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Ana Paula Monte Borella

O Conflito Identitário do Professor de Língua Inglesa na Rede Pública e na


Rede Particular de Ensino: Um Estudo Auto – Reflexivo

Itatiba

2018
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O Conflito Identitário do Professor de Língua Inglesa na Rede Pública e na


Rede Particular de Ensino: um Estudo Auto – Reflexivo.

BORELLA, Ana Paula Monte.1

ARCHER, Claudia. 2

RESUMO

Este trabalho, inserido na área da Linguística Aplicada, tem por objetivo identificar
um possível conflito identitário no discurso de um professor de Língua Inglesa em
diferentes situações de ensino: em escolas da rede pública e em escolas particulares.
Este conflito originou-se à partir de várias situações em que esse professor
encontra-se inserido, seja em relação às diferentes metodologias de ensino,
diferentes recursos tecnológicos, nas diferentes abordagens dos materiais didáticos,
e por fim, às diferenças na identificação do público - alvo inseridos no contexto da
sala de aula, em relação ao aprendizado da Língua Inglesa. O arcabouço teórico –
metodológico consiste nos questionamentos identitários frente às construções
discursivas. A metodologia consiste na formulação de um questionário composto
por três perguntas, direcionado a dois professores de Língua Inglesa, sendo um
deles atuante na rede particular de ensino, e o segundo professor atua em ambas as
redes, e se trata da própria pesquisadora deste Artigo Científico. Os resultados
apontam que ambos os sujeitos afirmam a falta de interesse dos alunos em
aprenderem a Língua Inglesa, pois trata-se, segundo os depoimentos, de um idioma
sem relevância para o contexto sócio – cultural em que estão inseridos. Conclui – se

BORELLA, Ana Paula Monte. Graduada em Letras – Unidade Acadêmica da Área de Ciências
1

Humanas e Sociais, Universidade São Francisco, Itatiba. Matriculada no Curso de Pós -


Graduação em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira.

2ARCHER, Claudia Maria da Costa. Graduada em Letras pela Universidade do Maranhão –


UFMA. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade do Maranhão – UFMA. Doutora em
Políticas Públicas pela Universidade do Maranhão – UFMA. Orientadora da UNINTER.
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que existe um conflito identitário, mas que ele se refere somente às condições de
ensino da escola pública, quando contrastadas às condições da escola particular,
tomada como parâmetro ou modelo idealizado.

Palavras-chave: Língua Materna x Língua Estrangeira, Identidade e Ensino de


Língua Inglesa.

1. INTRODUÇÃO

No contexto de ensino de línguas, a Língua Inglesa é a que fornece maior


acesso à ciência e à tecnologia modernas, à comunicação intercultural e ao
mundo dos negócios, sendo certamente um diferenciador sociocultural.

Assim, a posição dominante do idioma na área econômica, na cultura


popular e nas relações acadêmicas internacionais, coloca-o como a língua do
poder econômico e dos interesses sociais. Nesse sentido, a aprendizagem da
língua inglesa tem se tornado cada vez mais necessária.

Dessa forma, o ensino de Língua Inglesa se instaura atendendo às


necessidades sociais, profissionais, econômicas, culturais e de formação de
cidadãos críticos, conforme exige o mundo globalizado e pós-moderno. Contudo,
não podemos deixar de focalizar o aspecto linguístico que o ensino-
aprendizagem da língua inglesa viabiliza, capacitando o aprendiz para a
comunicação na Língua – Alvo. Ainda, no que tange ao foco desse trabalho,
partimos do pressuposto de que o aprendizado de uma nova língua consiste, em
última instância, em um movimento de construção e (re)construção de
identidades.

Até aproximadamente a década de 40, o principal objetivo de


aprendizagem da Língua Estrangeira era o ensino do vocabulário. A ênfase era
dada à palavra escrita, enquanto que as habilidades de fala e audição eram
praticamente ignoradas.

As atividades propostas tratavam de exercícios de aplicação de regras


gramaticais, ditados, tradução e versão. A relação professor-aluno era vertical,
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ou seja, o primeiro representava a autoridade no grupo/classe, pois detinha o


saber. Pouca iniciativa era atribuída ao aluno; a interação professor-aluno era
praticamente inexistente.

