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Isto é arte?

Essa pergunta já foi ouvida algumas vezes em


exposições de arte contemporânea. É uma indagação sincera,
pois causa surpresa. E surpresa é a palavra que mais nos
aproxima da arte contemporânea, por ser algo que ainda não
conhecemos e ao qual somos apresentados pela primeira vez.
Daí a estranheza e a surpresa. Por isso, este livro pretende
abordar alguns tópicos que envolvem as obras de artistas
contemporâneos e as questões levantadas pela própria arte
contemporânea. Você verá que são muitas. Observá-las ajuda
a lançar luz sobre a arte e a compreendê-la tanto como fonte
de perguntas quanto de esclarecimento sobre nós e o mundo.
Não podemos esquecer que a surpresa, também, traz prazer
inesperado e que uma obra de arte surpreendente não causa só

ARTE CONTEMPORÂNEA
espanto, mas, principalmente, admiração. Eis uma das vantagens
de se estudar a arte contemporânea.

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6658-2

9 788538 766582
JOÃO COVIELLO

Código Logístico

59493
Arte Contemporânea

João Coviello

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Freeda Michaux/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C914a

Coviello, João
Arte contemporânea / João Coviello. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE
2020.
126 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6658-2

1. Arte - História. 2. Arte moderna - Séc. XXI. I. Título.


CDD: 709.05
20-64264
CDU: 7.038.6

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
João Coviello Doutorando em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Mestre
em Filosofia e especialista em História da Arte,
pela mesma instituição. Graduado em Psicologia
pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP).
Atua como professor conteudista na área de
humanidades e como professor universitário nas
disciplinas de História da Arte e Estética.
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SUMÁRIO
1 Definição de arte contemporânea  9
1.1 Delimitação do tema: do moderno ao contemporâneo  9
1.2 Concepções e conceitos contemporâneos de arte  16
1.3 Análise semiótica nas artes visuais contemporâneas  22

2 O pensamento artístico contemporâneo  29


2.1 Os temas da arte contemporânea  29
2.2 Os suportes  36
2.3 Os materiais  41

3 Agentes irradiadores de influências  53


3.1 O artista  53
3.2 O crítico  61
3.3 O curador  69

4 A arte e suas intersecções  76


4.1 Arte e vida  76
4.2 Técnica e tecnologia na arte  82
4.3 Arte e mídia  88

5 O sistema das artes  98


5.1 A arte e as instituições  98
5.2 Arte, mercado e circuito  106
5.3 Arte e comunicação  115

Gabarito   124
APRESENTAÇÃO
Isto é arte? Essa pergunta já foi ouvida algumas vezes em exposições de
arte contemporânea. É uma indagação sincera, pois causa surpresa. E surpresa
é a palavra que mais nos aproxima da arte contemporânea, por esta ser algo
que ainda não conhecemos e ao qual somos apresentados pela primeira vez.
Daí a estranheza e a surpresa. Por isso, este livro pretende abordar alguns
tópicos que envolvem as obras de arte contemporâneas e as questões ao seu
redor. Você verá que são muitas.
No primeiro capítulo, trataremos da definição de arte contemporânea e
suas diferenças diante da arte moderna. No segundo, conheceremos seus
temas e estudaremos a variedade de suportes e materiais utilizados pelos
artistas. Você perceberá que a liberdade para os escolher representa uma
de suas principais características. No terceiro, entenderemos o papel que o
artista passou a desempenhar na cultura contemporânea. Apresentaremos,
também, o papel do crítico e do curador como agentes influenciadores e a
ascensão que tiveram no mundo da arte. No quarto capítulo, abordaremos
a ligação entre arte e vida, considerada outra característica importante da
arte contemporânea. Analisaremos o papel da técnica e da tecnologia sobre
a criação artística, além da relação entre arte e mídia. No último capítulo,
veremos o vínculo entre arte, instituições e mercado, que podemos resumir
na expressão sistema das artes. Por fim, discutiremos os efeitos das novas
tecnologias sobre as práticas artísticas contemporâneas.
Este livro, portanto, é sobre questões levantadas pela própria arte
contemporânea. Observá-las ajuda a lançar luz sobre a arte e a compreendê-la
tanto como fonte de perguntas quanto de esclarecimento sobre nós e
o mundo. Não podemos esquecer que a surpresa, também, traz prazer
inesperado e que uma obra de arte surpreendente não causa só espanto,
mas, principalmente, admiração. Eis uma das vantagens de se estudar a arte
contemporânea.
Bons estudos!
1
Definição de arte contemporânea
Neste capítulo, entenderemos por que a expressão arte
contemporânea se sobrepôs a ponto de se tornar um período ar-
tístico que vem após o Modernismo. A análise sobre a transição
do moderno para o contemporâneo é recente, começou a partir
dos anos 1980. Veremos se é possível definir arte contemporânea
e quando ela começou. A escolha da data de início da contempo-
raneidade nas artes é diferente entre os autores e será possível
­compará-las. Analisaremos, ainda, as concepções de arte contem-
porânea e como aplicar a análise semiótica às artes visuais.

1.1 Delimitação do tema: do moderno


Vídeo ao contemporâneo
A noção de arte contemporânea é um dos temas mais debatidos no
mundo da arte. Ela pretende ir além de pinturas, esculturas, desenhos
e gravuras, suportes utilizados há séculos pelos artistas e que não fo-
ram esquecidos, mas passaram a ser utilizados de outras formas.

Uma gravura não precisa ser realizada apenas com incisões sobre
uma matriz de madeira ou metal, por exemplo. Qualquer coisa capaz
de deixar uma marca gravada em uma base física passou a ser cha-
mada de gravura. Imagine um artista que colocou pregos sobre um
pedaço grande de lona e depois os deixou por semanas ou meses
no quintal de seu ateliê, resultando em marcas de ferrugem sobre a
lona – marcas que o artista poderá compor como quiser, formando
desenhos aleatórios ou não. É uma gravura, mas, se o artista interferir
nesses desenhos com outros materiais, o resultado será uma pintura
definida como técnica mista. Afinal, o artista criou um desenho, usou
materiais como se fossem tintas, esticou a lona no chassi e a gram-
peou, como se fosse a tela usada normalmente. Em um salão de arte,
a obra será classificada como contemporânea. O que a difere dos tra-

Definição de arte contemporânea 9


balhos de outras épocas? Esse movimento de transição de uma arte
considerada moderna para uma arte que passou a ser chamada de
contemporânea será analisado a partir de agora. Começaremos pela
análise do significado de contemporâneo.
Vídeo
A palavra contemporâneo sugere que algo é do momento atual.
O artista plástico José
­Bechara (1957- ) trabalha Contudo, Giannotti (2009, p. 11) alerta que ao “escrever sobre algo que
com pintura, escultura, acontece hoje, sempre se corre o risco de que isso se apague com o
instalação e fotografia.
É um exemplo de artista tempo”. Esse é o desafio que o pesquisador da arte contemporânea
contemporâneo que tra- terá de enfrentar. O primeiro passo será delimitar o que entendemos
balha com vários mate-
riais e com uma vontade como contemporâneo e como podemos utilizá-lo no estudo das mani-
experimental típica de festações artísticas. Você deve ter percebido que a arte contemporâ-
sua geração. O exemplo
que usamos no início nea não é apenas aquela realizada hoje. Alguns autores afirmam que
deste capítulo foi ligeira- ela teve início nos anos 1960. Algumas características demonstram o
mente inspirado em seu
trabalho. No vídeo Mini diálogo entre as manifestações desse período e aquelas produzidas
Doc Artistas Plásticos: José hoje, apesar da dificuldade de se acompanhar toda a produção artística
Bechara, o artista explica
como começou a realizar atual. O que facilita um pouco o trabalho é a interação existente entre
trabalhos com oxidação tantos artistas diferentes, mas com algo em comum: o desejo de uma
de metais sobre lona de
caminhão. Ele interfere arte nova, inédita, surpreendente.
nos desenhos fixados
pela ferrugem, realizando
Antes de avançarmos, será útil compreender a palavra moderno,
uma pintura de caráter já que a arte contemporânea é apresentada como a superação desse
geométrico.
conceito. No mundo da arte, moderno e contemporâneo são coisas
Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=
diferentes. Moderno, desde o século XIX, foi utilizado como sinônimo
A42tZf0Uz2Y&t=41s. Acesso em: de novo. O moderno começou com uma série de movimentos artísti-
11 maio 2020.
cos que tinham o objetivo de substituir os sistemas estéticos tradicio-
nais. A partir da década de 1950, o movimento moderno começou a
ser substituído por manifestações que foram “reunidas sob a etiqueta
simples e genérica de arte contemporânea” (FARIAS, 2002, p. 13). O au-
tor também faz um alerta: nem tudo o que se faz agora, no campo da
arte, pode ser considerado contemporâneo, nem é coisa de artista
jovem. E já que estamos no momento dos avisos, é importante lembrar
que as raízes do contemporâneo estão no período moderno, e muitas
obras realizadas no período moderno parecem obras contempo-
râneas. É possível, também, que artistas contemporâneos trabalhem
com poéticas modernas sem perderem o sentido contemporâneo ou
parecerem fora do seu tempo. No fundo, o que se pede é cuidado com
o uso de etiquetas, necessárias do ponto de vista didático, mas que se
tornam complicadores quando estudamos individualmente os artistas.
Então, percebemos que as coisas não acontecem de forma linear e que

10 Arte Contemporânea
a singularidade dos trabalhos artísticos aponta mais para as diferenças
do que para as semelhanças. Agrupá-los é uma tarefa complicada.

Se a arte contemporânea não é apenas aquela feita agora, quando po-


demos considerar seu início? Giannotti (2009) afirma que a arte contem-
porânea se desprende do período moderno nos anos 1960. M
­ illet (2000)
delimita o período de nascimento da arte contemporânea entre 1960 e
1969, com o surgimento da Pop Art, Minimal Art, Body Art etc. Ela também
considera o uso dos materiais, desde os perecíveis até aqueles de uso
cotidiano, como um dos aspectos que separam a arte contemporânea
da arte moderna, além de citar uma maior liberdade, que o crítico Mário
Pedrosa já havia valorizado em artigo de 1967. P
­ edrosa (2015, p. 401)
afirmou que o traço decisivo que observava naquele período era a liber-
dade, “o sentimento de uma liberdade nova”, que o levou a definir a arte
como o “exercício experimental da liberdade”.

Há uma coincidência de opiniões entre os três autores que citamos.


Os três perceberam transformações nas manifestações artísticas dos
anos 1960. A diferença é que Mário Pedrosa publicou seu artigo em
1967, no jornal Correio da Manhã. As transformações foram percebi-
das por ele enquanto ocorriam. Em dois artigos de 1966, Pedrosa uti-
lizou a expressão pós-moderno, e foi o primeiro ou um dos primeiros a
utilizá-la. No primeiro artigo, o crítico afirma que chegamos ao fim do
que chamamos de arte moderna. Nesse ano, Pedrosa percebeu que os
critérios de juízo de apreciação haviam mudado e um novo ciclo co-
meçava com a pop art, que chamou de ciclo cultural. A esse novo ci-
clo, ele chamou de arte pós-moderna. No segundo artigo, publicado um
mês depois, ­Pedrosa (2015, p. 358) retoma o tema, valorizando a arte
moderna, mas reconhecendo que “a experiência foi consumada”. Os
novos artistas, segundo ele, propõem uma atitude nova, já não se está
mais “dentro dos parâmetros do que se chamou de arte moderna”.

Farias (2002) interpreta a transição para a arte contemporânea da


seguinte forma: ao tematizar seus próprios elementos constitutivos,
ou seja, seus meios de criação (a cor, as linhas, as tintas etc.), o artis-
ta deu as costas ao mundo. O autor está se referindo principalmente
à tendência abstrata que marcou uma parte do século XX. Ele afirma
que, desse modo, o desejo do artista acabou sendo a manutenção da
experiência estética como um fim em si mesmo. A arte contemporânea
nasce desse esgotamento.

Definição de arte contemporânea 11


Os pesquisadores parecem concordar que a arte contemporânea
teve seu início nos anos 1960. Contudo, recuaremos no tempo com
o objetivo de compreender alguns marcos que antecedem o perío-
do que estudamos e que, de alguma forma, influenciaram os artistas
contemporâneos.
Importante
Antes de continuarmos, é necessário explicar a expressão
A arte contemporânea não pós-modernismo, utilizada pela primeira vez por Mário Pedrosa. Até agora,
é um estilo, não é a arte
produzida por artistas usamos o termo moderno como adjetivo, tal qual a palavra contemporâneo.
jovens, nem é toda arte Nada nos impede de utilizar também o termo modernismo, substantivo
produzida a partir dos anos
utilizado quando nos referimos a determinadas obras de arte ou aos mo-
1960. Como afirmou Cauquelin
(2005, p. 11-12), a apreensão da vimentos artísticos que renovaram a arte a partir do final do século XIX.
arte contemporânea necessita Pós-modernismo pressupõe que o modernismo já terminou e algo o
do estabelecimento de critérios
substituiu. Usa-se o prefixo pós de maneira genérica, como referência ao
e distinções “que isolarão o
conjunto dito ‘contemporâneo’ período posterior ao fim do modernismo. Autores como Gompertz (2013)
da totalidade das produções dividem a história da arte do século XX da seguinte forma:
artísticas”. Portanto, há critérios
que determinam se uma obra é O modernismo termina em 1969.
contemporânea. Descobrir quais
são esses critérios é o grande O pós-modernismo vai de 1970 a 1989,
desafio de quem pesquisa a arte quando começa a perder o fôlego.
contemporânea.
No final do século XX, começa um período
que ele chamou de arte agora.

O autor prefere não dar um nome a esse período, mas, no meio


de seu texto, é possível encontrar referências à arte contemporânea.
Ele é um exemplo de autor que prefere a expressão pós-modernismo,
utilizada em outras áreas, como a filosofia e a so-
ciologia. Faremos uso, contudo, da expressão arte
Museum of Modern Art/ Wikimedia Commons

contemporânea, pois foi delimitada à esfera da arte e


está consolidada entre os teóricos da arte.

Além de tudo isso, o artista contemporâneo lida


com a herança do modernismo, que deixou como
legado:
•• a busca pela superação dos ideais de beleza,
como Picasso, em 1907;
•• a tentativa de ir além da noção de pintura
como representação de alguma coisa, como
Kazimir Malevich, em 1918;
•• e o questionamento da noção de autoria, como
MALEVICH, K. Branco sobre branco (1918). Óleo sobre tela, 79,4 x 79,4 cm. Museu Marcel Duchamp, em 1917.
de Arte Moderna, Nova York.

12 Arte Contemporânea
O modernismo, que revolucionou quase tudo em termos artísti- Livro
cos, mantém diálogo com a arte contemporânea. É esse diálogo que Para conhecer mais sobre
a vida artística de Paris
começaremos a analisar. nas primeiras décadas
do século XX e sua im-
A Segunda Guerra Mundial, que acabou em 1945, marcou a portância no imaginário
substituição do título de capital da arte que Paris ostentou orgulho- de artistas de todo o
mundo, você poderá ler
samente por tantas décadas. O centro passou para Nova York, que um clássico da literatura,
se tornou a grande capital artística do mundo; se Paris era a cidade Paris é uma festa, em que o
escritor Ernest Hemingway
na qual todo aspirante a artista sonhava em estudar, Nova York (1899-1961) relembra seu
passou a ser o centro financeiro, pois lá estavam os grandes colecio- tempo de juventude na
capital do mundo daquele
nadores, além dos grandes museus e das emergentes galerias. tempo, onde conviveu com
A efervescência artística provocada pela vitória na guerra artistas e intelectuais de
todo os lugares. A história
contrastava-se com a difícil e dolorosa recuperação de Paris e de se passa no
toda a Europa, palco da maior guerra da história. O expressionismo início dos anos
1920, quando
abstrato teve Nova York como centro e sua importância para o mo- o escritor tinha
dernismo é comparada ao cubismo. Dessa vez, o movimento não 22 anos.

ocorreu em Paris, palco privilegiado da revolução modernista. HEMINGWAY, E. Rio


de Janeiro: Bertrand
Curiosidade Brasil, 2013.

A École de Paris era o local em que todos queriam estar. A Paris das primeiras décadas do século XX era onde
artistas de todas as partes do mundo viviam de esperança e morriam de fome, “foi para os pintores e escultores o
Filme
que Hollywood viria a ser para o cinema” (ARGAN, 1992, p. 341). Nos cafés, reuniam-se artistas de todo o mundo:
italianos, espanhóis, russos, americanos, brasileiros. Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade viveram lá. Anita
Malfatti lá estudou. Desde o século XIX, os governos distribuíam bolsas para os estudantes brasileiros. A capital
francesa era internacional e cosmopolita. Na École, diz Argan (1992, p. 341), todas as correntes e tendências se
misturavam sob uma única condição: serem “modernas”.

Grandes artistas foram identificados com o expressionismo


abstrato, entre eles, Willem de Kooning (1904-1997) e Jackson Pollock
(1912-1956). De Kooning elimina a figura presente nas obras do ex-
Você poderá também
pressionismo europeu e o torna abstrato. É uma explosão de maté- assistir ao filme Meia-noite
em Paris, em que, sempre
ria, uma massa de tinta que faz desaparecer a realidade. O mesmo
à meia-noite, um escritor
ocorre com Pollock e sua pintura de ação (action painting). Ele pinta é transportado para a
Paris dos anos 1920. Lá,
com o corpo todo e gira em torno da tela – é um corpo ainda implí-
ele encontra seus grandes
cito, mas é possível perceber que está lá, na gestualidade presente ídolos, os escritores ame-
ricanos Ernest H ­ emingway
nas telas – e usa a técnica do gotejamento (dripping) de tinta. Há
e F. Scott Fitzgerald, os
liberdade, parece dizer. pintores espanhóis Pablo
Picasso e Salvador Dali,
O expressionismo abstrato é um marco da modernidade artística além de outros artistas e
por tudo que o envolve, mas, por volta de 1955, alguns artistas co- intelectuais.

meçaram a realizar trabalhos que em nada lembravam Pollock ou De Direção: Woody Allen. EUA; Espanha:
Sony Pictures Classics, 2011.
Kooning. Os trabalhos de dois artistas são marcantes nesse período:

Definição de arte contemporânea 13


Vídeo Robert Rauschenberg (1925-2008) e Jasper Johns (1930-), caracterizan-
No vídeo Jackson Pollock do o início da mudança que estamos estudando.
Action Painting, publicado
pelo canal NCGSArt, é Os dois foram os modelos para Andy Warhol (1928-1987) quando
possível observar a técni-
ca de Pollock, principal-
o artista pop se mudou para Nova York. No livro que escreveu sobre
mente o dripping. Warhol, Danto (2012, p. 32) afirma que o mundo de Johns era “o mun-
Disponível em: https://www.you- do da experiência cotidiana: números, letras, mapas, alvos”. Ele explica
tube.com/watch?v=X3Uj_HAAvbk.
Acesso em: 11 maio 2020.
que “Johns descobriu uma maneira de transformar a realidade em arte,
no sentido de que seus temas superaram a diferença entre represen-
É possível, também,
ver obras de Willem de tação e realidade”. É a mesma razão de Rauschenberg utilizar objetos
Kooning no vídeo Willem
reais. Observe a obra Rhyme (no final da página), do início de carreira
de Kooning: A collection of
169 works, publicado pelo do artista, na qual utilizou os seguintes materiais: óleo, tecido, gravata,
canal ­LearnFromMasters.
papel, esmalte, lápis e tinta de polímero sintético sobre tela. A gravata é
Não há cenas do artista
pintando, mas são apre- real, ou seja, ele colava um objeto sobre a tela e depois o pintava.
sentadas 169 obras de
sua autoria. Rauschenberg criou uma técnica chamada combine painting,
Disponível em: https://www.you- expressão que, inventada pelo artista e traduzida livremente, pode
tube.com/watch?v=JlmwV6rNQZQ. significar “pintura combinada”. A palavra combine parece ser a chave
Acesso em: 11 maio 2020.
de leitura de sua obra e contém múltiplos significados: combinar pode
ser harmonizar, estabelecer uma resolução com outra pessoa ou unir,
como na química. Rauschenberg parece querer unir pintura e escultu-
ra, eliminando as distinções. Objetos comuns se juntavam ao univer-
so da arte.

Uma das obras mais famosas de Rauschenberg,


smallcurio/Wikimedia Commons

datada de 1955, chama-se Cama (Bed). Observe o


combine: óleo e lápis no travesseiro, colcha e lençol,
montados no suporte de madeira. É uma obra gran-
de (191,1 x 80 x 20,3 cm) e atualmente pertence ao
Museu de Arte Moderna de Nova York. Por meio das
medidas, é possível perceber que se trata de uma
obra tridimensional que combina pintura e escultu-
ra. Veja, agora, a descrição da obra pelo historiador
da arte e crítico europeu Argan (1992, p. 575): “A fa-
mosa Cama, de Rauschenberg, é uma cama de ver-
dade, desarrumada e suja, emporcalhada de tintas
que aumentam a desagradável evidência da coisa
apresentada como um quadro”. Apesar do aparen-
te espanto do crítico, sua análise é importante para
RAUSCHENBERG, R. Rhyme (1956). Óleo, tecido, gravata, papel, esmalte, lápis e
tinta de polímero sintético sobre tela, 122, 6 x 104,5 cm, Museu de Arte Moderna, compreender o contraste com o expressionismo
Nova York.

14 Arte Contemporânea
Jack de Nijs / Anefo/ Wikimedia Commons
abstrato. Para Pollock ou De Kooning, a pintura é um
conjunto de manchas que não comunica um significado,
mas há um receptor (o público) que pode ­fornecê-lo.
Então, por que uma obra precisa estar no plano (a tela)
e ser feita de tinta? Argan parece sugerir que essa é a
pergunta de Rauschenberg e Johns. Por isso, diz ele
(1992, p. 575), o tema de um quadro prolonga-se
para além do plano, “invade o espaço da existência,
torna-se ambiente”. A pintura liga-se às coisas da
vida. Canton (2009, p. 49) explica essa mudança em
relação ao modernismo: diferentemente da tradição
do novo – objetivo dos artistas da primeira metade do
século XX –, “a arte contemporânea que surge na conti-
nuidade da era moderna se materializa a partir de uma
negociação constante entre arte e vida, vida e arte”.

Já temos, portanto, algumas características da arte


Rauschenberg no Stedelijk
contemporânea sintetizadas na obra de Rauschenberg: Museum, em Amstedã, 1968.
o uso de novos materiais, a indistinção entre os suportes
Saiba mais
(se é pintura ou escultura) e o desejo de juntar arte e vida.
Você pode ver os traba-
Johns também juntava coisas da vida na sua pintura. Tassinari (2001) lhos de Rauschenberg
no site da fundação
considera uma pintura de Johns, chamada Tela (1956), um símbolo das que cuida de sua obra
mudanças que estavam ocorrendo na arte moderna. Ela ainda alude à (Robert Rauschenberg
­Foundation). Uma
arte abstrata, que estava em voga no período. No entanto, trata-se de sugestão: comece pelos
uma colagem: sobre a tela, o artista colou uma moldura menor. Em ou- combines e vá direto para
Cama (Bed), a obra que
tro trabalho de Johns realizado mais tarde, em 1967, Fool’s House (Casa analisamos nesta seção.
do Tolo, em tradução livre), o artista pendurou uma vassoura já usada Disponível em: https://www.
na enorme tela (183 x 91 cm). Entretanto, a série que realizou sobre a rauschenbergfoundation.org/art/
series/combine. Acesso em: 11
bandeira americana acabou por transformá-lo em um artista conhe- maio 2020.
cido. Danto (2012, p. 32) afirma que “Johns procurou temas que todo
mundo reconhecesse”. Apesar de uma bandeira pintada ser apenas Vídeo
uma bandeira pintada, o artista tentava transformar a realidade em
O vídeo POP ART Bandeira
arte. Rauschenberg também trabalhou com objetos reais, cujo “signifi- de Jasper Johns, publicado
pelo canal Marciano
cado simbólico consiste precisamente em não ter nenhum significado”
Ponciano, apresenta uma
(ARGAN, 1992, p. 575). análise da série sobre a
bandeira americana que
Há um diálogo artístico entre Rauschenberg e Johns, que eram gran- trouxe fama ao artista.

des amigos e impressionaram Andy Warhol, que, por sua vez, partici- Disponível em: https://www.you-
pou de outra revolução: a pop art. Gompertz (2013, p. 318) afirma que tube.com/watch?v=wrtTGjrJ3GA.
Acesso em: 4 maio 2020.
Warhol ficava parado olhando os trabalhos de ambos e se perguntava

Definição de arte contemporânea 15


o que poderia “fazer para igualar o impacto que estava sendo produ-
zido por esses dois corajosos artistas”. Ele começou com a garrafa de
Vídeo Coca-Cola, em 1960, seguida por um aquecedor de água, uma fatia de
Para você conhecer pão e, por fim, as latas de sopa Campbell. A série Latas de sopa Campbell
melhor a série que Andy
Warhol criou sobre a o tornou famoso e se transformou em uma das imagens mais famo-
sopa Campbell, assista sas da história da arte. Argan (1992, p. 575) não chamou a pop art de
ao vídeo Andy Warhol e a
Pop Art | As latas de sopas movimento ou tendência, mas de fenômeno. E, na origem do fenômeno,
Campbell | Top100Arte 78, estavam Rauschenberg e Johns.
de Patrícia de Camargo.
Ela mostra o método Não se pode afirmar que exista uma data exata que marca o
de Warhol e fala sobre
sua importância para a
nascimento da arte contemporânea. Entretanto, conforme afirma
história da arte. Millet (2000, p. 16), a partir de 1955, os artistas perceberam que todos
Disponível em: https://www.youtu- “os processos foram permitidos”, inclusive aqueles mais desconcer-
be.com/watch?v=an_JMAwS6Vc.
Acesso em: 11 abr. 2020.
tantes, provocadores e incompreensíveis. O fenômeno detectado por
Argan estava apenas começando.

1.2 Concepções e conceitos


Vídeo contemporâneos de arte
A primeira impressão que se tem é de que a arte ­contemporânea
é marcada por gestos extremos. Em 1953, um jovem artista,
Rauschenberg, apagou um desenho que havia recebido de De
­
Kooning. Para Anfam (2013, p. 219), esse gesto evidenciava que
­
“aquele capítulo da história já havia sido finalizado”. O autor se re-
feria ao expressionismo abstrato, fase de que De Kooning era con-
siderado um dos mais ilustres representantes. Rauschenberg criou
uma obra nova chamada Desenho de De Kooning apagado (Erased de
­Kooning Drawing), que está no Museu de Arte Moderna de São Fran-
cisco, EUA. Nesse caso, a obra nova não é somente o que restou do
desenho apagado, mas também o tratamento que dispensou à obra
anterior, colocando-a em moldura folheada a ouro com uma etique-
ta escrita à mão, onde se lê: Desenho de De Kooning apagado – Robert
Rauschenberg, 1953. A etiqueta é a mesma utilizada em exposições
e que informa título, autor e ano da obra. O gesto performático de
apagar, emoldurar e colar uma etiqueta com seu nome transformou
a obra em novidade. É bom lembrar que a busca pelo novo não era
apenas uma das características do modernismo, mas também uma
crítica ao expressionismo abstrato.

16 Arte Contemporânea
É uma obra simbólica em vários sentidos. Ao congelar seu gesto (de
apagar o desenho de um célebre artista), Rauschenberg retoma algu-
mas das características do modernismo mais radical, principalmente
dos trabalhos de Duchamp e do dadaísmo. Os Estados Unidos passa-
vam por um momento especial de consolidação como maior mercado
consumidor do mundo e, desde o início do século XX, o país já era visto
pelos artistas europeus como lugar onde trabalhos modernistas eram
bem aceitos. Os colecionadores americanos iam a Paris e compravam
obras que depois foram doadas para os grandes museus. Muitos ar-
tistas e professores migraram para os Estados Unidos, principalmen-
te durante a década de 30, por causa da ascensão do nazismo, e lá
permaneceram após o fim da Segunda Guerra Mundial. Alguns foram
professores da geração que criou o expressionismo abstrato.

No final da década de 1940, Rauschenberg estudou na famosa


Black Mountain College – considerada a escola mais progressiva do
mundo naquele período –, onde foi aluno de Josef Albers (1888-1976),
artista e professor modernista que se mudou para os Estados Unidos
em 1933. Albers tinha lecionado na célebre escola Bauhaus, criada em
1919. Para Argan (1992, p. 269), era uma escola democrática e, por
isso, foi fechada tão logo o nazismo chegou ao poder, em 1933. Seu
princípio básico era o da colaboração entre professores e alunos, e,
por esse motivo, muitos deles tornaram-se docentes, como o próprio
­Albers. A Bauhaus queria unir arte e artesanato, indústria e arte, e a
educação tinha papel fundamental nesse processo.

A relação de Rauschenberg com Albers foi um

FriedeWie/Wikimedia Commons
tanto tumultuada devido às ideias modernistas do
professor, mas respeitosa. Logo após deixar a esco-
la, o artista produziu uma série de pinturas que apre-
sentavam apenas uma tonalidade, o branco, que
lembrava o quadro de Malevich, Branco sobre branco,
de 1918. Muitos perceberam tratar-se de uma crítica
ao expressionismo abstrato, mas lembrava também
as experiências do seu professor, cujas pesquisas
com a cor sempre foram centrais em sua obra, como
é possível observar na imagem ao lado.

É possível perceber que Rauschenberg, assim


como Johns, antecipou algumas mudanças que ocorre-
ALBERS, J. Homenagem à praça (1964). Óleo sobre cartão, 121 x 121 cm. Museu
riam depois. É visível, ainda, o diálogo que mantive- Josef Albers, Bottrop, Alemanha.

Definição de arte contemporânea 17


ram com a arte moderna, apesar das críticas. Rauschenberg também é
Saiba mais associado a Kurt Schwitters (1887-1948), um artista de difícil classifica-
Assemblage é uma palavra ção, nascido em Hannover, na Alemanha. A ligação com Rauschenberg
francesa que significa monta-
se deu por causa das assemblages.
gem. Consiste em uma técnica
artística que reúne objetos Segundo Argan (1992), o objetivo de Schwitters era a obra de arte
encontrados ou criados e tem
origem nas experiências com total. Com isso em mente, criou uma obra que o crítico chamou de
a colagem. A diferença é o uso escultura-arquitetura, porque ocupou um quarto de sua casa, que ba-
de objetos maiores e mais pe- tizou de Merzbau. A obra era feita de gesso, com cavidades onde guar-
sados. Tanto Schwitters quanto
Rauschenberg utilizavam uma dava o que recebia dos amigos. Schwitters também recobriu a parte
técnica que elimina a distinção externa com outros objetos. Era uma obra que sempre crescia. Argan
entre obras bidimensionais
(1992, p. 685) explicou que era um “crescimento orgânico contínuo e
e tridimensionais, pintura e
escultura. Essa indistinção é ininterrupto”, que obrigou o artista a furar o teto do quarto para que
uma das características da arte a obra crescesse para o quarto do andar de cima. Ele explica que ela
contemporânea. Ambos elimi-
crescia “com uma criatividade incessante, livre, extraordinariamente
naram, também, a distinção
entre arte e vida, uma das mais feliz”. Infelizmente, Merzbau foi destruída por uma bomba na Segunda
potentes características da arte Guerra Mundial.
contemporânea.
Observe a colagem e o Merzbau que Schwitters construiu aos pou-
cos e compare-os aos trabalhos de Rauschenberg. Ambos são percur-
sores de manifestações artísticas que hoje parecem comuns, como os
objetos, as instalações, os ambientes e o vínculo cada vez mais reivin-
dicado entre arte e vida.
Sprengel Museum/Wikimedia Commons

Sailko/Wikimedia Commons

Christie’s/Wikimedia Commons

SCHWITTERS, K. Vista do Merzbau (Janela azul) (1933). SCHWITTERS, K. Maraak, Variação I (Merzbild) (1930). Técnica SCHWITTERS, K. Rua Mz x 21 (1947). Colagem, 18,5 x
Impressão p/b de scan a partir do negativo de vidro mista, 46 x 37 cm. Coleção Peggy Guggenheim, Veneza 14,5 cm. Coleção particular.
original. Sprengel Museum, Hannover, Alemanha. (Solomon R. Guggenheim Foundation, New York).

18 Arte Contemporânea
É certo que Schwitters e Rauschenberg eram artistas diferentes.
O primeiro, com uma linguagem contemporânea, ajudou a construir
o movimento moderno nas artes. O segundo influenciou uma ge-
ração de artistas posteriores com uma linguagem contemporânea
em um momento fundamental do modernismo, no qual a lingua-
gem modernista parecia ter atingido o auge com o expressionismo
abstrato. Comparar esses dois artistas precursores ajuda a entender
as concepções contemporâneas de arte. O artista contemporâneo
possui uma vantagem: não precisa ser tão radical quanto os artis-
tas modernistas, que queriam substituir séculos de arte naturalista,
aquela que tenta reproduzir a realidade. Em certo sentido, a arte
moderna trabalhou com a noção de arte como um fazer especial, e é
possível perceber a noção de construção de um objeto especial em
Schwitters e Rauschenberg.

