ≤ a(v, v)
1
Logo, |F (v)| ≤ Ca(v, v) 2 . Pelo Teorema de Riesz o funcional F pode ser escrito como
um produto interno em K com respeito a forma bilinear a. Consequentemente, existe um
único u ∈ K tal que

F (v) = a(v, u) ∀v ∈ K.

Defina B : H → K dado por B(f ) = u, onde u é o elemento da representação de Riesz.


Temos que B está bem definido e é linear. Vejamos que B é limitado.
1
a(u, u) = |F (u)| ≤ |hu, f iH | ≤ Ca(u, u) 2 kf kH .

Porém, Ckuk2K ≤ a(u, u) ⇒ kuk2K ≤ C −1 a(u, u). Sendo B(f ) = u temos


1
kB(f )k2K ≤ C −1 a(u, u) ≤ C −1 a(u, u) 2 kf kH .

Se a(u, u) = 0, acabou. Suponha a(u, u) 6= 0. Assim,


1
a(u, u) 2 ≤ Ckf kH ⇒ kB(f )kK ≤ Ckf kH .

→ H temos que B : H → H também é compacto. Vejamos


Logo, B é limitado. Como K ,−
que B é auto-adjunto. Note que, para quaisquer f, g ∈ H temos

hB(f ), giH = hg, B(f )iH


= a(B(f ), B(g))
= a(B(g), B(f ))
= hf, B(g)iH .

Logo B é um operador auto-adjunto. Portanto, podemos aplicar o Teorema Espectral


sobre o operador B e consequentemente existe uma base ortonormal de autovetores {uj }
em H tal que
B(uj ) = λj uj
Capítulo 4. Teorema Espectral 42

com λj → 0. Como B é injetiva, já que se para todo v ∈ K tivermos a(v, B(f )) = hv, f iH =
0 então f = 0. Assim λj =6 0 para todo j, assim podemos dividir por λj e B(uj ) = λj uj
nos diz que uj = B(uj /λj ), ou seja, cada autovetor é um elemento da imagem de B, logo
uj ∈ K.
Os autovalores de B são positivos, pois

0 < kuj k2H = huj , uj iH = a(B(uj ), uj ) = λj a(uj , uj ),

como 0 ≤ a(u, u) para todo u ∈ K temos que λj > 0.


Em particular, tomando γj = 1/λj então γj → ∞ e λj a(uj , v) = huj , viH nos diz
que
a(uj , v) = γj huj , viH ∀v ∈ K.

Finalmente o conjunto {uj / γj } é ortonormal com respeito a forma bilinear a,
visto que
γj
a(uj /γj , uk /γk ) = γj huj /γj , uk /γk iH = √ √ δik .
γj γk

Esse conjunto ortonormal é completo em K, pois se a(uj , v) = 0 para todo j então


huj , viH = 0 o que implica v = 0. Portanto, para cada f ∈ K podemos decompor
X √ √
f= hf, uj / γj iH uj / γj ,
j

ou seja,
X √ √
f= a(f, uj / γj )uj / γj
j

com convergência em K para todo f ∈ K e converge em H para todo f ∈ H, dado que


a(f, uj ) = γj hf, uj iH .
43

5 Aplicação do Teorema Espectral a EDP

Neste capítulo, consideraremos uma equação diferencial parcial particular (problema


de Dirichlet), e mostraremos como o Teorema Espectral pode ser usado para estudá-
la. Concretamente, associaremos a esta EDP um espaço de Hilbert H e um operador
B ∈ K(H), de tal forma que os autovetores correspondentes a B sejam as soluções da
equação. Para tal fim, precisaremos introduzir alguns resultados e propriedades dos espaços
de Sobolev.