O controle da aprendizagem era, geralmente rígido e não era permitido


errar. Assim, no âmbito da Linguística Aplicada, no que concerne ao ensino-
aprendizagem de Língua Estrangeira – inglês, foco deste trabalho – tem ocorrido
muitas mudanças teórico – metodológicas, que, supostamente, deveriam afetar
a sala de aula. Perguntamos, contudo, até que ponto essas mudanças têm
contribuído para uma melhoria no ensino; como elas afetam a constituição da
subjetividade do professor em dois espaços: nas escolas da rede pública e nas
escolas da rede privada e como esse conflito reflete no aprendizado dos alunos.

Este trabalho originou-se, partindo do pressuposto de que, Eu, sujeito-


alvo dele, tenho enfrentado um conflito de identidade como professora o que vem
a refletir nos alunos da rede pública e da rede particular em que ministro aulas
de Língua Inglesa.

Além do conflito identitário, deparo-me com diferenças metodológicas,


visto que, os objetivos, as experiências e a visão que esses alunos têm do
aprendizado de uma Língua Estrangeira, no caso a Língua Inglesa, são muito
divergentes.

Nesse sentido, esse trabalho objetiva-se em verificar e contrastar a prática


de ensino de um professor de Língua Inglesa na escola pública e na escola
particular, esboçando os princípios teóricos e técnicas utilizadas por esse
professor, e como esse fazer docente, muitas vezes, conflitante e dicotômico,
afeta a constituição de identidade do professor e, como consequência do
aprendiz de Língua Inglesa.

Nos capítulos a seguir serão abordadas algumas teorias sobre a relação


Língua Materna / Língua Estrangeira (CORACINI); as Metodologias e
Abordagens de ensino de Língua Estrangeira (MASCIA); e a questão do Sujeito
/ Identidade (CAVALLARI).
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2. A TEORIA DO DEFICIT E OS PRECONCEITOS

Existe um fosso social e, poderíamos dizer, também pedagógico, muito grande


entre a escola pública e a escola particular. Porém, muitas das teorias divulgadas
que tentam explicar esse fosso partem de bases preconceituosas que, na
verdade, acabem solidificando ou naturalizando tais diferenças sociais e
pedagógicas.

Este capítulo tem como objetivo levantar e discutir algumas dessas teorias e
investigar a sua pertinência para a nossa análise.

As divergências acerca dos diferentes aspectos socioeconômicos e culturais


costumam ser explicitadas em termos dicotômicos, enaltecendo-se sempre o
polo da escola particular. Assim, os alunos das escolas particulares mostram
mais interesse, parecem estar mais engajados no aprendizado de Língua
Inglesa, pois esta tem sido vista como a língua de domínio mundial e, devido à
globalização, é considerada como língua universal. Esses alunos têm acesso à
Internet, que permite entrar em contato com as infinitas informações de todos os
países do mundo, contribuindo, dessa forma, para uma ampliação cultural e para
um futuro intercâmbio e a uma atualização profissional. Nesses termos, segundo
Bourdieu (1974):

A criança da classe média é, portanto, privilegiado, já que está


familiarizada com valores culturais e linguagem impostos pela escola.
É assim que o capital linguístico e cultural na sociedade é distribuído
desigualmente de acordo com as leis da economia das trocas
simbólicas (cf. Bourdieu, 1974).

A afirmação acima nos leva a problematizar a teoria do deficit linguístico


que, preconceituosamente, tem sido utilizada por professores e educadores, de
modo geral para explicar o fracasso dos alunos, em nosso caso de Língua
Inglesa. Tal teoria, normalmente associada à Bernstein (apud MOITA LOPES, p.
62 :1971), argumenta que:

Enquanto as crianças da classe média têm acesso a dois códigos


diferentes, ou seja, elaborado e restrito, as crianças da classe
trabalhadora só se utilizam do código restrito e que, portanto, as
dificuldades dessas últimas na escola são derivadas do código que
utilizam, pois é inadequado ás atividades cognitivas típicas do
processo educacional.
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A crítica que tem sido feita a esta teoria é de que não há nenhuma relação
de causalidade entre diferenças linguísticas e diferenças cognitivas, ou seja, o
fato de uma criança usar uma linguagem diferente não tem implicações sobre
sua estrutura cognitiva de forma alguma.

