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Já eram lá pelas oito horas da noite quando Loid chegou ao colégio.

Como havia repetido de ano, sua mãe o forçara a frequentar aulas extras que o colégio
fornecia para estudantes de pré-vestibular.
Ele até tentou convencê-la de que poderia estudar em casa nesse horário, mas ela não
cedeu. Disse que o conhecia bem, e que tinha certeza que se não houvesse nada o
pressionando para estudar, ele não o faria.
E cá estava Loid, parado à frente do colégio encarando o grande portão de ferro. Ele
vestia um casaco branco, um shorts jeans rasgado e sandálias havaianas. Totalmente
relaxado.
Manteve as mãos dentro dos bolsos do casaco, segurando um fino caderno velho
embaixo do braço contra seu tronco. Dentro de um dos bolsos do shorts, apenas uma
caneta bic sem tinta.
A noite estava fria, e com parte inferior das pernas descobertas ele sentiu.
Olhou para o caminho ao qual havia vindo. Atestou apenas a presença da fileira de
postes que cercava o colégio junto de um muro, todos apagados, exceto pelo que estava
acima dele.
Estavam assim porque, para cortar custos, eram acompanhados de um sensor de
movimento, e iluminavam apenas uma pequena área circular abaixo deles na calçada,
que era o suficiente para evitar que quem quer que caminhasse por ali nessas horas
tropeçasse.
Apesar do horário atual, caminhou todo o caminho com certo medo. As ruas estavam
estranhamente vazias para uma noite de sábado.
Suspirou tentando não pensar nisso e se pôs em direção ao portão.
Enquanto adentrava o terreno, passando os portões, se viu esfregando constantemente as
mãos uma na outra, tentando se aquecer um pouco. Avistou o prédio principal.
Uma escola de ensino médio em moldes americanos, apesar de bem desgastada.
Algumas árvores espalhadas por um gramado que davam ao ambiente um visual
parecido com o de um parque, além de mais postes como os anteriores contornando a
estrada de pedras que ligava a entrada ao prédio principal.
Seguiu até o prédio, iluminado por alguns dos postes que ainda funcionavam bem
naquela estrada.
Não havia ninguém na porta para recebe-lo. Fazia sentido, afinal ele já estava atrasado
em 50 minutos.
A primeira aula provavelmente já tinha acabado, mas para Loid não importava.
Sabia que viria a essas aulas e provavelmente sentaria o mais ao fundo possível no
auditório para que pudesse dormir sem ser incomodado pelos professores.
Subiu as curtas escadarias e se viu na base superior da escada, frente à porta.
Apoiando uma das mãos no corrimão central que separava os dois conjuntos de degraus,
se virou. Analisou um pouco do ambiente, dando atenção às árvores que enfeitavam a
frente do colégio e aos postes piscando com mau funcionamento.
Respirou fundo. Sentiu passar entre as suas narinas o ar frio e o cheiro de relva.
A quietude da noite era imensurável. Nem mesmo um grilo era escutado.
E só agora, livre de seus pensamentos e da lembrança de sua mãe ralhando com ele,
Loid percebeu que o único barulho que escutava fazia alguns minutos, era de sua
própria sandália se chocando contra o chão e chicoteando de volta a sola de seu pé.
Soprou um pouco de ar entre as duas mãos, tentando novamente se aquecer, enquanto
observava os arredores com certa inquietude.
A sensação de estar sozinho em um lugar tão grande certamente não era gratificante.
Tudo parecia extremamente escuro essa noite, até mais que o normal. Loid escolheu
atribuir a responsabilidade disso à escola, que há tempos vinha cortando gastos com
coisas pequenas, deixando tudo com péssimo ou nenhum funcionamento.
Ele já havia visto isso com os bebedouros, pias e armários, e agora eram os postes.
Estes, que a todo momento falhavam, ou nem sequer funcionavam, davam a todo o
ambiente escolar uma aura extremamente perigosa e assustadora.
O silêncio se soma a esse lugar escuro e frio, agregando um ar solitário e que causava
certo desconforto.
Tão quieto que incomodava, era o que Loid pensava.
De repente, todos os postes no interior se apagaram de uma só vez. Loid piscou,
pensando ter se enganado.
E então, sua visão captou, além dos muros da escola, um dos postes daquela fileira se
acender. Levantou uma das sobrancelhas.
