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ARTE CONTEMPORÂNEA
espanto, mas, principalmente, admiração. Eis uma das vantagens
de se estudar a arte contemporânea.
9 788538 766582
JOÃO COVIELLO
Código Logístico
59493
Arte Contemporânea
João Coviello
IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Freeda Michaux/Shutterstock
Coviello, João
Arte contemporânea / João Coviello. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE
2020.
126 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6658-2
Gabarito 124
APRESENTAÇÃO
Isto é arte? Essa pergunta já foi ouvida algumas vezes em exposições de
arte contemporânea. É uma indagação sincera, pois causa surpresa. E surpresa
é a palavra que mais nos aproxima da arte contemporânea, por esta ser algo
que ainda não conhecemos e ao qual somos apresentados pela primeira vez.
Daí a estranheza e a surpresa. Por isso, este livro pretende abordar alguns
tópicos que envolvem as obras de arte contemporâneas e as questões ao seu
redor. Você verá que são muitas.
No primeiro capítulo, trataremos da definição de arte contemporânea e
suas diferenças diante da arte moderna. No segundo, conheceremos seus
temas e estudaremos a variedade de suportes e materiais utilizados pelos
artistas. Você perceberá que a liberdade para os escolher representa uma
de suas principais características. No terceiro, entenderemos o papel que o
artista passou a desempenhar na cultura contemporânea. Apresentaremos,
também, o papel do crítico e do curador como agentes influenciadores e a
ascensão que tiveram no mundo da arte. No quarto capítulo, abordaremos
a ligação entre arte e vida, considerada outra característica importante da
arte contemporânea. Analisaremos o papel da técnica e da tecnologia sobre
a criação artística, além da relação entre arte e mídia. No último capítulo,
veremos o vínculo entre arte, instituições e mercado, que podemos resumir
na expressão sistema das artes. Por fim, discutiremos os efeitos das novas
tecnologias sobre as práticas artísticas contemporâneas.
Este livro, portanto, é sobre questões levantadas pela própria arte
contemporânea. Observá-las ajuda a lançar luz sobre a arte e a compreendê-la
tanto como fonte de perguntas quanto de esclarecimento sobre nós e
o mundo. Não podemos esquecer que a surpresa, também, traz prazer
inesperado e que uma obra de arte surpreendente não causa só espanto,
mas, principalmente, admiração. Eis uma das vantagens de se estudar a arte
contemporânea.
Bons estudos!
1
Definição de arte contemporânea
Neste capítulo, entenderemos por que a expressão arte
contemporânea se sobrepôs a ponto de se tornar um período ar-
tístico que vem após o Modernismo. A análise sobre a transição
do moderno para o contemporâneo é recente, começou a partir
dos anos 1980. Veremos se é possível definir arte contemporânea
e quando ela começou. A escolha da data de início da contempo-
raneidade nas artes é diferente entre os autores e será possível
compará-las. Analisaremos, ainda, as concepções de arte contem-
porânea e como aplicar a análise semiótica às artes visuais.
Uma gravura não precisa ser realizada apenas com incisões sobre
uma matriz de madeira ou metal, por exemplo. Qualquer coisa capaz
de deixar uma marca gravada em uma base física passou a ser cha-
mada de gravura. Imagine um artista que colocou pregos sobre um
pedaço grande de lona e depois os deixou por semanas ou meses
no quintal de seu ateliê, resultando em marcas de ferrugem sobre a
lona – marcas que o artista poderá compor como quiser, formando
desenhos aleatórios ou não. É uma gravura, mas, se o artista interferir
nesses desenhos com outros materiais, o resultado será uma pintura
definida como técnica mista. Afinal, o artista criou um desenho, usou
materiais como se fossem tintas, esticou a lona no chassi e a gram-
peou, como se fosse a tela usada normalmente. Em um salão de arte,
a obra será classificada como contemporânea. O que a difere dos tra-
10 Arte Contemporânea
a singularidade dos trabalhos artísticos aponta mais para as diferenças
do que para as semelhanças. Agrupá-los é uma tarefa complicada.
12 Arte Contemporânea
O modernismo, que revolucionou quase tudo em termos artísti- Livro
cos, mantém diálogo com a arte contemporânea. É esse diálogo que Para conhecer mais sobre
a vida artística de Paris
começaremos a analisar. nas primeiras décadas
do século XX e sua im-
A Segunda Guerra Mundial, que acabou em 1945, marcou a portância no imaginário
substituição do título de capital da arte que Paris ostentou orgulho- de artistas de todo o
mundo, você poderá ler
samente por tantas décadas. O centro passou para Nova York, que um clássico da literatura,
se tornou a grande capital artística do mundo; se Paris era a cidade Paris é uma festa, em que o
escritor Ernest Hemingway
na qual todo aspirante a artista sonhava em estudar, Nova York (1899-1961) relembra seu
passou a ser o centro financeiro, pois lá estavam os grandes colecio- tempo de juventude na
capital do mundo daquele
nadores, além dos grandes museus e das emergentes galerias. tempo, onde conviveu com
A efervescência artística provocada pela vitória na guerra artistas e intelectuais de
todo os lugares. A história
contrastava-se com a difícil e dolorosa recuperação de Paris e de se passa no
toda a Europa, palco da maior guerra da história. O expressionismo início dos anos
1920, quando
abstrato teve Nova York como centro e sua importância para o mo- o escritor tinha
dernismo é comparada ao cubismo. Dessa vez, o movimento não 22 anos.
A École de Paris era o local em que todos queriam estar. A Paris das primeiras décadas do século XX era onde
artistas de todas as partes do mundo viviam de esperança e morriam de fome, “foi para os pintores e escultores o
Filme
que Hollywood viria a ser para o cinema” (ARGAN, 1992, p. 341). Nos cafés, reuniam-se artistas de todo o mundo:
italianos, espanhóis, russos, americanos, brasileiros. Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade viveram lá. Anita
Malfatti lá estudou. Desde o século XIX, os governos distribuíam bolsas para os estudantes brasileiros. A capital
francesa era internacional e cosmopolita. Na École, diz Argan (1992, p. 341), todas as correntes e tendências se
misturavam sob uma única condição: serem “modernas”.
meçaram a realizar trabalhos que em nada lembravam Pollock ou De Direção: Woody Allen. EUA; Espanha:
Sony Pictures Classics, 2011.
Kooning. Os trabalhos de dois artistas são marcantes nesse período:
14 Arte Contemporânea
Jack de Nijs / Anefo/ Wikimedia Commons
abstrato. Para Pollock ou De Kooning, a pintura é um
conjunto de manchas que não comunica um significado,
mas há um receptor (o público) que pode fornecê-lo.
Então, por que uma obra precisa estar no plano (a tela)
e ser feita de tinta? Argan parece sugerir que essa é a
pergunta de Rauschenberg e Johns. Por isso, diz ele
(1992, p. 575), o tema de um quadro prolonga-se
para além do plano, “invade o espaço da existência,
torna-se ambiente”. A pintura liga-se às coisas da
vida. Canton (2009, p. 49) explica essa mudança em
relação ao modernismo: diferentemente da tradição
do novo – objetivo dos artistas da primeira metade do
século XX –, “a arte contemporânea que surge na conti-
nuidade da era moderna se materializa a partir de uma
negociação constante entre arte e vida, vida e arte”.
des amigos e impressionaram Andy Warhol, que, por sua vez, partici- Disponível em: https://www.you-
pou de outra revolução: a pop art. Gompertz (2013, p. 318) afirma que tube.com/watch?v=wrtTGjrJ3GA.
Acesso em: 4 maio 2020.
Warhol ficava parado olhando os trabalhos de ambos e se perguntava
16 Arte Contemporânea
É uma obra simbólica em vários sentidos. Ao congelar seu gesto (de
apagar o desenho de um célebre artista), Rauschenberg retoma algu-
mas das características do modernismo mais radical, principalmente
dos trabalhos de Duchamp e do dadaísmo. Os Estados Unidos passa-
vam por um momento especial de consolidação como maior mercado
consumidor do mundo e, desde o início do século XX, o país já era visto
pelos artistas europeus como lugar onde trabalhos modernistas eram
bem aceitos. Os colecionadores americanos iam a Paris e compravam
obras que depois foram doadas para os grandes museus. Muitos ar-
tistas e professores migraram para os Estados Unidos, principalmen-
te durante a década de 30, por causa da ascensão do nazismo, e lá
permaneceram após o fim da Segunda Guerra Mundial. Alguns foram
professores da geração que criou o expressionismo abstrato.
FriedeWie/Wikimedia Commons
tanto tumultuada devido às ideias modernistas do
professor, mas respeitosa. Logo após deixar a esco-
la, o artista produziu uma série de pinturas que apre-
sentavam apenas uma tonalidade, o branco, que
lembrava o quadro de Malevich, Branco sobre branco,
de 1918. Muitos perceberam tratar-se de uma crítica
ao expressionismo abstrato, mas lembrava também
as experiências do seu professor, cujas pesquisas
com a cor sempre foram centrais em sua obra, como
é possível observar na imagem ao lado.
Sailko/Wikimedia Commons
Christie’s/Wikimedia Commons
SCHWITTERS, K. Vista do Merzbau (Janela azul) (1933). SCHWITTERS, K. Maraak, Variação I (Merzbild) (1930). Técnica SCHWITTERS, K. Rua Mz x 21 (1947). Colagem, 18,5 x
Impressão p/b de scan a partir do negativo de vidro mista, 46 x 37 cm. Coleção Peggy Guggenheim, Veneza 14,5 cm. Coleção particular.
original. Sprengel Museum, Hannover, Alemanha. (Solomon R. Guggenheim Foundation, New York).
18 Arte Contemporânea
É certo que Schwitters e Rauschenberg eram artistas diferentes.
O primeiro, com uma linguagem contemporânea, ajudou a construir
o movimento moderno nas artes. O segundo influenciou uma ge-
ração de artistas posteriores com uma linguagem contemporânea
em um momento fundamental do modernismo, no qual a lingua-
gem modernista parecia ter atingido o auge com o expressionismo
abstrato. Comparar esses dois artistas precursores ajuda a entender
as concepções contemporâneas de arte. O artista contemporâneo
possui uma vantagem: não precisa ser tão radical quanto os artis-
tas modernistas, que queriam substituir séculos de arte naturalista,
aquela que tenta reproduzir a realidade. Em certo sentido, a arte
moderna trabalhou com a noção de arte como um fazer especial, e é
possível perceber a noção de construção de um objeto especial em
Schwitters e Rauschenberg.