5.1 Problema de Dirichlet


Seja Ω ⊂ Rn um conjunto aberto e limitado, e considere a seguinte equação
diferencial 
 −∆u = λu em Ω
 u = 0 em ∂Ω
(5.1)

n
∂ 2ϕ
X
onde ∆ é o operador de Laplace: ∆ϕ = 2
, e λ um número real. Por sua condição de
i=1 ∂xi
contorno (u = 0), esta EDP é chamada Problema de Dirichlet.

Definição 5.1. Uma função u ∈ C 2 (Ω) que satisfaz (5.1) é chamada de solução clássica
do problema de Dirichlet.

Seja C0∞ (Ω) o espaço das funções diferenciáveis em Ω com suporte compacto, ou
seja, funções f : Ω → R infinitamente diferenciáveis tais que o conjunto

supp(f ) = {x ∈ Ω : f (x) 6= 0}

é compacto. Como o operador ∆ é linear, a equação −∆u = λu pode ser considerada um


problema de autovalores e autovetores no espaço C0∞ (Ω), no seguinte sentido: exitem pares
da forma (λ, u) com λ ∈ R e u ∈ C0∞ (Ω) tal que a Equação (5.1) seja satisfeita?
Porém, não estamos no contexto do Teorema Espectral, pois o espaço C0∞ (Ω) não
é completo, já que não é fechado no espaço L2 (Ω), (alias, C0∞ (Ω) é denso em L2 (Ω), ver
Corolário 4.23 de [3]). Por outro lado, devido à condição de diferenciabilidade necessária
para aplicar o Laplaciano, o operador ∆ não está definido em todo o espaço L2 (Ω).
Portanto, vamos achar um espaço de Hilbert H adequado, junto com um operador
B ∈ K(H) auto-adjunto, de tal maneira que os autovalores e autovetores de B sejam
soluções do Problema de Dirichlet.
Capítulo 5. Aplicação do Teorema Espectral a EDP 44

5.2 Espaços de Sobolev


Os espaços de Sobolev, denotados por W 1,p (Ω), são subespaços de Lp (Ω) onde
habitam muitas soluções para problemas de equações diferenciais. Estes espaços de funções
são definidos a partir de uma condição de diferenciabilidade fraca, dada em termos da
integração.
As soluções (clássicas) de equações diferenciáveis são funções diferenciáveis em
algum aberto Ω, ou seja, são funções f ∈ C k (Ω), para algum k. Em algumas situações
é possível, e útil, transformar a equação diferencial inicial, numa versão fraca, onde são
relaxadas algumas condições de diferenciabilidade. As soluções de uma tal formulação são
chamadas de soluções fracas, e tem-se que toda solução da equação clássica é deste tipo.
Os espaços de Sobolev são o ambiente natural para achar as soluções fracas de equações
diferenciáveis.
Seja L1loc (Ω) o espaços das funções localmente integráveis, ou seja, funções f :
Ω → R que são integráveis sobre conjuntos compactos de Ω. Dado um multi-índice
∂ |α|
α = (α1 , . . . , αn ) ∈ Nn0 , definimos o operador diferencial Dα := , de ordem
∂xα1 1 . . . ∂xαnn
|α| = α1 + · · · + αn .

Definição 5.2. Seja u ∈ L1loc (Ω). Se existe uma função u(α) ∈ L1loc (Ω) tal que
Z Z
|α|
(α)
u ϕ = (−1) uDα ϕ
Ω Ω

para toda função ϕ ∈ Cc∞ (Ω), dizemos que u tem uma derivada parcial fraca de ordem α,
que denotamos Dα u := u(α) .

Observação. A ideia de derivada fraca é pensar na derivada em termos da regra de


integração por partes. Seja I ⊂ R intervalo fechado. Se u e v são duas funções diferenciáveis
que se anulam na fronteira de I, a regra de integração por partes diz que
Z Z
u0 v = − uv 0 .
I I

Assim, u tem derivada fraca se existe uma função Du tal que para toda função v
Z Z
Duv = − uv 0 .
I I

Quando a função é diferenciável no sentido usual, a derivada fraca é a derivada usual.


