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Organizadores
Leonor Dias Paini
Regina de Jesus Chicarelle
José Aparecido Celorio

PARFOR
Plano Nacional de Formação de Professores,
dialogicidade entre a Educação Básica e a
Universidade: compartilhando saberes

I'. Edição 2019


Maringá-PR
Plano Nacional de Formação de Professores, diaJogicidadc entre a Educação Básica e a Universidade: compartilhando saberes

SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do CAPÍTULO 11


problema no contexto brasileiro. In: Revista Brasileira de Educação, v.
14, n. 40, p. 143-155,2009.
SCHOEMBERG, A. EI estilo y Ia vida. Madrid: Ed. Taurus, 1963.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
VILARINO, I. Grupos simétricos en poesia, Montevideo. Publicaciones PARFOR E AS CONCEPÇÕES DE
del departamento de Literatura Iberoamericana de Ia Facultad de
Humanidades y Ciencias de Montevideo, 1958.
LEITURA
VILARINO, I. La mas a sonora dei poema - sus organizaciones
vocálicas - indagaciones en algunos poemas de Rubén Darío. Arca, Eliana Alves Greco
1986. Marfiza Rosa Caetano Lisboa

VILARINO, I. Poesía completa. Buenos Aires: Colihue, 2003.


VILLALTA, L. O outro lado da música, a poesía - relación entre ambas Introdução
artes na historia da literatura galega.Vigo: A nossa terra, 1999.
O curso de graduação em Pedagogia/PARFOR tem como objetivo
ZILBERMAN Ri SILVA, T. E. (Org). Leitura: perspectivas
formar pedagogos para atuarem na docência, em Educação Infantil e
interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995.
na primeira fase do Ensino Fundamental, bem como na administração,
ZUMTHOR, P. La letra y Ia Voz de Ia literatura medieval. Madrid: Ed. na supervisão e na orientação educacional para a Educação Básica. O
Cátedra, 1987.
curso, portanto, forma professores para atuarem na Educação Básica,
que irão, principalmente, conduzir os trabalhos de leitura e de escrita
dos alunos nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
No que se refere ao ensino de leitura, é importante esclarecermos
que há diferentes perspectivas de leitura na prática-em sala de aula e
no domínio das pesquisas. E temos que considerar que a concepção de
leitura que o professor tem internalizada é que irá determinar o modo
como este irá trabalhar a leitura em sala de aula.
Nesse sentido, como professora da disciplina Língua Portuguesa
no Curso de Pedagogia PARFOR, sempre estudamos com as alunas
quatro concepções de leitura - a perspectiva do texto, a do leitor, a
interacionista e a discursiva. E orientamos para que o futuro professor
trabalhe, em sala de aula, a perspectiva interacionista e a discursiva,
visto que são as que podem permitir a formação de leitores críticos. O
objetivo deste capítulo é discutir as concepções de leitura e a apontar
como proposta de trabalho a concepção interacionista e a discursiva.

Concepções de leitura
Tendo por base Leffa (1996jI999), Kleiman (2004), Coracini (2010)
e Orlandi (1993), apresentaremos e discutiremos quatro perspectivas
de leitura: a do texto, a do leitor, a interacionista e a discursiva. A

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. .d d· mpartilhando saberes FORMAÇAO DE PROFESSORES PARFOR E AS CONCEP
Plano Nacional de Formação de professores, dialogicidade entre a Educação Básica e a Universt a e. co

