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Universidade de São Paulo

Instituto de Matemática e Estatı́stica

A construção do grau
topológico e sua aplicação a
um sistema diferencial não
linear com condições de
contorno.

Adriano Leandro da Costa Peixoto sob orientação


do Professor Doutor Pierluigi Benevieri.

Dissertação de mestrado apresentada


ao Instituto de Matemática e Estatı́stica
da USP para obtenção do tı́tulo de Mestre em Matemática.
Notações

sgn x pag. 14 −1 se x < 0; 0 se x = 0; 1 se x > 0

det pag. 14 determinante de uma matriz

∂ pag. 16 bordo topológica

δ pag. 16 bordo diferencial

conv pag. 17 envoltório convexo

sup pag. 17 supremo

inf pag. 17 ı́nfimo

|·| pag. 18 norma de um elemento de R

(f, U, y) pag. 22 terna admissı́vel para o grau topológico


de Brouwer

degB pag. 22 grau topológico de Brouwer

{e1 , e2 , · · · , en−1 , en } pag. 27 base canônica do Rn

h·, ·i pag. 28 produto interno

span A pag. 28 espaço gerado pelo conjunto A

3
4

V⊥ pag. 28 espaço ortogonal ao espaço V

dist(x, y) pag. 32 distância entre x e y

k·k pag. 32 norma de um elemento do Rn , n > 1

Bα (x) pag. 33 bola aberta de centro x e raio α

max{x, y} pag. 54 o máximo entre os valores de x, y ∈ R

(f, U, y) pag. 68 terna admissı́vel para o grau topológico


de Leray-Schauder

degLS pag. 73 grau topológico de Leray-Schauder

C pag. 84 C([0, T ], Rn )

C1 pag. 84 C 1 ([0, T ], Rn )

CT pag. 84 {u ∈ C : u(0) = u(T )}

CT1 pag. 84 {u ∈ C 1 : u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T )}

L1 pag. 84 L1([0, T ], Rn )
RT
L1m pag. 84 {h ∈ L1 : 0 h(t)dt = 0}

k · k0 pag. 84 norma de um elemento de C

k · k1 pag. 84 norma de um elemento de C 1

k · kL1 pag. 84 norma de um elemento de L1

Nf pag. 93 operador de Nemytski


Resumo

O pricipal objetivo deste trabalho é apresentar a construção do grau


topológico em dimensão finita e infinita. Veremos, também, algumas de suas
propriedades e aplicações topológicas, como o clássico Teorema de ponto
fixo de Brouwer. Seguindo o que fizeram Manásevich e Mawhin no artigo
“Periodic Solutions for Nonlinear Systems with p-Laplacian-Like Operators.
Journal of Differential Equations, vol. 145, p. 367-393, 1998”, vamos provar
a existência de soluções para um sistema diferencial não linear com condições
de contorno, usando, entre outras ferramentas, o grau topológico.
Palavras-chave: teoria do grau, grau de Brouwer, grau de Leray-
Schauder.

5
6
Abstract

The main purpose of this work is the construction of the topological de-
gree in finite and infinite dimension. In addition, we will see some of its pro-
perties and topological applications. Following the approach of Manásevich
and Mawhin in the paper “Periodic Solutions for Nonlinear Systems with
p-Laplacian-Like Operators. Journal of Differential Equations, vol. 145, p.
367-393, 1998”, we will prove the existence of solutions for a nonlinear dif-
ferential system with boundary conditions, using, among other tools, the
topological degree.
Keywords: degree theory, Brouwer degree, Leray-Schauder degree.

7
8
Sumário

Introdução 11

1 Preliminares 13
1.1 Álgebra linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.2 Topologia diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 Análise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Topologia geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2 Grau topológico em dimensão finita 21


2.1 Definição do grau para valores regulares . . . . . . . . . . . . 22
2.2 Definição do grau para valores crı́ticos . . . . . . . . . . . . . 32
2.3 Definição do grau para funções contı́nuas . . . . . . . . . . . . 34
2.4 Propriedades do grau topológico de Brouwer . . . . . . . . . . 36
2.5 Grau de Brouwer em espaços normados . . . . . . . . . . . . 45

3 Algumas aplicações do grau de Brouwer 53


3.1 Teorema do ponto fixo de Brouwer . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.2 Teorema de Borsuk . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

4 Grau topológico em dimensão infinita 65


4.1 Introdução ao grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . . 65
4.2 Grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
4.3 Propriedades do grau de Leray-Schauder . . . . . . . . . . . . 73

5 Sistemas não lineares 83


5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
5.2 Problema auxiliar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.3 Problema principal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

9
10 SUMÁRIO
Introdução

Neste trabalho, vamos apresentar uma ferramenta muito importante da


Análise funcional não linear chamada grau topológico. O grau topológico
nos fornece informações sobre soluções de equações do tipo
f (x) = y,
onde f : X → Y é uma função dada entre, por exemplo, espaços euclidianos
(Rn ), variedades diferenciáveis ou espaços normados de dimensão infinita,
y é um ponto dado em Y e U ⊆ X é um conjunto onde procuramos as
soluções. Esta ferramenta é uma função que associa a cada terna do tipo
(f, U, y) um número inteiro.
A construção e as propriedades do grau topológico nos permitem obter
informações sobre a equação f (x) = y em U . Tais informações podem ser,
por exemplo, existência e localização de soluções. Isso será possı́vel graças
às propriedades que a construção do grau topológico permitirá provar. Por
exemplo, a propriedade , talvez, mais importante é chamada de existência
de solução. Tal propriedade diz que, se o grau topológico da terna (f, U, y)
é não nulo, então a equação f (x) = y possui solução em U . Uma outra
propriedade é um tipo de invariância do grau topológico por homotopias.
Algumas vezes podemos nos deparar com uma função f muito complicada,
de tal maneira que se torna difı́cil determinar o grau topológico da terna
(f, U, y). Entretanto, veremos que, se conseguirmos deformar continuamente
a função f a uma função mais simples, g, o grau topológico da terna (g, U, y)
será igual ao grau topológico da terna (f, U, y).
No Capı́tulo 1 deste trabalho, veremos alguns resultados preliminares de
Álgebra linear, Topologia geral, Topologia diferencial e Análise que serão
usados nos capı́tulos seguintes.
No Capı́tulo 2, faremos a construção do grau topológico em espaços
de dimensão finita, também chamado de Grau topológico de Brouwer. As
principais referências deste capı́tulo são [13, Outerelo & Ruiz], [6, Fonseca
& Gangbo] e [5, Deimling].

11
12 SUMÁRIO

No Capı́tulo 3, vamos ver o Teorema do ponto fixo de Brouwer e o Te-


orema de Borsuk, que são dois exemplos de aplicação do grau de Brouwer.
Esses teoremas podem ser encontrados em [13, Outerelo & Ruiz] e [6, Fon-
seca & Gangbo].
No Capı́tulo 4, vamos estudar o grau topológico em espaços de Banach de
dimensão infinita, conhecido como Grau de Leray-Schauder. As referências
para este capı́tulo são [12, Mawhin] e [6, Fonseca & Gangbo].
No último capı́tulo deste trabalho, Capı́tulo 5, usaremos o grau to-
pológico para mostrar a existência de soluções para um sistema de equações
diferenciais não lineares com condições de contorno. Este capı́tulo é norteado
pelo artigo [11, Manásevich & Mawhin].
Capı́tulo 1

Preliminares

Neste trabalho, precisaremos de alguns resultados básicos de Álgebra li-


near, Topologia geral, Topologia diferencial e Análise. Neste capı́tulo, apre-
sentaremos tais resultados.

1.1 Álgebra linear


Os resultados a seguir são referentes a bases de espaços vetoriais e de-
terminantes de matrizes.
Definição 1.1. Seja V um espaço vetorial real de dimensão finita e considere
B1 e B2 duas bases de V . Então, as bases B1 e B2 são equivalentes se a
matriz de mudança de base entre B1 e B2 tem determinante positivo.
Proposição 1.2. Sejam V e W espaços vetoriais reais de mesma dimensão
finita e L : V → W um isomorfismo. Considere B e C bases de V e W ,
respectivamente, tais que a matriz A do operador linear L nestas bases tem
b = L−1 (C) de V é equivalente à base
determinante positivo. Então, a base B
B.

Demonstração. Seja M a matriz de mudança de base de B


b para B. Note
que as colunas da matriz M são formadas pelas coordenadas dos vetores
b escritos na base B e as colunas da matriz A−1 são formadas pelas
de B
coordenadas das imagens dos vetores de C pelo operador L−1 escritos na
base B. Como B b = L−1 (C), então M = A−1 . Desde que det A−1 > 0,
temos Bb equivalente à B.

Proposição 1.3. Sejam T : Rn → Rn um isomorfismo e A a matriz associ-


ada a T na base canônica. Considere uma outra base B do Rn e a matriz A
b

13
14 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

associada a T , onde fixamos a base B no domı́nio e a canônica no contra-


domı́nio. Então, sgn det A
b = sgn det A se, e somente se, B é equivalente
à base canônica.

Demonstração. Sejam Σn a base canônica do Rn e M a matriz de mudança


da base Σn para a base B. Observe o seguinte:

• As colunas da matriz A são formadas pelas coordenadas das imagens


dos vetores de Σn pelo operador T escritas na base Σn ;

b−1 são formadas pelas coordenadas das imagens


• As colunas da matriz A
dos vetores de Σn pelo operador T −1 escritos na base B.

Da observação acima, concluı́mos que as colunas da matriz Ab−1 A são


formadas pelas coordenadas das imagens dos vetores de Σn pelo operador
T −1 ◦ T = I escritos na base B. Então, M = A b−1 A.
Sabemos, pela Definição 1.1, que as bases Σn e B serem equivalentes é
o mesmo que dizer que det M > 0. Desta forma, temos

b−1 A > 0 ⇔ det A


det M > 0 ⇔ det A b−1 · det A
b > 0.

Sendo assim,
sgn det A = sgn det A.
b

Proposição 1.4. Considere um espaço vetorial V de dimensão finita sobre


R. Sejam L : V → V um isomorfismo, α uma base de V fixada e Aα a
matriz de L na base α. Então, det Aα não depende de α.

Demonstração. Sejam β uma base qualquer de V e M a matriz de mudança


da base α para a base β. Desta forma, M −1 é a matriz de mudança da base
β para a base α. Observe que, se Aβ é a matriz de L na base β, então

Aβ = M Aα M −1 ,

portanto
det Aβ = det Aα .
1.1. ÁLGEBRA LINEAR 15

Proposição 1.5. Sejam V e W dois espaços vetoriais de mesma dimensão


finita sobre R. Considere os isomorfismos L : V → V , S : V → W e
S ◦ L ◦ S −1 : W → W . Fixadas as bases de V e W , se A é a matriz
associada a L e B a matriz associada a S ◦ L ◦ S −1 nestas bases, então
det A = det B.

Demonstração. Seja M a matriz associada a S na base fixada de W . Temos

B = M AM −1 ,

portanto
det A = det B.

A prova da proposição a seguir pode ser encontrada em [8, Hoffman &


Kunze].

Proposição 1.6. Considere uma matriz em blocos de ordem n da seguinte


forma
 
A B
,
0 C

onde A é uma matriz r × r, C é uma matriz s × s, B é uma matriz r × s e


0 é a matriz nula s × r. Então,
 
A B
det = det A · det C.
0 C

Analogamente, se a matriz em blocos é da forma


 
A 0
,
B C

onde A é uma matriz r × r, C é uma matriz s × s, B é uma matriz s × r e


0 é a matriz nula r × s,então
 
A 0
det = det A · det C.
B C
16 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

1.2 Topologia diferencial


Nesta seção, veremos alguns resultados de topologia diferencial. Con-
sideramos conhecidas as definições de variedade diferenciável com bordo e
sem bordo e, também, o conceito de difeomorfismo entre variedades.
Usaremos o sı́mbolo δX para denotar o bordo diferencial da variedade
X. Vale lembrar que δX é uma variedade diferenciável sem bordo com
dimensão igual a dim X − 1. Ressaltamos que as variedades que aparecem
no desenvolvimento deste trabalho são subvariedades do espaço euclidiano
Rn .
No caso em que X for um subconjunto de um espaço topológico Y , o
sı́mbolo ∂X denotará o bordo topológico de X.
Definição 1.7. Sejam X e Y variedades diferenciáveis e f : X → Y de
classe C 1 . Dizemos que x ∈ X é ponto regular de f se f 0 (x) é sobrejetor.
Caso contrário dizemos que x é ponto crı́tico de f . Além disso, se y ∈ Y é
tal que f −1 (y) contém pelo menos um ponto crı́tico, dizemos que y é valor
crı́tico de f . Se f −1 (y) é vazio ou contém apenas pontos regulares, dizemos
que y é valor regular de f .

As próximas três proposições podem ser encontradas em [13, Outerelo


& Ruiz].
Proposição 1.8. Considere X e Y variedades diferenciáveis, X com bordo
e Y sem bordo, e seja f : X → Y uma função de classe C 1 . Seja y ∈ Y
um valor regular de f e de f |δX . Então, f −1 (y) é uma variedade com bordo
f −1 (y) ∩ δX, cuja dimensão é dim(X) − dim(Y ).
Proposição 1.9. Toda variedade de dimensão 1, compacta, conexa e com
bordo é difeomorfa ao intervalo [0, 1], se tiver bordo, ou a S 1 , caso contrário.
Proposição 1.10 (Teorema de Sard). Considere X e Y variedades dife-
renciáveis e f : X → Y de classe C k , com k > dim X − dim Y . Então, o
conjunto dos valores regulares de f é denso em Y .

1.3 Análise
Iniciamos esta seção com resultados referentes a conjuntos convexos.
Definição 1.11. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Dizemos que D é
convexo se
λx + (1 − λ)y ∈ D,
1.3. ANÁLISE 17

para todo x, y ∈ D e para todo λ ∈ [0, 1].


Definição 1.12. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Chamamos de en-
voltório convexo de D a intersecção de todos os conjuntos convexos que
contém D. Denotaremos o envoltório convexo de D por convD.
A demonstração do resultado seguinte pode ser encontrada em [2, Bach-
man & Narici].
Lema 1.13. Seja D ⊆ Rn um conjunto qualquer. Então,
( n n
)
X X
convD = λi xi : xi ∈ D; λi ∈ [0, 1] e λi = 1; n ∈ N .
i=1 i=1

A seguir, apresentamos um importante teorema de extensão de funções


contı́nuas, cuja demonstração pode ser encontrada em [6, Fonseca & Gangbo,
pag. 16].
Teorema 1.14 (Teorema de extensão de Tietze). Sejam X um espaço
métrico, A ⊆ X um conjunto fechado e f : A → R uma função contı́nua e
limitada. Então, existe uma função contı́nua g : X → R tal que g|A = f e

sup g(x) = sup f (x) e inf g(x) = inf f (x).


x∈X x∈A x∈X x∈A

O teorema de Tietze acima tem uma extensão imediata ao caso em que


o contradomı́nio de f tem dimensão m > 1. Veja [6, Fonseca & Gangbo].
Proposição 1.15. Sejam K, L ⊆ Rn dois conjuntos compactos tais que
K ⊆ L. Considere uma função contı́nua f : K → Rm . Então, existe uma
função contı́nua g : L → Rm tal que g|K = f e
   
sup sup fi (x) : i = 1, · · · , m = sup sup gi (x) : i = 1, · · · , m ,
x∈K x∈L

onde fi e gi denotam as i-ésimas coordenadas de f e g, respectivamente.


Os dois resultados que seguem podem ser encontrados em [3, Bartle]
Proposição 1.16 (Teorema de Aproximação de Weierstrass). Seja f uma
função contı́nua em um intervalo compacto de R e com valores em R. Então
f pode ser aproximada uniformemente por uma função polinomial.
Proposição 1.17 (Teorema de Ascoli-Arzelà). Sejam K um subconjunto
compacto do Rn e F uma famı́lia de funções contı́nuas em K com valores
no Rm . Então, as seguintes propriedades são equivalentes:
18 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES

(a) A famı́lia F é limitada e equicontı́nua em K.

(b) Toda sequência em F tem uma subsequência uniformemente convergente


em K.

O próximo resultado pode ser encontrado em [1, Apostol].

Proposição 1.18 (Teorema da convergência dominada de Lebesgue). Seja


(fn ) uma sequência de funções Lebesgue-integráveis em um intervalo I. As-
suma que

i) (fn ) converge para f quase sempre em I.

ii) Existe uma função g : I → R não negativa e Lesbegue-integrável tal que,


para todo n ≥ 1,

|fn (x)| ≤ g(x) para quase todo x ∈ I.


R 
Então, f é Lesbegue-integrável, a sequência I fn converge e
Z Z
f = lim fn .
I n→∞ I

O resultado que segue pode ser encontrado em [10, Elon].

Proposição 1.19 (Teorema da função inversa). Seja f : U → Rn de classe


C k (k ≥ 1) no aberto U ⊆ Rn . Se a ∈ U é tal que f 0 (a) : Rn → Rn é
invertı́vel, então existe uma bola aberta B ⊆ U tal que a restrição f |B é um
difeomorfismo sobre um aberto V que contém f (a).

1.4 Topologia geral


Nesta seção M e N são espaços métricos.

Definição 1.20. Sejam Ω ⊆ M um subconjunto qualquer e f : M → N


uma função. Então, dizemos que f é própria em Ω se f −1 (K)∩Ω é compacto
em M para todo K subconjunto compacto de N .

Definição 1.21. Considere uma função f : M → N . Dizemos que f é


fechada, se f (F ) é um conjunto fechado em N para todo F fechado em M .

Proposição 1.22. Se f : M → N é contı́nua e própria nos fechados de M ,


então f é fechada.
1.4. TOPOLOGIA GERAL 19

Demonstração. Fixe F ⊆ M fechado. Considere uma sequência (yn ) ⊆ f (F )


convergente para y ∈ N . Seja K = {yn : n ∈ N} ∪ {y}, que é compacto
em N , portanto, por hipótese, f −1 (K) ∩ F é compacto em M . Agora,
considere uma sequência (zn ) ⊆ F tal que, para cada n, f (zn ) = yn . Desta
forma, (zn ) ⊆ f −1 (K) ∩ F . Pela compacidade de f −1 (K) ∩ F , existe uma
subsequência (znk ) de (zn ) que converge para algum z em f −1 (K) ∩ F .
Sendo f contı́nua, segue que f (znk ) converge para f (z), mas f (znk ) é uma
subsequência de (yn ), portanto f (znk ) converge para y. Pela unicidade do
limite, temos f (z) = y. Como z ∈ F , então y ∈ f (F ). Logo, f (F ) é
fechado.

A seguir, apresentamos um resultado no espaço euclidiano Rn .

Lema 1.23. Sejam U ⊆ Rn aberto e limitado e f : U → Rn contı́nua em U


e de classe C 1 em U . Se y é valor regular de f em U e y ∈
/ f (∂U ), então
f −1 (y) ∩ U é um conjunto finito.

