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1
Parafraseio a proposta de Borne (1998:133).
2
Mattos (2006) apresenta a metáfora da aula como texto e do professor como autor
desse texto. Compreendendo a aula como atividade interativa, entendo que a aula tem
um autor principal, que lhe confere seu ritmo, e um coautor. Na aula canônica, o autor
principal é o professor, mas, se pensarmos na desinstitucionalização da escola, a autoria
da aula pode mudar de mãos.
3
O trabalho de campo realizou-se em duas escolas do Rio de Janeiro: uma da rede
pública e outra da rede privada.
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significado construído e aceito no senso comum escolar, estabelecem
perspectivas e propiciam determinadas ações por parte dos professores, na
busca de resolver seus problemas na sala de aula. Assim, compreendo que
a categoria bagagem, bem como as explicações que a detalham, devem ser
objeto, sem preconceito, da atenção do pesquisador.
Tendo como referência as explicações oferecidas pelos professores da escola
pública, busquei conhecer e compreender como os alunos, com suas bibliote-
cas ou bagagens, interagiam com a linguagem específica da aula de história.
Procurei indicadores de sua inserção na cultura escrita e possíveis efeitos dessa
inserção no processo de interação da aula. Seguramente a categoria bagagem
envolve mais do que a inserção na escrita, sendo o conjunto da experiência do
aluno no mundo, escrito ou não. Mas, na pesquisa, essa foi uma escolha espe-
cialmente provocada pelo fato de a história ser ensinada e aprendida numa
forte relação com a escrita, o que mencionarei adiante. Por conta das explica-
ções apresentadas pelos professores, também fiz o movimento de compreender
como ocorria a rememoração dos conteúdos trabalhados. No ensino de histó-
ria, a escrita das tarefas escolares se apresenta como tecnologias da memória.6
Posteriormente, realizei investigação semelhante numa escola particular,
em condições potencialmente diversas daquelas encontradas na escola pú-
blica para a compreensão nas aulas de história. Naquela escola os professo-
res não apontavam a compreensão dos alunos como um problema geral,
entendendo que apenas alguns alunos apresentavam rendimento inferior ao
da turma, o que era atribuído a dificuldades de aprendizagem específicas,
ou então a desinteresse dos mesmos ou de suas famílias. Procurei conhecer
4
Essa expressão é de inspiração etnográfica e nesse contexto tem a ver com as represen-
tações dos professores a respeito do que acontece em suas aulas, sobre o que eles elabo-
ram, teorias ou categorias nativas que devem ser consideradas como tais, já que mobili-
zam sua ação e suas novas hipóteses sobre o ensino e a aprendizagem possível (ver
Malinowski, 1976).
5
Senso comum, de acordo com proposta de Hersfeld (1997), é considerado aqui como
o que é natural para as pessoas de uma mesma cultura.
6
Le Goff, 2003:419-476.
7
Conforme conceitua Soares (1998).
8
Responderam ao questionário cerca de 166 alunos (de cinco turmas) da escola públi-
ca e 60 alunos (de três turmas) da escola particular. Para conhecer a caracterização das
escolas e clientela, ver Rocha (2006).
9
Ibid.
10
Bakhtin, 1992.
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a disciplina história. Por conta disso inseriu-se no questionário dos alunos
uma pergunta sobre a fi nalidade do estudo da história e cuja resposta é
analisada aqui.
A partir dessas premissas e esclarecimentos, o texto se divide em duas
partes. Na primeira, apresento alguns dados da pesquisa no que se refere
à fi nalidade do estudo da história para os alunos. Alio à análise algumas
considerações de professores e alunos sobre como viam o processo de
ensino-aprendizagem de história e o que esperavam uns dos outros nesse
processo. Na segunda parte refl ito sobre a rememoração de temas estu-
dados pelos alunos nas aulas acompanhadas durante a pesquisa, também
informada através do questionário citado. Em ambas as partes estabeleço
um diálogo entre as representações e expectativas de professores e alunos
e algumas posições historiográficas sobre o tema, considerando a possi-
bilidade de constituição de comunidades de sentido a partir da aula de
história.
11
Para mais detalhes acerca da caracterização dos alunos das escolas pesquisadas, ver
Rocha (2006). Sobre as possibilidades de elaboração de perfi l social a partir de indicado-
res econômicos, profissionais e educacionais, ver Lahire (2002:11); Cerutti (1998:234).