O que foi o dadaísmo? O dada, que não queria que nada interferisse em sua apreciação, pois desejava
palavra sem significado, contes- ter uma experiência o mais pura possível com a arte. Essa história, con-
tava tudo, a começar pela própria tada por Freire (2005), ilustra a crítica que a arte contemporânea faria
concepção de arte. O movimento
ocorreu durante a Primeira ao período moderno. É possível uma apreciação estética tão autônoma
Guerra Mundial, entre 1914 e assim? – perguntavam artistas inquietos, como Rauschenberg e Johns.
1918, e o centro do movimento
O valor da obra encontra-se na própria obra, parece dizer essa lenda
foi Zurique, na Suíça, mas os
artistas estavam espalhados sobre Greenberg. E era justamente isso que os dois jovens artistas não
por outras cidades, entre eles, gostavam no expressionismo abstrato.
Duchamp e Schwitters.
Alguns autores, como Argan (1992), associam o trabalho de
Rauschenberg e Johns ao dadaísmo. Essa classificação poderá nos aju-
dar a entender as concepções contemporâneas de arte. Já temos um
começo: a contemplação não é assim tão pura e a arte não é tão autô-
noma como queriam os modernos. Argan (1992) sugere a associação
dos artistas contemporâneos a um neodadaísmo – um novo dadaísmo.
As ações dos artistas dos anos 1960 eram próximas dos dadaístas do
início do século XX.
20 Arte Contemporânea
temporânea. Ao negar os valores estéticos, o dadaísmo se transforma
em ação, gesto. Alguns artistas contemporâneos chamam essas ações
de intervenções.
Wmpearl/Wikimedia Com
A imagem de um objeto de Man Ray, um dos expoentes do
dadaísmo, reforça a ideia de que a linguagem contemporânea teve
precursores no período de consolidação do modernismo. Man Ray
era o nome artístico do artista americano Emmanuel Radnitzky
mons
(1890-1976), que viveu parte da vida em Paris. É um exemplo de
artista contemporâneo que, mesmo sendo do período moderno,
utilizava vários meios: pintura, fotografia, cinema, objetos. Foi ami-
go de Duchamp, com quem trabalhou junto em projetos experi-
mentais. Ray era um pesquisador e um inventor em sua incansável
busca de soluções técnicas para materializar o que imaginava. Inven-
tou técnicas fotográficas e ajudou a transformar a fotografia em uma RAY, M. Presente (1921). Metal fundido, prego
de cobre, 17,5 x 10 x 14 cm. Réplica de 1972,
nova forma de arte. Outra característica contemporânea de Man Ray Tate Modern, Londres.
era a eliminação das fronteiras entre as diversas formas de expressão
artística; ele parece dizer que a fotografia pode ser usada para tudo,
principalmente como obra de arte.
RAY, M. Kiki, preto e branco (1926). Impressão em gelatina de prata, 17.5 x 21cm. Coleção particular.
semiótica.
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mo
22
ns
Arte Contemporânea
Partiremos do princípio de que a obra de arte é um signo. Essa
afirmação é interessante porque sempre se considerou a obra de arte
como aquilo que era próprio do domínio das artes plásticas, como de-
sejava o modernismo. Para a arte contemporânea, por sua vez, uma
obra pode conter signos não artísticos. Lembre-se das assemblages,
que são “montadas” com objetos do cotidiano.
Kim
tísticos. Para esse crítico imaginário, uma obra de arte se consti-
Tray
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tuía em um signo estético e, portanto, artístico. Reforçamos que
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um signo não é o objeto, apesar da materialidade da obra de
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arte. Isso, em tese, reforçaria sua autonomia da arte, mas não
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é o que fizeram os artistas contemporâneos a partir de mea-
dos dos anos 1950. Duchamp é um dos artistas mais citados
nos estudos sobre a arte contemporânea e, ao negar valo-
res estéticos em vigor há séculos, como as noções de
belo, contemplação e autoria, ele se tornou um dos
índices da arte contemporânea. Uma marca da qual
não conseguimos nos esquecer. Além de índice, a
Fonte tornou-se um ícone. Vejamos, agora, as defini-
ções de índice e ícone.
brar o objeto.
Gampe/Wikimedia Commons
mundo. Ao investigar um
crime, Sherlock entra na
sala e busca atentamente
cada detalhe, normal-
mente despercebido
por nós. É uma leitura
agradável, não apenas
por Doyle ser um grande
escritor, mas também
por ser um exemplo de
como é possível pensar
indicialmente. Há outros
exemplos, como o traba- KIEFER, A. Awake In The Gypsy
lho do médico no fecha- Camp! (2013). Salzburg,
Furtwänglerpark, obra em espaço
mento de um diagnóstico, público. Proprietário: Würth Group.
realizado pelos sinais e
sintomas do paciente,
que, nesse caso, são uma
forma de linguagem. Isso
não é apenas raciocínio
lógico, mas uma leitura
de tudo o que está ao
redor. Aliás, Doyle era
médico. Não parece mera
coincidência.
24 Arte Contemporânea
A palavra fruição, aqui, tem o sentido de desfrutar ou deleitar-se com a
imagem. Contemplamos uma das obras de Kiefer e, por analogia, sabe-
mos de quem é. Os vestidos e os materiais que aplicou sobre o suporte,
por exemplo, nos remetem às obras de Kiefer.
26 Arte Contemporânea
Luisa Panza/ Wikimedia Commons
Interior do prédio da Bienal Internacional de Arte de São Paulo: exemplo de uma imensa floresta de
signos. O pavilhão possui 25.000 m².
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A noção de arte contemporânea é recente. É possível perceber que
optamos por essa expressão, e não pela expressão arte pós-moderna,
ainda utilizada em outras disciplinas universitárias, como a sociologia.
A expressão arte contemporânea guarda particularidades próprias do
mundo da arte. Afinal, esse é o nosso mundo. Mesmo assim, esse de-
bate foi importante para levantar questões sobre a arte moderna, pois
a reflexão sobre a arte contemporânea nos obrigou a refletir também
sobre a arte moderna.
As concepções de arte para os artistas contemporâneos são tão am-
plas que resultaram na dificuldade classificar uma obra como pintura ou
escultura. No período moderno, uma escultura ainda era uma escultura,
mesmo com as colagens de Picasso e os objetos de Duchamp, obras que
podemos chamar de demolidoras de qualquer definição. Veja que cita-
mos dois artistas modernos. Devemos a eles e aos seus companheiros
ATIVIDADES
1. Se a arte contemporânea não é apenas aquela feita agora, podemos
considerar que seu início se deu quando?
REFERÊNCIAS
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Martins Fontes, 2013.
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TASSINARI, A. O espaço moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
TURIN, R. N. Aulas – Elementos de Linguagem. São Carlos: Escola de Engenharia de São
Carlos – USP, 1992.
28 Arte Contemporânea
2
O pensamento artístico
contemporâneo
Este capítulo tratará de algumas características da arte contem-
porânea. Além da escolha ilimitada de suportes e materiais, o ar-
tista contemporâneo teve – e tem – liberdade para abordar temas
não tratados no período moderno.
A transição para a arte contemporânea ocorreu em um momento
de grandes transformações comportamentais, sociais e econômicas.
Os anos 1960 foram intensos e provocaram mudanças que reper-
cutem até hoje. A arte foi uma das protagonistas desse período, pois
os artistas viveram, acompanharam e registraram essas transforma-
ções. Porém, ela não é um mero documento de seu tempo, pois há
preocupações formais e plásticas próprias da prática artística, mas
a sensibilidade do artista, ao utilizar suas experiências, transforma
sua obra em um registro também histórico. É bom repetir que esse
registro não é intencional, pois o uso de imagens como evidência
histórica é posterior. Essas imagens são utilizadas por historiado-
res, críticos e pesquisadores, pois se transformaram em ricas fontes
de consulta. A arte nos ajuda a dar sentido ao mundo e às nossas
ações. Assim, as imagens produzidas pelos artistas – de qualquer
época – possuem um caráter estético e ético ao mesmo tempo. Essa
é uma das razões do nosso interesse.
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30 Arte Contemporânea
Oxyman/ Wikimedia Commons
1
1
SERRA, R. Fulcrum (1987). Site specific de 17 m,
em aço corten, próximo à estação Liverpool Street, A tradução livre deste termo é
Londres.
sítio específico. A palavra sítio
Richard Serra (1938-) é um artista americano que começou a expor tem o sentido de local ou espaço.
Assim, site specific refere-se
suas obras no final dos anos 1960. Não há propriamente um tema na a obras criadas para algum
escultura dele, que subverte a unidade entre tema, forma e conteúdo. ambiente determinado. Normal-
Em 1997, ele expôs desenhos pintados diretamente sobre a parede do mente são trabalhos grandes,
um pouco mais complexos e que
Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. Na época, foram publi- buscam manter relação com o
cadas diversas análises sobre a obra de Serra. espaço ao redor. É uma expres-
são que passou a ser utilizada
Será que podemos considerar essas intervenções no espaço exposi- pela arte contemporânea a partir
tivo como o tema dos trabalhos apresentados pelo artista? De todos os dos anos 1970.
comentários da época, separamos dois para ajudar nessa análise. São
textos de especialistas, escritos no calor do momento: o de Ronaldo
Brito, publicado no jornal O Estado de São Paulo, e o de Rodrigo Naves,
publicado na revista Veja. Os dois textos foram publicados com alguns
dias de diferença, entre novembro e dezembro de 1997.
Rodrigo Naves (2007, p. 387), por sua vez, começa seu texto com
O a seguinte afirmação: “Richard Serra é o maior artista plástico da
O OO
OO atualidade”. Como em Brito, a forma parece ter destaque. Para
O
OOO
Saiba mais O artista brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980) dizia que era um “pro-
positor”, isto é, ele apresentaria algo que só seria transformado em
A palavra instalação é utilizada
para se referir ao meio artístico obra com a participação do espectador. O desejo do artista era abolir a
que se realiza no espaço. O proble- posição passiva do observador para que a obra pudesse se completar.
ma é que a escultura também
Oiticica deixou vários cadernos de anotações. Uma frase de um desses
utiliza o espaço. O que a torna
diferente? Vamos, então, às cadernos, “Museu é o mundo”, sintetiza suas ideias a respeito da arte.
diferenças: Alguns artistas dos anos 1960 e 1970 desejavam transformar o mundo
• Podemos circular dentro de em um local de interação entre arte e vida. Essa frase foi o título de uma
uma instalação. Há, portanto,
uma relação física com ela. grande exposição de Oiticica que percorreu várias cidades.