A colagem nasceu com Pablo Picasso (1881-1973). Em 1913, o ar-


tista apresentou Guitarra, na qual utilizou papéis colados, carvão, giz
e nanquim sobre papel montado em tela, criando uma obra simples,
mas inovadora, e que serviu de modelo para novas invenções mo-
dernas. Picasso criou colagens, desenhos, pinturas e até esculturas
com o tema guitarras. A escultura de 1913, também chamada de Gui-
tarra, foi considerada por Tassinari (2001, p. 44) “a mais importan-
te escultura da história da arte moderna”. Picasso utilizou apenas
folhas de metal e arame, revolucionando mais uma vez a arte. Se
revolucionou a pintura, mostrando que não é preciso usar apenas
tinta, o mesmo se deu com a escultura, mostrando que é possível Vídeo
usar outros materiais, além da pedra e do bronze. Para você compreender
melhor as colagens de
Uma das características da arte contemporânea é a liberdade de Picasso, sugerimos um ví-
uso de diversos materiais. Até mesmo aqueles perecíveis, que irão se deo, produzido pelo Mu-
seu de Arte Moderna de
deteriorar e se extinguir. Era o rompimento com a pintura e a escul- Nova York – MoMA, sobre
tura anteriores. Tassinari (2001) afirma que, na arte moderna, ainda a obra Guitarra, copo e
garrafa, de 1913. Nele,
há elementos pré-modernos, mas a arte contemporânea seria a arte você poderá observar
moderna sem elementos pré-modernos. Picasso rompeu com quase como Picasso introduziu
materiais de fora do mun-
tudo da arte anterior, mas há vestígios de algum naturalismo, pois ele do da arte no quadro, um
será sempre um artista figurativo, ainda que sua figura seja distorcida. ­procedimento pioneiro.
Vale a pena assistir.
Os exemplos que apresentamos do par moderno/contemporâ- Disponível em: https://www.you-
neo poderão ajudar a compreender as concepções contemporâneas tube.com/watch?v=-jXFckR2yoY.
Acesso em: 12 maio 2020.
de arte. Elas apontam para vivências diversas. Desde a metade dos
anos 1950, os artistas começaram a romper com a ideia de uma arte

Definição de arte contemporânea 19


tão autônoma a ponto de dar as costas para a vida. Era o que pen-
savam alguns artistas desse período. A partir de então, ouvimos os
mais diversos prognósticos: a pintura morreu, a pintura voltou, a
pintura figurativa está em alta, os objetos substituíram as escultu-
ras, as esculturas voltaram etc. Não vivemos mais como nas primei-
ras décadas do século XX, quando os movimentos de renovação da
arte lançavam manifestos – foi assim com o dadaísmo. Um mani-
festo servia também para criticar outro movimento, geralmente o
Saiba mais anterior. Para alguns artistas modernistas, o que era moderno há
O termo francês avant-garde é alguns meses, deixava de ser algum tempo depois. A insistência pelo
de origem militar, referindo-se à
novo se tornou a razão de ser do movimento moderno. Por isso,
tropa que vai à frente. Essa ideia
de “ir à frente” foi absorvida pelos um termo se tornou comum entre artistas e estudiosos do perío-
artistas modernos e iluminou do: a vanguarda. Havia, também, um desejo pela autonomia da arte,
o radicalismo das primeiras
uma vontade de fazê-la existir por si mesma, e essa era a crítica de
décadas do século XX.
­Rauschenberg ao expressionismo abstrato.

O crítico mais importante do período, Clement Greenberg


­(1909-1994), sempre foi associado a esse movimento artístico. Conta-se
Saiba mais que visitava os ateliês e caminhava de olhos fechados até as obras por-

O que foi o dadaísmo? O dada, que não queria que nada interferisse em sua apreciação, pois desejava
palavra sem significado, contes- ter uma experiência o mais pura possível com a arte. Essa história, con-
tava tudo, a começar pela própria tada por Freire (2005), ilustra a crítica que a arte contemporânea faria
concepção de arte. O movimento
ocorreu durante a Primeira ao período moderno. É possível uma apreciação estética tão autônoma
Guerra Mundial, entre 1914 e assim? – perguntavam artistas inquietos, como Rauschenberg e Johns.
1918, e o centro do movimento
O valor da obra encontra-se na própria obra, parece dizer essa lenda
foi Zurique, na Suíça, mas os
artistas estavam espalhados sobre Greenberg. E era justamente isso que os dois jovens artistas não
por outras cidades, entre eles, gostavam no expressionismo abstrato.
Duchamp e Schwitters.
Alguns autores, como Argan (1992), associam o trabalho de
Rauschenberg e Johns ao dadaísmo. Essa classificação poderá nos aju-
dar a entender as concepções contemporâneas de arte. Já temos um
começo: a contemplação não é assim tão pura e a arte não é tão autô-
noma como queriam os modernos. Argan (1992) sugere a associação
dos artistas contemporâneos a um neodadaísmo – um novo dadaísmo.
As ações dos artistas dos anos 1960 eram próximas dos dadaístas do
início do século XX.

Era um período de crise, de críticas ao racionalismo cubista de


Picasso, à guerra, à arte, à estética. Pregava-se a antiarte. Este parado-
xo é percebido por Argan (1992): o dada é um movimento artístico
que nega a arte, um paradoxo que também acompanhará a arte con-

20 Arte Contemporânea
temporânea. Ao negar os valores estéticos, o dadaísmo se transforma
em ação, gesto. Alguns artistas contemporâneos chamam essas ações
de intervenções.

Wmpearl/Wikimedia Com
A imagem de um objeto de Man Ray, um dos expoentes do
dadaísmo, reforça a ideia de que a linguagem contemporânea teve
precursores no período de consolidação do modernismo. Man Ray
era o nome artístico do artista americano Emmanuel Radnitzky

mons
(1890-1976), que viveu parte da vida em Paris. É um exemplo de
artista contemporâneo que, mesmo sendo do período moderno,
utilizava vários meios: pintura, fotografia, cinema, objetos. Foi ami-
go de Duchamp, com quem trabalhou junto em projetos experi-
mentais. Ray era um pesquisador e um inventor em sua incansável
busca de soluções técnicas para materializar o que imaginava. Inven-
tou técnicas fotográficas e ajudou a transformar a fotografia em uma RAY, M. Presente (1921). Metal fundido, prego
de cobre, 17,5 x 10 x 14 cm. Réplica de 1972,
nova forma de arte. Outra característica contemporânea de Man Ray Tate Modern, Londres.
era a eliminação das fronteiras entre as diversas formas de expressão
artística; ele parece dizer que a fotografia pode ser usada para tudo,
principalmente como obra de arte.

Tim Evanson/Wikimedia Commons

RAY, M. Kiki, preto e branco (1926). Impressão em gelatina de prata, 17.5 x 21cm. Coleção particular.

As concepções de arte foram construídas e modificadas com o tem-


po. Pode-se dizer que essas concepções estão sendo construídas e mo-
dificadas agora, no mundo contemporâneo em que vivemos. No entanto,

Definição de arte contemporânea 21


foi possível acompanhar, algumas concepções parecem preservadas.
Parece existir algo que une artistas tão especiais. Podemos afirmar que
não é somente a poética que os une, mas também a maneira como se
posicionaram em relação aos problemas que se apresentavam nos mo-
mentos mais criativos de suas vidas. Ao apresentarem soluções poé-
ticas para problemas comuns, construíram pontes entre o passado e
o presente. Essa comunicação se transformou em uma das possíveis
concepções de arte.

1.3 Análise semiótica nas artes


Vídeo visuais contemporâneas
A literatura sobre a arte tem demonstrado ser possível utilizar a
semiótica como recurso para compreender ou interpretar a arte con-
temporânea. Noções como signo ou índice são proveitosas, quando
aplicadas na análise de obras de arte. Começaremos com a definição
de semiótica.

O filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) é o criador


da teoria dos signos, que chamou também de semiótica, palavra deri-
vada do grego semeion, que significa signo. Dessa forma, a semiótica é
definida como o estudo dos signos. Um signo representa alguma coisa
para alguém.

Antes de continuar com a definição de signo, porém, devemos tratar


da linguagem. Embora possa lembrar língua, não são a mesma coisa.
A língua é uma das linguagens possíveis. Turin (1992, p. 11) afirma que
a “linguagem é a faculdade que temos de representar”. Essa noção po-
derá ajudar a definir e compreender a arte.

A linguagem foi criada pelos homens com a função de ajudar a intera-


ção com os outros homens. Os sinais, que chamamos também de signos,
formam códigos, ou seja, a linguagem. É importante destacar que o signo
não é o objeto em si, mas alguma coisa que o substitui. Essa substituição
ocorre por meio de uma ação mental, ou seja, a interpretação que nossa
New Yo

mente faz do mundo. Assim, a linguagem é o conjunto de representações


r k Pu b

que dará significado ao mundo. A arte é uma parcela dessas representa-


l i c Li

ções de que dispomos para significar, marcar ou simbolizar o mundo.


brar

É também uma das linguagens possíveis, assim como é a língua.


y/W
ikim

Peirce é considerado o fundador da


e
dia

semiótica.
omC
mo

22
ns

Arte Contemporânea
Partiremos do princípio de que a obra de arte é um signo. Essa
afirmação é interessante porque sempre se considerou a obra de arte
como aquilo que era próprio do domínio das artes plásticas, como de-
sejava o modernismo. Para a arte contemporânea, por sua vez, uma
obra pode conter signos não artísticos. Lembre-se das assemblages,
que são “montadas” com objetos do cotidiano.

Antes, era possível pensar sobre o que distinguia as artes plásti-


cas de outras artes. Hoje a pergunta que se faz é: o que une as artes
plásticas às outras artes? Para um crítico dos anos 1930, era difícil
comparar uma obra de arte a um objeto do cotidiano. Imagine o
impacto que causou a obra de Duchamp, repleta de signos não ar-

Kim
tísticos. Para esse crítico imaginário, uma obra de arte se consti-

Tray
nor
tuía em um signo estético e, portanto, artístico. Reforçamos que

/W
ikim
um signo não é o objeto, apesar da materialidade da obra de

ed
ia
Co
arte. Isso, em tese, reforçaria sua autonomia da arte, mas não

mm
on
s
é o que fizeram os artistas contemporâneos a partir de mea-
dos dos anos 1950. Duchamp é um dos artistas mais citados
nos estudos sobre a arte contemporânea e, ao negar valo-
res estéticos em vigor há séculos, como as noções de
belo, contemplação e autoria, ele se tornou um dos
índices da arte contemporânea. Uma marca da qual
não conseguimos nos esquecer. Além de índice, a
Fonte tornou-se um ícone. Vejamos, agora, as defini-
ções de índice e ícone.

Outro aspecto do signo é relevante para as artes visuais: ele pode


DUCHMAP, M. Fonte (1917). Réplica. Scottish
ser ícone, índice ou símbolo. Essa divisão se dá com base na relação National Gallery of Modern Art, Edimburgo.
do signo com o objeto. O ícone pode ser explicado como signo visual,
uma imagem e, por isso, ele é um signo que sempre foi levado em
conta pelos estudiosos da arte. É um tipo de signo que re-
presenta alguma coisa por meio da semelhança. A pintu-
ra e a fotografia são exemplos desse tipo de signo, pois
mantêm relação de semelhança com o objeto pintado
ou fotografado. A qualidade da imagem pintada faz lem-
NNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNNN

brar o objeto.

Definição de arte contemporânea 23


Livro O índice é o resultado material do objeto. Por exemplo, sem a pin-
celada do pintor, não haverá o quadro pintado – esta marca, a pince-
lada, pode indicar o objeto. O exemplo mais comum é a pista que o
detetive encontra, como a cinza de um charuto no canto da sala. Essa
pista é o índice e pode indicar quem é o criminoso.

O símbolo representa o objeto por convenção, que pode ser uma


convenção social ou não. Os símbolos nacionais, por exemplo, são uti-
lizados por convenção. Basta ver uma bandeira para saber o que é,
Os livros sobre o detetive
Sherlock Holmes, perso-
mesmo quando não sabemos qual país ela representa. Um exemplo
nagem criado pelo escri- próximo de nossa área de estudo é a poética de um artista consagrado.
tor Arthur Conan Doyle
(1859-1930), são um bom
Basta olhar para uma de suas obras para sabemos sua autoria.
exemplo de leitura do

Gampe/Wikimedia Commons
mundo. Ao investigar um
crime, Sherlock entra na
sala e busca atentamente
cada detalhe, normal-
mente despercebido
por nós. É uma leitura
agradável, não apenas
por Doyle ser um grande
escritor, mas também
por ser um exemplo de
como é possível pensar
indicialmente. Há outros
exemplos, como o traba- KIEFER, A. Awake In The Gypsy
lho do médico no fecha- Camp! (2013). Salzburg,
Furtwänglerpark, obra em espaço
mento de um diagnóstico, público. Proprietário: Würth Group.
realizado pelos sinais e
sintomas do paciente,
que, nesse caso, são uma
forma de linguagem. Isso
não é apenas raciocínio
lógico, mas uma leitura
de tudo o que está ao
redor. Aliás, Doyle era
médico. Não parece mera
coincidência.

DOYLE, A. C. Sherlock Holmes:


obra completa. Rio de Janeiro:
HarperCollins, 2019.

KIEFER, A. Lilith no mar vermelho (1990). Técnica mista,


dia Commons
Fred Romero/ Wikime 280 x 498 cm. Antiga estação ferroviária transformada em museu
de arte contemporânea, Museum für Gegenwart, Berlim.

Os dois trabalhos do artista alemão Anselm Kiefer (1945-) são


exemplos de como um signo pode ser, simultaneamente, ícone, índi-
ce e símbolo. Com o ícone, a representação do objeto acontece por
equivalência. É um processo elaborado, que exige fruição do espectador.

24 Arte Contemporânea
A palavra fruição, aqui, tem o sentido de desfrutar ou deleitar-se com a
imagem. Contemplamos uma das obras de Kiefer e, por analogia, sabe-
mos de quem é. Os vestidos e os materiais que aplicou sobre o suporte,
por exemplo, nos remetem às obras de Kiefer.

Com o índice, é possível fazer uma substituição direta. Os vestidos, as


cores que o artista usa, o tamanho das obras, os materiais que sempre
aplica nas telas, são indícios de que se trata de um Kiefer. Esses indícios
são a “assinatura” do artista, sua caligrafia. Olhamos e já o identificamos,
ainda que os trabalhos dos artistas contemporâneos sejam diferentes
entre si.

Com o símbolo, o signo possui uma relação arbitrária com o objeto


que representa, baseada em convenção. No caso de Kiefer, percebo au-
tomaticamente que há vestidos ou roupas em uma tela monumental e
digo que é do artista. O mesmo pode ocorrer com um sinal de trânsito:
vejo um “E” e percebo que posso estacionar, e, se vejo roupas coladas
na tela, decido que é Kiefer. Isso é convenção.

A importância de se observar os signos


Giovanni Morelli (1816-1891) era um médico italiano apaixonado pela história da arte. Tão apaixona-
do que desenvolveu um método chamado método morelliano, que propunha atribuir corretamente a
autoria às obras dos velhos mestres da pintura. Ele dizia que não deveríamos nos concentrar naquilo
que é mais óbvio, e sim em detalhes como as orelhas, as unhas e as formas das mãos e dos pés.
Pode parecer engraçado, mas cada artista pinta de forma diferente. Há uma “caligrafia” pessoal
no jeito de pintar esses detalhes. Os historiadores da arte utilizam também esse método no difícil
trabalho de conferir autoria a obras do passado. As imagens a seguir são do livro Italian painters
(Pintores italianos), de Morelli, publicado em 1892.
Racconish/Wikimedia Commons

FRA FILIPPO LIPPI FILIPPINO ANTONIO POLLAJUOLO


FRA FILIPPO FILIPPINO SIGNORELLI BRAMANTINO

BERNARDINO DE’ CONTI GIOVANNI BELLINI COSIMO TURA

MANTEGNA GIOVANNI BELLINI BONIFAZIO BOTTICELLI


BRAMANTINO BOTTICELLI

Definição de arte contemporânea 25


O exercício que Pierce sugere é observar os signos, um exercício
que precisamos praticar também com a arte contemporânea. O que a
semiótica propõe é uma atenção às linguagens e a como as obras são
construídas. Dessa forma, conseguimos estabelecer relações com os
aspectos icônico e indicial. Trata-se de uma construção do pensamen-
to, uma ordenação dos signos. O problema é que procuramos primeiro
os significados e nos esquecemos de pensar no signo.

Pierce pensava em tudo como uma tríade. Assim como há a tríade


apresentada anteriormente – ícone, índice e símbolo –, há também
uma tríade entre signo, objeto e interpretante. Produzimos signos o
tempo todo para, principalmente, refletirmos sobre nós mesmos.
Lembre-se de que o objeto não é o signo, mas alguma coisa que o subs-
titui. O fruto dessa substituição é o interpretante, “que mantém uma
relação com o objeto, mas sem sê-lo” (TURIN, 1992, p. 19). Esse processo
interpretante é dinâmico e automático. Veja que interessante: essa re-
lação, então, é um processo, uma atividade contínua. Mais que isso, é
um processo relacional, fruto de construções e de passagens pelas
múltiplas linguagens, que pode ocorrer quando contemplamos um
quadro, por exemplo. A arte contemporânea é diversa, e a proposta
dessa tríade sugere a existência de um processo, no sentido de ativida-
de ou movimento. Afinal, assim é a arte contemporânea: um movimen-
to contínuo de reconstrução do mundo. A Figura 1 ilustra essa tríade.

Figura 1 Além do signo e do objeto, outro conceito chave


Tríade entre signo, objeto e interpretante da semiótica é a representação. No caso da pintu-
Interpretante ra e da escultura, há a substituição de um signo por
outro. Na pintura de uma paisagem, sabemos que se
trata de uma pintura, e não da natureza real.

A arte contemporânea possui uma vantagem:


ela apresenta uma imensa floresta de signos, como
explica Santaella (2017). A seleção será sempre um
ponto de vista entre muitos, e essa é uma das gran-
des virtudes da arte contemporânea, nem sempre

Signo Objeto valorizada. Nesse sentido, mesmo nos deparando


Fonte: Turin, 1992, p. 19. com todos os tipos de signos possíveis, o final é com-
pensador, principalmente quando conseguimos per-
ceber um diálogo entre eles. Nesse caso, a semiótica
nos ajuda na leitura desses signos.

26 Arte Contemporânea
Luisa Panza/ Wikimedia Commons
Interior do prédio da Bienal Internacional de Arte de São Paulo: exemplo de uma imensa floresta de
signos. O pavilhão possui 25.000 m².

Santaella (2017) afirma que devemos nos lembrar de que a arte é


feita de signos de múltiplas propostas. Eles aí estão para dar nova vida
à nossa percepção, à nossa capacidade de sentir e para nos ajudar a
desenvolver nossos sentimentos pensantes. Não se pode esquecer que
é em nossa mente que o signo produzirá um efeito interpretativo, uma
espécie de leitura do mundo e uma leitura das obras de arte. Os es-
pectadores da arte contemporânea se transformaram em leitores de
linguagens, capazes de perceber e procurar entender a imensa floresta
de invenções em que se transformou a arte das últimas décadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A noção de arte contemporânea é recente. É possível perceber que
optamos por essa expressão, e não pela expressão arte pós-moderna,
ainda utilizada em outras disciplinas universitárias, como a sociologia.
A expressão arte contemporânea guarda particularidades próprias do
mundo da arte. Afinal, esse é o nosso mundo. Mesmo assim, esse de-
bate foi importante para levantar questões sobre a arte moderna, pois
a reflexão sobre a arte contemporânea nos obrigou a refletir também
sobre a arte moderna.
As concepções de arte para os artistas contemporâneos são tão am-
plas que resultaram na dificuldade classificar uma obra como pintura ou
escultura. No período moderno, uma escultura ainda era uma escultura,
mesmo com as colagens de Picasso e os objetos de Duchamp, obras que
podemos chamar de demolidoras de qualquer definição. Veja que cita-
mos dois artistas modernos. Devemos a eles e aos seus companheiros

Definição de arte contemporânea 27


de geração a atual liberdade de colar objetos pesados ou não em uma
tela. Vencer nossa vontade de classificar qualquer coisa é um dos bene-
fícios de se estudar a semiótica. Que a breve introdução que fizemos es-
timule você a estudar um pouco mais sobre essa área de conhecimento,
que trata a obra de arte como signo, imagem, representação – é uma
forma de não reduzir a obra à técnica utilizada. Esse é o desejo de todos
os artistas e pesquisadores.

ATIVIDADES
1. Se a arte contemporânea não é apenas aquela feita agora, podemos
considerar que seu início se deu quando?

2. Quais foram as principais contribuições de Robert Rauschenberg e


Jasper Johns para a arte contemporânea?

3. Por que é possível afirmar que Duchamp se tornou um índice da arte


contemporânea?

REFERÊNCIAS
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Martins Fontes, 2013.
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CANTON, K. Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
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Paulo: Martins, 2005.
DANTO, A. C. Andy Warhol. Trad. de Vera Pedrosa. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
FARIAS, A. Arte brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
FREIRE, C. Afasias na crítica de arte contemporânea. In: GONÇALVES, L. R.; FABRIS, A. (org.).
Os lugares da crítica de arte. São Paulo: ABCA/Imprensa Oficial do Estado, 2005.
GIANNOTTI, M. Breve História da Pintura Contemporânea. São Paulo: Claridade, 2009.
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Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
MILLET, C. Arte Contemporânea. Trad. de Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.
PEDROSA, M. Arte. Ensaios: Mário Pedrosa. Organização, prefácio e notas de Lorenzo
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U. (org.). Signos artísticos em movimento. São Paulo: Big Time, 2017.
TASSINARI, A. O espaço moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
TURIN, R. N. Aulas – Elementos de Linguagem. São Carlos: Escola de Engenharia de São
Carlos – USP, 1992.

28 Arte Contemporânea
2
O pensamento artístico
contemporâneo
Este capítulo tratará de algumas características da arte contem-
porânea. Além da escolha ilimitada de suportes e materiais, o ar-
tista contemporâneo teve – e tem – liberdade para abordar temas
não tratados no período moderno.
A transição para a arte contemporânea ocorreu em um momento
de grandes transformações comportamentais, sociais e econômicas.
Os anos 1960 foram intensos e provocaram mudanças que reper-
cutem até hoje. A arte foi uma das protagonistas desse período, pois
os artistas viveram, acompanharam e registraram essas transforma-
ções. Porém, ela não é um mero documento de seu tempo, pois há
preocupações formais e plásticas próprias da prática artística, mas
a sensibilidade do artista, ao utilizar suas experiências, transforma
sua obra em um registro também histórico. É bom repetir que esse
registro não é intencional, pois o uso de imagens como evidência
histórica é posterior. Essas imagens são utilizadas por historiado-
res, críticos e pesquisadores, pois se transformaram em ricas fontes
de consulta. A arte nos ajuda a dar sentido ao mundo e às nossas
ações. Assim, as imagens produzidas pelos artistas – de qualquer
época – possuem um caráter estético e ético ao mesmo tempo. Essa
é uma das razões do nosso interesse.

2.1 Os temas da arte contemporânea


Vídeo Nada é mais característico da arte contemporânea do que os temas
tratados por seus artistas. O tema gerava polêmicas para os artistas mo-
dernos, pois não era óbvio em grande parte das vezes. A crítica mais
comum afirmava que o artista não tinha dado expressão ao tema que
escolheu. Na arte contemporânea, essa crítica é mais frequente e sem-

O pensamento artístico contemporâneo 29


pre acompanhada das seguintes perguntas: “Isto é arte?” e “O que o
artista quis dizer?”. Ainda que tenha mais interesse na forma, na organi-
zação que quis dar à sua obra, o artista será questionado sobre o tema.

Conteúdo e tema são diferentes. O tema está ligado à materialida-


de da obra, que o espectador consegue associar aos objetos reais. Na
arte abstrata, essa associação é mais difícil, mas é possível percebê-lo
a partir dos materiais utilizados e dos movimentos e dos gestos do ar-
tista. Nesse caso, tema e forma se juntam. O conteúdo é a mensagem
da obra de arte, que está sujeita à interpretação do espectador e é um
dos aspectos da arte contemporânea que mais causam controvérsias.
A crença sobre a existência de uma mensagem pode atrapalhar a co-
municação entre a obra e o espectador. Não se pode esquecer, contu-
do, de que a obra está aberta a interpretações e que, às vezes, nem o
próprio artista pode ter se dado conta do conteúdo criado por ela.

A palavra mensagem assusta artistas, críticos e até mesmo especta-


dores, pois a preocupação exagerada com algo que se deseja transmitir
pode reduzir a atenção à linguagem artística. Ou seja, o conteúdo po-
derá ser o centro das preocupações do artista e se sobrepor aos modos
de criação da própria arte. É preciso, entretanto, lembrar que a arte é,
antes de tudo, uma forma de linguagem – ela diz algo sobre alguma
pessoa ou sobre alguma coisa.

Assim, independentemente da época em que foi criada, a obra de


arte combinará tema, forma e conteúdo. A importância de cada um
desses aspectos pode variar conforme a técnica utilizada pelo artista.
Ocvirk et al. (2014, p. 11) chamam de unidade orgânica a interação entre
Figura 1
essas características. O diagrama a seguir ilustra, didaticamente, a rela-
Unidade orgânica
ção entre tema, forma e conteúdo.

A arte contemporânea poderá embaralhar os aspectos da


FORMA unidade orgânica e usá-los de modo diferente. Um dos ca-
“como”
minhos será modificar a maneira de olharmos e pensarmos
r q DO

a arte do nosso tempo. Nem sempre a unidade desses três



TE que

“po TEÚ
ue
“o

aspectos será orgânica, mas isso não diminui e nem engran-


M ”

N
A

CO

dece determinada obra. Às vezes, um aspecto será mais valo-


rizado pelo artista. Tudo dependerá do esforço que fará para
atingir o objetivo que imaginou.
Combinando para produzir
uma unidade orgânica
Fonte: Ocvirk et al., 2014, p. 14.

30 Arte Contemporânea
Oxyman/ Wikimedia Commons

Oxyman/ Wikimedia Commons


Interior da escultura Fulcrum.

1
1
SERRA, R. Fulcrum (1987). Site specific de 17 m,
em aço corten, próximo à estação Liverpool Street, A tradução livre deste termo é
Londres.
sítio específico. A palavra sítio
Richard Serra (1938-) é um artista americano que começou a expor tem o sentido de local ou espaço.
Assim, site specific refere-se
suas obras no final dos anos 1960. Não há propriamente um tema na a obras criadas para algum
escultura dele, que subverte a unidade entre tema, forma e conteúdo. ambiente determinado. Normal-
Em 1997, ele expôs desenhos pintados diretamente sobre a parede do mente são trabalhos grandes,
um pouco mais complexos e que
Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. Na época, foram publi- buscam manter relação com o
cadas diversas análises sobre a obra de Serra. espaço ao redor. É uma expres-
são que passou a ser utilizada
Será que podemos considerar essas intervenções no espaço exposi- pela arte contemporânea a partir
tivo como o tema dos trabalhos apresentados pelo artista? De todos os dos anos 1970.
comentários da época, separamos dois para ajudar nessa análise. São
textos de especialistas, escritos no calor do momento: o de Ronaldo
Brito, publicado no jornal O Estado de São Paulo, e o de Rodrigo Naves,
publicado na revista Veja. Os dois textos foram publicados com alguns
dias de diferença, entre novembro e dezembro de 1997.

Brito (2005) afirma que as esculturas de Serra tomam a geometria


com um saber positivo, sendo mais um modelo de construção do que
de contemplação. A monumentalidade desafia o senso comum e inje-
ta na experiência estética um caráter vital. O escritor está falando das
obras monumentais de Serra, que ocupam espaços públicos. Podemos
afirmar que o tema da escultura da estação Liverpool Street de Lon-
dres é a própria intervenção nesse espaço. Sua aparência e sua escala

O pensamento artístico contemporâneo 31


parecem confirmar essa ideia, pois trata-se de uma obra que acaba
interagindo com tudo ao redor. A arte contemporânea parece nos dei-
xar sempre em dúvida. É provável, então, que tenhamos conseguido
elaborar algum sentido sobre o tema (“o que”) das criações de Serra.
Sua forma (“o como”) é parte constituinte da obra. Não será possível
entender o tema sem observar a ausência de tratamento da superfície
da escultura, como Brito (2005) apontou em seu texto. A possibilidade
de o material enferrujar parece “dizer” que Serra está falando de nossa
finitude. Sua obra parece também “falar” de muitas outras coisas.

Em maio de 2014, em entrevista à revista Época, Serra falou da rela-


ção que sua escultura mantém com o espaço. Ele afirma que quer inte-
ragir com a cidade, mas utilizando sua linguagem (EVELIN, 2014).
A referência, nesse caso, é a arquitetura. No entanto, Serra parece afir-
mar que faz arte, escultura, e não arquitetura – sua preocupação é ar-
tística. Por outro lado, as esculturas públicas de Serra necessitam de
muitos ajudantes, principalmente engenheiros. É um trabalho de cálcu-
lo. Afinal, para manter em pé suas esculturas, como a da Estação
­Liverpool, são exigidos tempo de estudo e muito planejamento. Brito
(2005) analisa cuidadosamente os trabalhos de Serra. Veja que ele bus-
ca compreender as preocupações do artista, como se procurasse o
conteúdo. Serra é um artista que trabalha principalmente com obras
públicas, daí a razão de o crítico se preocupar com o espaço.

Rodrigo Naves (2007, p. 387), por sua vez, começa seu texto com
O a seguinte afirmação: “Richard Serra é o maior artista plástico da
O OO
OO atualidade”. Como em Brito, a forma parece ter destaque. Para
O
OOO

o escritor, os enormes trabalhos de Serra são imponentes e


OO
OOOO
OOO O

se equilibram constantemente. Essa afirmação é a respeito


O
OOOOOOOOO

tanto da forma das esculturas quanto do lugar onde estão


instaladas. Portanto, é o lugar (ou o espaço, como chama
Brito) o centro das preocupações de Serra. Naves (2007)
diz que as esculturas do artista ativam esses lugares.

Há coincidências e diferenças nas duas opiniões apre-


sentadas. Os dois críticos são exemplos da preocupação
com aspectos técnicos e formais de uma obra. Eles sa-
bem que a unidade orgânica entre forma, conteúdo
e tema se manifesta diferentemente nos artistas
contemporâneos. O exercício crítico, nesse caso,

Richard Serra, em 2005.


32 Arte Contemporânea
é um pouco mais complicado e exige uma atenção redobrada, pois
essas três características com as quais estávamos acostumados agora
se embaralham. Muitas vezes, conteúdo e tema tornam-se uma coi-
sa só. Em outras, a forma desaparece. Pensar em uma obra de arte
sem forma também exige uma atenção especial, como é o caso da arte
conceitual, que valoriza o processo de pensamento sobre a materiali-
dade da obra. Com frequência, na arte conceitual, o objeto está desma-
terializado. Por isso, ele é chamado de arte desmaterializada.

A crítica de arte e curadora Lucy Lippard (1937-), uma das primei-


ras teóricas a utilizar essa expressão em artigo que escreveu com John
Chandler, em 1968, explica que o trabalho é cada vez mais projetado
no estúdio do artista e executado externamente por um ou mais pro-
fissionais, como no caso da escultura de Richard Serra (CHANDLER;
­LIPPARD, 2013). Para esses artistas, o estúdio é um local de estudo.
É essa tendência que Lippard e Chandler chamam de desmaterialização
da arte. Em termos estéticos, os dois autores perceberam a negação
da matéria (o material com o qual a obra é feita) e a transformação da
sensação em conceito. Lembre-se de que a palavra estética foi cunhada a
partir do termo grego aisthesis, que significa sensação. A arte conceitual,
portanto, faz parte de um movimento questionador da estética que co-
meçou com os artistas modernos.

A arte extremamente conceitual recusa completamente o objeto. Saiba mais


Assim, não há como pensar em tema, conteúdo ou forma, isolada- Você deve ter percebido o
uso da palavra objeto com
mente; é quando a arte se transforma em puro gesto. Um exemplo é
alguma frequência. A primeira
o trabalho de Antonio Manuel (1947-). Em 1970, o artista inscreveu o constatação é a de que o objeto
próprio corpo no Salão de Arte Moderna, organizado pelo Museu de artístico mudou. O objeto que
estudamos agora pode ser de
Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM). O trabalho, chamado O Corpo
todos os tipos: aqueles retirados
É a Obra, foi recusado. O artista, então, apresentou-se nu na noite de da vida cotidiana, como Duchamp
abertura do salão. Pode-se classificar esse trabalho de Antonio Manuel fazia; aqueles que um dia foram
objetos do cotidiano, mas, após
de várias formas: como gesto, como criação de uma situação ou como a intervenção dos artistas,
uma ação, demonstrando que o corpo pode ser utilizado de várias ma- transformam-se em outros
neiras – como suporte, inspiração ou tema. objetos; e aqueles especialmente
construídos a partir de materiais
Retomando a obra de Richard Serra, podemos nos perguntar: é diversos, quando comparados à
escultura tradicional. O objeto pode
só isto que o artista pretende, que sua obra se relacione com o espa-
ser construído para o ambiente
ço? Serra, como qualquer artista, tem a intenção de criar obras que interno ou externo e, também,
se transformem em experiências. Essa palavra, para o artista contem- para uma determinada instalação.
porâneo, está no centro de suas preocupações: ele deseja uma expe-
riência transformadora e próxima entre o espectador e sua obra. Esse

O pensamento artístico contemporâneo 33


desejo de participação do espectador na obra tornou-se preocupação
dos artistas nos anos 1960. Era uma crítica à redução da obra a mera
atividade contemplativa. Duchamp dizia que não queria fazer uma arte
“retiniana”, que se resumiria ao olhar do espectador.

Saiba mais O artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980) dizia que era um “pro-
positor”, isto é, ele apresentaria algo que só seria transformado em
A palavra instalação é utilizada
para se referir ao meio artístico obra com a participação do espectador. O desejo do artista era abolir a
que se realiza no espaço. O proble- posição passiva do observador para que a obra pudesse se completar.
ma é que a escultura também
Oiticica deixou vários cadernos de anotações. Uma frase de um desses
utiliza o espaço. O que a torna
diferente? Vamos, então, às cadernos, “Museu é o mundo”, sintetiza suas ideias a respeito da arte.
diferenças: Alguns artistas dos anos 1960 e 1970 desejavam transformar o mundo
• Podemos circular dentro de em um local de interação entre arte e vida. Essa frase foi o título de uma
uma instalação. Há, portanto,
uma relação física com ela. grande exposição de Oiticica que percorreu várias cidades.