Essa leitura extração-de-significado stá associada


- 'do
autor enquanto a interacionista
à idéia de que o texto tem um significado preciso,
persp~ctivda ~o telxst~::x::l:i:or. Já a dis~ursiva considera os aspectos exato e completo, que o leitor-minerador pode
aSSOClaos O1Spo o .
sócio-históricos e ideológicos no processo da leltura. obter através do esforço e da persistência. Como o
texto contém o significado, esse texto precisa ser
apreendido pelo leitor na sua íntegra (LEFFA, 1996,
A perspectiva do texto p.12).
t dos da leitura,
ti do texto prevaleceu nos es u
A perspec rva id N ríodo
SO e 60 nos Estados Um os. esse pe , A maior crítica sobre a perspectiva do texto é a convicção de que o
aproximadament~ nos anos 'canismo passivo, em que o leitor texto possui um significado acabado, sendo desnecessária a presença do
a leitura era conslderada como um m~d' bem como revelava a sua
leitor. Entretanto, sabemos que o texto não fornece todas as informações,
apena.sdr~~o~::~pai:: ~a~:~::~:ç~e~ :~:~idas no texto. A co~c~pçãO visto que o autor, em uma produção textual, insere as informações que
capaci a ,de que o bom êxito na julga necessárias para a compreensão do leitor, levando-o a considerar
de leitura sob essa perspectiva pOSSUl~:. cren;: texto que deveria ser
leitura estava submetido às caractens icas : seus conhecimentos e suas experiências para acrescentar ao texto.
adequado ao leitor, para que este pudesse compreende-Io.
A perspectiva do leitor
Esse conceito de leitura estabelece o modelo de PIr.~:;s~::e;::
b or ue vai do texto para o er , A leitura, pela perspectiva do leitor, considera que o sentido do texto
ascendente ou ottom-up, p q . _ d texto que normalmente está é construído de modo descendente ou top-down, uma vez que vai do
ascendesse, considerando-se a pOSlçao o e o leitor parte dos leitor ao texto. Dessa forma, a aquisição do significado ocorre por meio
abaixo dos olhos. Esse processamento p~~su::n;: formar as diversas da colaboração do leitor, dos seus conhecimentos prévios..e não por
lanos inferiores do texto para consecu rva ras formam meio da decodíficação de palavra por palavra existente no texto.
~nidades linguística,s: as}etras fo~ma~::~:~:r::jn~:~i:l:ais elevados
frases: as frases, paragralos, e, assim, a Nessa perspectiva, ler é conferir significado ao texto. Assim, o que
o leitor consegue entender e perceber é resultado daquilo' que conhece.
do texto.
ti do o ato de ler é considerado um processo dde Dessa forma, várias pessoas poderão ler o mesmo texto, porém cada
N esse sen 1 , d significa o uma terá uma compreensão diferente da outra, pois irá depender do
decodificação de letras, sons e a relação estes com o or alavra-
conhecimento prévio, das culturas sociais e das experiências de vida de
O leitor caminha pela sentença , leltr.a porful:~~~ea~;:r:sPmét~dos de cada pessoa .
.do a i t
perspectiva d e ei ura
Devl o. a l~SO,essa' das letras sílabas até alcançar as palavras e A abordagem descendente coloca o leitor como o centro da leitura,
alfabetizaçao que CUl d am ,
serem lidas. enquanto o texto ocupa um papel secundário. Contudo, mesmo o leitor
d or base Leffa (1996), afirma que o exercendo um papel ativo no processo de leitura, essa perspectiva tem
Moratto (2017,) ten o p _ de leitura internalizada elabora recebido várias críticas, uma vez que rejeita os aspectos sociais, confia
r tem essa concepçao -
prOlessor que I. "t 'r" do texto informaçoes em excesso nas predições, e todas as interpretações de texto levantadas
dí . m o eltor a ex rai
atividades que lreClOna _ Entretanto caso não haja pelos alunos devem ser consideradas corretas. Além disso, o leitor pode
,. I rão à compreensao. ,
necessanas que o eva id d tá leitor não no texto, visto construir uma compreensão equivocada do conteúdo abordado, e o fato
- . paCl a e es a no ,
essa compreensao, a lllca. te ser explanado à exaustão. A de se valorizar a leitura do aluno, qualquer interpretação que ele faça se
, I to e necessita somen .
que est~ ed~o;~pe lememnta que o leitor, por essa perspectiva, é pas~dlvo torna legítima.
autora am . ue a extração de senti os
Moratto (2017) reconhece que o leitor é essencial no processo de
e possui u~ at? ~ecânico de l~ltu;a, ::::ezp;'r um leitor autorizado"
é determlllada pelo autor o ex leitura, entretanto observa que o texto também tem evidências que
(PERFEITO, 2010, p. 14). precisam ser identificadas e não pode ser deixado de fora no processo