Demonstração. Podemos supor f −1 (y) ∩ U 6= ∅. Como y é valor regular e f


em U , então f 0 (x) é sobrejetor para todo x ∈ f −1 (y) ∩ U . Portanto, usando
o Teorema da Função Inversa, conseguimos, para cada x0 ∈ f −1 (y) ∩ U ,
uma vizinhança Ux0 de x0 tal que f −1 (y) ∩ Ux0 = {x0 }. Assim, os pontos
x ∈ f −1 (y) ∩ U são isolados. Este fato garante que f −1 (y) ∩ U é finito,
pois caso contrário, como U é compacto, f −1 (y) ∩ U tem um ponto de
acumulação x ∈ U . Sendo f contı́nua, temos f (x) = y e como y ∈ / f (∂U ),
−1
obtemos x ∈ U . Desta forma, encontramos x ∈ f (y) ∩ U com x não sendo
ponto isolado, o que é uma contradição. Logo, f −1 (y) ∩ U é finito.
20 CAPÍTULO 1. PRELIMINARES
Capı́tulo 2

Grau topológico em
dimensão finita

Como dito na introdução deste trabalho, o grau topológico é uma ferra-


menta que ajuda no estudo de equações do tipo f (x) = y, onde f : X → Y
é uma função dada e X e Y podem ser, por exemplo, espaços euclidianos,
variedades diferenciáveis ou espaços normados de dimensão infinita. Além
disso, y ∈ Y é um ponto dado e U ⊆ X é um conjunto onde as soluções
estão sendo procuradas.
Neste capı́tulo vamos construir o grau topológico para funções definidas
entre espaços vetoriais reais, normados e de dimensão finita, em particular,
Rn . Este grau topológico é conhecido como grau topológico de Brouwer,
definido por Brouwer em [4]. A teoria do grau topológico de Brouwer pode
ser encontrada, por exemplo, em [6, Fonseca & Gangbo] e [5, Deimling].
Na prática, para construir o grau topológico de Brouwer, vamos estabe-
lecer uma famı́lia T de ternas (f, U, y), que chamaremos de admissı́veis. O
grau topológico de Brouwer será uma funcão degB : T → Z, ou seja, uma
função que associa a cada terna admissı́vel um número inteiro. A forma que
fazemos a construção desta função e as consequentes propriedades que ela
verifica permitem obter infomações sobre a equação f (x) = y em U .
No primeiro momento, o espaço de dimensão finita considerado será o
espaço euclidiano Rn . Neste caso, primeiramente, a função f será de classe
C 2 em U e y um valor regular de f em U . Em seguida, estenderemos a
definição de grau topológico ao caso em que y será valor crı́tico de f em
U , mantendo, ainda, f de classe C 2 . O próximo passo será estender tal
definição ao caso em que f será contı́nua. Tendo definido o grau topológico,
apresentaremos uma lista de suas propriedades.

21
22 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Em um segundo momento, vamos considerar um espaço normado qual-


quer de dimensão finita sobre R. E então, seguiremos um caminho análogo
ao feito no caso Rn .
A partir deste ponto, diremos, simplesmente, grau em vez de grau to-
pológico.

2.1 Definição do grau para valores regulares


Iniciaremos a construção do grau de Brouwer com a seguinte definição.
Definição 2.1 (Terna admissı́vel). Considere Ω um subconjunto qualquer
do Rn e U um subconjunto aberto e limitado do Rn com U ⊆ Ω. Se f : Ω →
Rn é contı́nua em U e y ∈ Rn é tal que f (x) 6= y para todo x que pertence ao
bordo (no sentido topológico) ∂U de U , então dizemos que (f, U, y) é uma
terna admissı́vel para o grau topológico.
Segue agora a definição do grau de Brouwer para um caso especı́fico,
como veremos em seu enunciado.
Definição 2.2. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe C 2 em
U e y valor regular de f em U . Então, definimos o grau de Brouwer de
(f, U, y) como
X
degB (f, U, y) = sgn f 0 (x), (2.1)
x∈f −1 (y)∩U

onde sgn f 0 (x) denota o sinal do determinante da matriz associada ao ope-


rador linear f 0 (x) em qualquer base. Se f −1 (y) ∩ U = ∅, definimos

degB (f, U, y) = 0.

Pelo Lema 1.23, f −1 (y) ∩ U é um conjunto finito e portanto o segundo


membro da fórmula (2.1) é uma soma finita, logo, neste caso particular, o
grau de Brouwer está bem definido.
A função dada pela fórmula (2.1), definida em um subconjunto do con-
junto das ternas admissı́veis, possue as propriedades que veremos a seguir.
Proposição 2.3. As seguintes propriedades são válidas:
1. (Normalização). Sejam I : Rn → Rn a função identidade e U um
subconjunto aberto e limitado do Rn , então

degB (I, U, y) = 1, ∀ y ∈ U.
2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 23

2. (Translação). Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe C 2


em U e y valor regular de f em U . Então,

degB (f, U, y) = degB (f − y, U, 0).

3. (Aditividade). Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe


C 2 em U e y valor regular de f em U . Se U1 , U2 ⊆ U são abertos e
disjuntos com y ∈
/ f (U \ (U1 ∪ U2 )), então

degB (f, U, y) = degB (f, U1 , y) + degB (f, U2 , y).

4. (Invariância local). Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe


C 2 em U e y valor regular de f em U . Então, existe uma vizinhança
V de y tal que, para todo z ∈ V , degB (f, U, z) está definido e

degB (f, U, z) = degB (f, U, y).

5. (Invariância homotópica). Sejam U um subconjunto aberto e limitado


do Rn e H : U × [0, 1] → Rn contı́nua em U × [0, 1] e de classe C 2 em
U × [0, 1]. Considere y ∈ Rn tal que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U e
para todo λ ∈ [0, 1]. Denotando H0 = H(·, 0) e H1 = H(·, 1), se y é
valor regular para H0 |U e H1 |U , então

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

Demonstração. 1 - Pela Definição 2.2, é evidente.


2 - Definindo g = f − y, notamos que f (x) = y se, e somente se, g(x) = 0
e que f 0 (x) = g 0 (x) para todo x ∈ U . Desta forma, temos f −1 (y) = g −1 (0),
portanto
X X
degB (f, U, y) = sgn f 0 (x) = sgn g 0 (x) = degB (g, U, 0).
x∈f −1 (y)∩U x∈g −1 (0)∩U

Logo,
degB (f, U, y) = degB (f − y, U, 0).
3 - Pela Definição 2.2, é evidente.
4 - Suponha f −1 (y) ∩ U = ∅, que, pela Definição 2.2, implica

degB (f, U, y) = 0.

Sendo U compacto e f |U : U → Rn contı́nua, segue que f (U ) é com-


pacto e, portanto, fechado. Sendo assim, como y ∈
/ f (U ), então existe
24 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

uma vizinhança V de y com V ⊆ Rn \ f (U ). Portanto, para todo z ∈ V ,


f −1 (z) ∩ U = ∅. Assim, temos degB (f, U, z) = 0 para todo z ∈ V . Logo,

degB (f, U, z) = degB (f, U, y), ∀ z ∈ V.

Agora, vamos supor que f −1 (y) ∩ U = {x1 , · · · , xk }. Afirmo que o con-


junto C dos pontos crı́ticos de f |U é fechado. De fato, se x é ponto crı́tico
de f |U , então o determinante da matriz de f 0 |U (x) é nulo. Como a função
que a cada ponto x associa o determinante da matriz de f 0 |U (x) é contı́nua,
então C é fechado, pois C é a imagem inversa do 0 por uma função contı́nua.
Como C é fechado dentro de um compacto, então C é compacto. Segue que
f (C) é compacto, portanto, é fechado. Como y ∈ / f (C), então existe uma
vizinhança Vb de y formada apenas por valores regulares de f |U . Usando o
fato que f (∂U ) é fechado e que y ∈ / f (∂U ), podemos tomar Vb de tal maneira
que Vb ∩ f (∂U ) = ∅. Logo, degB (f, U, z) existe para todo z ∈ Vb .
Vamos mostrar que temos uma vizinhança V de y, dentro de Vb , tal
que o grau de (f, U, z) não depende de z ∈ V . Pelo Teorema da Função
Inversa existem vizinhanças U1 , · · · , Uk de x1 , · · · , xk , respectivamente, e
vizinhanças V1 , · · · , Vk de y tais que, para todo 1 ≤ j ≤ k,

f |Uj : Uj → Vj

é um difeomorfismo. Sejam
\
V= Vj e, para cada j, Uj = f −1 (V) ∩ Uj .
j

Desta forma, segue que, para cada j,

fj = f |Uj : Uj → V

é um difeomorfismo, e portanto sgn fj0 (x) é constante em Uj .


Considere  [ 
V = V \ f U \ Uj .
j

Agora, observe o seguinte:


S S
i - Como U \ j Uj é compacto, então f (U \ j Uj ) é fechado. Logo, V é
aberto;

ii - y ∈ V , pois f −1 (y) = {x1 , · · · , xk } ⊆ j Uj ;


S
2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 25

iii - Fixe z ∈ V . Então, z ∈ V. Sendo, para cada j, fj uma função


bijetora, então f −1 (z) ∩ Uj é um conjunto unitário que chamaremos de
{aj }. Sendo assim, {a1 , · · · , ak } ⊆ f −1 (z) ∩ U . Agora, suponha que
exista a ∈ f −1S(z) ∩ U tal que a ∈ / {a1 , · · · , ak }. S
Então, como cada fj é
bijetora, a ∈
/ j Uj . Desta forma, f (a) ∈ f (U \ j Uj ) e z = f (a) ∈ / V,
o que é contradição. Portanto, f −1 (z) ∩ U ⊆ {a1 , · · · , ak }. Logo,
f −1 (z) ∩ U = {a1 , · · · , ak }.

Como, para cada j, f |Uj : Uj → V é um difeomorfismo, segue que

sgn f 0 (aj ) = sgn f 0 (xj ).

Desta forma, concluı́mos que, para todo z ∈ V ,


X X
degB (f, U, z) = sgn f 0 (aj ) = sgn f 0 (xj ) = degB (f, U, y).
j j

5 - Vamos dividir essa demonstração em dois casos. No primeiro, vamos


supor y valor regular de H|U ×[0,1] e, no segundo, vamos excluir esta hipótese.
Caso 1 : suponha y valor regular de H|U ×[0,1] . Pela Proposição 1.8,
sabemos que H −1 (y) é uma variedade com bordo de dimensão 1 e

δH −1 (y) = H −1 (y) ∩ δ(U × [0, 1]) = H0−1 (y) ∪ H1−1 (y). (2.2)

Agora, usando a Proposição 1.9, segue que cada componente conexa de


H −1 (y) é difeomorfa ao intervalo [0, 1] ou à circunferência S 1 . Se C for uma
componente conexa de H −1 (y) difeomorfa à circunferência S 1 , então C não
terá bordo, portanto, por (2.2),

H0−1 (y) ∩ C = ∅ e H1−1 (y) ∩ C = ∅.

Diante deste fato e observando que para os cálculos dos graus de (H0 , U, y) e
(H1 , U, y) serão usados pontos que pertencem a H0−1 (y)∪H1−1 (y), concluı́mos
que os pontos das componentes conexas difeomorfas à circunferência S 1
podem ser descartados. Esta situação está ilustrada na figura abaixo:
Rn
C

0 1 R
26 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

No caso em que C seja uma componente conexa de H −1 (y) difeomorfa


ao intervalo [0, 1], C tem exatamente dois pontos P0 e P1 no bordo, onde
{P0 , P1 } é imagem de {0, 1} através de qualquer difeomorfismo de [0, 1] em
C. Pode ocorrer uma das seguintes situações:
(i) {P0 , P1 } ⊆ U × {0},
(ii) {P0 , P1 } ⊆ U × {1},
(iii) P0 , P1 não pertencem à mesma seção U × {0} ou U × {1}.
Ilustramos abaixo essas três situações:

Rn Rn Rn
P1 C
C P1 C
P0 P1
P0 P0

0 1 R 0 1 R 0 1 R
(i) (ii) (iii)

Analisando o caso (i), vamos parametrizar C por


γ : [0, 1] → Rn+1
com γ(0) = P0 = (x0 , 0), γ(1) = P1 = (x1 , 0) e γ 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ [0, 1].
Como, para todo t ∈ [0, 1], H(γ(t)) = y e γ(t) é ponto regular de H, então
H 0 (γ(t)) : Rn+1 → Rn
é operador linear sobrejetor. Portanto, para cada t ∈ [0, 1], ker H 0 (γ(t)) tem
dimensão 1 e é gerado por γ 0 (t), pois γ 0 (t) 6= 0 e H 0 (γ(t))γ 0 (t) = 0.
Sendo H j : Rn+1 → R a j-ésima componente de H, temos

  γ 0 (0)  
0

∂H 1

1
(x0 , 0)  
∂λ
   
 .. .. 
   
  .
 
  . 
0 0

H (γ(0))γ (0) =  .. 
 =
 
,

 A . 
  γn0 (0)
  
0 
   

n
  
 ∂H    
(x0 , 0) 0
∂λ γn+1 (0) 0
(2.3)
2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 27

onde A é a matriz n × n do operador linear H00 (x0 ) nas bases canônicas do


Rn , ou seja,

∂H0 1 ∂H0 1 ∂H0 1


 
 ∂x1 (x0 ) (x0 ) · · · (x0 ) 
 ∂x2 ∂xn 
 
 ∂H0 2 ∂H0 2 ∂H0 2
 
(x0 ) · · ·

 ∂x1 (x0 ) (x0 ) 

∂x2 ∂xn 
A=

,

 .. .. .. .. 

 . . . .


 
 
 ∂H n ∂H0 n ∂H0 n 
0
(x0 ) (x0 ) · · · (x0 )
∂x1 ∂x2 ∂xn
∂H0 j
com denotando a derivada da j-ésima coordenada de H0 com relação
∂xi
a i-ésima coordenada do ponto x.
Agora, vamos supor que γn+10 (0) = 0. Desta forma, por (2.3), temos

  γ 0 (0)   0 
∂H01 ∂H01 ∂H01

1
 ∂x1 (x0 ) (x0 ) · · · (x0 )  
∂x2 ∂xn
  
 
  
  
 
0  . 
  
 ∂H02 ∂H02 ∂H02 γ2 (0) 
 
(x0 ) · · ·
   .. 
 ∂x1 (x0 ) (x0 ) 
 
∂x2 ∂xn    
=  .
    
  
  
 .. .. .. ..   ..  
   

 . . . .  .   0
 

    
 
 ∂H n ∂H0n n
∂H0    
0
   
(x0 ) (x0 ) · · · (x0 ) 0
∂x1 ∂x2 ∂xn γn (0) 0

Sendo H00 (x0 ) um isomorfismo, segue que (γ10 (0), · · · , γn0 (0)) = (0, · · · , 0).
Assim, temos γ 0 (0) = 0, o que é uma contradição, pois γ 0 (t) 6= 0 para todo
t ∈ [0, 1]. Concluı́mos, assim, que a condição de que γn+1 0 (0) = 0 é falsa.
0
Portanto, γn+1 (0) 6= 0.
Temos provado que γn+1 0 (0) 6= 0 e, além disso, sabemos que γn+1 (0) = 0.
Como γn+1 (t) ∈ [0, 1] para todo t em [0, 1] e denotando a base canônica do
Rn+1 por
{e1 , · · · , en+1 },
28 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

concluı́mos que
hγ 0 (0), en+1 i = γn+1
0
(0) > 0. (2.4)
De forma análoga, segue que
hγ 0 (1), en+1 i = γn+1
0
(1) < 0. (2.5)
Agora, definimos
  
1
γ(0) se t ∈ 0,


3







  
 1 2
Pt = γ(3t − 1) se t ∈ ,

 3 3



  
2


 γ(1) se t ∈ ,1


3
e   
0 1
(1 − 3t)en+1 + 3tγ (0) se t ∈ 0,


3







  

0 1 2
vt = γ (3t − 1) se t ∈ ,

 3 3



  
2


0
 (3 − 3t)γ (1) − (3t − 2)en+1 se t ∈ ,1 .


3
Seja, para cada t, Vt = span {vt }. Note que, para cada t ∈ [0, 1], Vt tem
dimensão 1. De fato, vejamos que vt é não nulo para todo t ∈ [0, 1]:
 
1
• Se t ∈ 0, , temos vt = (1 − 3t)en+1 + 3tγ 0 (0). Como 1 − 3t e 3t não
3
são simultaneamente nulos e hγ 0 (0), en+1 i > 0, segue que vt 6= 0.
 
1 2
• Se t ∈ , , temos vt = γ 0 (3t − 1) 6= 0.
3 3
 
2
• Se t ∈ , 1 , temos vt = (3 − 3t)γ 0 (1) + (3t − 2)(−en+1 ). Como 3 − 3t
3
e 3t − 2 não são simultaneamente nulos e hγ 0 (1), −en+1 i > 0, segue que
vt 6= 0.
Denotando por Vt⊥ o espaço ortogonal a Vt , afirmamos que H 0 (Pt )|V ⊥ :
t
Vt⊥ → Rn é um isomorfismo. Para provarmos tal fato, basta mostrar que
Vt⊥ não contém o núcleo de H 0 (Pt ). Observe que:
2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 29
 
1
• se t ∈ 0, , então o núcleo é gerado por γ 0 (0);
3
 
1 2
• se t ∈ , , então o núcleo é gerado por γ 0 (3t − 1);
3 3
 
2
• se t ∈ , 1 , então o núcleo é gerado por γ 0 (1).
3

Dizer que um elemento do núcleo de H 0 (Pt ) não pertence a Vt⊥ é dizer


que seu produto escalar com vt é não nulo. Então, vejamos:
 
1
• se t ∈ 0, , então
3

hγ 0 (0), vt i = hγ 0 (0), (1 − 3t)en+1 + 3tγ 0 (0)i,

ou seja,

hγ 0 (0), vt i = (1 − 3t)hγ 0 (0), en+1 i + 3thγ 0 (0), γ 0 (0)i.

Usando (2.4), temos


hγ 0 (0), vt i > 0;
 
1 2
• se t ∈ , , então
3 3

hγ 0 (3t − 1), vt i = hγ 0 (3t − 1), γ 0 (3t − 1)i > 0,


 
0 1 2
pois γ (3t − 1) 6= 0, para todo t ∈ , ;
3 3
 
2
• se t ∈ , 1 , então
3

hγ 0 (1), vt i = hγ 0 (1), (3 − 3t)γ 0 (1) − (3t − 2)en+1 i,

ou seja,

hγ 0 (1), vt i = (3 − 3t)hγ 0 (1), γ 0 (1)i − (3t − 2)hγ 0 (1), en+1 i.

Usando (2.5), temos


hγ 0 (1), vt i > 0.
30 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Portanto, H 0 (Pt )|V ⊥ : Vt⊥ −→ Rn é um isomorfismo.


t
Denotando por Σn a base canônica do Rn , considere, para cada t ∈ [0, 1] a
et de Vt⊥ obtida por [H 0 (Pt )| ⊥ ]−1 (Σn ). Note que, para cada t ∈ [0, 1],
base B Vt
Bt ∪ {vt } é base do R
e n+1 e que V0⊥ = Rn × {0} = V1⊥ . Agora, definimos,
para cada t ∈ [0, 1], o seguinte isomorfismo:

Ft : Vt⊥ ⊕ Vt → Rn × R
(x + µvt ) 7−→ (H 0 (Pt )x, µ).
Seja B0 = B e0 ∪ {en+1 } base de V ⊥ ⊕ span {en+1 }. Considere, para cada
0
t ∈ [0, 1], At a matriz de Ft nas bases B0 do Rn+1 no domı́nio e Σn+1 do
Rn × R na imagem. Como, para cada t ∈ [0, 1], Ft é um isomorfismo, então
det At 6= 0 e, portanto, tem sinal constante. Sendo A0 a matriz identidade,
temos det At > 0 para todo t ∈ [0, 1].
Pela Proposição 1.2, F1−1 (Σn+1 ) é uma base do Rn+1 equivalente a B0 .
Pela definição de Be1 e como v1 = −en+1 , então

F1−1 (Σn+1 ) = (H 0 (P1 )|V ⊥ )−1 (Σn ) ∪ {−en+1 } = B


e1 ∪ {−en+1 }.
1

Além disso, a matriz de mudança de base de B0 para F1−1 (Σn+1 ) é do tipo


 
0
 .. 

 N . 

M =
 0 ,
 
 
 
0 ··· 0 −1

onde N é a matriz de mudança de base de B


e0 para B
e1 . Como

det M = −1 · det N > 0,


então
det N < 0,
o que prova que Be0 e Be1 não são equivalentes. Desta forma, apenas uma
das bases B
e0 e B
e1 é equivalente à base Σn , portanto, pela Proposição 1.3,

sgn H00 (x0 ) 6= sgn H00 (x1 ). (2.6)

Com uma demostração análoga, podemos provar, mas não o fazemos,


que, no caso (ii),
sgn H10 (x0 ) 6= sgn H10 (x1 ), (2.7)
2.1. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES REGULARES 31

onde P0 = (x0 , 1) e P1 = (x1 , 1). Também de forma análoga, podemos


provar (não exibimos a prova) que, no caso (iii),

sgn H00 (x0 ) = sgn H10 (x1 ), (2.8)

onde P0 = (x0 , 0) e P1 = (x1 , 1).