“Será possível que nada funciona nesse maldito colégio?”
E então, o poste seguinte se acendeu, com o de trás se apagando.
Loid inclinou um pouco a cabeça, encarando a luz com dúvida.
E então, o próximo poste se acendeu, e o anterior se apagou.
E mais um poste se acendeu, e de novo apagou-se o antecessor.
O rapaz apenas conseguia olhar sem entender.
Naturalmente percebeu uma sequência, cada luz se acendia em questão de segundos, e
ainda assim de maneira constante.
Mas era estranho.
Ele não havia visto ninguém nas ruas...
E cada um dos sensores de movimento dando defeito um após o outro e ainda em
sequência...
Sentiu um incômodo que não soube explicar.
E elas seguiram, uma após a outra, em intervalos constantes. O tempo que levava para
se acender parecia de alguma forma coincidir com a distância de um poste para outro.
Dez segundos, dez metros. E então o próximo poste se acendia.
Nove dos dez postes no exterior do colégio estavam ligados. Loid se sentia incomodado,
e ao mesmo tempo hipnotizado, encarando.
E o último poste se acendeu, já próximo da entrada, com o mesmo intervalo.
O rapaz recuou, se afastando do corrimão.
Se viu encarando o último poste, a única luz no breu daquela noite, ansioso por algum
motivo e esperando que este também se apagasse. E então, deu mais um passo para trás,
se aproximando da porta do prédio.
Sua visão vacilava entre a luz no alto do poste e abaixo dela, o portão entreaberto que
balançava levemente com o vento.
Ele ficou parado por um minuto inteiro, observando.
Mas nada aconteceu.
Os postes que haviam se apagado, permaneceram de tal modo, e o último exterior
permaneceu aceso. Sua luz tão fraca quanto em qualquer outro momento, mas ainda
assim acesa.
— Humpf.
Suspirou. Sentiu um alívio estranho do qual nem mesmo ele entendia o motivo.
Se virou e entrou pela porta.
Atrás dele ficou a noite. As sombras dos galhos no chão do parque dançavam com a luz
da lua. O parque mal cuidado e a falta de iluminação nesse ambiente agora vazio,
anexavam ao local uma aura obscura.
Um vento forte soprou, balançando o portão que quebrou o silêncio noturno com um
rangido enferrujado.
E então, o último poste se apagou, e todos aqueles no interior se acenderam, piscando
loucamente.

Dentro do colégio, corredores vazios e escuros o encontraram.


“Essa maldita escola não tem dinheiro nem pra manter as luzes acesas em horário de
funcionamento?” Refletiu estalando a língua.
Apenas a fraca luz do luar trespassando fracamente as janelas ajudavam-no a se situar
no ambiente.
Sem ver alternativas, ele caminhou em meio àquele breu, passando pelos corredores de
armários estudantis. A sensação de frio persistia, fortalecida por uma espécie de ar frio
que parecia se concentrar abaixo de seus joelhos.
A sensação era estranhamente familiar à do lado de fora do prédio. De novo, a única
coisa que escutava, além de seus próprios pensamentos, era a sua sandália que ecoava
de maneira estranha dentro dos corredores. Loid novamente sentia desconforto com a
quietude do lugar, e a ausência de luz só ajudava.
Por um minuto, pensou ter sentido até mesmo a brisa que sentia quando estava lá fora.
O cheiro de mato.
A sensação vinha de trás. Mas Loid não entendia como era possível, ele já havia virado
dois corredores.
Uma brisa mais forte veio por trás dele, desta vez pegando todo o seu corpo, fazendo-o
sentir um arrepio.
Parecia que uma porta havia se aberto diretamente atrás dele. Sentiu outro arrepio, dessa
vez sem vento.
Seu cérebro rodou muito e a nada chegou. Pelo menos não a algo que o agradasse.
Lembrou-se dos postes se acendendo, e da porta do prédio, agora a dois corredores de
distância.
Sentindo certa ansiedade com seu coração batendo mais forte, resolveu se virar.
Outra brisa forte pegou o lado de seu rosto, o forçando a fechar os olhos.
Quando abriu, encontrou o corredor vazio e a noite através das janelas.
A luz do luar atravessava a janela, iluminando diretamente o seu rosto e o corredor.