De acordo com Leffa


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Plano Nacional de Formação de Professores} dialogicidade entre a Educação Básica e a Universidade: compartilhando saberes FORMAÇAO DE PROFESSORES PARFOR E AS CONCEPÇOGS OU LEITURA

da leitura. Devido a essa importância, Leffa (1996, p. 17) acredita que passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua,
"é preciso considerar também um terceiro elemento: o que acontece chegando até o conhecimento sobre o uso da língua".
quando leitor e texto se encontram".
O conhecimento textual é o "conjunto de noções e conceitos sobre
A perspectiva da interação leitor-texto o texto". (KLEIMAN, 2004, p.16) e sobre os diferentes tipos de texto
e de formas de discurso. Devido a isso, é importante expormos os
Na perspectiva da interação leitor-texto, ocorre a ínter-relação entre alunos à diversidade de gêneros discursivos e tipologias textuais, para
os processos ascendentes e descendentes na descoberta do significado. que aprimorem seus conhecimentos sobre as estruturas e composições
Assim, a atividade de leitura se torna um processo que une as textuais e, com isso, possam compreender e interpretar melhor os
informações explícitas às implícitas, o que pressupõe que o significado textos.
não é encontrado no texto ou no leitor, mas por intermédio da interação
entre leitor e texto. Já o conhecimento de mundo ou enciclopédico se refere aos
conhecimentos que adquirimos no cotidiano, nas nossas experiências,
Por essa perspectiva de leitura, o significado não está somente no vivências e aprendizagens. Kleiman acredita que esse conhecimento
texto, nem apenas no leitor, mas no processo interativo entre os dois.
Nesse sentido, Solé afirma que [...] abrange desde o domínio que um físicotem sobre
sua especialidade até o conhecimento de fatos como
[...] a leitura é o processo mediante o qual se "o gato é um mamífero", "Angola está na África",
compreende alinguagem escrita. Nesta compreensão "não se deve guardar fruta verde na geladeira", ou
intervêm tanto o texto, sua forma e conteúdo, como "na consulta médica geralmente há uma entrevista
o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios. antes do exame físico" (KLEIMAN, 2004, p. 20-21).
Para. ler necessitamos, simultaneamente, manejar
com destreza as habilidades de decodificação Kleiman enfatiza a importância desses conhecimentos prévios na
e aportar ao texto nos~os objetivos, idéias e compreensão da leitura:
experiências prévias (SOLE, 1998, p.23).
E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis
Para enfatizar a concepção interacionista de leitura, Kleiman de conhecimento que interagem entre si, a leitura
(2004) reitera a importância da interação à distância entre leitor e autor, é considerada um processo interativo. Pode-se
via texto. O leitor constrói e não apenas recebe um significado global dizer com segurança que sem o engajamento
do conhecimento prévio do leitor não haverá
para o texto, por meio da associação das marcas formais, formulação de compreensão (KLEIMAN, 2004, p. 13).
hipóteses e outras formas de processamento. Enquanto o autor busca
a adesão do leitor, apresentando os melhores argumentos, a evidência A autora afirma que esses três tipos de conhecimentos são
mais convincente, marcas formais mais claras, etc. armazenados na memória de longo prazo e, no momento da leitura,
são ativados pelo leitor, sendo fundamentais para a compreensão do
Kleiman (2004) acredita que o leitor constrói o sentido do texto, ao
texto. Entretanto, Solé (1998) defende que o professor deve utilizar
se utilizar, no momento da leitura, de seus conhecimentos prévios, que
estratégias, antes e durante a leitura, para ativar os conhecimentos
são informações ou conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida. O
prévios que os alunos têm internalizados.
conhecimento prévio compreende o linguístico, o textual e o de mundo
ou enciclopédico. O conhecimento linguístico é o conhecimento Assim, apresentamos, de forma resumida, as estratégias apresentadas
implícito que faz com que falemos português como falantes nativos e por Solé (1998), para ativar o conhecimento prévio dos alunos antes da
desempenha um papel central no processamento do texto, pois, sem ele, leitura: 1) dar alguma explicação aos alunos sobre o texto que será lido
a compreensão não é possível. De acordo com Kleiman (2004, p.13), (indicar sua temática: informar sua superestrutura textual - gênero
"abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar português, discursivo ou tipologia textual): 2) ajudar os alunos a prestar atenção