Neste ponto, vamos dividir as componentes conexas dos casos (i), (ii) e
(iii), que são em número finito, da seguinte maneira:

• Γ0 ⊆ U × {0} é o conjunto dos pontos em U × {0} das bordas das


componentes conexas representadas no caso (i);

• Γ1 ⊆ U × {1} é o conjunto dos pontos em U × {1} das bordas das


componentes conexas representadas no caso (ii);

• Λ0 ⊆ U × {0} é o conjunto dos pontos em U × {0} das bordas das


componentes conexas representadas no caso (iii);

• Λ1 ⊆ U × {1} é o conjunto dos pontos em U × {1} das bordas das


componentes conexas representadas no caso (iii).

Segue que
X X
degB (H0 , U, y) = sgn H00 (x) + sgn H00 (x)
(x,0)∈Γ0 (x,0)∈Λ0

e X X
degB (H1 , U, y) = sgn H10 (x) + sgn H10 (x)
(x,1)∈Γ1 (x,1)∈Λ1

Por (2.6) e (2.7), obtemos


X X
sgn H00 (x) = sgn H10 (x) = 0.
(x,0)∈Γ0 (x,1)∈Γ1

Portanto, X
degB (H0 , U, y) = sgn H00 (x)
(x,0)∈Λ0
e X
degB (H1 , U, y) = sgn H10 (x)
(x,1)∈Λ1

Finalmente, por (2.8),

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y),


32 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

que prova a invariância homotópica no caso 1.


Caso 2 : vamos desconsiderar agora a hipótese de y ser valor regular para
H|U ×[0,1] . Pelo item 4 acima, existe uma vizinhança V de y tal que

degB (H0 , U, z) = degB (H0 , U, y) e degB (H1 , U, z) = degB (H1 , U, y)

para todo z ∈ V . Agora, como H é de classe C 2 em U × [0, 1], podemos usar


o Teorema de Sard e concluir que V contém algum valor regular (de fato,
infinitos) zb de H|U ×[0,1] . Pelo caso 1, temos

degB (H0 , U, zb) = degB (H1 , U, zb).

Logo,
degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).
E a prova é concluı́da.

2.2 Definição do grau para valores crı́ticos


Até agora, temos a definição de grau topológico para ternas admissı́veis
(f, U, y), com f de classe C 2 em U e y valor regular de f em U . O próximo
resultado nos permite estender esta definição para o caso em que y seja valor
crı́tico de f em U .

Proposição 2.4. Considere uma terna admissı́vel (f, U, y), com f de classe
C 2 em U. Sejam z0 , z1 valores regulares de f em U tais que ky − zi k <
dist(y, f (∂U )), i = 0, 1. Então,

degB (f, U, z0 ) = degB (f, U, z1 ).

Lembre que dist(y, f (∂U )) = inf x∈∂U dist(y, f (x)).

Demonstração. Observe que a existência de z0 e z1 valores regulares de f


em U tais que ky − zi k < dist(y, f (∂U )), i = 0, 1, é garantida pelo Teorema
de Sard. Considere a função H : U × [0, 1] → Rn dada por

H(x, λ) = f (x) − [λz1 + (1 − λ)z0 ].

Temos

H(x, 0) = H0 (x) = f (x) − z0 e H(x, 1) = H1 (x) = f (x) − z1 .


2.2. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA VALORES CRÍTICOS 33

Portanto, pela Proposição 2.3, item 2,

degB (H0 , U, 0) = degB (f, U, z0 ) e degB (H1 , U, 0) = degB (f, U, z1 ).

Desta forma, basta mostrar que

degB (H0 , U, 0) = degB (H1 , U, 0).

Como H é uma homotopia C 2 , pela Proposição 2.3, item 5, é suficiente


mostrar que H(x, λ) 6= 0 para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Para
tanto, suponha que para algum x0 ∈ ∂U e para algum λ0 ∈ [0, 1] temos
H(x0 , λ0 ) = 0. Então,

f (x0 ) = λ0 z1 + (1 − λ0 )z0 .

Sejam α = dist(f (∂U ), y) e Bα (y) a bola aberta de centro y e raio α.


Sendo Bα (y) convexa e z0 , z1 ∈ Bα (y), então λz1 + (1 − λ)z0 ∈ Bα (y) para
qualquer λ ∈ [0, 1]. E como Bα (y) ∩ f (∂U ) = ∅, segue que f (x0 ) ∈/ f (∂U ),
o que é uma contradição. Portanto, H(x, λ) 6= 0 para todo x ∈ ∂U e para
todo λ ∈ [0, 1]. Logo, degB (H0 , U, 0) = degB (H1 , U, 0), ou seja,

degB (f, U, z0 ) = degB (f, U, z1 ).

Com o último resultado podemos estender a definição de grau topológico


para valores crı́ticos.

Definição 2.5. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe C 2 em


U . Então,
degB (f, U, y) = degB (f, U, y),
onde y é um valor regular qualquer de f em U com ky − yk < dist(y, f (∂U ))
e degB (f, U, y) é dado pela Definição 2.2.

Agora que estendemos a definição de grau para ternas admissı́veis (f, U, y),
com f de classe C 2 em U e y valor crı́tico de f em U , poderı́amos apresen-
tar uma lista de propriedades análogas às vistas na Proposição 2.3. Porém,
será apresentada, neste momento, somente a estensão da invariância ho-
motópica, pois será de grande importância para estendermos a definição de
grau às funções contı́nuas. Após o término da construção do grau topológico
de Brouwer, apresentaremos uma lista mais completa de propriedades.
34 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Proposição 2.6 (Invariância homotópica-caso valor critı́co). Sejam U um


subconjunto aberto e limitado do Rn e H : U × [0, 1] → Rn contı́nua em
U ×[0, 1] e de classe C 2 em U ×[0, 1]. Considere y ∈ Rn tal que H(x, λ) 6= y,
para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Então,

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

Demonstração. Usando o Teorema de Sard, tome z ∈ Rn valor regular de


H0 e H1 , com kz − yk < dist(y, H(∂U × [0, 1])). Observe que kz − yk <
dist(y, H0 (∂U )) e kz − yk < dist(y, H1 (∂U )). Pela Definição 2.5, temos

degB (H0 , U, y) = degB (H0 , U, z)

e
degB (H1 , U, y) = degB (H1 , U, z).
Agora, note que o fato de kz − yk < dist(y, H(∂U × [0, 1])) implica que
H(x, λ) 6= z para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Desta forma, po-
demos aplicar a Proposição 2.3, item 5, e concluir que degB (H0 , U, z) =
degB (H1 , U, z). Logo,

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

2.3 Definição do grau para funções contı́nuas


Para finalizarmos a construção do grau de Brouwer, vamos estender sua
definição às funções contı́nuas.
Proposição 2.7. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel e considere g0 , g1 :
Ω → Rn funções contı́nuas em U e de classe C 2 em U tais que

sup kgi (x) − f (x)k < dist(y, f (∂U )),


x∈U

i = 0, 1. Então,
degB (g0 , U, y) = degB (g1 , U, y).

Demonstração. Primeiramente, é importante notar que a existência das fun-


ções g0 e g1 é garantida pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass.
Defina H : U × [0, 1] −→ Rn por

H(x, λ) = λg1 (x) + (1 − λ)g0 (x).


2.3. DEFINIÇÃO DO GRAU PARA FUNÇÕES CONTÍNUAS 35

Note que H é uma homotopia contı́nua em U × [0, 1] e de classe C 2 em


U × [0, 1] e que H0 = g0 e H1 = g1 . Portanto, basta provar que

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

Pela Proposição 2.6, é suficiente mostrar que H(x, λ) 6= y para todo


x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1]. Para x ∈ U e λ ∈ [0, 1] temos

kH(x, λ) − f (x)k = kλg1 (x) + (1 − λ)g0 (x) − λf (x) − (1 − λ)f (x)k,

portanto

kH(x, λ) − f (x)k = kλ(g1 (x) − f (x)) + (1 − λ)(g0 (x) − f (x))k.

Pela desigualdade triangular da norma,

kH(x, λ) − f (x)k ≤ λkg1 (x) − f (x)k + (1 − λ)kg0 (x) − f (x)k.

Segue que

kH(x, λ) − f (x)k ≤ λ sup kg1 (x) − f (x)k + (1 − λ) sup kg0 (x) − f (x)k.
x∈U x∈U

Mas, por hipótese,

sup kgi (x) − f (x)k < α, i = 0, 1,


x∈U

onde α = dist(y, f (∂U )). Logo,

kH(x, λ) − f (x)k < λα + (1 − λ)α = α.

A desigualdade acima implica que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U e para


todo λ ∈ [0, 1], pois se existisse (x0 , λ0 ) ∈ ∂U × [0, 1] com H(x0 , λ0 ) = y,
terı́amos
kH(x0 , λ0 ) − f (x0 )k = ky − f (x0 )k < α,
o que seria uma contradição. Logo,

degB (g0 , U, y) = degB (g1 , U, y).

Agora, podemos concluir a construção do grau topológico, estendendo,


finalmente, sua definição às funções contı́nuas.
36 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Definição 2.8. Sejam (f, U, y) uma terna admissı́vel e g : Ω → Rn uma


função contı́nua em U e de classe C 2 em U tal que

sup kg(x) − f (x)k < dist(y, f (∂U )).


x∈U

Então, definimos
degB (f, U, y) = degB (g, U, y),
onde degB (g, U, y) é dado pela Definição 2.5.

2.4 Propriedades do grau topológico de Brouwer


Vimos nas seções anteriores algumas propriedades do grau de Brouwer
restritas aos casos particulares das ternas admissı́veis (f, U, y), com f de
classe C 2 . Nesta seção, estenderemos aquelas propriedades ao caso geral,
onde f é contı́nua. Além disso, apresentamos outras propriedades.
Proposição 2.9. As seguintes propriedades são válidas:

1. (Normalização) Sejam I : Rn → Rn a função identidade e U um


subconjunto aberto e limitado do Rn . Então,

degB (I, U, y) = 1, ∀ y ∈ U.

2. (Translação) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Então,

degB (f, U, y) = degB (f − y, U, 0).

3. (Aditividade) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Se U1 , U2 ⊆ U são


abertos e disjuntos com y ∈/ f (U \ (U1 ∪ U2 )), então

degB (f, U, y) = degB (f, U1 , y) + degB (f, U2 , y).

4. (Excisão) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel e considere um conjunto


compacto K ⊆ U tal que y ∈ / f (K). Então,

degB (f, U, y) = degB (f, U \ K, y).

5. (Invariância homotópica) Sejam U um subconjunto aberto e limitado


do Rn , H : U × [0, 1] → Rn uma função contı́nua e γ : [0, 1] → Rn uma
curva contı́nua tais que γ(t) ∈ / Ht (∂U ), para todo t ∈ [0, 1]. Então,
degB (Ht , U, γ(t)) não depende de t;
2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 37

6. (Continuidade em relação à função f ) Seja (f, U, y) uma terna ad-


missı́vel. Então, existe  > 0 tal que, para toda função contı́nua
g : Ω → Rn com
sup kg(x) − f (x)k < ,
x∈U

a terna (g, U, y) é admissı́vel e

degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

7. (Invariância local) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Então, existe


uma vizinhança V de y tal que, para todo z ∈ V , degB (f, U, z) está
definido e
degB (f, U, z) = degB (f, U, y).

8. (Existência de solução) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Se

degB (f, U, y) 6= 0,

então f −1 (y) ∩ U 6= ∅.

9. (Propriedade do bordo) Sejam (f, U, y) e (g, U, y) ternas admissı́veis.


Se f (x) = g(x) para todo x ∈ ∂U . Então,

degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

10. (Mudança de variável) Sejam (f, U, y) uma terna admissı́vel, g : Rn →


Rn um difeomorfismo de classe C 2 e E ⊆ Rn um conjunto aberto e
limitado tal que g(E) = U . Se p = g −1 (y), então (g −1 ◦ f ◦ g, E, p) é
uma terna admissı́vel e

degB (f, U, y) = degB (g −1 ◦ f ◦ g, E, p).

11. (Função oposta) Se (f, U, y) for uma terna admissı́vel, então (−f, U, −y)
será admissı́vel e

degB (−f, U − y) = (−1)n degB (f, U, y).

Aqui, n é a dimensão do espaço euclidiano Rn .


38 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Demonstração. 1 - Já foi provada no item 1 da Proposição 2.3.


2 - Seja α = dist(y, f (∂U )) = dist(0, f (∂U ) − y). Pelo Teorema de Apro-
ximação de Weierstrass, podemos tomar uma função g : U → Rn de classe
C 2 tal que
sup k(g(x) − y) − (f (x) − y)k = sup kg(x) − f (x)k < α.
x∈U x∈U

Usando a Definição 2.8, segue que


degB (f, U, y) = degB (g, U, y) e degB (f − y, U, 0) = degB (g − y, U, 0).
Agora, sabendo que y ∈
/ g(∂U ), temos dist(y, g(∂U )) = β > 0. Aplicando o
Teorema de Sard, tome z valor regular de g em U tal que kz − yk < β. Pela
Definição 2.5,
degB (g, U, y) = degB (g, U, z).
Como dist(0, g(∂U ) − y) = dist(y, g(∂U )) = β e supx∈U k(g(x) − y) − (g(x) −
z)k = kz − yk < β, então, aplicando novamente a Definição 2.8,
degB (g − y, U, 0) = degB (g − z, U, 0).
Finalmente, aplicamos a Proposição 2.3, item 2, e concluı́mos que
degB (f, U, y) = degB (f − y, U, 0).

3 - Primeiramente, note que ∂U ,∂U1 e ∂U2 estão contidos em U \(U1 ∪U2 ).


Considere  > 0 tal que dist(y, f (U \ U1 ∪ U2 )) = . Podemos tomar uma
função g : U → Rn de classe C 2 tal que supx∈U kg(x) − f (x)k < 2 . Então,
y∈/ g(U \ (U1 ∪ U2 )). De fato, se x ∈ U \ (U1 ∪ U2 ) é tal que g(x) = y, então

kg(x) − f (x)k = ky − f (x)k < ,
2
o que é contradição. Pela Definição 2.8,
degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

Para x ∈ ∂U , temos
 
ky − g(x)k ≥ ky − f (x)k − kg(x) − f (x)k >  − = .
2 2
Portanto, dist(y, g(∂U )) > 2 . Usando o Teorema de Sard, tome z ∈ Rn \
g(∂U \ U1 ∪ U2 ), onde z é valor regular de g em U e kz − yk < 2 . Pela
Definição 2.5, segue que
degB (g, U, y) = degB (g, U, z).
2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 39

Logo,
degB (f, U, y) = degB (g, U, z).
De forma análoga, concluı́mos que

degB (f, U1 , y) = degB (g, U1 , z) e degB (f, U2 , y) = degB (g, U2 , z).

Agora, usamos a Proposição 2.3, item 3 e obtemos

degB (f, U, y) = degB (f, U1 , y) + degB (f, U2 , y).

4 - Pelo item 3 acima, segue que

degB (f, U, y) = degB (f, U \ K, y) + degB (f, ∅, y).

A Definição 2.2 implica


degB (f, ∅, y) = 0.
Logo,
degB (f, U, y) = degB (f, U \ K, y).
5 - Primeiramente, note que a função (x, t) 7→ kγ(t) − Ht (x)k é contı́nua
e positiva no compacto ∂U × [0, 1] e, portanto, tem um mı́nimo  > 0. Por
outro lado, H é uniformemente contı́nua no compacto U × [0, 1], portanto
existe δ > 0 tal que

kHt (x) − Ht0 (x0 )k < sempre que |t − t0 | < δ e kx − x0 k < δ.
2
Agora, fixe t0 ∈ [0, 1]. Vamos mostrar que a função t 7→ degB (Ht , U, γ(t))
é constante em uma vizinhança de t0 e, como t0 é arbitrário, é constante no
conexo [0, 1].
Pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass, existe uma função g :

U → Rn de classe C 2 tal que kg(x) − Ht0 (x)k < para todo x ∈ U . Daı́,
2
temos

kg(x) − Ht (x)k ≤ kg(x) − Ht0 (x)k + kHt0 (x) − Ht (x)k < ,

para todo x ∈ U e para |t − t0 | < δ. Assim,

kg(x) − Ht (x)k ≤ kγ(t) − Ht (x)k (2.9)

para todo x ∈ U e para |t − t0 | < δ. Em particular, para x ∈ ∂U e t = t0 ,


temos
kg(x) − Ht0 (x)k < dist(γ(t0 ), Ht0 (∂U )). (2.10)
40 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Portanto, g(x) 6= γ(t0 ) para todo x ∈ ∂U . Como g(∂U ) é compacto,


concluı́mos que dist(γ(t0 ), g(∂U )) > 0. Desta forma, podemos dizer que
|t − t0 | < δ implica

kγ(t) − γ(t0 )k < dist(γ(t0 ), g(∂U )).

Agora, usando (2.9) e a Definição 2.8, temos

deg(Ht , U, γ(t)) = deg(g, U, γ(t)).

Por translação, segue que

degB (Ht , U, γ(t)) = degB (g − γ(t), U, 0).

Observando que

k(g − γ(t)) − (g − γ(t0 ))k = kγ(t) − γ(t0 )k

< dist(γ(t0 ), g(∂U ))

= dist(0, (g − γ(t0 )(∂U )))

e aplicando a Definição 2.8, temos

degB (Ht , U, γ(t)) = degB (g − γ(t0 ), U, 0).

Logo, a função t 7→ degB (Ht , U, γ(t)) é localmente constante e, consequen-


temente, constante no conexo [0, 1].
6 - Faça r = dist(y, f (∂U )) e fixe g : Ω → Rn uma função contı́nua com
r
sup kg(x) − f (x)k < .
x∈U 2

Para mostrar que (g, U, y) é admissı́vel, basta provar que y ∈


/ g(∂U ).
Para tanto, fixe x ∈ ∂U . Segue que
r
ky − g(x)k = ky − f (x) + f (x) − g(x)k ≥ ky − f (x)k − kf (x) − g(x)k ≥ .
2
Logo, y ∈
/ g(∂U ).
Agora, defina H : U × [0, 1] → Rn por

H(x, t) = (1 − t)f (x) + tg(x).


2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 41

Vamos mostrar que H(x, t) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1]. De
fato, fixe x ∈ ∂U e t ∈ [0, 1]. Então,

kH(x, t)−f (x)k = k(1−t)f (x)+tg(x)−(1−t)f (x)−tf (x)k = tkg(x)−f (x)k.

Portanto,
r r
kH(x, t) − f (x)k ≤ t ≤ .
2 2
Logo, H(x, t) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1]. Desta forma,
podemos aplicar o item 5 acima e concluir que

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y),

ou seja,
degB (f, U, y) = degB (g, U, y).
7- Sejam α = dist(y, f (∂U )) e V = Bα (y). Fixe z ∈ V e considere as
funções H : U × [0, 1] → Rn e γ : [0, 1] → Rn definidas por

H(x, t) = f (x) e γ(t) = ty + (1 − t)z.

Como V é um conjunto convexo, γ(t) ∈ V para todo t ∈ [0, 1]. Além disso,
V ∩ f (∂U ) = ∅. Pela definição de H, temos Ht (∂U ) = f (∂U ) para todo
t ∈ [0, 1]. Portanto, γ(t) ∈
/ Ht (∂U ) para todo t ∈ [0, 1]. Desta forma,
podemos aplicar o item 5 acima e concluir que

degB (f, U, z) = degB (f, U, y).

8 - Suponha f −1 (y) ∩ U = ∅. Então,

dist(y, f (∂U )) ≥ dist(y, f (U )) =  > 0. (2.11)

Pelo Teorema da Aproximação de Weierstrass, existe uma função g :


U → Rn de classe C 2 tal que supx∈U kg(x) − f (x)k < 2 . Pela Definição 2.8,

degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

Para x ∈ U , temos
 
ky − g(x)k ≥ ky − f (x)k − kg(x) − f (x)k >  − = .
2 2
Isso implica que dist(y, g(U )) > 2 . Desta forma, g −1 (y) ∩ U = ∅ e y é valor
regular de g em U . Assim, podemos usar a Definição 2.2 e concluir que

degB (f, U, y) = degB (g, U, y) = 0.