Olhou a curva para o corredor do qual havia vindo. Nada.
Se virou para a frente de novo, colocando o capuz para evitar o vento.
Pouco depois, havia finalmente chegado ao auditório. Já conseguia ver pelas frestas nas
duas portas de madeira uma certa iluminação, e também alguns ruídos escapando de lá.
Olhou para trás no corredor mais uma vez, e encarando a escuridão que deixava para
trás, suspirou em alívio.
Abriu as portas, revelando a luz e o barulho em seu interior, e entrou.

Avistou uma quantidade considerável de pessoas sentadas em espécies de degraus com


longas mesas únicas como em um teatro. Cerca de sessenta pessoas espalhadas pelo
auditório, o qual ainda assim estava longe de parecer cheio.
Algumas o encararam, estranhando o horário no qual ele havia chegado, mas logo
repuseram sua atenção no professor que falava em um microfone.
Este era um homem esguio, de pele pálida e usava uma roupa social com terno. Suas
feições rígidas encararam Loid por um momento, antes de se virar e voltar a explicar
seus apontamentos.
O rapaz apenas seguiu com seu planejamento inicial. Encontrou o assento mais ao fundo
possível e se aproximou para se sentar.
Viu então uma figura estranha.
Ao seu lado, com a cara afundada na mesa, um rapaz branco de cabeça raspada dormia
calmamente, ignorando completamente a voz altíssima do professor que ressoava em
uma caixa de som logo acima dos dois com volume máximo.
Ergueu a sobrancelha, encarando aquilo.
“Parece que tem alguém na mesma que eu afinal...”
Ele colocou o caderno velho e desgastado que carregava consigo em cima da mesa e
então se sentou ao lado do outro rapaz.
Encarou os slides que o professor passava com desânimo.
“Minha mãe certamente vai me matar se eu chegar em casa sem nada anotado.” Pensou
consigo mesmo antes de revirar os olhos preguiçosamente.
— Humpf.
Suspirou.
Abriu o caderno na primeira página. Uma folha em branco.
Tão branca que deixa óbvio o quanto ele não usou este caderno.
Pegou sua caneta do bolso e tentou escrever seu nome.
Depois de alguns fracassados riscos, finalmente percebeu que a caneta estava sem tinta.
— Tsc- Merda!
Estalou a língua.
Riscou mais algumas vezes a folha tentando extrair qualquer pingo que fosse daquela
caneta.
Nada saiu.
Ele então suspirou com um pouco de irritação, e massageou o rosto com a mão
impacientemente.
Olhou em volta.
Logo, seus olhos recaíram novamente no rapaz que dormia ao seu lado.
Pensou um pouco olhando para ele, então olhou para o professor no palco mais à frente,
e olhou de novo para o rapaz, suspirando.
Tocou o ombro dele e sacudiu levemente.
— Ei — Sussurou próximo ao ouvido do rapaz enquanto agitava seu ombro. — Psiu-
Amigo- Ei-
Não parecia querer acordar por nada neste mundo.
— Ou, amigão, acorda aí namoral.
Ficou um pouco nervoso, e um tanto incrédulo sobre como o rapaz era capaz de dormir
tão pesadamente com a voz do professor tão alta e ele próprio o sacudindo. Pensou que
era mais provável que ele o estivesse ignorando do que não o escutando realmente.
Estalou a língua, nervoso.
E então aumentou a intensidade das sacudidas, o que pareceu surtir efeito, já que o
careca começou a se mexer.
Loid soltou seu ombro e afastou a mão.
O rapaz levantou o rosto da cadeira, e então, com os olhos fechados, se espreguiçou
esticando os braços para todo lado, certamente ocupando muito mais espaço que o
necessário para tal.
— Huaagh- Aurgh! — Ele bocejou alto enquanto se espreguiçava escandalosamente.
Loid desviou quando seus braços vieram em sua direção, e então o encarou com a
sobrancelha levantada.
— Que foi? — Perguntou enquanto coçava o queixo.
O rapaz se virou para Loid com uma cara de sono, que só então pôde ver seu rosto
claramente.
Ele é jovem, cabelo raspado, com um rosto magro e definido, sobrancelhas médias,
olhos finos e fundos com leves olheiras, além de uns traços leves de rugas. Sua boca
fina e um pouco amassada dá a impressão de que ele se mete em brigas constantemente.