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locutores". E, ao se trabalhar a leitura pela perspectiva discursiva, temos


a determinados aspectos do texto (i1ust~açõe~ que acompanham d:
que ler não o texto, mas o discurso materializado nos textos.
escrita: títulos, subtítulos e enumerações: subhnhados, :nud:;Ç~S
letra palavras-chave, determinadas expressões do texto: intro ~?oe~ e A noção de discurso implica considerar as condições em que o
rescrnos): 3) conduzir os alunos a explicarem aspectos ou expenenClas discurso é produzido. Orlandi (2002) compreende as condições de
próprias sobre o tema do texto. produção em sentido estrito e em sentido amplo. Em sentido estrito,
Consideramos que as estratégias de leitura são importantes na englobam as circunstâncias da enunciação, ou seja, o contexto imediato
(tempo, lugar, interlocutores, imagens recíprocas). Já, em sentido
formação de leitores proficientes e críticos, visto que
amplo, as condições de produção abrangem o contexto sócio-histórico
[...] são necessárias para aprender a partir do q,:e se e o aspecto ideológico. .
lê mas também quando a aprendizagem se baselano
~e se escuta, no que se discute ou debate. Asslm~ Aautora exemplifica as condições de produção com o enunciado "vote
~ ensino de estratégias de compreensão, ,c~ntnbU1 sem medo!", escrito com letras brancas, em uma faixa preta colocada na
para dotar os alunos dos r,ecursos necessanos para entrada de uma Universidade, na época de eleições universitárias. Além
aprender a aprender (SOLE, 1998, p. 73).
do enunciado, a faixa também trazia uma explicação de que os votos
Kleiman (2004), pensando no ambiente escolar, considera a figura não seriam identificados, além do nome de entidades representantes de
do professor como constitutiva do processo de le~tura,. um~ ve~ .que funcionários e professores.
é um dos elementos fundamentais do contexto Im~dlato o e~or: Nesse exemplo, o contexto imediato é o campus onde a faixa foi
Dessa forma, são apontados dois caminhos para a ~çao do educa ::~ colocada, os interlocutores que a assinam, o momento das eleições
1) mediador entre leitor e autor, enfatizando a sua leitura do texto, p e o suporte material, que é a faixa. O contexto amplo é o modo como
o rece tor também é um interlocutor do texto, e normal~ente se nossa sociedade é formada, como se relacionam suas instituições e a
p!icio~a como intérprete do autor: 2) fornecedor de condições para própria universidade, o modo como elege seus representantes, como
estabelecer a interlocução leitor/autor. organiza o poder que distribui posições de mando e obediência. Além
C ., (2010) discute as três concepções anteriores e considera disso, também fazem parte do contexto a história e a reprodução dos
oracmi . . d r mais que incide elementos simbólicos, como a cor negra relacionada ao fascismo e à
a perspectiva interacionista limita a.uma vez que, po . . .
cora do texto pois mais que considere o leitor um SUjeito direita, segundo um imaginário que afeta os sujeitos em suas posições
e Iemen tos 1" h' ,. e políticas.
ti não há relevância para os aspectos sociais e lston~os qu
a~ ~eM
influenciam na leitura e, consequentemente, na compreen Orlandi (1993, p. 86) acredita que "a leitura é produzida em
interpretação.Nesse sentido, a au~ora propõe o trabalho em sala de aula condições determinadas, ou seja, em um contexto sócio-histórico que
com a concepção discursiva de leitura. deve ser levado em conta". Autor e leitor, introduzidos em um contexto
sócio-histórico-ideológico, são, portanto, produtores de sentido. A
A perspectiva discursiva produção de sentidos acontece em situações sempre novas. Logo, não
Aperspectiva discursiva de leitura se utiliza do referencial teóric~- é o texto que define as leituras, mas a posição da qual o sujeito fala.
,· da Análise de Discurso de linha francesa, teona Assim, para o trabalho com leitura em sala de aula, é preciso considerar
meto d o Ioglco 6 F e
id por Míchel Pechêux na década de 19 O, na rança, e s as condições de produção, de recepção e de circulação do texto, visto
d esenvo IVI a . A T d
reocu a com a historicidade presente no texto .. HOJ.e, a na ise o que essas condições são determinantes para a constituição do sentido.
biscur;o está consolidada como disciplina no mtenor dos estudos
~,
Pela perspectiva discursiva, tanto os leitores quanto os autores
linguísticos. . r do textosão considerados sujeitos. Mas o qu seria sujeito para a
O objeto de estudo dessa disciplina, como o próprio non:e diz, e o Análise do Discurso? O sujeito é aquel qu pr duz dts urs I P I' mo
. d fi id Pe'cheux (1997) "como efeito de sentidos entre
discurso, e m o por
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Plano Nacional de Formação de Professores, dlalogtcldadc entre II Educação
, O'ásíca c a U'ruversiidade:. compartilhando saberes
FORMAÇAO De PROPE SORES PARFOR E AS CONCEPÇÚES DE LEITURA