42 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Isso contraria a hipótese. Portanto, concluı́mos que f −1 (y) ∩ U 6= ∅.


9 - Considere a homotopia H(x, t) = (1 − t)f (x) + tg(x). Como f (x) =
g(x) para todo x ∈ ∂U , então, para todo x ∈ ∂U e para todo t ∈ [0, 1],
temos
H(x, t) = (1 − t)f (x) + tf (x) = f (x) = g(x).
Desta forma, H(x, t) 6= y para todo (x, t) ∈ ∂U × [0, 1]. Sendo assim,
aplicamos o item 5 acima e concluı́mos que

degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y),

ou seja,
degB (f, U, y) = degB (g, U, y).
10 - Seja h = g −1 ◦ f ◦ g. Primeiramente, como g é difeomorfismo, então
g(∂E) = ∂U e, portanto,

x ∈ ∂E ⇒ g(x) ∈ ∂U ⇒ f (g(x)) ∈ f (∂U ) ⇒ f (g(x)) 6= y.

Portanto, g −1 (f (g(x))) 6= p. Logo, p ∈


/ h(∂E).
Agora, vamos dividir a demonstração em três passos.
Passo 1: Assuma que f seja de classe C 2 e que y seja valor regular de f
em U . Neste caso, como g é um difeomorfismo de classe C 2 , temos
X
degB (h, E, p) = sgn [g −1 ◦ f ◦ g]0 (q),
(g −1 ◦f ◦g)(q)=p

portanto
X
degB (h, E, p) = sgn (g −1 )0 (f (g(q)))sgn f 0 (g(q))sgn g 0 (q),
(g −1 ◦f ◦g)(q)=p

ou seja,
X sgn f 0 (g(q))sgn g 0 (q)
degB (h, E, p) = .
sgn g 0 (g −1 f (g(q)))
(g −1 ◦f ◦g)(q)=p

Isso implica que


X X
degB (h, E, p) = sgn f 0 (g(q)) = sgn f 0 (g(q)).
f (g(q))=g −1 (p) f (g(q))=y

Então, X
degB (h, E, p) = sgn f 0 (x).
f (x)=y
2.4. PROPRIEDADES DO GRAU TOPOLÓGICO DE BROUWER 43

Logo,
degB (h, E, p) = degB (f, U, y).
Passo 2: Agora, assuma que f seja de classe C 2 e que y seja valor
crı́tico de f em U . Aplicando o Teorema de Sard, podemos encontrar uma
sequência (yn ) tal que yn é valor regular de f em U para todo n e

lim yn = y.
n→∞

Sendo assim, a sequência (pn ) = g −1 (yn ) é tal que pn é valor regular de h


em E para todo n e
lim pn = p.
n→∞

Tome N , suficientemente grande, de tal forma que

kyN − yk < dist(y, f (∂U )) e kpN − pk < dist(p, h(∂E)).

Pelo passo anterior e pela Definição 2.5, concluı́mos que

degB (h, E, p) = degB (h, E, pN ) = degB (f, U, yN ) = degB (f, U, y).

Passo 3: Finalmente, assuma que f seja contı́nua. Pelo Teorema de


Aproximação de Weierstrass, podemos tomar uma sequência (fn ), onde,
para cada n, fn é uma função de classe C 2 e (fn ) converge uniformemente
para f . Desta forma, a sequência (hn ) = (g −1 ◦ fn ◦ g) é tal que, para
cada n, hn é de classe C 2 e (hn ) converge uniformemente para h. Tome N ,
suficientemente grande, tal que

sup kfN (x) − f (x)k < dist(y, f (∂U ))


x∈U

e
sup khN (x) − h(x)k < dist(p, h(∂E)).
x∈U

Usando o passo anterior e a Definição 2.8, concluı́mos que

degB (hN , E, p) = degB (h, E, p) = degB (fN , U, y) = degB (f, U, y).

11 - Primeiramente, é evidente que (−f, U, −y) é admissı́vel.


Agora, dividiremos a demonstração em três passos.
Passo 1. Suponha f de classe C 2 em U e y valor regular de f em U .
Note que
f −1 (y) ∩ U = (−f )−1 (−y) ∩ U.
44 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Assim, se f −1 (y) ∩ U = ∅, pela Definição 2.2, teriamos

degB (f, U, y) = 0 e degB (−f, U, −y) = 0.

Portanto,
degB (−f, U, −y) = (−1)n degB (f, U, y).
Do contrário, ou seja, se f −1 (y) ∩ U 6= ∅, então, pela Definição 2.2,
X
degB (−f, U, −y) sgn [−f 0 (x)].
x∈f −1 (y)∩U

Lembrando que sgn f 0 (x) denota o sinal do determinante da matriz associ-


ada ao operador f 0 (x), segue que

sgn [−f 0 (x)] = (−1)n sgn f 0 (x).

Desta forma,
X
degB (−f, U, −y) = (−1)n sgn f 0 (x).
x∈f −1 (y)∩U

Logo, pela Definição 2.2,

degB (−f, U, −y) = (−1)n degB (f, U, y).

Passo 2. Suponha f de classe C 2 em U e y valor crı́tico de f em U . Pelo


Teorema de Sard, podemos tomar z ∈ Rn , valor regular de f em U , tal que

kz − yk < dist(y, f (∂U )).

Assim, a Definição 2.5 garante que

degB (f, U, y) = degB (f, U, z)

e
degB (−f, U, −y) = degB (−f, U, −z).
Pelo passo 1,
degB (−f, U, −z) = (−1)n degB (f, U, z).
Logo,
degB (−f, U, −y) = (−1)n degB (f, U, y).
2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 45

Passo 3. Finalmente, não acrescentaremos hipóteses sobre f e y. Pelo


Teorema de aproximação de Weierstrass, podemos tomar uma função g :
Ω → Rn contı́nua em U e de classe C 2 em U tal que
sup kg(x) − f (x)k < dist(y, f (∂U )).
x∈U

Assim, a Definição 2.8 garante que


degB (f, U, y) = degB (g, U, y)
e
degB (−f, U, −y) = degB (−g, U, −y).
Pelo passo 2,
degB (−g, U, −y) = (−1)n degB (g, U, y).
Logo,
degB (−f, U, −y) = (−1)n degB (f, U, y).

2.5 Grau de Brouwer em espaços normados reais


de dimensão finita
O objetivo desta seção é estender o grau às ternas (f, U, y), onde f é uma
função definida em um subconjunto de um espaço normado real de dimensão
finita qualquer.
No restante desta seção, sempre que usarmos o termo terna admissı́vel,
estaremos nos referindo à definição a seguir.
Definição 2.10. Seja V um espaço normado de dimensão n sobre R. Consi-
dere Ω um subconjunto qualquer de V e U um subconjunto aberto e limitado
de V com U ⊆ Ω. Se f : Ω → V é contı́nua em U e y ∈ V é tal que f (x) 6= y
para todo x ∈ ∂U , então dizemos que (f, U, y) é uma terna admissı́vel para
o grau topológico.
A construção exposta nesta seção se iniciará com a definição do grau
para ternas admissı́veis (f, U, y), onde f é de classe C 2 em U e y é valor
regular de f em U . Em seguida, apresentaremos a propriedade da invariância
homotópica que, junto com o Teorema de Sard e o Teorema de aproximação
de Weierstrass, nos pemitirá definir o grau para o caso em que y seja valor
crı́tico de f em U e para o caso em que f seja contı́nua em U . Para finalizar
esta seção, exibiremos uma lista de propriedades do grau.
46 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Definição 2.11. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe C 2 em


U e y valor regular de f em U . Então, definimos o grau de Brouwer de
(f, U, y) como
X
degB (f, U, y) = sgn f 0 (x), (2.12)
x∈f −1 (y)∩U

onde sgn f 0 (x) denota o sinal do determinante da matriz associada ao opera-


dor linear f 0 (x) em qualquer base de V . Se f −1 (y) ∩ U = ∅, então definimos
degB (f, U, y) = 0.

Pela Proposição 1.4, sgn f 0 (x) não depende da base escolhida para V .
Desta forma, o grau está bem definido. É importante observar que esta
definição é uma extensão da Definição 2.2, pois, se V = Rn , a fórmula acima
coincide com a fórmula (2.1).
ou seja, na definição acima, V pode ser o espaço euclidiano Rn .
O resultado a seguir mostra que, utilizando um isomorfismo qualquer,
podemos relacionar os graus definidos em Rn e em V .

Proposição 2.12. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel tal que f seja de
classe C 2 em U e y valor regular de f em U . Se h : V → Rn é um
isomorfismo qualquer, então

degB (f, U, y) = degB (h ◦ f ◦ h−1 , h(U ), h(y)).

O lado esquerdo da igualdade se refere à Definição 2.11, ao passo que o


lado direito se refere, ao mesmo tempo, às Definições 2.2 e 2.11.

Demonstração. Sabemos que


X
degB (h ◦ f ◦ h−1 , h(U ), h(y)) = sgn [h ◦ f ◦ h−1 ]0 (q).
q∈h(f −1 (y))

Como h é linear,
X X
sgn [h◦f ◦h−1 ]0 (q) = sgn [h f h−1 (q) f 0 h−1 (q) h−1 (q)].
 

q∈h(f −1 (y)) q∈h(f −1 (y))

Pela Proposição 1.5, segue que


X
degB (h ◦ f ◦ h−1 , h(U ), h(y)) = sgn f 0 (x).
x∈f −1 (y)∩U
2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 47

Logo, pela fórmula (2.12),

degB (f, U, y) = degB (h ◦ f ◦ h−1 , h(U ), h(y)).

O próximo resultado é a propriedade da invariância homotópica. Este


resultado vai permitir definir o grau para valores crı́ticos e para funções
contı́nuas de forma semelhante ao feito para o grau em Rn .

Proposição 2.13 (Invariância homotópica). Seja V um espaço normado


de dimensão finita sobre R. Sejam U um subconjunto aberto e limitado de
V e H : U × [0, 1] → V contı́nua em U × [0, 1] e de classe C 2 em U × [0, 1].
Considere y ∈ V tal que H(x, λ) 6= y para todo x ∈ ∂U e para todo λ ∈ [0, 1].
Denotando H0 = H(·, 0) e H1 = H(·, 1), se y é valor regular para H0 |U e
H1 |U , então
degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

Demonstração. Fixe h : V → Rn um isomorfismo qualquer. Pela Proposição


2.12, temos

degB (H0 , U, y) = degB (h ◦ H0 ◦ h−1 , h(U ), h(y))

e
degB (H1 , U, y) = degB (h ◦ H1 ◦ h−1 , h(U ), h(y)).
Observe que h ◦ H ◦ h−1 : h(U ) × [0, 1] → Rn é uma homotopia contı́nua
em h(U ) × [0, 1] e de classe C 2 em h(U ) × [0, 1]. Além disso,

y∈ / (h ◦ Ht )(∂U ) = (h ◦ H ◦ h−1 )(h(∂U )).


/ Ht (∂U ) ⇒ h(y) ∈

Portanto, podemos usar a Proposição 2.3, item 5 e concluir que

degB (h ◦ H0 ◦ h−1 , h(U ), h(y)) = degB (h ◦ H1 ◦ h−1 , h(U ), h(y)).

Logo,
degB (H0 , U, y) = degB (H1 , U, y).

As duas proposições a seguir são análogas, respectivamente, à Proposição


2.4 e à Proposição 2.7. Como as demonstrações também são análogas, as
omitimos.
48 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Proposição 2.14. Considere uma terna admissı́vel (f, U, y), com f de


classe C 2 em U. Sejam z0 , z1 valores regulares de f em U tais que ky −zi k <
dist(y, f (∂U )), i = 0, 1. Então,

degB (f, U, z0 ) = degB (f, U, z1 ).

Proposição 2.15. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel e considere g0 , g1 :


Ω → V funções contı́nuas em U e de classe C 2 em U tais que

sup kgi (x) − f (x)k < dist(y, f (∂U )),


x∈U

i = 0, 1. Então,
degB (g0 , U, y) = degB (g1 , U, y).

Da mesma forma que fizemos no caso Rn , podemos apresentar as seguin-


tes definições:

Definição 2.16. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel com f de classe C 2 em


U . Então,
degB (f, U, y) = degB (f, U, y),
onde y é um valor regular qualquer de f em U com ky − yk < dist(y, f (∂U ))
e degB (f, U, y) é dado pela fórmula (2.12).

Definição 2.17. Sejam (f, U, y) uma terna admissı́vel e g : Ω → V uma


função contı́nua em U e de classe C 2 em U tal que

sup kg(x) − f (x)k < dist(y, f (∂U )).


x∈U

Então, definimos
degB (f, U, y) = degB (g, U, y),
onde degB (g, U, y) é dado pela Definição 2.16.

De forma análoga ao grau topológico das ternas (f, U, y), onde f era de-
finida em um subconjunto do Rn , podemos provar uma lista de propriedades
do grau para ternas (f, U, y), onde f está definida em um subconjunto de
um espaço normado real de dimensão finita V . A seguir, veremos uma lista
com tais propriedades, onde a prova será omitida.

Proposição 2.18. As seguintes propriedades são válidas:


2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 49

1. (Normalização) Sejam V um espaço normado de dimensão n sobre R,


I : V → V a função identidade e U um subconjunto aberto e limitado
de V , então
degB (I, U, y) = 1, ∀ y ∈ U.

2. (Translação) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel, então


degB (f, U, y) = degB (f − y, U, 0).

3. (Aditividade) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel.


 Se U1 , U2 ⊆ U são
abertos e disjuntos com y ∈/ f U \ (U1 ∪ U2 ) , então
degB (f, U, y) = degB (f, U1 , y) + degB (f, U2 , y).

4. (Excisão) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel e considere um conjunto


compacto K ⊆ U tal que y ∈ / f (K). Então,
degB (f, U, y) = degB (f, U \ K, y).

5. (Invariância homotópica) Sejam V um espaço normado de dimensão n


sobre R, U um subconjunto aberto e limitado de V , H : U × [0, 1] → V
uma função contı́nua e γ : [0, 1] → V uma curva contı́nua tais que
γ(t) ∈
/ Ht (∂U ), para todo t ∈ [0, 1]. Então, degB (Ht , U, γ(t)) não
depende de t.
6. (Continuidade em relação á função f ) Seja (f, U, y) uma terna ad-
missı́vel. Então, existe  > 0 tal que, para toda função contı́nua
g : Ω → V com
sup kg(x) − f (x)k < ,
x∈U
a terna (g, U, y) é admissı́vel e
degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

7. (Invariância local) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Então, existe


uma vizinhança W de y tal que, para todo z ∈ W , degB (f, U, z) está
definido e
degB (f, U, z) = degB (f, U, y).

8. (Existência de solução) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Se


deg(f, U, y) 6= 0,
então f −1 (y) ∩ U 6= ∅.
50 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

9. (Propriedade do bordo) Sejam (f, U, y) e (g, U, y) ternas admissı́veis.


Se f (x) = g(x) para todo x ∈ ∂U , então

degB (f, U, y) = degB (g, U, y).

10. (Mudança de variável) Sejam (f, U, y) uma terna admissı́vel, g : V →


V um difeomorfismo de classe C 2 e E ⊆ V um conjunto aberto e
limitado tal que g(E) = U . Se p = g −1 (y), então (g −1 ◦ f ◦ g, E, p) é
uma terna admissı́vel e

degB (f, U, y) = degB (g −1 ◦ f ◦ g, E, p).

11. (Função oposta) Se (f, U, y) for uma terna admissı́vel, então (−f, U, −y)
será admissı́vel e

degB (−f, U − y) = (−1)n degB (f, U, y).

Aqui, n é a dimensão do espaço V que contém o domı́nio de f .

Dado um espaço normado V de dimensão finita sobre R e uma função


f : Ω → V , definida em um subconjunto Ω de V , podemos relacionar o grau
de ternas do tipo (f, U, y) com o grau de ternas que contém restrições de f
a subespaços W de V . O resultado a seguir mostra como fazer tal relação.
Este resultado será fundamental, mais tarde, para definirmos o grau em um
espaço de dimensão infinita.

Lema 2.19. Sejam V um espaço normado de dimensão n sobre R e W um


subespaço de V de dimensão m < n. Sejam Ω ⊆ V um conjunto qualquer
e U ⊆ V um conjunto aberto e limitado tal que U ⊆ Ω. Considere uma
função f : Ω → W contı́nua em U e defina g : Ω → V por g(x) = x − f (x).
Se g|Ω∩W : Ω ∩ W → W for a restrição de g em Ω ∩ W (com contradomı́nio
W ) e y ∈ W \ g(∂U ), então

degB (g, U, y) = degB (g|Ω∩W , U ∩ W, y).

Demonstração. Por simplicidade de notação, faça h = g|Ω∩W . Primeira-


mente, vamos mostrar que

g −1 (y) ∩ U = h−1 (y) ∩ U.

A inclusão h−1 (y)∩U ⊆ g −1 (y)∩U é evidente. Para mostrar a outra inclusão,


tome x ∈ g −1 (y) ∩ U . Sendo assim, g(x) = y, ou seja, x = y + f (x) ∈ W .
2.5. GRAU DE BROUWER EM ESPAÇOS NORMADOS 51

Desta forma, x ∈ U ∩ W . Portanto, y = h(x). Consequentemente, se


h−1 (y) ∩ (U ∩ W ) = ∅, então g −1 (y) ∩ U se torna igualmente vazio e este
fato implica que

degB (g, U, y) = degB (h, U ∩ W, y) = 0.

Suponha, portanto, h−1 (y) ∩ (U ∩ W ) 6= ∅ e divida o restante da demons-


tração em dois passos.
Passo 1: Suponha f de classe C 2 em U e y valor regular de h em U ∩ W .
Considere a decomposição V = W ⊕ W 0 , onde W 0 é um complemento direto
qualquer de W . Fixe uma base de V obtida juntando uma base de W com
uma base de W 0 . Para x ∈ U ∩ W , temos a seguinte matriz do operador
g 0 (x) na base que foi fixada:
 
Ax B
 ,
0(n−m)×m In−m

onde Ax é a matriz do operador h0 (x) e


 ∂f1 ∂f1 
− (x) · · · − (x)
 ∂xm+1 ∂xn 

B= .. .. 
,
 . . 
 ∂fn ∂fn 
− (x) · · · − (x)
∂xm+1 ∂xn

∂fj
com denotando a derivada da j-ésima coordenada da função f com
∂xi
relação à i-ésima coordenada do ponto x.
Concluı́mos, pela Proposição 1.6, que, para x ∈ U ∩ W ,

sgn g 0 (x) = sgn h0 (x).

Juntando os fatos de que y é valor regular de h em U ∩W e que h−1 (y)∩U =


g −1 (y) ∩ U , segue que y é valor regular de g em U . Portanto,
X X
sgn g 0 (x) = sgn h0 (x).
x∈g −1 (y)∩U x∈h−1 (y)∩U

Logo,
degB (g, U, y) = degB (h, U ∩ W, y).
52 CAPÍTULO 2. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO FINITA

Passo 2: Agora, suponha f apenas contı́nua em U . Pelo Teorema de


aproximação de Weierstrass, existe fb : Ω → W de classe C 2 em U tal que,
para todo x ∈ U ,
kfb(x) − f (x)k < dist(y, g(∂U )). (2.13)
Defina as funções gb : Ω → V e b
h : Ω ∩ W → W por

gb(x) = x − fb(x) h = gb|Ω∩W .


e b

Usando o Teorema de Sard, podemos escolher a ∈ W valor regular de b


h
tal que
ka − yk < dist(y, gb(∂U )).
Por (2.13), segue que

kb
g (x) − g(x)k < dist(y, g(∂U )).

para todo x ∈ U e, pela Definição 2.8, obtemos

degB (b
g , U, y) = degB (g, U, y) e h, U ∩ W, y) = degB (h, U ∩ W, y).
degB (b
(2.14)
Usando a Definição 2.5, segue que

degB (b
g , U, y) = degB (b
g , U, a) e h, U ∩ W, y) = degB (b
degB (b h, U ∩ W, a).
(2.15)
O Passo 1 implica que

degB (b h, U ∩ W, a).
g , U, a) = degB (b (2.16)

Concluı́mos de (2.14), (2.15) e (2.16) que

degB (g, U, y) = degB (h, U ∩ W, y).