Essa aparência rude e os brincos que usa em cada uma das orelhas se complementam
para que ele tenha o perfil perfeito que caracterize um drogado, ou um valentão.
Este rapaz encara Loid seriamente.
Loid engole em seco.
— Você tem uma caneta pra me emprestar?
O rapaz o encara depois de franzir a sobrancelha um pouco, como se achasse aquilo
curioso de alguma forma.
Ele então coça a própria cabeça com uma expressão de preguiça.
E depois de suspirar, começa a procurar nos bolsos de seu casaco, e depois de sua calça,
como se ele mesmo não soubesse se tinha ou não uma caneta.
Loid o encara e logo percebe algo estranho.
“Esse cara tá usando outra roupa por baixo?” Reflete ao observar.
Encarando-o, Loid constatou como parecia que ele vestia duas roupas.
Além de um volume corporal bem maior do que o esperado para alguém do porte dele,
uma manga preta saia por baixo da manga do casaco largo vermelho que estava usando.
E uma barra de calça preta saia também por baixo da calça jeans larga dele.
Loid estreitou a sobrancelha achando o rapaz muito suspeito, ainda mais com a sua
aparência perigosa.
O jovem então se levanta um pouco da cadeira, apenas o suficiente para procurar no
bolso de trás de sua calça.
— Humm- Rá- Aqui! — Ele diz com um sorriso sinistro depois de tirar a caneta do
bolso de trás da calça.
Loid sente um arrepio estranho com o sorriso do rapaz, mas deixa passar e então pega a
caneta da mão dele.
— Obrigado.
E então se põe a copiar parte do slide que o professor estava passando.
Loid percebe, no canto de sua visão, o rapaz encarando o relógio maneira estranha.
Afastando e aproximando o relógio do rosto, como se buscasse o melhor ângulo para
vê-lo.
Loid se vira para ele. E então, vê em seu pulso um relógio quase que totalmente
rachado. Tão rachado que era impossível ver o interior.
“Esse cara...” Loid ergue a sobrancelha com mais suspeita.
O rapaz então abre os olhos em realização, como se tivesse finalmente enxergado.
— Humpf- Aí amigo, vou no banheiro. — Ele fala enquanto se levanta.
— Hã?
Ele passa se espremendo atrás da cadeira de Loid, tentando chegar no corredor.
— Muito obrigado pela conversa e tal. — Ele fala apertando indelicadamente o ombro
de Loid com um sorriso estranho.
“Conversa?”
Agora de pé, Loid pôde ter plena certeza que o rapaz estava usando uma roupa por
baixo da outra, o que o fez sentir um certo incômodo.
Havia algo de muito estranho nesse rapaz.
E então ele começa a andar para a porta.
— Mas peraê, e a sua caneta? — Loid falou um pouco alto, estendendo a caneta em sua
direção.
— Ah- Né minha não. Pó ficar. — O jovem diz com um sorriso enquanto acena para
que Loid fique com a caneta.
— Quê? — Loid é deixado para trás com a sobrancelha erguida em uma expressão de
confusão.
“A caneta não é dele? Mas ele tirou do bolso da calça...”
Loid não sabia ainda se era coragem ou estupidez por parte do rapaz de resolver ir no
banheiro sozinho no breu que estava lá fora. Ainda mais que o banheiro mais próximo e
que estava funcionando ficava em outro prédio.
Ele resolveu não pensar muito sobre isso, e voltou a copiar o slide.

Passou alguns minutos anotando coisas que não entendia e decidiu que era o suficiente.
O jovem, ‘dono’ da caneta, ainda não havia retornado.
Resolveu por em prática o seu plano inicial. Dormir.
Olhando no relógio acima da porta do auditório, constatou que ainda eram oito e meia.
Repousou sua cabeça na mesa, fechou os olhos, e deixou o sono captura-lo.
Ainda faltava muito para essa aula acabar.

Teve um sonho estranho.


Estava em um lugar totalmente branco e vazio que parecia se estender ao infinito.
Se via sozinho ali.
Andou solitário por alguns minutos naquele local encarando todos os cantos daquela
brilhosa branquitude.
Fechou os olhos e sentiu uma certa paz o envolver calorosamente, uma brisa morna e a
sensação de luz solar matinal contra sua pele.