Ministério da Cultura/ Wikimedia Commons


• Antes de essa palavra ser
utilizada, usava-se o termo
ambiente, pois o espectador
entrava em determinado am-
biente. Um exemplo de arte
ambiente é a obra Tropicália
(1967), de Hélio Oiticica. O
espaço foi construído com
materiais diversos para que
o espectador vivesse uma
experiência diferente. O chão
foi revestido de areia, por isso
uma das sugestões do artista
era entrar descalço na obra.
Havia também plantas, araras,
um aparelho de TV e outros Detalhe da exposição Hélio Oiticica – Museu é o Mundo, no Museu Nacional Honestino Guimarães,
em Brasília, no ano de 2010. Essa exposição foi montada em diversas cidades. Perceba que
materiais.
Oiticica trabalhava com o conceito de arte ambiental. Todo o ambiente é criado para que o
• A definição de instalação, espectador tenha uma experiência sensorial. É possível ver, na imagem, a obra Tropicália,
contudo, é mais ampla do que parcialmente reconstruída.
imaginamos. Se um artista
revestir uma enorme parede As obras que sintetizam a proposta artística de Oiticica são os
com desenhos de sua autoria ­Parangolés, capas criadas com diversos materiais e que o espectador
realizados em papel, colando-
poderia vestir para dançar samba. Esse espectador passaria a ser par-
-os lado a lado, provavelmente
classificaremos a obra como ticipador, pois “vestiria” a pintura.
instalação e não “desenho
Oiticica conta que descobriu a palavra na rua, quando estava no
sobre papel”. Há um trabalho
físico na montagem desse ônibus, a caminho do trabalho. Viu um mendigo que estava construin-
trabalho e uma negociação do seu espaço em um terreno baldio. Ele usava estacas, paredes de
para instalá-lo no espaço que
o artista pensou. Isso sem barbantes e um pedaço de tecido, no qual estava escrita a palavra
falar que ele pode solicitar a parangolé. Era a palavra que procurava. O programa parangolé gerou
derrubada de paredes. várias capas e estandartes. A associação com o samba e o carnaval
marca o Parangolé.

34 Arte Contemporânea
Perceba que grande parte dos artistas contemporâneos tem duas Vídeo
preocupações: a intenção de provocar experiências (não só estéticas) e Hélio Oiticica é um dos
artistas brasileiros mais
o desejo de provocar interação entre obra e espectador. Você deve ter comentados e expostos
notado, também, que os trabalhos dos artistas dos anos 1960 e 1970 são no exterior. Na internet,
você encontrará dezenas
marcados por um experimentalismo acentuado. Oiticica, por exemplo, de vídeos sobre o artista.
gostava da palavra invenção, como algo genuinamente novo e criativo. Um deles é o documen-
tário sobre a exposição
Devido a esse experimentalismo aparentemente ilimitado, alguns artis- Museu é o Mundo. Perceba
tas perceberam a dificuldade de compreensão de diversas obras. como Oiticica imaginou a
interação do observador
A partir dos anos 1980, explica Canton (2009), muitos artistas busca- com os Parangolés. Atente,
também, para a instalação
ram aproximação com a realidade e o público. Assim, eles retomaram a Tropicália, que acabou
ideia de narrativa (no sentido de se contar uma história) e ­procuraram inspirando o movimen-
to cultural chamado
criar obras que se relacionassem com a vida, como a geração anterior tropicalismo, cujos nomes
também queria, mas sem pensar em obras que tivessem valor apenas mais conhecidos foram os
cantores e compositores
em si mesmas. Há uma revalorização da pintura. José Leonilson Bezerra Caetano Veloso e Gilberto
Dias (1957-1993) é um dos principais artistas desse período. No entanto, Gil. Esse movimento
incluía outras linguagens
ele não é só pintor. Esta é outra característica dessa geração: ele cria artísticas, como as artes
também instalações, é escultor, desenha com bordados, utiliza diversos plásticas, a literatura e o
cinema. O canal do Sesc-
tipos de tecidos e cria objetos. Para Canton (2009), uma característica TV o publicou em duas
dos artistas contemporâneos das últimas três décadas é a busca de sen- partes e o intitulou Museu
Vivo: Helio Oiticica.
tido. Isso ocorre tanto em termos formais quanto na busca de com-
Disponíveis em: https://www.you-
preensão da realidade. E, nessa realidade, cabem a política, a ecologia, a tube.com/watch?v=ok7Xsj-TwvQ;
cultura e a afetividade. Nas obras de Leonilson, é possível observar como https://www.youtube.com/
watch?v=t_IkBL1Rmwo. Acesso
o artista lida com os afetos, a memória e o corpo. em: 29 maio 2020.
Os modernos precisaram negar a geração an-

Ricardo André Frantz/ Wikimedia Commons


terior, a estética clássica, o academicismo etc., já os
artistas contemporâneos não precisam negar nada
e, por isso, podem experimentar tudo. Incorporaram
os experimentalismos do modernismo do século XX e
da primeira geração de artistas contemporâneos e os
vincularam às necessidades de um novo tempo. Não
abandonaram o abstracionismo, a arte conceitual e
as diversas experiências corporais, mas provocaram
uma grande dificuldade para o pesquisador: contar DIAS, J. L. B. (Leonilson). A viagem secreta (1987). Acrílico sobre lona. Museu de
Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), Porto Alegre.
uma história linear da arte contemporânea. O motivo
é positivo: a possibilidade que o artista contemporâneo tem de trabalhar
com qualquer linguagem. Ele não é expressionista, cubista ou abstracio-
nista, ele pode ser tudo. Com isso em mente, torna-se mais fácil identi-
ficar temas e conteúdos, principalmente com o retorno do diálogo com

O pensamento artístico contemporâneo 35


a realidade, que Canton (2009) chama de narrativas. Assim sendo, utili-
zamos mais as classificações formais (instalação, objeto, livro do artista
etc.) e menos pintura figurativa ou abstrata, escultura ou gravura.

A evolução da arte contemporânea, desde as transformações que


ocorreram a partir de 1955, aponta para uma sobreposição do tema,
do conteúdo e da forma. Tudo ao mesmo tempo. A escolha da instala-
ção, por exemplo, ocorrerá por necessidades expressivas. Isso significa
que o artista percebeu que precisará de espaço, objetos e qualquer
tipo de material para concretizar o que imaginou. Ele poderá utilizar
suportes tradicionais, como a pintura e o desenho, e misturá-los com
objetos do cotidiano.

Alguns artistas dizem que os temas os escolhem, não o contrário.


Pode ser apenas uma frase de efeito, mas demonstra que os artistas
ainda pensam nos temas. Também o fazem os críticos: por isso apre-
sentamos dois comentários sobre a obra de Serra. A arte, repetimos,
é sempre sobre alguma coisa, até quando parece ser sobre o nada,
como na performance de Antonio Manuel no Salão do MAM. O reflexo
da antiarte de Duchamp e de alguns artistas dos anos 1960 estava pre-
sente no gesto de Antonio Manuel. No entanto, em todos esses artistas,
a linguagem (o como) se mostrou incisiva – não a ponto de escancarar
o tema, mas deixando a porta entreaberta, como faz toda grande arte.

2.2 Os suportes
Vídeo A palavra suporte é utilizada para designar qualquer coisa que sus-
tenta ou escora algo. Não é diferente nas artes visuais. Você deve ter
pensado na tela para pintura, mas, se pensou no papel usado para o
desenho ou no muro para o grafite, também acertou.

O exemplo que escolhemos para discutir o suporte na arte contem-


porânea é a escultura. Antes de tudo, é necessário lembrar que ela é
uma técnica, como a pintura, mas com o objetivo de criar objetos tri-
dimensionais. Há vários métodos de se criar um objeto tridimensional.
Um dos mais conhecidos é o da subtração, no qual a matéria é removida
até o artista decidir que chegou à forma que imaginou. A matéria, nesse
processo, pode ser a pedra, a madeira, o gesso, a argila, o cimento etc.

Com o tempo, os artistas desenvolveram outros métodos para criar


objetos tridimensionais. Ao invés de subtrair, por que não somar? Ou

36 Arte Contemporânea
manipular: costurar, trocar, colar. A imagem do escultor com o cinzel
em frente a um bloco de pedra foi substituída pela do artista traba-
lhando com a solda, os parafusos, a cola e ferramentas diversas. Os
materiais também mudaram: podem-se usar plásticos, tecidos, vidros
e qualquer coisa descartada ou não pela sociedade industrial.

Auguste Rodin (1840-1917) preferiu dar a sensação de inacabado à


escultura O beijo, principalmente em sua base de pedra. Nela, deixou
as marcas de seus instrumentos de trabalho. É um procedimento mo-
derno, que o artista já anunciava: quando fazia os moldes para seus
trabalhos em bronze, Rodin deixava as marcas dos seus dedos. Essa
gestualidade foi imitada nas décadas seguintes.

A foto a seguir foi provavelmente tirada no Depósito de Mármores


de Paris, em 1898. Era um pavilhão que guardava obras púbicas. Há
outras versões desta escultura em outros tamanhos e com outros
materiais. Esta obra é um exemplo do método de subtração utiliza-
do na escultura.
Vídeo
Eugène Druet/Wikimedia Commons Este pequeno vídeo,
publicado pelo canal
Ana Rosemberg, mostra
detalhes da escultura O
Beijo, de Rodin. É também
uma oportunidade de
conhecer o Museu Rodin,
de Paris.

Disponível em: https://www.you-


tube.com/watch?v=JRU1frUXmhU.
Acesso em: 29 maio 2020.

RODIN, A. O beijo (1882). Mármore, 181,5 x 112,5 x 117 cm. Museu Rodin, Paris.

Pode-se afirmar que a arte contemporânea ampliou o significado de


escultura para qualquer objeto tridimensional? É o que iremos discutir.
Craca, do artista brasileiro Nuno Ramos (1960-), é um exemplo de obra
realizada a partir da manipulação de vários materiais, além de utilizar
um método complexo de criação. Ele fundiu alumínio com vários ma-
teriais, principalmente fósseis de animais. O alumínio é um metal uti-

O pensamento artístico contemporâneo 37


lizado com vários propósitos na indústria. Ele tem a vantagem de ser
maleável como os materiais mais tradicionais usados pelos escultores
– a argila e o bronze, por exemplo. As duas imagens a seguir mostram
duas versões dessa obra.
Arte Fora do Museu/ Wikimedia Commons

Dornicke/Wikimedia Commons
RAMOS, N. Craca (1995). Alumínio fundido com fósseis de animais, 278 x 330 x 556 cm. Jardim da RAMOS, N. Craca Segunda Versão (1995-1996). Alumínio fundido com fósseis de
Luz, em São Paulo (SP). animais, 300 x 720 x 350 cm. Parque do Ibirapuera, São Paulo (SP).
A obra está no Jardim de Esculturas do Museu de Arte
Moderna de São Paulo (MAM-SP).

Site O alumínio, assim como o bronze, precisa ser derretido em altas


No site do artista Nuno temperaturas. Isso permitiu que Ramos misturasse o alumínio derreti-
Ramos, há fotos do
processo de fundição do com fósseis de animais, areia, cera, folhas, flores, conchas. O resul-
do alumínio e outros tado, para quem observa a obra, é aquilo que em certas regiões do país
materiais que resultaram
nas duas versões da obra é chamado de craca: a camada de saliências fixada em rochas ou obje-
Craca. Você poderá ver tos flutuantes do mar, como a madeira. Normalmente, é um espécime
o processo acessando o
link a seguir. marinho que gruda nas pedras ou nos cascos dos barcos e provoca a
Disponível em: http://www. sensação de textura para quem olha. É uma sensação que a obra de
nunoramos.com.br/portu/comercio. Ramos também provoca.
asp?flg_Lingua=1&cod_Artista
=95&cod_Serie=28. Acesso em: O exemplo de arte tridimensional, como o trabalho de Ramos,
29 maio 2020.
é analisado por Rosalind E. Krauss (1941-), teórica da arte, crítica e
professora que, em 1979, publicou um artigo intitulado A escultura no
campo ampliado, que se tornou referência no estudo da arte contem-
porânea. Nele, a autora afirma que coisas surpreendentes são cha-
madas de escultura. Ela cita corredores com aparelhos de TV, grandes
fotografias, espelhos em ângulos diferentes, linhas traçadas no deserto
(KRAUSS, 2008). Esses trabalhos só poderiam ser tratados como escul-
turas, afirma a crítica, se a definição dessa categoria (é assim que a cha-
ma) se tornasse maleável.

Krauss não informou o nome do artista que usou aparelhos de TV,


mas poderia ser Nam June Paik (1932-2006), artista sul-coreano que

38 Arte Contemporânea
trabalhou com vários meios e foi um dos primeiros a usar o vídeo como
expressão artística. Paik usava aparelhos de TV, rádios, computadores;
era engenhoso na manipulação desses objetos, que eram desmonta-
dos, soldados, colados. Em um de seus últimos trabalhos, o Bakelite
Robot, de 2002, procurou, em lojas de artigos usados, rádios fabrica-
dos com baquelite. A baquelite, inventada no início do século XX, foi o
primeiro plástico resistente ao calor. Ela é pouco utilizada
hoje porque, depois de moldada, não pode ser reciclada.
Paik queria criar uma escultura com o primeiro plástico
utilizado no mundo. Com esse material, o artista criou
uma figura com traços humanos. Ele removeu a parte interna
dos rádios do quadril, das mãos e dos joelhos e a substituiu por mo-
nitores de TV que exibem filmes antigos sobre robôs. Os trabalhos

FFFFFFFFFFF
de Paik confirmam a noção de campo ampliado da escultura, desen-
volvida por Krauss. Para ela, a permissão para o artista pensar essa

FFFFFFFFFFFFF
ampliação ocorreu entre os anos 1968 e 1970 (KRAUSS, 2008).

Paik é um exemplo de suporte surpreendente. O período con-

FFFF FF
temporâneo é marcado por grandes possibilidades estéticas, que
os artistas perceberam e aproveitaram. Krauss (2008) cita o traba-
lho do artista americano Robert Morris (1931-2018), que criou um
observatório em madeira e grama na Holanda. Esse trabalho, de PAIK, N. J. Bakelite Robot (2002). Vídeo,
monitores e rádios, 120 x 92 x 20.5 cm. Tate
1971, chamado justamente de Observatório, juntou-se à paisagem. Ele pla- Modern. Londres.
nejou cuidadosamente a construção, seguindo as coordenadas do céu.

Lvellinga/Wikimedia Commons

MORRIS, Robert. Observatório (1971). Site specific. Holanda.

O pensamento artístico contemporâneo 39


Observe se é possível associar o trabalho de Morris ao de Robert
Smithson (1938-1973), artista que é um dos maiores representantes
da Land Art, a arte da terra, e que trabalhava com obras monumentais.
O Observatório, de Morris, é grande, mas a espiral de Smithson possui
uma escala ilimitada. Nessa obra, localizada em um lago de Utah, o ar-
tista precisou de seis mil toneladas de rochas de basalto preto e terra.

Eve Andree Laramee/Wikimedia Commons


SMITHSON, R. Spiral Jetty (1970). Rochas de basalto preto e terra, 452,7 x 4,57 m. Grande Lago Salgado. Utah, EUA.

A. Janson e H. W. Janson (1996, p. 409) chamam o trabalho de


­Smithson de escultura ambiental, pois seu material é a terra. Perceba,
também, que a espiral segue um sentido anti-horário e se desgasta
com o tempo. Esses dois aspectos causam estranhamento, mas não
são maiores que a perplexidade com o gigantismo da espiral de rochas
e terra que invade o lago. Apesar de efêmera, a obra gerou outras: um
filme do próprio artista sobre a construção, os desenhos do projeto e
as fotografias, que não param de ser produzidas. O mais espantoso – e
Krauss percebeu isto – é a manipulação física do lugar. Parece que o
artista quer deixar marcas. No caso de Morris e Smithson, eles de fato
deixaram. A possibilidade de expandir a noção de suporte parece ser
uma das grandes motivações dos artistas contemporâneos.

Essa possibilidade de expansão parece não ter limites, mesmo


quando o suporte parece ter se esgotado, como é o caso da pintura.
Porém, percebe-se que ela, assim como a escultura, reinventa-se. Um
exemplo é Frank Stella (1936-), pintor e escultor americano que mistura
as duas linguagens. Ele utiliza tintas metálicas e recorta telas ou outro

40 Arte Contemporânea
material que funcione como suporte. Há obras que são claramente es-
culturais, enquanto outras parecem pinturas. No fundo, Stella segue
apenas seu impulso artístico e não se preocupa com alguma fórmula
específica. Nesse sentido, pode-se dizer que ele revigorou a pintura uti-
lizando materiais e suportes diferentes. Assim como os escultores
expandiram o conceito de escultura, Stella expandiu o de pintura.

A figura ao lado mostra um trabalho suspenso

Cherylsh.ng/Wikimedia Commons
no lobby principal do Hotel Ritz-Carlton Millenia,
em Singapura. Stella, assim como outros artistas,
criou trabalhos especialmente para os espaços
públicos e suítes do hotel. Observe como ele tra-
balha com o suporte e como há um vínculo entre
pintura e escultura. O hotel também é diferente:
possui 4.200 obras de artistas como Stella e Andy
Warhol. É um exemplo contemporâneo de espaço
de exposição.

Podemos perceber, portanto, que não foi ape-


nas o formato que mudou, mas todo o arranjo es-
pacial e, com isso, todo o nosso modo de ver, sentir
e circular entre as obras. Ao trocar o suporte tradi-
cional por outros que não eram utilizados, o artista
contemporâneo ampliou nossas experiências com
suas criações. As possibilidades para o artista e o
espectador se tornaram infinitas.

STELLA, F. Cornucopia (1995). Hotel Ritz-Carlton Millenia, Singapura.

2.3 Os materiais
Vídeo As duas versões da obra Craca, de Nuno Ramos, criadas em 1995 e
1996, alteram-se por causa do material usado e por estarem expostas
ao ar livre. As grandes obras de Robert Smithson também se degra-
dam com o tempo. As obras públicas de Richard Serra são realizadas
geralmente em aço corten, que também sofre com a ação do tempo,
mesmo sendo desenvolvido para ser resistente e eliminar a necessi-
dade de pintura. Serra não escolheu seu material preferido por acaso.
O aço corten é aquele utilizado na fabricação de vagões, sendo muito
resistente e, por isso, difícil de ser dobrado, ou seja, é pouco maleável.

O pensamento artístico contemporâneo 41


Por outro lado, se resiste aos ventos e às tempestades, ele não resiste
à ferrugem. Aqui há um aspecto que também pode ter fascinado o
artista: as alterações que o tempo provoca no material – as manchas,
os buracos, as cores inesperadas. É por este motivo que os materiais
são cuidadosamente estudados pelos artistas: eles se transformam,
às vezes, na própria essência da obra.

O escultor brasileiro Amilcar de Castro (1920-2002) também utilizou


chapas de aço e ferro. As obras dele possuem cortes e dobraduras que
despertam a imaginação do observador. Como um objeto tão duro
pode ser assim manipulado? Eis um dos aspectos mais interessantes
da escultura contemporânea: as soluções inventivas que os artistas en-
contram depois de conversas com engenheiros, assistentes e especia-
listas em determinados materiais.

Não deve ter sido diferente, para Michelange-


Arte Fora do Museu/Wikimedia Commons

lo (1475-1564), organizar o transporte da enorme


pedra que depois se materializou no Davi. O artista
deve tê-lo levado para seu ateliê de trabalho. Era um
bloco de pedra esquecido, do qual ele havia ouvido
falar desde criança – um bloco avariado pelo escul-
tor Agostino de Duccio, o famoso “bloco de Duccio”,
trazido de Carrara para Florença 40 anos antes. Mi-
chelangelo superou todos os concorrentes quando
ganhou a oportunidade de tirar dali o seu Davi. Em
1501, aos 26 anos, começou a trabalhar na pedra que
seria levada para o telhado da Catedral de Florença,
conforme projeto original das autoridades que o con-
CASTRO, A. de. Sem título ou Abertura (1978-1979). Chapa de ferro, 350 x 344 x trataram. Com mais de seis toneladas, a escultura foi
246 cm. Jardim das Esculturas na Praça da Sé. Estação do Metrô. São Paulo (SP).
colocada próxima à catedral. É possível imaginar os
homens ilustres de Florença preocupados com o que fazer com aquele
colosso. O artista escolheu um material difícil de ser trabalhado devi-
do ao seu tamanho e por estar danificado, mas aparentemente o criou
como pensou. Em 1504, a escultura de 5,17 m estava pronta. Não era
mais um bloco de pedra, mas uma escultura delicada. O transporte para
o local onde o Davi ficaria também foi uma proeza de engenharia. Lidar
com materiais complexos parece ser o desejo dos grandes artistas.

42 Arte Contemporânea
J

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Jörg

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Bittner Unna/Wikime

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Bittner Unna/Wikime
dia
C

Os detalhes mostram que os olhos de


om
mo

s
Davi estão voltados para Roma, as veias
n

da mão e do braço direito e o pé esquerdo


danificado por ter sido martelado, em
1991, por um pintor italiano enlouquecido.
MICHELANGELO. Davi (1501-1504). Escultura em
mármore, 517 x 199 cm. Galleria dell’Accademia,
Florença, Itália.

A reação afetiva que temos com o Davi não foi imediata. A popu-
lação de Florença, por várias razões, demorou a avaliar bem a obra.
No conjunto de razões estavam as divergências políticas e as queixas
contra o nu do personagem. Foi preciso mudá-lo de lugar. Uma obra
pública, contemporânea ou não, relaciona-se com o entorno.

Richard Serra também teve problemas. Em 1989, após quatro anos


de discussões na Justiça, uma obra de Serra foi retirada de uma praça
de Nova York. A situação ficou confusa quando a população começou a

O pensamento artístico contemporâneo 43


reclamar que a obra Arco Inclinado (Tilted Arc), de 1981, era feia ou atra-
palhava a circulação na praça. A própria prefeitura, que encomendou a
obra a Serra, fez um pedido judicial para retirar a obra após não chegar
a um acordo com o artista. Acredita-se que esse seja um caso único
na história da arte. O trabalho de retirada acabou destruindo a obra.
A chapa de aço, um pouco inclinada, tinha 36,58 m de comprimento e
3,66 m de altura, pesava 15 toneladas e atravessava a praça. O artista
queria provocar uma experiência física, mas a população se dividiu en-
tre aqueles que o apoiavam e os que queriam a retirada da obra.

Parece que os artistas sempre procuraram lidar com materiais comple-


xos, seja um bloco gigante de mármore, seja uma chapa de aço que pesa
toneladas. Iniciaremos, agora, a apresentação de uma série de exemplos
sobre a vontade artística de invenção e de pesquisas com os materiais.

Na metade dos anos 1950, os Estados Unidos passavam por um mo-


mento de grande crescimento econômico e o surgimento de uma cultu-
ra de massa – que incluía a TV, os quadrinhos, a música – e de uma série
de objetos de consumo que facilitavam a vida de todo mundo. Do ou-
tro lado do Atlântico, a Europa tentava superar as perdas da Segunda
Guerra Mundial e voltar a crescer. Os artistas europeus olhavam os
Estados Unidos com um misto de fascínio e estranhamento.
Vídeo O artista inglês Richard Hamilton (1922-2011) conseguiu sintetizar
Neste pequeno filme tudo isso em uma colagem de 26 x 25 cm, de 1956, considerada a pri-
noticiando a retrospectiva
meira obra da pop art. O título é O que torna as casas de hoje tão dife-
sobre o artista, realizada
na Tate Modern, em rentes, tão atraentes? e se tornou uma das imagens mais conhecidas
Londres, no ano de 2014,
da arte inglesa. Em um pequeno espaço, a sala de uma casa, Hamilton
é possível ver as suas
principais obras. Atente conseguiu colocar sofás, eletrodomésticos, cartaz de cinema, TV, um
para a colagem de 1956,
homem e uma mulher que parecem modelos de publicidade. Aparece,
de Richard Hamilton,
O que torna as casas de também, a palavra pop. O artista tirou as imagens de um estoque de re-
hoje tão diferentes, tão
vistas americanas. É possível dizer que, nos Estados Unidos, a pop art se
atraentes?
tornou conhecida, mas nasceu na Inglaterra. A ideia de se usar imagens
Disponível em: https://www.you-
tube.com/watch?v=EHDt4ssCmgs. da cultura de massa começou com Hamilton. Além disso, o artista usou
Acesso em: 29 maio 2020.
a colagem como meio, anunciando que não era necessário pensar so-
mente na pintura ou escultura para o exercício de criação de imagens.

Artistas como Keith Haring (1958-1990) e Jeff Koons (1955-), de uma


geração posterior aos primeiros artistas contemporâneos, foram in-
fluenciados pelas mudanças provocadas por Hamilton e Andy Warhol.
A linguagem pop é utilizada com naturalidade pelas gerações de artistas

44 Arte Contemporânea
posteriores. Haring é um exemplo disso. Ele levou o colorido pop e a lin-
guagem do grafite para as ruas das cidades. Era um excelente desenhista Vídeo
e trabalhava em qualquer espaço: muros de grandes prédios ou paredes No vídeo Keith Haring
São Paulo, é possível ver
de galerias de arte. Vê-lo pintar já era uma experiência estética. É possível o artista desenhando
chamá-lo de artista performático, no sentido de ser possível vê-lo trabalhar com spray sobre uma
parede. A agilidade com
ao vivo. Na primeira metade dos anos 1980, esteve algumas vezes no Bra- que utiliza a latinha, como
sil e, em 1983, participou da 17ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo. se fosse um lápis ou um
pincel, demonstra que

Rgs25/Wikimedia Commons
Haring tinha um talento
raro e era um grande
artista. É possível vê-lo,
também, passeando de
bicicleta pelo Pavilhão da
Bienal, criado por Oscar
Niemeyer.

Disponível em: https://www.you-


tube.com/watch?v=IkReK4sLuM8.
Acesso em: 29 maio 2020.

Nationaal Archief/Wikimedia Commons


HARING, K. Nós somos os jovens (1987). Mural. Filadélfia, EUA.

Haring trabalhando no Museu Stedelijk, em


Amsterdã, Holanda, em 1986.

Koons aprendeu com a pop art a pensar na arte como uma forma de
comunicação com o público; não um público acostumado a exposições,
mas um público maior, conectado, fascinado com as imagens: o públi-
co contemporâneo. Por isso, parece ter descoberto que é necessá-
rio tornar suas obras uma espécie de espetáculo. Seus trabalhos têm
acabamento especial, são cativantes e, às vezes, monumentais, como
o Filhote de Cachorro (Puppy). Isso o obriga a ter um ateliê repleto de
ajudantes. Koons mistura referências à história da arte com ícones da
cultura pop. Desta forma, suas imagens soam familiares. Observe que
o filhote de cachorro está em um dos museus que inauguraram o estilo
de transformar os próprios museus em obra a ser admirada.

O pensamento artístico contemporâneo 45


Didier Descouens/Wikimedia Commons
KOONS, J. Filhote de cachorro (1992). Aço e flores, 12,2 x 8,23 x 8,9 m. Pátio externo do Museu Guggenheim de Bilbao, Espanha.

O Museu Guggenheim, da cidade de Bilbao, na Espanha, criado pelo


arquiteto canadense naturalizado americano Frank Gehry (1929-), é um
objeto de contemplação. Inaugurado em 1997, é revestido de titânio,
uma grande novidade na época. Gehry o imaginou com pedras, vidros
e titânio. Visualmente, lembra uma escultura contemporânea, que nos
remete a muitas coisas, como ondas. O próprio edifício se transformou
em uma obra de arte contemporânea. Você acha que a pop art influen-
ciou os trabalhos de Haring, Koons e Gehry? Há características que se
repetem na arte desses três artistas. Objetos do cotidiano, principal-
mente de consumo, aparecem, e não há mais o limite entre o que é
de bom gosto ou não; há, também, a antiga questão entre “arte culta”
e popular. O desejo dos artistas modernos de superar limites parece
ter sido concretizado pelos artistas contemporâneos, principalmente
pelos artistas do novo pop.

A figura a seguir mostra o projeto de Gehry. Observe a escala do edi-


fício e a da escultura Maman, da artista americana de origem francesa
Louise Bourgeois (1911-2010). A artista criou uma série de esculturas
tendo a aranha como tema. Esta, do Museu Guggenheim Bilbao, tem
mais de 9 metros de altura e foi construída em aço. Uma das esculturas
da série pertence ao Instituto Itaú Cultural e ficou na entrada do Museu
de Arte Moderna de São Paulo por 21 anos. A ideia do Instituto é que a
escultura de 3 metros seja apresentada também em outros locais.

46 Arte Contemporânea
Zarateman/Wikimedia Commons
Banksy é um artista que trabalha com o grafite, mas cuja identidade
não conhecemos. Sua técnica é o estêncil. Trata-se de uma técnica bem
simples: ele desenha sobre um papel e depois o recorta para que sirva
de matriz. Dessa simplicidade, o artista obtém o máximo de efeito, um
efeito artístico que tem chamado atenção do público e dos críticos.

Além da influência da pop art, os artistas contem-

Dan Brady/Wikimedia Commons


porâneos buscaram outras experiências. E seguiram
muitos caminhos. Um deles foi chamado de novo
realismo. Desta vez, esse movimento não nasceu nos
­Estados Unidos, mas na Paris que se transformava
após o trauma da Segunda Guerra Mundial. Os ar-
tistas acompanharam um fenômeno parecido com
aquele que a pop art testemunhou: o início de um
maior consumo e a criação de uma cultura de massa,
como a TV.

A palavra realismo se enquadra naquilo que os


artistas queriam: retratar o mundo do modo como
viam. É neste sentido que Yves Klein (1928-1962) BANKSY. Sweeping It Under The Carpet (2006). Estêncil e tinta spray sobre parede
na Chalk Farm Road, Londres.
realiza uma série de pinturas monocromáticas.
Para Klein, não era apenas uma questão de técni-
ca, ele precisava fazer com que o espectador percebesse a verdadei-
ra luminosidade da cor, pois, quando misturava o pigmento, isso se
perdia. Como trabalhar com o pigmento puro, a cor real? Essa ques-
tão perseguiu o artista, até ele encontrar um jeito de resolvê-la. Em
1955, achou que a resposta estava em um produto químico, um

O pensamento artístico contemporâneo 47


­fixador chamado Rhodopas (WEITEMEIER, 2001), que, quando mistu-
rado ao pigmento, não interferia na luminosidade das cores. Seu
problema, no entanto, não se resumia apenas ao diluente, mas ao
próprio pigmento.

Após mais de um ano de experiências, acompa-


Jaredzimmerman/Wikimedia Commons

nhado do químico Edouard Adam, ele encontrou um


azul perfeito e luminoso. Era necessário, porém, diluir
o pigmento e fixá-lo ao suporte. A solução foi uma
mistura de éter e derivados do petróleo. O artista
queria fazer o espectador mergulhar na cor. Para tan-
to, Klein usou apenas o rolo e o pigmento. Nenhum
traço era deixado na tela. Ele patenteou sua invenção,
chamando-a de Azul Klein, afinal era fruto da tentativa
de fazer uma pintura “verdadeira” com um azul “real”.
Esse azul o tornou conhecido. Klein é um exemplo do
quanto são importantes os materiais para o artista,
mesmo quando não se está satisfeito com os dispo-
níveis – precisou inventá-los, estudar e dedicar-se à
busca de algo que só ele sabia o que era.
KLEIN, Y. O acorde azul (RE 10) (1960). Pigmento seco e resina sintética, esponjas
naturais e pedras sobre painel de madeira, 198 x 165 x 14 cm. Museu Stedelijk,
É importante, aqui, citar o grupo Fluxus. É difí-
Amsterdã, Holanda. cil chamá-lo de movimento, pois reuniu um grupo
de artistas de todo o mundo que trabalhavam individualmente. Uma
influência decisiva em todos eles é Marcel Duchamp, sempre citado.
Quando falamos no grande artista do período moderno, logo pen-
samos em Picasso, mas a referência para grande parte dos artistas
contemporâneos é Duchamp.

Os artistas do Fluxus utilizaram materiais efêmeros (que duravam


pouco tempo), organizavam performances e defendiam uma arte lúdi-
ca. Seu líder e criador foi George Maciunas (1931-1978), um americano
de origem lituana que conseguiu agregar um número grande de artis-
tas. Entres eles, estava Joseph Beuys (1921-1986), alemão que traba-
lhava com várias linguagens: a pintura, o desenho, as instalações e as
performances. Dois materiais eram usados com frequência em seus
trabalhos: o feltro e a gordura animal. Essa mistura dos materiais in-
dustrial e orgânico tinha um valor pessoal para Beuys. Um dos seus
trabalhos, por exemplo, é um piano inteiramente coberto com fel-
tro. O artista, quando jovem, lutou na Segunda Guerra Mundial e usava
sempre um chapéu e um paletó de feltro. Em 1944, o avião em que

48 Arte Contemporânea
estava foi atingido e caiu onde hoje é a região da Criméia, no Leste da

Ronald Feldman Belas Artes/ Wikimedia Commons


Europa. Beuys sempre contava que a população local o resgatou da
neve com graves ferimentos e o “embrulhou” com gordura animal e
feltro para mantê-lo aquecido. Não se sabe se a história é real, mas
a ideia de arte como uma forma de cura e os materiais que usava de
modo recorrente estavam ligados a esse relato. A relação entre arte e
vida e os materiais utilizados estão no centro de suas preocupações.