discurso, ao mesmo tempo em que é produzido por ~~ sujei~o, co?s~rói


É do contexto histórico-social que deriva a pluralidade possível das
sentidos que representam as posições sociais, hi~t~ncas e l.d~olog~cas
leituras, porém a leitura não está relacionada apenas com as condições
desse sujeito. E, provavelmente, a maior contradição d~ s~Jelto seja o
de produção do discurso, mas também com a história de leitura do
fato de produzir o discurso e simultaneamente ser constituído por esse
leitor, com as outras leituras e com o contexto de vida desse leitor:
discurso, afirma Brandão:

um sujeito social, históri~a e i?eologicamente


o mesmo leitor não lê o mesmo texto da mesma
maneira em diferentes momentos e em condições
situado que se constitui na mteraçao com o outro,'
distintas de produção de leitura, e o mesmo texto
Eu sou eu na medida em que interajo com o outro. E
é lido de maneiras diferentes em diferentes épocas,
o outro que dá a medida do.q~e ~u sou. A identidade
por diferentes leitores. É isso que entendemos
se constrói nessa relação dinâmica com a altendade
quando afirmamos que há uma história de leitura
(BRANDÃO, 2009, p. 8).
do texto e há uma história de leitura dos leitores.
(ORLANDI, 200S, p.62)
Como dissemos anteriormente, a leitura, pela persp~c~iva
discursiva, é concebida como um processo em que atuam dois sujeitos É importante considerarmos também que, de acordo com
que produzem sentido - o leitor e o autor. Cada um dele.s s: insere nu.m Orlandi (1993\ "algumas leituras são mais legítimas que outras. Essa
momen t o SOClO-
,. histórico , sendo ideologicamente constituídos, ouIseJa, legitimação ocorre de maneiras diferentes, de acordo com as várias
cada sujeito é inserido em uma conjuntura social, tomado em ugar instituições: na igreja cristã, a leitura legítima está a cargo do teólogo;
social, histórica e ideologicamente marcado. no Direito, a cargo do jurista, etc" (p. 87). Na escola, a legitimação fica
Além disso, ao considerarmos que o texto é lido e produzi~o por a cargo do professor, que retoma, em seu trabalho pedagógico, uma
leitura considerada ideal. No entanto, "muitas vezes a leitura ideal do
sujeitos inseridos sócio-historicamente em determinada sO_Cleda~:
devido a isso reflete marcas dessa sociedade, o texto nao po professor é fornecida pelo livro didático. A autonomia imediata, nesse
e que" . t parte caso, é o autor do livro didático adotado que, por sua vez, pode-se ter
ser lido apenas como estrutura material, ou sep, somen e como
sua história de leituras" (ORLANDI, 1993, p. 87).'
gramatical da língua.
Para Brandão a análise discursiva Com relação às leituras possíveis trabalhadas em sala de aula,
Coracini também aponta para a leitura do livro didático:
[ ] não se limita a um estudo puramente linguístico,
isto é, analisar só a parte gramatical da língua (a [...] raramente são permitidas, em aula, outras
palavra, a frase), mas leva em conta outro~ aspectos leituras que não sejam a do professor, ou melhor,
externos à língua, que fazem parte essenCl~1d,e~ma do livro didático que o professor lê e respeita como
abordagem discursiva: os elementos históricos, portador da verdade, como representante fiel da
sociais culturais, ideológicos que cercam a ciência, já que constitui, muitas vezes, o único
dução de um discurso e nele se refletem; o suporte teórico do conhecimento do professor e das
~;~aço que esse discurso ocupa em relação a o.utros aulas por ele ministradas (CORACINI, 2010, p. 19).
discursos produzidos e que circulam na comumdade
(BRANDAO, 2009, p.6). Entretanto, sabemos que cada leitor possui sua história de leitura, a
qual, na maioria das vezes, é diferente da história de leitura do autor do
Brandão acredita que, para compreender o senti~o de um discur~o, livro didático. Orlandi ainda ressalta que é importante que a escola, ao
devemos levar em conta o contexto histórico-social, o produto~ o elaborar as atividades de leitura, não consolide a hegemonia da classe
discurso, ~ leitor, o lugar de onde falam, a imagem que fazem ~e SI,ddo dominante, mas desperte a multiplicidade de sentidos que também
outro e do assunto. Nesse sentido, essas questões devem ser considera as exteriorizam a historicidade de outras classes.
pelo professor, quando for trabalhar a leitura em sala de aula.