E aí, sentiu aquela prazerosa e leve queimação da luz solar se intensificar.
Estreitou os olhos com isso.
A sensação aumentou, ele abriu os olhos com incomodo aparente.
Olhou em volta, e foi aí que ele viu.
Muito à sua frente, uma espécie de sombra negra concentrada.
Como uma fumaça preta em uma forma humana.
Encarou aquilo com o cenho franzido.
A sombra começou a se virar, até que ficou de frente para ele.
Loid ergueu a sobrancelha com um olhar desconfiado.
Naquela sombra, ainda que à distância, Loid observava na altura dos olhos dois pontos
luminosos e amarelos apontando em sua direção.
E então, ainda mais ao fundo, uma névoa preta começou a surgir, se expandindo e se
aproximando.
A sombra, agora acompanhada pela névoa negra, começou a caminhar lentamente na
direção de Loid.
O rapaz apenas observou com uma inquietação.
E então, de repente, aquela tranquila sombra começou a se agitar. Se contorcendo e
tremendo, como espasmos.
Loid estreitou sua visão, como se tentasse compreender.
Depois de alguns passos, Loid sentiu vacilar a luz que o iluminava e dava uma sensação
de paz, e passou a sentir um nervosismo sem explicação.
Olhou em volta, aquela névoa parecia surgir de todos os lados e ainda se expandindo
lentamente.
De repente, ao lado daquela sombra humanoide que ainda se movia, vindo de lugar
nenhum, espirra no ar um líquido vermelho que colide e escorre numa espécie de objeto
invisível que certamente não parecia estar naquele lugar.
O rapaz arregalou os olhos e recuou um passo de maneira instintiva.
— AAAAAAAAH!
Um grito desesperado foi escutado.
Não de perto da criatura exatamente, mas de todas as direções daquele vasto e branco
ambiente.
Loid olhou em todas as direções rapidamente, procurando a origem, mas nada
encontrou.
Virou-se novamente para a sombra, que se aproximava.
E a cada passo que aquilo dava, mais um espicho de líquido vermelho explodia ao seu
lado.
A gritaria só piorava a cada segundo que se passava. Gritos cada vez mais desesperados
e conturbados.
Loid encarou aquilo assustado, perturbado com as vozes que vinham de todos os lados e
ainda com aquela sombra que se aproximava dele.
Ele mesmo sentia vontade de gritar, mas algo o impedia, e ele não sabia o que era.
A sombra repentinamente aperta o passo, e os espirros vermelhos continuam aparecendo
ao seu lado, espichando de maneira violenta para todos os lados antes de serem
engolidos pela escuridão que também acelerava em sua direção, acompanhando a dita
sombra.
Loid lutou contra seu desespero, andou alguns passos para trás apressadamente, e a
sombra pareceu percebê-lo. Ela começou a correr em sua direção.
Loid se assustou e tentou se afastar rapidamente, mas acabou se atrapalhando e caiu
sentado no chão.
Piscou com a dor do impacto, e quando abriu os olhos de novo, lá estava ela.
A sombra humanoide na sua frente, junto à escuridão que a acompanhava.
Loid sentiu sua espinha gelar, e o corpo paralisado assim ficou, como se aqueles olhos
não permitissem que ele se movesse.
A sombra estendeu a mão em sua direção lentamente.
E Loid sentiu o estômago revirar e uma náusea o tomar.
A última coisa que viu, foram aqueles olhos amarelos brilhando furiosamente em sua
direção.

— Ei.
Loid despertou sentindo alguém balançando seu ombro.
Levantou o rosto ainda atordoado e encontrou a escuridão que havia tomado conta do
auditório.
Arregalou os olhos em surpresa e se virou para olhar a pessoa que segurava seu ombro.
— Dormiu bem? — Perguntou o professor.
Loid sentiu um arrepio percorrer a sua espinha.
Era o homem de antes, encarando-o de cima com um sorriso.
Agora vendo-o de perto.
A escuridão no local parecia de alguma forma não afetar a sua face, que quase reluzia
de tão branca e pálida.
Seu rosto tinha uma forma magra e com rugas, demarcando sua idade avançada. Seu
queixo pontudo e pelancas no pescoço denotam a aparência frágil de um velho senhor.
E seu nariz, fino e curto, possuía na ponta um leve tom avermelhado, típico da pele de
idosos.
