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A Realização Coerciva da Prova de Filiação

1. A Filiação

1.1 Noção

Em sentido estrito, a filiação é uma espécie de relação de parentesco, definindo-se como a relação
juridicamente estabelecida entre as pessoas que procriam e aquelas que foram geradas (1796º).

Em sentido amplo, a filiação corresponde quer a relação jurídica familiar constituída pela procriação quer a
relação que, não tendo origem no fenómeno da procriação, produza efeitos similares.

1.2. Modalidades de Filiação

Existem 3 modalidades de filiação, sendo elas a filiação biológica, a adoção e a filiação por PMA.

1.2.1. Filiação Biológica

A filiação biológica é aquela que decorre do fenómeno da procriação, identificando-se com o parentesco no 1º
grau da linha reta. O estabelecimento da filiação, tem eficácia retroativa, produzindo efeitos entre os sujeitos
desde a data do nascimento do filho, 1797º/2.

Deriva de ato sexual é a forma clássica e mais corrente de filiação, 1796º e 1873º.

1.2.2. Filiação Adoptiva

A adoção é um vínculo constituído por sentença judicial, proferida no âmbito de um processo especialmente
instaurado para o efeito, que, independentemente dos laços de sangue, cria direitos e deveres paternofiliais
entre duas pessoas.

A constituição do vínculo de adoção não tem caráter retroativo.

1.2.3. Filiação por PMA heteróloga

A Procriação Medicamente Assistida agrupa o conjunto de técnicas destinadas à formação de um embrião


humano sem intervenção do ato sexual. Caracterizam-se como técnicas as previstas no art. 2º/1 da LPMA
(Lei nº 32/2006, 26 de julho).
Constitui-se mediante o consentimento da parte que irá assumir a posição jurídica de pai, independentemente
dos laços de sangue e sem que tenha havido uma sentença de adoção. Trata-se de uma relação familiar
inominada. 1839º/3. Reveste de caráter retroativo.

1.3. Critério Biológico

A filiação biológica é a principal modalidade de filiação e a filiação adotiva e por PMA heteróloga são
modalidades subsidiárias. No quadro da constituição do vínculo da filiação, a referência à verdade biológica
ocorre tradicionalmente a propósito do estabelecimento da filiação e procura exprimir uma tendência visível
no nosso ordenamento.

O 1586º distingue a adoção da “filiação natural” com base nos laços de sangue. O 1796º/1, no pressuposto de
que a maternidade de gestação coincide com a genética, preceitua que, relativamente à mãe, a filiação resulta
do facto do nascimento. A constituição da filiação adotiva é dificultada pela exigência de um conjunto de
requisitos que contribuem para a sua, por enquanto, diminuta expressão estatística. A filiação por PMA
heteróloga é uma modalidade limitada, por um lado, porque o ato sexual continua a ser a causa largamente
predominante dos nascimentos, e por outro lado, porque no seio da própria procriação assistida, razoes éticas
e outras, tem levado à defesa de uma utilização excepcional dos processos heterólogos relativamente aos
homólogos.

A prevalência do critério biológico no estabelecimento da filiação decorre, nomeadamente, da forma como a


lei contrapõe a filiação em sentido estrito à adoção, do que se prescreve quanto ao estabelecimento da
maternidade.

1.4. A distinção entre o estabelecimento de maternidade e da paternidade

O 1796º distingue entre estabelecimento da filiação quanto à mãe, maternidade, e estabelecimento da filiação
quanto ao pai, paternidade.

A maternidade jurídica resulta do facto do nascimento, sendo que a declaração de maternidade é o modo
normal de estabelecer a maternidade (1814º). A indicação da maternidade efetuada pela própria mãe
corresponde à declaração de maternidade em sentido restrito, sendo que esta está normalmente conexa com a
declaração de nascimento (1803º.1 e 122º.1 CRC).

Na matéria de estabelecimento da paternidade segue-se o sistema da presunção, para os filhos dentro do


casamento, segundo o artigo 1796º/1, e o sistema de reconhecimento. Do artigo 1847º decorre que o
reconhecimento da paternidade efetua-se por 2 formas, a perfilhação ou reconhecimento voluntário e o
reconhecimento judicial ou decisão judicial em ação de investigação.
2. Prova de Filiação

2.1. Causas para ações de investigação da paternidade

A verdadeira causa para haver investigações oficiosas para determinar a paternidade é assegurar um ambiente
familiar normal, de modo a propiciar o desenvolvimento integral e harmonioso da criança.