Na Itália, no final dos anos 1960, surgiu um movimento de jovens


artistas intrigados com o consumo resultante do crescimento industrial
do país. Eles inventaram, assim, uma forma de expressão contrária ao
que consideravam exageradamente luxuoso. Passaram, então, a usar Pôster de uma série de palestras
materiais considerados “pobres” (povera). Por isso, pode-se dizer que de Beuys em 1974. Repare que
ele usa um chapéu de feltro.
essa era uma arte de contestação. Observe que os materiais estavam
no centro das preocupações desses artistas, que transformaram a arte
povera em um dos movimentos que mais repercutiram na poética dos
artistas de gerações posteriores.

O artista italiano Michelangelo Pistoletto (1933-) é um bom exemplo Saiba mais


de representante da arte povera. A obra que o associou ao movimento é Acessando o QR Code abaixo,
uma das mais conhecidas que criou: chama-se Vênus com trapos (1967) você poderá visualizar a obra
Vênus com trapos.
e mostra uma cópia da clássica escultura de Vênus com um monte de
roupas usadas. Outro material que usou com frequência foi o espelho,
que se tornou recorrente em sua obra.
Kristien Daem/Wikimedia Commons

PISTOLETTO, M. O sublime vazio (1983). Instalação. Museu Real de Belas Artes, Antuérpia, Bélgica.

O pensamento artístico contemporâneo 49


Muitos artistas buscaram uma interação diferente com o
espectador. A arte cinética tentava uma experiência perceptiva total,
uma imersão, e, para isso, eram feitas pesquisas visuais com bases
científicas. A palavra cinética é utilizada pela ciência como estudo dos
movimentos dos corpos. Dessa forma, a arte cinética está vinculada
à ideia de movimento. Muitas vezes, tratava-se de trabalhos bidimen-
sionais, mas que davam a sensação de tridimensionalidade – tudo a
partir do uso de formas geométricas. Por esse motivo, a arte cinéti-
ca é chamada arte do movimento. Um representante da arte cinética
é Jesús Rafael Soto (1923-2005), artista venezuelano que estudou os
movimentos e os efeitos ópticos. Para chegar ao movimento, ele pre-
cisou pesquisar e experimentar novos materiais.

Funkyxian/Wikimedia Commons
SOTO, J. R. Double progression Vert et Blanc (1969). Ferro e tinta, 249 x 589 x 504 cm. Middelheim Museum, Antuérpia, Bélgica.

Um exemplo da confusão que o uso dos novos materiais provoca


é o caso do artista brasileiro Abraham Palatnik (1928-2020). Em 1951,
ele inscreveu seu Aparelho Cinecromático na primeira edição da Bienal
Internacional de Arte de São Paulo, mas, devido à dificuldade de classifi-
cá-lo, por pouco não foi aceito. Disseram que não parecia pintura nem
escultura. Desde 1948, ele participava de um grupo de debates do qual
fazia parte o crítico Mário Pedrosa. A ideia de “desenhar com a luz”
estava amadurecendo e encontrou sua solução com o Aparelho, que
agradou aos críticos estrangeiros que visitavam a Bienal, mas causou
incompreensão nos brasileiros. A obra de Palatnik é composta por uma

50 Arte Contemporânea
caixa do tamanho de uma tela normal, com lâmpadas colocadas atrás e Vídeo
que se movimentam com a ajuda de motores. Para conhecer o Aparelho
Cinecromático de Palatnik,
Foi uma grande confusão. O júri recusou sua participação, pois não além de outros trabalhos
do artista, assista ao vídeo
sabia como enquadrar o Aparelho. Após ser aceito – pois havia um es- Exposição Abraham Palatnik
paço na exposição –, ele recebeu menção especial do júri internacional, – a reinvenção da pintura,
no MAM, publicado pelo
mas não foi colocado no catálogo final (ALAMBERT; CANHÊTE, 2004). canal Conteúdo Comunica-
No entanto, esse pioneiro da arte cinética seria lembrado como um ção. A mostra intitulada
Abraham ­Palatnik, a
grande inventor, adjetivo que, no mundo da arte, é designado a pou- reinvenção da pintura
cos artistas. Palatnik teve coragem de usar novos materiais e antecipou aconteceu no Museu de
Arte Moderna de São
o que os artistas contemporâneos fariam. Ao juntar madeira, acrílico, Paulo, em 2014, fazendo
metal, fiação elétrica e lâmpadas, ele mostrou que o artista contempo- uma retrospectiva da obra
desse artista brasileiro,
râneo pode utilizar qualquer meio para criar uma arte que seja, acima pioneiro da arte cinética
de tudo, pessoal. no mundo. Ao todo, a
exposição apresentou
Mesmo assim, ainda há desconfiança sobre a proliferação de ma- 97 trabalhos produzidos
entre os anos de 1940 e
teriais que os artistas adotaram a partir dos anos 1950. Se não há ne- 2000, com destaque para
nhuma maneira especial de a arte se apresentar, então pode-se dizer os objetos cinéticos que
exploram efeitos visuais
que ela acaba. No entanto, o uso de novos materiais continua sendo por meio de delicadas en-
uma experiência inesgotável, pois os artistas continuarão a investir em grenagens e movimentos
físicos das obras.
novas possibilidades de expressão, sem se deixar intimidar diante de
Disponível em: https://www.youtu-
nada. Eles continuarão a explorar e subverter tanto os materiais em-
be.com/watch?v=zqDDUmLhS5A.
pregados quanto os meios de expressão. Acesso em: 29 maio 2020.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a análise de uma obra contemporânea, é difícil separar o
tema, o suporte e os materiais utilizados pelo artista. O ideal é que se
pense nos três ao mesmo tempo. O artista contemporâneo aprendeu que
não há restrições para a escolha de um tema, quando ele existir. Em gran-
de parte das obras contemporâneas, o tema se mistura ao suporte e aos
materiais empregados. Desde a liberdade comportamental conquistada a
partir dos anos 1960, a arte passou a ser um reflexo das inquietações que
surgem no mundo. No fundo, tornou-se um reflexo de tudo o que acon-
tece, e isso acaba aparecendo nas escolhas do tema, do suporte e dos
materiais. Muitas vezes, o suporte e os materiais são tão inovadores que
eles próprios se tornam o tema da criação. Questões sutis como equilíbrio
e peso se tornam o centro do debate sobre determinada obra. Estes três
aspectos – tema, suporte e materiais – transformaram-se em algumas das
grandes diferenças entre a arte contemporânea e a moderna.

O pensamento artístico contemporâneo 51


ATIVIDADES
1. Por que a arte contemporânea embaralhou a unidade entre tema,
conteúdo e forma?

2. Discorra sobre a noção de Rosalind Krauss de “escultura no campo


ampliado”.

3. Explique por que os materiais são cuidadosamente estudados pelos


artistas.

REFERÊNCIAS
ALAMBERT, F.; CANHÊTE, P. As Bienais de São Paulo: da era do Museu à era dos curadores
(1951-2001). São Paulo: Boitempo, 2004.
BRITO, R. Experiência crítica: textos selecionados. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
CANTON, K. Narrativas enviesadas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
CHANDLER, J.; LIPPARD, L. A desmaterialização da arte. Trad. de Fernanda Pequeno e
Marina P. Menezes de Andrade. Arte & ensaios. Revista do Programa de Pós-graduação
em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ, n. 25, 2013. Rio de Janeiro: URFJ, 2013.
Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2013/12/ae25_lucy.
pdf. Acesso em: 1 jun. 2020.
EVELIN, G. Richard Serra: “A era das estrelas da arquitetura está em declínio”. Época, 29
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JANSON, A.; JANSON, H. W. Iniciação à história da arte. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
KRAUSS, R. A escultura no campo ampliado. Trad. de Elizabeth Carbone Baez. Arte &
Ensaios, nº 17, 2008. Revista do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de
Belas Artes da UFRJ, n. 17, 2008. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. https://www.ppgav.eba.ufrj.br/
wp-content/uploads/2012/01/ae17_Rosalind_Krauss.pdf. Acesso em: 1 jun. 2020.
NAVES, R. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
OCVIRK, O. G. et al. Fundamentos da arte: teoria e prática. Trad. de Alexandre Salvaterra.
Porto Alegre: AMGH, 2014.
WEITEMEIER, H. Yves Klein. Trad. de Alexandre Correia. Lisboa: Taschen, 2001.

52 Arte Contemporânea
3
Agentes irradiadores
de influências
Definir o que é arte ou o que é um artista é uma tarefa difícil.
Os artistas certamente saberão fazê-lo, pois a arte está vinculada
às suas próprias vidas. Dizem que é como viver. Por isso, a arte,
para o artista, é como respirar ou comer. Para constatar isso, basta
nos lembrarmos de Joseph Bueys, quando disse que todo mundo
é um artista. Essa ideia, tão contemporânea, só poderia partir de
um artista que dizia que todo fazer é artístico. Esse pensamento
ético nos leva a iniciar o capítulo com uma análise sobre o artista.
Trataremos, também, de outro agente importante no circuito da
arte: o crítico. A ênfase se dará sobre seu ofício. Algumas dúvidas
surgirão – por exemplo, seu papel é dar sentido às obras de arte
ou isso pode levar a um excesso de interpretação? O terceiro elo
tratado no presente capítulo é o curador, um dos personagens
mais importantes da arte contemporânea. Você verá como o traba-
lho dele está associado ao do crítico e, principalmente, ao trabalho
do próprio artista.

3.1 O artista
Vídeo A ideia de que o artista é alguém especial ganhou força a partir do
Renascimento, ainda que nesse período a dependência de encomendas
de obras feitas por autoridades políticas ou do clero continuasse. Contu-
do, é possível observar que, em culturas antigas, o artista se confundia
com o sacerdote. As pinturas do Período Paleolítico (que durou, aproxi-
madamente, até o ano 10.000 a.C.) conservadas em cavernas confirmam
essa tese, já que as explicações mais aceitas são as que associam essas
imagens a cultos religiosos. No Período Neolítico (do ano 10.000 até o
ano 3.000 a.C.), o artista que pintou nas paredes das cavernas perdeu a

Agentes irradiadores de influências 53


aura mágica e precisou criar objetos para auxiliar as novas técnicas agrí-
colas que seus contemporâneos descobriram. Esse homem, que domi-
nava a fabricação de objetos utilitários, passou à categoria de artesão,
um trabalhador como aquele que atuava na colheita. Essa classificação
acompanhou esse artista-operário por muitos séculos.

Aos poucos, então, o trabalho com as mãos dei-


Höhle von Lascaux/Wikimedia Commons

xou de ser valorizado, quando comparado com a


poesia, por exemplo. O trabalho do poeta era con-
siderado um trabalho intelectual, ao contrário do
executado pelo pintor ou escultor. No mundo greco-
-romano não era diferente: “Trabalhar com a mente
e manter as mãos limpas era o ideal dos gregos, e o
Cavalo pintado nas cavernas de Lascaux durante a Idade artista entrava em desvantagem nesse aspecto, por
da Pedra. sua obra ser fruto do trabalho manual e resultado
de um processo considerado sujo” (OSINSKI, 2002, p. 15). Enquanto o
poeta era visto como alguém especial – às vezes mesmo como um vi-
dente –, o artista plástico trabalhava duro por um salário. Os trabalhos
do pintor e do escultor eram considerados sujos, realizados com uso de
ferramentas, enquanto o poeta vestia roupas limpas e lavava as mãos
(HAUSER, 1989). Havia contradição entre o trabalho do artista e a valori-
zação da arte no mundo grego. A divisão entre obra de arte e artista le-
vou Hauser (1989) a concluir que o mundo antigo honrava a obra, mas
desprezava o criador. Na opinião do autor, isso é diferente da concepção
moderna, que ele acredita destacar mais o artista do que a obra.
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Gorodenkoff /Shutterstock

Os artistas plásticos eram considerados inferiores


aos poetas por trabalharem com as mãos.

54 Arte Contemporânea
No período medieval, essa relação não foi diferente. O trabalho do
artesão também era visto apenas como um trabalho manual que era
aprendido nas oficinas, com mestres que treinavam aprendizes. Era
uma relação pedagógica que passava de pai para filho ou para filhos de
amigos da família. Esta forma de educação avançou pelo Renascimen-
to. Leonardo da Vinci, por exemplo, tinha 14 anos quando entrou no
ateliê de Andrea del Verrocchio, um dos principais artistas de Florença,
na Itália. O ateliê, no qual o aprendiz Da Vinci estudou, era parecido
com uma oficina nos moldes medievais. Havia muitos funcionários que
moravam no andar de cima.

Segundo Isaacson (2017), os quadros não eram assinados e, por-


tanto, não eram pensados como expressão individual de um artista.
A produção – até mesmo as obras atribuídas a Verrocchio – era cole-
tiva. O objetivo era suprir a demanda por artefatos da rica Florença.
A autoria, como algo importante e necessário, ainda não era vista com
bons olhos. No ateliê de Verrocchio, contudo, Da Vinci aprendeu geo-
metria, anatomia, desenho e as primeiras noções de luz e sombra, que
marcariam sua obra. Depois, proclamou que a pintura é coisa mental,
desafiando aqueles que a viam como um trabalho meramente manual.

Michelangelo conseguiu, ainda em vida, receber o título de gênio.


Foi um dos primeiros. Giorgio Vasari encerrou com ele o seu livro de
1550, chamado Vidas dos artistas e que pode ser considerado um dos
primeiros da história da arte. Vasari (2011, p. 739) escreveu que “o Céu
o mandou aqui embaixo para servir de exemplo na vida, nos costumes
e nas obras”. Já nas últimas linhas, afirmou que as obras de Michelan-
gelo nunca encontrarão a morte, pois sua fama sempre viverá enquan-
to o mundo existir. Esses comentários são os primeiros a apresentar o
artista com um caráter sobre-humano e divino, conforme as palavras
usadas por Argan (1999). Nesse sentido, Michelangelo se aproxima do
artista contemporâneo: ele não criou uma “escola”, como era o ateliê
de Verrocchio, onde Da Vinci entrou como aprendiz; gostava de dizer
que trabalhava sozinho, e sua obra era vista num patamar acima da
história. Para o historiador da arte, o próprio Michelangelo “sabia que
algo interior à própria arte lhe impedia de transmiti-la pelas vias nor-
mais da experiência” (ARGAN, 1999, p. 336). Ele era diferente de outros
artistas de sua época.

Para Hauser (1989), Michelangelo queria fazer todo trabalho sozi-


nho, do começo ao fim. Um dos motivos era a incapacidade de trabalhar

Agentes irradiadores de influências 55


com ajudantes. Tudo isso foi observado pela primeira vez na história da
arte e o transformou no primeiro artista moderno. Hauser lembra que,
no século XV, o trabalho artístico ainda era realizado de maneira coleti-
va, em oficinas. Michelangelo, no entanto, teve uma formação também
diferente: após uma passagem pelo ateliê de ­Domenico Ghirlandaio,
ocorreu um encontro que mudou a sua vida e, para alguns, também
a história da arte ocidental. Lorenzo de Medici, o Magnífico, ficou im-
pressionado com o adolescente talentoso, então o “adotou” e o levou
para sua residência, onde foi educado ao lado dos seus filhos. Os Me-
dici, portanto, já pensavam em uma academia nos moldes como foram
criadas mais tarde, como a Academia de Pintura de Paris, criada em
1648, depois chamada de Academia Real de Pintura e Escultura. Pode-se
dizer que Michelangelo estudou na Academia dos Medici.
Vídeo Você percebeu uma mudança na formação do artista que começou
Para conhecer um em Florença? Medici via a arte como algo com valor especial e, quando
pouco mais sobre
Michelangelo, assista ao viu o jovem Michelangelo, percebeu que ele também era uma pessoa
vídeo Michelangelo - 50 especial, pois não era apenas talentoso, era um artista. Assim, sua for-
Fatos, publicado pelo
canal vivieuvi. Apesar de mação não foi em uma escola profissional, como as oficinas, mas em
curto, o vídeo detalha a uma academia, ainda que fosse diferente das academias de arte que
vida do artista, que é um
dos “gênios intocáveis” da surgiram mais tarde. Michelangelo não era um artesão, mas alguém
história da arte ocidental. que unia talento artístico e intelectual em suas obras. A ideia sobre a
Disponível em: https://www.youtu- atividade do artista como trabalho intelectual, como queria Da Vinci, e
be.com/watch?v=9AJBGsjwN9M.
Acesso em: 1 jun. 2020. com uma formação especial tem em Michelangelo um exemplo.

Antes das comparações entre o artista contemporâneo e o artista


de outras épocas, é preciso lembrar uma palavra que sempre esteve
associada aos artistas como Michelangelo ou Da Vinci: a palavra gênio.
Ela começou a ser utilizada com mais frequência a partir do século
XVII. Essa ideia, contudo, sempre existiu. Um antecedente é o poeta
inspirado pelas musas que aparece em Platão. Para S
­ chopenhauer
(2014, p. 31), a pessoa dotada de talento pensa mais rápido, já o gê-
nio “percebe um mundo diferente daquele visto pelos demais, ape-
AAAA

nas por olhar mais profundamente aquilo que está diante dos outros
AAA
AAA
AAA

também”. Vale lembrar que, no Renascimento, artistas como


AA

AA
AAA

AAA
AA A
AA
AAA
­Michelangelo eram tratados como gênios. Basta lembrar os
comentários de Vasari sobre o escultor, publicados em
1550. Ele era um herói, alguém dotado de força divina.
Esse tipo de apreciação se repetirá nos séculos XVIII e XIX.
Arthur Schopenhauer (1788-1860) viveu no mesmo período do movimento
romântico, que contribuiu para a imagem que temos do artista. Pintura de
Jules Lunteschütz, 1855.
56 Arte Contemporânea
O gênio se opõe às regras. A chave para a compreensão dessa
tese está em Michelangelo e no Romantismo. Kant (2002, p. 153,
grifo do original) afirmou que o gênio “é um talento para produzir
aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra deter-
minada, e não uma disposição de habilidade para o que possa ser
aprendido segundo qualquer regra”. A principal propriedade, para
esse filósofo, é a originalidade. Kant, no entanto, enumera outras

Joh Wikim
características do gênio: ele cria objetos exemplares, modelos a

ann ed
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serem imitados; o autor de uma obra exemplar, fruto de seu

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gênio, não consegue descrever ou indicar como a realizou –

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exemplo disso é Michelangelo, que não deixou discípulos,
mas uma legião de imitadores. Kant (2002) explica que o ter-
mo gênio é derivado da palavra latina genius, que significa es-
pírito peculiar, protetor e guia. Isso remete aos romanos, para
os quais a genialidade era dada por ocasião do nascimento. É daí BECKER, J. G. Retrato de Kant (1768). Museu Nacional
Schiller, Marbach, Alemanha.
que as ideias originais procedem. Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos
filósofos que influenciaram os teóricos
Podemos concluir que, por trás dessas obras exemplares, e artistas românticos e o pensamento
há um autor. A noção de autoria é uma das maiores heranças ocidental.

­desse processo de valorização do artista. Dessa forma, é possível


pensar no Romantismo mais como uma postura e menos como um
movimento. Ao insistir na subjetividade, o modo romântico de ver o
mundo chegou até o período contemporâneo. No entanto, ocorreu
uma mudança na visão que passamos a ter do artista. Foi uma cons-
trução lenta, que durou séculos.

Ao procurar definir o que são os artistas, Thornton (2015, p. 9) afir-


mou que eles não fazem apenas arte, mas “criam e preservam mitos
que tornam suas obras influentes”. Para a autora, o mais influente ar-
tista da arte contemporânea, Duchamp, “fez da crença sua preocupa-
ção artística central”. É uma crítica àquele que mostrou que era possível
fazer arte com materiais não usuais. Há, no entanto, uma constatação
de Thornton (2015, p. 9) que apresenta explicação na cronologia histó-
rica que seguimos até aqui: ao declarar que um objeto do mundo pode
ser uma obra de arte, Duchamp “atribui aos artistas em geral um poder
quase divino de designar qualquer coisa que quisesse como arte”.

É necessário lembrar que estamos na esfera da arte contempo-


rânea, na qual a noção de arte se tornou elástica, expandida, multi-
facetada. Isso significa que nem todos os artistas trabalham com o

Agentes irradiadores de influências 57


ready-made duchampiano (o já feito ou encontrado feito), pois há
aqueles que trabalham como os artistas sempre trabalharam: com o
­hand-made (o feito à mão). Portanto, no mundo da arte contemporâ-
nea, há artistas de todos os tipos, incluindo aqueles que juntam o já fei-
to com o feito à mão. A aceitação de todos os procedimentos criativos
Site
é uma das características da arte contemporânea. A crítica que se faz,
No site de Gerhard
Richter, há uma foto do
nesse caso, é para a expressão “tudo é arte”. Vejamos o caso do artista
artista trabalhando em alemão Gerhard Richter (1932-), que trabalha com pinturas abstratas
uma tela abstrata, que
está no chão, enquanto
e figurativas hiper-realistas. Ele também cria instalações, trabalha com
ele usa uma vassoura fotografia, e um de seus materiais preferidos é o vidro.
para espalhar a tinta. É
um exemplo do modo Em O sublime vazio, de 1993, Richter criou um ambiente com traba-
como os artistas con-
lhos realizados em épocas diferentes e que utilizam técnicas diversas.
temporâneos criam suas
obras. Veja que, na imagem a seguir, há uma escultura, uma pintura abs-
Disponível em: https://www. trata e duas pinturas figurativas. Esses trabalhos conseguem manter
gerhard-richter.com/en/art. Acesso
independência, mas dialogam entre si, formando uma instalação que
em: 1 jun. 2020.
ilustra a capacidade do artista de trabalhar com técnicas, suportes e
materiais distintos. Após o fim da exposição, cada trabalho teve um
destino diferente.

Pintura de paisagem

Kristien Daem/ Wikimedia Commons


(óleo sobre tela, de
1970)

Pintura hiper-realista
(óleo sobre tela, de 1973)

Pintura abstrata (óleo


sobre tela, de 1991)

Escultura (vidro pintado


em cinza de um lado e
RICHTER, G. O sublime vazio (1993). Instalação. Museu Real de Belas Artes de
Antuérpia, Bélgica. ferro, de 1977)

O artista criou a instalação 48 Retratos para o pavilhão da Alemanha


na Bienal de Veneza de 1972. Todos os trabalhos possuem a mesma
medida (70 x 55 cm) e foram realizados em óleo sobre tela. São 48

58 Arte Contemporânea
retratos de escritores, músicos e cientistas, como Thomas Mann, Franz
Kafka, Oscar Wilde e Albert Einstein, padronizados, sem nenhum aspec-
to psicológico, inspirados nos retratos que aparecem em enciclopédias.
Não há artistas plásticos e nem mulheres, fato que chamou atenção
durante a exposição. Observe que a instalação foi remontada anos de-
pois em um país diferente.

Gottfried Helnwein/ Wikimedia Commons


RICHTER, G. 48 Retratos. Instalação (remontada em 2011). Galeria Rudolfinum, Praga, República Tcheca.
As obras do lado direito são as de Richter; as do lado esquerdo são de outro artista,
Gottfried Helnwein.

Richter é um exemplo de artista que cria e constrói sua própria obra.


Apesar de misturar as linguagens da pintura e da instalação e parecer
um artista conceitual, seu modelo não é Duchamp, ainda que indireta-
mente o artista francês seja um dos responsáveis pela liberdade de que
Richter parece se aproveitar.

Quando vemos o artista contemporâneo em seu ateliê, pintando de


maneira não usual, ele demonstra que é diferente. Na arte contempo-
rânea, obra e artista se misturam; a performance do artista transforma
o trabalho em algo fora do comum. Há um número enorme de artistas
que se dedicam ao ofício, trabalhando duramente em seus ateliês. Por-
tanto, faz-se necessário algo que os diferencie uns dos outros. Nesse
caso, é preciso compreender todo o processo, desde a execução da
obra até quando ela é contemplada na sala de exposição. Mais uma
vez, arte e vida se misturam. Esse vínculo parece conter a identidade
do artista contemporâneo.

Agentes irradiadores de influências 59


Gorodenkoff/Shutterstock

Gorodenkoff/Shutterstock
Artista pintando com as mãos e esculpindo com
metal em seu ateliê.

O exemplo do artista japonês Takashi Murakami (1962-) mostra que


a tendência inaugurada por Michelangelo de trabalhar sozinho não foi
o caminho escolhido por parte dos artistas contemporâneos. A influên-
cia da pop art, dos programas de TV japoneses, do mangá e da cultura
pop em geral é visível em seu trabalho.

Vídeo

Anna Cicilini/Wikimedia Commons


No vídeo Takashi Murakami Robot, é possível
observar essa escultura hiper-realista mexen-
do a boca e os olhos e reproduzindo um som
que se parece com um mantra. O que mais
chama a atenção, além do rosto dividido ao
meio, são as vestimentas de arhat, palavra
em sânscrito que designa pessoas altamente
iluminadas, que alcançaram o nirvana, mas
permaneceram no mundo para difundir os
ensinamentos de Buda.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vcyQuy


WH9uc. Acesso em: 1 jun. 2020.

Vista parcial da exposição individual de


Murakami no Instituto Tomie Ohtake, em São
Paulo (SP). Em primeiro plano, a escultura Robô
Murakami Arhat (2015), que é um autorretrato.
Ao fundo, o grande painel Ilha dos Mortos (2014),
que reflete sobre o terremoto e o tsunami que
aconteceram em 2011 no Japão.

60 Arte Contemporânea
Thornton (2010, p. 188) visitou os três ateliês de Murakami no Ja-
pão. A autora narra que, em um deles, quando chegou, havia 12
assistentes trabalhando em várias obras. O artista tem outro ateliê
em Nova York, onde há também vários assistentes e os contatos são
Vídeo
realizados pela internet. Nenhum traço de sua mão ou de seus assis-
Para conhecer melhor
tentes aparece em seus trabalhos; é um trabalho coletivo, no qual Mu-
a obra de Murakami,
rakami é o mestre, como nas antigas oficinas de pintores dos séculos assista à reportagem do
programa Metrópolis
XIV, XV ou XVI. A arte contemporânea conseguiu estabelecer um jeito
sobre a primeira mostra
de trabalhar que não segue modelos, o que possibilitou estabelecer do artista japonês no
Brasil. O vídeo mostra
que o objetivo é a imagem. Para o artista contemporâneo, portanto,
algumas das obras expos-
o como continua importante, mas o fim, a imagem, superou todos os tas entre dezembro de
2019 e março de 2020 no
outros aspectos em importância.
Instituto Tomie Ohtake.
A exposição intitulada
Não é difícil concluir que Richter e Murakami trabalham de modos
Murakami por Murakami
diferentes, ainda que o objetivo de criar imagens seja o mesmo. Nesse reuniu 35 trabalhos, en-
tre eles a escultura Robô
sentido, ambos chegam a criações totalmente distintas. Parece óbvio,
Murakami Arhat.
mas essa diversidade é uma das características da arte contemporânea.
Disponível em: https://www.you-
Se o mundo da arte aceita o uso de meios e materiais diferentes, os re- tube.com/watch?v=zclgqsCO2zA.
sultados também serão diferentes. E, quando falamos em mundo da Acesso em: 1 jun. 2020.

arte, falamos no conjunto que inclui artistas, críticos, colecionadores etc.

3.2 O crítico
Vídeo É difícil, no mundo da arte contemporânea, separar os diversos
agentes que dele fazem parte e que se influenciam mutuamente. Nesse
grupo de influenciadores, podem-se incluir os críticos (além dos artistas
e do público). Trataremos, agora, principalmente da crítica de arte con-
temporânea. No entanto, a história da crítica ajuda a entender aquela
que se pratica hoje. Além disso, ela nos ajuda a entender a crítica como
uma atividade profissional, um fazer que é artístico, mas não deixa de
ser um ofício. Sendo assim, por que a relação entre artista e crítico, às
vezes, é tão conturbada?

Sempre haverá o crítico com uma visão formalista, isto é, aquele que
verá um quadro a partir de seus aspectos formais, como os materiais
utilizados, a técnica etc. Há, também, aqueles que valorizam a missão
social da arte, ou seja, os temas e as reflexões que uma obra poderá
provocar. Dificilmente um crítico agradará a todos, mas é possível per-
ceber quando ele se encantou por determinada exposição ou trabalho.

Agentes irradiadores de influências 61


Nos dicionários, encontramos que crítica significa examinar, inter-
pretar e avaliar uma obra de arte. A grande questão é de que forma
desenvolver essas habilidades para ser um crítico e, depois, tomar al-
gumas decisões, como considerar que nem toda obra contemporânea
é sagrada. Há outra questão delicada: como escrever sobre arte? Neste
caso, trata-se de como escrever de maneira compreensível. Uma possí-
vel defesa do “texto difícil” pode estar na própria complexidade da obra
de arte. Transformar o que é imagem em discurso é sempre um exercí-
cio difícil de ser realizado. Veremos, então, como alguns críticos resol-
veram esse problema.

Baudelaire (1988, p. 20), em um artigo chamado


Para que serve a crítica, afirma que “a crítica deve ser
parcial, apaixonada e política”. Essa era a única forma
de se descortinar o máximo de horizontes. O escritor
pensava no Salão de Paris de 1846, que havia visitado

ÉÉ
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e sobre o qual havia escrito um longo artigo. Obser-

ÉÉ
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ve que a questão é antiga.

ÉÉÉ
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A abertura do Salão de Paris, em 1667, e a

ÉÉÉÉ
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criação do Museu do Louvre, em 1793, amplia-

ÉÉÉ
ÉÉÉÉ
ram o acesso às obras de arte. Foi natural,
portanto, que a crítica de arte se tornasse
centro de atenção para um público que O poeta Charles Baudelaire
(1821-1867) foi um dos
passou a ler mais os jornais e frequentar expo-
primeiros críticos de arte da era
sições. Um dos críticos que inauguraram esse moderna.
novo hábito foi o filósofo francês iluminista De-
nis Diderot (1713-1784). Ele se lançou à crítica de arte em 1759, publican-
do, periodicamente, ensaios sobre o salão.

A crítica, portanto, nasceu no século XVIII, junto com a estética, as


exposições gratuitas e as novas descobertas arqueológicas. Uma
definição bem didática é a de Osório (2005, p. 11), para quem
a crítica é “uma atividade específica dentro do circuito de arte
que produz e dissemina sentidos para as obras”. O autor ter-
mina sua definição com o seguinte argumento: “Toda recep-
ção é uma forma de crítica” (OSÓRIO, 2005, p. 11). Ou seja, ler
VAN LOO, L.-M. Retrato de Denis Diderot (1767). Óleo sobre uma crítica é uma experiência importante, mas, em qualquer
tela, 81 x 65 cm Museu do Louvre, Paris.
tempo, os visitantes de uma exposição acabam julgando ou
O filósofo e escritor francês Diderot
inaugurou a crítica de arte.
avaliando por si mesmos.

62 Arte Contemporânea
Siren-Com/Wikimedia Commons
MARTINI, P. A. Exposição no Salão do Louvre em 1787 (1787). Gravura, 35, 6 x 50,2 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova York.
O nome Salão do Louvre, retratado por Pietro Antonio Martini (1738–1797), é uma referência à exposição criada para exibir obras dos
membros da Academia Real de Pintura e Escultura. Ela ocorria em um salão do prédio que depois se transformou no Museu do Louvre.
Luisa Panza/Wikimedia Commons

Vista do vão central da 32ª Bienal de Arte de São Paulo, com obra de Lais Myrrha (1974-), Dois
pesos, duas medidas (2016). A artista construiu duas torres com o mesmo tamanho, uma
representando construções indígenas (lado direito) e outra com materiais utilizados na construção
civil (lado esquerdo).

Agentes irradiadores de influências 63


Observe como o formato das exposições se alterou com o tempo.
O objetivo do Salão de Paris era apresentar o máximo de obras, dificul-
tando a própria contemplação. A existência do “cubo branco” e neutro
dos atuais espaços de exposição é recente. A distância entre as obras,
dispostas na altura dos olhos, começou a partir das primeiras expo-
sições de obras modernas, no começo do século XX. É por isso que o
crítico precisa acompanhar as mudanças da arte.

A partir dos anos 1960, a arte parece ter mudado completamente,


principalmente quanto à dificuldade de se definirem gêneros. Na ver-
dade, os gêneros se misturaram tanto que o papel do crítico em dar
sentido ficou ainda maior. A crítica praticada nos jornais passou, ainda,
por grandes mudanças por causa do impacto das novas tecnologias
sobre a imprensa diária. Uma página inteira do caderno cultural de um
jornal noticiando a abertura de uma exposição poderá ser escrita por
um repórter, que entrevistará o artista, dará detalhes da exposição e
fará também a crítica. No passado, uma grande exposição renderia vá-
rios textos, que seriam publicados em diversas edições. Contudo, gran-
des jornais ao redor do mundo mantiveram seus críticos de arte. Por
outro lado, o número de revistas especializadas aumentou, e aquelas
mais antigas se revigoraram.

Cauquelin (2005) acredita que as transformações desse momen-


to foram provocadas por mudanças tecnológicas que afetaram a so-
ciedade e a arte. Tudo isso resultou na diminuição da voz da crítica.
Pode-se concluir que um dos problemas é a queda na circulação dos
jornais impressos, tão importantes historicamente para a crítica. A re-
lação do crítico com o público apreciador de arte mudou. Uma nova
forma de comunicação deverá surgir, assim como uma nova definição
do trabalho crítico. A construção de catálogos de exposições, muito
significante para artistas, colecionadores e pesquisadores, é uma das
atividades da “nova crítica”, que surgiu após tantas transformações
provocadas pela tecnologia.