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FORMAÇAO DE I'R PES ORES PARFOR E AS CONCEPÇOES DE LEITURA
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Destacamos ainda o trecho abaixo, retirado dos Parâmetros


Na próxima parte do texto, iremos abor.dar a. importâ.ncia da
Curriculares de Língua Portuguesa, em que se ressalta o papel do leitor
perspectiva interacionista e da perspectiva díscursiva de leitura na
como aquele que constrói sentidos do texto:
formação do leitor crítico.
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um
O leitor crítico e as perspectivas interacionista e trabalho ativo de compreensão e interpretação do
discursiva de leitura texto, apartir de seus objetivos, de seu conhecimento
sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe
O ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundame.ntal te~ como sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair
um dos objetivos a formação de leitores críticos. O leítor crítíco, de informação, decodificando letra por letra, palavra
acordo com Brandão (1994), é aquele que busca compreen~er o,te~to, por palavra. Trata-se de uma atividade que implica
dialogando e recriando sentidos implícitos nele, fazendo mfe~e~Clas, estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência.
estabelecendo relações e mobilizando seus conhecimentos prevlOs, a
É o uso desses procedimentos que possibilita
fim de dar coerência às possibilidades significativas do texto. controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar
decisões diante de dificuldades de compreensão,
Brandão, em relação à leitura, também afirma que: avançar na busca de esclarecimentos, validar no
A leitura como exercício de cidadania exige um texto suposições feitas (BRASIL, 1998, p. 69-70).
leitor privilegiado, de aguçada crit.i~idade, que,
num movimento cooperativo, mohilizando seus Além da perspectiva interacionista, também consideramos que
conhecimentos prévios (linguístico, textual e a concepção discursiva de leitura pode contribuir para a formação de
de mundo), seja capaz de preencher ?S vaz~os do leitores críticos, pelo fato de considerar os aspectos sócio-históricos e
texto' que não se limite à busca das íntençces do
ideológicos que envolvem os discursos e os sujeitos autor e leitor. As
auto: mas construa a significação global do texto
erc~rrendo as pistas, as indicações nele colocadas atividades de leitura abordadas pela perspectiva discursiva despertam
1..] que seja capaz de ultrapassar oslimites pontuaIS interpretações imprevistas, realizadas pelo leitor hi~tórico que atribui
de um texto e íncorporá-Io refleXIvamente n,o seu sentidos diferentes e possíveis ao texto. Enfatizamos que o texto não
universo de conhecimento de forma a levá-lo a encerra apenas um sentido, mas pode conter múltiplas interpretações.
melhor compreender seu mundo e seu semelha~te.
Cabe à escola o desafio da formação desse leitor A abordagem discursiva de leitura tem como premissa o fato de que
(BRANDÃO, 1994, p. 90). se deve ler o discurso e considera a leitura como prática de produção
de sentidos em sala de aula. Nas aulas de leitura, devemos levar em
Nesse sentido, acreditamos que as concepções in~eracion~sta e
conta que o aluno também é um sujeito inserido sócio-historicamente
discursiva de leitura possam contribuir para a form.açao de lel~ores
em determinada sociedade. Nesse caso, é importante compreender
críticos. Para nós, a contribuição da concepção interaclOms~a de leltu~a
a situação de comunicação que envolve autor e leitor, a situação de
está no fato de ela considerar as experiências e os c~nheClmentos o produção e o contexto histórico-social e ideológico.
leit Os sentidos do texto são construídos e reconstruidos, dependendo
eitor. di.
do materiallinguístico do texto e das inferências o eitor. Considerações finais
Concordamos com Koch e Elias (2006, p. 13) quando defend~m que O objetivo deste capítulo foi fazer uma reflexão sobre as concepções
" a leitura de um texto exige do leitor bem mais que o conhecimento de leitura que podem embasar o trabalho do pedagogo e do professor,
... ,. 1 d to da
do código linguístico, uma vez que o texto não e simp es pro u. " ao se trabalhar a leitura com os alunos dos anos iniciais. O professor
codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor pasSlvo . precisa ter claro que precisamos formar o leitor crítico, que é aquele que
dialoga e recria sentidos implícitos, faz inferências, estabelece relações
e se utiliza de seus conhecimentos, para se completar os vazios do texto,