34 Arte Contemporânea
Perceba que grande parte dos artistas contemporâneos tem duas Vídeo
preocupações: a intenção de provocar experiências (não só estéticas) e Hélio Oiticica é um dos
artistas brasileiros mais
o desejo de provocar interação entre obra e espectador. Você deve ter comentados e expostos
notado, também, que os trabalhos dos artistas dos anos 1960 e 1970 são no exterior. Na internet,
você encontrará dezenas
marcados por um experimentalismo acentuado. Oiticica, por exemplo, de vídeos sobre o artista.
gostava da palavra invenção, como algo genuinamente novo e criativo. Um deles é o documen-
tário sobre a exposição
Devido a esse experimentalismo aparentemente ilimitado, alguns artis- Museu é o Mundo. Perceba
tas perceberam a dificuldade de compreensão de diversas obras. como Oiticica imaginou a
interação do observador
A partir dos anos 1980, explica Canton (2009), muitos artistas busca- com os Parangolés. Atente,
também, para a instalação
ram aproximação com a realidade e o público. Assim, eles retomaram a Tropicália, que acabou
ideia de narrativa (no sentido de se contar uma história) e procuraram inspirando o movimen-
to cultural chamado
criar obras que se relacionassem com a vida, como a geração anterior tropicalismo, cujos nomes
também queria, mas sem pensar em obras que tivessem valor apenas mais conhecidos foram os
cantores e compositores
em si mesmas. Há uma revalorização da pintura. José Leonilson Bezerra Caetano Veloso e Gilberto
Dias (1957-1993) é um dos principais artistas desse período. No entanto, Gil. Esse movimento
incluía outras linguagens
ele não é só pintor. Esta é outra característica dessa geração: ele cria artísticas, como as artes
também instalações, é escultor, desenha com bordados, utiliza diversos plásticas, a literatura e o
cinema. O canal do Sesc-
tipos de tecidos e cria objetos. Para Canton (2009), uma característica TV o publicou em duas
dos artistas contemporâneos das últimas três décadas é a busca de sen- partes e o intitulou Museu
Vivo: Helio Oiticica.
tido. Isso ocorre tanto em termos formais quanto na busca de com-
Disponíveis em: https://www.you-
preensão da realidade. E, nessa realidade, cabem a política, a ecologia, a tube.com/watch?v=ok7Xsj-TwvQ;
cultura e a afetividade. Nas obras de Leonilson, é possível observar como https://www.youtube.com/
watch?v=t_IkBL1Rmwo. Acesso
o artista lida com os afetos, a memória e o corpo. em: 29 maio 2020.
Os modernos precisaram negar a geração an-
2.2 Os suportes
Vídeo A palavra suporte é utilizada para designar qualquer coisa que sus-
tenta ou escora algo. Não é diferente nas artes visuais. Você deve ter
pensado na tela para pintura, mas, se pensou no papel usado para o
desenho ou no muro para o grafite, também acertou.
36 Arte Contemporânea
manipular: costurar, trocar, colar. A imagem do escultor com o cinzel
em frente a um bloco de pedra foi substituída pela do artista traba-
lhando com a solda, os parafusos, a cola e ferramentas diversas. Os
materiais também mudaram: podem-se usar plásticos, tecidos, vidros
e qualquer coisa descartada ou não pela sociedade industrial.
RODIN, A. O beijo (1882). Mármore, 181,5 x 112,5 x 117 cm. Museu Rodin, Paris.
Dornicke/Wikimedia Commons
RAMOS, N. Craca (1995). Alumínio fundido com fósseis de animais, 278 x 330 x 556 cm. Jardim da RAMOS, N. Craca Segunda Versão (1995-1996). Alumínio fundido com fósseis de
Luz, em São Paulo (SP). animais, 300 x 720 x 350 cm. Parque do Ibirapuera, São Paulo (SP).
A obra está no Jardim de Esculturas do Museu de Arte
Moderna de São Paulo (MAM-SP).
38 Arte Contemporânea
trabalhou com vários meios e foi um dos primeiros a usar o vídeo como
expressão artística. Paik usava aparelhos de TV, rádios, computadores;
era engenhoso na manipulação desses objetos, que eram desmonta-
dos, soldados, colados. Em um de seus últimos trabalhos, o Bakelite
Robot, de 2002, procurou, em lojas de artigos usados, rádios fabrica-
dos com baquelite. A baquelite, inventada no início do século XX, foi o
primeiro plástico resistente ao calor. Ela é pouco utilizada
hoje porque, depois de moldada, não pode ser reciclada.
Paik queria criar uma escultura com o primeiro plástico
utilizado no mundo. Com esse material, o artista criou
uma figura com traços humanos. Ele removeu a parte interna
dos rádios do quadril, das mãos e dos joelhos e a substituiu por mo-
nitores de TV que exibem filmes antigos sobre robôs. Os trabalhos
FFFFFFFFFFF
de Paik confirmam a noção de campo ampliado da escultura, desen-
volvida por Krauss. Para ela, a permissão para o artista pensar essa
FFFFFFFFFFFFF
ampliação ocorreu entre os anos 1968 e 1970 (KRAUSS, 2008).
FFFF FF
temporâneo é marcado por grandes possibilidades estéticas, que
os artistas perceberam e aproveitaram. Krauss (2008) cita o traba-
lho do artista americano Robert Morris (1931-2018), que criou um
observatório em madeira e grama na Holanda. Esse trabalho, de PAIK, N. J. Bakelite Robot (2002). Vídeo,
monitores e rádios, 120 x 92 x 20.5 cm. Tate
1971, chamado justamente de Observatório, juntou-se à paisagem. Ele pla- Modern. Londres.
nejou cuidadosamente a construção, seguindo as coordenadas do céu.
Lvellinga/Wikimedia Commons
40 Arte Contemporânea
material que funcione como suporte. Há obras que são claramente es-
culturais, enquanto outras parecem pinturas. No fundo, Stella segue
apenas seu impulso artístico e não se preocupa com alguma fórmula
específica. Nesse sentido, pode-se dizer que ele revigorou a pintura uti-
lizando materiais e suportes diferentes. Assim como os escultores
expandiram o conceito de escultura, Stella expandiu o de pintura.
Cherylsh.ng/Wikimedia Commons
no lobby principal do Hotel Ritz-Carlton Millenia,
em Singapura. Stella, assim como outros artistas,
criou trabalhos especialmente para os espaços
públicos e suítes do hotel. Observe como ele tra-
balha com o suporte e como há um vínculo entre
pintura e escultura. O hotel também é diferente:
possui 4.200 obras de artistas como Stella e Andy
Warhol. É um exemplo contemporâneo de espaço
de exposição.
2.3 Os materiais
Vídeo As duas versões da obra Craca, de Nuno Ramos, criadas em 1995 e
1996, alteram-se por causa do material usado e por estarem expostas
ao ar livre. As grandes obras de Robert Smithson também se degra-
dam com o tempo. As obras públicas de Richard Serra são realizadas
geralmente em aço corten, que também sofre com a ação do tempo,
mesmo sendo desenvolvido para ser resistente e eliminar a necessi-
dade de pintura. Serra não escolheu seu material preferido por acaso.
O aço corten é aquele utilizado na fabricação de vagões, sendo muito
resistente e, por isso, difícil de ser dobrado, ou seja, é pouco maleável.
42 Arte Contemporânea
J
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Jörg
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Bittner Unna/Wikime
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Bittner Unna/Wikime
dia
C
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Davi estão voltados para Roma, as veias
n
A reação afetiva que temos com o Davi não foi imediata. A popu-
lação de Florença, por várias razões, demorou a avaliar bem a obra.
No conjunto de razões estavam as divergências políticas e as queixas
contra o nu do personagem. Foi preciso mudá-lo de lugar. Uma obra
pública, contemporânea ou não, relaciona-se com o entorno.
44 Arte Contemporânea
posteriores. Haring é um exemplo disso. Ele levou o colorido pop e a lin-
guagem do grafite para as ruas das cidades. Era um excelente desenhista Vídeo
e trabalhava em qualquer espaço: muros de grandes prédios ou paredes No vídeo Keith Haring
São Paulo, é possível ver
de galerias de arte. Vê-lo pintar já era uma experiência estética. É possível o artista desenhando
chamá-lo de artista performático, no sentido de ser possível vê-lo trabalhar com spray sobre uma
parede. A agilidade com
ao vivo. Na primeira metade dos anos 1980, esteve algumas vezes no Bra- que utiliza a latinha, como
sil e, em 1983, participou da 17ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo. se fosse um lápis ou um
pincel, demonstra que
Rgs25/Wikimedia Commons
Haring tinha um talento
raro e era um grande
artista. É possível vê-lo,
também, passeando de
bicicleta pelo Pavilhão da
Bienal, criado por Oscar
Niemeyer.
Koons aprendeu com a pop art a pensar na arte como uma forma de
comunicação com o público; não um público acostumado a exposições,
mas um público maior, conectado, fascinado com as imagens: o públi-
co contemporâneo. Por isso, parece ter descoberto que é necessá-
rio tornar suas obras uma espécie de espetáculo. Seus trabalhos têm
acabamento especial, são cativantes e, às vezes, monumentais, como
o Filhote de Cachorro (Puppy). Isso o obriga a ter um ateliê repleto de
ajudantes. Koons mistura referências à história da arte com ícones da
cultura pop. Desta forma, suas imagens soam familiares. Observe que
o filhote de cachorro está em um dos museus que inauguraram o estilo
de transformar os próprios museus em obra a ser admirada.
46 Arte Contemporânea
Zarateman/Wikimedia Commons
Banksy é um artista que trabalha com o grafite, mas cuja identidade
não conhecemos. Sua técnica é o estêncil. Trata-se de uma técnica bem
simples: ele desenha sobre um papel e depois o recorta para que sirva
de matriz. Dessa simplicidade, o artista obtém o máximo de efeito, um
efeito artístico que tem chamado atenção do público e dos críticos.
48 Arte Contemporânea
estava foi atingido e caiu onde hoje é a região da Criméia, no Leste da
PISTOLETTO, M. O sublime vazio (1983). Instalação. Museu Real de Belas Artes, Antuérpia, Bélgica.
Funkyxian/Wikimedia Commons
SOTO, J. R. Double progression Vert et Blanc (1969). Ferro e tinta, 249 x 589 x 504 cm. Middelheim Museum, Antuérpia, Bélgica.