O lugar da crítica no novo circuito das artes, então, é diferente do


modelo que começou com Diderot. Depois dele, tivemos a crítica im-
pressionista, nome estabelecido por aqueles que não concordavam
com esse tipo de análise, pois era exercida por filósofos, poetas e
amantes da arte em geral. Era uma espécie de exercício literário. A ascen-
são do crítico a alguém que realiza uma reflexão sobre a arte, capaz
de compreender o objeto artístico e estabelecer um juízo de gosto, foi

64 Arte Contemporânea
fundamental para a consolidação dos movimentos modernos desde o
final do século XIX. A grande pergunta dirigida à crítica de hoje é: a
arte contemporânea necessita de algum tipo de explicação? Esse ques-
tionamento não faz referência apenas à autonomia da obra de arte,
mas também à do público, que é capaz de conseguir dezenas de in-
formações sobre determinado artista ou determinada exposição, sem
precisar buscar informação nos jornais ou revistas. Com esse pano de
fundo, o ofício do crítico se alterou.

Dentro do novo cenário descrito, Cauquelin (2005) aponta outra


mudança, que ocorreu a partir do final do século passado: o papel dos
editores de páginas sobre arte que estão na web e usuários das redes.
A autora os chama de “críticos permanentes”, capazes de grandes in-
tervenções, e que, por isso, tornaram-se influentes. Portanto, há um
deslocamento mais amplo do modelo criado por Diderot.

Cauquelin (2005) é ainda mais incisiva: esse novo crítico se torna


coautor, porque interage com o artista, está na origem da obra. E, ao
interagir com ela, critica-a. Não é difícil perceber que há, na internet, in-
contáveis páginas de opinião sobre arte. Para ela, esses críticos expres-
sam “seus pontos de vista sobre a evolução do mundo, mais do que sua
própria ligação com a realidade da arte contemporânea” (CAUQUELIN,
2005, p. 141). Há, nesse caso, uma preocupação da autora com o reper-
tório teórico de um crítico que analisará uma obra tão complexa quan-
to uma obra de arte contemporânea. Não se pode esquecer, contudo,
de que ela está se perguntando a respeito das novas tecnologias da
imagem, sobre as quais recaem as novas preocupações críticas.

Após esses comentários, surgiu outra dúvida sobre a nova crítica:


ela é capaz de influenciar tanto assim o trabalho dos artistas? Críti-
cos importantes do século XX, como Clement Greenberg (1909-1994),
ajudaram a divulgar a pintura americana e um movimento artístico: o
expressionismo abstrato. Ele não era apenas um jornalista, mas um
teórico que dialogava com a prática artística. O que faz a diferença no
trabalho crítico de qualquer época é a teoria. Cauquelin (2005, p. 150)
afirma que a teoria colocou “Greenberg ao abrigo de disputas sobre o
gosto”. Esse comentário pode ser utilizado para todos os críticos.

Com a crítica, sempre haverá visões diferentes, dúvidas e a necessá-


ria aceitação de erros. Por isso, ela só existe quando consegue ser trans-
mitida. Daí a necessidade de se encontrar, no mundo contemporâneo,
lugares novos para a crítica, nos quais ela possa teorizar e interpretar.

Agentes irradiadores de influências 65


Contudo, nem todos veem com bons olhos o trabalho interpretativo
da crítica. Sontag (1987), no artigo chamado sugestivamente Contra a
interpretação, reclamou do excesso de interpretações. Para ela, inter-
pretar “é empobrecer, esvaziar o mundo” (SONTAG, 1987, p. 16). É edi-
ficar um mundo apenas com significados. A contraposição proposta
pela autora é necessária. Observe que, para Osório (2005), a crítica está
inserida no circuito de arte que produz sentidos para as obras. Signifi-
cado e sentido podem ser compreendidos como sinônimos.

Sontag escreveu seu artigo em 1964, no auge da pop art. Ela fez a
mesma pergunta que se faz hoje: que tipo de crítica é desejável? A es-
critora justifica seus argumentos afirmando que as obras podem, sim,
ser interpretadas (SONTAG, 1987). A questão é como. Para ela, mesmo
a crítica adequada não pode tomar o lugar da arte. Ela faz uma defesa
de uma maior atenção à forma e menor ao conteúdo e afirma que todo
comentário sobre a arte deve tornar as obras reais para nós, além de
explicar que a função da crítica é mostrar como uma obra é ou o que ela
é, e não mostrar seu significado. Ou seja, pode-se descrever uma obra,
mas não mostrar aquilo que ela quer dizer, o seu sentido. Sontag, talvez,
esteja preocupada com a relação de reconhecimento que o crítico pode
ter com a obra. Se um significado é dado a ela, dá-se também valor e
importância, e isso pode ter um caráter arbitrário, no sentido de não
ter normas ou critérios. Portanto, pode ter um caráter casual.

Pode ser que Sontag esteja preocupada com o crítico parcial e


apaixonado de Baudelaire, mas a citação do escritor Oscar Wilde
(1854-1900) sobre o visível como o grande mistério do mundo, que a
autora escolheu como epígrafe, demonstra sua real preocupação com
a forma. Outra epígrafe é a do pintor Willen de Kooning, para quem
o conteúdo é um vislumbre, um lampejo, algo muito pequeno. Com
essas epígrafes, a autora parece querer justificar sua defesa da forma.

Quando Sontag se debatia com o excesso de interpretações da crí-


tica, a arte conceitual – que lida com o processo e mais com a ideia e
menos a forma (quando há forma) – parecia exigir cada vez mais ex-
plicações desse intermediário entre obra e público: o crítico. Talvez a
grave questão da crítica contemporânea seja conseguir apresentar essas
explicações didaticamente ao público. Você já deve ter encontrado di-
ficuldades em entender o texto de algum catálogo de exposição.
A questão não é o crítico defender uma posição – por exemplo, aquela

66 Arte Contemporânea
que diz ser a arte abstrata superior à figurativa –, mas a dificuldade em
transformar tal ideia em uma mensagem linguisticamente clara.

Sontag era atenta às manifestações culturais de todos os tipos,


por isso escreveu também sobre artes visuais. Escreveu sobre os
­happenings, cuja tradução para acontecimento parece adequada. Eles
estão próximos das experiências artísticas que chamamos hoje de per-
formances. O termo surgiu nos anos 1950 e era como se o artista qui-
sesse sair do espaço do quadro e criar uma situação a sua volta.

Dan Flavin (1933-1996) começou a fazer esculturas com lâmpadas


fluorescentes um ano antes de Sontag escrever seu artigo Contra
a interpretação. Em 1964, fez sua primeira exposição individual, na
qual estavam as lâmpadas, que ela provavelmente conheceu. Deve
ter se lembrado de Mark Rothko (1903-1970), pois parece possível
fazer a aproximação entre os dois, que lidam com as cores de ma-
neira central e criam um clima que exige silêncio contemplativo. No
entanto, foi a forma que chamou mais atenção, e os demais aspec-
tos seriam excessos de interpretação. Essa era a posição de Sontag,
que a defendeu de forma transparente.
Medium69/Wikimedia Commons

Danettsr/Wikimedia Commons

FLAVIN, D. Sem título (1987). Instalação. Tubos fluorescentes e metal, 122 x 122 cm cada tubo. Tate Modern de
Londres.

ROTHKO, M. Amarelo, cereja, laranja (1947). Óleo sobre tela, 173 x 107 cm.
Museu Tamayo de Arte Contemporâneo. Buenos Aires, Argentina.

A história da crítica de arte brasileira do século XX ilustra as mudan-


ças pelas quais passou o exercício da crítica. O poeta e teórico da arte
Mário de Andrade (1893-1945), na primeira metade do século XX, mes-
mo com poucos recursos, assinava revistas estrangeiras para se man-
ter informado. Outro crítico importante é Mário Pedrosa (­1900-1981),
que se dedicou à tarefa de publicar críticas regularmente, principal-

Agentes irradiadores de influências 67


Vídeo mente nas décadas de 1950 e 1960. Isso o ajudou a acompanhar as
Para conhecer mais obras principais transformações que ocorreram na arte brasileira no período:
de Dan Flavin, assista a
este vídeo que apresenta a primeira Bienal de Arte de São Paulo, em 1951, as primeiras experiên-
as diversas fases do cias abstratas e a utilização de novos suportes pelos artistas.
artista, desde o início, em
1963. A partir da metade dos anos 1960, Frederico Morais (1936-) passou a
Disponível em: https://www.you- publicar com frequência, em um momento de experimentação intensa
tube.com/watch?v=sL846g6ZZzU.
Acesso em: 2 jun. 2020.
da arte brasileira, do qual são exemplos os trabalhos de Hélio Oiticica.
A partir dos anos 1970, surgiu uma nova geração de críticos, oriundos
Assista também a este
vídeo que mostra a sala principalmente do meio universitário. Uma coincidência de gerações
especial – e permanente
possibilitou que esse grupo pudesse refletir sobre artistas que também
– de Rothko, na Tate Mo-
dern de Londres. Tudo foi estavam fazendo as primeiras exposições e que se encaixavam na de-
preparado para receber
nominação de arte contemporânea. A diferença é que essa geração de
essas obras. Observe a
luz e a disposição dos críticos estava preparada para relacionar a produção dos novos artistas
quadros.
com a produção anterior, a dos modernistas. A década de 1970 marcou
Disponível em: https://www.you-
também o aumento do número de galerias comerciais.
tube.com/watch?v=vqeG9C8FKA8.
Acesso em: 2 jun. 2020. Todos esses aspectos se juntaram na década de 1980, com a con-
Para pensar: Você vê solidação de um mercado de arte inédito no país. Foi nesse período
semelhanças entre Flavin
e Rothko? que surgiram críticos como Ronaldo Brito, Rodrigo Naves, Paulo Sérgio
Duarte e Paulo Venâncio Filho, entre outros. Naves, por exemplo, come-
çou a fazer crítica de arte em 1977. Essa geração, ainda ativa, tem em
comum a valorização da autonomia e da universalidade da arte. Ainda
que não publiquem diariamente, as reflexões desses críticos têm sido
reunidas em livros, que, felizmente, podem ser sempre consultados.

Outra vertente do que podemos chamar de crítica, pois também é


uma reflexão sobre a arte, é a produção acadêmica. A partir de 1980,
com o aumento dos cursos de pós-graduação na área das artes visuais,
cresceu o número de pesquisas realizadas sobre artistas de todos os
períodos da arte brasileira. Com a diminuição – mas não o desapare-
cimento – das críticas regulares na imprensa escrita, as pesquisas aca-
dêmicas e os livros publicados por críticos acabaram por substituir a
experiência diária de se ler uma crítica de arte no jornal.

Se a arte contemporânea é “difícil”, cabe à crítica transformá-la em


algo mais simples. Quando ela é publicada, em livro ou em revista, o
alvo é o público. Quando se pensa na crítica, é preciso lembrar-se do
público que a lerá e da variedade de críticos. A crítica é uma profissão,
e como os profissionais são muitos, os textos também são diferentes.
Por outro lado, não podemos nos esquecer da nova crítica, aquela que

68 Arte Contemporânea
cresceu com as novas tecnologias. Estamos aprendendo com elas. Te-
remos outras mudanças, mas o valor da crítica permanecerá, não como
mera interpretação da obra, mas como estímulo ao pensamento sobre
ela. É nesse ponto que crítico e leitor se juntam.

3.3 O curador
Vídeo O curador é um dos agentes mais importantes no mundo da arte
contemporânea. A palavra curadoria tem origem nos verbos curar e cui-
dar. O curador, portanto, é aquele que cuida de alguém ou de alguma
coisa. No âmbito da arte, a palavra é usada desde o século XVIII como
referência aos “eruditos que tomavam conta dos tesouros do passado”
(HOFFMANN, 2017, p. 15). Eram os responsáveis pela catalogação, pela
preservação e pela interpretação desses tesouros, principalmente da-
queles que estavam sob a guarda dos museus. Também eram os res-
ponsáveis pelas exposições desses documentos. Até hoje, os museus
possuem o curador-chefe, também chamado de conservador-chefe, o
encarregado do acervo e de tudo a ele relacionado.

Como tudo na arte contem-

SeventyFour/Shutterstock
porânea, a definição de curadoria
também ficou mais dilatada. No
entanto, a noção de cuidado se
manteve. O que se expandiu foi o
papel exercido pelo curador. Além
de catalogar, preservar, interpretar
e apresentar os tesouros de um
museu ao público, o curador, se- O profissional denominado curador-chefe é responsável
gundo Hoffmann (2017), fornece o pelo acervo das obras de arte.

contexto para que os significados


das obras de uma exposição repercutam entre o público. Devido ao
aumento da atividade desse profissional no espaço público (mu-
seu) e privado (galeria), as universidades começaram a oferecer progra-
mas de formação em estudos curatoriais, principalmente para aqueles
que querem se especializar na curadoria de arte contemporânea.

Apresentar significados para as obras de uma exposição exige uma


formação diferente, e não apenas em história da arte, como faziam os
curadores do passado. Além do cuidado com as obras dos artistas, a

Agentes irradiadores de influências 69


nova curadoria passou a exigir outras habilidades, como criatividade.
O trabalho compartilhado com o artista passou a ser fundamental, e
a conversa colaborativa entre os dois, decisiva para o sucesso de uma
exposição. A “exposição é o principal produto da curadoria”, como afir-
mou Hoffmann (2017, p. 23).

Larissa valerio/Wikimedia Commons


Quando o curador apresenta obras propondo um diálogo entre elas, seja por diferenças ou
semelhanças, ele está fazendo curadoria. A foto mostra a vista interna do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Você já deve ter observado que há um aspecto novo na relação en-


tre o curador e o artista. Ao apresentar o contexto e fazer com que as
obras interajam, o curador também se torna um autor. Esse aspecto é
um dos mais polêmicos do trabalho desse profissional. Em O curador
como autor, artigo publicado em 2000, a crítica de arte e curadora Li-
sette ­Lagnado defende a tese que está presente no próprio título do
artigo. Ela argumenta que o trabalho do curador é intelectual, sem a
pretensão de substituir o artista, mas faz uma queixa: ainda há críticas
ao trabalho de incluir artistas diferentes em uma exposição, encontrar
conexões entre eles, escolher os trabalhos e organizar a montagem
ao lado do artista, pois não são ações bem vistas. Observe que, sem
querer, ela nos deu uma definição bem detalhada sobre o trabalho do
curador e como essa atividade se ampliou desde o século XVIII. Por
isso, ela também afirma que dirigir um museu passou a ser um exercí-
cio de curadoria. Para explicar essa afirmação, Lagnado (2000) faz um
resumo das atividades de um museu de arte moderna e contemporâ-
nea, que são as mesmas de um curador:
•• fazer exposições;
•• conservar e preservar o acervo;
•• implantar uma política de aquisição para enriquecê-lo;
•• analisar e interpretar sua herança cultural;

70 Arte Contemporânea
•• comunicar suas pesquisas internas ao público (com seminários,
publicações, mostras, ações educativas etc.).

Para a realização de todas essas atividades, o curador precisa de-


senvolver habilidades além daquela mais antiga, a de conservação da
coleção. Outra questão polêmica dessa lista é a aquisição de novas
obras, principalmente as contemporâneas. Primeiro, será preciso con-
vencer o conselho do museu. Por tudo isso, o curador é também um
administrador.

SeventyFour/Shutterstock

SeventyFour/Shutterstock
A aquisição de obras de arte contemporânea é
uma das atribuições do curador.

Além das questões voltadas à gestão do museu, Lagnado apresenta di-


daticamente alguns tipos de curadoria, conforme mostra a figura a seguir.

Figura 1 Monográfica
Tipos de curadoria
Restrita a um artista

Temática Curadoria Histórica

Quando um tema é Concentrada em um


escolhido período
Crysta tock
Shutt

Multidisciplinar Geográfica
ers
l Eye

Quando envolve várias Dividida por país ou


Studio

disciplinas ou pesquisas região


/

Fonte: Adaptada de Lagnado, 2000.

Agentes irradiadores de influências 71


Com essas informações, você deve ter observado que o curador pre-
cisa fazer escolhas. Pense em uma exposição retrospectiva sobre um
conhecido artista. Como você conceberia a exposição? Faria um recorte
cronológico, temático ou baseado nas técnicas que o artista utilizou?
Qualquer que seja a escolha, explica Lagnado (2000), o curador terá de
fazê-la obra a obra, com ampla pesquisa prévia para localizá-las e fa-
zer contatos com várias pessoas e instituições: museus, colecionadores
1 1
particulares, os responsáveis pela expografia , o grupo que fará o catá-
É a palavra com a qual nos logo e o grupo que cuidará da parte educativa. Nada diferente das atri-
referimos à construção do
espaço expositivo. Ela se buições anteriormente listadas. A grande diferença está na construção
liga à proposta artística da da proposta, isto é, o diálogo que se pretende com as obras. As críticas
exposição. É preciso lembrar
costumam surgir quando a curadoria parece ter um caráter autoral.
que a exposição é o resultado do
trabalho de um grande grupo Uma das críticas mais comuns ao trabalho do curador aponta in-
de pessoas, liderado, na maioria
terferências no trabalho do artista. Outra crítica afirma que a proposta
das vezes, pelo curador. Ele está
envolvido em quase todas as curatorial seria criada antes e as obras escolhidas deveriam se enqua-
negociações, desde a construção drar nela. Os curadores se defendem afirmando que sempre há com-
da proposta artística, passando
pelo empréstimo de obras, até partilhamento da proposta, principalmente com o artista. No exemplo
chegar à construção do espaço da retrospectiva, a proposta seria elaborada com o artista, assim
expositivo. Se for necessário como a escolha das obras e o uso do espaço da futura exposição. Essa
derrubar paredes, é o curador
quem negociará com o conselho transparência é fundamental no trabalho de curadoria.
da instituição.
Sobre as críticas a respeito do peso das propostas em detrimento
das obras artísticas, é preciso analisar a própria atividade curatorial. Se-
gundo Del Castillo (2008), é o curador quem define o conteúdo da expo-
sição. Ele o faz articulando semelhanças ou diferenças entre as obras
até chegar a um conceito, que servirá como fio condutor da exposição.
É esse fio condutor a causa das críticas. A palavra conceito é utilizada
com frequência na arte contemporânea. Ela tem uma conotação mais
simples do que imaginamos: é a concepção, o plano, a ideia que rege
determinado trabalho ou exposição.

Também é importante mostrar que há afinidade entre curadoria e


crítica. Segundo Gonçalves (2008, p. 47), a exposição é, também, um
espaço de exercício da crítica, já que existe uma comunicação da arte
com o público, que se dá criticamente. O sentido que a autora dá à
crítica é o de interpretação. Por isso, ela considera que o trabalho do
curador é uma nova forma de crítica, mas não no sentido de avaliação.
A interpretação, nesse caso, é construída com a ajuda de várias discipli-
nas, além da história da arte. É, portanto, um exercício interdisciplinar.
Desse modo, a exposição se tornou um lugar para a crítica.

72 Arte Contemporânea
Gonçalves (2008) utiliza outro termo para descrever o trabalho dos Vídeo
curadores: eles são mediadores entre a criação artística e a experiên- O vídeo OUT–LINES
Ep. 5: “Curadoria em
cia estética. Assim, a exposição é um espaço privilegiado para a arte, contexto”, publicado pelo
para os artistas e para o público. Uma exposição, no fundo, é uma canal SP-Arte, apresenta
depoimentos de cura-
mostra de problemas que permite variadas interpretações por parte dores. Nele, é possível
do público. Apesar de apresentar uma leitura, a do curador, a exposi- ouvir experiências de
profissionais importantes
ção permite outras. do ramo, que lidam com
essa atividade diariamen-
É possível perceber que o trabalho do curador é complexo, não se te e falam sobre como a
resumindo a escolher as obras e apresentá-las ao público. Para Bini (2005), enxergam no momento
atual do país, além,
há, pelo menos, duas atividades que o curador deverá desempenhar: também, de como são
organizar a exposição e fazer a sua crítica. Ele deve, portanto, pensar importantes a mediação
e a escuta atenta aos
criticamente a exposição que organiza. Retornamos, assim, à questão artistas.
do conceito: ao encontrar um ponto de vista sobre a exposição, o cura- Disponível em: https://www.
dor deixará clara a ideia (o conceito) que irá reger suas escolhas. Tam- youtube.com/watch?v=la3I9vIdTZw.
Acesso em: 2 jun. 2020.
bém para Bini (2005), ao assinar uma exposição, o curador se torna o
seu autor.

Como exemplos são sempre úteis, observe os casos a seguir.

Casos históricos
A 16ª Bienal de São Paulo, realizada em 1981, inaugurou uma nova forma de organização, que posterior-
mente foi chamada de “era dos curadores”. Em vez de agrupar a exposição por países, como era feito
desde 1951, o curador Walter Zanini (1925- 2013) agrupou as obras por linguagens e as dividiu em três
núcleos:
1. Obras contemporâneas (xerox, performances, videoarte, instalações etc.);
2. Obras que utilizavam meios tradicionais;
3. Arte Postal e Arte Incomum.
Foi uma grande novidade. Na 18ª Bienal, em 1985, a curadora Sheila
Lucrezia De Domizio Durini/Wikimedia Commons

Leirner (1948-) foi ainda mais radical: criou um espaço especial chamado
A Grande Tela. Em um espaço com três corredores de 100 metros de
comprimento, agrupou, lado a lado, pinturas de artistas de todo o mundo.
Nem todos os artistas e críticos concordaram com a decisão da curadora,
mas até hoje essa edição da exposição é comentada.
O suíço Harald Szeemann (1933-2005) foi o responsável por modificar
o papel do antigo protetor dos acervos, que existia desde o século XVIII,
para o de um criador. Em 1969, ele foi o responsável por uma exposição
que é estudada até hoje. Chamava-se Viva na sua mente. Quando atitudes
viram forma: obras-conceitos-processos-situações-informação. O título já
diz tudo. Foi responsável, também, por curadorias da Bienal de Veneza
(1999 e 2001) e da Documenta de Kassel (1972), duas das principais O curador suíço Harald
exposições de arte contemporânea do mundo. Szeemann, em 2001.

Agentes irradiadores de influências 73


A história das exposições se tornou uma importante área de pesqui-
sas, impulsionada pelos jovens curadores entusiasmados com o trabalho
daqueles que os antecederam. Afinal, eles organizaram exposições consi-
deradas fundamentais para a compreensão da arte contemporânea. Na
apresentação que escreveu para acompanhar a entrevista com ­Szeemann,
modelo de curador para toda uma geração, Obrist (2010) escreveu que ele
era mais um conjurador do que um curador. A palavra conjurador possui
o sentido de alguém que junta as pessoas para um fim comum. Por isso,
Szeemann era, ao mesmo tempo, “arquivista, conservador, negociador de
arte, assessor de imprensa, contador, mas, acima de tudo, um cúmplice
dos artistas” (OBRIST, 2010, p. 103). Ao falar de Szeemann, Obrist definiu o
papel do curador: não apenas o de organizador de exposições, mas o de
pesquisador da história da arte e dos acontecimentos individuais e sociais
que moldam o trabalho dos artistas e das instituições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artista, o crítico e o curador estão entre os mais importantes in-
fluenciadores do mundo artístico. Com a mudança do papel do crítico em
função das novas tecnologias que aproximaram ainda mais o artista do
público, o curador assumiu também esse papel. Afinal, ele precisa fazer
escolhas. Ao escolher uma obra e não outra, ele é levado por um olhar
crítico bem treinado. Apesar disso, o artista e sua obra continuam sendo
os elos mais importantes numa corrente cada vez maior de pessoas.
Assim como chamamos o cinema de arte coletiva, pois demanda vários
profissionais (o diretor, o roteirista, os atores, o fotógrafo, o iluminador
etc.), para se concretizar uma exposição de arte, também são necessá-
rias muitas pessoas. A simples visita a um museu ou uma galeria é capaz
de provocar um grande espanto. Como é possível que tudo funcione tão
bem? Imagine trabalhos enormes e complexos, como aqueles de que os
artistas contemporâneos gostam. Lembre, agora, que foi preciso seguro,
transporte e profissionais especializados em suas montagens. Imagine,
ainda, que tudo isso teve que ser negociado, aprovado e financiado. Não
é à toa que uma grande exposição é planejada com anos de antecedência.
Agora, imagine os vários esboços dos arquitetos responsáveis pelo es-
paço expositivo e o treinamento dos profissionais que farão as alterações
necessárias na arquitetura do prédio. Pense nas negociações com autori-
dades para que essas alterações sejam aprovadas. Acrescente vários itens
a essa lista, pois uma exposição precisa da atenção de um grupo cada vez
maior de profissionais especializados. A obra de arte exige muito cuidado,
dando origem à palavra curadoria.

74 Arte Contemporânea
ATIVIDADES
1. Para o historiador da arte Arnold Hauser, o mundo antigo honrava a
obra, mas desprezava o criador. Por quê?

2. Quando nasceu a crítica de arte e qual era o contexto histórico?

3. Explique as mudanças que aconteceram no âmbito do trabalho do


curador nos últimos anos.

REFERÊNCIAS
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Lorenzo Mammì. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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Trad. de Suely Cabral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
BINI, F. A crítica de arte e a curadoria. In: GONÇALVES, L. R.; FABRIS, A. (org.). Os lugares da
crítica de arte. São Paulo: ABCA, Imprensa Oficial do Estado, 2005.
CAUQUELIN, A. Teorias da arte. Trad. de Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins, 2005.
DEL CASTILLO, S. S. Cenário da arquitetura da arte: montagens e espaços de exposições.
São Paulo: Martins, 2008.
GONÇALVES, L. R. Exposição e crítica – um enfoque em duas direções. In: BERTOLI, M.;
STIGGER, V. (org.). Arte, crítica e mundialização. São Paulo: ABCA, Imprensa Oficial do
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HOFFMANN, J. Curadoria de A a Z. Trad. de João Sette Camara. Rio de Janeiro: Cobogó, 2017.
ISAACSON, W. Leonardo da Vinci. Trad. de André Czarnobai. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Trad. de Valério Rohden e António Marques. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002.
LAGNADO, L. O curador como autor. Folha de São Paulo, 10 dez. 2000. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1012200009.htm. Acesso em: 2 jun. 2020.
OBRIST, H. U. Uma breve história da curadoria. Trad. de Ana Resende. São Paulo: Beï
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OSÓRIO, L. C. Razões da crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como vontade e representação, Tomo II: complementos. Trad.
de Eduardo Ribeiro da Fonseca. Curitiba: UFPR, 2014.
SONTAG, S. Contra a interpretação. Trad. de Ana Maria Capovilla. Porto Alegre: LP&M, 1987.
THORNTON, S. Sete dias no mundo da arte: bastidores, tramas e intrigas de um mercado
milionário. Trad. de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Agir, 2010.
THORNTON, S. O que é um artista?: nos bastidores da arte contemporânea com Ai Weiwei,
Marina Abramovic, Jeff Koons, Maurizio Cattelan e outros. Trad. de Alexandre Barboza de
Souza. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
VASARI, G. Vida dos artistas. Trad. de Ivone Castilho Bennedetti. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2011.

Agentes irradiadores de influências 75


4
A arte e suas intersecções
Este capítulo se inicia com o debate sobre a relação entre arte
e vida, que é considerada, tanto por artistas quanto por críticos,
uma das características mais relevantes da arte contemporânea.
Por isso, será dada voz a uma importante artista contemporânea
brasileira e a um dos mais influentes críticos de arte do país. Eles
contribuirão para a compreensão do vínculo entre arte e vida.
Trataremos, ainda, das semelhanças e das diferenças entre
técnica e tecnologia e, principalmente, do entendimento do que
é meio para a criação artística. Assim, a relação entre arte e mí-
dia também será tema de análise, e, do mesmo modo, o uso que
artistas fazem dos novos aparatos tecnológicos. Traremos alguns
conceitos novos, como poética e hibridismo na arte, que, apesar de
parecerem incomuns, são importantes para a compreensão da
arte contemporânea.

4.1 Arte e vida


Vídeo Uma das explicações mais comuns para justificar a passagem da
arte moderna para a arte contemporânea é o vínculo entre arte e vida,
que pode ser descrito como uma relação constante, com troca e comu-
nicação intensas. Por isso, é difícil associar arte contemporânea a mo-
vimentos, como fazemos com o modernismo, ao explicar o cubismo,
o expressionismo ou o dadaísmo, por exemplo. Os temas tornam-se
importantes assim como os suportes ou os materiais utilizados pelos
artistas. Por tal razão, também é usada a palavra poética quando se
pretende analisar uma obra contemporânea.

Essa palavra é utilizada para retratar o modo particular do artista


ao criar (e fazer) seus trabalhos. O termo surgiu com o filósofo grego
­Aristóteles (384-322 a.C.) com o objetivo de discutir o modo de compo-

76 Arte Contemporânea
sição do poema. No caso da poética visual, a preocupação recai sobre
o que o artista pretende e como realiza o que pretende. A poética man-
tém vínculo com os objetos criados pelo artista, portanto você poderá
ouvir também a expressão poética do artista. Dessa forma, os temas,
os suportes e os materiais poderão ser incluídos no interior de uma só
palavra: poética.

É assim que se pode falar em poética de cada artista sem acrescen- Vídeo
tá-lo a um grupo ou um movimento. Isso ocorre porque há o embara- Uma dica para com-
preender a noção de
lhamento do tema, do suporte e dos materiais com a própria história do poética do artista é um
autor, com suas experiências pessoais e os caminhos escolhidos. Nesse documentário sobre
Leonilson, chamado
sentido, a arte contemporânea possui um caráter fortemente autoral, Leonilson, sob o Peso dos
pois as referências pessoais do artista estão presentes na obra. A poética Meus Amores. Assista ao
vídeo a seguir, publicado
do artista, então, é o resultado das suas preocupações estéticas, da sua pelo canal Itaú Cultural e
visão de mundo e da sua experiência de vida, que ele consegue materia- que apresenta entrevistas
e imagens de arquivo
lizar em uma obra que depois será compartilhada com todos nós. Assim, contando a trajetória
pode-se dizer que um artista possui a sua poética. Tudo – tema, material, desse pintor, desenhista
e escultor brasileiro.
suporte e sua própria vida – define a poética de sua obra, e até mesmo
Disponível em: https://www.youtube.
suas indagações existenciais podem ser incluídas nela.
com/watch?v=8TKHN2LcChA. Acesso
em: 30 jun. 2020.
A obra da artista brasileira Rosana Paulino (1967-) permite pensar
a relação entre arte e vida a partir de uma poética que reúne cria-
tividade na escolha dos materiais, liberdade no uso dos suportes e
na apresentação de temas relacionados à própria história da artista.
Ela faz parte de uma geração de artistas que começou a apresentar
seus trabalhos nos anos 1990. Em termos formais, a artista mostra a
fusão de várias linguagens, como a escultura, a gravura, o desenho
etc. Paulino junta tudo isso em instalações plásticas e impactantes,
usando o espaço de maneira criativa. Seus temas estão ligados a
questões sociais, como gênero, racismo e a posição da mulher negra
na sociedade. Pode-se dizer que seus temas são contemporâneos,
assim como os meios que escolhe para apresentá-los, isto é, seus
temas estão relacionados a preocupações reais e atuais, mas ela os
apresenta de uma forma inovadora.

Observe, nas figuras a seguir, a sensibilidade na escolha dos mate-


riais e como ela os transforma em objetos artísticos, mesmo retratando
uma realidade dura. Isso significa que a artista não se esquiva dos temas
que escolheu e os enfrenta da melhor forma possível: ­colocando-se na
obra. Neste caso, é difícil não observar a proximidade entre arte e vida.

A arte e suas intersecções 77


Juliana Monteiro/Wikimedia Commons

Juliana Monteiro/Wikimedia Commons


PAULINO, R. Tecelãs (2003). Instalação. Faiança, terracota, algodão e linha sintética.
Dimensões variáveis. Coleção particular.

PAULINO, R. Atlântico vermelho (2017). Impressão digital sobre tecido, recorte,


acrílica e costura, 127 x 110 cm. Coleção particular.

Site
Para conhecer melhor os trabalhos e saber mais sobre Paulino, acesse o site oficial da
artista. Lá, você encontrará um perfil dela, imagens de suas obras e terá acesso direto ao
blog dela. Observe como a associação entre arte e vida está no horizonte da artista.

Disponível em: http://www.rosanapaulino.com.br/. Acesso em: 30 jun. 2020.


Você também pode descobrir mais detalhes da exposição “Rosana Paulino: a costura da
memória” acessando os links a seguir. A mostra reúne instalações, desenhos, gravuras,
bordados e esculturas produzidos entre 1993 e 2018. O primeiro se trata de um PDF pro-
duzido pela Pinacoteca de São Paulo, com imagens das mais de 140 obras expostas entre
2018 e 2019. O segundo contém um vídeo da abertura da exposição no Museu de Arte do
Rio, que aconteceu em abril de 2019.

Disponíveis em: http://pinacoteca.org.br/wp-content/uploads/2019/07/AF_ROSANAPAULINO_18.pdf; http://


museudeartedorio.org.br/programacao/a-costura-da-memoria-2/. Acesso em: 30 jun. 2020.

A expressão poética visual começou a ser utilizada com mais fre-


quência no final dos anos 1970. A partir dos anos 1980 e 1990, ela é
incorporada por artistas e pesquisadores, passando a refletir uma nova
leitura do processo artístico, capaz de englobar todos os aspectos da
criação, mas principalmente a individualidade do artista, que podemos
chamar de poética pessoal. Em sua tese de doutorado, Paulino (2011, p. 20-21)

78 Arte Contemporânea
escreveu que o artista precisa estar atento às coisas que o tocam, “pro-
curando nunca fugir ao desafio de lidar com estes assuntos, indepen-
dente de quais sejam suas escolhas, pois é este laborar que irá ajudar
a compor sua poética, sua individualidade”. A palavra laborar pode ser
utilizada tanto no sentido de lidar com os aspectos formais de sua obra
quanto com o de lidar com os assuntos que a tocam. Vídeo
Paulino (2011, p. 20) também afirma que o artista deve estar atento Outra dica de vídeo é
uma entrevista com
às suas necessidades mais profundas. A poética, então, é construída
Rosana Paulino, realizada
pelo artista. Ela explica o grande desafio que é, como artista, “ligar-se” em seu ateliê e publicada
pelo canal Revista Bravo!.
ao ambiente de onde vem, resgatar e trabalhar algumas de suas raízes.
Nela, você poderá
Sua explicação é um depoimento: o resgate de algumas das suas raízes ­observar o modo como
ela trabalha. Veja o co-
a levaram a ser quem é e ajudaram-na, segundo suas palavras, a forjar
mentário sobre a técnica.
sua poética. É um risco que resolveu assumir. Por isso, pergunta-se:
Disponível em: https://
“como não responder aos desafios impostos a mim como artista, uma www.youtube.com/
vez que o grupo do qual provenho talvez seja a principal fonte de inspi- watch?v=lTdnSyqWv1A. Acesso
em: 30 jun. 2020.
ração do meu trabalho?” (PAULINO, 2011, p. 22).