Esta ideia de pensar na derivada em termos da integral por partes, pode ser estendida para
abertos Ω ⊆ Rn .

Definição 5.3. O espaço de Sobolev H 1 (Ω) sobre Ω é definido por

H 1 (Ω) = {u ∈ L2 (Ω) : Dα u ∈ L2 (Ω) para |α| ≤ 1}.


Capítulo 5. Aplicação do Teorema Espectral a EDP 45

Note que u ∈ H 1 (Ω) se e somente se existem funções g1 , . . . , gn ∈ L2 (Ω) tal que


Z
∂ϕ Z
u = − gi ϕ,
Ω ∂xi Ω

para toda função ϕ ∈ Cc∞ (Ω), com i = 1, . . . , n.

Observação. Os espaços de Sobolev são definidos de forma geral por

W k,p (Ω) = {u ∈ Lp (Ω) : Dα (u) ∈ Lp (Ω) ∀ |α| ≤ k}.

Para este trabalho só será necessário o W 1,2 (Ω) = H 1 (Ω).

Teorema 5.4. O espaço de Sobolev H 1 (Ω) é um espaço de Hilbert com o produto interno
dado por
hDα u, Dα viL2 (Ω)
X
hu, viH 1 = hu, viL2 (Ω) +
|α|=1

para todo par de funções u, v ∈ H 1 (Ω).

Demonstração. Pela linearidade da derivada parcial fraca, H 1 (Ω) é um espaço vetorial.


Como h·, ·iH 1 é soma de produtos internos, é um produto interno. Vejamos que é completo.
Seja (un ) ∈ H 1 (Ω) uma sequência de Cauchy. Em particular, (un ) é uma sequência de
Cauchy no espaço L2 (Ω). Seja u = lim un em L2 (Ω). De maneira similar, temos que (Dα un )
é uma sequência de Cauchy em L2 (Ω), logo converge para uma função u(α) . Mostremos
que Dα u = u(α) . Por definição de Dα un , dada qualquer função ϕ ∈ C0∞ (Ω), temos
Z Z
α |α|
ϕD un = (−1) un Dα ϕ.
Ω Ω

Por convergência no espaço L2 (Ω), podemos tomar o limite quanto n → ∞ a ambos lados,
a assim temos Z Z
ϕuα = (−1)|α| uDα ϕ.
Ω Ω

Teorema 5.5. O espaço H 1 (Ω) é separável.

Demonstração. Considere o multi-índice αi = (0, . . . , 0, |{z}


1 , 0, . . . , 0), e defina a seguinte
i
aplicação
1 n
H 1 (Ω) → L2 (Ω) × · · · × L2 (Ω), u → (u, Dα u, . . . , Dα ).
| {z }
n+1

Note que esta aplicação é isométrica, ou seja, preserva o produto interno, e assim H 1 (Ω)
pode ser considerado um subespaço fechado de n + 1 cópias de L2 (Ω). Como L2 (Ω) é
separável, segue que H 1 (Ω) também é.
Capítulo 5. Aplicação do Teorema Espectral a EDP 46

Devido à condição de contorno que temos em nossa equação diferencial (u =


0, em ∂Ω), introduzimos o seguinte subconjunto de H 1 (Ω):

H01 (Ω) := C0∞ (Ω)

o fecho do espaço das funções diferenciáveis em Ω com suporte compacto, em relação a


norma em H 1 (Ω). Como H01 (Ω) é fechado, segue que é um espaço de Hilbert separável.
Os seguintes dois teoremas fornecem propriedades necessárias para este trabalho
sobre o espaço H01 (Ω).

Teorema 5.6 (Teorema 9.17 [3]). Suponha que Ω é um aberto limitado com fronteira de
classe C 1 1 . Seja u ∈ H 1 (Ω) ∩ C(Ω). Então u = 0 em ∂Ω se e somente se u ∈ H01 (Ω).