Capı́tulo 3

Algumas aplicações do grau


de Brouwer

Vamos apresentar neste capı́tulo duas aplicações do grau de Brouwer. A


primeira é o Teorema do Ponto fixo de Brouwer. De uma forma geral, teo-
remas de ponto fixo são de grande utilidade. Por exemplo, vários problemas
de equações deferenciais podem ser transformados em problemas de ponto
fixo entre espaços de funções. Tal aplicação pode ser encontrada em [11,
Mawhin].
A segunda aplicação que veremos é o Teorema de Borsuk. Este teorema
garante, sob certas condições, que degB (f, U, y) é um número ı́mpar. Note
que, se degB (f, U, y) é um número ı́mpar, então degB (f, U, y) 6= 0. Desta
forma, juntando este resultado com a Proposição 2.9, item 8, temos garan-
tida a existência de solução para a equação f (x) = y.

3.1 Teorema do ponto fixo de Brouwer


Teorema 3.1 (Ponto fixo de Brouwer). Seja D ⊆ Rn um conjunto com-
pacto, convexo e não-vazio. Se f : D → D é contı́nua, então f tem um
ponto fixo. O mesmo continua verdadeiro se D é homeomorfo a um con-
junto compacto e convexo.

Demonstração. Primeiramente, vamos supor D = Br (0) e que f não tenha


ponto fixo no bordo de D. Defina H : D×[0, 1] → Rn por H(x, t) = x−tf (x).
Observe que:

• para x ∈ ∂D temos H(x, 1) 6= 0, pois f (x) 6= x, para todo x ∈ ∂D;

53
54CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

• para (x, t) ∈ ∂D × [0, 1) temos

kH(x, t)k = kx − tf (x)k ≥ kxk − tkf (x)k ≥ (1 − t)r > 0.

Concluı́mos que H(x, t) 6= 0, para todo x ∈ ∂D e para todo t ∈ [0, 1]. Agora,
usando a invariância homotópica, Proposição 2.9, item 5, temos

degB (I, Br (0), 0) = degB (I − f, Br (0), 0).

Pela Proposição 2.9, item 1, segue que

degB (I − f, Br (0), 0) = 1.

E, aplicando o item 8 da mesma proposição, segue que existe x ∈ Br (0) tal


que f (x) = x.
Agora, suponha D um conjunto compacto e convexo qualquer e considere
a seguinte extensão contı́nua de f (veja em [5, Deimling, pag. 6]):

(
f (x) se x ∈ D
fe(x) = P −1 P
i≥1 2−i φ i (x)
−i i
i≥1 2 φi (x)f (a ) se x ∈
/ D,

onde {a1 , a2 , · · · } é um conjunto enumerável e denso em D e

kx − ai k
 
φi (x) = max 2 − , 0 , ∀x ∈
/ D.
dist(x, D)

O próximo passo é mostrar que fe(Rn ) ⊆ D. Para x ∈ D é evidente.


Agora, note que, quando x ∈
/ D, temos

fe(x) = lim Sm ,
m→∞

onde !−1
m
X m
X
−i
Sm = 2 φi (x) 2−i φi (x)f (ai ).
i=1 i=1

Pela Proposição 1.13, para cada m, Sm ∈ convf (D), então fe(x) ∈


convf (D) para x ∈ / D. Então, fe(x) ∈ convf (D) para x ∈ / D. Sendo D
compacto, temos f (x) ∈ D para x ∈
e n
/ D. Portanto, f (R ) ⊆ D.
e
Fixe r > 0 tal que D ⊆ B r (0). Pela primeira parte da demonstação,
existe um ponto fixo x de fe em B r (0). Mas fe(x) ∈ D, portanto x = fe(x) =
f (x).
3.1. TEOREMA DO PONTO FIXO DE BROUWER 55

Finalmente, suponha D homeomorfo a um conjunto compacto e convexo


D0 ⊆ Rn e seja h : D0 → D um homeomorfismo. Pelo demonstrado no passo
anterior, sabemos que h−1 ◦ f ◦ h : D0 → D0 tem um ponto fixo. Segue que
f (h(x)) = h(x) ∈ D.

O resultado seguinte é conhecido como Teorema de Perron-Frobenius e


é uma aplicação do Teorema do ponto fixo de Brouwer.
Proposição 3.2 (Perron-Frobenius). Seja A = (aij ) uma matriz n × n tal
que aij ≥ 0 para todo i, j. Então, existem λ ≥ 0 e x 6= 0, tais que xi ≥ 0
para todo i e Ax = λx.

Demonstração. Seja
n
X
D = {x ∈ Rn : xi ≥ 0 ∀ i e xi = 1}.
i=1

Vamos mostrar que D é um conjunto compacto e convexo. Primeiro,


observe que D é um conjunto limitado. Para mostrar que D é fechado,
considere dois conjuntos
D1 = {x ∈ Rn : xi ≥ 0 ∀ i}
e
n
X
n
D2 = {x ∈ R : xi = 1}.
i=1

Note que Rn \D1 = {x ∈ Rn : ∃ i0 tal que xi0 < 0} é um conjunto aberto,


portanto D1 é um conjunto fechado. Defina a função contı́nua f : Rn → R
por
Xn
f (x) = xi .
i=1

Observe que D2 = f −1 ({1}),


então D2 é um conjunto fechado. Como D =
D1 ∩ D2 , concluı́mos que D é um conjunto fechado. Portanto, temos D
fechado e limitado no Rn , ou seja, D é compacto.
Para mostrar a convexidade de D, fixe x, y ∈ D e λ ∈ [0, 1]. Então,
λx + (1 − λ)y = (λx1 + (1 − λ)y1 , · · · , λxn + (1 − λ)yn ).
É evidente que, para cada i, λxi + (1 − λ)yi ≥ 0. Além disso,
n
X n
X n
X
λxi + (1 − λ)yi = λ xi + (1 − λ) yi = 1.
i=1 i=1 i=1
56CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

Logo, D é um conjunto convexo.


Agora, se Ax = 0 para algum x ∈ D, então, o resultado está provado
para λ = 0. Suponha Ax 6= 0 em D. Lembre que as entradas da matriz A e
as coordenadas do vetor x são não negativas, então Ax possui coordenadas
(Ax)i não negativas. Como Ax 6= 0, pelo menos uma das coordenadas (Ax)i
é positiva. Logo,
Xn
(Ax)i > 0
i=1

para todo x ∈ D. Defina uma função contı́nua f : D → Rn por

Ax
f (x) = Pn .
i=1 (Ax)i

Observe que
n
X
fi (x) = 1
i=1
e
fi (x) ≥ 0

para todo x ∈ D. Portanto,


f (D) ⊆ D.

PnPelo Teorema 3.1, existe x0 ∈ D tal que f (x0 ) = x0 . Fazendo λ =


i=1 (Ax0 )i , obtemos
Ax0 = λx0 .

3.2 Teorema de Borsuk


O objetivo desta seção é demonstrar o Teorema de Borsuk, cuja im-
portância já foi mencionada no inı́cio deste capı́tulo. Para tanto, vamos
precisar de alguns resultados preliminares.

Lema 3.3. Sejam K e M subconjuntos compactos do Rn com K ⊆ M .


Considere f : K → Rm , m > n, uma função contı́nua com 0 ∈ / f (K).
Então, existe uma função contı́nua f : M → Rm tal que f (x) = f (x), para
todo x ∈ K, e 0 ∈/ f (M ).
3.2. TEOREMA DE BORSUK 57

Demonstração. Seja  = dist(0, f (K)). Pelo Teorema de Extensão de Tietze,


existe uma função contı́nua g : Rn → Rm com g(x) = f (x) para todo x ∈ K.
Agora, pelo Teorema de Aproximação de Weierstrass, podemos tomar uma

função polinomial h : Rn → Rm tal que supx∈K kg(x) − h(x)k < . Como
4
m > n, então, para todo x ∈ Rn , h(x) é valor crı́tico de h. Usando o
Teorema de Sard, dado y ∈ h(Rn ), qualquer vizinhança de y contém valores
regulares de h, ou seja, h(Rn ) tem interior vazio no Rm . Portanto, podemos

encontrar a ∈ / h(Rn ) com kak < . Agora, defina h1 = h − a : Rn → Rm . É
4
evidente que 0 ∈ / h1 (Rn ). Além disso, para x ∈ K,

kh1 (x) − g(x)k ≤ kh1 (x) − h(x)k + kh(x) − g(x)k < .
2
Considere a seguinte função contı́nua:

h1 (x) 
se kh1 (x)k <


2kh1 (x)k 2

h2 (x) =


h1 (x) caso contrário.


Note que, para todo x, kh2 (x)k ≥ . Por outro lado, para x ∈ K, temos
2
f (x) = g(x) e
 
kh1 (x)k ≥ kg(x)k − kg(x) − h1 (x)k >  − = .
2 2
Segue que, para x ∈ K, h2 (x) = h1 (x), e portanto

kh2 (x) − f (x)k = kh1 (x) − g(x)k < .
2
Considere a função
h2 − f : K → B 2 (0),

onde B 2 (0) é a bola de centro 0 e raio . Aplicando o Teorema de Extensão
2
de Tietze, existe h3 : M → B 2 (0) tal que h3 (x) = (h2 − f )(x) para todo
x ∈ K. Afirmamos que f = h2 − h3 é a função procurada. De fato, para
x ∈ K,
f (x) = h2 (x) − h3 (x) = h2 (x) − (h2 (x) − f (x)) = f (x).
Além disso, para x ∈ M ,
  
kf (x)k ≥ kh2 (x)k − kh3 (x)k ≥ − kh3 (x)k > − = 0.
2 2 2
E assim completamos a prova.
58CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

Antes de provarmos o próximo lema, precisamos da definição a seguir.


Definição 3.4. Um conjunto D ⊆ Rn é dito simétrico se, para cada x ∈ D,
tivermos −x ∈ D. Uma função f : D → Rm é chamada função ı́mpar se
f (x) = −f (−x) para todo x ∈ D.
Lema 3.5. Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto e limitado. Suponha que 0 ∈ /D
m
e que D seja simétrico. Considere f : ∂D → R , m > n, uma função ı́mpar
e contı́nua tal que 0 ∈
/ f (∂D). Então, existe uma função contı́nua e ı́mpar
m
f : D → R tal que f (x) = f (x), para todo x ∈ ∂D, e 0 ∈ / f (D).
Observação 3.6. Note que o Lema 3.3 garante a existência de uma extensão
de f que nunca se anula. Entretanto, neste caso, queremos que tal extensão
seja ı́mpar.

Demonstração. Provaremos por indução em n. Suponha n = 1. Como


0 ∈
/ D e D é compacto, então existem a, b ∈ R, com 0 < a < b, tais que
D ⊆ [−b, −a] ∪ [a, b]. Seja

f1 = f |∂D∩[a,b] .

Desta forma, f1 é contı́nua e 0 ∈/ f1 (∂D ∩ [a, b]). Pelo Lema 3.3, f1 pode ser
estendida continuamente à uma função f2 : [a, b] → Rm , com 0 ∈ / f2 ([a, b]).
Afirmo que g : D → Rm , definida por

f2 (x) se x ∈ D ∩ [a, b]
g(x) =
−f2 (−x) se x ∈ D ∩ [−b, −a],
é a função procurada. Da forma em que está definida a função g, fica evidente
que g é contı́nua, ı́mpar e que 0 ∈
/ g(D). Falta mostrar que g|∂D = f . Para
tanto, tome x ∈ ∂D. Se x ∈ ∂D ∩ [a, b], então

g(x) = f2 (x) = f1 (x) = f (x).

Caso x ∈ ∂D ∩ [−b, −a], como f é ı́mpar, segue que

g(x) = −f2 (−x) = −f1 (−x) = −f (−x) = f (x).

Agora, suponha n > 1 e que o lema valha para n − 1. Vamos identificar


Rn−1 com o conjunto {(x1 , · · · , xn ) ∈ Rn : xn = 0}. Sejam

D+ = {x ∈ D : xn > 0} e D− = {x ∈ D : xn < 0}.

Note que
D = D+ ∪ D− ∪ ∂D ∪ (D ∩ Rn−1 ).
3.2. TEOREMA DE BORSUK 59

Seja
f1 = f |∂D∩Rn−1 .
Temos f1 contı́nua, ı́mpar e 0 ∈ / f1 (∂D ∩ Rn−1 ). Portanto, pela hipótese de
indução, f1 pode ser estendida continuamente a uma função f2 : D∩Rn−1 →
Rm , onde f2 é ı́mpar e 0 ∈ / f2 (D ∩ Rn−1 ). Defina

f2 (x), se x ∈ D ∩ Rn−1

f3 (x) =
f (x), se x ∈ ∂D.

Primeiramente, veja que f3 está bem definida. De fato, se x ∈ (D ∩ Rn−1 ) ∩


∂D = ∂D ∩ Rn−1 , temos

f2 (x) = f1 (x) = f (x).

Além disso, como f2 (x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1 e f (x) 6= 0 para todo
x ∈ ∂D, obtemos
f3 (x) 6= 0
para todo x ∈ D ∪ Rn−1 ∩ ∂D. Agora, veja que f3 é ı́mpar. De fato, se
x ∈ D ∩ Rn−1 , então −x ∈ D ∩ Rn−1 . Desta forma, f3 (x) = f2 (x) e
f3 (−x) = f2 (−x) = −f2 (x), portanto

f3 (x) = −f3 (−x).

Se x ∈ ∂D, então f3 (x) = f (x) e f3 (−x) = f (−x) = −f (x), portanto

f3 (x) = −f3 (−x).

A continunidade de f3 é evidente.
b = D \ D− , ou seja,
Seja D
b = (D ∩ Rn−1 ) ∪ D+ ∪ ∂D.
D

Desta forma, temos que Db é um conjunto compacto e, pelo Lema 3.3, f3 pode
b → Rm , com 0 ∈
ser estendida continuamente a uma função f4 : D / f4 (D).
b
Finalmente, defina
(
f4 (x) se x ∈ Db
g(x) =
−f4 (−x) se x ∈ D \ D b = D− .

É evidente que 0 ∈ / g(D). Note que, se x ∈ ∂D, então x ∈ D,


b portanto
g(x) = f4 (x) = f3 (x) = f (x). Logo,

g|∂D=f .
60CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

Agora, para mostrar que g é ı́mpar, observe que se x ∈ D ∩ Rn−1 , então


−x ∈ D ∩Rn−1 , portanto g(x) = f4 (x) = f3 (x) e g(−x) = f4 (−x) = f3 (−x).
Assim,
g(x) = −g(−x).
Se x ∈ ∂D, então −x ∈ ∂D, portanto g(x) = f4 (x) = f3 (x) = f (x) e
g(−x) = f4 (−x) = f3 (−x) = f (−x). Logo,

g(x) = −g(−x).

Se x ∈ D+ , então g(x) = f4 (x) e g(−x) = −f4 (x). Logo,

g(x) = −g(−x).

Se x ∈ D− , então g(x) = −f4 (−x) e g(−x) = f4 (−x). Logo,

g(x) = −g(−x).

Falta mostrar que g é contı́nua. Se x0 ∈ D+ ∪ D− , então a continuidade


em x0 será evidente. Para x0 ∈ ∂D ∪ (D ∩ Rn−1 ), considere uma sequência
(xr ) ⊆ D tal que
x0 = lim xr .
r→∞

Temos dois casos para analisar:

(i) (xr ) possui uma subsequência (xrk ) tal que xrk ∈ D


b para todo rk ;

(ii) (xr ) possui uma subsequência (e erk ∈


xrk ) tal que x /Db para todo rk , isto
é, −e
xrk ∈ D+ para todo rk .

No caso (i), temos

lim g(xrk ) = lim f4 (xrk ) = f4 (x0 ) = g(x0 ).


rk →∞ rk →∞

No caso (ii), temos

xrk ) = lim −f4 (−e


lim g(e xrk ) = − lim f4 (−e
xrk ) = −f4 (−x0 ) = g(x0 ).
rk →∞ rk →∞ rk →∞

Desta forma, concluı́mos que g é contı́nua.

Agora veremos o último lema antes do principal resultado desta seção.


Observe que, no lema a seguir, a função f tem domı́nio e contradomı́nio de
mesma dimensão.
3.2. TEOREMA DE BORSUK 61

Lema 3.7. Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto, limitado e simétrico tal que


/ D. Seja f : ∂D → Rn contı́nua e ı́mpar tal que 0 ∈
0 ∈ / f (∂D). Então,
existe uma função g : D → Rn contı́nua e ı́mpar tal que g(x) = f (x) para
todo x ∈ ∂D e g(x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1 .

Demonstração. Vamos identificar o Rn−1 com o conjunto {(x1 , · · · , xn ) ∈


Rn : xn = 0}. Considere os conjuntos

Rn+ = {x ∈ Rn : xn > 0} e Rn− = {x ∈ Rn : xn < 0}.

Seja
f1 = f |∂D∩Rn−1 = f |∂(D∩Rn−1 ) .
Como f1 é contı́nua, ı́mpar e 0 ∈ / f1 (∂(D ∩ Rn−1 )), então, pelo Lema 3.5,
existe uma função f2 : D ∩ R n−1 → Rn contı́nua, ı́mpar tal que 0 ∈/ f2 (D ∩
R n−1 ) e f2 |∂(D∩Rn−1 ) = f1 .
Defina f3 : (D ∩ Rn−1 ) ∪ ∂D → Rn por

f2 (x), se x ∈ D ∩ Rn−1

f3 (x) =
f (x), se x ∈ ∂D.

Note que f3 está bem definida. De fato, se x ∈ ∂D ∩ (D ∩ Rn−1 ), então


x ∈ ∂D ∩ Rn−1 e, portanto,

f2 (x) = f1 (x) = f (x).

/ f3 (D∩Rn−1 ). Como f3 é contı́nua


Além disso, é evidente que f3 é ı́mpar e 0 ∈
nos conjuntos ∂D e D ∩ R n−1 , então f3 é contı́nua. Sendo o compacto
∂D ∪(D ∩R n−1 ) um subconjunto do compacto ∂D ∪(D ∩Rn−1 )∪(D ∩Rn+ ) =
D,
b segue, pela Proposição 1.15, que existe uma função f4 : D b → Rn contı́nua
tal que f4 |∂D∪(D∩Rn−1 ) = f3 .
Finalmente, defina g : D → Rn por
(
f4 (x), se x∈D b
g(x) =
−f4 (−x), se x ∈ D \ D.
b

Com argumento análogo ao usado na demonstração do Lema 3.5, prova-se


que g é contı́nua e ı́mpar. Além disso, como

g|D∩Rn−1 = f4 |D∩Rn−1 = f3 |D∩Rn−1 = f2 ,

então g(x) 6= 0 para todo x ∈ D ∩ Rn−1 .


62CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

Finalmente, podemos provar o principal resultado desta seção.


Teorema 3.8 (Teorema de Borsuk). Seja D ⊆ Rn um conjunto aberto,
/ D. Seja f : D → Rn uma função contı́nua
limitado e simétrico tal que 0 ∈
tal que 0 ∈
/ f (∂D) e assuma que
f (x) f (−x)
6= (3.1)
kf (x)k kf (−x)k
para todo x ∈ ∂D. Então,
degB (f, D, 0)
é um número ı́mpar.

Demonstração. A demosntração será dividida em quatro passos.