A autora assume que seu universo poético é a cultura popular e, por


isso, pretende seguir seus próprios caminhos. Para ela, “as discussões
sobre as relações humanas, as questões sociais, os sentimentos, sobre
o amor e outros temas do dia a dia andam escassos na produção con-
temporânea” (PAULINO, 2011, p. 22). A geração de Paulino é marcada
por essa inquietação.

Há, contudo, visões críticas sobre o vínculo entre arte e vida. Naves (2007)
afirma que a separação entre arte moderna e contemporânea pode ter
várias abordagens, mas aponta a aproximação entre arte e vida como
um dos diferenciais mais defendidos por críticos e artistas. Observe
a defesa que Paulino faz dessa relação. Para ela, a técnica, por exem-
plo, é um meio para expressão de valores, questionamentos e dúvidas
do artista, que se vale desse instrumento para posicionar-se diante do
mundo. Para tanto, utiliza uma linguagem, uma poética. ­Assim, é possí-
vel acrescentar à técnica, citada por Paulino, os suportes, os materiais
e os temas.

Para Naves (2007), a aproximação entre arte e vida é oposta à au-


tonomia da arte reivindicada pelos artistas modernos. Essa autonomia
Glossário
pode ser explicada pela separação entre o objeto artístico e as coisas
fatura: o modo pessoal de
do mundo. Se antes havia a preocupação do artista com cores, linhas,
cada artista criar sua obra.
fatura etc., agora predomina a ideia de que os acontecimentos entre

A arte e suas intersecções 79


o observador e a obra são mais importantes, conforme afirma ­Naves
(2007). Esse fenômeno alterou uma tradição que começou com o Re-
nascimento e durou até o expressionismo abstrato. O autor não deter-
mina uma data, mas pode-se considerar como limite disso os trabalhos
de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, na metade dos anos 1950, e os
trabalhos de Andy Warhol do início dos anos 1960. Warhol tinha apreço
pelos trabalhos de Rauschenberg e Johns e representa uma das primei-
ras tentativas de ultrapassar as diferenças entre arte e vida.

Gorup de Besanez/Wikimedia Commons


WARHOL, A. Latas de sopa de Campbell. Acrílico com esmalte metálico sobre tela. 32 telas. Cada tela: 50,8 x 40,6 cm. Museu de Arte
Moderna (MoMA), Nova York, EUA.

A forma que Warhol encontrou para pintar suas latas provocava in-
certeza na relação entre o observador e a realidade, pois era algo novo
até então. Porém, não era difícil perceber a origem das imagens – e era
isso que o artista queria mostrar ao observador. Havia uma imagem
comum na vida das pessoas e o artista a usou.

Naves (2007) também aponta as incertezas sobre os termos. Se a


definição de arte nunca foi unânime, a definição de vida é ainda mais
incerta. Podemos constatar a veracidade dessa afirmação do crítico,
pois cada artista formula essa relação à sua maneira, como é o caso de
Warhol ao utilizar elementos do cotidiano. Os artistas modernos, con-
tudo, preocupavam-se com questões formais, como o uso das cores
e a escolha precisa dos materiais, fato que passou a ser considerado
“imperfeição” e que caiu sobre os ombros desses artistas. O termo for-
malismo virou um “palavrão”, segundo o autor.

80 Arte Contemporânea
As observações de Naves são diferentes das que fez Paulino; ele mira
experiências que tinham como objetivo a participação do ­espectador e
a ideia de “entrar” na obra, como as de Hélio Oiticica. Havia, também,
uma rejeição aos suportes usados pela arte moderna e uma recusa
quanto à ideia de contemplação, que poderia sugerir uma atitude passi-
va do espectador em relação à obra de arte.

Ministério da Cultura/Wikimedia Commons


Detalhe de instalação montada na exposição Museu é o mundo (2010), no Museu Nacional
Honestino Guimarães, em Brasília. Observe o desejo de Oiticica em fazer o espectador “entrar” na
obra e ter uma experiência sensorial com os materiais utilizados. Essa instalação foi criada na
segunda metade dos anos 1960 e remontada em 2010, seguindo especificações do artista.

Há similaridades e diferenças entre as poéticas de Oiticica, que morreu


em 1980, e as de Paulino, que começou a expor no início dos anos
1990. O diálogo de Oiticica é com a arte moderna, que ele pretende su-
perar. Paulino está preocupada com os problemas do presente e com
as experiências que teve, ou seja, quer lidar com sua memória. Oiticica
pensa em experiências sensoriais; Paulino também, mas não pretende
eliminar os suportes, que são os meios para sua expressão, para sua
poética. A vida daquele que cria se entrelaça com a obra, “gerando sig-
nificados e ampliando conteúdos” (PAULINO, 2011, p. 9). Assim, a vida
do artista está ligada à construção da obra. Por isso, o fazer com as
mãos é um dos aspectos de sua produção, como no caso da criação de
gravuras, do uso de tecidos ou da elaboração de objetos de argila. Isso
a aproxima da arte popular; pode-se dizer a mesma coisa de Oiticica,
apaixonado pelo samba. Porém, ao tratar das relações interpessoais
ou das concepções de gênero, Paulino quer se vincular ao que chamou

A arte e suas intersecções 81


de vida. No entanto, ela alerta que, ao não discutir esses temas, as artes
visuais podem se afastar da vida que tanto querem capturar.

Naves (2007, p. 221, grifo do original) conclui seu artigo afirmando


que a arte contemporânea “parece fadada a viver dessa tensão entre
arte e vida”. Apesar da crítica a um vínculo que causa tensão, ele admite
que as melhores obras do período contemporâneo “são aquelas que
conseguiram tirar seu significado dessa relação irresolvida” (­NAVES,
2007, p. 221). Caso contrário, afirma ele, não teremos o enriquecimen-
to da arte, e sim o empobrecimento da vida. Esse é o aspecto mais
difícil dessa relação, porém o mais interessante. Artistas, como Paulino,
enfrentam esse desafio sem qualquer receio.

4.2 Técnica e tecnologia na arte


Vídeo A palavra técnica, nas artes visuais, possui uma definição utilizada
há muito tempo: é o modo (que podemos chamar também de habilida-
de) como os artistas utilizam os materiais escolhidos. O objetivo com o
uso da técnica é exprimir uma ideia ou um sentimento. Paulino (2011)
lembra que a técnica é um processo mental, que não envolve apenas
procedimentos mecânicos. A técnica é também conhecimento. Nesse
sentido, o artista é também um pesquisador ou inventor que precisa
escolher os materiais, refletir sobre a técnica que empregará e fazer
experiências tanto com os materiais quanto com as técnicas utilizadas.
Não podemos nos esquecer, também, das ferramentas que o artista
deverá usar em determinada modalidade artística – elas estão intima-
mente relacionadas com as técnicas. Quanto mais o artista conhece
uma técnica, melhor ele conhece suas ferramentas.

A autoimagem dos artistas renascentistas como quase cientistas


confirmou-se no decorrer dos séculos. Na arte contemporânea, a pos-
sibilidade infinita de invenção permitiu que o artista se aproximasse
ainda mais do ideal renascentista e transitasse por várias áreas do co-
nhecimento. Essa liberdade para pesquisar e inventar seus próprios
procedimentos resultou na criação de uma nova expressão: hibridis-
mo ou procedimentos híbridos, que indica a transição do uso de meios
tradicionais para o uso de novas tecnologias. Assim, será importante
analisar, no âmbito da arte, estas duas palavras: tecnologia e hibridis-
mo. Em seu sentido mais comum, tecnologia refere-se ao domínio dos

82 Arte Contemporânea
meios ou das técnicas para facilitar um trabalho. A tecnologia, portan-
to, é bem antiga. Pense nas coisas que criamos para solucionar alguns
problemas. A tinta industrial, vendida em tubos, resolveu um grande
problema: o desejo do artista de pintar ao ar livre. A preparação das
tintas no próprio ateliê era demorada e seu uso deveria ser quase
imediato. Foi um grande avanço tecnológico, de que os pintores do
final do século XIX se aproveitaram. Os artistas, portanto, lidam com
imagens e precisam chegar a elas.

Pense no processo de trabalho para que a imagem se materiali-


ze. A palavra processo é interessante, pois lembra uma ação realiza-
da durante um período. Imagine o período de criação de uma obra e
o modo como o artista precisa trabalhar para concretizar seu objeti-
vo. Estamos acostumados a ver a imagem em uma exposição, mas
nem sempre pensamos em como o artista chegou a ela – ele prova-
velmente inventou alguma técnica ou utilizou recursos que a ciência
ou a indústria oferecem. Encaramos os meios que os artistas utili-
zam com naturalidade, mas nem sempre foi assim. Baudelaire (2005,
p. 111-112), ao analisar o Salão de Paris de 1859, demonstrou preo-
cupação com a “confusão das funções”, pois acreditava na possibili-
dade de essa nova “indústria” suplantar ou corromper a pintura.
O verdadeiro objetivo da fotografia, disse ele, deveria ser o de “ser-
vir” à arte, como faz a tipografia com a literatura.

Em 1855, apesar de tão crítico, Baudelaire posou


para Félix Nadar (1820-1910), um dos pioneiros da

Nadar/Wikimedia Commons
fotografia. As palavras do poeta e crítico francês pa-
recem exageradas, mas ele acertou em um aspecto:
a fotografia mudou o jeito de o artista lidar com a
imagem. Ao ser destituído da obrigação de pintar de
maneira tão realista – afinal, como competir com a fo-
tografia? –, o artista ganhou liberdade para se preocu-
par em tornar visível o que a fotografia não consegue
captar. Nesse caso, as figuras pintadas ganharam uma
perspectiva psicológica nova. Além disso, a autonomia
da arte ampliou seu significado, com o artista passando
a se preocupar mais com seus próprios meios de pin-
tar ou esculpir. As possibilidades de criar imagens se
tornaram inesgotáveis. Arte, tecnologia e modernidade Fotografia de Baudelaire. Mesmo resistente à
fotografia, o poeta se deixou fotografar por Felix
passaram a caminhar juntas. Nadar, em 1855.

A arte e suas intersecções 83


Após as queixas de Baudelaire, as mudanças tecnológicas foram
ainda maiores e não ocorreram apenas na relação entre o artista e seus
meios, mas também em toda a sociedade.

A relação entre arte e técnica (ou arte e tecnologia) sempre foi difícil.
A interpretação que Argan fez de Vincent Van Gogh (1853-1890) ilustra o
desconforto gerado pela técnica. Segundo o autor, a forma de pintar de
Van Gogh se opôs à “técnica mecânica da indústria”, com um fazer que
vinha do interior do seu ser (ARGAN, 1992, p. 124). Ele opõe o fazer ético
do homem e o fazer mecânico da máquina. Não sendo mais os únicos
criadores de imagens, artistas como Van Gogh poderiam criar de outro
jeito, como podemos ver na obra Retrato do carteiro Roulin, de 1888, por
exemplo: a mesa é esverdeada e a figura parece isolada do cenário. Para
Argan (1992), a massa de tinta com a qual Van Gogh trabalhava passa a
ter existência autônoma. O quadro já não representa alguma coisa, ele
é. O trabalho do artista é um exemplo da autonomia da arte, lição que os
movimentos modernistas do século XX aprenderam.
Museum of Fine Arts/Wikimedia Commons

Art Institute of Chicago/Wikimedia Commons

VAN GOGH, V. Retrato do carteiro Roulin (1888). Óleo sobre VAN GOGH, V. Autorretrato (1887). Óleo sobre tela, 41 × 32,5
tela, 0,79 x 0,63 cm. Museu de Belas Artes de Boston, EUA. cm. Instituto de Arte de Chicago, EUA.

A questão da representação das coisas em uma tela, colocada à pro-


va por artistas como Van Gogh, atravessou o século XX. Com a arte
contemporânea, ocorreram novos fenômenos: as mudanças eletrôni-

84 Arte Contemporânea
cas que uniram o planeta e passaram a fazer parte de nosso cotidiano.
A partir de então, os artistas passaram a fazer uso da tecnologia como
meio de expressão. Foi um passo natural, já que os artistas, assim
como todos nós, aprenderam a utilizar as novas possibilidades técni- Saiba mais
cas que o mundo contemporâneo passou a oferecer. Desse modo, o
artista começou a ter acesso a novas possibilidades tecnológicas que
facilitaram o uso da fotografia, do vídeo, do computador. Nesse senti-
do, a palavra pesquisador é ainda mais real, principalmente devido às
rápidas mudanças tecnológicas que vivemos. Isso não deixa de ser um Acesse o QR code para visualizar
outra obra de Paulino intitulada
desafio aos artistas, pois há, assim, a possibilidade de a obra se tornar Assentemento #1, de 2012.
efêmera, isto é, passageira.

A relação entre arte e tecnologia exige a compreensão de outra ex-


pressão que surgiu com a arte contemporânea: o hibridismo
na arte. A palavra híbrido tem origem na palavra grega hybris,

Juliana Monteiro/Wikimedia Commons


que significa mistura de coisas diferentes. Já é possível perce-
ber como a palavra é utilizada na arte: como a mescla de vá-
rias linguagens em uma mesma obra. Os artistas sempre
dissolveram as fronteiras que separam as técnicas, mas esse
procedimento se intensificou com as novas tecnologias.

A artista Rosana Paulino é um exemplo disso. Na instala-


ção Assentamento, ela utilizou o desenho e a gravura, meios
tradicionais da arte, e os associou à impressão ­digital e ao ví-
deo, meios tecnológicos recentes. A artista usou, também, o
paper clay, um tipo de cerâmica obtida a partir da mistura de
fibras de celulose com a argila. A técnica de juntar materiais
— como a palha à argila — é antiga. O paper clay, entretan-
to, é uma técnica recente, fruto de pesquisas de ceramistas.
Uma de suas vantagens plásticas é a possibilidade de se adi-
cionarem outros objetos àquele que se está criando. Esse
recurso deu a Paulino a oportunidade de usar um material
desenvolvido recentemente, com base na antiga técnica da
argila, usada há milênios. O potencial simbólico da argila es-
timulou a artista a juntá-la a outros materiais, resultando em
uma poética na qual se sobrepõem passado e presente. Esse
hibridismo é fruto das constantes pesquisas da artista. A fi-
gura ao lado mostra um detalhe dessa instalação.

As primeiras colagens de Pablo Picasso e seu amigo PAULINO, R. Assentamento (2013). Impressão digital sobre tecido,
desenho, linóleo, costura, bordado, madeira, paper clay e vídeo.
Georges Braque (1882-1963) podem ser consideradas o co- Dimensões variáveis. Coleção particular.

A arte e suas intersecções 85


meço do hábito artístico de juntar vários materiais em uma obra. Eles
deram ao artista a oportunidade de transformar o espaço plano da tela
em um mundo de possibilidades. Chamaram o procedimento de colar
papéis na tela de papiers collés (papéis colados, em francês). Braque,
ons
omm

por exemplo, já misturava suas tintas a outros materiais, como


ia C

areia ou partículas de metais. Quando Picasso criou sua primeira


imed
n/Wik

colagem, o amigo o seguiu. Esse gesto de colar papéis na tela


reatio

transformou para sempre o modo de fazer arte.


Coldc

O dadaísmo também questionava os procedimentos artísticos


tradicionais. Esse movimento do início do século XX influenciou
a arte contemporânea. A artista suíça Sophie Taeuber-Arp (­1889-
1943) fez parte do grupo dadaísta, estudou design têxtil e utilizou sua
experiência nessa área para criar obras geométricas com materiais
que continham tecidos ou eram realizados com materiais que pre-
O pintor e escultor francês Georges
Braque foi, juntamente com Picasso, um
cisavam ser entrelaçados, além de usar também a madeira. Estu-
dos fundadores do cubismo e criador dou dança e participou dos espetáculos dadaístas
da técnica de papier collé. Fotografia
publicada na revista Architectural
precursores das performances contemporâ-
Record, em maio de 1910. neas. Como sabia lidar com o tecido, criou
figurinos para esses espetáculos. Foi casada
com Hans Arp (1886-1966), que também era

SS
SSSSSSSS
membro do movimento.

SSSSS
Mondo Blogo/Wikimedia Commons

SSSS
SSSSS

TAEUBER-ARP, S. Cabeça Dadá (1920). Madeira pintada,


TAEUBER-ARP, S. Composição vertical-horizontal (1916). Material têxtil. 29,4 cm de altura. Museu Nacional de Arte Moderna –
Coleção particular. Centro Georges Pompidou, Paris.

86 Arte Contemporânea
Esses são alguns exemplos dos movimentos modernos que ainda
repercutem na arte contemporânea. A pesquisa por novos materiais
faz parte da essência da atividade artística, já que o artista é um pesqui-
sador. A junção de materiais e técnicas, porém, busca ser um meio para
aquilo que o artista quer exprimir. É sua linguagem pessoal, sua poéti-
ca, que está em jogo, como é possível perceber nos trabalhos de
­Taeuber-Arp. Os tecidos não estavam em suas obras por acaso – eles já
estavam presentes em sua vida.

Ao construir trabalhos híbridos, o artista se antecipará, muitas ve-


zes, ao que se tornará comum, ainda que seja alvo de críticas. Você
deve ter percebido que os artistas se sentiram ameaçados quando a
fotografia passou a ser utilizada com mais frequência. É uma ironia do
destino, pois, nos anos 1960, os artistas começaram a utilizar a fotogra-
fia como meio e causaram desconfiança dos fotógrafos, preocupados

ArtRio/Wikimedia Commons
com a técnica ou com o registro da realidade. O caso da artista brasilei-
ra Rosangela Rennó (1962-) é diferente: ela não apresenta suas
fotografias, ela utiliza fotos – normalmente de pessoas anôni-
mas – já prontas. Observe que ela interfere e altera fotografias
já existentes. O exemplo a seguir é um trabalho de 1991, épo-
Os trabalhos da artista plástica e fotógrafa
ca em que as alterações de imagens eram mais difíceis, princi- Rosangela Rennó utilizam fotos 3 x 4 de
palmente em obras artísticas e complexas. estúdios populares.

O título da obra significa quebra-

Wikimedia Commons
César Duarte/Galeria Camargo Vilaça/
-cabeças em inglês. É o nome do jogo
que consiste em juntar peças para
formar um todo, normalmente um
mapa ou uma figura. Esse título des-
creve bem o trabalho de Rennó, que
geralmente pesquisa fotografias anô-
nimas de instituições públicas e as
retrabalha digitalmente para criar es- RENNÓ, R. Puzzles (mulher e homem) (1991). Escultura, 54 x 68 cm. Coleção particular.

culturas, objetos, instalações e vídeos. Observe que ela se apropria de


imagens para recriá-las em um contexto crítico. Apesar desse contexto,
há outro aspecto importante em sua obra: uma discussão formal so-
bre a imagem, principalmente na relação entre apropriação, alteração
e apresentação de uma nova imagem. Outra característica do trabalho
dessa artista, importante para a análise sobre técnica e tecnologia da
arte, é o processo de alteração que ela realiza. Sem o auxílio tecnológi-
co, o resultado do seu trabalho seria mais difícil ou seria outro.

A arte e suas intersecções 87


É no mundo contemporâneo, portanto, que percebemos caracterís-
ticas híbridas com mais frequência. Estamos cada vez mais familiariza-
dos com esse oceano de imagens que nos rodeia. O aparelho celular,
capaz de fotografar e filmar com facilidade, transformou-nos também
em produtores de imagens. Até o desenvolvimento da fotografia, a pro-
dução de imagens era algo exclusivo do artista, que agora pode dividir
essa atividade com todos. No entanto, ele continuará a criar imagens
exemplares, que servirão como modelos para novas imagens; também
continuará a pesquisar novos materiais, novas técnicas e novos supor-
tes, como sempre fez desde que teve a ideia de pintar as paredes das
cavernas. A associação entre arte, técnica e tecnologia começou mais
cedo do que imaginamos.

4.3 Arte e mídia


Vídeo O período que compreende a arte contemporânea coincide com
as transformações provocadas pela revolução da informática. A arte,
sempre atenta às transformações do mundo, passou a utilizar os meios
produzidos por essa revolução. O artista percebeu que havia suportes
(as bases físicas) onde poderia criar e transmitir imagens. Esses supor-
tes são chamados de mídias, termo derivado da palavra latina media,
que significa meio. Por isso, chamamos o jornal de mídia impressa e a
internet de mídia digital, ou seja, são meios de difusão de mensagens,
informações e imagens. O vídeo é um exemplo de suporte, ou base
física, usado pelos artistas para criação e divulgação de imagens. Desse
modo, analisaremos a relação entre arte contemporânea e mídia.

Machado (2007, p. 7), professor e pesquisador da relação entre arte


e tecnologia, afirma que o vocábulo artemídia tem se popularizado nos
últimos anos e tem sido usado para “designar formas de expressão
artística que se apropriaram de recursos tecnológicos das mídias e
da indústria do entretenimento em geral”. Contudo, ele não deixa de
apontar que artemídia se refere às atividades artísticas que utilizam
recursos tecnológicos recentes, principalmente os da eletrônica, da in-
formática e da biologia. Apesar disso, o debate sobre a artemídia não
pode ficar restrito apenas ao aspecto técnico, como os suportes e as
ferramentas, mas deve atingir principalmente a compreensão do vín-
culo entre arte e mídia, que é mais complexo do que se pode pensar,
porque arte e mídia são diferentes, mas se aproximam.

88 Arte Contemporânea
Um exemplo é a relação entre a fotografia e a pintura na segun-
da metade do século XIX. No fundo, o fotógrafo e o pintor buscavam
o mesmo objetivo: lidar da melhor maneira possível com a imagem.
Machado (2007) cita um compositor barroco do século XVIII, Johann
Sebastian Bach (1685-1750), e um compositor alemão do século XX,
conhecido por ser um dos pioneiros da música eletrônica, Karlheinz
Stockhausen (1928-2007). O autor explica que o desafio era o mesmo
para os dois: tirar o máximo de possibilidades musicais do cravo – ins-
trumento parecido com o piano, com o qual Bach compunha – e tirar
o máximo dos sintetizadores eletrônicos, instrumentos desenvolvidos
durante o século XX e que utilizam, hoje, até mesmo os computadores.
Kathinka Pasveer/Wikimedia Commons

Stockhausen em seu estúdio, em 1991.

Morn the Gorn/Wikimedia Commons


Cravo de 1627.
Mac Rutan/Wikimedia Commons

Modelo de sintetizador eletrônico. O desenvolvimento


desse instrumento é muito rápido.

A arte e suas intersecções 89


Saiba mais Argan (1992) relata que o pintor Gustav Courbet (1819-1877), apesar
Sim, há artistas que lidam de ser um dos expoentes do realismo na pintura do século XIX, nunca
com a interseção entre
arte e biologia, como a quis competir com a fotografia, pois achava que o olho humano não era
artista portuguesa Marta melhor que a lente de uma câmera. O autor conta que Courbet se apro-
de Menezes (1975-),
que diz preferir o termo veitou disso e começou a transpor para suas telas imagens que obtinha
arte biológica. É possível por meio da fotografia. O fazer não seria substituído por um meio me-
encontrar, ainda, o
termo bioarte. Como lida cânico, dizia Courbet. Argan (1992, p. 81) completa: “É isto que faz da
com organismos vivos, imagem não mais a aparência de uma coisa, e sim uma coisa diferente”.
você pode imaginar as
polêmicas geradas por Tanto Argan quanto Machado citam outro artista, o impressionista Edgar
ela. Nature? é um trabalho Degas (1834-1917), que utilizou a fotografia para estudar os efeitos da
com borboletas vivas,
alteradas geneticamente. luz e dos corpos em movimento. Por isso, para Courbet, a força da pintu-
Você pode conhecer mais ra estava na própria pintura, não nos objetos. Esse pensamento reforça
sobre os trabalhos da
artista acessando o site a ideia de que os meios mecânicos ou eletrônicos auxiliam o artista na
dela. criação de imagens. São meios para a expressão artística.
Disponível em: http://

Lithoderm/Wikimedia Commons
martademenezes.com/. Acesso em:
30 jun. 2020.
Há também uma entrevis-
ta com a artista intitulada
Biologia como meio, que
pode ser acessada no link
a seguir.

Disponível em: https://seer.


ufrgs.br/RevistaValise/article/
download/40648/30722. Acesso
em: 30 jun. 2020.

COURBET, G. Le Désespéré (O Homem Desesperado) (ca. 1843). Óleo sobre tela, 45 x 54 cm.
Coleção particular do Conseil Investissement Art BNP Paribas.

Analise a imagem a seguir. Courbet usou a fotografia para criar esta


imagem? O quadro original foi destruído durante um bombardeio na
cidade alemã de Dresden, durante a Segunda Guerra Mundial. Restou
uma foto em preto e branco. Esta imagem que vemos foi colorizada
posteriormente e se tornou a mais conhecida, como se fosse uma re-

90 Arte Contemporânea
produção da imagem original, e a conhecemos por causa do uso da tec-
nologia. Era um enorme painel que, segundo Argan (1992), é mais do
que a representação da realidade: é a identificação do artista com ela.

Jufranco~commonswiki/Wikimedia Commons
Os quebradores de pedra (1849), de Courbet.

Pode-se dizer que o artista utiliza os meios do seu tempo. Dessa


maneira, o artista contemporâneo pode usar os meios de que dispõe:
o vídeo, a internet, o computador e seus vários programas de edição de
imagem. Para Machado (2007, p. 10), se a arte é realizada com os meios
do seu tempo, “as artes midiáticas representam a expressão mais avan-
çada da criação artística atual e aquela que melhor exprime sensibili-
dade e saberes do homem do terceiro milênio”. A arte, contudo, não
cria objetos de modo industrial; por isso, o uso que faz da tecnologia é
diferente de outros grupos da sociedade, isto é, a arte não cria objetos
para o consumo utilitário, mas pode se aproveitar da mesma tecnolo-
gia sem se submeter a ela. O gravador portátil de vídeo foi inventado
nos anos 1960 para facilitar as filmagens para a TV ou para o cinema.
Quase imediatamente surgiu a videoarte. A atenção de artistas – como
Nam June Paik (1932-2006) – com o que estava acontecendo facilitou o
surgimento de novas formas de linguagem e expressão.

Não há como negar que as novas tecnologias, como o computador


e a internet, estão presentes em nossas vidas. É curioso como desper-
tam o interesse dos artistas antes mesmo de se tornarem conhecidas.
Já sabemos que o artista é um pesquisador, e toda pesquisa tem como
finalidade a descoberta e o domínio de novos conhecimentos. Quan-
do assim dizemos, não temos, no horizonte, apenas os novos conhe-

A arte e suas intersecções 91


cimentos científicos, mas também os artísticos. Portanto, a separação
entre arte e ciência se torna mais difícil, mas é bom lembrar de Courbet
sempre que essa questão aparece: a máquina fotográfica é um meio
para o artista se expressar, e uma das formas de expressão mais utiliza-
das é a imagem. Como se chega a ela é outra questão importante. Para
isso, podem-se usar vários meios, eletrônicos ou não. Vejamos algumas
experiências.

Em 1968, o trabalho do artista brasileiro Waldemar Cordeiro (1925-


1973) foi radicalmente transformado. Ele foi um dos pioneiros da arte
abstrata geométrica no país e sempre esteve atento às possibilidades do
objeto como linguagem artística, mas começou a usar o computador
como meio para construção de obras de arte. Para Cordeiro, o computa-
dor transformaria não só a arte, mas também a vida (COSTA, 2002). A par-
tir das palavras arte e eletrônica, ele criou a palavra arteônica. É preciso
Grupo - Waldemar Cordeiro/Wikimedia Commons

lembrar que em 1968 os computadores eram grandes e manuseados


por profissionais especializados. Por isso, Cordeiro trabalhou com o pro-
fessor Giorgio Moscati, no Departamento de Física Nuclear da Universi-
dade de São Paulo. Era tudo muito diferente, pois os dois trabalharam
com combinações probabilísticas. Segundo Costa (2002), o computa-
dor, para Cordeiro, era uma “ferramenta” que possibilitava a multiplici-
dade da obra e, assim, a democratização da arte. Haveria, também, a
possibilidade da interdisciplinaridade da arte. Nas imagens de suas
obras, pode-se verificar a transição que fez de um período em que
CORDEIRO, W. O beijo (1967). Objeto
eletromecânico e fotografia, 50 x 45,2 x 50 cm. trabalhava com objetos para quando iniciou a arte computacional.
Museu de Arte Contemporânea – MAC – USP.

Grupo - Waldemar Cordeiro/Wikimedia Commons


Quando o sistema eletrônico do
objeto está em funcionamento,
as placas se juntam e formam
uma boca, depois se abrem e
se juntam novamente. Esses
movimentos se repetem
enquanto o sistema estiver
ligado.

CORDEIRO, W. (com coautoria de Giorgio Moscati). Derivadas de uma imagem (1971). Impressão por computador, 47 x 34,5 cm. Coleção
Família Cordeiro.

92 Arte Contemporânea
Após essa introdução sobre o trabalho pioneiro de Cordeiro, pode-
mos fazer a distinção de Cauquelin (2005), que observou duas práticas
artísticas que lidam com a tecnologia. A primeira pode ser chamada de
técnicas mistas, pois junta o vídeo, a TV e a própria pintura nas instala-
ções. Nessa técnica, o uso das novas tecnologias é pontual. Há uma
segunda prática, que emprega o computador como suporte de ima-
gens e como modo de criação. Era o que imaginava Cordeiro em 1968.

Arte digital é aquela cuja ferramenta é o computador. Nesse caso,


pode-se associá-lo à fotografia, ao vídeo, à música etc. A imagem pode
ser trabalhada de várias formas, o que é muito diferente da imagem
fixa de um desenhista, por exemplo. No entanto, esse desenho pode
ser digitalizado e, também, retrabalhado; o mesmo ocorre com a fo-
tografia. Pode-se imprimir o resultado e, depois, numerá-lo e assiná-lo
como se faz com a gravura. É possível desenhar diretamente no com-
putador e imprimir, ou enviá-lo, como

SeventyFour/Shutterstock
se faz na mail art. As possibilidades são
muitas, e os artistas que trabalham
com o computador o fazem por meio
de programas sofisticados, capazes de
reproduzir a própria realidade. Rush
(2006, p. 202) afirma que, na realida-
de virtual, “o aspecto ainda passivo de
observar a tela é substituído pela imer-
são total em um mundo cuja realida-
de existe contemporaneamente com
a do observador”. É uma experiência Algumas exposições já contam com opções de imersão em realidade virtual,
tridimensional que o “usuário”, como em que o visitante usa óculos de realidade virtual para experienciar e interagir
com as obras.
chama Rush, vive com dispositivos co-
locados na cabeça.

A lista de exemplos de uso do computador pelos artistas poderia


ser maior – as possibilidades abertas pelo uso do computador se am-
pliam constantemente. A videoarte usa a máquina como ferramenta de
criação do vídeo, mas não como a principal. Ela utiliza monitores ins-
talados de várias maneiras no espaço, como esculturas, instalações ou
preparados em salas especiais. Independentemente da maneira como
o vídeo é apresentado, será sempre um meio de expressão.

A arte e suas intersecções 93


Alexander Svensson/Wikimedia Commons
Detalhe da instalação no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, Portugal.
Observe que há múltiplas possibilidades de se apresentar a videoarte. Aqui, optou-se por uma
instalação com várias telas apresentando os trabalhos do artista Bill Viola (1951-).

Saiba mais Se a primeira geração de artistas da videoarte, nos anos 1960,


Para conhecer melhor a lingua- apreciava a possibilidade de transmissão da imagem pelo vídeo – já
gem da videoarte, sugerimos
que se tratava de algo novo –, a geração mais recente, segundo Rush (2006),
alguns vídeos de quatro artistas
considerados pioneiros: apresenta novas características: a possibilidade de usar câmeras cada
Nam June Paik – Disponível em: vez mais avançadas e técnicas mais sofisticadas de edição; são, em
https://www.youtube.com/ sua maioria, videoartistas, e não escultores, fotógrafos ou pintores
watch?v=MV6iS-K7wOw.
interessados em trabalhar com o vídeo. É neste momento, a partir
Bruce Nauman – Disponível em:
https://www.youtube.com/ dos anos 1980, que a videoarte encontra uma linguagem cada vez
watch?v=gwgBFynzbxg. mais específica.
Bill Viola – Disponível em:
https://www.youtube.com/ A internet facilitou a divulgação da videoarte, mas há um desdobra-
watch?v=Gqf_cuDf9qI. mento cuja apresentação se dá em um ambiente institucionalizado,
Pipilotti Rist – Disponível em: como o museu ou a galeria: é a videoinstalação. Como o nome sugere,
https://www.youtube.com/
trata-se de uma instalação na qual o monitor ou os monitores são dis-
watch?v=-gd06ukX-rU.
Acesso em: 2 jul. 2020.
postos em um espaço preparado para receber o espectador. Paik utili-
zava abordagens esculturais, ou seja, os monitores eram dispostos um
em cima dos outros, lembrando uma escultura e criando um clima ora
dramático, ora bem-humorado.