Teorema 5.7 (Corolário 6.11 [4]). Seja Ω um aberto limitado de Rn . Então a inclusão
→ L2 (Ω) é compacta.
H01 (Ω) ,−

Com a introdução do espaço H01 (Ω), vamos reformular o Problema de Dirichlet


inicial, numa versão fraca.

Definição 5.8. Uma solução fraca do Problema de Dirichlet (5.1) é uma função u ∈ H01 (Ω)
satisfazendo Z Z
∇u · ∇v = λ uv
Ω Ω
para todo v ∈ H01 (Ω).

Proposição 5.9. Se u é uma solução clássica de (5.1) então é uma solução fraca.

Demonstração. Seja u ∈ H 1 (Ω) ∩ C(Ω) tal que u = 0 em ∂Ω. Pelo Teorema 5.6, segue
que u ∈ H01 (Ω). Como u satisfaz (5.1), segue que −∆u = λu. Por outro lado, a Primeira
Identidade de Green implica que

h∆u, viL2 (Ω) = −h∇u, ∇viL2 (Ω) .

para toda função v ∈ L1loc (Ω) Assim, segue que u é solução fraca do Problema de Dirichlet.

Vejamos agora como recuperar a solução clássica da Equação (5.1). Seja u ∈


H01 (Ω)∩ C 2 (Ω) e suponha que Ω é tem fronteira de classe C 1 . Então pelo Teorema 5.6,
temos que u = 0 em ∂Ω. Se u é uma solução fraca do Problema de Dirichlet, então para
toda função v ∈ C01 (Ω) temos que
Z
(∆u + λu)v = 0.

Assim, ∆u + λu = 0 para quase todo ponto em Ω. Como u ∈ C 2 (Ω), segue que −∆u = λu
em Ω, e portanto, u é solução clássica da Equação (5.1).
1
Fronteira de classe C 1 significa que as parametrizações locais dos pontos da fronteira são de classe C 1 .
Capítulo 5. Aplicação do Teorema Espectral a EDP 47

5.3 Solução do Problema de Dirichlet usando o Teorema Espectral


Agora que temos toda a teoria necessária de espaços de Sobolev, podemos estudar
a equação diferencial (5.1) sob ponto de vista do Teorema Espectral.
Seja H = L2 (Ω) com o produto interno h., .iL2 (Ω) e K = H01 (Ω) com o produto
interno h., .iH01 (Ω) . Como C0∞ (Ω) ⊂ H01 (Ω) é denso em L2 (Ω) segue que H01 (Ω) também é
denso em L2 (Ω).
O espaço H01 (Ω) está mergulhado em L2 (Ω), já que
Z Z
kuk2L2 (Ω) = u ≤ 2
|∇u|2 + u2 = kuk2H 1 (Ω)
Ω Ω

e pelo Teorema 5.7, temos que o mergulho H01 (Ω) em L2 (Ω) é compacto.
A forma bilinear a : H01 (Ω) × H01 (Ω) → R, dada por
Z
a(u, v) = ∇u∇v + uv = hu, viH 1 (Ω)

é claramente simétrica e elíptica, já que a(u, u) = kuk2H 1 (Ω) (lembremos que a é elíptico
em um espaço de Hilbert K se a(u, u) ≥ CkukK , para algum C > 0).
O Teorema 4.15 nos diz que existe uma base {uj } ortonormal de autofunções em L2 (Ω),
correspondentes a autovalores γj > 0. Colocando γj = λj + 1, o Teorema 4.15 também diz
que, para toda função v ∈ H01 (Ω), vale

huj , viH 1 (Ω) = (λj + 1)huj , viL2 (Ω) .