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construindo novos significados. E consideramos que as perspectivas LEFFA, VilsonJ osé.Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística.
interacionista e discursivas de leitura podem ~ontribuir para a formação Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996.
desse leitor crítico. _____ .Perspectiva no estudo da leitura. Texto, leitor e interação social
LEFFA,_ Vilson José; PEREIRA, A. E. (Orgs.). Ensino de leitura ~
Diante disso, entendemos ser importante trabalharmos, na
~~~duçao textual: alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999, p. l3-
formação de professores no PARFOR, as diferentes concepções
de leitura e orientarmos para a importância de o professor ter
MORATTO, Rosi~ne. Cardoso dos Santos. Leitura Discursiva em
internalizadas as concepções de leitura interacionista e discursiva. A
vlogs:uma expenencia em sala de aula 2017 l38 f D' tacã
perspectiva interacionista considera os conhecimentos prévios do leitor (Profl eras,
t ) U' id d E
nrversi a esta
d " .,
ual de Maringá. Maringá, 2017.
isser açao
e sua relação com os dados fornecidos pelo texto, enquanto a discursiva
ORLANDI, EniPulcinelli. Discurso e leitura. São PauÍo: Cortez, 1993.
leva em conta os aspectos sócio-históricos e ideológicos que envolvem
os discursos e os sujeitos - autor e leitor. ---- __ . Análise de discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002.

Acreditamos que este estudo possa contribuir para a formação de ----.--. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 2. ed.
Campmas: Pontes: 2005.
professores da Educação Básica, uma vez que precisamos construir
caminhos que possibilitem a ressignificação das práticas de leitura em PERFEIT<;\ Alba Maria. Concepções de linguagem, teorias subiacentes e
sala de aula. Não podemos perder de vista que nosso aluno é um leitor ensmo de lmgua portuguesa. In:.MENEGASSI, RenilsonJosé; dANTOS,
~nllle Rose dos; RITTER, Lilian Cristina Buzato. Concepções de
ativo, que está inserido num momento sócio-histórico e, além disso, linguagem e ensino. Maringá: Eduern, 2010, p. 11-39.
possui suas experiências anteriores, seus conhecimentos prévios e
suas histórias de leituras. ~Ê~HEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do
óbvio. 3. ed. Campinas: Unicamp, 1997. -

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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos
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