94 Arte Contemporânea
Libjbr/Wikimedia Commons
A Via expressa eletrônica (1995) é um exemplo de videoinstalação. Ela é monumental e já foi
exibida em vários museus. Paik reuniu mais de 300 aparelhos de TV, 50 aparelhos de reprodução
de discos laser, aproximadamente 60 amplificadores de distribuição de vídeos, uma filmadora,
além de outros aparelhos, que formam o mapa dos Estados Unidos. As fronteiras dos estados
foram fabricadas em aço, neon e sistema acústico de 200 watts.

Portanto, o hibridismo entre arte e tecnologia não é mais


um tema específico do mundo da arte. A naturalização da nossa

Fb78/Wikimedia Commons
relação com os aparatos tecnológicos facilitou a aceitação da
arte tecnológica. Ela está presente em nossa vida cotidiana:
quando assistimos a um filme no cinema, quando nos diver-
timos com os games ou quando usamos um tablet ou smart-
phone. Esse último caso é ainda mais exemplar: fotografamos,
­desenhamos e filmamos com um único dispositivo pequeno e
prático. No caso das imagens artísticas, mesmo aquelas feitas
com aparelhos celulares, é importante lembrar que a técnica
é um meio de expressão para o artista ou para qualquer um
de nós. Não custa repetir que meio pode ser definido como
método ou jeito de se fazer alguma coisa. Não é a coisa
em si mesma.

Pre-Bell-Man (1990), de Paik, em frente ao Museu da Comunicação de


Frankfurt, na Alemanha. Nesta escultura equestre multimídia, o artista
usou dispositivos de comunicação da coleção do museu: rádios, televisões
e antenas. O nome da obra é uma homenagem ao inventor do telefone,
Alexander Graham Bell.

A arte e suas intersecções 95


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os artistas conseguem explicar os conceitos de maneira clara, com
uma diferença: eles o fazem com suas próprias obras. É como se a obra
fosse um discurso, e nós, os leitores. É assim com os artistas escolhidos
para explicar os conceitos deste capítulo. Rosana Paulino, Leonilson,
­Waldemar Cordeiro, entre outros, orientam-nos em meio a um oceano
de questões: arte, vida e poética, técnica, hibridismo e novas tecnologias.
A noção de poética ficou mais próxima de nós com Paulino e Leonilson.
O desejo de mudar de rota tão de repente e ficar fascinado com um
objeto tão estranho como um computador em 1968 ficou mais palpável
com a experiência de Waldemar Cordeiro. Como não pensar em Courbet
e sua relação com a fotografia? Uma relação sem medo, pois ele sabia
que pintura e fotografia eram linguagens autônomas, mas que podem se
entender e dialogar.
Por fim, como não pensar nos primeiros videoartistas ao descobrirem
a existência da primeira filmadora e perceber o potencial envolvido? No
fundo, este capítulo tratou das descobertas dos artistas, que só ocorrem
porque pesquisam e trabalham duro em seus ateliês, sem medo de mis-
turar linguagens e das novas tecnologias, como computadores, tablets e
smartphones.

ATIVIDADES
1. A palavra poética passou a ser utilizada com frequência por artistas
contemporâneos, críticos e teóricos da arte. Discorra sobre como ela é
utilizada para explicar uma obra contemporânea.

2. Defina técnica conforme ela é explicada pela artista e professora


Rosana Paulino.

3. Defina o que é artemídia para o pesquisador e professor Arlindo


Machado.

REFERÊNCIAS
ARGAN, G. C. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. de
Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BAUDELAIRE, C. Salão de 1859: o público moderno e a fotografia. In: LICHTENSTEIN, J.
(org.); COSTA, M. (coord.). A pintura: o paralelo das artes. v. 7. São Paulo: Editora 34, 2005.
CAUQUELIN, A. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. de Rejane Janowitzer. São
Paulo: Martins, 2005.

96 Arte Contemporânea
COSTA, H. Waldemar Cordeiro: a ruptura como metáfora. São Paulo: Cosac & Naify; Centro
Universitário Maria Antônia da USP, 2002.
MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
NAVES, R. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
PAULINO, R. Imagens de sombras. 2011. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2011.
RUSH, M. Novas mídias na arte contemporânea. Trad. de Cássia Maria Nasser. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.

A arte e suas intersecções 97


5
O sistema das artes
Tratar da relação entre arte, instituições e mercado exige abor-
dar agentes que nem sempre atraem a atenção, como os especia-
listas no mercado da arte e o colecionador-comprador. Portanto,
além do artista, do crítico e do curador, há outros envolvidos, os
quais formam um conjunto de pessoas, ideias e instituições, que
podemos chamar de sistema das artes. É um tema diferente, mas
importante para se compreender ainda mais a experiência com
a obra de arte. Esse sistema se consolidou com a arte contem-
porânea e passou a ter particularidades de funcionamento típicas
de nossa época. Trataremos dessas questões neste capítulo, bem
como discutiremos os efeitos das “novas comunicações” sobre as
práticas contemporâneas.

5.1 A arte e as instituições


Vídeo É provável que a relação entre arte e instituições provoque estra-
nhamento, já que parece mais lógico analisar a arte a partir do artista
ou da própria obra. No entanto, o objetivo de se entender a conexão
dela com as instituições públicas e privadas é compreender melhor os
fenômenos artísticos. Isso se torna mais relevante no que se refere à
arte contemporânea, pois as preocupações se voltam para o presente,
para os problemas que envolvem a criação, a recepção e a circulação
de obras no momento atual.

A palavra instituição pode ser entendida como a representação


de vários elementos, que podem ser sintetizados em outra palavra:
sistema. O sistema das artes é o conjunto de elementos (instituições)
formado por museus, galerias, exposições, coleções, salões, prêmios,
história da arte, crítica de arte etc. Portanto, a criação artística pode
ser compreendida dentro de um sistema que inclui muitos e variados
elementos e variadas instituições.

98 Arte Contemporânea
Greffe (2013) afirma que, hoje, há uma grande confusão sobre o que
é uma obra de arte e quais são os seus limites. Por isso, o autor pergun-
ta: “As obras de arte nascem como tal ou tornam-se assim porque um
‘diretor’ assim decidiu ou porque casas especializadas, chamadas de
instituições artísticas, as apresentaram como tal?” (GREFFE, 2013, p. 25).
Essa questão se tornou importante no âmbito da arte contemporânea,
mas é antiga, pois as organizações passaram a ser decisivas desde
os séculos XVII e XVIII, com a criação da Academia Real de Pintura e
de Escultura, do Salão de Paris, no surgimento da crítica de arte etc.
Observe que, ainda hoje, os elementos que formam o sistema das ar-
tes são quase todos os mesmos. Esse sistema e seus elementos (que
podemos chamar, genericamente, de instituições) objetivam a criação,
conservação, circulação e interpretação das obras de arte. Por isso, as
instituições que guiam, conduzem ou orientam a arte, assim como os
seus objetivos, continuam as mesmas há três séculos. É claro que elas
se adaptaram ao mundo contemporâneo. Um exemplo são os museus.

O primeiro museu, nos moldes dos de hoje, foi criado em 1793. É o


Museu do Louvre, o mais visitado em todo o mundo. No mesmo pré-
dio funcionava a Academia de Belas Artes e, também, o Salão de Paris,
criado para apresentar trabalhos de professores e alunos da Academia.
A grande transformação provocada pelo Salão ocorreu com a decisão
de torná-lo aberto ao público. Esse momento é importante, pois permi-
tiu acesso a obras de arte a um público que não tinha a oportunidade
de viver tal experiência. Não se pode esquecer que os principais contra-
tantes dos artistas eram a nobreza e o clero.

Benh LIEU SONG/Wikimedia Commons

Museu do Louvre, em foto de 2007. Observe a Pirâmide do Louvre, obra inaugurada em 1989 e projetada pelo arquiteto Ieoh
Ming Pei (1917-2019), que se tornou famosa, apesar das críticas iniciais. Os materiais contemporâneos, vidro e aço,
convivem com o prédio, que começou a ser construído no final do século XII.

O sistema das artes 99


Portanto, o sistema de arte no qual vivemos
Mutualart/Wikimedia Commons

começou a ser implantado no século XVII, com a


Academia de Belas Artes de Paris, e consolidou-se
durante todo o século XVIII, culminado com a cria-
ção do Museu do Louvre. O sistema de ensino da
Academia foi dominante por mais de dois séculos
e espalhou-se pelos países da Europa, chegando ao
Brasil com a Missão Francesa, em 1816. Seu princi-
pal objetivo era a criação de uma academia e a im-
plantação de um sistema de ensino, o qual, afinal,
consolidou-se com a criação da Academia Imperial
de Belas Artes do Rio Janeiro.

Podemos afirmar, então, que o fenômeno artísti-


MONSIAU, N. Imperatriz Joséphine acompanhada por Vivant Denon visitando o
Salão de 1808 (1808). Desenho, 20,8 x 21,4 cm. Museu do Louvre, Paris. co é resultado de uma série de condições históricas
O sistema de seleção, que era realizado por um júri e culturais que existe há muito tempo. O artista con-
constituído pelos organizadores do Salão de Paris, é temporâneo questiona, com frequência, essas insti-
utilizado até hoje por outros salões espalhados pelo mundo.
Os Salões de Arte são instituições que permitem visibilidade tuições, desde a maneira como a sua obra é exposta
aos artistas, mesmo havendo críticas ao sistema de seleção até a sua interpretação pelo crítico. Não podemos,
e premiação utilizado nessas exposições.
contudo, valorizar demais as instituições a ponto de
esquecer que a obra de arte é mais complexa do que
elas, assim como não podemos desvalorizar o papel
Siren-Com/Wikimedia Commons

que o sistema das artes exerce sobre a criação artís-


tica. A obra de arte não existe sozinha; ela precisa ter
visibilidade, ser exposta e interpretada, conservada,
divulgada e pesquisada. É assim que a obra e as ins-
tituições se aproximam e se unem estreitamente.

Não deixa de ser interessante a tensão entre a arte


e as instituições, que começou com alguns artistas na
segunda metade do século XIX e que continuou com os
modernistas e os contemporâneos. Essa tensão provo-
cou mudanças tanto na arte quanto nas instituições.
Será mais interessante, ainda, tratar de um caso es-
LE GRAY, G. O Salon de 1852 no Palais-Royal (1852). Fotografia, 19,4 x 23,6 cm.
Museu d’Orsay, Paris. pecífico: as transformações ocorridas nas exposições,
No ano desta obra, o Salão foi realizado no Palais-Royal,
e Le Gray foi contratado para fotografar as artes. Além do
essa importante instituição artística.
hábito de utilizar todas as paredes, observe que já existia a
As mudanças, que aconteceram desde as pri-
vontade de registrar a história da exposição, que resultaria
em uma instituição muito importante até hoje: o “catálogo da meiras edições dos Salões parisienses, também
exposição”. Quase no centro da imagem, aparece uma obra
foram lentas. Lembre-se de que o modelo de
de Courbet, As moças da vila (1852), a qual, hoje, faz parte
do acervo do Museu Metropolitano de Arte de Nova York. exposição do Salão parisiense, o qual acumulava

100 Arte Contemporânea


obras em todas as paredes, foi substituído, aos poucos, a partir do 1
início do século XX. A Bienal de Veneza ocorre a
cada dois anos, desde 1895,
Havia uma característica importante nas várias edições do Salão de tornando-se a mais antiga expo-
Paris: a enorme presença do público, possível de ser observada nas sição desse tipo. A partir da edição
de 1948, ela virou um espaço
gravuras e nos desenhos de época, que registraram as exposições.
para várias linguagens artísticas
O Salão impulsionou o desenvolvimento de um sistema forte, o qual in- e, hoje, é um espaço importante
cluía a Academia, a crítica de arte, o patrocínio do Estado e as encomen- para a arte contemporânea. Seu
sistema de representações na-
das aos artistas, que era o principal resultado de toda essa dinâmica. cionais, com edifícios construídos
A participação em um Salão de prestígio era equivalente à presença em para cada país, transformou-a
exposições como a Bienal de Veneza
1
ou da Documenta de Kassel ,
2 em um ponto de observação da
arte praticada em todo o mundo.
as duas mais importantes mostras de arte contemporânea. É preciso O Brasil possui um pavilhão oficial
lembrar que até mesmo o Salão dos Independentes, o qual, a partir de desde 1964. Além dos pavilhões,
a exposição principal se divide
1884, reunia os artistas recusados, não mudou a forma de exposição,
entre o Arsenale e o Giardini.
afinal, era a maneira já institucionalizada. Cintrão (2010) explica que os Imagine, então, que a exposição
artistas brasileiros que iam a Paris estudar traziam de lá, também, o acontece em um complexo que
mobiliza a cidade.
modo de expor os seus trabalhos. Só no final dos anos 1920, com ex-
posições organizadas pelo alemão Theodor Heuberger, em São Paulo e
2
no Rio de Janeiro, aconteceram a disposição horizontal e um maior es-
A Documenta de Kassel é a
paçamento entre as obras. Foi justamente na Alemanha que as primei-
mais respeitada exposição de
ras mudanças nas montagens das exposições começaram a ocorrer. arte contemporânea. Ela ocorre
A histórica exposição Sonderbund, realizada na cidade de Colônia, em a cada cinco anos na cidade
alemã de Kassel e dura cem dias.
1912, é um exemplo dessas mudanças. Nela, já aparecem característi-
A primeira edição aconteceu
cas que seriam utilizadas nas exposições modernas e contemporâneas. em 1955, dez anos após o fim
da Segunda Guerra Mundial.
Raimond Spekking/Wikimedia Commons

A proposta original de seu


idealizador, Arnold Bode, era
expor obras de artistas banidos
pelos nazistas. Atualmente, é
um grande evento, que inclui,
também, palestras, atividades
com o público, fóruns etc. Até
hoje, nas palavras de Hoffmann
(2017, p. 49), o evento “celebra a
habilidade da arte de transcen-
der a guerra e os conflitos”.

O Museu de Wallraf-Richartz de Colônia, na Alemanha, realizou, em 2012, uma exposição que pretendia
reconstruir a histórica exposição Sonderbund, de 1912. O título escolhido foi 1912 – Missão Moderna.
Veja que há um painel, à esquerda, reproduzindo uma fotografia da exposição original.

O sistema das artes 101


A Sonderbund de 1912 foi uma exposição coletiva que bus-
Principal 15/Wikimedia Commons

cou unidade nas obras expostas. Segundo Del Castillo


(2008, p. 81), “essa exposição recortou alguns momentos his-
tóricos, criando para eles uma trama conduzida por certas per-
cepções artísticas, o que não era usual na época”. A palavra
trama, utilizada pela autora, no sentido de fios que se cruzam,
representa bem as novas exposições que ocorreram após a
Sonderbund. O nome da exposição é a junção de
sonder (especial) e bund (federação). Portanto, a Sonderbund
era uma associação de artistas e amantes da arte que organi-
zou três importantes exposições em 1910, 1911 e 1912. Esta
última apresentou salas especiais de obras de Van Gogh,
Picasso e Munch. No mesmo período, ocorria uma série de
movimentos chamados de secessão – palavra que significa
Cartaz da exposição 1912 – Missão separação, e era o que queriam os vários grupos de artistas
Moderna. É possível observar alguns dos
artistas que participaram da exposição de espalhados pela Europa: uma separação das academias e do
1912. sistema de arte que vigorava naquele período. Há influência
secessionista nos artistas e amantes da arte que criaram a
Sonderbund.

Edvard Munch (1863-1944) pintava como os futuros artistas expressionistas alemães antes mesmo de
a palavra expressionismo ser utilizada, a partir de 1911. Na sua obra mais famosa, O Grito (1893), há
pinceladas largas, distorção e dramaticidade presentes, também, nas artes expressionistas
alemãs. A figura principal parece uma caricatura, como apontou Gombrich (2013), e essa era uma
das críticas mais comuns aos artistas expressionistas. Para Argan (1992, p. 172), Munch “será um dos
principais pontos de referência dos expressionistas”. A exposição Sonderbund apresentou uma sala só
para ele, com 32 trabalhos. Isso demonstra a admiração que os alemães tinham pelo artista. Compare
O Grito com a obra Marcella (1910), do pintor expressionista alemão Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938).
Haider Shah Kakakhel/Wikimedia Commons

Mefusbren69/Wikimedia Commons

MUNCH, E. O Grito (1893). Óleo, têmpera e pastel em KIRCHNER, E. L. Marcella (1910). Óleo sobre tela,
cartão, 91 x 73,5 cm. Galeria Nacional de Oslo, Noruega. 71 x 61 cm. Museu de Estocolmo, Suécia.

102 Arte Contemporânea


A exposição teve um catálogo também inédito para a época, que
tinha como objetivo facilitar a visita do público. Ele serviu como um
mediador entre as pessoas e a obra. Era quase como um guia, segun-
do Del Castillo (2008), pois orientava o percurso ideal para a visitação.
Trata-se de um catálogo parecido com os atuais, pois continha infor-
mações sobre os artistas e as obras apresentadas. No início, estava a
sala especial dedicada a Van Gogh; depois, a sala exclusiva a Gauguin e
Cézanne; em seguida, chegava-se aos artistas contemporâneos, como
Picasso, Munch e outros de várias nacionalidades. O catálogo explicava
cada um dos trabalhos expostos e transformou-se em exemplo para
futuras exposições – refletindo, na arte contemporânea, como uma ex-
tensão da exposição e da curadoria – e em elemento do sistema de arte
contemporâneo.

Até a primeira década do século XX, a maioria das exposições era


organizada pelas academias de arte. A Sonderbund promoveu as pri-
meiras exposições diferentes, depois de tantos séculos, e inspirou ou-
tras, como a que ocorreu um ano depois, nos Estados Unidos. O diretor
da Associação Americana de Pintores e Escultores, Arthur Davies, e seu
assistente, Walt Kuhn, foram à Europa para escolher obras para uma
exposição coletiva. O objetivo era criar um clima mais aberto para artis-
tas não acadêmicos. Assim, elaboraram uma exposição também histó-
rica, a Armory Show, em 1913, que ocorreu em Nova York. De acordo
com Del Castillo (2008, p. 78), ela entrou para a história por ser a pri-
meira exposição organizada segundo as escolhas de um mediador:
“e, partindo do pressuposto de que tal mediação possui autoria – os
já mencionados Arthur Davies e Walt Kuhn –, é possível dizer que o
Armory Show preconizou o exercício de curadoria”. Eles apresentaram
artistas modernos e alteraram o quadro da arte nos Estados Unidos.
Na época, a arte americana ainda era regida pela Academia.

Alguns aspectos dessa exposição contribuíram para as exposições


do futuro e para a consolidação de um novo sistema, não mais depen-
dente das academias de arte. Primeiro, a importância da divulgação
pela imprensa; depois, a importância da exposição itinerante. A Armory
Show aconteceu, também, em outras cidades americanas. E algo muito
importante: ela promoveu a abertura no mercado de arte americano.
Del Castillo (2008) conta que, após a exposição, o Museu Metropolitan
de Nova York adquiriu seu primeiro Cézanne; as obras cubistas vende-
ram muito; e Duchamp vendeu quatro obras. Das 1600 peças expostas,

O sistema das artes 103


300 foram compradas pelo público visitante, o que levou à abertura de
novas galerias. Tudo isso fortaleceu o circuito artístico e colocou os ar-
tistas em uma nova fase: transformou as grandes exposições em opor-
tunidades de venda das obras. Podemos dizer, então, que o julgamento
do espectador – tão importante, afinal – depende de uma montagem
bem realizada e sem excessos. Para Del Castillo (2008), a Armory Show
ensinou duas lições, importantes até hoje: a necessidade da exposição
itinerante e o trabalho de pesquisa e seleção da curadoria, capaz de
conferir unidade à exibição.
Detalhe da exposição Armory Show, de 1913. Observe a
PercyRainford/WikimediaCommons

disposição das obras e os bancos para os espectadores. Essa


organização definiu um modo de expor que vigora até hoje:
sem excesso de obras e com distância entre elas.

Percy Rainford/Wikimedia Commons


Fachada do local alugado para a exposição
Armory Show, em 1913. Nesse lugar, funcionava
o Arsenal do 69° Regimento. Daí o nome Armory
(arsenal) Show (exposição). A faixa na entrada
mostra o objetivo de se divulgar a arte moderna
para o grande público.

Nas exposições contemporâneas existe o desejo de que o espaço


não interfira na obra de arte. Segundo O’Doherty (2002, p. 3): a “obra é
isolada de tudo que possa prejudicar sua apreciação de si mesma”. O
autor explica que essa galeria ideal é branca, limpa e sem sombras. Ele
perguntou por que a obra de Samuel F. B. Morse (1791-1872), Galeria
do Louvre, é perturbadora para o olhar moderno. Afinal, o próprio artis-
ta não quer que sua obra esteja muito para cima nem muito para baixo.
Tratar de “norma de apreciação” poderá ser exagerado, porém, a partir
do final dos anos 1960, os artistas e os responsáveis pelas exposições
perceberam que há um diálogo entre o espaço e a obra. A disposição
das peças passou a ser tão importante quanto elas próprias. Na opi-
nião de O’Doherty (2002, p. 28): “o modo de pendurar era tão revolucio-

104 Arte Contemporânea


nário quanto os quadros; já que a disposição fazia parte da estética, ela
cresceu simultaneamente com os quadros”. Essa maneira radical na
forma de expor acompanhou o desenvolvimento da arte contemporâ-
nea, desde a preocupação com a percepção do espectador até o uso
criativo do espaço expositivo.

Terra Foundation for American Art/Wikimedia Commons


MORSE, S. F. B. Galeria do Louvre (1831-1833). Óleo sobre tela, 187,3 x 274,3 cm. Fundação Terra de Arte Americana; Coleção Daniel J. Terra,
Chicago, EUA.
Por que esta imagem é perturbadora para o olhar moderno? – perguntou Brian O’Doherty. Observe
a Mona Lisa na parte inferior do quadro.

O artista contemporâneo pode utilizar uma galeria inteira ou


um espaço considerável de um museu para realizar uma exposi-
ção. Ele poderá fazer uma intervenção no espaço da galeria ou do
museu, ou realizar uma intervenção no espaço público, como
o grafite ou as esculturas de grandes proporções. É o mesmo
desejo de proporcionar novas experiências estéticas.

Artistas como Cildo Meireles (1948-) conseguem utilizar o


espaço de maneira exemplar. O impacto do tamanho da
obra se soma às luzes e ao som de centenas de rádios. Todo
o espaço precisa ser organizado para receber a criação do
artista. A sala de exposição é banhada por uma luz azul, se-
Commons

gundo especificações do próprio artista. Assim, a luz, o som


Wikimedia

e a estrutura acabam por provocar experiências de todos


os tipos no espectador, desde medo ou confusão até uma
o/
Fred Romer

experiência calorosa com a luz.


MEIRELES, C. Babel (2001). Instalação com rádios,
iluminação e som, dimensão variável. Tate Modern,
Londres.
O sistema das artes 105
Matías Rossi/MACBA/Wikimedia Commons

Saiba mais
No link a seguir, você poderá visualizar mais obras do artista, que
fizeram parte da exposição denominada Entrevendo. Essa mostra
contou com cerca de 150 obras de várias dimensões, criadas des-
de os anos 1960 até hoje, e estiveram expostas no Sesc Pompeia,
em São Paulo, de setembro de 2019 a fevereiro de 2020.

Disponível em: https://saopaulosao.com.br/conteudos/recomendados/4722-entrevendo-


de-cildo-meireles,-re%C3%BAne-o-maior-acervo-j%C3%A1-exposto-do-artista-no-
pa%C3%ADs-desde-2000.html. Acesso em: 2 jul. 2020.

O caso das exposições é um exemplo das mudanças


pelas quais as instituições artísticas passaram.
Meireles é um exemplo de artista brasileiro que faz uso Acompanhá-las foi um bom exercício. Que tal você fazer
da interatividade, incluindo o espectador no interior de
suas obras, criando uma experiência sensorial. A instalação o mesmo com alguma outra instituição? Será uma ativi-
atrás dele se chama Entrevendo, que leva o mesmo nome dade de pesquisa interessante para a compreensão das
da exposição do atrista.
transformações provocadas pela arte contemporânea.

5.2 Arte, mercado e circuito


Vídeo A constatação de que o fenômeno artístico possui um caráter
econômico é outra questão que pode causar estranhamento. Toda
atividade artística precisa de recursos. Essa afirmação é óbvia e anti-
ga, como a palavra mecenas, a qual designa aquele que patrocina as
artes ou as ciências. A palavra tem origem no estadista romano Caio
Cilino Mecenas (60 a.C.-8 d.C.), o qual financiou um grupo de artistas
e poetas, como Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) e Horácio (65 a.C.-8 a.C.), para
que se dedicassem a escrever suas obras. A palavra mecenato, como
sinônimo de apoio financeiro ou de patrocínio para a concretização de
obras artísticas, possui a mesma origem. Essa relação entre artistas e
patrocinadores ocorreu, também, no Renascimento, quando Lorenzo
de Medici fundou, em Florença, a Academia Platônica, considerada pre-
cursora das academias de artes criadas a partir do século XVII.

Esse trabalho de mecenato serviu de apoio a Michelangelo, que


lá entrou quando era adolescente. Observe que o papel de financia-
dor do artista estava com o Estado e os seus representantes, a aris-
tocracia, mas, também, havia outro contratante forte: a Igreja.
Apenas com o tempo, desde as mudanças sociais e econômicas
ocorridas no século XVIII, o mercado substituiu o Estado e a Igreja
como principal financiador. Aos poucos, o artista passou a ter mais
liberdade para pintar, sem depender das exigências de poucos con-

106 Arte Contemporânea


tratantes. Ele passou a criar em tempo integral
em seu ateliê e para compradores dispostos a
pagar. É claro que essas mudanças ocorreram
vagarosamente, durante séculos, e vender
uma obra não é assim tão fácil.

A primeira dificuldade é estabelecer o pre-


ço. Se um dos critérios do Renascimento era o
tamanho da obra, nos séculos seguintes, os crité-
C

rios eram ainda mais diversos. Para entender os


CCCCCCCCCCCCCC CCCCC

ganhos dos artistas, os historiadores investi-


gam os dotes que os pintores deixaram aos
CCCCC

seus filhos. Costumam, também, analisar o livro


de débitos e créditos contabilizados após a morte.
As respostas nem sempre são conclusivas, assim
como ocorre hoje. Alguns ganharam mais, ou-

Busto de Mecenas, protetor


tros menos.
dos artistas, em Coole
Trabalhar por encomenda

Unitone Vector/Shutterstock
Park, Galway, Irlanda.
era, e ainda é, mais seguro,
pois o preço ficava estabelecido em contrato. Nego-
ciar um preço após a obra pronta nem sempre be-
neficiava o artista. Isso vale, também, para o artista
contemporâneo: aceitar um trabalho comissionado
garante a certeza de ser remunerado no futuro.
A palavra em destaque é utilizada quando o artista
aceita um convite de um curador para desenvolver
um trabalho no próprio local de exposição. Usamos, Ainda hoje, artistas contemporâneos produzem obras sob
encomenda. O contato com os profissionais pode ser feito
ainda, a expressão site specific, como referência ao por meio das redes sociais, que servem como portfólio.
local determinado para a criação.

Pense em uma bienal, por exemplo. Nesse caso, uma


obra comissionada se refere ao trabalho que receberá uma comissão,
ou seja, a retribuição dada pelo contratante ao artista pela execução
da obra. As bienais, que ocorrem em diversos países, são exemplos de
exposições com obras comissionadas. A imagem a seguir é um traba-
lho da artista brasileira Carmela Gross (1946-), uma instalação que foi
montada na X Bienal de São Paulo, em 1969.

O sistema das artes 107


Saiba mais

Chalhi/Wikimedia Commons
Outra forma de estímulo
à criação artística é a
residência artística.
Nesse tipo de programa,
o artista é acolhido em
outra cidade ou país, com
o objetivo de pesquisar e
criar uma ou mais obras
para um determinado
espaço. Há inúmeras
instituições no Brasil e
no mundo que possuem
programas assim. Você
poderá consultar um
exemplo de residência ar-
tística oferecida por uma
instituição acessando o
link a seguir.
A instalação é dividida em quatro partes: A carga (lona, estrutura de madeira, 3 x 4 x 3 m); Presunto
Disponível em: http://www.faap. (estofado de lona, 3 x 1,80 x 0,50 m); Barril (barril de ferro, plástico cristal, 0,60 x 1,30 m); A pedra
br/residenciaartistica/residencia- (colchão, estofado de lona, 0,50 x 1,20 x 1 m).
programa.asp. Acesso em: 17 jul.
2020. Se a questão sobre a remuneração do artista é complexa, outra ques-
tão sobre a arte contemporânea, ainda, chama atenção do público: o
preço. A primeira constatação é que há um “sistema”, mas, como men-
ciona Cauquelin (2005), não se trata de um sistema simplesmente eco-
nômico, no sentido de existir uma lei de oferta e procura, como ocorre
com um produto de consumo, por exemplo. Com essa lei, o preço de um
produto sobe se a procura for maior que a oferta, e baixa se ocorrer o
contrário. Também, não há um efeito direto do mercado sobre a obra,
pois há outros agentes envolvidos, como o próprio artista, o comprador,
os críticos, os publicitários, os curadores, os museus etc. Contudo, se há
poucas obras de um artista consagrado à venda, os preços tendem a
subir. Isso significa que o mercado de arte segue algumas regras econô-
micas tradicionais, mas que possui características próprias.

Couto (2014, p. 6) explica que, no “mundo das artes, a validação de


uma obra se apoia na carga simbólica, que a legitima artisticamente, e
também no valor de mercado”. É essa associação que torna a discussão
sobre o preço tão complexa. Para o autor, o preço da criação contem-
porânea é ainda mais difícil de estabelecer, já que “a sedimentação dos
valores atribuídos ainda não ocorreu”. Nada mais complicado, portanto,
do que “dar valor” a uma obra de arte contemporânea. Além disso, cada
um reage de maneira diferente à obra de arte, que, ainda por cima, está

108 Arte Contemporânea


sob análise de um grupo de especialistas: o próprio artista, as institui-
ções, os curadores, os colecionadores, os pesquisadores etc. É sempre
bom repetir esse grupo, já que estamos tratando de sistema, instituições
e mercado de arte.

Quando abordamos a reação individual a determinada obra de arte,


referimo-nos a um grupo de razões que leva alguém a tomar a decisão de
comprá-la. Podemos pensar em decisões econômicas (uma obra pode va-
ler mais no futuro) ou em questões estéticas ou afetivas. Assim, haverá
sempre incertezas no mercado de arte contemporânea: o valor estético
poderá estar relacionado com as apreciações particulares, e o valor finan-
ceiro poderá ser afetado por questões externas de difícil controle. Por isso,
conforme esclarece Quemin (2014, p. 13), o mundo da arte contemporâ-
nea procura resolver, coletivamente, essas incertezas sobre o valor da
obra: são os elementos do sistema da arte que a validarão. O selo “con-
temporâneo” passará, também, pelo grupo de elementos que forma o sis-
tema: os diretores de museus, os curadores, os críticos, os galeristas, a
casa de leilões, os colecionadores e (por que não?) os próprios artistas. São
eles que certificarão o valor estético de uma obra.

Observe que a casa de leilões foi citada nesse

Philafrenzy/Wikimedia Commons
grupo. Há duas muito renomadas: a Sotheby’s, de
Londres, fundada em 1733, especializada primeira-
mente em livros; e a Christie’s, também londrina,
fundada em 1766, com o objetivo de vender obras de
arte. Foi esta que vendeu o Retrato do Dr. Gachet, de
Van Gogh, por US$ 82,5 milhões, em 1990. O preço
mais alto de uma obra de arte até então.

Essas casas fornecem bons indicadores sobre


preços de obras antigas, modernas e contemporâ-
neas praticados pelo mercado de arte. Além disso,
demonstram um fenômeno que começou nos anos
1950 e que se acentuou recentemente: a interna-
cionalização do mercado de arte. A Sotheby’s e a
Christie’s, por exemplo, possuem mais de cem es-
critórios espalhados pelo mundo, além de locais de
vendas em outros países. VAN GOGH, V. Retrato do Dr. Gachet (1890). Primeira versão. Óleo sobre tela, 68 x
57 cm. Coleção particular.
O artista pintou duas versões desse quadro. A primeira foi vendida em 1990,
a segunda encontra-se no Museu d’Orsay de Paris.

O sistema das artes 109


As galerias de arte contemporânea, também,
Kwh1050/Wikimedia Commons

são exemplos de internacionalização. A maior de-


las, a Gagosian, possui escritórios em vários países.
A primeira foi aberta pelo comerciante e magnata
de arte Larry Gagosian, em 1980, em Los Angeles.
Em 1986, ele abriu a primeira loja em Nova York,
trabalhando, principalmente, com artistas contem-
Fachada da casa de leilões Sotheby’s, instalada na New porâneos. É considerada, por pesquisadores como
Bond Street, desde 1917, um dos principais símbolos da Quemin (2014), a maior e mais poderosa galeria de
internacionalização do mercado de arte.
arte contemporânea do mundo – e, de fato, o é, por
causa do número de lojas. Um exemplo é a sua filial em Hong Kong.
É considerada poderosa por causa de sua capacidade de lançar e con-
sagrar artistas.

Wpcpey/Wikimedia Commons
Galeria Gagosian de Hong Kong. Em primeiro plano, obra Mãe e Filho (Divididos), de Hirst, 1993.

Assim como os leilões, as bienais (como as de Veneza e São Paulo)


e as grandes exposições em galerias e museus, outra instituição se tor-
nou consistente, a partir dos anos 1980: as feiras de arte. Elas ditam,
segundo Quemin (2014, p. 24), “o ritmo atual dos mundos da arte e
exercem papel determinante na formação simultânea de reputações e
preços”. A feira mais antiga é a de Colônia, na Alemanha, que começou
em 1966; porém, a mais conhecida é a feira de Basileia, na Suíça – a
Art Basel –, que começou em 1970. Outras feiras existem em todo o
mundo, como a de São Paulo, com início em 2005, e a do Rio de Janeiro,
com início em 2011.