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com um fi m em si mesmo, de estudar algo. Eles parafraseiam o que seus
professores defi nem como história, como o estudo do passado, mais ou
menos remoto. Assim, constituem uma tautologia, prática escolar de repe-
tição sempre presente em exercícios escolares. Para que se estuda esse pas-
sado não representa uma questão para esses alunos. O segundo grupo esta-
belece para o estudo da história o lugar de dever escolar ou propiciador de
oportunidades futuras.
Tais pontos de vista indicam um problema para o ensino de história.
Parte relevante dos alunos da escola pública não consegue explicar para
que estuda história com palavras que ultrapassem o que lhes foi falado
na aula. Outro tanto considera que só se estuda história para outros fi ns,
não relacionados ao conhecimento em questão; e para alguns esse estu-
do não tem valor em si, como uma aquisição relevante para sua biblio-
teca. Como participar de uma comunidade de sentidos propiciada pela
história?
Buscando estabelecer uma relação entre compreensão e atribuição de
sentidos para a disciplina, conversei com os alunos em mais de uma oca-
sião. Eles afi rmaram que alguns de seus professores não davam explica-
ções, fazendo apenas leitura (comentada). De fato, na escola pública ob-
servada predominou essa estratégia didática, com poucos momentos de
explicação ou diálogo, práticas mais presentes na escola particular pes-
quisada. Os professores da escola pública atribuem essa característica de
suas aulas à sua avaliação sobre a capacidade de leitura de seus alunos.
Eles não possuem a competência de leitura autônoma necessária para que
essa atividade seja realizada fora da aula, em tarefas de casa.12 Os profes-
12
Lahire (1997:54-55) explica a recorrência da autonomia como categoria valorizada
pelos professores para defi nir o sucesso ou fracasso dos alunos. Ele defi ne a autonomia
como autodisciplina corporal (saber conter desejos, portar-se bem, ficar calmo, escutar,
levantar a mão antes de falar, imprimir regularidade ao trabalho, ao esforço etc.) e como
autodisciplina mental (saber fazer os exercícios sozinho, fazer leitura silenciosa e resol-
ver por si mesmo um problema, saber se virar sozinho ao fazer um exercício escolar
somente com as indicações escritas etc.).
gua escrita nas séries iniciais do ensino fundamental, por problemas es-
colares ou familiares.
Do meu ponto de vista, de fato, uma parcela dos alunos, que varia de
turma para turma, por suas especificidades de trajetória escolar, apresen-
ta problemas relativos ao letramento e, mais especificamente, à alfabeti-
zação, o que não desenvolverei aqui. Para além das explicações ofereci-
das, essa opção pela leitura como principal estratégia didática acarreta
implicações relativas à compreensão. Ou seja, entra como uma nova con-
dição para a não compreensão. Se já existe um problema, essa estratégia
adotada pelos professores exclui a possibilidade de ocorrerem explicações
que aproximem o conteúdo programático da aula dos conhecimentos já
existentes no repertório desse aluno, em sua bagagem ou biblioteca. Isso
ocorre inclusive porque o tempo da aula é consumido predominante-
mente em leituras e exercícios de recuperação do que foi lido.13 Assim, as
formas de ensinar dos professores parecem constituir uma condição im-
portante não só para a compreensão dos conteúdos programáticos, mas
também para a atribuição de sentidos ao estudo de história para além do
dever escolar.14
Vejamos as respostas dos alunos da escola particular. Eles são originá-
rios de segmentos sociais médios e altos, com pais profissionais liberais
(advogados, médicos, dentistas) e funcionários públicos ( juízes, professo-
res, petroleiros), que têm formação universitária, muitos deles em nível de
pós-graduação.15 Como se apresentam as respostas à mesma pergunta nes-
sa escola?
13
Para conhecimento detalhado das práticas didáticas e do que denomino circuito da
aula, o conjunto das atividades realizadas e propostas pelos professores na aula, ver Ro-
cha (2006).
14
Em pesquisa sobre as representações de alunos, Marilda Silva (2002) apresenta expli-
cação semelhante.
15
Ver nota 11.
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Finalidade do estudo da história: escola particular
16
Bourdieu (1998b) pensou a noção de capital cultural como uma hipótese para dar
conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes
classes sociais. Ele diferencia três estados do capital cultural, o incorporado (resultado
de um esforço pessoal de internalização), o objetivado (sob a forma de bens culturais
materiais) e o institucionalizado (como os certificados).
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tórias, conversam sobre assuntos semelhantes, com diferenças de preferên-
cias relativas à faixa etária.