Atrelada à teoria do déficit linguístico, está a teria do déficit cultural que


também explica a falta de rendimento escolar das classes subalternas a partir
das mesmas bases teóricas. A carência cultural das crianças dessas classes
impossibilita seu desenvolvimento no contexto cultural da escola, o que vem
legitimar a cultura da classe média.

E como fica o trabalho do professor de Língua Estrangeira em sala e aula


e sua identidade nesse contexto de preconceitos ideológicos no qual estamos
inseridos? O papel do professor, então, enquanto representante do poder desse
capital ausente, e sua consequente atitude em relação aos alunos é de extrema
importância: se conflitante, por um lado, deve ser atuante, por outro.

É então urgente que, além de se mudar a atitude em relação ao aluno, se


passe a concentrar as pesquisas na sala de aula das escolas públicas, de modo
que se possa entender verdadeiramente esse contexto livre de conceitos
pseudocientíficos e ideológicos: as crenças devem ceder lugar à reflexão.

3.A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR E A RELAÇÃO LÍNGUA


MATERNA X LÍNGUA ESTRANGEIRA

O ser humano possui algumas características que são exclusivas de sua


condição, dessas características exclusivas – e essenciais – do ser humano,
duas precisam ser destacadas quando se fala em formação de professores de
Língua Estrangeira. Uma é a capacidade da fala; a outra é a capacidade de
evoluir; O ser humano não permanece o mesmo de uma geração para outra; ele
se transforma, transforma o mundo e transforma a percepção que tem do mundo.

Reforçando o ato de evoluir, Leffa conclui que:


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O professor de Língua Estrangeira, quando ensina uma língua a um


aluno, toca o ser humano na sua essência – tanto pela ação do verbo
ensinar – que significa... provocar uma mudança, estabelecendo,
portanto, uma relação com a capacidade de evoluir, como pelo objeto
do próprio verbo, que e a sua própria língua,estabelecendo aí uma
relação com a fala. Mas, se lidar com a essência do ser humano é o
aspecto fascinante da profissão há, no entanto, um preço a se pagar
por essa prerrogativa, que é longo e pesado investimento. Sem esse
investimento, não se obtém um profissional dentro do perfil que se
deseja: reflexivo, crítico e comprometido com a educação.

Estabeleceremos, portanto, uma relação entre Língua Materna e Língua


Estrangeira de acordo com Coracini, que, problematiza o uso dessas
expressões, partindo do pressuposto de que tais acepções têm sido tomadas
como simplistas demais na prática de sala de aula, em que a Língua Materna
corresponde à Língua Portuguesa e a Língua Estrangeira a uma Segunda ou
terceira língua não falada no diaadia do contexto geográfico brasileiro, sendo
facilmente distinguidas na prática.

A tese suscitada pela autora seria a de desmitificar a ideia de que a Língua


Materna é sempre a primeira língua adquirida pelo sujeito falante em seu país
de nascimento, exemplificando os caos de bilinguismo em que crianças
aprendem duas línguas ao mesmo tempo: a língua paterna, que e a francesa, e
a língua materna, que é brasileira, porém, filha de alemães.

A questão do bilinguismo é retomado, pautando-se na concepção de língua


enquanto instrumento de comunicação entre falantes de uma mesma língua, ou,
de línguas diferentes, permitindo ao falante dizer o que pensa em sua própria
língua ou na língua do outro, e a assimilação que deve correr tanto nas
diferenças, quanto nas semelhanças dessas línguas, tomando-se como
parâmetro a primeira língua.

Nesse aspecto, os PCNs (1999;28) enfatizam que a aprendizagem de uma


Língua Estrangeira implicaria em:

• Aumentar o conhecimento sobre a linguagem que o aluno


construiu sobre sua Língua Materna.
• Possibilitar que o aluno, ao se envolver com os processos de
construção de significados nessa língua, se constitua um ser
discursivo no uso de uma Língua Estrangeira.
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Observa-se, portanto, que a presença da Língua Estrangeira, no caso,


Língua Inglesa, é marcante em nosso meio e assegura a circulação de um
imaginário de Língua Estrangeira, que passa fazer parte da constituição
identitária. Desse modo, as representações em relação à identidade
possibilitam ao sujeito reconhecer-se, através do que ele irá construir,
discursivamente, como contorno para o “si mesmo”, a partir do olhar do outro (
cf. COSTA, 2001 ).