Um sorriso caloroso encontrava o jovem rapaz.
Seus olhos são pequenos e fundos e possuem uma hipnotizante cor castanho bem clara.
Estes, acompanhados por sua sobrancelha fina, somam-se em uma feição calorosa de
um senhor de idade que qualquer um chamaria de avô.
Seu cabelo grisalho apenas se estendia na lateral, deixando uma enorme falha no topo
de sua cabeça.
— Si-sim senhor- — Loid respondeu receoso, mais relaxado do sonho, porém
envergonhado por ter sido pego dormindo pelo professor.
O professor apenas o encara, parando de sorrir lentamente, antes de soltar seu ombro e
puxar calmamente do bolso de seu terno um relógio de bolso ficando um pouco de lado
para olha-lo.
Loid, já desperto, começa a sentir um cheiro estranho vindo de algum lugar que ele não
consegue discernir. Um cheiro levemente metálico.
— Já passa da hora... — Ele fala, encarando o relógio.
E então, com os olhos agora refamiliarizados com a escuridão, o rapaz percebe um
pouco distante, atrás do professor, no chão do corredor ao lado das cadeiras, a metade
de um corpo feminino jogado sobre uma poça vermelha.
Ele arregala os olhos, sentindo seu corpo arrepiar da ponta de seus pés até o último fio
de cabelo em sua cabeça.
Com uma expressão chocada, olhos arregalados, ele vira lentamente e meio travado em
direção ao professor.
Virando o rosto lentamente, este segura o relógio na altura do peito e meio de lado
numa mão e uma maleta preta na outra. E mais uma vez, um sorriso surge em seu rosto.
Mas desta vez, estranhamente mais largo que o anterior.
— São dez horas... — Ele diz em um tom animado enquanto sorri.
E por tudo nesse mundo, o rapaz juraria que seus olhos brilhavam em amarelo atrás
daqueles grandes óculos redondos.
Loid treme assustado e recua na cadeira, sem conseguir tirar os olhos dos dele que ainda
brilhavam fortemente em um amarelo aterrorizante. Nada mais restava daquele bom
senhor.
Sentiu como se aquele brilho se expandisse capturando-o de alguma forma. Sentiu-se
envolvido por um ar pesado, que de alguma forma o impedia de se mover. Talvez fosse
medo.
Tudo parecia estar em câmera lenta.
O professor cessou o sorriso, colocou sua maleta no chão e guardou o relógio no bolso.
Tudo isso sem tirar os olhos de Loid.
E então estendeu as mãos lentamente na direção do rapaz que apenas encarava, por
algum motivo paralisado, os seus olhos brilhantes. Seu sorriso horripilante crescia mais
a cada instante.
Loid começou a suar sem sair do lugar. Nem mesmo tremia. Sua respiração havia
parado.
Sentiu como se todos os seus pelos arrepiados gritassem para que ele pulasse dali e
corresse o máximo que conseguisse.
Quando as mãos do professor estavam ao lado de cada face do rosto de Loid, sua boca
já estava esticada em um sorriso de tal modo que nenhum ser humano normal seria
capaz de fazer.
Loid gritou internamente, porque seu corpo não o obedecia. Seu desespero tomou seu
ar.
As mãos colaram-se em sua face.
*BLAM!*
Um barulho enorme de algo batendo contra a parede surgiu mais abaixo, e o professor
parou de se mover. Seu sorriso se desfazendo lentamente.
Um som de corrida crescente ecoou pelo auditório silencioso.
Virou a cabeça de uma maneira não natural, como se o pescoço não se movesse junto.
E então.
— PORRA!
*POW!*
Loid apenas conseguiu ver o professor sendo arremessado contra a parede atrás dele
com um soco direto na cara.
Sentiu seu corpo ficar livre de novo.
Sentiu o ar preencher seus pulmões novamente e apertou seu peito desesperado.
Seu coração batia mais rápido que qualquer motor.
— Ei- Cê tá bem amigo?
Loid então percebe. À sua frente, estendendo uma das mãos com um olhar preocupado
está aquele mesmo rapaz de antes.
O careca que havia lhe emprestado a caneta e saído para ir ao banheiro para nunca mais
voltar.
