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1. A Filiação
1.1 Noção
Em sentido estrito, a filiação é uma espécie de relação de parentesco, definindo-se como a relação
juridicamente estabelecida entre as pessoas que procriam e aquelas que foram geradas (1796º).
Em sentido amplo, a filiação corresponde quer a relação jurídica familiar constituída pela procriação quer a
relação que, não tendo origem no fenómeno da procriação, produza efeitos similares.
Existem 3 modalidades de filiação, sendo elas a filiação biológica, a adoção e a filiação por PMA.
A filiação biológica é aquela que decorre do fenómeno da procriação, identificando-se com o parentesco no 1º
grau da linha reta. O estabelecimento da filiação, tem eficácia retroativa, produzindo efeitos entre os sujeitos
desde a data do nascimento do filho, 1797º/2.
Deriva de ato sexual é a forma clássica e mais corrente de filiação, 1796º e 1873º.
A adoção é um vínculo constituído por sentença judicial, proferida no âmbito de um processo especialmente
instaurado para o efeito, que, independentemente dos laços de sangue, cria direitos e deveres paternofiliais
entre duas pessoas.
A filiação biológica é a principal modalidade de filiação e a filiação adotiva e por PMA heteróloga são
modalidades subsidiárias. No quadro da constituição do vínculo da filiação, a referência à verdade biológica
ocorre tradicionalmente a propósito do estabelecimento da filiação e procura exprimir uma tendência visível
no nosso ordenamento.
O 1586º distingue a adoção da “filiação natural” com base nos laços de sangue. O 1796º/1, no pressuposto de
que a maternidade de gestação coincide com a genética, preceitua que, relativamente à mãe, a filiação resulta
do facto do nascimento. A constituição da filiação adotiva é dificultada pela exigência de um conjunto de
requisitos que contribuem para a sua, por enquanto, diminuta expressão estatística. A filiação por PMA
heteróloga é uma modalidade limitada, por um lado, porque o ato sexual continua a ser a causa largamente
predominante dos nascimentos, e por outro lado, porque no seio da própria procriação assistida, razoes éticas
e outras, tem levado à defesa de uma utilização excepcional dos processos heterólogos relativamente aos
homólogos.
O 1796º distingue entre estabelecimento da filiação quanto à mãe, maternidade, e estabelecimento da filiação
quanto ao pai, paternidade.
A maternidade jurídica resulta do facto do nascimento, sendo que a declaração de maternidade é o modo
normal de estabelecer a maternidade (1814º). A indicação da maternidade efetuada pela própria mãe
corresponde à declaração de maternidade em sentido restrito, sendo que esta está normalmente conexa com a
declaração de nascimento (1803º.1 e 122º.1 CRC).
A verdadeira causa para haver investigações oficiosas para determinar a paternidade é assegurar um ambiente
familiar normal, de modo a propiciar o desenvolvimento integral e harmonioso da criança.
Caso não se consiga determinar a paternidade, o Estado assegura especial proteção às crianças órfãs,
abandonadas ou privadas de um ambiente familiar normal, segundo o artigo 69º/2 da Constituição da
República Portuguesa.
A busca da descoberta da verdade biológica de um indivíduo possui uma componente de interesse do Estado e
da ordem pública.
A averiguação da paternidade pode ser alcançada através de três tipos de ação de investigação: a paternidade
presumida (1871), da exclusividade das relações sexuais e através de exames laboratoriais.
Segundo o número 2 do artigo 1871º introduz a ideia de que a presunção seria afastada quando existam sérias
dúvidas sobre a paternidade do pretenso pai.
Quanto ao terceiro tipo de ação pode-se afirmar que na atualidade centram-se nos testes de ADN. O progresso
científico modificou a investigação relativa à prova da filiação. O ADN é qualificado como uma impressão
digital genética pelas suas capacidades de identificar uma pessoa, não havendo possibilidade de existirem
duas iguais.
Por testes de ADN entende-se o estudo que compara o genoma do filho com o do pretenso pai, afirmando com
quase certeza absoluta se aquele é o pai biológico da criança. Assim, tal como demonstra o artigo 1801º nos
casos de filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos
cientificamente comprovados.
Assim, é necessário haver um juízo de ponderação assente num princípio da proporcionalidade entre, a
intromissão na vida e na intimidade do investigado e dos seus familiares, e na finalidade processual
perseguida (referente à personalidade social do investigante e os seus eventuais direitos oriundos da
paternidade investigada).
Não obstante ao prestígio do direito à filiação, não é menos importante e igualmente fundamental o respeito
social e jurídico à dignificação da pessoa humana, porque não há como esquecer da existência de 2 verdades
no processo de investigação de paternidade.
Para que seja possível analisar o ADN de determinado indivíduo, este tem de consentir que lhe seja feita uma
picada para a recolha de sangue, que seja arrancado um fio de cabelo pela raiz, que se proceda à recolha de
saliva ou ainda que lhe retire uma ponta de uma unha.
Um dos problemas levantados pela realização aos testes de ADN é precisamente a recusa do pretenso pai aos
referidos testes, alegando em sua defesa a violação do direito à integridade física (art. 25.º da CRP).
No entanto, e ainda que se entenda existir lesão, esta sempre deverá ser considerada irrelevante, tendo em
conta a não afetação do núcleo essencial do direito à integridade física, e a ponderação com outros bens em
conflito
Mesmo admitindo que estamos perante uma restrição do direito à integridade física, esta encontra-se
justificada, por se poder entender ser causa adequada. Assim, na circunstância em que o pretenso pai não
aceita ser sujeito aos testes de ADN e não se verifique uma imposição coativa da realização destes testes,
então terá que ficar sujeito à inversão do ónus da prova. De acordo com o Acórdão do STJ de 23 de fevereiro
de 2012, “[s]endo ilegítima a recusa de submissão do investigado a exame hematológico e não podendo o
tribunal usar meios coercitivos para a sua realização, haverá lugar, para além de multa, à inversão do ónus da
prova”.
O investigado violaria o dever de cooperação para a descoberta da verdade, consagrado pelo art. 519º do CPC,
passo a citar.
3. Conclusão
Tendo em conta tudo isto e observando também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2012,
identifico-me com a posição de que aquele que culposamente se recusar a submeter a testes de ADN, fica
onerado com o encargo de provar que não é o pai (334º/2). Assim, na minha opinião, o direito à integridade
pessoal, em ação de investigação pessoal tem de ceder perante o direito à identidade pessoal e genética do
filho (26º CRP).
“Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta
da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o
que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios
coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para
efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo
344.º do Código Civil.”