A constituição identitária do professor, em nossa visão, é formada não


apenas pela perspectiva discursiva, mas é também, perpassada pelas diversas
concepções de Abordagens Metodológicas nas quais o professor atua muitas
vezes de uma forma imposta pela instituição em que exerce a função do
professor, na qual está inserido.

4. INCURSÕES NAS METODOLOGIAS DE ENSINO DE LÍNGA


ESTRANGEIRA E NA ABORDAGEM COMUNICATIVA

Mascia (2003b) problematiza os discursos fundadores das várias metodologias


e da Abordagem Comunicativa de ensino, em que a noção de sujeito é relevante,
pois questiona as bases fundadoras dos discursos de metodologias e
abordagens, já que estes pressupõem um sujeito consciente e dono de seus
atos, capaz de, deliberadamente atingir seus objetivos, transformando o mundo
a sua volta.

Ocorre que, pelo fato do sujeito ser concebido ideologicamente, o seu


discurso passa a ser constituído pela dispersão de outros sujeitos, o que garante
sua heterogeneidade construtiva, já que, segundo Foucalt (1996), não existe
sujeito sem discurso e vice-versa, sendo impossível conceber o discurso como
heterogêneo.

Considera-se assim, do ponto de vista da teoria, que os discursos


educacionais, metodologias e abordagens, se inscrevem na Modernidade em
educação, cuja promessa seria tornar as pessoas mais responsáveis e
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envolvidas em suas condições sociais através da democratização da educação


(POPKEWITZ,1991:37).

Postula-se que, as metodologias e abordagens estão inseridas não apenas nos


conteúdos mas, na formação do sujeito, nas relações de saber e poder. Os
modelos de metodologias De Língua Estrangeira são: a) Método Tradicional; b)
Método Direto; c) Método Áudio – Oral; d) Método Audiovisual; e) Abordagem
Comunicativa ( o resumo dos métodos foram baseados, em parte, em Clarck
(1987) e Germain (1993).

O Modelo Tradicional tem raízes na Europa com o ensino das línguas grega e
latina, considerada importantes para o desenvolvimento do pensamento e da
literatura. A aula é ministrada em Língua Materna e tem como ênfase a gramática
que objetiva facilitar a tradução de textos. Esse modelo ainda está presente em
nossos dias, no ensino de línguas.

Contrapondo-se essa maneira de ensinar, surgiu o Método Direto, que


priorizava o desenvolvimento individual. Consistia-se em uma abordagem
natural, fundada na observação da aquisição da língua Materna pela criança.

Os métodos Áudio-Oral e Audiovisual que, fundamentados na psicologia


do comportamento – behaviorismo, com pressupostos filosóficos o
Reconstrucionismo. O método Áudio-Oral surgiu nos Estados Unidos por
ocasião da Segunda Guerra Mundial, onde era necessário formar rapidamente
pessoas a falar outras línguas além do inglês. A língua é concebida como um
conjunto de hábitos e, através de automatismos linguísticos, procura-se
desenvolver as habilidades de falar e ouvir, que servem de base para
desenvolvimento das outras habilidades : ler e escrever. Com a mesma ênfase
na língua oral surgeo Método Audiovisual, como reação à rápida expansão do
inglês, após a Segunda Guerra Mundial.

Um fato a ser observado é que, tanto no Método Áudio-oral, quanto no


Método Audiovisual, o uso da Língua Materna é banido em sala de aula. Assim
essas metodologias visam apagaruso da Língua Materna.

Segundo Mascia, os papéis de professor e aluno também são pressupostamente


afetados. O professor, teoricamente, deixa de ser o centro do processo de ensino
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– aprendizagem, e passa a ser o mediador, o facilitador do processo, assumindo


desse modo, a postura de aprendiz e pesquisador. Do aluno espera-se, na
Abordagem Comunicativa, que desempenhe o papel de sujeito e agente, que ele
aprenda a aprender, através de uma nova língua. Mascia também refere-se às
atividades que priorizam o comunicativo: jogos, dramatizações, simulações e
resoluções de problemas.

A questão da identidade do sujeito como professor encontra-se


intimamente imbricada às diferentes concepções metodológicas em que ele está
inserido. Na rede particular de ensino, o sujeito está inserido numa abordagem
mais Comunicativa, dando ênfase a uma perspectiva de interação, efetuada
através role-plays, readings, songs, complete the dialogue, englobando, portanto
as quatro habilidades: compreensão oral e escrita e produção oral e escrita.