Loid o olhou de cima à baixo, e percebeu que agora este vestia uma espécie de roupa de
padre. Encarou sua mão e viu que ele usava uma espécie de soco inglês prateado.
Tão chocado estava, que apenas franziu a sobrancelha com isso, sem mesmo ter forças
para questionar.
Loid estendeu a mão fracamente para segurar a dele.
Mas antes que conseguisse.
*Blam!*
O professor que havia sido jogado violentamente contra a parede, simplesmente pulou
em cima do rapaz de maneira selvagem. Se agarrou e o derrubou no chão como um
animal.
Loid se virou assustado e viu os dois rolarem escada abaixo antes de o senhor
finalmente parar em cima do abdome do rapaz.
Avistou, jogados pelo caminho nos degraus, corpos e mais corpos todos deitados sobre
poças de sangue. Todos caíram de bruços e inclinados para a direita, como se
houvessem tentado fugir para a porta.
O professor segurou os braços do jovem contra o chão enquanto o encarava por cima,
agora sem os óculos, com aqueles olhos amarelos brilhantes e um sorriso animalesco.
O rapaz rangeu os dentes com uma feição misturava raiva e desespero.
Fez força para se levantar, mas seus braços nem sequer desgrudavam do chão.
O professor aproximou seu rosto lentamente à cabeça do rapaz enquanto abria aquela
boca gigantesca e monstruosa de maneira lenta e gradual, ocasionalmente estalando,
como se fosse deslocada para que pudesse se abrir mais. Dela, começa a sair um viscoso
líquido negro, que certamente passa longe de se assemelhar a saliva.
O rapaz forçou o máximo que pôde enquanto virava o rosto tentando se afastar do
velho, que babava aquele nojento líquido negro em cima dele.
Loid percebeu que ainda existia, e em um movimento desesperado se levantou daquela
cadeira.
Passando por cima de todos os corpos jogados que se punham em seu caminho, e
ocasionalmente escorregando numa poça de sangue, ele correu abaixo na direção dos
dois.
*PUMP!*
Loid golpeia lateralmente o velho nas costelas num chute com toda a força do impulso
de sua corrida.
Ele nem sequer se mexe.
Loid arregala ainda mais os olhos em desespero.
E o professor ignorando a sua presença, segue encurtando a distância entre a sua boca e
a cabeça do outro rapaz, ao mesmo tempo que a estica ainda mais.
— MERDA! — Grita o jovem no chão. — Pega o frasco na minha cintura! — Ele grita
com desespero olhando para Loid.
Este, sem sequer pensar duas vezes, se joga no chão ao lado deles e puxa da cintura do
rapaz um frasco de vidro que estava preso a ele por uma corda.
A boca do velho havia crescido tanto que engoliria facilmente a cabeça do jovem abaixo
dele, que somente o encarava com o rosto virado e os olhos desesperados.
Ele não pede instruções. Tira a tampa do vidro e arremessa o que quer que estivesse lá
dentro diretamente na cara do velho.
Aquilo se choca contra o rosto do senhor e rapidamente produz um som de queimação e
uma névoa começa a sair de sua pele.
O velho cai para o lado erguendo os braços e saindo de cima do rapaz, que por sua vez
levanta sem cerimônias.
A fumaça sobe se acumulando com em um incêndio, e o jovem com roupas de padre
não dá trégua.
Ele pula e senta em cima das pernas do professor que estava deitado no chão de barriga
para cima e abre os seus braços, deixando seu rosto exposto. Ele ergue o braço bem
atrás de seu corpo, e então o desce com toda a força.
— EM NOME DO PAI! HAAAM! — Ele solta um rugido animalesco com olhos
furiosos.
*PUMP!*
O punho direito do rapaz vestido com um soco inglês conecta no rosto do velho que
apenas vira pro lado com o impacto e cospe um dente junto de um pouco daquele
líquido negro.
Ele ergue o braço esquerdo.
— DO FILHO! HAMM! — Mais um rugido monstruoso
*PUMP!*
Com a força de um martelo, ele acerta o centro do peito do velho que dá uma tosse
rouca e cospe mais um tanto daquela substância.
E então, o rapaz ergue os dois braços juntos, fechando uma mão sobre a outra.
— E DO ESPÍRITO SANTO! UHHHM! — Gritou com a ferocidade de uma besta.