A bagagem do aluno, como repertório ou capital cultural, envolve uma
experiência familiar e escolar que possibilita apropriar-se de um léxico
ampliado mais característico da linguagem escrita, em seu processo de le-
tramento.17 A faceta específica de alfabetização, nesse letramento, contri-
bui especialmente no que se refere ao domínio proficiente da escrita e da
leitura, o qual é generalizado nessa escola. Na escola pública, muitos alu-
nos que chegam ao sexto ano ainda não o possuem.
Destacou-se ainda, na observação da sala de aula, a disponibilidade dos
alunos para a realização de tarefas, evidenciando sua incorporação do ofí-
cio de aluno.18 Habitualmente os professores passavam tarefas de casa, que
requeriam leitura e realização de exercícios, além de tarefas extras, como
redações e outros trabalhos. O ofício de aluno tem a ver com o compro-
misso (explicitado ou não) com as tarefas estabelecidas na rotina escolar:
tarefas de casa, tempo para estudo, realização de trabalhos, aplicação nos
estudos para realização de trabalhos e provas. Ele é decorrente de um en-
volvimento que passa pela escola, atribuindo tarefas, mas também pela
família, ao cobrar do aluno que as execute, e pelo aluno, por ser importan-
te para a realização de tais atividades e rotinizá-las em seu tempo pessoal.19
Essa disponibilidade também tem forte relação com o letramento, pois os
alunos não conseguem realizar tarefas que requeiram a escrita se não tive-
rem proficiência nela.
17
Bourdieu (1998a), em sua elaboração sobre as desigualdades sociais e a escola, eviden-
cia os contrastes entre as características linguísticas dos alunos e as das tarefas escolares.
18
Ofício de aluno é o conjunto de práticas, delimitadas por normas e sanções escolares,
que caracterizam o aluno na relação de ensino-aprendizagem formal. Ver Perrenoud
(1995); Lahire (1997).
19
Na sociologia, alguns autores já vêm observando o quanto a diferença de investimen-
to familiar, o que passa por destinação de tempo e espaço para o estudo, a valorização
das tarefas escolares e outras práticas podem contribuir para a produção do ofício de
aluno. Ver Lahire (1997:28); Bernardin (2003).
20
Dilthey apresenta a distinção de que se compreende o homem, e explica-se a natu-
reza. Como os objetos das ciências da natureza são distintos dos das ciências humanas,
também seus objetivos e vias do conhecimento não poderiam ser os mesmos. A forma
de inteligibilidade própria da história seria a do sentido, sendo sua abordagem indireta,
restrita à compreensão ou interpretação. Mesmo considerando a pertinência da distin-
ção, o contraste absoluto entre essas duas categorias vem sendo refutado. Para uma ar-
gumentação neste sentido, ver Prost (2008:138-140).
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de ensinar e aprender história, pois uns e outros estão em polos opostos do
processo de conhecimento, com representações e expectativas diversas.
Para tratar das formas de ensinar e aprender história, busquemos uma
tipologia sobre a compreensão proposta por L. Mink, fi lósofo americano.
Ele afirma que a compreensão humana abarca três modalidades: a teórica,
a categorial e a configuracional, de acordo com o objeto de conhecimento.
O interesse aqui é pela caracterização da compreensão configuracional:
21
Apud Lima (1988:82-83).
ser feito por qualquer pessoa que relata algo que vivenciou, um jornalista,
um professor ou um historiador. Imaginemos um acontecimento contado
na perspectiva de cada um desses sujeitos. Seguramente os eventos, os con-
ceitos, as explicações dessas pessoas seriam diversas, com pontos de coinci-
dência relativos aos elementos factuais do relato. A narrativa histórica (como
qualquer narrativa) requer o modo configuracional de compreensão, visan-
do constituir o significado de mudanças em objetos diversos.
Professores e alunos compartilham da percepção de que “são muitos
conhecimentos para compreender e memorizar: datas, nomes, lugares,
acontecimentos, relações de causalidade, simultaneidade, sucessão, proces-
sos, conceitos”. O modo configuracional de compreensão, tal como des-
crito, sugere uma boa explicação para as possíveis dificuldades na assimila-
ção do conhecimento histórico, dada a necessidade de estabelecer relações
entre os componentes desse conhecimento em sua natureza heteróclita,
por parte de quem explica e por parte de quem aprende. Outros autores,
como Jön Rüsen (2007) e Antoine Prost (2008), atualizam a descrição do
conhecimento histórico e permitem compreender melhor essa composição
heterogênea do conhecimento histórico.