Em contrapartida, sujeito-professor depara-se, na rede pública de ensino,


como abordagem Tradicional, que prioriza Língua Materna e tem como ênfase a
Gramática, que objetiva facilitar a tradução de pequenos textos.

Essa questão está diretamente ligada ao conflito de identidade que se


postula não apenas na questão discursiva do sujeito, mas no contexto
metodológico em que está inserido, ora trabalhando em um contexto
Comunicativo, ora em um contexto Estruturalista.

5.METODOLOGIA

Para coleta de dados, foi formulado um questionário com três perguntas,


direcionado a dois professores3 de Língua Inglesa. O primeiro professor atuou
numa rede pública de ensino e atualmente atua na rede particular de ensino. O
segundo professor atua em ambas as redes e se trata da própria pesquisadora
desta pesquisa monográfica.

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S1, 2 ( = sujeito 1, 2 ) serão os símbolos utilizados para enumerar os entrevistadores da pesquisa.
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Desta forma, objetivou-se, durante esta pesquisa, levantar os vários tipos


de conflitos existentes, contrastados durante o exercício de função do docente
nas escolas da rede pública e da rede particular de ensino.

As questões foram elaboradas de modo a mobilizar o entrevistado na reflexão


de sua própria identidade, já que as perguntas em questão possibilitaram o
entrevistado a discursar sobre suas experiências enquanto professor de Língua
Inglesa nas escolas da rede pública de ensino e nas escolas da rede particular
de ensino.

A seguir, procederemos à análise, a partir do levantamento e do contraste dos


conflitos identitários dos professores presentes no texto transcrito das
entrevistas.

6. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

6.1- O imaginário da Escola Pública e da Escola Particular

Os entrevistados ao serem questionados a respeito das condições de Língua


Estrangeira nas escolas públicas em que atuam ou atuaram4, ambos os sujeitos
afirmam a falta de interesse dos alunos em aprenderem a Língua Inglesa, pois
trata-se, segundo os depoimentos, de um idioma sem relevância para o contexto
sócio – cultural em que estão inseridos.

A análise das respostas leva-nos a citar Soares (apud MOITA LOPES,


p.63:1996), que avalia a situação da Língua Inglesa na escola pública do
seguinte modo:

A problemática sobre o ensino de Língua Estrangeira nas escolas


públicas necessita de uma solução para que se revitalize a profissão e
para que seja assegurada do aluno a aprendizagem de Língua
Estrangeira, vista aqui como mais um instrumento na sua luta por
mudanças na sociedade. Como a sociedade capitalista encerra
relações de contradição entre as classes de opressores e oprimidos,
também presentes na escola, o professor e o aluno se vêm imersos
nesse quadro, aparentemente sem saída, gerando conflitos e
frustrações. Porém, de nossa perspectiva, deve-se construir meios n
contexto escolar se serem explorados para uma possível

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Pergunta referente à questão n° 1, conforme anexo na Coleta de Dados: 1) Fale de um modo geral, sobre
as condições de ensino nas escolas de rede pública e particular em que você atuou.
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transformação social. É necessário que se trabalhem esses meios na


direção da mudança social.

Outro ponto por nós destacado consiste na, falta de interesse por parte da
instituição de ensino da rede pública, no que concerne ao fornecimento de
recursos audiovisuais para uma maior eficiência no trabalho do docente em sala
de aula.

Assim, os depoimentos dos dois sujeitos 1 e 2 apontam o quadro caótico do


ensino da Língua Inglesa na escola pública.

A questão das abordagens e metodologias utilizadas pelos sujeitos nas


redes de ensino público e particulartambém foi foco desta nossa entrevista5. A
seguir, citamos os excertos:

S1: Na escola pública, a abordagem é bem estruturalista, ou seja, tradução de textos,


gramática, a Língua Materna é o referencial das aulas. Não há recursos audiovisuais, a
TV, por exemplo, vive em reparos.

Já na escola particular nós damos uma apostila, o que eu também não gosto, mas
como o colégio adota essa apostila eu tenho que usá-la mas, eu tenho a total liberdade
para usar mais recursos e por isso eu insiro materiais mais dinâmicos e atuais; e sem
dúvida isso acaba interferindo num melhor ensino.