50 Arte Contemporânea
caixa do tamanho de uma tela normal, com lâmpadas colocadas atrás e Vídeo
que se movimentam com a ajuda de motores. Para conhecer o Aparelho
Cinecromático de Palatnik,
Foi uma grande confusão. O júri recusou sua participação, pois não além de outros trabalhos
do artista, assista ao vídeo
sabia como enquadrar o Aparelho. Após ser aceito – pois havia um es- Exposição Abraham Palatnik
paço na exposição –, ele recebeu menção especial do júri internacional, – a reinvenção da pintura,
no MAM, publicado pelo
mas não foi colocado no catálogo final (ALAMBERT; CANHÊTE, 2004). canal Conteúdo Comunica-
No entanto, esse pioneiro da arte cinética seria lembrado como um ção. A mostra intitulada
Abraham Palatnik, a
grande inventor, adjetivo que, no mundo da arte, é designado a pou- reinvenção da pintura
cos artistas. Palatnik teve coragem de usar novos materiais e antecipou aconteceu no Museu de
Arte Moderna de São
o que os artistas contemporâneos fariam. Ao juntar madeira, acrílico, Paulo, em 2014, fazendo
metal, fiação elétrica e lâmpadas, ele mostrou que o artista contempo- uma retrospectiva da obra
desse artista brasileiro,
râneo pode utilizar qualquer meio para criar uma arte que seja, acima pioneiro da arte cinética
de tudo, pessoal. no mundo. Ao todo, a
exposição apresentou
Mesmo assim, ainda há desconfiança sobre a proliferação de ma- 97 trabalhos produzidos
entre os anos de 1940 e
teriais que os artistas adotaram a partir dos anos 1950. Se não há ne- 2000, com destaque para
nhuma maneira especial de a arte se apresentar, então pode-se dizer os objetos cinéticos que
exploram efeitos visuais
que ela acaba. No entanto, o uso de novos materiais continua sendo por meio de delicadas en-
uma experiência inesgotável, pois os artistas continuarão a investir em grenagens e movimentos
físicos das obras.
novas possibilidades de expressão, sem se deixar intimidar diante de
Disponível em: https://www.youtu-
nada. Eles continuarão a explorar e subverter tanto os materiais em-
be.com/watch?v=zqDDUmLhS5A.
pregados quanto os meios de expressão. Acesso em: 29 maio 2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a análise de uma obra contemporânea, é difícil separar o
tema, o suporte e os materiais utilizados pelo artista. O ideal é que se
pense nos três ao mesmo tempo. O artista contemporâneo aprendeu que
não há restrições para a escolha de um tema, quando ele existir. Em gran-
de parte das obras contemporâneas, o tema se mistura ao suporte e aos
materiais empregados. Desde a liberdade comportamental conquistada a
partir dos anos 1960, a arte passou a ser um reflexo das inquietações que
surgem no mundo. No fundo, tornou-se um reflexo de tudo o que acon-
tece, e isso acaba aparecendo nas escolhas do tema, do suporte e dos
materiais. Muitas vezes, o suporte e os materiais são tão inovadores que
eles próprios se tornam o tema da criação. Questões sutis como equilíbrio
e peso se tornam o centro do debate sobre determinada obra. Estes três
aspectos – tema, suporte e materiais – transformaram-se em algumas das
grandes diferenças entre a arte contemporânea e a moderna.
REFERÊNCIAS
ALAMBERT, F.; CANHÊTE, P. As Bienais de São Paulo: da era do Museu à era dos curadores
(1951-2001). São Paulo: Boitempo, 2004.
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CANTON, K. Narrativas enviesadas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
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Marina P. Menezes de Andrade. Arte & ensaios. Revista do Programa de Pós-graduação
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Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2013/12/ae25_lucy.
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maio 2014. Disponível em: https://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/05/brichard-
serrab-era-das-estrelas-da-arquitetura-esta-em-declinio.html. Acesso em: 1 jun. 2020.
JANSON, A.; JANSON, H. W. Iniciação à história da arte. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São
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KRAUSS, R. A escultura no campo ampliado. Trad. de Elizabeth Carbone Baez. Arte &
Ensaios, nº 17, 2008. Revista do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de
Belas Artes da UFRJ, n. 17, 2008. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. https://www.ppgav.eba.ufrj.br/
wp-content/uploads/2012/01/ae17_Rosalind_Krauss.pdf. Acesso em: 1 jun. 2020.
NAVES, R. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
OCVIRK, O. G. et al. Fundamentos da arte: teoria e prática. Trad. de Alexandre Salvaterra.
Porto Alegre: AMGH, 2014.
WEITEMEIER, H. Yves Klein. Trad. de Alexandre Correia. Lisboa: Taschen, 2001.
52 Arte Contemporânea
3
Agentes irradiadores
de influências
Definir o que é arte ou o que é um artista é uma tarefa difícil.
Os artistas certamente saberão fazê-lo, pois a arte está vinculada
às suas próprias vidas. Dizem que é como viver. Por isso, a arte,
para o artista, é como respirar ou comer. Para constatar isso, basta
nos lembrarmos de Joseph Bueys, quando disse que todo mundo
é um artista. Essa ideia, tão contemporânea, só poderia partir de
um artista que dizia que todo fazer é artístico. Esse pensamento
ético nos leva a iniciar o capítulo com uma análise sobre o artista.
Trataremos, também, de outro agente importante no circuito da
arte: o crítico. A ênfase se dará sobre seu ofício. Algumas dúvidas
surgirão – por exemplo, seu papel é dar sentido às obras de arte
ou isso pode levar a um excesso de interpretação? O terceiro elo
tratado no presente capítulo é o curador, um dos personagens
mais importantes da arte contemporânea. Você verá como o traba-
lho dele está associado ao do crítico e, principalmente, ao trabalho
do próprio artista.
3.1 O artista
Vídeo A ideia de que o artista é alguém especial ganhou força a partir do
Renascimento, ainda que nesse período a dependência de encomendas
de obras feitas por autoridades políticas ou do clero continuasse. Contu-
do, é possível observar que, em culturas antigas, o artista se confundia
com o sacerdote. As pinturas do Período Paleolítico (que durou, aproxi-
madamente, até o ano 10.000 a.C.) conservadas em cavernas confirmam
essa tese, já que as explicações mais aceitas são as que associam essas
imagens a cultos religiosos. No Período Neolítico (do ano 10.000 até o
ano 3.000 a.C.), o artista que pintou nas paredes das cavernas perdeu a
Gio.tto/Shutterstock
Gorodenkoff /Shutterstock
54 Arte Contemporânea
No período medieval, essa relação não foi diferente. O trabalho do
artesão também era visto apenas como um trabalho manual que era
aprendido nas oficinas, com mestres que treinavam aprendizes. Era
uma relação pedagógica que passava de pai para filho ou para filhos de
amigos da família. Esta forma de educação avançou pelo Renascimen-
to. Leonardo da Vinci, por exemplo, tinha 14 anos quando entrou no
ateliê de Andrea del Verrocchio, um dos principais artistas de Florença,
na Itália. O ateliê, no qual o aprendiz Da Vinci estudou, era parecido
com uma oficina nos moldes medievais. Havia muitos funcionários que
moravam no andar de cima.
nas por olhar mais profundamente aquilo que está diante dos outros
AAA
AAA
AAA
AA
AAA
AAA
AA A
AA
AAA
Michelangelo eram tratados como gênios. Basta lembrar os
comentários de Vasari sobre o escultor, publicados em
1550. Ele era um herói, alguém dotado de força divina.
Esse tipo de apreciação se repetirá nos séculos XVIII e XIX.
Arthur Schopenhauer (1788-1860) viveu no mesmo período do movimento
romântico, que contribuiu para a imagem que temos do artista. Pintura de
Jules Lunteschütz, 1855.
56 Arte Contemporânea
O gênio se opõe às regras. A chave para a compreensão dessa
tese está em Michelangelo e no Romantismo. Kant (2002, p. 153,
grifo do original) afirmou que o gênio “é um talento para produzir
aquilo para o qual não se pode fornecer nenhuma regra deter-
minada, e não uma disposição de habilidade para o que possa ser
aprendido segundo qualquer regra”. A principal propriedade, para
esse filósofo, é a originalidade. Kant, no entanto, enumera outras
Joh Wikim
características do gênio: ele cria objetos exemplares, modelos a
ann ed
Go ia Co
serem imitados; o autor de uma obra exemplar, fruto de seu
ttli
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gênio, não consegue descrever ou indicar como a realizou –
cke ns
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exemplo disso é Michelangelo, que não deixou discípulos,
mas uma legião de imitadores. Kant (2002) explica que o ter-
mo gênio é derivado da palavra latina genius, que significa es-
pírito peculiar, protetor e guia. Isso remete aos romanos, para
os quais a genialidade era dada por ocasião do nascimento. É daí BECKER, J. G. Retrato de Kant (1768). Museu Nacional
Schiller, Marbach, Alemanha.
que as ideias originais procedem. Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos
filósofos que influenciaram os teóricos
Podemos concluir que, por trás dessas obras exemplares, e artistas românticos e o pensamento
há um autor. A noção de autoria é uma das maiores heranças ocidental.
Pintura de paisagem
Pintura hiper-realista
(óleo sobre tela, de 1973)
58 Arte Contemporânea
retratos de escritores, músicos e cientistas, como Thomas Mann, Franz
Kafka, Oscar Wilde e Albert Einstein, padronizados, sem nenhum aspec-
to psicológico, inspirados nos retratos que aparecem em enciclopédias.
Não há artistas plásticos e nem mulheres, fato que chamou atenção
durante a exposição. Observe que a instalação foi remontada anos de-
pois em um país diferente.
Gorodenkoff/Shutterstock
Artista pintando com as mãos e esculpindo com
metal em seu ateliê.
Vídeo
60 Arte Contemporânea
Thornton (2010, p. 188) visitou os três ateliês de Murakami no Ja-
pão. A autora narra que, em um deles, quando chegou, havia 12
assistentes trabalhando em várias obras. O artista tem outro ateliê
em Nova York, onde há também vários assistentes e os contatos são
Vídeo
realizados pela internet. Nenhum traço de sua mão ou de seus assis-
Para conhecer melhor
tentes aparece em seus trabalhos; é um trabalho coletivo, no qual Mu-
a obra de Murakami,
rakami é o mestre, como nas antigas oficinas de pintores dos séculos assista à reportagem do
programa Metrópolis
XIV, XV ou XVI. A arte contemporânea conseguiu estabelecer um jeito
sobre a primeira mostra
de trabalhar que não segue modelos, o que possibilitou estabelecer do artista japonês no
Brasil. O vídeo mostra
que o objetivo é a imagem. Para o artista contemporâneo, portanto,
algumas das obras expos-
o como continua importante, mas o fim, a imagem, superou todos os tas entre dezembro de
2019 e março de 2020 no
outros aspectos em importância.
Instituto Tomie Ohtake.
A exposição intitulada
Não é difícil concluir que Richter e Murakami trabalham de modos
Murakami por Murakami
diferentes, ainda que o objetivo de criar imagens seja o mesmo. Nesse reuniu 35 trabalhos, en-
tre eles a escultura Robô
sentido, ambos chegam a criações totalmente distintas. Parece óbvio,
Murakami Arhat.
mas essa diversidade é uma das características da arte contemporânea.