Caso não se consiga determinar a paternidade, o Estado assegura especial proteção às crianças órfãs,
abandonadas ou privadas de um ambiente familiar normal, segundo o artigo 69º/2 da Constituição da
República Portuguesa.

A busca da descoberta da verdade biológica de um indivíduo possui uma componente de interesse do Estado e
da ordem pública.

2.2. Formas de demonstrar a procriação biológica

A averiguação da paternidade pode ser alcançada através de três tipos de ação de investigação: a paternidade
presumida (1871), da exclusividade das relações sexuais e através de exames laboratoriais.

Segundo o número 2 do artigo 1871º introduz a ideia de que a presunção seria afastada quando existam sérias
dúvidas sobre a paternidade do pretenso pai.

Quanto ao terceiro tipo de ação pode-se afirmar que na atualidade centram-se nos testes de ADN. O progresso
científico modificou a investigação relativa à prova da filiação. O ADN é qualificado como uma impressão
digital genética pelas suas capacidades de identificar uma pessoa, não havendo possibilidade de existirem
duas iguais.

Por testes de ADN entende-se o estudo que compara o genoma do filho com o do pretenso pai, afirmando com
quase certeza absoluta se aquele é o pai biológico da criança. Assim, tal como demonstra o artigo 1801º nos
casos de filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos
cientificamente comprovados.

Os testes de ADN vieram revolucionar e mesmo facilitar os processos de averiguação de paternidade,


podendo afirmar com uma certeza de quase 100% que aquele é o pai biológico daquela criança.

2.3. Os Problemas Suscitados pela Prova de Filiação


O direito à integridade pessoal, entre nós regulado pelo artigo 25º da CRP, constitui um modelo de defesa da
personalidade contra ameaças e agressões, que se traduzam em lesões da integridade física e psíquica das
pessoas. Também é suscitado o problema de intromissão na vida privana.

Assim, é necessário haver um juízo de ponderação assente num princípio da proporcionalidade entre, a
intromissão na vida e na intimidade do investigado e dos seus familiares, e na finalidade processual
perseguida (referente à personalidade social do investigante e os seus eventuais direitos oriundos da
paternidade investigada).

Não obstante ao prestígio do direito à filiação, não é menos importante e igualmente fundamental o respeito
social e jurídico à dignificação da pessoa humana, porque não há como esquecer da existência de 2 verdades
no processo de investigação de paternidade.

2.4 - Recusa à sujeição dos testes de ADN

Para que seja possível analisar o ADN de determinado indivíduo, este tem de consentir que lhe seja feita uma
picada para a recolha de sangue, que seja arrancado um fio de cabelo pela raiz, que se proceda à recolha de
saliva ou ainda que lhe retire uma ponta de uma unha.

Um dos problemas levantados pela realização aos testes de ADN é precisamente a recusa do pretenso pai aos
referidos testes, alegando em sua defesa a violação do direito à integridade física (art. 25.º da CRP).

No entanto, e ainda que se entenda existir lesão, esta sempre deverá ser considerada irrelevante, tendo em
conta a não afetação do núcleo essencial do direito à integridade física, e a ponderação com outros bens em
conflito

Mesmo admitindo que estamos perante uma restrição do direito à integridade física, esta encontra-se
justificada, por se poder entender ser causa adequada. Assim, na circunstância em que o pretenso pai não
aceita ser sujeito aos testes de ADN e não se verifique uma imposição coativa da realização destes testes,
então terá que ficar sujeito à inversão do ónus da prova. De acordo com o Acórdão do STJ de 23 de fevereiro
de 2012, “[s]endo ilegítima a recusa de submissão do investigado a exame hematológico e não podendo o
tribunal usar meios coercitivos para a sua realização, haverá lugar, para além de multa, à inversão do ónus da
prova”.

O investigado violaria o dever de cooperação para a descoberta da verdade, consagrado pelo art. 519º do CPC,
passo a citar.

3. Conclusão
Tendo em conta tudo isto e observando também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2012,
identifico-me com a posição de que aquele que culposamente se recusar a submeter a testes de ADN, fica
onerado com o encargo de provar que não é o pai (334º/2). Assim, na minha opinião, o direito à integridade
pessoal, em ação de investigação pessoal tem de ceder perante o direito à identidade pessoal e genética do
filho (26º CRP).

“Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta
da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o
que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios
coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para
efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo
344.º do Código Civil.”

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