Passo 1: Vamos mostrar que podemos assumir, sem perda de generali-
dade, que f é uma função ı́mpar. De fato, seja g : D → Rn uma função
definida por
g(x) = f (x) − f (−x).
É evidente que g é contı́nua e ı́mpar. Além disso, por (3.1), 0 ∈
/ g(∂D) e,
para todo x ∈ ∂D,
g(x) f (x) − f (−x) f (−x) − f (x) g(−x)
= 6= = .
kg(x)k kf (x) − f (−x)k kf (x) − f (−x)k kg(−x)k

Considere a homotopia contı́nua H : D × [0, 1] → Rn definida por


H(x, t) = f (x) − tf (−x).
Se H(x, t) = 0 para algum x ∈ ∂D e para algum t ∈ [0, 1], então f (x) =
f (x) f (−x)
tf (−x). Desta forma, temos = , o que é uma contradição
kf (x)k kf (−x)k
com (3.1). Portanto, H(x, t) 6= 0 para todo x ∈ ∂D e para todo t ∈ [0, 1].
Segue, pela Proposição 2.9, item 5, que
degB (f, D, 0) = degB (g, D, 0).
A partir de agora, podemos assumir que f é uma função ı́mpar.
Passo 2: Vamos mostrar que podemos assumir, sem perda de generali-
dade, que numa vizinhança do 0, f coincide com a função identidade. Para
tanto, considere  > 0 tal que B  (0) ⊆ D e seja D1 = D \ B  (0). Defina
f1 : B  (0) ∪ ∂D → Rn por

x, se x ∈ B  (0)
f1 (x) =
f (x), se x ∈ ∂D.
3.2. TEOREMA DE BORSUK 63

Temos f1 contı́nua, ı́mpar e ∂D1 = ∂D ∪ ∂B (0). Seja

f2 = f1 |∂D1 .

Como 0 ∈ / f2 (∂D1 ), pelo Lema 3.7, existe f3 : D1 → Rn tal que f3 é contı́nua,


ı́mpar, f3 |∂D1 = f2 e f3 (x) 6= 0 para todo x ∈ D1 ∩ Rn−1 . Agora, defina
f4 : D1 ∪ B  (0) → Rn por

f3 (x), se x ∈ D1
f4 (x) =
x, se x ∈ B  (0).

Note que f4 está bem definida, pois se x ∈ B  (0) ∩ D1 = B  (0) ∩ D, então


x ∈ ∂B (0) e
f3 (x) = f2 (x) = x.
É fácil ver que f4 é ı́mpar e contı́nua. Além disso, para todo x ∈ ∂D, temos
x ∈ ∂D1 e
f4 (x) = f3 (x) = f2 (x) = f1 (x) = f (x).
Portanto, 0 ∈
/ f4 (∂D) e

degB (f4 , D, 0) = degB (f, D, 0).

Segue também que, para todo x ∈ ∂D,


f4 (x) f4 (−x)
6= .
kf4 (x)k kf4 (−x)k

Passo 3: Vamos provar que degB (f3 , D1 , 0) é um número par. Para isso,
seja K = D1 ∩ Rn−1 . Note que 0 ∈ / f3 (K) e que K é um conjunto compacto
contido em D1 . Pela Proposição 2.9, item 4, temos

degB (f3 , D1 , 0) = degB (f3 , D1 \ K, 0) = degB (f3 , D1+ ∪ D1− , 0),

onde D1+ = D1 ∩ Rn+ e D1− = D1 ∩ Rn− . Aplicando a Proposição 2.9, item 3,


segue que

degB (f3 , D1 , 0) = degB (f3 , D1+ , 0) + degB (f3 , D1− , 0).

O item 10 da mesma proposição, implica

degB (f3 , D1− , 0) = degB ((−I) ◦ f3 ◦ (−I), −I(D1− ), −I(0)) = degB (f3 , D1+ , 0),

onde I é a função identidade. Concluı́mos que

degB (f3 , D1 , 0) = 2 degB (f3 , D1+ , 0).


64CAPÍTULO 3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO GRAU DE BROUWER

Passo 4: Finalmente, vamos concluir que degB (f, D, 0) é um número


ı́mpar. Já vimos que f |∂D = f4 |∂D , f4 |B (0) = I, f4 |D1 = f3 |D1 e D \B  (0) =
D1 . Então, aplicando a Proposição 2.9, itens 1, 3 e 4 temos

degB (f, D, 0) = degB (f4 , D, 0)

= degB (f4 , B (0), 0) + degB (f4 , D \ ∂B (0), 0)

= 1 + degB (f4 , D \ ∂B (0), 0)

= 1 + degB (f3 , D1 , 0)

= 1 + 2 degB (f3 , D1+ , 0).


Capı́tulo 4

Grau topológico em
dimensão infinita

4.1 Introdução ao grau de Leray-Schauder


Schauder identificou uma importante classe de operadores não lineares
em espaços de Banach, as perturbações completamente contı́nuas da identi-
dade (I − T ), para a qual ele pôde generalizar dois importantes resultados
de Brouwer em dimensão finita: os teoremas de ponto fixo e invariância
do domı́nio ([14]-[18]). Além disso, junto com Leray, ele estendeu o grau de
Brouwer às perturbações completamente contı́nuas da identidade em espaços
de Banach como veremos neste capı́tulo ([9]).
Considere um espaço de Banach E e um subconjunto qualquer Ω de E.
Seja ∆ o conjunto das ternas (f, U, y), onde U ⊆ E é aberto e limitado,
U ⊆ Ω, f : Ω → E é contı́nua em U e y ∈ E \ f (∂U ). Queremos definir uma
função d : ∆ → Z esperando que satisfaça as seguintes propriedades:

(i) d(I, U, y) = 1 para todo y ∈ U , onde I é função identidade em E;

(ii) d(f, U, y) 6= 0 implica f −1 (y) ∩ U 6= ∅;

(iii) d(Ht , U, y) não depende de t, onde Ht : U ×[0, 1] → E é uma homotopia


contı́nua com y ∈ / Ht (∂U ).

Quando E é um espaço de dimensão finita, definimos o grau de Brouwer


satisfazendo as propriedades acima, com f apenas contı́nua em U . Entre-
tanto, se E for um espaço de dimensão infinita, veremos que não basta que
f seja contı́nua.

65
66 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

O exemplo a seguir, creditado a Leray, pode ser encontrado em [6, Fon-


seca & Gangbo, pag. 172].
Exemplo 4.1 (Leray). Seja E o espaço das funções contı́nuas x : [0, 1] → R
e, para x ∈ E,
kxk = max |x(s)|.
s∈[0,1]

Considere x0 ∈ E definida por


1
x0 (s) = , s ∈ [0, 1]
2
e seja U ⊆ E dado por
 
1
U= x ∈ E : kx − x0 k < .
2
Então, existe y ∈ E tal que, para qualquer função d : ∆ → Z, d(·, U, y) não
satisfaz pelo menos uma das propriedades (i), (ii) e (iii). Para provarmos
tal afirmação, assuma, por contradição, que d satisfaça as três propriedades.
Seja γ : [0, 1] → [0, 1] a função contı́nua dada por
1


 s 0≤s≤



 2


1 5

γ(s) = 1−s ≤s≤


 2 8


 5 (s − 1) + 1 5 ≤ s ≤ 1



3 8
e defina f : U → E por
f (x) = γ ◦ x.
Como γ([0, 1]) = [0, 1], então f (U ) ⊆ U . Defina Ht : U × [0, 1] → E por

Ht (x) = tx + (1 − t)f (x).

É evidente que
1
kHt (x) − x0 k ≤ . (4.1)
2
Afirmação 1. Ht (∂U ) ⊆ ∂U para todo t ∈ [0, 1].
De fato, fixe t ∈ [0, 1] e x ∈ ∂U . Então,
1
kx − x0 k = ,
2
4.1. INTRODUÇÃO AO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 67

portanto
1
|x(s0 ) − x0 (s0 )| = ,
2
para algum s0 ∈ [0, 1]. Desta forma, s0 ∈ {0, 1}, segue que Ht (x)(s0 ) ∈
{0, 1}. Sendo assim,
1
|Ht (x)(s0 ) − x0 (s0 )| = .
2
Por (4.1),
1
kHt (x) − x0 k = ,
2
ou seja, Ht (x) ∈ ∂U .
Seja y ∈ E definida por
1 1
y(s) = + s.
4 2
Então,
1
ky − x0 k =
4
e, portanto, y ∈ / ∂U . Pela afirmação 1, para todo t ∈ [0, 1], temos y ∈ /
Ht (∂U ) e, desta forma, d(Ht , U, y) está bem definido. Usando as proprieda-
des (i) e (ii),
d(f, U, y) = d(I, U, y) = 1
e, pela propriedade (iii), existe x ∈ U tal que y = f (x) = γ ◦ x.
Afirmação 2. A equação x(s) = 21 admite exatamente uma solução.
De fato,
1 1 1
= y(0) ⇒ = γ ◦ x(0) ⇒ x(0) =
4 4 4
e
3 3 17
= y(1) ⇒ = γ ◦ x(1) ⇒ x(1) = .
4 4 20
1
Pela continuidade de x, x(s) = 2 admite pelo menos uma solução. Além
disso,
 
1 1 1 1 1
x(s) = ⇒ γ(x(s)) = γ = ⇒ y(s) = ⇒ s = ,
2 2 2 2 2

portanto s = 12 é a única solução da equação x(s) = 21 . A afirmação 2, junto


com a continuidade de x, implica que
 
1 1
x(s) > para todo t ∈ ,1
2 2
68 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

ou  
1 1
x(s) < para todo t ∈ ,1 .
2 2
1
para todo s ∈ 12 , 1 . Então, para qualquer s ∈ 1
 
Suponha x(s) < 2 2, 1 ,
temos
1 1 1 1 1 1
x(s) < ⇒ γ ◦ x(s) < ⇒ y(s) < ⇒ + = y(1) < ,
2 2 2 2 4 2
Concluı́mos que x(s) > 12 para todo s ∈ 12 , 1.

que é uma contradição.
1 1 1 1

Agora, como
1 5
 x 2 = 2 , existe  > 0 tal que, para todo s ∈ 2 , 2 +  ,
x(s) ∈ 2 , 8 . Sendo assim,
      
5 1 3 1
γ ◦ x(s) ∈ γ ,γ = , .
8 2 8 2
1 1
Lembrando que y(s) = γ ◦ x(s) = + s é crescente, obtemos uma con-
4 2
tradição.
Logo, pelo menos uma das propriedades (i), (ii) e (iii) não é verificada
por d(·, U, y).

4.2 Grau de Leray-Schauder


Antes de definirmos o grau de Leray-Schauder, vamos precisar de alguns
resultados e noções preliminares.
Definição 4.2. Sejam E e F dois espaços de Banach e M ⊆ E um conjunto
qualquer. Dizemos que a função T : M → F é completamente contı́nua se

(i) T é contı́nua;

(ii) T (A) é um conjunto compacto para todo A ⊆ M limitado.

Se, além das propriedades (i) e (ii), tivermos T (M ) compacto, dizemos que
T é uma função compacta.
Definição 4.3 (Terna admissı́vel para o grau de Leray-Schauder). Sejam E
um espaço de Banach, Ω ⊆ E um conjunto qualquer e U ⊆ E um conjunto
aberto e limitado tal que U ⊆ Ω. Considere uma função completamente
contı́nua T : Ω → E. Se f : Ω → E é definida por f (x) = x − T (x) e
y ∈ E \ f (∂U ), então dizemos que (f, U, y) é uma terna admissı́vel para o
grau de Leray-Schauder.
4.2. GRAU DE LERAY-SCHAUDER 69

Neste capı́tulo, sempre que não houver ambiguidade, se uma terna (f, U, y)
for admissı́vel para o grau de Leray-Schauder, vamos dizer apenas que
(f, U, y) é admissı́vel.
Os resultados que serão apresentados a seguir servirão de base para de-
finirmos o grau de Leray-Schauder.

Definição 4.4. Sejam E e F dois espaços de Banach e M ⊆ E um conjunto


qualquer. Dizemos que a função T : M → F tem dimensão finita se T (M )
está contido num subespaço de F de dimensão finita.

Lema 4.5. Sejam E e F dois espaços de Banach. Assuma que M ⊆ E


seja um conjunto limitado e considere uma função compacta T : M → F .
Então, para todo  > 0, existe T : M → F de dimensão finita tal que
kT (x) − T (x)kF <  para todo x ∈ M , onde k · kF denota a norma em F .

Demonstração. Sendo T uma função compacta, segue que T (M ) é um con-


junto compacto. Fixando  > 0, como
[
T (M ) ⊆ B (p),
p∈T (M )

então existem pontos p1 , · · · , pk ∈ T (M ) tais que


k
[
T (M ) ⊆ B (pi ).
i=1

Defina, para cada 1 ≤ i ≤ k e para x ∈ M ,

mi (x) = max{0,  − kT (x) − pi kF }

e
mi (x)
θi (x) = Pk .
j=1 mj (x)

Afirmo que, para cada i, θi : M → R está bem definida e é contı́nua.


De fato, é evidente que mi é contı́nua e, dado x ∈ M , existe j ∈ {1, · · · , k}
tal que T (x) ∈ B (pj ). Então, kT (x) − pj kF <  e, consequentemente,
mj (x) > 0. Segue que
Xk
ms (x) > 0,
s=1

e, portanto, para cada i, θi está bem definida e é contı́nua.


70 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

Agora defina
k
X
T (x) = θj (x)pj
j=1

e observe que
k
X
θj (x) = 1.
j=1

Daı́,
k
X k
X k
X
T (x) − T (x) = θj (x)T (x) − θj (x)pj = θj (x)[T (x) − pj ].
j=1 j=1 j=1

Logo,
k
X
kT (x) − T (x)kF ≤ θj (x)kT (x) − pj kF < .
j=1

O seguinte corolário é imediato.


Corolário 4.6. Sejam E um espaço de Banach e K ⊆ E um conjunto
compacto. Para todo  > 0, existe um subespaço de dimensão finita V ⊆ E
e uma função contı́nua g : K → F tal que, para todo x ∈ K, kx−g (x)k < .
Lema 4.7. Sejam E um espaço de Banach e U ⊆ E um conjunto aberto e
limitado. Considere uma função compacta T : U → E e defina f : U → E
por f (x) = x − T (x). Então:

(i) f é uma função própria em U ;

(ii) f é uma função fechada.

Demonstração. (i) - Sejam K ⊆ E um conjunto compacto com f −1 (K) ∩


U 6= ∅ e (xn ) ⊆ f −1 (K) ∩ U uma sequência. Pela compacidade do conjunto
K, existe uma subsequência (xnp ) ⊆ (xn ) tal que

lim f (xnp ) = z ∈ K.
p→∞

Agora, como T é compacta, existe uma subsequência (xnpi ) ⊆ (xnp ) tal


que
lim T (xnpi ) = w ∈ E.
i→∞
4.2. GRAU DE LERAY-SCHAUDER 71

Sendo f = I − T , segue que

lim xnpi = lim f (xnpi ) + lim T (xnpi ) = z + w.


i→∞ i→∞ i→∞

Como f é contı́nua, então f (z + w) = z ∈ K, ou seja, z + w ∈ f −1 (K).


Além disso, sendo U um conjunto fechado, temos z + w ∈ U . Portanto,
z + w ∈ f −1 (K) ∩ U . Logo, f −1 (K) ∩ U é compacto.
(ii) - Este resultado é imediato pela Proposição 1.22.

O próximo lema é de grande importância para a construção do grau


de Leray-Schauder, pois nos mostra que, quando tivermos uma perturbação
completamente contı́nua da identidade I−T , aproximando T por uma função
de dimensão finita, poderemos construir o grau de Leray-Schauder a partir
do grau de Brouwer.
Lema 4.8. Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Tome T1 , T2 : U → E duas
funções de dimensão finita tais que, para todo x ∈ U ,

kT1 (x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )) e kT2 (x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),

onde T = I − f . Considere o seguinte:

• S1 = span {T1 (U ) ∪ {y}}, S2 = span {T2 (U ) ∪ {y}} e S = S1 + S2 ;

• U1 = U ∩ S1 e U2 = U ∩ S2 ;

• f1 : U ∩ S → S e f2 : U ∩ S → S as funções definidas por

f1 (x) = x − T1 (x) e f2 (x) = x − T2 (x).

Então, as ternas (f1 |U 1 , U1 , y) e (f2 |U 2 , U2 , y) são admissı́veis para o grau


de Brouwer e
degB (f1 |U 1 , U1 , y) = degB (f2 |U 2 , U2 , y).
Observação 4.9. Na última igualdade, f1 |U 1 tem S1 como contradomı́nio
e f2 |U 2 tem S2 como contradomı́nio.

Demonstração. Para i = 1, 2, seja ∂Ui o bordo de Ui em Si . Note que


∂Ui ⊆ ∂U . Tomando x ∈ ∂Ui e supondo fi (x) = y, segue que

ky − f (x)k = kfi (x) − f (x)k = kTi (x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )).

Portanto, temos uma contradição. Desta forma, para cada i = 1, 2, y ∈ /


fi (∂Ui ) e (fi |U i , Ui , y) é uma terna admissı́vel para o grau de Brouwer.
72 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

Sabendo que S = S1 + S2 e usando o Lema 2.19, podemos escrever

degB (f1 , U ∩ S, y) = degB (f1 |U 1 , U1 , y)

e
degB (f2 , U ∩ S, y) = degB (f2 |U 2 , U2 , y).

Considere, para x ∈ U ∩ S e λ ∈ [0, 1], a seguinte homotopia contı́nua

H(x, λ) = λf1 (x) − (1 − λ)f2 (x).

Agora, fixe x ∈ U ∩ S e λ ∈ [0, 1]. Daı́,

kH(x, λ) − f (x)k = kλf1 (x) + (1 − λ)f2 (x) − λf (x) − (1 − λ)f (x)k.

Portanto

kH(x, λ) − f (x)k = kλ(f1 (x) − f (x)) + (1 − λ)(f2 (x) − f (x))k.

Pela desigualdade triangular da norma,

kH(x, λ) − f (x)k ≤ λkf1 (x) − f (x)k + (1 − λ)kf2 (x) − f (x)k.

Segue que

kH(x, λ) − f (x)k ≤ λdist(y, f (∂U )) + (1 − λ)dist(y, f (∂U )).

Logo,
kH(x, λ) − f (x)k < dist(y, f (∂U )).
Esta última desigualdade nos permite concluir que H(x, λ) 6= y para todo
x ∈ ∂(U ∩ S) e para todo λ ∈ [0, 1]. Podemos, desta forma, aplicar a
Proposição 2.18, item 5 e deduzir que

degB (f1 , U ∩ S, y) = degB (f2 , U ∩ S, y).

Portanto,
degB (f1 |U 1 , U1 , y) = degB (f2 |U 2 , U2 , y).

Finalmente, podemos definir o grau de Leray-Schauder.


4.3. PROPRIEDADES DO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 73

Definição 4.10 (Grau de Leray-Schauder). Sejam (f, U, y) uma terna ad-


missı́vel e Tb : U → E uma função de dimensão finita tal que, para todo
x ∈ U,
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),
onde T = I − f . Defina fb : U → E por fb(x) = x − Tb(x). Se S ⊆ E é
um espaço vetorial de dimensão finita tal que y ∈ S e Tb(U ) ⊆ S, então
definimos o grau de Leray-Schauder de (f, U, y) por
degLS (f, U, y) = degB (fb|U ∩S , U ∩ S, y).

4.3 Propriedades do grau de Leray-Schauder


Com as exceções das propriedades 10 e 11 da Proposição 2.18, as propri-
edades apresentadas a seguir são análogas às vistas para o grau de Brouwer.
Proposição 4.11. As seguintes propriedades são válidas:
1. (Normalização) Sejam E um espaço de Banach, I : E → E a função
identidade e U um subconjunto aberto e limitado de E, então, para
todo y ∈ U ,
degLS (I, U, y) = 1.

2. (Translação) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel, então (f − y, U, 0) é


admissı́vel e
degLS (f, U, y) = degLS (f − y, U, 0).

3. (Aditividade) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Se U1 , U2 ⊆ U são


abertos e disjuntos com y ∈
/ f (U \(U1 ∪U2 )), então (f, U1 , y) e (f, U2 , y)
são admissı́veis e
degLS (f, U, y) = degLS (f, U1 , y) + degLS (f, U2 , y).

4. (Excisão) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel e considere um conjunto


compacto K ⊆ U tal que y ∈ / f (K). Então, (f, U \ K, y) é admissı́vel
degLS (f, U, y) = degLS (f, U \ K, y).