Disponível em: https://www.you-
Se o mundo da arte aceita o uso de meios e materiais diferentes, os re- tube.com/watch?v=zclgqsCO2zA.
sultados também serão diferentes. E, quando falamos em mundo da Acesso em: 1 jun. 2020.
3.2 O crítico
Vídeo É difícil, no mundo da arte contemporânea, separar os diversos
agentes que dele fazem parte e que se influenciam mutuamente. Nesse
grupo de influenciadores, podem-se incluir os críticos (além dos artistas
e do público). Trataremos, agora, principalmente da crítica de arte con-
temporânea. No entanto, a história da crítica ajuda a entender aquela
que se pratica hoje. Além disso, ela nos ajuda a entender a crítica como
uma atividade profissional, um fazer que é artístico, mas não deixa de
ser um ofício. Sendo assim, por que a relação entre artista e crítico, às
vezes, é tão conturbada?
Sempre haverá o crítico com uma visão formalista, isto é, aquele que
verá um quadro a partir de seus aspectos formais, como os materiais
utilizados, a técnica etc. Há, também, aqueles que valorizam a missão
social da arte, ou seja, os temas e as reflexões que uma obra poderá
provocar. Dificilmente um crítico agradará a todos, mas é possível per-
ceber quando ele se encantou por determinada exposição ou trabalho.
ÉÉ
ÉÉ
e sobre o qual havia escrito um longo artigo. Obser-
ÉÉ
ÉÉÉ
ve que a questão é antiga.
ÉÉÉ
ÉÉÉ
ÉÉÉ
A abertura do Salão de Paris, em 1667, e a
ÉÉÉÉ
ÉÉÉ
criação do Museu do Louvre, em 1793, amplia-
ÉÉÉ
ÉÉÉÉ
ram o acesso às obras de arte. Foi natural,
portanto, que a crítica de arte se tornasse
centro de atenção para um público que O poeta Charles Baudelaire
(1821-1867) foi um dos
passou a ler mais os jornais e frequentar expo-
primeiros críticos de arte da era
sições. Um dos críticos que inauguraram esse moderna.
novo hábito foi o filósofo francês iluminista De-
nis Diderot (1713-1784). Ele se lançou à crítica de arte em 1759, publican-
do, periodicamente, ensaios sobre o salão.
62 Arte Contemporânea
Siren-Com/Wikimedia Commons
MARTINI, P. A. Exposição no Salão do Louvre em 1787 (1787). Gravura, 35, 6 x 50,2 cm. The Metropolitan Museum of Art, Nova York.
O nome Salão do Louvre, retratado por Pietro Antonio Martini (1738–1797), é uma referência à exposição criada para exibir obras dos
membros da Academia Real de Pintura e Escultura. Ela ocorria em um salão do prédio que depois se transformou no Museu do Louvre.
Luisa Panza/Wikimedia Commons
Vista do vão central da 32ª Bienal de Arte de São Paulo, com obra de Lais Myrrha (1974-), Dois
pesos, duas medidas (2016). A artista construiu duas torres com o mesmo tamanho, uma
representando construções indígenas (lado direito) e outra com materiais utilizados na construção
civil (lado esquerdo).
64 Arte Contemporânea
fundamental para a consolidação dos movimentos modernos desde o
final do século XIX. A grande pergunta dirigida à crítica de hoje é: a
arte contemporânea necessita de algum tipo de explicação? Esse ques-
tionamento não faz referência apenas à autonomia da obra de arte,
mas também à do público, que é capaz de conseguir dezenas de in-
formações sobre determinado artista ou determinada exposição, sem
precisar buscar informação nos jornais ou revistas. Com esse pano de
fundo, o ofício do crítico se alterou.
Sontag escreveu seu artigo em 1964, no auge da pop art. Ela fez a
mesma pergunta que se faz hoje: que tipo de crítica é desejável? A es-
critora justifica seus argumentos afirmando que as obras podem, sim,
ser interpretadas (SONTAG, 1987). A questão é como. Para ela, mesmo
a crítica adequada não pode tomar o lugar da arte. Ela faz uma defesa
de uma maior atenção à forma e menor ao conteúdo e afirma que todo
comentário sobre a arte deve tornar as obras reais para nós, além de
explicar que a função da crítica é mostrar como uma obra é ou o que ela
é, e não mostrar seu significado. Ou seja, pode-se descrever uma obra,
mas não mostrar aquilo que ela quer dizer, o seu sentido. Sontag, talvez,
esteja preocupada com a relação de reconhecimento que o crítico pode
ter com a obra. Se um significado é dado a ela, dá-se também valor e
importância, e isso pode ter um caráter arbitrário, no sentido de não
ter normas ou critérios. Portanto, pode ter um caráter casual.
66 Arte Contemporânea
que diz ser a arte abstrata superior à figurativa –, mas a dificuldade em
transformar tal ideia em uma mensagem linguisticamente clara.
Danettsr/Wikimedia Commons
FLAVIN, D. Sem título (1987). Instalação. Tubos fluorescentes e metal, 122 x 122 cm cada tubo. Tate Modern de
Londres.
ROTHKO, M. Amarelo, cereja, laranja (1947). Óleo sobre tela, 173 x 107 cm.
Museu Tamayo de Arte Contemporâneo. Buenos Aires, Argentina.
68 Arte Contemporânea
cresceu com as novas tecnologias. Estamos aprendendo com elas. Te-
remos outras mudanças, mas o valor da crítica permanecerá, não como
mera interpretação da obra, mas como estímulo ao pensamento sobre
ela. É nesse ponto que crítico e leitor se juntam.
3.3 O curador
Vídeo O curador é um dos agentes mais importantes no mundo da arte
contemporânea. A palavra curadoria tem origem nos verbos curar e cui-
dar. O curador, portanto, é aquele que cuida de alguém ou de alguma
coisa. No âmbito da arte, a palavra é usada desde o século XVIII como
referência aos “eruditos que tomavam conta dos tesouros do passado”
(HOFFMANN, 2017, p. 15). Eram os responsáveis pela catalogação, pela
preservação e pela interpretação desses tesouros, principalmente da-
queles que estavam sob a guarda dos museus. Também eram os res-
ponsáveis pelas exposições desses documentos. Até hoje, os museus
possuem o curador-chefe, também chamado de conservador-chefe, o
encarregado do acervo e de tudo a ele relacionado.
SeventyFour/Shutterstock
porânea, a definição de curadoria
também ficou mais dilatada. No
entanto, a noção de cuidado se
manteve. O que se expandiu foi o
papel exercido pelo curador. Além
de catalogar, preservar, interpretar
e apresentar os tesouros de um
museu ao público, o curador, se- O profissional denominado curador-chefe é responsável
gundo Hoffmann (2017), fornece o pelo acervo das obras de arte.
70 Arte Contemporânea
•• comunicar suas pesquisas internas ao público (com seminários,
publicações, mostras, ações educativas etc.).
SeventyFour/Shutterstock
SeventyFour/Shutterstock
A aquisição de obras de arte contemporânea é
uma das atribuições do curador.
Figura 1 Monográfica
Tipos de curadoria
Restrita a um artista
Multidisciplinar Geográfica
ers
l Eye
72 Arte Contemporânea
Gonçalves (2008) utiliza outro termo para descrever o trabalho dos Vídeo
curadores: eles são mediadores entre a criação artística e a experiên- O vídeo OUT–LINES
Ep. 5: “Curadoria em
cia estética. Assim, a exposição é um espaço privilegiado para a arte, contexto”, publicado pelo
para os artistas e para o público. Uma exposição, no fundo, é uma canal SP-Arte, apresenta
depoimentos de cura-
mostra de problemas que permite variadas interpretações por parte dores. Nele, é possível
do público. Apesar de apresentar uma leitura, a do curador, a exposi- ouvir experiências de
profissionais importantes
ção permite outras. do ramo, que lidam com
essa atividade diariamen-
É possível perceber que o trabalho do curador é complexo, não se te e falam sobre como a
resumindo a escolher as obras e apresentá-las ao público. Para Bini (2005), enxergam no momento
atual do país, além,
há, pelo menos, duas atividades que o curador deverá desempenhar: também, de como são
organizar a exposição e fazer a sua crítica. Ele deve, portanto, pensar importantes a mediação
e a escuta atenta aos
criticamente a exposição que organiza. Retornamos, assim, à questão artistas.
do conceito: ao encontrar um ponto de vista sobre a exposição, o cura- Disponível em: https://www.
dor deixará clara a ideia (o conceito) que irá reger suas escolhas. Tam- youtube.com/watch?v=la3I9vIdTZw.
Acesso em: 2 jun. 2020.
bém para Bini (2005), ao assinar uma exposição, o curador se torna o
seu autor.
Casos históricos
A 16ª Bienal de São Paulo, realizada em 1981, inaugurou uma nova forma de organização, que posterior-
mente foi chamada de “era dos curadores”. Em vez de agrupar a exposição por países, como era feito
desde 1951, o curador Walter Zanini (1925- 2013) agrupou as obras por linguagens e as dividiu em três
núcleos:
1. Obras contemporâneas (xerox, performances, videoarte, instalações etc.);
2. Obras que utilizavam meios tradicionais;
3. Arte Postal e Arte Incomum.
Foi uma grande novidade. Na 18ª Bienal, em 1985, a curadora Sheila
Lucrezia De Domizio Durini/Wikimedia Commons
Leirner (1948-) foi ainda mais radical: criou um espaço especial chamado
A Grande Tela. Em um espaço com três corredores de 100 metros de
comprimento, agrupou, lado a lado, pinturas de artistas de todo o mundo.
Nem todos os artistas e críticos concordaram com a decisão da curadora,
mas até hoje essa edição da exposição é comentada.
O suíço Harald Szeemann (1933-2005) foi o responsável por modificar
o papel do antigo protetor dos acervos, que existia desde o século XVIII,
para o de um criador. Em 1969, ele foi o responsável por uma exposição
que é estudada até hoje. Chamava-se Viva na sua mente. Quando atitudes
viram forma: obras-conceitos-processos-situações-informação. O título já
diz tudo. Foi responsável, também, por curadorias da Bienal de Veneza
(1999 e 2001) e da Documenta de Kassel (1972), duas das principais O curador suíço Harald
exposições de arte contemporânea do mundo. Szeemann, em 2001.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artista, o crítico e o curador estão entre os mais importantes in-
fluenciadores do mundo artístico. Com a mudança do papel do crítico em
função das novas tecnologias que aproximaram ainda mais o artista do
público, o curador assumiu também esse papel. Afinal, ele precisa fazer
escolhas. Ao escolher uma obra e não outra, ele é levado por um olhar
crítico bem treinado. Apesar disso, o artista e sua obra continuam sendo
os elos mais importantes numa corrente cada vez maior de pessoas.