Reescrevendo teremos Z Z
∇uj ∇v = λj uj v
Ω Ω
e pela identidade de Green

h∆uj , viL2 (Ω) = −h∇uj , ∇viL2 (Ω)

assim, segue que h∆uj + λj uj , viL2 (Ω) = 0 para todo v ∈ H01 (Ω). Logo ∆uj + λj uj = 0.
Portanto, uj é uma solução clássica para o Problema de Dirichlet. A condição uj = 0 em
∂Ω é satisfeita já que uj ∈ H01 (Ω). Além disso, cada λj é positivo, visto que,
Z Z
λj u2j = |∇uj |2
Ω Ω

com uj 6= 0. Consequentemente,
Z
|∇uj |2
ΩZ
0 ≤ λj = .
u2j

Capítulo 5. Aplicação do Teorema Espectral a EDP 48

Z
Agora veremos que a desigualdade acima é estrita, ou seja, |∇uj |2 6= 0.

Seja u ∈ H01 (Ω), então
Z Z
∂u
kuk2L2 (Ω) = u2 = −2 xj u
Ω Ω ∂xj
≤ 2(max |x|)kuk2L2 (Ω) k∂u/∂xj k2L2 (Ω)
x∈Ω

≤ CkukL2 (Ω) k∇ukL2 (Ω)

ou seja,
kukL2 (Ω) ≤ Ck∂u/∂xj kL2 (Ω)

logo, se |∇uj |2 = 0 então uj = 0 que implica em λj > 0. Além disso, λj → ∞, uma vez
que j → ∞.
49

6 Considerações finais

Neste Trabalho de Conclusão de Curso estudamos Espaços de Hilbert e suas


propriedades, vimos que é possível decompor o espaço em soma direta de subespaços
ortogonais, mesmo que eles tenham dimensão infinita. Essa estrutura geométrica teve
grande importância para conseguirmos demonstrar os resultados finais, em particular,
apresentamos o Teorema Espectral para operadores normais e compactos. O resultado
pode ser encontrado em [7], Teorema 3.3, onde não necessariamente conseguimos uma
base ortogonal par todo o espaço H, mas para a imagem do operador que é um subespaço
de H. Provamos o resultado para quando o operador é auto-adjunto (Teorema 30.13 [2] ) e
quando temos a condição do espaço H ser separável é possível obter uma base ortonormal
para o espaço H.
Estes Teoremas foram generalizações de resultados para operadores em espaços
vetoriais com dimensão finita e essa generalização nos permitiu ainda aplicar o Teorema
em uma forma bilinear que com a teoria de espaços de Sobolev foi possível conseguir
condições para provarmos que é possível achar uma base ortonormal de autofunções em
Equações Diferenciais Parciais, em particular o Problema de Dirichlet.
50

Referências

1 LIMA, E. L. Espaços métricos. 2. ed. Brasília: Instituto de Matemática Pura e


Aplicada, CNPq Rio de Janeiro, 1983. Citado na página 3.

2 OLIVEIRA, C. R. D. Introdução à análise funcional. Rio de Janeiro: IMPA, 2001.


Citado 3 vezes nas páginas 5, 37 e 49.

3 BREZIS, H. Functional analysis, Sobolev spaces and partial differential equations.


New York: Springer Science & Business Media, 2010. Citado 5 vezes nas páginas 5, 11,
36, 43 e 46.

4 BORTHWICK, D. Spectral Theory. Gewerbestrasse, Switzerland: Springer, 2020.


Citado 4 vezes nas páginas 5, 6, 27 e 46.

5 LIMA, E. L. Análise Real - Funções de Uma Variável. 12. ed. Rio de Janeiro: IMPA,
2017. Citado na página 6.

6 RYNNE, B.; YOUNGSON, M. A. Linear functional analysis. London: Springer Science


& Business Media, 2008. Citado 5 vezes nas páginas 11, 12, 19, 27 e 28.

7 KUBRUSLY, C. S. Spectral theory of operators on Hilbert spaces. New York: Springer


Science & Business Media, 2012. Citado 2 vezes nas páginas 27 e 49.

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