5. (Continuidade em relação à função T ) Seja (f, U, y) uma terna ad-


missı́vel. Então, sendo T = I − f , existe  > 0 tal que, para toda
função compacta P : U → E com
sup kP (x) − T (x)k < ,
x∈U
74 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

a terna (I − P, U, y) é admissı́vel e

degLS (I − P, U, y) = degLS (f, U, y).

6. (Invariância homotópica) Sejam E um espaço de Banach e U ⊆ E um


conjunto aberto e limitado. Considere y ∈ E e uma função compacta
F : U × [0, 1] → E tais que x − F (x, t) 6= y para todo x ∈ ∂U e para
todo t ∈ [0, 1]. Então,

degLS (I − F (·, t), U, y)

não depende de t.

7. (Invariância local) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Então, existe


uma vizinhança V de y tal que, para todo z ∈ V , degLS (f, U, z) está
definido e
degLS (f, U, z) = degLS (f, U, y).

8. (Existência de solução) Seja (f, U, y) uma terna admissı́vel. Se

degLS (f, U, y) 6= 0,

então existe x ∈ U tal que f (x) = y.

9. (Propriedade do bordo) Sejam (f, U, y) e (g, U, y) duas ternas ad-


missı́veis tais que f |∂U = g|∂U . Então,

degLS (f, U, y) = degLS (g, U, y).

Demonstração. 1 - Seja S = span {y}. Segue, da Definição 4.10, que

degLS (I, U, y) = degB (I|U ∩S , U ∩ S, y).

Como y ∈ U , então y ∈ U ∩ S, portanto, pela Proposição 2.18, item 1,

degLS (I, U, y) = degB (I|E∩S , U ∩ S, y) = 1.

2 - Para x ∈ ∂U , sabemos, por hipótese, que f (x) 6= y, portanto f (x) −


y 6= 0. Logo, (f − y, U, 0) é admissı́vel.
Agora, tome Tb : U → E uma função de dimensão finita tal que, para
todo x ∈ U ,
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),
4.3. PROPRIEDADES DO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 75

onde T = I − f . Seja S = span {Tb(U ) ∪ {y}}. Segue que

degLS (f, U, y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y). (4.2)

Veja que, para todo x ∈ U ,

k(Tb + y)(x) − (T + y)(x)k = kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),

ou seja,
k(Tb + y)(x) − (T + y)(x)k < dist(0, (f − y)(∂U )).
Podemos, pela Definição 4.10, concluir que

degLS (f − y, U, 0) = degB ((I − Tb − y)|U ∩S , U ∩ S, 0). (4.3)

Pela Proposição 2.18, item 2,

degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y) = degB ((I − Tb − y)|U ∩S , U ∩ S, 0).

Sendo assim, por (4.2) e (4.3),

degLS (f, U, y) = degLS (f − y, U, 0).

3 - Note que ∂U1 ⊆ U \ (U1 ∪ U2 ), portanto para x ∈ ∂U1 , f (x) 6= y.


Logo, (f, U1 , y) é admissı́vel. De forma análoga, (f, U2 , y) é admissı́vel.
Considere uma função de dimensão finita Tb : U → E tal que, para todo
x ∈ U,
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U1 ))
e
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U2 )),
onde T = I − f . Seja S = span {Tb(U ) ∪ {y}}. Segue, da Definição 4.10, que

degLS (f, U, y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y),

degLS (f, U1 , y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U1 ∩ S, y)


e
degLS (f, U2 , y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U2 ∩ S, y).
Pela Proposição 2.18, item 3, concluı́mos que

degLS (f, U, y) = degLS (f, U1 , y) + degLS (f, U2 , y).


76 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

4 - Como y ∈ / f (∂U ) e y ∈
/ f (K), então y ∈ / f (∂(U \ K)). Portanto,
(f, U \ K, y) é admissı́vel.
Considere uma função de dimensão finita Tb : U → E tal que, para todo
x ∈ U,
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),
onde T = I − f . Seja S = span {Tb(U ) ∪ {y}}. Pela Definição 4.10,temos

degLS (f, U, y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y)

e
degLS (f, U \ K, y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , (U \ K) ∩ S, y).
Pela Proposição 2.18, item 4, temos

degB ((I − Tb)|Ω∩S , U ∩ S, y) = degB ((I − Tb)|Ω∩S , (U \ K) ∩ S, y).

Logo,
degLS (f, U, y) = degLS (f, U \ K, y).
5 - Faça r = dist(y, f (∂U )) e fixe P : U → E uma função compacta com
r
sup kP (x) − T (x)k < .
x∈U 2

Defina g = I − P . Para mostrar que (g, U, y) é uma terna admissı́vel,


basta provar que y ∈
/ g(∂U ). Para tanto, fixe x ∈ ∂U . Segue que

ky − g(x)k = ky − f (x) + f (x) − g(x)k ≥ ky − f (x)k − kf (x) − g(x)k,

portanto
r
ky − g(x)k ≥ ky − f (x)k − kP (x) − T (x)k ≥ .
2
Logo, y ∈
/ g(∂U ).
Agora, sejam T1 , P1 : U → E duas funções de dimensão finita tais que,
para todo x ∈ U ,
r
kT (x) − T1 (x)k ≤ r e kP (x) − P1 (x)k ≤ .
2

Fazendo f1 = I − T1 , g1 = I − P1 , S = span {T1 (U ) ∪ P1 (U ) ∪ {y}} e


usando a definição do grau de Leray-Schauder, temos

degLS (f, U, y) = degB (f1 |U ∩S , U ∩ S, y)


4.3. PROPRIEDADES DO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 77

e
degLS (g, U, y) = degB (g1 |U ∩S , U ∩ S, y).
Seja W = U ∩ S e defina a seguinte homotopia:

H : W × [0, 1] → S
(x, t) 7→ H(x, t) = tf1 |U ∩S (x) + (1 − t)g1 |U ∩S (x).

Afirmo que y ∈
/ H(∂W × [0, 1]). De fato, tome (x, t) ∈ ∂W × [0, 1].
Então,

kH(x, t) − f (x)k = ktf1 |U ∩S (x) + (1 − t)g1 |U ∩S (x) − tf (x) − (1 − t)f (x)k,

portanto

kH(x, t) − f (x)k ≤ tkf1 |U ∩S (x) − f (x)k + (1 − t)kg1 |U ∩S (x) − f (x)k

≤ tkf1 |U ∩S (x) − f (x)k + (1 − t)(kg1 |U ∩S (x) − g(x)k + kg(x) − f (x)k).


Segue que
r r
kH(x, t) − f (x)k ≤ tr + (1 − t) + = r.
2 2
Sendo ∂W = ∂(U ∩ S) = ∂U ∩ S, concluı́mos que y ∈ / H(∂W × [0, 1]).
Desta forma, podemos usar a Proposição 2.18, item 5. Assim temos

degB (f1 |U ∩S , U ∩ S, y) = degB (g1 |U ∩S , U ∩ S, y).

Logo,
degLS (f, U, y) = degLS (g, U, y).
6 - Faça, para todo t ∈ [0, 1], H(·, t) = I − F (·, t) e r = dist(y, H(∂U ×
[0, 1])). Vamos mostrar que r > 0. Para tanto, defina a função

b : U × [0, 1] → E × R
H
(x, t) 7→ H(x,
b t) = (x, t) − (F (x, t), t),

ou seja,
H(x, t) = (x − F (x, t), 0).
Agora, defina Fb : U × [0, 1] → E × R por

Fb(x, t) = (F (x, t), t).


78 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

Segue que
b = I − Fb.
H
Afirmo que Fb é compacta. De fato, primeiramente, como F é contı́nua,
então Fb é contı́nua. Tome, agora, uma sequência (xn , tn ) ⊆ U ×[0, 1]. Como
[0, 1] é compacto, existe uma subsequência (tnj ) ⊆ (tn ) tal que

lim tnj = t0 ∈ [0, 1].


j→∞

Pela compacidade da função F , existe uma subsequência (xnjk , tnjk ) ⊆


(xn , tnj ) tal que
lim F (xnjk , tnjk ) = y0 ∈ E.
k→∞

Logo,

lim Fb(xnjk , tnjk ) = lim (F (xnjk , tnjk ), tnjk ) = (y0 , t0 ).


k→∞ k→∞

Portanto, Fb é uma função compacta.


Usando o Lema 4.7, segue que H(∂U b × [0, 1]) é um conjunto fechado,
ou seja, H(∂U × [0, 1], 0) é um conjunto fechado em E × R, o que implica
H(∂U × [0, 1]) é um fechado em E. Como y ∈ / H(∂U × [0, 1]), podemos
concluir que r > 0.
Defina K = F (U × [0, 1]) ⊆ E. Pelo Lema 4.6, existe um subespaço de
dimensão finita S r2 ⊆ E e uma função contı́nua g r2 : K → S r2 verificando,
para todo x ∈ K,
r
kx − g r2 (x)k < .
2
Seja H1 : U × [0, 1] → E definida por

H1 (x, t) = x − g r2 (F (x, t)).

Veja que, para todo x ∈ U e para todo t ∈ [0, 1],

kH(x, t) − H1 (x, t)k = kx − F (x, t) − x + g r2 (F (x, t))k,

portanto
r
kH(x, t) − H1 (x, t)k = kF (x, t) − g r2 (F (x, t))k < .
2
Segue, para todo t ∈ [0, 1], que
r
sup kH(x, t) − H1 (x, t)k < .
x∈U 2
4.3. PROPRIEDADES DO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 79

Daı́, aplicando o item 5 acima, temos, para todo t ∈ [0, 1],

degLS (H(·, t), U, y) = degLS (H1 (·, t), U, y).

Seja S ⊆ E um subespaço de dimensão finita contendo g r2 (F (U × [0, 1]))


e y. Aplicando a definição do grau de Leray-Schauder, podemos concluir
que, para todo t ∈ [0, 1],

degLS (H1 (·, t), U, y) = degLS (H1 (·, t)|Ω∩S , U ∩ S, y).

Finalmente, usando a Proposição 2.18, item 5, concluı́mos que

degLS (H(·, t), U, y)

não depende de t.
7 - Considere uma função de dimensão finita Tb : U → E tal que, para
todo x ∈ U ,
kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )),
onde T = I − f . Seja S = span {Tb(U ) ∪ {y}}. Segue que

degLS (f, U, y) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y).

Pela Proposição 2.18, item 7, sabemos que existe uma vizinhança V de y,


tal que, para todo z ∈ V , degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, z) está definido e

degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, z) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, y).

Por outro lado, a Definição 4.10 implica que

degLS (f, U, z) = degB ((I − Tb)|U ∩S , U ∩ S, z).

Logo,
degLS (f, U, y) = degLS (f, U, z).
1
8 - Para todo n > , existe Tn : U → E de dimensão finita
dist(y, f (∂U ))
tal que
1
kTn (x) − T (x)k <
n
para todo x ∈ U , onde T = I − f . Sejam

Sn = span {Tn (U ) ∪ {y}} e Un = U ∩ Sn .


80 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA

Assim,
degLS (f, U, y) = degB ((I − Tn )|U ∩Sn , Un , y).
Por hipótese, degB ((I − Tn )|U ∩S , Un , y) 6= 0 e, aplicando a Proposição 2.18,
item 8, existe xn ∈ Un tal que
xn − Tn (xn ) = y (4.4)

Como T |U é compacta e, para cada n, xn ∈ U , então podemos assumir,


sem perda de generalidade, que a sequência T (xn ) converge para algum
p ∈ X. Daı́, por (4.4), (xn ) converge para y + p ∈ U . Pela continuidade da
função f , obtemos
f (p + y) = lim f (xn ) = lim [xn − T (xn )] = y.
n→∞ n→∞

Sabemos que y ∈ / f (∂U ), portanto p + y ∈ U . Desta forma, a equação


f (x) = y admite a solução p + y.
9 - Sejam T : Ω → E e S : Ω → E funções completamente contı́nuas tais
que
f = I − T e g = I − S.
Considere a função compacta F : U × [0, 1] → E definida por
F (x, t) = tT (x) + (1 − t)S(x).
Para x ∈ ∂U e para t ∈ [0, 1], F (x, t) = tT (x) + (1 − t)S(x) = T (x) = S(x).
Portanto, x − F (x, t) = f (x) 6= y. Daı́, aplicando o item 6 acima,
degLS (f, U, y) = degLS (g, U, y).

Para finalizar a seção das propriedades do grau de Leray-Schauder, e


consequentemente finalizar este capı́tulo, destacamos a proposição a seguir,
que relaciona o grau em em espaço de Banach E, com o grau em um subspaço
F de E. Este resultado é análogo ao da Proposição 2.19, que foi apresentada
quando tratamos de espaços de dimensão finita.
Proposição 4.12. Sejam E e F espaços de Banach, onde F ⊆ E. Sejam
Ω ⊆ E um conjunto qualquer e U ⊆ E aberto e limitado com U ⊆ Ω.
Considere uma função completamente contı́nua T : Ω → F e defina f : Ω →
E por f (x) = x − T (x). Se f |Ω∩F : Ω ∩ F → F for a restrição de f em
Ω ∩ F com contradomı́nio F e y ∈ F \ f (∂U ), então
degLS (f, U, y) = degLS (f |Ω∩F , U ∩ F, y).
4.3. PROPRIEDADES DO GRAU DE LERAY-SCHAUDER 81

Demonstração. Tome Tb : U → F uma função de dimensão finita tal que,


para todo x ∈ U ,

kTb(x) − T (x)k < dist(y, f (∂U )).

Sejam G = span {Tb(U ) ∪ {y}} e fb : U → E dada por fb(x) = x − Tb(x).


Pela definição do grau de Leray-Schauder,

degLS (f, U, y) = degB (fb|U ∩G , U ∩ G, y).

Faça h = f |Ω∩F , ou seja, h : Ω ∩ F → F é dada por h(x) = x − T (x).


Observe que Tb|U ∩F é uma função de dimensão finita tal que, para todo
x ∈ U ∩ F,

kTb|U ∩F (x) − T |Ω∩F (x)k < dist(y, h(∂U ∩ F )).

Sejam W = span {Tb|U ∩F (U ∩ F ) ∪ {y}} e b h : U ∩ F → W dada por


h(x) = x − Tb|U ∩F (x). Pela definição do grau de Leray-Schauder,
b

h|U ∩W , U ∩ W, y).
degLS (h, U ∩ F, y) = degB (b

Note que W ⊆ G e Tb|U ∩G (U ∩ G) ⊆ W . Desta forma, a Proposição 2.19


garante que

degB (fb|U ∩G , U ∩ G, y) = degB (b


h|U ∩W , U ∩ W, y).

Logo,
degLS (f, U, y) = degLS (f |Ω∩F , U ∩ F, y).
82 CAPÍTULO 4. GRAU TOPOLÓGICO EM DIMENSÃO INFINITA
Capı́tulo 5

Soluções de sistemas não


lineares com condições de
contorno

5.1 Introdução
O objetivo deste capı́tulo é usar o grau topológico para estudar a exis-
tência de soluções para o seguinte sistema não linear de equações diferenciais:

(φ(u0 ))0 = f (t, u, u0 ), u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T ). (5.1)

Este problema foi estudado por Manásevich e Mawhin no artigo [11]. No


artigo citado, os autores transformam o problema (5.1) em um problema de
ponto fixo em espaços de funções. Em seguida, sob certas condições, usam
o grau de Leray-Schauder para provar a existência de soluções do problema
acima. Vamos aqui apresentar esta abordagem.
Seguem os detalhes do problema acima:

• φ : Rn → Rn é uma função satisfazendo:

(H1 ) Para todo x1 , x2 ∈ Rn , x1 6= x2 ,

hφ(x1 ) − φ(x2 ), x1 − x2 i > 0.

(H2 ) Existe uma função α : [0, +∞[→ [0, +∞[, com lims→+∞ α(s) =
+∞, tal que

hφ(x), xi ≥ α(kxk)kxk ∀ x ∈ Rn .

83
84 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Observação 5.1. Sob essas condições, φ é um homeomorfismo do Rn


no Rn . Além disso,

lim kφ−1 (y)k = +∞.


kyk→+∞

Veja [5, Deimling, cap. 3].

• Para T fixado, f : [0, T ] × Rn × Rn → Rn é uma função Carathéodory,


ou seja,

(i) para quase todo t ∈ [0, T ], f (t, ·, ·) é contı́nua;


(ii) para qualquer (x, y) ∈ Rn × Rn , f (·, x, y) é mensurável;
(iii) para qualquer ρ > 0, existe g ∈ L1 ([0, T ], R) tal que, para quase
todo t ∈ [0, T ] e para todo (x, y) ∈ Rn × Rn , com kxk ≤ ρ e
kyk ≤ ρ, temos kf (t, x, y)k ≤ g(t).

Entendemos por solução do problema (5.1) uma função u : [0, T ] → Rn


de classe C 1 satisfazendo as condições de contorno e tal que a função t 7→
φ(u0 (t)) seja absolutamente contı́nua e satisfaça (φ(u0 (t)))0 = f (t, u(t), u0 (t))
para quase todo t em [0, T ]. Para chegarmos ao nosso objetivo, na Seção
5.2, apresentaremos um problema que vai nos auxiliar no estudo do problema
(5.1). E, na Seção 5.3, vamos provar o principal teorema deste capı́tulo, que
garante, sob certas condições, a existência de solução para o problema (5.1).
Notações básicas. Neste capı́tulo, para T fixado, denotaremos C =
C([0, T ], Rn ), C 1 = C 1 ([0, T ], Rn ) e L1 = L1 ([0, T ], Rn ), que são espaços de
Banach dotados, respectivamente, com as normas
Z T
0
kuk0 = max ku(t)k, kuk1 = kuk0 + ku k0 e khkL1 = kh(t)kdt.
t∈[0,T ] 0

Denotaremos, também, CT = {u ∈ C : u(0) = u(T )}, CT1 = {u ∈ C 1 :


RT
u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T )} e L1m = {h ∈ L1 : 0 h(t)dt = 0} subespaços
fechados, respectivamente, de C, C 1 e L1 .

5.2 Problema auxiliar


Antes de provarmos o principal resultado deste capı́tulo, que trata da
existência de soluções do problema (5.1), vamos estudar o seguinte problema
auxiliar:
5.2. PROBLEMA AUXILIAR 85

(φ(u0 ))0 = h(t), u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T ), (5.2)


onde h ∈ L1m e φ satisfaz as condições (H1 ) e (H2 ).
Supondo que u seja solução do problema (5.2) e integrando de 0 a t ∈
[0, T ], segue que
φ(u0 (t)) = a + H(h)(t),
onde H : L1 → C é o operador integral definido por
Z t
H(h)(t) = h(s)ds
0

e a ∈ Rn é uma constante oportuna. Aplicando φ−1 , temos

u0 (t) = φ−1 [a + H(h)(t)].

Integrando novamente de 0 a t ∈ [0, T ], deduzimos que, se u é solução do


problema (5.2), então
Z t
u(t) = u(0) + φ−1 [a + H(h)(s)]ds. (5.3)
0

Como u(0) = u(T ), então


Z T
φ−1 [a + H(h)(t)]dt = 0.
0

Agora, defina, para cada l ∈ C, a função Gl : Rn → Rn por


Z T
Gl (a) = φ−1 (a + l(t))dt, (5.4)
0

Resumindo, fixada h ∈ L1m , se (5.2) admite solução em CT1 , então existe


a ∈ Rn (que depende de h) tal que

GH(h) (a) = 0.

Por outro lado, suponha que, para algum h ∈ L1m , exista a ∈ Rn tal que
GH(h) (a) = 0. Defina u : [0, T ] → Rn por
Z t
u(t) = u(0) + φ−1 [a + H(h)(s)]ds.
0
86 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Derivando, temos
u0 (t) = φ−1 [a + H(h)(t)]. (5.5)
Aplicando a função φ, segue que

φ(u0 (t)) = a + H(h)(t). (5.6)

Agora, derive novamente e conclua que

(φ(u0 (t)))0 = h(t). (5.7)

Destacamos que as igualdades (5.5) e (5.6) são para todo t ∈ [0, 1] e a


igualdade (5.7) é para quase todo t ∈ [0, 1].
Como Z T
GH(h) (a) = φ−1 [a + H(h)(t)]dt = 0,
0

temos u(0) = u(T ). Além disso, como h ∈ L1m , por (5.5), segue que

u0 (0) = φ−1 (a) = u0 (T ).