Rüsen propõe três formas de elaboração do conhecimento histórico: a
nomológica, a intencional e a narrativa. A estrutura nomológica, envolvida
na ambição de cientificidade para a história, buscaria descobrir ou utilizar
leis históricas, tal como no positivismo e no marxismo. A intencional pro-
cura explicar os atos praticados indicando as razões que possam ter orienta-
do esses atos. E a narrativa seria ao mesmo tempo outra forma de organizar
o conhecimento histórico através de histórias e também uma forma de
conferir inteligibilidade à forma nomológica e à intencional.22 De certo
modo, podemos dizer que o conhecimento histórico escolar é legatário
dessas diversas formas de elaborar e apresentar tal conhecimento.23
22
Prost (2008:225) afi rma que a explicação e a argumentação são próprias da narrativa
histórica, concordando, de certo modo, com Rüsen.
23
Rüsen, 2007:23-25.
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ponentes (acontecimentos, personagens, datas e locais), o que é próprio do
modo configuracional, mas também verticalidade, ao buscar explicar pro-
cessos à luz de causas, conceitos e leis. Assim, a narrativa histórica constitui
uma linguagem social com especificidades que extrapolam a narrativa fic-
cional, requerendo do professor, para que tenha êxito em suas explicações,
a habilidade de compartilhar “modos de ver as coisas juntas”, os quais en-
volvem a interpretação compartilhada do modo configuracional, ou seja,
dos modos de ver as coisas juntas, e generalizações próprias dos modos
teórico e categorial de compreender, segundo a proposta de Mink ante-
riormente referida.
Aprender determinado modo de articulação do conhecimento requer
socializar conexões que são estabelecidas na linguagem. Se meu aluno não
possui repertório discursivo semelhante ao meu, o que inclui o domínio de
determinada linguagem social e o que ela carrega — léxico e sintaxe espe-
cíficos, contextos e modalidades de uso próprios —, como pode ele esta-
belecer coerência entre coisas desconexas e díspares? Sugiro que a resposta
está em transitar em direção a sua linguagem.
Sobre a relação com o mesmo e o outro no que se refere ao conheci-
mento histórico, Henri Marrou (1975) afi rma:
Tal afi rmação nos leva a pensar tanto na relação entre a biblioteca do
aluno e o conhecimento histórico estabelecido como na relação entre as
bibliotecas do professor e dos alunos. Jerome Bruner (2000:14) afi rma
que “a narrativa é forma privilegiada de conhecimento, sendo através
Memória ou rememoração?
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tecimentos, nomes e datas. Mas será possível ensinar história sem exigir
dos alunos a capacidade de memorização, levando em conta que a massa
de informações que se utiliza para realizar uma análise histórica é bem
extensa? Recordemos que o modo de configuração da compreensão do
conhecimento histórico apresenta como especificidade a articulação de
informações desconexas, até que se atribua sentido ao conjunto. Se essas
informações não forem minimamente retidas, a compreensão também
não ocorrerá.24
Vejamos a síntese do que os alunos dizem sobre o que lembram, ou não,
das aulas de história no momento da pesquisa:
Tabela 3
Síntese das respostas sobre temas em estudo: escola pública
A pergunta feita aos alunos era: “qual é o assunto que você está estu-
dando na aula de história?”. Tema pertinente significa o título da unida-
de ou qualquer palavra pertencente ao campo semântico do tema trata-
do, e tema impertinente, aquele que não tem nenhuma aproximação
com o tema da unidade. Vemos que, na maioria das turmas, os alunos
24
Lieury (1997:79-88) afi rma ser um equívoco a escola desvalorizar a memória e so-
brevalorizar o raciocínio. Pesquisas mostram que, para algumas disciplinas, o raciocínio
é mais preponderante como fator de sucesso na aprendizagem, enquanto para outras a
memorização é um fator mais forte, por sua vinculação com a linguagem verbal.
Tabela 4
Detalhamento dos temas em estudo: escola pública
A questão era: “fale o que você se lembra sobre o assunto que está estu-
dando”. Os alunos responderam, em regra, com uma frase. Enquanto 65
alunos conseguiram detalhar minimamente o que foi estudado, 80 não se
lembraram ou detalharam outros temas. E 11 alunos apenas conseguiram
repetir o tema apresentado na resposta anterior. Há que se considerar que
a tarefa de síntese não é das mais fáceis, pois envolve a articulação entre
eventos ou conteúdos. Por conta disso foram aceitas alusões e respostas
fragmentárias. Percebemos que o número de alunos que conseguem fazer
essa síntese rememorativa é bem inferior ao da primeira pergunta. Assim,
lembrar palavras-chave do conteúdo é mais comum do que lembrar as re-
lações entre elas.