110 Arte Contemporânea


As feiras internacionais de arte foram criadas para as galerias mos-
trarem e divulgarem os artistas que representam. É, por isso, um even-
to comercial. Essa é a principal diferença em relação às bienais, que são
organizadas com base em linhas teóricas desenvolvidas por curadores,
com o objetivo de apresentar artistas contemporâneos, conhecidos ou
não. Quemin (2014) informa que 2.300 galerias participaram de 41 fei-
ras em 2008, sendo computadas apenas as feiras internacionais.

Nos anos 1970, explica Moraes (2014), os artis-

Art Comments/Wikimedia Commons


tas acreditavam que podiam dispensar o mercado,
e até faziam oposição a ele. A performance é um
exemplo. Porém, quando passou a ser registrada
em fotos e vídeos, ela acabou por ingressar na ló-
gica do mercado. Apesar da exigência de vender, o
artista não considera seu trabalho uma mercadoria.
Para Moraes (2014, p. 86), arte é conceito, constru-
ção de nexos e resultado de expressões individuais
Detalhe do pavilhão utilizado para a realização da Art
e de contextos de época, mas, também, “é acúmulo
Basel, em 2009. É possível imaginar o tamanho e a
de riqueza e índice de prestígio social”. Imagine uma quantidade de galerias participantes.
obra que fará parte do acervo de um prestigioso mu-
seu. Isso provocará a valorização de outras obras do mesmo artista.
Há, nesse caso, um feliz vínculo entre a obra e a sua comercialização.
Ela chegou ao destino ideal e o artista foi recompensado.

Saiba mais
Um exemplo de profissional que se dedica à arte da
performance é a suíça Gisela Hochuli (1969-). O trabalho
dela possui duas características da performance: a
própria artista se transforma em obra de arte e seu
corpo é o meio de expressão, que dura o tempo que
Hochuli decidir. A fotografia, assim, não mostra a obra
como concebida por ela, mas alguns dos vários aspectos de
sua apresentação.
O japonês Takesada Matsutani (1937-) é outro exemplo de
Orwelline/Wikimedia Commons

artista que utiliza a performance. Dela, surgem novas


obras: pinturas ou instalações, filmes e fotografias. Um
desses filmes pode ser visto acessando o link a seguir.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DS2LWwippMA. Acesso


em: 2 jul. 2020.

Hochuli durante sua performance In Touch with MO - eine


Auslese. Por esse trabalho, ela recebeu o Performance
Preis Schweiz 2014, um prêmio que busca dar visibilidade à
performance de artistas suíços. É um concurso anual e aberto.

O sistema das artes 111


Para finalizar a discussão entre arte e mercado, apresentaremos
dois exemplos. Antes, será importante observar a resposta de Luísa
Strina, quando lhe pediram para definir o que é ser um bom galeris-
ta. Ela respondeu que esse galerista ideal deverá administrar a vida
profissional do artista (STRINA, 2014, p. 210). Isso significa: vender, sa-
ber para qual coleção vender e para qual museu vender. Será preciso,
ainda, organizar a agenda e definir o preço com o artista. Ela utiliza o
termo agente do artista, pois irá representá-lo em todas as instâncias
do mercado. Por esse motivo, causou impacto quando o inglês Damien
Hirst (1965-), um dos principais nomes da arte inglesa do final dos anos
1980 e considerado o artista contemporâneo mais valioso, resolveu,
em setembro de 2008, excluir, segundo Gompertz (2013), seus galeris-
tas (um deles era Larry Gagosian) e entregar mais de 200 obras novas
diretamente à casa de leilões Sotheby’s.

Gompertz (2013) esclarece que foi um gesto corajoso e ousado,


porque poderia ofender os galeristas que o ajudaram em sua carreira.
O historiador dá a entender que ocorreu um acordo entre todas as
partes, já que havia o risco de as obras não venderem o esperado, o
que causaria desvalorização de todas as peças de Hirst. Porém, quase
todo o lote de obras foi vendido. Coincidentemente, na mesma sema-
na, aconteceu uma das crises econômicas mais graves da história: a
famosa Crise de 2008. Hirst, então, tornou-se o artista mais rico e valo-
rizado do mundo, um dia antes de a crise explodir.

Andrew Russeth/Wikimedia Commons

O artista na exposição Damien Hirst: as pinturas completas do ponto 1986-2011, Galeria


Gagosian, Nova York.

112 Arte Contemporânea


Hirst organizou, em 1988, uma exposição de jovens artistas britânicos Vídeo
que haviam estudado na mesma escola, o Goldsmiths College, de Para conhecer mais a
obra de Freud, assista ao
Londres. Nessa mostra, ele apresentou sua série de círculos coloridos vídeo sobre uma grande
sobre fundo branco. Daí surgiu outro grupo, conhecido como exposição realizada
no Museu de Arte de
Jovens Artistas Britânicos (Young British Artists). Uma das obras mais co- São Paulo – MASP, em
nhecidas de Hirst é um tubarão dentro de um tanque de formol, apre- 2013, que foi a primeira
desse artista no Brasil. A
sentada, pela primeira vez, em 1997, na famosa exposição Sensation mostra, intitulada Lucian
(Sensação). Tanto a exposição de 1988 quanto a de 1997, de acordo com Freud: Corpos e Rostos, foi
composta por seis pintu-
Gompertz (2013), levaram à comparação da Londres desse período com ras, mais de 40 gravuras,
a Paris do século XIX e início do século XX. Londres estava impelindo a além de fotos que o
retratam trabalhando em
arte a caminhar adiante. Havia um grande entusiasmo, nesse período. seu ateliê.

Outro exemplo refere-se a tendências neoexpressionistas na pintu- Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=_
ra, que começaram a surgir a partir da metade dos anos 1970 e que se US0grMLKK4. Acesso em: 2 jul.
consolidaram nos anos 1980. Segundo Lucie-Smith (2006), foram os 2020.
ataques à pintura, vindos das artes conceitual, per-
formática, videoarte, dentre outros movimentos,

Erling Mandelmann/Wikimedia Commons


que levaram um grupo de artistas a resistir às críti-
cas que vinham do próprio mundo da arte. Em 1981,
ocorreu, em Londres, uma exposição coletiva, deno-
minada Um novo espírito na pintura, que despertou o
interesse do público. Lucian Freud (1922-2011) esta-
va incluído nessa exposição. Como sempre foi um
pintor figurativo, nem sempre recebeu a mesma
atenção dos artistas abstratos e conceituais, mas,
dessa exposição em diante, chamou a atenção dos
Baselitz, em fotografia de Erling Mandelmann (s./d.).
artistas mais jovens. Ao fundo, é possível observar o detalhe de um de seus
trabalhos.
O pintor alemão Georg Baselitz (1938-) também fi-
cou mais conhecido nesse período de reabilitação da pintu-
ra. É famoso por pintar figuras de cabeça para baixo, ora
NNN
NN

empastadas, ora mais suaves. Outro artista lembrado


NNNNNNNNNNNNNNN

do período é o americano Julian Schnabel (1951-),


que se destacou, inicialmente, com pinturas reco-
NNNNNNN

bertas de fragmentos de cerâmica.

Schnabel também é cineasta e defensor do cinema independente.


Ele dirigiu o filme Before Night Falls (2000), um drama romântico que
se baseia na autobiografia homônima de Reinaldo Arenas, escritor
cubano.

O sistema das artes 113


Saiba mais

Dallas contemporary 16/Wikimedia Commons


Schnabel dirigiu o filme
Basquiat (1996) sobre
esse importante artista
americano dos anos
1980, que começou seu
trabalho com o grafite, nas
ruas de Nova York. A obra
de Jean-Michel Basquiat
(1960-1988) mistura,
de maneira original, o
grafismo da arte de rua e
os símbolos contemporâ-
neos, sendo um exemplo Instalação com obras de Schnabel.
da associação entre a
arte e a vida e da pintura Jay Jopling foi o galerista de artistas de sua geração, os jovens in-
realizada a partir dos anos gleses dos anos 1990, incluindo Hirst. Era com eles que queria traba-
1980. Warhol, percebendo
a novidade do trabalho de lhar. Como nome de sua galeria, escolheu o mesmo do livro de Brian
Basquiat, por um período, O’Doherty: White Cube (Cubo Branco). Lembre-se de que o autor afir-
realizou trabalhos em par-
ceria com ele. Você pode mava que a galeria branca e limpa molda nosso gosto. Junto com a
assistir ao filme acessando Gagosian, a White Cube se tornou uma das maiores galerias do mun-
o link a seguir.
do. Larry Gagosian, por sua vez, é o representante americano de Hirst,
Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=-i1t- além de ser o galerista de Koons e Murakami. Uma visita ao site oficial
3
MF5MuA&t=3394s. Acesso em: 2 da galeria possibilita a apreciação dos artistas contemporâneos re-
jul. 2020.
presentados por ele. Estão Paik, Baselitz, a brasileira Adriana Varejão
Há um outro vídeo sobre
Basquiat, de caráter mais
(1964-), entre outros. Tanto Jopling quanto Gagosian estavam atentos
informativo, publicado pelo à pintura, que voltara a ter influência a partir de 1980, mas, também,
canal Vivieuvi.
Disponível em: https://www.youtube. estavam atentos a tudo que dizia respeito à arte contemporânea.
com/watch?v=lut7GJbcuTc&t=1s.
Espaço destinado a

josep/Wikimedia Commons
Acesso em: 2 jul. 2020.
Adriana Varejão, no
Inhotim Instituto de
3 Arte Contemporânea,
em Brumadinho,
Disponível em: https://gagosian. MG. Esse é um dos
com/. Acesso em: 2 jul. 2020. maiores espaços
ao ar livre de arte
contemporânea.
Luis Alvaz/Wikimedia Commons

Vista da exposição de Adriana Varejão no Museu Rufino


Tamayo, em 2019, na Cidade do México.

114 Arte Contemporânea


Adriana Varejão trabalha com várias técnicas: pintura, desenho, ins-
talação, fotografia etc. Percebemos que a artista lida com vários ma-
teriais, além de fazer referências à história brasileira, como o período
colonial. Questões culturais e étnicas também estão presentes em seus
trabalhos. Porém, a obra dela não é preocupada em traçar um relato
político, mas revelar uma poética pessoal. São questões relacionadas
com a realidade e que chamaram a atenção de instituições artísticas
internacionais, como a galeria Gagosian e o Museu Rufino Tamayo. Há
uma internacionalização da arte contemporânea, e a arte brasileira
passou a fazer parte dessa rede cada vez mais interligada.

Há mais semelhanças do que diferenças entre a maneira como os ar-


tistas antigos eram remunerados e como os artistas contemporâneos são
recompensados pelo esforço de criarem obras para um mercado que é
influenciado, também, por questões externas, por exemplo, a Crise de
2008, que atingiu quase todos os países. A principal diferença, você deve
ter percebido, é o número de pessoas envolvidas com a obra de arte. No
passado, as necessidades do artista e do contratante eram resolvidas en-
tre eles; agora, há outros agentes. O mundo da arte se tornou tão com-
plexo a ponto de incluir milhares de trabalhadores especializados. Então,
na próxima vez que visitar um museu, pense em quantas mãos foram
necessárias para que a exposição fosse possível. A arte, portanto, é uma
força que impulsiona não só a criatividade, mas, ainda, a economia e tudo
a ela relacionada, como a geração de empregos.

5.3 Arte e comunicação


Vídeo A partir dos anos 1980, o mundo da arte foi agitado pelas novas
tecnologias de comunicação. Aconteceu algo novo: a possibilidade de
infinitas conexões de uma mesma informação, em rede. Em uma rede
tão ampla, na qual um grupo grande de especialistas está envolvido,
devemos pensar onde se inserem o artista e a sua obra. O primeiro
é o autor da mensagem – a obra – que circulará pela rede. Assim, ele
cria a mensagem e será o primeiro a colocá-la em circulação. Caso con-
trário, não ocorrerá comunicação, interatividade, palavra utilizada com
frequência, hoje em dia. A interatividade demonstra se um sistema de
comunicação conseguiu atingir o seu objetivo mais básico, o de intera-
gir. Afinal, comunicar é dizer algo para alguém, por isso há um emissor
e um destinatário. A obra de arte, portanto, precisará comunicar.

O sistema das artes 115


YAZZIK/BigMouse/Shutterstock
EMISSOR MENSAGEM DESTINATÁRIO

O processo de comunicação, na arte, envolve o artista, a obra e o público.

Os artistas, então, perceberam que podiam fazer uso das tecno-


logias da comunicação, como os computadores, os vídeos, as novas
câmeras etc., e, principalmente, que deveriam utilizá-las na vida co-
tidiana. Assim, para esses profissionais, a comunicação não é mera
transmissão de informação; é, também, possibilidade de expressão
artística. A comunicação passa a ser um evento artístico, uma expe-
riência estética.

É interessante observar que o artista emprega a tecnologia digital,


como o computador e a máquina fotográfica, como um instrumento de
criação. No entanto, é possível afirmar que ela mudou nossa relação
com a arte. A internet, por exemplo, é uma forma de dar visibilidade à
obra, é uma forma de comunicação.

A arte digital, cujo principal recurso é o computador, pode ser criada


diretamente na máquina ou por meio de outra imagem. É o tipo
Ellinor Algin/Wikimedia Commons

de arte que se transforma rapidamente, em função dos avanços


da própria tecnologia. Rush (2006) relata que a videoarte contou
com praticantes mais famosos, como Richard Serra, ao contrário
da arte computadorizada. Havia um sentimento antitecnológico
entre os artistas dos anos 1960 e 1970. É preciso lembrar que não
havia computadores acessíveis nessa época. Os primeiros micro-
computadores só apareceram nos anos 1980.

A artista francesa Vera Molnar (1924-) é conside-


rada pioneira da arte computadorizada, trabalhan-
do com esse meio desde 1968. Segundo Rush (2006),
Molnar introduziu uma sensibilidade minimalista (no
sentido de empregar recursos mínimos) em suas ima-
Computador pessoal de 1983. A maior gens computadorizadas, apesar de trabalhar em obras
disponibilidade de microcomputadores, nos anos complexas. De fato, seus temas geométricos parecem
1980, proporcionou o crescimento da arte digital
ou arte computadorizada.

116 Arte Contemporânea


simples, mas são controlados diretamente no computador, em um
momento em que as máquinas e os programas ainda estavam em
desenvolvimento. Com o surgimento das máquinas, nos anos 1980,
artistas consagrados, como Warhol e Haring, também produziram
arte digital.

O desenvolvimento rápido dessa tecnologia proporcionou, ao ar-


tista, acessar programas de animação, imagens digitalizadas e criação
de eventos. Não se pode esquecer, contudo, dos ganhos com a co-
municação e da interatividade com o espectador, que se tornou um
participante da obra.

Britishfinance/Wikimedia Commons

Vídeo
Detalhe da exposição itinerante Van Gogh: a experiência imersiva. O ambiente é criado com
Este vídeo é uma re-
projeções digitais de 360 graus.
​​ O título reflete a proposta dos organizadores: provocar a
portagem do programa
experiência sensorial.
Metropólis, da TV Cultura,
sobre a retrospectiva
Shows com laser, imagens digitais ou eventos cinéticos ficaram
de Le Parc, realizada em
mais comuns. Em relação à arte cinética, aquela que lida com movi- 2017, no Instituto Tomie
Ohtake, em São Paulo.
mentos reais ou ilusórios, as possibilidades cresceram imensamente.
Foram apresentados mais
Vale lembrar os processos de hibridismo na arte. Nesse caso, a arte de 100 trabalhos, que
são, também, experiên-
cinética se vale da pintura tradicional e de equipamentos sofisticados
cias físicas e visuais. É uma
ou não. Um exemplo é o artista argentino Julio Le Parc (1928-), que oportunidade de ouvi-lo e
de apreciar as suas obras.
sempre construiu suas obras com criatividade e engenhosidade. Ele
parece utilizar recursos atuais. O conceito de imersão na obra já existia Disponível em: https://
www.youtube.com/
em seu trabalho antes mesmo dos recursos digitais. Há semelhanças watch?v=Mpsf22W1JX0. Acesso
com artistas contemporâneos que utilizam a tecnologia computacio- em: 2 jul. 2020.

nal para criar ambientes cada vez mais virtuais.

O sistema das artes 117


Jeff Wall (1946-) é um exemplo do uso do compu-
FaceMePLS/Wikimedia Commons

tador pelo artista, mas de modo diferente. Segundo


Rush (2006), Wall emprega a tecnologia digital para
expandir as possibilidades artísticas de seu trabalho.
Ele faz “montagens” que resultam em narrativas
fictícias, diferentes daquelas que conseguiria com as
fotografias tradicionais. Assim, os trabalhos de Wall
são enormes, contam uma história e mantêm um
vínculo com as grandes pinturas da história da arte.
Foto da série Depósito de Bagagens Perdidas (2001), de
Wall. Há, ainda, um procedimento que se tornou comum
entre os artistas contemporâneos: a utilização da
tecnologia na etapa chamada de pós-produção. No caso de Wall, suas
criações incluem equipes grandes e um sofisticado trabalho de
pós-produção no computador. Esse termo é
cada vez mais utilizado em análises de obras
contemporâneas. Ou seja, a pós-produção é
um procedimento naturalmente incorporado
pelos artistas.

Rush (2006) afirma que a tecnologia muda


rapidamente e, por causa disso, expande o cam-
po do artista. Observe que ele não disse “campo da

Pmussler/Wikimedia Commons
arte”, mas, sim, do artista. O autor está pensando
na arte computadorizada, a qual requer a par-
ticipação do espectador para “se completar”.
É uma arte que precisa do artista e do público
em uma relação de igualdade. Estamos, desse
O artista canadense Wall
modo, no campo da arte interativa, que pode inclui, em suas fotografias,
a pintura, o cinema e a
ser chamada de arte da web ou web art, consi-
literatura, o que ele chama
derada um fenômeno recente, apesar de essa de cinematografia.
vontade de interação já existir anteriormente.
A arte postal ou mail art é um exemplo. Encaixa-se no propósito desta
discussão, que é tratar do vínculo entre arte e comunicação.

O artista americano Ray Johnson (1927-1995) é considerado o pio-


neiro da arte postal. A experiência de enviar desenhos pelo correio co-
meçou quando ele ainda era jovem. No entanto, foi na década de 1970
que essa manifestação artística atingiu o auge. Os artistas usavam vá-
rias técnicas: desenho, colagem, fotocópia etc. Havia liberdade e desejo
de se fazer uma arte pública. Ela antecipou ideias usadas hoje na arte

118 Arte Contemporânea


computacional, principalmente a noção de troca, de intercâmbio en-
tre artistas e não artistas do mundo todo. O sentido da comunicação
é usado de maneira precisa, já que os trabalhos passam por diversas
pessoas, como os funcionários responsáveis pelo envio e pela entrega.
Ou seja, é uma maneira de a arte chegar a mais pessoas. Outro as-
pecto interessante da arte postal é a possibilidade de todos utilizarem
essa forma de expressão artística, sejam os poetas, os fotógrafos ou os
amantes da arte em geral.

Richard L. Feigen & Co./Wikimedia Commons

Keith Bates/Wikimedia Commons


Envelope do artista suíço Hans Ruedi Fricker (1947-), um dos mais
ativos artistas da arte postal. Esse exemplo é de 1990.

Convite de Ray Johnson para a exposição de arte


postal realizada em 1970, no Museu Whitney de Nova
York. É considerada a primeira exposição desse tipo de
manifestação artística.

Vídeo
Um exemplo de criação de arte postal está no vídeo que você poderá acessar no link a
seguir. Ele mostra a concretização de um postal.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hGlIvdqHB-A. Acesso em: 2 jul. 2020.


Outra dica é um depoimento do artista Daniel Santiago (1939-), um dos pioneiros da arte
postal no Brasil.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=79lE3jB5xUY. Acesso em: 2 jul. 2020.


Outro depoimento é de Paulo Bruscky (1949-), artista que lida com várias formas de
expressão e que, também, é considerado um dos pioneiros da arte postal no Brasil.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2pftU1KtB4E. Acesso em: 2 jul. 2020.

A arte na web pode ser realizada no computador ou fora dele. Um


desenho, por exemplo, pode ser introduzido depois, por scanner ou ou-
tro equipamento de digitalização. Contudo, há uma tendência ao tra-

O sistema das artes 119


balho realizado inteiramente no computador. É um meio de expressão
artística que cresce com o próprio desenvolvimento tecnológico. São
trabalhos que ficam “armazenados” nos equipamentos e que permi-
tem o compartilhamento, como se faz com a arte postal. Além disso, o
espectador pode acessar a página do artista na internet. Muitas vezes,
esse público pode baixar, alterar e compartilhar novamente. A intera-
tividade é infinita.

Um exemplo de artista que trabalha com a arte computacional é


Tania Fraga (1951-), que lida com a intuição e os algoritmos matemá-
ticos. Em seu site, ela escreve que conceitos matemáticos, como o de
Saiba mais “forma do espaço”, alimentam a sua imaginação. Essa paixão a levou à
No site de Fraga, você arte computacional. É interessante observar que Fraga utiliza o compu-
poderá contemplar
tador como suporte e, também, para criação de objetos interativos. Na
desenhos e esculturas,
além da arte que a artista obra Caracolomobile (2010), a artista criou um organismo artificial, com
cria diretamente no
capacidade para reconhecer o estado emocional de quem interage com
computador.
o seu trabalho – basta colocar um “capacete neural”. É provável que, no
Disponível em: http://www.
taniafraga.art.br/computer_art/ futuro, os artistas construirão esses dispositivos e seus programas. Ou
index.html. Acesso em: 2 jul. 2020. seja, serão os responsáveis por todo o processo artístico e técnico.
Neste outro site da
artista, é possível ver mais Podemos especular se as instalações ficarão mais complexas, já que
trabalhos. incluirão “formas de vida artificial”, como faz Fraga. Com os novos re-
Disponível em: https://taniafraga. cursos tecnológicos, os artistas conseguirão provocar a sensação de
wordpress.com/. Acesso em: 2
jul. 2020. que estamos em outro ambiente, diferente do real, em uma outra rea-
Assista, em especial,
lidade: a realidade virtual (RV). Podemos nos assombrar com algumas
ao videoguia da obra dessas experiências, mas os artistas que lidam com a tecnologia nos
Caracolomobile (2010).
tranquilizarão afirmando que esse “assombro” aconteceu, também,
quando surgiu a fotografia, no século XIX.

Segundo Rush (2006, p. 202), com a RV, “o aspecto passivo de observar


a tela é substituído pela imersão total em um mundo cuja realidade exis-
te contemporaneamente com o observador”. Ele trata de uma realidade
que passa a existir assim que colocamos dispositivos acoplados à cabe-
ça. Há, porém, a possibilidade de usar outros acessórios, como luvas es-
peciais ou macacões com cabos de fibra ótica. Nesse momento, talvez,
podemos dizer que não somos mais “espectadores”, visitantes de uma
exposição, mas, também, pessoas que vivem uma experiência tridimen-
sional real, diferente da ilusão de profundidade apresentada pela pin-
tura. É, ainda, uma experiência interativa maior do que aquelas que os
artistas dos anos 1960 tanto desejavam.

120 Arte Contemporânea


Saiba mais
Artistas como Jeff Koons, Marina Abramovic (1946-) e Olafur Eliasson (1967), que trabalham
com outros suportes, passaram a se interessar cada vez mais diante das possibilidades da
realidade virtual. Empresas como a Acute Art começaram a fornecer recursos tecnológicos
para que os artistas pudessem apresentar seus trabalhos por meio de novos meios digitais.
Para saber mais sobre o interesse deles pela RV e conhecer alguns trabalhos que utilizam
esse recurso, você pode acessar o artigo a seguir, de Camila Yahn, publicado no blog
Fashion Forward.

Disponível em: https://ffw.uol.com.br/lifestyle/cultura/superstars-da-arte-marina-abramovic-jeff-koons-e-olafur-eliasson-


lancam-projeto-de-realidade-virtual/. Acesso em: 2 jul. 2020.
Assista, também, ao vídeo produzido pela própria Acute Art.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=6&v=gVHiWqIw3J4&feature=emb_logo.


Acesso em: 2 jul. 2020.

Não é difícil concluir que tanto a arte quanto o papel dos artistas
foram alterados pelas novas tecnologias da comunicação. No entanto,
apesar das mudanças cada vez mais rápidas, como as copiadoras que
criam esculturas tridimensionais, os museus e as galerias continuam
apresentando todo tipo de expressão artística. Continuamos a contem-
plar variados tipos de imagens: virtuais ou não, criadas por computa-
dor ou desenhadas em suporte tradicional, como o papel. A boa notícia
é que todas essas imagens são necessárias, vitais como a própria arte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão das relações entre arte, instituições, mercado e novas
tecnologias de comunicação não pretendeu esgotar o assunto. Ficaram
de fora artistas que representaram tão bem as últimas décadas e que
seriam excelentes exemplos para essas discussões. Entretanto, você deve
ter observado que tratamos das principais instituições que representam a
arte contemporânea. Deve ter notado, também, que abordamos o merca-
do de arte da maneira mais concreta possível, ainda que, dentre todas as
instituições artísticas, ele seja a mais abstrata.
Associamos todas essas instituições a uma única palavra: rede. Prefe-
rimos utilizar essa noção de rede para estudar aspectos artísticos rela-
cionados com as novas tecnologias da comunicação. Não há dúvidas de
que as instituições artísticas atuam em rede, ou seja, conectadas. É difícil
imaginar o galerista, o colecionador e o crítico, por exemplo, trabalhan-
do separadamente, mas buscamos lançar luz sobre os novos meios de
expressão artísticos, fazendo referências aos experimentos do passado,
que foram extremamente inovadores, como a arte postal. A arte digital

O sistema das artes 121


traz a difícil questão de ir além do objeto com o qual lidamos há séculos: o
objeto artístico. Será necessário rever os métodos de análise, pois, agora,
há, também, os objetos virtuais, que não estão fora do tempo e do espaço,
apenas em outro tempo e em outro espaço.
Se há uma palavra para descrever essa relação entre a arte e a
tecnologia é hibridismo. Porém, ela poderá se referir, ainda, à arte con-
temporânea como um todo. Outro termo é poética. Ela nos leva a com-
preender por que a linguagem de um artista é individual e independente
do meio utilizado. Poderá ser tradicional ou tecnológica, mas será sempre
uma linguagem única, verdadeira e vinculada à vida do próprio artista.

ATIVIDADES
1. Defina o que é instituição artística.

2. Cite uma diferença entre as bienais e as feiras de arte.

3. Quais são os principais dispositivos da tecnologia da comunicação


utilizados pelos artistas?

REFERÊNCIAS
ARGAN, G. C. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. de
Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CAUQUELIN, A. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. de Rejane Janowitzer. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
CINTRÃO, R. As montagens de exposições de arte: dos Salões de Paris ao MoMA. In:
RAMOS, A. D. (org.) Sobre o ofício do curador. Porto Alegre: Zouk, 2010.
COUTO, R. G. Apresentação. In: QUEMIN, A. et al. O valor da obra de arte. São Paulo:
Metalivros, 2014.
DEL CASTILLO, S. S. Cenário da arquitetura da arte: montagens e espaços de exposições.
São Paulo: Martins Fontes, 2008.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Trad. de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: LTC,
2013.
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122 Arte Contemporânea


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O sistema das artes 123


GABARITO
1 Definição de arte contemporânea
1. Considera-se que a arte contemporânea começou no início dos anos
1960, após o declínio dos ideais modernistas.

2. O uso de diversos materiais, a eliminação da fronteira entre pintura e


escultura e a junção de arte e vida.

3. Duchamp se tornou uma marca, como uma inscrição feita em algum


suporte. A negação de valores estéticos em vigor há séculos, como as
noções de belo, contemplação e autoria, fez com que ele se tornasse
um dos índices da arte contemporânea.

2 O pensamento artístico contemporâneo


1. As três características com as quais estávamos acostumados agora se
embaralham. O conteúdo e o tema poderão se tornar uma coisa só.
A forma desaparece, como no caso da arte conceitual, que valoriza
o processo de pensamento sobre a materialidade da obra. Na arte
contemporânea, o tema e o conteúdo nem sempre são evidentes.
Neste sentido, a unidade orgânica entre tema, conteúdo e forma não
é apresentada de maneira equilibrada.

2. No artigo A escultura no campo ampliado, Rosalind Krauss afirma que


coisas surpreendentes são chamadas de escultura. Lembre-se de que
o artigo foi publicado em 1979 e Krauss refletia sobre a escultura
produzida em duas décadas de experimentalismo intenso por parte
dos artistas. Por isso, ela cita corredores com aparelhos de TV,
grandes fotografias, espelhos em ângulos diferentes, linhas traçadas
no deserto. Esses trabalhos só podem ser tratados como esculturas,
diz ela, se a definição dessa categoria se tornar maleável. Ela analisa
obras contemporâneas diferentes da escultura e dos monumentos
que conhecemos. Ainda assim, todas são tridimensionais.

3. Os materiais são cuidadosamente estudados pelos artistas porque


podem se tornar a própria essência da obra. Eles podem passar
por alterações provocadas pelo tempo, o que os torna ainda mais
fascinantes. Podem, também, adquirir um caráter pessoal, como no
caso de Joseph Beuys; um caráter contestatório, como no caso da arte
povera; ou provocar uma experiência perceptiva, como a arte cinética é

124 Arte Contemporânea


capaz. No fundo, todo grande artista é um inventor e tem seus próprios
motivos para fazer suas escolhas.

3 Agentes irradiadores de influências


1. Segundo Hauser (1989), a sociedade grega valorizava a obra de arte,
mas não via com bons olhos o papel social do artista. O trabalho do
pintor e do escultor era considerado sujo, pois era realizado com
ferramentas. O poeta era valorizado, pois vestia roupas limpas e lavava
as mãos. Osinski (2002) completa a explicação de Hauser afirmando
que o trabalho realizado com a mente e manter as mãos limpas eram
o ideal dos gregos.

2. A crítica de arte, como a conhecemos, surgiu no século XVIII, com Denis


Diderot. Foi um período de grandes mudanças no mundo da arte.
Com a crítica, surgiram também a estética, as exposições gratuitas e
a arqueologia.

3. O curador era responsável pela catalogação, pela preservação e pela


interpretação de tesouros que estavam sob a guarda dos museus. Ele
era, também, o responsável pelas exposições desses documentos.
Nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 1960, a definição
de curadoria foi ampliada; no entanto, a noção de cuidado se
manteve. O que se ampliou foi o papel exercido pelo curador. Além
de catalogar, preservar, interpretar e apresentar os tesouros de um
museu ao público, o curador passou a fornecer o contexto para que
os significados das obras de uma exposição repercutam. Para isso,
ele passou a cuidar de todos os detalhes: a construção do conceito
(a ideia que irá sustentar a exposição), as obras escolhidas e a forma
como serão expostas. Porém, tudo é compartilhado com o artista e
com outros profissionais que ajudarão a concretizar a exposição
(arquitetos, financiadores, educadores etc.). Por isso, alguns autores
defendem que o curador também é o autor.

4 A arte e suas intersecções


1. A palavra poética é utilizada para retratar o modo particular de o
artista criar (e fazer) seus trabalhos, ou seja, o que o artista pretende e
como realiza o que pretende. Dessa forma, os temas, os suportes e os
materiais poderão ser incluídos no âmago de uma só palavra: poética.
Ocorre um embaralhamento de tudo isso com a própria história do
artista, suas experiências pessoais e os caminhos escolhidos. Nesse
sentido, a arte contemporânea possui um caráter fortemente autoral.

Gabarito 125
As referências pessoais do artista estão presentes na obra. A poética do
artista, então, é o resultado de suas preocupações estéticas, sua visão
de mundo e sua experiência de vida, que ele consegue materializar
em uma obra, que depois será compartilhada com todos nós. Assim,
pode-se dizer que um artista possui a sua poética. Tudo – tema,
material, suporte e sua própria vida – define também a poética de sua
obra. Até mesmo suas indagações existenciais podem ser incluídas em
sua poética.

2. Nas artes visuais, a palavra técnica é utilizada no sentido de designar o


modo como os artistas utilizam os materiais escolhidos. O objetivo do
emprego da técnica é exprimir uma ideia ou um sentimento. Rosana
Paulino lembra que a técnica é um processo mental, que não envolve
apenas procedimentos mecânicos. Por isso, a técnica é também
conhecimento.

3. Arlindo Machado explica que a palavra artemídia tem sido usada para
designar formas de expressão artística que se apropriaram de recursos
tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento em geral.
Machado completa essa definição alertando que artemídia se refere,
também, às atividades artísticas que utilizam recursos tecnológicos
recentes, principalmente os da eletrônica, da informática e da biologia.

5 O sistema das artes


1. Entendemos a palavra instituição como a representação de vários
elementos, os quais podem ser sintetizados em outra palavra: sistema.
O sistema das artes seria o conjunto de elementos (instituições)
formado por: museus, galerias, exposições, coleções, salões, prêmios,
história da arte, crítica da arte etc. Portanto, compreendemos a criação
artística dentro de um sistema que inclui muitos e variados elementos
e variadas instituições.

2. As feiras internacionais de arte foram criadas para as galerias


mostrarem e divulgarem os artistas que representam. Por isso, são
eventos comerciais. Essa é a principal diferença entre as feiras e as
bienais, que são organizadas por meio de linhas teóricas, desenvolvidas
por curadores com o objetivo de apresentar artistas contemporâneos,
conhecidos ou não.

3. Os artistas perceberam que podiam fazer uso das tecnologias da


comunicação por meio de dispositivos, como os computadores, os
vídeos, as novas câmeras etc.

126 Arte Contemporânea


ARTE CONTEMPORÂNEA
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6658-2

9 788538 766582
JOÃO COVIELLO

Código Logístico

59493

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