S2: A abordagem de ensino de Língua Inglesa na rede pública é bem Estruturalista e o


método é o Tradicional, o material didático enfatiza muito a gramática, a leitura e
tradução de textos. O material adotado pela instituição de ensino púbico é um livro que
apenas o professor possui, então toda a matéria é escrita na lousa.Introduzo por conta
própria, sem muita frequência, para poder cumprir o programa, letras de músicas para
completar as palavras que faltam e em seguida cantamos, gostaria muito de poder
utilizar um retroprojetor, uma TV e um vídeo.

Na rede particular de ensino posso diversificar a aula, pois há recursos audiovisuais, a


abordagem é mais Comunicativa, fazemos role-plays, listenings, interviews... o trabalho
é sempre muito dinâmico e interessante.

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Pergunta referente à questão n° 2 e n° 3, conforme anexo na Coleta de Dados: 2) Quais as metodologias
que você usa em ambas as escolas? 3) Quais os materiais Didáticos que você tem usado em cada uma das
escolas ?
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Levando em consideração os depoimentos dos sujeitos que concerne à


escola pública e à particular, depreendemos que existe um choque muito grande
no papel de professor e aluno em ambos os contextos analisados : de professor
enquanto “dono do saber” e do aluno enquanto” tabula rasa”, na escola pública
e do professor enquanto “mediador do saber”, na escola particular.

6.2- As Diferentes Visões da Importância do Aprendizado de uma Língua


Estrangeira: uma Questão Social.

Pudemos constatar que existe um fosso social muito grande entre os


alunos que estudam nas escolas da rede pública e da rede particular de ensino.

Os primeiros são, em sua maioria, alunos advindos de regiões periféricas


da cidade, onde desde muito cedo precisam trabalhar para ajudar no sustento
da família, não possuem incentivo cultural e educacional, uma vez que seus pais
não tiveram acesso à educação, por sua vez, os alunos da rede particular de
ensino em que estão inseridos em outro contexto social, que lhes permite estar
em contato com outra língua, uma vez que seus pais entendem a necessidade
desse contato e também, muitas vezes, falam um ou mais idiomas estrangeiros.
Contexto encontrado conforme depoimento dos sujeitos:

S1: A escola da rede pública, os alunos não consideram a Língua Inglesa uma a matéria
importante (...) até mesmo seria, a classe social das crianças que às vezes são filhos
de pais operários, que os alunos pensam – prá que eu vou usar isso – diferentemente
de uma escola particular, onde tem pais que trabalhem em multinacionais e eles já
passam toda essa cultura para os filhos,a importância de uma língua estrangeira. Minha
fala não é preconceituosa,mas é o que acontece.

S2: O ensino de Língua Estrangeira nas escolas públicas tem sido realmente
frustrante, encontro muita resistência por parte dos alunos que se sentem desmotivados,
pois a grande maioria salienta que a Língua Inglesa, na atual realidade desses alunos,
para nada será aproveitado.

Na rede particular de ensino, deparamos com o grande interesse pelo idioma, pois
os alunos acreditam que o aprendizado de uma Língua Estrangeira, seria ponte para
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uma aquisição de status social, um bom emprego e, sobretudo para a realização de um


intercambio.

Contudo, o papel atribuído ao inglês nas escolas públicas é secundário e de


desvalorização, tendo em vista o rebaixamento à atividade, falta de
equipamentos e matérias didáticos, e carga horária insuficiente. Opondo-se a
uma realidade que reflete o descaso com relação ao inglês nas escolas públicas,
opera-se nas escolas particulares, reservadas à população mais favorecida
financeiramente, há valorização da língua inglesa, onde fica implícito a referência
da escola particular como parâmetro de um fazer ideal, ou pelo menos, “menos
ruim”.

7. CONCLUSÃO

Dos resultados obtidos, pode-se detectar, através dessa pesquisa com os


professores da rede pública e particular de ensino, que ocorre um descompasso
entre as metodologias, objetivos e abordagens utilizadas pela direção dessas
redes de ensino, demonstrando também claramente que há diferenças entre os
alunos de ambas as redes.

Essas diferenças contribuem para que a disciplina de Língua Estrangeira


na escola pública seja desvalorizada e, dessa forma, os alunos perdem o
interesse pelo aprendizado.

Na rede particular, a realidade opõe-se à constituição da rede pública, pois


os alunos estão motivadose conscientes da importância do aprendizado da
Língua Estrangeira.