Diante do exposto acima, podemos concluir que o problema (5.2) admite


solução em CT1 se, e somente se, existe a ∈ Rn tal que GH(h) (a) = 0.
Na proposição a seguir apresentamos duas propriedades importantes da
função G.

Proposição 5.2. Se φ satisfaz as condições (H1 ) e (H2 ), então a função


Gl tem as seguintes propriedades:

(i) Para cada l ∈ C, a equação

Gl (a) = 0 (5.8)

possui uma única solução e


a(l).

a : C → Rn , definida em (i), é contı́nua e envia conjuntos


(ii) A função e
limitados em conjuntos limitados.

Demonstração. Fixe l ∈ C. Por (H1 ), segue que, para a1 , a2 ∈ Rn com


a1 6= a2 ,
Z T
hφ−1 (a1 + l(t)) − φ−1 (a2 + l(t)), a1 − a2 idt > 0,
0
5.2. PROBLEMA AUXILIAR 87

portanto
hGl (a1 ) − Gl (a2 ), a1 − a2 i > 0.
Desta forma, se (5.8) tem solução, ela é única. Agora vamos provar a
existência. Para tanto, ainda com l ∈ C fixado, vamos mostrar que hGl (a), ai
> 0 para kak suficientemente grande. Temos
Z T
hGl (a), ai = hφ−1 (a + l(t)), aidt.
0

Segue que
Z T Z T
hGl (a), ai = hφ−1 (a + l(t)), a + l(t)idt − hφ−1 (a + l(t)), l(t)idt.
0 0

Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz,


Z T Z T
hφ−1 (a + l(t)), l(t)idt ≤ kφ−1 (a + l(t))k kl(t)kdt
0 0

Portanto,
Z T Z T
hφ−1 (a + l(t)), l(t)idt ≤ klk0 kφ−1 (a + l(t))kdt.
0 0

Assim,
Z T Z T
−1
hGl (a), ai ≥ hφ (a + l(t)), a + l(t)idt − klk0 kφ−1 (a + l(t))kdt. (5.9)
0 0

Como φ satisfaz (H2 ), para qualquer y ∈ Rn , temos

hφ−1 (y), yi ≥ α(kφ−1 (y)k)kφ−1 (y)k. (5.10)

De (5.9) e (5.10),
Z T
hGl (a), ai ≥ (α(kφ−1 (a + l(t))k) − klk0 ) kφ−1 (a + l(t))kdt. (5.11)
0

Sabendo que kφ−1 (a + l(t))k tende para o infinito uniformemente em t ∈ I


quando kak tende para o infinito, deduzimos de (5.11) que existe um r > 0
tal que, para todo a ∈ Rn com kak = r,

hGl (a), ai > 0. (5.12)


88 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Agora, considere uma função H : B r (0) × [0, 1] → Rn dada por

H(x, t) = (1 − t)x + tGl (x).

Se x ∈ ∂Br (0) e t ∈ [0, 1], pela desigualdade 5.12, temos

h(1 − t)x + tGl (x), xi = (1 − t)hx, xi + thGl (x), xi > 0.

Portanto, para todo x ∈ ∂Br (0) e para todo t ∈ [0, 1],

H(x, t) 6= 0.

Daı́, pelas propriedades Invariância homotópica e Normalização do grau de


Brouwer,
degB (Gl , Br (0), 0) = degB (I, Br (0), 0) = 1.
Logo, pela propriedade Existência de solução, para cada l ∈ C, a equação

Gl (a) = 0

tem solução. E, como já vimos, essa solução é única. Desta forma, definimos
a : C → Rn que satisfaz
a função e
Z T
φ−1 (e
a(l) + l(t))dt = 0. (5.13)
0

Para provarmos (ii), sejam Λ ⊆ C um conjunto limitado e l ∈ Λ fixado. Por


(5.13),
Z T
hφ−1 (e
a(l) + l(t)), e
a(l)idt = 0.
0
Assim,
Z T Z T
−1
hφ (ea(l) + l(t)), e
a(l) + l(t)idt = hφ−1 (e
a(l) + l(t)), l(t)idt. (5.14)
0 0

Vamos supor que o conjunto Γ = {e a(l) : l ∈ Λ} não seja limitado. Tome


R > 0 qualquer tal que Λ ⊆ BR (0). Pela definição da função α, existe N tal
que s > N implica α(s) > R. A Observação 5.1 implica que podemos tomar
M tal que, se kyk > M , então kφ−1 (y)k > N . Como Γ não é limitado e Λ é
limitado, então existe l ∈ Λ tal que, para qualquer t ∈ I, ke a(l) + l(t)k > M .
Finalmente, podemos dizer que existe l ∈ Λ tal que, para qualquer t ∈ I,

R < α(kφ−1 (e
a(l) + l(t))k).
5.2. PROBLEMA AUXILIAR 89

Daı́,
Z T Z T
−1
R kφ (ea(l) + l(t))kdt < α(kφ−1 (e
a(l) + l(t))k) kφ−1 (e
a(l) + l(t))kdt.
0 0
Por (5.10),
Z T Z T
R kφ−1 (e
a(l) + l(t))kdt < hφ−1 (e
a(l) + l(t)), e
a(l) + l(t)idt.
0 0
Usando (5.14), deduzimos que
Z T Z T
R kφ−1 (e
a(l) + l(t))kdt < hφ−1 (e
a(l) + l(t)), l(t)idt.
0 0
Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos
Z T Z T
−1
R kφ (ea(l) + l(t))kdt < kφ−1 (e
a(l) + l(t))k kl(t)kdt.
0 0
Finalmente,
Z T Z T
−1
R kφ a(l) + l(t))kdt < klk0
(e kφ−1 (e
a(l) + l(t))kdt.
0 0
Portanto, R < klk0 , o que é uma contradição. Logo, e a envia conjuntos
limitados em C em conjuntos limitados em Rn .
Para finalizar, vamos mostrar que e
a é uma função contı́nua. Para tanto,
seja (ln ) ⊆ C uma sequência tal que
lim ln = l ∈ C. (5.15)
n→∞

Como (e a(ln )) é uma sequência limitada, então possui uma subsequência


(e
a(lnj )) convergente. Digamos que
lim e
a(lnj ) = b
a. (5.16)
j→∞

Temos, para cada j,


Z T
φ−1 (e
a(lnj ) + lnj (t))dt = 0.
0
Por (5.15) e (5.16), (e a(lnj ) + lnj ) converge uniformemente para b a + l.
Como φ−1 é contı́nua, então (φ−1 (e a(lnj ) + lnj (·))) converge uniformemente
para φ−1 (b
a + l(·)). Portanto,
Z T Z T
−1
lim φ (e a(lnj ) + lnj (t))dt = φ−1 (ba + l(t))dt = 0.
j→∞ 0 0
Assim, e
a(l) = b
a, o que mostra que e
a é contı́nua.
90 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Agora defina a : L1 → Rn por

a(h) = e
a(H(h)). (5.17)

Desta forma, a é contı́nua e envia conjuntos limitados de L1 em conjuntos


limitados de Rn . De fato, para provarmos tal afirmação, note que H é uma
função linear e, além disso, temos, para h ∈ L1 ,
Z t
kH(h)k0 = max kH(h)(t)k = max h(s)ds
t∈I t∈I 0
Z t Z T
≤ max kh(s)kds ≤ kh(s)kds = khkL1 ,
t∈I 0 0
ou seja, H é uma função limitada. Sendo H linear e limitada, concluı́mos
que H é contı́nua e envia conjuntos limitados em conjuntos limitados. Como
a é uma composição de funções contı́nuas e, além disso, e
a envia conjuntos
limitados em conjuntos limitados, segue que a é contı́nua e envia conjuntos
limitados em conjuntos limitados.
Diante do exposto acima, concluı́mos que a é uma função completamente
contı́nua.
Vamos retornar à expressão (5.3), ou seja,

u(t) = u(0) + H φ−1 (a(h) + H(h)) (t).




Aqui, por um abuso de notação, φ−1 é entendida como uma função φ−1 :
C → C dada por φ−1 (v)(t) = φ−1 (v(t)). É claro que φ−1 é contı́nua e envia
conjuntos limitados em conjuntos limitados.
Defina as funções P : CT1 → CT1 e Q : L1 → L1 dadas por
Z T
1
P u = u(0) e Qh = h(s)ds.
T 0

Observe que podemos decompor CT1 da forma

CT1 = E1 ⊕ E2 , (5.18)

onde E1 é o espaço das funções u


e tais que u
e(0) = 0 e E2 é o subespaço de
dimensão n das funções constantes. Desta forma, P é a projeção contı́nua
sobre E2 . Além disso, podemos decompor L1 da forma

L1 = L1m ⊕ F2 ,
5.2. PROBLEMA AUXILIAR 91

onde F2 é o subespaço de dimensão n das funções constantes. Segue que o


operador Q é a projeção contı́nua em F2 .
Considere a função K : L1 → CT1 dada por
 
K(h)(t) = H φ−1 [a((I − Q)(h)) + H((I − Q)(h))] (t) para todo t ∈ I.
(5.19)
1 1
Se, para alguma h ∈ Lm , u ∈ C é solução de (5.2), então u satisfaz a
equação (5.3), ou seja, para todo t ∈ [0, T ],
u(t) = u(0) + H φ−1 (a(h) + H(h)) (t).


Portanto, u satisfaz a equação


u = P u + Qh + K(h). (5.20)
Por outro lado, se u ∈ CT1 é uma solução de (5.20) para alguma h ∈ L1 ,
segue, pela definição da função a, que
K(h)(T ) = H{φ−1 [a((I − Q)h) + H((I − Q)h)]}(T ) = 0.
Portanto,
u(T ) = u(0) + Qh,
que implica
Qh = 0.
Vejamos que, desta forma, u = u(0) + K(h) é solução de (5.2). De fato,
temos
u(t) = u(0) + H{φ−1 [a(h) + H(h)]}(t)
Derivando, obtemos
u0 (t) = φ−1 [a(h) + H(h)](t). (5.21)
Aplicando a função φ, segue que
φ(u0 (t)) = [a(h) + H(h)](t). (5.22)
Agora, derive novamente e conclua que
(φ(u0 (t)))0 = h(t). (5.23)
Destacamos que as igualdades (5.21) e (5.22) são para todo t ∈ [0, 1] e a
igualdade (5.23) é para quase todo t ∈ [0, 1].
Diante do exposto acima, temos que os problemas (5.2) e (5.20) são
equivalentes.
Para terminar esta seção, apresentamos propriedades importantes da
função K.
92 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Lema 5.3. A função K, definida acima, é contı́nua e envia conjuntos equi-


integráveis de L1 em conjuntos relativamente compactos de CT1 .

Demonstração. A continuidade de K com valores em C segue do fato de que


K é uma composição de funções contı́nuas. Além disso, temos que
0
K(h) (t) = φ−1 [a((I − Q)(h)) + H((I − Q)(h))](t),

que é uma composição de funções contı́nuas e, portanto, é contı́nua.


Seja E um conjunto equi-integrável em L1 . Então, se h ∈ E, existe
η ∈ L1 ([0, T ], R) tal que, para quase todo t ∈ I,

kh(t)k ≤ η(t).

Queremos mostrar que K(E) ⊆ CT1 é um conjunto compacto. Para tanto,


tome (vn ) uma sequência em K(E) e (hn ) uma sequência em L1 tal que
vn = K(hn ). Para todo n ∈ N e para todo t ∈ [0, T ], temos
Z t
kH(I − Q)(hn )(t)k ≤ hn (s)ds + kQhn k t
0
Z t Z T Z T
t
≤ η(s)ds + η(s)ds ≤ 2 η(s)ds.
0 T 0 0

Portanto, a sequência H(I − Q)(hn ) é uniformemente limitada. Além
disso, para todo n ∈ N e para t, t0 ∈ [0, T ], segue que
Z t
0
kH(I − Q)(hn )(t) − H(I − Q)(hn )(t )k ≤ hn (s)ds + kQhn k |t − t0 |
t0

t
|t − t0 | T
Z Z
≤ η(s)ds + η(s)ds.
t0 T 0
Observe que, se |t − t0 | convergir para zero, kH(I − Q)(hn )(t) − H(I −
Q)(hn )(t 0
 )k também convergirá para zero. Desta maneira, a sequência H(I−
Q)(hn ) é equicontı́nua. Pelo Teorema de Ascoli-Arzelà, H(I − Q)(hn )
 subsequência convergente em C, que vamos chamar de H(I −
possui uma
Q)(hnj ) . Então, passando a uma subsequência, se necessário, temos que a
sequência 
a((I − Q)(hnj )) + H(I − Q)(hnj )
é convergente em C. Usando que φ−1 : C → C é contı́nua e que
0
K(hnj ) = φ−1 [a((I − Q)(hnj )) + H((I − Q)(hnj ))],
5.3. PROBLEMA PRINCIPAL 93

segue quea sequência (K(hnj ))0 é convergente em C e, portanto, (vnj ) =




(K(hnj )) é convergente em CT1 . Para finalizar a prova, suponha (vn ) ⊆


K(E). Seja (ln ) ⊆ K(E) tal que

lim kln − vn k1 = 0.
n→∞

Seja, também, (lnj ) uma subsequência de (ln ) que converge para l. Segue
que l ∈ K(E) e (vnj ) converge para l. Portanto, o resultado está provado.

5.3 Problema principal


Antes de provarmos o principal resultado do capı́tulo, apresentamos o
seguinte lema.

Lema 5.4. Sejam f : I × Rn × Rn → Rn uma função Carathéodory e


Nf : CT1 → L1 o operador de Nemytski associado à f , ou seja,

Nf (u)(t) = f (t, u(t), u0 (t)).

Então, Nf é contı́nuo e envia conjuntos limitados em conjuntos equi-integrá-


veis.

Demonstração. Seja (un ) uma sequência em CT1 que converge para algum
u ∈ CT1 . Como f é Carathéodory, pelo Teorema da convergência dominada
de Lebesgue (Proposição 1.18),

lim kNf (un ) − Nf (u)kL1 =


n→∞

Z T
= lim kf (t, un (t), u0n (t)) − f (t, u(t), u0 (t))kdt = 0.
n→∞ 0

Logo, Nf é contı́nua.
Agora, seja Λ ⊆ CT1 um conjunto limitado. Quero mostrar que A =
{Nf (u) : u ∈ Λ} é equi-integrável. De fato, como Λ é limitado, existe r > 0
tal que Λ ⊆ Br (0). Portanto, se u ∈ Λ, temos

kuk1 = kuk0 + ku0 k0 < r.

Sendo f Carathéodory, existe g ∈ L1 (I, R) tal que, para quase todo t ∈ I,

kf (t, u(t), u0 (t))k ≤ g(t).


94 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

Portanto,
Z T Z T
kNf (u)kL1 = kf (t, u(t), u0 (t))kdt ≤ g(t)dt
0 0

para todo u ∈ Λ. Logo, A é equi-integrável.

A seguir temos o resultado principal deste capı́tulo, que foi provado por
Manásevich e Mawhin no Teorema 3.1 do artigo [11].

Teorema 5.5. Sejam φ : Rn → Rn uma função contı́nua satisfazendo as


propriedades (H1 ) e (H2 ) e f : I × Rn × Rn → Rn Carathéodory. Considere
o seguinte problema

(φ(u0 ))0 = f (t, u, u0 ), u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T ). (5.24)

Assuma que U seja um aberto e limitado em CT1 tal que as condições a seguir
sejam satisfeitas:

(1) Para cada λ ∈ (0, 1), o problema

(φ(u0 ))0 = λf (t, u, u0 ), u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T ) (5.25)

não tem solução em ∂U .

(2) Se F : E2 → E2 é dada por


Z T
1
F (a) = f (t, a, 0)dt,
T 0

então a equação
F (a) = 0 (5.26)

não tem solução em ∂U ∩ E2 , onde E2 é o subespaço de CT1 dado pela


decomposição 5.18.

(3) O grau de Brouwer

degB (F, U ∩ E2 , 0) 6= 0. (5.27)

Então, o problema (5.24) tem solução em U .


5.3. PROBLEMA PRINCIPAL 95

Demonstração. Seja Nf o operador de Nemytski associado à f , ou seja,

Nf (u) = f (t, u(t), u0 (t)).

Considere o problema

(φ(u0 ))0 = λNf (u) + (1 − λ)QNf (u), u(0) = u(T ),u0 (0) = u0 (T ).
(5.28)
Para λ ∈ (0, 1], se u é uma solução do problema (5.25), então, como já
foi visto, a condição u0 (0) = u0 (T ) implica QNf (u) = 0, portanto u resolve
o problema (5.28). Por outro lado, ainda para λ ∈ (0, 1], se u é uma solução
do problema (5.28), observando que

Q[λNf (u) + (1 − λ)QNf (u)] = QNf (u),

temos que QNf (u) = 0. Desta forma, u resolve o problema (5.25).


Podemos escrever o problema (5.28) da seguinte forma equivalente

u = ζ(u, λ), (5.29)

onde
ζ(u, λ) = P u + QNf (u) + (K ◦ [λNf + (1 − λ)QNf ])(u)

= P u + QNf (u) + (K ◦ [λ(I − Q)Nf ])(u).

Suponha que o problema (5.28) não tenha solução para λ = 1. Do


contrário, o teorema está provado. Pela hipótese (1), o problema (5.29) não
tem solução em ∂U × (0, 1]. Para λ = 0, o problema (5.28) fica da forma

1 T
Z
0 0
(φ(u )) = f (t, u(t), u0 (t))dt, u(0) = u(T ), u0 (0) = u0 (T ).
T 0
(5.30)
Se u é solução do problema (5.30), então
Z T
f (t, u(t), u0 (t))dt = 0. (5.31)
0
Assim, (φ(u0 (t)))0 = 0, portanto φ(u0 (t)) = c ∈ Rn , que implica u0 (t) =
φ−1 (c). Integrando a última igualdade em I, segue que φ−1 (c) = 0. Desta
forma, concluı́mos que u é uma função constante, digamos u(t) = d. Por
(5.31),
Z T
f (t, d, 0)dt = 0,
0
96 CAPÍTULO 5. SISTEMAS NÃO LINEARES

que, junto com a a condição (2), implica que u = d ∈/ ∂U ∩ E2 . Sendo assim,


provamos que o problema (5.29) não tem solução em ∂U ×[0, 1]. Além disso,
como f é Carathéodory, a função N : CT1 × [0, 1] → L1 , definida por

N (u, λ) = λNf (u) + (1 − λ)QNf (u)

é contı́nua e envia conjuntos limitados em conjuntos equi-integráveis. Da


Proposição 5.3, segue que, ζ é completamente contı́nua. Diante do exposto
acima, para λ ∈ [0, 1], o grau de Leray-Schauder degLS (I − ζ(·, λ), U, 0) está
bem definido e, pela invariância homotópica do grau de Leray-Schauder,

degLS (I − ζ(·, 0), U, 0) = degLS (I − ζ(·, 1), U, 0). (5.32)

Agora, é evidente que o problema (5.24) é equivalente ao problema

u = ζ(u, 1) (5.33)

e, por (5.32), para provarmos que o problema (5.33) tem solução, basta
mostrar que degLS (I − ζ(·, 0), U, 0) 6= 0.
Observando que K(0) = 0, temos

ζ(u, 0) = P u + QNf (u),

ou seja, Z T
1
u − ζ(u, 0) = u − P u − f (t, u(t), u0 (t))dt.
T 0

Considerando a decomposição (5.18) de CT1 e aplicando a Proposição


4.12, temos

degLS (I − ζ(·, 0), U, 0) = degLS ((I − ζ(·, 0))|U ∩E2 , U ∩ E2 , 0).

Note que dim E2 = n < ∞ e que u − ζ(u, 0) = −F (u) para todo u ∈ E2 .


Desta forma,

degLS (I − ζ(·, 0), U, 0) = degB (−F, U ∩ E2 , 0).

Portanto, usando a Proposição 2.18, item 11, segue que

degLS (I − ζ(·, 0), U, 0) = (−1)n degB (F, U ∩ E2 , 0)

Pela hipótese (3), completamos a demonstração.


Referências Bibliográficas

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