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perguntas:
Tabela 5
Síntese das respostas sobre temas em estudo: escola particular
Tabela 6
Detalhamento sobre temas em estudo: escola particular
va.25 Assim, vemos uma relação entre memória e compreensão que resulta
em mais compreensão. Na escola particular, contribuíram para esse resulta-
do tanto as explicações dos professores, já comentadas, quanto a biblioteca
que alunos e professores trazem para a aula. Lembremos que nessa escola os
professores afirmam que os alunos possuem uma bagagem. Por que a baga-
gem do aluno contribui para seu grau de compreensão e memorização?
As três condições apontadas anteriormente como essenciais para a com-
preensão — repertório cultural; letramento, traduzido pelo domínio pro-
ficiente da leitura e da escrita e pela realização das tarefas (escritas); e efe-
tivação do ofício de aluno — também propiciam a memorização porque a
rememoração de informações compreendidas é mais fácil de ocorrer pelas
relações estabelecidas entre elas. Ou seja, porque a forma de juntar coisas
aparentemente sem nexo propicia a compreensão e a rememoração do con-
junto formado na narrativa.
As representações que os professores constroem sobre a bagagem do
aluno, com ênfase na condição letrada, determinam escolhas de formas de
organização das aulas, com uma carga maior ou menor de leitura em sala
e, por conseguinte, maior ou menor investimento na interação oral, seja
em exposições orais, seja em diálogos em torno dos temas tratados; e, ain-
da, maior ou menor quantidade de tarefas escolares a serem feitas pelo
aluno e que incluem leitura e escrita como tecnologias da memória. O
retorno consciente e metódico no ofício do aluno aos conteúdos trabalha-
dos atua como tecnologia da memória, para a recuperação, organização e
memorização de uma quantidade expressiva de informações. Relacionadas
pelo sentido, tais informações vão contribuir para a compreensão da histó-
ria em sua longa narrativa.
Le Goff (2003) elabora a relação intrínseca entre memória e escrita, mos-
trando como, ao longo de séculos, a memória individual e a social — ou,
25
A memória verbal, que é a memória da linguagem verbal, é a síntese da memória
lexical (da morfologia das palavras) e da memória semântica (do sentido das palavras).
Ver Lieury (1997:107).
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meio de desenhos, ícones, escrita) quando a mente humana já não consegue
documentar e registrar tudo o que considera importante através da memó-
ria. A partir do surgimento da escrita, expressão da memória artificial, e
com a criação da escola, passa a haver a educação da memória através de
técnicas mnemônicas que incluem a leitura e a escrita entre seus recursos.
Se concordarmos com Halbwachs, quando afirma que “a memória in-
dividual não é possível sem instrumentos, como palavras e ideias, os quais
não são inventados pelos indivíduos, mas tomados emprestados de seu
meio, e que tudo o que nos lembramos do passado faz parte de construções
coletivas do presente”,26 teremos de levar em conta os instrumentos de que
dispõem os alunos para constituírem sua memória individual e sua memó-
ria social, e que podem ser evocados ou não pelo professor.
26
Apud Santos, 1998.
cepção compartilhada dos textos, pelo único fato de que, sem a certe-
za de sentido, não haveria nem ensino possível, nem aprendizagem.
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27
de ensino público.
Vimos que a bagagem do aluno é uma categoria nativa com poder ex-
plicativo a ser considerada sem preconceito, contribuindo fortemente para
a defi nição das formas de ensinar dos professores. Mas é preciso pensar
também sobre a bagagem do professor. Entendo que ela precisa constar de
uma reflexão permanente dos formadores de professores sobre a natureza
do conhecimento histórico escolar, bem como sobre os modos de ensinar
e de aprender na aula de história hoje. Só a partir de uma compreensão
efetiva do conhecimento histórico escolar em sua característica de produto
da interação entre professor, aluno e conhecimento histórico tal como
chega à sala de aula poderemos criar melhores condições para a livre esco-
lha das comunidades de sentido propiciadas pela história.
27
Para mais detalhes sobre esse processo de precarização, ver Rocha (2007).