Outra lacuna a ser preenchida seria a valorização da Língua Inglesa por


parte das instituições de ensino público, visto que, há um descaso da mesma no
que concerne ao fornecimento de recursos matérias, bem como, em
assegurarque a disciplina esteja presente não apenas para o preenchimento de
lacunas, mas que possa ser vista com importância no contexto globalizado em
que estão inseridos.
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Ao final deste levantamento, pôde-se verificar que s problemas apontados


por ambos os sujeitos se assemelham e que a análise aponta para uma mesma
conclusão, embora as manifestações linguísticas dos sujeitos pareçam ser
diferenciadas, ambos encontram-se inseridos numa mesma formação
discursiva, isto é, no imaginário que permeia o ensino na escola pública e
particular.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, P. A. Economias das Trocas Simbólicas.São Paulo, Perspectiva, 1974

CLARCK, J. L. Curriculum Renewal in School Foreign Language Learning. Oxford:


Oxford University Press, 1987.

CORACINI, M. J. Língua Estrangeira e Língua materna: uma Questão de Sujeito e


Identidade. In Letras & Letras, Uberlândia, MG, Vol. 14°, n°.1, p.153-169, 1997.

FOUCALT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.

GERMAIN, C. Evolution de I’Enseignement des Langues: 5000 ansd’Histoire. Paris:


CléInternational, 1993.

LEFFA, V.J. Aspectos Políticos da Formação do Professor de LE. In LEFFA VILSON


J. (Org.). O professor de LE; Construindo a Profissão. Pelotas, 2001, v. 1, p.333-335,
Universidade Católica de Pelotas

MASCIA, M.A. A. O Ideário do Progresso no Discurso Político Educacional: uma


Análise Discursiva das Relações de Poder – saber. Campinas, 1999. 194 p.
(Doutorado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.

_____. Discursos Fundadores das Metodologias e Abordagens de Ensino. In:


CORACINI, M. J. e BERTOLODO, E. S. (orgs) O Desejo da Teoria e A Contingência da
Prática. Campinas: Mercado de Letras, 2003b)
17

MOITA LOPES, L. P. Oficina de Linguística Aplicada:A função da Aprendizagem de


Línguas Estrangeiras na Escola Pública. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

POPKEWITZ, T. S. A political Sociology of Education Reform.New York: Teachers


College Press, 1991.

SOARES, M. Linguagem e Escola. São Paulo, ática, 1986.

Anexos
COLETA DE DADOS

Esse questionário foi respondido por esses professores6 da seguinte forma:

1-) Fale, de modo geral, sobre as condições de ensino de Língua Estrangeira


nas escolas da rede pública e da rede particular em que atua ?

S1-Quem tem a realidade de atuar na escola pública e na escola particular, vê uma


lacuna, um abismo entre uma e outra. A escola da rede pública, os alunos não
consideram a Língua Inglesa uma matéria importante, é primeiro lugar a Língua
Portuguesa e Matemática... então o aluno já te tacha de lá vem o chato para ensinar
uma língua que de nada vai servir para mim...então de quarenta alunos em média que
têm m uma sala de aula, meia dúzia quer aprender, o resto não vê importância...até
mesmo seria, a classe social das crianças que às vezes são filhos de pais operários,
que os alunos pensam – pra que vou usar isso – diferentemente de uma escola
particular, onde tem pais que trabalham em multinacionais eles já passam toda essa
cultura para os filhos, a importância de uma língua estrangeira e essas crianças sabem
que se seus pais estão onde estão é porque possuem um diferencial, diferentemente do
pai de aluno de rede pública que infelizmente – veja bem ... minha fala não é
preconceituosa – mas é o que realmente acontece.