Assim como chamamos o cinema de arte coletiva, pois demanda vários
profissionais (o diretor, o roteirista, os atores, o fotógrafo, o iluminador
etc.), para se concretizar uma exposição de arte, também são necessá-
rias muitas pessoas. A simples visita a um museu ou uma galeria é capaz
de provocar um grande espanto. Como é possível que tudo funcione tão
bem? Imagine trabalhos enormes e complexos, como aqueles de que os
artistas contemporâneos gostam. Lembre, agora, que foi preciso seguro,
transporte e profissionais especializados em suas montagens. Imagine,
ainda, que tudo isso teve que ser negociado, aprovado e financiado. Não
é à toa que uma grande exposição é planejada com anos de antecedência.
Agora, imagine os vários esboços dos arquitetos responsáveis pelo es-
paço expositivo e o treinamento dos profissionais que farão as alterações
necessárias na arquitetura do prédio. Pense nas negociações com autori-
dades para que essas alterações sejam aprovadas. Acrescente vários itens
a essa lista, pois uma exposição precisa da atenção de um grupo cada vez
maior de profissionais especializados. A obra de arte exige muito cuidado,
dando origem à palavra curadoria.
74 Arte Contemporânea
ATIVIDADES
1. Para o historiador da arte Arnold Hauser, o mundo antigo honrava a
obra, mas desprezava o criador. Por quê?
REFERÊNCIAS
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Lorenzo Mammì. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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Trad. de Suely Cabral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
BINI, F. A crítica de arte e a curadoria. In: GONÇALVES, L. R.; FABRIS, A. (org.). Os lugares da
crítica de arte. São Paulo: ABCA, Imprensa Oficial do Estado, 2005.
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DEL CASTILLO, S. S. Cenário da arquitetura da arte: montagens e espaços de exposições.
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GONÇALVES, L. R. Exposição e crítica – um enfoque em duas direções. In: BERTOLI, M.;
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OSINSKI, D. Arte, história e ensino: uma trajetória. São Paulo: Cortez, 2002.
OSÓRIO, L. C. Razões da crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como vontade e representação, Tomo II: complementos. Trad.
de Eduardo Ribeiro da Fonseca. Curitiba: UFPR, 2014.
SONTAG, S. Contra a interpretação. Trad. de Ana Maria Capovilla. Porto Alegre: LP&M, 1987.
THORNTON, S. Sete dias no mundo da arte: bastidores, tramas e intrigas de um mercado
milionário. Trad. de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Agir, 2010.
THORNTON, S. O que é um artista?: nos bastidores da arte contemporânea com Ai Weiwei,
Marina Abramovic, Jeff Koons, Maurizio Cattelan e outros. Trad. de Alexandre Barboza de
Souza. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
VASARI, G. Vida dos artistas. Trad. de Ivone Castilho Bennedetti. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2011.
76 Arte Contemporânea
sição do poema. No caso da poética visual, a preocupação recai sobre
o que o artista pretende e como realiza o que pretende. A poética man-
tém vínculo com os objetos criados pelo artista, portanto você poderá
ouvir também a expressão poética do artista. Dessa forma, os temas,
os suportes e os materiais poderão ser incluídos no interior de uma só
palavra: poética.
É assim que se pode falar em poética de cada artista sem acrescen- Vídeo
tá-lo a um grupo ou um movimento. Isso ocorre porque há o embara- Uma dica para com-
preender a noção de
lhamento do tema, do suporte e dos materiais com a própria história do poética do artista é um
autor, com suas experiências pessoais e os caminhos escolhidos. Nesse documentário sobre
Leonilson, chamado
sentido, a arte contemporânea possui um caráter fortemente autoral, Leonilson, sob o Peso dos
pois as referências pessoais do artista estão presentes na obra. A poética Meus Amores. Assista ao
vídeo a seguir, publicado
do artista, então, é o resultado das suas preocupações estéticas, da sua pelo canal Itaú Cultural e
visão de mundo e da sua experiência de vida, que ele consegue materia- que apresenta entrevistas
e imagens de arquivo
lizar em uma obra que depois será compartilhada com todos nós. Assim, contando a trajetória
pode-se dizer que um artista possui a sua poética. Tudo – tema, material, desse pintor, desenhista
e escultor brasileiro.
suporte e sua própria vida – define a poética de sua obra, e até mesmo
Disponível em: https://www.youtube.
suas indagações existenciais podem ser incluídas nela.
com/watch?v=8TKHN2LcChA. Acesso
em: 30 jun. 2020.
A obra da artista brasileira Rosana Paulino (1967-) permite pensar
a relação entre arte e vida a partir de uma poética que reúne cria-
tividade na escolha dos materiais, liberdade no uso dos suportes e
na apresentação de temas relacionados à própria história da artista.
Ela faz parte de uma geração de artistas que começou a apresentar
seus trabalhos nos anos 1990. Em termos formais, a artista mostra a
fusão de várias linguagens, como a escultura, a gravura, o desenho
etc. Paulino junta tudo isso em instalações plásticas e impactantes,
usando o espaço de maneira criativa. Seus temas estão ligados a
questões sociais, como gênero, racismo e a posição da mulher negra
na sociedade. Pode-se dizer que seus temas são contemporâneos,
assim como os meios que escolhe para apresentá-los, isto é, seus
temas estão relacionados a preocupações reais e atuais, mas ela os
apresenta de uma forma inovadora.
Site
Para conhecer melhor os trabalhos e saber mais sobre Paulino, acesse o site oficial da
artista. Lá, você encontrará um perfil dela, imagens de suas obras e terá acesso direto ao
blog dela. Observe como a associação entre arte e vida está no horizonte da artista.
78 Arte Contemporânea
escreveu que o artista precisa estar atento às coisas que o tocam, “pro-
curando nunca fugir ao desafio de lidar com estes assuntos, indepen-
dente de quais sejam suas escolhas, pois é este laborar que irá ajudar
a compor sua poética, sua individualidade”. A palavra laborar pode ser
utilizada tanto no sentido de lidar com os aspectos formais de sua obra
quanto com o de lidar com os assuntos que a tocam. Vídeo
Paulino (2011, p. 20) também afirma que o artista deve estar atento Outra dica de vídeo é
uma entrevista com
às suas necessidades mais profundas. A poética, então, é construída
Rosana Paulino, realizada
pelo artista. Ela explica o grande desafio que é, como artista, “ligar-se” em seu ateliê e publicada
pelo canal Revista Bravo!.
ao ambiente de onde vem, resgatar e trabalhar algumas de suas raízes.
Nela, você poderá
Sua explicação é um depoimento: o resgate de algumas das suas raízes observar o modo como
ela trabalha. Veja o co-
a levaram a ser quem é e ajudaram-na, segundo suas palavras, a forjar
mentário sobre a técnica.
sua poética. É um risco que resolveu assumir. Por isso, pergunta-se:
Disponível em: https://
“como não responder aos desafios impostos a mim como artista, uma www.youtube.com/
vez que o grupo do qual provenho talvez seja a principal fonte de inspi- watch?v=lTdnSyqWv1A. Acesso
em: 30 jun. 2020.
ração do meu trabalho?” (PAULINO, 2011, p. 22).
Há, contudo, visões críticas sobre o vínculo entre arte e vida. Naves (2007)
afirma que a separação entre arte moderna e contemporânea pode ter
várias abordagens, mas aponta a aproximação entre arte e vida como
um dos diferenciais mais defendidos por críticos e artistas. Observe
a defesa que Paulino faz dessa relação. Para ela, a técnica, por exem-
plo, é um meio para expressão de valores, questionamentos e dúvidas
do artista, que se vale desse instrumento para posicionar-se diante do
mundo. Para tanto, utiliza uma linguagem, uma poética. Assim, é possí-
vel acrescentar à técnica, citada por Paulino, os suportes, os materiais
e os temas.
A forma que Warhol encontrou para pintar suas latas provocava in-
certeza na relação entre o observador e a realidade, pois era algo novo
até então. Porém, não era difícil perceber a origem das imagens – e era
isso que o artista queria mostrar ao observador. Havia uma imagem
comum na vida das pessoas e o artista a usou.
80 Arte Contemporânea
As observações de Naves são diferentes das que fez Paulino; ele mira
experiências que tinham como objetivo a participação do espectador e
a ideia de “entrar” na obra, como as de Hélio Oiticica. Havia, também,
uma rejeição aos suportes usados pela arte moderna e uma recusa
quanto à ideia de contemplação, que poderia sugerir uma atitude passi-
va do espectador em relação à obra de arte.
82 Arte Contemporânea
meios ou das técnicas para facilitar um trabalho. A tecnologia, portan-
to, é bem antiga. Pense nas coisas que criamos para solucionar alguns
problemas. A tinta industrial, vendida em tubos, resolveu um grande
problema: o desejo do artista de pintar ao ar livre. A preparação das
tintas no próprio ateliê era demorada e seu uso deveria ser quase
imediato. Foi um grande avanço tecnológico, de que os pintores do
final do século XIX se aproveitaram. Os artistas, portanto, lidam com
imagens e precisam chegar a elas.
Nadar/Wikimedia Commons
fotografia. As palavras do poeta e crítico francês pa-
recem exageradas, mas ele acertou em um aspecto:
a fotografia mudou o jeito de o artista lidar com a
imagem. Ao ser destituído da obrigação de pintar de
maneira tão realista – afinal, como competir com a fo-
tografia? –, o artista ganhou liberdade para se preocu-
par em tornar visível o que a fotografia não consegue
captar. Nesse caso, as figuras pintadas ganharam uma
perspectiva psicológica nova. Além disso, a autonomia
da arte ampliou seu significado, com o artista passando
a se preocupar mais com seus próprios meios de pin-
tar ou esculpir. As possibilidades de criar imagens se
tornaram inesgotáveis. Arte, tecnologia e modernidade Fotografia de Baudelaire. Mesmo resistente à
fotografia, o poeta se deixou fotografar por Felix
passaram a caminhar juntas. Nadar, em 1855.
A relação entre arte e técnica (ou arte e tecnologia) sempre foi difícil.
A interpretação que Argan fez de Vincent Van Gogh (1853-1890) ilustra o
desconforto gerado pela técnica. Segundo o autor, a forma de pintar de
Van Gogh se opôs à “técnica mecânica da indústria”, com um fazer que
vinha do interior do seu ser (ARGAN, 1992, p. 124). Ele opõe o fazer ético
do homem e o fazer mecânico da máquina. Não sendo mais os únicos
criadores de imagens, artistas como Van Gogh poderiam criar de outro
jeito, como podemos ver na obra Retrato do carteiro Roulin, de 1888, por
exemplo: a mesa é esverdeada e a figura parece isolada do cenário. Para
Argan (1992), a massa de tinta com a qual Van Gogh trabalhava passa a
ter existência autônoma. O quadro já não representa alguma coisa, ele
é. O trabalho do artista é um exemplo da autonomia da arte, lição que os
movimentos modernistas do século XX aprenderam.