*PUUMP!*
Como uma marretada, ele explode um golpe direto no estômago do velho, que se retorce
no chão à medida que algo parecia subir de dentro dele, pela barriga e pescoço.
Ele se vira para cima de novo e com sua enorme e monstruosa boca, vomita na direção
do rapaz rios daquela coisa negra.
— GUAAAAAHHHHHH! — Saia de sua boca um gemido gutural e desesperado.
Grande parte em seu peito, no chão, e também do jovem em cima dele, que apenas pôde
tapar o rosto com os braços para evitar de engolir aquela coisa.
E então, o velho parou de vomitar, e seu rosto caiu para o lado com os olhos abertos,
agora sem aquele brilho de antes.
O rapaz acima dele respirando profusamente descansa com os braços estirados e
doloridos.
— Amém! Huff- Huff — Ele diz com um olhar cansado respirando irregularmente.
E então se levanta, mancando na direção de Loid, que com um rosto paralisado encarava
o corpo de seu professor no chão e alguns dos corpos que jaziam pelo caminho até a
porta.
— Huff!
O jovem suspira pesadamente se sentando no degrau ao lado de Lóid.
*Tiiin*
Ele solta seus dois socos ingleses no chão produzindo um som metálico.
— Arght!- Tudo bem cara? — O ‘padre’ pergunta com um tom preocupado enquanto
acaricia sua costela dolorida.
Após voltar a si aos poucos, Loid se vira na direção do rapaz, e percebe no chão os dois
socos ingleses, ambos com uma espécie de soqueira circular com quatro entalhes de
estrelas de Davi com uma pontinha saindo do centro de cada uma.
— Ao propósito, valeu pela ajuda com o frasco. — O rapaz careca agradece com um
rosto de dor enquanto segura o abdômen, uma pequena linha de sangue descendo do
canto de sua boca.
— P-por nada — Loid responde, ainda chocado.
— Tem um cigarro aí?
— Quê? — Loid o encara incrédulo, sem acreditar no que ouviu.
— Que que foi? — Ele rebate com uma pergunta e uma face irritada enquanto tateia seu
corpo em busca de algo. — Um homem de fé não pode fumar não, é?
A boca de Loid entreabre um pouco, sua face confusa, tentando processar toda a
situação.
— Aqui! — O padre comemora, retirando um maço de cigarros de um bolso na calça
com um sorriso.
Depois de colocar um na boca, ele estende o maço para Loid, que apenas acena
negativamente.
— Tsc!
Ele estala a língua em resposta.
Depois de acender o cigarro, ele dá uma tragada profunda e então para olhando para os
corpos com um rosto de pesar enquanto segura o cigarro entre os dedos com os braços
apoiados nos joelhos.
O rapaz fecha os olhos e começa a murmurar em uma voz baixa, quase inaudível, o que
parecia ser uma prece.
Loid olha também, novamente para o seu professor no chão.
E então, pensando, chega a todo tipo de conclusões que ele próprio julgava improváveis.
Sempre amparadas em algo sobrenatural.
Ele engole em seco.
— A-Ao propósito- — Ele pergunta timidamente. — O que tinha naquele vidro? Água
benta?
— Ácido sulfúrico. — O padre responde calmamente ainda de olhos fechados.
Loid arregala os olhos, confuso e revoltado com a indiferença do rapaz, que sem nem
abrir os olhos o responde com uma profunda tragada em seu cigarro.
Respira fundo, aceitando o caos que era a sua mente neste momento.
Depois de alguns minutos, o padre termina de fumar o seu cigarro, e larga a bituca no
chão, limpando o sangue no canto de sua boca com a manga da blusa.
— Humpf!
Ele se levanta com dificuldade enquanto Loid observa calmamente.
— Acho que já deu a minha hora amigo. — Ele afirma com um sorriso. — A polícia
deve chegar a qualquer momento, levando em conta o tanto que eles gritaram. Então dá
um jeito de explicar isso aqui por mim, namoral. — Ele pede com um sorriso de
malandro apontando com o dedo em um movimento circular.
Loid nem pensa em como ele vai explicar o que quer que tenha acontecido aqui para a
polícia, e nem quer ter que pensar nisso.
— Ah- E ao propósito- — O padre se vira de novo para Loid. — Eu sou Noah. — Diz
estendendo-lhe a mão com um sorriso largo e marrento, mas ainda humano.

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