S2- O ensino de Língua Estrangeira, no meu caso a Língua Inglesa, nas escolas
públicas tem sido realmente frustrante, pois temos um nível de aprendizado e
estratégias de ensino muito elevado na Universidade e gostaria muito de poder aplicar
esses métodos, essas novas técnicas de estratégia de ensino em sala de aula, porém

6
S1, 2 ( = sujeito 1, 2 ) serão símbolos utilizados para enumerar os entrevistados da pesquisa.
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encontro muita resistência por parte dos alunos que se sentem desmotivados, pois a
grande maioria salienta que a Língua Inglesa, na atual realidade desses alunos, para
nada serve e para nada será aproveitada; a resistência também é da parte da direção
da escola que alega não ter verbas para adquirir recursos áudio – visuais qu seria de
grande valia para o docente e para o aluno, pois com recursos mais modernos,
poderíamos “chamar a atenção” dos alunos e isso seria um passo para que eles
pudessem se interessar pelo idioma. Diferente da rede pública, na rede particular de
ensino, deparamos com outra realidade, pois a maioria se interessa pelo idioma, pois
acreditam que o aprendizado de uma Língua Estrangeira , seria uma ponte para
aquisição de status social, um bom emprego, um facilitador de uso da Internet e sobre
tudo para a realização de um intercâmbio. A maior parte dos alunos possui contato
anterior com a Língua Inglesa e enfatizam que o aprendizado está também direcionado
ao Vestibular.

2-) Quais as abordagens ou metodologias de ensino você utiliza em cada uma


das escolas ?

S1- Na realidade desde que eu comecei a cursar a Faculdade de Letras gostei muito da
Abordagem Comunicativa, então eu procuro... não vou falar para você que minha aula
é totalmente comunicativa, porque muitas vezes é importante o aluno saber preencher
lacunas; trabalhamos com role-plays, depende da situação, eu uso uma abordagem
mais comunicativa ou mais estruturalista, usamos nessa escola, estou falando da rede
particular, o Power Point, transparências em retro – projetor, o laboratório de informática,
vídeo, etc.

Na escola pública, a abordagem é bem estruturalista, ou seja, tradução de textos,


gramática, a Língua Materna é o referencial das aulas. Não há recursos audiovisuais, a
TV, por exemplo, vive em reparos.

S2- A abordagem de ensino de Língua Inglesa na rede pública é bem Estruturalista


e o método é Tradicional, o material didático enfatiza muito a gramática, a leitura e
tradução de textos; introduzo por contra própria, sem muita freqüência, para poder
cumprir o programa, letras de músicas para completar as palavras que faltam e em
seguida cantamos... é muito divertido... gostaria de poder dar uma ênfase maior para o
Comunicativo... gostaria muito de poder utilizar um retro-projetor, uma TV e um vídeo.

Na rede particular de ensino posso diversificar a aula, pois há recursos áudio –


visuais, a abordagem é mais Comunicativa, fazemos role-pays, listenings, songs, talk-
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shows, interviews, a gramática é ensinada muitas vezes com temas transversais... o


trabalho é muito dinâmico e interessante.

3-) Quais os matérias Didáticos você tem usado em ambas escolas ?

S1- Na escola da rede estadual, nós usamos um livro que há muito tempo já foi adotado,
já tentei trocar mas por causa da direção, da coordenação, não foi possível trocar esse
material didático com grau de dificuldade maior. Esse livro não contempla nem o básico
que deveríamos dar aos alunos. Os exercícios de listening são desconexos, frases
estruturais, não há muito embasamento.

Já na escola particular nós damos uma apostila, que eu também não gosto, mas como
no colégio adota essa apostila eu tenho que usá-la mas, eu insiro outros materiais,
apesar dessa apostila ser um pouco mais atual, ela não difere muito do material da rede
estadual.

Na escola particular, eu tenho a liberdade e mais recursos e por isso eu insiro


materiais mais dinâmicos e atuais, e sem dúvida isso acaba interferindo num melhor
ensino – aprendizado na escola pública.

S2- Na rede pública, o material didático é um livro adotado pela instituição, mas apenas
o professor possui o livro, os alunos não têm livro, então toda matéria é escrita na
lousa... perde-se muito tempo, eu faço a cópia, eles copiam... isso leva tempo e muitas
vezes cumprir o programa é sufocante, eu me cobro muito, me pressiono, questionando
se o tempo será suficiente.

Uma apostila contendo a matéria anual é o material didático da escola particular.


A aula torna-se mais produtiva, pois é simples dizer: “abram a apostila na página tal...”
e ai tudo começa; o Comunicativo é bem presente nesse material e a gramática também
é ensinada. Costumamos também, trabalhar com textos que os próprios alunos trazem
de revistas ou da Internet e a partir desses textos trabalhamos a leitura, a escrita pedindo
para eles que desenvolvam um parágrafo com a opinião deles sobre o que leram, e
lerem aquilo que desenvolveram uns para os outros.

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