Museum of Fine Arts/Wikimedia Commons
VAN GOGH, V. Retrato do carteiro Roulin (1888). Óleo sobre VAN GOGH, V. Autorretrato (1887). Óleo sobre tela, 41 × 32,5
tela, 0,79 x 0,63 cm. Museu de Belas Artes de Boston, EUA. cm. Instituto de Arte de Chicago, EUA.
84 Arte Contemporânea
cas que uniram o planeta e passaram a fazer parte de nosso cotidiano.
A partir de então, os artistas passaram a fazer uso da tecnologia como
meio de expressão. Foi um passo natural, já que os artistas, assim
como todos nós, aprenderam a utilizar as novas possibilidades técni- Saiba mais
cas que o mundo contemporâneo passou a oferecer. Desse modo, o
artista começou a ter acesso a novas possibilidades tecnológicas que
facilitaram o uso da fotografia, do vídeo, do computador. Nesse senti-
do, a palavra pesquisador é ainda mais real, principalmente devido às
rápidas mudanças tecnológicas que vivemos. Isso não deixa de ser um Acesse o QR code para visualizar
outra obra de Paulino intitulada
desafio aos artistas, pois há, assim, a possibilidade de a obra se tornar Assentemento #1, de 2012.
efêmera, isto é, passageira.
As primeiras colagens de Pablo Picasso e seu amigo PAULINO, R. Assentamento (2013). Impressão digital sobre tecido,
desenho, linóleo, costura, bordado, madeira, paper clay e vídeo.
Georges Braque (1882-1963) podem ser consideradas o co- Dimensões variáveis. Coleção particular.
SS
SSSSSSSS
membro do movimento.
SSSSS
Mondo Blogo/Wikimedia Commons
SSSS
SSSSS
86 Arte Contemporânea
Esses são alguns exemplos dos movimentos modernos que ainda
repercutem na arte contemporânea. A pesquisa por novos materiais
faz parte da essência da atividade artística, já que o artista é um pesqui-
sador. A junção de materiais e técnicas, porém, busca ser um meio para
aquilo que o artista quer exprimir. É sua linguagem pessoal, sua poéti-
ca, que está em jogo, como é possível perceber nos trabalhos de
Taeuber-Arp. Os tecidos não estavam em suas obras por acaso – eles já
estavam presentes em sua vida.
ArtRio/Wikimedia Commons
com a técnica ou com o registro da realidade. O caso da artista brasilei-
ra Rosangela Rennó (1962-) é diferente: ela não apresenta suas
fotografias, ela utiliza fotos – normalmente de pessoas anôni-
mas – já prontas. Observe que ela interfere e altera fotografias
já existentes. O exemplo a seguir é um trabalho de 1991, épo-
Os trabalhos da artista plástica e fotógrafa
ca em que as alterações de imagens eram mais difíceis, princi- Rosangela Rennó utilizam fotos 3 x 4 de
palmente em obras artísticas e complexas. estúdios populares.
Wikimedia Commons
César Duarte/Galeria Camargo Vilaça/
-cabeças em inglês. É o nome do jogo
que consiste em juntar peças para
formar um todo, normalmente um
mapa ou uma figura. Esse título des-
creve bem o trabalho de Rennó, que
geralmente pesquisa fotografias anô-
nimas de instituições públicas e as
retrabalha digitalmente para criar es- RENNÓ, R. Puzzles (mulher e homem) (1991). Escultura, 54 x 68 cm. Coleção particular.
88 Arte Contemporânea
Um exemplo é a relação entre a fotografia e a pintura na segun-
da metade do século XIX. No fundo, o fotógrafo e o pintor buscavam
o mesmo objetivo: lidar da melhor maneira possível com a imagem.
Machado (2007) cita um compositor barroco do século XVIII, Johann
Sebastian Bach (1685-1750), e um compositor alemão do século XX,
conhecido por ser um dos pioneiros da música eletrônica, Karlheinz
Stockhausen (1928-2007). O autor explica que o desafio era o mesmo
para os dois: tirar o máximo de possibilidades musicais do cravo – ins-
trumento parecido com o piano, com o qual Bach compunha – e tirar
o máximo dos sintetizadores eletrônicos, instrumentos desenvolvidos
durante o século XX e que utilizam, hoje, até mesmo os computadores.
Kathinka Pasveer/Wikimedia Commons
Lithoderm/Wikimedia Commons
martademenezes.com/. Acesso em:
30 jun. 2020.
Há também uma entrevis-
ta com a artista intitulada
Biologia como meio, que
pode ser acessada no link
a seguir.
COURBET, G. Le Désespéré (O Homem Desesperado) (ca. 1843). Óleo sobre tela, 45 x 54 cm.
Coleção particular do Conseil Investissement Art BNP Paribas.
90 Arte Contemporânea
produção da imagem original, e a conhecemos por causa do uso da tec-
nologia. Era um enorme painel que, segundo Argan (1992), é mais do
que a representação da realidade: é a identificação do artista com ela.
Jufranco~commonswiki/Wikimedia Commons
Os quebradores de pedra (1849), de Courbet.
CORDEIRO, W. (com coautoria de Giorgio Moscati). Derivadas de uma imagem (1971). Impressão por computador, 47 x 34,5 cm. Coleção
Família Cordeiro.
92 Arte Contemporânea
Após essa introdução sobre o trabalho pioneiro de Cordeiro, pode-
mos fazer a distinção de Cauquelin (2005), que observou duas práticas
artísticas que lidam com a tecnologia. A primeira pode ser chamada de
técnicas mistas, pois junta o vídeo, a TV e a própria pintura nas instala-
ções. Nessa técnica, o uso das novas tecnologias é pontual. Há uma
segunda prática, que emprega o computador como suporte de ima-
gens e como modo de criação. Era o que imaginava Cordeiro em 1968.
SeventyFour/Shutterstock
se faz na mail art. As possibilidades são
muitas, e os artistas que trabalham
com o computador o fazem por meio
de programas sofisticados, capazes de
reproduzir a própria realidade. Rush
(2006, p. 202) afirma que, na realida-
de virtual, “o aspecto ainda passivo de
observar a tela é substituído pela imer-
são total em um mundo cuja realida-
de existe contemporaneamente com
a do observador”. É uma experiência Algumas exposições já contam com opções de imersão em realidade virtual,
tridimensional que o “usuário”, como em que o visitante usa óculos de realidade virtual para experienciar e interagir
com as obras.
chama Rush, vive com dispositivos co-
locados na cabeça.
94 Arte Contemporânea
Libjbr/Wikimedia Commons
A Via expressa eletrônica (1995) é um exemplo de videoinstalação. Ela é monumental e já foi
exibida em vários museus. Paik reuniu mais de 300 aparelhos de TV, 50 aparelhos de reprodução
de discos laser, aproximadamente 60 amplificadores de distribuição de vídeos, uma filmadora,
além de outros aparelhos, que formam o mapa dos Estados Unidos. As fronteiras dos estados
foram fabricadas em aço, neon e sistema acústico de 200 watts.
Fb78/Wikimedia Commons
relação com os aparatos tecnológicos facilitou a aceitação da
arte tecnológica. Ela está presente em nossa vida cotidiana:
quando assistimos a um filme no cinema, quando nos diver-
timos com os games ou quando usamos um tablet ou smart-
phone. Esse último caso é ainda mais exemplar: fotografamos,
desenhamos e filmamos com um único dispositivo pequeno e
prático. No caso das imagens artísticas, mesmo aquelas feitas
com aparelhos celulares, é importante lembrar que a técnica
é um meio de expressão para o artista ou para qualquer um
de nós. Não custa repetir que meio pode ser definido como
método ou jeito de se fazer alguma coisa. Não é a coisa
em si mesma.
ATIVIDADES
1. A palavra poética passou a ser utilizada com frequência por artistas
contemporâneos, críticos e teóricos da arte. Discorra sobre como ela é
utilizada para explicar uma obra contemporânea.
REFERÊNCIAS
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Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BAUDELAIRE, C. Salão de 1859: o público moderno e a fotografia. In: LICHTENSTEIN, J.
(org.); COSTA, M. (coord.). A pintura: o paralelo das artes. v. 7. São Paulo: Editora 34, 2005.
CAUQUELIN, A. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. de Rejane Janowitzer. São
Paulo: Martins, 2005.
96 Arte Contemporânea
COSTA, H. Waldemar Cordeiro: a ruptura como metáfora. São Paulo: Cosac & Naify; Centro
Universitário Maria Antônia da USP, 2002.
MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
NAVES, R. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
PAULINO, R. Imagens de sombras. 2011. Tese (Doutorado em Artes Visuais) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2011.
RUSH, M. Novas mídias na arte contemporânea. Trad. de Cássia Maria Nasser. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
98 Arte Contemporânea
Greffe (2013) afirma que, hoje, há uma grande confusão sobre o que
é uma obra de arte e quais são os seus limites. Por isso, o autor pergun-
ta: “As obras de arte nascem como tal ou tornam-se assim porque um
‘diretor’ assim decidiu ou porque casas especializadas, chamadas de
instituições artísticas, as apresentaram como tal?” (GREFFE, 2013, p. 25).
Essa questão se tornou importante no âmbito da arte contemporânea,
mas é antiga, pois as organizações passaram a ser decisivas desde
os séculos XVII e XVIII, com a criação da Academia Real de Pintura e
de Escultura, do Salão de Paris, no surgimento da crítica de arte etc.
Observe que, ainda hoje, os elementos que formam o sistema das ar-
tes são quase todos os mesmos. Esse sistema e seus elementos (que
podemos chamar, genericamente, de instituições) objetivam a criação,
conservação, circulação e interpretação das obras de arte. Por isso, as
instituições que guiam, conduzem ou orientam a arte, assim como os
seus objetivos, continuam as mesmas há três séculos. É claro que elas
se adaptaram ao mundo contemporâneo. Um exemplo são os museus.
Museu do Louvre, em foto de 2007. Observe a Pirâmide do Louvre, obra inaugurada em 1989 e projetada pelo arquiteto Ieoh
Ming Pei (1917-2019), que se tornou famosa, apesar das críticas iniciais. Os materiais contemporâneos, vidro e aço,
convivem com o prédio, que começou a ser construído no final do século XII.
O Museu de Wallraf-Richartz de Colônia, na Alemanha, realizou, em 2012, uma exposição que pretendia
reconstruir a histórica exposição Sonderbund, de 1912. O título escolhido foi 1912 – Missão Moderna.
