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used by the population. In both cases, the notions of health and disease are
approached as a local cultural appropriation, and the place of cultural resistance
of the traditional medicine’s against Portuguese colonization and the new
globalization models of Western culture is discussed. Based on the analysis of
the two countries, there is a theoretical-political discussion about the evolution
and dissemination of traditional, complementary and alternative care practices,
above all, problematizing these concepts based on the conceptions adopted by
the World Health Organization and the different meanings names take on in
different contexts. The appropriations of the discourse of traditional medicine
for biomedical science, in terms of proof of its safety and efficacy, are critically
discussed in the light of the modern scientific method.
Keywords: traditional medicine, health policies, public health, health practices.
Introdução
A medicina tradicional vem ganhando cada vez mais espaço em debates e
discussões em saúde pública global, em virtude de ser uma prática amplamente
disseminada no mundo inteiro há séculos. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) define a medicina tradicional como “a combinação total de conhecimen-
tos e práticas, sejam ou não explicáveis, usados no diagnóstico, prevenção ou
eliminação de doenças físicas, mentais ou sociais, e que podem assentar exclu-
sivamente em experiências passadas e na observação transmitida de geração
em geração, oralmente ou por escrito” (OMS, 2002, p. 9-10).
Na América Latina, Luz (2005) identifica três grupos de medicinas asso-
ciadas a práticas tradicionais que devem ser levadas em consideração a partir
das origens históricas e colonização do continente americano: 1) sistemas
tradicionais de saúde indígenas, derivados dos povos originários da América
pré-colombiana; 2) sistemas tradicionais de saúde afro-americanos, trazidos
à América com o tráfico de escravos, a partir do século XVII; e, 3) medicinas
alternativas, que compõem atualizações de sistemas médicos complexos tra-
dicionais, com suas próprias racionalidades.
Não diferente disso, no Brasil, o campo da medicina tradicional, mistura-
-se com o campo das práticas integrativas, alternativas ou complementares em
saúde, associando elementos indígenas, africanos e europeus, que influenciaram
xiviri continua vivo e se manifesta como agente espiritual entre os vivos, sobre-
tudo de sua família. Desse modo, a morte não cessa a existência nem tampouco
a remete para qualquer outro mundo (GRANJO, 2009; JÚNIOR et al., 2014).
Granjo (2009) aponta que as pessoas que morrem continuam no local
em que viveram junto com suas famílias e cabe a elas protegerem e orientarem
os vivos que, por conseguinte, devem ter para com elas um comportamento
respeitoso e reverente e realizar o Kuphalha, uma invocação cerimonial e uma
conversa com os antepassados com o objetivo de saudá-los ou mesmo infor-
ma-lhes de projetos importantes dos vivos e de pedir-lhes a sua autorização e
proteção. Quando um antepassado suspende a sua proteção ou quando pro-
picia problemas ou desarmonias, os infortúnios e doenças gerados não visam
ao castigo devido a alguma falta, mas antes são os únicos meios que eles têm
para informar aos vivos de suas reclamações ou recomendações. Para decifrar a
mensagem dos antepassados, é consultado um nyamusoro (médico tradicional)
que, por adivinhação ou transe, comunica a mensagem daquele que morreu à
família. Essa é a medicina que eles praticam e se trata de um dos mais impor-
tantes recursos terapêuticos para distúrbios psíquicos, físicos e sociais em toda
Moçambique (JÚNIOR et al., 2014).
Para tornar-se um nyamusoro, ascender a uma posição social de prestí-
gio, mais próxima aos espíritos dos antepassados e adquirir o conhecimento
esotérico que acessa o poder ancestral, o indivíduo passa pela “doença de cha-
mamento”, um período de sofrimento e dificuldades que visa a levar o doente
a algum médico tradicional e buscar a iniciação. Terminada a iniciação e os
rituais específicos para apresentá-lo à comunidade, o sujeito torna-se um
nyamusoro e deve utilizar os conhecimentos adquiridos para tratar e curar os
indivíduos e a comunidade. Esse processo mostra que o convite do chamado
dos espíritos é irrecusável e salienta a codependência entre espíritos e indiví-
duos (HONWANA, 2002).
Mas, para além da ação dos antepassados, existem outras etiologias liga-
das aos distúrbios segundo a medicina tradicional, a exemplo da manipulação
errada da relação com o meio, por meio de quebra de regras como, por exem-
plo, práticas sexuais em períodos ou lugares proibidos; e feitiçaria, quando
espíritos maus tentam impedir o trabalho de cura dos médicos tradicionais
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Recebido: 13/09/2017
Aceito: 20/02/2018