Veja que há um painel, à esquerda, reproduzindo uma fotografia da exposição original.
Edvard Munch (1863-1944) pintava como os futuros artistas expressionistas alemães antes mesmo de
a palavra expressionismo ser utilizada, a partir de 1911. Na sua obra mais famosa, O Grito (1893), há
pinceladas largas, distorção e dramaticidade presentes, também, nas artes expressionistas
alemãs. A figura principal parece uma caricatura, como apontou Gombrich (2013), e essa era uma
das críticas mais comuns aos artistas expressionistas. Para Argan (1992, p. 172), Munch “será um dos
principais pontos de referência dos expressionistas”. A exposição Sonderbund apresentou uma sala só
para ele, com 32 trabalhos. Isso demonstra a admiração que os alemães tinham pelo artista. Compare
O Grito com a obra Marcella (1910), do pintor expressionista alemão Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938).
Haider Shah Kakakhel/Wikimedia Commons
Mefusbren69/Wikimedia Commons
MUNCH, E. O Grito (1893). Óleo, têmpera e pastel em KIRCHNER, E. L. Marcella (1910). Óleo sobre tela,
cartão, 91 x 73,5 cm. Galeria Nacional de Oslo, Noruega. 71 x 61 cm. Museu de Estocolmo, Suécia.
Saiba mais
No link a seguir, você poderá visualizar mais obras do artista, que
fizeram parte da exposição denominada Entrevendo. Essa mostra
contou com cerca de 150 obras de várias dimensões, criadas des-
de os anos 1960 até hoje, e estiveram expostas no Sesc Pompeia,
em São Paulo, de setembro de 2019 a fevereiro de 2020.
Unitone Vector/Shutterstock
Park, Galway, Irlanda.
era, e ainda é, mais seguro,
pois o preço ficava estabelecido em contrato. Nego-
ciar um preço após a obra pronta nem sempre be-
neficiava o artista. Isso vale, também, para o artista
contemporâneo: aceitar um trabalho comissionado
garante a certeza de ser remunerado no futuro.
A palavra em destaque é utilizada quando o artista
aceita um convite de um curador para desenvolver
um trabalho no próprio local de exposição. Usamos, Ainda hoje, artistas contemporâneos produzem obras sob
encomenda. O contato com os profissionais pode ser feito
ainda, a expressão site specific, como referência ao por meio das redes sociais, que servem como portfólio.
local determinado para a criação.
Chalhi/Wikimedia Commons
Outra forma de estímulo
à criação artística é a
residência artística.
Nesse tipo de programa,
o artista é acolhido em
outra cidade ou país, com
o objetivo de pesquisar e
criar uma ou mais obras
para um determinado
espaço. Há inúmeras
instituições no Brasil e
no mundo que possuem
programas assim. Você
poderá consultar um
exemplo de residência ar-
tística oferecida por uma
instituição acessando o
link a seguir.
A instalação é dividida em quatro partes: A carga (lona, estrutura de madeira, 3 x 4 x 3 m); Presunto
Disponível em: http://www.faap. (estofado de lona, 3 x 1,80 x 0,50 m); Barril (barril de ferro, plástico cristal, 0,60 x 1,30 m); A pedra
br/residenciaartistica/residencia- (colchão, estofado de lona, 0,50 x 1,20 x 1 m).
programa.asp. Acesso em: 17 jul.
2020. Se a questão sobre a remuneração do artista é complexa, outra ques-
tão sobre a arte contemporânea, ainda, chama atenção do público: o
preço. A primeira constatação é que há um “sistema”, mas, como men-
ciona Cauquelin (2005), não se trata de um sistema simplesmente eco-
nômico, no sentido de existir uma lei de oferta e procura, como ocorre
com um produto de consumo, por exemplo. Com essa lei, o preço de um
produto sobe se a procura for maior que a oferta, e baixa se ocorrer o
contrário. Também, não há um efeito direto do mercado sobre a obra,
pois há outros agentes envolvidos, como o próprio artista, o comprador,
os críticos, os publicitários, os curadores, os museus etc. Contudo, se há
poucas obras de um artista consagrado à venda, os preços tendem a
subir. Isso significa que o mercado de arte segue algumas regras econô-
micas tradicionais, mas que possui características próprias.
Philafrenzy/Wikimedia Commons
grupo. Há duas muito renomadas: a Sotheby’s, de
Londres, fundada em 1733, especializada primeira-
mente em livros; e a Christie’s, também londrina,
fundada em 1766, com o objetivo de vender obras de
arte. Foi esta que vendeu o Retrato do Dr. Gachet, de
Van Gogh, por US$ 82,5 milhões, em 1990. O preço
mais alto de uma obra de arte até então.
Wpcpey/Wikimedia Commons
Galeria Gagosian de Hong Kong. Em primeiro plano, obra Mãe e Filho (Divididos), de Hirst, 1993.
Saiba mais
Um exemplo de profissional que se dedica à arte da
performance é a suíça Gisela Hochuli (1969-). O trabalho
dela possui duas características da performance: a
própria artista se transforma em obra de arte e seu
corpo é o meio de expressão, que dura o tempo que
Hochuli decidir. A fotografia, assim, não mostra a obra
como concebida por ela, mas alguns dos vários aspectos de
sua apresentação.
O japonês Takesada Matsutani (1937-) é outro exemplo de
Orwelline/Wikimedia Commons
josep/Wikimedia Commons
Acesso em: 2 jul. 2020.
Adriana Varejão, no
Inhotim Instituto de
3 Arte Contemporânea,
em Brumadinho,
Disponível em: https://gagosian. MG. Esse é um dos
com/. Acesso em: 2 jul. 2020. maiores espaços
ao ar livre de arte
contemporânea.
Luis Alvaz/Wikimedia Commons
Britishfinance/Wikimedia Commons
Vídeo
Detalhe da exposição itinerante Van Gogh: a experiência imersiva. O ambiente é criado com
Este vídeo é uma re-
projeções digitais de 360 graus.
O título reflete a proposta dos organizadores: provocar a
portagem do programa
experiência sensorial.
Metropólis, da TV Cultura,
sobre a retrospectiva
Shows com laser, imagens digitais ou eventos cinéticos ficaram
de Le Parc, realizada em
mais comuns. Em relação à arte cinética, aquela que lida com movi- 2017, no Instituto Tomie
Ohtake, em São Paulo.
mentos reais ou ilusórios, as possibilidades cresceram imensamente.
Foram apresentados mais
Vale lembrar os processos de hibridismo na arte. Nesse caso, a arte de 100 trabalhos, que
são, também, experiên-
cinética se vale da pintura tradicional e de equipamentos sofisticados
cias físicas e visuais. É uma
ou não. Um exemplo é o artista argentino Julio Le Parc (1928-), que oportunidade de ouvi-lo e
de apreciar as suas obras.
sempre construiu suas obras com criatividade e engenhosidade. Ele
parece utilizar recursos atuais. O conceito de imersão na obra já existia Disponível em: https://
www.youtube.com/
em seu trabalho antes mesmo dos recursos digitais. Há semelhanças watch?v=Mpsf22W1JX0. Acesso
com artistas contemporâneos que utilizam a tecnologia computacio- em: 2 jul. 2020.
Pmussler/Wikimedia Commons
arte”, mas, sim, do artista. O autor está pensando
na arte computadorizada, a qual requer a par-
ticipação do espectador para “se completar”.
É uma arte que precisa do artista e do público
em uma relação de igualdade. Estamos, desse
O artista canadense Wall
modo, no campo da arte interativa, que pode inclui, em suas fotografias,
a pintura, o cinema e a
ser chamada de arte da web ou web art, consi-
literatura, o que ele chama
derada um fenômeno recente, apesar de essa de cinematografia.
vontade de interação já existir anteriormente.
A arte postal ou mail art é um exemplo. Encaixa-se no propósito desta
discussão, que é tratar do vínculo entre arte e comunicação.
Vídeo
Um exemplo de criação de arte postal está no vídeo que você poderá acessar no link a
seguir. Ele mostra a concretização de um postal.
Não é difícil concluir que tanto a arte quanto o papel dos artistas
foram alterados pelas novas tecnologias da comunicação. No entanto,
apesar das mudanças cada vez mais rápidas, como as copiadoras que
criam esculturas tridimensionais, os museus e as galerias continuam
apresentando todo tipo de expressão artística. Continuamos a contem-
plar variados tipos de imagens: virtuais ou não, criadas por computa-
dor ou desenhadas em suporte tradicional, como o papel. A boa notícia
é que todas essas imagens são necessárias, vitais como a própria arte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão das relações entre arte, instituições, mercado e novas
tecnologias de comunicação não pretendeu esgotar o assunto. Ficaram
de fora artistas que representaram tão bem as últimas décadas e que
seriam excelentes exemplos para essas discussões. Entretanto, você deve
ter observado que tratamos das principais instituições que representam a
arte contemporânea. Deve ter notado, também, que abordamos o merca-
do de arte da maneira mais concreta possível, ainda que, dentre todas as
instituições artísticas, ele seja a mais abstrata.
Associamos todas essas instituições a uma única palavra: rede. Prefe-
rimos utilizar essa noção de rede para estudar aspectos artísticos rela-
cionados com as novas tecnologias da comunicação. Não há dúvidas de
que as instituições artísticas atuam em rede, ou seja, conectadas. É difícil
imaginar o galerista, o colecionador e o crítico, por exemplo, trabalhan-
do separadamente, mas buscamos lançar luz sobre os novos meios de
expressão artísticos, fazendo referências aos experimentos do passado,
que foram extremamente inovadores, como a arte postal. A arte digital
ATIVIDADES
1. Defina o que é instituição artística.
REFERÊNCIAS
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Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CAUQUELIN, A. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. de Rejane Janowitzer. São
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COUTO, R. G. Apresentação. In: QUEMIN, A. et al. O valor da obra de arte. São Paulo:
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Gabarito 125
As referências pessoais do artista estão presentes na obra. A poética do
artista, então, é o resultado de suas preocupações estéticas, sua visão
de mundo e sua experiência de vida, que ele consegue materializar
em uma obra, que depois será compartilhada com todos nós. Assim,
pode-se dizer que um artista possui a sua poética. Tudo – tema,
material, suporte e sua própria vida – define também a poética de sua
obra. Até mesmo suas indagações existenciais podem ser incluídas em
sua poética.
3. Arlindo Machado explica que a palavra artemídia tem sido usada para
designar formas de expressão artística que se apropriaram de recursos
tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento em geral.
Machado completa essa definição alertando que artemídia se refere,
também, às atividades artísticas que utilizam recursos tecnológicos
recentes, principalmente os da eletrônica, da informática e da biologia.
9 788538 766582
JOÃO COVIELLO
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